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INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA CURSO DE GRADUAÇÃO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA JOÃO ROBERTO BÊTA CASAL LÓGICA NA MATEMÁTICA E NO COTIDIANO: UMA REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA LÓGICA NO ENSINO NITERÓI 2018

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INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA

CURSO DE GRADUAÇÃO DE LICENCIATURA EM

MATEMÁTICA

JOÃO ROBERTO BÊTA CASAL

LÓGICA NA MATEMÁTICA E NO COTIDIANO: UMA REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA LÓGICA

NO ENSINO

NITERÓI 2018

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JOÃO ROBERTO BÊTA CASAL

LÓGICA NA MATEMÁTICA E NO COTIDIANO: UMA REFLEXÃO SOBRE O

PAPEL DA LÓGICA NO ENSINO

Monografia apresentada à Coordenação do Curso Graduação de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para aprovação na disciplina Monografia (GGT 00013) .

Orientadora: Flávia dos Santos Soares

Niterói 2018

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais, por toda a ajuda, carinho e por me

proporcionarem condições para que eu pudesse me dedicar aos meus estudos e a

presente monografia.

Agradeço a minha namorada, Luciana Martins, e aos meus amigos de

curso por não me fazerem desistir.

Agradeço a Universidade Federal Fluminense e ao Instituto de Matemática

e Estatística da UFF, pela assistência dada no decorrer da minha graduação.

Agradeço aos meus professores, que foram parte importante na minha

formação intelectual. Pelas indicações de leitura e conversas que instigaram

leituras mais profundas sobre conteúdos extracurriculares.

Agradeço a Prof. Dra. Flávia dos Santos Soares pela sua magistral

orientação. Agradeço também, toda a atenção e tranquilidade que me foi

despendida, e pela paciência durante a elaboração da monografia.

Por fim, agradeço a todas as pessoas que passaram pela minha vida e de

certa forma contribuíram para minha formação emocional e intelectual.

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RESUMO

A mobilização do raciocínio lógico permeia diversas atividades do nosso dia a dia, entre elas, a leitura, as tomadas de decisões, as escolhas, entre outros. A partir da estruturação das formas corretas de argumentação, feita por Aristóteles, a lógica passou por diferentes processos ao decorrer dos anos, se tornando parte importante da matemática. Pela sua importância na Matemática e pelo seu caráter interdisciplinar, a Lógica pode ser utilizada para auxiliar o processo de ensino-aprendizagem de Matemática, não somente em relação ao simbolismo ou a fundamentação do campo, mas também na estruturação do pensamento. O intuito dessa monografia é trazer uma reflexão sobre o papel da Lógica na educação discutindo sobre seus aspectos e as possibilidades de trabalhar a Lógica no ensino de Matemática. Ao pensar em uma aprendizagem da Matemática de forma mais crítica e transformadora, o estudo da Lógica pode se fazer presente ao inserirmos conceitos de Lógica aos conteúdos matemáticos fixados no currículo da escola básica e utilizando-a como ferramenta para o ensino de outros conteúdos, fazendo correlações entre o cotidiano e a Matemática.

Palavras-chave: ensino de Lógica; Lógica no cotidiano; educação crítica.

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ABSTRACT

The use of logical reasoning permeates various activities of our day to day, among them, reading, making decisions, choices, among others. From the structuring of the correct forms of argumentation, made by Aristotle, logic went through different processes over the years, becoming an important part of mathematics. Because of its importance in Mathematics and its interdisciplinary nature, logic can be used to aid the teaching-learning process of mathematics, not only in relation to the symbolism or the grounding of the field, but also in the structuring of thought. The purpose of this monograph is to reflect on the role of logic in education by discussing its aspects and the possibilities of working logic in mathematics teaching. When thinking about a more critical and transformative learning of Mathematics, the study of logic can be made present when we introduce concepts of logic to the mathematical contents fixed in the curriculum of the basic school and using it as a tool for the teaching of other contents, making correlation between daily life and mathematics.

Key-words: logic teaching; logic in everyday life; critical education.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Aristóteles 14

Figura 2 – Euler 16

Figura 3 – Cartas de Euler a uma Princesa alemã 17

Figura 4 – Diagramas representando os 4 tipos de proposições categóricas

19

Figura 5 – George Boole 21

Figura 6 – Augustus De Morgan 23

Figura 7 – Gottlob Frege 24

Figura 8 – Giuseppe Peano 24

Figura 9 – Richard Dedekind 25

Figura 10 – Georg Cantor 25

Figura 11 – Diagramas de Euler para proposições com quantificadores 29

Figura 12 – Tabela-verdade para a negação de uma proposição 30

Figura 13 – Tabela-verdade para a conjunção 31

Figura 14 – Tabela-verdade para a disjunção 32

Figura 15 – Tabela-verdade para a condicional 33

Figura 16 – Tabela-verdade para a bicondicional 34

Figura 17 – Exercício de probabilidade 58

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................... 9

2 HISTÓRIA DA LÓGICA ...................................................................... 13

2.1 Origens da Lógica, Lógica como campo da filosofia .................... 13

2.2 A Lógica como campo da Matemática ............................................ 19

3 A LÓGICA NO COTIDIANO E NA MATEMÁTICA ............................. 27

3.1 Princípios Básicos da Lógica Formal .............................................. 27

3.1.1 Proposição ........................................................................................... 27

3.1.2 Operações Lógicas ................................................................................ 29

3.1.3 Contradições e Tautologias ................................................................. 34

3.1.4 Argumentos ......................................................................................... 35

3.2 A Lógica no cotidiano ....................................................................... 39

3.3 A Lógica na Matemática .................................................................... 46

3.3.1 Demonstração por contraexemplo ...................................................... 47

3.3.2 Demonstração por Contraposição ....................................................... 47

3.3.3 Demonstração de proposições condicionais ....................................... 48

3.3.4 Demonstração de proposições Bicondicionais .................................... 49

4 A LÓGICA NO ENSINO ...................................................................... 51

4.1 A Lógica no desenvolvimento cognitivo ......................................... 51

4.2 O ensino de Lógica e seu caráter interdisciplinar ......................... 53

4.3 Lógica no ensino de Matemática ..................................................... 55

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 60

6 REFERÊNCIAS ................................................................................... 61

ANEXO 65

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1 Introdução

O processo argumentativo é fundamental na vida de todos os cidadãos. Todos os

dias estamos diante de um pensar lógico nas tomadas de decisões, nos desencadeamentos

de ideias, nas avaliações de argumentações, entre outros. Mesmo que inerente ao pensar,

o desenvolvimento dessas capacidades é de suma importância para a vida em sociedade.

Por isso, seus estudos ultrapassaram a barreira do tempo e ainda são importantes nos dias

atuais.

[...] [Braine e Rumain (1983)] 1 argumentam ainda que o raciocínio

dedutivo preside ou condiciona praticamente a totalidade do

comportamento diário, e que tanto as mais simples ações, reações

ou atitudes quanto as mais complexas, implicam em raciocínio.

Observa-se porém que esse raciocínio formal que vem das

premissas é algo que emerge do exercício especializado, de um

ensino sistemático e tem o aparecimento mais tardio na evolução

da cultura humana. (RODRIGUES; DIAS; ROAZZI; 2002, p.118)

A capacidade de distinguir entre um argumento válido e um inválido depende do

reconhecimento de regras que validem a argumentação no que diz respeito a sua estrutura.

Isso não quer dizer que o convencimento está restrito a quem tem esses conhecimentos

ou, mesmo conhecendo a estrutura lógica de argumentação, não quer dizer que sempre

será utilizada pelo indivíduo, visto que há momentos em que a racionalidade humana se

torna camuflada por sua irracionalidade. Mas a sua aprendizagem torna o ser humano

mais propício a fazer julgamentos corretos a respeito de argumentos.

Salmon (1993) destaca que na Lógica o vocábulo “argumentar” é básico para a

Lógica. Na linguagem comum, segundo o autor,

[...] “argumentar” significa, muitas vezes “discutir”, “contender”. Em

Lógica, porém a palavra “argumentar” não tem essa conotação. Tal

como a usamos, um argumento pode ser empregado para justificar uma

conclusão, haja ou não franca discordância entre as partes. [...] Grosso

modo, um argumento é uma conclusão que mantém certas relações com

1 BRAINE, M. D. S.; RUMAIN, B. (1983). Logical reasoning. In: FLAVELL, J. H. & MARKMAN, E. M.

(orgs.). Cognitive development, carmichaelís manual of child psychology, v. III, p. 263-289. New York:

John Wiley & Sons.

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as provas que a confirmam e evidenciam. Em termos mais precisos, o

argumento é uma coleção de enunciados que se relaciona mutuamente.

Um argumento consiste em um enunciado que é a conclusão e em um

ou mais enunciados que formam as provas comprovadoras. (SALMON,

1993, p. 2) [grifos do autor]

Rodrigues, Dias e Roazzi (2002) citam Carraher que aponta duas vantagens para

o estudo da Lógica:

Primeiro, com seu uso, o informante tem mais facilidade em organizar

e apresentar idéias e, consequentemente, suas declarações terão

fundamentação mais clara e coerente. Segundo, o informante analisa

com maior facilidade as ideias apresentadas por outros, sabendo

interpretar argumentos complexos, esmiuçando-os com nitidez, para

conseguir conclusões claras e coerentes. (RODRIGUES; DIAS;

ROAZZI; 2002, p.118)

Com isso, as ideias da Lógica devem estar presente durante toda a vida escolar

dos indivíduos, formando pessoas que saibam argumentar e avaliar argumentações. Não

só pelo próprio processo cognitivo ligado ao raciocínio lógico para o desenvolvimento do

pensamento, mas como uma forma de criar e refutar argumentos a partir da Lógica formal.

Pelo seu caráter interdisciplinar, a Lógica pode ser vista em diversos conteúdos de

diversas disciplinas, podendo assim desenvolver o conhecimento não só dá Lógica formal

como de conteúdos de Lógica específicos para cada matéria.

Ao pensarmos na área da Matemática, seu o ensino e sua aprendizagem não podem

se restringir somente ao ensino metódico de um conteúdo. Deve transpassar a utilização

mecanizada da Matemática, buscando algo a mais que somente a reprodução de ideias. O

caminho da aprendizagem deve passar pelo desenvolvimento mental do pensamento

matemático e do real significado de seus objetos. Isso não quer dizer que as aplicações

devem ser ignoradas, muito pelo contrário, fazer com que se desperte no aluno o

reconhecimento da “ferramenta” matemática que deve ser utilizada para a resolução de

um problema real específico, faz parte do seu desenvolvimento na real compreensão da

Matemática. Por exemplo, mais importante do que entender o processo atrelado ao uso

da regra de três, é entender o porquê de sua aplicação em certos problemas e conseguir

identificá-los no dia a dia. Pensando em uma aprendizagem crítica, buscando uma maior

significação de certos conceitos por parte do aluno, a Lógica pode aparecer como um

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elemento intermediário do processo, tornando-se um ponto importante no

desenvolvimento cognitivo.

Buscando uma compreensão do papel da Lógica no ensino, este texto tem o intuito

de discutir a importância da Lógica no cotidiano, suas implicações na construção do

conhecimento e seu papel na educação escolar. Ao fazermos isso, buscamos uma reflexão

do papel da Lógica na Matemática, criticando a ideia de que somente essa área desenvolve

o raciocínio lógico (MACHADO, 2001). Sem ignorar os problemas relacionados a

quantidade exorbitante de conteúdos no currículo de Matemática, propomos a ideia de

um trabalho indireto e contínuo da Lógica em todos os anos da escola básica, sempre que

um conteúdo o permitir.

Iniciaremos com o capítulo 2 sobre a história do desenvolvimento da Lógica, a

fim de mostrar suas peculiaridades e o seu desenvolvimento ao longo dos anos, até

chegarmos no ponto em que a Lógica se torna parte integrante da área de Matemática.

Vale ressaltar, que as pesquisas no campo da Lógica não tiveram um desenvolvimento

gradual desde Aristóteles, havendo um período em que nada substancial foi adicionado

ao conteúdo encontrado em Organon. Não deixaremos de observar uma inserção didática

utilizada para uma melhor compreensão de seu conteúdo, que resultou em um processo

visual muito utilizado para a compreensão de conjuntos.

No capítulo 3, trabalharemos com os conceitos básicos da Lógica formal e sua

utilização na Matemática por meio de seu uso nas demonstrações. Apresentaremos os

conceitos de proposição, conectivos e algumas estruturas de argumentos. A compreensão

desses conceitos por parte do professor facilitaria o trabalho de encontrar pontos no

currículo de Matemática onde a lógica pode ser trabalhada e desenvolvida. Não falaremos

a respeito de outros sistemas lógicos que não tenham uma grande relação com a Lógica

aristotélica. Visto que seu desenrolar não seria de grande serventia para o objetivo do

texto. Discutiremos também sobre a Lógica no cotidiano e os problemas encontrados

pelos indivíduos na avaliação de argumentações.

Ainda discutiremos sobre o papel da Lógica no desenvolvimento do pensamento

humano e em que contextos do pensamento cognitivo ele é transformado e compreendido.

Posteriormente, discutiremos uma possibilidade de se trabalhar a lógica na educação

básica. Tentando responder uma pergunta, “se a Lógica é importante para o

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desenvolvimento do raciocínio matemático, porém não deve estar situada no programa

curricular de Matemática da escola básica, como podemos trabalhá-la? ”. Serão propostas

algumas ideias, porém apenas como exemplificação de como podemos trabalhar a lógica

de forma “indireta”.

O capítulo 4, intitulado “A Lógica no ensino”, está voltado para a discussão do

papel da Lógica como um auxiliar para uma aprendizagem, significativa dos conteúdos a

ser abordados.

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2 História da Lógica

Neste capítulo iremos discutir sobre o desenvolvimento da Lógica tanto no campo

da Filosofia quanto no campo da Matemática, explicitando alguns filósofos e matemáticos

que se preocuparam de alguma forma com o desenvolvimento ou aprimoramento da

Lógica. Separamos este capítulo em duas partes, uma falando sobre a Lógica na Filosofia

e outro sobre a Lógica na Matemática. No tópico sobre a Lógica como campo da Filosofia

apresentaremos a estruturação da Lógica por Aristóteles e uma inserção didática

encontrada por Euler para ensinar Lógica a uma jovem princesa. Seguindo para o tópico

sobre a Lógica na Matemática, veremos a idealização e desenvolvimento do campo da

Lógica Matemática. Não foi de nosso interesse nos debruçarmos sobre o período da

Lógica escolástica, destinando a ela uma pequena parte no início do tópico sobre a Lógica

como campo da Matemática.

A história da lógica pode ser dividida, com simplificação ligeiramente

excessiva em três estágios: (1) lógica Grega, (2) lógica escolástica e (3)

lógica matemática. No primeiro estágio, as fórmulas lógicas consistiam

de palavras da linguagem ordinária, sujeitas às regras sintáticas usuais.

No segundo estágio, a lógica era tirada da linguagem ordinária, mas

caracterizada por regras sintáticas diferenciadas e funções semânticas

especializadas. No terceiro estágio, a lógica ficou marcada pelo uso de

uma linguagem artificial em que palavras e sinais têm funções

semânticas muito limitadas. Ao passo que nos dois primeiros estágios

teoremas lógicos eram derivados da linguagem ordinária, a lógica do

terceiro estágio procede de maneira oposta – primeiro ela constrói um

sistema puramente formal e só depois procura uma interpretação na fala

comum. (BOYER, 1974, p. 428)

2.1 Origens da Lógica, Lógica como campo da Filosofia

Ao nos perguntarmos sobre a origem da Lógica formal, voltamos ao século IV

a.C. e nos deparamos com Aristóteles (384-322 a.C.) em sua obra Organon. Não se sabe

ao certo se houve algum outro estudo anterior sobre as formas do discurso, porém, caso

haja, os escritos não se perpetuaram até os dias atuais. Organon é uma obra formada por

um conjunto de 6 escritos sobre a arte de filosofar, a arte de exercitar a filosofia.

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Figura 1 – Aristóteles2

Utilizando os escritos de Aristóteles, o Organon visa falar sobre a linguagem e o

estudo dos métodos corretos de argumentação.

O sistema de livros que a tradição liceal formulou com os escritos

lógicos de Aristóteles e discípulos, destinado à escola peripatética,

intitula-se Organon, que se traduz por órgão, instrumento. órgão é

elemento de aparelho, e nesta acepção Aristóteles inventou o nome:

elemento do aparelho analítico, a Analítica, que a escolástica latina

batizou com o nome de Lógica. O aparelho inclui, além da Analítica, a

Gramática e a Retórica, mas os fundamentos do trívio constam deste

compêndio do pensamento rigoroso e não paralogista dos livros

orgânicos, fonte da lógica formal, a pontos de o próprio Aristóteles

reconhecer que, antes dele, nada havia a citar, apesar da penosidade que

sofreu em busca de eventuais fontes anteriores, de onde o seu exercício

analítico e retórico constituir o primeiro na escola grega e, por efeito,

nas demais escolas. (GOMES apud ARISTÓTELES, 1985, p. 9)

Apesar de não chamá-la originalmente pelo nome de Lógica, Aristóteles buscou

organizar a Lógica dedutiva e seus processos.

2 Busto de Aristóteles em mármore. Imagem retirada de:

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/62/Aristotle_Altemps_Detail.jpg

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A primeira parte da obra começa falando sobre categorias. Ao introduzir o

conceito de substância, o termo de uma proposição, Aristóteles afirma que as substâncias

não admitem algo contrário. Porém, apesar de ser una, pode receber simultaneamente

qualificações contrárias, dependendo da situação. Isso pode acabar sendo problemático,

pois não saberíamos se uma afirmação é verdadeira ou falsa.

Na segunda parte, intitulada “Da interpretação”, Aristóteles começa explicando

conceitos gramaticais para que possa inserir a ideia de proposição e principalmente de

proposição categórica.

As duas partes seguintes, denominadas sucessivamente como “Analíticos

anteriores” e “Analíticos posteriores”, Aristóteles discute as formas corretas de

argumentação, abordando conceitos como o de silogismo. Para Aristóteles, “O silogismo

é uma locução em que, uma vez certas suposições sejam feitas, alguma coisa distinta delas

se segue necessariamente devido à mera presença das suposições como tais”

(ARISTÓTELES, 2010, p.112). Está definição de silogismo é encontrada em Analíticos

Anteriores (livro I). Outras definições de silogismo podem ser encontradas na obra como

na parte denominada “Tópicos”: “O silogismo é um discurso argumentativo no qual uma

vez formuladas certas coisas, alguma coisa distinta dessas coisas resulta necessariamente

através delas pura e simplesmente” (ARISTÓTELES, 2010, p.347).

Não se sabe ao certo o motivo que levou Aristóteles a desenvolver a Lógica

formal. Porém, pode-se observar que algumas partes de suas obras sugerem uma possível

motivação para tal. A sexta parte da obra Organon, denominada “Refutações sofísticas”,

trabalha em cima das falácias, essas por muitas vezes utilizadas pelos sofistas. Sabe-se

que os Sofistas foram adversários e diversamente alvos de críticas por parte de Platão e

Aristóteles. Com isso, os sofistas podem ter impulsionado Aristóteles a pesquisar sobre

os modos válidos de argumentação.

Os escritos de Aristóteles a respeito da Lógica dedutiva foram de extrema

importância para diversas gerações posteriores, de forma que nenhuma mudança

substancial ocorreu na Lógica durante aproximadamente 2000 anos. Uma grande

mudança ocorreu somente a partir de Frege, Russell e Whitehead. Além disso, seus

escritos se mostraram importantes para diversas áreas, entre elas, a Matemática, a ciência

e a linguagem. Apesar de se preocupar de certa forma com o ensino da Lógica, levando

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em conta as exemplificações que utilizou em seus escritos, os textos de Aristóteles não

eram de fácil entendimento para grande parte dos leitores. Assim, ao pensarmos em um

momento da história em que houve um maior zelo ao se ensinar Lógica, podemos pensar

em Euler e suas cartas a uma princesa da Alemanha.

Figura 2 – Euler3

Em 1740, Frederico II ao assumir trono da Prússia, com o intuito de revitalizar a

Academia de Ciências em Berlim, convida Leonhard Euler (1707-1783) a assumir uma

posição na sua Academia de Ciências da Prússia. O convite foi aceito e em 1741 Euler se

mudou para Berlim.

Uma das primeiras iniciativas do rei da Prússia foi revitalizar a

academia de ciências em Berlim, que havia declinado nas últimas

décadas. Para lhe dar um prestígio equivalente ao da academia de

ciências da França, Frederick II procura o mais importante cientista da

época, convidando Euler a se juntar a sua Academia real de ciências da

Prússia (MUSIELAK, 2014, p. 3, tradução nossa).

3 Reprodução da obra de Jakob Emanuel Handmann, localizada no Deutsches Museum, Munich. Disponível

em https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/60/Leonhard_Euler_2.jpg

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Em 1760, no auge de sua carreira como diretor do Departamento de Matemática

da Academia de Ciências da Prússia, Euler começou a instruir a princesa Friederike

Charlotte von Brandenburg-Schwedt por meio de cartas. Não se sabe ao certo quando

Euler conheceu a princesa e nem o motivo que levou uma princesa, de apenas 15 anos, a

educar-se com Euler. Porém, acredita-se que o intuito era de preparar a princesa para algo

maior que apenas sua curiosidade.

Especula-se que Euler visitou o futuro Margrave em seu castelo em

Berlim com o objetivo de servir de tutor às suas filhas. Em 1782,

Condorcet insinuou que a princesa desejava receber de Euler algumas

lições de física. Todavia, em 1760, Charlotte já era abadessa-coadjutor

da abadia de Herford e é mais provável que as cartas tinham a intenção

de prepará-la para governar como uma princesa abadessa

(MUSIELAK, 2014, p. 4, tradução nossa).

Em 19 de abril de 1760, Euler escreve sua primeira carta destinada à princesa, que

na época tinha apenas 15 anos. Durante 2 anos foram escritas 234 cartas em língua

francesa, língua utilizada pela corte da Prússia.

Figura 3 – Cartas de Euler a uma Princesa alemã4

4 Imagem retirada de:

https://ia801404.us.archive.org/33/items/lettersofeuleron01eule/lettersofeuleron01eule.pdf

https://ia801404.us.archive.org/33/items/lettersofeuleron02eule/lettersofeuleron02eule.pdf

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As cartas continham conteúdos sobre diversas áreas, como: Física, Ciência,

Astronomia, Música, Lógica, Teologia e Filosofia. Pela complexidade dos assuntos,

principalmente para uma pessoa de 15 anos, Euler tomou alguns cuidados em relação ao

ensino desses conteúdos como a utilização de desenhos, tabelas e esquemas gráficos como

artifícios didáticos a fim de buscar uma melhor compreensão por parte da destinatária.

Em 1766, a convite da imperadora russa Catarina II, Euler retornou para a Academia de

Ciências de São Petersburgo. Lá, em 1768, foi publicado uma coletânea de 3 livros

contendo cópias das cartas de Euler para a princesa Friederike Charlotte.

Posteriormente, Euler perdeu quase totalmente a visão depois de uma

doença. Alguém na Russia deve ter lido as cópias das cartas que Euler

havia escrito a princesa e descobriu a riqueza científica e filosófica que

elas continham. O propósito e a profundidade dos tópicos tratados por

Euler fizeram da coleção de cartas uma enciclopédia única. A

imperatriz incentivou a publicação das cartas, com o intuito de tornar a

ciência acessível a uma ampla variedade de leitores. Ela estava correta.

Publicado em 1768, originalmente em língua francesa, Lettres à une

Princesse d’Allemagne sur divers sujets de Physique & de Philosophie

tornou-se rapidamente um sucesso. No final do século XVIII, a trilogia

de livros foi traduzida para quase todas as línguas europeias, passando

por diversas impressões. (MUSIELAK, 2014, p. 5, tradução nossa)

Foram destinadas pelo menos 7 cartas para ensinar conceitos de Lógica à

princesa. É difícil saber em que ponto começa o ensino da Lógica, pois há uma introdução

ao conceito filosófico de noção, que serviria posteriormente para o entendimento de

proposição. Aqui consideramos a primeira carta sobre o estudo da Lógica, aquela que

introduz o conceito de proposição.

Euler passou um mês debruçando-se em temas da Lógica clássica, sendo a

primeira carta datada de 10 de fevereiro de 1761. Antes de falar sobre Lógica, Euler

dissertou sobre a importância da linguagem para o exercício das abstrações, pois, no uso

da linguagem, empregamos palavras, que nada mais são que símbolos, correspondentes a

ideias ou objetos. A fim de ensinar sobre os processos válidos de argumentação, Euler

propôs o estudo da Lógica. Pela profundidade e complexidade do tema, Euler utilizou

representações visuais como um auxílio didático para uma melhor compreensão da

natureza dos objetos por meio da visão. Euler começou sua inserção didática utilizando

diagramas para melhor elucidar os 4 tipos de proposições categóricas. De acordo com

Euler, uma substância contém um número infinito de objetos individuais, então

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poderíamos pensá-la como um espaço no qual todos esses objetos estariam contidos.

Assim, Euler representou com um círculo o espaço no qual todos os objetos referentes a

uma certa substância estariam ali inseridos. Na figura 3 podemos ver como Euler tratou

o tema. O mesmo artifício foi utilizado para ensinar as formas válidas de argumentação.

(Ver anexo).

Figura 4 – Diagramas representando os 4 tipos de proposições categóricas

Fonte: Letters of Euler to a German Princess, 1802, p. 398

Como vimos, Euler precisou pensar em intervenções didáticas para ensinar

Lógica. Durante um bom tempo, diversos livros de Lógica utilizaram o diagrama de Euler

como uma forma de simplificar o entendimento da Lógica. Alguns matemáticos, entre

eles John Venn (1834-1923), buscaram aprimorar os diagramas de Euler a fim de torná-

los mais abrangentes.

2.2 A Lógica como campo da Matemática

Os Elementos, de Euclides, é um dos primeiros trabalhos a se preocupar com as

demonstrações na Matemática, utilizando um sistema dedutivo próprio como forma de

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expressar e demonstrar objetos relativos à geometria, por meio de postulados. Este

sistema dedutivo era diferente do que foi proposto por Aristóteles.

Certamente um dos grandes feitos dos matemáticos gregos antigos foi

a criação da forma postulacional de raciocínio. A fim de se estabelecer

uma afirmação num sistema dedutivo, deve-se mostrar que essa

afirmação e uma consequência lógica necessária de algumas afirmações

previamente estabelecidas (EVES, 2011, p. 179).

Ao pensarmos na Lógica formal como campo da Matemática, temos que ter em

mente que a Lógica por muito tempo não esteve associada diretamente a Matemática.

Segundo Ferreirós (2010), a Lógica passou por um grande crescimento na Idade Média

(sec. V – sec. XV), porém, naquela época, a Lógica não se comunicava com a Matemática.

Enquanto a Lógica era uma das “artes” do Trivium (Lógica ou dialética, gramática e

retórica), que correspondia a ciência da linguagem, a Matemática estava ligada ao

Quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia), ciência da matéria e das

quantidades5.

As ideias de pensar em uma linguagem universal ou até mesmo um modelo de

raciocínio lógico para o cálculo, só vieram no século XVII com as ideias de mathesis

universalis, de René Descartes (1596-1650), língua characterica e calculus ratiocinator,

de Leibniz. Por também ser filósofo, Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) foi o

primeiro a se preocupar com a algebrização da Lógica. Segundo (BOYER, 1974), ele

desejava criar um sistema que “formalizasse” e “algebrizasse” a Lógica, introduzindo

símbolos que fossem facilmente compreendidos, a fim de tornar a Lógica uma linguagem

universal. Seus estudos fluíram pela integração entre a Lógica proposicional e as

operações fundamentais da álgebra, correlacionando conceitos como disjunção e soma;

conjunção e multiplicação. Outros autores também deram a devida atenção ao tema.

Leibniz conseguiu, em terminologia corrente, formular as principais

propriedades da adição, multiplicação e negação logicas, considerou a

classe vazia e a inclusão de classes e notou a semelhança entre algumas

propriedades da inclusão de classes e a implicação de proposições.

(EVES, 2011, p. 443)

5 Por toda a Idade Média, o Trivium e o Quadrivium compuseram as chamadas Sete Artes Liberais, ou seja,

o conjunto dos estudos que antecedia o ingresso do estudante a Universidade.

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A tentativa feita por Leibniz de formalizar a Lógica foi ignorada em sua época,

fazendo com que sua discussão e relevância só viessem a aparecer no século XIX, quando

George Boole (1815-1864), em 1847, em seu livro The Mathematical Analysis of Logic

(Análise matemática da Lógica) trouxe novamente as discussões sobre os fundamentos

da Lógica formal.

Boole defendia que o caráter essencial da matemática reside em sua

forma e não em seu conteúdo; a matemática não e (como alguns

dicionários ainda hoje afirmam) simplesmente “a ciência das medidas

e dos números”, porém, mais amplamente, qualquer estudo consistindo

em símbolos juntamente com regras precisas para operar com esses

símbolos, regras essas sujeitas apenas a exigência de consistência

interna (EVES, 2011, p. 557).

Em 1854, Boole lançou outro livro, ampliando o trabalho realizado anteriormente.

Nesses novos escritos intitulado Investigations of laws of thought (Uma investigação das

leis dos pensamentos), Boole fundamenta a Lógica formal e desenvolve uma nova

álgebra.

Figura 5 – George Boole6

6 Imagem retirada de http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/PictDisplay/Boole.html.

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No mesmo período, outro matemático também deu grandes contribuições a área

da Lógica matemática.

Augustus De Morgan começou a investigar o raciocínio relacional em

matemática, com o objetivo de enriquecer as estruturas do silogismo

aristotélico mediante novos padrões mais ricos, que pela primeira vez

permitiram analisar a lógica das inferências matemáticas.

(FERREIRÓS, 2010, p. 281, tradução própria)

Augustus De Morgan (1806-1871) tinha o mesmo pensamento de Boole a respeito

da Matemática. Para ambos a Matemática se constituía de “[...] um estudo abstrato de

símbolos sujeitos a conjuntos de operações simbólicas” (EVES, 2011, p.558). A partir

dessa similaridade de pensamento, De Morgan desenvolveu o que hoje conhecemos como

as leis de De Morgan. Este,

[...] deu continuidade ao trabalho de Boole na álgebra de conjuntos,

enunciando o princípio da dualidade da teoria dos conjuntos, do qual as

chamadas leis de De Morgan representam uma ilustração: Se A e B são

subconjuntos de um dado conjunto universo, então o complemento da

união de A com B é a interseção dos complementos de A e de B, e o

complemento da intersecção de A e B é a união dos complementos de

A e B ( em símbolos: (𝐴 ∪ 𝐵)′ = 𝐴′ ∩ 𝐵′ 𝑒 (𝐴 ∩ 𝐵)′ = 𝐴′ ∪ 𝐵′ onde 𝑋′ indica o complemento de X). (EVES, 2011, p. 558)

As contribuições de Boole e de De Morgan foram importantes para o

desenvolvimento da álgebra das relações por C.S. Peirce, tendo sido sistematizada por

Ernst Schroeder em Lições sobre a álgebra da lógica, baseados na álgebra da Lógica de

Boole e na Lógica das relações de De Morgan.

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Figura 6 – Augustus De Morgan7

Cabe ressaltar que segundo Ferreirós (2010), as pesquisas em Lógica matemática

de De Morgan e Boole, voltadas para a algebrização da Lógica são significativamente

diferentes das pesquisas posteriores em Lógica matemática, associadas a Frege, Cantor,

Dedekind, Peano e Russel. Esses últimos passaram a pesquisar sobre assuntos que

anteriormente estavam mais para a área da Filosofia do que da Matemática, como a busca

por esclarecer o conceito de número.

Essa nova abordagem no pensamento da Lógica matemática se inicia a partir dos

trabalhos de Gottlob Frege (1848-1925) e de Giuseppe Peano (1858-1932). “O que

motivava o trabalho de Peano era o desejo de expressar toda a Matemática em termos de

um cálculo lógico, ao passo que o trabalho de Frege derivava da necessidade de uma

fundamentação mais sólida para a matemática” (EVES, 2011, p.670).

7 http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/PictDisplay/De_Morgan.html

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Figura 7 – Gottlob Frege8 Figura 8 – Giuseppe Peano9

Por um olhar tão matemático quanto filosófico, alguns matemáticos se viram

levados ao estudo da teoria dos conjuntos, estabelecido por Richard Dedekind (1831-

1916) como o verdadeiro fundamento da Matemática e tendo em Georg Cantor (1845-

1918) o seu maior inovador. Não é à toa que, segundo Ferreirós (2010), as discussões em

torno da teoria dos conjuntos foram incentivadoras de novas ideias lógicas a partir de

1900. De forma que, no decorrer do século a teoria dos conjuntos se torna indissociável

da Lógica matemática a nível institucional.

8 Imagem retirada de: http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/PictDisplay/Frege.html 9 Imagem retirada de: http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/PictDisplay/Peano.html

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Figura 9 – Richard Dedekind10 Figura 10 – Georg Cantor11

No final do século XIX e início do século XX, muitos trabalhos sobre a lógica

matemática e a fundamentação da Matemática tiveram uma maior recepção por parte de

filósofos que de matemáticos, principalmente por causa do empenho de pesquisadores

que eram tanto filósofos quanto matemáticos, como Frege e Bertrand Russel (1872-1970),

que tiveram contribuições igualmente grandiosas à Filosofia, como a idealização da

Filosofia analítica.

Convêm enfatizar que estas novas contribuições vieram sobretudo de

matemáticos com um notório interesse pela filosofia e pelos árduos

problemas dos fundamentos do conhecimento matemático. Suas

contribuições reorientaram os caminhos da tradição lógica e

retrospectivamente pode-se dizer que arrancaram da filosofia um

campo que até então havia sido considerado próprio, para formar uma

nova disciplina caracteristicamente matemática. (FERREIRÓS, 2010,

p. 281)

O trabalho iniciado por Frege e Peano levou Russell a criar, em conjunto com

Alfred North Whitehead (1861-1947), o Principia Mathematica, “[...] a idéia básica dessa

obra é a identificação de grande parte da Matemática com a Lógica pela dedução do

sistema dos números naturais e, portanto, do grosso da Matemática, a partir de um

10 Imagem retirada de: http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/PictDisplay/Dedekind.html 11 Imagem retirada de: http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/PictDisplay/Cantor.html

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conjunto de premissas ou postulados da própria lógica” (EVES, 2011, p.670). O principia

mathematica teve uma grande importância para a fundamentação da Matemática, de tal

forma que, ainda hoje, há muitos matemáticos pesquisando sobre Lógica simbólica.

Outro matemático com notória importância na fundamentação da Matemática foi

David Hilbert (1862-1943). Hilbert teve diversas contribuições para a Matemática,

principalmente na fundamentação da Geometria em seu livro Grundlagen der Geometrie,

no qual apresenta o que conhecemos hoje como os axiomas de Hilbert. Podemos

encontrar outra grande contribuição em seu trabalho denominado Grundlagen der

Mathematik, no qual Hilbert “[...] tentava construir a matemática mediante o uso da

Lógica simbólica de uma nova maneira cujo objetivo era tornar possível a determinação

da consistência da matemática” (EVES, 2011, p.670).

Como vimos no texto, o desenvolvimento e as transformações da Lógica, por parte

da Matemática, foram tão profundas, que, no decorrer dos anos, a Lógica se tornou um

objeto, de forma interdisciplinar, tanto da Filosofia quanto da Matemática.

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3 A Lógica no cotidiano e na Matemática

Neste capítulo falaremos sobre a Lógica formal, aquela formalizada por

Aristóteles, em sua diversidade, porém sem um grande aprofundamento a respeito do

tema. Veremos também um exemplo do uso da Lógica na Matemática por meio do uso

em demonstrações e alguns problemas encontrados pelos indivíduos para resolver

problemas envolvendo a Lógica.

O lógico,

[...] se ocupa da coerência do discurso sem levar em conta o tema sobre

o qual esse versa. O ponto central desta questão está na distinção entre

verdade lógica e verdade factual. Uma verdade lógica é sustentada em

virtude da sua forma, mas não em decorrência do conteúdo por ela

expresso. Por exemplo, a afirmação ‘ João está vivo ou João não está

vivo’ é tida como verdade lógica. Ela será sempre verdadeira,

independente de quem seja João ou do que seja estar vivo. (MARTINS;

2012, p.1)

3.1 Princípios Básicos da Lógica Formal

Ao começar o estudo da Lógica primeiramente devemos diferenciar a forma do

conteúdo de uma sentença. O conteúdo de um enunciado diz respeito ao sentido de uma

argumentação, enquanto a forma é tudo que permanece inalterado quando muda-se o

componente da proposição. A Lógica não está interessada no estudo do conteúdo de uma

frase, mas sim em sua forma. Neste capítulo, nos debruçaremos no estudo de alguns

conceitos básicos da Lógica, como proposições e argumentos.

3.1.1 Proposição

Proposição é uma sentença que pode ser classificada somente como verdadeira ou

falsa, não podendo ter uma terceira via ou ser as duas ao mesmo tempo. Logo, enunciados

como “Como foi o seu dia? ” ou “Deus te acompanhe!”, que não podem ser classificados

como verdadeiro ou falso, não são proposições. Enquanto enunciados como “Brasília é a

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capital do Brasil” é uma proposição, pois podemos atribuir valor de verdadeiro ou falso

a esse enunciado12. Com isso, nem todo enunciado é uma proposição e mais ainda, só

serão proposições enunciados declarativos.

Exemplos de proposição:

Manga é uma fruta.

Coração é um órgão.

Ainda assim, podemos encontrar problemas ao classificar algumas proposições.

Em proposições como “A maioria das pessoas são felizes”, não podemos facilmente

classificá-la como verdadeira ou falsa. “Aristóteles evitou essas imprecisões da

linguagem ordinária considerando, apenas, em seus argumentos, proposições que não

pudessem dar margem a dúvidas quanto ao seu entendimento” (MACHADO; CUNHA,

2005, p. 33-34). Esses tipos de proposições das quais podemos aferir classificação são

chamadas de proposições categóricas. Elas são escritas com o uso de quantificadores de

dois tipos: universal ou existencial.

• Afirmação universal: “Todo a é b”

Exemplo: Todo Gato é mamífero

• Afirmação particular: “Alguns a são b”

Exemplo: Alguns triângulos são isósceles.

• Negação universal: “Nenhum a é b”

Exemplo: Nenhum número par maior que 2 é primo.

• Negação particular: “Alguns a não são b”

Exemplo: Alguns artistas não são famosos

A figura a seguir ilustra os quatro tipos de proposições citadas.

12 “Verdade e falsidade são conhecidos como valores de verdade de enunciados; cada enunciado tem um e

somente um desses valores de verdade” (SALMON, 2002, p. 20).

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Figura 11 – Diagramas de Euler13 para proposições com quantificadores

Fonte: MACHADO; CUNHA (2005, p. 38)

Podemos também trabalhar a relação entre os quantificadores universal e

particular. De tal forma que se uma afirmação universal é verdadeira, então uma

afirmação particular, desta afirmação universal, também será verdadeira. Se “Todo gato

é mamífero“ é verdade, então “alguns gatos são mamíferos” também é verdade. Porém

não podemos tirar grandes conclusões quando estamos diante de casos que partam do

particular para o universal.

3.1.2 Operações lógicas

Negação (¬)

A negação de uma proposição p, é uma proposição representada por “não p”, cujo

valor lógico seja contrário a ela mesma (KELLER; BASTOS, 2000). Utiliza-se (¬) ou (~)

como representação simbólica da negação.

13 Os diagramas levam o nome do matemático suíço Leonhard Paul Euler (1703-1783). Segundo Machado

e Cunha (2008), Euler teria recorrido a esses diagramas tendo em vista facilitar a compreensão das regras

da boa argumentação.

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p

¬ p (negação de p)

Exemplos:

Afirmação: Brasília é a capital do Uruguai.

Negação: Brasília não é a capital do Uruguai.

Afirmação: 5 não é um número ímpar.

Negação: 5 é um número ímpar.

p ¬ p

V F

F V

Figura 12 – Tabela-verdade14 para a negação de uma proposição

Alencar Filho (2002) considera que outra maneira de efetuar a negação consiste

em antepor a proposição dada expressões como “não é verdade que”, “é falso que”.

Assim, conforme exemplo do autor, dada a proposição p “Carlos é mecânico”, ¬ p pode

ser escrita como “Não é verdade que Carlos é mecânico” ou “É falso que Carlos é

mecânico”. Entretanto, “[...] a negação de “Todos os homens são elegantes” é “Nem todos

os homens são elegantes” e a de “Nenhum homem é elegante” é “Algum homem é

elegante” (ALENCAR FILHO, 2002, p.18).

Conjunção (^)

Proposições lógicas podem ser encontradas em toda a teoria matemática.

proposições simples podem ser combinadas para formar proposições compostas, cujos

valores lógicos também podem ser determinados. Uma forma de obter proposições

compostas é com o uso dos conectivos.

14 Nas tabelas-verdade empregam-se a letra V para denotar o valor lógico verdadeiro e a letra F para denotar

o valor lógico falso de uma proposição. “A ideia básica subjacente na construção de tabelas de verdade é

que existem certas maneiras de realizar enunciados compostos a partir de resultados simples, de modo que

o enunciado composto é completamente determinado pelos valores de verdade das parte componentes”

(SALMON, 2002, p. 20).

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Chamamos de conjunção a junção de duas proposições simples pelo conectivo

“e”.

Para que uma conjunção seja verdadeira é necessário que as duas proposições

simples sejam verdadeiras. Utiliza-se “^” como representação simbólica da conjunção.

p ^ q

p q p ^ q

V V V

V F F

F V F

F F F

Figura 13 – Tabela-verdade para a conjunção

Alguns exemplos dados por Machado e Cunha (2005) são: “João é pernambucano

e 2+2=5”, “Platão era grego e Pilatos era romano” (p. 54).

Salmon (2002) alerta ainda para o aspecto temporal que não está sendo

considerado quando usamos o conectivo “e” que, nas conversas comuns, tem um

significado diferente quando usamos a simbologia matemática. A proposição “Joana

ficou grávida e casou” dada pelo autor, teria uma significação radicalmente diferente da

do enunciado “Joana casou e ficou grávida”. Isso decorre por conta do fato de que a

palavra “e” tem, por vezes, a força de “e então”.

[...] sem formular quaisquer preceitos temporais, que ambos os

enunciados componentes, “Joana ficou grávida” e “Joana casou” são

verdadeiros [...] então, de acordo com a definição da tabela de verdade,

a conjunção desses dois enunciados é verdadeira, não importa a ordem

em que se combinam. Assim, há uma séria discrepância entre a palavra

“e” tal como é comumente usada na maioria das vezes e o conectivo

[...]. (SALMON, 2002, p. 21)

A conjunção aparece muitas vezes na linguagem corrente por meio da utilização

da palavra “e”, embora por vezes ela esteja disfarçada sob outras formas. Frases do tipo

“3 é um divisor comum de 9 e 12” ou “A comida é boa, enquanto que o serviço é pobre”

também envolvem a ideia de conjunção. Salmon (2002) lembra que “[...] outras palavras

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como “embora”, “todavia” e “contudo” servem frequentemente, tal como “mas”, para

enunciar uma conjunção e acentuar o contraste entre os conjuntos” (p.21).

Disjunção (v)

Chamamos de disjunção a ligação entre duas proposições simples por meio do

conectivo ou. Para que uma disjunção seja verdadeira é necessário que uma das

proposições simples seja verdadeira. Utiliza-se “v” como representação simbólica da

disjunção.

p v q

Exemplo:

Maria é atriz ou cantora.

A proposição será verdadeira se Maria for somente atriz, somente cantora ou

ambos.

p q p v q

V V V

V F V

F V V

F F F

Figura 14 – Tabela-verdade para a disjunção

Salmon (2002) chama atenção para o fato de que a palavra “ou” tem dois

significados distintos:

Numa acepção (conhecida como o sentido exclusivo) significa “um ou

outro mas não ambos”. Esse é o significado que tem num cardápio a

frase “sopa ou salada”, usada para informar o que é oferecido como

entrada. A outra acepção (conhecida como o sentido inclusivo) é

frequentemente traduzida pela expressão “e/ou”, que aparece amiúde

em documentos como apólices de seguro e testamentos (p. 21).

Assim, o “ou” na linguagem natural, pode traduzir tanto a ideia de possibilidades

mutuamente exclusivas como a de que pelo menos uma das hipóteses ocorre

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(MACHADO; CUNHA, 2005). “Na Lógica formal, no entanto, o conectivo ou é sempre

usado com o sentido não-exclusivo” (MACHADO; CUNHA, 2005, p. 55).

Condicional (⇒)

Chamamos de condicional uma proposição da forma “ se p, então q”. Essa

proposição é constituída de outras duas proposições simples concatenadas por uma

relação, na linguagem corrente, de “causa” e “efeito”. Utiliza-se “⇒” como representação

simbólica da condicional.

Exemplo:

Se amanhã não chover, então irei ao cinema.

p q p ⇒ q

V V V

V F F

F V V

F F V

Figura 15 – Tabela-verdade para a condicional

Igualmente para esse tipo de estrutura, Salmon (2002) faz algumas ressalvas. Para

o autor esse tipo de construção,

[...] difere acentuadamente da frase “se... então...” tal como é usada na

maioria dos enunciados condicionais do discurso comum. Ao definir

esse conectivo [...] vemo-nos comprometidos a tratar como verdadeiro

qualquer condicional que tenha um antecedente verdadeiro – por

exemplo, “Se Marte é um planeta, então os diamantes são compostos

de carbono”. Tal enunciado não seria normalmente visto como um

condicional razoável, porquanto parece não haver conexão nenhuma

entre a verdade do antecedente e a verdade do consequente (p. 21).

Alencar Filho (2002) alerta também que uma condicional “p ⇒ q” não afirma que

o consequente se deduz ou é consequência do antecedente p, como no exemplo, “ 7 é um

número ímpar ⇒ Brasília é uma cidade. O que a condicional afirma, segundo o autor é

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“[...] unicamente uma relação entre os valores lógicos do antecedente e do consequente

de acordo com a tabela-verdade [...]” (p. 23) (Figura 15).

Bicondicional ()

Chamamos de bicondicional ou equivalência proposições da forma “se p, e

somente se q”. Uma proposição bicondicional é verdadeira quando ambas as proposições

simples forem verdadeiras ou quando ambas as proposições simples forem falsas, caso

contrário a bicondicional será falsa. Isso acontece pois há uma implicação de p em q e

também uma implicação de q em p, em que ambas devem ser verdade. “É como se uma

delas acarretasse a outra e vice-versa, ou seja, intuitivamente como se cada uma pudesse

ser considerada, simultaneamente, causa e efeito. Do ponto de vista da Lógica Formal,

elas afirmam a mesma coisa” (MACHADO; CUNHA, 2005, p. 57). Utiliza-se “” como

representação simbólica da bicondicional.

Exemplo:

8 é menor que 10 se e somente se 10 é menor que 8.

p q p q

V V V

V F F

F V F

F F V

Figura 16 – Tabela-verdade para a bicondicional

3.1.3 Contradições e Tautologias

Chama-se contradição toda a proposição composta cujo valor lógico é sempre F

(falsidade) quaisquer que sejam os valore lógicos das proposições simples que a compõe

(ALENCAR FILHO, 2002). A frase atribuída a Sócrates “Só sei que nada sei” é um

exemplo de contradição. No ponto de vista da Lógica clássica, contradições não são

válidas, pois, uma proposição só pode ser verdadeira ou falsa, não podendo ser ambas.

Um dos problemas gerados pela contradição é a formação de paradoxos. De modo geral,

“[...] qualquer tipo de sentença composta equivalente a uma afirmação do tipo A e não-A

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é contraditória, ou traz uma contradição” (MACHADO; CUNHA, 2005, p. 58) [grifo do

autor].

Em uma aula, instado por um aluno a dar um exemplo de tal fato, o

filósofo e matemático Bertrand Russell solicitou dele uma contradição,

tendo recebido a seguinte proposição: “2=1 e 2≠1”. A partir dela,

prometeu: “Vou provar-lhe que sou o Papa!” E construiu o seguinte

argumento: “Eu e o Papa somos diferentes; eu e o Papa somos 2; Logo,

eu e o Papa somos 1”. (MACHADO; CUNHA, 2005, p. 59)

Esse tipo de argumento exposto por Bertrand Russel é um exemplo de problemas

que são gerados por proposições contraditória.

Diferentemente da contradição, a tautologia é um enunciado que afirma algo

sempre verdadeiro. Para Machado e Cunha (2005), do ponto de vista da lógica formal,

uma proposição tautológica nada nos informa de novo, em nada contribui para a

construção da argumentação. Frases como “João vai ao baile ou João não vai ao baile” é

um exemplo de Tautologia, pois caso primeira proposição seja falsa a segunda, sua

negação, será verdadeira e vice-versa. Como tratamos de uma disjunção, então a

veracidade de uma das proposições simples é suficiente para que a disjunção seja

verdadeira.

3.1.4 Argumentos

Ao se trabalhar com a Lógica, deve-se distinguir os conceitos de proposição e

argumento. Segundo Nahra e Weber (2005), as proposições são segmentos linguísticos

com sentido completo, podendo ser classificados como verdadeiro ou falso. Já os

argumentos são um conjunto de proposições que são combinados na forma de premissa

(ou mais de uma) e conclusão. Exemplo:

Todo mamífero tem glândulas mamárias. Premissa 1

Os gatos têm glândulas mamárias. Premissa 2

Os gatos são mamíferos. Conclusão

Podemos definir um argumento como válido ou inválido. Sua classificação

dependerá de alguns critérios:

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Um argumento é dito Válido quando:

• É impossível que, sendo verdadeiras suas premissas, seja falsa sua conclusão.

• É impossível que, considerado as premissas como sendo verdadeiras, a

conclusão não possa ser imediatamente deduzida destas premissas.

Um argumento é dito Inválido quando:

• Supondo que as premissas sejam verdadeiras, a conclusão pode ser falsa.

• Apesar das premissas serem consideradas como verdadeiras, a conclusão não

pode ser deduzida destas premissas.

Entretanto, Salmon (2002) ressalta que uma vez que:

[...] a correção ou incorreção lógica do argumento depende

exclusivamente da relação entre as premissas e a conclusão, e é

totalmente independente da verdade das premissas, segue-se que

podemos analisar argumentos sem saber se as premissas são

verdadeiras; de fato, podemos até analisá-los embora sabendo que as

premissas são falsas. Essa é uma característica desejável da situação. É

geralmente útil saber que conclusões podem ser inferidas de premissas

falsas ou duvidosas. Por exemplo, a deliberação inteligente envolve a

consideração das consequências de várias alternativas. Podemos

construir argumentos com várias premissas a fim de ver quais são as

possíveis consequências (p. 3).

Para Machado e Cunha (2005):

Em um argumento bem-construído, as premissas devem evidenciar

razões suficientes para que aceitemos a conclusão; em um argumento

mal construído, mesmo que a conclusão seja, eventualmente,

verdadeira, as premissas não são razões suficientes para garanti-la

(p.20).

Segundo Paixão (2007) “[...] se existe entre as premissas e a conclusão do

argumento uma relação de consequência necessária15, o argumento será dedutivo; e se

for uma relação de consequência apenas provável16, o argumento será indutivo” (p.36).

Ainda segundo o autor, o argumento dedutivo nos conduz de uma verdade mais geral para

15 Como consequência necessária o autor entende que é aquela que, se admitirmos a verdade da premissa

do argumento, nos obriga a aceitar incondicionalmente a verdade de sua conclusão. 16 A consequência provável, segundo o autor, e aquela em que caso admitamos a verdade das premissas,

obriga-nos a aceitar a verdade das premissas, mas apenas condicionalmente.

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uma verdade menos geral, enquanto que o argumento indutivo nos conduz de verdades

menos gerais para uma verdade mais geral.

Silogismo

Silogismo é um tipo de argumento dedutivo estruturado por duas premissas e uma

conclusão (PAIXÃO, 2007). As premissas são classificadas em premissa maior e

premissa menor. A premissa maior é formada pelo termo maior e pelo termo médio. A

premissa menor é formada pelo termo menor e pelo termo médio. A conclusão é formada

pelo termo maior e pelo termo menor. Exemplo:

Todos os homens são mortais. Premissa Maior

Carlos é homem. Premissa Menor

Carlos é mortal. Conclusão

Neste caso, mortal é o termo maior, homem o termo médio e Carlos o termo

menor. Como podemos observar o termo médio serve para fazer a “ligação” entre as

premissas.

No exemplo temos um tipo de silogismo no qual a primeira premissa é uma

afirmação universal, a segunda é uma afirmação particular e a conclusão também é uma

afirmação particular. Esse tipo de estrutura é característica do silogismo categórico ou

silogismo aristotélico. Silogismo categórico é um tipo de silogismo do qual tanto as

premissas quanto a conclusão são proposições categóricas.

Silogismo Condicional

O Argumento condicional é um tipo de argumento no qual sua primeira premissa

é da forma “se p, então q”.

P ⇒ Q Premissa Maior

P Premissa Menor

Portanto Q Conclusão

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A premissa maior é o ponto principal do argumento condicional. A premissa maior

informa que caso P seja verdadeiro então Q também será verdadeiro. A primeira

proposição (P) também é nomeada de “antecedente” enquanto que a segunda proposição

(Q) é denominada de “consequente”

Há quatro tipos básicos de Silogismo condicional (Modus Ponens, Modus Tollens,

Afirmação do Consequente, Negação do Antecedente). Destes quatro, apenas dois são

argumentos válidos (Modus Ponens e Modus Tollens).

• Modus Ponens – É um tipo de silogismo condicional no qual a premissa menor

e a conclusão são afirmativas, sendo a premissa menor referente ao antecedente.

Se p, então q p ⇒ q

p p

Portanto q q

Exemplo:

Se estiver chovendo, então ficarei em casa. p ⇒ q

Está chovendo. p

Fiquei em casa. q

• Modus Tollens – É um tipo de silogismo condicional no qual a premissa menor

e a conclusão são negativas, sendo a premissa menor referente a negação do consequente.

Se p, então q p ⇒ q

Não q ¬q

Então não p ¬p

Exemplo:

Se o fósforo acender então o óleo está quente. p ⇒ q

O óleo não está quente. ¬q

O fósforo não acendeu. ¬p

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• Afirmação do Consequente – É um tipo de silogismo condicional no qual a

premissa menor é referente a afirmação do consequente. Neste caso, nada podemos inferir

sobre a conclusão.

Se p, então q p ⇒ q

q q

?

Exemplo:

Se estiver chovendo, então ficarei em casa p ⇒ q

Estou em casa q

Está chovendo ou não está chovendo. p v ¬p

• Negação do Antecedente – É um tipo de silogismo condicional no qual a

premissa menor é referente a negação do antecedente. Nada podemos inferir sobre a

conclusão.

Se p, então q p ⇒ q

não p ¬p

?

Exemplo:

Se o fósforo acender então o óleo está quente. p ⇒ q

O fósforo não acendeu. q

O óleo está quente ou o óleo não está quente.

3.2 A lógica no cotidiano

No nosso dia a dia, estamos diante de situações nas quais o raciocínio lógico é

mobilizado. São encontrados alguns exemplos17, como os a seguir, com muita frequência.

17 Exemplos retirados de MARTINS (2012, p. 15-16).

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1) Senhor Arnaldo, quem faz hora extra recebe uma gratificação e eu tenho

trabalhado duas horas a mais do que foi acordado entre mim e a sua empresa. Logo, eu

estou merecendo uma gratificação.

2) Quero um carro confortável e dos carros que vi fiquei em dúvida entre o

Sandero e o Palio, mas o Palio é desconfortável. Logo, vou comprar o Sandero.

3) Mãe, as ruas ficam ermas, e consequentemente perigosas de madrugada e a

festa terminará lá pelas 2 horas da manhã, logo é preferível que eu durma na casa de

Adelaide para não correr riscos.

Quando tomamos decisões, defendemos opiniões, contamos uma piada e até

mesmo quando lemos um livro, estamos diante de situações em que chegamos a algumas

conclusões a partir de certas premissas. Mesmo inconscientemente, formamos conclusões

de acordo com premissas que já foram pré-estabelecidas pelo nosso subconsciente.

Nem sempre, entretanto, tem-se a consciência de se estar elaborando

em si mesmo, um silogismo completo. Às vezes, o que aflora no plano

da consciência é apenas a conclusão, traduzida em expressão verbal, em

ações ou em comandos. Mas, antes dela, ou melhor, por baixo dela,

subjaz como nos icebergs, uma elaborada série de processos mentais,

que fornece os elementos ou dados para a generalização presente no

silogismo. (RODRIGUES; DIAS; ROAZZI; 2002, p.118)

As piadas também trabalham com uma linha de pensamento argumentativo na

forma de premissas e conclusão. Ela se torna engraçada quando a sua conclusão é

inesperada, uma vez que uma interpretação dúbia de uma palavra ou frase ou por omissão

de alguma premissa, pode encaminhar o ouvinte a uma conclusão diferente da piada.

Como podemos ver a seguir:

– A mãe pergunta ao Joãozinho: “Joãozinho, porque você e seu amigo Marcos não

passam mais tempo juntos? ”

– Joãozinho: “Mãe, você gosta de passar tempo com alguém que fume e beba? ”

– Mãe: “Claro que não, Joãozinho! ”

– Joãozinho: “Então! O Marcos também não gosta.”

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Nessa piada, o ouvinte é levado a pensar que o que fez Joãozinho não passar mais

tempo com Marcos é o fato de Marcos fumar e beber. Porém, no final, o ouvinte é

surpreendido pois, quem fuma e bebe é o Joãozinho.

Na análise ou criação de argumentos, utilizamos essencialmente duas condições:

A verdade das premissas e a validade do argumento.

Segundo Machado e Cunha (2005) o julgamento a respeito da veracidade do

conteúdo das premissas é garantido por vários fatores, entre eles estão: o conhecimento

plenamente justificado no terreno científico; a autoridade de especialistas no tema; ser

uma questão de princípios, ou um dogma indiscutível; o conhecimento a nível de senso

comum; confiança na palavra de quem as enuncia. Mesmo possuindo uma base para a

crença nas premissas, há sérios problemas relativos a esses fatores. Até mesmo no campo

científico pode-se cometer erros, pois o mundo está em constante mudança e a sua

compreensão a respeito dele também muda com o tempo.

Mesmo o conhecimento chamado de “científico” está em permanente

estado de construção e fatos que eram considerados verdades

indiscutíveis ontem podem não mais sê-lo hoje: O átomo já foi

indivisível, o tempo já foi absoluto, a Terra já foi plana [...].

(MACHADO; CUNHA, 2005, p. 50)

Machado e Cunha (2005) também citam problemas a respeito de outros fatores

utilizados para analisar a veracidade dos conteúdos das premissas.

Quanto a argumentos que se apoiam na autoridade ou na confiança, eles

sempre envolvem um risco, e entregar-se aos mesmos representa uma

racionalização por meio de uma decisão irracional. [...]. As crenças

legitimadas pelo senso comum, aquelas proposições de que não falamos

(ou pouco falamos) explicitamente, mas são admitidas tacitamente

como verdadeiras, constituem o fundamento da maior parte dos

argumentos. Ainda que dificilmente consigamos viver e argumentar

sem recorrer a tal expediente, é precisamente aí que mora o perigo...

(MACHADO; CUNHA, 2005, p. 50)

A confiança na palavra de quem as enuncia é tão utilizada para se defender uma

premissa que um dos artifícios utilizados em debates é o da desmoralização do

“concorrente”. Em debates eleitorais encontramos esse artifício, na qual os ataques são

feitos à pessoa do candidato opositor e não as suas propostas, a fim de acabar com a

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credibilidade do candidato perante ao público. Esse tipo de argumentação chamada de ad

hominem é uma falácia, pois tenta negar o conteúdo de uma premissa fazendo uma crítica

ao autor, ao invés de criticar a premissa. No dia a dia, os tipos válidos de argumentação

são relativizados e encontramos casos envolvendo o argumentum ad hominem, pois a

confiança no enunciador é um dos fatores utilizados para validar premissas.

O fato é que, nas situações da vida cotidiana, diferentemente dos

contextos da Lógica Formal, para argumentar é fundamental interessar-

se pela verdade das premissas, tanto quanto o é explicitar os nexos entre

elas e a conclusão que se apresenta como verdadeira. E como o que se

busca, em geral, é convencer os outros e persuadi-los a agir do modo

que nos interessa, muitos recursos extralógicos, dispensáveis em uma

perspectiva puramente formal, são utilizados pelos participantes de um

debate, de uma discussão, de uma argumentação (MACHADO;

CUNHA, 2005, p. 51).

Paixão (2007) ainda esclarece que:

[...] embora a verdade das premissas seja uma condição necessária para

um argumento bem fundamentado, não é suficiente. Premissas

verdadeiras podem não contribuir muito com o argumento se sustentam

mal sua conclusão. [...] o propósito das premissas é sustentar uma

conclusão, oferecer-nos alguma razão persuasiva para aceitá-la; mas, se

as premissas, embora verdadeiras, forem inconsistentes, não podem

fazer isso. Uma das maneiras como as premissas expõem

inconsistências é quando não são pontos para a conclusão (p. 93).

Durante anos, alguns estudiosos buscaram compreender o processo cognitivo

utilizado pelos indivíduos para chegar a algumas conclusões. Estudaram o ser como

lógico, evidenciando o raciocínio dedutivo usado por eles. Falmagne18 (1975, apud DIAS

1996, p. 12) distingue duas formas de estudar o raciocínio lógico dos indivíduos, sendo a

primeira à Lógica do filósofo e a segunda à Lógica do cientista.

Estudar a pessoa como lógico significa analisar como ela tira

conclusões de premissas, isto é, como raciocina ou justifica conclusões

associadas às afirmativas. O indivíduo estaria agindo logicamente,

segundo este critério, quando tira conclusões apenas com base nas

premissas dadas, não considerando informações ou aspectos externos

ao problema dado. Em contraste, nos estudos de Piaget, a criança é vista

como cientista que visa descobrir regularidades do mundo, fazendo

18 FALMAGNE, N. T. Acceptance and rejection of arguments in relation to attitude strength, critical ability

and intolerance of inconsistency. Journal of Abnormal and Social Psychology, 69, p. 127-136, 1975.

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inferências sobre fatos observados ou gerados por suas atividades

experimentando. (DIAS, 1996, p. 12)

Um exemplo é o estudo piagetiano do desenvolvimento cognitivo em crianças e

adolescentes. “Piaget divide o desenvolvimento do pensamento lógico na criança e no

adolescente em estágios: sensório-motor, pré-operacional, operações concretas e

operações formais” (DIAS, 1996, p. 11). É no estágio das operações formais na qual os

sujeitos já estão mais habituados com o pensamento lógico dedutivo.

Para Piaget, no estágio das operações formais o adolescente torna-se

capaz de levantar todas as possibilidades para resolver um problema, de

organizar operações singulares em operações de ordem superior -

“operar sobre operações”, de formular hipóteses, combinando todas as

possibilidades e separando as variáveis para testar a influência de vários

fatores, de agir cientificamente usando o Raciocínio Hipotético-

Dedutivo, construindo hipóteses contrárias aos fatos e raciocinando

sobre elas. (DIAS, 1996, p. 11)

Diante disso, um indivíduo ao chegar na fase adulta já teria o estágio das operações

formais bem desenvolvido. Porém, estudos em Psicologia mostram que os indivíduos

tendem a ter problemas em avaliar silogismos, pois levam o conteúdo em consideração

ao analisar uma conclusão. Desta forma, “[...] os sujeitos tendem a endossar aqueles cujas

conclusões acreditam, e a rejeitar argumentos cujas conclusões são por eles

desacreditadas, independentemente da validade das premissas” (DIAS, 1996, p. 25). Isso

vai de encontro ao pensamento lógico dedutivo, que busca uma coerência por meio da

forma do discurso, ignorando o conteúdo das premissas. Alguns aspectos relativos ao

conteúdo podem impulsionar o indivíduo a considerar válidos argumentos inválidos.

Os baixos níveis de desempenho observados entre adultos são

atribuídos não a uma falta de competência em raciocinar, mas ao

conteúdo das variáveis, tais como a familiaridade ou o nível de

abstração das premissas ou a crença que os sujeitos têm sobre

conclusões advindas das mesmas (DIAS, 1996, p. 25)

Segundo Dias (1996), alguns estudos sugerem que adultos dificilmente erram na

forma Modus Ponens. Já na forma Modus Tollens, há uma pequena divergência em

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relação aos resultados dos estudos. Enquanto em Rips & Marcus19 (1977, apud Dias

1996), o desempenho na forma Modus Tollens foi inferior, comparativamente, ao da

forma Modus Ponens. Em Dias (198720, apud DIAS 1996) os resultados da forma Modus

Tollens não se diferenciam dos da forma Modus Ponens.

Também foi constatado que as formas de inferências válidas (Modus Ponens e

Modus Tollens) são muito mais naturais para os sujeitos do que as formas de inferências

inválidas (Afirmação do Consequente e Negação do antecedente). Essa diferença foi

claramente vista em um estudo feito por Dias (198721, apud DIAS 1996) envolvendo

alunos de Psicologia, em que 95% das respostas de problemas relacionados as formas

válidas foram corretas, enquanto que para as duas formas inválidas não houve respostas

corretas.

Uma das causas para esse baixo índice de acertos é a chamada “conversão

inválida”22, um dos motivos mais frequentes para a produção de falácias. A conversão

inválida ocorre quando há uma interpretação bicondicional em afirmações condicionais.

Isso ocorre, muitas vezes, pois a compreensão de certas expressões na linguagem corrente

se difere da literalidade de seu significado lógico.

De fato, no uso corrente da língua, é comum a expressão “se isso, então,

aquilo” ocorrer com o significado de uma equivalência lógica, ou seja,

“ isso ocorre se aquilo ocorre, e vice-versa”, ou ainda, “isso ocorre se e

somente se aquilo ocorre”, ou ainda, “afirmar isso é equivalente a

afirmar aquilo. (MACHADO; CUNHA, 2005, p. 57)

Esse tipo de conversão de significado faz com que a “conversão inválida” se faça

presente quando se quer avaliar um argumento condicional. Dias (1996) menciona alguns

estudos que mostram que “[...] o desempenho de sujeitos em problemas com conteúdos

familiares dos dia a dia era geralmente melhor e apresentavam menos falácias do que

problemas cujos conteúdos era desconhecidos ou simbólicos” (p. 22).

19 RIPS, L. J.; MARCUS, S. L. Supposition and the analysis of conditional sentences. In: M. Just & P.

Carpenter, eds., Cognitive processes in comprehension. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 1977. 20 DIAS, M. G. B. B. Da lógica do alfabeto à lógica do adolescente: Há progresso? Arquivos Brasileiros de

Psicologia, 39, 29-40,1987. 21 Idem. 22 Segundo Dias (1996), o termo “conversão inválida” foi nomeado por Chapman & Chapman (1959)

[CHAPMAN, L. J.; CHAPMAN, J. P. Atmosphere effect re-examined. Journal of Experimental

Psychology, 58(3), p. 220-226, 1959]; e Mayer (1977) [MAYER, R. E. Thinking and problem solving: An

introduction to human cognition and learning. Oxford: Scott, Foresman, 1977].

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Uma explicação é que,

[...] conteúdo familiar geralmente poderia fazer tais inferências mais

fáceis por permitir recurso para exemplos específicos baseados na

experiência ou conhecimento. No entanto, conteúdo não familiar (ou

abstrato) fornece menos suporte concreto e pode requere habilidades

cognitivas mais avançadas (DIAS, 1996, p. 23)

Dessa forma, acredita-se que quando o conteúdo é familiar, os sujeitos conseguem

bloquear a conversão.

[...] com silogismos concretos, os sujeitos podem bloquear a conversão

inválida que resulta em uma relação semanticamente divergente. O

significado de proposição invertida não faz sentido empírico e isto

dispõe os sujeitos a inferir uma conclusão mais precisa. Por exemplo,

“todos os cachorros são animais” parece bloquear a conversão inválida

“Todos os animais são cachorros”. Este fato irá alterar a decisão do

sujeito e requerer do mesmo uma interpretação mais restrita. (DIAS;

1996, p. 23)

Por outro lado, os sujeitos tendem a tratar um silogismo condicional como

silogismo bicondicional quando o conteúdo das premissas é abstrato, sendo assim, mais

suscetíveis a utilizar a conversão inválida.

Outros problemas que dificultam o julgamento a respeito da veracidade de uma

argumentação são o “viés da crença” e o “viés empírico”23. O “Viés da crença”

corresponde à tendência que um sujeito tem em julgar a validade de um argumento de

acordo com sua crença a respeito da conclusão, ignorando o processo lógico para julgar

silogismos. “Janis e Frinch (1943) e Lefford (1946)24 observaram que a maioria dos

sujeitos julgavam uma conclusão como válida quando eles concordavam com seu

conteúdo, e julgavam que era inválida quando não concordavam com seu conteúdo”

(MEIRA; DIAS; SPINILLO, 1993, p. 116). Segundo Machado e Cunha (2005), a falta

do pensamento crítico na análise das crenças facilita a aceitação de conclusões falaciosas.

Sem a prática sistemática de um pensamento crítico, sem um filtro

aguçado para crenças consideradas, muitas vezes, naturais e

23 Segundo Dias (1996), termo introduzido por Scribner (1975) [SCRIBNER, S. Recall of classic

syllogisms: A cross-cultural investigation of errors in logical problems. In: FALMAGNE, R. (org.)

Reasoning Representation and Process in Children and Adults. Hilldale: Erlbaum, 1975.] 24 Os autores citados por MEIRA; DIAS; SPINILLO (1993) não estão listados nas referências do artigo

original.

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indiscutíveis, mas que não passam de apostas no escuro, é possível

ocorrer – e muitas vezes ocorre- que sejam aceitas conclusões

falaciosas, ou sofismas tentadores. Numa palavra, é possível vencer um

debate mesmo sem ter razões suficientes para tal, ou perdê-lo estando

transbordante delas. (MACHADO; CUNHA, 2005, p. 52)

Já o “viés empírico” “corresponde à tendência que os sujeitos de alguns grupos

tradicionais têm em tirar conclusões baseados apenas em experiências e conhecimentos

pessoais” (DIAS, 1996, p. 28). Assim, apesar de ambos dependerem do conteúdo da

conclusão para analisar a validade de um silogismo, o “viés empírico” está relacionado

às vivências do sujeito e não a suas convicções. Por outro lado, um fator que pode ajudar

os indivíduos a julgar problemas silogísticos é a expansão da premissa maior.

Dias e Ruiz25 (1990) demonstraram que a expansão da premissa maior,

adicionando-se uma frase que exemplifique outro fato pertencente a

uma mesma categoria(por exemplo: se são cachorros, então são

animais; mas gatos também são animais), melhora significativamente o

desempenho de crianças de 5 a 8 anos nas formas válidas. (MEIRA;

DIAS; SPINILLO; 1993, p. 117)

3.3 A Lógica na Matemática

Apesar da aparência desconexa, Lógica e Matemática estão interligadas de modo

que, dentro da Matemática, não é fácil distinguir se um objeto é de natureza lógica ou

matemática. Ou ainda, em que ponto a Matemática começa e a Lógica termina.

Principalmente quando observamos a linguagem matemática que, assim como em toda

linguagem, a Lógica se torna presente, principalmente em sua fundamentação.

Historicamente falando, a matemática e a lógica têm sido domínios de

estudo inteiramente distintos. A matemática tem estado relacionada

com a ciência e a Lógica com o idioma grego. Mas ambas se

desenvolveram nos tempos modernos: a lógica tornou-se mais

matemática e a matemática tornou-se mais lógica. Em consequência,

tornou-se agora inteiramente impossível traçar uma linha divisória entre

as duas; na verdade, as duas são uma. Diferem entre si como rapaz e

homem: a lógica é a juventude da matemática e a matemática é a

maturidade da lógica. [...] Ao começar com premissas que seriam

universalmente admitidas como pertencentes à lógica, e chegar, por

25 DIAS, M.G.B.B.; RUIZ, E.L. Bloqueando a conversão inválida. Arquivos Brasileiros de Psicologia,

42(3), 66-77, 1990.

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dedução, a resultados que de modo igualmente óbvio pertencem à

matemática, constatamos não haver um ponto pelo qual possa ser

traçada uma linha distinta, a separar a lógica à esquerda e a matemática

à direita. (RUSSEL, 2006, p.191).

Ao pensarmos em pontos ou estruturas das quais a Lógica aparece de uma forma

mais nítida na Matemática, nos deparamos com teoremas e demonstrações. São neles em

que a Lógica se estende como um processo estrutural para avaliar a veracidade de uma

proposição ou a validade de um argumento matemático.

Veremos alguns exemplos de como podemos demonstrar teoremas matemáticos

utilizando a Lógica matemática.

Malta e Palis (1998) chamam de prova ou demonstração um argumento

convincente escrito em linguagem matemática.

3.3.1 Demonstração por contraexemplo

Muitas vezes, quando queremos mostrar que uma proposição é falsa, basta

produzir um exemplo que a invalide. Chamamos esse exemplo de contraexemplo.

Geralmente, utilizamos esse tipo de demonstração para provar a falsidade de proposições

com quantificadores universais ou para proposições condicionais.

Exemplo: “Todo número primo é ímpar”.

Neste caso, o número 2 é um contraexemplo, pois 2 é um número primo e par.

Logo, a proposição é falsa.

3.3.2 Demonstração por Contraposição

Muitas vezes, demonstrar que uma certa proposição é verdadeira diretamente não

é simples. Como estratégia, em alguns casos, podemos utilizar uma proposição

equivalente para mostrar a veracidade de uma certa proposição. Pela equivalência lógica

“𝑝 ⇒ 𝑞 ⇔ ~𝑞 ⇒ ~𝑝”, ao mostrar que ~𝑞 ⇒ ~𝑝 é verdade, ao mesmo tempo, estaremos

mostrando que 𝑝 ⇒ 𝑞 também é verdade.

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3.3.3 Demonstração de proposições condicionais26

Proposições condicionais são do tipo “se p então q” (𝑝 ⇒ q). Apresentaremos

aqui algumas das principais técnicas para se demonstrar proposições condicionais.

Existem três métodos mais comuns para se demonstrar proposições condicionais

em Matemática. São eles27: demonstração direta, demonstração por meio de argumentos

lógicos e demonstração por contradição.

• Demonstração direta 28: Corresponde à verificação direta de todos os casos da

tese em que a hipótese é válida. Este tipo de demonstração é geralmente utilizado quando

tratamos de um número finito e pequeno de casos, que possam ser verificados um a um.

Exemplo: “ Se n ϵ (3,17,31,19), então n é um número primo”.

Como se trata de um número pequeno de elementos pertencentes ao conjunto,

então podemos verificá-los um a um. Como 3, 17, 31 e 19 são números primos, então n

será primo.

• Demonstração por meio de argumentos lógicos: Corresponde a utilização de

argumentos para verificar a veracidade da tese para os casos em que a hipótese é satisfeita.

Utilizamos este tipo de demonstração quando não é possível examinar um a um, todos os

casos.

Exemplo: “ Se m e n são números pares, então o produto mn é um inteiro par”.

É muito comum que, em estruturas do tipo se A, então B, a frase A seja chamada

de hipótese da proposição e a conclusão B de tese. Para provar a veracidade da

proposição, devemos demonstrar que a tese é verdadeira para os casos em que a hipótese

for verdade.

Se m e n são pares, então podemos escrever m = 2k e n = 2j, k, j ϵ ℤ.

Fazendo o produto entre m e n teremos m.n = (2k).(2j) = 2.(2kj) que é par. Logo,

a proposição é verdadeira.

26 Neste item os exemplos e a terminologia são de Malta e Palis (1998). 27 Esta é a classificação proposta por Malta e Palis (1998). 28 Pode-se dizer que esse tipo de demonstração tal como posto por Malta e Palis (1998) é uma demonstração

em que se verifica “caso a caso”. Já Morais Filho (2012) afirma que se quisermos demonstrar uma

proposição H ⇒ T por meio de o que ele chama de demonstração direta, deve-se supor que a hipótese H é

válida e, usando um processo lógico dedutivo, deduzir diretamente a tese T.

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• Demonstração por contradição: Também conhecida como demonstração por

redução ao absurdo, é um método de demonstração que a partir da negação da conclusão,

pretende-se chegar a uma contradição qualquer. Utilizamos este tipo de demonstração

quando não conseguimos mostrar que a tese é verdadeira para os casos em que a hipótese

é satisfeita, ou quando não conseguimos achar um contraexemplo que faça a proposição

ser falsa.

Morais Filho (2012) resume da seguinte forma o que chama de Técnica de

demonstração por absurdo:

Para demonstrar uma sentença condicional Se H, então T por absurdo,

admite-se que H e ~T ocorram. Com essa suposição, deve-se deduzir

uma sentença contraditória qualquer ~Q ^ Q, chamada absurdo ou

contradição. A hipótese adicional ~T, considerada nesse método,

chama-se hipótese de absurdo ou hipótese de contradição (p.263) .

[grifos do autor]

Um exemplo dado por Malta e Palis (1998) está a seguir.

“Se n é um número inteiro e n2 é par, então n é par” (*)

Seja nϵℤ; n2 é par. Vamos supor a negação da tese, no caso, que n não seja par.

Sendo n ímpar, então n = 2k + 1 , ∀k ϵ ℤ. Com isso, temos que:

𝑛2 = (2𝑘 + 1). (2𝑘 + 1) = 4𝑘2 + 4𝑘 + 1 = 2(2𝑘2 + 𝑞2𝑘) + 1.

Temos então que 𝑛2 é impar, contradizendo a hipótese de que 𝑛2 é par. Portanto

n não pode ser ímpar, fazendo com que a proposição seja verdadeira.

3.3.4 Demonstração de proposições Bicondicionais

Proposições bicondicionais são do tipo “p se, e somente se q”. Para que uma

proposição biondicional seja verdadeira, tanto p ⇒ 𝑞 quanto q ⇒ 𝑝 devem ser

verdadeiras. A partir dessa definição e sabendo que ¬q ⇒ ¬p é a contrapositiva de p ⇒ 𝑞,

temos quatro formas possíveis de demonstrar uma proposição bicondicional29.

pq será verdadeiro se:

29 Morais Filho (2012) também ilustra esse método de demonstração o qual chama de “método de

demonstração usando a contrapositiva” (p. 303).

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• p ⇒ q e q ⇒ p forem ambas verdadeiras.

• p ⇒ q e ¬p ⇒ ¬q forem ambas verdadeiras.

• q ⇒ p e ¬q ⇒ ¬p forem ambas verdadeiras.

• ¬q ⇒ ¬p e ¬p ⇒ ¬q forem ambas verdadeiras

Exemplo: “n2 é par se e somente se n é par”

Neste caso iremos mostrar que p ⇒ q e q ⇒ p.

O caso “se n2 é par então n é par” (p ⇒ q) já foi demonstrado no exemplo (*).

Agora, devemos demonstrar o caso “se n é par, então n2 é par” (q ⇒ p).

Seja nϵℤ; n é par. Como n é par então podemos escrevê-lo da forma n = 2k; ∀k ϵ ℤ.

Então, 𝑛2 = (2𝑘). (2𝑘) = 4𝑘2 = 2(2𝑘2). Logo, 𝑛2 é par.

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4 A Lógica no ensino

4.1 A Lógica no desenvolvimento cognitivo

Ao pensarmos sobre o ensino de Lógica, primeiramente temos que ter em mente

a importância do raciocínio lógico no desenvolvimento da aprendizagem. Seus aspectos

e suas implicações são estudadas até hoje na busca pela compreensão do desenvolvimento

cognitivo aliado a produção de conhecimento. Entre muitos pesquisadores, Jean Piaget

(1896-1980) obteve destaque na investigação e sistematização do desenvolvimento

cognitivo.

Piaget separa o conhecimento em “[...] conhecimento físico, conhecimento social

e o conhecimento lógico-matemático”. (KAMII30, 1991 apud ALMEIDA e BARGUIL,

1991, p.14). A construção desses conhecimentos não acontece, necessariamente, de forma

independente. Esses conhecimentos se entrelaçam durante a aprendizagem. Assim, ao

manipular um objeto e fazer ações transformadoras sobre ele, o indivíduo utiliza tanto o

conhecimento físico quanto o lógico-matemático.

O conhecimento físico é aquele que advém da experiência empírica, construído a

partir da observação das características do objeto.

A experiência física consiste no agir sobre os objetos e construir algum

conhecimento sobre os objetos mediante a abstração dos objetos. Por

exemplo, para descobrir que este cachimbo é mais pesado do que este

fósforo a criança pesa ambos e encontra a diferença nos próprios

objetos. Isso é experiência no sentido comum do termo -- o sentido

usado pelos empiristas. (PIAGET, 2009, p. 3)

O conhecimento social é aquele que é transmitido por meio de convenções sociais,

por meio da linguagem. Este tipo de conhecimento depende de conceitos anteriores que

permitam a assimilação da mensagem.

Este fator, mais uma vez, é fundamental. Não nego o papel de qualquer

desses fatores; todos desempenham uma parte. Mas este fator é

30 KAMII, Constance. A criança e o número. 11. ed. Campinas: Papirus, 1991.

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insuficiente porque a criança pode receber valiosa informação via

linguagem, ou via educação dirigida por um adulto, apenas se estiver

num estado que possa compreender esta informação. Isto é, para receber

a informação ela deve ter uma estrutura que a capacite a assimilar essa

informação. Essa é a razão por que não se pode ensinar alta matemática

a uma criança de cinco anos. Ela não tem a estrutura que a capacite a

entender (PIAGET, 2009, p. 4).

O conhecimento lógico matemático não é construído a partir dos objetos, mas

pelas ações efetuadas sobre eles. A ação de somar e subtrair constituem um conhecimento

lógico matemático, estabelecendo uma ação sobre os objetos. Como exemplificação da

experiência lógico-matemática, Piaget conta uma história sobre um fato que ocorreu com

um amigo matemático em sua infância.

Quando ele tinha quatro ou cinco anos -- não sei exatamente que idade,

mas era muito pequeno -- estava sentado no chão do jardim e contava

sementes. Para contá-las colocou-as em fileira, contando uma, duas,

três, até dez. Ao terminar de contar, começou a contá-las em sentido

contrário. Começou pelo fim e ainda uma vez encontrou dez. Achou

isso maravilhoso, que houvesse dez em um sentido e dez no outro.

Então colocou-as em círculo e contou-as daquele modo e achou dez de

novo. Voltou a contá-las em sentido contrário e de novo achou dez.

Depois colocou-as em outra disposição, contou-as e achou dez de novo.

Essa foi a descoberta que ele fez. Ora, o que verdadeiramente ele

descobriu? Ele não descobriu uma propriedade das sementes, descobriu

uma propriedade da ação de ordenar. As sementes não possuem ordem.

Foi a sua ação que introduziu um ordenamento em fileira ou circular,

ou algum outro tipo de ordem. Ele descobriu que a soma era

independente da ordem. A ordem era a ação que ele introduzia entre as

sementes. O mesmo princípio aplicava-se a soma. As sementes não

possuem soma; eram simplesmente uma pilha. Para fazer uma soma,

era necessária uma ação -- a operação de colocá-las juntas e contá-las.

Ele descobriu que a soma era independente da ordem, em outras

palavras, que a ação de pô-las junto era independente da ação de ordená-

las. Descobriu uma propriedade da ação e não de uma propriedade das

sementes. [...] Assim, não é a propriedade física das sementes que a

experiência demonstra. É uma propriedade das ações realizadas fora das

sementes e isso resulta em outra forma de experiência. Esse é o ponto

de partida da dedução matemática. A dedução subsequente consistirá

da interiorização dessas ações e então da combinação delas sem

necessitar qualquer semente. O matemático não mais necessita de suas

sementes. Pode combinar suas operações simplesmente com símbolos

e o ponto de partida dessa dedução matemática é a experiência lógico-

matemática e isso não é experiência no sentido dos empiristas.

(PIAGET, 2009, p. 4)

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A experiência lógico-matemática acontece durante o processo reflexionante a

respeito dos objetos. Diante da existência de um processo cognitivo ligado ao raciocínio

lógico, podemos agora nos perguntar a partir de que momento a criança está apta a

desenvolver o raciocínio dedutivo. Segundo Piaget (2009), ela aparecerá no terceiro

estágio de desenvolvimento do conhecimento, em uma idade entre 7 a 12 anos.

Em um terceiro estágio aparecem as primeiras operações, mas as chamo

de operações concretas devido ao fato de que elas operam com objetos,

e ainda não sobre hipóteses expressadas verbalmente. Por exemplo, há

as operações de classificação, ordenamento, a construção da ideia de

número, operações espaciais e temporais e todas as operações

fundamentais da lógica elementar de classes e relações, da matemática

elementar, da geometria elementar e até da física elementar. (PIAGET,

2009, p. 2).

A partir deste momento o trabalho relacionado ao desenvolvimento do raciocínio

lógico deve ser intensificado, focando nos aspectos interdisciplinares dos conteúdos

matemáticos.

4.2 O ensino de Lógica e seu caráter interdisciplinar

Ao longo dos anos, se construiu uma imagem de que uma das maiores razões para

o ensino da Matemática na educação básica é que a Matemática desenvolve o raciocínio

lógico. Dessa afirmação, muito se deve a aproximação da Matemática e Filosofia por

meio da Lógica. Segundo Machado (2001), esse jargão não deixa de ser verdadeiro,

porém não se deve tratar a Matemática como a única área que desenvolve o raciocínio

lógico. O problema não está na afirmação, mas sim na exclusividade da mesma.

De modo geral, em termos de conhecimento, o aprendizado de qualquer

conteúdo apresenta situações que favorecem o pensamento lógico, da

Física à Linguística, da Biologia à História, da Economia à Literatura.

Dependendo da forma de abordagem, em curso de História, por

exemplo, pode-se mostrar especialmente propício para o exercício do

raciocínio, enquanto, por outro lado, um curso de Matemática em que o

conhecimento é revelado de modo mágico, sem qualquer vestígio de

uma construção, oferecem poucas contribuições nesse sentido.

(MACHADO, 2001, p. 76)

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A pesquisa de Rodrigues, Dias e Roazzi (2002) ressalta que esse jargão não é

necessariamente verdadeiro. Em seu estudo sobre o raciocínio lógico na compreensão de

texto, os pesquisadores buscaram responder se os alunos de Matemática demonstrariam

o raciocínio lógico mais desenvolvido que alunos de Letras, tendo como responsáveis as

disciplinas por eles cursadas. O pensamento dedutivo se faz presente na compreensão

textual.

Segundo Braine e Rumain31 (1983), para a compreensão de texto o

leitor/ouvinte tanto utiliza o raciocínio lógico para a compreensão

analítica, com o raciocínio prático para compreensão ordinária. A

compreensão analítica, em oposição à ordinária, requer mais cuidado e,

por exigir mais habilidade mental, acarreta grandes diferenças entre

adultos. A distinção que aqui se faz entre compreensão ordinária e

analítica é relevante porque o raciocínio lógico formal utilizado na

resolução de diferentes tipos de silogismos exige a compreensão

analítica de suas premissas. (RODRIGUES; DIAS; ROAZZI, 2002, p.

118)

Assim, apesar dos matemáticos terem mais contato direto com a Lógica formal,

os resultados mostram que o desempenho dos alunos de Letras foi superior ao dos alunos

de Matemática. Como os conteúdos do curso de Línguas trabalham indiretamente com a

Lógica no contexto da compreensão de texto, por meio de análises textuais, o exercício

de interpretar e compreender sentenças é visto em maior frequência que em cursos de

Matemática. Podemos pensar então que a Lógica, por seu caráter interdisciplinar, pode

ser desenvolvida em todas as disciplinas da escola básica, sendo trabalhada, cada qual,

com as demandas de cada matéria. Desenvolvendo assim aspectos diferenciados para a

sua compreensão. Assim, o trabalho com a Lógica não é importante somente em

Matemática e Filosofia. Seu desenvolvimento pode ser trabalhado em diversas disciplinas

dependendo apenas da metodologia de ensino utilizada.

Ao pensarmos em orientações pedagógicas e curriculares brasileiras, podemos

observar que processo argumentativo é disposto no PCN+ (BRASIL, 2002) como de

competência geral e que deve ser trabalhado em todas as disciplinas de acordo com a sua

estrutura lógica própria. Além de argumentar logicamente, também é papel de todas as

31 BRAINE, M. D. S.; RUMAIN, B. (1983). Logical reasoning. In: FLAVELL, J. H. & MARKMAN, E.

M. (orgs.). Cognitive development, carmichaelís manual of child psychology, v. III, p. 263-289. New York:

John Wiley & Sons.

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disciplinas fazer com que os alunos saibam se expressar, aceitar ou rejeitar argumentos,

apontar contradições, entre outros.

A partir do que vimos, podemos afirmar que apesar da Lógica estar muito presente

na Matemática e seus estudos se intensificarem por meio de matemáticos e filósofos, seu

uso não se restringe a esses campos, sendo preciso, para uma compreensão abrangente da

Lógica, trabalhá-la segundo seus diversos aspectos, trazendo experiências diferentes que

intensifiquem a sua aprendizagem.

4.3 Lógica no ensino de Matemática

Ao pensarmos no ensino de Matemática, a Lógica deve ser tratada não de forma

conteudista, como um ponto fixo dentro do currículo de Matemática, mas como uma

ferramenta de ensino visando uma melhor aprendizagem de um conteúdo. Mesmo

trabalhando a Lógica como um meio para que o fim seja a aprendizagem de outro

conteúdo, seu ensino e o seu desenvolvimento acabam sendo trabalhados de forma

indireta. O ensino de Lógica, assim,

[...] não deve ser um ponto programático localizado em algum momento

específico da estrutura curricular, mas sim deve ser uma preocupação

metodológica presente sempre que algum ponto do programa permitir

ou que o interesse da turma justificar uma exploração mais detalhada.

(DRUCK, 1998, p.10)

O seu ensino não deve ser pautado em conteúdo, mas deve ser trabalhado por meio

de uma abordagem indireta e metodológica, tornando a aprendizagem mais crítica e não

tão mecanizada. Segundo Soares (2004) pautar o ensino de Lógica com o ensino de

conectivos, tabelas verdade e diagramas de Venn, acaba sendo uma reprodução de

fórmulas e algoritmos, não havendo assim, reflexão sobre os seus aspectos.

Em algumas áreas do programa de Matemática, a Lógica é mais facilmente

observada. Em conteúdos ligados a Geometria, por exemplo, o pensamento dedutivo é

utilizado de forma constante. Tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, a

Geometria é uma das áreas da Matemática na qual o raciocínio dedutivo é visto com mais

frequência, principalmente nos textos com orientações curriculares e em livros didáticos.

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No ensino fundamental, “[...] os problemas de Geometria vão fazer com que o aluno tenha

seus primeiros contatos com a necessidade e as exigências estabelecidas por um

raciocínio dedutivo. Isso não significa fazer um estudo absolutamente formal e

axiomático da Geometria” (BRASIL, 1998, p. 86). Sendo assim, a Geometria é um campo

que favorece o uso da Lógica como auxiliar ao aprendizado. No ensino médio, o ensino

de Geometria deve contemplar um maior desenvolvimento do pensamento dedutivo.

Não se trata da memorização de um conjunto de postulados e de

demonstrações, mas da oportunidade de perceber como a ciência

Matemática valida e apresenta seus conhecimentos, bem como

propiciar o desenvolvimento do pensamento lógico dedutivo e dos

aspectos mais estruturados da linguagem matemática. Afirmar que algo

é “verdade” em Matemática significa, geralmente, ser resultado de uma

dedução lógica, ou seja, para se provar uma afirmação (teorema) deve-

se mostrar que ela é uma consequência lógica de outras proposições

provadas previamente. (BRASIL, 2002, p.124)

Um exemplo de uma possível intervenção para trabalhar a Lógica no ensino de

Geometria seria a seguinte. Ao ensinar as propriedades do quadrado, estaremos diante de

diversas implicações. Quando dizemos por exemplo que, “Se a é um quadrado então a

tem 4 lados iguais” o aluno deve chegar à conclusão de que a implicação está correta,

porém, a recíproca não é verdadeira. O mesmo vale para a implicação “Se a é um

quadrado, então a tem 4 ângulos iguais”. Dependendo do nível escolar, não será simples

fazer a dedução de que a recíproca é falsa a partir desse exemplo. Assim, um recurso

didático que pode ser utilizado para bloquear a conversão inválida é a expansão da

premissa maior, adicionando um contraexemplo que bloqueie a recíproca da implicação.

Dias e Ruiz32 (1990) demonstraram que a expansão da premissa maior,

adicionando-se uma frase que exemplifique outro fato pertencente a

uma mesma categoria(por exemplo: se são cachorros, então são

animais; mas gatos também são animais), melhora significativamente o

desempenho de crianças de 5 a 8 anos nas formas inválidas (MEIRA;

DIAS; SPINILLO; 1993, p. 117).

Neste caso, a implicação “Se a é um quadrado, então a tem 4 lados iguais; mas o

losango tem 4 lados iguais” deve bloquear a implicação “Se a tem 4 lados iguais, então a

é um quadrado”. A partir disso, o aluno poderá perceber que apenas ter 4 lados iguais não

32 DIAS, M. G. B. B.; RUIZ, E.L. Bloqueando a conversão inválida. Arquivos Brasileiros de Psicologia,

42(3), 66-77, 1990.

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é condição suficiente para ser um quadrado. Podemos generalizar essa ideia para a

compreensão de outros polígonos. Esse tipo de exemplo mostra uma possibilidade de se

trabalhar a Lógica no ensino e na aprendizagem de Matemática. Aqui, a Lógica funciona

como auxiliar para se compreender as necessidades das definições de alguns objetos e

não como um conteúdo em si. Não foi preciso introduzir conceitos de Lógica formal e

nem trabalhar diretamente os aspectos da Lógica para fazer dela um meio para a

compreensão de um objeto. Nesse caso, a Lógica foi vista de forma indireta, utilizada

para se desenvolver uma aprendizagem crítica a respeito do conteúdo. Mesmo quando

vemos a Lógica de forma indireta, o raciocínio lógico é trabalhado e desenvolvido.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática para o ensino

fundamental (BRASIL, 1998), o desenvolvimento da capacidade de raciocinar

dedutivamente não deve se restringir apenas aos conteúdos de Geometria, mesmo esses

propiciando um campo fértil para sua exploração. O pensamento dedutivo, mesmo

indireto, é desenvolvido, até mesmo, anteriormente. Assim, devemos trabalhar o

pensamento lógico-dedutivo também em outras áreas da Matemática.

Uma outra possibilidade de trabalhar a Lógica em conteúdos matemáticos se dá

na da aprendizagem da probabilidade. A Lógica permeia diversas partes deste assunto,

podendo assim ser trabalhada como metodologia para a aprendizagem crítica do

conteúdo. Conceitos como disjunção e conjunção podem ser trabalhados indiretamente

para se entender problemas probabilísticos envolvendo conectivos. Na figura 17 vemos

um exemplo de um problema de probabilidade envolvendo o conectivo “ou”, encontrado

em um livro didático aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático 2018.

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Figura 17 – Exercício de probabilidade

Fonte: LEONARDO (2016, p. 36)

Uma inserção lógica atrelada a teoria dos conjuntos é uma opção que pode ser

utilizada para uma melhor compreensão de problemas deste tipo.

Ao pensarmos em uma inserção didática utilizando a manipulação de um baralho

para melhorar a compreensão de problemas probabilísticos, o uso da Lógica proposicional

aparece na escolha de quais cartas seriam consideradas como favoráveis para a contagem

probabilística. Por exemplo, na pergunta (a) da figura 17, o estudante deve entender quais

cartas fariam parte do conjunto de casos favoráveis. Dessa forma, caso um indivíduo

queira saber a probabilidade de retirar uma carta de paus ou uma dama, deve contar como

casos favoráveis as cartas de paus e as damas, incluindo a dama de paus. Essa escolha

não é aleatória, ela respeita a ideia de que ter apenas uma proposição simples verdadeira

é suficiente para a validade do argumento. Assim, retirar apenas uma carta de paus,

mesmo não sendo uma dama, é suficiente para atingir o objetivo desejado. Já com o

conectivo “e”, somente o caso em que as duas proposições simples sejam verdadeiras,

será contado como caso favorável. Caso queiramos retirar uma carta de copas e de número

2, a única carta possível é retirarmos o 2 de copas, pois somente a veracidade de ambas

acarreta a validade do argumento.

Uma outra forma de trabalhar a Lógica em um contexto probabilístico a fim de

perceber as relações de ordem entre a probabilidade de conjunções, disjunções e

proposições simples. Em um certo exemplo, encontrado em Azevedo e Vaz (2018), o

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número de entrevistados que marcaram a resposta b no exemplo a seguir foi de 64%,

sendo a letra a a resposta correta.

Exemplo:

Lorena é e sempre foi muito talentosa com os números. Em sua opinião, é mais

provável que Lorena seja:

a) Professora de Matemática.

b) Professora e pesquisadora de Matemática.

Este resultado mostra que talvez os alunos ingressantes na Licenciatura

em Matemática desconheçam o conteúdo necessário para acertar a

questão, o que sugere que grande parte dos estudantes que responderam

equivocadamente na segunda questão, o fizeram por desconhecimento

e não por influência da heurística da representatividade. (AZEVEDO;

VAZ, 2018, p. 10)

Esse conteúdo vaga entre a Lógica e a probabilidade, caso queiramos pensar as

áreas separadamente. Esse conhecimento, considerado como desconhecido para alguns

alunos, representa a ideia de que a probabilidade de um certo conjunto é sempre maior ou

igual a probabilidade de sua interseção com outro conjunto. No campo da Lógica, uma

conjunção só será verdadeira se ambas as proposições simples forem verdadeiras. Logo,

a probabilidade de uma proposição simples ser verdadeira é maior ou igual a

probabilidade de duas proposições serem verdadeiras. E mais, caso a conjunção seja

verdadeira, então qualquer uma das proposições simples também será. No caso acima,

caso a opção b fosse verdadeira, logicamente a opção a também seria. Porém o inverso

não é verdadeiro.

Além dos exemplos citados, a Lógica pode ser utilizada em diversos conteúdos

tornando-se uma aprendizagem constante ao decorrer da escola básica. Alguns textos

como Martins (2015) e Martins Neto e Abar (2008) também trazem propostas para

trabalhar a Lógica em sala de aula.

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5 Considerações finais

Pela sua importância no desenvolvimento do pensamento, acreditamos que

conceitos de Lógica devem ser trabalhados na escola básica. Sua ligação com a

Matemática se tornou intensa de tal forma, que as aulas dessa disciplina são um campo

fértil para a sua aprendizagem, não somente por meio de demonstrações, mas de outras

formas que fazem sua aprendizagem ocorrer indiretamente. Em um certo contexto que

mesmo não trabalhando a Lógica como conteúdo, os indivíduos são capazes de

desenvolver e compreender os processos corretos de argumentação apenas por meio de

exemplificações.

Como vimos, a Lógica pode ser tratada de forma indireta em diversos conteúdos,

como foi mostrado para as áreas de geometria e probabilidade. Mesmo sendo apenas um

meio para um determinado fim, a Lógica não deixa de ser trabalhada. Tornando

progressivo o desenvolvimento de seus conceitos, sendo desenvolvido no decorrer da sua

vida escolar. Essa forma dual de se pensar o ensino de Lógica pode proporcionar uma

aprendizagem do objetivo final, o conteúdo proposto, e o desenvolvimento do

pensamento lógico dedutivo.

Cabe ao professor saber diagnosticar em que momento deve-se utilizar esse

recurso, não forçando uma utilização desnecessária sem o fim estipulado pela

metodologia. Por isso, é de extrema importância que o professor tenha, mesmo que

basicamente, contato com a Lógica formal em sua formação, além de conhecimento das

possibilidades de usa-la em sua carreira docente. A metodologia por si só não faz sentido

sem uma ideia de uso reflexivo do mesmo, buscando uma aprendizagem crítica e

significativa. Caso contrário, não passará de um meio para se empurrar um ensino

sistemático de Lógica formal.

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RODRIGUES, Amariles Alves; DIAS, Maria da Graça Bompastor Borges; ROAZZI,

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ANEXO

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Anexo 1 – Diagramas e Esquemas utilizados por Euler

Fonte: Letters of Euler to a German Princess. 1802, p. 405

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Fonte: Letters of Euler to a German Princess. 1802, p. 405

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Fonte: Letters of Euler to a German Princess. 1802, p. 40933

33 Segundo a notação utilizada por Euler * representa os elementos de um certo objeto que está contido em

outro. Vale ressaltar que a conclusão do silogismo respeita somente a parte * de C que compreende alguns

elementos de B.