Mast Colloquia 8 - Discutindo Exposições

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MAST Colloquia - Vol.8

Discutindo Exposies: conceito, construo e avaliao

Museu de Astronomia e Cincias Afins MCT Rio de Janeiro 2006

Museu de Astronomia e Cincias Afins 2006 COORDENAO DO MAST COLLOQUIA Marcus Granato e Cludia Penha dos Santos ORGANIZAO DA EDIO Marcus Granato e Cludia Penha dos Santos CAPA E DIAGRAMAO Luci Meri Guimares e Mrcia Cristina Alves TRANSCRIO DAS FITAS Izis Escssia Moreira de Oliveira REVISO DAS TRANSCRIES Marcus Granato, Cludia Penha dos Santos e Janana Lacerda As opinies e conceitos emitidos nesta publicao so de inteira responsabilidade de seus autores no refletindo necessariamente o pensamento do Museu de Astronomia e Cincias Afins. permitida a reproduo, desde que citada a fonte e para fins no comerciais. FICHA CATALOGRFICAMuseu de Astronomia e Cincias Afins MAST Discutindo Exposies: conceito, construo e avaliao / Museu de Astronomia e Cincias Afins (MAST)- Organizao de: Marcus Granato e Claudia Penha dos Santos. Rio de Janeiro : MAST, 2006. 120p. (MAST Colloquia: 8) Inclui bibliografia e notas. 1.Exposio em museu. I. MAST. II. Ttulo. III. Srie.

M986

CDU 069.53

Sumrio

APRESENTAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CRIANDO REALIDADES ATRAVS DE EXPOSIES . . . . . . . . . . . Tereza Scheiner EXPOSIES EM ESTUDO DE CASO: MUSEU HISTRICO NACIONAL Ruth Beatriz S. Caldeira de Andrada EXPOSIES COMO DISCURSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Roberto Conduru ESTUDO DE CASO: MUSEU DA VIDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Carla Grusman e Paula Bonatto ARTE, MUSEUS, EXPOSIES: O PROBLEMA DA CULTURALIZAO DA ARTE MODERNA E CONTEMPORNEA . . . . . . . . . . . . . . . . . Vera Beatriz Siqueira MUSEOGRAFIA E PBLICO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Denise Coelho Studart e Maria Esther Valente

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ApresentaoAs exposies constituem-se no principal instrumento de comunicao do museu com seus pblicos, sendo um fenmeno cada vez mais estudado. A partir do sculo XX, os museus comeam a abandonar a prtica de expor a totalidade de suas colees, surgindo espaos diferenciados para a guarda das colees e para as exposies . Atualmente, a exposio pode ser entendida como um processo que, na maioria das vezes, inicia-se a partir de questionamentos sociais.Contudo, a maior parte do pblico que visita os museus acredita que as exposies so o museu, pois atravs delas entram em contato com o universo museolgico, com os acervos e com as questes a eles associadas. Para os profissionais de museu, no entanto, as exposies so muito mais do que um simples exerccio de composio esttica. As exposies so o meio de contato mais direto dos museus com o pblico e so, nos museus tradicionais, os intermedirios entre os acervos e os visitantes. Exercem, portanto, uma das funes fundamentais dos museus. Um museu sem exposio no um museu no sentido pleno. Em relao s exposies com temas relacionados cincia e tecnologia temos uma particularidade que a relativa complexidade do contedo a ser transmitido. No nos damos conta da presena da cincia e da tecnologia no nosso cotidiano.Despertar o pblico para esses contedos uma tarefa rdua. Para chegarmos a um resultado satisfatrio precisamos fundamentar o tema conceitualmente, definir o pblico alvo da exposio e os seus objetivos. Em seguida, preciso transpor o tema para uma linguagem museolgica, ponto fundamental para a caracterizao de uma exposio como museolgica. Posteriormente, torna-se1

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DAIFUKU, Hiroshi. Le collection: entretien et mise em reserve, UNESCO, 1959). Citado por Mrcia Portela na dissertao de mestrado O que os olhos no vem. Reservas tcnicas museolgicas na cidade do Rio de Janeiro defendida no Programa de Ps-Graduaa em Memria Social e Documento em 1998.

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imprescindvel avaliar os resultados obtidos atravs de uma pesquisa de pblico. Acreditamos que o processo de construo de qualquer exposio deve ser sempre coletivo. Assim, a equipe que ir elaborar e desenvolver o projeto da exposio deve ser multidisciplinar: muselogos, conservadores, arquitetos, programadores visuais,

educadores, etc.. A preparao e a montagem de uma exposio pode ser um processo muito prazeroso e enriquecedor, mas pode trazer muitas situaes de conflito.Entre as atribuies da Coordenao de Museologia do MAST, uma refere-se especificamente concepo, desenvolvimento e montagem de exposies.Freqentemente, somos procurados por instituies museolgicas e no museolgicas para o estabelecimento de parcerias objetivando a montagem de museus, contudo, ao iniciarmos o processo de negociao percebemos que trata-se no da montagem de um museu, mas da realizao de uma exposio temporria e/ou itinerante. O desconhecimento sobre o tema entre os no profissionais de museus bem geral.

A importncia da temtica para o meio museolgico pode ser percebida pelo nmero crescente de seminrios e eventos dedicados ao tema, alm do aumento do nmero de publicaes. Dando continuidade ao ciclo de palestras MAST Colloquia, voltado para temas relacionados Museologia, a Coordenao de Museologia do MAST escolheu Discutindo Exposies: Conceito, Construo e Avaliao como o tema central para o programa de seminrios mensais, entre abril e dezembro de 2004. Procurou-se abrir um espao para questionar aspectos importantes como a relao das exposies com o pblico, a diferenciao entre as propostas para exposies de curta e longa durao, alm de permitir a apresentao de estudos de casos, mostrando os percalos e os avanos realizados pelas equipes que desenvolveram esses projetos. O primeiro seminrio, Criando realidades atravs de exposies, foi proferido por Tereza M. Scheiner, professora da Faculdade de Museologia da UNIRIO e atualmente2

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Nesta edio s foram publicados os textos revisados pelos autores.

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coordenadora

do

Programa

de

ps-graduao

em

Museologia

e

Patrimnio

(UNIRIO/MAST). Nessa oportunidade, foram apresentados os conceitos e as premissas que norteiam os trabalhos relacionados s exposies museolgica que fundamenta essa rea. Roberto Conduru, Professor do Instituto de Artes e Coordenador do Departamento Cultural da UERJ, apresentou uma reflexo interessante, com o tema Exposio como discurso enfocando as exposies de arte como paradigmas para as exposies dos demais museus. As palestras do segundo semestre de 2004 foram quase todas voltadas para estudos de caso. Assim, Ruth Beatriz S. Caldeira de Andrada apresentou alguns exemplos de exposies realizadas no Museu Histrico Nacional. Carla Gruzman e Paula Bonatto apresentaram suas experincias no Museu da Vida (FIOCRUZ) relacionadas, respectivamente, s exposies Espao da Biodescoberta e Parque da Cincia.Vera B. Siqueira, Professora de Histria da Arte do Instituto de Artes da UERJ, introduziu o tema de exposies na rea das artes. Finalmente, Denise Studart da FIOCRUZ e Maria Esther Valente do MAST apresentaram um amplo painel sobre Museografia e pblico. O MAST, com essa iniciativa, procurou abrir mais um espao para a troca de experincias entre profissionais das reas relacionadas, alm de permitir que os interessados no tema, pudessem usufruir desse contato. A publicao dos textos produzidos a partir da transcrio e edio dos discursos dos palestrantes, pretende ampliar o alcance do evento e disponibilizar material para possveis interessados nessa discusso. Marcus GranatoCoordenador de Museologia MAST/MCT

sendo possvel discutir a teoria

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CRIANDO REALIDADES ATRAVS DE EXPOSIES:

Tereza Cristina Scheiner

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Nota Biogrfica

PalestranteNascida no Rio de Janeiro, Tereza Scheiner formada em museologia pelo Museu Histrico Nacional (MHN/1970) e em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/1977). Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Antropologia pela George Washington University (G.W.U/ Washington), tambm mestre (1998) e doutora (2004) em Comunicao pela UFRJ. Com vasta experincia profissional, membro atuante do International Council Of Museums - ICOM, no qual j ocupou cargos diversos inclusive Vice-Presidente do ICOFOM, publicou e organizou vrios livros, alm de inmeros trabalhos. Atualmente, professora adjunto da Escola de Museologia da UNIRIO.

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uma dificuldade inerente apresentao de qualquer palestra sobre exposies para especialistas de museus, porque preciso ser muito conciso pelo curto espao de tempo. Procurei, ento, mais do que fazer uma abordagem acadmica, trazer alguns aspectos que levem a uma reflexo sobre o tema, articulando um conjunto de questes com o apoio de imagens caractersticas; questes que, aparentemente, so facilmente resolvidas por todos aqueles que trabalham com exposies, mas que, na prtica, constituem problemas recorrentes em qualquer museu do mundo. Muitas destas questes no se encontram nos textos acadmicos, pois envolvem uma srie de componentes internos e externos s instituies inclusive componentes afetivos, comportamentais, relacionados s equipes dos museus, ou s relaes interinstitucionais. E a partir da percepo que temos da instituio como processo que iremos identificar tais questes, tanto no que se refere s realidades cotidianas de nosso trabalho como em relao ao que poderamos reconhecer como os mitos da Museologia. Esse trabalho refere-se aos modos e formas pelos quais os museus criam realidades, atravs das exposies. Lembro que, do ponto de vista da Teoria e da Metodologia da Museologia, o processo de uma exposio envolve no apenas o planejamento, o desenvolvimento de um projeto, a montagem e a organizao, mas estende-se a todas as etapas de produo antes, durante e depois da criao da exposio. Este processo se inicia muitos meses (s vezes, alguns anos) antes da realizao da exposio, com uma fase a que denominamos pr-montagem e que tem as seguintes etapas: 1) concepo; 2)

H

planejamento; 3) programao; 4) produo (fig 01). I PR-MONTAGEM Concepo Planejamento ProgramaoFig. 01 A etapa inicial, que a da concepo, vai gerar uma proposta de exposio, sem a qual no se consegue dimensionar que tipo de exposio deseja-se fazer - ou quando, para quem e onde deve ser feita. O momento essencial desta etapa a elaborao do conceito da exposio, ou seja, da idia matriz, a partir da qual todo o trabalho vai ser realizado. No h exposio sem conceito, e definir este conceito implica num processo duplo de elaborao mental: a sntese lgica e o processo criativo. um processo integrado, que pressupe um conhecimento (ou reconhecimento) razovel do tema a ser tratado e um profundo domnio das metodologias expositivas: nesta etapa, aplicam-se ao mesmo tempo conhecimentos de Teoria da Museologia e de Museografia. A elaborao do conceito tambm importante para

Proposta Ante-projeto Projeto completo

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viabilizar a exposio: no h instituio que aprove uma proposta, no h possibilidade de se conseguir financiamento para uma proposta que no esteja baseada num conjunto mais ou menos definido de reflexes. Aprovada a proposta, passa-se etapa 2, planejamento, que vai gerar como produto um anteprojeto da exposio. Aqui, somam-se aos aspectos j definidos anteriormente (tipo de exposio, local, poca, tema, conceito) aspectos mais definidos, tais como: a) caractersticas do local onde a exposio ser realizada (espao arquitetnico, espao geogrfico, espao virtual); b) desdobramento do tema aprovado em sub-temas, ou ncleos expositivos (nas exposies temticas, este o incio do processo de roteirizao da exposio); c) desenvolvimento do conceito da exposio (a etapa inicial, a proposta, traz o conceito de forma muito genrica; aqui, vai-se analisar a aplicabilidade deste conceito inicial e fazer as correes de rumo que sejam necessrias). Cabe lembrar que, em qualquer fase, em qualquer momento do desenvolvimento de um projeto, h a possibilidade de fazer-se correo de rumos mesmo quando j temos uma etapa aprovada. d) relao geral entre o tema e os acervos a serem utilizados (se for o caso); e) pesquisa. Abro um parntese para lembrar, mais uma vez, que toda instituio denominada museu deve permanentemente trabalhar com pesquisa. Aqui no MAST vocs sabem bem disto, esta uma instituio de pesquisa, mas a importncia da pesquisa ainda no est clara para todos os museus, principalmente no caso brasileiro. Insisto na necessidade visceral, fundamental, da pesquisa - pois sem pesquisa no h museu. Mas, neste momento, no me refiro pesquisa institucional, que obrigatria, permanente, que no pode deixar de existir mas pesquisa ligada exposio, a pesquisa que se faz relacionada ao tema da exposio e aos seus sub-temas; a pesquisa que permite ao museu elaborar melhor as relaes entre o tema da exposio e os acervos disponveis. Pois na etapa de planejamento que vai se fazer a construo da exposio como objeto simblico, e no em fase de programaco. Este um erro que pode acontecer at com profissionais muito qualificados e muito experimentados, mas que no sejam especialistas em exposies. E um erro comum no mundo todo: imaginar que fundamental chegar-se etapa de detalhamento de projeto para constituir a exposio como objeto simblico. No possvel esperar chegar at o detalhamento de projeto, porque essa etapa vai estar ligada constituio, fabricao e elaborao do objeto exposio, que foi concebido no planejamento. Se no temos clareza do que, exatamente, estamos querendo constituir, no possvel detalhar. Este um erro freqente, e que pode gerar, em termos de relaes intrainstitucionais, frices bastante complicadas.

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Quando o museu define em planejamento o que quer fazer, qual o objeto simblico que est criando, ele cria um produto - um produto cultural que se chama exposio. Este novo objeto deve ser cercado de todas as certezas tcnicas e de todos os apuros estticos e perceptuais, como qualquer outro objeto que venha ser criado pela tecnologia ou pela arte. Qualquer deslize implica em repetio. E este um risco que sempre dizemos que no vamos correr, mas se fizermos uma anlise geral de contedo, mapeando as exposies que se realizam no pas, veremos que muito poucas apresentam abordagens inovadoras, que as constituam como objetos simblicos dignos de nota. Criar exposices como objetos simblicos eficazes no um privilgio dos museus tradicionais ortodoxos: este objetivo tambm precisa estar presente nas exposies exploratrias de carter cientfico, ou naquelas a que denominamos exposices de difuso cientfica. Em alguns casos, ser necessrio criar alguns elementos da exposio ainda na fase da programao, para funcionarem como prottipos. Isto o que faz, por exemplo, o Exploratrio de So Francisco: a experincia pioneira deles nos ensina que determinados implementos exploratrios precisam ser criados a longo prazo, a partir de pesquisas e experimentos que podem durar anos. So anos de pesquisa para se criar algo que parece simples como isso, mas que na verdade extremamente complexo, pois resume problemas complexos da fsica ou da biologia. Vocs tm esse exemplo, aqui no Museu: vocs vivenciam essa questo. Muitas vezes necessrio gerar um prottipo, coloc-lo em uso dentro do espao da exposio por um tempo X, anterior criao da exposio, para ver o potencial de durabilidade, para testar a eficcia daquele prottipo, para conhecer a relao do pblico com aquele tipo de implemento - e isto tem que ser feito nessa fase. Quem trabalha com exposies sabe que h uma grande diferena entre a etapa de planejamento e a etapa 3, programao, onde se desenvolve um projeto detalhado fase que pode durar, no Brasil, de algumas semanas a vrios meses e que em alguns pases do exterior pode chegar a durar dez, ou at quinze anos, se considerarmos as especificidades que acabamos de descrever. Aqui no Brasil ainda temos a fantasia de que possvel fazer tudo em seis meses, ou at em perodos menores de tempo. No devemos concordar jamais em desenvolver o detalhamento de um projeto a curto prazo, sob o risco de prejudicarmos a qualidade de nosso trabalho. E no me refiro apenas confeco de prottipos: lembremos que na etapa de programao que iremos desenvolver, em detalhe, o roteiro da exposio, elaborando a estrutura narrativa de forma a compabitilizar os diferentes elementos fsicos e conceituais do projeto. nesta etapa que os elementos da exposio (espao, forma, luz, cor, objeto, suportes, som, movimento, recursos de multimidia, recursos digitais) devero ser articulados de forma a representar, do modo mais claro possvel, e dentro de tempos especficos, os contedos informativos definidos em projeto. Vale a pena ressaltar que esta metodologia de desenvolvimento de exposies aplica-se a qualquer tipo de museu, a qualquer modelo conceitual de museu, em qualquer lugar do mundo: no existem processos distintos para museus diferentes. Quem trabalha com

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museu virtual (por exemplo, o Museu da Pessoa) passa por esse processo cada vez que est preparando uma exposio; apenas no se est trabalhando com a tridimensionalidade. A etapa 4, produo da exposio, vai incluir a adaptao dos espaos, a preparao do acervo, a confeco dos implementos exploratrios e dos materiais accessios, as instalaes e finalizao de todo o conjunto. uma etapa que pode tambm levar alguns meses. Segue-se a Fase II - montagem da exposio, que j conhecemos bem com todos os seus percalos (fig. 02). III- EXPOSIO

inaugurao

Exposio aberta Matrias nas mdias

Manuteno da expsio e do acervo

II -MONTAGEM

Montagem da exposioFig.02 Controle de Visitao

Exposio pronta

Estatsticas de visitao Atividades culturais,

Atividades Complementares e de apoio

eventos,gincanas, visitas guiadas, etc

Fig.03 A fase a seguir (Fig. 03) a da exposio propriamente dita. Essa terceira grande fase do processo de exposio muitas vezes negligenciada pelas equipes de alguns museus, colocada em segundo plano, e at compreendemos o porqu: porque as duas fase anteriores so to desgastantes, to complexas, que a abertura da exposio gera uma sensao de completude, de que o nosso filho nasceu... e pensamos ento que o filho pode andar sozinho. Na verdade, no assim: se o museu no tiver um programa de manuteno da exposio, enquanto ela estiver em cartaz, podem-se gerar vrios problemas, inclusive de relacionamento com a sociedade, colocando em risco todo o trabalho realizado.

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H uma srie de questes que muitas vezes, no af de apresentar um produto bem feito, o museu relega a segundo plano. Isso muito comum no Brasil, porque nossas equipes so pequenas e realizam vrios projetos ao mesmo tempo. muito comum, no dia seguinte inaugurao de uma exposio, comearmos a fazer um outro projeto - seja de exposio, seja de pesquisa - e no haver pessoal para planejar e executar as aes aqui descritas: a) manuteno da divulgao; b) manuteno da exposio; c) manuteno do acervo... (s este quesito j um mundo parte, como sabemos); d) controle de visitao; e e) as atividades complementares, de apoio, ou seja - a programao, planejamento e desenvolvimento dessas atividades. Necessariamente, elas incluiro projetos especficos para o evento de inaugurao, para manuteno da exposio por todo o tempo em que estiver aberta ao pblico, para a manuteno da divulgao. Porque no basta divulgar que a exposio vai inaugurar, tem que haver uma equipe (ou pelo menos uma pessoa) trabalhando na divulgaco durante todo o tempo em que a exposio estiver em cartaz. fundamental dar um feedback constante para as mdias. As mdias no viro nos aplaudir na porta, se ns no as chamarmos. Sabemos que chamar a mdia envolve um conjunto de comportamentos de longo e mdio prazo. Uma relao de constncia, uma negociao quase diria: se o museu no freqenta a mesa dessas pessoas, no podemos esperar que coloquem em pauta as nossas notcias. E cada mdia tem o seu modo de ser. A televiso, por exemplo, evasiva por natureza. E tambm invasiva: para gravar cinco minutos de entrevista ou um pequeno documentrio, chegam s 8 horas da manh, com dezenas de equipamentos e enchem o museu de fios e pessoas estranhas. Toda a equipe do museu precisa ficar praticamente disposio. Temos que ter pessoas preparadas, inclusive emocionalmente, para os dias em que entra a televiso, pois um dia complicado dentro de qualquer instituio. Dentro da exposio, ento, pode ser um problema. Outro tem o controle da visitao no Brasil, um dos itens menos atendidos. Houve um crescimento dos museus nessa rea, um amadurecimento muito grande, nos ltimos quinze anos, quanto ao controle dos visitantes. Mas podemos dizer que ainda no chegamos a apresentar uma prtica de controle institucional de visitao como seria realmente desejada. Todo museu precisaria ter uma pessoa para esse estudo e as escolas oferecem voluntrios. possvel trabalhar com voluntrios, com estudantes no s de Museologia, mas de Matemtica, Estatstica, Pedagogia, de outras reas de Cincias Sociais Aplicadas, Sociologia, Histria, Histria da Cincia e outros campos, para montar uma equipe de controle de visitao. O museu que no consegue trabalhar com estatsticas constantes de visitao, na verdade no conhece o seu pblico e, no conhecendo o seu pblico, o reflexo imediato, a curtssimo prazo, uma dificuldade grande de fazer a mediao com a sociedade em geral porque estar falando com um pblico imaginrio. O pblico que est dentro do museu ou que potencialmente poder vir ao museu um outro, completamente diferente, com outro perfil, com outros interesses, com outra faixa etria, vem de um outro lugar ento, temos que tomar muito cuidado com a visitao.

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s vezes uma exposio d timos resultados e no foi feito o controle de visitao, no foi feita uma avaliao de todo o processo; ento a tendncia o trabalho seguinte apresentar problemas de linguagem, no conseguirmos chegar ao pblico. A questo no o produto que estamos criando: s vezes criamos um produto bonito, sofisticado, museologicamente correto, cientificamente correto, s que no aquele produto que o pblico queria, ento as pessoas no acolhem bem. No adianta eu oferecer um vinho raro a uma pessoa que prefere chope, ou, ao contrrio, no adianta eu oferecer chope se o meu pblico quer um vinho raro. Ento, eu preciso, sim, saber com quem estou lidando, para no ter que usar novamente aquele eufemismo horroroso - pblico geral. Isso muito comum, em projetos de exposio: dizer que o projeto ser dedicado ao pblico geral. Num pas de cento e sessenta milhes de habitantes e dimenses continentais, com diferenas regionais profundas, um pas multicultural, com as questes sociais e educacionais que ns temos, o que vem a ser pblico geral? No possvel generalizar desta maneira, dentro deste universo vastssimo em que ns nos situamos, mesmo se quisssemos diminuir o universo: pblico geral do Rio de Janeiro. Somos uma cidade cosmopolita e turstica, com diferenas locais muito grandes, de bairro para bairro. Aqui no Rio de Janeiro no saberamos dizer o que afinal, esse pblico geral para quem estamos realizando o nosso trabalho. Isso uma questo que ns, museolgos, temos dificuldades de assumir. Temos que entregar o projeto daqui a 15 dias? to mais fcil colocar pblico geral... O projeto ser aprovado, ningum vai questionar um projeto bem apresentado e que diga que est se dirigindo ao pblico geral. Mas quem est sentado na cadeira do administrador e acha que o projeto foi bem feito e deu-lhe o aval, liberou recursos, no quem vai vivenciar o problema no cotidiano. Esse equvoco ns mesmos nos criamos. As atividades complementares e de apoio. Para cada tipo de grupo, preciso um projeto especifico. Vocs aqui no museu tm a rea educativa muito bem resolvida, um dos museus do Rio de Janeiro que conseguiram dar conta dessa parte educativa muito bem. Vocs fazem um trabalho muito bom de divulgao cientfica, mas no assim em todo museu. Essa uma questo que deve ser tratada com o maior carinho, de preferncia com equipes especficas, projetos especficos, detalhados at a mincia. H casos em que o museu se prepara para as atividades complementares, mas no de maneira to completa como deveria; e a qualquer movimento maior de visitao gera-se o caos, com grupos das mais diversas faixas etrias, vindos das escolas mais diversificadas, com os interesses mais diversificados, sucedendo-se no espao da exposio. Muitos museus se esquecem de que o segmento estudantil no configurado por um conjunto de robs que se comportam da mesma maneira, com a mesma altura, a mesma idade, os mesmos ideais.

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IV - DESMONTAGEM

V - AVALIAO Relatrio de avaliao Prestao de contas Agradecimentos Fig.04 A desmontagem (fig. 04) quase um projeto a parte. Quem trabalha com exposies sabe dos cuidados que se tem que tomar nesta fase. Problemas que no aconteceram na montagem, ou enquanto a exposio estava aberta, podem acontecer na fase de desmontagem, se ela no foi planejada, programada, detalhada e se todo o processo no controlado. A fase a seguir - fase de avaliao - a menos sofisticada, a mais difcil para ns, porque no gera produtos de criao cultural; mas absolutamente necessria, e fundamental do ponto de vista institucional e administrativo. Nesta fase, alm de elaborar todos os relatrios de avaliao necessrios, fundamental prestar contas de todos os gastos at o ltimo centavo, fazer agradecimentos, devolver os materiais emprestados. E tudo isso com a presena das mdias, que tambm precisam estar sensveis a como que o museu avaliou aquele trabalho. Essa uma fase que muitos museus suprimem: fazem um relatrio rpido, porque a instituio tem que apresentar um relatrio, incluem uma prestao de contas rpida, mas no avaliam qualitativamente o trabalho realizado. E ficam com uma imagem distorcida dos resultados, achando que o que deu certo ontem, pode ser repetido amanh. Todo museu que acha desnecessrio fazer um momento de avaliao, tende a errar mais. Esse momento de avaliao pode ser um seminrio interno, um workshop, um conjunto de reunies administrativas o mtodo no importa, o importante que a equipe do museu se rena e troque idias, avalie o que deu certo, o que no deu certo, de maneira muito aberta. Este no um momento fcil, principalmente no que se refere necessidade de autocrtica. Quando recebemos uma crtica pelos jornais ainda podemos nos fazer de vtimas e dizer que a imprensa no trm idia das nossas dificuldades. Mas quando sentamos com os colegas e temos que admitir que exatamente o ponto do projeto que foi colaborao nossa que no esteve bem, que aquele momento da exposio no ficou bem resolvido, que aquele item de

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segurana ou da conservao no foi bem cuidado como deveria ser, esse momento muito difcil. Quando os museus passam sempre, de maneira pausada e reflexiva, por essa fase de avaliao qualitativa, isso traz um amadurecimento fantstico para a equipe. assim que se constituem as equipes interdisciplinares. Inter um casamento - ns somos e seremos sempre multidisciplinares em nossas instituies, enquanto no sentarmos para brigar sobre as diferenas e negociar os caminhos a seguir. Podemos ter trs pessoas trabalhando num projeto de exposio, se no temos a coragem de dizer aquilo que nos aflige, nos preocupa, nos di, no projeto seguinte continuamos a calar, e com o tempo j nem sequer conseguimos respirar perto do colega - porque a coisa no dita vira sombra e nos ameaa. s vezes, no se consegue trabalhar em conjunto por uma bobagem que foi dita h trs ou cinco anos atrs. Essas so questes delicadas, que podem influenciar de maneira negativa o desempenho da equipe. H uma outra questo delicada que ns, museolgos, costumamos detectar nos museus - em todos os museus, e mais particularmente, no Brasil, nos museus de cincias: a relao delicada e sutil que precisa acontecer entre o muselogo e o cientista. Quem trabalha em museus de cincias conhece bem isto. No pode deixar de existir uma relao muito estreita entre o muselogo e o cientista. E essa relao deve ser levada adiante com muito respeito, com muito cuidado, um lado no pode atropelar o outro, tem que se encontrar o caminho do meio, para que haja a compatibilizao da linguagem cientfica com a linguagem museolgica. Se esta no acontecer, o pblico, ao entrar na exposio, sente um estranhamento, ainda que no saiba definir bem o que seja. O visitante percebe que h na exposio alguma coisa que no se encaixa. Qualquer especialista em exposies, com um olhar j treinado, perceber que no h sintonia entre as linguagens que h uma ciso entre a linguagem cientfica e a linguagem museolgica. Isso no pode acontecer, porque a exposio tem que ter um contexto s, ela no pode segmentar as linguagens. E quando falo em linguagem, lembro que no estou falando s da linguagem escrita, estou falando da linguagem de comunicao como um todo, desde o uso do espao, das cores, das formas, ao uso dos objetos. Tudo - os elementos acessrios, o timing da exposio, o tempo que ela vai ficar em cartaz, o horrio de abertura -, tudo isso configura aquilo que chamamos linguagem da exposio. E se no h sintonia na equipe, essa falta de sintonia aparece no produto final. Estou me referindo aos museus de cincias, mas isto acontece tambm entre historiadores e muselogos; ou entre arquitetos e muselogos; educadores e muselogos; antroplogos e muselogos; muselogos e muselogos. No um problema especfico da rea das cincias exatas, nem das cincias naturais. Gostaria agora de colocar algumas questes de carter geral, relacionadas a cada uma destas fases:

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I OS ESPAOS DA EXPOSIO: MITO E REALIDADES A primeira delas a identificao dos espaos. Parece to fcil fazer uma exposio... o museu tem ali uma sala de exposio, ento vamos usar. No bem assim. I.I - Do ponto de vista geral, o primeiro espao a ser identificado em todo projeto de exposio o espao simblico. Que espao simblico esse produto vai ocupar? Toda exposio um produto simblico, que vai ocupar um espao cultural dentro do museu, espao este que nem sempre discutido. E as questes podem comear a - os problemas, as dificuldades podem comear exatamente a - quando isso no fica claro. Existe um mito bsico com relao constituio de exposies como espaos simblicos: o de que o visitante compreender todas as intenes e abordagens do criador, por mais hermticas que sejam. No verdade: visitantes s apreendem os cdigos que lhes sejam familiares, ou com os quais podem identificar suas experincias de vida, suas leituras de mundo. No esqueamos os estudos clssicos de Bourdieu sobre o tema. E portanto, o espao simblico da exposio deve assemelhar-se ao universo simblico dos visitantes, e no apenas dos seus criadores. I.2 - A segunda questo a questo dos espaos geogrficos: nos museus de territrio, que partem dos espaos geogrficos, h uma srie de questes que so especficas. I.3 A terceira a identificao dos espaos arquitetnicos, que so comuns a todos os museus; I.4 A quarta, a resoluo dos espaos virtuais - nos museus virtuais e nos outros modelos de museus, que usam implementos virtuais e digitais. O ESPAO GEOGRFICO COMO EXPOSIO No Museu de Territrio, o espao geogrfico a exposio. Tudo isso leva a um confronto muito especfico entre mito e realidade. Como esta no a realidade maior de vocs no MAST, trouxe apenas alguns exemplos, como o stio de Ingapirca, no Equador que museu de stio e patrimnio mundial. O primeiro mito relaciona-se ao fato de pensarmos que, se o espao geogrfico a exposio, est tudo pronto, a exposio pr-dada. E, se existe um real pr-dado, a exposio est ali, e tudo o que temos a fazer controlar o horrio de abertura desses espaos: o pblico chega a ele espontaneamente, passeia, circula na exposio, v os objetos, tira fotografias... Isto o que afirmam alguns textos de teoria museolgica, sobre museus de territrio. um dos grandes mitos mundiais no campo da Museologia: trabalhar os museus de territrio uma experincia complexa, que requer uma grande experincia terica e muito domnio tcnico. Parte-se de um espao inicial, que uma exposio pr-dada, natural, mas

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fundamental dotar esse espao com programas de adequao ao uso pblico, que implicam nas mesmas etapas j descritas anteriormente: elaborao de conceito, planejamento, programao, etc. A nica diferena que, s vezes, no haver a etapa de montagem. Digo s vezes, porque dentro desse espao geogrfico pode-se criar um centro de visitao que, na maior parte dos casos, vai ser um museu tradicional ortodoxo, com vitrines, objetos e todos os demais quesitos de um museu tradicional. De todos os modos, devemos garantir as formas de acesso e a circulao do pblico nesse espao. O espao geogrfico ser um museu no significa que as pessoas possam andar a esmo em qualquer lugar: preciso haver um circuito de visitao, requisitos de segurana para o prprio patrimnio, para o pblico, para a equipe que trabalha no local. So os mesmos cuidados que tomamos com o museu tradicional, s que num espao geogrfico. Deve-se ainda planejar e instalar as facilidades que devero ser oferecidas ao pblico sanitrio, loja, bar, restaurante, centro de visitao (um pequeno museu dentro do museu muito comum nos dias de hoje), instrumental para interpretao. A interpretao uma atividade que precisa acontecer quase em todos os horrios em que o stio est aberto visitao. Estes so os requisitos bsicos para quem trabalha com parques nacionais, ou com museus de stio em reas patrimoniais j definidas - como o caso de Ingapirca (fig. 05).

Fig. 05 Ingapirca, Equador patrimnio mundial

Antes de se abrir um stio patrimonial visitao, preciso fazer um plano de interpretao. Uma equipe multidisciplinar vai desenvolver esse plano, que propiciar a interpretao da rea geogrfica como espao simblico, permitindo uma ampla interao do visitante com os espaos visitados. Outra questo importante a abrangncia simblica de cada stio como patrimnio local, regional, nacional ou mundial. Cada faixa de abrangncia implica num modo especfico de interpretar aquele patrimnio. Darei como

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exemplo o Po de Acar, patrimnio nacional, mas tambm um stio de interesse turstico mundial. A interpretao correta do Po de Acar deveria levar em conta as diferentes faixas de interpretao que se fazem necessrias: para o carioca, para o turista brasileiro, para o turista norte-americano e/ou europeu. por isso que alguns pases da Europa, como Espanha e Blgica, tm programas de governo dedicados interpretao de stios patrimoniais, bem como abertura e qualificao desses stios para visitao e uso turstico. As exposies em stios naturais sempre configuram uma realidade extremamente complexa: o pessoal que trabalha com stios naturais tem que constituir equipes multidisciplinares, com muitos profissionais - uma diversidade maior de profissionais do que s vezes no museu tradicional. Estas equipes, no decorrer do processo, devem tornar-se interdisciplinares.

Fig. 06 Sandvig Museum, Noruega Este exemplo de um museu de territrio na Noruega (fig. 06). A imagem mostra claramente a complexidade do espao, onde cada casa um objeto de acervo, contendo, por sua vez, centenas de objetos. Por este espao transitam pessoas vestidas moda tradicional da regio. Tudo tem um valor simblico especfico - e todos esses valores simblicos so um grande caleidoscpio; e o valor simblico de todos esses pequenos elementos tem que sintonizar pra formar um todo homogneo. Como o museu tinha manifestado interesse em exposies temporrias, trouxe um exemplo de exposio temporria em stio arqueolgico. (Lembro aqui que o termo exposio temporria o termo mais correto para definir este tipo de exposio. Curta durao um eufemismo bonito em portugus, a partir da traduo literal da expresso inglesa short term exhibition que significa, exatamente, exposio temporria).

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Fig. 07 Velha Medina, Crdoba - Espanha

O exemplo que vou mostrar agora o de uma exposio que eu vi em 2001, organizada com patrocnio da Unesco, de vrios bancos espanhis e do Governo da Espanha, inclusive da Casa Real espanhola. Uma exposio temporria, ou de curta durao - sobre um museu de stio. Aqui, o espao existente um stio arqueolgico a velha Medina de Crdoba (fig. 07 e 08). Medina cidade, em rabe. Esta a velha Crdoba, do tempo da ocupao rabe. Um monumento no centro/sul da Espanha, testemunho de um momento na histria em que judeus, rabes e cristos conviveram em relativa paz, criando uma cultura fascinante, uma arquitetura deslumbrante, uma arte de primeira, msica de primeira, uma filosofia fantstica e uma literatura que poucos de ns conhecemos: a literatura rabe. um segmento da cultura mundial que, talvez, seja razoavelmente conhecido pelos espanhis ou por alguns europeus da Europa Central, mas absolutamente desconhecido para ns, latino-americanos. Um universo inexplorado.

Fig. 08 Velha Medina, Crdoba - Espanha exposio temporria

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Sobre este stio arqueolgico, que um museu a cu aberto, criou-se este espao, aproveitando algumas paredes da velha Medina. Um espao configurado arquitetonicamente com finura, competncia e capricho, um espao sutil e delicado, de extremo bom gosto e muito bem realizado do ponto de vista museogrfico (fig. 09 e 10).

Figs. 09 e 10 exposio temporria Velha Medina, Crdoba Espanha

Fig. 11 anteparos para controle da luz natural

Num espao aberto, com excesso de luz, foram colocados anteparos feitos com telas de nilon - material barato, de fcil substituio, leve, bonito, resistente contra insetos, resistente contra o tempo e que coa a luz, fazendo com que esse espao, que tem mais de 5000 lux na parte externa, tenha a luminosidade controlada e apresente do lado interno, ndices de luminncia adequados para exposies 250 a 400 e poucos lux (fig. 11). O capricho na organizao inclui uma sintonia elegante entre o que original e o que no original, deixando claras as diferenas, do ponto de vista tcnico - mas criando um contexto visual uniforme: quem v de longe o conjunto, v um elemento s - como no caso dessa portada (fig. 12).

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Fig. 12 composio de portada

Aqui h uma outra soluo bem sucedida: a sintonia entre o objeto de coleo e o objeto museogrfico. O capitel o objeto, tendo como sustentao uma barra de ao imitando a coluna; um contexto elegante, onde a coluna (esse equipamento, como diriam os arquitetos) aparece, mas no a ponto de fazer oposio ao objeto (fig. 13). Notem que h um piso falso. E que o equipamento arquitetnico no est, em nenhum momento, preso a nada que seja original - est sempre preso em alguma coisa aposta original; equipamento sobre equipamento, criando um contexto harmonioso, onde o visitante pode apreciar sem problemas todo o conjunto.

Fig. 13 capitel sustentado por barra de ao

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Figs. 14 e 15 associao entre objetos e elementos arquitetnicos Outros momentos felizes da exposio: associao entre espao e imagem, entre elementos arquitetonicos e objetos de exposio, criando um espao evocativo de extrema beleza (fig. 14 e 15). No difcil transformar essa relao (espao existente x espao criado, equipamento arquitetnico x objetos de exposio) num poderoso signo. Basta que se use aquilo que ns, museolgos, chamamos de museografia. por isso que insistimos na presena do muselogo nos projetos de exposio. Todo projeto de exposio poder ter arquiteto, designer, iluminador, educador, cientista, mas o muselogo que vai fazer esse alinhavo a que denominamos Museologia. o muselogo que ir definir a exposio como um objeto simblico de carter museolgico.

Fig. 16 recriao de mosaico

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Nesta imagem (fig. 16), vemos a iluso dada pela recriao de um mosaico original, feita por meio de uma fotografia, projetada e impressa sobre um tapete de material plstico. A sensao que temos de estar andando sobre o mosaico. um elemento absolutamente cnico. Essa conjugao entre acervo, equipamento arquitetnico e elemento cnico muito feliz nesse projeto. Outra soluo feliz a destes espaos de circulao, fechados com pranchas feitas de tela de nailon, apenas encaixadas em espaos que originalmente configurariam portas (fig. 17 e 18). No h pregos nem furos, nenhuma interferncia no acervo: um processo totalmente seguro e muito sutil.

Figs. 17 e 18 pranchas de tela de nailon

O que essa imagem nos diz que provavelmente houve um arquiteto, um conservador e um muselogo que trabalharam juntos neste problema e que chegaram juntos a uma soluo muito feliz do ponto de vista da conservao, do design e da museologia. Posso acrescentar que sob o ponto de vista da segurana do acervo a soluo boa tambm: interceptou-se a passagem do visitante sem que ele perceba que est sendo desviado, criando-se um espao onde o pblico pode circular perfeitamente. Outro mito imaginar que ecomuseus e museus comunitrios no utilizam a museologia tradicional, ou a museografia tradicional. H uma fantasia de que a comunidade discutir as suas questes... mas a comunidade somos ns. Poderamos criar um ecomuseu aqui e passaramos o resto de nossos dias olhando um para o outro, nos achando patrimnio. No assim. Existe, sim, um componente muito complexo de trabalho tcnico em todos os ecomuseus. um trabalho que precisa ser feito por equipes especializadas, de preferncia com a presena de um muselogo. A nica diferena que existe do ponto de vista tcnico profissional entre o museu tradicional ortodoxo e o museu de territrio a participao comunitria, como instncia de deciso. O termo museu tradicional

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ortodoxo no um termo pejorativo - refere-se ao modelo terico do museu, como no caso aqui do MAST; ou museu de territrio, como o caso do ecomuseu de Santa Cruz. O trabalho nos dois museus igual, a necessidade de equipe especializada a mesma. Qual a diferena ? Aqui, o especialista decide, no sai rua para perguntar o que deve ser feito. A equipe decide e tem a responsabilidade e o nus completo pelo trabalho realizado. L em Santa Cruz tem uma equipe que decide tambm, no vamos fazer a fantasia de que no existe no ecomuseu uma instancia tcnica decisria. Este um outro mito do ecomuseu. Apenas, antes de decidir, fazem-se algumas assemblias com os lderes comunitrios, com muito choque de lideranas o que normal e faz parte do processo. Nesta fase do processo que os especialistas so mediadores: eles esto ali porque tm uma bagagem de conhecimentos que vai sustentar o ecomuseu. E eles no decidem naquele momento, mas se o que a comunidade decide uma coisa que vai colocar em risco o patrimnio local, eles chamam os lderes e renegociam. No impem, mas renegociam muitas vezes o trato e a gesto dos patrimnios. Quem diz isso so as pessoas que criaram o Creusot - o grande paradigma dos ecomuseus. No uma fantasia brasileira, assim nos ecomuseus de todo o mundo.

Fig. 19 Ecomuseu do Creusot

Fig. 20 Ecomuseu de la Bresse

Trouxe alguns exemplos de ecomuseus. O Creusot (fig. 19) tem como sede uma casa senhorial, assim como o Museu de la Bresse (fig. 20). Ambos tm uma museografia interna agradvel, bonita, bem resolvida, mas em nada diferente a qualquer museu municipal, de qualquer lugar da Europa, ou mesmo do Brasil. A nica caracterstica especfica que poderamos apontar a presena do homem, como sujeito e objeto das exposies. O ponto de partida para as exposies sempre o homem. Esta uma caracterstica especifica dos ecomuseus. Mas as exposies que esto dentro dos ecomuseus poderiam estar dentro de qualquer museu tradicional ortodoxo: no h uma museografia especfica dos ecomuseus isso somitos, so fantasias.

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Fig. 21 Ecomuseu do Seixal - Portugal Mais uma imagem - ecomuseu de Seixal, do outro lado do Rio Tejo. um distrito de Lisboa, Portugal (fig. 21).

Fig. 22 Moinho de Mar de Corroios Seixal, Portugal

Uma das antenas do ecomuseu de Seixal o moinho de mar de Corroios, uma casa histrica, patrimnio nacional (figs. 22 a 25). Essa exposio poderia estar em qualquer museu tradicional ortodoxo. A nica caracterstica que no especfica de ecomuseus, especfica dos espaos culturais musealizados: este equipamento que est aqui original do moinho. O moinho trabalhava com o movimento das mars - como alguns moinhos, em outros lugares, com o movimentos de rios e quedas dgua. A esto algumas demonstraes da moagem e da peneiragem de gros.

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Figs. 23, 24 e 25 Moinho de Mar de Corroios interior do museu Espao arquitetnico e acervo: problemas e possibilidades Um problema vai ser otimizar a relao entre o espao existente e o espao criado. Num museu mais tradicional, que se baseia sobretudo no espao arquitetnico, a soluo bsica seria criar contextos nos quais o espaos envolvem os objetos: o espao parte da exposio. Os museus que tm espaos arquitetnicos definidos partem da arquitetura para definir a exposio, no foram um exposio dentro da arquitetura. Vamos ver o exemplo da East Wing, da National Gallery, de Washington.

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Fig. 26 East Wing National Gallery, Washington D. C. - EUA

Se prestarmos ateno veremos um imenso Calder e, ao fundo, uma tapearia (fig. 26). O objeto est aqui plenamente integrado no espao arquitetnico - h uma sintonia visual entre arquitetura, luz natural, luz artificial, espao de circulao, espaos de exposio, galerias. Cada porta deste hall d para uma galeria. Est exposto aqui o que pode ser exposto sob luz natural; o que no pode, est nas galerias internas do museu. Esse um dos projetos premiados de museu do mundo: um projeto do Pei, o arquiteto que projetou a pirmide do Louvre.

Fig. 27 Museu de Arte Asitica, Smithsonian Institution Wsahington, D. C. EUA

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O Museu de Arte Asitica, da Fundao Smithsonian (fig. 27) outro exemplo de sintonia entre espao, objeto, suporte, luz artificial. Esse museu uma caixa, um box: no h luz natural e todos os elementos de segurana luz geral, luz local, o espao de circulao so absolutamente controlados.

Fig. 28 Museu de Cincias da Terra, RJ Entre os mitos ligados ao espao arquitetnico, est o de que uma casa antiga no pode suportar exposies com design contemporneo. Quem afirmou isto? Tomemos como exemplo a exposio No Tempo dos Dinossauros, no Museu de Cincias da Terra (fig. 28). Uma exposio bem desenhada e bem realizada no esconde a casa, no coloca nenhuma ameaa para a arquitetura original do lugar. Outro mito: exposio bem sucedida tem que ser sempre grandiosa, luxuosa, carssima. Isto corresponderia a dizer que todos os museus de sucesso tm exposies carssimas e que custaram milhes de dlares. Aqui, estamos confundindo qualidade museolgica e museogrfica com sucesso de mdia. Um projeto de mdia grandioso faz com que as filas se sucedam na porta de um museu, mas muitas vezes as pessoas nem sabem porque esto indo l estaro provavelmente reagindo a um comando meditico. Nada tenho contra as mega-exposies, nem contra os projetos sofisticados de mdia, mas fao uma crtica contundente a esse mito que est se instalando na Museologia mundial, na esteira do novo Capitalismo e que ns, brasileiros, absorvemos sem analisar. Temos que tomar cuidado: nem toda exposio, para ser bem sucedida, precisa ser grandiosa; e nem todos os museus, para serem sucesso de pblico e crtica, precisam receber filas de visitantes na porta. Alis, alguns museus nem sequer comportam milhares de visitantes.O MAST um exemplo de museu que no comporta fisicamente um grande contingente de pblico: um fato cultural que gere, aqui, a presena de milhares de pessoas, vai-se transformar num problema gravssimo de segurana. Portanto, a primeira coisa que se precisa ter a noo dos prprios limites. Fila na porta para museus do porte do Metropolitan, do Smithsonian, que tm

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infraestrutura fsica, de pessoal e de servios, espaos de estacionamento, equipes de primeiros socorros. O Museu Nacional de Belas Artes, por exemplo, um prdio grande, que tem feito grandes exposies. Se houver um problema dentro do museu, haver condies de controlar 2 mil, 5 mil pessoas em pnico? No todo museu que pode ter pblico grande. muito mais fcil fazer sucesso com o segmento normal de pblico, ter um pblico constante. Um museu do tamanho do Museu de Astronomia, com uma visitao de cinquenta pessoas por dia, j sucesso absoluto de pblico. O MAST pode receber uma turma de uns 15 a 20 alunos, ou at 40 alunos - isso mais ou menos o que esse edifcio comporta. No h espao para mais que isso, com segurana. Isso para no falarmos do aproveitamento simblico da exposio, ou da questo pedaggica, formativa, do pblico quando o visitante sabe o que est vindo ver e aproveita plenamente a visita. A realidade que quase sempre, e principalmente para ns, brasileiros, a simplicidade s vezes agrada muito mais.

Figs. 29 a 31 Casa de Cultura, Petrpolis, RJ Aqui, o exemplo uma instalao simples e barata, na casa de cultura de Petrpolis (figs. 29 a 31). Pouqussimos implementos e um resultado simptico, com o uso da parede e do piso como suportes de texto. Uma soluo sem problemas - no um prdio tombado, uma casa de cultura, uma exposio temporria. Uma montagem muito interessante. Um outro exemplo o Museu do Pontal, no Rio de Janeiro - uma das casas bem resolvidas da museologia brasileira: simples, eficaz, bonito, seguro, moderno, com visual adequado ao acervo (fig. 32).

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Fig. 32 Museu do Pontal, RJ II - ERROS FREQUENTES COMETIDOS NAS EXPOSIES: 1. Uso de materiais caros e inadequados ao clima, ao tipo de exposio e ao tipo de suporte, em nome de uma sofisticao museogrfica desnecessria como nesta mostra, realizada em Natal, no mbito do 2. Congresso de Museus Universitrios, onde se utilizou fotocomposio em papel fotogrfico brilhante, para painis colocados ao ar livre (fig. 33).

Fig. 33

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2. Relao inadequada objeto x fundo como neste painel no Museu de Arte Sacra da Bahia, em Salvador (fig. 34). Este um exemplo de que s vezes at mesmo o muselgo exagera. Aqui, todos os elementos so adequados, se considerados isoladamente, mas confundem visualmente o observador, quando apresentados em conjunto: o painel fotogrfico impede a viso perfeita das magnficas imagens de santos.

Fig. 34

3. Exposies em locais com condies inadequadas de conservao, como na sacristia desta igreja em Cachoeira, no Recncavo baiano (fig. 35). Este erro ns conhecemos bem: o do objeto colocado num ambiente completamente inadequado, com paredes midas. Aqui, deve-se fechar o local para o pblico, colocar a imagem numa reserva tcnica e proceder a obras em carter de urgncia.

Fig. 35

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A EXPOSIO DRAMATICIDADE

COMO

ESPAO

CNICO:

EMOO

E

Fig. 36

O recurso cnico uma das melhores possibilidades que se tem para usar nas exposies. O exemplo (fig. 36) mostra insetos encapsulados em mbar, dando efeito de quase transparncia - um recurso que no caro e que pode ser realizado por um bom carpinteiro, com o uso de rels. A instalao em backlight uma instalao normal, com uma ou vrias caixas de luz montadas em madeira ou metal - e o resultado magnfico. A imagem a seguir mostra resultados mais sofisticados. um exemplo de como a luz cnica pode fazer da exposio um grande momento dramtico na vida do museu, da equipe do museu e do visitante (fig. 37).

Fig. 37 - Museu da Civilizao - Canad

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Fig. 38 Museu Nacional de Belas Artes, RJ

O nosso Museu Nacional de Belas Artes (fig. 38) tambm tem espaos ambientados de maneira dramtica. fantstica essa galeria, ainda que muito tradicional. A soluo aqui utilizada ficou belssima, com a cor vermelha ao fundo, dando destaque ao branco das esculturas.

Figs. 39 e 40 Salvador, Bahia

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Este exemplo (fig. 39 e 40) mostra uma exposio sobre teatro baiano, feita no antigo Palcio do Governo, hoje uma casa de cultura em Salvador. Aqui nota-se o uso de uma luz cnica fantstica. Vejam as portas da casa. A luz azul em nada onera o projeto, o custo quase o mesmo da luz branca. s vezes deixamos de usar a luz cnica porque no lembramos de chamar um bom iluminador, ou no sabemos que podemos chamar um iluminador. III - A ESCOLHA DO ACERVO A grande questo da escolha do acervo que ns, profissionais, mitificamos o objeto: vivemos agarrados em nossos acervos, temos uma relao reificada com os objetos. E nem sempre isso bom na hora de trabalhar os projetos, porque temos uma tendncia a mitificar o objeto, achando que uma exposio s pode ter sucesso quando tem objetos tridimensionais; ou que s o objeto tradicionalmente reconhecido como objeto de coleo pode dar status a uma exposio. Muitas exposies no tm acervo sado das reservas tcnicas, mas esto cheias de objetos musealizados para aquela situao especfica. Nelas, o acervo pode ser constitudo pela reproduo de objetos, como no caso das exposies do Exploratorium, de S. Francisco (Califrnia, EUA) ou de muitas exposies fotogrficas ou de arte contempornea. Esta uma situao que existe em todo o mundo. Existem especialistas do ICOM que ainda no admitem que museus exploratrios sejam museus, acham que para se fazer uma exposio o acervo deve ser composto de originais sados de reservas tcnicas. Lembremos que cada implemento do Exploratorium objeto de acervo, foi feito para ser acervo: no h objetos sados de reservas todo o museu povoado por implementos construdos por fsicos, por mecnicos, por matemticos, por bilogos, e disso que o museu se faz. Essa um discusso terica que no vai ter fim na museologia nacional e nem internacional, mas que pode vir a prejudicar o desenvolvimento de projetos. Deixemos esta pendncia para a rea acadmica, para as grandes discusses plenrias, para os trabalhos publicados, porque na poca dos projetos no se tem tempo para este tipo de preocupao. Que no tenhamos medo de tirar partido dos recursos acessrios como objetos expositivos, permitindo que atuem como vozes autorizadas do discurso da exposio, seja de maneira explcita, seja de maneira metafrica. Naquele projeto especfico, que estamos desenvolvendo, tais recursos tero o valor de objetos.

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Figs. 41 a 43 Air and Space Museum Washington, D. C. - EUA Muitas vezes esquecemos que a fotografia tambm um objeto, no percebemos a tcnica ou a arte de que se impregnaram a mo e o olho do fotgrafo, ao criar a imagem. muito fcil desconsiderar o trabalho do fotgrafo, quando a foto que temos no um original assinado mas uma cpia feita para a exposio. Aqui, cruzam-se duas escalas de valor: o valor intrnseco da foto enquanto documento e o seu valor museolgico, como objeto original. As fotos acima (figs. 41 a 43) mostram exemplos da exposio permanente no Museu do Ar e do Espao, da Fundao Smithsonian, em Washington. As fotografias do homem na Lua - a grande metfora do poder Norte Americano: a marca de um sapato americano no solo da Lua, a bandeira americana fincada em solo lunar. Imagens emblemticas sobre a relao entre museu e poder, que prescindem da presena de qualquer outro tipo de objeto. As imagens j so a exposio, so objetos culturais, objetos histricos e de arte.

Figs. 44 e 45

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Podemos tambm utilizar imagens fortogrficas que exemplifiquem processos de pesquisa, processos educativos, culturais, processos de fabricao do objeto. As fotos acima so do professor Digenes Campos, diretor do Museu Cincias da Terra, em trabalho de campo de Paleontologia. Essas so pegadas de dinossauro - e aqui ele deixou-se fotografar ao lado de seu achado, antes de trazer as evidncias para o museu (figs. 44 e 45). Permitir maior interao do visitante com o acervo tambm uma boa alternativa. Devemos, sempre que possvel, deixar o visitante ficar mais prximo dos objetos (fig. 46). As pessoas lembram-se para sempre de momentos agradveis nos museus, em interao com os objetos. Isso comprova que certas experincias, s vezes, no passam realmente pelas grandes verbas, elos grandes projetos. Bem, isto era basicamente o que eu queria mostrar para vocs desta vez. Obrigada

Fig. 46 - Jenniffer Thevenot, Diretora de Programas do ICOM, no Museu do Pontal pela ateno e fico disposio para as perguntas.

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EXPOSIES EM ESTUDO DE CASO: MUSEU HISTRICO NACIONAL

Ruth Beatriz S. Caldeira de Andrada

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Nota Biogrfica

PalestranteRuth Beatriz Silva Caldeira de Andrada, formada em Histria pela PUC/RJ e em Museologia pelo Curso de Museus do Museu Histrico Nacional, com Curso de Especializao em Museus e Comunidade. Exerce atualmente o cargo de Coordenadora Tcnica do Museu Histrico Nacional, onde trabalha desde 1986.

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O PROCESSO DE PRODUO DE EXPOSIES NO MHN uando fui convidada a falar sobre o processo de construo de uma exposio no MHN, dos problemas e solues de qualquer ordem encontrados, resolvi conversar com colegas de trabalho e comecei a perceber que , se no h como fazer uma exposio sozinha, o melhor seria tambm formatar esta fala a partir das conversas com meus parceiros, e at mesmo traz-los para que possamos debater o tema em equipe. Assim, a partir de conversa com a equipe do Departamento de Dinmica Cultural do MHN, de entrevista com alguns de nossos curadores, estruturei esta apresentao em 3 blocos distintos para depois conversarmos a partir dos comentrios dos colegas do Museu Histrico Nacional aqui presentes e de perguntas / dvidas /reflexes trazidas por todos . Assim, apresentaremos: 1A exposio na estrutura organizacional do MHN, funes dos setores e o trnsito das informaes Tipos de exposies, as equipes, atribuies e metodologia Resultados Exemplos de exposies

Q

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A exposio na estrutura organizacional do MHN Para compreendermos e mesmo falarmos sobre o processo de produo de exposies no MHN, seria bom iniciarmos com a apresentao do organograma da instituio para sentirmos como se processa o fluxo de informaes, como se articulam as diversas aes e como chegamos ao momento de deciso. O Museu Histrico Nacional tem um organograma anterior dcada de 1980, que eu no diria que enxuto mas, poderamos dizer que objetivo - se assim se pode classificar um organograma. Reconhecemos que necessita ser modernizado, mas esta ainda a estrutura em vigor e por ela que transitam nossas normas, procedimentos e decises. Como podemos observar, o Museu Histrico Nacional tem uma Direo com suas Assessorias e, basicamente, com relao parte que nos interessa, duas Coordenadorias, sendo uma Administrativa e uma Tcnica. justamente na Coordenadoria Tcnica que acontece todo o processamento tcnico, inclusive o que diz respeito a exposies. Como em qualquer empresa, a Coordenadoria Administrativa, com todas as suas divises, proporciona os meios para que possamos trabalhar e viabilizar nossas decises tcnicas.

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Voltando Coordenadoria Tcnica, onde se processa todo o fluxo de informaes que vai para a exposio, podemos observar que composta por trs Departamentos: Departamento de Acervo Departamento de Dinmica Cultural Departamento de Numismtica. Pode parecer estranho haver um Departamento somente para numismtica mas o MHN possue sob sua guarda a maior coleo de numismtica da Amrica Latina, composta por mais de 200 mil itens, o que, por se tratar de assunto extremamente especfico, demanda uma ateno especial. Continuando .... O Departamento de Acervo responsvel pelo tratamento tcnico de todo o acervo museolgico, bibliogrfico e arquivstico do Museu, estando tambm sob sua responsabilidade os Laboratrios de Conservao e Restaurao , com suas diversas oficinas, a saber - pintura, madeira, txteis, papel e materiais diversos. Uma diviso de Controle do Acervo se responsabiliza por todo o processo de entrada de uma pea no Museu e, mais especificamente, no que diz respeito ao processo de planejamento e montagem de uma exposio, est a seu cargo a movimentao e o controle do acervo para ela selecionado , ou seja, a entrada e sada de objetos, sejam estes oriundos de outras instituies ou do prprio Museu, selecionados para emprstimo a terceiros. Doaes - que acontecem com relativa freqencia.- ou mesmo peas que permaneam no Museu , temporriamente, tambm tm seu controle e processamento efetuados por este setor. do Departamento de Acervo que vm todos os subsdios necessrios ao nosso trabalho no Departamento de Dinmica Cultural, onde esto as Divises de Educao, Museografia e Pesquisa, sendo este o grupo que cuida das exposies e de todo seu processo de criao e elaborao. Embora seja um museu grande, para uma equipe relativamente pequena, esta equipe consegue desenvolver todo o processo de uma exposio , desde sua concepo, desenvolvimento da pesquisa, passando pelos projetos museolgico e museogrfico at a montagem da exposio. no Departamento de Dinmica Cultural onde se desenvolve a maioria das aes necessrias para a concretizao do projeto, como tambm nele que se processa toda a coordenao e gerenciamento do projeto. A equipe deste Departamento conta hoje com seis tcnicos, sendo dois arquitetos, um muselogo, uma estudante de museologia e dois outros outros tcnicos que atuam na rea de educao. Existe sempre a necessidade de buscar auxlio de prestadores de servio para o cumprimento das tarefas em funo do grande volume de trabalho - em mdia, uma exposio temporria a cada dois meses.

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Com relao s tarefas necessrias para a elaborao de um Guin (Roteiro) para a exposio ressaltamos que os trabalhos so desenvolvidos com a cooperao e o auxlio de vrios setores da casa, em um trabalho integrado e de equipe. Hoje, o Departamento de Dinmica Cultural tem todas as suas aes voltadas para a exposio. Na pesquisa so desenvolvidos trabalhos de investigao e levantamento de dados para as exposies. A rea educativa trata de sua dinamizao e divulgao junto ao pblico, principalmente junto s redes pblicas e particular de ensino . J a museografia , de todo seu planejamento, sua concepo e montagem, em fim, sua realizao.. Tipos de exposies, as equipes, atribuies e metodologia Como acontece o trabalho de proposta para uma exposio? Quem prope? De quem vem a idia? Como acontece seu desenvolvimento? A proposio de um tema pode vir da Direo, de um funcionrio de qualquer rea e at mesmo de fora do Museu Qualquer que seja a idia, ou o proponente, excluindo-se, claro, a direo, existe a necessidade de uma aprovao da equipe, sendo a palavra final da Coordenadoria Tcnica e da Diretora. A idia pode surgir tambm de determinadas situaes, como por exemplo, desdobramento de outros projetos no momento estamos em processo de criao de uma exposio que acontecer como atividade complementar a nosso Seminrio Internacional anual. As aes, muitas vezes, dependem do tipo de proposta. Um exemplo: A exposio na qual estamos trabalhando, complementar ao Seminrio . Como estava sendo planejado o seminrio, a CT pediu que montssemos uma vitrine com algum, ou alguns objetos de nosso acervo, que tivessem relao com o tema em questo.

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Coordenadoria Tcnica

Departamento De Dinmica Cultural

Diviso Educativa

Diviso de Museografia Departamento de Numismtica

Diviso de Pesquisa

Diviso de Medalhstica

Diviso de Filatelia Departamento de Acervo

Diviso de Moedas

Diviso de Controle

Diviso de Conservao

Diviso de Restaurao

Diviso de Arquivo Histrico

Diviso de Biblioteca

Diviso de Reserva Tcnica

Fig.01 Comeamos a fazer um primeiro levantamento, fizemos uma primeira listagem com tudo o que tnhamos sobre o assunto, resultado...surgiu a nossa frente uma rica coleo com a qual levantamos alguns temas, estabelecemos um roteiro, fizemos um projeto incluindo maquete, apresentamos direo, e tivemos a aprovao. Com relao a exposies solicitadas pela Direo , sabemos que o tema j est aprovado; desta forma, iniciamos um primeiro levantamento do acervo, apresentamos uma primeira proposta museogrfica a partir de uma proposta conceitual e museolgica, podendo esta vir de diversos lugares. Proposta feita por um membro da equipe necessita de aprovao, assim elaboramos um ante projeto, fazemos levantamento de custos, apresentamos um esboo de projeto museogrfico. A partir da aprovao, partimos para o detalhamento de todas as etapas. Propostas externas ou seja, projetos que muitas vezes s solicitam o espao, ou a parceria para um apoio tcnico, recebem um tratamento diferenciado. A partir de anlise conjunta, feita pelo corpo diretivo e pela equipe tcnica, o projeto aprovado e a partir da acompanhado pela equipe do Departamento . Este acompanhamento varia conforme o envolvimento anteriormente acertado.Em alguns projetos funcionamos como parceiros, em outros apenas hospedamos a exposio, em outros apoiamos em todas as etapas de desenvoilvimento . A metodologia - a mesma de sempre: Levantamento de acervo;

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Elaborao da proposta museolgica; Seleo e Estudo do espao; Estudo e proposta museogrfica; Levantamento de Custos; Apresentao para aprovao. Aps aprovada, planejamento para execuo e montagem, desmontagem e avaliao. preciso salientar que na prtica, as aes no acontecem to linearmente nem to pouco to rigidamente. Projetos sofrem pequenas ou grandes modificaes em seu caminhar e muitas vezes, iniciam com uma idia e durante seu desenvolvimento, surge a necessidade de uma mudana. Para podermos conversar melhor sobre este item, vamos nos debruar sobre alguns exemplos . Exemplos de exposies Tipos de exposies apresentadas pelo Museu Histrico nacional Permanentes Temporrias : Internas e Externas sendo que as externas podem ser nacionais e/ou internacionais Itinerantes : Internas e Externas ou seja, elaboradas e dinamizadas pelo Museu ou provenientes de outras instituioes apresentadas no Museu Histrico Nacional. Exposies Permanentes Nos anos de 1986/1987 comeou a acontecer no Museu Histrico uma grande reestruturao no antigo circuito do perodo ps 1964. Nesse trabalho vamos apresentar alguns exemplos desse novo momento do Museu, cujos primeiros espaos expositivos foram inaugurados em dezembro de 1987, da primeira exposio de longa durao chamada Colonizao e Dependncia, at a ltima, que foi inaugurado em 2002. Em um perodo de 17 anos temos um grupo de exposies que tm caractersticas bastante comuns, embora sejam completamente diferentes umas das outras.

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A primeira coisa que penso ser singular no circuito de exposies do Museu Histrico que se trata de um circuito de museu de histria que no cronolgico. No vai direto do sculo XVI ao XX, ou XXI.... So exposies que trabalham com temas fechados, que defendem uma linha de pensamento, com princpio, meio e fim e que cada uma destas exposies est contida em um grupo independente de salas, com entrada e sadas prprias. Isso oferece uma srie de possibilidades. Para o professor que vai visit-lo com seus alunos possibilita uma escolha temtica variada e, conforme a faixa etria , a abordagem de temas nicos, de acordo com o currculo escolar. O professor pode escolher uma exposio, uma galeria ou apenas uma vitrine ou um nico objeto para desenvolver seu estudo. Para o turista. oferece a possibilidade de visitar apenas um desses mdulos, ter uma noo de nossa histria e ir embora sem precisar visitar todo o circuito e para o prprio Museu. e seus profissionais oferece a possibilidade de revitalizar seu circuito de exposies, renovando sistemticamente seus espaos expositivos e, mesmo arquitetnico, sem nunca ter fechado um dia sequer suas portas visitao. Este circuito de exposies de longa durao formado pelas seguintes exposies, ou seguintes mdulos (se ainda podemos usar este trmo) - Expanso Ordem e Defesa - Colonizao e Dependncia - Memria do Estado Imperial e ainda, - Meios de Transportes Terrestres que dever ser brevemente renovada. Existe tambm a previso para a concepo de mais um mdulo que apresente a Pr Histria Brasileira e o ndio. A exposio de 1987 Expanso , Ordem e Defesa, tem uma caracterstica diferente. Foi um perodo de muitos recursos e o museu contava com uma equipe grande, alm de uma verba relativamente generosa . Para se ter uma idia, o projeto dessa exposio, da concepo montagem, durou cerca de 3 anos e exigiu uma pesquisa profunda.

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Fig.02

Fig. 03

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As vitrines foram produzidas fora do Rio de Janeiro, tiveram um tratamento sofisticadssimo, a pintura interna levou 2 meses. Foi contratado o arquiteto - Jacque Van de Beuque - que nos emprestou sua experincia atravs de uma consultoria, supervisionando sua produo e montagem. Foram encomendadas peas de acervo, como por exemplo o quadro do incio da exposio - que foi produzido para fazer uma sntese desta exposio ou o engenho, pea de autoria de um artista popular.. Em resumo, aps um cuidadoso projeto essa exposio, que est h 17 anos montada passou nesses anos por duas revitalizaes as quais deram ateno forrao das vitrines e ao piso. A diagramao de suas vitrines, seu mobilirio e sua programao visual continuam as originais. Alguns cuidados tomados em seu projeto, propiciaram este resultado .Dentre eles - A utilizao de tecidos sem a finalizao qumica,, que possibilitou a manuteno de sua cor e auxiliou na conservao dos objetos em virtude da no criao de gases no interior das vitrines; - o projeto das vitrines, sua fabricao e a qualidade das mesmas (que receberam revestimentos tratados com fungicidas e produtos contra trmitas) .Foi pensado de forma a permitir que sua manuteno pudesse ser feita com facilidade e em poucas horas e que o acervo al exposto sofresse o menor dano possvel. Naquela poca foi montado apenas este mdulo, que ocupava 3 salas. Como j disse, o museu estava passando por uma reforma completa e a localizao das galerias escolhidas para montagem deste mdulo possibilitava entrada e sada independentes das demais . Dessa forma foi possvel montar parte do circuito e continuar trabalhando no restante da obra. A medida em que o tempo foi passando, as direes foram se sucedendo, no se conseguiu mais fazer uma exposio com essa qualidade museogrfica mas conseguiu-se manter uma qualidade temtica e um cuidado tcnico O segundo mdulo, que foi feito em 1992, denominou-se Expanso, Ordem e Defesa, seguiu a linha mais da histria poltica, e teve uma equipe de pesquisadores e uma equipe de consultores. uma exposio que defende uma linha de pensamento dentro de uma histria analtica que permite fazer uma visita crtica e trabalhar bem a parte conceitual de histria, mas com uma qualidade museogrfica completamente diferente.

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Fig.04 Esta exposio pertence a um outro momento, o que facilmente percebido se analisarmos seu material. As vitrines, por exemplo, so de wall , material no to nobre quanto a madeira, os vidros so bem mais finos, possuem dimenso bem menor proporcionando uma rea expositiva inferior exposio anterior. Se analisarmos com ateno, percebemos que no uma exposio construda com materiais prprios para uma mostra de longa durao. Como pontos em comum com o mdulo Colonizao e Dependncia podemos apontar a adoo de um conceito, a seleo de conjuntos de objetos que representam ou simbolizam o assunto tratado, a construo de uma circulao que privilegia a surpresa ou seja, no se consegue ver de imediato toda a exposio. Os assuntos vo sendo tratados um a um. Mais um aspecto desse circuito, em um terceiro momento, foi no ano 2000 - o mdulo Memria do Estado Imperial.

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Fig. 05 Com um tratamento museogrfico completamente diferente das exposies anteriores, esta exposio apresenta uma histria mais factual do que anlitica, no possue grande quantidade de vitrines e deu prioridade apresentao de obras bidimensionais e a itens do acervo sistemticamente procuradas pelo pblico. Os Primeiros Sons da Independncia, A Sesso do Conselho de Estado, O Juramento Constitucional da Princesa Isabel, o sabre de D.Pedro I. Sente-se falta de uma grande obra que, infelizmente, nossos musegrafos no tiveram como solucionar sua colocao O Baile da Ilha Fiscal, ltimo baile do Imprio, de Aurlio Figueiredo que, por suas dimenses, s pode ser exposto em outra galeria do Museu . Apesar de apresentar grandes diferenas em relao a conceito e museografia, uma exposio com a qual os professores se identificam. Visualmente toda colorida e bastante diferente, mas tambm tem princpio, meio e fim. Ela inicia com a chegada de D. Joo VI no Brasil, em 1808, at o final do segundo reinado e aborda de forma ligeira a Repblica.. Como as outras, tem entrada e sada separadas, possibilitando ao pblico uma visita independente. O mdulo que apresenta as carruagens possui uma unidade temtica de acervo, se localiza no trreo, em uma galeria nica e tambm considerado exposio permanente. Finalizando, temos uma exposio permanente que fica em uma galeria de entrada, o chamado Hall dos Arcazes , e que tambm guarda uma unidade de acervo . A nossa coleo de cusquenhos e o Ptio dos Canhes, Ptio Epitcio Pessoa que uma exposio que existe desde 1940, o nico espao do Museu que guarda a museografia dessa poca.

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Possui tambm uma unidade de acervo que, por sua fora e dimenso, terminou por dar nome ao mesmo. o nico espao do Museu que ainda cor de rosa.

Fig.06 Analisando todo esse conjunto de exposies do museu possvel perceber semelhanas com relao ao conceitual ou a unidade de acervo ou at mesmo, uma unidade museogrfica. A mais recente exposio de longa durao a de numismtica. Embora faa parte do circuito permanente do Museu Histrico Nacional, sendo um acervo diferenciado e uma coleo que possue itens representativos de todo o mundo e de um perodo histrico que vai da antiguidade aos dias de hoje, logicamente no poderia apresentar somente a histria do Brasil. Sua leitura global, associa a histria moeda e ao dinheiro de todas as formas. Fica claro para o pblico a presena de um especialista em sua curadoria.

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Fig.07 Resumindo tudo o que foi falado at o momento, esses espaos permanentes do Museu Histrico foram elaborados seguindo uma proposta conceitual modular que, embora construdos sob diferenciadas direes, com diferentes curadorias e , ao longo de vinte anos, guardam sempre uma unidade que pode ser conceitual ou relativa a seu acervo. Exposies Temporrias: Dentre nossas exposies temporrias, eu separei alguns exemplos. O primeiro que quero apresentar uma exposio temporria internacional, que recebemos de Portugal, tendo como aspecto interessante o fato de ter duas curadorias. Essa exposio, de um pintor portugus famoso - Jos Malhoa-1855-1933 - que inicialmente, nem conhecamos e, sobre o qual fomos aprendendo medida que o trabalho se desenvolvia., teve duas curadorias, uma portuguesa e uma brasileira, e uma mesma equipe de museografia trabalhando distncia. Isso inicialmente, se constituiu em certa dificuldade. O acervo era oriundo de diversos museus brasileiros e portugueses, alm de instituies particulares tambm de ambos os paises. Foi uma exposio com uma dificuldade bastante grande porque a curadora principal estava em Portugal e pouco se comunicou conosco. Um parnteses gostaria de comentar o ttulo que do em Portugal para curador - comissrio cientfico - e sempre o comissrio cientfico um estudioso do assunto. Assim, nosso comissrio cientfico, escreveu um tratado sobre Malhoa, nos entregou textos, deu algumas orientaes sobre as cores com que Malhoa trabalhava, selecionou acervo, organizou um catlogo maravilhoso, e depois trabalhamos aqui com uma curadora brasileira. Nossa curadora brasileira D. Ecyla Castanheira Brando conhecia a obra de Malhoa e nos ajudou a unir os acervos com coerncia, a fazer um roteiro a partir do catlogo, a determinar as cores. Fomos construindo

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tudo com muito vagar, e quando finalizamos uma proposta de roteiro e uma planta enfim, um projeto museogrfico, mandamos para Portugal e obtivemos a aprovao. Acabou sendo uma exposio de mdio porte , porque ficou acomodada em uma galeria de 600 m2, com as pinturas e alguns objetos em cermica pertencentes a amigos de Malhoa. Inspirados em uma das obras mais famosos do artista, O fado, nossos musegrafos conceberam uma cenografia para abertura da exposio. O resultado foi excelente.

Fig.08

Fig.09

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As caractersticas desta exposio foram: projetada no exterior, com duas curadorias sendo uma de cada pas, participao de diversos museus brasileiros e portugueses, colecionadores particulares tambm dos dois paises, coordenao e programao visual brasileiras e produo de catlogo no exterior. Completamente diferentes so outras duas exposies com acervo do Museu Histrico Nacional, com uma mesma curadoria, mas dois temas diferentes e dois projetos museogrficos feitos por profissionais diferentes. Temos no Museu a prtica de anualmente fazer uma exposio com o acervo de nossa coleo e nesse ano escolhemos nossas colees de leques e de indumentria. A curadoria ficou a cargo da responsvel por nossa coleo de indumentria e pela coleo de acessrios de indumentria, onde se insere o leque - Vera Lcia Lima. Na entrada construmos um nico painel mas como eram galerias separadas, foram colocados dois ttulos diferentes. A exposio de leques teve a produo museogrfica e concepo feita por uma das nossas arquitetas, Cristiane Vianna, e a de indumentria foi de Luiz Antonelli, junto com a museloga Teresa Pitanga. Com propostas e concepes museogrficas completamente diferentes, guardaram uma mesma coerncia com relao a conceito.

Fig.10

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Fig.11 A dos leques ficou interessante. Em sala propositadamente escurecida, em funo de sua conservao, os leques ficaram todos suspensos em caixas de acrlico iluminadas por fita especial. Resumindo, essa foi uma exposio com uma curadoria, de um funcionrio da casa, duas concepes museogrficas de tcnicos tambm do museu, o que importante - autoria diferenciada de projetos museogrficos. Ressalta-se que a equipe de montagem, inclusive os responsveis pelos projetos museogrficos, trabalhou igualmente nas duas exposies. Trataremos agora de uma outra exposio, Comunicao Escrita no Encontro dos Sculos, dentro do mesmo programa, ou seja, apresentao de uma coleo de nosso acervo, com curadoria de um tcnico da casa, Jorge Cordeiro. Como neste momento nossos recursos eram menores, preferimos apresentar o acervo em detrimento a uma concepo museogrfica mais elaborada. Assim, optamos por manter o mesmo tablado onde foram colocados os manequins da exposio anterior (a de induentria), para apresentar o mobilirio de escritrio, as vitrines permaneceram no mesmo local, onde mudamos apenas a forrao . Em vitrines com minuteria, foi possvel trabalhar com materiais frgeis como papel e tecido. Uma outra exposio sobre a qual gostaria de falar, Memria Compartilhada Retratos da Coleo no Museu Histrico Nacional . O processo de criao est todo publicado em catlogo e esta foi concebida a partir de uma curadoria coletiva, resultando em uma experincia bastante interessante. A idia desta exposio surgiu a partir do comentrio

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da nossa diretora sobre a grande quantidade de retratos que temos em nosso acervo, guardado em reserva tcnica, e que merecia ser exposto. medida que ns comeamos a separar este acervo e a fazer uma listagem, os colegas da reserva tcnica comearam a enviar retratos no s pintados em telas ou madeira. Os retratos apareciam em superfcies e objetos de diversas naturezas . Comeamos a perceber que tnhamos todo tipo de retrato: retratos em leque, em copo, em caixinhas de porcelana, retratos at em maaneta. Decidimos que no poderia ser uma exposio s de retratos em leo e tela, tnhamos de ampliar. Durante a elaborao do projeto, em nossa primeira conversa, o espao escolhido era apenas uma galeria com cerca de 200 m2, mas terminamos fazendo uma exposio que ocupou trs galerias com um total de aproximadamente 1000m2 . Foi um projeto coletivo, na verdade de uma equipe curatorial, que deu um bom resultado e acabamos depois conseguindo financiamento para publicar um catlogo.

Figs.12 e 13

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A exposio que se segue, conseqncia de uma exposio internacional. H dois anos foi realizado um grande seminrio internacional sobre arquitetura, momento em que vrios museus e espaos culturais apresentaram exposies relacionadas ao tema. Nesta mesma poca ns recebemos cartazes do Consulado Geral do Japo que apresentavam, em uma exposio itinerante, a arquitetura japonesa contempornea. Assim, aproveitamos o momento, o assunto, e fizemos uma exposio. A proposta foi selecionar em nossa coleo de plantas, que bastante interessante, e grande, e que tirando esta oportunidade.... quando nos teramos outra possibilidade de exp-las ? Plantas delicadas e to detalhadas, para um pblico interessado...Momento mais propcio, impossvel! E assim fizemos. Por no termos recursos disponveis, nossos musegrafos programaram a exposio com madeiras e vidros reaproveitados, conseguindo com criatividade fazer uma exposio que teve um resultado sensvel e delicado. A nica compra efetuada foram 20 suportes tipo cavaletes que custaram em um oportunidade do momento R$19,00 cada um. importante frisar que a proposta conceitual, a pesquisa deste material, j existia. Sem isso, a museografia no pode atuar.

Fig.14 Um outro exemplo bem recente foi resultado de um trabalho de pesquisa de uma de nossas historiadoras. Esta mostra, que tambm no estava no programa, foi um projeto oriundo de parcerias. So coisas que simplesmente acontecem, so s vezes exposies que no esto na nossa grade mas que surgem da oportunidade. Normalmente, temos uma programao feita com bastante antecedncia. No momento, temos exposies programadas e j em andamento para 2006, entretanto, s vezes conseguimos aproveitar uma oportunidade, um espao ou uma sala vazia ou um trabalho realizado por um colega, e isso resulta em um bom trabalho.

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Agora passemos aos projetos de exposies itinerantes. Exposies Itinerantes Exposies itinerantes j produzimos h anos. No momento, temos cinco, que passeiam pelo Brasil. Muitas dessas exposies so o resultado do trabalho de outras empresas, So um projeto importante pois alm de levarem algum conhecimento ou programa cultural a lugares distantes, onde pouca coisa chega, fazem com que o Museu cumpra com sua misso no s de divulgar o patrimnio cultural do pas como tambm de ampliar seu carter de nacional . Atualmente estamos trabalhando em uma nova exposio que vai ser produzida para 2005. Uma das mais interessantes o resultado de um trabalho conjunto com a Companhia Vale do Rio Doce, que nos pediu uma exposio que pudessem levar no trem, atravs da rota do escoamento do minrio no Nordeste, indo at Carajs, local de sua extrao. Naquele momento, comemorvamos 200 anos da proclamao da Repblica, escolhemos ento como tema O Imprio e a Repblica uma comparao. Com uma seleo cuidadosa de imagens e uma seleo especial de acervo, preparamos umas caixas, que abrem e mostram nas portas as imagens e os textos impressos e dentro, o acervo, tcnicamente preparado para viajar. Estas caixas viajaram com a Vale do Rio Doce por mais de um ano e, aps o trmino de sua itinerncia, foram doadas ao Museu Histrico . Hoje em dia, continuam viajando e servindo a professores e alunos de todo o Brasil . Existem outras quatro exposies itinerantes que foram trabalhos que fizemos para o SESC. O SESC, que tem muitos espaos culturais pelo Brasil, nos procurou e props um trabalho que consistia na reproduo de imagens de colees do nosso arquivo histrico para apresentao em suas unidades. Preparamos as exposies com as quais o SESC trabalhou durante dois anos quando, ao final, tambm doou-as ao Museu. Com elas trabalhamos h mais de quinze anos. Para o ano de 2005 estamos desenvolvendo um novo projeto, uma exposio que fala sobre a histria do Brasil como um todo, do descobrimento repblica e que dever iniciar sua itinerncia pelo norte do Brasil, provvelmente Amazonia. Bem, esperando no ter cansado demais , aqui est o trabalho desenvolvido pelo Museu Histrico Nacional no que diz respeito a suas exposies. Na verdade, e no somente para este trabalho, o que se precisa para a criao de uma exposio, independente de seu tema, tipo ou categoria, harmonia, entendimento, compreenso e esprito de equipe. Exposio resultado de um conjunto. No adianta em uma exposio privilegiar apenas o acervo, voc s v o acervo e o pblico no se mexe, fica se acotovelando. Se a ateno maior para o assunto, o acervo no aparece, voc s tem texto e imagem e aquele objeto, que no caso do museu a nossa fonte, o nosso documento, no aparece. E se, por um outro lado, voc d um peso maior museografia fica tudo maravilhoso, mas daqui a dois meses voc no tem o papel nem o tecido. O acervo pode ficar perdido num mundo de luz. Em resumo, acredito que o segredo est no equilbrio .

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Equilbrio de formas, de assuntos, de cores, de acervo, de informao, para se conseguir um bom resultado. Eu queria, para finalizar, tocar na questo da curadoria. O que ser curador, uma profisso? Duas exposies que apresentei tiveram curadoria de dois colegas que, pela primeira vez realizaram esse tipo de trabalho. O que entendo por curadoria? Aqui , em nosso caso especfico na exposio de Arquitetura, nosso curador o professor Carlos Kessel, que arquiteto . Desenvolveu um assunto que conhece , a partir e atravs do acervo do Museu Histrico. Para a concretizao da exposio trabalhou em conjunto com a equipe de tcnicos da museografia que interpretou seu trabalho concreta e tridimensionalmente, para poder oferecer ao pblico uma nova forma de comunicao para aquele mesmo tema desenvolvido na pesquisa. Na exposio sobre a Inspetoria de Monumentos, nossa colega Aline Montenegro, que historiadora, estudou o assunto, escreveu uma monografia, e nos entregou o assunto para trabalhar. Roterizamos, escolhemos as cenas, em conjunto com nossa curadora, discutimos sobre o acervo e finalmente, concretizamos um pensamento. O curador importante mas temos que ter uma equipe de profissionais com um conjunto de saberes para poder transformar um contedo, em exposio. Na verdade, para mim, exposio um pouco de espetculo, um pouco de arte, mas ainda comunicao e contedo. Se no tiver todos esses aspectos, no funciona. Enfim, o nosso trabalho o resultado de dezesseis anos, uma equipe que luta e briga junto. No pensem que tudo maravilhoso que todos se entendem. s vezes nos desentendemos, s vezes queremos expor alguma coisa que no pode, que no tem espao, mas, no fim, realizamos. Volto a frisar que o importante harmonia. Deixo aqui meu carinho e agradecimento a todos os colegas do Museu Histrico Nacional e principalmente a toda a equipe do Departamento de Dinmica Cultural no qual trabalho h vinte anos. Agradeo aos que produziram todo este trabalho que nos possibilitou fazer esta palestra.

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EXPOSIES COMO DISCURSO

Roberto Conduru

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Nota Biogrfica PalestranteGraduado em Arquitetura e Urbanismo (UFRJ, 1986), especialista em Histria da Arte e Arquitetura no Brasil (PUC-Rio, 1988), mestre em Histria Social da Cultura (PUC-Rio, 1994) e doutor em Histria (UFF, 2000). Professor adjunto de Histria e Teoria da Arte na Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ, desde 1995, atua nos Programas de Ps-graduao em Artes PPGARTES e em Educao ProPEd, e nos cursos de graduao em Artes. Tambm colabora como professor de Histria da Arte e Histria da Arquitetura no Curso de Especializao em Histria da Arte e Arquitetura no Brasil da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro PUC-Rio, desde 1992. Autor de Willys de Castro (Cosac Naify, 2005) e Vital Brazil (Cosac Naify, 2000), co-autor de Brazils Modern Architecture / Arquitetura Moderna Brasileira (Phaidon, 2004) e A Misso Francesa (Sextante, 2003), co-organizador de Um Modo de Ser Moderno Lucio Costa e a Crtica Contempornea (Cosac Naify, 2004) e Polticas Pblicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (Rede Sirius, 2003), alm de ensaios sobre arte (Abraham Palatnik, Amador Perez, Ana Holck, Antonio Dias, Cezar Bartholomeu, Cristina Salgado, Eduardo Sued, Bienal Internacional de So Paulo, arte afro-brasileira) e arquitetura (Affonso Eduardo Reidy, Francisco Bolonha, Jorge Machado Moreira, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Neoclassicismo, arquitetura militar luso-brasileira) publicados em livros, jornais, revistas e catlogos, no Brasil e no exterior. Curador de Awon Olod Os Senhores da Caa (Galeria Mestre Vitalino MFEC/IPHAN, 2003/2004), Exu O Senhor das Portas (Galeria Gustavo Schnoor UERJ, 2003) e Identidade por um Fio (Galeria Mestre Vitalino MFEC/FUNARTE, 2002), foi membro da comisso curadora da Galeria Cndido Portinari UERJ entre 2001 e 2003 (exposies realizadas: Amador Perez, Ana Holck, Artur Barrio, Cezar Bartholomeu, Cristina Pape, Cristina Salgado, Daniel Feingold, Eduardo Coimbra, Gisele Ribeiro, Luis Andrade e Ricardo Basbaum). Membro do Comit Brasileiro de Histria da Arte, do DOCOMOMO e dos conselhos editoriais dos peridicos Anais do Museu Histrico Nacional (IPHAN/MinC), Arcos (ESDI/UERJ), Concinnitas (ART/UERJ) e Rio de Janeiro (SR-3/UERJ), j colaborou na produo de Gvea (PUC-Rio) e Arquitetura Revista (FAU/UFRJ).

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Exposio como Discurso

e formos pensar a exposio como um discurso, logo iremos concluir que todos os elementos de uma exposio so constituintes do seu discurso: os objetos em exibio, os textos de apresentao e os explicativos, as imagens complementares, as legendas das peas, a ficha tcnica, o aparato de segurana das peas e do pblico (tanto os equipamentos quanto o pessoal), o mobilirio, o edifcio, os agentes envolvidos (curadores, tcnicos e demais autores), as instituies que realizam, promovem e patrocinam a mostra. Assim, interessante lembrar a nomenclatura que vem se consolidando, distinguindo museografia e expografia, para diferenciar os modos de enunciar do museu, da instituio, e os meios de enunciao da exposio, do evento. importante pensar que a arte um dos paradigmas desses modos de escrever. Alm de sempre ter sido o modelo dos demais objetos e aes humanas, a obra de arte tambm se configurava como exemplo mximo dos modos de exibio, de dar a ver. Obviamente, com as transformaes da modernidade, medida que a arte se alterou, tambm foi mudando o discurso da exposio. Uma nova arte propiciou e exigiu novas instituies e novos modos de expor. Um dos traos caractersticos da modernidade a substituio do modo artesanal de fabr