Discutindo relações entre Religiosidade, intolerância e ... · Discutindo relações entre...

17
Discutindo relações entre Religiosidade, intolerância e alimentos na Umbanda. Ana Clara Tomaz Carneiro, estudante do Bacharelado de Ciências e Humanidades da UFABC Ana Maria Dietrich ,doutora em História Social/ UFABC e professora adjunta da UFABC. Resumo: Com o foco nas diversidades religiosas esse projeto visa se aprofundar sobre uma das religiões brasileiras, suas práticas, costumes e (pré)conceitos a ela relacionados a Umbanda. A Umbanda surge no Brasil, somada a aspectos mistos da cultura ameríndia, da cultura negra e também da cultura europeia. É, portanto, tida como “brasileira”, mesmo com um rol de preconceitos a ela associados e desenvolve-se por meio de rituais e tradições miscigenadas. Acerca da questão dos rituais e tradições há o desentendimentos dos preceitos que sucedem os preceitos umbandistas, os quais muitas vezes são estigmatizados como “macumbas”, tendo um caráter totalmente desrespeitoso, preconceituoso e que fere todos e quaisquer direitos humanos. Estudar a tradição umbandista é também estudar de qual forma essa tradição é transmitida para os adeptos. Essa transmissão é feita a partir da oralidade, isso é em narrativas, em conversas e principalmente com o contato entre “mães/pais de santo” (mestres) com seus “filhos de fé”(discípulos). Compreender de qual forma é transmitida a tradição umbandista a partir de um viés cultural, sobretudo com a participação de integrantes do movimento umbandista. Além disso, visa o combate ao preconceito a umbanda, dentro do preceitos da linha de pesquisa de Educação em Direitos Humanos, refletindo sobre as pluralidades de práticas e costumes desta religião de forma respeitosa no âmbito acadêmico.

Transcript of Discutindo relações entre Religiosidade, intolerância e ... · Discutindo relações entre...

Discutindo relações entre Religiosidade, intolerância e alimentos na Umbanda.

Ana Clara Tomaz Carneiro, estudante do Bacharelado de Ciências e Humanidades da

UFABC

Ana Maria Dietrich ,doutora em História Social/ UFABC e professora adjunta da UFABC.

Resumo:

Com o foco nas diversidades religiosas esse projeto visa se aprofundar sobre uma

das religiões brasileiras, suas práticas, costumes e (pré)conceitos a ela relacionados a

Umbanda. A Umbanda surge no Brasil, somada a aspectos mistos da cultura ameríndia,

da cultura negra e também da cultura europeia. É, portanto, tida como “brasileira”,

mesmo com um rol de preconceitos a ela associados e desenvolve-se por meio de rituais

e tradições miscigenadas.

Acerca da questão dos rituais e tradições há o desentendimentos dos preceitos que

sucedem os preceitos umbandistas, os quais muitas vezes são estigmatizados como

“macumbas”, tendo um caráter totalmente desrespeitoso, preconceituoso e que fere

todos e quaisquer direitos humanos.

Estudar a tradição umbandista é também estudar de qual forma essa tradição é

transmitida para os adeptos. Essa transmissão é feita a partir da oralidade, isso é em

narrativas, em conversas e principalmente com o contato entre “mães/pais de santo”

(mestres) com seus “filhos de fé”(discípulos). Compreender de qual forma é transmitida

a tradição umbandista a partir de um viés cultural, sobretudo com a participação de

integrantes do movimento umbandista. Além disso, visa o combate ao preconceito a

umbanda, dentro do preceitos da linha de pesquisa de Educação em Direitos Humanos,

refletindo sobre as pluralidades de práticas e costumes desta religião de forma

respeitosa no âmbito acadêmico.

Também tem como intuito desmistificar a relação entre alimentos e religiosidade,

desta maneira, apresentando os aspectos em que os ritos umbandistas utilizam tais

elementos.

Palavras-chave: Direitos humanos, tradição, oralidade, História Cultural, diversidade

religiosa, alimentos.

Introdução:

Essa pesquisa surgiu do interesse e principalmente da vontade de pesquisar sobre

a Umbanda no cenário cultural principalmente pela representatividade histórico-

cultural das brasilidades, mas também como forma de estimular a tolerância religiosa,

principalmente no cenário atual em que se percebem casos e mais casos de intolerância

religiosa, principalmente com as religiões caracterizadas como religiões de base

afrodescendentes.

A discussão sobre o uso de alimentos é de fundamental importância para que haja

a possibilidade de desmistificar e conter preconceitos, os quais, muitas vezes, advindos

de um não entendimento dos preceitos, que se utiliza de alimentos.

A proposta é relacionar a questão do alimento que engloba a religiosidade de forma

geral, mas principalmente, sendo um dos pilares da religião Umbanda, apresentando

dessa forma de qual forma são utilizados e a representatividade dos alimentos para os

umbandistas e seguidores da Umbanda.

O projeto apresenta de qual maneira se dá a relação entre alimentos e os preceitos

umbandistas, principalmente relacionados aqueles que estigmatizam de forma

pejorativa a religião.

Problemática:

Acerca do assunto Umbanda há intempéries que causam grande desconforto à

comunidade umbandista, mas também a todos os cidadãos que respeitam as

diversidades culturais, religiosas, étnico-raciais, questões de gênero e entre outras

tantas questões que sofrem com o preconceito fundamentalistas, entretanto, é

cotidiano ver mensagens de ódio, desrespeitos e intolerância religiosa, principalmente

as religiões diversificadas no Brasil.

Para Silva. J, (2009, p.207) a intolerância religiosa constitui uma grave violação

dos direitos humanos. Do ponto de vista da origem, pode-se afirmar que tal intolerância

está relacionada ao sistema de convicção religiosa nas próprias crenças dos indivíduos

ou mesmo na incapacidade do indivíduo de compreender as crenças e práticas religiosas

diferentes da sua e consequentemente, admitir o seu direito à existência. Segundo Silva

J. (2009) a intolerância religiosa assume também um caráter racial, desta forma é

possível “configurar uma das faces mais abjetas do racismo brasileiro, mantendo-se

intacta ao longo da história”.

Além do movimento ainda racista que interioriza a questão do preconceito a

Umbanda, surge também, a intolerância e falta de respeito aos símbolos e tradições,

partindo principalmente dos neopentecostais brasileiros, onde há inúmeros casos

diariamente de situações que usam dos símbolos Umbandistas com conotações

errôneas, para desta forma depreciar e desmerecer aqueles que seguem as tradições

umbandistas, casos como a imagem destorcida de símbolo para usá-las como base do

“mal” pregados em cultos neopentecostais, chegando ao extremo como casos de

ataques ao frequentadores e também a lugares(casa, tendas, choupanas, terreiros) de

Umbanda e Candomblé. (SILVA, V. 2007, p.228).

É perceptível como tais ataques, intolerância e desrespeito vêm em ascendência,

principalmente com a situação política nacional, advinda de uma bancada religiosa

muito forte, bancada religiosa a qual representantes neopentecostais fundamentalistas

participam. Tornaram-se frequentes casos de violência devido à intolerância religiosa,

como o ocorrido no Rio de Janeiro com uma menina de 11 anos, iniciada no Candomblé,

que fora apedrejada na noite do dia 14 de junho de 2015 por um grupo de evangélicos.

Tal grupo atacou um grupo de pessoas que saía de uma casa de Candomblé, com ofensas

e pedras, sendo que uma dessas pedras atingiu a cabeça da pequena iniciada. Casos

como esses não são isolados, muito menos são poucos, o que assusta é a forma como a

intolerância tornou-se comum na rotina dos brasileiros.

Intolerância vista também em desrespeitos aos preceitos e ritos, onde, muitas

vezes, usa-se símbolos, flores, ervas, essências, bebidas e comidas, as chamadas

oferendas. São tais oferendas que causam a maior parte dos estigmas negativos em

relação as religiões afro-brasileiras, no referente trabalho, em relação a Umbanda. Alvo

de ataques constantes e diversos – dos mais declarados aos mais velados – e de

representações negativas com vistas a sua desqualificação (ORO; BEM, 2008) por isso,

comumente associadas ao mal, à feitiçaria, à bruxaria e ao impuro. Têm seus rituais

apontados como sinônimo de compromisso com o paganismo e pacto com o diabo

(Mary apud ORO; BEM, 2008).

A visão a respeito desse aspecto, entre outros, da religiosidade brasileira é

permeada de preconceitos, resultado, sobretudo, do desconhecimento dessas práticas

religiosas, que muitas vezes as associa ao atrasado e ao primitivo, baseada em uma

representação etnocêntrica, que gera intolerância, perseguições e dificuldade no

reconhecimento e aceitação da diversidade religiosa existente em nosso país (ORO;

BEM, 2008).

Assim, tendo em vista o combate a tais práticas intolerantes a partir do

conhecimento do “Outro”, esse projeto investigará as tradições, origens e relações com

a cultura nacional, para que desta forma os ataques preconceituosos e principalmente

intolerante cessem ao decorrer das discussões. Pensamos que contribuirá para construir

uma nova forma de pensar a cultura brasileira religiosa com ênfase à multiplicidade

cultural de nosso país.

Partindo de estudos acerca das diferenças culturais que se desenvolve o debate

sobre cultura brasileira, isso devido ao reconhecimento como nação e também como

parte do que a sociedade brasileira vem retomando como cultura nacional. Dentre a

cultura, relaciona-se a religião, no caso a Umbanda, religião de tradições propriamente

brasileiras. Maria Helena Concone (1987, p.73) teve um papel pioneiro ao caracterizar a

Umbanda como uma religião brasileira e não afro-brasileira, levantando a hipótese que

a contribuição africana não ser a principal, e sim mais um componente entre as outras

vertentes religiosas. Associa a formação do culto umbandista às ideologias nacionalistas

conservadoras, como a da fusão das três raças. Descreve seu processo de

reconhecimento nacional pela negação da macumba, a visão do culto pelos seus

adeptos, e a polarização de dois movimentos: um no sentido da valorização dos ritos

africanos e outro pela sua negação, questão comum aos estudos de Umbanda. Conclui

que a cosmogonia umbandista resulta de um conjunto de circunstâncias histórico-

estruturais. Desta forma a Umbanda surge não de sincretismos, mas a partir dela

própria, com suas tradições desenvolvidas pelo tempo e por seus seguidores.

Entretanto, tais tradições não são homogêneas, isso é não são seguidas de maneira

uniforme por todo pais.

Ao contrário de religiões como a católica e o Kardecismo, onde há um estudo

sistematizado dessas religiões, sendo a primeira através do livro maior, a Bíblia, e o

segundo pelos escritos de Allan Kardec, a Umbanda não possui um documento escrito,

uma chave para auxiliar e justificar seus preceitos aos seguidores, A falta de uma escola

doutrinária dos preceitos umbandistas é motivo de constantes e diversas distorções nos

cultos umbandistas. Por isso não há uma hegemonia de saberes, a tradição é passada

de geração para geração pela oralidade, pelas narrativas orais, pelos encontros e

contato pessoal. (BIRMAN, P. 1983, p.59)

Assim sendo, a maneira como os praticantes umbandistas encontraram para

ensinar os que chegam às casas para participar dos rituais de gira e doutrina foi pela

oralidade, pelo contato e principalmente pela vivência.

Sobre as questões da oralidade o filósofo e ensaísta Walter Benjamin (2012,

p.16) traz a narrativa como forma de aprendizado e troca de experiências. Tratando-se

da Umbanda, não poderia ser mais propício compreender a partir de uma perspectiva

benjaminiana o papel deste sujeito que narra, conta as histórias no tempo, e através

dele. As relações humanas se fortalecem através da narrativa. Em tempos de relações

com o conhecimento cada vez mais virtuais, a Umbanda quando transmitida de forma

oral, acentua a necessidade do olho no olho, de nos relacionarmos com o outro de forma

viva, atenta e interessada.

Torna-se um fator ético estar atento aquilo que o narrador tem a transmitir, de

maneira que se possa transmitir com a maior fidelidade possível o conteúdo apreendido.

Transmitir a Umbanda torna-se não somente uma maneira de perpetuar sua

história, anunciação e fundação, como também serve para que a prática do mito seja

preservada. A maneira como acontecem os rituais, o ensinamento de abertura e

fechamento dos rituais é passado de geração á geração através de uma prática narrada.

O antropólogo Jack Goody (2012, p. 32) contribui com essa afirmação quando faz a

relação entre a oralidade e o mito dizendo que:

Histórias contadas através da prática da oralidade e da realização de seus rituais—

é assim que a Umbanda vem através do tempo se perpetuando. A falta de escrituras que

pudessem guiar a realização dos seus rituais torna a prática umbandista ainda mais rica,

pois precisa exatamente de um fator que vem na sua essência, a comunhão e o encontro

com o outro.

Entretanto, vivemos em uma sociedade onde as padronizações se dão a partir de

uma cultura europeia, branca e católica. A Umbanda é uma religião genuinamente

brasileira, agregadora de etnias e não discriminatória em diversas questões. Torná-la

visível e reconhecida entre todos é uma maneira de combater preconceitos e modelos

preestabelecidos.

Surge então, no movimento umbandista, livros, revistas, apostilas que tem como

objetivo relatar as tradições até então transmitidas oralmente, para que haja maior

receptividade por parte da população e assim caracterizando um novo grupo de adeptos

as Umbanda, aqueles preocupados com a doutrina escrita. Autores como W. W. da

Matta e Silva (conhecido também como Mestre Yapacani), Francisco Rivas Neto

(conhecido também como Mestre Arapiaga) e Leal de Souza.

Entretanto, mesmo nos escritos, tais escritores reafirmam que a tradição

umbandista é passada na vivência, na oralidade. Mostrando que a Tradição oral será

eterna na transmissão da tradição da Umbanda. Pois, “Na tradição oral, o foco é a

permanência dos mitos, a visão de mundo de comunidades que têm valores filtrados

por estruturas mentais asseguradas em referências do passado remoto, que se

manifestam pelo folclore e pela transmissão geracional” (Meihy, J.C.S.B, 1996).

Sobre a questão dos alimentos, essa é perceptível também durante essa

passagem e transmissão oral das tradições da umbanda, desta forma há também

preconceitos por não serem compactuadas por todos os centros umbandistas, até

mesmo, porque pouco se sabe sobre os processos e sobres os ritos umbandistas, sendo

então fonte de especulação de discursos vazios e sem entendimentos, de fato, dos

preceitos umbandistas.

A comida e a religiosidade:

A relação das religiões com a comida é intensa nas mais diversas crenças.

Inúmeras vezes a Bíblia faz alusão à alimentação tanto de forma simbólica, como na

expressão “uma terra onde emana leite e mel” ao referir-se à terra prometida dos

hebreus, como quando fala dos rituais de sacrifício dos animais e das proibições de

ingestão de um ou outro alimento, por ser ele considerado impuro.

Dessa forma, a gastronomia também é responsável por revelar preceitos,

práticas e preferências religiosas. Os regulamentos de diferentes crenças e culturas

religiosas relacionados à mesa são ditados pela vontade de reafirmar e de manifestar as

identidades culturais. (FLANDRIN, 1998).

Nesse processo, o alimento pode ser percebido como um intermediário real – e

não apenas metafórico ou simbólico – que permite incorporar as qualidades e os valores

que seria materialmente capaz de transmitir.

“A identidade religiosa é, muitas vezes, uma identidade alimentar. Ser judeu ou

muçulmano, por exemplo, implica, entre outras regras, não comer carne de porco. Ser

hinduísta é ser vegetariano. O cristianismo ordena sua cerimônia mais sagrada e mais

característica em torno da ingestão do pão e do vinho, como corpo e sangue divinos. A

própria origem da explicação judaico-cristã para a queda de Adão e Eva é a sua rebeldia

em seguir um preceito religioso: não comer do fruto proibido” (CARNEIRO, 2005).

As religiões provenientes de matrizes africanas não são diferentes das demais.

No Candomblé, por exemplo, o papel da alimentação é essencial, formando uma de suas

bases teológicas. A comida representa uma das principais ligações entre homens e

deuses, por meio das oferendas de alimentos e sacrifícios.

Nesta crença, cada Orixá possui, além de suas preferências, os alimentos que não

gosta e isto impede a sua oferenda e restringe o seu consumo. “Um membro do

Candomblé tem sua alimentação diferenciada de acordo com o período da vida religiosa

que está passando e o Orixá de quem é filho, o que determina coisas que ele não pode

comer (PIERUCCI, 1996)”. A comida preferida de Iansã, por exemplo, é o acarajé,

portanto, a iguaria é obrigatória entre seus seguidores.

Os hindus, por sua vez, não comem carne de animais, pois acreditam que na hora

do abatimento o animal carregou consigo mágoas, rancores, ódio e todos esses

sentimentos.

Objetivos:

Como fora discutido nas explanações acima, o objetivo é, permeando os

processos e preceitos umbandistas, de desmistificar e retratar de qual forma são

entendidos o uso de alimentos nos ritos e preceitos umbandistas, para que dessa forma

possa combater o preconceito proeminente, principalmente no cenário atual de

intolerância religiosa.

Inserir a referente pesquisa em comunicação com o grupo de pesquisas

Laboratório de Estudos da Contemporaneidade e Grupo de Estudo de Direitos Humanos

e Relações Internacionais (GEDHRI), e com a Cátedra Sergio Vieira de Melo estabelecida

na UFABC desde 2014, relacionando as dificuldades enfrentadas, em debates com

outros aspectos culturais que sofrem a intolerância e preconceito, mostrando a

perspectiva religiosa.

Também inserir o projeto nas discussões das pesquisas em Educação em Direitos

Humanos, projeto coordenado por Ana Maria Dietrich e José Blanes Sala e fomentado

pelo MEC/ 2015, principalmente tendo o objetivo de sociabilizar os conhecimentos

acerca da Umbanda com a comunidade, contribuindo para a formação de uma cultura

em Direitos Humanos também no âmbito escolar.

Correlacionar com o projeto Memórias dos Paladares, contextualizando o uso de

comidas em ritos, a importância e possíveis ressignificações específicas do uso da

comida na religiosidade, dando ênfase no conceito sociocultural da comida nas

tradições Umbandistas e relação fé X alimento.

Vivenciar o ambiente científico participando das múltiplas atividades de ensino,

pesquisa e extensão do Memorial Plinio Zornoff/ Laboratório Memória dos Paladares,

coordenado pela Profa. Dra. Ana Maria Dietrich, localizado na Torre 3, Bloco A, do

campus Santo André da UFABC e seus objetivos de integração/ interação da comunidade

(no nosso caso relacionado a tolerância religiosa) com a universidade por meio da

alimentação.

Metodologia:

A partir do levantamento bibliográfico sobre a origem da religião umbandista,

tradições da Umbanda e a relação com alimento em livros, revistas, apostilas e seus

autores sobre o estudo da Umbanda e suas Tradições, pesquisas sobre a formação de

centros/terreiros/tendas de Umbanda a partir de relatos históricos escritos, vídeos e

fotos desenvolver a análise da formação da Umbanda no cenário nacional, dando

ênfase às tradições orais.

Tendo como fonte primária a Tradição oral será necessário o estudo sobre a

Tradição Oral e como se procede, para desta forma poder realizar a parte subsequente

do projeto, também parte essencial, a entrevista e relatos daqueles que frequentam e

que são personagens principais da Umbanda.

A pesquisa de campo se desenvolverá em entrevistas com ativistas,

frequentadores, “mães/pais de santo” ligados ao movimento umbandista sobre a

passagem das tradições e de qual forma isso procede. Pretende-se realizar as

entrevistas em dois “Centros Umbandistas” distintos, seguindo o roteiro de entrevistas

a partir do estudo em Tradições orais.

Segundo Meihy, J. C. S. B (1996, p. 1-10 e 11-21) “cabe considerar que chamamos

história oral os processos decorrentes de entrevistas gravadas, transcritas e colocadas

a público segundo critérios predeterminados pela existência de um projeto

estabelecido”. Desta forma, usando a metodologia em História oral pretendemos

aproximar o meio acadêmico com a(s) comunidades.

O uso da história oral para essa pesquisa segue os pressupostos metodológicos

do Núcleo de Estudos de História Oral da USP, coordenado pelo professor José Carlos

Bom Meihy. Segundo ele (1996, p. 1-10 e 11-21), a história oral pode assumir uma

função de revelar “micro histórias e de foco de situações específicas, mostra o

potencial crítico da história oral como alternativa que dá representatividade aos

grupos de uma forma ou de outra silenciados”.

A grande potencialidade da história oral, segundo Freitas (2002), é que ela

permite a integração com outras fontes, a confrontação entre as fontes escritas e orais

e sua utilização multidisciplinar. Com isso o projeto visa, também, comparar a tradição

oral na Umbanda com as tradições escritas sobre Umbanda.

Assim, Alberti (2002) argumenta que a narrativa é um dos principais alicerces

da metodologia de história oral, que pressupõe a gravação de entrevistas de caráter

histórico e documental com atores e/ou testemunhas de acontecimentos, conjunturas,

instituições e modos de vida da história contemporânea. Ao contar suas experiências,

o entrevistado seleciona e organiza os acontecimentos de acordo com seus

referenciais do tempo presente, imprimindo-lhes um sentido e transformando aquilo

que foi vivenciado em linguagem. As entrevistas de história oral revelam o trabalho da

linguagem em cristalizar imagens que remetam a, e que signifiquem novamente, a

experiência. Esses relatos do passado, na opinião de Alberti (2002, p. 2), tornam as

entrevistas especialmente ricas. A propósito disso, ela cita o historiador Lutz

Niethammer, para quem “as histórias dentro da entrevista são o maior tesouro da

história oral porque nelas se condensam esteticamente enunciados objetivos e de

sentido”.

Segundo Meihy (1996), a entrevista é composta de pré-entrevista, entrevista e

pós-entrevista. A pré-entrevista corresponde à etapa de preparação do encontro com

o entrevistado, no qual o pesquisador se apresenta, expõe as informações sobre seu

projeto de pesquisa e situa a colaboração do entrevistado, explicando, inclusive, as

indicações de como chegou até o seu nome. Nessa etapa a entrevista é agendada,

sempre de acordo com a conveniência do entrevistado – local, data, horário. Nesse

momento o entrevistado também deve ser consultado sobre a concordância em que

seu depoimento seja gravado.

Dessa forma a pesquisa ao se utilizar da metodologia da Historia Oral, baseia-se

por completo nas vivências das pessoas que são Umbandistas.

Resultados e Discussões:

Relação entre Umbanda e alimentos:

A relação entre umbanda e os alimentos não está restrita apenas aos alimentos

que são utilizados em preceitos, muito deles sendo chaves de intepretação de

elementos os quais os adeptos necessitam, ou seja, a ligação não é exatamente entre o

alimento e a Divindade, mas sim uma representação simbólica e uma forma de

aproximação do mundo espiritual ao mundo natural, relação entre o metafisico e o

físico.

Na Umbanda esotérica há o ensino do uso dos alimentos visíveis, invisíveis e

secretos. Caracterizados por:

Alimentos visíveis: aqueles que são físicos, ou seja, representam a materialidade.

Alimentos invisíveis: são caracterizados pelos sentimentos e pensamentos que

são depositados nas oferendas/preceitos, também representados pelas interpretações

de pontos cantados utilizados durante os ritos ou mesmo na montagem dos preceitos.

Alimentos secretos: são elementos caracterizados como “mirongas”, orações

secretas, elementos magisticos manipulados pelos mestres magistas (Entende-se como

mestres magistas as entidades ou mesmo alguns médiuns da corrente de Umbanda que

operam elementos). Os alimentos secretos são discutidos mais afundo apenas na

doutrina secreta, isso é, na tradição oral, sendo restrita a transcrição.

Muitos das tendas/terreiros/templos umbandistas realizam preceitos que

necessitam da participação de comidas, onde cada comida tem seu significado e o

porquê, além de terem uma posição certa e também uma escolha de quem os prepara,

sendo papel principalmente das mulheres, pois as mulheres são as que possuem o

“poder” de manipulação “magística”, sendo elas as responsáveis pela preparação dos

alimentos e também dos preceitos. Os preceitos são códigos, os quais organizados

repassam uma mensagem ao mundo astral, dessa forma, é de extrema importância que

sejam feitos por pessoas responsáveis e com precauções.

Tais preceitos, também conhecidos como oferendas, visam o agradecimento ou

mesmo um pedido, realizados muitas vezes em sítios da natureza, sob a influência ou

representação de determinado Orixá.

Os alimentos são de caráter diferenciado, podendo ser compostos por:

Frutas: uvas, peras, morangos, melões, maracujá, etc.

Ervas (em chás ou em folhas): manjericão, malva, folha de maracujá, funcho

(erva doce), guiné, arruda, etc.

Especiarias: pimentas, anis estrelado, canela, cravo, imburana, sal grosso, etc.

Outros alimentos: mel, farinhas, pipocas, balas e doces, pão.

Bebidas: as mais variadas bebidas, agua de coco, vinhos, “marafo”, cidra, etc.

Há também a preocupação com a alimentação dos próprios “filhos de fé”

(médiuns), onde muitas casas pedem para que façam uma alimentação balanceada e

que não comam carne vermelha antes dos ritos, assim como não bebam bebidas de teor

alcoólico, tendo a alimentação papel principal para o desenvolvimento mediúnico, pois

é responsabilidade do médium, sendo dessa forma, orientado sobre a questão da

alimentação, preferencialmente que opte por alimentos que são fáceis de digerir, para

que não exija muita energia do corpo para a digestão, sempre visando em manter o

corpo físico saudável, pois é parte integrante dos próprios preceitos religiosos. Mas

também manter a mente com alimentos saudáveis, isso é, com informações que

mantenha a mesma em equilíbrio e em paz, assim como os sentimentos em equilíbrio,

pois não é apenas o corpo físico que necessita de alimentos, o corpo astral (responsável

pelos sentimentos) e o corpo mental (responsável pelos pensamentos) precisam de

alimentos que os mantem em equilíbrio.

Por fim, a relação entre os preceitos da umbanda com os alimentos são

inseparáveis e também de extrema importância, presentes em qualquer casa de

umbanda, sendo então característica que une todas as correntes umbandistas, fazendo

o intermédio entre aquela que chamam de umbanda popular com a umbanda esotérica,

sendo tal tradição mantida em qualquer circunstância, mesmo havendo modificações

para o significado e para a representatividade de lugar para lugar.

De forma geral, após as analises e estudos é nítido que é necessária a discussões

sobre a importância dos alimentos nos preceitos umbandistas assim como a

representação da hóstia nos preceitos católicos (de forma bem simplista da

comparação, pois é clara a relação mais intrínseca ligada a Umbanda e natureza dos

alimentos), para que dessa forma se repare os conflitos e sofrimentos causados pelo

preconceito e intolerância religiosos.

Considerações finais

Após todo o desenvolver do presente projeto fora possível perceber a

importância de entender o uso dos alimentos nos preceitos religiosos, primeiramente

de forma global e depois em foque na Umbanda, pois é necessário que haja um

entendimento das formas como se procedem os ritos e preceitos, da forma como são

transmitidas as tradições da umbanda mas também de saber o quão significativo é uso

de alimentos para a própria tradição umbandista, de maneira que, ao entendermos tais

preceitos, haja, também, o respeito e dessa forma combater e discutir qualquer tipo de

intolerância religiosa que acabam causando grande sofrimento para os umbandistas,

mas também a toda população de forma geral.

Conclui-se que todo o estudo deve se processar de forma multicultural,

tendendo para uma visão a partir dos próprios agentes, para que haja melhor

entendimento, mas também para que se possa acontecer trocas culturais que ajudam a

reter qualquer tipo de crime contra os direitos humanos.

Por fim, entender a utilização de alimentos em preceitos religiosos, no caso da

Umbanda, é conhecer como se procede toda manifestação da própria religião, assim

como é possível identificar a própria ligação daqueles que seguem a doutrina com o

Sagrado.

Referências Bibliográficas

ALBERTI, Verena. Narrativas na história oral (Proposta de Simpósio Temático

apresentada à Associação Nacional de História – ANPUH, com vistas à participação no

XXII Simpósio Nacional de História, a se realizar em João Pessoa, PB, 27 jul-01 ago de

2003). Boletim Eletrônico da ABHO – Especial Nº 1, nov. 2002

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I. Magia e técnica, arte e política. Escritos

sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 2012.

BIRMAN, Patrícia. O que é Umbanda? SP: Brasiliense, 1983.

CARNEIRO, Henrique S. Comida e sociedade: significados sociais na história da

alimentação. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 42, p.71-80, 2005. Editora UFPR.

CONCONE, Maria Helena Vilas Boas. Umbanda: uma religião brasileira .São

Paulo: FFLCH/USP, CER, 1987. Originalmente apresentado como tese de doutorado à

PUC/SP, 1973.

CONCONE, Maria Helena Villas Boas e Negrão, Lísias Nogueira. "Umbanda: da

repressão à cooptação".Umbanda & política. Cadernos do Iser, 18. Rio de Janeiro, Iser e

Marco Zero, 1987.

FLANDRIN, Jean-Louis e Montanari, Massimo. História da Alimentação. São

Paulo: Estação Liberdade, 1998.

GOODY, Jack. O mito, o ritual e o oral. Petrópolis: Vozes, 2012.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. (org.), (Re)lntroduzindo a história oral no Brasil.

São Paulo: FFLCH/USP, 1996, p. 1-10 e 11-21

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Canto de morte Kaiowá – história oral de vida. São

Paulo: Loyola, 1991.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Edições Loyola,

1996. 78 p.

MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória – a cultura popular

revisitada. 3a. ed. São Paulo: contexto, 1994. 153 p.

NEGRÃO, Lísias. "A umbanda como expressão de religiosidade popular. In:

Religião e sociedade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, n. 4, 1979.

ORO, A.P.; BEM, D. F. de. (2008). “A discriminação contra as religiões afro-

brasileiras: ontem e hoje”. Ciências e Letras, Porto Alegre, vol. 44, p. 301-318. Disponível

em: <http://www1.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/revista44/artigo15.pdf>. Acesso

em: 11 Jun. 2015.

PIERUCCI, Antônio Flávio e PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no

Brasil. São Paulo, Hucitec, 1996.

SILVA, Vagner Gonçalves da (org.). Intolerância Religiosa: impactos do

neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2007.

SILVA, Jorge. Guia de luta contra a intolerância religiosa e racismo. Rio de Janeiro:

CEAP, 2009.