Jornal Mural Trololó Literário

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O título A turma que não escrevia direito, fora de contexto, su- geriria uma aborda- gem gramatical sobre um determinado grupo que não seguia os parâmetros corretos da língua-mãe para se comu- nicar. Porém, a obra de Marc Weingarten, lançada em 2005 nos Estados Unidos e em 2010 no Brasil, trata dos principais escritores – Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Gay Talese, Hunter S. Thompson, Joan Didion, John Sack, Michael Herr - que na dé- cada de 60 apresentaram uma nova fórmula ao jornalismo e à literatura dos Estados Unidos. O autor entrevistou esses escri- tores que percorreram as prin- cipais publicações americanas da época e em 390 páginas traça um perfil daqueles que inova- ram a forma de contar histórias. O movimento, chamado de Novo Jornalismo, surgiu numa era de muitas mudanças cultu- rais e sociais no país. As tradicio- nais ferramentas de reportagem eram inadequadas para mostrar tudo pelo qual os Estados Unidos passavam. A fórmula “Quem? Quando? Onde? Por quê?” não colocava em ordem o caos pro- vocado pelo rock, hippies, Ken- nedy, Nixon e uma guerra. Marc Weingarten trata o livro como um “relato de uma uma era de ouro do jornalismo norte-americano, em que os auto- res/repórteres não apenas co- briam matérias, mas aprofunda- vam-se nelas, e o jornalismo não apenas con- tava o que eram os Estados Uni- dos, mas ajudava a construí-los”. Denominar o Novo Jornalismo um “movimen- to” foi criticado pelo jornalista Luiz Rebinski Junior, em sua coluna Jornalismo literário: a arte do fato?, do sítio Digestivo Cultural. Para ele, o Novo Jor- nalismo americano não é um “movimento” ou “corrente lite- rária” porque “isso não foi algo planejado e que nasceu de um conluio de três ou quatro cabe- ças que pensavam de forma pa- recida. Pelo contrário, os mem- bros desse clubinho imaginário não poderiam ser tão distintos.” Weingarten, ainda na intro- dução, diz que não seria um movimento no sentido Kerouc- -Ginsberg – escritores perten- centes à chamada Geração Beat do final da dé- cada de 50, que disseminavam a contra-cultura americana – nem no sentido ex- pressionista abs- trato. Mas como parte do melhor jornalismo do sé- culo XX foi escri- ta nesse período de sete anos, po- deria ser consi- derado sim como “o maior movi- mento literário desde o renas- cimento da fic- ção americana nos anos 20.” Em 1973, Tom Wolfe elabo- rou uma antologia intitulada The New Journalism, apresentando artigos de escritores como Gay Talese, Hunter Thompson, Joan Didion e Norman Mailer. A par- tir desse título, deu ao jornalismo da época uma declaração de in- dependência em relação a todos os tipos de jornalismo que o ha- viam precedido. Wolfe foi critica- do por tentar rotular uma técnica que existia há mais de 200 anos. Os críticos sustentaram que não havia nada de novo no Novo Jornalismo e definiram o movi- mento como a antítese da bem organizada pirâmide invertida. A não ficção criativa era o gê- nero que caracterizava os Novos Jornalistas. John Hersey, em 1943, escreveu um texto que é precursor do Novo Jornalismo. Joe Is Home Now foi escrito sem a mínima pretensão de ser uma história factual. “Acho que des- de o início eu tinha a ideia – e a experimentava um pouco nos artigos que fazia para a Life – de que o jornalismo podia ter mais vigor com o uso de instrumentos da ficção”, disse ele à Paris Re- view em 1986. O texto, que foi criado a partir de 43 entrevis- tas de Hersey com soldados que voltavam da guerra, é um traba- lho de ficção baseado em fatos. A ascensão do gênero se deu então entre as décadas de 60 e 70. Os jornalistas da época uni- ram a narrativa jornalística com a ficção e de forma despreten- siosa, como relata Tom Wolfe na antologia The New Jour- nalism, “provocaram pânico, roubaram da novela o trono de maior dos gêneros literários”. Gay Talese defende no prefá- cio de Fama e Anonimato que, “embora muitas vezes o Novo Jornalismo seja lido como ficção, não é ficção. Ele é, ou deveria ser, tão fidedigno quanto a mais fide- digna reportagem, embora bus- que uma verdade mais ampla que a obtida pela mera compilação de fatos passíveis de verificação.” A turma que não escrevia direito aborda com lucidez o gênero. Quem espera um pano- rama detalhado do jornalismo literário, depara-se com uma investigação quase aprofundada do estilo. Porém, o autor deixa claro que o foco é apenas um período específico do jornalis- mo literário, o Novo Jornalismo. Embora com alguns erros pontuais de tradução, a não tradução ou a falta de contex- tualização de alguns termos e a repetição de palavras em um curto período de tempo, o livro escrito por Marc Weingarten apresenta de forma clara o New Journalism e os personagens que através do gênero sacudiram as redações dos Estados Unidos durante sete anos. O último dos 13 capítulos apresenta a amarga decepção de todos os jornalis- tas que acreditavam, realmen- te, que poderiam testemunhar um grande despertar político do país nos anos 60. Porém, Ni- xon foi reeleito, a Nova Esquer- da despedaçou e desapareceu e uma nova revolução estava a caminho. Tom Wolfe a definiu o como o terceiro grande despertar americano, que surgiu das expe- riências com drogas e com a vida em comunidade na década ante- rior. Em suma, a Década do Eu. Movimento que revolucionou a literatura dos EUA dura sete anos e acaba após decepção política no país Os visigodos da mudança cultural O estilo de fazer jornalismo era o mesmo, mas, além da técnica e da vontade de mostrar com cla- reza as mudanças culturais pelas quais os Estados Unidos passavam, os Novos Jornalistas não ti- nham muito em comum na forma como apuravam essas informações. De um lado, Tom Wolfe manti- nha uma distância discreta dos fatos e nunca suja- va seu terno. Se irritava com o estilo de apuração de notícias institucionalizado e sistemático e se re- cusava a seguir esses métodos, mesmo que fossem os adotados pela redação na qual trabalhava. Em jornais que incentivavam seus jornalistas a escapar do óbvio, a abordagem de Wolfe ainda se destaca- va. A forma com que ele “wolferizava” seus textos chamava a atenção dos outros profissionais. No outro lado, Hunter Thompson estava dis- posto a se enfiar nas brechas e arriscar seu bem- -estar para conseguir a reportagem que desejava. Trapaceou para conseguir o cargo de editor no jor- nal Command Courier da Força Aérea e burlou o regulamento que proibia funcionários do jornal a assumir empregos civis ao se tornar editor de es- portes do Playground News. Para não ser desco- berto, usou os pseudônimos de Thorne Stockton e Cuublye Cohn. Ao ser dispensado da Força Aérea, acreditou que poderia seguir a carreira rica e ren- tável de um repórter profissional. Até as portas do mercado nacional se abrirem para Thompson, pas- sou por dificuldades financeiras e necessitava da ajuda constante de amigos para se sustentar. Entre os dois extremos estavam Gay Talese, Joan Didion e Jimmy Breslin. Se todos caçavam detalhes, Talese era o mais meticuloso e o que mergulhava mais profundamente nos assuntos. De acordo com a descrição do jornalista no livro Fama e Anonimato, ele mesmo se definia como serendi- pitoso, ou seja, capaz de fazer, por acaso, descober- tas felizes ou úteis. Mesmo que não fossem desco- bertas tão úteis, nas mãos de Talese elas ganhavam vida e mostravam a real identidade das ruas. Jimmy Breslin acreditava que as melhores histó- rias de Nova York estavam na classe trabalhadora da cidade, naqueles que ganhavam salários baixos e mantinham a indústria funcionando. Ia de en- contro ao “jornalismo de consenso” que, em inglês, pack journalism, tem um sentido depreciativo e refere-se à atitude de repórteres apoiarem-se uns nos outros para obter informações ou de depender de uma única fonte. Se um punhado de jornalistas seguia freneticamente em uma direção, Breslin fu- gia por outro caminho. Certa vez, observou que as melhores ideias de reportagens eram aquelas que soavam boas depois que a ressaca passava. Joan Didion se ape- gava aos detalhes mais delicados e ao mesmo tempo evitava o adjetivo ou verbos irrelevantes. Via desordem em cada esquina da Califórnia: nos olhos vazios dos hi- ppies atordoados pelas drogas, nas donas de casa dos subúrbios, nos enclaves de concreto torrados pelo sol. Quase patologicamente tímida, não lidava bem com pes- soas. Dizia que a aparência de não fazer muito con- tato provavelmente foi um dos motivos pelos quais começou a escrever. Em vez de pressionar e ins- tigar seus entrevistados, Didion deixava que eles preenchessem os silêncios embaraçosos, anotando discretamente tudo em seu bloco de espiral. Assim, alcançava um entendimento com seus personagens que iludia repórteres mais tradicionais. 1 Florianópolis, 15 de junho de 2012 “O jornalismo podia ter mais vigor com o uso de instrumentos da ficção” Trololó O Jornalismo de ouro não existe mais O estilo mais nobre da revolução Um tipo de texto que apresenta com detalhes uma única pessoa, famosa ou não, foi muito utilizado pelos Novos Jor- nalistas e, para Sérgio Vilas Boas no ensaio A arte do perfil publicado na revista Especial Biblioteca Entrelivros, é um dos gêneros mais nobres do Jornalismo Literário: O perfil. Para produzir esse texto biográfico – que não necessariamente é uma biografia, pois se concentra apenas em alguns aspec- tos do personagem central e não em um extenso conjunto da vida do perfilado – o jornalista deve ir a fundo na vida de uma pessoa e é preciso, antes de mais nada, conhecê-lo bem. Muniz Sodré no livro Técnica de Redação: o texto no jor- nalismo impresso diz que “o repórter tem, via de regra, dois tipos de comportamento: ou mantém-se distante, deixando que o focalizado se pronuncie, ou compartilha com ele um determinado momento e passa ao leitor essa experiência.” O gênero aparece em peri- ódicos há mais de um século, mas foi a partir da década de 30 que jornais e revistas come- çaram a apostar mais no perfil, utilizando como protagonistas aqueles que se destacavam no mundo das artes, da política, dos esportes e dos negócios. Logo os perfis se tornaram marca registrada de revistas americanas como a The New Yorker e a Esquire. As revistas Realidade e O Cruzeiro foram as responsáveis por valorizar o tipo de texto no Brasil. Vilas Boas diz que nosso país está engatinhando em termos de Jornalismo Lite- rário e a maioria das produções do tipo perfil ainda é meio rasa. Para o jornalista, “bons sinais (do gênero) podem ser captados na revista Piauí” e, em breve, a revista Brasileiros saltará do perfil “basicão” ao perfil “rico”. Hunter Thompson, Jimmy Breslin, Joan Didion, Gay Talese e Tom Wolfe Literário Trololó Literário Pedro Coli Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: José Antônio Hüntemann Serviços Editoriais: Livros A turma que não escrevia direito, Fama e Anonimato, sítio Digestivo Cultural Colaboração: Pedro Coli, Giovanna Chinellato Impressão: Postmix Junho de 2012

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Jornal Mural produzido por José Antônio Hüntemann para a disciplina Edição, do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Inspirado no livro "A turma que não escrevia direito", o trabalho aborda o Novo Jornalismo americano, os escritores do movimento, o Jornalismo Gonzo, de Hunter Thompson e traz uma entrevista com José Hamilton Ribeiro, que foi repórter da revista Realidade. A publicação surgiu no Brasil com as mesmas propostas do New Journalism

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Page 1: Jornal Mural Trololó Literário

O título A turma que não escrevia direito, fora de contexto, su-geriria uma aborda-gem gramatical sobre

um determinado grupo que não seguia os parâmetros corretos da língua-mãe para se comu-nicar. Porém, a obra de Marc Weingarten, lançada em 2005 nos Estados Unidos e em 2010 no Brasil, trata dos principais escritores – Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Gay Talese, Hunter S. Thompson, Joan Didion, John Sack, Michael Herr - que na dé-cada de 60 apresentaram uma nova fórmula ao jornalismo e à literatura dos Estados Unidos. O autor entrevistou esses escri-tores que percorreram as prin-cipais publicações americanas da época e em 390 páginas traça um perfil daqueles que inova-ram a forma de contar histórias.

O movimento, chamado de Novo Jornalismo, surgiu numa era de muitas mudanças cultu-rais e sociais no país. As tradicio-nais ferramentas de reportagem eram inadequadas para mostrar tudo pelo qual os Estados Unidos passavam. A fórmula “Quem? Quando? Onde? Por quê?” não colocava em ordem o caos pro-vocado pelo rock, hippies, Ken-nedy, Nixon e uma guerra. Marc Weingarten trata o livro como

um “relato de uma uma era de ouro do jornalismo norte-americano, em que os auto-r e s / r e p ó r t e r e s não apenas co-briam matérias, mas aprofunda-vam-se nelas, e o jornalismo não apenas con-tava o que eram os Estados Uni-dos, mas ajudava a construí-los”.

Denominar o Novo Jornalismo um “movimen-to” foi criticado pelo jornalista Luiz Rebinski Junior, em sua coluna Jornalismo literário: a arte do fato?, do sítio Digestivo Cultural. Para ele, o Novo Jor-nalismo americano não é um “movimento” ou “corrente lite-rária” porque “isso não foi algo planejado e que nasceu de um conluio de três ou quatro cabe-ças que pensavam de forma pa-recida. Pelo contrário, os mem-bros desse clubinho imaginário não poderiam ser tão distintos.”

Weingarten, ainda na intro-dução, diz que não seria um movimento no sentido Kerouc--Ginsberg – escritores perten-centes à chamada Geração Beat

do final da dé-cada de 50, que disseminavam a contra-cu l tura americana – nem no sentido ex-pressionista abs-trato. Mas como parte do melhor jornalismo do sé-culo XX foi escri-ta nesse período de sete anos, po-deria ser consi-derado sim como “o maior movi-mento literário desde o renas-cimento da fic-

ção americana nos anos 20.”Em 1973, Tom Wolfe elabo-

rou uma antologia intitulada The New Journalism, apresentando artigos de escritores como Gay Talese, Hunter Thompson, Joan Didion e Norman Mailer. A par-tir desse título, deu ao jornalismo da época uma declaração de in-dependência em relação a todos os tipos de jornalismo que o ha-viam precedido. Wolfe foi critica-do por tentar rotular uma técnica que existia há mais de 200 anos.

Os críticos sustentaram que não havia nada de novo no Novo Jornalismo e definiram o movi-mento como a antítese da bem organizada pirâmide invertida.

A não ficção criativa era o gê-nero que caracterizava os Novos Jornalistas. John Hersey, em 1943, escreveu um texto que é precursor do Novo Jornalismo. Joe Is Home Now foi escrito sem a mínima pretensão de ser uma história factual. “Acho que des-de o início eu tinha a ideia – e a experimentava um pouco nos artigos que fazia para a Life – de que o jornalismo podia ter mais vigor com o uso de instrumentos da ficção”, disse ele à Paris Re-view em 1986. O texto, que foi criado a partir de 43 entrevis-tas de Hersey com soldados que voltavam da guerra, é um traba-lho de ficção baseado em fatos.

A ascensão do gênero se deu então entre as décadas de 60 e 70. Os jornalistas da época uni-ram a narrativa jornalística com a ficção e de forma despreten-siosa, como relata Tom Wolfe na antologia The New Jour-nalism, “provocaram pânico, roubaram da novela o trono de maior dos gêneros literários”.

Gay Talese defende no prefá-cio de Fama e Anonimato que, “embora muitas vezes o Novo Jornalismo seja lido como ficção, não é ficção. Ele é, ou deveria ser, tão fidedigno quanto a mais fide-digna reportagem, embora bus-que uma verdade mais ampla que a obtida pela mera compilação

de fatos passíveis de verificação.”A turma que não escrevia

direito aborda com lucidez o gênero. Quem espera um pano-rama detalhado do jornalismo literário, depara-se com uma investigação quase aprofundada do estilo. Porém, o autor deixa claro que o foco é apenas um período específico do jornalis-mo literário, o Novo Jornalismo.

Embora com alguns erros pontuais de tradução, a não tradução ou a falta de contex-tualização de alguns termos e a repetição de palavras em um curto período de tempo, o livro escrito por Marc Weingarten apresenta de forma clara o New Journalism e os personagens que através do gênero sacudiram as redações dos Estados Unidos durante sete anos. O último dos 13 capítulos apresenta a amarga decepção de todos os jornalis-tas que acreditavam, realmen-te, que poderiam testemunhar um grande despertar político do país nos anos 60. Porém, Ni-xon foi reeleito, a Nova Esquer-da despedaçou e desapareceu e uma nova revolução estava a caminho. Tom Wolfe a definiu o como o terceiro grande despertar americano, que surgiu das expe-riências com drogas e com a vida em comunidade na década ante-rior. Em suma, a Década do Eu.

Movimento que revolucionou a literatura dos EUA dura sete anos e acaba após decepção política no país

Os visigodos da mudança culturalO estilo de fazer jornalismo era o mesmo, mas,

além da técnica e da vontade de mostrar com cla-reza as mudanças culturais pelas quais os Estados Unidos passavam, os Novos Jornalistas não ti-nham muito em comum na forma como apuravam essas informações. De um lado, Tom Wolfe manti-nha uma distância discreta dos fatos e nunca suja-va seu terno. Se irritava com o estilo de apuração de notícias institucionalizado e sistemático e se re-cusava a seguir esses métodos, mesmo que fossem os adotados pela redação na qual trabalhava. Em jornais que incentivavam seus jornalistas a escapar do óbvio, a abordagem de Wolfe ainda se destaca-va. A forma com que ele “wolferizava” seus textos chamava a atenção dos outros profissionais.

No outro lado, Hunter Thompson estava dis-posto a se enfiar nas brechas e arriscar seu bem--estar para conseguir a reportagem que desejava. Trapaceou para conseguir o cargo de editor no jor-nal Command Courier da Força Aérea e burlou o regulamento que proibia funcionários do jornal a assumir empregos civis ao se tornar editor de es-portes do Playground News. Para não ser desco-berto, usou os pseudônimos de Thorne Stockton e Cuublye Cohn. Ao ser dispensado da Força Aérea, acreditou que poderia seguir a carreira rica e ren-tável de um repórter profissional. Até as portas do mercado nacional se abrirem para Thompson, pas-sou por dificuldades financeiras e necessitava da ajuda constante de amigos para se sustentar.

Entre os dois extremos estavam Gay Talese, Joan Didion e Jimmy Breslin. Se todos caçavam detalhes, Talese era o mais meticuloso e o que mergulhava mais profundamente nos assuntos. De acordo com a descrição do jornalista no livro Fama e Anonimato, ele mesmo se definia como serendi-pitoso, ou seja, capaz de fazer, por acaso, descober-tas felizes ou úteis. Mesmo que não fossem desco-

bertas tão úteis, nas mãos de Talese elas ganhavam vida e mostravam a real identidade das ruas.

Jimmy Breslin acreditava que as melhores histó-rias de Nova York estavam na classe trabalhadora da cidade, naqueles que ganhavam salários baixos e mantinham a indústria funcionando. Ia de en-contro ao “jornalismo de consenso” que, em inglês, pack journalism, tem um sentido depreciativo e refere-se à atitude de repórteres apoiarem-se uns nos outros para obter informações ou de depender de uma única fonte. Se um punhado de jornalistas seguia freneticamente em uma direção, Breslin fu-gia por outro caminho. Certa vez, observou que as melhores ideias de reportagens eram aquelas que soavam boas depois que a ressaca passava.

Joan Didion se ape-gava aos detalhes mais delicados e ao mesmo tempo evitava o adjetivo ou verbos irrelevantes. Via desordem em cada esquina da Califórnia: nos olhos vazios dos hi-ppies atordoados pelas drogas, nas donas de casa dos subúrbios, nos enclaves de concreto torrados pelo sol. Quase patologicamente tímida, não lidava bem com pes-soas. Dizia que a aparência de não fazer muito con-tato provavelmente foi um dos motivos pelos quais começou a escrever. Em vez de pressionar e ins-tigar seus entrevistados, Didion deixava que eles preenchessem os silêncios embaraçosos, anotando discretamente tudo em seu bloco de espiral. Assim, alcançava um entendimento com seus personagens que iludia repórteres mais tradicionais.

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Florianópolis, 15 de junho de 2012

“O jornalismo podia ter mais vigor com o uso de instrumentos da ficção”

TrololóO Jornalismo de ouro não existe mais

O estilo mais nobre da revoluçãoUm tipo de texto que apresenta com detalhes uma única

pessoa, famosa ou não, foi muito utilizado pelos Novos Jor-nalistas e, para Sérgio Vilas Boas no ensaio A arte do perfil publicado na revista Especial Biblioteca Entrelivros, é um dos gêneros mais nobres do Jornalismo Literário: O perfil. Para produzir esse texto biográfico – que não necessariamente é uma biografia, pois se concentra apenas em alguns aspec-tos do personagem central e não em um extenso conjunto da vida do perfilado – o jornalista deve ir a fundo na vida de uma pessoa e é preciso, antes de mais nada, conhecê-lo bem.

Muniz Sodré no livro Técnica de Redação: o texto no jor-nalismo impresso diz que “o repórter tem, via de regra, dois tipos de comportamento: ou mantém-se distante, deixando

que o focalizado se pronuncie, ou compartilha com ele um determinado momento e passa ao leitor essa experiência.”

O gênero aparece em peri-ódicos há mais de um século, mas foi a partir da década de 30 que jornais e revistas come-çaram a apostar mais no perfil, utilizando como protagonistas aqueles que se destacavam no mundo das artes, da política, dos esportes e dos negócios. Logo os perfis se tornaram marca registrada de revistas

americanas como a The New Yorker e a Esquire. As revistas Realidade e O Cruzeiro foram as responsáveis

por valorizar o tipo de texto no Brasil. Vilas Boas diz que nosso país está engatinhando em termos de Jornalismo Lite-rário e a maioria das produções do tipo perfil ainda é meio rasa. Para o jornalista, “bons sinais (do gênero) podem ser captados na revista Piauí” e, em breve, a revista Brasileiros saltará do perfil “basicão” ao perfil “rico”.

Hunter Thompson, Jimmy Breslin, Joan Didion, Gay Talese e Tom Wolfe

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Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina Edição

Professor: Ricardo BarretoEdição, textos, planejamento e editoração

eletrônica: José Antônio HüntemannServiços Editoriais: Livros A turma que não escrevia

direito, Fama e Anonimato, sítio Digestivo CulturalColaboração: Pedro Coli, Giovanna Chinellato

Impressão: PostmixJunho de 2012

Page 2: Jornal Mural Trololó Literário

Na época em que o movimento Novo Jornalismo crescia nos EUA, surgiu no Brasil a revis-ta Realidade que apresentou o mesmo estilo revolucio-

nário de contar uma história através de textos com recursos literários e caráter narrativo. José Hamilton Ribeiro fazia parte da equipe que incluía Sérgio de Souza, Mylton Severiano e José Marão. Atualmente ele é repórter da TV Globo e em entrevista ao Trololó descreve um pouco a forma como era produzida a re-vista nos anos 60, tempo de efervescência sócio-cultural e política no país.

Trololó: A proposta da Realidade era falar de assuntos não tratados pela imprensa do país na época. Como surgiam essas pautas?José Hamilton: A redação da Realida-de era bem ampliada. Dava uma reunião de pauta com umas 20, 30 pessoas e ali era uma sabatina, justamente para levan-tar assuntos que estavam amortecidos na sociedade, camuflados ou escondidos. As pautas caminhavam na direção da mu-lher, da libertação feminina nos anos 60, da mulher dona do seu corpo, do seu des-tino. Uma outra linha era a dos padres, principalmente os religiosos de congre-gações, inquietos diante da política, em função da ditadura que os incomodava. Muitos começaram a contestar sua vida

e acabaram deixando a vocação religiosa para se casar. Outras fontes de inquieta-ção eram os estudantes e os trabalhadores que estavam excluídos. A revista procu-rava ganchos jornalísticos dentro dessas mudanças que o mundo estava vivendo.T: E como era o processo de apura-ção dessas pautas?JH: Uma outra palavra mágica da Rea-lidade era a vivência. Nenhum repórter estava autorizado a falar de qualquer as-sunto que ele não tivesse presenciado. Os textos tinham um mínimo de profundida-de porque os repórteres vivenciavam o as-sunto. Não é que eles se tornavam padres, ou estudantes, ou operários, mas eles fa-lavam de coisas das quais tinham sido tes-temunhas. Aliado a isso havia uma grande busca de acurácia, de exatidão das infor-mações. Isso deu ao texto da revista uma diferença muito grande em relação ao que se fazia na imprensa naquela época. T: Vocês sofreram alguma influên-cia do Novo Jornalismo americano?JH: Não houve um seminário dos repór-teres da revista Realidade para aplicar o New Journalism no Brasil. Não houve uma discussão teórica mas, evidente-mente, a gente lia ou ficava sabendo das grandes reportagens americanas de algu-ma maneira. Na verdade, a Realidade foi, tanto a concepção quanto a sua realização, uma coisa bem brasileira, bem cabocla. Era voltada para o Brasil, mas com mui-

ta ambição jornalística. Ambição na qualidade de informação, de texto, precisão da informação, seriedade, austeridade, ao lado de uma ousadia de pauta muito grande. T: Como foi sobrevi-ver com a revista por dois anos durante o regime militar?JH: A Realidade tinha um lema: Censura, só se vier fazer aqui, em cima de nós, se vier um censor falar que não pode. En-quanto isso, nós não acei-tamos nenhuma limita-ção e a revista trabalhou com esse pensamento até o Ato Institucional 5, de dezembro de 68, que ins-talou a ditadura no Brasil e, consequentemente, a censura. Embora não tivesse uma liga-ção direta entre os dois fatos, o clima do AI-5 repercutiu não só na revista, como na editora toda e no jornalismo brasileiro de maneira geral. E foi uma das causas da decadência da revista Realidade. Não era possível viver aquela pauta, ter aquela ou-sadia toda com um regime de censura ou de limitação de pensamento de qualquer ordem.

T: Vocês percebiam que os leitores esta-vam sedentos por al-gum tipo de informa-ção que a mídia não estava dando?JH: A Realidade saía como pão quente. Parece que era uma coisa que as pessoas sentiam falta. A revista teve uma formu-lação empresarial para vender 80 mil exempla-res e chegou a 500 mil em seis meses, eu acho. A pri-meira edição teve que ser reimpressa. Era uma pro-cura muito grande.T: Uma publicação como a Realidade te-ria espaço no Brasil hoje?JH: Eu acho que nós es-tamos vivendo um mau

momento no jornalismo. E o ser humano acostuma até com o que é ruim. Então o pessoal tá acostumado com o que está aí. Na hora que aparecer algo melhor, o povo também vai aceitar. Acho que esse espaço no Brasil está sendo ocupado hoje pela re-vista Piauí e pela revista Brasileiros, mas nenhuma delas, na verdade, teve o alcan-ce nacional que a Realidade teve. Talvez ainda haja espaço para uma outra coisa.

Narrador vira o personagem do fato

A partir da segunda metade da década de 60, quando o Novo Jornalismo estava no seu auge nos Estados Unidos, Hunter S. Thompson, um dos jornalistas do movimento, criou uma nova modalidade de jornalismo literário que propôs a quebra da bar-reira que diferencia o jornalismo da ficção: o compromisso com a verdade. Denominado Jornalismo Gonzo, jornalismo fora-da--lei, jornalismo alternativo ou, até mesmo, cubismo literário, o gênero é baseado na desobediência de padrões e no desrespeito de normas estabelecidas e aborda, na maioria das vezes, assun-tos relacionados aos temas sexo, drogas, esporte e política.

Com um formato peculiar de se fazer uma reportagem, desde a apuração dos fatos até a sua redação, o Jornalismo Gonzo é classificado de várias maneiras por seu próprio criador. A defini-ção mais famosa dada por Thompson é:

“Um estilo de reportagem baseada na ideia do escri-tor William Faulkner segundo a qual a melhor ficção é muito infinitamente mais verdadeira que qualquer tipo de jornalismo – e os melhores jornalistas sempre sou-beram disso.”

Thompson acreditava que tanto a ficção quanto o jornalismo eram categorias arti-

ficiais e que as duas, quanto bem feitas, tinham o mesmo fim através de cami-nhos diferentes: informar o leitor sobre

alguma coisa.Para produzir seus textos,

o jornalista não se contentava em apenas observar ou re-

colher depoimentos. Bus-cando oferecer uma maior dimensão de informações, Thompson imergia no as-

sunto da reportagem. Ele vivenciava

aquilo que iria narrar e torna-va-se parte da história. Por isso a ten-

dência em abordar os temas citados acima (sexo, drogas, esporte e política). Eram assuntos nos quais estava envolvido pessoal-mente ou fazia questão de conhecê-los muito bem. E essa é a principal diferença entre o Jornalismo Gonzo e o Novo Jorna-lismo. Enquanto no Novo Jornalismo os autores optavam por serem testemunhas da ação, Thompson preferia participar dela.

O embrião do que mais tarde viria a ser o Jornalismo Gonzo de Thompson – mas ainda inserido no movimento Novo Jornalismo - foi o livro Hell’s Angels: The Strange and Terrible Saga of the Outlaw Mo-torcycle Gangs, lançado em 1966. O livro retrata uma famosa gangue de motoqueiros americanos que ater-rorizavam cidades da Califórnia des-truindo, bebendo e perturbando tudo o que vissem pela frente. O jornalista se tornou, aos poucos, amigo dos che-fes da gangue, participando de festas, viajando em bandos com sua própria motocicleta e participando das ativi-dades ilegais que envolviam o grupo. Diferente de todas as notí-cias veiculadas sobre os Hell’s Angels, Thompson deu seu relato sem querer desmoralizar seus membros e mostrou como era a vida daquelas pessoas tão à margem da sociedade. Nesse período o jornalista iniciou, de modo agressivo, o uso de entorpecentes.

A primeira obra reconhecida dentro do novo estilo foi The Kentucky Derby. Inicialmente era para ser um artigo sobre corrida de cavalos, porém, Thompson vai além e faz uma ácida crítica ao estilo de vida da população local. “O resultado foi um estilo maníaco, cheio de adrenalina em primeira pessoa, onde as próprias emoções de Thompson dominavam a história continu-amente” escreveu Tom Wolfe, em 1973, na antologia The New Journalism. A partir daí, sucessos como Medo e Delírio em Las Vegas, adaptado para o cinema em 1998, Screw Jack e Rum: Di-ário de um jornalista bêbado enfatizaram as características do novo estilo criado pelo jornalista fora-da-lei que, na maioria das vezes, saía da sua zona de conforto para conseguir a reportagem que desejava.

Após o fechamento da El Spor-tivo, revista de Porto Rico, Hunter Thompson perdeu o emprego e se mudou para Big Sur, na Cali-fórnia, onde começou a trabalhar num romance baseado em suas aventuras na ilha do mar do Ca-

ribe. Chamada The Rum Diary ou Rum: Diário de um jorna-lista bêbado, a obra iniciada na década de 60 foi publicada somente em 1998.

Em 2011 o livro se tornou filme nas mãos do diretor Bruce Robinson. Na trama, o jorna-lista freelance Paul Kemp, interpreta-

do por Johnny Depp, amigo de Thompson, se muda de Nova York para trabalhar em um jornal local, o The San Juan Star. Ao ser chamado para escrever favora-velmente sobre um sistema de negócios obscuros que pretende tornar Porto Rico em um paraíso capitalista a serviço dos ricos, o jornalista se depara com a pos-sibilidade de usar suas palavras para o benefício dos empresários corruptos ou para enfrentá-los.

O filme chegou ao Brasil em abril e Aarom Eckhart, Giovanni Ribisi e Amber Heard também fazem parte do elenco.

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Florianópolis, 15 de junho de 2012

Viver a pauta para buscar a Realidade

Jornalista foi barrado pelo AI-5

Da bebedeira deThompson para astelas de cinema

“Os meios tradicionais do jornalismo não eram adequados para a época”

TrololóLiterário

Para Thompson, ser testemunha da história não bastava

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Thompson cria o Jornalismo Gonzo ao se inserir como coadjuvante na história

Paul Kemp na companhia do álcool e do cigarro

Repórteres da revista eram obrigados a testemunhar os fatos para escrever textos com qualidade e exatidão

“Estamos vivendo um mau momento

no jornalismo”

Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina Edição

Professor: Ricardo BarretoEdição, textos, planejamento e editoração

eletrônica: José Antônio HüntemannServiços Editoriais: Livros A turma que não escrevia

direito, Fama e Anonimato, sítio Digestivo CulturalColaboração: Pedro Coli, Giovanna Chinellato

Impressão: PostmixJunho de 2012

TrololóLiterário