JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há...

104
1 Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO. DIREITO CONSTITUCIONAL II APONTAMENTOS E ANOTAÇÕES POR JOÃO ABREU DE CAMPOS REGÊNCIA PROFESSOR DOUTOR PAULO OTERO 2ª Edição, Maio de 2018 © João Abreu de Campos

Transcript of JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há...

Page 1: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

1

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

DIREITO

CONSTITUCIONAL II

APONTAMENTOS E ANOTAÇÕES

POR

JOÃO ABREU DE CAMPOS

REGÊNCIA PROFESSOR DOUTOR PAULO OTERO

2ª Edição, Maio de 2018

© João Abreu de Campos

Page 2: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

2

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

À singela ilusão de um tempo perdido, grilhão que

me fez sonhar, nela enternecido.

“Não podemos deixar que os nossos carrascos nos criem maus costumes”

- Simone de Beauvoir

Page 3: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

3

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

INTRODUÇÃO

Estes apontamentos e anotações comportam dois elementos: apontamentos das aulas

teóricas do Senhor Professor Doutor Paulo Otero e resumos doutrinários do autor, da

bibliografia indicada pela regência. Todas as opiniões e comentários estão reservados ao

autor e desaconselha-se a sua utilização – prima-se pela invocação das autoridades

doutrinárias JORGE MIRANDA, PAULO OTERO, GOMES CANOTILHO e CARLOS

BLANCO DE MORAIS. Ademais refere-se que, não obstante uma cuidadosa revisão,

podem existir lapsos, pelo que qualquer dúvida deve ser dirimida com recurso aos

manuais. Estes apontamentos são meros auxiliares de estudo e não dispensam a consulta

e utilização dos manuais indicados no programa.

Page 4: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

4

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Aula 1 – 20 de Fevereiro de 2017

O que vamos tratar?

Vamos dar 2 grandes grupos de matérias:

a) História constitucional;

b) A constituição de 1976 (vigente).

Da constituição abordaremos:

1) Identidade constitucional;

2) Organização do poder político;

3) Estruturas normativas – mais importante – A teoria da Lei.

Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei

nem da história- usar manual de direito constitucional do professor Jorge Miranda-

TOMO I).

1ª parte da matéria - História Constitucional Portuguesa

A História Constitucional formal portuguesa começa em 1820 com a revolução liberal

que importa para Portugal os efeitos da RF (revolução francesa). No entanto, a verdade é

que antes de 1820 já existia Portugal, e já existindo o Estado já existia constituição, ainda

que informal- constituição histórica e institucional- sempre que há estado tem de haver

constituição pois é a lei fundamental que regula o poder político, claro que não era formal

nem seguia preceitos formalistas de aprovação e sancção, doravante designa-se por

constituição histórica ou institucional pois é produto do decurso do tempo que deriva da

existência do estado e da exegese de diferentes costumes, práticas e circunstâncias.

Se afirmarmos que existe constituição histórica ou institucional antes da revolução liberal

de 1820 e que tal deriva primariamente da identificação nacional, isto é da exigência do

estado português e relevante soberania, como analisamos os momentos de relevância do

paradigma constitucional entre a Batalha de S. Mamede, 1128, até ao ano da revolução

liberal? Em vários momentos verificam-se diferentes contributos históricos para o

constitucionalismo e consolidação democrática do Estado Português.

1º momento- 1128- 1179 – A questão da independência e soberania em relação a Leão e

Castela bem como reconhecimento no plano externo:

(I) Afirmação da individualidade própria- existência de uma comunidade

autónoma de Leão e Castela- é a consciência nacional que justifica a

independência (dentro de uma lógica medieval- relação de vassalagem em

primeiro momento, num segundo momento a relação de subordinação do Rei

ao Papa – Respublica Christiana- sendo que em 1179 o papa reconhece o

estado- é o passaporte para a afirmação de Portugal enquanto Estado na

Page 5: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

5

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

comunidade internacional- é feito o reconhecimento mas segundo

subordinação de Portugal ao Papa- foi este o reconhecimento que permitiu que

Portugal entrasse na comunidade internacional e fosse reconhecido

juridicamente no tráfego internacional.

2º momento- 1211- 1223- D. Afonso II

Edificação do Estado – É o primeiro rei que emana um pacote legislativo de Leis Gerais

(preocupação na adstrição legislativa) para todo o reino, nas quais demonstra especial

preocupação em centralizar o poder, através da nomeação de juízes que aplicam o poder

do rei e a Lei do rei – na fragmentação feudal do Estado há preocupação de centralização

e consolidação administrativa por via de uma melhor gestão dos recursos e melhor

cabimento e cumprimento dos fins do Estado para com a sociedade. Procurava também

inquirir se as terras de diferentes proprietários lhes pertenciam (se tinham registo,

comprovativo, etc) para saber se a Terra era privada ou da coroa – leva a uma grande

apropriação e a grandes lucros para a coroa. A terceira manifestação da intervenção do

Rei surge perante o facto do rei não poder contrariar o direito ou os direitos da igreja – a

prova de que o direito canónico é superior ao estado?- Não! É o estado que escolhe

respeitar o direito canónico. Em D. Afonso II prevê-se ainda a possibilidade de o estado

responder por abusos e na circunstância de indeminizações – a organização político-

legislativa-administrativa é prioritária e transformacional.

3º momento- 1245- Deposição de D. Sancho II

Qual a relevância?

(i) Quem o afasta é o papa- exemplifica a subordinação do pp ao papa (que é

mediador entre o Rei e Deus) – a força jurídica da respublica christiana;

(ii) Os fundamentos têm que ver com a acusação de que o Rei não garante a justiça

(pensamento de St. Agostinho- “o que é o Estado senão uma quadrilha de

ladrões se não garante a justiça?”);

(iii) O papa determina que quem passa a reger o reino é o irmão- D. Afonso III- é

relevante porque D. Afonso III assume o compromisso de Paris de 1245 de

que qd assumir o governo que irá garantir a justiça – compromete-se a

respeitar a justiça.

4º momento- 1254 – D. Afonso III convoca as cortes de Leiria- são as primeiras cortes

em que há notícia da participação do povo- a inclusão democrática da participação cívica.

5º momento- 1297- celebração do tratado de Alcanizes – tratado que definiu as fronteiras

de Portugal continental- é o tratado mais antigo que origina a limitação e delimitação das

fronteiras (é a remissão do Art. 5º da CRP, com a exceção de Olivença em termos de facto

e não de direito).

6º momento- 1385- celebração das cortes de Coimbra- a morte de D. Fernando. As cortes

entendem que a herdeira deve ser afastada da coroa, as cortes entendem que os filhos

Page 6: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

6

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

liegítimos de D. Pedro devem ser afastados- dá origem à sucessão de João de Avis. Traduz

um entendimento importante pq torna o rei suscetível de referenda popular. A

legitimação da dinastia de Avis deriva do elemento democrático pela via do carácter

popular das cortes- há uma revolução do paradigma constitucional – momento de especial

importância.

7º momento- 1415- Data da conquista de Ceuta- pq é relevante? Pq traduz uma opção

política, constitucional de que Portugal não pode expandir-se mais no contexto europeu

então avança com o critério ultramarino, passa a ser o critério determinante para a

expressão das linhas políticas nacionais (até 1974)- primeiro o norte de África, depois o

Golfo da guiné, depois o Brasil e depois a índia para o regresso a África. O modelo

constitucional e de organização administrativa tbm sofre influência desta ideia- Port é um

estado plurilocalizado e o seu direito interroga-se com uma pergunta- deve a mesma lei

ser aplicada a todas as pessoas do território português ou devem existir Leis especiais

para cada território? Até a atual república é consequência da política ultramarina.

8º momento- 1438- Regimento do reino que foi aprovado nas cortes de torres novas. Com

a morte de D. Duarte, o filho D. Afonso V é menor. Houve uma primeira dúvida- a quem

atribuir a regência- o testamento do rei dizia que a regência devia ser assegurada pela

rainha viúva, os nobres preferiam o tio mais velho do novo rei- há a primeira génese de

uma guerra civil- é o propósito de resolver juridicamente esta divergência que leva ao

regimento do reino – é a primeira constituição escrita portuguesa (1438). – 1ª

constituição escrita (regimento aprovado nas cortes de torres novas por ocasião da

regência a menor).

9º momento- 1536- é a data do estabelecimento da inquisição em Portugal. Vem redefinir

até ao séc. XIX os limites da liberdade e nesse sentido condicionar o desenvolvimento

cultural mas também o desenvolvimento económico. Vem fazer com que parte da

comunidade portuguesa emigre.

10º momento- 1580- Sucessão do Cardeal D. Henrique e das cortes de Tomar- escolhem

o sucessor. O compromisso de que existe uma união pessoal e não uma união real

(compromisso de D. Filipe II de Espanha). O entendimento posterior dos sucessores é

contrário o que irá culminar na impulsão da restauração da independência – o caso da

dinastia filipina e a dinâmica da essência do Estado.

11º momento- 1640- o povo pode afastar o monarca se o monarca é tirano. O povo tem

legitimidade em cortes para escolher um novo rei. Cria-se pela primeira vez a ideia de

que há as designadas Leis Fundamentais do reino- são a constituição histórica ou

institucional. Onde residem? Tiveram a sua origem nas designadas cortes de Lamego, no

reinado de D. Afonso Henriques produziram normas que teriam de integrar o

ordenamento constitucional português- o rei jamais poderia ser estrangeiro. Os

historiadores consideram que isto foi fabricado para justificar a restauração da

independência.

12º momento- 1667- Ano em que D. Afonso VI é deposto- há um golpe de estado

perpetrado pelo irmão. É aprovada em cortes o facto de em incapacidade do rei criar-se

Page 7: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

7

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

uma regência que recaia nos irmãos- é uma lei que surge que é materialmente

constitucional.

13º momento- 1778- novo código. Opõe duas visões diferentes- se deve existir ou não

um código constitucional. Reinado de D. Maria II. Uma visão mais absolutista- Pascoal

de Melo Freire, e uma mais transacionista.

14º momento -1807- invasão francesa em Portugal. A família real desloca-se de Portugal

para o brasil. Um rei europeu vai ao novo mundo, com a particularidade de fixar a corte

no brasil- Portugal passa a ser um reino unido. A metrópole passa a ser a colónia pq o rei

está afastado. Com Portugal invadido por franceses e ingleses. Justifica a revolução

liberal que é de génese nacionalista.

15º momento 1808- súplica da constituição. É o menos dignificante- o mais vergonhoso.

Lisboa está ocupada pelos franceses. Há um grupo que decide enviar uma carta a napoleão

a suplicar uma constituição como pediram um rei que seja da sua família – alguém que

não seja o general ocupante.

16º momento- 1820- revolução liberal de base nacionalista para expulsão dos invasores

e recuperação da identidade constitucional. A identidade constitucional constrói-se

através das fontes de Direito Constitucional.

FONTES DE DIREITO CONSTITUICIONAL:

1) As leis fundamentais do reino: com 2 vontades: rei e cortes;

2) Normas costumeiras e consuetudinárias;

3) Assentos das cortes- deliberações das cortes;

4) Atos unilaterais do rei- por exemplo os testamentos; ou os forais, que eram cartas

que o rei atribuía aos municípios;

5) Atos de natureza contratual- contrato de casamento entre D. Fernando e D. João

de Castela, em relação à filha Beatriz.

Recordar 2 instituições constitucionais existentes à época:

a) Monarca – A coroa;

b) Cortes- questão jurídico-constitucional é saber se as cortes tinham competência

deliberativa ou também consultiva, propendendo a uma ingerência de

aconselhamento à coroa.

Aula N.º 2 – 21/02/17

Hoje vamos fixar o nosso estudo em 1820, data da revolução liberal e ver se chegamos à

CRP de 1976.

Page 8: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

8

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

1820- data da revolução liberal corresponde à revolução que teve 3 grandes propósitos:

(i) Impedir que Portugal continuasse ocupado pelos ingleses;

(ii) Impedir que Portugal continuasse verdadeiramente como colónia- exigir

regresso da família real portuguesa (exilados pela invasão, napoleão foi

derrotado em 1815). Há uma norma única actual para evitar este facto- o chefe

de Estado não pode ausentar-se do território nacional sem o consentimento da

AR:

(iii) A Instauração de uma Ordem Constitucional Liberal:

(a) A existência de um texto formal constitucional,

(b) Garantir separação de poderes – segundo o pensamento de MONTESQUIEU,

ROSSEAU ou LOCKE;

(c) Garantir direitos, liberdades e garantias – direitos fundamentais1.

Para este efeito surgem as cortes constituintes, formadas com o intuito de formarem a

constituição. Em 1821 formam as bases da constituição- são uma síntese do que seria a

constituição- fixam os grandes princípios a que vai ser sujeita a constituição de 1822. O

que resulta desta base de constituição:

(i) A afirmação da separação de poderes – seguindo a doutrina liberal de

limitação de poder – em primeira instância (após 1826) segue-se a monarquia

limitada de BENJAMIN CONSTANT2;

(ii) Igualdade de todos perante a lei;

(iii) Garantia dos direitos fundamentais- liberdade, segurança e propriedade;

(iv) A afirmação da dinastia de Bragança como a titular da coroa, o que significa

que o rei passa a ter uma legitimidade conferida pelas cortes e para ordem

jurídico-constitucional;

(v) Formam-se os embriões dos direitos sociais: direito à instrução/educação e

direito à assistência dos necessitados.

A constituição de 1822 tem as seguintes particularidades na sua gestação:

(i) É pré-determinada pelas bases de 1821 (separação de poderes, igualdade de

todos perante a lei, garantia dos DF – HOBBES, DS);

(ii) A discussão parlamentar/das cortes, foi marcada pela questão brasileira. Cerca

de 2/3 das polémicas ocorridas das cortes derivavam da questão brasileira (o

regresso do rei, mas também a exigência de que o príncipe herdeiro

regressasse- o que leva D. Pedro a proclamar a independência brasileira.

Assim a constituição fica desatualizada. Era uma constituição de um reino

unido, e Portugal já não o era porque perdera o Brasil.

1 Segundo JORGE MIRANDA, «Direitos fundamentais são os direitos ou as posições jurídicas ativas das

pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na constituição, seja na

formal ou na material», in Manual de Direito Constitucional , Tomo IV. 2 JOÃO ABREU DE CAMPOS, Direito Constitucional I – Apontamentos por Abreu de Campos”,

Reprografia Vermelha, 2016.

Page 9: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

9

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(iii) A constituição assenta num sistema de governo de um sistema parlamentar de

assembleia, não foi efectivado;

(iv) A constituição criou logo à partida um conflito jurídico, porque os

constituintes entenderam que deviam obrigar a rainha a jurar a constituição –

dentro da família real começaram a criarem-se opositores à constituição-

previa um parlamento unicameral, com um rei fraco, sem poder de veto

absoluto- seria um rei subordinado às cortes. Esta subalternização do rei leva

à oposição da coroa. O veto reconhecido tinha natureza suspensiva, mas não

absolutista nem poder do monarca de dissolução das cortes- supremacia das

cortes perante o rei. Deriva no facto de em 1823 surgir a Vila Francada-

movimento que surge em Vila Franca, em que D. Miguel lidera a oposição à

constituição- fazendo cessar a vigência da constituição- está em vigor

somente alguns meses. Em 1823 é prometida a existência de uma nova

constituição- doravante não entra nunca como projeto político, significa isto

que não há constituição até 1826.

Em 1826 surge a CC Portuguesa, entre 1823 e 1826 há um interregno constitucional.

Traduz um problema de sucessão à coroa- poderá D. Pedro ascender a rei, tendo cometido

um crime contra a pátria? Do ponto de vista do Tratado de Rio de Janeiro, ao reconhecer

a independência do Brasil, há uma amnistia do crime praticado. Esta configuração por um

lado corresponde aos adeptos de D. Pedro - os liberais – defensores da constituição de

1822 que protelava uma monarquia muito debilitada pela ação parlamentar; que se

confrontam com os absolutistas, apoiantes de D. Miguel, que irão originar a CC de 1826

instituidora cabal do pensamento de BENJAMIN COSTANT da monarquia limitada.

Quid Iuris? Assenta num compromisso que está na basse da CC:

D. Pedro abdica do trono português, a favor da filha mais velha, futura D. Maria II, casa

essa com o tio (D. Miguel) – este compromisso está na base da CC. Antes de abdicar D.

Pedro outorga a CC- é de génese democrática- tem o primado do princípio monárquico

de monarquia limitada – CC Brasil de 1824 e CC de 1814 Francesa- entendimento de

Benjamin Constant (grande defensor da monarquia limitada).

A constituição é expressão do poder constituinte do monarca- que outorga a carta, em

1826;

Consagra os três poderes- executivo (rei e ministros, num sistema de governo de

monarquia limitada monista- unívoca responsabilidade), legislativo (cortes, com estrutura

bicameral- câmara ser de nomeação régia- o veto do monarca é absoluto- a lei só é lei

perante a conjugação de duas vontades; o monarca pode livremente dissolver as cortes),

judicial (aplica as leis em nome do rei, os actos em que intervém o rei não podem ser

objeto de fiscalização pelos tribunais- nunca há fiscalização da constitucionalidade) e

moderador.

Em 1828 D. Miguel regressa do exílio da Áustria. D. Pedro era regente antes, mas estava

no Brasil então a regência é executada em nome do rei. Quando D. Miguel regressa há

uma aclamação popular de rei legítimo- deixa-se proclamar rei- retoma a vigência das

Page 10: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

10

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

leis fundamentais do reino- da constituição histórica ou institucional, absolutista.

Entre 1828-1834 há novo período de interregno. Com a exceção da ilha terceira, nos

Açores. Em 1832 começa a guerra civil desembarca D. Pedro em Portugal, à frente de um

exército. Combates com 2 facções de exército. Termina na convenção de Everomonte

com o regresso de D. Miguel para o exílio. D. Pedro é proclamado regente em nome da

filha D. Maria II. Em 1834 com a vitória liberal – 24 de julho. É reposta em vigor a

CC de 1826 – 2ªa vigência da CC de 1826 (monarquia limitada).

A 2ª vigência da carta que no fundo começa em 1834 também não vai durar muito tempo.

Em 1836 há uma revolução em setembro, revolução setembrista- protagonizada pelos

irmãos Passos Manuel- vai ditar o restabelecimento em vigor da constituição de 1822-

2ª vigência da Constituição de 1822 (liberal) - a constituição deixa de ser rígida e pode

ser alterada por decreto do governo. Ao movimento setembrista decorre o movimento

belenzada, no qual são impostas:

(i) A elaboração de uma nova constituição e a convocação de cortes constituintes;

(ii) Repor-se a natureza flexível da carta constituição.

Em 1834-1836 tudo vigora sem nada vigorar. Vigoram os decretos ditatoriais do governo

setembrista.

Surge a constituição de 1837 que procura ser uma síntese entre a de 1822 e a de 1826-

materializada habilmente sendo:

1) o parlamento tem uma estrutura bicameral;

2) o rei não tem poder moderador- mas todas as faculdades do poder moderador passam

a integrar o poder executivo. Até o veto do monarca perante as leis é contruído de forma

ambígua, não dizendo se é absoluto ou suspensivo. Mas pode-se extrair o seguinte: não

se prevê como o parlamento pode superar o veto do monarca, existe veto absoluto.

Oliveira Martins vem resumir que a constituição de 1837 chamava-se assim para agradar

aos vintistas (que estavam na base da constituição de 1822) mas mantinham-se

simultaneamente fiel para agradar ao monarca. Só entra em vigor pq o monarca a sanciona

e pq as cortes originam-na segundo legitimidade democrática- Monarquia Orleanista.

Em 1842 irá existir um golpe de Estado de Costa Cabral- desencadeado no porto com o

objetivo de derrogar a constituição de 1837. Em 1842 retoma-se a CC- 3ª vigência da

CC de 1826. Mas vão ocorrer revisões à carta. Procurando diminuir o peso

monárquico- consequência de Fontes Pereira de Melo. É este o modelo que vigorará

em 5 de outubro de 1910. Entre 1842-1910=68 anos de vigência mais os anteriores

períodos de vigência: 72 anos no total.

Entre 1910-1911 há um interregno constitucional. Em 1911 é elaborada a primeira

constituição republicana. Em mais curto espaço de tempo é produzida. Sistema

parlamentar de assembleia, PR eleito por sufrágio indireto, estrutura bicameral

parlamentar e poderes debilitados por parte do Presidente.

Será fortemente influenciada pela Constituição brasileira de 1901-:

Page 11: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

11

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

1) A fiscalização judicial das leis- ainda vigora nos termos primários do 204º (e

outros, como adiante se explicará) da CRP, derivado do 3º aditamento da

Constituição Federal Norte-Americana3;

2) Consagra o habeas corpus – contra os abusos judiciários/policiais, permitindo a

imediata libertação de indivíduos quando não haja suficiente sustentação fáctico-

jurídica para o cárcere dos mesmos;

3) Cláusula aberta- Art. 16º/1 CRP actual – princípio da não tipicidade dos direitos

fundamentais4.

Os governos sucedem-se dado à elevada instabilidade. Conduz a dois movimentos

políticos que procuram reescrever a história constitucional.

1º movimento- 1915- Ditadura de Pimenta de Castro;

2º movimento- leva à renúncia de Manuel de Arrigada. Movimento de 1917 (5 de

dezembro) liderado por Sidónio Pais- conduz à instauração de um sistema

presidencialista. A propósito da lei eleitoral para o senado o Presidente resolve rever a

constituição. É assassinado, repõe-se a constituição de 1911, mas por breve tempo pois

em 1926 haverá um movimento militar. Vem por termo à primeira república e cria o maior

interregno constitucional- 1926- 1933-período da ditadura militar. É este movimento que

vai influenciar a feitura da constituição de 1933- consagra-se a ideia de que o PR deverá

ser militar- entre Bernardino machado e Mário Soares 1926-1986. É em 1933 que o PR

chama Salazar para Ministro das Finanças- com direito de veto de todas as despesas do

governo- ainda em vigor. Quem legisla na constituição de 1933 é o órgão legislativo.

Consagra um presidencialismo bicéfalo ou um sistema de chanceler- o poder estava no

PR mas quem o exercia era um chanceler- PCM livremente nomeado pelo PR- o PCM só

era responsável pelo PR- não havia responsabilidade política do governo. Surge um

parlamento bicameral com o objetivo de se instaurar um regime corporativo. Até 1959

(General Humberto Delgado), o PR era eleito diretamente, sendo apresentado e escolhido

o PR do regime. 2 PCM’s – presidentes do conselho de ministros- Salazar e o 1968-1974

-Professor Marcelo Caetano. Na prática o PR era uma marioneta porque quem escolhia

era o PCM.

Entre 1974-1976 novo interregno – vigora a constituição de 1933 em todo aquilo que não

afetasse os pressupostos da revolução.

Aula n.º 3 – 27/02/17

Houve dois pontos face aos quais PO não teve oportunidade de abordar.

3 Por força do Precedente MARBURY v. MADISON (1803), sendo a decisão escrita pelo Chief Justice

MARSHALL. 4 JOÃO ABREU DE CAMPOS, Da Constitucionalização da Desobediência Civil, 2017, pp 32-33. Origem

histórica do princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais plasmada no Bill of Rights de 1791, 8º

aditamento.

Page 12: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

12

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Primeiro, 4ª vigência da CC (de 1826) – efémera – monarquia do Porto- fevereiro de

1919 – última vigência da CC.

Outro ponto, tem que ver com a génese da CRP de 1976. A constituição de 1933 esteve

provisoriamente em vigor entre 1974-1976 – era flexível a sua aplicação e era afastada

pela junta de salvação e pelos decretos do conselho de revolução. No período transitório,

a estrutura política portuguesa obedecia ao seguinte:

1) Em 25 de Abril de 75 foi eleita a Assembleia Constituinte, com a função de

elaborar a constituição da república, tem diante de si dois conflitos estruturais:

(i) Entre a legitimidade revolucionária e a legitimidade democrática – a força das

armas de quem desencadeou o golpe – e a legitimidade de uma assembleia

eleita democraticamente pelo povo;

(ii) Opõe-se a legitimidade militar à legitimidade dos partidos políticos, é réplica

do primeiro conflito.

Esta tensão é patente nesses dois anos. Nesse período houve 2 PR, 6 gov provisórios,

corresponde a um período de uma primeira moderação – primeiro governo, liderado pelo

professor Palma Carlos, sucedem depois 4 governos provirsórios mais radicais, liderados

por Vasco Gonçalves e o úlitmo pelo Almirante Pinheiro de Azevedo. Durante este

período, também o poder constituinte estava dividido – havia um poder constituinte que

estava a elaborar a CRP e que resultava de eleições democráticas e existia um poder

constituinte também presente nas mãos dos militares – na junta de salvação e no conselho

de revolução. A data mais radical da revolução é a partir de 11 de março de 1975 – os

militares impuseram o modelo que haveria de ser aplicado em 1976, fizeram-no através

de:

a) Do MFA;

b) Dos partidos políticos.

Este compromisso foi condição para a realização das eleições de 1975 – ou aceitam isto

e há eleições ou não. A primeira condicionante imposta pelos militares era a existência

das eleições mas tbm as forças armadas condicionaram os termos da própria constituição

– impuseram a existência de um órgão militar – conselho da revolução e exigiram que o

primeiro PR eleito fosse militar. Surge neste contexto o verão quente de 1975 – é o

período das nacionalizações, das ocupações das propriedades, período da colectivização

– dá -se um contragolpe que vem paralisar a vertente radical da revolução, vai obrigar as

forças armadas a celebrar um segundo acordo entre o MFA e os partidos, que vem

suavizar a natureza radical e excessivamente militar do primeiro acordo – os militares

aceitam que o PR passe a ser eleito por sufrágio direto – fica tacitamente acordado que os

candidatos sejam militares, embora sejam eleitos por sufrágio direto. É este o

compromisso que leva a que o novo presidente civil só surja com o Presidente MÁRIO

SOARES em 1986. Esta CRP teve até hoje 7 revisões.

O que pode caracterizar estas revisões:

Page 13: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

13

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(I) Domina a revisão de 1982 e de 1989 – desmarxização da CRP – tirar o cunho

comunista da CRP no plano económico e político – em 1982 é extinto o

conselho de revolução e é criado o TC e o Conselho de Estado,

(II) A união europeia e a construção da Europa animam as restantes revisões

constitucionais.

A grande questão que se coloca hoje é saber se a constituição materialmente vigente é a

1976 ou se há só uma vigência formal. A resposta é o estudo da identidade constitucional.

IDENTIDADE AXIOLÓGICA DA CRP

Para analisar a identidade da constituição importa analisar a organização e estruturação

axiológica da constituição – que valores estão na base da CRP?

Aspetos prévios: todas as constituições expressam uma ordem de valores, todas têm uma

determinada ordem axiológica, esta unidade de um sistema de valores traduz a identidade

axiológica dessa mesma constituição. Essa identidade na CRP pode resumir-se a:

1) Uma ideia de Direito – a CRP retrata um Estado de Direitos Humanos;

2) A CRP tem um projeto político – que tem determinados fins, que se resumem na

expressão «Estado de Direito Democrático»;

3) A inserção externa do Estado – como se relaciona Portugal com os outros Estados

no plano internacional – Portugal é um estado soberano com uma soberania com

2 limites:

(i) Internacionalizada;

(ii) Europeizada.

4) Como se organiza internamente o poder? Portugal é um estado unitário

descentralizado parcialmente regional.

Impõe-se o facto de existir um dever positivo de implementar esta ordem de valores

expressa. Impõe-se um dever negativo de não incumprir com as disposições normativas

constitucionais. Coloca-se também em causa um princípio de interpretação do direito

ordinário em conformação com a constituição – dever-se-á sempre preterir e preferir o

sentido normativo conforme com a Constituição – máxima efectividade jurídico-

constitucional.

A Assembleia Constituinte era muito ideologicamente devida – resulta no facto das

normas da CRP serem compromissórias que pode originar normas conflituantes, leva aos

seguintes efeitos:

1) Leva a poder interpretar-se algo e o seu contrário – IVG, casamento homossexual,

eutanásia – diferentes teses de conflito e antagónicas;

2) Como se resolvem os conflitos constitucionais, dois critérios de resolução:

Page 14: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

14

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(i) Os valores em conflito e colisão têm todos o mesmo nível hierárquico ou há

valores que têm superioridade perante os demais – dignidade, vida, liberdade

de associação – hierarquia diferente de direitos fundamentais – os valores que

têm prevalência e superioridade têm primado sobre os valores de nível

inferior.

(ii) Caso tenham a mesma paridade hierárquica, resolve-se através do método da

ponderação – balancear os interesses e os valores em que estão e analisar qual

é que casuisticamente deverá ceder, com base na ideia de que um não pode

ocupar a totalidade do espaço, retirando ao outro sequer o mínimo da

operatividade – porque ambos têm igual valia, um não pode suprimir em

absoluto o outro – principio da máxima efetividade – ex: reserva da vida

privada & liberdade de informação – mesmo os valores que são prevalecentes

podem justificar posições jurídicas perfeitamente antagónicas – mesmo o

direito à vida ( que é inviolável) é derrogável por legítima defesa, por exemplo

– a OJ faz uma ponderação;

(iii) Quem tem a última palavra na revelação dos valores constitucionais é o TC.

Importa ainda perceber a evolução axiológica da CRP desde 76 até aos dias de hoje.

Gerou em algumas áreas costume contra constitucionem, gerou também projeção

temporal constitucional – leva a que o Professor PO considere que existe uma nova

identidade constitucional – houve uma transição constitucional – porque existe uma

grande mudança material – já que pouco tem que ver com o texto original pois:

1) Depereceu a vertente marxista;

2) O princípio da soberania em 2017 não tem nada que ver com a de 1976 - porque

EU;

3) Modificação do sistema de governo;

4) A constituição é um organismo vivo – evolucionismo v originalismo5.

ORDEM AXIOLÓGICA DA CONSTITUIÇÃO -IDEIAS BASE:

1) Estado de Direitos Humanos – um estado ao serviço da pessoa humana, logo

definido no Art. 1º que tem como propósito a criação de uma sociedade mais justa,

mais igualitária e mais fraterna – liberdade, justiça e solidariedade;

2) Poder político humano e democrático – Estado de Direitos fundamentais – é

sempre incompleto por natureza – precisa de aperfeiçoamento;

3) Baseado na dignidade da pessoa humana – tradição judaico-cristão, do

existencialismo, de Kant, Pico della Mirandola – todas refletidas no modelo

constitucional – é um princípio jurídico fundamental integrante do ius cogens – é

uma obrigação universal;

4) Garantia e defesa da cultura da vida – será Portugal um EDH perfeito? Não. Há

um desfasamento entre a CRP e o direito ordinário;

5 RUTH BADER GINSBURG v ANTONIN SCALIA, USA Supreme Court, in JOÃO ABREU DE

CAMPOS, Da Constitucionalização da Desobediência Civil, 2017, pp 54 e 55.

Page 15: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

15

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

5) O facto de um TC dizer que não é algo inconstitucional não significa que a decisão

não seja errada;

6) Estado de direito democrático.

Aula de 06 de março

Começamos com a identidade axiológica da constituição – quais os valores que estão na

base da constituição? Primeiro: EDH – Portugal é um estado de direitos humanos

formalmente perfeito, com um desiderato material no que concerne à proteção dos direitos

fundamentais intrínsecos à pessoa humana e à sua dignidade. Também Portugal é um

Estado de direito democrático.

Segundo – Art. 2º CRP – Estado de direito democrático – é um estado subordinado ao

direito- é um Estado de Direito: material – há uma juridicidade intrínseca, não apenas ao

direito que ele cria mas também a um direito que o heterovincula. É também um estado

de direito social. É tbm um estado de direitos humanos. Inicialmente, Estado de direito

democrático só existia no preâmbulo – a RC de 1982 colocou-a no articulado da CRP –

doravante foi uma expressão que começa a ser emprega em 1966 por um professor de

coimbra, referente à CP de 1933.

Trata-se também de uma expressão que designa a relação soberana com outros estados e

a susceptível subordinação.

Quais as bases do EDD à luz do Art. 2º da CRP?

a) Soberania popular;

b) Pluralismo – de expressão e de organização política;

c) Respeito e a garantia dos direitos fundamentais – é um EDH;

d) Separação e a interdependência dos poderes – o princípio da separação de poderes.

Quais os instrumentos para alcançar o EDD?

1) Realização da democracia económica, social e cultural;

2) O aprofundamento da democracia participativa.

Isto resulta que o EDD se desdobra em três subprincípios:

(i) Pluralismo;

(ii) Juridicidade;

(iii) Bem-estar.

(i) Pluralismo – o modelo de democracia vigente na CRP alicerça-se na

tolerância, na igualdade de oportunidades, consenso entre os intervenientes no

procedimento decisório – significa que podemos não estar de acordo com as

diversas manifestações ideológicas mas estamos de acordo e existirá consenso

quanto às regras do jogo – a tolerância, a igualdade de oportunidades –

eleições periódicas por sufrágio universal e simultaneamente mecanismos

complementares de democracia – e quais os modelos dessa democracia?:

Page 16: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

16

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(a) Democracia com base em vontade popular, vontade da maioria – ROUSSEAU –

poder executivo é o poder superior – está associado à concepção positivista ou

legalista – Art. 10º/1 da CRP – decisões tomadas por referenda popular – está no

domínio também pelo respeito dos direitos fundamentais;

(b) Respeito pelos partidos políticos – são eles os protagonistas do exercício político.

- a lei é a expressão da vontade geral – os tribunais aplicam a lei e ao aplica-la expressam

a vontade de toda a colectividade – é a base do positivismo. Da Lei podem-se extrair dois

princípios:

(a) principio da reserva de lei – há matérias que só podem ser objeto de disciplina pelo

poder legislativo – estão excluídas da intervenção da administração e do poder especial –

reserva absoluta ou relativa – competências da AR;

(b) princípio da preferência de lei – no conflito entre a lei e outras fontes de direito, a

lei prevalece sempre sobre as outras fontes.

Limites ao pluralismo – há uma cultura dos direitos fundamentais que estão sempre ao

serviço da pessoa humana – a dignidade humana limita a própria vontade popular;

segundo limite – relativismo axiológico – há que haver respeito pelas diferentes ordens

de valores que podem ser vinculativas para todos, mas mesmo a ordem de valores

resultante da constituição não exclui um espaço de possível objecção de consciência (Art.

41º/6).

Recupera-se o pensamento de Hegel e do espírito do povo sobre a vontade nacional – por

oposição à vontade popular – está ligado à escola histórica do direito que referencia o

costume com carácter fundamental, como uma dimensão inorgânica de vontade popular

e de pluralismo, tem por base o costume, tem assim esta dimensão. O costume será fonte

de direito ordinário e fonte de direito constitucional – haverá um poder constituinte

informal, que escapa aos órgãos do estado, à lei, etc. tem fundamentos na OJC e tem

explicações. O costume, enquanto tradição popular, expressa a vontade geral do povo ou

da nação o que legitima o respeito constituinte e jurídico pela tradição. Há assim uma

democracia orgânica baseada na vontade popular, e uma democracia inorgânica baseada

na vontade nacional. O critério da maioria não é um critério de maioria – há assuntos

excluídos de referenda popular – carecem de legitimidade vinculativa por via de uma

ordem jurídica suprapositiva.

(ii) JURIDICIDADE – traduz a noção de PAULO OTERO da consciência

jurídica geral – é revelada pelos juristas – podem revelar a ideia do direito

justo, direito conforme a dignidade da pessoa humana – é consciência da

comunidade sobre a jurisdição, sobre o direito, sobre o justo e o injusto,

traduzindo a suscetível obediência ou desobediência à Lei - é um núcleo

fundamental do direito e da constituição – a consciência jurídica universal. O

direito positivo goza de uma presunção de justiça? O direito escrito é justo?

Em princípio sim, mas admite prova em contrário. Naturalmente que este

coloca a velha questão – o que fazer perante Leis inválidas?

Page 17: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

17

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Primeiro importa perceber se todo o direito escrito goza de presunção de justiça. Goza.

Em princípio todo o direito positivo será emanado formalmente nos termos da

Constituição e da Lei procedimental (quando é caso disso) e seguirá a Consciência

Jurídica Geral pelo que supostamente será justo – mas pode não sê-lo e revelar-se

inválido – suscita-se a possível declaração de inconstitucionalidade, usando-se os

mecanismos constitucionais devidos. Ainda assim coloca-se a questão – deverá ou

não obedecer-se à Lei inválida, que não segue a Consciência Jurídica Geral e é

injusta?

A constituição admite que nem sempre temos o dever de obediência a direito inválido:

(a) Impostos – 103º - a criação de impostos com efeitos retroativos rasga a presunção

e princípio de confiança – há a expectativa do pagamento de um determinado

imposto no início e tal muda – há exclusão da ilicitude da desobediência no

cumprimento da prestação exigida pelo fisco pois verifica-se uma

inconstitucionalidade material nos termos do número 3 do Art. 103º;

(b) Direito de resistência – Art- 21º;

(c) Objecção de consciência, 41º/6;

(d) Desobediência civil – pela via do Art. 16º/1 - cláusula aberta ou principio da não

tipicidade dos direitos fundamentais, pela via da inclusão do direito suprapositivo,

oriundo do ius cogens e da Consciência jurídica geral – nos termos do Art. 8º/16

Como actua a administração relativamente a direito inválido?

Desobedece quando se trata de violação da consciência jurídica geral – o que traduz algo

bastante subjetivo, sendo violada a CJG sendo a consequência:

a) Não há dever de obediência a direito que coloca em causa DF – 18º/1,

aplicabilidade directa;

b) Uma lei não promulgada padece de inexistência jurídica, se a promulgação não é

referendada, também não o dever de aplicar a Lei – Arts. 137º e 140º;

c) O contributo do Art. 270º e a exigência da responsabilidade da administração nos

termos do Art. 271º [exclusão da responsabilidade e não dever como citado em

a)].

Corolários da juridicidade – Como condição sine qua non da juridicidade, existem

diversos aspetos que determinam as características básicas da CJG que determinam a

convicção de juridicidade – obrigatoriedade por reconhecimento de legitimidade

impositiva formal e material:

a) reversibilidade das decisões – ZAGREBELSKY – em democracia, num EDD é

possível reverter todas as decisões democraticamente nos termos da constituição;

Page 18: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

18

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

b) proteção da confiança e segurança jurídica que limitam a vontade da maioria – a

presunção de segurança corresponde a não rogar as legítimas expectativas jurídicas que

se suscitem em dado momento inicio;

c) Art. 266º/2 – subordinação aos princípios intuídos hermenêuticamente desse artigo –

a vinculação da AP no exercício e prossecução dos DF – havendo excepção de ilicitude

quando esses são violados – é derrogado ou preterido o Art. 18º/1 – que PAULO OTERO

designa por “Aplicabilidade directa”;

d) tutela jurisdicional efetiva – tem sempre de existir um meio de acesso aos tribunais –

são o garante do respeito da administração pela Lei – pq podem anular ou declarar nulos

os atos da administração, realizam uma ação fiscalizadora da administração – a

fiscalização do poder político pelo sistema judicial independente e autónomo – Arts 202º

- 208º;

(iii) Bem-estar – justiça social, solidariedade social – existe uma cláusula de estado

social ou de estado de bem estar, a raiz ultima está na dignidade da pessoa

humana – começa com a questão de abel e caim, evolui para o estado robin

dos bosques – denote-se até a exigência do Art. 18º/3 da CRP que impede a

diminuição da extensão aplicativa dos DLG. Quem são os destinatários:

1) Legislador;

2) Administração – constituição refém da AP;

3) Tribunais.

Existe também uma proibição de retrocesso arbitrário do estado de bem- estar.

Como se garante o EDD?

1) Fiscalização da constitucionalidade e da legalidade – concreta (280º), abstrata

(281º) efeitos- 282º;

2) Controlo pelos tribunais do agir da administração – existência de uma tutela geral

de juridicidade nos termos do cumprimento do Art. 266º/2;

3) Responsabilidade civil dos poderes públicos – quem causa uma lesão de natureza

patrimonial ou pessoal deve indemnizar;

4) Responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos – o titular do cargo

político não está acima da Lei – se um político comete um crime é julgado pelo

mesmo;

5) Mecanismos de exceção e autotutela privada – pressupõe que não é útil o acesso

à autoridade pública: direito de resistência ou a legítima defesa (regulamentação

da excepção); desobediência civil – consultar ABREU DE CAMPOS, Da

Constitucionalização da Desobediência Civil, 2017.

ANOTAÇÕES AO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO

Page 19: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

19

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Integra o estudo de Direito Constitucional II, o estudo do Estado de Direito democrático

como segunda característica do Estado Português (partindo, primariamente do facto de

que Portugal é um Estado de Direitos Humanos normativamente perfeito).

Importa assim perceber o conceito e origem do Estado de Direito democrático. PAULO

OTERO refere em “Direito Constitucional Português – Volume 1” que Estado de Direito

democrático corresponde a um Estado «dotado de uma componente política democrática,

pois visa implementar uma democracia política, económica, social e cultura, tendo como

objectivo último nos termos do Art. 1º da CRP, a construção da sociedade” nesse artigo

idealizada sob a forma de uma cláusula programática não exequível por si mesma7.

Antes da Revisão Constitucional de 1982, o princípio do Estado de Direito democrático

só integrava o preâmbulo, tendo sido com essa revisão articulado o EDD no ordenamento

constitucional formal português, nos termos do Art. 2º da CRP actual. Um Estado de

Direito Democrático, pressupõe assim a existência de, primeiro, um estado de direito, um

estado que pode estar auto ou heterovinculado (ou ambos) – Portugal é um Estado de

Direito material pois está vinculado pelo Direito que ele próprio cria, como expressão do

seu poder constituinte, mas também está vinculado pela via da integração externa de

imperatividade suprapositiva heterovinculativa de base autovinculativa, traduzindo-se

num perfeito Estado de Direito material – o poder político, as instituições do Estado que

permitem a prossecução dos seus fins, estão vinculadas à normatização do Direito

português e do ius cogens e ainda ius commune constitucionem (traduzindo a base do

direito comunitário). O Art. 2º exige que Portugal seja:

a) «República… baseada na soberania popular» - traduz o entendimento que a

exegese de um Estado de Direito democrático resulta na vontade do povo, na

soberania popular, da decisão referendável e permeável à opinião pública e à

escolha dos cidadãos do Estado, com uma particular ressalva – jamais podem ser

tomadas decisões por soberania popular que conflituem com a dignidade da

pessoa humana, que assume prevalência sobre todos os demais princípios

constitucionais;

b) «no pluralismo de expresso e organização política democráticas» - traduzindo a

livre participação dos cidadãos, revelando a natureza aberta, inclusiva e

eventualmente dissidente da República portuguesa, enquanto condição sine qua

non para a consolidação de um Estado de Direito democrático – a diversidade e o

pluralismo de opiniões, etc;

c) «no respeito e na garantia de efectivação dos Direitos e liberdades fundamentais»

- enquanto Estado de Direito democrático, a limitação impressa ao poder político

passa pelo respeito absoluto pelos Direitos fundamentais, a maior parte deles de

carácter suprapositivo, intelegível e oriundo pela via do Ius Cogens e integração

nos termos do Art. 16º/1 pela exigência do Art. 8º/1 – traduzindo o pensamento

de HOBBES, PAINE, STUART MILL, entre outros – sobre a existência de

direitos naturais ou sagrados, inerentes à condição humana, que devem sempre ser

7 Recomenda-se a consulta dos Apontamentos e Anotações de Direito Constitucional I do mesmo autor.

Page 20: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

20

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

respeitados pelo Estado e que podem ser simultaneamente limite e fundamento do

Estado;

d) «na separação e interdependência de poderes» - seguindo a matriz de

MONTESQUIEU e propendo os “checks and balances” ou freios e contrapesos,

como forma de garantir o cumprimento dos DLG e simultaneamente impedir

abusos da ação governativa, concretizar a exigência normativa do paradigma

jurídico e incluir a participação democrática cívica;

e) «aprofundamento da democracia participativa» - faz parte do EDD a participação,

pela via quer da soberania popular – voto, referendo- quer pela via partidária, sem

prejuízo do Art. 108º(“o poder político pertence ao povo e é exercido nos termos

da Constituição”) mas tendo por base o Art. 114º.

Do ponto de vista dogmático o Art. 2º permite intuir 3 aspetos:

1) O pluralismo;

2) A juridicidade;

3) O bem-estar.

Pluralismo

É expressão e fonte de uma sociedade aberta, heterogénea de interesses e tolerante às

diferenças. Pressupõe o debate democrático, a participação, entre outros aspetos. O

pluralismo pode traduzir-se em dois modelos distintos:

a) Um modelo de democracia orgânica, baseada na maioria do povo (soberania

popular segundo ROUSSEAU) – resulta de processos formais previstos nas

normas constitucionais (Art. 10º - sufrágio, referendo e demais figuras inclusivas

da participação democrática) – vontade do povo;

b) Um modelo de democracia e pluralismo inorgânico, se quisermos, informal,

traduzido na vontade da nação, pela via da identificação cultural ou patriótica –

Art. 78º/2, alíena c).

Modelo da democracia orgânica- vontade do povo

Traduz-se num modelo de pluralismo formal, resultante de uma característica

fundamental do EDD traduzindo-se em 4 áreas de projeção:

(i) o respeito e a garantia dos direitos fundamentais;

(ii) pluralismo político – a intervenção dos partidos políticos – o direito de

oposição mas também a figura do sufrágio e do referendo – a exigência de um

multipartidarismo para uma melhor e maior representação e a questão da

representabilidade associada ao processo de escolha – a variável dos sistemas

eleitorais;

(iii) o nível organizativo do poder político – cheks and balances – a separação de

poder como forma de proteção de (i) e também de intervenção cívica na

procidementalização do regime;

Page 21: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

21

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(iv) democracia participativa.

(i) RESPEITO E GARANTIA DOS DLG – DIREITOS FUNDAMENTAIS

Pressupõe o pluralismo o respeito pelos direitos intrínsecos à pessoa humana, baseados e

fundados na sua dignidade, assumindo-se como vital a sua proteção para a cabal

existência do EDD – note-se como fundamental o Art. 8º/1, 16º/1/2; 17º; 18º, entre outros.

(ii) PLURALISMO POLÍTICO – O ESTADO DE PARTIDOS E A

LEGITIMIDADE POLÍTICO-DEMOCRÁTICA DA DECISÃO

POLÍTICA

A exigência de um regime plural pressupõe um sistema político aberto, que seja

garante da participação democrática dos cidadãos e também que seja salvaguarda de

um processo equilibrado de decisão política ou administrativa, por forma a ser

possível garantir o equilíbrio do conjunto dogmático geral.

Como exigências do pluralismo democrático encontramos:

a) A existência de um sistema político multipartidário – traduzindo assim a ideia de

que os partidos são os “profissionais políticos” na medida em que são entidades

privadas de cidadãos, escolhidas livremente por cidadãos, para prosseguirem

atividades políticas – cumprindo-se cabalmente o Art. 108º (o pp reside no povo)

e o Art. 114º (partidos políticos e direito de oposição);

b) Pluralismo na representação política – é condição sine qua non que exista uma

representação plural, isto é, que os sistemas de escolha dos representantes possam

traduzir-se em sistemas eleitorais que legitimam a ação governativa e permitem a

identificação do quadro dogmático geral possibilitando a inclusão do carácter

democrático da soberania popular;

c) O reconhecimento do direito de oposição aos partidos – exigência formal do Art.

114º - a oposição democrática ao governo, sob forma de fiscalização, os

mecanismos intraorgânicos e interorgânicos, etc.

Ora, tanto o Art. 3º como o 108º da CRP estipulam que reside no povo a soberania e a

titularidade do poder – assim terá que existir uma legitimidade político-democrática (à

efeméride eleitoral proporcional plurinominal no caso português) – assim têm que existir

critérios para a decisão política:

(i) Princípio da preferência da Lei – a legitimidade de uma decisão política surge,

em primeira instância, pelo cumprimento material e formal da Lei, fonte imediata

e principal de direito no OJP8

(ii) O princípio da reserva da Lei – a exclusão da intervenção da administração ou do

poder judicial na aplicação da Lei – casos de domínio restrito do legislador (que

8 Teoria escalonada de KELSEN.

Page 22: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

22

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

têm uma legitimidade democrática maior pois foi escolhido pelo povo, a quem

pertence a soberania e a titularidade do pp);

(iii) A responsabilidade política, civil, criminal do legislador – a responsabilidade de

governantes para com governados.

(iv) NÍVEL ORGANIZITIVO DO PODER POLÍTICO – PLURALISMO NA

ORGANIZAÇÃO E ATUAÇÃO DO PP

A organização do PP encontra-se associada à limitação e separação de poderes- segundo

a doutrina de MONTESQUEU. Pressupõe a “liberdade de estatuir” bem como a liberdade

de impedir” – a separação de poderes encontra-se associada ao Art. 111º/1 da CRP

O pluralismo atinente à participação cívica

É condição básica do pluralismo a participação dos cidadãos no processo democrático –

evidencia-se o direito de petição, de manifestação, o sufrágio, a participação em

referendos (Art. 3º, Art. 108º).

ESTADO DE SOBERANIA INTERNACIONALIZADA E EUROPEIZADA

Tendo em conta o estudo da identidade axiológica da constituição, importa perceber se o

conceito de soberania normatizado em 1976 na constituição original tem ainda hoje algum

sentido. Com efeito a resposta é, evidentemente negativa. As revisões constitucionais têm

impresso na CRP um caráter muito mais lato e aberto, quase erodido de soberania, que se

prendem com questões da integração comunitária na EU e na participação diplomática

portuguesa na Organização das Nações Unidas (ONU). Nos termos do Art. 1º Portugal é

uma República (fica definido o regime de Estado – atinente ao funcionamento lato do

poder político e a sua escolha) soberana – ressalvando a soberania da nação antes mesmo

do conceito da dignidade da pessoa humana. O conceito inicial de soberania previsto no

Art. 1º segue uma doutrina bodiniana, optando pela distinção entre soberania no plano

externo e soberania no plano interno – Portugal seria um Estado de Direito Material, tendo

capacidade para se autodeterminar e autovincular, não obstando o seguimento dos

preceitos genéricos do ius cogens mas sendo obnubilado à época o fenómeno da

integração comunitária, sendo esta excluída da determinação da soberania da república

portuguesa.

Assim a Constituição vigente vem determinar e definir o conceito de soberania enquanto

“circunstância de legalidade”9, nos termos do Art. 3º da CRP. Daí decorre:

a) Dentro do Estado existe uma única soberania – pertencente ao Estado e que reside

no povo (3º/1, 3ª norma);

9 Expressão do autor.

Page 23: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

23

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

b) A soberania é una e indivisível – deriva da exigência constitucional de Portugal

ser um Estado Unitário, excluindo-se a existência de várias partes separadas do

poder soberano do Estado.

A constituição cria 4 centros de expressão da vontade soberana do Estado – os designados

órgãos de soberania: PR, Gov, AR e Tribunais. A una e indivisibilidade da soberania do

Estado não inviabiliza a separação dos poderes no interior do próprio estado, exigência

constitucional decorrente do Art. 111º. A indivisibilidade e unicidade da soberania

simplesmente implica a impossível federalização do Estado Português.

Naturalmente que a independência nacional e a inerente afirmação da República

Portuguesa no tráfego internacional são garante de soberania. Portugal é um Estado

soberano logo é um Estado independente. A associação entre a soberania (una e

indivisível, Cfr. Art. 3º CRP) e independência do Estado [Cfr. Art. 9º, a)] implica:

(i) A criação de condições sociais, económicas e culturais (não se descore o papel

da cultura na afirmação da independência nacional) para sustentar a

independência, subsumível do contexto dogmático geral do paradigma

constitucional;

(ii) A independência constitui o primeiro limite de revisão constitucional, nos

termos da alínea a) do Art. 288º da CRP;

(iii) Também no domínio das relações internacionais, Cfr. Art. 7º/1 a

independência é sinónimo de soberania e garante de relações autonomizadas

com outros povos [por exemplo Art. 80º/g)].

Também atinente à soberania geral do Estado é possível reconhecer uma

pluridimensionalidade constitucional da soberania – quais as manifestações axiológicas-

constitucionais da soberania da República Portuguesa:

a) Primeiro, uma soberania política – domínio da reserva fundamental do exercício

de autodeterminação política e vinculativa do Estado10 - é um exercício do poder

constituinte, na elaboração e modificação do seu texto constitucional, definindo

os fins a que se propõe, a ordem axiológica que a determina e os meios admissíveis

para o exercício do poder político. A soberania política também é proveniente da

designação dos titulares dos órgãos de soberania e da determinação do seu

funcionamento. Também a vinculação internacional, oriunda da condição do ius

tractum se enquadra na sua circunstância;

b) Soberania territorial – o território do Estado é exercício da sua soberania – um

Estado é definido pelo exercício vinculativo, coercivo ou imperativo do direito

criado por um poder político soberano num determinado território11. O Art. 5º

dispõe sobre o território português remetendo para a definição das fronteiras nos

termos “historicamente definidos” – Tratado de Alcanizes, 1297). O Estado (idem,

10 Expressão do autor. 11 Recomenda-se a consulta do Curso de Direito Constitucional do Professor Doutor CARLOS BLANCO

DE MORAIS.

Page 24: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

24

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

poder político expresso através dos órgãos de soberania) dispõe a sua ordem

jurídica normativa no território que lhe está atribuído;

c) Soberania populacional – ao Estado pertence a reserva exclusiva de quem são os

seus nacionais: domínio da Lei da nacionalidade, para em termos processuais, no

domínio administrativo, civil e criminal ser fixada a jurisdição aplicada a aliens12,

ou seja, estrangeiros ou apátridas. Também é exercício de soberania a

suscetibilidade de expulsão dessas pessoas de território nacional, nos termos da

Lei13;

d) Soberania decisória- exercício do poder constituinte do Estado – a independência

dos órgãos constitucionais (normativamente prevista na CRP – na prática verifica-

se uma erosão do domínio de reserva dos Estados) no exercício da decisão do

poder politico. Assim reconhece-se uma soberania decisória em domínios

distintos – soberania legislativa, administrativa, judicial e financeira (na qual se

tem verificado maior erosão fruto da conjugação FMI, BCE, CE).

Por motivos do projecto europeu, nos termos do Art. 7º/5/6/7, Art. 8º, Art. 16º/1/2(oriundo

do aditamento n.º 14º CFNA) a dita e normatizada soberania una e indivisível, tem vindo

a sofrer uma grande erosão – há uma devolução político-legislativa para Bruxelas e New

York.

Há assim diversos fatores de fragmentação internacional da soberania portuguesa – existe

uma soberania internacionalizada, pela força da adstrição, nos termos do 8º/1 ao Ius

Cogens, com a vinculação à DUDH, com a UN Chartter, etc. A soberania

internacionalizada deve-se sobretudo à imperatividade suprapositiva do Ius Cogens para

todos os Estados, tendo em conta que o objeto é comum: a pessoa humana e a proteção

das suas pretensões fundamentais contra o Estado e sociedade. Coloca-se o problema:

qual a prevalência hierárquica da constituição formal face ao Ius Cogens – o Professor

Doutor JORGE MIRANDA dá a resposta da Constituição instrumental como produto das

duas – a constituição formal deverá integrar as disposições do Ius Cogens salvo restrições

aos DLG14. Segundo PAULO OTERO, as normas suprapositivas representam a designada

“Consciência Jurídica Geral” bem como representam os princípios estruturantes de

qualquer Estado de Direitos Humanos e Estado de Direito Democrático.

A europeização determina-se como uma heterodesconstitucionalização de base

autovinculativa15

Daqui decorrem três preceitos fundamentais:

1) Se as normas do Ius Cogens têm carácter imperativo para todos os Estados, então

não podem ser derrogadas

12 Expressão recorrente na doutrina norte-americana. 13 Indicatório de uma circunstância procedimentalmente dependente. 14 Posição do Mestre IVO BARROSO, in Programa de Direito Constitucional II – aulas práticas. 15 O Estado escolhe ficar adstrito às normas da EU por ter aderido ao projeto comunitário – determinado a

erosão da reserva constitucional.

Page 25: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

25

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Aula de 07 de Março de 2017

Qual a importância do estudo do EDH e do EDH? Tem que ver com a análise da forma

de Estado de Portugal enquanto uma soberania europeizada e internacionalizada –

importa perceber, como elemento da identidade axiológica da constituição, analisando-se

a forma do estado (relação e exercício da comunidade política pelo poder – Estado

Unitário ou Estado Composto, teorizando-se também a existência de Estados Mistos16).

Assim, a análise da soberania afigura-se fundamental para perceber a identidade, isto é

os caracteres distintivos da CRP em relação a demais textos constitucionais – soberania,

segundo JELLINECK corresponde à “suscetibilidade de autodeterminação e de

autovinculação” (como exposto no Curso de Direito Constitucional, Vol 2, JORGE

MIRANDA), contribuindo JEAN BODIN com a distinção de soberanias no plano interno

e no plano externo. Portugal é uma república soberana como dispõe o Art. 1º da CRP – a

soberania portuguesa é a sua independência e capacidade de autodeterminação – a forma

como a comunidade política exerce a soberania no plano das pretensões internas ou

externas, traduz uma particularidade axiológica da Constituição – é valor basilar da CRP

a disposição unitária da soberania, una e indivisível do Estado Português – daí a existência

do Estado unitário – nos termos do Art. 5º.

Esta ideia de soberania é tramitada na independência que resulta imediatamente do Art 1º

da CRP – tbm a soberania e independência do estado constitui uma cláusula pétrea ou

limite material de revisão constitucional nos termos do Art. 288º. A fixação da soberania

de Portugal associa-se à forma de estado unitária – jamais poderemos ser estado federal

pelas tramitações constitucionais da soberania existente17.

Existe uma soberania pluridimensional, abrangendo diversos âmbitos e distintos objetos

e procedimentos:

a) Política – independência e soberania no plano externo – soberania institucional

formal, a identificação de Portugal enquanto um Estado soberano e independente;

b) Legislativa – soberania enquanto capacidade de determinação dos fins do Estado

(ARISTÓTELES v. LOCKE) – capacidade de autovinculação e de

autodeterminação pela independência política na feitura das Leis e da maioria das

vinculações normativas;

c) Administrativa – a AP portuguesa independentemente da administração europeia;

d) Judicial – exercício autónomo, independente da justiça, do poder jurisdicional, do

cumprimento das disposições jurídico-normativas – é um exercício de soberania,

como garante da separação de poderes a existência do ramo judicial.

16 Consulte-se os Apontamentos e Anotações de Direito Constitucional I, ABREU DE CAMPOS. 17 Segundo GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA a existência de limites materiais de revisão

constitucional existe para conservar o valor integrativo da Constituição. Os limites existem para preservar

o paradigma dogmático constitucional geral, garantindo a identidade, ainda que em desiderato, da

identidade axiológica da Lei e do Direito Fundamental do país – interpretação do autor JOÃO ABREU DE

CAMPOS, in Uma Teoria sobre os Conceitos Constitucionais, a publicar brevemente.

Page 26: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

26

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

É por este motivo que existem órgãos de soberania: PR, GOV, AR e TRIB – designam-

se de Órgãos de Soberania na medida em que são instituições previstas no texto

constitucional que consagram e são garante da defesa da soberania como princípio

primeiro da República Portuguesa (Art. 1º) e exercem as competências que lhe são

conferidas pela natureza da sua existência e consagração jurídico-constitucional.

Portugal assume uma circunstância de uma soberania internacionalizada porque:

a) Portugal é membro da ONU, estando adstrito à Carta das Nações Unidas, bem

como vinculado às resoluções do Conselho de Segurança e/ou da Assembleia

Geral que assume “força obrigatória geral aos Estados Membros” com exercícios

regulares de incumprimento;

b) Portugal reconhece a existência de ius cogens – 8º/1 – integração de direito

suprapositivo oriundo de entre várias fontes da “Declaração Universal dos

Direitos do Homem e do Cidadão”, etc;

c) O Estado Português estabelece relações diplomáticas com outros estados – existe

direito internacional convencional.

Quais as manifestações da europeização da soberania?

(i) Somos parte da EU por um ato de vontade, mas que faz com que a EU aplique

normas a Portugal independentemente da sua vontade – heterovinculação de

base autovinculativa – Portugal escolheu ficar adstrito apesar de não poder

controlar o que lhe é imposto pela EU – há uma erosão dos domínios

decisórios do Estado, expressão do seu poder constituinte enfraquecido;

(ii) Cláusula do empenhamento de Portugal na construção da EU – Art. 7º/5 – não

podemos sair sem uma RC – por outro lado no Art. 8º/4 consagra-se um

cheque em branco à EU – Em Portugal o direito da EU tem a força jurídica

que lhe seja dada pela EU – O direito da EU tem primado em Portugal não

pela força do direito português, mas pela intenção jurisdicional europeia – a

constituição passa esse cheque em branco – há uma devolução do poder

constituinte – na opinião do autor desta sebenta esta cláusula intuída do

conjunto dogmático, nomeadamente do produto do Art. 7º/5 e 8º/4 salvo a

disposição do Art. 18º/1, trata-se de um factor de grande erosão constitucional;

(iii) Transferência de poderes do Estado para EU – há casos em que Portugal não

tem poder de decidir e há casos em que fica subordinado à colaboração com a

EU – importa dizer que no Art. 7º e 8º há uma cláusula limite à transferência

de poderes para a EU e que limita ainda a influência da EU em Portugal – o

direito da EU vigora em Portugal se não lesar princípios fundamentais do EDD

(18º/1, Art. 17º);

(iv) Estado unitário descentralizado – o estado só tem um poder político que está

centralizado no estado e nos seus órgãos de soberania – há soberania una e

indivisível – Art. 3º/1 e Portugal é um Estado Unitário – Art. 5º - compete ao

Estado definir a competência de todas as outras entidades públicas –

competência residual pró-estado – esta unidade do estado determina que o

estado tem o monopólio da definição da competência alheia e própria com

Page 27: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

27

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

uma particularidade – tudo o que não é competência dos outros é competência

do Estado – competência residual a favor do estado.

Como se garante a soberania e a unidade do estado?

1) Só o estado tem poder constituinte formal – só o estado pode elaborar e mudar a CRP;

2) A unidade do estado é limite de revisão constitucional – 288º;

3) O estado tem órgãos de soberania para todo o território;

4) Prevalência do direito do Estado;

5) Fiscalização da constitucionalidade e da legalidade – os tribunais são do Estado;

6) O estado tem sempre mecanismos de fiscalização sobre todas as restantes entidades

públicas.

Quanto à descentralização – prevista no Art. 6º- tem três vertentes:

a) Autonomia regional – regiões autónomas;

b) Autonomia local – autarquias;

c) Descentralização da restante AP.

Traduz a ideia de pluralismo dentro da unidade do estado – unidade no pluralismo – o

Estado prossegue interesses que são gerais da colectividade originam três fenómenos:

(1) Reserva de poderes a favor do Estado – há matérias só os quais o Estado pode

decidir. Ex: competência residual do estado a favor dele próprio – competências

de soberania;

(2) Princípio da prevalência do direito do estado – o Estado porque tem a seu cargo

interesses de toda a coletividade determina que a sua vontade jurídica tenha

primado sobre a vontade jurídica de todas as restantes entidades públicas (salvo a

EU) – o Estado tem um trunfo que impera sobre as demais entidades públicas –

prevalência do direito do Estado – o direito prevalece porque o estado é o autor

do principal mecanismo político formal – A constituição – até o poder autónomo

e respetivos estatutos são emanados pelo estado;

(3) Princípio da supletividade do direito do estado – nos casos em que não há norma

proveniente de uma comunidade infra estadual trata de um caso omisso cuja a

integração é feita pelo Direito do Estado, nomeadamente constitucional. Se existe

uma declaração de inconstitucionalidade infra-constitucional ou procedimental

orgânica aplica-se o direito constitucional – o direito do estado, expressão do seu

poder geral constituinte – importa perceber que normas injutivas não estão

disponíveis pela correção do direito do estado e a suscetível supletividade

subsumível – consultar manual.

Terminámos assim o primeiro elemento do estudo de Direito Constitucional II – A

identidade da constituição.

Analisemos então a ESTRUTURA DA CONSTITUIÇÃO – II PARTE DO ESTUDO

DE DIREITO CONSTITUCIONAL II

Page 28: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

28

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

A génese da CRP é uma génese essencialmente compromissória – o documento formal é

aprovado em 1976, na assembleia constituinte que era composta por uma série de partidos

políticos – aliada à múltipla divergência política encontramos ainda um peso dos militares

muito grande que determina que o texto final seja compromissório – atinente a ideologias

e a orientações jurídicas. Também se considera que a CRP é compromissória na medida

em que as RC que têm vindo a ser impressas acabam por determinar um compromisso

com a circunstância inicial da Constituição formal.

Neste sentido, PAULO OTERO vem identificar diversos compromissos no texto

constitucional, apresentam-se de seguida os expostos no Direito Constitucional

Português, Vol I:

1) Compromissos genéticos – compromissos provenientes da mudança do texto

original em função das RC que têm vindo a ser impressas (até à data 7 revisões

constitucionais, 1982, 1989, 1992, 1999, 2004, 2005, ) – compromisso entre

militares e partidos políticos18 - o caso da extinção do conselho de revolução, o

caso do Primeiro Presidente da República

2) Compromissos normativos – existem diversas fontes de normatividade

constitucional – a pluralidade de fontes per si não determina a natureza

compromissória do conjunto constitucional – doravante a concorrência das

diversas fontes determina-a (por exemplo: saber se a natureza do ius cogens é

prevalecente sobre a da constituição formal portuguesa19;

3) Compromissos aplicativos – decorrentes da aplicação das normas constitucionais,

resultantes da necessidade de articulação prática entre diferentes valores, bens,

interesses que são titulares de tutela constitucional ainda que evidenciem

problemas no âmbito da aplicação (por exemplo: conflito de normas

constitucionais, dando azo a uma resolução jurisdicional);

4) Compromissos político-procedimentais – com o objectivo de se atingirem futuros

entendimentos políticos alargados na aprovação de certas leis ou na designação

de titulares de certos órgãos constitucionais, fixando-se regras procedimentais

para a revisão constitucional – a exigência da maioria qualificada.

18 Cfr. Direito Constitucional Português, Vol I, PAULO OTERO, pp 157- 160. 19 O autor da sebenta considera que todos os considerandos expostos tacita ou formal/normatizadamente

com valor de direito contingente – Ius Cogens – terão prevalência hierárquica sobre a constituição formal,

desde que não comprometam direitos, liberdades e garantias, reconhecidos pelo texto formal, no exercício

de reserva exclusiva de poder constituinte do Estado. Reproduz-se assim a teoria de construção das fontes

escalonada de KELSEN, de forma mitigada, no que é uma conceção anti-federalista a título da influência

jurídica europeia e soberanista, na proteção do primeiro título da Constituição da República Portuguesa,

não obstante, se colocarem duas questões:

1. Existe realmente ius cogens?

2. A existir, pode comprometer DLG consagradas na CRP?.

Conseguimos responder à 2ª – pode acontecer, não sendo usual a equação da possibilidade, mas nada o

impede, pelo facto da identidade fundamentalista de cada Estado ser diferente, em contracorrente com a

uniformização propalada pelo ius cogens.

Page 29: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

29

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

A análise da estrutura da constituição é fundamental para perceber e operar com a CRP

no exercício da ação jurídica- constitucional.

Primeiro – Analisemos a natureza compromissória da constituição, para percebermos a

fundamentação genésica das diferentes normas constitucionais, tal natureza

compromissória surge devido:

1) Compromisso histórico- genético;

2) Compromissos normativos;

3) Na aplicação;

4) Político- procedimental.

------------------------------- APONTAMENTOS DAS AULAS -------------------------------

Compromisso genético – entre militares e partidos políticos, entre diferentes partidos

políticos – que estiveram na génese da constituição e na feitura das RC;

Compromisso político partidário – suscetível conflitualidade de normas em função de

desideratos ideológicos dos partidos;

COMPROMISSOS NORMATIVOS INTRA CONSTITUCIONAIS

Sobre a questão da aplicação compromissória das normas, como características

intrínsecas da identidade axiológica do paradigma dogmático da Constituição. Existem

três mecanismos de aplicação das normas:

1) Casos de aplicação simultânea- uma não exclui a outra – conflito coexistencial

entre duas normas constitucionais – vida privada v. dever de informação;

2) Aplicação alternativa – há uma concorrência em que a solução é X ou Y e não X

e Y. Está em causa a decisão sobre uma matéria. Eutanásia – referendo ou Lei da

AR;

3) Aplicação sucessiva – a concorrência de normas é resolvida por uma aplicação

diferida do tempo. Ex. podemos exercer legítima defesa e direito de resistência se

em tempo útil não podermos recorrer a uma autoridade pública. A diferenciação

sucessiva temporal legitima a aplicação casuística e concatenada da legislação.

COMPROMISSOS NORMATIVOS INTER CONSTITUCIONAIS

1) Entre a constituição instrumental e o direito internacional ou direito da EU.

COMPROMISSOS NA APLICAÇÃO – Aplicação entre os órgãos competentes

COMPROMISSOS POLITICO - PROCEDIMENTAIS

Maioria de 2/3 – Leis ordinárias especiais, exigem compromisso;

Page 30: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

30

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Eleições dos juízes do TC ou do Provedor de Justiça

ANOTAÇÕES E APONTAMENTOS

7§ - CONSTITUIÇÃO ABERTA

Será de considerar a CRP uma constituição aberta? Evidentemente que sim por duas

ordens de ideias fundamentais:

1) A flexibilidade do texto constitucional, quer do ponto de vista interpertacional,

quer do ponto de vista da inclusão de normas contingentes;

2) A não tipicidade dos direitos fundamentais – o contributo da cláusula aberta para

a inclusão constitucional; a exege-se do Art. 7º e 8º.

A CRP assume assim uma quíntupla acepção de abertura jurídico- constitucional:

(i) Abertura estrutural – a Constituição não é um projeto encerrado – há espaço

dogmático para o desenvolvimento do texto constitucional;

(ii) Abertura normativa – a normatividade constitucional não se esgota nos

preceitos integrantes na CRP instrumental – admite-se a inclusão normativa

de outras fontes de direito (sobretudo no que concerne à questão da

suprapositividade – 16º/1; 8º/1; 7º CRP);

(iii) Abertura política – assente no pluralismo democrático e na pluralidade da

representação;

(iv) Abertura interpretativa20 - não existe um único modo de revelar as fontes de

direito constitucional e de promover a sua aplicação;

(v) Abertura implementadora – trata-se da questão dos “direitos

procedimentalmente dependentes” – caso da objecção de consciência, Art.

41º/6 CRP – a remissão «nos termos da lei» determina que a norma

constitucional não é exequível por si mesma, o que implica que haja uma

normatização complementar – a constituição formal acolhe essa mesma

normatização.

No entanto não deixam de existir limites à abertura constitucional21, dos quais:

a) Limites de revisão constitucional – para impedir que haja uma gratuitidade

parlamentar no exercício sério e exigente da revisão constitucional [evita-se que

com cada nova maioria ou acordo parlamentar seja possível a concretização de

uma mudança tendencionalmente definitiva à CRP – acresce o facto da

20 Cfr. Recomenda-se a leitura da nota de rodapé final do trabalho Da Constitucionalização da Desobediência Civil, por JOÃO ABREU DE CAMPOS sobre Evolucionismo (Justice RUTH BADER GINSBURG) v. Originalismo (Justice ANTONIN SCALIA) 21 A sua existência deve-se à preservação do contexto paradigma-dogmático geral da constituição formal e da Ordem Axiológica que lhe é subjacente.

Page 31: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

31

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

constituição ser Lei fundamental, não pode estar constantemente a ser mudada].

Existem:

(i) Limites temporais – a CRP só pode ser revista 5 anos após a data de publicação

da ultima Lei de revisão ordinária – 284º/1º ou em qualquer momento, a título

extraordinário desde que permitido por uma maioria qualificada de deputados

no exercício de funções 4/5 - 284º/2 – o que aconteceu com a RC de 2004 e

2005;

(ii) Limites procedimentais – 285º/1; 285º/2;

(iii) Limites circunstanciais- 289º:

(iv) Limites materiais ou cláusulas pétrias e absolutas de revisão constitucional –

288º;

b) Sistema de fiscalização da constitucionalidade – fiscalização preventiva (278º);

fiscalização concreta (280º); fiscalização abstrata (281º);

c) Cláusula constitucional insuscetível de legal defesability22 sobre o Estado de

Direito Democrático – Art. 2º da CRP (que surge no articulado pós RC de 1989);;

d) Limites à liberdade de associação – o exemplo do Art. 270º - o caso militar e

policial – a exclusão das forças de segurança23;

e) Intervenção jurídico- criminal – o Direito Penal político – a responsabilidade

política, criminal e civil dos titulares dos órgãos constitucionais.

Segunda característica da CRP – Constituição Aberta – recupera o entendimento

relativista e toleracionista de POPPER – está sempre aberta a novas posições e

normatizações – pela via da revisão. Há ainda uma abertura da CRP a normas

constitucionais que não são apenas as produzidas pelo legislador constituinte – cláusulas

de constitucionalização de outras fontes- 8º/1, 16º/1; a Constituição tem tbm abertura

para uma normatividade não oficial. Como se expressa a abertura política – à alternância

política, à liberdade conformadora do legislador – cada maioria pode implementar o seu

programa; existe também abertura interpretacional – existem vários intérpretes da

constituição – o TC mas tbm a AR pela via da revisão constitucional.

Importa ainda reforçar a ideia de que a CRP consagra regras e princípios – qt maior é o

numero de princípios maior espaço interpertacional – é mais fácil interpretar regras do

que princípios. Traduz a questão das cláusulas preceptivas exequíveis por si mesmas ou

não ou a intuição hermenêutica de princípios. Segunda questão: a constituição serve-se

de linguagem, a partir do momento em que a constituição construiu as suas normas a

partir de conceitos passamos a ter conceitos constitucionais – podem ser anteriores à

constituição (capacidade civil, PC, casamento, etc) – é a oposição entre o Evolucionismo

v. Originalismo – é saber se o conceito era o conceito datado ou se há permeabilidade de

interpretação jurisprudencial ou legislativa – “Do evolucionismo v. originalismo – uma

doutrina”. Existem ainda conceitos não jurídicos – método de hoondt, nascituro, “justas

exigências da moral” – há uma abertura conceitual interpertacional. Referir ainda que há

22 Cfr. Consulte-se MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito. 23 Teorização de JOÃO ABREU DE CAMPOS in Da Constitucionalização da Desobediência Civil.

Page 32: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

32

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

normas exequíveis por si mesmas – feitas por si; e não exequíveis – procedimentalmente

dependente, pode ser chamada a administração.

Limites à abertura da constituição:

a) Limites de revisão;

b) Fiscalização;

c) 46º/4;

d) Direito penal político – impedimento à subserviência criminal.

A permeabilidade da constituição tem de ser ponderada e limitada, por forma a garantir

que não existe uma completa erosão da identidade axiológica da constituição.

---

Aula n.º 5 de 13 de Janeiro de 2017

Analisar ainda dois traços da identidade da constituição:

a) Identidade transfiguracional da CRP;

b) Identidade relacional

a) Identidade transfiguracional – carece de evolução natural. O que leva a esta

transfiguração – a Revisão Constitucional e alteração intencional das normas da

CRP. Outro fator é o da transição constitucional – mudança material da CRP mas

mantém-se a constituição formal de 1976 – mas não deixa de existir uma alteração

substancial (caso da erosão do domínio da soberania). Há ainda outro fator – o do

desenvolvimento constitucional – o decurso do tempo pode implicar um

sofrimento de alterações de sentido/semânticas- ocorre uma mudança do contéudo

dos preceitos e das normas, mantendo-se o regime formal da constituição – o texto

mantém-se o mesmo mas o seu sentido aplicativo é diferente – a regra é igual mas

a aplicação é distinta -ex: centralidade da figura do PM, do PR – a mesma norma

pode ter uma vivência aplicativa distinta.

Fatores que levam à transfiguração:

1) Decurso do tempo – pode levar à multiplicidade de normas não oficiais sobre as

oficiais pela via da aplicação e da interpretação;

2) O peso da prática política anterior a 1976 – estado novo;

3) Intervenção dos partidos políticos – alteração entre a relação entre os

representantes e os cidadãos;

4) Integração europeia e o desenvolvimento da integração europeia ou a estagnação

da integração europeia;

5) Constitucionalismo transnacional – normas provenientes da comunidade

internacional – ius commune constitucionale – que são vinculativas nos Estados;

Page 33: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

33

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

6) Revisão da economia prevista na CRP. O texto constitucional obsta à

circunstância das regras fundamentais da intervenção do Estado na Economia –

existem na EU;

7) Questão parlamentar e o presidencialismo do primeiro-ministro, há uma manifesta

alteração prática da constituição;

8) Primado do governo sobre o parlamento;

9) Alteração do Estado de partidos para o Estado de poder;

10) Impulsos de modificação da CRP – negociação pela via do ius tractum feita pelo

governo de normas que não seriam admissíveis no ordenamento constitucional

português – altera-se a constituição à posteriori

b) Identidade relacional – há outras constituições anteriores, há um peso de um

passado. A CRP relaciona-se com as demais constituições. Esta relação gera

fenómenos:

1) Contágios;

2) Parentesco – famílias constitucionais;

3) Plágio constitucional – CC de 1826, C Brasileira de 1824, CC de 1814.

Quais os limites à identidade relacional:

(i) Interpretação teleológica – uma norma deve ser interpretada com base nos

fins;

(ii) Desenvolvimento constitucional e de pré-compreensões;

(iii) Diferente sistematização dogmática.

Há ainda uma identidade exportada – uma constituição serve de inspiração para outras.

A constituição portuguesa também sofreu influências externas. De que principais

constituições?

a) CF de 1958;

b) CA de 1949;

c) CI de 1947;

d) Em 1976, constituições de matriz socialista – Jugoslávia.

II – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO

Iniciemos, portanto, a organização do poder político – aquela que suscita maior

interesse.

Vamos analisar os princípios da organização e funcionamento do pp. Quais os princípios

regentes?

1) Princípio da separação dos poderes – 111º/1 – separação com interdependência,

tal como o artigo 2º resulta que o PSP é independente ao EDD – o que significa?

Page 34: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

34

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(i) Pluralidade de estruturas decisórias;

(ii) Núcleos essenciais da função que são atribuídos a certos órgãos – função

administrativa (Gov); função legislativa (AR), função judicial (exclusivo dos

tribunais). Não obstante há interdependência, na sequência do entendimento

de MONTESQUIEU – faculdade de impedir e de estatuir – sistema de freios

e contrapesos;

(iii) Limitar o poder é a garantia da liberdade – mas há também afloramento da

ideia do quarto poder – poder moderador:

a) Poder moderador político – herdeiro da CC – BENJAMIN CONSTANT – direitos

naturais enquanto direitos fundamentais da pessoa humana são simultaneamente

limite e fundamento do poder político;

b) Definição do que é constitucional e do que não o é – há um poder de conformação

da Constituição – TC;

c) Garantia dos cidadãos no seu relacionamento com o poder – provedor de justiça.

Temos assim uma tripla acepção da separação de poderes. A violação deste principio gera

inconstitucionalidade orgânica – viola o funcionamento dos órgãos;

2) Princípio da equiordenação dos órgãos de soberania – não há hierarquia entre os

órgãos de soberania e constitucionais, resulta do Art. 108º. Mas há limites ou

excepções:

a) As decisões dos tribunais gozam sempre de prevalência sobre todos os demais

órgãos – 205º/2 – resultado evidente do Estado de Direito Democrático e da

independência do sistema judicial;

b) Há paridade ou equiparação hierárquica mas há casos em que os atos de um órgão

condicionam o outro – ex: uma lei de autorização legislativa da AR condiciona o

GOV – decorrentes do articulado disponente sobre as competências absolutas e

relativas legislativas destes órgãos;

c) Há 3 casos de hierarquia assinalados: os agentes do MP – obedecem ao procurador

geral da república, é uma estrutura hierarquizada; chefias militares, subordinadas

ao poder civil; nas forças armadas – comandante supremo (PR);

3) Principio da pluralidade de vinculações constitucionais: os órgãos

constitucionais relacionam-se entre si – que tipo de relações podem estabelecer?

Podem pautar-se por 3 tipos de relações – as de solidariedade – pressupõem

confiança política, pressupõem identidade política; princípio da solidariedade

entre os membros do governo; princípio da cooperação – poderes intercruzados

– só podem ser exercidos através da boa vontade de dois ou mais órgãos – ao PR

compete nomear os ministros – não o pode fazer sem a recomendação do PM

indigitado – gera-se o dever de não criar obstáculos gratuitos; princípio do respeito

institucional – é o mínimo ético comum entre o relacionamento de todos os órgãos

constitucionais – igual legitimidade dos órgãos e de um dever de convivência

democrática e de civilidade educacional; problema da pós eficácia deste tipo de

relacionamento – será que depois de deixar de ser membro do órgão deixa de

Page 35: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

35

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

estar adstrito a essa solidariedade? Sim deixa, com a excepção do respeito

institucional para com aqueles que continuam em funções ou lá tiveram. Há uma

pós-eficácia no dever de respeito institucional;

4) Princípio de continuidade dos serviços públicos: não podem existir zonas de

vazio no exercício do poder – por isso os membros do governo demitidos

continuam em funções até que o novo titular seja empossado – continuidade

governamental – será que os órgãos constitucionais podem fazer greve? Só

aqueles que exercem a função de forma profissional e não política – só a exceção

dos juízes que são os únicos titulares de órgãos de soberania que exercem em

termos profissionais;

5) Principio da auto-organização interna: tds os órgãos têm sempre uma autonomia

para definir como se organizam – AR e regimento; GOV e lei “orgânica”;

autonomia estatutária das Universidades.

APONTAMENTOS E ANOTAÇÕES

ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO

1§ Princípios materiais de regulação constitucional da organização do poder político

1.1 § - princípios de organização e funcionamento do poder político

1) Princípio da separação e interdependência de poderes – acolhe-se sobretudo à

posteriori da revolução francesa de 1789, com a recuperação do entendimento de

LOCKE, ROUSSEAU e MONTESQUIEU – a génese deste princípio articulado

Page 36: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

36

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

no Art. 111º da CRP vigente é fundamental como estabelecimento de condição

sine qua non para a existência de um Estado de Direito Democrático – a génese

histórica deste princípio resulta da emancipação e concretização do

constitucionalismo liberal dos direitos, liberdades e garantias (direitos

fundamentais) dos cidadãos – a limitação, pela via da separação do exercício do

poder, garantiria os direitos dos cidadãos.

2) Sentido imediato da separação de poderes – Nenhuma autoridade pode, concentrar

em si todo o poder correspondente a uma função do Estado, nem tão-pouco invadir

a esfera decisória da autoridade competente; a separação pressupõe uma

pluralidade de estruturas decisórias correspondentes a diferentes funções do

Estado para garantir um equitativo procedimento decisório; a separação pressupõe

a determinação das competências das estruturas criadas – função legislativa (GOV

e AR), função executiva (GOV), função judicial (TRIBUNAIS), função

administrativa (GOV, Região Administrativa, Poder Local) ;

3) A Interdependência de poderes dever-se-á à ideia de governo moderado de

MONTESQUIEU – o poder, estando dividido, deverá intra-auxiliar-se no

exercício do cabimento das funções do Estado – Ex: equilíbrio e dependência

entre AR e GOV – a vinculação teleológica do Estado determina o regular e

harmonioso funcionamento das instituições democráticas – também a

interdependência determina a liberdade de estatuir (faculté de statuer) e a

liberdade de impedir (faculté d’ empêcher) – que corporiza o sistema de freios e

contrapesos;

4) Também o poder moderador integra este princípio – recuperando o entendimento

de BENJAMIN COSNTANT corporizado na CC Francesa de 1814 e na CC

Portuguesa de 1826 – o poder moderador traduz um poder de harmonizar o

sistema e o regime político.

1.2 § - Princípio da equiordenação dos órgãos constitucionais

Resulta do Art. 110º/1 – o entendimento básico é o seguinte – todos os órgãos de

soberania apresentam a mesma hierarquia – não há órgãos de soberania mais importantes

que outros (em princípio, ressalve-se). Assim, nos termos do Art. 110º/1 os órgãos

constitucionais são órgãos de soberania, aplicando-se sempre e de igual forma o princípio

da separação e interdependência de poderes (Art. 111º) – exclui-se dessa forma um

vínculo jurídico de subordinação hierárquica – nenhum órgão constitucional pode

exercer sobre os demais órgãos constitucionais poder de direção, encontrando-se-lhes

vedado dispor da vontade decisória de tais órgãos – daí por essa via esgotar ou esvaziar

o respetivo campo de discricionariedade decisória ou liberdade conformadora conferida

pela constituição.

Este princípio determina que cada um destes órgãos exerce a sua competência com

independência jurídica face aos restantes órgãos – encontram-se nas páginas 17 e 18 do

Direito Constitucional Português, Vol. II de PAULO OTERO exemplos desta

circunstância.

Page 37: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

37

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Evidentemente que existem limites e exceções a esta equiordenação dos órgãos

constitucionais na medida em que se criam, a título excepcional, vínculos jurídicos de

uma subordinação hierárquica entre órgãos teleologicamente legitimada, pela via da

exclusão da aplicação do 110º/1. Exemplos: as decisões dos tribunais são obrigatórias

para todas as entidades, são prevalecentes sobre as decisões de quais outras autoridades

– 205º/2; os tribunais encontram-se sujeitos à Lei e são obrigados a aplica-la em

conformidade – Art. 203º; tbm o governo se encontra subordinado à lei da AR (266º/2),

etc.

Também no interior de alguns órgãos constitucionais é possível analisar uma hierarquia

interna – o 110º/1 assume um caráter tendencionalmente indicativo ao invés de taxativo

e obrigatório – o caso do MP – existência do PGR e dos procuradores que lhe estão

subordinados (219º/4 e 220º/1); as chefias militares subordinadas ao comandante

supremo (120º).

1.3 Princípio da pluralidade de vinculações institucionais – a solidariedade

institucional, governamental, a cooperação e o respeito institucional

A separação de poderes nunca pode obstar que as estruturas orgânicas estabeleçam entre

si múltiplas e diversas formas de relacionamento – a interdependência de poderes

determina uma pluralidade de relações entre os diferentes órgãos constitucionais. Existem

assim graus de diferente envolvimento no relacionamento entre as mesmas estruturas,

segundo flexível a determinação da CRP sobre esta solidariedade – trata-se de um

princípio formal e não um princípio material24 - pelo que o grau de envolvimento das

estruturas será necessariamente diferente. Assim, a solidariedade, a cooperação e o

respeito institucional resultantes do princípio supra-mencionado corresponde a um

formalismo mitigado em função do objeto. Análise ao Art. 189º da CRP. Tende a discutir-

se a pós-eficácia deste princípio – tendo em conta que o indivíduo já não se encontra no

exercício de tais funções, será que mantém-se adstrito à solidariedade e aos respeito

institucional? A resposta é evidentemente que sim – o caso do segredo de estado – Ex.

Primeiros-Ministros não poderão vir a publico revelar assuntos confidenciais.

1.4 Princípio da continuidade dos serviços públicos

A existência de governos de gestão é particularmente iconoclasta deste princípio – salvo

qualquer e toda a excepção constitucional, os serviços públicos e a administração deverão

prosseguir sempre a sua actividade.

1.5 Princípio da auto-organização interna

Este princípio é condição inerente do Estado de Direito democrático – as instituições

democráticas têm autonomia, decorrente do Art. 266º da CRP, para se organizaram,

tramitando-se nos seus regimentos e/ou regulamentos internos. Têm de igual forma

24 Recomenda-se a leitura de DWORKIN, RONALD M. , The model of rules , Yale Law School Legal Scholarship Repository, 1967.

Page 38: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

38

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

competência, nos termos do que a Constituição lhes atribua, de definir a sua competência,

salvo as competências residuais. São caso destas evidências dogmáticas os Arts. 164º,

165º (relativos às competências da AR); 197º e 198º (relativos à competência do

GOVERNO).

1.6 Princípio da responsabilidade

O princípio democrático diz-nos que reside no povo a soberania, nos termos do Art. 3º/1

e que a titularidade do poder político reside nos titulares do poder político, mandatados

pelo povo como seus representantes, nos termos do Art. 108º. É neste contexto dogmático

que surge o imperativo de responsabilidade, como corolário adjacente da juridicidade

típica do Estado de Direito Democrático – assim, os titulares dos cargos políticos são

responsáveis perante o povo que é o soberano desse poder que detém – é neste sentido

que se recuperam os entendimentos de HERÓDOTO e ARISTÓTELES sobre a

responsabilidade dos governantes para com os governados. Esta responsabilidade pode

ser política, criminal ou civil. Assim, verifica-se que o princípio da responsabilidade se

materializa um mecanismo limitativo do poder, decorrendo:

1) O facto de todo o poder se encontrar sujeito aos princípios hermenêuticamente

intuíeis da responsabilidade civil e criminal, nos termos do 117º/1 e 271º/1;

2) O facto dos titulares de cargos políticos se encontrarem sujeitos a

responsabilidade política – 117º/1;

3) O facto dos funcionários e agentes públicos se encontrarem sujeitos a

responsabilidade disciplinar – 271º/1.

Também se verifica a existência de responsabilidade dos agentes políticos e dos

funcionários públicos e administrativos por competências financeiras, perante

fiscalização do tribunal de contas nos termos do Art. 214º/1.

Evidentemente haverá limites a este principio:

a) Os titulares de cargos políticos não estão sujeitos a responsabilidade disciplinar;

b) Juízes e magistrados do MP também não estão sujeitos a responsabilidade

política;

c) Todos os titulares de cargos públicos, políticos ou administrativos, sem chancela

de administração ou decisão financeira estão excluídos de responsabilidade

financeira;

d) Os deputados gozam de irresponsabilidade pelos votos e opiniões que emitem no

exercício das suas funções – não podem ser responsabilizados civil, criminal ou

disciplinarmente pelas opiniões que expressam enquanto deputados da nação –

157º/1 – no entanto a irresponsabilidade dos deputados é constrangida nos limites

procedimentalmente definidos na CRP e na Lei (ordinária) e não obsta a

responsabilidade civil do Estado por danos produzidos pela AR no exercício da

sua função política e legislativa – a responsabilidade disciplinar dos deputados é

aplicada em termos regimentais, nos limites definidos no regimento da AR sem

prejuízo das disposições constitucionais;

Page 39: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

39

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

e) Os Juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvos as previstas

na Lei – Art. 216º/2 CRP; também sem prejuízo da admissibilidade de se intentar

uma ação contra o Estado por responsabilidade civil.

1.7 Princípio maioritário

Este princípio é fundamental no paradigma constitucional de qualquer Estado de Direito.

Tem que existir uma legitimidade na aprovação de Leis, de Revisões Constitucionais, de

resoluções, etc. Cabe perceber como é apurado esse princípio – é admissível a maioria

simples na aprovação de Leis ordinárias; e são exigidas maiorias qualificadas para

aprovação de moções de censura, para a aprovação de RC, etc. encontram-se excluídas

de referenda maioritária quais quer medidas ou resoluções que comprometam a dignidade

da pessoa humana, exemplo, mesmo que fosse aprovado pela maioria das pessoas um

genocídio essa “vontade geral da maioria” (soberania popular segundo ROSSEAU)25.

1.8 Princípio da imodificabilidade da competência

A competência corresponde ao âmbito e esfera de exercício de um determinado órgão e

instituição na execução de uma prestação que lhe é constitucionalmente oponível. A

competência de todas as estruturas decisórias encontra sempre o seu referencial numa

norma da Constituição. Desta forma, consta do articulado da constituição formal vigente

uma série de cláusulas que tipificam o exercício atribuível aos órgãos de soberania e às

instituições democráticas. A imodificabilidade da competência traduz uma vedação

imposta pela constituição – uma lei ordinária não poderá modificar a competência

constitucionalmente definida de um órgão. 26

1.9 Princípio da competência dispositiva

Quem tem competência para a prestação de uma determinada faculdade pode sempre:

(i) Exercer o ato que a Lei (note-se, em sentido material, Lei enquanto fonte de

direito hierarquicamente inferior à CRP) ou a Constituição lhe atribuem

autoridade e legitimidade jurídica para a sua cominação;

(ii) Redefinir, revogar ou não praticar o ato que lhe compete.

Evidentemente, existem limites aos pressupostos de exercício no âmbito da competência

dispositiva. Existem:

25 Considerem-se os artigos 168º/5; 293º/1; 255º e 168º/5; 192º/4; 195º/1, f); 136º/2 e 233º/3 como exceções ao principio da maioria simples, sendo exigível maioria absoluta. Ressalvem-se os artigos 286º/1; 168º/6, 136º/3; 279º/2 e 4; 163º/h); 130º; 284º/2 como exigência de maioria qualificada de 2/3; relevo ainda a exigência rara de uma “híper” maioria qualificada de 4/5 para a revisão constitucional extraordinária - 284º/2. 26 Recomenda-se uma análise às páginas 49-57 do Direito Constitucional Português, Volume II de PAULO OTERO.

Page 40: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

40

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

a) Pressupostos de facto – o exercício de uma competência pode ser condicionado

pela verificação histórica de um determinado evento – PR só pode demitir o

Governo se estiver em causa o regular funcionamento das instituições;

b) Pressupostos de direito – diversas vezes, o poder de praticar um ato pressupõe a

existência ou inexistência de determinadas realidades jurídicas anteriores –

exemplo: exoneração de um ministro pelo PR sob proposta do PM;

c) Pressupostos de facto e de direito -declaração de guerra pelo PR – verificar os

pressupostos especificados no Art. 135º, alínea c).

Também existem limites ao poder de recusar a prática de um ato – há uma vinculação de

agir e verifica-se a existência de atos de emanação obrigatória (caso da promulgação

obrigatória de revisões constitucionais). De igual modo, existem limites ao poder de

revogar um ato – quer pelo conteúdo (limites formais)27, quer forma procedimental

(limites materiais).

1.10- Princípio do autocontrolo da validade

A determinação de que a validade de todos os actos de quaisquer entidades públicas se

encontra na sua conformidade com a constituição (Art. 3º/3) traduzindo uma expressão

da vinculatividade geral do princípio da juridicidade, manifestada ainda na afirmação da

subordinação de todos os órgãos e instituições à Constituição e à Lei (Art. 266º/2) permite

alicerçar.

***

Aula de 14 de março de 2017

Tínhamos ficado a analisar os princípios do poder político respeitantes a esses órgãos

políticos.

6) Princípio da responsabilidade – significa o facto da responsabilidade implicar o

“ter de prestar contas” – é um corolário do principio democrático que envolve

controlo, ação e responsabilidade – nunca há democracia sem mecanismos de

responsabilização de quem exerce o poder. Pode ser:

(I) Uma responsabilidade política – por exemplo concentrada num órgão:

governo responsável perante a AR; ou uma responsabilidade difusa: a

responsabilidade do PR, da AR, do Gov perante a opinião pública;

(II) Responsabilidade Civil – a ideia nuclear é a de que quem causa um dano deve

indemnizar (para suprimir o dano imputado);

(III) Responsabilidade criminal – quem comete um ilícito penal deve ser

responsabilizado penalmente;

(IV) Responsabilidade disciplinar – adjacente das estruturas organizativas – é uma

manifestação do “ter de prestar contas” – claro que não se tratam dos órgãos

de soberania, mas a individualização dos agentes pode implicar a

responsabilização disciplinar: funcionários, deputados, etc;

27 Expressão informal.

Page 41: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

41

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(V) Responsabilidade financeira – quem toma decisões que envolvam dinheiros

públicos é responsável pela decisão que toma.

Estas 5 responsabilidades podem andar associadas. Por outro lado o princípio da

responsabilidade tem limites. Desde logo os deputados não são responsáveis pelas

condutas que adotam no exercício das suas funções (voto) ou os juízes que não são

responsáveis pelas decisões que despacha.

7) Princípio maioritário – numa democracia as decisões devem ser tomadas pela

pluralidade de votos, simplesmente acontece. O princípio de maioria é critério de

decisão, mas não é critério de verdade. A força da maioria está no respeito pela

minoria por duas ordens de razões:

(i) A maioria tem sempre de respeitar a minoria;

(ii) A minoria só obedece à maioria pq tem expectativa de no futuro ser ela própria

maioria.

Sublinhe-se ainda o Art. 116º da CRP – para um órgão colegial funcional ele carece de

quórum para deliberar – metade mais um, associado ao número de membros. Do Art. 116º

extrai-se ainda outra regra – maioria deliberativa, como sabemos quando um ato está

aprovado? A regra do 116º diz- nos que um ato é aprovado por maioria simples, não

obstando a exceção das maiorias qualificadas. Note-se também que o conselho de

ministros é um órgão colegial no entanto não lidera nem delibera por maioria – antes sim

por consenso – manifestação do princípio da solidariedade governamental;

8) Imodificabilidade da competência – a competência não pode ser modificada salvo

deliberação e delimitação para o devido efeito – a competência definida pela

constituição só pode ser modificada nos termos da própria constituição. Todavia

podem existir competência implícitas e delegação de poderes (ex: a AR pode

autorizar o GOV a legislar, nos termos do Art. 165º; também as situações de

substituição oriunda de impedimento temporário). Todavia só é admitida a

delegação e a substituição nos casos previstos expressamente na constituição –

111º/2;

9) Competência dispositiva – quem tem uma competência pode sempre:

(i) Escolher entre praticar ou não o ato, emanar ou não o ato;

(ii) Escolher entre definir uma situação jurídica ou revogar uma situação já

definida – redefinir, voltar a definir – pode fazer cessar a vigência de uma lei

sem a substituir. 28

Pode ter pressupostos e condições para o seu exercício. Ex: o PR pode demitir o governo,

SE, o GOV colocar em causa o regular funcionamento das instituições. Existem assim

pressupostos de facto e ainda pressupostos de direito, carentes de vinculo casuístico.

Verifica-se ainda a existência de atos de emanação obrigatória – a faculdade de praticar

28 Note-se a existência de competências condicionadas- exercidas verificando-se a consumação de uma condição que seja imposta – Ex: PR pode demitir o PM para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas.

Page 42: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

42

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

deixa de existir – não há escolha de recusa da prática do ato, ex: 286º/3, o PR é obrigado

a promulgar a Lei de Revisão Constitucional; praticado o ato deixa de poder ser revogado

esse ato – se o autor se o autor do ato perdeu entretanto competência para o mesmo ato:

caso da autorização legislativa que a AR concede ao GOV, o GOV emana um DL e

posteriormente, ao abrigo da autorização legislativa, deixa de ter poder para a revogação.

Também existência atos cuja impossibilidade de revogação não se deve à competência,

antes à circunstâncias – o caso de produzirem imediatamente efeitos, ex: a promulgação

– é irrevogável pois produz efeitos instantâneos, ou a referenda ministerial da

promulgação. Também a existência de atos que já caducaram não podem ser revogados.

Também a atribuição do indulto e de condecorações tendem a ser irrevogáveis – os atos

de graça;

10) Princípio do autocontrolo da validade – cada órgão tem o poder de fiscalizar a

validade da sua conduta e a pergunta no fundo é esta: será que eu agi de acordo

com a constituição? Pois bem, se se entender que houve invalidade o órgão deve

restabelecer a validade, daí se falar em autocontrolo – deve ajuizar se aquilo que

fez é válido, caso contrário deverá eliminar esse ato da O.J. – o órgão

incompetente tem sempre competência para revogar um ato inválido que tenha

praticado – quase um paradoxo que não deixa de ser uma realidade do paradigma

dogmático constitucional 29.

Vamos agora analisar as questões constitucionais que se colocam relativamente aos

titulares dos órgãos.

13 § - Princípios respeitantes aos titulares do poder político

1 - A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA- 108º - o poder político pertence ao povo,

1) Legitimidade quanto à designação;

2) Quanto à fiscalização;

3) Pela responsabilidade política.

A legitimidade democrática é condição sine qua non para a existência cabal e material de

um estado de direito democrático – a legitimidade dos titulares do poder político encontra

o seu fundamento no Art. 108º da CRP, sendo definido que o poder político pertence ao

povo, encontrando no sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico o modo por

excelência, pelo qual o povo exerce o poder político – Art. 10º/1, concretizando-se a

exigência normativa do Art. 1º - a vontade popular como base estrutural da República,

bem como verificando-se o cumprimento do Art. 3º, sendo assumido que a soberania

29 Ex: a existência de inconstitucionalidades orgânicas – apesar de um GOV não ter competência para elaborar um determinado DL pode ter competência para eliminar e revogar o DL originário que era inválido – serve para repor uma constitucionalidade originária – autocontrolo da validade e da exigência da repristinação orgânica da constitucionalidade. Não só tem competência o órgão proveniente da incompetência, mas também o órgão competente tem legitimidade para a revogação, com a sustentação de inconstitucionalidade orgânica. Os atos que repõem a constitucionalidade têm eficácia retroativa- no entanto discute-se se se o ato inválido produzia efeitos favoráveis não será de limitar a retroatividade, caso que surge nos trânsitos em julgado, sendo em regime penal excluída a retroatividade desfavorável – 29º/4 com a ressalva do Art. 628º do Código do Processo Civil.

Page 43: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

43

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

pertence ao povo, fazendo da participação cívica ativa um instrumento de consolidação

do instrumento democrático.

Também em termos internacionais, pela via do direito contingente, é reconhecida a

importância do princípio da legitimidade democrática dos titulares do poder político,

como condição cognoscente para a existência de um Estado de direito, respeitador das

pretensões e direitos fundamentais-constitucionais, dos seus cidadãos – há uma exigência

dotada de “vocação universal”, expressão oriunda da regra do ius cogens, consagrada pelo

Art. 21º/3 da DUDH – a autoridade dos poderes políticos tem como fundamento a vontade

do povo e esta exprime-se através de eleições honestas, periódicas e por sufrágio universal

e igual, sendo reconhecido a todas as pessoas o direito de tomar parte nos negócios

públicos do seu país – Art. 21º/1.

As eleições e o modo como estas se processam são fundamento do princípio da

legitimidade democrática, diretamente associada à legitimidade para a oponibilidade pelo

poder político de legislação diversa.

Importa também referir que existem diversos graus de legitimidade democrática:

a) Ela pode ser directa, imediata ou de primeiro grau – sempre que nos encontramos

perante titulares eleitos por sufrágio direto, universal e periódico da população –

caso do PR, dos deputados da AR;

b) A legitimidade democrática revela-se ainda semi-direta ou quase direta, ocupando

um segundo grau de legitimação, sempre que, utilizando-se um processo eleitoral

destinado à eleição de deputados, o motivo principalmente determinante da

escolha do eleitorado acabe por ser a escolha do futuro Primeiro-Ministro/a, do

Presidente do GOV das regiões autónomas ou dos Presidentes das CM;

c) Também, pode ter uma natureza indirecta ou mediata, quando compreende o facto

de todos os titulares designados serem-no por via electiva ou de nomeação. Ex:

juízes do TC eleitos pela AR; Provedor de Justiça; Presidente do Conselho

Económico e Social; ministros e secretários de estado, chefias militares, PTC e

PGR – estes últimos nomeados pelo PR;

d) Ainda uma quarto grau de legitimidade democrática – dotado de uma natureza

indirecta e secundária – titulares designados por sua vez por titulares de nomeação

indirecta ou de eleição indirecta- ex: diretor geral; adjunto; etc.

Existem assim sucessivos graus de legitimidade democrática descendente.

Importa ainda perceber que a legitimidade político-democrática de qualquer titular exige

sempre uma permanente fiscalização ou controlo do modo como o poder é exercido – a

legitimidade do titular, seja pela via direta, indireta ou mediata nunca pode justificiar e

excluir a ilicitude da violação da juridicidade, nem tão pouco justifica decisões

inconvenientes e inoportunas na ótica do interesse público da coletividade. A legitimidade

democrática acarreta ainda responsabilidade do titular do órgão, seja por aquilo que fez e

não deveria ter feito seja pela omissão na ação – há um dever de zelo, uma diligência que

lhe deve ser atribuída – prática de boas condutas oriunda da Consciência Jurídica Geral

(ou juridicidade).

Page 44: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

44

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Como consequência direta da legitimidade democrática provém a legalidade democrática

, que traduz uma normatividade dotada de legitimidade política de quem a aprovou e

permitiu a sua plena produção de efeitos jurídicos – também é a legitimidade democrática

que origina no povo um dever genérico de obediência à lei.

2 – PRINCÍPIO DA RENOVAÇÃO: não há titulares vitalícios, há limites à

renovação de mandatos – ex: o PR só pode exercer dois mandatos consecutivos; os

juízes do TC só podem exercer uma vez. A exceção é o cargo vitalício de membros

do conselho de estado – Ex. PR; salvo regime autárquico que detém autonomia

legislativa- limite de 3 mandatos consecutivos; A realização periódica de eleições

decorrente da exigência da legitimidade democrática imprime um limite à renovação

dos mandatos – resulta do 118º/1 – abrange os titulares dos órgãos políticos que foram

desginados por eleição, mas também aqueles que foram nomeados, tomando-se como

principal comando constitucional o papel do legislador nessa determinação – trata-se

de uma regulamentação de foro constitucional procedimentalmente dependente –

requer legislação ordinária.

Qual é o fundamento do princípio da renovação dos titulares dos cargos políticos?

Existem diversas razões de interesse público que, resultantes ainda manifestações do

princípio republicano, justificam este princípio as seguintes instituições:

(i) A renovação como forma de evitar a personalização do poder e a sua

aristocratização, combate ao abuso de poder, limitando-o as possibilidades de

corrupção – caso das autarquias – Lei procedimental ordinária;

(ii) A renovação como forma de aumento da participação cívica pública,

potenciando a alternância, a evolução do debate democrático e a evolução das

políticas públicas;

(iii) Melhoria da eficácia, e eficiência – renovação dos titulares condição de

renovação das políticas e dos processos.

Também a renovação é condição vital para evitar a existência de cargos vitalícios – que

são antidemocráticos, evitando a evolução de políticas e participação cívica geral – surge

como condição para a proibição da hereditariedade ou qualquer privilégio dinástico;

também a proibição de existirem cargos políticos de exercício por tempo indeterminado

– pela força do Art. 118º/1.

Evidentemente existem limites à renovação sucessiva de mandatos – para alternância

democrática – Lei procedimentalmente dependente no caso dos mandatos autárquicos.

Tbm o caso do mandato do PR – limite de renovação de 5 anos, impedimento de

candidatura no quinquénio subsequente – 123º/1 – caso dos juízes do TC que só tem um

mandato que não é renovável do 222º/3.

Há exceções ao obstar de renovação perpetuada de mandatos – há existência de alguns

titulares vitalícios – caso dos Ex -Presidentes da República que são membros vitalícios

do Conselho de Estado, por inerência de funções.

3- PRINCÍPIO DA FIDELIDADE À CONSTITUIÇÃO – 127º/3 – juramento do PR.

Esta fidelidade deve entender-se comum a todos os titulares de cargos públicos. Primeiro

Page 45: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

45

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

significa o dever de não violar a constituição; o dever de agir em conformidade; o dever

de implementar; o dever de educar em conformidade com a constituição – é completado

pelo Art. 18º/130. Tal não implica que não possa expressar a sua opinião – só não pode

desrespeitar a constituição vigente; Coloca-se, à efeméride, a questão se a imposição de

um dever de fidelidade à Constituição apenas vincula o PR ou se, por outro lado também

são vinculativas para todos os cargos públicos – a resposta é positiva – não é necessário

juramento da constituição por outros titulares que não o PR no entanto todos estão

vinculados a cumprir a CRP. Outra questão corresponde à indagação da tramitação e

materialização do juramento – como se processa, na prática o compromisso de “defender,

cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”.

Em primeiro lugar importa perceber que existem deveres de fidelidade – o exercício do

poder político far-se-á nos termos da Constituição (Art. 108º) enquanto corolário do

postulado que determina exerce-se soberania “segundo as formas da previstas na CRP” –

nos termos do Art. 3º/1 – é assim possível perceber que os titulares das estruturas

decisórias a quem se encontra confiado o exercício do poder devem respeito e fidelidade,

tendo o ónus de cumprir rigorosamente a Constituição. A existência de um mecanismo

de fiscalização da constituição traduz precisamente a ideia de um dever de fidelidade à

constituição – só é possível fiscalizar algo na medida em que exista um ónus legítimo –

resulta então o fenómeno de fiscalização da constitucionalidade resulta «da supremacia

da força jurídica do texto constitucional, razão pela qual nenhum titular dos órgãos do

poder pode, sob pena de invalidade dos seus atos, violar a constituição» - traduz de igual

forma a ideia de que a Constituição é Lei fundamental, com eficácia superior a toda a

demais legislação. A fidelidade implica diversos deveres:

(i) Obrigação de não atentar contra a constituição – é ilícito agir contra a

Constituição;

(ii) A fidelidade vincula a agir em conformidade com a constituição,

desenvolvimento da primeira obrigação de não a contrariar;

(iii) A fidelidade impõe o dever de implementar a Constituição;

(iv) A fidelidade e subordinação à Constituição só tem aplicabilidade prática se

forem eficazmente aplicados os conceitos normatizados pela CRP, pelo que a

interpretação evolutiva do texto constitucional deverá considerar-se

consagrada no O.J.P, assumindo as exigências da evolução semântica e

linguista31 ;

30 Cfr. PAULO OTERO – “aplicabilidade directa”, in aulas teóricas. 31 É manifestamente excluída a interpretação textualista ou originalista rígida, produto de uma interpretação constitucional à letra da Lei, intuindo o significado tendo por base o contexto histórico possível dos termos empregues. É admissível um textualismo construtivo ou originialismo mitigado, sendo posição do Tribunal Constitucional Português tendencionalmente favorável ao evolucionismo ou actualismo. Recomenda -se a leitura de Law of interpretation, HARVARD LAW REVIEW 2017 e Does Meaning Matter, Richard A. Strauss, in HARVARD LAW REVIEW 2015, e Originalism as a political practice: the right’s living constitution” in YALE LAW REVIEW e What is originalism? The evolution of contemporary originalist theroy in GEORGETOWN UNIVERSTIY LAW CENTER 2011. Aguarde-se publicação de Uma teoria sobre os conceitos da constituição.

Page 46: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

46

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(v) A fidelidade implica ainda o respeito à interpretação judicial da CRP – a

palavra interpretativa das Leis é vinculativa no caso em julgado (todavia é

excluído o precedente jurisprudencial 32 estando estes todavia viculados à

estatuição da letra da Lei;

(vi) Implica um dever de educar a favor da CRP.

Decorrem ainda outros deveres de fidelidade que se prendem com a proteção dos DLG –

direitos fundamentais – que gozam de aplicabilidade directa – Art. 18º/1. Existe uma

obrigação genérica de proteção da Lei Fundamental pelos titulares de todos os cargos

públicos, decorre:

(i) A aplicabilidade direta;

(ii) O dever de fiscalização;

(iii) A remoção da O. J. de actos inconstitucionais – os tribunais não aplicam Leis

declaradas inconstitucionais – Art.204º;

(iv) A reposição da vigência da constituição;

(v) Subversão ou instigação da alteração da Ordem Constitucional e do conjunto

dogmático geral.

3 – PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL – É a responsabilidade do

titular do respetivo órgão, importa sublinhar a responsabilidade civil do titular do

órgão – Art. 22º da CRP – consagra a existência de uma responsabilidade solidária –

significa que aquele que está lesado tanto pode pedir indemnização à PC como ao

próprio titular – quem exerce funções públicas é responsável pelos seus atos e

omissões que gerem dano. O património que responde na responsabilidade da

entidade é o património público; na responsabilidade pessoal o património é o do

próprio titular; necessariamente a responsabilidade é um princípio fundamental no

ordenamento jurídico – quer em termos públicos ou privados – ainda assim a

responsabilidade do titular é fundamental para garantir um bom desempenho das

funções em que está investido e para proteger quer os privados quer o Estado de ações

que venham a decorrer da sua atividade – provém responsabilidade política, criminal,

disciplinar e financeira. A responsabilidade vai conjugar assim o princípio

democrático e o principio da limitação do poder.

A responsabilidade política provirá:

a) No caso de órgãos colegiais do próprio órgão – é responsabilizado politicamente

o órgão – exemplo, pode ser exigida a demissão do governo por um ato de um

ministro grave, autorizado pelo PM – vigorando o principio da solidariedade

governamental é responsabilizado todo o órgão pela decisão dele proveniente;

b) A natureza coletiva da responsabilidade política concentrada de titulares de órgãos

colegiais não impede, todavia a responsabilidade individual do titular do cargo

político – ex: dentro do próprio conselho de ministros e do GOVERNO da

república existe uma responsabilidade política inter pares – Ministro responsável

perante o PM, secretário de estado perante o Ministro; etc;

32 Pois nenhuma outra fonte de direito pode ser prevalecente à Lei, Art. 112º/5 da CRP, Art. 1º do Código Civil, daí a revogação do Art. 2º do CC (usos) – Acórdão 237/97 do Tribunal Constitucional.

Page 47: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

47

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

c) Também é possível responsabilidade política entre dois órgãos singulares, numa

definição de natureza pessoal: trata-se da responsabilidade institucional do PM

perante o PR – 191º/1;

d) Existe ainda uma responsabilidade política difusa – a opinião pública, pela via

potestativa da renovação eleitoral.

A responsabilidade criminal assume uma natureza pessoal: fundada na culpa, a

responsabilidade criminal não tem como destinatário uma instituição, antes uma pessoa,

ou pessoas determinadas por atos que dolosamente ou com culpa tenham praticado – há

uma imputação subjetiva de uma atuação ou omissão, procurando-se determinar a culpa,

pela via de dolo ou negligência, da conduta da pessoa/as físicas ou específicas que

ocupa/am o cargo público. É essa pessoalidade da responsabilidade criminal que justifica

aliás a sua intransmissibilidade, nos termos do Art. 30º/3, a responsabilidade penal não se

pode transmitir a ninguém, começando e terminando na pessoa do infrator, atendendo à

sua natureza pessoal – esta responsabilidade pode ser desencadeada pela prática de

crimes, sendo frequente que esta seja despoletada pela existência de crimes contra o

estado, corrupção, perjúrio em comissões de inquérito, etc – já que estamos no âmbito da

responsabilidade criminal dos titulares do poder político. O Art. 117º/1 e 2 sublinha a

natureza pessoal da responsabilidade criminal – Art. 130º prevê a responsabilidade

criminal do PR; o Art. 196º determina a responsabilidade criminal dos membros do

GOVERNO. Também o Art. 271º confirma a natureza pessoal da responsabilidade

criminal dos testantes titulares de cargos públicos (sem natureza política, excetuando os

deputados da AR – Art. 157º/2).

A responsabilidade disciplinar dos titulares dos cargos públicos é procedimentalmente

dependente 33 - os regulamentos da AP e da APrivada admite a responsabilidade

disciplinar por infração a normas e regras constantes do órgão ou instituição em questão

– fundamental para a garantia e vinculação teleológica de uma eficiente atuação do

agente.

A responsabilidade financeira também é suscetível de assumir uma índole pessoal na

medida em que o exercício dos órgãos e dos seus titulares por prática de infrações de cariz

financeiro podem justificar a instauração de mecanismos de responsabilização – por

exemplo a obrigação de reposição de dinheiros gastos de forma irregular ou ilegal – não

obsta a o desencadeamento de responsabilidade criminal ou civil.

A responsabilidade civil trata um caso mais complexo. A responsabilidade civil

corresponde a um mecanismo de garantia do Estado de Direito democrático (assume uma

natureza de direito fundamental) – é uma proteção constitucional, simultaneamente

garantia da coletividade e dos privados, contra ações perpetradas com dolo ou mera culpa.

O Art. 22º define o princípio geral da responsabilidade das entidades públicas e em termos

solidários dos seus funcionários; O Art. 117º/1 determina a responsabilidade civil dos

titulares de cargos políticos pelas ações e omissões que pratiquem no exercício das suas

funções (há um dever genérico de diligência que deve ser efectivado); o Art. 271º/1

33 Expressão do autor para designar dependência infra-constitucional e infra-jurídica.

Page 48: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

48

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

confirma a responsabilidade civil aplicada a agentes e funcionários que exerçam funções

administrativas; a irresponsabilidade civil dos deputados por votos e omissões emitidos

no exercício das suas funções afasta, nos termos do 157º/1 a regra de solidariedade do

Art. 22º; tal como a irresponsabilidade dos juízes pelas suas decisões tomadas numa

framework de legalidade constitucional – 216º/2. A ação de responsabilidade civil pode

ser intentada contra PC – Estado, R. Autónoma; etc; pode ser intentada ação contra a

pessoa física que é titular do órgão, funcionário ou agente – implica ressarcimento do

dano (impedimento ou diminuição da posição jurídica de vantagem proveniente) ; a ação

de responsabilidade civil pode ser intentada contra a entidade pública e contra a pessoa

física, em simultâneo. Desencadeada uma ação de responsabilidade civil há ressarcimento

pelo dano, indeminização, etc – tal implica concorrência com património público (no caso

da ação ser intentada contra a PC) e património privado. A Lei N.º 67/2007 vem repartir

os encargos decorrentes da responsabilidade civil desencadeada.

5- PRINCÍPIO DA TITULARIDADE DE SITUAÇÕES FUNCIONAIS- quem

exerce funções públicas tem posições jurídicas ativas e passivas especiais: pode ter mais

direitos, deveres, privilégios ou sujeições – configuram situações funcionais – são-lhes

atribuídas essas situações jurídicas decorrentes da função. Claro que ressalva-se o

princípio da proporcionalidade; imparcialidade; igualdade. Coloca-se a questão das

situações pós-funcionais – já deixou de ocupar o cargo – há deveres que se mantém:

segredo de estado. Pelo contrário também existem privilégios que à luz do princípio

republicano não se deverão manter pois vão contra a ética que é um principio de limitação

do paradigma constitucional; Art. 269º/4 – quem exerce funções públicas não pode

acumular com funções políticas; deputados exercem profissões: surge um costume contra

constitucionem; Perante a função que é detida pelos titulares dos cargos públicos advém

determinados privilégios e condições específicas inerentes aos seus deveres. O princípio

da titularidade de situações funcionais confere aos titulares de órgãos públicos um

conjunto diversificado, em função da natureza do próprio órgão, de posições jurídicas –

perante a função do titular existem situações decorrentes dessa circunstância:

(i) Existem posições jurídicas ativas – correspondentes a situações positivas,

favoráveis ou de vantagem que a O.J. atribui aos titulares dos órgãos públicos,

por causa do exercício de tais funções, das quais:

a) Direitos subjetivos pessoais (os deputados gozam de direito a cartão

especial de identificação, a passaporte especial, a livre trânsito, etc) e

direitos subjetivos patrimoniais – direito a renumeração e a subsídios

especiais decorrentes da função:

b) Privilégios – prerrogativas subjetivas de natureza excecional –

circunstâncias que não são conferidas à generalidade dos cidadãos – são

justificadas em função da responsabilidade da função que exercem –

tratam-se de regalias – ex: reformas especiais, honras e precedências

protocolares; indemnidades – recupera-se a figura do bill de

Page 49: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

49

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

indemnidade34- traduz-se por exemplo numa ausência de

responsabilidade criminal ou civil relativas ao titular de certo órgão tal

como sucede com os deputados nos termos do Art. 157º/1 (limitado aos

votos e opiniões que emitam no exercício das funções (o nome usado de

“imunidade” distorce o significado jurídico do privilégio em causa;

imunidades – situações de não privação da liberdade prévia à sentença

definitiva de condenação e de não sujeição a julgamento do titular de cargo

público – caso do PR só responder criminalmente por crimes estranhos à

função e cometidos no exercício do seu mandato, após a cessação de

funções; prerrogativas processuais – situações que afastam o regime geral

quando envolvam um tratamento processual mais favorável – julgamento

do PR pelo STJ; autorização parlamentar necessária para audição ou

prossecução de deputados – 154º/3 ou 157º/2; outras regalias – 216º;

c) Situações jurídicas passivas – deveres; sujeições – cumprimento de

encargos determinados por Lei ou CRP para o exercício de determinadas

funções públicas – carece de escolha para essa vinculação a que os

restantes cidadãos não estão vinculados; incompatibilidades e

impedimentos; restrições particulares a direitos fundamentais (ex:

limitação do direito fundamental de reserva de vida privada de titulares de

órgãos políticos; limitação da liberdade de expressão pelo regime da

solenidade institucional; etc – trata-se evidentemente de uma situação

passiva, de adstrição decorrente da função em causa.

d) Também é possível encontrar situações pós-funcionais – mesmo após a

cessação de funções tem que continuar a existir a proteção do segredo de

estado; do respeito institucional, etc.

É possível renunciar-se ao estatuto funcional – é possível recusar regalias, privilégios,

etc.

7) PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO ABANDONO DE FUNÇÕES – Quem assume

uma responsabilidade de assumir uma função tem dever de diligência – é o limite da

responsabilidade criminal – proibição do abandono de funções; tem sempre que

existir continuidade das funções governativas – mesmo perante um pedido de

demissão jamais o Primeiro-Ministro demissionário pode deixar de executar o seu

dever institucional (pós-eficácia institucional e funcional) – sem prejuízo de se

concretizarem mecanismos de responsabilização do titular que as abandone – o

interesse coletivo goza de imperatividade e prevalência sobre o interesse

demissionário privado;

8) PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES – será

possível identificar uma regra geral decorrente do Art. 269º/4 (decorrente do regime

da função pública) – numa primeira instância identificamos uma proibição de

34 Muito usado na época da vigência da CC de 1826 como forma de “perdão” aos membros do parlamento por incumprimento de disposições da Carta Constitucional – havia uma desconsideração de inúmeras cláusulas do documento jurídico.

Page 50: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

50

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

acumulação de funções em órgãos de soberania e noutras funções – PR não pode ser

PR e comentador ao mesmo tempo (até pq violaria uma série de outros princípios

referentes aos órgãos e aos titulares e regras jurídico-constitucionais);

tendencionalmente é um princípio meramente indicativo – caso dos deputados não

poderem ocupar outras funções – Art. 155º- e ocupam – forma-se um costume contra

legem;

9) PRINCÍPIO DE RENUNCIABILIDADE AO CARGO – Ninguém pode ser

obrigado a exercer funções quanto ao próprio cargo – envolve declaração expressa.

Mas há casos em que a renúncia existe aceitação: ex: o PM pode renunciar mas carece

de aceitação do PR – 195º/1, b) – é um princípio aplicável em todas as circunstâncias

não obstando a aplicação do princípio da proibição do abandono das funções

SUBSECÇÃO B

PRINCÍPIOS SOBRE AS FONTES REGULADORAS DA ORGANIZAÇÃO DO

PP

14 §º Princípio da não exclusividade da configuração formal do poder político35

FONTES QUE REGULAM O PODER POLÍTICO

O exercício do poder faz-se sempre “segundo as formas previstas” ou “nos termos” da

Constituição – a atribuição ao povo da sede da soberania (Art. 3º/1) e da titularidade do

poder político – Art. 108º não envolve a sua disposição de forma anárquica ou ajurídica.

A soberania popular encontra-se, deste modo, “conformada e organizada por uma ordem

de direito constitucional – o exercício do poder político encontra-se aprisionado pela CRP

– é a constituição que serve de fundamento, de critério, de limite e de fonte definidora

dos meios de exercício do poder político. Assim, um poder político formal é o exercido

segundum constitucionem, nos termos da Constituição formal. O poder político e a

vontade do povo ficam assim subordinados à normatividade constitucional segundo

diversos corolários – MANIFESTAÇÕES DO PODER POLÍTICO FORMAL – A

VINCULAÇÃO DO PODER POLÍTICO À CRP:

(i) O exercício do poder político supremo é confiado a órgãos de soberania que,

tipificados pela CRP – 110º/1 encontram a sua definição, formação,

composição, competência e funcionamento;

(ii) Os restantes órgãos constitucionais encarregues do exercício do poder político

(ex: poder local, etc) encontram na CRP ou a sua configuração institucional

ou as condições procedimentais para que a Lei orgânica determine;

(iii) Os procedimentos de legitimação democrática (por exemplo, os mecanismos

eletivos) do poder político estão fixados na CRP;

(iv) Também os mecanismos de responsabilização do poder político estão

determinados e genericamente previstos pela CRP;

(v) As hipóteses de cessação ou afastamento compulsório do exercício de funções

políticas são definidas pela CRP;

35 Como é configurado, definido e delimitado o poder político formal.

Page 51: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

51

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(vi) As restrições aos direitos políticos encontram-se determinadas pela

Constituição;

(vii) Os atos legislativos obedecem a um principio de tipicidade – encontrando-se

expressamente vedado pela Lei que se admita fontes com caráter superior ou

mais imediato que a Lei36;

(viii) Situações de descentralização político-administrativa- legislativa encontram-

se tipificadas na CRP;

(ix) Os limites ao exercício do poder de RC está previsto na própria CRP – 288º;

(x) Efeitos da declaração de inconstitucionalidade – 282º 37.

Também encontramos uma manifestação do poder político formal através da regulação

de um Estado de excepção constitucional – a CRP delimita e regula o estado de sítio e de

guerra, estado de absoluta exceção constitucional – traduz uma preocupação com a

proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos por forma a evitar o desmoronamento

da república e do Estado de Direito Democrático por abusos do poder político – há uma

preocupação de formalizar e normatizar a exceção – Art. 19º.

Verifica-se todavia que a Constituição escrita não corresponde à única forma de

consubstanciação do poder político formal – também as praxes, costumes e precedentes

constitucionais, integrantes da “Constituição não oficial” são instrumentais para a

limitação e subordinação do poder – como forma de garantir o paradigma constitucional

geral e para efectivar a juridicidade do Estado Português – também o poder constituinte

informal é fundamental para regular o poder político e assim garantir a juridicidade e os

direitos fundamentais de todos os cidadãos.

O poder político não tem apenas fontes formais – o poder político também reconhece

fontes informais – o poder político formal é o que existe nos termos do Art. 108º da CRP,

mas também existe um poder político informal – que está na base da constituição não

oficial, não escrita, tem 4 demonstrações ilustrativas:

(i) Há um poder constituinte informal – oriundo da “Constituição não oficial”; na

prática social de caráter regulativo, etc;

(ii) Há um poder de exteriorização informal dos titulares de cargos políticos –

manifestar publicamente declarações que encerram declarações de vontade.

Ex: discursos políticos; declarações formais (limitadas constitucional e

36 Caso dos assentos – fundamentada a inconstitucionalidade do Art. 2º do CC nos termos do 112º/5. 37 O TC só se pronuncia sobre a inconstitucionalidade de um diploma de partes de um diploma – nunca

se pronuncia se é constitucional ou não, ou é inconstitucional ou não inconstitucional – tal deve-se às

previsões dos mecanismos de fiscalização da constitucionalidade e do que é admitido pela constituição

formal – fiscalização preventiva (278º); fiscalização concreta (280º); fiscalização abstrata (281º) –

tramitando-se os efeitos da decisão do TC da fiscalização preventiva na imperatividade de veto (antes

do diploma ser publicado, e assim nos termos da Código Civil e da Lei Formulária (74/98) e os efeitos da

declaração da inconstitucionalidade ou de ilegalidade (282º), oriundos da fiscalização abstrata (281º) e

concreta (280º) – sendo que nenhum tribunal pode aplicar Leis declaradas inconstitucionais pelo TC –

204º.

Page 52: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

52

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

procedimentalmente); notas à imprensa; etc – este poder é fundamental para o

exercício democrático e para a garantia eletiva – decorre da exigência do

principio da renovação e da eleição;

(iii) O quarto poder – está hoje nas mãos dos meios de comunicação social;

(iv) O poder oculto – da maçonaria, opus die, lobbies – poder preocupante;

irregulado e com impactos superiores ao expectável e detetável.

15º § - Princípio da não exclusividade das fontes normativas formais na regulação

do poder político 38

Princípio da não exclusividade das fontes formais: quais são as fontes que não são

formais: a consciência jurídica geral, a factualidade – sublinhe-se a importância dos

costumes, das praxes, dos precedentes constitucionais.

Nem todo o direito é produto do Estado ou oriundo da sua vontade (KELSEN) da mesma

forma que nem todo o direito regulador do poder político é oriundo de normas da

Constituição escrita – a juridicidade de um Estado (vinculatividade deste ao Direito) não

se esgota na legalidade normativa democrática – há assim um principio da não

exclusividade das fontes normativas formais de regulação do poder político- tal deriva

dos seguintes factos:

(i) Há direito ordinário que regula circunstâncias atinentes ao poder político, à

sua configuração e funcionamento – por exemplo: leis de eleição para a AR;

(ii) Há direito suprapostivo, traduzido na designada “Consciência Jurídica Geral”

que heterovincula o poder político de cada estado – tramitando-se em

princípios jurídicos fundamentais constantes das normas do ius cogens que

podem ser instrumentais na configuração formal do poder político – no que

concerne à obrigação de separação de poderes; à vinculação do poder político

aos direitos fundamentais; etc;

(iii) É também de reconhecer a existência de uma permeabilidade do sistema

jurídico à factualidade – traduzido numa efectividade e normatividade não

oficial – o efeito das práticas sociais, dos costumes, das praxes, dos

precedentes – a aplicabilidade prática e direta desta permeabilidade pode

resultar na existência de costumes praeter legem ou contra legem – de forma

que a regulação do poder político também apresenta fortemente um elemento

derivado de adaptação e atenimento ao facto;

(iv) Também os precedentes constitucionais correspondem a um instituto admitido

pelo paradigma constitucional e pela Ordem Jurídica é instrumental na

regulação do poder político – em termos genéricos, um precedente traduz o

simples registo de um comportamento ou de uma conduta decisória num

determinado momento e face a um quadro específico de circunstâncias de

facto e de direito – uma prática atual na resolução de casos mostra-se passível

de criar uma vinculação factual ao seu órgão constitucional o que pode

38 Derivação do 14º § sobre a configuração concorrencial normativa do poder político formal – quais as fontes que regulam o poder político.

Page 53: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

53

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

determinar a ação da mesma conduta no caso futuro – o precedente faz surgir

uma forma específica de autovinculação de comportamentos futuros ou de

previsibilidade hipotética em serem adotados determinados comportamentos

desde que se verifique identidade de circunstâncias factuais, tendo por base

factos ou condutas anteriores. Por exemplo: é um precedente constitucional

admissível no O.J.P a “investidura” de um governo de iniciativa presidencial

(perante uma elevada instabilidade política); existem ainda precedentes

constitucionais oriundos dos tribunais – A.U.J’s – jurisprudência constante ou

consolidada que determina extrair regras de conduta ou resoluções processuais

para outros tribunais;

(v) Também a necessidade traduz-se num marco de normatização de uma situação

inobservante dos princípios formai;

(vi) Existe ainda uma normatividade não incorporada – baseada na circunstância

do estado de sítio, por exemplo – todas as circunstâncias que tenham que ver

com paradigmas excecionais de legalidade e de constitucionalidade – há uma

ampla permeabilidade adptacional da CRP.

16º§ Princípio da não exclusividade das fontes jurídico-políticas reguladoras do

poder político

Decorre de uma normatividade extrajurídica, baseada e fundada na circunstância de

fontes não jurídicas – caso das fontes políticas, do trato social serem reguladoras do poder

político e por isso motivo condição sine qua non da juridicidade – Consciência jurídica

Geral.

Releve-se ainda a existência de normas que nem sempre são fontes jurídicas que regulam

o poder político – há práticas sociais que regulam o poder político. A própria abertura dos

conceitos constitucionais remete para a possibilidade de se assumir a existência de regras

fora do hemisfério da O.J. Existe assim uma normatividade técnico-científica; moral ou

ética e de trato social.

Aula de 20 de março de 2017

Vamos começar a estudar os órgãos de soberania: PR; AR; GOV; Tribunais.

17§ O Presidente da República

O PR – estatuto desde o 120º e seguintes – é o único órgão de soberania unipessoal,

composto por um único titular – é autónomo quer em relação à AR quer ao GOV. Tem

algumas funções nucleares, nomeadas no Art.120º:

1) O PR representa a república;

2) É o garante político da CRP;

3) É o comandante supremo das forças armadas.

Representação da República

Page 54: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

54

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

No plano interno e no plano externo, o PR desempenha funções de importância, como a

representação do país e dos cidadãos da República Portuguesa. No plano interno ele é um

símbolo de todos nós, representante de toda a colectividade. Esta relação especial entre o

Presidente e o povo, manifesta-se na sua tutela e discricionariedade de atuação, que

surgem evidentes quer pela legitimidade democrática oriunda da eleição por sufrágio

universal direto, quer pela dignidade, relevância, protagonismo e formalidade das funções

que exerce. Assim, o PR pode fruir da sua condição, tal como:

1) O PR pode exercer uma magistratura de influência – não pode decidir mas pode

sensibilizar os que decidem quer para os problemas quer para as soluções;

2) O PR tem uma função de orientação política – desde logo o PR nomeia o GOV e

pode condicionar a actuação do GOV – o PR pode exigir circunstâncias ao GOV;

pode vetar ou não as Leis, submeter questões a referendo; etc.

Também no plano externo o PR representa a república:

1) Representa o Estado na comunidade internacional – na vinculação de Portugal à

Comunidade internacional – PR como mais alto dignatário diplomático (daí a

importância das visitas do Estado, até como auxílio ao GOV em matérias

económicas e de comércio);

2) É o chefe de Estado, logo na tutela internacional, para os devidos efeitos, é o

primeiro representante da república, sendo a ele comunicados votos de pesar,

felicitação, etc.

O PR é garante (político) da constituição

3) O PR é a chave dos restantes poderes – BENJAMIN CONSTANT – tramitada na

CC de 1826 – o PR exerce um poder moderador: policial, fiscaliza, controla,

exerce uma função de polícia dos demais poderes – compete ao PR saber se o

GOV está ou não a por em causa o regular funcionamento das instituições; o PR

tem ainda o poder de árbitro, resultante de conflitos oriundos entre GOV e

restantes instituições – procuração da atenuação da crispação política;

4) Em situações de crise o PR pode ter protagonismo político – pode ser forçado a

dissolver a AR;

O PR é comandante supremo das FA:

1) Nomeação das chefias militares;

2) Exoneração e organização militar.

A função de PR é absolutamente indisponível e incompatível com demais. O PR é árbitro

quando os restantes estão a jogar. O PR é eleito por sufrágio direto- primeira volta, mais

de metade dos votos; caso contrário segunda volta. O mandato do PR é de 5 anos – inicia-

se com a posse na AR. O mandato pode ser antecipado em caso de morte ou de

incapacidade física permanente; quando se ausenta do território nacional sem autorização;

destituição do PR por crimes praticados no exercício das funções; abandono de funções

Page 55: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

55

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

– estar no território e deixar de exercer as funções – há uma lacuna na CRP – o TC terá

de intervir; a renúncia do PR. Em casos de impedimento temporário é substituído pelo

PAR (132º) – releve-se: uma coisa é substituição quando há vagatura do cargo – o titular

do órgão não regressa; a substituição ocorre quando há um impedimento temporário mas

pode tornar-se definitivo. Quando há vagatura o PR interino tem a função de preparar

uma nova eleição Presidencial – o substituto do PR não tem exatamente os mesmos

poderes do PR eleito:

1) Pq há poderes que não pode exercer – limites impostos pela CRP (139ª);

2) Requer intervenção do Conselho do Estado.

Ressalve-se a questão da responsabilidade criminal do PR – por crimes estranhos ao

exercício das funções o PR só responde no final do mandato; ou por crimes praticados no

exercício de funções – traição à pátria; incitamento a Revolução civil. Primeiro há o

desencadear do processo que é feito pela AR – requer aprovação por maioria de 2/3 – o

julgamento é feito pelo STJ – se o PR é condenado isso significa a sua destituição – depois

de ser acusado de nada lhe serve renunciar primeiro, pois o julgamento prossegue – por

forma a evitar recandidatar-se. A renúncia do PR não impede que venha a ser julgado,

mas antes disso pode dissolver a AR para evitar a acusação. Não existe qualquer

mecanismo de impugnação do Presidente – com efeito, se este não cumprir com as suas

diligências constitucionalmente exigidas, nada lhe acontece.

Qual é então a competência que o PR tem:

133º-135º. Tem três tipos de competência:

1) Competência de exercício vinculado – é obrigado a exercê-la. Ex: se o TC em

sede de fiscalização preventiva um diploma é inconstitucional, é obrigado a vetar;

obrigado a promulgar RC’s;

2) Competências de exercício condicionado – é livre de decidir mas há pequenas

condições às quais está determinado – podem ser a necessidade de uma

autorização parlamentar ( por exemplo para declarar guerra e estado de sítio, etc);

pode ser uma proposta de outrem; também há casos de audição – para culminar

na dissolução da AR; há atos do PR que requerem referenda ministerial – é uma

contrassinatura – o PM certifica que a assinatura é a do PR – ver o estudo de

FREITAS DO AMARAL e PAULO OTERO;

3) Competências de exercício livre – A presidência dos órgãos constitucionais –

preside ao Conselho de Estado; pode nomear 5 membros para o CE, pode

convocar a AR; é também livre para renunciar. Tem ainda uma competência

administrativa quanto aos serviços da Presidência (casa civil, secretaria-geral).

Vamos focar-nos numa competência. Todos os atos administrativos da AR e do GOV

carecem de promulgação do PR – é a intervenção solene do chefe de estado – a sua falta

Page 56: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

56

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

determina a inexistência jurídica do acto. Todas as Leis, DL e regulamentos sob forma de

DR carecem de promulgação. Perante um diploma proveniente da AR, ou proveniente do

GOV, para serem promulgados como Lei e DL. Quando o diploma chega a Belém o PR

pode promulgar, segue para referenda do PM e depois é enviado para publicação, entra

em vigor; o PR tem dúvidas sobre o diploma – requer a ação do TC – fiscalização da

constitucionalidade; o PR tem objeções quanto ao conteúdo do diploma, exerce o veto

político – a não promulgação por divergência política, quanto ao conteúdo, quanto ao

problema e solução – o PR devolve o diploma que o aprovou, fundamentando a sua

decisão e as razões da divergência.

É exercido o veto político. E agora? Há que diferenciar se é um diploma do GOV ou da

AR. Se for um diploma da AR vetado, a AR pode fazer 4 coisas:

(i) Submeter à vontade do PR – conforma-se à vontade do PR, modifica o

diploma acolhendo a proposta do PR; ou adota uma nova solução – a emenda

pode ser pior que o soneto, e o PR pode re-vetar;

(ii) A AR pode reaprovar o diploma, para fazer impor a sua vontade para

contrariar a do PR – 136º/2 – regra geral basta aprovar por maioria absoluta –

aí o PR é obrigado a promulgar – daí diz-se que se trata de um veto suspensivo.

Há casos em que se exige uma maioria de 2/3. Só podemos saber o âmbito de

aplicação do número 2, se excluirmos a regra especificada dos 2/3 – há uma

delimitação negativa, uma exclusão de hipóteses;

(iii) A AR não consegue obter a maioria absoluta quando ela era exigida – o veto

surte efeito;

(iv) A AR deixa morrer o diploma. Prevalece o veto presidencial.

No caso do GOV - 136º/4 – ou o GOV modifica ou o veto é prevalecente – é sempre um

veto com natureza absoluta; o GOV pode transformar um DL com base na sua vontade;

há caso em que o veto do PR é absolutíssimo – tem que ver com a organização e

funcionamento do governo. Pode o PR ainda requerer a fiscalização preventiva de um

diploma – Art- 279º. Envia para o TC o diploma que ainda não existe enquanto Lei – e

fundamenta o seu pedido – pronuncia-se pela não inconstitucionalidade; ou pela

inconstitucionalidade – ressalva-se que o TC nunca se pronuncia que é constitucional –

diz-se que não é inconstitucional – não impede que possa vir a ser declarado

inconstitucional com base em argumentos diferentes. Caso o TC se pronunciar pela

inconstitucionalidade, o PR está obrigado a vetar o diploma; é veto jurídico ou veto por

inconstitucionalidade – vem regulado no 279º - é veto jurídico; se o diploma é proveniente

do GOV – o PR só tem a hipótese de expurgar a norma, impugnar a norma ou modifica-

la. Pode contudo o veto ser absoluto em função do órgão proveniente. Se o diploma é

proveniente da AR a AR pode reformular o diploma para combater a

inconstitucionalidade declarada; a AR pode nada fazer – morre o diploma; a AR pode

confirmar o diploma, mesmo que o TC tenha declarado inconstitucional – que faz o PR?

O PR não é obrigado a promulgar – ao invés do veto político, no veto jurídico – por

inconstitucionalidade – o PR nunca é obrigado a promulgar pois é o garante da

Page 57: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

57

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

constituição – vai atuar com árbitro entre o juízo jurídico e o juízo político – pondero

promulgar ou não promulgar – é uma competência de exercício livre do PR, salvo se

estiverem em caso DLG – 18º/1 – o PR não pode promulgar – mesmo que seja

promulgado ele não deixa de ser inconstitucional caso assim seja declarado; assim os

tribunais podem recusar a sua aplicação; o PR pode requerer a fiscalização sucessiva do

diploma após a sua publicação.

Há várias figuras de PR:

1) PR eleito;

2) PR interino;

3) PR substituído – PR em posse mas impedido de exercer funções;

4) Ex – Presidente – é membro do CE.

Aula de 21 de março de 2017

Vamos tratar da AR e procuraremos articular a competência da AR com a competência

do GOV.

A AR é um órgão colegial, representativo de todos os portugueses – 147º da CRP – é a

síntese de toda a sociedade, no fundo é em miniatura a representação da coletividade, de

todos os portugueses.

Quais os princípios que caracterizam a AR?

1) Estrutura unicameral – retoma-se a ideia pós constituição de 1933 pela não

concretização da segunda câmara;

2) Principio da flexibilidade de configuração - 148º e 149º - mínimo e máximo de

deputados – 180 a 230 – remete para o legislador ordinário a fixação do número.

A CRP permite também a fixação de círculos nacionais e círculos locais.

Atualmente existem círculos locais, e círculos das regiões autónomas e círculos

para portugueses da europa e fora da europa. Consagram-se ainda círculos

uninominais e círculos plurinominais – ainda não existem círculos uninominais –

são eleitos vários deputados por círculo;

3) Princípio da Auto-organização interna – capacidade de elaborar o seu próprio

regimento;

4) Compete ao PR a dissolução e a marcação de eleições; toda a vontade do

parlamento está dependente da vontade do PR – promulgação; ao PR compete a

ultima palavra em matéria de referendo – está sempre condicionada, à vontade

convergente do PR;

5) Principio da permeabilidade à instrumentalização governamental – o parlamento

pode ser sempre instrumentalizado pelo GOV – o que o GOV quer a maioria

parlamentar que o sustenta aprova. Importa ter ainda em atenção o facto dos

deputados serem uma realidade fungível – são verdadeiramente ações que o líder

do partido tem – são espingardas e ações – são instrumentalizados – voto

Page 58: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

58

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

condicionado; a questão da disciplina partidária – os desalinhamentos no

momento da votação são excecionais – isto reforça a ideia da fungibilidade dos

deputados e da permeabilidade do parlamento. No entanto há limites a esta

permeabilidade – tem que ver com os direitos da oposição. Ex: a maioria não pode

ocupar todos os lugares do parlamento – a oposição tem membros na mesa do

parlamento; as presidências das comissões – a composição das comissões tem que

refletir a realidade de todo o parlamento; a oposição tem direitos potestativos –

unilateralmente pode definir a situação jurídica – mesmo que a maioria não queira

a oposição pode criar comissões de inquérito unilateralmente;

6) Principio da complexidade da organização interna do Parlamento – o Parlamento

não se expressa apenas através do seu plenário – tem várias estruturas orgânicas

no seu interior – é um órgão complexo: integra o parlamento:

(i) O plenário;

(ii) O PAR;

(iii) A mesa da AR;

(iv) As comissões parlamentares;

(v) A comissão permanente – substitui a AR quando há férias parlamentares

ou quando a AR está dissolvida.

7) Principio da permanência do parlamento – 15 de setembro a 15 de junho – o

parlamento está em funcionamento – corresponde ao período da sessão legislativa

– a título excecional pode haver uma prorrogação, doravante caso a não haja

intervém a comissão permanente;

8) Principio da imunidade da sede parlamentar – só a pedido da AR podem entrar os

polícias e militares.

Nos termos do Art. 151º vem definido o método de candidatura. Nos termos do 149º vem

definidos os ciruculos eleitorais.

Discutem-se os grupos parlamentares – PAULO OTERO considera que são associações

de interesse público, sem personalidade jurídica, porque os atos dos Grupos

Parlamentares são imputados juridicamente ao Parlamento.

Eleição do PAR – ou resulta do partido mais votado, de uma coligação já formada ou de

um acordo com incidência parlamentar.

Outra estrutura importante são as comissões parlamentares – tem que ter sempre

elementos da oposição. Por outro lado a presidência das comissões também é potestativa.

Existem:

a) Comissões parlamentares institucionalizadas – existem sempre: comissão

permanente; outras;

b) Comissões ad hoc – comissão de inquérito de camarate; administração da CGD;

são comissões de investigação, para averiguar e esclarecer determinados assuntos.

Existem ainda outras estruturas internas. Como funciona o parlamento?

Page 59: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

59

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Cada legislatura tem a duração de 4 anos e cada legislatura divide-se em 4 sessões

legislativas – 15/09 a 15/06. A ordem do dia vem prevista no Art. 176º e as votações no

Art. 116º.

A AR tem a sua competência definida – Art. 161º a 165º. A AR tem fundamentalmente 3

tipos de competências:

a) Normativa – compete aprovação de normas: Leis de RC; Leis ordinárias;

Convenções internacionais; o seu regimento;

b) Política – tem diversas manifestações: orientação política através de atos diversos,

por exemplo, a apreciação do programa do governo; a eleição de juízes para o TC;

elegendo membros para o Conselho de Estado – há uma orientação em termos

subjetivos;

- Fiscalização – controlo político: do governo, da administração

e do PR (declaração do estado de sítio e de emergência);

- Acompanhamento – ausência do PR; acompanha a integração

portuguesa no panorama da união europeia;

- Certificação política – PR jura a CRP perante a AR;

c) Competência interna – tem poderes disciplinares sobre os deputados; poderes

sobre os grupos parlamentares; tem órgãos e serviços internos – tem biblioteca,

serviços de gestão; etc.

Importa distinguir entre os juízos de mérito – conteúdo e oportunidade da decisão; não é

um juízo de validade – cumpriu ou não a lei. Atende ou não à oportunidade. Trata-se de

um exercício de fiscalização política.

Fica a questão se é possível a AR fiscalizar atos das regiões autónomas? Em principio a

AR não tem competência para fiscalizar uma empresa pública de uma região autónoma;

embora a AR possa sempre fiscalizar.

Pode controlar os decretos-leis do governo e decretos-legislativos regionais aprovados

pela AR (essencialmente em matérias de reserva da AR).

Como é que se processa à fiscalização?

1) Interpelações ao governo;

2) Inquéritos parlamentares – prestação de depoimentos – poderes semelhantes aos

tribunais;

3) Exigência de documentação.

Quais os efeitos desta fiscalização. Ao fiscalizar pode perceber que foram praticados atos

inconstitucionais. Pode a AR pedir a fiscalização ao TC ou pode notificar o MP e o MP

iniciará inquérito. Pode abrir-se o mecanismo do Art. 169º. O efeito paradoxal da

fiscalização é dicotómico consoante a maioria vigente – mais forte o governo, mais fraca

a fiscalização – a ultima decisão é a da maioria; caso destinto dos governos minoritários.

Page 60: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

60

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

A competência legislativa do parlamento resume-se:

1 – o parlamento tem uma competência legislativa – representa o universo do panorama

legislativo, vamos afastar a situação das R.A. – o que está em causa é a repartição da

competência legislativa entre a AR e o GOV. Como se reparte?

(i) Reserva de competência exclusiva da AR- 164º – reserva absoluta de

competência legislativa da AR – nestas matérias só a AR pode legislar – se o

GOV tenta legislar há inconstitucionalidade orgânica;

(ii) Há matérias que são da reserva relativa do parlamento – tratam-se de matérias

que em principio só a AR pode legislar mas tbm a AR pode aprovar uma

autorização – lei de autorização legislativa – a AR delega no GOV

competência legislativa – Art. 165º;

(iii) Há matérias em que a CRP atribui reserva do GOV – exclusiva competência

do GOV – 192º; se a AR legislar estará a cometer uma inconstitucionalidade

orgânica;

(iv) Há ainda uma competência legislativa reservada ao GOV – desenvolvimento

de Leis de Bases – 198º/1/c)

(v) Sobra todo um espaço – 161º/c) – há um espaço concorrencial –

fundamentando para o GOV no 198º/1/a) – isto relaciona-se com o seguinte:

só se sabe o que está na área concorrencial por delimitação negativa e exclusão

de partes – originária na ditadura militar de 1926;Q

Reserva absoluta da AR; nos termos do Art 164º; Art. 161º b); d); e); f); g); h) ; Art.

168º/6; 293º.

Três notas finais:

1) Agora compreendemos porque perante o veto político do PR a um decreto-lei do

GOV este pode remete-la pela AR que pode override o veto presidencial;

2) Há veto absolutíssimo em juízo de direito, quando em organização do GOV a

competência está fora da competência absoluta ou relativa da AR;

3) Como se relacionam os atos produzidos pela AR e pelo GOV. A AR pratica atos

legislativos sob a forma de Lei; o GOV sob a forma de decreto-lei. Na área

concorrencial, como se relacionam – 112º/2. Na área concorrencial se há um

conflito entre Lei e DL – resolve-se pela sucessão no tempo.

Aula de 27 de março de 2017

Terminámos a AR tendo feito o panorama da repartição da competência legislativa entre

parlamento e governo.

Vamos analisar o GOV enquanto órgão de soberania – é um órgão autónomo,

relativamente ao PR. É autónomo num duplo sentido histórico – era assim caracterizado

na CRP de 1933; à luz do modelo da ditadura militar também era autónomo – fonte da

ampla competência concorrencial que o GOV tem.

Page 61: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

61

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

É caracterizado à luz da CRP por duas funções nucleares:

a) Órgão da condução da política geral do país numa dupla aceção:

(I) Política geral interna;

(II) Política geral externa.

b) Responsável pela Administração pública;

Está dependente do PR – quanto à nomeação do PM e demais membros do GOV; quanto

à possibilidade do PR demitir o GOV.

Sublinhe-se a importância do programa do governo – é um compromisso perante o

parlamento – sublinha os propósitos da ação governativa – é o que o gov promete fazer.

É uma autovinculação para os membros do GOV – comprometem-se a unificar a

solidariedade governamental; é também uma expressão perante todo o país – pela via da

vinculação perante a AR. O programa pode resultar de um compromisso eleitoral. O

programa do GOV é um ato político mas pode expressar argumentos jurídicos – discute-

se a possibilidade do PR poder vetar em função de um diploma desconforme com o seu

programa -pode ser elemento de fiscalização de coerência do GOV. O programa do GOV

também não precisa de ser aprovado – basta não ser rejeitado pelo Parlamento (permite

governos minoritários) – até apresentar o programa na AR, o gov tem as suas capacidades

jurídicas minoradas assim como uma competência restrita. Será que o programa do GOV

admita aditamentos, alterações, em função da modificação das circunstâncias? O

programa do GOV é elaborado pelo PM mas com a participação dos M, quando há

remodelações, o que vem substituir o membro do GOV está vinculado ao programa que

o antecessor se vinculou? Sim está vinculado e fica adstrito ao principio da solidariedade

governamental.

A complexidade da organização do GOV determina a mutabilidade da deliberação em

seio governativo. O governo pode deliberar através dos seus órgãos – conselho de

ministros; pode deliberar em sede de ministérios; etc. Quando a CRP diz que a

competência reside no GOV, essa competência é de exercício colegial (conselho de

ministros) ou é uma competência individual ministerial? A regra que vem da Constituição

de 1933 é de competência individual, determinada pelo objeto do diploma. Ressalve-se

ainda a existência de conselhos de ministros temáticos que podem ser orientados para a

aprovação para determinados diplomas.

Princípio da unidade política intergovernamental:

1) Fundado no programa do GOV;

2) O Conselho de Ministros não delibera segundo um princípio maioritário – as

decisões são tomadas por consenso – advém o princípio da solidariedade – até

porque o PM não pode ser desautorizado pelos ministros.

Page 62: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

62

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

O principio da solidariedade, expresso no Art. 189º , expressa-se relativo às

deliberações do CM e relativamente à solidariedade e respeito institucional, vincula o

GOV da república.

Princípio da responsabilidade política do GOV

(I) Perante a AR – é uma responsabilidade política imperfeita, baseada na

fiscalização parlamentar;

(II) Perante o PR – em função do poder de veto político sobre os diplomas do CM;

(III) Responsabilidade difusa – oriunda da opinião pública;

(IV) Reserva de competência residual – 199º/g) – o GOV pode tomar todas as

decisões relativas à melhoria do bem- estar.

Nos termos do Art. 187º/1 é nomeado o PM pelo PR e tem que ter em consideração dois

fatores:

a) Os resultados eleitorais para as eleições parlamentares;

b) O PR tem de ouvir os partidos políticos com representação parlamentar.

Para além destes requisitos como se processa a escolha do PM?

(I) A margem de discricionariedade do PR na escolha do PM é variável, em

função da existência de maioria parlamentar ou acordo de incidência

parlamentar – o PR fica condicionado na indigitação do líder que lhe é

indicado por essa maioria – não está obrigado a fazê-lo, mas tem menos

margem de manobra;

(II) Quando não há maioria o PR pode desencadear processos tendo em vista a

criação de maioria – o PR não está obrigado a nomear o líder do partido mais

votado – mesmo com a “Geringoça” mantém-se o precedente constitucional

de nomeação do líder do partido mais votado;

(III) O PR pode ainda tomar a iniciativa de formar GOV – GOV de iniciativa

presidencial.

Ressalve-se ainda a figura do PM indigitado – é uma figura transitória. Tem dois

propósitos:

a) Não havendo maioria vai em busca de uma maioria no parlamento;

b) Mesmo quando existe maioria, a figura do PM indigitado permite ao futuro PM

formar GOV e respetivos colaboradores, poderem elaborar o programa do GOV.

Quais as funções do PM?

1) Funções de gestação do respetivo governo – compete o recomendar dos nomes

para a composição do GOV, junto do PR;

2) Direção governativa e orientação política do GOV;

3) Função administrativa – orientar os serviços públicos do Estado;

4) Representação do GOV – representação do país;

Page 63: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

63

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

5) Função protocolar.

No Art. 196º/2 está prevista a responsabilidade criminal do PM.

Os ministros têm uma dupla legitimidade política de quem os propõe (PM) e legitimidade

de quem nomeia (PR).

Os ministros têm ainda determinadas funções:

a) Substituição;

b) Representação;

c) Administração;

d) Coordenação.

Podem ainda existir Vice-Primeiros-Ministros e subsecretários de estado. Como se

procede à circunstâncias destes cargos? A partir da Lei orgânica do GOV – lei que

organiza a hierarquia.

O início de funções do GOV corresponde à data da tomada de posse – vigora o principio

da continuidade de funções – 186º/5. O GOV está limitado até à apresentação do respetivo

programa, limita-se à prática dos atos estritamente necessários para a administração dos

negócios públicos – têm uma competência jurídica diminuída – GOVERNO DE

GESTÃO. Podem elaborar DL mas só se forem estritamente necessários para a

manutenção dos negócios públicos. Todos os GOV são duas vezes GOV de gestão – antes

da apreciação do programa do GOV – e após a sua demissão.

O GOV pode cessar as suas funções por várias razões:

a) A AR pode rejeitar o programa do GOV; pode aprovar uma moção de censura;

rejeição da moção de confiança;

b) O PM pede a demissão – demissão do GOV;

c) O PM pode cessar funções por demissão interposta pelo PR – 195º/2 – quando

isso seja necessário para assumir e garantir o regular funcionamento das

instituições democráticas sendo o único juiz o PR. Há duas visões:

(i) É uma mentira piedosa – ou o GOV é minoritário e a AR derruba o GOV

aprovando uma moção de censura; o GOV é maioritário e o PR fica limitado

na demissão, mas pode dissolver a AR;

(ii) O PR é o único órgão que pode aferir o funcionamento regular das instituições

– o PR pode dissolver;

d) Início de nova legislatura, morte do PM, impossibilidade física duradoura do PM,

condenação definitiva do PM. Será possível a suspensão de funções do GOV? não

é possível a suspensão colegial de todo o GOV – o VI GOV provisório, antes da

vigência da CRP – resolveu autossuspender as suas funções – este precedente não

tem validade à luz da constituição vigente. Em casos de impedimento e efetivação

da responsabilidade criminal ou autossuspensão intervém o PR.

Qual a competência que o GOV tem?

Page 64: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

64

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

a) Competência política – 197º;

b) Competência Legislativa – 198º;

c) Competência administrativa – 199º .

Uma nota ainda para a existência de GOV demissionários – através do PM fica vincada

a intenção de demissão – carece de aceitação pelo PR – o governo não está demitido até

o PR aceitar;

Outra nota para os casos de GOV com AR dissolvida – não é um GOV demitido – só o

início de nova legislatura acarreta demissão do GOV – é um GOV de poderes inferiores

em plenitude de funções, mas tem mais poderes que um GOV de gestão – é uma figura

média, íngnea – mas não pode contar com a AR.

Qual é assim o sistema do GOV em Portugal?

1) Há um pluralismo orgânico – funcional – assenta num triângulo – GOV, PR e AR

– a ideia tradicional é que o sistema português é semi-presidencial – PAULO

OTERO DISCORDA:

a) Não tem nada que ver com a V república francesa;

b) Não há semi-presidencialismo instituído ou normatizado.

Diria que é um semi- parlamentarismo racionalizado. Pois há uma constituição não

oficial, que convoca dois elementos extra-jurídicos: sistema partidário e a prática

institucional.

A prática institucional permite colocar 3 questões?

a) O PR está ou não em sintonia com a maioria parlamentar?

b) Quem preside ao CM?

c) Como o PR exerce o seu poder de enviar mensagens à AR?;

d) O PR é líder da maioria parlamentar ou não?

e) Flexibilidade do sistema de GOV português – o parlamentarismo racionalizado

tende a transformar-se em presidencialismo de PM – nada impede que existam

novas modalidades de funcionamento de sistema de GOV

Resulta a permeabilidade constitucional para o PR assumir um papel mais relevante.

Aula de 28 de março de 17

Tínhamos concluído a análise de GOV e do sistema de GOV de 1976. Falta analisarmos

os tribunais, enquanto último órgão de soberania. A matéria sobre a fiscalização da

constitucionalidade não é dada neste momento.

Ideias nucleares sobre os tribunais:

1) Todos os tribunais são órgãos de soberania;

2) Nos termos do Art. 202º têm a função de administrar a justiça – resolver litígios é

uma competência exclusiva dos tribunais – é monopólio dos tribunais. Também a

Page 65: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

65

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

administração resolve litígios mas resolve sendo parte – visa sempre o interesse

público; cada tribunal, sendo superior às partes, resolve imparcialmente – tem

uma posição de terceira idade – são terceiros em relação ao litígio – visam sempre

alcançar a paz jurídica – através de decisões que tendem a ser irrevogáveis –

decisões que transitam em julgado;

3) Podem ter ainda competência administrativa – ao funcionamento da secretaria dos

tribunais, dos funcionários dos tribunais – há competências de natureza

administrativa – há ainda uma participação dos tribunais na função política –

ajuizando da constitucionalidade das Leis – visando a interpretação das Leis – já

que a CRP utiliza conceitos indeterminados – os tribunais são chamados a

densificar esses conceitos, com uma função integrativa dos tribunais. Os tribunais

têm o poder criativo do direito (pq não a existência do precedente jurisprudencial

em Portugal? Pq é que as decisões dos tribunais não são fonte de direito?);

4) O TC tem poderes para extinguir organizações que perfilhem ideologia fascista –

a concretização desta natureza envolve uma intervenção de natureza política;

5) Os tribunais têm à luz da CRP o papel de representantes da coletividade. Que

categorias existem?

(I) Internos e externos – o O.J.P. reconhece a jurisdição e o poder decisório

de tribunais internacionais;

(II) Mediação, Arbitragem – mecanismos alternativos para a resolução de

litígios e conflitos, pela via da aproximação das partes.

O Art. 209º dá-nos a distinção entre tribunais do Estado e tribunais arbitrais – os arbitrais

são verdadeiramente uma forma de exercício privado da função jurisdicional, todavia

existem por previsão constitucional. Existem ainda tribunais com existência obrigatória

e outros por forma facultativa. Dentro dos tribunais obrigatórios há tribunais ordinários e

especiais. Os ordinários apresentam 4 grandes categorias:

1) TC – matéria regulada no Art. 221º a 224º.

2) STJ e TJ1ª instância e 2ª instância;

3) STA e restantes TA;

4) TContas.

PAULO OTERO quer sublinhar os princípios estruturantes do regime dos tribunais na

CRP. São 4 princípios que o Senhor Professor Doutor considera que são princípios

estruturantes do Estado de Direito:

1) Principio de independência – principio duplo: independência do poder político –

não estão sujeitos a intervenção e orientação politica e também independência dos

tribunais sobre os demais – cada qual é dono do seu juízo;

2) Principio da obrigatoriedade das decisões dos tribunais – 205º - as decisões

vinculam os respetivos destinatários, sejam particulares, sejam entidades públicas

– tbm o Estado está obrigado a acatar as decisões (não há Estado de Direito se as

decisões jurisprudenciais o não vinculam);

Page 66: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

66

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

3) Principio da prevalência das decisões judicias – se há um conflito entre uma

decisão judicial e a Lei, há um primado das decisões judiciais sobre tudo o resto

– uma Lei não pode revogar a decisão judicial;

4) Princípio do controlo da validade do fundamento normativo das decisões – os

tribunais têm o poder e o dever de recusar a aplicação de normas inválidas – daí

o principio ser o do controlo – o tribunal tem de analisar se a norma será válida

ou inválida – 203º, 204º e 280º/2.

A CRP prevê a existência de mais órgãos constitucionais que não são órgãos de soberania

– não exercem poder constituinte apesar de estarem normatizados na CRP. Há órgãos da

república de âmbito nacional e outros de âmbito local.

Órgãos da república de âmbito nacional:

1) Conselho de Estado – 141º a 146º o conselho de Estado é o órgão consultivo do

PR e pode ser utilizado para propósitos além do aconselhamento do PR – há um

desenvolvimento informal do âmbito de atuação e competência do Conselho de

Estado – pode ser um mecanismo de compromissos institucionais (pela alta

patente dos membros que o compõem); pode ainda ser fundamental para evitar

radicalidade entre protagonistas do poder político – procura resolução de litígios

constitucionais; pode ainda sensibilizar os protagonistas para os problemas – pela

alta patenta dos membros;

2) Conselho Superior de Defesa Nacional – órgão consultivo do PR sobre assuntos

de defesa – 274º;

3) Provedor de Justiça – Art. 23º da CRP – todos os cidadãos podem apresentar

queixas sobre condutas por ação ou por omissão dos poderes públicos – o

provedor de justiça não tem poder de decisão – tem apenas duas faculdades:

(i) Apreciando o pedido, caso entenda que a queixa que foi apresentada tem

fundamento, o PJ recomenda uma solução ao órgão competente –

encaminha o pedido com uma recomendação – mas o órgão não está

vinculado a seguir a recomendação – mas é obrigado a justificar caso não

dê decisão favorável ao que o PJ recomenda;

(ii) É o instrumento que pode desencadear a fiscalização sucessiva da

constitucionalidade junto do TC – função fundamental – os particulares

não podem requerer a fiscalização da constitucionalidade – o provedor

pode fazê-lo por um pedido feito por particulares – desempenha a função

de ponte entre os cidadãos e o TC.

4) Conselho Superior de Magistratura – 217º e 218º - tem poderes disciplinares e

poderes de nomeação sobre os juízes;

5) Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e fiscais – 217º/2;

6) Procuradoria-Geral da República – 219º e 220º - é o órgão superior do MP -é

composta por dois órgãos:

(i) A/O PGR;

(ii) O conselho de consulta do PGR.

7) Conselho Económico e Social – 92º;

Page 67: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

67

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

8) Autoridades administrativas independentes – estão previstas duas:

(i) 35º/2 – proteção de dados pessoais;

(ii) 39º - comunicação social.

Órgãos de âmbito local

1) Representante da República nas Regiões autónomas – deixou de se chamar

ministro da república – o estatuto vem consagrado no 230º. É um órgão do Estado

e representa a república na região autónoma e representa o PR na região autónoma

– tem grande proximidade com o PR. É nomeado pelo PR e depende

exclusivamente da confiança política do PR – quando acabar o mandato do PR

acaba o do representante. Tem os seguintes poderes:

(i) 231º/3 e 4 – formação do GOV regional – tem na prática os mesmos

poderes que o PR quanto à nomeação do respetivo GOV;

(ii) Assinatura e veto dos diplomas regionais – 233º da CRP – é aqui que o

OTERO gostaria de tomar em consideração o seguinte: quais são os

diplomas? DL regional ou DR regional. Primeiro, o Representante não

promulga, assina – em que termos? Observemos os DL regionais:

1) Só é competente para emanar DLR a AL – o GOV regional não tem

poderes legislativos;

2) Envia o DL para ser assinado para o representante. O que pode fazer?

Assinar – o diploma fica perfeito! Ou pode ter discordância política

com o diploma – utiliza o veto político – comunica à AL as razões do

seu veto – 233º/3 – pode a AL alterar em conformidade com as

sugestões; pode teimar naquela solução e a confirmar por maioria

absoluta – o Representante é obrigado a assinar; na ausência de

maioria absoluta de confirmação não tem que assinar – o veto é sempre

suspensivo. Se o Representante tem dúvidas sobre a

constitucionalidade do diploma, 278º/2, pede ao TC que aprecie em

sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade – o TC diz que

não é inconstitucional e o Representante ou assina ou veta

politicamente ou o TC pronuncia-se pela inconstitucionalidade – nesse

caso o Representante tem veto jurídico – está obrigado a vetar. O que

pode a AL fazer? Alterar, em conformidade com o TC; nada fazer –

não pode é confirmar o diploma por maioria de 2/3 ou mesmo

unanimidade e enviá-lo para o Representante, pq ele não pode escolher

entre um órgão de soberania e um órgão constitucional não soberano

– nem o representante é um órgão de soberania.

3) Se é um DR regional importa reter: não há fiscalização preventiva de

normas regulamentares – só de atos legislativos; se o diploma é

proveniente do GOV regional, o veto político é sempre absoluto – se

é sobre DLR da AL regional, o veto é sempre suspensivo.

2) Presidente da AL da região autónoma – 230º/3 pode substituir o representante da

república – quando tal acontece, na medida em que o substitui é um órgão da

república e não local;

Page 68: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

68

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

3) GOV regional – pode ser um órgão da república de âmbito local nos termos do

229º/4 e exerce competências delegadas entre o GOV da república e a AL

regional.

Aula de 03 de março

Vamos hoje falar das regiões autónomas. Tínhamos falado de órgãos de âmbito nacional

da república para as regiões autónomas – Presidente da Assembleia Legislativa;

Representante da República; GOV regional.

Vamos hoje analisar os órgãos internos das regiões autónomas. Vamos fazer um recorte

das R.A. – descentralização político-legislativa – podem elaborar atos de natureza

legislativa – foram criadas em 1976. A génese está na constituição de 1933. A figura das

R.A. foi introduzida em 1971 para as figuras ultramarinas. A montante histórico está a

constituição italiana de 1947 e a constituição espanhola de 1981.

O fundamento da autonomia regional vem previsto no Art. 225º - tem que ver com o

circunstancialismo geográfico. Principio da máxima eficácia, princípio da proximidade

local, principio democrático – exige proximidade e maior legitimidade entre quem decide

e os legítimos destinatários. Principio da unidade do estado.

Reforço da participação – desenvolvimento – defesa e promoção dos interesses regionais

e o reforço da unidade na diversidade do pluralismo.

Quais são os limites que a autonomia tem? Resultam do 225º/3. Podemos resumi-los no

seguinte:

(i) A CRP – a autonomia exerce-se dentro desse quadro;

(ii) A autonomia nunca pode por em causa o estado unitário – Art. 6º;

(iii) A reserva de competência dos órgãos de soberania – a autonomia não pode

atentar contra a autoridade dos órgãos de soberania;

(iv) Interesse nacional – prevalência do direito do estado – em caso de conflito

entre o direito da região e o direito do estado é prevalecente o do Estado;

(v) Compromissos internacionais – ressalve-se o da EU;

(vi) Estatutos político-administrativos ou regionais – 226º. Os estatutos regionais

não podem ser considerados uma constituição autónoma. São primeiro que

tudo uma Lei da República – oriunda da AR, promulgada pelo PR – por isso

é que há sempre uma prevalência do direito do estado. Têm três funções:

(a) Desenvolvem a estrutura organizativa;

(b) Desenvolvem o funcionamento das estruturas da R.A.;

(c) Estabelecem as relações entre a região e a república.

Não são uma constituição, mas funcionam como tal. Não há, contudo, expressão do poder

constituinte da vontade da região – doravante, a região autónoma tem uma iniciativa

Page 69: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

69

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

legislativa exclusiva – poder de desencadear o processo legislativo – manifesta-se através

de serem apresentados propostas ou projetos de lei. Uma coisa é a iniciativa legislativa

(desencadear o processo de feitura) outra é a competência legislativa – competência de se

decidir se se aprova ou não. A iniciativa legislativa tem sempre de partir da região

autónoma - a AR pode assim rejeitar, aprovar, a AR não poderá transformar a sua solução

na final, sem parecer favorável da R.A – contudo a decisão final é sempre a da AR.

A AR não pode desencadear o processo legislativo de definição dos estatutos regionais –

é desencadeada iniciativa pela R.A. – a AR pode contudo substituir o conteúdo da

iniciativa, tem a última palavra sobre a matéria.

Qual a função e significado do Estatuto? Traduz uma reserva de competência da AR –

tem esta particularidade – é a Lei Ordinária que mais valor tem no Direito português –

mais reforçada! Por duas ordens de razões:

(i) Todos os diplomas regionais estão subordinadas ao Estatuto;

(ii) Todas as demais Leis da república estão subordinadas ao Estatuto – não

podem contrair o estatuto de uma R.A. – caso contrário estão feridos de

ilegalidade – é possível uma Lei ser ilegal quando viola uma lei de

posicionamento hierárquico superior – 280º/2/c) e tbm o 281º/1/d).

O que é que integra a autonomia regional? 227º/1 – os estatutos promonerizam,

densificam os poderes da região autónoma.

Vamos centrar as atenções na Autonomia Legislativa – quais são os poderes

legislativos das R.A.?

a) De 76 até 2017 houve evolução, decorre da R.C. de 2004 permite encontrar quatro

tipos de competência legislativa:

(i) Competência legislativa exclusiva ou reservada, matérias sobre as quais só as

RA podem legislar – a consequência é o facto de se a AR emanar um ato

legislativo sobre estas matérias, está ferido de inconstitucionalidade orgânica.

Quais as matérias? 227º/1 – i, l, n, p e q – só a RA pode legislar;

(ii) Competência autorizada – prevista na alínea b) – significa que estamos nas

matérias da reserva relativa da AR – do 165º da CRP – a AR pode conceder

uma Lei de autorização legislativa para a R.A. legislar sobre essa matéria – o

227º/1/b estabelece uma fronteira entre as matérias em que é possível a

autorização legislativa e impossível a sua concessão. A autorização tem

sempre de ser pedida pela RA e tem de apresentar com o pedido um ante-

projecto de DL regional a autorizar – tem que apresentar aquilo que vai ser o

diploma a emanar se lhe for conferida autorização legislativa. O que é

autorizado a uma RA não é conferido a outra – 227º/2. A autorização

legislativa deve sempre fixar um prazo para a ARA proceder à feitura desse

diploma autorizado – a R.A. elaborará DL autorizados;

(iii) Competência legislativa de desenvolvimento – 227º/1/c – em sede geral, qd se

elabora uma Lei ela pode definir um regime jurídico de uma determinada

matéria, pode fixar as linhas mestras de um determinado regime – é uma Lei

Page 70: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

70

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

de Bases – fixa os grandes princípios, as grandes orientações, a que está sujeito

um determinado regime jurídico – necessita de ser densificada, através do

diploma de desenvolvimento – divergências doutrinárias sobre o

desenvolvimento das Leis Base e a quem lhes é reportavel a competência –

trata-se do problema da área concorrencial. Regime geral: Bases mais

desenvolvimento. A ARA pode desenvolver leis bases – Leis de DL (tbm pode

desenvolver DL bases). A fixação das bases é matéria dos órgãos de soberania

– é por isso que as bases expressam o primado do Direito do Estado, pq os

diplomas do desenvolvimento estão sempre subordinados às Leis Bases – daí

se designarem por Leis de valor reforçado, por se reportarem ao

desenvolvimento de outras – se o desenvolvimento violar a Lei de Bases, esse

é inválido, perante a violação de uma Lei com valor reforçado;

(iv) 227º/1/a) competência legislativa estatutária – está prevista nos estatutos da

R.A. só existe se estiver prevista no estatuto, nunca pode incidir sobre áreas

de exclusiva competência dos órgãos de soberania – só existe na mancha da

área concorrencial – só se estiver elencada e prevista no Estatuto, tem de ser

matéria não reservada aos órgãos de soberania. Quais os efeitos? Só a R.A.

pode legislar – reserva do estatuto, criada pelo estatuto, se existir uma Lei da

AR ou um DL da AR que discipline essa matéria, o ato legislativo da república

é inválido porque viola a reserva de competência – viola o estatuto regional.

O regime jurídico está feito a favor da república – pode haver diplomas

inválidos por ilegalidade (violação do estatuto= - não há fiscalização

preventiva da constitucionalidade.

O professor Paulo Otero considera que a AR ou o GOV da república pode,

pela via do principio da prevalência do direito do estado, através da outorga

de uma Lei de Bases para determinar uma ilegalidade superveniente de um

diploma legislativo regional por mudança do regime geral imputável à

circunstância39 .

Aula de 04 de março de 17

Vamos hoje ver a matéria das fontes do O.J. Já somos especialistas, porque já demos a

IED. Vamos analisar a Lei, o DL e o DL E DR regionais. Vamos ainda ver os princípios

fundamentais referentes às fontes de Direito:

1) Principio da não exclusividade das fontes normativas formais – significa que

o direito não se esgota nos atos produzidos pelo Estado. Há mais direito do que a

Lei – o Direito não se esgota no direito escrito – por exemplo existência de

costume;

39 Com o devido respeito, apresenta o autor deste trabalho sérias dúvidas sobre o uso prático do instituto e mecanismo da Lei de Bases como “sub-rogação” de mecanismos legislativos regionais – se a Lei de Bases tem como pretensão o desenvolvimento de um regime jurídico para desenvolvimento e densificação posterior sendo geral e abstrato, é difícil justificar o seu âmbito prático como mecanismo de invalidação superveniente de ações legislativas regionais sem existir violação dos estatutos regionais.

Page 71: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

71

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

2) Princípio de pluralidade de fontes formais – não há apenas uma fonte de direito

proveniente do Direito escrito – há uma pluralidade de fontes escritas de direito –

pode ser uma pluralidade de fontes dentro do Estado mas tbm há uma pluralidade

de fontes para além do Estado. A pluralidade de fontes provenientes do Estado

são as de incidência legislativa – leis, DL, Leis de revisão constitucional, etc; mas

existem tbm fontes de incidência administrativa – o regulamento. Também há

fontes produtoras de regras jurídicas exclusivas ao Estado – Fontes do Direito da

EU; ius cogens, ius commune – há uma pluralidade de fontes formais – não há

apenas uma fonte formal quer interna quer externa – há concorrência de fontes;

3) Princípio da tipicidade da reserva de Lei – o que é a reserva de Lei? Resume a

existência de matérias que só podem ser objecto de disciplina por ato legislativo

– matérias que estão única e exclusivamente a cargo do poder legislativo – reserva

do ato legislativo; reserva da função legislativa. Vai mais longe – fala na

tipicidade – só há reserva de Lei nos casos expressamente previstos na

Constituição – estando fora da reserva de lei pode ser objeto de disciplina por lei

ou por disciplina primária por regulamento – exemplos de reserva de lei – reserva

da AR ou de matéria legislativa do GOV;

4) Principio da tipicidade dos atos legislativos – a primeira ideia é o Art. 112º/1 –

são atos legislativos a Lei, o DL e o DL regional – o principio da tipicidade é

completado com o Art. 112º/5 – nenhuma Lei pode criar outro tipo de atos

legislativos para além dos atos previstos na CRP. Só podem existir atos

legislativos criados pela CRP. Há outro tipo de atos para além do 112º/1 – há pelo

menos mais dois atos legislativos – as Leis de RC e as Leis Orgânicas (PAULO

OTERO considera nova categoria de ato legislativo – não se identificam com Lei

ou DL). Ainda existirão no DP outros atos legislativos? Sim! Com fundamento no

Art. 290º/2 – atos legislativos anteriores à CRP de 1976 que ainda se mantenham

em vigor – foram ressalvadas pelo 290º/2. Desde que seja materialmente

conforme mantém-se em vigor;

5) Princípio da revogabilidade das normas – todas as normas jurídicas podem ser

revogadas. Não há normas imutáveis, todas podem ser objeto de cessação de

vigência. Há duas modalidades diferentes de revogação – revogação simples e

revogação substitutiva (cessa a vigência e substitui a disciplina jurídica da

respectiva matéria). A regra é que quem tem competência para emanar tem

competência para revogar;

6) Principio da não comunicabilidade entre normas de diferente natureza – uma

convenção internacional posterior sobre uma matéria previamente outorgada por

uma Lei anterior não pode revogar uma norma anterior proveniente de um ato

legislativo interno – não há comunicabilidade entre normas de natureza de direito

internacional ou interno – há uma incompatibilidade que vai gerar a

inaplicabilidade da Lei anterior – continua a existir contudo em coma jurídico pois

não é aplicável porque surge algo que a torna inoperacional, mas não a revoga –

o órgão de soberania competente deve ou pode é proceder à sua alteração ou

revogação. Não há revogação pelo direito internacional – há inaplicabilidade. Lex

posteriori derrogati lex anterior – se forem atos legislativos de mesma natureza,

Page 72: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

72

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

de igual hierarquia, pode existir revogação – há comunicabilidade e aplicabilidade

pela natureza ser a mesma e o conteúdo dispor sobre a mesma circunstância. Pode

existir caducidade regulamentos pela via de perda de base entre a fonte que lhe dá

origem – não há comunicabilidade entre normas de diferente natureza;

7) Pluralidade de relações internormativas – Lei e DL têm igual valor jurídico –

112º/5 – significa que uma Lei posterior derroga um DL anterior. Tbm dentro da

Lei ordinária podem existir relações de prevalência – podemos encontrar dentro

dos atos legislativos duas categorias – podemos ter Leis reforçadas e Leis de valor

comum – pq não têm valor reforçado – Lei de Base em relação ao diploma de

desenvolvimento; Estatutos das R.P.A. R.A; autorização legislativa. Há uma

pluralidade de relações inter-normativas – as Leis têm sempre um valor reforçado

em relação aos regulamentos;

8) Princípio da vinculação e da administração dos tribunais – a administração e

os tribunais estão vinculados à Lei – têm o poder de recusar a aplicação de normas

inválidas- a fiscalização difusa da constitucionalidade – 204º diz que os tribunais

devem recusar a aplicação de normas inválidas. Ao contrário, a administração

deve aplicar todas as normas mesmo que sejam inválidas; só a titulo excecional a

administração pode recusar a aplicação de normas -Leis violadoras de princípios

fundamentais do O.J.; leis que violam direitos fundamentais – 18º/1 e 18º/3; qd

estamos perante leis cuja inconstitucionalidade é expressamente reconduzível à

inexistência jurídica nos termos da CRP;

9) Princípio da supletividade do direito do Estado - qd nas entidades

infraestaduais não emitem norma, aplica-se na falta de norma o direito do Estado;

10) Princípio da prevalência do direito do Estado – consequência do Estado ser

titular de interesses nacionais e dizer essencialmente o facto de competir ao estado

a última palavra. O estado tem órgãos que emitem Leis para todo o território, essas

leis expressam a vontade do estado, com exercício de soberania. O direito da EU

vincula o estado – heterodesconstitucionalização de base autovinculativa.

Page 73: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

73

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

TEORIA GERAL DOS ATOS NORMATIVOS 40

40 1 § - A Lei em Geral

a) A lei como norma jurídica – como ordenamento jurídico;

b) A lei como fonte intencional unilateral de direito – criação de normas jurídicas por um ato

potestativo de autoridade, dirigido à criação manifesta de direito40;

c) A lei como fonte intencional unilateral centralizada ou estatual de direito – criação de direito do

estado por obra de autoridade estatal (ex: editais das autarquias, resoluções do Conselho de

Segurança da ONU, regulamentos comunitários);

d) A lei como acto da função legislativa “latíssimo sensu” – produto da ação legislativa do Estado

– abrangendo leis constitucionais, infraconstitucionais, ordinárias, de eficácia

predominantemente externa ou interna;

e) A Lei como ato da função legislativa “lato “sensu” – lei ordinária, subordinada à constituição;

f) A lei como acto da função legislativa “stricto sensu”-ato normativo da função política (entenda-

se GOV ou AR) subordinado à CRP e dotado de eficácia predominantemente externa – ato

dirigido à comunidade política e ainda às relações entre órgãos de poder40;

g) A lei como ato legislativo da assembleia política representativa – oriunda da AR, aqui Lei em

sentido material e terminológico;

h) A lei como acto sob forma de lei – as especificidades processuais de aprovação, processo de

formação, votação final e objeto da matéria – confere-lhe força obrigatória geral, que é a força

jurídica de Lei.

1.1 § - A problemática jurídico-política da Lei – A lei como ato da função legislativa é motivo de amplo

debate filosófico, sobre a sua natureza e vinculação teleológica, enquanto exercício de soberania e

de poder constituinte por excelência dos Estados, que terão sempre de ser de Direito. S. Tomás de

Aquino e Suarez vêm entender a Lei como a ordenação da razão; Hobbes como a vontade do

soberano; Locke como a garantia da liberdade civil e da propriedade; Montesquieu como forma de

garantir a divisão de poderes, o equilíbrio das instituições e a efectivação dos direitos naturais da

pessoa humana; Rousseau como expressão da vontade geral; Kant como vontade racional,

expressada no cumprimento de um imperativo categórico; Bentham como instrumento para a

utilidade e felicidade geral; Austin como manifestação imediata do poder soberano; Marx e Engles

como domínio da classe; Kelsen como um escalão de normas imediatamente a seguir à CRP;

conceito politico para Schimitt.

1.2 § – Como distinção importante ao nível dos atos legislativos, encontramos ainda a diferença entre

leis em sentido material e leis em sentido formal. Com efeito, afigura-se relevante perceber que a lei

formalmente adoptada pode ser uma e a lei materialmente praticada ser outra – deste modo, a lei

em sentido formal corporiza o ato legislativo que é determinado pelo poder político de forma oficial

e segundo os trâmites previstos na procidementalização jurídico- constitucional. A lei em sentido

material tem uma deriva pragmática, traduzindo a aplicação desta no domínio da realidade,

corporizando desideratos possíveis, evidenciados através de costume, etc. A lei material incide assim

num produto de acepção jurídico- constitucional entre a formalidade subjacente à emanação do ato

e à corporização práxica do seu exercício. A acepção geral de Lei será a Lei material. Adotada sem

rigidez, admitindo que há vários tipos e graus de lei material, em função de diferentes projeções e

manifestações de conteúdo. A generalidade e abstração da Lei são dois pré-requisitos básicos,

doravante a generalidade e a abstração não se impõem ex professo com toda a amplitude, pelo que o

trabalho do intérprete e do juiz tem de se socorrer também de outros princípios.

São pontos firmes os seguintes:

a) A CRP não define a função legislativa nem a lei, mas define o exercício da função jurisdicional,

reservando-a em exclusivo aos tribunais – 202º - assim a função legislativa jamais poder-se-á

confundir com a função jurisdicional – como forma de manutenção da separação e

interdependência de poderes (108º); a decisão jurisdicional terá contudo sempre de estar

subordinada à determinação normativo-legal, produto do Art. 203º (apenas estão sujeitos à lei,

não sendo admitidas ingerências legislativas ou executivas);

Page 74: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

74

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

b) A CRP procede a uma separação das competências legislativas e administrativas – enquanto

competência legislativa e administrativa do GOV – 198º e 199º ; competência legislativa da AR

e competência de apreciação de Decretos-Leis e de atos do GOV e da Adm – 161º e 162º, c) e

a); poder de legislar e poder executivo próprio das R.A – 227º a); b), c) e g); recorta-se uma

definição de função administrativa por interpretação extensiva e análoga do Art. 199º e do

268º/4, determinando-se essa em função do conteúdo e não da forma – ato de administração

enquanto gestão de coisa comum e não a forma específica e idiossincrática como poder é

exercido;

c) A fiscalização da legalidade e da constitucionalidade é manifestamente de normas jurídicas, nos

termos dos Arts. 204º, 277º, 278º, 279º, 280º, 281º,282º e 283º e 288º/l); 290º/2; e são atos

legislativos, por ação ou por omissão os constantes do 278º/1 e 2; 280º/2; 283º/1 – assim a

função legislativa é também função normativa e, pelo menos, um regime específico de

fiscalização concentrada de atos normativos justifica-se pela natureza geral do objeto ajuizado;

d) O Art. 112º ocupa-se das leis e regulamentos, como epígrafe dos Atos normativos e como estes

se relacionam ou podem relacionar-se;

e) A CRP autonomiza em resoluções os principais atos não normativos (pela inexistência de

caráter vinculativo) do parlamento – 166º/5;

f) Também Artigos do Código Civil sobre interpretação da lei e integração de lacunas assumem

uma natureza constitucional pela omissão na constituição na parte V de disposições que

determinem o procedimento interpertacional, sendo feito com recurso ao código civil,

assumindo essas regras um caráter transversalmente constitucional na jusplubicistica;

g) As Leis restritivas de DLG têm de se revestir de carater geral e abstrato – 18º/3;

h) As leis criminais e de ilícito de mera ordenação social revestem-se de caráter geral nos termos

do Art. 29º e 37º/3;

i) 32º/9 – implica generalidade e abstração dessa lei.

1.3 § - forma de lei e competência legislativa - A Lei distingue-se dos demais atos jurídico-públicos por

elementos formais preestabelecidos, que se reportam ora ao modo da sua revelação ora ao modo de

produção, no que concerne aos diplomas donde constam as normas e a respetiva competência do

órgão para a sua produção e oponobilidade, sendo determinante o cumprimento de um amplo

procedimento formativo. A forma de Lei é uma forma constitucionalmente garantida: cabe à CRP

determinar quais os atos normativos que são ou não Lei ou que podem ter força jurídica

equiparável. À partida o legislador constituinte pode optar por uma forma de Lei ou por uma

pluralidade de formas – em virtude da vinculação teleológica subjacente à intenção normativa,

perante os sentidos possíveis imprímiveis na Lei, bem como das competências e articulações com

outros atos.

O critério fundamental é o da competência – a competência determina a qualidade do ato normativo. Se

há um único órgão com competência para a emanação do ato haverá uma única forma de lei; se há

vários órgãos com competência, haverá formas diferentes de Lei. Ex: Secretário de Estado é competente

por emanar portarias – uma única forma de Lei; GOV e AR têm ambos função legislativa: existem DL e

Leis, consoante o sentido, a reserva de competência, o objeto, etc.

No constitucionalismo moderno o Parlamento é o órgão legislativo estrutural ou funcionalmente mais

adequado enquanto órgão legislativo exclusivo ou como órgão legislativo normal, primário,

predominante ou por excelência. Com efeito tal deve-se à normatização constitucional no que concerne à

determinação das competências. Para além e também pela via do princípio da separação de poderes

(111º), a emanação da Lei deverá, por excelência, provir de um parlamento, de uma assembleia

representativa, corporizando a ideia geral democrática, oriunda de uma herança liberal, de que a lei,

sendo dirigida e oponível a todo o povo, deverá ser votada pelos seus representantes eleitos – o debate e

o compromisso parlamentar, acrescentam validade e legitimidade jurídico-democrática ao diploma

normativo.

Page 75: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

75

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Ainda assim, face à necessidade de administração dos Estados, da celebração de negócios estrangeiros,

na regulação e predisposição económico-financeiras, os GOV também têm que legislar. Assim vem o

entendimento de que existirão diferenças na organização da competência. Haverá:

(i) Competência exclusiva do parlamento;

(ii) Competência primária do parlamento e competência complementar do Executivo (caso de

Leis de bases criadas pela a AR, outorgando-se o desenvolvimento complementar ao

executivo; leis de enquadramento e de execução);

(iii) Competência exclusiva do parlamento, mas delegação informal no executivo,

designadamente através de regulamentos delegados (matérias que seriam da reserva da

Lei, vão ser objeto de regulação pelo executivo, mediante delegação informal do poder

legislativo);

(iv) Competência originária do parlamento e competência derivada do executivo – delegação

formal, autorização legislativa, no domínio da reserva de competência;

(v) Competência exclusiva do parlamento, mas fixação constitucional da matéria da lei em

contraposição à de regulamento – é competência exclusiva do parlamento, pré-determinada

pela Lei – caso da V república francesa, tudo o que não seja objeto de reserva de Lei terá

natureza regulamentar, significando isto que a Lei que verse sobre determinadas matérias

pode ser modificada pelo governo, se o Conselho Constitucional declarar o seu caráter

regulamentar- há um desiderato jurídico-regulamentar;

(vi) Competência normal do parlamento e competência provisória do executivo, com

subsequente necessária confirmação do ato legislativo;

(vii) Competência originária e primária do parlamento e competência de substituição do

executivo;

(viii) Competência originária e competência concorrencial do parlamento, mas reserva ao

parlamento certas matérias;

(ix) Competência originária e concorrencial do parlamento e do executivo.

No quadro atual do paradigma jurídico-constitucional português, com todas as revisões constitucionais

impressas à constituição formal de 1976, verificamos uma distinção aprimorada entre a reserva de

competência e de iniciativa, no domínio do processo legislativo-normativo.

São assim órgãos legislativos no atual direito português:

a) A AR, nos termos dos Arts. 161º, alíneas b) a h) e l), 164º, 165º, 166º/2 e 3; 167º, 168º, 169º e

170º;

b) O GOV nos termos do Art. 198º (competência política e legislativa);

c) As ALR, nos termos do Art. 227º/1/a), b) e c); 228º; 231º e 232º.

A esses órgãos correspondem três formas de lei ou atos legislativos, como diz o Art. 112º:

1) A Lei, como produto da AR, nos termos dos Arts. 112º/1 e 2; 119º/1/c); 161º e 166º/2 e 3;

2) O Decreto-Lei proveniente do GOV – Arts. 112º/1 e 2; 119º/1/c); 198º e 200º/1/h);

3) O DL regional (que na verdade é uma lei regional já que provém da ALR) – 112º/1, 4 e 8;

119º/1/c); 227º/4.

Tem-se vindo a considerar a existência de mais tipos de Lei dos que reconhecidos pela constituição

formal nos termos do Art. 112º/1. As Leis orgânicas, as Leis de Autorização Legislativa e as Leis de

bases – em comum, tratam-se todas de leis de valor reforçado, que podem justificar teoricamente a sua

autonomização como nova categoria de Leis. JORGE MIRANDA conclui pela manutenção tradicional da

categoria de Leis existente constante do 112º/1, na medida em que, quanto ao procedimento e objeto,

assumem a mesma natureza de leis ordinárias, oriundas da AR. Com o devido respeito, tendo a

considerar que será possível uma autonomização na constituição material e “não oficial” destas Leis de

valor reforçado, em função do âmbito e da natureza procedimental distinta (quer na aprovação, quer na

confirmação do veto político do PR).

Page 76: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

76

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Apesar da pluralidade de órgãos e de formas de lei (ou tipos de lei), pode-se falar de um primado da AR

sobre os restantes órgãos, enquanto assembleia representativa dotada da função legislativa por

excelência. Assim:

I) A AR dispõe de uma competência legislativa genérica – 161º/c), que só não atinge a

organização e funcionamento do GOV (198º/2) e o conteúdo essencial da autonomia

legislativa(227º, 112º/4) (salvo convenção internacional ou diploma regimental, também

excluídos do escopo de influência da AR;

II) A AR dispõe ainda em relação ao GOV de uma ampla reserva de competência – pode haver

reserva de iniciativa do GOV (determinação da proposta de Lei como forma de abertura do

processo legislativo) – podendo essa reserva ser absoluta – 161º, 164º, 167º/1, 227º/17i),

255º, 256 e 293º; relativa- 165º;

III) No âmbito da reserva relativa (165º), uma Lei de Autorização legislativa da AR terá que

definir o objeto, o sentido, a duração e extensão da Lei que o governo poderá desenvolver,

nos termos do 165º/2 (no caso de não definir um destes âmbitos ocorre um caso de

ilegalidade sui generis que acarreta nulidade).

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DO GOVERNO

O GOV apresenta uma função legislativa a acrescer à sua função tradicionalmente administrativa e

executiva, no entanto está condicionado em larga medida pelo grande escopo de influência da AR, pelo

que existe:

a) Competência legislativa do governo reservada – compete somente ao governo, sendo

completamente autónoma e independente da AR – organização e seu funcionamento – 198º/2 –

caso das falsas leis orgânicas; designação de número de ministérios, secretários de estado, etc;

b) Competência legislativa concorrencial – com a AR em matérias que não lhe estão reservadas

(quer relativa ou absolutamente) – ou seja, na área concorrencial;

c) Competência legislativa derivada ou autorizada – em matérias de reserva relativa de

competência da AR – em matérias de reserva relativa da AR, perante aprovação de Lei de

Autorização, no stermos do 165º/2 e do 198º/1 (respeitante à competência político legislativa do

GOV).

COMPETÊNCIA DAS ALR

O poder legislativo das R.A. cabe às respetivas A.L.R – a existência de DLR é produto das A.R.L pelo que

a designação é tendencionalmente errónea.

A competência regional analisa-se:

a) Competência legislativa primária:

(i) Legislar, no âmbito regional, em matérias constantes do estatuto político-

administrativo e que não estejam reservadas ao órgãos de soberania – 227º/1/a) e

228º/1;

(ii) Transpor no âmbito regional e em matérias não reservadas aos órgãos de soberania,

atos jurídicos da EU.

b) Competência legislativa derivada ou autorizada – perante a reserva relativa da AR, num

contexto de autorização da AR – 165º/1 e 227º/1 – não exclui a circunstância do

estabelecimento de uma lei de bases pela AR, sem densificação particularizada, para determinar

a ilegalidade superveniente de um DLR em relação à Lei de Bases da AR – tem que haver uma

conformação com o direito nacional, neste caso com a lei de valor reforçada nacional, salvo

fenómeno de ilegalidade que pode suscitar fiscalização sucessiva abstrata da legalidade que

determine a nulidade do diploma e obrigue à sua inaplicação jurídica; não exclui a

conformidade com o estatuto político-administrativo e a circunstância da reserva de iniciativa e

reserva de competência;

c) Competência legislativa complementar – desenvolver regimes jurídicos contidos em leis

circunscritas à circunstância autonómica;

Page 77: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

77

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

d) Competência legislativa condicionada – exercício autónomo de poder tributário, desde que

conforme o OE do país, no quadro da premência e prevalência da AR; criar e extinguir

autarquias, nos termos da Lei – 227º/1/i); aprovar o plano de desenvolvimento económico e

social e o orçamento regional – 227º/1/p).

A competência legislativa primária é uma competência legislativa genérica. Todas as demais são

competências específicas.

Importa sobre a questão da autonomia verificar que o estatuto político-administrativo só pode ser

outorgado pela Assembleia da República Portuguesa, nos termos do Art. 226º/1 ex vie Art. 226º/4 –

assim, porquanto a reserva de iniciativa caiba à ALR, ainda que, nesse domínio, mediante proposta do

governo regional, a reserva de competência para a aprovação ou, por interpretação extensiva retira-se,

modificação, competirá sempre e necessariamente à AR – no domínio da deliberação e na votação em

especialidade é admissível a alteração, que deverá ser enviada nos termos do Art. 226º/2 para a ALR

para assentimento e posterior aprovação final da AR. Há assim reserva de iniciativa para a feitura do

Estatuto político-administrativo para a ALR, mas há reserva de competência da AR. O estatuto político-

administrativo das R.A. é assim uma Lei da República Portuguesa, sendo lei de valor mais reforçado de

todas no ordenamento jurídico-português, podendo, na posição de ABREU DE CAMPOS, considerar-se

constante de natureza (para)constitucional – o incumprimento do Estatuto político-administrativo gera

figuras de abuso de direito, de ilegalidade sui generis e de inconstitucionalidade formal. Na ausência de

regime autonómico, aplica-se subsidiariamente direito nacional geral. O estatuto político-administrativo

será uma lei infraconstitucional de primeiro grau – tem que existir uma conformidade do estatuto com a

CRP, e uma conformidade de todos os DLR e todas as Leis e DL nacionais com o estatuto – pois há valor

reforçado do estatuto e a desconformidade da Lei posterior com a Lei do estatuto que é anterior não

pode suscitar a revogação tácita/derrogação como seria expectável segundo o princípio lex posteriori

derrogati lex anterior já que, nos termos do Art. 226º/1 há reserva de iniciativa de alteração e

modificação do Estatuto pela R.A. É contornável este facto pelo emprego da figura da Lei de bases

relativo a um regime genérico sobre um facto jurídico especificado, mas tal não implicará a alteração ao

estatuto, antes a sua sub-alternização.

2 § - RESERVA CONSTITUCIONAL E FORÇA DE LEI

A CRP atribui ao legislador a faculdade de pautar as suas intervenções – escolher quando intervirá

legislativamente, as circunstâncias da sua intervenção e determinar ou densificar o seu conteúdo,

respeitando os parâmetros constitucionais.

No plano orgânico-formal, isto é, no plano dos órgãos legislativos ou órgãos de soberania com função

legislativa atribuída, há uma completa vinculação às imposições constitucionais – as formas de lei são as

prescritas pela CRP; a força de lei que dela decorre, terá que ter força geral e o obrigatória, seja a que

especificamente venha a ser conferida a certas leis em face de outras.

Existe uma verdadeira reserva de constituição no domínio das competências legislativas das formas e da

força de lei – esta é a questão que deriva a na possível existência de diplomas feridos de

inconstitucionalidade orgânica, p.ex. – na verdade, a conformidade da legalidade com a constituição far-

se-á pela circunstância de proatividade na tipicidade constitucionalmente prescrita – importa perceber a

reserva diferenciada de forças jurídico-constitucionais. Uma coisa é a violação de uma norma

constitucional de competência ou de forma – outra coisa é o afastamento de regras constitucionais

materiais de definição dos órgãos legislativos, das formas e da força de lei: inconstitucionalidade

orgânica (por abuso de competência e usurpação de poder) v. inconstitucionalidade material (quando o

legislador ordinário arroga para si uma prerrogativa exclusiva do legislador constituinte da definição de

quais são os órgãos legislativos, quais as formas de lei e a força jurídica respetiva).

A reserva de constituição é determinada pelo caráter dogmático-paramétrico desta no estabelecimento

organizacional do poder político e da atividade legislativa.

A reserva de constituição pode assumir duas configurações fundamentais:

Page 78: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

78

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

a) Reserva de regulamentação – as normas constitucionais fazem o recorte da matéria – assim as

formas de exercício da soberania ou do poder político são as previstas na CRP – a CRP previra

no seu articulado os domínios em que será suscetível analisar-se os conteúdos tutelados;

b) Reserva de constituição através de uma enumeração exaustiva – numerus clausus – através de

diversas cláusulas proceder-se-á à tutela jurídico-constitucional.

A reserva de constituição corresponde às matérias que carecem de tutela constitucional – ou pela via da

regulamentação constitucional (as formas previstas na CRP) ou pela via da enumeração extensiva. A

reserva de Lei incide sobre matérias que só a Lei, no âmbito procedimentalmente dependente e conforme

a CRP, deverá ser tutelado – abarcando os fenómenos de legalidade e constitucionalidade.

O poder legislativo, de outorgância de domínios jurídico-normativos diversos, enquanto constitutivo de

direito, será sempre uma função de reserva determinável pela constituição – a reserva de lei (reserva de

legalidade) decorre da reserva de constitucionalidade (como corolário do exercício do poder constituinte

e expressão da soberania). Assim, afigura-se como indispensável, para a consolidação do Estado de

Direito Democrático (v.g. Art. 2º) a fixação da competência legislativa, sendo a função legislativa a mais

importante do Estado de Direito, oponível erga omnes à comunidade política.

Assim, decorre do paradigma constitucional geral a FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA – A

competência para o exercício da função legislativa é atribuída pela CRP à AR nos termos dos Arts. 161º

(competência política e legislativa), 164º e 165º; ao GOV nos termos do Art. 198º e às ALR nos termos do

Art. 227º e Art. 232º. Assim decorre:

(i) Só são órgãos legislativos os acima mencionados podendo dispor livremente da fruição da

função legislativa;

(ii) Cada órgão só poderá fazer aquilo que a constituição lhe confere, expressamente, não

podendo arrogar para si faculdades que não lhe tenham sido atribuídas, não sejam do

domínio de nenhum outro órgão ou sejam de outro órgão – só têm faculdade de legislar nos

termos da constituição;

(iii) Quando um órgão tem competência para legislar só ele poderá fazer a interpretação

autêntica, com prejuízo de se verificar ingerência orgânica, usurpação de poder e nulidade

interpertacional no caso desconforme com o disposto;

(iv) Quando a CRP reserva a um órgão a faculdade de produção legislativa de bases ou bases

gerais de certa matéria, decorrerá um corolário necessário stricto sensu que corresponde à

objetiva necessidade de desenvolvimento legislativo, ou pelo mesmo órgão, ou por

delegação noutro salvo expressa autorização do órgão competente pelo desenvolvimento

das bases – a generalidade e abstração elevadas de uma Lei de bases pode determinar a

sua inoponibilidade prática salvo desenvolvimento, sendo este condição sine qua non – o

órgão competente pela emanação das bases terá, forçosamente que ficar adstrito a

imprimir um conteúdo útil, uma densificação suficiente, uma direção específica à lei a

emitir – não se poderá cingir somente a conceitos vagos, imprecisos, muito gerais, caso em

que frustraria o próprio sentido da reserva e cometeria um desvio do poder legislativo que

sucederia inconstitucionalidade orgânica dos atos supervenientes;

(v) Havendo modificações na constituição, pela aprovação e promulgação de uma Lei de

Revisão Constitucional, que afete as disposições normativo-constitucionais sobre

competência dos órgãos legislativos, os atos normativos praticados e emanados ao abrigo

das normas antigas mantém-se perfeitamente válidos e eficazes, no entanto, a pretensão de

mudanças a diplomas previamente, isto é, a realização de interpretação autêntica a

diplomas originados no quadro orgânico-constitucional anterior far-se-á pelas novas

disposições – já que, por exemplo, o órgão que emanou o diploma pode ter perdido

competência para o emanar, assim será o órgão que a CRP previr a realizar a

interpretação autentica do diploma;

(vi) Apenas poderão haver autorizações ou delegações legislativas (não há lugar a

subdelegação ou sub-autorização, paralelamente à CRP) no âmbito de relações

interorgânicas e nas formas expressamente previstas da CRP – só podem haver

Page 79: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

79

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

autorizações da AR ao GOV ou da AR para a ARL, no domínio da reserva de competência

relativa da AR (165º);

(vii) A substituição de um órgão competente para determinados atos por outro far-se-á nos

termos que a CRP determinar – caso do PR interino ser o PAR;

(viii) Não é constitucionalmente admissível a devolução de poderes de natureza (para)legislativa

a quaisquer entidades públicas ou privadas;

(ix) A transposição de diretrizes comunitárias para o direito interno far-se-á no quadro da

CRP;

(x) Nenhum órgão, mesmo legislativo, pode intervir no processo do outro e determinar a

atividade do outro.

PRINCÍPIO DA FIXAÇÃO DAS FORMAS DE LEI: Decorre da CRP a tipicidade e formalidade das

formas de Lei. Decorre fundamentalmente do Art. 112º. Assim:

a) Só são atos legislativos os pela CRP definidos como tais – Lei, DL e DLR – 112º/140;

b) Cada competência legislativa deve exercer-se através da forma constitucionalmente

estabelecida e cada forma deve servir para o exercício dessa competência – existência de

formas específicas dos atos normativos em função do âmbito da competência legislativa, perante

o órgão responsável e o objeto do ato normativo;

c) Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos – 112º/5/1ª parte – justificação da

revogação do Art. 2º do CC;

d) Nenhuma lei pode conferir a um ato de natureza diversa (não reconhecida nos termos do

112º/1) o poder de revogar, alterar, suspender, modificar, com eficácia externa (oponível erga

omnes) o ato originário – pois trata-se de um abuso de competência e ingerência orgânica, não

é constitucionalmente possível a efetivação dessa interpretação extensiva – com eficácia externa

aumentando o restringindo a extensão da competência originária constitucionalmente

garantida;

e) O incumprimento das disposições supra corresponderá sempre a uma inconstitucionalidade

material, por contravenção das disposições constitucionais;

f) Na circunstância de se criarem regras substantivas (dirigem-se ao conteúdo de atos e não à sua

forma) os atos provenientes destas ficam feridos de inconstitucionalidade superveniente, para os

efeitos do 282º/2.

A constituição formal, vem todavia ainda estipular, no Art. 122º atos infra-constitucionais mas que

interferem no domínio da Lei de formas diversas – referendos, declaração de estado de sítio, declaração

de guerra, decretos de nomeação, resoluções da AR40 - são atos normativos atípicos, segundo PAULO

OTERO, mas que são constitucionalmente previstos, ainda que subalternizados.

AS RELAÇÕES ENTRE LEI E REGULAMENTO – O ART. 112º/5 - O princípio da fixação das formas de

lei, ex vie factum da Lei não poder atribuir a atos de outra natureza poder de interpretar um ato legal,

implicará necessariamente uma relação manifestamente diferença entre a lei e os atos infralegais. Assim

sendo, não será constitucionalmente admissível que um regulamento interprete uma Lei.

Podem existir regulamentos de execução quer regulamentos autónomos e independentes (caso das

portarias) ou regulamentos destinados a conferir plena operatividade, execução ou concretização a uma

pluralidade de leis não determinadas – ou aos princípios nelas ínsitas; deve ser indicada a lei que define

a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão – 122º/7/2ª parte; não podem ser admitidos, no

ordenamento jurídico português (pois eles existem noutros ordenamentos jurídicos, em que a atribuição

da ponderação orgânico-constitucional, em exercício de competência irrestrita é diferente),

regulamentos delegados ou autorizados, pois eles em vez de densificarem a lei, e promoverem a boa

execução das leis, iriam equiparar-se à lei e fazer o mesmo que esta. A administração interpretará a Lei

com recurso a densificação regulamentar, não podendo ser contra legem ou contra constitucionem.

Com efeito, discute-se se a ratio do 112º/ 5, visa somente limitar o poder do legislador no que concerne

ao reenvio normativo de que este possa arrogar-se, impedindo-o de transferir para órgãos com mera

competência regulamentaria – ou se há prerrogativas superiores – o sentido da norma constitucional

Page 80: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

80

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

implica o entendimento mais abrangente e rigoroso. A conclusão que se retira é que há uma proibição

genérica de modificação, suspensão e revogação de preceitos legais por preceitos regulamentares.

Assim como uma lei de bases vem a ser desenvolvida ou complementada por um DL ou DLR, quando

esta não é exequível por si mesma, em termos de oponibilidade, dada a generalidade e abstração da Lei-

Eficácia sistemática.

Regulamentos delegados e deslegalização: O art. 112º/5 não veda o fenómeno de deslegalização,

semelhante ao dos regulamentos delegados. Enquanto que os regulamentos delegados são regulamentos

elevados à função e força de Lei, por outorga desta; na deslegalização é a matéria da lei que é

degradada por enquanto regulamento – perderá a força obrigatória geral por determinação própria – é

possível, já que não será um facto desconforme com a CRP – no regulamento delegado, alarga-se a área

dos tipos de atos e dos órgãos que podem confluir legislativamente em certa matéria – eleva-se o

regulamento por alargamento do escopo e pretensão de aquisição de força jurídica obrigatória geral; na

deslegalização restringe-se, passando a matéria da lei a regulamento e de órgão legislativo a órgão

regulamentário. A deslegalização está para a norma legislativa ordinária como a

desconstitucionalização está para a norma constitucional.

Reserva de lei e princípio da legalidade -A reserva de lei desempenha uma função excludente e, mais do

que isso, executa uma função positiva de reforço do princípio da legalidade da administração e da

jurisdição. Legalidade equivale a não desconformidade da atividade administrativa e jurisdicional com a

norma jurídica, seja qual for, e uma não desconformidade com a norma legislativa. Legalidade não

impõe somente prevalência ou preferência da lei, nem sequer prioridade da lei – implica fixação

primária e monopólio do sentido normativo.

As Leis da AR: Existem diversos tipos de competência legislativa do parlamento. Ao definir a

competência legislativa, a CRP não se limita a atribuir o poder de “fazer leis sobre todas as matérias”.

Encontram-se as seguintes competências:

a) Competência legislativa genérica e competência legislativa específica;

b) Entre competência legislativa reservada e competência legislativa concorrencial;

c) A competência concorrencial compreenderá ainda a reserva absoluta (164º) e a reserva relativa

(165º);

d) Competência legislativa imediata e competência legislativa mediata.

A competência legislativa reservada é a conferida pela CRP ao parlamento relativa a quaisquer questões

e matérias, relações ou situações da vida e só é limitada pelo direito comunitário. Fala-se ainda em

reserva absoluta ou relativa da AR, nas matérias tuteladas respetivamente pelos Arts. 164º e 165º. Nos

casos de reserva absoluta, é constitucionalmente atribuível pela CRP à AR a tutela indisponível das

matérias tratadas, na reserva relativa, há uma primazia constitucional atribuída ao parlamento,

doravante é possível a existência de uma “autorização legislativa” que, nos termos exigidos pelo 165º/2

(salvo suscitar-se ilegalidade sui generis), venha imputar a competência na ação político legislativa do

governo, estendendo, na opinião de ABRREU DE CAMPOS o regime material da competência político-

legislativa do Art. 198º. A competência legislativa concorrencial é a que pode ser exercida tanto pelo

GOV como pela AR – área concorrencial. A competência legislativa imediata manifesta-se direta e

autonomamente na feitura de preceitos legislativos; a competência legislativa mediata ou por conexão

reportar-se-á a atos legislativos do GOV e também à ALRA, no que concerne de derivação de

regulamentos – essa pode ser à priori – caso das autorizações legislativas ou a posterior – caso da

alteração posterior em decretos submetidos a ractificação. Nos termos do Art. 111º ex vie Art. 108º de

onde se pode subsumir o princípio da equiordenação dos órgãos de soberania, vem que a competência

legislativa imediata ou por conexão, a AR pratica ou pode praticar atos legislativos, mas somente em

interdependência ou colaboração de outros órgãos legislativos – no caso das autorizações ela terá

sempre a primeira palavra e nas ratificações (de tratados, convenções, etc), terá a última. As

competências legislativas específicas correspondem às constantes do Art. 161º, num domínio de área

concorrencial. As competências dela constantes podem ser declaradas de reserva absoluta ou de reserva

Page 81: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

81

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

relativa, ainda assim as funções legislativas específicas constituem, geralmente um espaço de reserva do

parlamento. Ao analisar o Art. 161º haverá necessariamente remissões para o regime do GOV, no que

concerne ao Art. 198º e demais – tratando-se de um articulado genérico da função político-legislativa do

parlamento nacional. O âmbito das reservas explica-se através do Art. 164º que equivalerá a reserva

absoluta, tramitando-se num conjunto mínimo de decisões legislativas diretas e imediatas do Parlamento

– o Art. 165º, ficou a tratar, simultaneamente das matérias de reserva relativa e do regime das

autorizações legislativas. A inclusão de qualquer matéria na reserva da competência da AR , seja esta

absoluta ou relativa, será sempre in totum, isto é tudo quanto pertença ou seja incluído na competência

da AR (161º, 164º e 165º) terá de obedecer a uma reserva sui generis de legalidade – terá de ser objeto

de lei da AR – a exceção, ainda que muito mitigada, ocorre com a lei de bases e a suscitibilidade de se

proceder a desenvolvimento complementar, não obnubilando a possibilidade de deslegalização

transpondo o domínio num regulamento administrativo – caso do Art. 164º/1/d) – o desenvolvimento far-

se-á ex vie Art. 165º/1/b), in fire 198º/1/c) ex vie 198º/1/a) na opinião de LUÍS PEREIRA COUTINHO –

com exigência de forma de DL ao diploma de desenvolvimento de bases, no domínio da área

concorrencial. Há que reconhecer a jurisprudência do TC, constante do Acórdão n.º3/89, existindo três

níveis de reserva imputáveis à análise orgânica da produção normativa legislativa – um nível mais

exigente em que toda a regulamentação legislativa da matéria é reservada à forma de lei (reserva de lei e

princípio de legalidade) e é reservada a sua produção pela AR; um nível menos exigente, em que à AR

cabe a produção de regime geral – regime comum, sem prejuízo de desenficiação governamental

concorrencial, nos termos do Art. 198º , ou pelas ALRA nos termos do Art. 227º e 232º.

Processo Legislativo Parlamentar – corresponde a um encadeamento de atos jurídico-políticos

sequenciados em torno de uma vinculação teleológica – a emanação de um ato jurídico-normativo (Lei –

em sentido formal, segundo um princípio geral de tipicidade de reserva de Lei). A regulamentação do

processo legislativo parlamentar far-se-á segundo um princípio genérico de configuração formal

procidemental, constando das determinações constitucionais dos Arts. 167º ss; do RAR, nos seus Arts.

131º ss e ainda pela via de algumas leis ordinárias avulsas. A preterição ou corrompimento de normas

constitucionais no que concerne ao procedimento fere o diploma em causa de inconstitucionalidade

orgânica que acarrete nulidade e remoção do ordenamento jurídico (perante recusa de aplicação de atos

inconstitucionais pelo ramo jurisdicional do Estado, nos termos do Art. 204ª) ou pode ferir o diploma de

inconstitucionalidade formal, que acarrete mera irregularidade ou nulidade, dependendo da natureza da

norma constitucional infringida. A preterição, comprometimento ou inobservância de dispostos

normativos regimentais (do RAR) no âmbito do procedimento legislativo parlamentar (comum, entenda-

se) equivale à verificação de vícios formais (assim designados por afetarem a forma prevista pelo

regimento no âmbito processual para o diploma), traduzindo-se em “vícios interna corporis” –

acarretam mera irregularidade e verifica-se a manutenção de direito válido. Deverá ser analisado um

critério de eficácia funcional ou funcionalidade para individualizar as etapas do procedimento

legislativo parlamentar – haverá uma (i) fase de iniciativa ou instauração de procedimento; (ii) uma fase

constitutiva ou perfectiva; (iii) uma fase integrativa da eficácia. Também será possível identificar,

atendendo a um critério mais material outras fases: 1) iniciativa; 2) Discussão; 3) Deliberação/votação;

4) Promulgação e Referenda Ministerial; 5) Controlo sucessivo. Ressalve-se a distinção já feita entre

iniciativa originária e iniciativa superveniente; bem como as destinções entre iniciativa, reserva desta e

competência e reserva da seguinte (não se ignore a possibilidade potestativa de caducidade da

iniciativa); distinga-se ainda iniciativa legislativa que integra o procedimento e impulso legiferante

(corresponde genericamente aos anteprojectos dos grupos parlamentares ou de conjunto de deputados,

perante o mínimo legal exigido pelo Regimento). A fase da discussão, também pode ser autonomizada

perante uma análise de eficácia validatória da normatividade, enquanto fase de apreciação do diploma –

pode ser interna – feita no seio do parlamento, em exame feito em comissão; ou apreciação externa- feita

por outros órgãos constitucionais, não obnubilando apreciação política difusa, pela sociedade civil. A

apreciação interna é genérica pois dá-se em todos os casos; a apreciação externa ocorre perante alguns

diplomas (caso do aborto, que esteve sujeito a referendo – antes de iniciativa houve impulso legiferante

público e iniciativa de referendo por parte do PR). Importa analisar com mais detalhe a fase de

apreciação, no que concerne à apreciação interna – o exame em comissão cabe à comissão parlamentar

permanente da AR sobre o assunto, nos termos do Regimento, aquela que seja competente em razão de

matéria para a apreciação do diploma – Art. 38º/a e 143º/1 do RAR, ou a uma comissão eventual ou ad

Page 82: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

82

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

hoc, nos termos do 143º/2 quando hajam razões justificativas para tal. As comissões podem proceder a

estudos, fazer audições a personalidades ilustres da sociedade civil, solicitar depoimentos científicos, etc

– fazem um amplo trabalho preparatório para prepararem o resto do parlamento para uma discussão

informada e votação consciente sobre o diploma em questão. A apreciação externa far-se-á, no domínio

imediatamente subsequente à iniciativa e de forma subsequente ou concorrencial à apreciação interna,

comportando a intervenção na apreciação de demais órgãos constitucionais (note-se que o diploma

ainda não foi aprovado e o diploma está simplesmente a ser apreciado – daí a apreciação externa ser

específica e rara, já que não é usual outros órgãos intervirem na apreciação de um projecto ou proposta

de Lei. Pós apreciação entrar-se-á na fase 3) integrativa da fase ii) perfectiva e constitutiva – ocorrerá o

debate parlamentar, na generalidade e posteriormente na especialidade, nos termos do Art. 168º/1 da

CRP. O debate na generalidade versa sobre os princípios e o sistema do texto – 158º/1 do RAR; o debate

na especialidade (pode ser feito em plenário) far-se-á em razão de uma análise ao articulado do

diploma, nos termos do Art. 161º/1. Segue-se a fase iii) da deliberação e votação – esta compreende uma

votação na generalidade, na especialidade e uma votação final global, nos termos do Art. 168º/2- pode a

AR deliberar que a votação na generalidade é suficiente, dispensando a votação na especialidade, nos

casos em que a complexidade do diploma pode não exigir a autonomização de votação em especialidade,

nos termos do Art. 158º/3 do RAR. A votação na especialidade versa sobre cada artigo, número e alínea

do pretenso diploma normativo – nos termos do Art. 161º/2 do RAR. A votação final global não é

precedida de discussão, podendo cada grupo parlamentar produzir uma declaração de voto oral – 165º/3

RAR. Importa distinguir as diferentes maiorias de aprovação – estas são diferenciadas em função do

objeto da Lei ou do tipo desta (as Leis de valor reforçado tendem a acarretar uma maioria de aprovação

distinta da simples) – as maiorias de aprovação, todas elas, pressupõem sempre um quórum de

deliberação parlamentar, correspondente à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções –

metade mais um – 116 deputados necessários para a deliberação e subsequente votação de um diploma.

As abstenções não contam para o apuramento da maioria – 116º/3 da CRP. A regra geral é a da maioria

simples/ relativa para a aprovação de diplomas – basta existirem mais votos a favor que contra.

Contudo, a CRP estabelece algumas excepções para a aprovação de algumas Leis:

a) As leis orgânicas (definidas pelo Art. 166º/2 da CRP) carecem de aprovação, na votação final

global (votação na generalidade e especialidade bastarão de maioria simples) da maioria

absoluta dos deputados em efectividade de funções – a maioria terá que ser no mínimo 116

deputados, pressupondo que votem os 230 – 168º/5/1ª parte da CRP; b) A lei da regulação da comunicação social e a lei que regula o exercício do direito de voto dos

cidadãos residentes no estrangeiro na eleição do Presidente da República, carecem de maioria

de 2/3 na votação final global dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta

dos deputados em efectividade de funções – 168º/6/1ª parte; c) A lei-quadro das reprivitizações é aprovada por maioria absoluta dos deputados em

efectividade de funções (116) nos termos do 293º/1; d) Leis de RC – exigem maioria de 2/3 dos deputados em efectividade de funções; ou maioria de

4/5 para subverter os limites temporais e cominar a pretensa revisão constitucional –

fundamento: 286º/1 CRP e 284º/2/última parte.

A redação final dos decretos (assim designados os projetos de lei da AR antes de serem promulgados e

publicados no DR) caberá à comissão competente, ou àquela que o PAR determinar, nos termos do Art.

166º/1 do RAR. A redação final não pode modificar o pensamento legislativo, devendo limitar-se à

aperfeiçoação sistemática, sintática, ortográfica e perentória do texto formal. Enviado o decreto para o

PR (ou serviços da Presidência) fica a AR impedida de se pronunciar sobre o seu objeto, impedindo-se a

reabertura do processo até promulgação, ou veto (político ou jurídico) pelo PR. Segue-se assim a fase 4)

da promulgação e subsequente referenda- caso contrário suscita-se inexistência jurídica nos termos dos

Arts. 137º e 140º da CRP. A fase da promulgação corresponde à fase iii) integrativa da eficácia e

controlo. Há discricionariedade do uso de veto político pelo PR nos termos do Art. 136º da CRP ou do

veto jurídico, quando é suscitada e requerida a fiscalização preventiva da constitucionalidade, nos

termos do Art. 278º, perante uma decisão de comprovação da inconstitucionalidade pelo TC, nos termos

do Art. 279º. A promulgação pode ser obrigatória quando a CRP assim o exige, sobretudo no que

concerne à confirmação de diplomas anteriormente vetados pelo PR perante as maiorias exigidas.

Page 83: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

83

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Contudo, não há consequências jurídicas e políticas formais para a recusa de promulgação do PR, pelo

que este pode atuar, teoricamente, de forma discricionária – posição do autor. Suscita-se ainda uma

discussão doutrinária sobre a vinculatividade jurídica do referendo político e a suscetibilidade de veto –

surge uma teorização de um poder-dever de conformidade com a vontade geral expressa pelo referendo

popular, segundo as normas constantes das Leis do Referendo e do regime constitucional do mesmo –

traduzirá uma garantia de juridicidade e de cumprimento de uma tutela jurídica efectiva. Ressalva-se

ainda que o veto político sobre diplomas do GOV é absoluto pois não há hipótese de confirmação. O

GOV pode, contudo converter o decreto em proposta de lei e submeter pela AR e o presidente fica

minorado na sua competência de veto dispositiva. No caso das Leis da Orgânica do GOV, por se

tratarem de competência exclusiva do mesmo, apesar de teoricamente e do costume constitucional ser a

promulgação, o veto é absolutíssimo, devido à impossibilidade de conversão. Discute-se

doutrinariamente se o veto jurídico é mandatório para o PR – JORGE MIRANDA, GOMES

CANOTILHO, PAULO OTERO consideram que sim – o TC terá sempre a última palavra na aferição da

inconstitucionalidade de normas e diplomas, quer em concreto, quer em abstrato. Na sequência de um

veto do PR a AR pode: nada fazer (deixa “morrer” o diploma); expurgar a norma que o PR tenha

assinalado como motivo de discordância ou que o TC tenha declarado inconstitucional; confirmar o

diploma; reformula-lo amplamente. As maiorias de confirmação dos diplomas, quer do GOV sob forma

de pretenso DL ou sob forma de Proposta de Lei (feito pela AR com iniciativa do GOV no domínio da

área concorrencial de competência), quer da AR sob forma de pretensa Lei, denominada Decreto da AR

serão maiorias qualificadas, constituindo excepções à regra geral da maioria simples. A promulgação

carecerá sempre de referenda- é uma contra-assinatura em que o poder executivo atesta e reconhece a

assinatura do PR – é uma figura arcaica – há liberdade discricionária de recusa de referenda

ministerial. A referenda é condição de eficácia dos atos, pelo que este não existirá enquanto não for

referendado e submetido para publicação no diário da república. Esta fase corresponde à fase 4) da

promulgação e controlo, inserindo-se na fase iii) de integração da eficácia do ato jurídico-normativo.

LEIS DE VALOR REFORÇADO – surgem sempre em referencial às demais – há um corolário de

eficácia das demais sobre as subservientes. Na verdade, as Leis de valor reforçado, têm-no por duas

vertentes básicas: (i) procedimento legislativo diferenciado, à efeméride maiorias qualificadas para a

aprovação final global; (ii) objeto da Lei que seja determinante para a sua diferenciação – a tipicidade

da Lei de valor reforçado provém do seu objeto, que irá oponobilizar e exigir um dever suis generis de

conformidade dos atos jurídicos normativos vindouros – conformidade da legalidade superveniente.

Primarei por identificar os principais grupos de leis de reforçadas (não esquecendo que a maioria da

doutrina considera serem Leis materiais normais enquadradas na reserva genérica de lei nos termos do

Art. 112º/1 da CRP):

a) Leis de autorização legislativa – 165º/2 – a AR outorga, no espaço da área de competência

legislativa concorrencial – deverá definir-se o sentido, o objeto, a duração e a extensão nos

termos da vontade legiferante da AR para a legislação a fazer pelo GOV – as leis de

autorização legislativa são reforçadas na medida em que o objeto (a natureza essencialmente

autorizativa) da LAL, determina a conformidade do DL autorizado ao âmbito da LAL, que é

anterior, no tráfego constitucional; o procedimento é o normal ordinário do PLP; o valor

reforçado é o conferido pelo objeto – é uma lei de fraco valor reforçado;

b) Leis orgânicas – as definidas nos termos do Art. 166º/2 – o procedimento é reforçado pela

natureza do objeto da lei, podendo verificar-se uma existência de maiorias qualificadas para a

aprovação em votação final global – a Lei orgânica é uma “forma” de Lei, como dispõe a CRP-

consiste numa diferenciação destas, com maior solenidade e formalidade, com exigência de um

procedimento diferenciado perante a natureza legiferante do objeto do diploma pretenso

orgânico;

c) Leis do regime do Estado de sítio e de emergência; OE; Lei do Enquadramento; Lei do regime

dos planos de desenvolvimento económico e social; lei relativa às condições do recurso ao

crédito público; LAL; Lei de Bases; Lei do regime do referendo; Estatutos político-

administrativos das RA; Lei do regime da criação, modificação e extinção das autarquias; ORA

– orçamento das RA; (..)

Page 84: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

84

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Quais as ideias? Existe uma pluralidade de sentidos do termo lei. A lei, nos termos da

CRP, adquire vários significados. Lei pode significar Direito (ordem jurídica); sentido do

Art. 3º/3; Lei enquanto ato da função legislativa – 111º/2; Lei pode aparecer como ato

proveniente da AR – pode-se ainda diferenciar entre Lei em sentido material e Lei em

sentido formal – a lei em sentido formal é independente do seu conteúdo, em sentido

material tem a característica da generalidade e da abstração. A natureza abstrata tem que

ver com a configuração das orientações jurídicas. É possível no O.J.P a existência de

Leis que não sejam gerais e abstratas – Leis medida – podemos tirar este argumento do

Art. 18º/3 da CRP – as restrições aos DF devem ser gerais e abstratas – o argumento é

este: se as leis devem ser gerais e abstratas então é porque há casos em que o podem não

ser41. Fora os casos previstos na CRP é possível Lei em sentido formal, que não tenha

d) Vamos autonomizar as Leis de Bases enquanto Leis de valor reforçado muito importantes no

O.J.P. – correspondem à definição de um regime geral ou “bases gerais dos regimes jurídicos”

sobre determinadas matérias - há uma ampla discricionariedade no domínio concorrencial e na

reserva relativa da AR para a disposição e formação das bases – não comporta procedimento

diferenciado no que concerne a maiorias qualificadas para aprovação em votação final global

mas comporta a desenficiação – ela será correlativa com um diploma de desenvolvimento – esse

pode caber ao GOV e exige-se a forma de DL para o diploma de desenvolvimento da Lei de

Bases, segundo LUÍS PEREIRA COUTINHO. O autor desta sebenta concorda. PAULO OTERO

considera que há uma ampla conformidade constitucional e livre discricionariedade para quer a

AR e GOV para proceder ao desenvolvimento do diploma. É importante referir ainda a

possibilidade da Lei de Bases determinar a ilegalidade superveniente de DLR, para ultrapassar

a carência de iniciativa legislativa pelo parlamento nacional de alteração ao EPA da RA;

e) Estatuto político-administrativo das RA – é a Lei de valor mais reforçado do O.J.P – todos os

DLR e todas as Leis e DL do parlamento nacional supervenientes têm de estar conformes com o

EPA – há reserva de iniciativa da ALRA e reserva de competência da AR – a iniciativa

superveniente da RA comporta o envio do anteprojecto legislativo da ALRA para a convalidação

da AR.

41 Considero uma falácia. Com efeito, as Leis de Bases têm uma função de condensar um regime

dogmático jurídico-constitucional lato sobre as matérias circunstanciais sobre as quais incidem. É

possível assumir a possibilidade teórica da AR recorrer ao instituto da Lei de Bases como forma de,

respeitando a autonomia regional e as disposições estatutárias que correspondem a uma Lei de valor

reforçado, infraconstitucional e supralegal, ser determinada a ilegalidade superveniente de um DL

regional (que tem valor legislativo ao contrário do DR regional) e dessa forma garantir-se a

inaplicabilidade do DL regional ou suscitar-se a fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade

com pretensão de ilegalidade sui generis, desencadeada nos termos da CRP pelas

individualidades/instituições com atribuição de competência, sendo que segundo JORGE MIRANDA,

pela via de uma interpretação sistemática e concatenada dos Art. 204º e 281º a fiscalização incide

também sobre a adequação da Lei em conformidade com a Lei de valor reforçado – Lei de Bases com

hierarquia superior a DL regional, nos termos do Art. 112º e 166º/4 e 168º/5. Assim, apesar de

teoricamente ser possível a prevalência do direito do estado e da imposição da vontade da AR sobre uma

matéria, à posteriori das disposições do estado da região autónoma (atende-se que este problema surge

quando é emanado um DL regional conforme ao estatuto da região autónoma que é emanado da AR, nos

termos da reserva de competência [em exclusão de iniciativa que é da região autónoma] mas a vontade

da AR sobre o assunto com pretensa tutela pelo DL regional é diferente, pelo que como a AR não pode

ter iniciativa de mudar o Estatuto da região autónoma – não tem reserva de iniciativa – pode recorrer à

reserva de competência das Leis de Bases para determinar a ilegalidade superveniente. No entanto, tal é

um desvirtuar e um desiderato da função e escopo da Lei de bases. Teoricamente é um exercício possível.

Na prática, essa iniciativa poderia suscitar grande contestação em sede de tribunal, em improcedência

regimental, em escopo de promulgação, em sede de fiscalização sucessiva da Lei de Bases com base na

Page 85: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

85

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

conteúdo normativo – pode ser uma Lei medida para resolver uma situação concreta -

para resolver um caso específico. No DP – direito português é admissível a Lei medida

mas segundo requisitos – deve ser reconduzível a um principio geral – tem que existir

uma ideia de generalidade, não pode ser apenas um privilégio – tem que haver um respeito

pelo principio da igualdade – há uma proibição do arbítrio – a lei não pode ser arbitrária,

tem que ter um fundamento lógico. Fora isto a regra geral traduz uma exigência de

generalidade e abstração, respeitante do principio da igualdade e da proibição do arbítrio.

Pode existir Lei como expressão da vontade legislativa da AR; DL como expressão da

vontade legislativa do GOV; etc. Atenção: o GOV regional nunca pode ter competência

legislativa. É possível a figura da deslegalização? É um ato que deixa ter a força de Lei.

Deslegalizar significa rebaixar uma ato com força de lei para passar a ter fonte de

regulamento. É possível a deslegalização obedecendo a dois requisitos:

1) Nunca pode ocorrer dentro da reserva de Lei;

2) A deslegalização só pode ser feita por um ato legislativo com força jurídica igual

aquele do ato que vai perder essa força – se a causa deslegalizar uma lei da AR na

reserva da AR, só uma outra Lei da AR o poderá fazer.

Aula de 18 de abril de 17

Se bem se recordam, tínhamos analisado a teoria das fontes do ordenamento jurídico.

Tínhamos falado na temática da reserva de lei que é o conjunto de matérias que têm de

ser reserva da função legislativa – matéria da competência do poder legislativo.

Tínhamos ficado no conceito de deslegalização – ocorre quando uma Lei deixa de ter a

força jurídica de Lei, deslegalizar significa deixar de ser Lei, a matéria passa a ser

regulamentar/regulamentada. Como e quando tal pode ocorrer? A deslegalização só é

válida e só é admitida quando a matéria nunca pode ser degredada para natureza

regulamentar, a deslegalização só pode ocorrer assim fora da reserva de Lei. A

deslegalização pode ser feita pela própria Lei. A Lei pode determinar – o Art. X não tem

valor de Lei, terá natureza regulamentar – neste caso haverá autodeslegalização – a

própria Lei determina a inexistência de força jurídica legal geral de alguns artigos.

Também pode ocorrer que uma Lei venha determinar a perda de força de Lei de uma Lei

anterior ou de artigos dessa mesma – heterodeslegalização – vem de fora, uma outra Lei

vai proceder a uma deslegalização de Lei anterior ou de alguns artigos das mesmas –

transformando em atos de natureza regulamentar. O ato que processa a deslegalização

tem força jurídica igual ou superior ao do ato deslegalizado – Lei com Lei, etc. não se

confunde a figura da deslegalização com regulamentos delegados – em que é dito, esta

Lei pode ser modificada por via do regulamento – esta norma dá ao regulamento a força

jurídica para alterar a Lei – fundamento Art. 112º/5. No regulamento delegado, a Lei

permanece como Lei, não procede à deslegalização, o que ocorre é que a Lei vai conferir

desvirtuação e desvinculação teleológica, não se obnubilando outras circunstâncias nomeadamente as

tensões políticas adjacentes de tal prática – seria um desvirtuar da própria autonomia regional já que

esta prática poderia ser analisada enquanto um “veto dissimulado super-substitutivo parlamento

nacional sobre a ação legislativa regional” – posição a aprofundar in Estudos de Direito Constitucional,

por ABREU DE CAMPOS.

Page 86: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

86

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

ao regulamento força de Lei – na deslagalização o que ocorre é a Lei rebaixar-se a ela

própria, a partir de um ato deslegalizado, como deixou de ser Lei, é permeável à

modificações regulamentares.

Vamos falar da forma da Lei na constituição. No Art. 112º/1 definem-se a Lei, o DL, e o

DLR como atos normativos. A pergunta é, será possível mais atos que estes? PAULO

OTERO responde afirmativamente. Pela existência de Leis de RC; pela sobrevigência de

atos legislativos anteriores à vigência da CRP actual.

Qual a força da Lei? A lei tem uma força material e força formal.

A força material da Lei relaciona-se com o facto da Lei abordar e intervir em situações

factuais da sociedade – levam-nos a duas conclusões: a Lei tem a possibilidade de dispor

sobre todas as matérias – nisto conceito de força de Lei material positiva (ignora a

existência de um espaço livre de direito). Há excepções – há casos de reserva da jurisdição

– a Lei não pode aplicar penas e resolver lítigios, mas a Lei pode definir os critérios e

vincular a jurisdição no seu exercício reservado. Também há exceção da reserva da AP –

a Lei não pode tomar uma ingerência administrativa, pode somente definir os critérios e

parâmetros por ela a serem executados. A lei tem a capacidade de mudar, revogar e

modificar a disciplina de qualquer matéria feita por Lei anterior – uma LN pode sempre

redisciplinar aquilo que uma LA definiu – força de lei material negativa ou força de lei

material superveniente (já que requer objeto de intervenção alienadora jurídico-legal

futura).

A força formal de Lei tem que ver com o relacionamento da Lei com outros atos jurídicos.

Consubstancia duas ideias simples – a Lei tem a capacidade de alterar atos de outra

natureza, a Lei tem uma força formal positiva – pode alterar atos de outra natureza; a lei

não se deixa modificar, suspender ou revogar por atos de outra natureza (salvo

inconstitucionalidade superveniente – aí a lei deixa-se suspender), também o costume

pode suspender, modificar a Lei. Tbm existem atos com força afim de Lei – não sendo

Leis têm, todavia, uma força semelhante: as decisões do TC que declaram a

inconstitucionalidade com força obrigatória geral (não são Leis mas têm força

equiparável42); os decretos do PR que declarem o Estado de Sítio (Art. 19º); as resoluções

da AR (169º - discute-se se têm natureza mandatória ou sugestiva).

Recorda-se a exigência da Lei ser ou não geral ou abstrata – há casos imperativos e

positivados – 18º/3 – nos casos de previsão constitucional a Lei terá de ser sempre geral

e abstrata; nos restantes podem existir Leis individuais -Leis medida – ius singulare – não

podem violar o príncipio da igualdade (13º); não podem por em causa a proibição do

arbítrio – o que significa que as Leis individuais têm sempre de se reconduzir a critérios

generalizáveis.

Por outro lado, sublinha-se ainda a existência no DP de uma pluralidade de relações entre

atos legislativos. Nem todos os atos legislativos têm igual posição jurídica – é verdade

42 Será de considerar que os assentos se enquadram nesta categoria, e que é possível a sua constitucionalização, na opinião do autor da sebenta, in Uma Teoria sobre os conceitos constitucionais.

Page 87: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

87

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

que o Art. 112º/2 diz que Lei e DL têm igual valor jurídico, contudo a 2ª parte vem

demonstrar que nem todos os atos legislativos têm igual valor jurídico, há atos com valor

reforçado:

(I) Não se deixam revogar, modificar ou suspender por Leis de diferente natureza

– exemplo: uma Lei de autorização legislativa não se deixa revogar pelo DL

que é autorizado – a LAL só pode ser revogada por uma outra LAL – implica

que não possa ser revogada pelo DL autorizado – significa que nem todos os

atos normativos têm igual força jurídica e natureza jurídico-constitucional43;

(II) Uma Lei pode ser ainda ilegal quando contraria uma outra Lei que para ela

tenha uma valor reforçado – em referencial é circunstancialmente observada

a ilegalidade da Lei. Qualquer outra Lei que contrarie o Estatuto político

administrativo é ilegal – novamente em referencial de valor reforçado do

Estatuto; quando uma Lei de Bases é contrariada por uma Lei atinente à

densificação da Lei Bases.

Podem existir Leis ordinárias reforçadas de caráter geral ou de caráter especial e Leis

ordinárias reforçadas de caráter sui generis

a) As Leis reforçadas de caráter geral – que têm valor reforçado para todo o território

– Estatuto, Lei resultante de referendo, Lei do OE, Lei das GOP. Todas as leis que

envolvam efeitos financeiros têm que estar subordinadas à Lei do OE. Acima da

Lei do OE existe a Lei do enquadramento orçamental que fixa as regras a que

deve obedecer a feitura em cada ano o OE – a Lei do OE é lei de valor reforçado

em relação a todas demais Leis mas é simultaneamente subordinada à Lei do

Enquadramento.

As Leis de valor reforçado são padrão de conformidade em relação às demais Leis –

estabelecem os parâmetros e os critérios para a outorga e génese jurídico-legal-

constitucional do paradigma dogmático de diplomas subordináveis subservientes à

permeabilidade da influência e controlo da Lei de valor reforçado que lhe estabelece os

conformes normativos.

b) Leis de valor reforçado de caráter especial - Há uma relação imediata entre uma

Lei de valor reforçado e uma Lei especial – Lei específica. Novamente trata-se de

uma questão de analisar, em referencial, a existência de uma Lei específica em

relação à outra, ou geral a outra ainda, etc. Há que analisar o caráter reforçado

específico por dizer respeito a uma matéria e a um diploma em particular; Lei de

43 Existem Leis de valor reforçado que decorrem de um procedimento legislativo especificado, que lhe conferirão valor distinto, nomeadamente no que concerne à maioria necessária de aprovação e ao objeto da legislação. CARLOS BLANCO DE MORAIS vem analisar e determinar que as Leis Orgânicas e as Leis de Autorização legislativa não são verdadeiras leis valor reforçado, já que a orientação paramétrica das mesmas não é conforme o objeto que a constituição determina – o valor reforçado das leis deverá provir de duas circunstâncias conjugadas: a “importância relativa” do objeto da lei e o método procedimental (por exemplo, a maioria necessária de aprovação, que traduz maior legitimidade legislativa), apud IVO MIGUEL BARROSO, aula prática. Distinguir das falsas leis orgânicas, as de organização interna de um órgão.

Page 88: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

88

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

Bases e diploma de desenvolvimento – o diploma de desenvolvimento surge em

relação específica com a Lei de Bases, daí a Lei de bases ser aí Lei de valor

reforçado e poder determinar uma ilegalidade sui generis. Regime do referendo e

a Lei resultante do referendo. Ou a Lei da alínea i) do 227º da CRP – regime

tributário das RA; a Lei que define o regime do Estado de Sítio; ou a Lei quadro

das re-privatizações;

c) Lei Formulária – define todas as demais na promulgação identificação, etc; Lei

que define as participações das organizações dos trabalhadores na elaboração de

legislação sobre o trabalho; os primeiros Arts. Do CC – interpretação, integração,

etc – há quem entenda que são normas ordinárias com valor reforçado. PAULO

OTERO considera que em função do objeto (tratarem de interpretação,

integração) terão valor constitucional – são normas materialmente constitucionais

(até são usadas para interpretar a constituição), ainda que estejam reconduzidas

no CC.

Quando se fala em Leis de valor reforçado podemos ter ainda DL reforçados ou DLR de

valor reforçado. Exemplo: podem existir DL de bases na área da reserva relativa,

pressupondo uma LAL; podem existir na área concorrencial, salvo reserva de iniciativa;

caso dos DL de valor reforçado regionais – Lei do OE da RA (é um DLR) – é uma Lei

ordinária de valor reforçado face a todos os demais diplomas da região autónoma –

traduz-se também numa relação específica entre o valor reforçado e o caráter

infraveniente do diploma objetado.

Aula de 24 de abril de 2017

Vamos analisar os principais tipos de Leis provenientes da AR.

1) Ato legislativo especial – porque obedece a um procedimento especial e tem uma

natureza jurídica especial – é um exercício de poder constituinte – Leis de RC.

Qual a especificidade?

(i) Iniciativa v. Competência legislativa – referência para sublinhar que

iniciativa é o poder de desencadear o procedimento legislativo, traduz-se

na apresentação de propostas ou de projetos de Lei – uma coisa é ter o

poder de desencadear – outra é poder de decidir, vai ou não haver Lei, qual

o conteúdo dessa Lei, isso é a competência legislativa – As leis da RC têm

esta dupla particularidade – a iniciativa é da reserva dos deputados –

285º/1 ; a competência legislativa é reservada – só a AR pode aprovar Leis

de RC; após a apresentação do primeiro projeto, decorrem 30 dias

(285º/2). Quais as regras? Maioria de 2/3 – 286º/1; as alterações têm que

ser incluídas na mesma revisão e terão de integrar o texto – para que exista

um único texto da constituição instrumental e para evitar a prática da CC

de 1826, da C de 1933 que tinha o texto da constituição e os anexos eram

as LRC – o Art. 287º exige que o novo texto seja publicado na íntegra. O

PR, no que concerne à LRC, não dispõe de veto político – 286º/3 mas

Page 89: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

89

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

dispõe da faculdade de requerer fiscalização preventiva da

constitucionalidade – se o TC declarar a inconstitucionalidade, e a AR

reaprovar o diploma por maioria de 2/3, o PR fica obrigado a promulgar –

mas depois pode pedir a fiscalização sucessiva abstrata da

constitucionalidade;

(ii) Limites – tempo, circunstâncias, matérias. Limites temporais: a Lei de

revisão constitucional não pode ser desencadeada a todo o momento –

284º; há limites circunstanciais – 289º - veda-se a RC na aplicação do Art.

18º; Limites materiais (cláusulas pétrias) – 288º - são matérias que não

podem ser objeto de intervenção por parte da Lei de Revisão

Constitucional – tratam-se de traços identificativos da constituição – era o

propósito:

a) Há uma ditadura da geração feitura da CRP – quem fez limita e nega

às vindouras gerações o poder de alterar livremente a constituição – há

algo não democrático – priva-se a liberdade de autodeterminação e

autovinculação;

b) Há um processo de conciliar o passado com o futuro – dupla revisão –

num primeiro momento pode-se alterar o Art. 288º - é sempre possível

alterar as especificidades das regras constantes do Art. 288º - primeiro

altera-se o artigo, posteriormente modifica-se o que era vedado de ser

modificado;

c) Se é verdade a circunstância de dupla revisão, também é verdade que

nem todos os limites do 288º podem ser objeto de revisão – não se

pode eliminar a independência, o respeito pelos DF, etc – há limites

que se impõem ao legislador constituinte que têm uma natureza

suprapositiva – têm uma valia jurídica juspositiva (não requer

positivação). Uma alteração dos limites materiais leva a uma perda de

identidade axiológica da CRP – passa a figura da transição

constitucional – mantém-se a constituição formal mas alteram-se as

constituições materiais.

2) Atos Ordinários – Estatutários – Estatuto político – administrativo;

3) Leis Orgânicas – não vem identificada como fonte de direito nos termos do 112º

- as matérias objeto de normatização por Lei orgânica está determinada pelo

166º/2 – são leis de valor reforçado nos termos do 112º/3 – têm que ser aprovadas

em votação final global pela maioria absoluta dos deputados – 168º/5; também a

intervenção do PR nas Leis Orgânicas é particular – no caso de veto político é

necessária confirmação de 2/3 – 186º/3; nos termos do Art. 278º/4 em todas as

outras Leis só o PR pode requerer a fiscalização preventiva, o PM e 1/5 dos

deputados podem requerer essa fiscalização de Leis ordinárias;

4) Lei do OE – é lei reforçada em relação a todas as demais Leis mas em si é lei

subordinada à Lei de Enquadramento Orçamental;

5) Leis de Bases – tanto podem existir leis de bases como DL de bases; as Leis de

Bases são uma diretiva – definem princípios a que deve obedecer o seu

desenvolvimento, terão uma função paramétrica (servirão de parâmetro para a

Page 90: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

90

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

elaboração do respetivo desenvolvimento) e têm uma função de limite (também

em relação ao desenvolvimento). Podem existir Leis de Bases na área da reserva

da AR:

(i) No domínio da reserva de competência: Há Leis de Bases na Reserva

absoluta da AR (164º) por exemplo na alínea i) – bases do sistema de

ensino; na alínea b) – regime do referendo – qual é a grande diferença? Se

toda a matéria está na reserva da AR – ela pode criar a Lei de Bases e só

ela tem competência para fazer posteriormente o desenvolvimento. Por

outro lado se estivermos na área concorrencial, ao GOV pode competir o

desenvolvimento; na reserva relativa, mediante AL, o GOV pode criar o

desenvolvimento, tal como pode ser ele a criar a Lei de Bases e

simultaneamente proceder ao desenvolvimento (mediante nova Lei de

Autorização). As bases são uma Lei reforçada, o desenvolvimento tem que

estar de acordo com as Leis de bases, e esta em relação à Lei de

Autorização (na reserva relativa de competência – 165º) – o

desenvolvimento terá que estar sempre subordinado à Lei de Bases. A AR

tem sempre 3 opções:

a) Elaborar uma nova Lei de Bases e assim revogar o DL bases do GOV;

b) Definir um regime jurídico geral sobre o assunto da Lei de bases e

assim revoga-lo;

c) Conformar-se com a Lei de bases e arrogar para si o desenvolvimento.

(ii) Leis de bases na área concorrencial – as Leis e DL de bases da área

concorrencial, dada a mesma hierarquia irão concorrer um com o outro. A

novidade é esta – a quem compete o desenvolvimento das Leis de Bases

na área concorrencial?

(a) Se Lei de bases é da área concorrencial tanto pode a AR como pode o

GOV proceder ao desenvolvimento, porque a matéria é toda ela

concorrencial – quem desenvolve tem sempre que respeitar as bases;

(b) 198º/1/c – está a tratar da competência legislativa do GOV – o gov

pode fazer DL em matérias não reservadas à AR (competência

concorrencial) – compete ao GOV fazer DL de desenvolvimento de

bases, então, se estamos na área concorrencial onde há bases, se não

existisse a alínea c) – o GOV teria sempre força para estabelecer o

desenvolvimento – pela alínea a) – o 198º/1/c deriva do 198º/1/a) – a

alínea c) acrescenta algo que a) não tem – o sentido útil de c) é atribuir

ao governo uma competência reservada para proceder ao

desenvolvimento de bases.

(iii) Leis de Autorização legislativa – 165º - só podem ter como destinatário o

GOV, em certas matérias – as R.A.; não envolvem uma alienação da

competência – durante a vigência da LAL não perde a competência – há

um poder delegado – continua a ter poder de legislar durante esse período

(pode haver revogação a qualquer altura da LAL – salvo segurança

jurídica e confiança); não podem existir autorizações legislativas globais

– a Lei de Autorização tem que dizer sobre que matérias diz – definição

Page 91: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

91

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

do objeto, sentido, extensão, duração – 165º/2 – pode suscitar

inconstitucionalidade formal que acarreta inexistência. Não pode

existir regulação pelo GOV sobre uma matéria 2 x sobre o mesmo

objeto – terá de pedir nova autorização legislativa – pq ele foi

autorizado uma vez -165º/3; Um governo demitido não pode pedir nem

dispor de autorizações legislativas -165º/4;

- Há um regime especial das LAL orçamentais do 165º/5;

-As Leis de AL têm um prazo, será possível uma LAL com eficácia

retroativa? PAULO OTERO considera que sim – a Lei pode dispor quando

produz efeitos e fica em vigor.44

PROCESSO/PROCEDIMENTO LEGISLATIVO PARALMENTAR

Independentemente do órgão que terá competência constitucionalmente atribuída, a Lei

resultará sempre de um processo ou procedimento – corresponde a uma sucessão de atos

de vária estrutura e relativamente autónomos, encadeados para um fim (que será a

conclusão do processo e a emanação da lei). O processo legislativo será manifestamente

autonomizado e diferenciado em relação ao processo administrativo.

As normas orientadoras do processo ou procedimento legislativo parlamentar constam da

CRP – predominantemente dos Arts. 167º e seguintes, do Regimento da AR, nos Arts.

131º e ss e à internveção do GOV e do PR, nos termos do Art. 198º, 165º/2, 136º, 134º/h

in fire Art. 278º, Art. 282º e Art. 283º45.

44 A maioria da doutrina considera que não poderá haver eficácia retroativa da Lei de Autorização

legislativa como forma de validar o ato emanado, já que esse é outorgado sem competência delegada –

há lugar a inconstitucionalidade orgânica que acarreta nulidade e inexistência jurídica. A meu ver,

considerando que é sempre possível, pelo disposto da Lei Formulária a determinação de eficácia

retroativa (ex: Art x: A presenta lei produz efeitos desde tal – determina-se a eficácia retroativa, salvo os

limites constitucionais do 18º/3; 103º/3 e 29º/4. Contudo, inexistindo uma Lei de Autorização Legislativa,

num domínio de competência reservada do Parlamento, é manifestamente inconstitucional a emanação

de um diploma do GOV sobre as matérias vedadas pela constituição. A emanação desse documento é

inválida, existe inconstitucionalidade orgânica que acarreta nulidade e inexistência jurídica. Acresce

assim que não podem ser oponíveis as cláusulas que o diploma governamental disponha (no que

manifestamente seja usurpação de poder e abuso de competência, por ingerência na área reservada).

PAULO OTERO considera que em virtude de um processo de economia procedimental ou parlamentar,

dever-se-á admitir a convalidação do diploma originário com a aprovação de uma Lei de Autorização

Legislativa com eficácia retroativa, vindo a AR confirmar a possibilidade jurídico-constitucional para a

emanação do diploma originário. Todavia, no entendimento de ABREU DE CAMPOS, verificar-se-á

sempre a faculdade de se requerer a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade, por violação

do princípio geral da tutela jurisdicional efectiva (Art. 20º) e violação do princípio da igualdade (Art.

13º). Tal poderá determinar, com força obrigatória geral, a necessidade de emanação de novo diploma

governamental, posterior à Lei de Autorização legislativa, sendo importante analisar, num exercício de

ponderação, se se deverá dar primazia e relevância a um critério de estrita economia procedimental ou

parlamentar ou se se deve dar primazia à proteção da separação de poderes e reserva das competências.

Em virtude da consciência jurídica geral e da manutenção e proteção do conjunto dogmático geral da

constitucionalidade, concluo pela última, como forma de evitar a instrumentalização total da AR à

vontade do GOV enquadrando esta circunstância como um limite informal de permeabilidade à

instrumentalização), a aprofundar in “Estudos sobre conceitos operacionais da constitucionalidade” 45 Importa fazer uma ressalva para a existência de procedimento legislativo no que concerne a atos sem força jurídica de Lei – caso das resoluções da AR, nos termos do Art. 166º/5 e 6.

Page 92: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

92

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

O RAR (regimento da Assembleia da República) distingue entre processo legislativo

comum (Leis, DL, DLR) e processos legislativos especiais (aprovação dos estatutos das

regiões autónomas que são a Lei de valor mais reforçado; autorização da declaração de

guerra, autorizações legislativas ao abrigo do Art. 165º/2) distinguindo ainda das Leis do

plano e do orçamento (215º e seguintes)46. A regra básica é a da aplicação das regras do

procedimento legislativo comum, salvo quando não esteja estabelecido um processo

especial. A preterição (ou incumprimento) das normas constitucionais sobre

procedimento legislativo determina inconstitucionalidade do ato – geralmente,

inconstitucionalidade orgânica que determina nulidade do ato, inoponibilidade e recusa

de aplicação pelos tribunais (Art. 204º). A preterição de normas regimentais (salvo as que

reproduzam normas constitucionais) equivalem aos vícios interna corporis – tratam-se

de vícios procedimento-regimentais que acarretam mera irregularidade (salvo, ressalve-

se natureza constitucional – isto é, normas regimentais que são derivadas de preceitos

constitucionais – caso das maiorias de aprovação dos diplomas) – a constituição não

estende ao regimento a garantia da constitucionalidade, nem tão pouco cria nenhum

regime específico.

Importa identificar as fases do procedimento – não esquecer a noção de conjunto de que

os atos são encadeados, correlativos e determinam a produção de efeitos jurídicos numa

relação causa-efeito stricto sensu – cada fase ou período é uma fração de um tempo longo

no processo que comporta a interdependência dos poderes nos termos do Art. 111º -

Assim a unidade de cada fase reportará a uma congregação de vontades dos órgãos.

Dever-se-á optar por um critério de ordem funcional para destrinçar as fases do processo

ou procedimento legislativo. Dever-se-ão conjugar vários critérios.

Primeiro critério para a identificação das fases do processo legislativo – a eficicência das

fases perante a lei como acto final total:

i) Fase de iniciativa ou de instauração do procedimento;

ii) Fase constitutiva ou perfetiva;

iii) Fase integrativa de eficácia.

As fases do processo legislativo reconhecidas pelos Professores Doutores JORGE

MIRANDA e PAULO OTERO são:

(i) A fase da iniciativa;

(ii) A da apreciação ou da consulta;

(iii) A da deliberação ou da discussão – fase constitutiva ou perfectiva;

(iv) Promulgação e controlo.

A validade do ato é suspensiva até a promulgação e pós- aprovação. O PLP está sujeito

ainda às vicissitudes do referendo.

46 Note-se que existe a Lei do Enquadramento Orçamental, a Lei do Orçamento de Estado e a Lei da execução – implica sempre uma análise correlativa do potencial valor reforçado e vinculativo ad substancium com exigências e imperativos de legalidade de cada um dos atos aos de mais, em referência, de valor reforçado.

Page 93: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

93

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

A iniciativa legislativa, na abertura do processo ou procedimento legislativo não se pode

confundir com a competência legislativa – tratam-se de conceitos diversos: iniciativa é

propor a Lei, competência é aprová-la ou decretá-la. Em órgãos singulares ou unipessoais,

caso do PR, a iniciativa pode coincidir com a competência – decretos emitidos pelo PR –

não é possível proceder à sua distinção jurídica. Como corolário do princípio da separação

e interdependência de poderes, decorrente do Art. 111º da CRP, nos órgãos colegiais,

deverá haver uma interação e correlação entre os titulares no âmbito do processo

legislativo, com diferenciação jurídica entre reserva de iniciativa e reserva de

competência – sem a iniciativa não pode haver deliberação, sem deliberação não haverá

aprovação e posteriormente promulgação – é de notar que as competências estão

atribuídas a diferentes titulares, como desenvolvimento cabal do princípio constitucional

supramencionado. Como a lei reveste de caráter político e de implicações de ordem

pública, verifica-se que existe um influxo constante de material legislativo. Verifica-se a

seguinte questão: na existência de governos minoritários, verifica-se a um aumento

sobejante de projetos de lei, desenvolvendo-se o processo legislativo parlamentar na sua

ampla maioria; no caso de governos maioritários abundam as propostas de lei (do GOV),

sendo elevada a instrumentalização da AR e do PLP (processo legislativo parlamentar.

A iniciativa legislativa e o impulso legiferante são circunstâncias diferenciadas. A

iniciativa é um ato político, situa-se já no interior do procedimento legislativo. O impulso

legislativo está, pode estar ou deve estar na génese do processo, mas queda-se exterior a

ele e por maior significado constitucional ou político, que possua, postula o subsequente

exercício do poder de iniciativa para se tornar eficaz – é a pretensão de desencadear um

ato legislativo. O impulso dependerá das relações entre os órgãos do poder e entre as

forças políticas e sociais. Os impulsos podem ser jurídicos ou simplesmente políticos –

os impulsos jurídicos podem determinar a circunstância diferenciada da iniciativa

legiferante de um órgão, abrindo o processo legislativo parlamentar. Os impulsos

simplesmente políticos tendem a o não fazer. Podem ainda existir ainda impulsos difusos

correspondentes aos grupos de pressão, às associações, à opinião pública, à comunicação

social, às comunidades religiosas enquanto influenciam, de qualquer forma, com mais ou

menos intensidade, a produção legislativa. Há quem fale em impulsos contra-legiferantes

ou impulsos legiferantes negativos como impulsos, oposições e pressões para que não se

exerça um determinado diploma.

A iniciativa de lei apresenta-se no Art. 167º - compete aos deputados – 167º/1/1ª norma;

aos grupos parlamentares47 167º/1/2ª parte, ao GOV (designa-se Proposta de Lei) – Art.

47 Tem-se discutido a natureza jurídica dos grupos parlamentares. A maioria da doutrina entende os grupos parlamentares enquanto pessoas coletivas, nomeadamente Associações Públicas ou de direito e interesse público, que nos termos da CRP – 117º e 151º - exercem o poder político em nome do povo, sendo eleitos representantes. PAULO OTERO considera que os grupos parlamentares são organizações intra-parlamentares resultando de uma deriva da organização partidária, sendo associações públicas sem personalidade jurídica, pois a vontade dos grupos parlamentares será sempre em grande medida imputada ao Parlamento. Tendo a considerar que a posição do professor PAULO OTERO é a mais correta, doravante penso que talvez seja possível autonomizar no tráfego jurídico público a vontade dos grupos parlamentares, já que até um projeto de Lei de um GP ser aprovado pela AR, não é possível,

Page 94: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

94

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

200º/1/c); e, de forma procedimentalmente dependente – “nos termos e condições

estabelecidos na lei” às iniciativas de grupos de cidadãos – competição de iniciativa.

A iniciativa dos deputados, dos GP e dos cidadãos é uma iniciativa interna, que se traduz

em projectos de lei. A iniciativa do GOV e das ALR reveste-se de iniciativa externa, que

toma a forma de proposta de lei. A iniciativa dos deputados pode ser individual, mas um

projeto de lei terá de ter no mínimo 20 subscritores – para assegurar um processo de

deliberação – 137º/1 do RAR. A iniciativa popular prevê um mínimo de 35.000 cidadãos

– importa perceber que se distingue do direito de petição – não obriga à simples discussão

e ambígua de possível decisão – obriga a votação concreta pois é desencadeado o

processo. Projeto e proposta de Lei integram a iniciativa originária – traduz a abertura

do processo legislativo, com vista à modificação da ordem legislativa. Também existe a

iniciativa superveniente que se traduz em propostas de alteração – propostas de emenda,

substituição, aditamento ou eliminação – 142º do RAR – e também em textos de

substituição, textos apresentados pelas comissões parlamentares, sem prejuízo dos

projetos e das propostas de lei a que se referem -167º/8 e Art. 149º RAR.

Aula de 02 de maio de 17

Vamos tratar do processo legislativo parlamentar? Como é que uma Lei é aprovada no

parlamento? A matéria do procedimento legislativo tem que ver com uma sucessão

ordenada de atos e formalidades. Quais são esses atos? Temos de saber onde encontrar a

resposta para esta matéria – quais as fontes do processo legislativo parlamentar?:

i) A CRP;

ii) O RAR- é um ato normativo da competência exclusiva da AR;

iii) Leis ordinárias avulsas que disciplinam o processo legislativo parlamentar –

ex: a Lei sobre a participação das organizações de trabalhadores nas comissões

de elaboração de legislação laboral; os estatutos político-administrativos; lei

que regula o formulário dos respetivos diplomas;

iv) Costume parlamentar – é fonte do respetivo processo legislativo.

Quais os tipos de processo legislativo especiais?

a) O que respeita os Estatutos político-administrativos;

b) Processo legislativo das Leis de Revisão constitucional.

A par destes há um processo legislativo comum que é normalmente utilizado para a

produção das Leis. Existem ainda casos de processos de urgência, que vêm mencionados

no Art. 170º da CRP. Identificados os processos, importa ver as fases do processo

legislativo comum:

1) Fase da iniciativa legislativa

creio, imputar o projeto à AR no seu todo, sem individualizar o seu proponente, até para efeitos de responsabilidade política (difusa).

Page 95: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

95

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

(i) é o poder de desencadear o processo legislativo, materializa-se com a

apresentação de projetos e propostas de Lei. A matéria vem regulada no Art.

167º/1 – têm os deputados (sendo necessário um mínimo de subscritores nos

termos do RAR), os GP, o GOV, grupos de cidadãos eleitores e, no que a elas

diga respeito, a ALRA; Há dois tipos de iniciativa: a reservada – só algumas

das entidades podem desencadear este processo; concorrencial – quando

várias entidades podem desencadear o processo; iniciativa originária v.

superveniente ou derivada – a originária é o poder de apresentar uma proposta

de Lei; a superveniente é a que propõe alterações ao projeto anterior – há

reserva quanto há iniciativa originária mas não há reserva na iniciativa

superveniente48;

(ii) Compete agora ao PAR admitir ou não a iniciativa legislativa – caso não

admita, caberá sempre recurso para o plenário da AR; a iniciativa do gov

caduca com a sua demissão;

2) Fase da Apreciação/instrução – feita a apreciação em comissão especializada em

rattio materialae , para que numa 2ª apreciação na generalidade sejam ouvidos

outros órgãos e seja feita uma apreciação externa;

3) Fase da deliberação:

(i) Discussão e votação na generalidade do plenário – é discutido e votado na

generalidade do plenário – se aprova a iniciativa legislativa abre-se uma

2ª subfase;

(ii) Discussão e votação na especialidade- pode ocorrer no plenário (não é a

regra); a regra é que seja feita na comissão – vem limar as arestas e

aperfeiçoar o diploma;

(iii) Depois da apreciação em comissão o diploma volta ao plenário para

votação final global – a primeira regra que daí decorre é de que os

diplomas são aprovados por maioria simples, nos termos do Art. 116º/3;

mas também sabemos que há casos em que são aprovados por maiorias

especiais – absoluta nas L.O. ; maioria de 2/3 – matéria vem regulada no

Art. 168º. Se não se reunir o apoio necessário existe um não ato – há

rejeição. Se há aprovação segue-se para a 4ª fase do processo;

4) Promulgação – 136º, 278º;

5) Referenda ministerial – 140º/2 – inexistência jurídica;

6) Publicação no DR – é requisito de eficácia do ato – Art. 119º/2 – com referência

para a Lei Formulária.

Será que há um primado legislativo do parlamento? Em termos liberais só o parlamento

tinha competência legislativa. Hoje a ideia de que o parlamento era a expressão do

princípio democrático e o executivo monárquico, hoje não é assim já que o executivo

resulta de eleições, logo está vinculado ao princípio democrático – não há uma oposição

de legitimidades, o que favorece a ampla competência legislativa governativa – pq a regra

48 Distinga-se competência de iniciativa legislativa. Uma coisa é ter a função de desencadear o processo, outro a de aprovação e de emanação do mesmo. Distinga-se a competência do Art. 164º, 165º do Art. 167º.

Page 96: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

96

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

no direito português, a competência é concorrencial e as reservas são exceção – então, há

primado do parlamento?

Professor JORGE MIRANDA diz que sim/oposição de PAULO OTERO:

1) A AR tem uma competência legislativa genérica – no entanto, também o GOV

tem essa competência na área concorrencial, e a Lei tem o mesmo valor que o DL

– 112º/2 dá-nos a ideia de que Lei e DL têm a mesma força jurídica; os DL não

são atos imperfeitos, têm a mesma força jurídica que as Leis;

2) Tem uma competência legislativa reservadas, o GOV tbm tem – em matéria de

organização e funcionamento – 198º/2 e 198º/1/c) – desenvolvimento de Lei de

bases (P.O.); reserva de iniciativa do GOV – competência da AR – A lei travão é

travão para a AR – 167º/2; em matéria de autorização, quem tem iniciativa é o

GOV – 165º/2;

3) Na área concorrencial a AR pode fazer leis de bases que limitam a atuação do

GOV;

4) A AR pode controlar o mérito dos DL – Art- 169º;

5) O veto político do PR em relação aos DL é absoluto, em Leis é sempre suspensivo

– primado legislativo da AR sobre o GOV.

PAULO OTERO discorda. Porque o eventual primado da AR sofre a concorrência de um

primado do GOV – há uma concorrência de primados, logo não há primado. PAULO

OTERO vem densificar a sua análise, não só em termos estatísticos, mas também pela

existência de leis de autorização legislativa. Quando há maioria absoluta, há uma

instrumentalização da AR à vontade do GOV. Mesmo as Leis da reserva da AR estão

sujeitas a promulgação e referenda. Se estamos na área concorrencial e há leis de bases,

tbm podem existir DL de bases, que pode vir a derrogar uma anterior lei de bases – não

nos convence que existe primado da AR.

Falta analisar o Art. 169º que trata da apreciação parlamentar dos DL- todos, salvo os da

organização e funcionamento do GOV, pode haver sede de apreciação parlamentar- os

deputados chamam ao parlamento do decreto-lei. Para suspenderem a vigência do DL ou

para que o parlamento introduza modificação no DL e o parlamento pode fazer isto por

um processo parlamentar normal.

Última aula de 08 de maio de 2017

Vamos analisar a parte pendente dos tribunais, no que concerne à garantia de

constitucionalidade e no que concerne a fiscalização da mesma e legalidade.

Vamos contudo, terminar a apreciação parlamentar. Estão sujeitos à apreciação

parlamentar os DL autorizados – 198º/1/b); os DL oriundos da área concorrencial; os DL

de desenvolvimento de Leis de bases – só estão excluídos de apreciação parlamentar os

DL que constituem organização do GOV. Não esquecer que a apreciação parlamentar tem

de ser requerida por um mínimo de dez deputados; há um limite temporal para a

verificação da possibilidade de ocorrência da apreciação parlamentar. Este é um instituto

Page 97: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

97

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

que não serve para sanar inconstitucionalidades mas permite à AR fazer uma de três

coisas:

1) A AR pode determinar a cessação de vigência do diploma – se o determinar a AR

aprovará uma resolução49 - o diploma deixará de vigor desde o dia em que a

resolução for promulgada em DR – o DL mantém-se em vigor até à publicação

em DR da resolução – não tem, jamais, eficácia retroativa – neste caso de cessação

de vigência, esse DL não pode voltar a ser publicado nessa sessão legislativa –

tudo isto é constante do Art. 169º - o GOV não pode repetir o DL mas pode sobre

a mesma matéria emanar outro DL, sobre a mesma matéria, já que tem sempre a

competência;

2) A AR, pelo instituto da apreciação parlamentar, pode introduzir alterações nos

termos do 169º/2 – as alterações revestem a forma de Lei – estão sujeitas a

promulgação e a veto político e jurídico e fica suscetível a fiscalização preventiva

abstrata da constitucionalidade bem como de subsequente fiscalização sucessiva–

este mecanismo só é relevante perante GOV minoritários – se o GOV é maioritário

vai se sempre ter o apoio da AR que torna quase irrelevante o mecanismo de

apreciação parlamentar; em sede de apreciação parlamentar, mesmo perante a

competência reservada do GOV, a AR pode chamar a si o DL;

3) Perante uma proposta de alteração e DL autorizado – a AR pode, nos termos do

169º/2 pode suspender a aplicação imediata do DL – a suspensão reveste a forma

de resolução caducando se decorridas 10 reuniões plenária – este mecanismo

permite à AR intervir no conteúdo dos DL.

A sede de apreciação parlamentar não vai determinar um primado do parlamento, já que

a resolução é sempre permeável a livre conformação jurídico-normativa do GOV pela via

do DL. A AR pode suspender DL, determinar cessação de vigência, fazer alterações –

mas o GOV pode sempre atuar para colmatar essa atuação parlamentar – emana DL; faz

proposta de Lei; etc. A figura da apreciação parlamentar não sana inconstitucionalidades

dos diplomas e verifica-se muito esta existência já que tende a haver grande ingerência

de poderes da AR.

FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE – AÇÃO DOS TRIBUNAIS

Já sabemos que é da reserva dos tribunais. Sabemos que os tribunais pronunciam-se

sempre pela inconstitucionalidade – analisam em que termos um diploma possa ferir o

paradigma constitucional – há uma análise do cumprimento do dever de não

incumprimento e não um dever de conformação e desenficiação. Sabemos que a

inconstitucionalidade pode ser por ação – o que se fez em sentido contrário à CRP; ou

por omissão – perante o que não se fez e a CRP existe.

A inconstitucionalidade pode ser analisada em 4 pontos:

49 Não carece de promulgação.

Page 98: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

98

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

a) Quem emanou o ato não tinha competência para o efeito; ex: autorização

legislativa conferida no sentido x; GOV legisla em Y – há inconstitucionalidade

orgânica;

b) Pode ter que ver com a forma, procedimentos e formalidades. Ex: Lei de RC foi

proposta pelo GOV – inconstitucionalidade orgânica porque há reserva de

iniciativa dos deputados;

c) Inconstitucionalidade relacionada com o objeto da lei – conteúdo da lei, aplicação

material que suscita inconstitucionalidade – quando viola por exemplo o princípio

da igualdade – Art- 13º:

d) Pode haver inconstitucionalidade quando há um desiderato teleológico em relação

à CRP – quando o fim da Lei é manifestamente contrário a cláusulas

constitucionais – pode suscitar inconstitucionalidade material e finalística –

quando a CRP proíbe determinados fins.

É importante definirmos ainda a inconstitucionalidade em razão do tempo. Podemos ter

uma inconstitucionalidade originária – quando à data da emanação do diploma ele era

desconforme com a CRP; inconstitucionalidade superveniente – ocorre quando durante a

vida da norma infraconstitucional há uma alteração da CRP ou uma nova CRP –

determina a invalidade da norma infraconstitucional perante uma mudança de paradigma

constitucional;

Pode haver ainda uma inconstitucionalidade face a normas vigentes ou a normas não

vigentes – é algo absolutamente relevante – atente-se ao caso da LAL – ela caduca mas

dá origem a um diploma que ainda se mantém vigente – se a LAL era

inconstitucionalidade, determina-se a invalidade consequente ou correlativa do diploma

que foi emanado por esse ato – há uma comunicação dos atos pressupostos – a invalidade

é assim consequente – tratam-se de inconstitucionalidades derivadas ou consequentes.

A inconstitucionalidade pode ser presente ou pretérita – desconformidade entre uma

norma de direito ordinário vigente ou não vigente – CC de 1966, no caso de não ter sido

promulgado analisamos o vício à luz da C de 1933 – há um juízo de inconstitucionalidade

pretérita, traduz uma análise de uma norma constitucional que já não está em vigor.

Dentro da inconstitucionalidade por ação temos duas linhas ou dois caminhos diferentes

de fiscalização de diplomas. A inconstitucionalidade pode ser objecto de fiscalização

preventiva – antes do diploma ter sido concluído ou ter autonomia jurídica no tráfego

constitucional ou pode ocorrer quando o diploma já está publicado – fiscalização

sucessiva. A fiscalização sucessiva pode ocorrer subsequentemente em função de um

juízo de um tribunal que recuse a prática – fiscalização difusa ou incidental que é

sucessiva concreta– Art. 204º; ou apreciação do diploma geral independemtente do caso

concreto – fiscalização sucessiva abstrata do 281º. Quais as grandes diferenças?

a) A fiscalização sucessiva abstrata está a cargo de todos os tribunais; a fiscalização

sucessiva concreta está a cargo só do TC;

Page 99: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

99

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

b) A fiscalização sucessiva concreta só produz efeitos no caso concreto; a

fiscalização sucessiva abstrata traduz força obrigatória geral o que implica a

cessação de vigência do diploma e sua remoção do O.J. – revogação.

A fiscalização da constitucionalidade por omissão vem prevista nos termos do Art. 283º.

A CRP acolhe a influência Norte- Americana pela influência da constituição brasileira, e

austríaca, pela constituição de Bona.

O princípio geral é de que só há fiscalização de atos normativos, com duas excepções:

a) Há fiscalização de constitucionalidade dos referendos que sãoa atos políticos e

não normativos,

b) Há fiscalização de constitucionalidade de convenções coletivas de trabalho – no

âmbito privatístico;

c) O TC admite ainda a fiscalização dos diplomas legislativos que sejam atos

administrativos sob forma legislativa, sem grau de generalidade e abstração

material – leis medidas.

A fiscalização sucessiva concreta por parte do TC vem regida nos termos do Art. 280º da

CRP quando as decisões dos tribunais que conheçam situações de inconstitucionalidade

– há sempre cabimento de recurso. Há ainda obrigatoriedade de recurso para o TC em

sede de fiscalização sucessiva concreta quando há, nos termos do 204º o tribunal de 1ª

instância não aplique a norma por a ajuizar inconstitucional – o MP terá de recorrer para

o TC convalidar ou não – tem a última palavra na análise da constitucionalidade.

A fiscalização sucessiva abstrata tem que ver com a análise da constitucionalidade da

norma ou diploma em geral, desligada do caso concreto, podendo ocorrer nos termos do

Art. 281º /1 e 2 – nem todas as pessoas podem requerer esta fiscalização – há uma

tipologia de entidades que podem requerer- os particulares fá-lo-ão através do Provedor

de Justiça.

É ainda possível em sede de fiscalização concreta do TC, haver fiscalização sucessiva

concreta antes da vigência da Lei – no período da vacatio legis – já que está publicado

embora não em vigor – pode determinar um impedimento à vigência.

Ressalve-se ainda o sentido do 281º/3 - quando o TC já emitiu declaração de

inconstitucionalidade sobre uma norma em 3 casos concretos – estamos no âmbito da

fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade (surge pela via de recurso para o

TC, pela verificação do 204º) o TC pode emitir com força obrigatória geral (como se

fosse fiscalização sucessiva abstrata) da inconstitucionalidade.

Importa assim compreender os efeitos da declaração da inconstitucionalidade e o

referencial temporal em que estes se verifiquem, nos termos do Art. 282º. Se a

inconstitucionalidade é originária a destruição é desde a data da emanação do dipolma;

se é superveniente significa que só são destruídos os efeitos a partir do início da

desconformidade com a alteração da CRP, e haverá retroatividade da

inconstitucionalidade a esse domínio. Pode ocorrer ainda a repristinação – necessário

Page 100: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

100

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

haver efeito revogatório; no entanto só existirá se a norma anterior for também ela

inconstitucional – quando é correlativa. Verifica-se a possibilidade de comprometimento

dos princípios da segurança jurídica e confiança como efeitos da repristinação da

inconstitucionalidade – ficam assim assegurados os casos em julgado, salvo razões de

segurança, equidade, excecional interesse público, domínio mais favorável, etc – 282º/4

– o TC limita a retroatividade da eficácia da declaração de inconstitucionalidade – decorre

de uma possibilidade de modelar e manipular os efeitos da declaração de

inconstitucionalidade.

Duas notas finais: este regime é aplicado também a casos de ilegalidade equiparada à

inconstitucionalidade – verificam-se assim três casos de fiscalização da legalidade:

a) 281º/1/b, c) e d) violação de lei com valor reforçado;

b) Violação por normas das R.A. que violem o Estatuto;

c) Normas da República que violem o estatuto político-administrativo das regiões

autónomas.

Ultima nota – 283º- inconstitucionalidade por omissão – só existe por falta de medidas

legislativas para implementar normas não exequíveis por si mesmas da CRP. Há

competência exclusiva de fiscalização ao TC. Se verificar inconstitucionalidade por

omissão dará conhecimento ao órgão em causa.

Esquema de Fiscalização

1. Noção de inconstitucionalidade – ato jurídico-público em sentido lato, ou

jurídico-legislativo (Lei, DL, DLR) em sentido estrito na sede constitucional,

contrário ao paradigma constitucional vigente, v.g. contrário à constituição. A

inconstitucionalidade implica uma relação entre parâmetros: uma norma da

Constituição e um ato jurídico-público, v,g. uma lei, ou mais frequentemente uma

norma constante deste (do tal ato jurídico-público) segundo JORGE MIRANDA.

2. Inconstitucionalidades típicas:

i) Material – quando há violação lato sensu de uma norma constitucional por

uma norma ou diploma jurídico-público ou jurídico-legislativo, ex: uma

norma que viole o princípio da igualdade.

ii) Orgânica – quando há violação de reservas de competência

constitucionalmente definidas no âmbito das vicissitudes da aprovação ou

procedimento legislativo lato do ato jurídico-público. Acontece:

i. Quando há violação do Art. 111º da CRP – Princípio da Separação

de Poderes, ex: Uma norma de um ato jurídico-legislativo que

consagre que é o Sr. Ministro da Justiça que aplica sanções a

particulares – há violação da separação de poderes pois o MJ não

tem essa competência que é de “reserva absolutíssima dos

tribunais, lato sensu do judiciário”- o ato será nulo, sendo assim

ineficaz, não produz efeitos jurídicos (ou pelo menos não deve

Page 101: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

101

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

produzir e se produzir devem os efeitos ser destruídos com eficácia

retroativa);

ii. Quando há violação de reserva de competência da AR:

a) Violação da reserva absoluta da AR – 164º - Um DL vem

regular matérias da competência EXCLUSIVA da AR, as

enunciadas tipologicamente no Art. 164º, logo o DL será

inconstitucional, a título orgânico, por incompetência absoluta

do GOV para a prática/produção desse ato e violação de

reserva constitucional injuntiva absoluta – o DL será, regra

geral nulo (logo ineficaz);

b) Violação da Reserva relativa da AR – 165º - a competência é

exclusiva da AR, MAS pode ser “atribuída” ao GOV através

de autorização legislativa – LEI DE AUTORIZAÇÃO

LEGISLATIVA, nos termos do Art. 165º/2 – obedece a

critérios específicos: a LAL tem de definir o objeto, sentido,

extensão, duração – há uma vinculação paramétrica (ou sujeita

a um critério de parametricidade) – se o GOV legislar sobre as

matérias do 165º sem LAL então o DL (ato jurídico -

legislativo) é inconstitucional a título orgânico, sendo, à

partida nulo e ineficaz, e ainda ilegal por violação da

conformação paramétrica a que está sujeito. Pode contudo

suceder, o GOV-Legislador emanar um DL versante sobre as

matérias do 165º, sem LAL prévia, mas tornar-se válido e

eficaz, se se conferir a LAL posterior eficácia retroativa ou ex

tunc – há divergência doutrinária, optar pela doutrina do Sr.

Prof. PAULO OTERO.

iii. Quando há violação da reserva absoluta de competência legislativa

do GOV – prevista no Art. 198º/2, sobre as matérias da sua

autorganização, há um princípio geral de autoorganização interna.

Quando há ainda violação da “falsa” lei orgânica do GOV – o seu

DL de organização e funcionamento.

iii) Inconstitucionalidade formal – quando há violação da forma

constitucional exigida, quando há preterição de formalidades – ex: quando

é legislada pela AR matérias do Art. 161º, 164º ou 165º que exigem forma

de lei – RESERVA DE LEI – sob a forma de resolução, consequência – o

ato padece de inconstitucionalidade formal e é nulo, por violação da

reserva de lei. Acontece ainda sempre que haja preterição da forma

constitucionalmente exigida para a emanação/prática do ato jurídico-

público.

iv) Inconstitucionalidade por omissão – verificada nos termos do Art. 283º.

FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE – Breves notas

introdutórias

1. Fiscalização preventiva da constitucionalidade – é sempre uma modalidade de

fiscalização abstrata, exercida nos termos do Art. 278º. Consiste no requerimento

Page 102: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

102

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

pelo Sr. Presidente da República dirigido ao Tribunal Constitucional da

apreciação da constitucionalidade de normas de diplomas ou destes na sua íntegra

– 278º/1; ou requerimento do Sr. Representante da República (nas Regiões

Autónomas) dirigido ao TC para apreciação da constitucionalidade de normas

constantes de DLR ou deste no seu todo -278º/2 Deve ser requerida num prazo de

8 DIAS, a contar desde a data oficial de receção na Secretaria-Geral da

Presidência da República do diploma enviado para promulgação – 278º/3 –

discussão doutrinária: no caso da preclusão do prazo, pode entender-se que a

violação deste gera mera irregularidade50 pelo que o PR ou o RR podem requerer

passados os oito dias; pode entender-se que a preclusão obsta ao pedido de

fiscalização preventiva – doutrina dominante, regra geral o TC julga improcedente

requerimentos submetidos fora de prazo. Nos termos do n.º 4 do Art. 278º/4 o PM

ou 1/5 dos Deputados podem requerer a fiscalização preventiva ao TC de qualquer

norma constante de decreto enviado para promulgação como LEI ORGÂNICA.

Nos termos do n.º 7 do Art. 278º a PROMULGAÇÃO É TEMPORARIAMENTE

VEDADA ao Sr. PR sem que decorram 8 dias ou que o TC se pronuncie, quando

houver sido requerida a sua intervenção, por via de fiscalização preventiva. Se o

TC se pronuncia pela inconstitucionalidade do diploma enviado para apreciação

– haverá VETO JURÍDICO, nos termos do 279º/1, o PR estará obrigado a vetar o

diploma. Nos termos do 279º/2 o veto jurídico por pronúncia de

inconstitucionalidade do diploma pelo TC pode ser ultrapassado pela AR e o ato

jurídico-público julgado inconstitucional pode entrar em vigor se confirmado pela

AR por maioria qualificada de 2/3 dos deputados presentes em plenário, se forem

superiores à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, ou seja,

regra geral, é necessário que no mínimo estejam presentes 116 deputados em

plenário, dos quais 2/3 aprovem a confirmação do ato, ultrapassando assim o veto

jurídico [pronúncia de inconstitucionalidade do TC seguida de veto do PR] mas

desde que seja EXPURGADA a norma julgada inconstitucional – 279º/2.

Assim se o diploma for reformulado é possível a confirmação pela AR, desde que

retiradas todas as normas julgadas inconstitucionais.

2. Fiscalização Sucessiva:

a) Sucessiva Concreta – 280º - em sede de recurso judicial, como refere GOMES

CANOTILHO há um critério da parametricidade da fiscalização ad hoc por

via de um processo judicial de fiscalização. Na sucessiva concreta do 280º, há

fiscalização quando há recurso para o TC. Nos termos do Art. 204º há

fiscalização incidental da constitucionalidade de normas, no caso concreto,

com provimento de recurso para o TC. Faz-se ressalva que há RECURSO

OBRIGATÓRIO do MP, das decisões que apliquem norma anteriormente

julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio TC nos termos do Art. 280º/5

da CRP e dos Arts. 56ºss da Lei do TC;

b) Sucessiva Abstrata – 281º - requerida pelo PR, PAR, PM, Provedor de Justiça,

PGR, 1/10 dos deputados (23 deputados). RR – há requerimento depois do ato

jurídico-normativo (diploma) entrar em vigor – ou seja, mesmo que não seja

requerida a fiscalização preventiva, pode-se recorrer à sucessiva abstrata para

remover do ordenamento jurídico atos alegadamente inconstitucionais. Faz-se

50 ABREU DE CAMPOS, Da dogmática geral da mera irregularidade, 2017.

Page 103: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

103

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

ressalva à modelação de efeitos – 282º/4 – em que, em sede de Fiscalização

Sucessiva abstrata o TC declara com força obrigatória geral a

inconstitucionalidade do diploma/norma constante do diploma mas por razões

de equidade, interesse público excecional e segurança jurídica, fixa e manipula

os efeitos da inconstitucionalidade, ou seja restringe a ineficácia ou a

contrario determina a não remoção do ordenamento jurídico da norma e

garante a sua eficácia, ou seja, a produção de efeitos jurídicos do ato

inconstitucional, por via de uma presunção de justiça e de confiança gerada

pelo ato inconstitucional em apreciação ou julgamento.

Page 104: JOÃO ABREU DE CAMPOS - AAFDL...Consultar Direito Constitucional Português – Vol 1 e 2 (Não há manual para teoria da lei nem da história- usar manual de direito constitucional

104

Tutor JOÃO ABREU DE CAMPOS

Regência: Prof. Doutor PAULO OTERO.

FIM.

NOTA FINAL DA 2ª EDIÇÃO

Estes apontamentos comportam anotações das aulas teóricas do senhor professor doutor

Paulo Otero, anotações do tutor, resumos e transcrições de excertos relevantes dos tomos

do livro de Manual de Direito Constitucional do Professor Doutor Jorge Miranda e do

livro Teoria Geral do Estado e da Constituição do Professor Doutor J.J. Gomes

Canotilho. O estudo destes apontamentos não dispensa a consulta dos manuais

recomendados.

As opiniões do autor ficam para este ressalvadas, não sendo recomendável ou autorizado

o uso das notas de rodapé das quais o autor manifesta a sua discordância com teorias

do senhor Professor Paulo Otero ou do senhor Professor Jorge Miranda. Recomenda-

se, contudo a leitura de todas as notas de rodapé que densifiquem os conteúdos teóricos

(faz-se ressalva para a importância da nota de rodapé 39, sobre a Teoria Geral dos Atos

Normativos, que consiste num amplo resumo do Tomo V do Manual de Direito

Constitucional do Professor Jorge Miranda e do livro Teoria Geral do Estado e da

Constituição do Professor Gomes Canotilho).

O autor deixa votos de sucesso a todos os alunos, desta que é, das melhores cadeiras do

curso em Direito e dedica estes apontamentos ao seu grupo de amigos, Anaísa, Matilde,

Ricardo, Joana, Catarina, Liliana.

Lisboa, 09 de Maio de 2018

João Abreu de Campos.