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    CASIMIRO MANUEL MARTINS AMADO

    HISTRIA

    DA PEDAGOGIAE DA EDUCAO

    Guio para acompanhamento das aulas

    UNIVERSIDADE DE VORA

    2007

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    APRESENTAO

    Logo nos primeiros anos de docncia da disciplina de Histria da Pedagogia eda Educao apercebemo-nos que o trabalho, quer dos estudantes quer do professor,ficaria imensamente facilitado se as aulas pudessem funcionar com um acervo de textos

    fundamentais disposio de todos. De imediato, elabormos uma Antologia (do gregoanthos, flor!) reunindo os textos mais representativos da Histria da Pedagogia e daEducao. Posteriormente, conseguimos acrescentar-lhe um conjunto de elementos denatureza didctica que fazem do novo material aquilo a que desde o ncio designmoscomo Guio para Acompanhamento das Aulas.

    Aqui se incluem no s os textos a estudar detalhadamente nas aulas prticas,mas tambm alguns outros que ilustram os temas tratados nas aulas tericas. Trata-se,portanto, de um instrumento de trabalho indispensvel para o estudo pessoal e para umapresena participativa nas aulas.

    Lamentavelmente, o mercado editorial portugus muito pobre nadisponibilizao de obras de referncia geral no mbito da Histria da Pedagogia e daEducao. Essa mais uma das razes por que, em nosso entender, se justifica estenosso esforo no sentido de tornar acessvel aos nossos alunos um conjunto de textosfundamentais para o estudo desta disciplina. Assim podero entrar em contacto directocom os textos daqueles que, em cada poca, escreveram e reflectiram sobre a educao,quer do ponto de vista das prticas efectivas quer do das doutrinas pedaggicas queforam sendo formuladas.

    Trata-se, verdade, de uma seleco que contempla apenas alguns dosprincipais textos, tanto mais que se pretendeu apresentar todos os textos em portugus,para maior facilidade de leitura.

    Abrimos este Guio com um Quadro Geral no qual procurmos, inspirados nos

    vrios quadros sincrnicos elaborados por J. Palmer (Histoire des institutions et desdoctrines pdagogiques par les textes, ed. SUDEL, Paris, 1958), fornecer uma viso deconjunto da Histria da Pedagogia e da Educao. Todos os textos levam indicada a suaprovenincia quer em termos de autoria quer de traduo. Um conjunto significativo foicolhido no manual de Histria da Educao (edio policopiada, Coimbra, 1987)elaborado pelo Prof. Doutor Joaquim Ferreira Gomes, que os traduziu da obra deJ. Palmer atrs referida. Os textos de Quintiliano, Clemente de Alexandria, eMontaigne foram extrados da obra de Maria da Glria de Rosa, A Histria daEducao atravs dos textos (Cultrix, S. Paulo, s/d). Da Antologia de textospedaggicos do sculo XIX portugus, organizada por Alberto Ferreira (F. C.Gulbenkian, Lisboa, 1971, 1973, 1975) extramos os textos de Alexandre Herculano.

    Todos os restantes textos levam, conforme j dissemos, tambm indicada a sua origem.No seria necessrio fris-lo, mas para que no restem dvidas temos de deixarbem claro neste momento que o nosso intuito foi principalmente de ordem didctica.Por isso, na linha do que fizemos no Guio da disciplina de Pedagogia Geral, cuidmosde organizar tudo em funo do ensino e da aprendizagem da Histria da Pedagogia eda Educao, de acordo com os objectivos estabelecidos no Programa e PlaneamentoDidctico. Em cada unidade de aprendizagem foi feita a formulao explcita dosObjectivos a atingir, e em cada uma se encontra tambm uma seco de Actividades deControle da Aprendizagem que permitiro ao aluno confrontar-se com os exercciospropostos, procurar resolv-los e utilizar quer as aulas quer o horrio de atendimento dodocente para dirimir as suas dvidas e dificuldades.

    Casimiro Amado, Histria da Pedagogia e da Educao Guio para acompanhamento das aulas, Univ. de vora 2007

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    claro que no se tem a pretenso de com estes materiais esgotar aqui otratamento das matrias. Por isso, em cada unidade de aprendizagem vai indicadaBibliografia complementar para aprofundamento das matrias estudadas.

    O nosso objectivo foi, simplesmente, elaborar uma ferramenta de trabalhobsica, capaz de guiar todos os alunos, garantindo o melhor proveito das aulas para o

    aluno que as frequenta, mas tambm o acompanhamento mais fcil das mesmas para oque as no frequenta. Apesar das suas deficincias e limitaes, estamos convencidosde que, tal como est, o aluno tem nas suas mos um instrumento fundamental para oseu estudo pessoal. Quando frequentar as aulas dever ter consigo o Guio, devendo terprocedido previamente leitura, no mnimo, da parte referente ao Resumo, aosObjectivos e Antologia respeitantes unidade lectiva em causa.

    Finalmente, um pedido de desculpas por todas as gralhas que escaparam reviso dos textos que digitalizmos e que agora se apresentam com uma facilidade deleitura que no tinham quando eram fotocopiados. A maior homogeneidade visual e omaior conforto na leitura espero que contribuam para aligeirar o esforo hermenuticoque persiste ainda por falta de notas explicativas que ajudem o leitor na compreenso

    dos textos. Devero ser acrescentadas futuramente.Estou ciente de que este Guio poder ainda ser melhorado graas s sugestesque vierem a ser feitas pelos seus utilizadores. Desde j as agradeo, em meu nome e nodos meus futuros alunos e vossos futuros colegas.

    Universidade de vora, Fevereiro de 2007

    Casimiro Amado

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    HISTRIA DA PEDAGOGIA E DA EDUCAO

    CONTEDOS PROGRAMTICOS

    1. O mundo greco-romano1.1. A Grcia antiga: condicionalismos poltico-sociais.1.2. Dois modelos de educao:1.2.1. A educao estatal de Esparta.1.2.2. O ideal educativo ateniense.1.3. O fenmeno educativo da sofstica.1.4. O magistrio socrtico.1.5. A teorizao platnica da educao.1.6. O realismo educativo de Aristteles.1.7. A "Paideia" helenstica.1.8. A educao romana.

    2. O cristianismo2.1. Novo ideal educativo e novas instituies de ensino.2.1.1. O perodo apostlico.2.1.2. O perodo patrstico.2.1.3. O perodo monstico..1.4. O perodo escolstico.2.1.4.1. A formao profissional nas corporaes.2.1.4.2. A organizao das Universidades medievais.2.1.4.3. O mtodo escolstico.2.1.4.4. A criao da Universidade portuguesa.

    3. Renascimento e Humanismo3.1. A cultura humanista e a nova pedagogia.3.2. A pedagogia "activa e funcional" de Montaigne.3.3. Rabelais e o confronto entre dois tipos de educao.3.4. Experimentalismo e humanismo pedaggico em Portugal.

    4.Reforma e Contra-Reforma4.1. A Reforma Protestante e a educao: Lutero.4.2. A Contra-Reforma: a Companhia de Jesus.

    4.2.1. A criao da Universidade de vora.4.3. A pedagogia comeniana.

    5. Do Iluminismo aos finais do sculo XIX5.1. O Iluminismo.5.2. Rousseau.5.3. Pestalozzi e Froebel.5.4. O Iluminismo em Portugal.

    5.4.1. Verney e Sanches.5.4.2. A obra do Marqus de Pombal.

    5.5. A Revoluo Francesa.5.6. As ideias pedaggicas do Romantismo: Fichte.5.7. A Revoluo Industrial e seus reflexos na educao.5.8. A educao e a pedagogia em Portugal, no sculo XIX.

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    5.8.1. As reformas do liberalismo: Herculano e Garrett.5.8.2. Antero de Quental e a ilustrao do operrio.5.8.3. Adolfo Coelho e a educao popular.5.8.4. Os mtodos de Castilho e Joo de Deus.

    6. O sculo XX e as Escolas Novas6.1. Montessori e Decroly6.2. A Escola de Genebra6.3. A Escola Nova alem6.4. Kerschensteiner e Dewey6.5. A Escola Nova em Portugal

    7. Educao e Pedagogia no Portugal Contemporneo7.1. O debate pedaggico no final da Monarquia.7.2. O debate pedaggico durante a I Repblica.7.2.1. Teorias, temas e problemas em confronto.

    A reforma do ensino.7.3. O debate pedaggico durante o "Estado Novo".7.3.1. O debate pedaggico nos primeiros anos do regime.7.3.2. A poltica educativa do "Estado Novo".7.3.4. A "primavera" marcelista e a obra do ministro Veiga Simo.

    7.4. A situao pedaggica-educativa no Portugal de hoje: a Lei de Bases do SistemaEducativo.7.5. A Reforma Educativa.

    8. As grandes linhas pedaggicas do mundo contemporneo8.1. No contexto portugus

    8.2. No contexto europeu8.3. No contexto mundial

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    Introduo disciplina

    . Educao e Pedagogia. Pedagogia e Cincias da Educao. Cincias da Educao eformao de professores. A Histria da Pedagogia e da Educao na formao deprofessores.

    Resumo: A nossa primeira tarefa ser reflectir sobre os objectivos doensino-aprendizagem da disciplina de Histria da Pedagogia e da Educao no quadroda formao de professores, tendo presente o lugar que esta cincia ocupa no mbito dasCincias da Educao. Conhecedores da vrias propostas para o estabelecimento dumquadro geral dos saberes acerca da educao, trataremos de compreender a relao entreos mesmos e a definio do currculo de formao dos profissionais da educao.

    Objectivos:

    - Conhecer a origem etimolgica do termo Pedagogia.- Explicar em que circunstncias surgiu a noo de Cincias da Educao.- Compreender as razes dos que consideram Pedagogia e Cincias da Educaocomo sinnimas.- Compreender as razes dos que no consideram Pedagogia e Cincias daEducao como sinnimas e defendem a superioridade de cada uma das noes.- Definir o que so as Cincias da Educao e quais so.- Explicar em que consiste o risco de as mesmas se tornarem saberes em mosaico eindicar como ele pode ser superado.- Explicar em que medida a educao uma arte e simultaneamente uma tcnica.- Explicar como a formao em Pedagogia/Cincias da Educao pode contribuir para a

    formao de um educador profissional.- Compreender o papel que a Histria da Pedagogia e da Educao pode e devedesempenhar no quadro da formao dos docentes.

    ANTOLOGIA(Textos de introduo e sensibilizao)

    A pedagogia a teoria prtica da educao. (Durkheim)

    A educao a matria da pedagogia. (Durkheim)

    A pedagogia a cincia e a arte da educao. (mile Planchard)

    Perante as ambiguidades do termo Pedagogia, (...) certos pensadores de onteme de hoje mostraram a sua preferncia por uma noo que simultaneamente maisextensa e menos ambiciosa: a de Cincias da Educao. (...) Empreendimento deequipas de especialistas que se encontram na encruzilhada das diversas cinciashumanas, as Cincias da Educao realizam incontestavelmente uma promoo dapedagogia, assegurando-lhe condies de objectividade e de rigor cientfico. Mas,devido diversidade dos seus objectos e complexidade das tcnicas que utilizam, asCincias da Educao esto ameaadas de constituir "saberes em mosaico",

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    artificialmente justapostos e cujos resultados s podem ser efectivamente totalizadosatravs de uma filosofia da educao. (Paul Juif e Fernand Dovero)

    As cincias da educao so constitudas pelo conjunto das disciplinas queestudam as condies de existncia, de funcionamento e de evoluo das situaes e dos

    factos de educao. (Gaston Mialaret)A Pedagogia uma cincia da educao, juntamente com as outras cincias da

    educao, embora distinguindo-se delas por causa do seu carcter cientfico e, porconseguinte, formando um grupo parte. As cincias da educao incluem a Pedagogia:mas a Pedagogia no inclui as "Cincias da Educao". (...) tenhamos em conta que apedagogia deve fundamentar-se nas "Cincias da educao".... (J. M. . QuintanaCabanas)

    Os educadores tm menos necessidade de tcnicas, de receitas ou de truquestalhados medida do que de um profunda concepo (...). Isto implica que o educador,

    segundo as palavras de Harold Taylor, seja um student of teaching. Aprenderhabilidades para a aco imediata no basta quando se ignoram os princpios sobre osquais se baseiam estas habilidades. (...) Os educadores tcnicos so j demasiadonumerosos. Aquilo de que se precisa so educadores que pensem, que reflictam - quesaibam. (Lucien Morin)

    [A Histria da Pedagogia e da Educao] permite (...) tornar mais inteligvel apedagogia actual, pelo conhecimento do passado. Graas a ela descobrimos as origens,s vezes longnquas, das nossas tradies educacionais. (...) s vezes, esse legado dopassado pesa ainda ponderavelmente na prtica educativa (...). (...) essa histria estuda opassado no somente para melhor compreender o estado presente das instituies, dos

    mtodos e das concepes educacionais, mas, tambm, para prever qual ser o futuropedaggico das nossas sociedades, segundo uma atitude mental prospectiva (...). A liodo passado experincia que deve auxiliar os educadores a evitar os erros cometidos, ea promover as experincias pedaggicas. (Maurice Debesse)

    A histria [da Pedagogia e da Educao] no portanto um simples olhardeitado sobre o passado; pode ser uma das ferramentas poderosas da compreenso dopresente e pertence deste modo de direito famlia das cincias da educao. (GastonMialaret)

    Texto para Anlise: TEXTO 1

    TEXTO 1

    Captulo II - QUADRO GERAL DAS CINCIAS DA EDUCAO

    Os captulos precedentes colocaram em evidncia, parece-nos, a complexidade dassituaes e dos fenmenos que pertencem ao domnio da educao, bem como anecessidade de fazer apelo a um grande nmero de disciplinas cientficas, para tentardiscernir os factores que entram em jogo e as relaes ou as leis que regem o conjuntodo sistema.

    Classificaremos as cincias da educao em trs categorias:

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    - as que estudam as condies gerais e locais da educao;- as que estudam a situao de educao e os prprios factos de educao;- as da reflexo e da evoluo.

    I - Disciplinas que estudam as condies gerais e locais da educao

    Podemos distinguir cinco disciplinas que abordam os problemas sob estengulo: a histria da educao, a sociologia escolar, a demografia escolar, a economiada educao, a pedagogia comparada.

    QUADRO GERAL

    Quadro enumerativo das cincias da educao

    1. Cincias que estudam as

    condies gerais e locais dainstituio escolar:

    2. Cincias que estudam a

    relao pedaggica e o prprioacto educativo:

    3. Cincias da reflexo e da

    evoluo:Histria da educaoSociologia escolarDemografia escolarEconomia da educaoEducao comparada

    Cincias que estudam as condiesimediatas do acto educativo:

    - Fisiologia da educao- Psicologia da educao- Psicossociologia dos pequenosgrupos

    - Cincias da comunicao.

    Cincias da didctica dasdiferentes disciplinas.

    Cincias dos mtodos e tcnicas.

    Cincias da avaliao.

    Filosofia da educao.

    Planificao da educao e teoria dosmodelos.

    1. A histria da educao e da pedagogia. - entre todas as cincias da educaouma das mais antigas e, assim, uma das mais desenvolvidas, apesar das suas lacunas edas suas insuficincias actuais que os especialistas lamentam. Respondendo afirmaode Augusto Comte segundo a qual um processo s pode ser compreendido por meio dasua histria, possvel afirmar que uma tentativa de explicao dos sistemas e dosmtodos que esquece completamente as dimenses histricas est votado ao fracasso.

    A histria da educao responde a vrias necessidades :

    Permite em primeiro lugar tornar mais inteligvel a pedagogia actual peloconhecimento do passado. Descobrimos, graas a ela, as origens frequentementelongnquas das nossas tradies educativas. Por exemplo, o sistema do mandarinato daantiga China; a arte de interrogar o aluno de que a maiutica de Scrates1 nos oferece oclebre modelo; a escola organizada como estabelecimento fechado, j nas escolas deescribas da Antiguidade e sobretudo nas escolas monsticas da Idade Mdia; a prticageneralizada dos trabalhos escritos dos alunos a partir da pedagogia dos jesutas; oensino mtuo assegurado por monitores, tal como existia em particular na ndia e comoCharles Bell espalhou primeiramente em Inglaterra no incio do sculo passado, etc.

    1 Na filosofia socrtica, a arte de fazer descobrir ao interlocutor por meio de uma srie de perguntas, asverdades que contm em si. N. T.

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    Esta herana do passado pesa por vezes ainda fortemente sobre a prtica educativa, nospases de velha civilizao.

    A histria da educao permite-nos ento compreender a evoluo, os processosde mudana, as etapas, as aceleraes, os afrouxamentos, e permite-nos fazer umbalano mais claro e sobretudo mais inteligvel da situao da educao actual. D-nos

    tambm, pelas comparaes que vai permitir, elementos de reflexo e de compreensoindispensveis cultura geral do educador.A histria da educao abrange vrios ramos que, evidentemente, se completam,

    mas que nem todos atingiram o mesmo nvel de desenvolvimento. H em primeirolugar a histria do pensamento pedaggico, das ideias em educao, das concepesgerais. muitas vezes preciso distingui-la daquilo a que chamamos a histria dos factose das instituies de educao. Ren Hubert fazia j notar que as doutrinas no estonecessariamente soldadas aos factos, dado que tendem sempre para os transformar; eM. Debesse acrescenta: Elas representam uma potncia de inveno do gnero humanoao mesmo tempo que um fermento de transformao. claro que a tese da educaoque se encontra na Repblica de Plato no a da educao ateniense da poca e, mais

    perto de ns, a teoria contida no mile de Rousseau no corresponde prtica daeducao no sculo XVIII. No menos verdade que esta histria das ideiaspedaggicas (inseparvel a nosso ver da histria geral das ideias) tem um grandeinteresse para melhorcompreender, nem que fosse pela viso em negativo da realidadeque elas muitas vezes representam, a educao real de uma poca.

    Uma segunda orientao , efectivamente, a histria dos mtodos e das tcnicaspedaggicas. No se pode dizer que este seja o aspecto mais desenvolvido da histria daeducao. Seria, porm muito importante poder analisar a evoluo dos materiaispedaggicos, por exemplo, em funo da evoluo pedaggica, tcnica, social,filosfica. A histria dos livros de leitura caracterstica a este respeito. A influncia doracionalismo cartesiano traduz-se pelo mtodo silbico de aprendizagem da leitura

    codificada no sculo XVII por Ch. Demia; no sculo XVIII, sob a dupla influncia dafilosofia sensualista e dos progressos tcnicos da impresso, surgem as ilustraes; ostextos e as apresentaes modificam-se em seguida sob a influncia das teoriasmodernas da filosofia psicolgica e, mais particularmente, sob a influncia da Teoria daForma... Tais anlises histricas permitiriam distinguir as coerncias e as incoernciasda prtica da educao, o sentido exacto a atribuir a esta ou quela prtica, melhorcompreender pelo conhecimento das razes histricas, a aco pedaggica actual.

    Pode tambm assinalar-se a terceira orientao: a da histria das instituiespedaggicas. razovel pensar que em cada etapa da histria de uma sociedade oestabelecimento desta ou daquela instituio ou a modificao das que existemrespondia a uma necessidade. O esclarecimento destas necessidades de mudanapermite compreender a significao exacta desta ou daquela parte do sistema. poistil conhecer estes factos para, no decorrer de uma anlise actual das situaes,distinguir o que pertence ao passado, o que pode ser abandonado como j nopossuindo a sua razo de ser, o que deve ser conservado se a funo continua a existir.

    A histria no portanto um simples olhar deitado sobre o passado; pode seruma das ferramentas poderosas da compreenso do presente e pertence deste modo dedireito famlia das cincias da educao.

    MIALARET, Gaston, As cincias da educao, Lisboa, Moraes Editores, 1976, pp. 18-35.

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    ACTIVIDADES DE CONTROLE DA APRENDIZAGEM

    I. Questionrio

    1. O que a Pedagogia? Qual a sua relao com as Cincias da Educao?

    2. Explique em que circunstncias surgiram as Cincias da Educao.

    3. Em que caso podem as designaes Pedagogia e Cincias da Educao ser tomadascomo tendo o mesmo significado?

    4. Em que medida faz sentido a polmica Pedagogia versus Cincias da Educao?

    5. Explique as razes dos que preferem Pedagogia a Cincias da Educao. Tmrazo?

    6. Explique as razes dos que preferem Cincias da Educao a Pedagogia. Tmrazo?

    7. Comente:... as Cincias da Educao (...) devido diversidade dos seus objectos e

    complexidade das tcnicas que utilizam, esto ameaadas de constituir "saberes emmosaico", artificialmente justapostos. (Paul Juif e Fernand Dovero)

    8. Diga por que grande o risco que as Cincias da Educao correm de constituiremsaberes em mosaico (Juif & Dovero), e explique como se pode combat-lo.

    9. Sendo a educao tambm uma arte, para que serve a formao pedaggica dosprofessores?

    10. Aprecie criticamente a pergunta "A Pedagogia uma cincia ou uma arte".

    11. Qual o lugar da Pedagogia quando a educao for concebida como mera arte?

    12. Qual o lugar da Histria da Pedagogia e da Educao no quadro das Cincias daEducao?

    13. Que papel pode a Histria da Pedagogia e da Educao desempenhar na formaodos profissionais da educao?

    II. Elabore textos articulando os seguintes conceitos e expresses. Intitule-os.

    14. "Cincias da Educao", "arte de educar", "formao pedaggica", Histria daPedagogia e da Educao.

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    BIBLIOGRAFIA(Leituras complementares/ Actividades de remediao)

    CABANAS, Jos Mara Quintana, "Pedagoga, Ciencia de la Educacin y Ciencias de

    la Educacin", in AAvv, Estudios sobre Epistemologa y Pedagoga, Salamanca, Ed.Anaya, 1983, pp. 75-107.CARVALHO, Adalberto Dias de, Epistemologia da Cincias da Educao, Porto,Afrontamento, 1988, pp. 69-97.CARRASCO, Joaqun Garca, As Cincias da Educao, Pedagogos para qu?, Porto,Braslia Editora, 1987, pp. 80-98.JUIF, Paul, e DOVERO, Fernand, Guia do estudante das cincias pedaggicas, Lisboa,Estampa Editora, 1974, pp. 11-24.MIALARET, Gaston, As cincias da educao, Lisboa, Moraes Editores, 1976, pp. 7-18; 37-92.PLANCHARD, mile, Introduo Pedagogia, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, pp.

    11-24.

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    Introduo disciplina

    . Histria, Histria da Educao e Histria da Pedagogia.

    . Quadro Geral da Histria da Pedagogia e da Educao.

    Resumo: Reflectiremos agora sobre o que a cincia da Histria, quais os seusmtodos, e quais os principais problemas epistemolgicos que se colocam no seu seio.Trataremos, em seguida, de esclarecer a diferena e a articulao entre a Histria daEducao e a Histria da Pedagogia. Finalmente, analisaremos um Quadro Geral daHistria da Pedagogia e da Educao.

    Objectivos:

    - Compreender o que a Histria enquanto actividade cientfica que visa satisfazernecessidades universais do ser humano.- Compreender a inevitabilidade de a cincia da Histria ser contaminada pelos usos to

    polmicos quanto inevitveis dessa cincia.- Compreender os problemas epistemolgicos que se levantam em virtude dessacontaminao.- Compreender o que vem a ser a abordagem da realidade, particularmente da realidade

    educativa e pedaggica, com esprito histrico.- Identificar as principais transformaes da cincia da Histria desde o positivismo aosnossos dias.- Compreender a diferena e a articulao entre a Histria da Educao e a Histria daPedagogia.- Compreender em que medida a Histria da Educao e a Histria da Pedagogiadependem do devido enquadramento na Histria Geral bem como dependem das

    posies filosfico-epistemolgicas do historiador.- Formar, desde j, uma imagem global do conjunto da Histria da Educao e daHistria da Pedagogia.

    ANTOLOGIA(Textos de introduo e sensibilizao)a) Os usos da Histria e, em particular, os da Histria da Pedagogia e da Educao.

    ... a histria faz parte dos utenslios pelos quais a classe dirigente mantm o seupoder. O aparelho de Estado procura controlar o passado simultaneamente ao nvel dapoltica prtica e ao nvel da ideologia. O Estado, o poder, organizam o tempo passado efabricam a sua imagem em funo dos seus interesses polticos e ideolgicos. JeanChesneaux

    Quem controla o passado, domina o futuro. George Orwell

    Um povo conta a si prprio a histria que pode compreender em cada alteraodecisiva do seu caminho. Alfred Dubuc

    [Referindo-se a uma certa historiografia da educao] A histria da educao(...) cabia-lhe, no melhor dos casos, justificar a opo doutrinal de carcter pedaggicode quem a leccionava, ou fazer a apoteose de uma instituio. Por mais simptica que tal

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    opo se revelasse, ela no podia deixar de influir na seleco dos factos e dospersonagens considerados dignos de memria, o que, a seu turno, influenciava osresultados ambicionados. No quadro dos seus objectivos de formao docente, esperava-se obter, atravs deste ensino, uma espcie de contaminao ou de impregnao tericados futuros professores. Rogrio Fernandes

    b) Natureza e fins da Histria da Pedagogia e da Educao.

    [A Histria da Pedagogia e da Educao] ... a ela se aplicam as regras domtodo histrico: respeito aos textos, crtica dos documentos, preciso das referncias,rigor da anlise e preocupao da objectividade. A histria da pedagogia no considerada como realidade em si. Faz parte da histria da civilizao, no quadro dahistria geral. (...) A evoluo pedaggica no passa de aspecto particular da evoluohistrica geral. Estuda-se sob o efeito de quais causas complexas, ou tangida por quaisfactos memorveis, crise poltica, inveno tcnica, doutrina nova, essa evoluo

    ocorreu; por quais processos e atravs de quais dificuldades se realizou. Procura-se,assim, discernir o sentido dessa evoluo, prever que rumo ir tomar amanh. Pois essahistria estuda o passado no somente para melhor compreender o estado presente dasinstituies, dos mtodos e das concepes educacionais, mas, tambm, para preverqual ser o futuro pedaggico das nossas sociedades, segundo uma atitude mentalprospectiva (...). Maurice Debesse

    No h doutrina pedaggica concebvel, grande reforma exequvel, semconhecimento geral dos factos e das teorias do passado. (...) Uma histria da pedagogia, com efeito, a seu modo, uma histria do esprito humano, pois a descrio dasformaes sucessivas que ele recebeu, como das que, nas diversas pocas, os grandes

    pensadores desejaram que recebesse. (...). D, ao cabo, esta lio de que as doutrinasno so necessariamente presas aos factos, pois tendem sempre a transform-los; ,assim, uma permanente demonstrao do poder de inveno inerente ao espritohumano, que procura realizar-se tanto pela educao quanto por todas as outrasmanifestaes da sua actividade; corrobora a f em seu valor e em seu destino. RenHubert.

    (...) estamos, em realidade, diante de uma dupla histria: a do pensamentopedaggico, de um lado, e a da prtica pedaggica, do outro. (...) Cumpriria distingui-lasradicalmente como o fez Ren Hubert em sua Histoire de la Pdagogie,ou associ-lascomo o haviam feito os seus predecessores ? Qualquer das maneiras tem argumentos

    por fazer valer. Maurice Debesse

    Scholin agein no no fazer nada, deixar-se arrastar nas douras de umintil farniente; , e a nuance importante, no participar nas actividades produtivasdos bens de consumo. Da resulta que a noo econmica de energia e de produtividadedesempenha um papel considervel na histria da escola. Ver-se- esta desenvolver-se eestender-se a camadas cada vez mais numerosas da populao, medida que osprogressos da cincia e da tcnica libertarem os homens das tarefas necessrias ou teis sua vida "material". A obrigao escolar, o ensino generalizado no o resultado deuma qualquer generosidade ou de um qualquer sentido do humano de que teriam estadoprivados os nossos antepassados; inscreveu-se como uma possibilidade no dia em que

    as crianas puderam, at uma idade cada vez mais elevada, ser subtradas ao ciclo daactividade econmica. Arnould Clausse

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    Textos para Anlise: TEXTO 2, TEXTO 3 e TEXTO 4

    TEXTO 2A Histria e o esprito histrico

    Durante muito tempo, os estudos histricos foram uma curiosidade, umentretm de coleccionador e at um refgio da sensaboria do quotidiano. Em nossosdias, o conhecimento da Histria um dos pilares em que assenta qualquer formaocultural vlida.

    Sem ele faltaria viso que temos do mundo a dimenso do Tempo. no Tempoe no Espao que todas as coisas se situam, e sem ambas estas coordenadas as coisas

    ficariam suspensas no maravilhoso. Um objecto, uma instituio, uma crena, colocadosfora do Tempo s podem imaginar-se ou existentes desde todo o sempre,inalteravelmente, ou nascidos do nada num miraculoso instante.

    Assim foi que antes que a mentalidade histrica penetrasse a lingustica, sejulgou que as lnguas tinham sido directamente ensinadas aos homens por Deus, comoos pais as ensinam s crianas. Na Moral e no Direito creu-se que os mandamentos e asleis tinham sido escritos e promulgados pessoalmente por Deus e por Ele entregues aoSeu povo. Nas Cincias Naturais pensou-se que as espcies animais e vegetais tinhamsido criadas, tambm por arbtrio divino, de uma vez para sempre e na sua formadefinitiva. Igualmente se julgou que as instituies sociais, por vontade de Deusou por decreto incompreensvel da Natureza, tinham sido e seriam sempre tais como as

    conheceram os homens de cada gerao: que sempre houvera e semprehaveria escravos; que sempre houvera e haveria senhores e servos, ricos e pobres; queum determinado sistema econmico, como o da concorrncia entre empresrios, vigentedurante o sculo XIX numa pequena regio do mundo, era to natural e to definitivocomo a lei da gravitao universal.

    o esprito histrico que destri estas crenas, mostrando-nos a constanteevoluo e transformao das lnguas, da Moral, do Direito, das sociedades, dasespcies, a incessante passagem de umas formas a outras, a sua multiplicao,diversificao e enriquecimento. Com ele deixou de haver coisas eternas e comeosabsolutos. Tudo momento na sucesso dos momentos. Tudo tem antecedentes econsequentes, e, como diz Heraclito, ningum pode banhar-se duas vezes na mesma

    gua de um rio. Tudo tem em si o germe da morte, que tambm o da vida. Tudo estno Tempo.

    O esprito histrico consiste justamente neste saber ver as coisas na suadimenso temporal. Mesmo no campo reduzido das cincias fsicas, no possvel semele uma viso cientfica da realidade. No se pode ser bilogo sem se partir dopressuposto de que todas as formas vivas tm antecedentes, nem to-pouco astrnomosem se compreender que o sistema solar tem uma histria. Metodologicamente, a noode que o conhecimento cientfico se desenvolveu no tempo com avanos, paragens esaltos tem cada vez maior relevncia na formao do cientista, e por isso tende cada vezmais a fazer parte da sua bagagem a histria da cincia que pratica.

    SARAIVA, Antnio Jos, Dicionrio crtico, Editorial Querco,Lisboa, 1984, pp. 91-92.

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    TEXTO 3

    Histria da Educao e Histria da Pedagogia(...) estamos, em realidade, diante de uma dupla histria: a do pensamento

    pedaggico, de um lado, e a da prtica pedaggica, do outro. (...) Cumpriria distingui-las radicalmente como o fez Ren Hubert em sua Histoire de la Pdagogie,ou associ-las como o haviam feito os seus predecessores ? Qualquer das maneiras tem argumentospor fazer valer.

    Com efeito, o estudo separado dos factos e das doutrinas evita confuses muitofrequentes entre a teoria e a prtica: A Repblica, de Plato, no a educao ateniensedo sculo IV a.C., e tampouco o De pueris, de Erasmo, o quadro da educao narenascena. Como se sabe, o mais das vezes as doutrinas pedaggicas se opem

    prtica da sua poca. Testemunha disso o mile, de J.-J. Rousseau, que se levantaviolentamente contra a educao palradeira dos colgios do sculo XVIII, e lhe opeos princpios de uma educao segundo a Natureza. Observa R. Hubert que asdoutrinas no esto necessariamente ligadas aos fatos, pois tendem sempre a transform-los". Representam um poder de inveno do gnio humano e, ao mesmo tempo, umfermento de transformao. Pode-se at dizer que existe, paralelamente evoluo dasprticas educativas, porm dela distinta, uma evoluo das doutrinas, e ver, napedagogia, um captulo da histria das ideias, que compreende, tambm, a das ideiaspolticas, econmicas, estticas, e apresenta, no conjunto, certa unidade.

    Apesar dessas vantagens, parece, entretanto, impossvel cortar assim em duas ahistria da pedagogia. A distino entre factos e teorias no tem seno carcter relativo,

    pois factos e teorias se condicionam e se esclarecem mutuamente. O prprio mile no completamente compreendido sem a pedagogia de seu tempo. Com mais razo aindaquando se trata de doutrinas que bem mais codificam um estado de coisas do queinovam: o que acontece com o Trait des tudes, de Rollin, no incio do sculo XVIII.Alm disso, a ligao entre a teoria e a prtica feita pelos prprios educadores, cujapedagogia se inspira em elementos de doutrina, na influncia do meio onde vivem,assim como em sua experincia pessoal.

    Em minha opinio, portanto, a histria da pedagogia deve associar os doisdomnios e mostrar-lhes a interaco. Uma dicotomia, independentemente dasrepeties que pode acarretar, contm algo de arbitrrio. Maurice Debesse

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    TEXTO 4

    QUADRO GERAL DA HISTRIA DA PEDAGOGIA E DA EDUCAO

    POCA / DATA LOCAL EDUCAO PEDAGOGIA

    GRCIA

    ROMA

    EDUCAO CRIST E MEDIEVAL

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    desde IX a.C. Esparta * fsica, militar

    VII-V a.C. Atenas * ginstica e msica

    V a.C. Atenas * ed. sofstica

    IV a.C. Atenas ARISTFANES, PLATO,As Nuvens A Repblica

    IV a.C. Atenas ARISTTELES, A Poltica

    III-I a.C. Mundo * enkyklios paideia" esticos e epicuristashelenstico

    at III a.C. Roma * ed. agrcola, moral Catoe militar

    II a.C.-II d.C. Roma * ed. "humanstica" Ccero

    (infl. grega)

    II d.C.-V d.C. Imprio * ed. pblicaRomano QUINTILIANO, A educao do orador

    I - IV Imprio * ed. catequstica Padres da IgrejaRomano CLEMENTE DE ALEXANDRIA,

    O pedagogo

    SANTOAGOSTINHO, O Mestredesde V Europa *ed. monstica

    VIII Imprio *"RenascimentoCarolngio carolngio"

    CARLOS MAGNO, Capitular de 789XI Europa * escolas

    episcopais

    XII-XV Europa * ed. cavaleiresca* ed. profissional

    (corporaes de ofcios)* Universidades

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    POCA / DATA LOCAL EDUCAO PEDAGOGIA

    REFORMA E CONTRA-REFORMA

    SCULO XVII

    SCULO XVIII

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    RENASCIMENTO E HUMANISMO

    Scs. XV - XVI Frana Colgio de Frana RABELAIS,

    Colgio de Guyenne Gargntua ePantagruel MONTAIGNE,

    Ensaios, Cap. XXV

    Pases Baixos Colgio de Deventer Erasmo de RoterdoPortugal Colgio das Artes Andr de Resende

    Sc. XVI Mundo * ed. pblica e universalprotestante LUTERO, Aos prncipes cristos

    Mundo COMPANHIA DE JESUS, Ratio Studiorumcatlico (Jesutas)

    Portugal Universidade de vora

    Mundo Oratorianoscatlico

    Bomia COMNIO,(Repblica Checa) Didctica Magna

    Genve ROUSSEAU,(Suca) Emlio ou da Educao

    Frana Revoluo FrancesaCONDORCET,

    Instruo Pblica eOrganizao do Estado

    Portugal Reformas RIBEIRO SANCHES,Pombalinas Cartas sobre a instruo da mocidade

    LU S ANT NIO VERNEY,O Verdadeiro Mtodo de estudar

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    POCA / DATA LOCAL EDUCAO PEDAGOGIA

    SCULO XIX

    SCULO XX PORTUGAL

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    Sua Pestallozzi

    Alemanha Froebel

    Portugal Revoluo liberal A. Garrett ALEXANDRE HERCULANO,

    Instruo PblicaA. F. CastilhoJoo de Deus

    1910-1926 I Repblica JOO DE BARROS, Educao e democracia

    1926-1974 Estado Novo A. PIMENTA, Educar e Instruir

    1974-1986 Ps- 25 de Abril

    1986- L.B.S.E. eReforma

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    ACTIVIDADES DE CONTROLE DA APRENDIZAGEM

    I. Questionrio

    1. Que necessidades universais do ser humano so satisfeitas pela actividade cientfica

    que designamos como Histria?2. Quais so os usos to polmicos quanto inevitveis dessa cincia?

    3. Que problemas epistemolgicos que se levantam em virtude dessa contaminao?

    4. No caso da Histria da Pedagogia e da Educao, quais so os principais riscos aenfrentar na perspectiva desses usos?

    5. O que vem a ser uma abordagem da realidade, particularmente da realidade educativae pedaggica, com esprito histrico?

    6. Quais as principais transformaes da cincia da Histria desde o positivismo aosnossos dias?

    7. Distinga e relacione a Histria da Educao e a Histria da Pedagogia.

    8. Em que medida a Histria da Educao e a Histria da Pedagogia devem ser tratadasno quadro da Histria Geral?

    9. Em que medida a Histria da Educao e a Histria da Pedagogia dependem dasposies filosfico-epistemolgicas do historiador? Exemplifique.

    10. Que filosofia da histria da educao se pode deduzir a partir da etimologia gregade "escola"?

    II. Elabore um texto articulando os seguintes conceitos. Intitule-o.

    . Histria, Histria da Pedagogia e da Educao, Ideologia.

    BIBLIOGRAFIA(Leituras complementares/ Actividades de remediao)

    CALVO, Maria del Carmen Benso, "Notas para um planteamiento actual de la Histriade la Educacin", Revista Espaola de Pedagogia, Madrid, Ano XI, 157, Jul-Set1982, pp.119- 126.

    CLAUSSE, Arnould, A Relatividade Educativa, Livraria Almedina, Coimbra, 1976, pp.11-31.

    LON, Antoine, Introduo Histria da Educao, Publicaes D. Quixote, Lisboa,1983.

    MIALARET, G., DEBESSE, M., Tratado das Cincias Pedaggicas, CompanhiaEditora Nacional, S. Paulo, 1974, vol. 2., pp. XVII-XXV.

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    1. O mundo greco-romano1.1. A Grcia antiga: condicionalismos poltico-sociais.1.2. Dois modelos de educao:1.2.1. A educao estatal de Esparta.

    1.2.2. O ideal educativo ateniense.

    Resumo: Entraremos agora no estudo do panorama educativo e pedaggico daAntiguidade greco-romana. Reconhecendo a cultura e a civilizao gregas como fontesprimeiras da civilizao ocidental, consideraremos aqui os dois prottipos deorganizao social e educativa que correspondem s duas realidades to distintas quantoopostas das Cidades-Estado de Atenas e Esparta. No caso de Atenas deter-nos-emos nomomento imediatamente anterior entrada em cena dos sofistas e dos filsofos, novosmestres defensores, quer na teoria quer na prtica, de um novo tipo de educao dajuventude.

    Objectivos:

    - Conhecer os condicionalismos geogrficos, econmicos, polticos, sociais e religiososda Grcia antiga.- Compreender a teoria do milagre grego, e por que entrou em crise.- Distinguir os tipos ateniense e espartano de organizao poltico-social, mesmo antesda instaurao da democracia ateniense.- Compreender os condicionalismos que determinam a natureza militarista da sociedadee da educao espartanas.- Identificar as caractersticas da educao ateniense na sua fase arcaica ou homrica.- Identificar as caractersticas da educao ateniense na sua fase antiga, resumidas na

    noo de (kalokagathia).

    ANTOLOGIA(Textos de introduo e sensibilizao)

    A mais de dois milnios de distncia, passa-se, sem transio histrica, massegundo a lgica mais estrita, de Esparta para a Alemanha hitleriana em que, mutatismutandis, as coisas se apresentam da mesma maneira. (...) Hitler escreveu: O Estadonacional deve, em primeira linha, orientar o seu esforo pedaggico, no para a simplesabsoro de conhecimentos, mas para a formao de corpos sos. No e seno emsegunda linha que vem... a formao das faculdades espirituais. E aqui ainda, vem em

    primeira linha o desenvolvimento do carcter, particularmente a cultura do carcter, dafora de vontade e de deciso (...); no seno depois, em ltimo lugar, que vem oensino cientfico. Arnould Clausse

    A antiga educao ateniense era mais artstica que literria, e mais desportivaque intelectual. Henri-Irne Marrou

    Textos para Anlise : TEXTO 5 e TEXTO 6

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    TEXTO 5

    A EDUCAO EM ESPARTA

    O reqime escolar em Esparta

    "Depois de ter falado das ideias de Licurgo a favor das crianas antes do seunascimento, vou entrar em pormenores sobre a educao dos rapazes. Naque1es pasesda Grcia que se vangloriam de educar melhor a juventude, logo que as crianas socapazes de entender a que se lhes diz, tem-se a preocupao de lhes dar escravos comoprofessores; tem-se a preocupao de as enviar para as escolas pblicas, a fim de queaprendam os rudimentos da linguagem, a msica e os exerccios da palestra(= exerccios fsicos). Alm disso, enfraquecem-se os seus ps, por meio de calado;debilitam-se os seus corpos, fazendo-as mudar de vestidos com as estaes; enfim, nose conhece outra medida das suas necessidades alm da capacidade dos seus estmagos.

    Licurgo, em vez de dar escravos como professores a cada uma das crianas emparticular, nomeou para as dirigir um dos principais magistrados, chamado por essemotivo paidnomo. ele que tem o poder de reunir as crianas e de punir severamenteaquelas que se entregam moleza. Foram-lhe dados tambm adolescentes armados devergastas para castigar aqueles que o merecerem ser. Da a grande reserva esubordinao entre a juventude.

    Em vez de procurar a delicadeza dos ps, para os endurecer, proibiu o calado,persuadido de que, caminhando com os ps nus, as crianas se tornariam mais ligeiraspara a corrida, mais aptas para o salto, para transpor obstculos, para escalar montesescarpados, para descer os declives mais rpidos.

    Inimigo do luxo nos vestidos, quis acostum-las a no ter seno um para todo o

    ano; era, segundo ele, um meio de as endurecer contra o frio e contra o calor.Regulamentou as refeies de maneira que os rapazes aprendessem, pela sua

    prpria experincia, a no sobrecarregar o estmago e a no ir alm do seu apetite.Quando chegar a ocasio, dizia ele, os homens assim educados suportaro maisfacilmente a fome; na guerra, podero, seguindo as ordens dos seus chefes, viverdurante mais tempo com uma mdica rao, contentar-se sem dificuldade com ascomidas mais grosseiras. Pensava, alm disso, que os alimentos que tornam os corpossecos, nervosos, contribuem muito mais para a beleza da figura e para o vigor daconstituio que aqueles que produzem a gordura.

    No entanto, a fim de que eles no tivessem que passar fome, se se noencarregou de lhes fornecer o necessrio, permitiu-lhes ao menos que a isso provessemeles mesmos, roubando os objectos de que tinham necessidade. Sem dvida, no seacusar Licurgo por no ter proporcionado outros meios, quando permitiu os roubosastuciosos para subsistir. Acaso no tem o ladro que quer fazer uma presa, que vigiardurante a noite, imaginar os estratagemas durante o dia, armar uma emboscada, tergente espreita?

    Treinando as crianas em todas essas manobras, o seu objectivo era, portanto,evidentemente, torn-las mais hbeis para procurarem o que lhes era necessrio e maisaptas para a guerra. Mas porque que Licurgo, considerando o furto um mrito,submeteu ao chicote aquele que fosse apanhado a roubar? Que admira! Acaso em todasas escolas no h castigos para aqueles que seguem mal os princpios que se lhes

    ensine? O que se pune entre os espartanos, no o roubo, mas a feita de jeito.Era uma boa aco roubar os pes de cima do altar de Diana-Ortia; no entanto,aquele que se deixasse apanhar era condenado a ser fustigado pelos seus camaradas.

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    Qual era ento o objectivo do legislador seno mostrar que se pode comprar uma glriae um prazer duradoiros ao preo de uma dor passageira? Outra lio a tirar da que,nas ocasies em que necessria a rapidez, o homem indolente no consegue nenhumavantagem, e at sofre com isso.

    O legislador de Esparta no quis que as crianas estivessem sem vigilante,

    mesmo na ausncia do mestre. O primeiro que se apresenta toma ento o seu lugar, paraordenar s crianas o que julga honesto e para punir aquelas que da se desviam. Comum regulamento to sensato, tornou ainda as crianas mais dceis: Com efeito, quer najuventude, quer na idade viril, todos os espartanos respeitam singularmente osmagistrados.

    E a fim de que as crianas no ficassem sem monitor, na hiptese de se noencontrar nenhum homem feito, ordenou que seria o mais hbil de cada classe que acomandaria. Assim, as crianas jamais ficavam sem chefe.

    Quando os rapazes passam da classe das crianas para a dos adolescentes, o usodos outros gregos retir-las ento das mos dos professores e dos mestres, para aslibertar de toda a autoridade e torn-las perfeitamente independentes. Licurgo seguiu

    um mtodo contrrio. Convencido de que a adolescncia naturalmente orgulhosa,impetuosa, insolente, sujeita a toda a efervescncia das paixes, sujeitou-a, por um lado,aos exerccios mais laboriosos, e, por outro lado, imaginou mil meios de a ocuparconstantemente; e, declarando que aqueles que se dispensassem das ocupaesprescritos pelas leis seriam excludos dos empregos honrosos, tornou os magistrados, ospais ou os amigos dos jovens atentos a prevenir neles toda a aco insolente que osexporia ao desprezo geral dos seus concidados.

    Alm disso, querendo imprimir fortemente a modstia nos coraes, ordenouque se caminhasse nas ruas em silncio, com as mos sob as vestes, sem voltar a cabeapara um lado ou para o outro, com os olhos sempre fixos para diante de si. E nocontribuiu isso para fazer conhecer que a modstia pode ser apangio do homem aindamais que da mulher? certo que eles no fazem mais barulho que as esttuas; os seusolhos permanecem quase imveis; enfim, eles so mais modestos que as prpriasvirgens. Quando se encontram na sala das refeies, contentam-se em responder sperguntas que se lhes fazem. Tais os cuidados que Licurgo teve para com as crianas".

    XENOFONTE, A Repblica de Esparta

    A rivalidade como meio educativo

    "Licurgo pensou que se suscitasse combates de virtude entre os adolescentes,torn-los-ia capazes de todos os prodgios de coragem e de virtude. Eis como ele os psem combate uns com os outros: Os foros escolhem na classe dos adolescentes trs dosguerreiros mais robustos e mais corajosos para comandar um grupo, sob o nome dehipaguetes. Cada um deles escolhe cem cavalheiros, motivando a escolha de uns e aexcluso dos outros.. Os que foram excludos tornam-se inimigos do comandante doesquadro e daqueles que ele preferiu. Observam-se uns aos outros, prontos a denunciaraqueles que, por indolncia, se entregam a aces consideradas pouco honestas.

    Sem dvida que, de todos os combates, o mais til ao Estado e o maisagradvel aos deuses, pois da resultam lies pblicas de virtude, e cada um emparticular esfora-se por ultrapassar os seus companheiros, pronto a concorrer com

    todas as suas capacidades para o bem geral. Desse modo, conservam tambmnecessariamente as suas foras; com efeito, a rivalidade que reina entre eles leva-os a

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    baterem-se em qualquer parte que se encontram. Todo o espartano tem o direito deapartar os combatentes; e aquele cujo encarniamento torne indcil conduzido aosforos pelo monitor. Estes condenam-nos a uma multa, para lhe ensinarem fortemente ano se deixar dominar pela clera at ao ponto de desobedecer s leis.

    XENOFONTE, Op. Cit.

    A educao das raparigas em Esparta

    "Ele (Licurgo) quis que as raparigas se fortalecessem, exercitando-se na corrida,na luta, a lanar o disco e o dardo, a fim de que os filhos que elas viessem a conceberganhassem fortes razes em corpos robustos, para lutar com mais vigor, e que elasprprias, olhando o parto sem receio, resistissem com mais coragem e facilidade sdores. Tirou s raparigas a moleza da sua vida, a sua educao sombra e a fraqueza doseu sexo: acostumou-as a aparecer nuas em pblico, como os rapazes, a danar, a cantarem certas solenidades, em presena destes, e sob o seu olhar. Por vezes, elasatiravam-lhes alguma piada bem a propsito, censurando aqueles que tinham cometidoalguma falta, e dando louvores que1es que os haviam merecido : duplo aguilho queexcitava, no corao dos rapazes, a emulao do bem e o amor da virtude... A nudez dasraparigas nada tinha de impdico: o pudor estava l e ningum pensava naintemperana; ao contrrio, isso contribua para as habituar simplicidade, para lhes daruma emulao de vigor e de fora; era isso que elevava os seus coraes acima dossentimentos do seu sexo, mostrando-lhes que elas podiam partilhar com os homens opreo da glria e da virtude.

    Deste modo, as mulheres espartanas podiam pensar e dizer com confiana aquiloque se atribui a Gorgo, mulher de Lenidas. Uma mulher estrangeira dizia-lhe:

    - Vs, as mulheres Lacedemnias, sois as nicas que mandais nos homens.- que ns somos as nicas, respondeu ela, que colocamos homens no mundo."

    PLUTARCO (sc. I d. C.), Vida dos homens ilustres

    TEXTO 6

    A EDUCAO ATENIENSE

    Esparta e Atenas

    De facto, se a cidade dos Lacedemnios fosse devastada, e ficassem apenasos templos e os alicerce das construes, creio bem que , ao fim de bastante tempo,se suscitariam muitas desconfianas entre os vindouros quanto sua glria; e,contudo, eles governam dois quintos do Peloponeso e tm a hegemonia sobre a suatotalidade, e ainda, fora dele, sobre muitos aliados. No entanto, como a cidade delesno um centro nico, e no possui templos nem construes opulentas, antes se

    distribui a sua populao por aldeias, maneira antiga da Grcia, pareceria muito

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    insignificante. Ao passo que, se aos Atenienses acontecesse o mesmo, se lhesatribuiria o dobro do poder que realmente tm, em face da sua aparncia."

    TUCDIDES (sc. V a. C.), Livro I, X, 2

    Elogio da constituio ateniense

    "O regime poltico que ns seguimos no inveja as leis dos nossos vizinhos,pois temos mais de paradigmas para os outros do que de seus imitadores. O seunome democracia, pelo facto de a direco do Estado no se limitar a poucos,mas se estender maioria; em relao s questes particulares, h igualdadeperante a lei; quanto considerao social, medida em que cada um conceituado, no se lhe d preferncia nas honras pblicas pela sua classe, mas peloseu mrito; nem to-pouco o afastam pela sua pobreza, devido obscuridade da suacategoria, se for capaz de fazer algum bem cidade.

    Administramos livremente os assuntos da comunidade, bem como o que toca mesquinha e recproca observao da vida quotidiana, sem estarmos encolerizadoscom o prximo, se faz alguma coisa a seu belprazer, e sem lhe lanar em rostocensuras que no so um castigo, mas que importunam. Mas, ao passo que vamosvivendo a nossa vida particular sem causarmos incmodos, na nossa vida pblica,temos receio de fazer transgresses, pois damos ouvidos aos que se conservam nopoder e s leis, especialmente quelas que foram estabelecidas para socorro dosoprimidos e s que, mesmo sem serem escritas, causam em quem as transgrediruma vergonha que todos reconhecem.

    Alm disso, pusemos disposio do esprito muitas possibilidades de nosrepousarmos das fadigas. Temos competies e sacrifcios tradicionais pelo ano

    fora, belas casas particulares, cujo encanto prprio expulsa dia a dia osaborrecimentos. Devido grandeza da cidade, afluem aqui todos os produtos daterra inteira, e acontece que disfrutamos dos bens locais com no menosfamiliaridade que dos dos outros pases.

    Distinguimo-nos dos nossos adversrios, no que respeita a assuntos blicos, noseguinte: franqueamos a todos a nossa cidade, e no h ocasio alguma em que,numa proscrio de estrangeiros, cerceemos seja a quem for qualquer oportunidadede aprender ou de ver um espectculo, cuja observao pudesse ser til a alguminimigo, se no lho ocultssemos. No confiamos mais nos preparativos e nasciladas do que na coragem que brota de ns mesmos para a aco.

    E, na educao, os outros, logo desde a juventude praticam exerccios penosos,procurando alcanar a fora viril; ns, porm, que levamos uma vida semconstrangimento, no corremos com menos ardor ao encontro de perigos alturadas nossas foras. Eis uma prova deste facto: os Lacedemnios sozinhos no fazemuma expedio ao nosso territrio, mas somente com todos os seus aliados, aopasso que ns sem dificuldade invadimos os outros, e em terra alheia vencemos amaior parte das vezes os que defendem o seu prprio pas. Jamais a um inimigo sedepararam as nossas foras reunidas, por uma parte delas empregada na marinha,outra em terra, enviada em empresas mltiplas. Mas, se acaso se defrontam comuma das suas parcelas, e superam alguns dos nossos, logo se vangloriam de nos prtodos em fuga; e, somos ns que vencemos, afirmam que foram derrotados pela

    totalidade das nossas foras. Se, pois, com mais desprendimento do que esforo, ecom uma energia mais derivada dos nossos hbitos do que descrita pelas leis,

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    quisermos expor-nos ao perigo, sucede-nos que no padecemos antecipadamente asdores que esto para vir, e, quando chega a ocasio, no nos mostramos menoscorajosos do que os que vivem em contnuo estado de esforo. Por isto a cidadedigna de admirao, e por outras razes ainda.

    Amamos o belo com simplicidade e prezamos a cultura sem moleza. Servimo-

    nos da riqueza mais como meio de trabalho do que como objecto de presunooratria, e a pobreza no tida por vergonha, mas mais vergonhoso no a evitar,trabalhando.

    Os mesmos indivduos cuidam das questes familiares e das polticas, e aoutros, aos que se dedicam aos seus ofcios, no falta um conhecimento suficientedos assuntos pblicos, Somos os nicos que entendemos que quem no compartilhade nenhuma destas preocupaes no indiferente, mas sim intil, e por nsjulgamos as questes pblicas, ou, pelo menos, estudamo-las convenientemente,no por pensarmos que as palavras prejudicam a aco, mas sim que mais nocivono ensinar primeiro pela discusso, antes de chegar o tempo de actuar.

    Diferentemente dos outros, temos ainda a norma de ousarmos o mximo, mas

    reflectir profundamente sobre a empresa a que nos votamos. Enquanto que aosoutros a ignorncia traz a coragem, e o clculo acarreta a hesitao.Com razo sepodem julgar mais corajosos os que conhecem com toda a clareza os riscos eprazeres e, por causa deles, no se alheiam do perigo. Tambm na generosidade deconduta somos o oposto da maioria. No por recebermos benefcios dos amigos,mas por lhes fazermos bem, que os conservamos. O benfeitor um amigo maisfirme, porque est mais empenhado em conservar o favor em dbito, pela suabenevolncia para com aquele a quem o concedeu. O agraciado, por sua vez,mostra-se mais cordato, sabendo que pagar o favor, no por gentileza, mas parasatisfazer uma dvida. E somos os nicos que ajudamos algum, no tanto com amira nas vantagens, como com a confiana prpria de homens livres.

    Em resumo, direi que esta cidade, no seu conjunto, a escola da Grcia, e cadaum de ns em particular, ao que me parece, se mostra mais apto, para as maisvariadas das formas de actividade e para, com amaior agilidade, unida graa, darprovas da sua perfeita capacidade fsica. a prpria fora da cidade que, emvirtude destas qualidades, que possumos, bem demonstra como o que acabo dedizer no um discurso forjado para estas circunstncias, mas a verdade dos factos.Sozinha dentre as que existem, posta prova e mostra-se superior fama quepossui, e a nica que, quando invadida, no causa irritao ao inimigo pelocarcter dos que o derrotam, nem censura aos que ficam submetidos, por seremgovernados por homens indignos. Grandes so as provas do nosso poderio, enenhuma por documentar; seremos pois admirados pelos presentes e pelas geraesfuturas; no careceremos de um Homero como encomiasta, nem de ningum quedeleito de momento com os seus versos, mas cuja fico arbitrria dos factos vir aser desmentida pela verdade. Mas formos todo o mar e toda a terra a serpermevel nossa audcia e erigimos em toda a parte padres eternos de derrotascomo de vitrias.

    Foi por uma cidade assim que pereceram nobremente em combate os quejulgaram no dever consentir que os privassem dela. E os que ficaram natural quequeiram sofrer por sua causa.

    TUCDIDES, Livro II, XXXVI-XIII

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    A antiga educao ateniense

    "Logo que a criana comea a compreender o que lhe dizem, a ama, a me, opedagogo e at o prprio pai se esforam por que ela se torne o mais perfeitapossvel. A cada aco ou palavra lhe ensinam ou apontam o que justo e o que

    no , que isto belo e aquilo vergonhoso, que uma coisa piedosa, e outra mpia,e "faz isto", "no faas aquilo". E, ou ela obedece de boa mente, ou ento,corrigem-na com ameaas e pancadas, como se fosse um pau torto e recurvo.Depois, mandam-na escola, com a recomendao de se cuidar mais da educaodas crianas que do aprendizado das letras e da ctara. Os mestres, por sua vez,empenham-se nisso, e, depois de elas aprenderem as letras e serem capazes decompreender o que se escreve, como anteriormente o que se dizia, pem-nas a lernas bancadas as obras dos grandes poetas, e obrigam-nas a decorar esses poemas,nos quais se encontram muitas exortaes, e tambm muitas digresses, elogios eencmios da valentia dos antigos, a fim de que a criana se encha de emulao, osimite e se esforce por ser igual a eles.

    Os mestres de ctara, por sua vez, fazem outro tanto, cuidando do bom senso ede evitar que os jovens procedam mal. Alm disso, depois de saberem tocar,aprendem as obras dos grandes poetas lricos, que executam na ctara. Assimobrigam os ritmos e harmonias a penetrar na alma das crianas, de molde a civiliz-las, e, tornando-as mais sensveis ao ritmo e harmonia, adestram-nas na palavra ena aco. Na verdade, toda a vida humana carece de ritmo e de harmonia. Almdisso, ainda se mandam as crianas ao pedtriba, a fim de possurem melhorescondies fsicas, para poderem servir e um esprito so, e no serem foradas cobardia, por fraqueza corprea, quer na guerra, quer noutras actividades. Assimfazem os que tm mais posses; e: os de mais posses so os mais ricos. Os filhosdesses comeam a ir escola de mais tenra idade, e saem de l mais tarde.

    Depois de estarem livres da escola, o Estado, por sua vez, obriga-os aaprender as leis e a viver de acordo com elas, a fim de que eles no procedam aoacaso. Tal como o mestre-escola que, para os que no sabem escrever, traa asletras com o estilete e lhes entrega a tabunha e os fora a desenhar o traado doscaracteres, assim tambm a cidade, depois de ter delineado as leis, criadas pelosbons e antigos legisladores, os fora a mandar e a serem mandados do acordo comelas. E quem as transgredir castigado, e o nome desse castigo, na nossa cidadecomo noutras partes, prestar contas, como se fosse prestar contas justia.Perante tais cuidados com a virtude particular e pblica, ainda te admiras, Scrates, e pes objeces possibilidade de a virtude se ensinar? No h nada que

    admirar; mais de estranhar seria que e1a se no pudesse ensinar.

    PLATO, Protgoras, 325c;-326e

    ACTIVIDADES DE CONTROLE DA APRENDIZAGEM

    I. Questionrio

    1. Quais os condicionalismos geogrficos, econmicos, polticos, sociais e religiosos da

    Grcia antiga?2. O que defendia a teoria do milagre grego? Por que entrou em crise?

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    3. Em que medida as diferenas que separam os tipos ateniense e espartano deorganizao poltico-social se reflectem na educao de cada uma das cidades ?

    4. Quais os condicionalismos que determinam a natureza militarista da sociedade e da

    educao espartanas.5. Em que medida a educao espartana um exemplo claro da articulao ntima entreuma sociedade e a educao que nela se faz.

    6. Relativamente educao ateniense diga quais as fases que teve anteriormente aossofistas.

    7. Caracterize a educao ateniense na sua fase arcaica ou homrica.

    8. Comente: O ideal da educao antiga (...) resume-se numa palavra: a

    Kalokagathia (...). Henri-Irne Marrou

    9. O que significa exactamente a noo de (kalokagathia)?.

    10. Poder a antiga pedagogia ateniense funcionar como ideal para a escola actual? Emque aspectos?

    II. Elabore um texto articulando os seguintes conceitos. Intitule-o.

    . educao espartana, Kalokagathia.

    BIBLIOGRAFIA(Leituras complementares/ Actividades de remediao)

    CLAUSSE, Arnould, A relatividade educativa. Esboo de uma histria e de umafilosofia da escola, Coimbra, Liv. Almedina, 1976, pp. 48-55.DOBSON, J. F., La educacin antigua y su significado actual, Editorial Nova, BuenosAires, 1947.JAEGER, Werner, - Paideia, a Formao do Homem Grego, Editora Aster, Lisboa,

    1979, pp. 98-120.MARROU, Henri-Irne, Histoire de l'ducation dans l'Antiquit, Paris, Seuil, 1965,pp. 31-86.

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    1.3. O fenmeno educativo da sofstica.1.4. O magistrio socrtico.

    Resumo: A revoluo operada por Scrates e pelos Sofistas na educao ateniense ser

    o assunto desta lio. Graas ao testemunho precioso de Aristfanes acerca dessarevoluo, podemos perceber como ela tocou no mago da forma ateniense de encarar aPaideia. Esta revoluo foi to profunda que, a bem dizer, at aos nossos dias ainda nonos desvimos significativamente da opo intelectualista e verbalista ento tomada. Asnuances da oposio colorida entre Scrates e os Sofistas como, logo mais, entre Platoe Iscrates, no escondem que aquilo a que assistimos aqui ao enterro do ideal da .

    Objectivos:

    - Identificar os componentes da antiga educao ateniense, particularmente odestaque da educao fsica.- Compreender que essa educao fsica se articulava com os restantes componentes, naperspectiva de uma educao integral.- Compreender que quer a antiga quer a nova educao ateniense eram privilgio deuma reduzida elite social.- Compreender as razes que determinaram a necessidade de uma educao nova naAtenas do sculo IV a.C.- Compreender que, apesar de adversrios em alguns aspectos, Scrates e os Sofistaspartilham uma atitude comum em termos de prioridades educativas dos jovens.- Compreender o carcter literrio e verbalista da nova educao ateniense.

    - Compreender o mal-estar criado na sociedade ateniense mais conservadora pelarevoluo operada por Scrates e pelos Sofistas na educao da juventude. (Leituraindispensvel de As Nuvens, de Aristfanes)- Identificar as fases do mtodo socrtico, compreender o seu significado pedaggico eanalisar a sua sobrevivncia na pedagogia dos nossos dias.- Compreender como, a certa altura, o debate pedaggico se transfere da oposio entrea antiga educao e a nova para a oposio entre duas variantes desta ltima, umacentrada na Retrica e outra na Filosofia.

    ANTOLOGIA(Textos de introduo e sensibilizao)

    "No exagero nenhum falar de uma revoluo operada pelos Sofistas nodomnio da educao grega". H.-I. Marrou

    Textos para Anlise : TEXTO 7, TEXTO 8 e TEXTO 9

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    TEXTO 7

    ARISTFANES

    As Nuvens*(433 a. C.)

    PERSONAGENS: Estrepsades (pai), Fidpides (filho), Scrates, Raciocnio Justo,Raciocnio Injusto, Discpulos de Scrates, Criado de Estrepsades, Dois credores,Coro das Nuvens, dividido em dois meios coros, e dirigido pelo Corifeu.

    (O pai leva o filho a Scrates para que ele o ensine...)

    FID. (Deixando-se levar) Bem ... Talvez ainda te venhas a arrepender... Demos tempoao tempo...

    ESTR. Ora ainda bem que te deixas convencer. (A Scrates, que est ainda dentro decasa) Chega aqui, Scrates, chega aqui, sai c para fora, que te trago aqui o meufilho. (Entra Scrates) Ele bem no queria, mas l o convenci.

    SCR. natural... no passa dum putozeco, nunca esfolou o cabedal aquidependurado nos nossos engenhos1...

    FID. Esfolado ficarias tu, se te dependurasses2... no galho.ESTR. Diabos te levem! Isso so coisas que se faam, rogar pragas ao senhor

    professor?

    SCR. Ora vejam s: dependuraasses! Que maneira mais ridcula de pronunciar,assim com os beios escancarados... Como que um tipo destes pode alguma vezna vida aprender a safar-se duma condenao, a fazer uma citao em tribunal, oua convencer com falinhas mansas? E no entanto, por um talento apenas, Hiprboloaprendeu tudo isso.

    ESTR. No faas caso, trata de o ensinar, que o moo, no fundo, esperto: era aindacatraio, assim tamanhinho, e j moldava casinhas, esculpia barquinhos, construa

    *SCRATES: (...) as Nuvens celestes, as grandes deusas dos homens ociosos: so elas que nosproporcionam o saber, a dialctica e o entendimento, bem como o parlapi, a linguagem farfalhuda, odiscurso de bota-abaixo e o ... gamano. As Nuvens, 315;

    SCRATES: (...) ests disposto, de agora em diante, a no aceitar qualquer outra divindade que no

    sejam as nossas, isto , o Caos, as Nuvens e a Lngua, estas trs e s estas ? As Nuvens, 4201 Jogo de palavras que tentei manter. Creio ter somente acrescentado no galho".2Jogo de palavras que tentei manter. Creio ter somente acrescentado no galho".

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    carrinhos, e das cascas de roms fazia rs que era um encanto v-lo. Tenta, pois,ensinar-lhe aqueles dois raciocnios, o mais forte, ou l o que , e o mais fraco... otal que pega numa causa injusta e amanda abaixo o mais forte. E se no puderemser os dois, pelo menos o raciocnio injusto, d por onde der.

    SCR. Pois o moo vai receber lies dos dois Raciocnios em pessoa. Com licena.

    (Entra em casa)ESTR. (A Scrates, enquanto este se retira) Toma bem sentido: preciso que elefique apto a refutar tudo o que justo.

    (De casa de Scrates saem os dois Raciocnios)1

    RACIOCNIO JUSTOSalta para aqui! Se tens assim tanta coragem, mostra-te aos espectadores.

    RACIOCNIO INJUSTOOnde quiseres. Com muita gente a assistir, ainda me mais fcil dar cabo de ti.

    R. J. Dar cabo de mim, tu? Quem julgas tu que s?R. I. Um Raciocnio.R. J. Sim, mas o mais fraco.R. I. Pois veno-te na mesma, l por te gabares de ser mais forte.R. J. E com que artimanhas?R. I. Inventando ideias c muito minhas, ideias novas.R. J. Realmente, tais processos esto em moda, graas a cretinos como esses ai

    (Aponta para os espectadores)R. I. Cretinos, no: gente atilada.R. J. Vou dar cabo de ti, miservel.

    R. I. E como, no me dizes?R. J. Expondo o que justo.R. I. E eu contradigo-te e mando-te abaixo. Para j, ps juntos que no existe justia.R. J. Afirmas que no existe...?!R. I. Seno vejamos: onde existe ela?R. J. No seio dos deuses.R. I. Ento como diacho2 que, existindo a justia, Zeus ainda no pereceu, ele que

    ps a ferros o prprio pai?R. J. misria das misrias! Tenho de reconhecer peste vai alastrando. Dem-me

    uma bacia.

    R. I. s um velho imbecil, desaparafusado.R. J. E tu s um panasca, um cara-de-sem-vergonha...

    R. I. Isso para mim so rosas.

    R. J. ... um palhao...R. I. Oh que coroa de lrios!R. J. ... um parricida.R. I. Nem te ds conta que me ests a bordar a ouro.R. J. Se fosse dantes, no era a ouro, no, mas a... chumbo.R. I. Pois sim, mas agora isso um ornamento.

    1Inicia-se aqui o agn (luta), que uma das partes estruturais da comdia antiga.2 como diacho... A traduo fiel, embora numa forma pouco... cannica. O original diz: Como (que), na verdade....

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    R. J. s muito atrevido.R. I. E tu muito antiquado.R. J. Por tua culpa, nenhum moo quer ir escola. Mas deixa estar... tempo vir em

    que os Atenienses tomaro conscincia das patacoadas que ensinas aos parvos.R. I. No tens onde cair morto.

    R. J. E tu l te vais safando em beleza... E pensar eu que ainda h pouco eras pobre depedir, como Tlefo de Msia, e mascavas umas citaes de Pandleto, que iastirando do alforge.

    R. I. Ah! Que sabedoria...R. J. (Interrompendo-o) Ah! Que desatino! ...R. I. (Retomando a frase) ...essa que recordaste.R. J. ...esse teu, mas tambm da cidade que te alimenta, corruptor da mocidade.R. I. (Voltando ao tema principal) Seja l como for, no instruirs este moo, meu

    bota-de-elstico.R. J. Isso que era bom... pelo menos se se trata de salv-lo, e no de o exercitar

    apenas em conversa fiada.R. I. (A Fidpides) Passa para c e deixa mas o tipo malucar. (Tenta pegar no brao

    a Fidpides)R. J. (Avanando ameaador) Ai de ti, se te atreves a tocar-lhe com um dedo.CORIFEU (Intervindo) Deixem-se de brigas e de insultos, e exponha cada um de vs

    (Ao R. J.) tu o que ensinavas s geraes passadas, e tu (Ao R. I.) a novapedagogia, que para que o moo, uma vez ouvidas as alegaes de ambas aspartes, tire concluses e opte por uma das escolas.

    R. J. Isso mesmo o que eu pretendo.R. I. E eu tambm.

    CORIFEU Ento vejamos: quem vai falar primeiro?R. I. Dou-lhe, a prioridade. E depois, na base do que ele disser, crivo-o, com um

    parlapi c muito meu, com uns conceitos... E por fim, se o gajo ainda mexer,dou-lhe o golpe de misericrdia, deixo-lhe a fcia e os olhos todos picados desentenas, como picados de vespas.

    CORO chegado o momento de os dois contentores, confiados na suma habilidadeda sua argumentao, dos seus pensamentos e das suas reflexes sentenciosas,usarem da palavra, a ver qual deles se sai mais airosamente. Eis pois aberto ocertame de sabedoria, pela qual os nossos amigos travam uma batalha decisiva.

    CORIFEU (Ao R. J.) tu, que coroaste os nossos antepassados com tantos e to belos

    princpios morais, solta a tua voz a teu gosto e revela-nos a tua natureza ntima.R.. J. Vou ento expor em que consistia a pedagogia antiga, naqueles tempos em queeu florescia pugnando pela justia, quando a moderao era de norma. Para j, noera habitual ouvir-se um puto murmurar sequer uma palavra. Alm disso, quandose dirigiam para a escola de msica, marchavam nas ruas em boa ordem, cadagrupo de seu bairro, sem manto e em formatura, ainda que nevasse como farinha.A o professor, obrigando-os a manter as pernas afastadas, fazia-os decorarcantigas, como aquela:

    Plade, terrvel destruidora de cidades ou aqueloutra:Um clangor que trespassa os ares;

    e os moos sustentavam a harmonia tradicional recebida de seus antepassados. E

    se algum deles se fazia engraado ou ensaiava uns requebros esquisitos, comohoje em dia est em moda executar maneira de Frnis essas difceis modulaes,

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    apanhava logo uma valente coa, por atentado s Musas. Por outro lado, na aulade ginstica, os moos tinham de estar sentados com as pernas estendidas, nofossem os mirones topar alguma parte obscena; e depois, ao levantarem-se,deviam alisar o terreno, evitando desse modo deixar aos seus apaixonados algumamarca de virilidade. Nesse tempo, nenhum moo se atreveria a perfumar-se

    abaixo do umbigo, de maneiras que superfcie das partes ntimas despontavauma penugem, uns pelos macios, como nos pssegos. E nenhum homem seaproximava sequer do seu apaixonado com falinhas melfluas, prostituindo-se a siprprio com olhos de carneiro mal morto1. Tambm no era permitido, mesa,servirem-se da cabea do rabanete, nem gamar a erva-doce ou o aipo dos maisvelhos, nem alambazarem-se, nem rir s gargalhadas, nem cruzar as pernas.

    R. I. Tudo isso no passa de velharias, coisas que datam das festas deZeus-Padroeiro2, quando os senhores atenienses usavam pregadores no cabelo,celebravam os sacrifcios dos bois e entoavam os ditirambos do velho Cidides.

    R. J. Pois sim, mas foi com tal pedagogia que se formaram os heris de Maratona, aopasso que tu ensinas a gerao actual "a abafar-se nos mantos logo de manh, que

    at me falta o ar, quando, nas Panateneias, vejo algum a danar, assim, (Gesto)com o escudo descado altura da pixota, sem ponta de respeito por AtenaTritogenia. (A Fidpides) Portanto, rapazito, no hesites em me escolher a mim,o raciocnio mais forte. Alm do mais, aprenders a detestar a gora e a evitar osbalnerios; a envergonhar-te das poucas-vergonhas; e, se algum te censura a ficarvermelho como um pimento3; a levantar-te do assento e ceder o teu lugar aosmais velhos que por ali apaream; a no ser torto com teu pai, a no cometerqualquer aco desonrosa susceptvel de te encher a cara de vergonha; a no teatirares a alguma corista, arriscando-te a que uma putfia qualquer, apanhando-teassim feito basbaque, te lance uma ma de amor e, com esses gestos, faa emcacos a tua reputao; a no respingar com o teu pai, a no lhe chamares velho

    Jpeto, com o que descaridosamente lhe lembrarias a sua idade avanada, noobstante ser precisamente por esse facto que ele te trata como um passarinho.R. I. Ouve, meu rapaz: se ds trela a esse tipo, por Dioniso que ficars tal e qual como

    os filhotes4 de Hipcrates e passaro a chamar-te menino da mam5.R. J. Pois sim, mas tambm certo que passars o tempo nos ginsios, ndio e vioso,

    em vez de cirandares pela Praa cacarejando monstruosidades bicudas que nemcardos6, como a malta de agora, ou em vez de te esfarrapares todo por causa dumdaqueles processozitos que requerem ronha, lbia e calo7. Pelo contrrio, irs labaixo Academia e, por entre alas de oliveiras sagradas, praticars a corrida,com uma fina coroa de cana na cabea e na companhia dum rapaz da tua idade,mocito ajuizado, rescendendo a rosmaninho, a serenidade e a lamo de folhas

    caducas, disfrutando da estao da Primavera, quando o pltano sussurra com oulmeiro. (Em tom mais rpido) Se fizeres o que te digo, se prestares ateno aosmeus conselhos, ficars com peito vigoroso, tez luzidia, ombros largos, lngua

    1prostituindo-se com os olhos Estritamente, s isto que diz o original. Olhos de carneiro malmorto coisa do tradutor.2festas de Zeus-Padroeiro..., etc. A traduo de todo o passo pretendia evitar mais explicaes...3ficar vermelho como um pimento O texto diz apenas ficar vermelho ou ficar em fogo, ficarafogueado.4filhotes A palavra grega, filho (hyis) sugere uma outra que significa porco, animal que, paraos gregos, era especialmente o smbolo da estupidez, e no da... porcaria. Tentei manter parte do jogo,por meio da palavra filhote = cria.5menino da mam Literalmente: mel da mam.6monstruosidades bicudas que nem cardos No original, uma s palavra o que representa para otradutor um bom... bico-de-obra.7que requerem ronha, lbia e calo V. nota precedente.

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    curta, cu avantajado, pixota pequena. Se, pelo contrrio, procederes como a maltade agora, ganhars, para comear, uma cor amarelenta, ombros estreitos, peitoenfezado, lngua comprida, cu pequeno e pixa grande, proposta de lei maiscomprida que a lgua da Pvoa1, Mais: este fulano at te convencer a considerarbom o que mau, e mau o que bom. E para cmulo de tudo isto, h-de

    conspurcar-te com o vcio desse panasca do Antmaco2

    .CORO tu, que cultivas um ideal to slido3 e glorioso, como suave e sensato oodor que se desprende de tuas palavras! Sim, deviam ser bem felizes os seres queviviam nos tempos de antanho4, (Ao R. I.) Quanto a ti, senhor duma arte subtil ebrilhante, tens de dizer algo de novo, pois o nosso homem j ficou aprovado.

    CORIFEU Com toda a evidncia, tens de lanar mo de fortes argumentos contra ele,se que queres venc-lo e no seres condenado ao ridculo.

    R.I. Para dizer a verdade, j desde h um bom bocado que at as entranhas se mequeriam rebentar, tal a gana de mandar abaixo todas essas baleias comargumentao contrria. Efectivamente, eu fui apelidado, entre os pensadores, detese ou argumento mais fraco, precisamente pelo facto de ter sido o primeiro a

    imaginar a forma de contradizer as leis e a justia. Ora, isto de um homem tomar opartido das teses mais fracas e, no obstante, conseguir vencer, coisa para valerum balrdio5. (A Fidpides) Abre bem os olhos e v como eu vou refutar essa talpedagogia em que ali o cavalheiro est to confiado. Em primeiro lugar, afirmaele que no permitir que tomes banho de gua quente. (Ao R. J.) Ora bem: emque que te fundamentas para assim censurares os banhos quentes ?

    R. J. Muito simplesmente por se tratar duma prtica nefasta, que amolece os homens.R. I. Alto a, que j te apanhei na gaiola, j no me podes fugir. Ora diz-me: entre os

    filhos de Zeus, qual deles te parece possuir uma alma mais viril ? V, diz l, equal afrontou maior quantidade de provaes ?

    R. J. C por mim, no creio que exista algum mais valoroso que Hrcules.

    R. I. E ento... J viste alguma vez termas de Hrcules6 serem frias ? E no entanto,quem houve mais viril que Hrcules ?

    R. J. Sim... isso... isso mesmo que faz que o balnerio esteja sempre apinhado demoos a dar ao taramelo todo o santo dia, ao passo que as palestras se encontrams moscas7.

    R. I. Alm disso, tu censuras os moos por passarem o tempo na gora, volta datribuna8. Ora eu aplaudo. De facto, se isso fosse mau, certamente que Homeronunca chamaria agoreta ou tribuno a Nestor e a todos os letrados em geral.Reporto-me agora questo da lngua, a qual, segundo aqui o cavalheiro, os

    1mais comprida que a lgua da Pvoa Ser necessrio dizer que os gregos no tinham lguas nem

    Pvoas ?2com o vcio desse panasca do Antmaco Literalmente: com a panasquice de Antmaco.3to slido Literalmente: belo-e-alto-como-torre (kallpyrgos). Creio que a palavra grega, alis criada por Aristfanes, sugere uma outra tambm

    inexistente, mas igualmente crivel: kallpygos, de-belas-ndegas. Se a observao pertinente, o caso mereceria um estudo especial, alm deacrescentar mais um problema de traduo.4nos tempos de antanho Literalmente: nos tempos dos (nossos) antepassados. claro que temposde antanho tem, no contexto, um sabor prprio.5um balrdio literalmente: dez mil estateres. O estter de prata valia 4 dracmas, e o de ouro 20, oque d, respectivamente, 40 000 ou 200 000 dracmas quantia de toda a maneira muito elevada. Creio,no entanto, que estamos perante aquilo a que se chama a numerao indeterminada (cf. J te disse maisde mil vezes...). Se no temesses (desta vez) o anacronismo, traduziria por muitos contos de ris.6termas de Hrcules Era esta a designao que os gregos davam s nascentes de gua quente, termasou caldas.7... dar ao taramelo todo o santo dia ... s moscas A ideia mesmo essa...8na gora, volta da tribuna Esta ltima expresso no consta do original; servia apenas para, semnota explicativa, ajudar a compreender o jogo de palavras que se segue: agoreta ou ... (comoacrescento) tribuno.

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    jovens no devem exercitar o que eu contesto. E mais sustenta que devem serbem comportados... Quanto a mim, so dois males, qual deles o maior. Sim, ondej viste alguma vez o bom comportamento trazer benefcios a algum? V, fala,diz de tua justia, rebate a minha posio.

    R. J. Casos desses so s pores. Por exemplo Peleu, que pelo seu bom

    comportamento ganhou um punhal.R. I. Um punhal?! Sim senhor... que rico prmio ganhou o pobre diabo ...O Hiprbolodas candeias abichou para cima dum balrdio1 em paga das suas vigarices... o queno ganhou foi um punhal, no, por Zeus!

    R. J. E alm disso, tambm como recompensa pelo seu bom comportamento, Peleudesposou Ttis.

    R. I. Pois sim, pois sim ...mas logo a seguir ela deixou-o, deu sola. Realmente, osujeito, no que toca ao trabalhinho nocturno, debaixo dos lenis, no atacavanada, no fazia meiguices... e tal... Ora a verdade que bicho-mulher gosta doataque... do marmelano2. Em resumo: s um bota-de-elstico. (A Fidpides) Etu, chavalito, toma bem sentido nas chatices que o bom comportamento implica,

    de quantos prazeres da vida irias ficar privado: rapazinhos, mulheres, jogos deamor, petiscadas, pinguinha, gargalhadas... Sim... para que queres tu a vida, se tevs privado desses gozos? ...Mas adiante... Passemos s fatalidades da naturezahumana. Por exemplo: puseste o p na argola, quer dizer, apaixonaste-te... e tal...tiveste uma ligao adltera... e zs: foste caado. Pronto, ts feito, e tudo porfalta de lbia. Pelo contrrio, se te juntares a mim, vai gozando a natureza, pula,ri, e no cuides que tal ou tal acto vergonhoso. Assim mesmo. E se por acasofores surpreendido em adultrio, replicars ao marido que no fizeste nada de mal;depois, atira com as culpas para cima de Zeus ... que tambm ele se deixou vencerpelo amor e pelas mulheres... Como que tu, simples mortal, havias de ser maisforte que um deus ?

    R. J. O qu ? Ento e se ele, quer dizer, o adltero, por te ter dado ouvidos, forenrabanado3 e lhe queimarem os plos do rabiosque com cinza quente 4 ? ter odesgraado algum argumento que prove que no ... rabicha5?

    R. I. E que tem que seja rabicha? Que mal lhe vir da ?R. J. Diz antes: que mal ainda maiorque este lhe poderia vir da ?R. I. Ora bem: que dirs tu, se eu te conseguir bater nessa questo ?R. J. Como e calo... Que remdio...R. I. Ora ento diz-me c uma coisa: aonde que vo buscar os advogados do

    Ministrio Pblico6?R. J. Aos rabichas.

    R. I. Certo. E os tragedigrafos, aonde vo busc-los?R. J. Aos rabichas.R. I. Dizes bem. E os oradores, vo busc-los aonde?

    1para cima dum balrdio Literalmente: mais que muitos talentos. Como se v, mesmo no originalrefere-se uma quantia indeterminada.2Toda esta fala do Raciocnio Injusto traduzida com um certo -vontade, embora (creio) sem deixar deser suficientemente fiel.3enrabanado A palavra grega diz algo como enrabanado com um rbano. A traduo parece noestar muito mal.4Era a punio normal do adltero apanhado em flagrante.5rabicha No original, de-cu-avantajado (eyrproktos)... consequncia do tratamento a que fora

    sujeito. No entanto, a palavra ganhara o sentido geral de depravado e este o sentido que se pretendedar-lhe nos passos seguintes.6advogados do Ministrio Pblico evidente o anacronismo; mas no vale a pena estar a esmiuar.

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    R. J. Aos rabichas.R. I. Portanto, reconheces que no tens razo, no ? E j agora, entre os espectadores

    quais constituem a maioria? Olha bem.R. J. Estou a olhar.R. I. E que vs tu?

    R. J. Que... Ena pai! ...so de longe mais numerosos os rabichas. Por exemplo, esteaqui, que eu conheo, e aquele alm, e esse a de grande trunfa...R. I. E ento, que tens a dizer?R. J. (Aos espectadores) Perdemos a partida! (Virando-se para a escola de Scrates)

    gente sem vergonha! ...Pelos deuses, tomem l o meu manto, que me passo jpara o vosso lado. (Entra na escola)

    R. I. (A Estrepsades) E agora? Queres levar o teu filho contigo, ou preferes que toensine a exprimir-se?

    ESTR. Sim, ensina-o, chega-lhe nos lombos5, e sobretudo no te esqueas de lhe afiarbem a lngua, de modo que dum lado, fique apto para os processozitos de chacha,e, do outro, que fique com a queixada bem afiada para coisas mais grossas.

    R. I. No te d cuidado, hs-de lev-lo daqui feito num sofista refinado.FID. ( parte) Pois sim, amarelento e miservel, estou mesmo a ver...CORIFEU (Aos trs) Retirai-vos. (A Estr.) E tu ...desconfio de que te vais arrepender.

    (Aos espectadores e ao jri)6

    O que os senhores juzes tero a ganhar, se porventura, e como alis dejustia, concederem a este coro o seu voto favorvel eis o que nos propomosexpor. Antes de mais, sempre que, na estao apropriada, decidirdes dar aosvossos campos uma primeira lavra, ns choveremos primeiro para vs, e s

    depois para os outros. Em seguida, protegeremos as vossas searas e as vossasvinhas, de modo que no sofram nem de seca nem de chuva demasiada. Se,porm, algum mortal nos ofender, a ns que somos deusas, bom que tome notada quantidade de males que lhe causaremos: no colhera das suas terras nemvinho nem o que quer que seja, porquanto, mal as oliveiras ou as cepas comecema florescer, arrasaremos tudo, tal a violncia das nossas fundadas. E se toparmosalgum desses a fabricar tijolo, comearemos a chover e mandar-lhe-emos talgranizada, que lhe desfaremos as telhas do telhado. E se estiver para se casar, eleou um parente, ou um amigo, choveremos toda a noite, que o cavalheiro antesquereria estar no seco Egipto, do que pensar mal de ns.

    ESTR. (Saindo de casa, a contar pelos dedos) Quinto... quarto ...terceiro ...depois o

    segundo ...e depois (Muito triste)... aquele dia que, dentre todos, eu mais temo,que mais me arrepia e me horroriza: o que vem logo a seguir ao segundo, querdizer, o dia da lua velha e nova. Sim, pois nesse dia que todo e qualquer sujeitoa quem devo dinheiro jura a ps juntos que vai depositar uma cauo em tribunal,garantindo que me arruinar, que rebentar comigo. Eu bem lhes suplicomoderao e justia: O homem, no me exijas agora esta conta, adia-me opagamento daquela, deixa l a outra.: No vale de nada, dizem que por esseandar nunca mais recebem, e vai da, injuriam-me, chamam-me vigarista eameaam pregarcomigo em tribunal. (Em tom superior). Pois ento que preguem,

    5chega-lhe nos lombos Literalmente: castiga-o.6Comea aqui um pequeno intervalo na aco. Depois da sada dos Raciocnios, de Scrates, deEstrepsades e de Fidpides, o corifeu dirige-se aos espectadores e especialmente ao jri. Creio que sejustificava, de facto, um pouco de repouso.

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    tanto se me d como se me deu... desde que Fidpides esteja formado na arte dabem-falncia. Mas depressa o saberei: vou bater porta do pensadouro. (Bate)Moo! Eh moo! Eh moo!

    SCR. (Vem porta) Ora viva, meu caro Estrepsades.

    ESTR. Igualmente. Mas para j, pega a, (Oferece-lhe dinheiro) pois preciso untar

    bem o senhor professor. Ento, diz-me c: o meu rapaz... esse que h poucoadmitiste... aprendeu bem aprendido o talraciocnio?

    SOCR. Se aprend