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JOS NARDELLI

MSICAA ESCOLA QUE CANTA, ENCANTA

Monografia entregue ao curso de Psicopedagogia, para opteno do ttulo de Especializao oferecido pela Universidade para o Desenvolvimento do Alto vale do Itaja.

Professor Orientador: Sidirley de Jesus Barreto

RIO DO SUL Abril-2000

SUMRIO

Dedicatria. Agradecimentos. Apresentao. Smrio. 1.0 - O Alcance da msica. 1.1 . O Que Msica? 1.2 . Um Pouco de Histria. 1.3 . A Msica na Vida Humana. 1.4 . Escola de Encantos, Com Jogos e Cantos. 2.0 - A Ausncia da Msica na Escola. 2.1 . Os Fatores Externos. 2.2 . Os Fatores Bio-psicolgicos 2.3 . Os Fatores Didticos. 3.0 - A Msica Como Processo Facilitador da Aprendizagem. 3.1 . Por que Ensinar Atravs da Msica? 3.2 . Como Ensinar as Disciplinas Pela Msica? 3.3 . Interdisciplinaridade se Faz Com Msica. 3.4 . A Msica e os Temas Transversais. 4.0 - Critrios de Escolha das Canes. 4.1 . Quanto Mais, Melhor. 4.2 . A Msica Certa na Hora Certa. 4.3 . Classificao das Msicas Quanto Srie. 4.4 . A Vontade dos Alunos. 5.0 - Depoimentos de Alunos, Professores, Pais e Profissionais 5.1 . O Que Falam os Alunos? 5.2 . O Que Pensam os Professores? 5.3 . O Que Diz a Comunidade? 5.4 . A Opinio dos Profissionais. 5.5 . Anlise dos Dados da Pesquisa. 6.0 - Consideraes finais 7.0 - Referncias Bibliogrficas 8.0 - Obras consultadas 9.0 - Anexos 2

A FAMLIAQue nenhuma famlia comece em qualquer de repente. Que nenhuma famlia termine por falta de amor. Que o casal seja um para o outro de corpo e de mente. E que nada no mundo separe um casal sonhador Que nienhma famlia se abrigue debaixo da ponte. Que ningum interfira no lar e na vida dos dois. Que ningum os obrigue a viver debaixo sem nenhum horizonte Que eles vivam do ontem do hoje em funo de um depois. Que a famlia comece e termine sabendo onde vai. E que o homem carregue no peito a graa de um pai. Que a mulher seja um cu de ternura acochego e calor. E que os filhos conheam a fora que brota do amor.

DEDICATRIAQue marido e mulher tenham fora de amar sem medida. Que ningum v dormir sem pedir ou sem dar seu perdo Que as crianas aprendam no colo o sentido da vida. Que a famlia celebre a partilha do abrao e do po. Que marido e mulher no se traiam nem traiam seus filhos. Que o cime no mate a certeza do amor entre os dois Que no seu firmamento a estrela que tem maior brilho Seja a firme esperana de um cu aqui mesmo e depois. Que a famlia comece e termine sabendo onde vai. E que o homem carregue no peito a graa de um pai. Que a mulher seja um cu de ternura acochego e calor. E que os filhos conheam a fora que brota do amor. ABENOA SENHOR AS FAMLIAS AMM ABENOA SENHOR, A MINHA TAMBM.

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AGRADECIMENTOS

Cano: ESTRADA DA VIDA

I Nesta longa jornada de trabalho Eu preciso agradecer % A Deus que o mentor da vida E a meus pais que me deixaram nascer%

Obrigado eu digo agora Famlia que meu viver. E aos mestres de ps-graduao Que me deram umbanhode saber

Obrigado a meu orientador E aos mestres da correo % Que deixaram essa monografia. Bem mais clara, para a compreenso%

Deus lhes pague por tanto amor Que mil bens ele faa descer. Sei que o tempo, o relgio no pra. Mas vocs eu no vou esquecer.

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APRESENTAO

Quando em 1980, adentrvamos pela primeira vez, ao palco de uma sala de aula, no mais como alunos, mas, na qualidade de professor, nos deparamos to somente com um quadro, alguns pedaos de giz e as velhas carteiras conjugadas. Percebemos de imediato que os anos haviam passado, mas o ato pedaggico continuava o mesmo. Algo deveria ser feito para mudar essa realidade. No adiantavam tantas reunies, cursos, encontros seminrios sobre educao, se na prtica as coisas continuavam do mesmo jeito. Passados alguns anos, decidimos continuar os estudos. Assim, no Segundo Grau do Colgio So Jos de Laurentino, na Graduao frequentada nas cardeiras duras da ento Fedavi e finalmente a Ps-Graduao, nos macios bancos Da Unidavi, observamos que essa realidade poderia ser modificada, bastaria um pouco de boa vontade. Particularmente vislumbramos na msica uma grande aliada nesta rdua tarefa. Poderamos ter optado pela concluso pura e simples da Ps-Graduao, no etanto, decidimos em apresentar uma Monografia, escolhendo como tema principal a msica na escola, no somente como entretimento ou terapia, mas principalmente como instrumento facilitador da aprendizagem. E assim nasceu: A ESCOLA QUE CANTA, ENCANTA, a Monografia que ora apresentamos, caracteriza da especialmente por seu enfoque prtico, onde se pode perceber que a msica, por sua prpria definio, por sua rica histria e por seu alcance na vida dos seres humanos, pode e deve voltar a fazer parte da vida escolar. Em quase todos os captulos, especificamente no terceiro, pode-se encontra um grande nmero de razes e sugestes de como trabalhar a msica na sala de aula. A inteno maior desse nosso trabalho convencer os professores de que bem mais prtico, mais fcil, mais agradvel, mais significativo para ele e seus alunos, passar os contedos exigidos pelos currculos escolares, bem como os temas transversais, cantando com a ajuda da msica. A princpio, nosso alvo maior eram os diretamente envolvidos com o Colgio Estadual Tereza Cristina, no mnicpio de Laurentino. Mas, aos poucos, atravs de uma pesquisa de campo, atingimos outras unidades escolares, e, ento, muitas outras pessoas puderam contribuir e se beneficiar com esse trabalho. Nossa Monografia a est. um trabalho que, apesar de ser elaborado com muito carinho, contm suas limitaes, pode despertar polmicas e at controvrsias, mas algo em que ns acreditamos com todas as nossas foras, pois somos apaixonados pelo encanto e pela magia que a mscia capaz de despertar nas pessoas. 5

Na realizao dessa obra, no estivemos sozinhos. Muitas pessoas, de uma forma ou de outra esteveram conosco e precisamos agradecer. Aos professores paranaenses que despertaram nosso gosto pela musicalidade; famlia que soube aceitar nossa ausncia, aos amigos que emprestaram suas opinies estampadas nas entrevistas; direo e professores da Unidavi, que nos deram as condies necessrias para realizar nossas pesquisas; ao Colgio Estadual Tereza Cristina, atraves de seu corpo discente, docente, direo e especialistas pela colaborao dispensada durante o tempo em que estivemos desenvolvendo nosso trabalho. Enfim, a todos os que, de uma maneira ou de outra esto presentes nesta monografia. Esperamos sinceramente que essa obra possa ajudar a todos os professores a pensarem melhor em suas atividades escolares. Desejmaos que esse trabalho seja uma vacina poderosa contra o vrus da apatia que se espalhou pela escola e contaminou a todos os alunos. Se, pelo menos conseguirmos atingir a um professor que seja, j estaremos contentes. Acreditamos, porm, que todos os que lerem seu contedo, podem at no fazerem uso dele, mas, passaram a encarar seu ato pedaggico de outra forma, pois a mais pura das verdades essa: A ESCOLA QUE CANTA, ENCANTA.

Comeamos ento a participar das reunies e encontros de professores, dos seminrioas sobre educao e, sempre que possvel, usvamos a palavra

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INTRODUO

Alguns afirmam que foi por intermdio do Faa-se divino, outros porm, dizem que foi atravs do Big Bang, o fato que h aproximadamente vinte bilhes de anos, uma grande exploso csmica marcou o tempo zero, e ento, ouviu-se o primeiro acorde de uma grande orquestra chamada Terra. A banda que toca sua direita muito fria, o conjunto que toca esquerda muito quente. Em ambos no possvel se fazer msica semelhante nossa. Um ser misterioso, por muitos desconhecido, por outros adorado e que vem recebendo vrios nomes no decorrer do tempo, dotou essa orquestra de um nmero muito grande de msicos, uns grandes, outros pequenos, magros, gordos, altos, baixos, animados, inanimados, racionais, irracionais, uns falam, outros no, enfim, uma variedade incrvel de seres, cada um profissional naquilo que faz. Esse Ser fez com ela um contrato para uma apresentao por um tempo indeterminado. No incio, todos os msicos dessa orquestra executavam suas partituras de forma harmnica, o que se ouvia, era uma fantstica sinfonia agradvel aos ouvidos e a cada dia um concerto ao ar livre se podia ouvir melodicamente por todo o espao. O tempo porm foi passando e um dos msicos, justamente aquele que era tido como o mais inteligente de todos, resolveu afinar seu instrumento a seu bel prazer e desencadeou ento uma desafinao sem precedentes. Assim, a cada dia, toda aquela harmonia, aquele show intenso de alegria vai paulatinamente perdendo o entusiasmo, a ponto de alguns maestros estarem afirmando categoricamente que essa maravilhosa orquestra poder vir a parar de tocar, caso no se tomem providncias urgentssimas. Amigo leitor. Voc est sendo convidado a participar de uma excurso musical, de uma viagem fantstica pelos caminhos do ritmo, pelas ruas do som, nas notas executadas nas pistas de um salo chamado Escola. 7 que esto sendo

Na primeira etapa de nossa viagem, procuraremos verificar qual o verdadeiro alcance da msica nos vrios aspectos da vida dos seres vivos, o significado que tem para os seres humanos, mormente nos trabalhos desenvolvidos em uma sala de aula. Nossa preocupao ser: tentar entender o que msica, pois comungamos da idia de que s possvel amarmos algo, se realmente o conhecermos bem; qual sua importncia na vida das pessoas em geral e

principalmente nas que esto em idade escolar; no que ela pode ajudar os donos deste salo para que cada vez mais os freqentadores dos bailes e danantes por ela promovidos, possam ter acesso a suas pistas e principalmente estejam motivados a permanecer por muito tempo danando dentro dela. Sem serem obrigados a repetir a mesma dana. Em outro aspecto dessa viagem, estaremos analisando as questes inerentes ao problema de que em muitos desses sales h uma sentida ausncia da msica. Neste caso nossas atenes estaro voltadas descoberta dos motivos externos, bio-psicolgicos e didticos que esto causando o desaparecimento sistemtico do canto na vida dos danarinos chamados escolares, principalmente os que danam nos sales do Alto vale da Itaja, especificamente os do Colgio Estadual Tereza Cristina situado no Municpio de Laurentino. Na viagem musical a que nos propomos, planejamos uma parada estratgica para fazermos algumas demonstraes de como possvel e o porqu de passar os diversos contedos escolares atravs da msica. Pretendemos provar o quanto a msica pode facilitar o ensino dos vrios contedos de cada uma das disciplinas do currculo escolar. Com muito menos esforo, agradando muito mais aos alunos, o professor pode tornar as aulas um momento de muito prazer para ele e para seus danarinos. A respeito da interdisciplinaridade, questo polmica, j muito discutida e tantas vezes incompreendida por muitos que a confundem com correlao de contedos, queremos nesta viagem deixar bem claro que a msica poder vir a ajudar, e muito, a escola a colocar em prtica essa questo to importante de apreender os contedos e com eles ir alm do mnimo que a disciplina solicita. Outro ponto a ser considerado nesta parada ser o de analisar a questo dos temas transversais que devem estar contidos na educao, sem, no entanto, serem ministrados em momentos especficos. Neste ponto, a msica com toda certeza poder dar a sua maior contribuio. So infinitas as formas de passar esses temas atravs da msica. Neste sentido, uma srie de exemplos ser transcrita para que o amigo leitor possa perceber o quanto importante, o quanto fcil e o quanto bom ensinar atravs da msica. Estamos falando de uma viagem musical pela escola. Quando se pretende ir do ponto A para o ponto B, muitas consideraes devem ser feitas. Se a distncia entre A e B for pequena, por 8

terra, e dispusermos de muito tempo, poder ser percorrida a p, de bicicleta de carroa...; se for grande ter que ser feita de carro, nibus...; se desejarmos chegar depressa teremos que usar o avio. Se A for separado de B por gua, teremos que usar canoa, barco, navio... Enfim, as caractersticas do trajeto que perpassa A e B so fundamentais na definio, na escolha dos meios de transporte entre eles. Assim acontece com a msica. H de se fazer uma escolha minuciosa do tipo de msica que dever ser utilizado. A escolha da msica dever obedecer a critrios que dizem respeito questo das sries e da idade dos danarinos, bem como, do que se quer alcanar com ela. A msica dever ser aquela mais condizente com o momento em que se estiver. No se poder usar a mesma msica executada no recreio programado, como fundo musical para o momento em que se estiver verificando ou fixando a aprendizagem, por exemplo. Toda boa viagem sempre precedida de um planejamento. To importante quanto planejar realizar constantes avaliaes e replanejamento. Ao propor uma viagem pela educao, atravs da msica, queremos tambm apresentar uma srie de observaes e depoimentos colhidos de alunos, especialistas, pessoas em geral e professores oportunizando a todos a chance de expor suas experincias, dificuldades, acertos e erros do uso da msica na vida, o sentido que ela tem em suas vidas e principalmente dentro de uma sala de aula. Pretendemos tambm apresentar em grficos bem claros, uma espcie de mapa demonstrativo da intensidade com que se vem utilizando a msica nas vrias escolas situadas nos municpios que compem a regio da Amavi que compreende o Alto Vale do Itaja, mormente o Colgio Estadual Tereza Cristina, palco de nosso trabalho, local onde tentaremos mudar a realidade, tendo em vista que neste local se verifica, com muita preciso, a questo da ausncia da msica na escola. Ao final de uma viagem fazemos sempre uma retomada mental do trajeto realizado,

analisando tudo o que aconteceu no tempo e no espao transcorridos. Nesta nossa viagem musical, no poderemos deixar de fazer uma retomada, tecendo algumas consideraes gerais sobre tudo o que se viu, ouviu e se disse a respeito de uma verdade que nos parece cristalina: A ESCOLA QUE CANTA, ENCANTA

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1.0 O ALCANCE DA MSICA

...Ciranda cirandinha, vamos todos cirandar. Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar...

Quem de ns no lembra de canes como esta e no sente saudades do tempo da escola? Como era fascinante cantar, brincar e aprender ao mesmo tempo! O mundo escolar parecia bem mais alegre e o encontro com os colegas, uma maravilha. Quando uma pessoa ousa afirmar que gosta, ama ou adora algo ou algum, se pressupe que ela tenha adquirido um conjunto considervel de conhecimentos a respeito desse algo ou algum. Ningum, em s conscincia, poder dizer que ama ou gosta de algo, sem antes conhecer a respeito. A prerrogativa, a premissa, a base fundamental de todo o amor o conhecimento. Quem ama sem conhecer, com toda a certeza no conhece o amor. Por isso, antes de tentar convenc-lo do verdadeiro alcance da msica na vida de todos os seres vivos, o significado que ela tem na vida dos seres humanos e a importncia dela dentro da educao, queremos fazer um apanhado geral do que verdadeiramente possa ser essa magia, esse encanto, essa maravilha denominada msica. Afinal!

1.1 O QUE MSICA?

Entre os vocbulos mais difceis de serem definidos, com toda a certeza figura a Msica. Um dos motivos dessa dificuldade reside no fato de que a msica se apresenta pela metade, pois ela s se torna completa, se entrega por inteiro, quando entra em cena o ser que a ouve. S podemos dizer que um conjunto de sons se transformaram em msica quando algum, em algum lugar, durante algum momento, se props a ouv-la. Assim, a tentativa de trazer algo bem prximo do que seja msica, se torna uma tarefa rdua, pois envolve uma carga considervel de aspectos importantes na vida das pessoas, como a sensao, a emoo, a percepo...

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Vamos primeiramente a uma definio etimolgica. Havia entre os gregos algumas pessoas que costumavam entoar versos, acompanhados ou no por instrumentos, nas janelas das casas de suas amadas, a quem chamavam de MUSAS, termo que em grego designava as mulheres bonitas. Eram ento chamados de msicos. Ou seja: galanteadores de mulheres bonitas. Dizia-se que faziam msica. Em outras palavras: eram pessoas que dominavam a arte de cantar para as belas mulheres. Se formos gramtica, veremos que msica uma palavra trisslaba, cuja slaba tnica a antepenltima, portanto um vocbulo proparoxtono e por fora da regra deve obrigatoriamente ser acentuado. O dicionrio a classifica como um substantivo feminino, que designa a arte de combinar os sons de maneira agradvel aos ouvidos. Neste caso, no se pode admitir como sendo msica todo e qualquer som, barulho ou rudo, como afirmam alguns autores? No msica ento aquele barulho ensurdecedor de guitarras e tambores do Rock Pauleira no qual a galera jovem se delicia, delira e at desmaia? Tente convenc-los disso e esteja preparado ento para ser chamado de antiquado, ranzinza, desatualizado ou coisa pior. Ser que o tipo de som que agrada aos ouvidos de algum no pode desagradar aos de outros? Ento, neste sentido, o que msica para alguns no o para outros? A msica, conforme o Almanaque Abril (1975), definida tradicionalmente como a arte de combinar os sons para obter efeitos expressivos. Porm, pode ser compreendida tambm como a arte de combinar som e silncio. A partir de experincias revolucionrias da msica contempornea admite-se at a msica feita de rudos ou silncio. Os organizadores de Enciclopdias, como a Barsa, por exemplo, a definem como: a arte de coordenar fenmenos acsticos para produzir efeitos estticos. Consideram-na como: patrimnio comum da humanidade. J na Novo Tesouro da Juventude encontramos que a msica, to antiga como a humanidade, a arte de combinar ritmicamente os sons com o fim de expressar emoes ou sentimentos. Para a Universal Brasileira, a arte que utiliza os sons combinados entre si como linguagem e como elementos de comunicao. Vejamos o que diz Calderelli, em seu Dicionrio Enciclopdico de Psicologia geral: msica o ramo da fsica que estuda os princpios das combinaes e das seqncias agradveis e expressivas e um ramo da esttica que utiliza esses princpios com finalidades artsticas. (Calderelli, l978) Calderelli faz tambm uma diferenciao entre msica e canto, quando diz que o canto a expresso vocal da msica, isto , ato de produzir com a laringe sons em que a escala musical constitui parte essencial. O filsofo e gnio grego da antigidade Plato dizia que msica a expresso da ordem e da simetria, que atravs do corpo, penetra na alma. Neste caso, ao surdo, lhe negado o direito 11

msica? Como fica a questo dos grandes gnios musicais que apresentavam deficincias do tipo mudez, cegueira e surdez? Na mesma linha de Plato encontramos os poetas que proclamam em alto e bom tom ser a msica a voz da alma. Pergunto aos poetas se o vento que assobia no profunda melodia? O papagaio a cantarolar pequenas canes no est fazendo msica, visto que no dotado de alma? O que dizer dos agropecuaristas que se utilizam dela para aumentar a produo de leite? Outra definio que julgamos interessante a de J.Jota de Moraes: Msica , antes de mais nada, movimento. sentimento ou conscincia do espao-tempo. Ritmo; sons, silncios e rudos; estruturas que engendram formas vivas. igualmente tenso e relaxamento, expectativa preenchida ou no, organizao e liberdade de abolir uma ordem escolhida; controle e acaso. Uma nova maneira de sentir e de pensar. (Moraes - l986) Na mesma linha de pensamento est tambm Dcio Pignatari, poeta e comuniclogo, quando diz: Msica algo assim como ouvir, ver, viver: ouviver a msica O Capuchinho Frei Exuprio define msica como: a linguagem dos sons, isto , a arte de expressar e transmitir os sentimentos da alma por meio de sons dispostos em sries e combinaes de acordo com determinadas regras. O som entendido por ele como a impresso produzida em nosso ouvido pela vibrao de um corpo sonoro. Neste sentido, ele est excluindo do grupo de sons musicais todo grito ou rudo, que penso serem um amontoado de sons inarmnicos. Outro religioso, Frei Paulo Avelino de Assis, da Ordem dos Franciscanos Menores, concebe a msica como: a arte bela e necessria vida humana. Compara-a religio dizendo: ambas tem particularidades, mas no tem ptria limitada, exclusivistas e egocntricas, humanas e universais. A Doutora e Livre-Docente da UFRJ, Kleide Ferreira do Amaral, resume a msica como uma realidade dicotmica ao consider-la arte e cincia, tcnica e expresso emocional, pois, segundo ela, o msico necessita dominar a tcnica instrumental para poder expressar os sentimentos que o autor transcreveu para a grafia especfica da msica. Na verdade h uma semelhana muito grande entre o cientista e o artista. Ao elaborar uma hiptese, o cientista no est fazendo outra coisa seno sonhar com um objetivo final que a perfeio. A nica diferena que o cientista se utiliza de um rido aparato de investigao estrutural e rigorosamente emprica, esquecendo-se de uma beleza, a priori, para uma posterior beleza do conhecimento especfico. O artista, ao contrrio, busca e preocupa-se com a beleza imediata de sua criao, que na verdade uma meia criao, pois a outra metade depende do apreciador. 12

Na tentativa de procurar esclarecer um pouco mais, vamos deixar falar alguns ilustres msicos, numa espcie de miniantologia, apresentada no livro O que Msica de J.Jota de Moraes (1986). Tomamos a liberdade de no tecer nenhum comentrio a respeito dessas falas, num primeiro momento, justamente para que o leitor possa analis-las por si s. Posteriormente faremos uma pequena considerao. Msica a cincia que pode fazer-nos rir, cantar e danar. Guillaume de Machaut (c. 1300-1377) A msica uma disciplina que torna as pessoas mais pacientes e doces, mais modestas e razoveis. (...) Ela um dom de Deus e no dos homens. (...) Com ela se esquecem a clera e todos os vcios. Por isso, no temo afirmar que depois da teologia nenhuma arte pode ser equiparada msica. Martinho Lutero (1483-1546) To grande a correspondncia entre a msica e a nossa alma que muitos, procurando cuidadosamente a essncia desta, ajuizaram que ela est repleta de acordes harmoniosos - pura harmonia, na verdade. Toda a natureza, a bem dizer, no outra coisa seno uma perfeita msica, que o Criador faz ressoar nos ouvidos do entendimento do homem, a fim de dar a ele prazer e atra-lo docemente para Si. Ian Sweelinck (1562-1621) A msica (em comparao com a poesia) possui a sua prosa e os seus versos... H, para mim, na nossa maneira de escrever msica, defeitos que se relacionam com a maneira de escrever nossa lngua; que ns escrevemos diferentemente de como tocamos. Franois Couperin (16681733) Assim como as paixes, violentas ou no, jamais devem ser expressas de forma a produzir asco, a msica, ainda que nas situaes as mais terrveis, nunca deve ofender o ouvido, mas agradar, continuar a ser msica, enfim. Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) Quem uma vez compreendeu minha msica ser livre da misria em que os outros se arrastam. Ludwig Van Beethoven (1770-1827) Tem-se falado muito sobre msica e tem-se dito to pouco. Alm do mais, creio que as palavras no bastam; se me parecesse o contrrio, possivelmente eu no faria mais msica. As pessoas queixam-se geralmente da ambigidade da msica. Afirmam ser duvidoso o que se possa pensar sobre ela enquanto se a escuta; em contra partida, qualquer um compreende as palavras. A mim acontece justamente o contrrio. No s com longos discursos como tambm com palavras isoladas; estas parecem-me muito mais ambguas, indefinidas e equvocas se comparadas com a verdadeira msica que nos enche a alma de coisas que valem mais que as palavras. O que me transmite uma msica de que gosto no constitui para mim idias indefinidas - para diz-lo com palavras - mas muito definidas. Se voc me perguntasse em que pensei ao escrever isto ( uma das

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canes sem palavras ) eu diria: somente nesta cano, tal como est. Bartholdy (1809-1847)

Felix Mendelssohn-

Nada mais odioso que a msica sem um significado escondido. Frdric Chopin (l8101856) Gostaria que se chegue, que se chegasse a uma msica verdadeiramente livre de motivos, ou formada por um nico motivo contnuo, que nada interrompe e que jamais retorna. (...) Conveno-me cada vez mais de que a msica no , por sua essncia, algo que se possa colar a uma forma rigorosa e tradicional. Ela cores e tempos ritmados... O resto uma piada inventada por frios imbecis sobre os lombos dos mestres, os quais geralmente no fizeram nada a no ser msica de poca! S, Bach pressentiu a verdade. Claude Debussy (1862-1918) A msica expressa a natureza inconsciente deste e de outros mundos. Arnold Schoenberg (1874-1951) No h msica sem ideologia. Os mestres antigos tinham consciente e inconscientemente uma orientao poltica. A maioria deles apoiava naturalmente o domnio das classes superiores. Apenas Beethoven foi um precursor do movimento revolucionrio. Dmitri Shostakovitch (19061975) Parece-me que a msica - ao menos tal como a encaro - no impe nada. Ela pode ter como efeito mudar nossa maneira de ver, fazer-nos olhar como sendo arte tudo o que nos cerca. Mas isso no um fim. Os sons no tem um fim! Eles so, simplesmente. Eles vivem. A msica esta vida dos sons, esta participao dos sons na vida, que pode tornar-se mas no

voluntariamente - uma participao da vida nos sons. Nela mesma, a msica no nos obriga a nada. John Cage (1912- )

A msica uma arte no significante, donde a importncia primordial das estruturas propriamente lingsticas, j que seu vocabulrio no poderia assumir uma simples funo de transmisso. No ensinarei a ningum a dupla funo da linguagem, que permite uma comunicao direta, cotidiana, assim como serve de base elaborao intelectual, ou, mais especialmente, potica; salta aos olhos que o emprego das palavras em um poema difere fundamentalmente da utilizao corrente no vocabulrio, numa conversao, por exemplo. Em msica, ao contrrio, a palavra o pensamento. Que , ento, a msica? Ao mesmo tempo, uma arte, uma cincia e um artesanato. Pierre Boulez (1925- ) Acompanhando cronologicamente essas idias expostas anteriormente, podemos perceber imediatamente que, quando se fala de msica, h aspectos permanentes, mas, h outros que so frutos do acaso. Percebemos tambm que, visto de um determinado prisma, aquilo que cada um

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deles diz de forma muito pessoal, est intimamente ligado ao tempo e espao, numa profunda relao com o momento em que cada fala foi dita. Depois desse passeio intelectual entre grandes nomes da msica universal, figuras que nos premiaram com verdadeiras obras primas musicais, pensamos que, talvez, esteja faltando uma definio que perpasse todas as idias pessoais e que resista ao tempo e ao espao. No temos a pretenso de sermos os autores desta definio, mas queremos, tentar um ensaio que procure definir o que pode ser esse algo misterioso a que chamamos de MSICA. Msica um misto de arte, cincia e tcnica, que se apresenta pela metade, cuja matria prima o som, agradvel ou no ao ouvido, podendo ou no estar em harmonia, que penetra e atinge de vrias formas pontos sensveis do corpo e contm um movimento mgico capaz de encantar a vida, despertando as mais variadas sensaes no ser que a completa. O que fizemos at agora foram vrios vos rasantes por sobre a msica. Mas, isso s, no basta. Sim, verdadeiramente amamos o que conhecemos. Conhecer mais que apenas saber o que . Por isso, faz-se necessrio que apresentemos ao amigo leitor:

1.2 UM POUCO DE HISTRIA

To velha como a humanidade, a msica. Ao lado da dana ela a mais velha de todas as artes. A sua histria de fato a mais curta e recente. Quando se fala das outras artes, tem-se inmeros monumentos em bronze ou pedra que so testemunhas visveis e sensveis das culturas desaparecidas. Com a msica, a realidade completamente outra. Sabemos que o som a matria-prima da msica. Das culturas mortas no nos vem nenhum som. So raros, recentes e pouco confiveis os primeiros manuscritos que podem ser decifrados e transcritos dentro de sistemas modernos, que possam lhe dar uma nova vida. Assim, todo um conjunto de fatos e informaes que so primrdios da msica, bem como aquilo que lhe foi essencial durante milhares de anos nas inmeras culturas, est definitivamente perdido numa espcie de elo perdido na noite dos tempos, deixando uma lacuna que ningum jamais poder preencher. Para voc ter uma idia da brevidade da msica, faremos uso de uma comparao feita por Kurt Pahlen, que cita uma leitura feita de um provvel escritor norte-americano. Suponhamos que a Terra, desde os seus primrdios at os nossos dias, tenha vivido, no milhes de anos, mas apenas um nico ano, de primeiro de janeiro ao ltimo dia de dezembro. Se pretendemos situar a poca da chegado do homem ao mundo, deveremos avanar muito. Dia 15

31 de dezembro, s 18 horas que aparece o Senhor da criao. Mas no comeam ainda os tempos histricos. Outros horas devem passar... Cerca de um minuto e meio antes da meia noite que se inicia a histria. Pois bem amigo leitor, a msica comearia aproximadamente 15 segundos antes da meia noite. Que sentimento deve se apoderar de ns ante essa comparao? Devemos nos sentir diminudos e insignificantes, ou nos orgulhar de tudo o que a humanidade produziu nestes resumidssimos 15 segundos? Uma importante indagao nos vem de J. Wolf apud BENENZON (1988): Como saber de que modo o homem descobriu o som musical? Ter o homem descoberto o som ao imitar o canto dos pssaros, ao notar o fenmeno do eco ou pelo soprar do vento? Ser que tudo no comeou quando sua curiosidade foi exitada diante do som produzido por tubos de cana, de comprimentos diferentes, ou da corda do seu arco de caador? O ponto de partida no ter sido talvez as suas tentativas para ouvir a sua voz a grandes distncias? So poucos os escritores que se dispuseram a contar a histria da msica. Entre eles figura o bem recomendado Kurt Pahlen. Poderamos ter optado por outros, mas o gabarito desse vienense, que foi, nada mais nada menos do que doutor em musicologia e diretor de orquestra, falou mais alto, mesmo porque, em seu livro, Histria Universal da Msica pode-se ter uma viso ampla de tudo o que se refere msica no mundo. Por se tratar de histria, no podemos inventar nada. Procuramos, por isso, permanecermos fiis ao autor, principalmente no que se refere a datas, locais e nomes. Sobre a msica da antigidade sabemos pouqussimo. Nos falta ela prpria. Sobre a mesma podemos ler em velhos e eruditos livros de religio, filosofia, matemtica, astronomia e cincia do carter. A leitura dessas obras nos d idia de que a msica ocupou, com freqncia, importante lugar entre nossos primeiros antepassados, pois a vemos citada em poemas antigos, nas sagas, nas lendas e contos. Dela nos fala tambm a Bblia, bem como os sbios da China. As tradies indianas tambm dela nos falam, quando descrevem sua beleza, feitio e poder. Como seria aquela msica? Esta a grande pergunta que se faz. A resposta que se nos apresenta clara: ningum o sabe. Infelizmente estamos dela separados por um fosso profundo provocado pelos sculos e sculos e pasmem: nada e nem ningum n-la poder devolver. Apenas os testemunhos de pedra tais como: monumentos, monlitos, figuras, relevos, vasos, travessas e urnas, dela nos aproximam um pouco mais, pois podemos ver neles cenas musicais, reprodues de instrumentos e at de orquestras completas. Atravs deles pode-se fazer vrias 16

medies que nos deram a conhecer a consonncia dos instrumentos, a quantidade de cordas das liras e harpas, os orifcios dos instrumentos de sopro e at mesmo os efeitos dos instrumentos de percusso. At mesmo pode-se encontrar os prprios instrumentos em antiqussimos tmulos e cidades desaparecidas que nos permitiram reconstruir-lhes a execuo e at compar-los com instrumentos atuais. Contudo, apesar disso, a pergunta inicial persiste, e outras mais a elas se juntam. Como ter sido a msica? Nada se sabe. Ser que foi msica por msica? Foi msica para divertir, para distrair ou para alegrar? Foi escrava de alguma idia elevada, ou de um fim materialista. Faziamse concertos ao ar livre, concursos musicais ou coisas similares? Dizem os poucos escritos tericos sobre msica, que um sbio chins, Ling Lun, por volta de 2.500 anos antes de Cristo, ordenou, aquilo que passou a ser admitido como sendo os cinco primeiros tons da msica oriental. Explicou-os, sistematizou-os e lhes deu nomes estranhos, batizando cada um deles com o nome de uma classe social de sua poca: imperador (kong), ministro (chang), burgus (kyo), funcionrio (tchi) e o campons (yu), que deixa claro o enraizamento da msica na vida pblica. Tambm nos ensinamentos do grande Confcio desempenhava ela, na educao e na moral, papel predominante. Para ele, msica uma espcie de fora geratriz de cultura. Ele ocupava-se extraordinariamente com ela, colecionado melodias antigas e compondo novas. Adentrando na ndia e lendo um livro sagrado de nome Sama-Veda, se nos deparam traos de velho interesse pela msica. Segundo a lenda, foi o prprio deus Brama que doou ao povo a Vina, um instrumento que at hoje ainda o favorito deles. Para se medir a importncia da msica para os indianos, basta dizer que para eles era ela a grande harmonia do universo, chegando mesmo a dar-lhe tanta importncia como davam religio. Outra curiosidade que merece registro o aparecimento do primeiro instrumento musical de que se tem notcia. Foi inventado na Ilha de Ceilo, h 7.000 anos, por um rei lendrio de nome Ravana, que o batizou com o nome de ravanastron (um prottipo dos nossos instrumentos de corda). Tinha duas cordas e era tocado com um arco recurvo. Igualmente curioso foi o aparecimento da famosa lira, devida aos povos do imprio sumeriano, haja visto, ter sido encontrada uma maravilhosa pea lavrada na capital Ur, cuja idade avaliada aproximadamente 5.000 anos. A transio musical entre a Antigidade e a primitiva msica crist de responsabilidade do povo judeu. Esse povo, proibido que foi de fazer esculturas e pinturas (eram proibidos de representar Deus por imagens), concentrou seus esforos culturais para a poesia e a msica, que serviam por excelncia religio. Neste sentido, dois reis se tornaram smbolos desse povo de

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amante da msica: Davi (1000-960), sempre reproduzido de harpa na mo, e o seu sucessor Salomo. A histria dos judeus contm inmeros acontecimentos em que a msica desempenha relevante papel, desde o toque das trombetas que fizeram cair os muros de Jeric at o cuidado dispensado msica no grande templo de Jerusalm, templo este destrudo em 70 a.C. e que deu incio disperso do povo judeu pelo mundo todo, fazendo com que a msica oriental abrisse novas portas e pudesse penetrar fertilizante no ocidente, em Roma, por exemplo. A msica no ocidente, assim como as mais diversas manifestaes artsticas, tem origem na Grcia e Roma antigas. Devemos ainda aos gregos, atravs de suas teorias musicais, grande parte da nomenclatura musical, os modos musicais e os tipos de temperamento (afinao) das escalas. No sculo VI a.C., Pitgoras demonstrou bases severas de propores intervalares, numricas na formao de tais escalas. Coube tambm aos gregos o desenvolvimento de vasta teoria e produo musical ligadas s festividades e ao teatro. Escravos romanos vindos da Grcia e arredores difundem a tradio musical grega e acabam tornando-se figurais centrais da msica romana, presente em exibies de lutas e espetculos em anfiteatros. Chegando Idade Mdia, percebemos que o perodo marcado pela msica dita como Modal (Caracterizada pela importncia dada s combinaes entre as notas e a seus resultados sonoros particulares) praticada nas himnodias (cantos realizados sobre textos novos, cantados numa nica linha meldica, sem acompanhamento) e salmodias (cantos de salmos ou parte de salmos da Bblia), no canto gregoriano, nos organuns polifnicos da Escola de Notre-Dame (compositores que atuam junto Catedral de Notre-Dame), na Ars Antiqua (desenvolve-se entre 1240 e 1325 e suas formas musicais perduram at o fim da idade mdia) e Ars nova (De 1320 a 1380, denominao de um tratado musical do compositor Philippe de Vitry) e ainda na msica dos trovadores e troveiros (entre eles Adam de la Halle/ 1237-1287). Durante o Renascimento, nos sculos XV e XVI, a msica vocal polifnica (pluralidade de sons relativa a um mesmo sinal vocal) passa a conviver com a msica instrumental nascente. Ainda no sculo XVI, em Roma, um grupo de compositores faz msica predominantemente religiosa, fundindo o canto franco-flamengo (msica da frana e regio de Flandres) com as lindas melodias italianas. H uma retomada do canto gregoriano, atendendo s exigncias da contraReforma, sendo Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), seu principal representante. Do sculo XVI ao XVII, quem comanda o espetculo a Itlia com sua msica Madrigal (conjuno perfeita entre msica e texto), que por ser de carter dramtico, se torna o elo de 18

ligao entre a msica modal medieval e renascentista e a msica tonal do barroco (que substitui os modos medievais por dois modos tonais: o modo maior e o menor) Se estamos falando de histria, nada mais justo do que falar um pouco de um tipo de msica que num primeiro momento foi muito atacada por filsofos, pensadores e at msicos, que a declaravam absurda, pois no viam nela nem lgica e nem esttica, mas que resistiu bravamente a todos esses ataques, viveu, vive e viver ainda por muito tempo, pois no h cidade moderna que no tenha disponvel um teatro inteiramente dedicado a ela, sendo quase sempre o mais belo, cujos cantores foram os mais famosos e bem pagos artistas do mundo. Afinal! Que msica e essa? mais que msica, feitio em forma de msica. palavra mgica, obra artstica completa, harmonia de todas as artes, festa dos olhos, dos ouvidos, do corao e da alma! Estou falando da PERA, divertimento potico, dramtico e musical, que envolve um campo de atividades muito vasto onde agem compositores, poetas, regentes, empresrios, msicos, pintores, cenaristas, diretores, danarinos... um verdadeiro exrcito que mantm na retaguarda outro grande exrcito invisvel de: alfaiates, sapateiros, cabeleireiros, maquinistas, eletricistas, pontos... Mas a

glorificao cabe a um s: o cantor, que se quiser triunfar, necessitar to somente de trs coisas, como diz Rossini, citado por Kurt Pahlen, que sabia muito bem o que estava dizendo: voz? Voz... e voz! Essa encantadora e feiticeira msica, nascida ao acaso (seus criadores pretendiam apenas reviver o drama grego e acabaram criando uma coisa inteiramente nova), por volta de l.600 d.C, natural de Florena, na Itlia. O poeta Rinuccini considerado seu pai, escolheu como padrinhos os compositores Peri e Caccini e batizaram a primeira pera de Eurdice. Desde o inicio a pera foi a msica mais popular da Itlia e foi ela que fez a transio entre o barroco e o classicismo. A sonata clssica (pea polifnica instrumental que se ope sinfonia) abre o perodo do classicismo na msica e foi o passo definitivo para a msica tonal, sendo que Haydn e Mozart fazem dela a forma musical mais importante do final do sculo XVIII e inicio do sculo XIX. O perodo romntico o derradeiro momento da msica tonal. As formas livres, lieds preldios, rapsdias, o sinfonismo, o virtuosismo instrumental e os movimentos nacionais incorporam elementos alheios tonalidade estrita do classicismo e esta lentamente de desfaz. Vamos fazer um novo desvio em nossa viagem para conhecermos um outro gnero musical que merece destaque: a alegre, festiva, contagiante e to propagada Valsa. No h quem no se contagie ao ouvir ou danar uma bem executada VALSA. As danas populares no so mencionadas pela histria da msica. Ainda no sculo XIX so, no mximo, objeto de estudo por parte de alguns pesquisadores, mas despertam pouco interesse como, alis, tudo quanto vem do povo. A histria, escrita sempre pelos vencedores, tem 19

sempre falado muito de poucos e um pouco de muitos. Infelizmente, luz da histria, s se vem os que esto na luz, e no os que esto no escuro. Havia um abismo profundo entre a msica popular e a artstica, Com a Revoluo Francesa, a ordem das coisas muda repentinamente. Os que antes viviam sombra passam a ver a luz; inicia-se um processo de democratizao e com ele se torna possvel a penetrao da msica e dana popular nos sales, e dali para as salas de concertos e teatros. As luxuosas Gavota e Minueto so expulsas dos sales e substitudas pela polca, a muzurca e a Valsa. Mas, esta ltima que em pouco tempo torna-se o smbolo danante-musical de uma poca inteira, e faz de Josef Lanner (1801-1843) e Johann Strauss (1804-1849), seus maiores representantes, sendo que este ltimo foi sem dvida o papa da valsa. De volta estrada principal de nossa viagem, vamos at Frana, quando surge o movimento chamado Impressionismo, em meados do sculo XIX, como um novo modo de percepo do mundo, que se reflete principalmente na msica e nas artes plsticas, a arte musical se revela na valorizao da sonoridade dos instrumentos musicais e dos jogos harmnicos e encontra em Claude-Achille Debussy (1862-1918) seu principal representante. J dentro do modernismo, ainda na Europa, podemos ver surgir o dodecafonismo (Sistema de composio em que se dispe, segundo suas necessidades composicionais, as 12 notas em uma determinada ordem), trazido ao mundo por Arnold Schoemberg, na dcada de 20, atravs de cinco peas para piano. Esse tipo de composio encontra movimento contrrio quando o compositor gor stravinski faz nascer o Neoclassicismo que busca os ritmos marcados e repetitivos das msicas rituais populares. Em tempos contemporneos, nossa viagem musical, pensa ser importante registrar o

aparecimento do Serialismo integral (sistema em que so acrescentadas srie de alturas uma srie de duraes, intensidades e timbres) Seu maior representante Pierre Boulez (1925- ). ele que em 1975 funda o Instituto de Pesquisas Cientficas e Musicais, o (IRCAM). Esse movimento faz nascer a msica concreta e msica eletrnica, que surge no incio da dcada de 50, entre compositores franceses liderados por Pierre Schaeffer (1920-1984), junto ao estdio da rdio de Colnia, na Alemanha. Faz aparecer tambm a msica Aleatria, que surge nos Estados Unidos e na Europa, como a msica feita pelo acaso, com antecedentes em uma pea de Mozart. Estamos prestes a deixar o velho mundo. No seria elegante nos despedirmos sem deixar registrado um agradecimento a grandes vultos musicais, que com suas genialidades nos deixaram um maravilhoso e sonoro legado artstico, ainda hoje muito apreciado pelos amantes da msica. Agradecer a Johann Sebastian Bach o msico da f; Georg Friedrich Handel, a fora de vontade musical; Joseph Haydn, a calma e alegria da msica; sua majestade Wolfgang Amadeus 20

Mozart, a divindade musical; ao gnio de Ludwig Van Beethovem, apesar de sua rebeldia e solido; seu discpulo, o talo-germano Johannes Brahms, um dos ltimos romnticos; ao melanclico Franz Schubert, o msico da vida irreal; aos romnticos Hector Berlioz e Franz Liszt; ao criador de melodias imortais, doutor Frdric Chopin, um punhado de terra polonesa; alma tcheca Bedrich Smetana; Richard Wagner, mago, profeta ou tirano? Filsofo, poeta ou msico? Melhor ainda. A soma de tudo, o Gnio Universal; ao maledetto cantor de seu povo, o ingnuo, franco, natural e simples Giuseppe Verdi e seu bel canto Nossa viagem agora d uma guinada e chega Amrica, O Novo Mundo, como depois foi chamado, j era habitado h milhares de anos por criaturas msticas que possuam um vasto repertrio de canes e danas, que os colonizadores europeus foram paulatinamente sepultando, para fazer nascer aqui, a arte europia. A Amrica, mesmo distante do centro das revolues musicais do sculo, desenvolve uma nova msica que tem como referncia a obra inovadora de Clade Debussy. De modo bastante radical e pioneiro, Charles Ives faz uso de intervalos microtonais (menores do que meio-tom entre as notas de uma escala cromtica). Os norte-americanos com seu rocknroll e o country; os mexicanos e suas marionetes; os argentinos com seu tango; o samba verde-amarelo e tantos outros, formam uma constelao musical digna de receber os mais altos elogios de qualquer povo europeu que realmente goste e entenda de msica. Finalmente, essa nossa viagem venturosa pelo mundo da msica chega at o Brasil. Descoberto pelos ndios e explorado pelos portugueses, capitaneados por Pedro lvares Cabral, a partir de 1500. Terra vista teriam gritado os portugueses, e, como pensavam ter chegado s ndias, deram s criaturas diferentes que encontraram o nome de ndios. Como teriam eles chegado at aqui? Provavelmente, a ndia, gigantesco reservatrio de homens, tenha enviado tribos e povos atravs do Estreito de Bering, que h aproximadamente 18.000 anos desembarcaram nas costas da Amrica. Conforme o que se pode ler no Compndio de Histria da Msica Brasileira de Renato Almeida (1948) a msica brasileira pode ser caracterizada como aquela que se formou dos mesmos elementos fundamentais que deram origem ao povo brasileiro, a maior parte de lusitanos, depois de negros e por fim de ndios, alm, claro, de outros povos que foram chegando no decorrer de nossa histria. Aos portugueses devemos as linhas centrais e as persistncias mais duradouras de nossa msica; aos irmos africanos a grande contribuio foi a deformao da nossa matria musical, pela variedade de timbres, atravs dos muitos instrumentos de percusso; o ndio contribuiu pouco para influenciar nossa msica, mas ns praticamente destrumos sua cultura. 21

A mais remota referncia msica no Brasil encontra-se na carta de Pero Vaz de Caminha, que relata ao rei de Portugal a musicalidade dos nativos. Que tipo de msica tero eles ouvido? Que impresso ela desabrochou neles? Sabe-se , atravs de estudos silvculas que a msica para o ndio o que foi para as tribos da pr-histria asitica: parte da vida, irm da religio, elemento mstico, que traz chuva e cura doentes. Os ndios cantavam muito, e cada canto tinha uma inteno embutida. Ora cantavam, ora rufavam os tambores, chamando chuva, declarando guerra, brindando a paz. Outras referncias musicais chegam at ns nas anotaes do padre Manoel da Nbrega (chega ao Brasil com os primeiros Jesutas, a partir de 1549) que menciona a msica de catequese realizada, em geral, a partir de melodias gregorianas. Os primeiros registros de partituras datam de 1557 e dizem respeito a melodias indgenas anotadas pela tripulao de Jean de Lery. Sepultadas as ricas melodias indgenas, por fortes ataques da msica dos colonizadores, a musicalidade brasileira segue as notas das escalas europias e se v obrigada a danar conforme a msica. Durante todo o perodo de Brasil Colnia, ela recebeu forte influncia do que se vivia na Europa, pois muitos compositores do velho mundo, estavam em atividade em nosso pas. No final do sculo XVIII, com a chegada da famlia real ao Brasil, a msica recebe um grande incentivo, pois muitos membros da corte real dominavam, no mnimo um instrumento. Com toda certeza, foram muitas as noitadas em que rolou boa msica entre os recm chegados nobres portugueses. Devemos ao filho de mulatos, Padre Jos Maurcio Nunes Garcia, msico e professor prodgio, inclusive de Francisco Manuel da Silva, autor do Hino Nacional Brasileiro, o desenvolvimento da msica no Brasil. ele o autor da primeira grande sinfonia brasileira , a pera Zemira, bem como da Missa Requiem, de 1816. Veio a Independncia e o Brasil importa as msicas romnticas da Frana. O fato mais importante do romantismo musical brasileiro a criao de uma pera nacional, que tem nos compositores Antnio Carlos Gomes e Elias lvares Lobo seus principais representantes. Surge, ainda neste tempo, os primeiros conservatrios, centros de cultura e cursos de canto opersticos. Com a Proclamao da Repblica, chegam, ainda que timidamente, avanos no profissionalismo musical brasileiro, no campo da educao pela msica e musicalizao, quando em 1890 se cria o Instituto Nacional de Msica, no Rio de Janeiro. Ainda em 1890, o decreto n 981/90, determina o ensino de elementos de msica nas escolas, que seriam ministrados por um professor especial e concursado em msica. A preocupao dos educadores era com a falta de apoio das autoridades, como, alis, vem acontecendo at hoje, com tudo aquilo que se refere cultura no Brasil.

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Aos poucos, vai crescendo o nmero das escolas particulares de msica. A msica ganha fora, ano aps ano. Em 1928, as crianas so iniciadas musicalmente, graas criao dos jardins de infncia, pela reforma de Fernando Azevedo. Em 1932, outra reforma, a de Ansio Texeira, d larga proeminncia msica e as artes. Neste mesmo ano cria-se a cadeira de Msica e Canto Orfnico, pelo Instituto de Educao do Distrito Federal. Em 1933, cria-se o SEMA (Superintendncia de Educao Musical e Artstica), com o maestro Villa-Lobos orientando mais de 200 professores, no Curso de Pedagogia da Msica e Canto Orfnico. Somente no ano de 1950 que o Sema cria seu quadro de professores. Uma ampla reestruturao dos programas e planos de curso de msica aconteceu em 1955, ano em que tambm se fez a abertura dos cursos de extenso e de aperfeioamente musical. Mas, em 1961, a lei 4.024/61, faz cessar a obrigatoriedade, e a msica torna-se optativa. Outra grande contribuio para a espetacular msica brasileira, devemos brilhante e audaciosa Francisca Hedwiges Gonzaga, a Chiquinha Gonzaga, que com sua coragem e persistncia, contra tudo e contra todos, fez valer suas composies que traduzem, com

fidelidade, a ginga, o misticismo, os improvismos e o lirismo das serestas, dos choros e das danas de crioulos. No podemos deixar de dar uma carona, nesta viagem musical, ao grande compositor e msico Heitor Villa-Lobos, que desde seus 12 anos deixa correr em suas veias verdadeiro sangue musical. Foi ele, como vimos anteriormente, o responsvel pela sistematizao do ensino da msica na escola de ensino regular. O pleno desenvolvimento do uso de elementos folclricos realizado por ele, cuja obra determina a esttica nacionalista brasileira at os dias de hoje. Esse movimento no incorpora apenas as melodias populares e as complexas melodias indgenas, como desenvolve sonoridades tpicas tupiniquins. O canto de pssaros brasileiros, o barulho de um trem, o som das pessoas nas ruas, tudo vira melodia na cabea de Villa-Lobos que a transforma em sinfonia para nossos ouvidos. Em tempos modernos, que se estendem da dcada de 40 at os dias de hoje, h um verdadeiro duelo entre os movimentos de nacionalizao e intenacionalizao da msica no Brasil. Datam desta poca o Manifesto de 1946, que tem por objetivo recuperar os trabalhos com a msica popular brasileira, a partir das ferramentas fornecidas por Koellreuter; a musica viva de Claudio Santoro; a msica nova de Gilberto Mendes e a msica eletrnica de Jorge Antunes e outros. Chegamos finalmente msica popular Brasileira. aquela consumida pela massa, tocada nas rdios, apresentada nos videoclips da TV e vendida em discos, CDs e fitas. Ela se apresenta 23

numa grande variedade de estilos. Vai do samba ao Jazz, passando pelo pagode, pelo rap, bossa nova, msica romntica, sertaneja, gauchesca e at folclrica talo-germnica. Costuma estar enraizada nas tradies culturais de nosso povo. Originou-se durante a colonizao, quando os portugueses difundiram seus instrumentos e gneros musicais mais populares que se misturaram s variaes tipicamente brasileiras do estilo de maior sucesso na corte portuguesa, a moda. A primeira partitura publicada no Brasil a do Hino imperial e constitucional, assinado por Dom Pedro I em 1824. O Brasil muito rico em gneros musicais. Entre eles podemos destacar o Choro (interpretao local da polca) base de violo, cavaquinho e flauta, de Joaquim Antnio da Silva Calado, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazar e Pixinguinha... O Samba (derivao de ritmos africanos) cujo primeiro registro fonogrfico se deu atravs do sucesso Pelo Telefone composto por Ernesto dos Santos no carnaval de 1917. Destacam-se, neste sentido, figures como Ari Barroso, Cartola, Noel Rosa, Adoniran Barbosa, Dorival Caymmi, Martinho da Vila, Beth

Carvalho... Uma de suas derivaes, o samba-enredo explode a partir da dcada de 20, quando surgem as escolas de samba, como a Portela, Mangueira, Beija-flor ... Outra variao o Pagode (uma espcie de samba para salo) de muito molejo e sensualidade, o maior filo da indstria do disco brasileiro. So grupos de 5 ou 6 pessoas, geralmente negros, entre os quais podemos destacar o Raa Negra, S Pra Contrariar, Terra Samba, Negritude Junior, Sem Preconceito, o Tcham ... O Baio (balano contagiante nordestino) cujo rei indiscutivelmente Luiz Gonzaga Nascimento, o Ganzago, que em 1948 nos premiou com uma das mais belas canes do sculo, Asa Branca. Os Ritmos afro-brasileiros, como o frevo, o fricote, o samba-regae, o forr... Temos ainda a Bossa Nova Brasileira, que, na opinio de Jos Ramos Tinhoro, filha de aventuras secretas de apartamento com a msica norte-americana, que sua me solteira, haja visto que at hoje ela vive como a maioria das crianas de Copacabana, o bairro onde nasceu: no sabe quem o pai. Falando nela devemos lembrar a genialidade de um Tom Jobim, Joo Gilberto... A Jovem Guarda, do Rei Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Eduardo Araujo, Vanderlia.... A Nova MPB de Milton Nascimento, Chico Buarque, Fagner, Geraldo Vandr, Nara Leo.... O tropicalismo de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Capinam, Tom Z... O Rock verde amarelo de Rita Lee Jones, Raul Santos Seixas, Cazuza... Tambm so importantes na msica brasileira. E mais para os lados do campo, a cano sertaneja. Num primeiro momento vai de Moda de Viola (cano em duas vozes), onde se destacam msicas do tipo Menino da Porteira, Moda da Mula Preta, Chico Mineiro, cujos principais representantes so, com certeza, a dupla corao do Brasil, Tonico e Tinoco, Alvarenga e Ranchinho, Cascatinha e Inhana... Depois, o Sertanejo 24

Eletrnico (fuso da msica sertaneja com o Country americano), a partir dos anos 80, cujos expoentes mximos so as duplas Chitozinho e Xoror, Leandro(in memoriam) e Leonardo, Zez di Camargo e Luciano, Rio Negro e Solimes... Temos a msica Romntica, na voz apaixonada do gacho Lupicnio Rodrigues, Roberto e Erasmo Carlos, Maria Bethnia, Simone, Joana, Vando ... O Rap (abreviatura de Rhythm And Poetry) brasileiro, uma espcie de dana de rua, onde se destacaram figuras como Gabriel o Pensador, Sampa Crew, Racionais MCs... Enfim, falar de msica no Brasil falar de alegria, descontrao, animao e tudo o que se possa imaginar que traga felicidade para as pessoas. Se a msica tudo isso, Por que no traz-la, com todos os seus ritmos, gneros e estilos, para dentro da escola, que acima de tudo deve ser um lugar onde reina a mais absoluta felicidade? Muito mais do que estarmos preocupados com o que seja msica, bem como, qual tenha sido sua histria e seus principais representantes, queremos destacar, como foi dito antes, a sua importncia no mundo fantstico dos seres vivos, dos humanos em especial, principlamente quando estes estiverem em processo de educao. Para destacarmos tudo isso, precisamos saber o que pode fazer?

1.3 A MSICA NA VIDA HUMANA

Talvez , o amigo leitor tenha se perguntado se fazia-se necessria uma tentativa de definio do que msica, bem como, o relato de um pouco de sua histria, haja visto, que o objetivo maior deste trabalho a msica, como instrumento facilitador no processo Ensino-Aprendizagem. Respondendo, diramos que sim. Ao definir msica e ao relatar sua histria, mesmo que de forma breve, objetivamos deixar bem claro o quanto ela tem transformado o mundo e as pessoas ao longo do tempo. Embora por muito tempo estivesse nas mos de uma pequena classe dominante, foi por ela e atravs dela que o povo buscou seu espao, reivindicou e at deixou extravasar sua angstia e dor, ante toda a dominao em que se via preso. Saber o que msica fundamental para podermos entender o seu alcance em nossa vida. O fato de conhecer sua histria nos d a dimenso de como podemos nos valer dela para nossas atividades cotidianas em casa, na sociedade e principalmente na escola. A vida som. A todo momento, os mais diversos sons e rudos provenientes da natureza, e das infinitas formas de vida por ela produzidas, nos cercam de todos os jeitos e lados. No de 25

hoje que o homem canta, como vimos anteriormente, e graas a um aparelho maravilhosamente construdo, que se parece com uma harpa, o ouvido, percebe sons e rudos que podem despertar nele as mais variadas sensaes, que desencadeiam processos fantsticos em sua mente. Todas as pessoas, crianas, adolescentes, jovens, velhos, altos, baixos, gordos, magros, ricos, pobres sejam da cidade ou do interior, vivendo em zonas frias ou quentes, nas montanhas, plancies ou serrados, com pele de cor branca, preta, parda ou amarela, nascem e desenvolvem capacidade musical; pois a prpria natureza que nos d a msica e, o que dela fazemos varia mediante o nosso temperamento, a educao, o povo, a raa e a poca. A natureza est cheia de sons e portanto de msica. Antes mesmo que houvesse ouvidos humanos para capt-la, ela j se encontrava no borbulhar das guas, no cricrilar dos insetos, no ribombar dos troves, no sussurar das folhas ao vento. Quando chegou o homem, grande foi sua influncia sobre a mente humana. Nossos antepassados, que eram de poucas palavras, e quase somente o que eles viam que tinha nome, servem-se dela para expressar seus sentimentos. Ouvindo os sons e com eles criando a msica, lhes era permitido exteriorizar o jbilo, a tristeza, o amor, os instintos belicosos, a crena nos poderes supremos e a vontade de danar. Ela parte integrante de sua vida, pois ele a usa desde o acalanto at a elegia fnebre, desde a dana ritual at a cura dos doentes pela melodia e pelo ritmo. Para se ter idia do efeito da msica sobre o Homem, vejamos o que diz Kurt Pahlen: O Rei Davi tocava harpa para afugentar os maus pensamentos do Rei Saul; Farinelli, com o auxlio da msica, cura a terrvel melancolia de Filipe V; Timteo provoca, por meio de certa melodia, a fria de Alexandre, o grande, e acalma-o por meio de outra. Os sacerdotes Celtas educam o povo com a msica; somente eles conseguem abrandar os costumes selvagens. Diz-se que Terpandro, tocando flauta, abafou a revolta dos lacedemnios. Santo Agostinho conta que um pastor foi, em virtude das suas melodias, eleito imperador. E a histria do caador de ratos de Hameln um exemplo conhecidssimo do efeito da msica sobre o homem e o animal. Na literatura moderna, nos deparamos com numerosas obras de psicologia profunda em que as mais fortes excitaes sentimentais, so provocadas pela influncia da msica. Com exceo de Werther, nenhuma outra obra de arte originou semelhante onda de melancolia e suicdio como o Tristo, de Wagner. A msica age sobre o indivduo e a massa; encontra-se no somente na histria das revolues mas tambm nas psicoses de guerra. A msica , nas mos dos homens, um feitio; o 26

seu efeito se estende desde o despertar dos mais nobres sentimentos at o desencadeamento dos mais baixos instintos, desde a concentrao devota at a perda da conscincia que parece embriaguez, desde a venerao religiosa at a mais brutal sensualidade. Pelo pouco que dissemos, j se depreende que a msica tem inmeras facetas. Uma cano de dana moderna difere certamente de um coral de monges na solido de um mosteiro; difere a cano de bero da marcha que deve estimular os soldados ao ataque contra o inimigo; difere a cano de amor, numa noite azul de vero, da toada rtmica que o alto-falante difunde numa fbrica moderna para aumentar a produo. A variedade da msica ilimitada. Que distncia entre a melodia tritnica, sempre repetida, do indiano, e a sinfonia de um grande mestre, entre danas sagradas do longnquo oriente e a msica europia de pera, entre o coral gregoriano e o jazz, entre os acordes fortes de um rocknroll e as notas suaves de uma serenata janela da pessoa amada! E, no obstante, tudo isso vive ao mesmo tempo, agora, no nosso planeta, e para tudo isso usamos a mesma palavra: msica. Maiores ainda se tornam as diferenas se seguirmos a msica no seu percurso de milhares de anos. Melodias sagradas dos egpcios, teatro grego, coros antigos, canes de guildas e arteso da idade mdia e o grande despertar artstico da renascena; e mesmo desde ento at hoje, que diferena entre Palestrina e Haydn, entre Bach e Chopin, entre Beethoven e Stravinsky, entre Mozart e Debussy!... Frei Paulo Avelino de Assis, em seu livreto Brasil Cantor escreve: Quem no ama a Deus, a msica, as flores e as crianas, pobre, bem pobre, sem corao e sem esperanas! Percebemos, por suas palavras, a importncia da msica na vida das pessoas, quando a coloca em p de igualdade com Deus. Melhor ainda, quando a compara com as crianas. Verdadeiramente os termos criana e msica, de certa forma se confundem, pois em ambos v-se a alegria, o encanto, o movimento, a vida. A criana gosta de movimento, o movimento est na msica e na escola. Cad a msica na escola? Que seria do mundo sem o povo, que seria do povo sem os adultos, que seria dos adultos sem as crianas, que seria das crianas sem a msica? Respondendo, Frei Paulo diz: sombrio, enfadonho e acabrunhado, como um jardim sem flores, uma alma sem Deus, um cu sem estrelas, uma noite sem fim! Que seria da msica sem as crianas, das crianas sem os adultos, dos

adultos sem o mundo? Respondendo dizemos: Pobre, miservel, algo digno da mais profunda compaixo. A msica arte bela e necessria vida humana, como belas e necessrias so as flores formosas do jardim, a luz majestosa do arrebol, o perfume que embalsama o ar, como o azul

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difano do cu, o sorriso gentil que ilumina o semblante de inocente criana, criana que vai pra escola, que gosta de movimento, que est na msica, que deveria estar na escola. Basta olharmos para os meios de comunicao, que geralmente esto nas mos dos que tem poder, o quanto eles fazem uso dela para chamar a ateno dos consumidores em potencial. Lanando um olhar sobre a televiso, por exemplo, podemos perceber que em determinados programas, a msica se faz presente em at 90% de sua durao; nos comerciais por ela veiculados, ento, constante o seu uso, como forma de manter o telespectador atrado imagem do que se quer vender. Nas emissoras de rdio, essa presena pode ser ainda mais sentida. Salvo nos momentos dos noticirios e nos esportivos, quando aparece pouco, seguramente a presena da msica ultrapassa , em muito, 60% da programao. Olhemos o quanto grande o rol dos que faturam horrores, valendo-se da msica. At quando a escola vai deixar escapar essa fora sedutora chamada msica? Importantes revistas, como o caso da Readers Digest Selees, j tem publicado artigos de especialistas, que afirmam ser, a msica, uma das mais promissoras coordenadas do novo milnio. Estudos tm provado que, plantas e flores se desenvolvem melhor ao som de msica. Em reportagens de programas bem elaborados, como o caso do Fantstico, Globo Reprter e outros, podemos ver o uso da msica na agropecuria, quando, vacas ao som de msicas clssicas, aumentavam a produo de litros de leite por ordenha. Mdicos de renome internacional tem afirmado, em entrevistas, que a medicina far uso ainda mais freqente da msica, principalmente como terapia. Gravadoras de CDs tem colocado no mercado, farto material musical, como colees para fazer o beb dormir. No entanto, a escola, justamente ela, parece no saber o valor que tem a msica inserida em seu contexto. Vemos msica em toda a parte. Ei-la na boca da me que embala o filho antes de dormir; est na voz melodiosa do amante janela da amada; est nas santas celebraes a louvar e agradecer o Ser que nos criou; est no gog do galo que anuncia a chegada do novo dia; na garganta da torcida nos estdios, vibrando com o gol do time do corao; nas passeatas a reivindicar melhores condies de vida; na goela de tantos pssaros, a cantar ao amanhecer no serto; no coaxar dos sapos saudando a noite no brejo; enfim, onde quer que esteja a alegria, a ao e o amor, provavelmente a estar ela, bela, encantadora, mgica... E na escola: Cad a msica? Professores, diretores, orientadores, pais, alunos, precisamos cantar! Cantar para irradiar e espalhar a alegria. Precisamos dividir entre ns o amor, pois, s quando somarmos nossas foras, diminuirmos as diferenas, que poderemos multiplicar as esperanas de que um dia a escola ser um lugar bom para ficar, onde a msica faa movimento, o movimento faa a criana e a criana faa a educao. 28

Quem canta seus males espanta, um velho adgio me diz, conheo tanta gente que no canta e por isso vive infeliz. Para todos ns, a msica evoca os longnquos e saudosos tempos em que, palmilhando pelas estradas ensolaradas em animados passeios, ou, sentados sombra fagueira de verdejantes ramagens, ou, em festas acadmicas e paradas patriticas, cantvamos hinos Ptria querida, melodias vibrantes e canes populares, com todo o ardor de nossa alma juvenil, risonha e idealista! Toda a natureza canta. Cantam os anjos no cu, cantam os homens na terra, cantam as aves nos arvoredos. Crianas desse nosso Brasil varonil, cantai! Cantai as lindas canes patriticas, as maravilhosas canes infantis, as canes da Xuxa, da Anglica, do Tch, de Sandy e Jnior, das Chiquititas ... Enfim, cantai! Cantai em conjunto na escola, nas festas, nos passeios, cantai sozinhas, se preciso for, mas, cantai! Cantai! Cantai! Por que cantar? Cantar por tudo o que foi dito. Cantar porque, como diz Frei Paulo: a boa msica desperta o ideal, aviva a alegria, eleva o sentimento, desfralda na vida a bandeira da vitria. Completando o pensamento dele diramos mais: expulsa a rancor do corao, afasta os maus pensamentos, lubrifica os neurnios da mente, explode a apatia, desenferruja os ossos, contagia os ouvidos, acalma a tempestade da alma. Cantar para confirmar a alegria, quando estamos alegres, e, para traz-la de volta, quando algo nos entristece. Cantar para, quem sabe, nos tornar mais semelhantes ao Ser que nos criou. Pense, escola querida! Anote o princpio bsico de toda e qualquer educao, em qualquer tempo ou idade: faa o aluno cantar e ele ficar sempre alegre; faa o aluno alegre e ele ficar feliz; faa o aluno feliz e ele vencer o medo, vencer melhor e ser um homem de valor, com muito mais amor e paz. A msica na vida humana, um bem, que cai bem e faz bem. Ela o canal que liga o corpo ao crebro e o crebro vida. Experimentos cientficos, com seres humanos, isolados de qualquer som, tem provado que, a ausncia da msica piora em muito a condio fsica e psquica deles. A vida som, dissemos. A vida movimento, e o som se origina do movimento. Se em algum tempo a escola foi um depsito de seres assustados, tmidos, parados e at mesmo covardes, no se pode mais conceb-la desta forma. A escola que queremos um lugar onde algum, sedento de conhecimento, chega para buscar o saber, de forma alegre e significativa para sua vida. A msica, neste sentido, cai como uma luva. Ela a grande chance que a escola tem de agradar a quem a procura. Cantai, cantai bem, cantai sempre, para que o risonho sol da felicidade serena brilhe suavemente nas claras manhs formosas de vossa vida que promissora desponta para um Brasil grande, belo e feliz! Assim disse Pahlen. Assim dizemos ns.

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Por tudo o que foi dito, acreditando no alcance que tem a msica na vida das pessoas, na fora ainda maior que ela tem na escola e na sala de aula, que podemos afirmar:

1.4 - ESCOLA DE ENCANTOS, COM JOGOS E CANTOS

J, por muitas vezes e de diversas formas, dissemos que msica movimento. Estamos convencidos disso e acreditamos ser esse movimento muito importante dentro da escola. Tendo em vista que o que se quer uma escola dinmica, rica, poderosa, gostaramos de ver esses dois termos, que, em ltima anlise, se confundem, andando juntos. Para que isso se torne possvel, basta apenas que a escola, dispense um tempo maior, principalmente no pr-escolar e sries iniciais, para os jogos e cantos. Tanto os jogos, como os cantos, exigem necessariamente o movimento. A escola que pretende ser encantadora, dever fazer uso constante dos jogos, pois eles mexem com todos os sentidos do indivduo, exigem sua ateno e obedincia s regras estabelecidas. Da mesma forma ser de encantos a escola que, com freqncia, se valer dos cantos, pois eles despertam a emoo, e esta desencadeia toda uma seqncia de sensaes agradveis a ela, que vo fazer com que o processo de aprendizagem lhe seja mais fcil e significativo. No queremos aqui elencar uma srie de jogos e cantos, nem tampouco ensinar como utiliz-los. Isso por sua conta. Voc, mais do que ningum, sabe o que necessrio para sua sala de aula e por isso, cabe a voc a escolha deles. Pretendemos to somente destacar a importncia do movimento na vida das pessoas, em especial, aquelas que esto em idade escolar. Justamente com esta inteno, queremos passar, na ntegra, um texto que apresentamos como forma de avaliao, na disciplina Psicologia do Desenvolvimento da Criana, ministrada pela Mestra Rosana Silva dos Santos Schimitt, no curso de Ps-Graduao Lato Sensu em Psicopedagogia, no ano de 1998, desenvolvido, em convnio com a Furb, pela Universidade Para o Desenvolvimento Do Alto Vale Do Itaja, em acompanhamento. O texto comea assim;

... E O CACHORRO MEXE O RABO.

Se voc parou para ler este texto, aguado pela curiosidade de seu ttulo, teremos conseguido nosso objetivo.

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Nossa prtica pedaggica de quase 20 anos, tem nos possibilitado verificar que a escola, nas aes educativas que desenvolve em seu interior, tem sido eficiente em sua misso de mantenedora da ordem vigente e por isso mesmo, muito longe de ser um instrumento eficaz de transformao social. Um dos aspectos em que essa ineficincia se consolida a ruptura que se estabelece entre a vida social cotidiana do indivduo e sua insero no mundo escolar. O que a escola tem feito e ainda faz com sua clientela, coibindo de forma contundente aquilo que a criana tem de mais natural, qual seja, a energia do movimento, comum em todo o reino animal, no mnimo hilrio para no dizer cmico ou ainda pior, desastroso. Da mesma forma como os animais se valem do corpo para se expressar e sobreviver, assim tambm deve se permitir criana, o maior nmero possvel de movimentos, pois so eles os pontos de partida para qualquer aprendizado, como diz Barros, em seu texto Psicomotricidade e Alfabetizao(1993). Quando h 20 anos, passvamos da condio de aluno para a de professor e adentrvamos pela vez primeira a uma sala de aula, tnhamos a convico de que a escola poderia se tornar um lugar bem mais significante para quem a procurasse. Os anos foram passando e a escola teimosamente vem insistindo em cumprir bem seu papel de reprodutora das desigualdades sociais, adestrando muito mais que informando e preocupada apenas em adaptar o sujeito ao meio, muito mais que formar um sujeito ativo, dinmico, capaz de uma transformao social. Infelizmente ainda convivemos com uma escola distante da realidade do aluno. Entre os vrios elementos causadores desse afastamento podemos citar a dicotomia entre a teoria e a prtica que paira no processo e a confuso que se estabelece no mbito da sala de aula, como diz Wilson Joo (1998), onde disciplina sinnimo de rigidez, de dureza, de castigo; sala bem comportada aquela em que a criana permanece quieta, imvel, tendo que frear bruscamente toda aquela energia que lhe peculiar, e o movimento taxado de baguna. justamente sobre essa questo do movimento que desejamos falar. Se formos ao dicionrio, encontraremos a palavra Movimento, que apresenta como sinnimos os termos agitao, entusiasmo e animao. J para Caldarelli, em seu dicionrio Enciclopdico de Psicologia Geral, movimento tem que ser analisado sob vrios aspectos. Os dois que mais nos chamaram a ateno so: o movimento espontneo, que orgnico e condicionado por estmulos externos, e o movimento exploratrio, caracterstico da criana, efetuado numa situao relativamente nova e que serve para orientar o indivduo, proporcionando-lhe informaes a respeito dos elementos e relaes espaciais da situao. 31

O movimento para Wallon , apud GALVO (l995 p. 69), tem um papel fundamental na afetividade e tambm na cognio, alm do seu papel na relao com o mundo fsico. Antes de agir sobre o fsico o movimento atua sobre o meio humano, e desta forma mobiliza as pessoas atravs das emoes. Na criana o movimento tudo o que pode dar testemunho da vida psquica, conclui ele. Diante disso cabe fazermos uma indagao pertinente: qual o prazer que pode sentir uma criana, que passa 16 horas em constante movimento, em casa, nas ruas, nos clubes, sendo praticamente condenada a permanecer imvel num espao de no mximo um metro quadrado, durante muitas vezes at quase 4 horas, presa a uma cadeira e carteira? Ora, se at o cachorro, demonstrando sua alegria em estar com seu dono, algum que ele percebe lhe querer bem, mexe seu rabo de alegria, por que ento a escola tambm, para demonstrar sua alegria com a presena do aluno, no lhe permite tempo e espao para que ele possa extravasar sua energia, dando-lhe atividades em que ele possa participar ativamente? No se pode mais admitir que a escola continue matando tanta criatividade, tanta vontade de viver, tanta alegria, em nome de um silncio, que nem aqui e nem em lugar algum sinnimo de aprendizagem. A escola no pode mais continuar desperdiando as oportunidades que surgem do movimento proveniente da energia que as crianas possuem dentro de si. preciso um trabalho escolar que seja capaz de canalizar essa energia e utiliz-la na construo de um conhecimento coletivo. A sala de aula deve passar a ter a funo de mera sede e nunca de uma permanncia quase eterna dos alunos. As aulas devem constituir-se num momento de prazer, onde o aluno possa participar ativamente de todas as atividades; deve ser levado a conhecer o mundo e no apenas o Quartel da sala de aula. Como j foi dito, o movimento o ponto de partida de toda a aprendizagem. Ento, somos da opinio de que a escola no pode ensinar em preto e branco um mundo que to colorido. No pode ensinar em quadradinhos um mundo que cheio de formas. A escola precisa descobrir-se como elemento de transformao. Deve tornar-se mais atrativa, proporcionando condies para que o aluno possa, pelo movimento de seu corpo e nas relaes dele com o mundo, sentir-se atrado a permanecer presente nela, no apenas fisicamente, mas principalmente com seu esprito; pois assim a escola ganha vida, e o mundo ganha uma instituio capaz de fazer a diferena, que nos permitir vislumbrar um mundo melhor, constitudo de uma sociedade mais justa e um homem mais fraterno. A escola precisa considerar a criana como portadora de um corpo completo, onde o movimento sntese de sua ao e s atravs dele que pode desenvolver integralmente e se tornar um ser mais completo. 32

Vejamos o que afirma PRISTA (1984): Um ponto esquecido na prtica escolar o respeito que ser criana, que permita a esta se mostrar dentro de suas possibilidades, confiar em seu potencial, manterse curiosa e imaginativa. Esta uma necessidade fundamental do desenvolvimento infantil. Este texto deixa claro que a escola precisa pensar seu modo de ser. Esse pensar passa obrigatoriamente pelo entendimento de que, todos os envolvidos, direta ou indiretamente com ela devem planejar as suas aes de modo a contemplar o movimento dentro e fora dela. A escola deve significar no apenas um espao, mas o espao no qual o aluno sinta o prazer de estar. Neste sentido, nada melhor do que dotar essa escola de muitos jogos e cantos, que vo torn-la um encanto. A criana feliz, no quebrou o nariz e nem quer ir ao hospital tomar alguma coisa. A criana feliz quer ir escola, quer aprender a apreender, quer pensar, quer estudar, mas, quer acima de tudo, continuar a ser feliz dentro dela. por isso que a escola precisa cantar mais, precisa se tornar mais atrativa, se oferecer com mais cores e sons, como so oferecidos os produtos nos meios de comunicao, que usam uma parafernalha toda para induzir-nos compra. Ou a escola toma providncias urgentssimas para atrair e manter a criana em seu seio, ou a mdia aparecer como um furaco e seqestr-la- para si. Ai ento, ela ser to somente um depsito de massa sem fermento; ter ido a Roma sem ver o Papa; ter comido polenta sem queijo; ter feito amor sem prazer; ter dominado a bola no meio campo, driblado toda a defesa, passado pelo goleiro e chutado para fora a chance de fazer um golao no corao do estudante. Mas, se a escola, usando iscas atrativas como a msica e os jogos, fisgar para si esses pequenos seres, oferecendo-lhes vantagens que eles no encontram em outros lugares, derrotar para sempre o bicho-papo chamado mdia. Assim sendo, ela ser uma grande famlia de massa e fermento; ter ido a Roma e ter visto o Papa; ter comido polenta com queijo; ter feito amor com prazer; ter dominado a bola no meio do campo, driblado a defesa, passado pelo goleiro, estufando as redes e marcado um golao no corao dele.

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CAPTULO I I

2.0 - A AUSNCIA DA MSICA NA ESCOLA

Se bem lembramos, e no faz muito tempo, a msica, principalmente atravs do canto, fazia parte de muitos momentos da vida escolar. Cantava-se com os colegas antes das aulas; cantava-se na fila ao adentrar a sala de aula; para anunciar a hora do recreio, durante ele, nas brincadeiras de roda, e no fim dele tambm; cantava-se em posio de sentido o Hino Nacional Brasileiro, num profundo respeito ao pavilho da esperana; cantava-se preparando as homenagens do dia das mes, dos pais, dos professores e das crianas; cantava-se no dia da rvore, nas festas juninas, enfim, cantava-se... cantava-se... cantava-se. O que ter acontecido com a msica na escola? Ser que ela deixou de ser importante? Poder a escola ter pecado pela omisso? Deixou o aluno de sentir atrao por ela? Onde estariam os culpados? O que fazer com eles? Calma! No queremos aqui crucificar nem Pedro, nem Paulo e muito menos Jesus Cristo. O que se quer compreender, so as razes que levaram a msica a se afastar do convvio da escola. O que queremos provar que, em determinado momento ela existia e paulatinamente foi se ausentando, principalmente em nossa regio, mais especificamente em nossa escola. 34

Depois de farta leitura, observando atentamente os alunos, os pais e professores, temos a impresso de que so vrios os determinantes dessa ausncia, mas, para efeito desse trabalho vamos destacar trs deles: fatores externos, bio-psicolgicos e didticos.

2. 1 - OS FATORES EXTERNOS

Antigamente nem em sonho existia, tantas pontes sobre o rio, nem asfalto na estrada... Mas hoje em dia tudo muito diferente, o progresso nossa gente nem sequer faz uma idia... Com toda certeza, o grande Srgio Reis, cantando Mgoa de Boiadeiro de Non Baslio e ndio Vaga, tem toda razo. Realmente as coisas mudaram muito de uns anos para c. De fato, tudo est muito mudado. O relgio passou do bolso para o pulso e, em alguns casos, perdeu os ponteiros; o padre j no reza a missa em latim e nem de costas para o povo, alm de ter tirado a batina; no banco h uma s fila e caso voc queira, uma mquina lhe informa tudo, inclusive lhe d dinheiro se voc a souber us-la; aquele mercado com balco passou a ser Super e voc mesmo escolhe as mercadorias e as coloca em carrinhos e quando vai pagar, a caderneta onde se faziam as contas deu lugar calculadora, que deu lugar registradora que perdeu seu espao para uma tal de leitura tica; o nosso dinheiro perdeu muitos zeros, trocou de roupa e de nome vrias vezes; a escola, lugar do conhecimento sistematizado, que antigamente era ... Agora, continua a mesma. Sem sombra de dvida, o progresso, que bem-vindo, pois facilitou muito a vida dos seres humanos, muito embora desgraando a dos outros seres, transformou a vida das pessoas. A cincia nunca evoluiu tanto. Os meios de transporte esto cada vez mais diversificados, rpidos e violentos; os meios de comunicao alm de se multiplicarem, esto cada vez mais inteligentes; A chegada da INFORmao autoMTICA, informtica, ento, foi um Deus-nos-acuda. Tudo mudou, tudo ficou mais rpido... Tudo ficou melhor? A chamada musical e a leitura do progresso, que fizemos, nos parece que trazem tona, um dos fatores externos que afastaram a msica da escola. - J no se fazem mais filhos como antigamente, queixam-se os pais. - J no se fazem mais alunos como antigamente, diramos ns, plagiando. Antigamente, o filho tinha pouco ou quase nada em sua casa para brincar. Alguns carrinhos de madeira, bonecas-de-pano, pies... Tinha muito espao sua disposio. Com poucos brinquedos e muito espao, l ia ele brincar de roda. Era comum v-lo alegre em seus jogos, cantando canes de nosso folclore. A me mesmo, que no precisava sair para trabalhar, que 35

ensinava e incentivava o filho a que fosse brincar com os vizinhos, afinal, ela tinha tempo e no havia perigo algum de que seu filho fosse atropelado, violentado e muito menos seqestrado. A maldade humana, a violncia nas ruas, o trnsito assassino, o pouco espao fsico e a diversidade de jogos e brinquedos, quase sempre eletrnicos, que as crianas tm em suas mos, foram lentamente calando a sua voz, dando adeus s lindas canes infantis. A me, que j no est mais em casa, pois precisa ajudar no oramento familiar, sequer tem tempo para embalar o filho com canes de ninar e muito menos ensinar e incentivar os brinquedos cantados. Est cansada e enquanto descansa, tem que fazer os servios de casa. Outrora, a menina cantava para sua boneca-de-pano, enquanto a levava de um lado para outro e o menino fazia ele mesmo o barulho de seu carrinho, enquanto o empurrava de c para l. Hoje

em dia, a boneca da menina fala, canta, chora e anda sozinha e o carrinho do menino j traz embutido seu ronco e movimento. Para ambos resta apenas observar inertes o que eles fazem. Para entender um dos motivos da ausncia da msica na escola, basta transferirmos a realidade familiar para a escola. Dcadas atrs, o aluno chegava na escola, quase sempre a p, munido to somente de uma bolsa-de-pano, quando no de plstico, contendo o estritamente necessrio para as aulas. Na hora do recreio no lhe sobrava outra coisa a no ser brincar de roda, de pega-pega, esconde-esconde... A professora, apesar de receber pouco, brincava com ele e havia uma verdadeira disputa para ver quem pegava em sua mo na hora dos brinquedos de roda. O universo de alunos era menor em cada unidade escolar e aumentava, em muito, o espao fsico para eles. Atualmente, apesar das reclamaes dos pais, que dizem estarem os preos dos produtos custando os-olhos-da-cara o aluno chega escola de bicicleta, de carro ou de transporte escolar, munido de uma enorme bolsa, repleta de bolsinhos, reparties e motivos coloridos, contendo em seu interior um farto material escolar, bem alm do necessrio para as aulas. Ele traz consigo um conjunto enorme de aparelhos eletrnicos com os quais brinca antes do incio das aulas, na hora do recreio e at nas aulas de Educao Fsica. Com todo esse aparato, ele nem pensa em se envolver com brinquedos cantados ou algo parecido. Suas aes esto voltadas aos jogos, aos brinquedos que traz consigo, como o bichinho virtual, o pio e outros tantos apetrechos que a tecnologia lhe coloca disposio. Os professores, alegando que no ganham para isso, j no aparecem mais no ptio para serem disputados por seus alunos. Com o aumento do universo de alunos em cada estabelecimento de ensino, novas salas foram sendo construdas e o espao fsico livre foi diminuindo e acabou inviabilizando muitas das brincadeiras de roda, que se fazia antigamente. 36

Encontramos ento a grande culpada pela ausncia da msica na escola, a tecnologia. De forma alguma. Muito pelo contrrio. A mesma tecnologia que criou toda essa parafernalha de aparelhos que os alunos usam, colocou tambm, disposio da escola, uma gama muito grande de instrumentos eletrnicos de que a escola pode se valer para explorar o uso da msica dentro dela. So inmeras, por exemplo, as canes de que as crianas gostam e que se tocadas na escola chamariam a sua ateno. Se de fato a tecnologia, com seus maravilhosos e irresistveis aparelhos, tem calado musicalmente as crianas na escola, ela somente conseguiu esse feito, graas desorganizao em que se encontram as atividades escolares. Faz-se necessrio, como veremos adiante, que os trs grandes segmentos responsveis diretamente pela educao, professores, comunidade e alunos, encontrem um momento para juntos planejarem aes que possam atrair esse ltimo segmento, de forma que ele se achegue escola e tenha prazer de permanecer nela. Embora esses fatores externos tenham muita influncia sobre o assunto, sabemos que no esto sozinhos. Existem outros componentes que so responsveis a respeito desse problema. Vejamos, por exemplo:

2.2 - OS FATORES BIO-PSICOLGICOS

Depois de termos descoberto, no o culpado, mas um dos fatos geradores da ausncia da msica na escola, vamos analisar uma outra questo. Atravs de uma pesquisa de campo, nos foi possvel colher de professores e diretores, um problema relacionado com a msica que julgamos pertinente e passvel de uma anlise. Dizem eles que em suas unidades escolares, a msica se faz presente at com uma certa intensidade. No pr-escolar e nas sries iniciais se ouve, por muitas vezes, alunos cantando, fazendo msica e aprendizagem ao mesmo tempo. Ouvem-se cantos infantis, populares e alguns com letras adaptadas a assuntos da aula. Ser que o fato de o professor ser mestre nico, e por esse motivo poder estar continuamente com seus alunos, facilita o uso de canes em suas aulas? Por que, ao chegarem quinta srie os alunos deixam de cantar? Com toda certeza o fato de o professor poder estar permanentemente com uma nica turma vantajoso para ambos, pois acabam se conhecendo melhor, facilitando a interao, que por sua vez acaba se transformando numa verdadeira cumplicidade. Esse detalhe, mais a falta de planejamento nas sries subsequentes, como veremos posteriormente, com certeza so responsveis pela

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diminuio da musicalidade na escola, mas, este problema est intimamente relacionado tambm com questes de ordem biolgica e psicolgica. Na nossa regio, em mdia, as crianas esto saindo da quarta srie por volta dos 11 anos de idade. Sabemos, por estudos j produzidos, que a partir dessa idade, transformaes muito importantes passam a acontecer com o seu corpo. Dentro de pouco tempo ela deixar de ser criana e entrar numa das fases mais complicadas de sua vida, a adolescncia. Uma fase to complicada para ela que muitos pais e especialistas a chamam de a fase da aborrescncia. Uma das transformaes que ocorre com o corpo nessa fase, a mudana de voz. Aquela voz fina, estridente, aguda, vai perdendo sua sonoridade e firmeza. Esse fato, no que tange msica, tem um significado muito grande, pois faz com que a pessoa no confie mais em sua voz para cantar. Ela at tenta cantar, mas percebe que sua voz j no alcana certos tons e faz com que acabe desafinando. Temendo dar novos vexames, ela opta por deixar de cantar. Na edio do programa Fantstico, exibido no dia 23 de janeiro de 2000, pela Rede Globo de Televiso, cientistas norte-americanos afirmaram que todas essas manifestaes do adolescente, que acabam por torn-lo aborrescente, isto : irrequieto, instvel e at inconseqente, so perfeitamente normais, pois nesta fase da vida a qumica do crebro passa por uma mudana significativa. Parece-nos certo de que essas alteraes qumicas, em certos

indivduos, podem inibir os canais sensveis, por onde a msica flua normalmente, causando, por conseqncia, uma diminuio de sua inclinao musical. Quer dizer ento, que a grande vil, a seqestradora da musicalidade da escola a Biologia? De forma alguma. De fato, esse um problema, mas est localizado. Vamos respeitar esta particularidade, mas nem por isso temos o direito de negar-lhe a msica. Nesse caso, podemos usar canes em fita, discos, CDs; podemos fazer um intercmbio com as sries primrias. Os alunos das sries iniciais gostam de cantar e adoram se apresentar em outras sries. Basta um bom planejamento e se pode minimizar o problema. Dissemos anteriormente que a constatao de que a msica vai perdendo sua fora com o passar das sries, tem uma conotao psicolgica. Essa afirmao est corretssima. Se as transformaes com o corpo da criana a deixam bem aborrecida, s portas da adolescncia, as que chegam por via psicolgica a transformam num verdadeiro estopim, que explode ao primeiro sinal de contrariedade. A psicologia afirma, segundo Lannoy Dorin (1978 p. 165), que as necessidades sociais e pessoais do indivduo nessa idade, se no satisfeitas, acarretam mais distrbios e desordens comportamentais do que a no satisfao das necessidades fisiolgicas, com exceo do sexo, claro. Mas, o que tem a ver as necessidades sociais e pessoais, com o problema da falta de msica aps as sries iniciais, na escola? Tem tudo a ver. 38

Quando est freqentando as sries finais do Ensino Fundamental e no decorrer do Ensino Mdio, o aluno sente uma necessidade pessoal de deixar sua marca. Comea a se preocupar com os cabelos, com as unhas, com as espinhas, com os primeiros fios de barba, com o que veste, com o que cala, com o que come... Est na fase do ficar , entra naquela do rolo da paquera. Est a fim de impressionar o sexo oposto, ento, cuida da forma como senta, pensa no que diz e principalmente, faz um tremendo esforo para no pagar nenhum mico, o que o deixaria em maus lenis com a to cobiada caa. A msica, nesta idade, representa um perigo constante. Imagine se ele ou ela, vo correr o risco de se expor ao ridculo ao entoar uma cano! Eles podem at cantar, mas, faro isso apenas perto dos colegas mais ntimos e por pouco tempo. Cantar em homenagem Ptria! No dia das mes! Dos pais! Dos professores! Dos... Nem pensar! Esse comportamento perfeitamente normal se analisarmos o que diz Murray, apud

DORIN (1978). Ao classificar as necessidades sociais e pessoais ele menciona as que expressam ambio, fora de vontade, desejo de perfeio e reconhecimento. Entre elas est a preocupao de evitar a inferioridade. Trata-se da necessidade de evitar o fracasso, a vergonha, a humilhao e o ridculo. Ficar com a boca fechada no hora de cantar, pensa ele, a maneira mais inteligente de fugir desse perigo. Outro fator psicolgico, bastante