ENERGIAS E CURAS a Umbanda Em Portugal

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    do

    ssi

    Clara Saraiva

    ENERGIAS E CURAS:

    A UMBANDA EM PORTUGAL1

    RESUMOPortugal tornou-se, nas ltimas dcadas,um pas de imigrao, especialmente comBrasileiros e Africanos, vindos das antigascolnias. Com estas populaes vieram assuas religies, prticas teraputicas, rituaise espritos. Baseado em trabalho de campoconduzido em Portugal nos templos de Um-banda e Candombl e com lderes religiosos

    do Brasil, este texto trata da questo dasprticas teraputicas transnacionais, anali-sando o modo como os portugueses aderi-ram a tais terapias, e a forma como concep-tualizam essa sua nova pertena religiosa.

    PALAVRAS-CHAVE

    Religies afro-brasileiras. Umbanda. Portu-gal. Transnacionalizao. Dispora, terapias

    ABSTRACTPortugal became, in the last decades, acountry of immigration, especially withBrazilians and Africans, from the formerPortuguese colonies. With these popula-tions came their religions, therapeuticpractises, rituals and spirits. Based onfield work conducted in Portugal in thetemples of the Afro-Brazilian cults and

    with ritual specialists from Brazil, this pa-per specifically dwells on the issue oftransnational therapeutic practises. Fur-thermore, it will analyse the relationshipthe Portuguese maintain with such newtherapies, and the way they conceptualizetheir new religious appurtenance.

    KEYWORDSAfro-brazilian religions. Umbanda. Por-

    tugal. Transnationalization. Diaspora.Therapies.

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    1 Introduo

    Quando se fala de religies afro-brasi-leiras, mesmo fora dos circuitos de discus-

    so acadmica, imediatamente vm men-te os nomes de Roger Bastide e de PierreVerger. Ambos franceses, ambos atradospelo Brasil e suas referncias culturais, aca-bam tambm por partilhar a paixo por es-sas religies. Roger Bastide publicou v-rios livros sobre a temtica e sobre a hist-ria das relaes entre frica e o Brasil. Pier-re Verger, tendo inicialmente sido conhe-cido pela sua actividade enquanto fotgra-fo, transformou-se num pesquisador comuma viso muito emic, j que se iniciou nocandombl tendo-se tornado num babala-wespecializado no culto de If e na advi-nhao, e , nas suas vrias visitas a frica,a procurou as razes para os cultos que ob-servava na Bahia.

    Em 2011 muitos portugueses no aca-dmicos j leram excertos de textos destes

    dois autores ou, pelo menos, j ouviram fa-lar destes dois nomes. Trata-se de indiv-duos que nos ltimos vinte anos tm ade-rido s religies afro-brasileiras e passarama ser assduos frequentadores de terreiros deUmbanda ou de Candombl. Para alm des-ses escritos, leram provavelmente obras deJorge Amado e, sobretudo, j viram as te-lenovelas, importadas do Brasil, produzi-

    das a partir dos livros de Amado. A primei-ra novela da Globo que chegou a Portugalfoi Gabriela Cravo e Canela, na segunda

    metade dos anos setenta, e teve um impac-to enorme no pas. Muito mais do que a imi-grao portuguesa para o Brasil desde o s-culo XVIII, e a sua importncia na economia

    ou nos costumes e aculturao portugue-sa ao Brasil, Gabriela ps os portugueses afalar brasileiro, e as mulheres portuguesasa cortarem o cabelo Malvina2. Novidadena televiso portuguesa, que s ento se tor-nava um meio comum de informao aces-svel grande maioria da populao portu-guesa, Lisboa parava todos os fins de tarde, hora da novela, em que as pessoas re-gressavam apressadamente a casa para sabero que teria sucedido entre Gabriela e Nacibe.Aps Gabriela, as novelas brasileiras paula-tinamente inundaram Portugal e tornaram--se extremamente populares.

    Tenda dos Milagres e outros seria-dos brasileiros que retratam o mundo dasreligies afro-brasileiras divulgaram as fi-guras dos orixs, e sobretudo de Iemanj,deusa das guas dos mares, e considera-

    da a grande me nesse universo religio-so, mostrou esse universo religioso aos por-tugueses. Hoje em dia, a imagem de Ieman-j apresenta-se nas vitrines de muitas ca-sas funerrias3ou de lojas esotricas, ladoa lado com a imagem de Nossa Senhora deFtima, a mais popular e internacional dossantos portugueses.

    O presente texto tem como base o tra-

    balho de campo, realizado desde 2005 atao presente, em terreiros de Umbanda eCandombl em Portugal, que inclui obser-

    1.Uma verso anterior deste texto foi publicado na obra de homenagem a Jill Rosemary Dias, com o t-tulo Caminhos Filhas de santo: rituais, terapias e dilogos afro-brasileiros em Portugal, in Philip Havik,Clara Saraiva, C. e Jos A. Tavim, (Orgs) 2010 Caminhos Cruzados em Histria e Antropologia. Estudos deHomenagem a Jill Dias, Lisboa, Imprensa de Cincias Sociais. Agradeo ao Professor Srgio Ferretti a lei-tura e comentrios ao texto.

    2.Personagem feminina da referida novela.3.Eram as casas funerrias que vendiam imagens de santos at recente expanso das lojas esotricas.

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    vao dos rituais e cerimnias, entrevistascom pais e mes de santo, com mdiumse seguidores (clientes) destas religies. Naprimeira parte, partindo do trabalho pio-

    neiro de Ismael Pordeus Jr. sobre a temti-ca (PORDEUS JR., 2000; 2009), explicito ocontexto geral do incio e desenvolvimentodos terreiros de Umbanda e Candombl emPortugal. Numa segunda parte, desenvol-verei aspectos relacionados com a aceita-o pelos portugueses destas religies, fo-cando primordialmente a Umbanda, a par-tir de um estudo de caso de um terreiro deUmbanda situado no Norte de Portugal,em Braga, mas usando igualmente algunsexemplos retirados do trabalho de pesquisanoutros terreiros em Portugal e de entrevis-tas com pais e mes de santo e com portu-gueses seguidores destas religies. Revisi-tando a vasta literatura sobre esta temtica,discutirei algumas noes acerca do con-ceito de equilbrio, doena e cura pertinen-tes na concepo religiosa afro-brasileira

    que se aplicam ao caso portugus. Na l-tima parte, focarei especificamente a ques-to da relao unvoca entre a Umbanda eo catolicismo e ainda as pontes que esta es-tabelece, por um lado, com a biomedicina,e, por outro, com prticas mais prximas daNova Era.

    2 Umbanda em portugus de Portugal?

    Desde muito cedo o Brasil foi procura-do pelos portugueses como alternativa parauma melhoria nas condies de vida (pra-ticamente desde o incio da colonizao doBrasil, e, com o estatuto de emigrantes, so-

    bretudo a partir do sculo XVIII). Na se-gunda metade do sculo XX esta tendnciainverteu-se e, merc das conturbaes so-ciais, polticas e econmicas, os brasileiros

    viram-se forados a deixar o seu pas, ba-sicamente pelas mesmas razes que tinhamlevado os europeus at s Amricas. Nasvrias vagas de imigrao brasileira que ti-veram como destino a Europa, a partir dasdcadas de 1980 e 90, Portugal surgiu co-mo um destino preferencial. A prefernciabaseava-se no s na facilidade da existn-cia de uma lngua comum, mas tambm naretrica do ideal de relaes especiais en-tre naes irms, alimentada por relaesefectivas de consanguinidade e afinida-de decorrentes de sculos de colonialismoportugus e de migrao portuguesa para oBrasil, mas tambm por idealismos polti-cos que escondem mltiplas ambiguidadesdecorrentes desse longo processo de rela-es histricas (PADILLA, 2003; MACHA-DO, 2002; FELDMAN-BIANCO, 2001)4.

    Os brasileiros vieram viver e trabalharpara Portugal, e constituam nos finais de2008, segundo os dados do Servio de Es-trangeiros e Fronteiras, o maior grupo deimigrantes num total de cerca de 106. 961indivduos, 24% do universo total de emi-grantes5. Pensando nesta avalanche de bra-sileiros em Portugal, quando em 2006 inicieia pesquisa sobre as religies afro-brasileiras,

    esperava encontrar terreiros cheios de brasi-leiros expatriados, procura das suas razesculturais nos templos. Esta minha noorevelou-se uma idealizao muito freyria-na dos brasileiros em solo lusitano a afirma-rem uma suposta pertena luso-afro-brasi-

    4. Beatriz Padilla Os novos fluxos migratrios: tipos e respostas no velho e no novo mundo. Paper apre-

    sentado na 8 Conferncia Metropolis , Viena 2003; Igor Machado 2002; Bela Fedman-Bianco 2001.5.Dados do SEF -Servio de Estrangeiros e Fronteiras de 2008 (SEF, 2009, p. 28 apud SARAIVA, 2010, p. 176).

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    guidores grande, e muitas pessoas saiemde um terreiro e vo para outra quando en-tram em conflito com os lderes religiososou por qualquer situao menos agradvel

    que possa surgir no seio da comunidade.Os terreiros que existentes em Portugal,sejam de Umbanda ou de Candombl, es-to sob a direco de um lder religioso m-ximo, opaiou me de santo. As diferentesligaes que esses lderes tm com o Bra-sil permitem classific-los em trs grandesgrupos, que simultaneamente definem tam-bm relaes de migrao e trnsito de pes-soas (e de espritos) entre Portugal e o Bra-sil, bem como as diversas formas de estabe-lecimento de redes transnacionais (CAPO-NE, 2004; ARGYADIS, 2004).

    No primeiro grande grupo esto os por-tugueses que tm o Brasil como refernciaprimordial. Temos aqui indivduos que ilus-tram casos como o da Me Virgnia de Al-buquerque: portugueses que emigraram pa-ra o Brasil, tomaram contacto com as re-

    ligies afro-brasileiras e que, uma vez re-gressados a Portugal, fundam terreiros ouabrem casas onde fazem atendimento. Poroutro lado, h tambm portugueses quepartem para o Brasil j com o objectivo dea encontrarem ou alargarem as suas capa-cidades medinicas e uma via de desenvol-vimento espiritual no quadro das religiesafro-brasileiras.

    No segundo grande grupo, encontramosos brasileiros que efectuaram o movimen-to contrrio, e se deslocaram do Brasil paraPortugal. Dentro desta faixa h brasileirosque vieram para Portugal como imigran-tes, com o objectivo de trabalharem nou-tras reas, mas que acabam por retomar assuas funes, j antes exercidas no Brasil,de especialistas religiosos; ou ainda brasi-

    leiros que emigram tendo j em vista a suaactuao enquanto lderes religiosos e es-se, logo partida, o objectivo primordial.

    Um terceiro grupo, tambm importante,

    ilustra os casos que Pordeus Jr. (2009) de-nomina, a partir das classificaes de Vic-tor Turner, como anti-communitas. Tra-ta-se de brasileiros que vm a Portugal, doconsultas e voltam para o Brasil, sem abri-rem templos e sem criarem em torno delescomunidades religiosas duradouras.

    Importa ainda referir o caso de pais emes de santo que reivindicam uma ligaodirecta com frica, que, a seu ver, ultrapassaa relao com o Brasil, j que a origem des-tas religies est em frica. Trata-se sobre-tudo de portugueses que nasceram e viveram(eles e tambm os seus progenitores ou outrosfamiliares) nalguma das antigas colnias por-tuguesas em frica, sobretudo Angola.

    Estes vaivns entre o Brasil e Portugal,aliados relao estabelecida com frica fruto de desgnios coloniais que no obs-

    tante estabeleceram laos entre indivduosexteriores e prticas locais --, criam o quetantos autores, desde os clssicos escritosde Bastide e Verger, referem como o tri-ngulo atlntico , em grande parte respon-svel pela existncia de uma black atlan-tic religion, parafraseando Matory8.

    3 procura da cura

    Desde o incio da sua expanso no Bra-sil, o Espiritismo se afastou das vertentesmais racionalistas do Kardecismo e se defi-niu como uma forma religiosa (Ortiz 1988);o primeiro movimento esprita organizadoe datado de 1873 denominou-se Socieda-de de Estudos Espritas do Grupo Confcio,no Rio de Janeiro, com o motto os verda-

    8.A expresso o prprio ttulo do referido livro de Matory Black Atlantic Religion.

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    deiros espritos no existem sem caridade,defendendo os princpios da prtica da ho-meopatia e da cura pela f (ORTIZ, 1997).Com o tempo a orientao teraputica foi

    assumindo mais importncia, passando aser um dos focos centrais da religio. Estavertente da caridade e da cura foi integral-mente incorporada na Umbanda, afirman-do-se como central na filosofia umbandis-ta9, no Brasil como em Portugal.

    Se na Umbanda a questo da cura cen-tral, ela igualmente crucial no Candom-bl, e em Portugal muitos adeptos chegaminicialmente a estas religies procura dasoluo para situaes de crise directamen-te ligadas doena. A afirmao de que seno se chega pelo amor, chega-se pela dor,comum na explicao da forma de chega-da a prticas religiosas variadas, amideouvida a respeito da Umbanda e do Can-dombl. Mesmo quando o problema no directamente de doena, a somatizao doque aflige os indivduos faz com que a face

    visvel desses distrbios seja frequentemen-te o mal-estar fsico e a doena.

    Podemos aqui seguir o que Paula Mon-tero (1985) descreve e analisa, ao explici-tar, muito no seguimento da linha tericade Mary Douglas, a ideia de que a desor-dem conceptual e cognitivamente equi-parada doena, e que portanto qualquercoisa fora da ordem, a nvel psquico ou

    simblico, equivale e provoca problemas f-sicos. Tal como Montero afirma, as frontei-ras entre o que muitas vezes denominadodoena material e doena espiritual somuito fluidas, e nos contornos da concep-

    tualizao do que so doenas materiaisesto j presentes as matrizes que possibi-litam uma interpretao mgico-religiosa(MONTERO, 1985, p. 118). Paralelamente,

    a eficcia da interveno mgica tem co-mo contraponto o fracasso da teraputicaoficial. Ou a medicina oficial no conse-gue ver a doena, porque o mal de outranaturezaisto , espiritual, no passvel dediagnstico pelos mtodos fsicos da medi-cina ocidentalou, apesar de a identifi-car, no a consegue curar porque a sua ori-gem est num problema, numa desordemdo foro no material10. Isto est patente nodiscurso dos indivduos:

    Eu realmente estava muito doente, mas os

    mdicos no conseguiam perceber o que se

    passava. Foi opreto velhoque me disse que

    era qualquer coisa no meu peito, e que eu ti-

    nha de ser tratada. Foi ele primeiro que per-

    cebeu o que se passava, antes mesmo dos

    mdicos saberem que eu tinha cancro (Sofia,

    32 anos, caixa de supermercado).

    A relao estabelecida entre a doena ea noo religiosa de perda de equilbrio per-mite no s estabelecer a ponte entre os doissistemas (o da biomedicina e o da religio),mas abre tambm espao para a actuaomgico-religiosa, tal como Paula Monteroexplicita (MONTERO, 1985, p. 126):

    O processo de mutao que transforma a no-

    o mdica de doena na noo religiosade desordem termina pois numa inverso

    interessante: por um lado, a noo de do-

    ena espiritual implica a negao da doena

    (ou da sua representao) tal como ela atri-

    9.Ver, a este respeito, a tese de Mestrado de Ariana Sabrosa Da aflio comunho. Um estudo etnogr-fico no Templo de Umbanda Pai Oxal e Mame Ians, Departamento de Antropologia, Universidade deCoimbra, 2009.10.Estes processos so anlogos aos descritos por Jeanne Favret-Saada a propsito da lgica e dos mecanis-mos de actuao da feitiaria no Bocage francs, tal como ela explicita em Les mots, la mort, les sorts, (1977).

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    buda esfera da atuao do mdico nega-

    o necessria [...] determinao de um es-

    pao legtimo de atuao mgica; por outro,

    a prpria noo de doena espiritual reen-

    via novamente ao mbito da atuao mdi-ca -- j que o corpo sofre as consequncias

    da aco desordenada dos espritos, ou est

    irremediavelmente condenado doena, em

    virtude das suas faltas anteriores --, mas in-

    verte as posies iniciais de importncia e

    legitimidade.

    Neste processo, a medicina transforma--se num apndice que pode secundar a ac-o mgica e ajudar a curar, ou servir desuporte aos que j no conseguem escaparao sofrimento e morte, e que tambm porvezes se voltam para a medicina para mi-norar a dor (MONTERO, 1985).

    Na tipologia tripartida que Monteroidentifica encontram-se trs tipos de fen-menos mrbidos: as doenas causadas pe-los prprios indivduos, as provocadas por

    terceiros, e as krmicas. Apesar das dife-renas, todas elas tm por base a concep-o, comum em todas as religies afro-bra-sileiras, de uma ideia de bem-estar baseadana concepo holstica da pessoa, em queo corpo e a mente esto interligados, rejei-tando assim dicotomias cartesianas que osseparam. Ser saudvel significa estar equi-librado11. Assim, as categorias nosolgicas

    das variadas doenas so explicadas atra-vs da viso do mundo do Candombl eda Umbanda. Tanto a doena como o seudiagnstico no podem ser dissociadas dassuas cosmologias e conceptualizaes m-gicas e religiosas que reflectem as relaessociais e os princpios bsicos destes uni-versos (BARROS; TEIXEIRA, 1989). Deste

    modo, a maioria das performances rituaisso estratgias para manter ou restaurar obem-estar fsico, mental e social.

    O equilbrio est identificado com a sa-

    de; se uma pessoa est doente quer dizerque ela est perturbada, o que se pode de-ver a uma larga variedade de causas. Po-de relacionar-se com falhas no cumpri-mento das obrigaes para com os espritosdos mortos, e nesse caso s pode ser cura-da quando essas obrigaes forem cumpri-das, restaurando o equilbrio entre a pessoae o seu orix. A doena tem portanto ori-gem numa falta de equilbrio entre forasque tm a sua origem no sobrenatural e queactuam sobre o indivduo. A noo de ax central, j que ax definido como umafora, uma energia vital sagrada presen-te em todos os seres naturais. Esta energiaprecisa de ser dinamizada; atravs dos ri-tos que este processo assegurado, inician-do-se com o tocar dos tambores e a entoa-o dos pontos cantados12que potenciam a

    descida dos deuses e entidades.

    4 O corpo como locus de aco

    No processo de construo do carc-ter sobrenatural da doena e a cura o cor-po humano transforma-se no mais impor-tante locusde aco, em que a crena e asemoes esto concentradas, e em torno do

    qual uma srie de representaes que ultra-passam largamente a caracterizao biol-gica do corpo humano so construdas.

    O papel do corpo neste processo prende--se com dois aspectos distintos, mas rela-cionados entre si. O primeiro tem a ver coma importncia da relao constante e per-manente que mantida entre o mundo dos

    11.Ver, a este respeito em Silva (1995) e Pordeus Jr. (2000).12. Oraes em forma de cano dirigidas aos orixs e outras entidades.

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    vivos e o mundo dos mortos, que em tem-pos possuram corpos fsicos, mas que soagora seres sem aparncia fsica concreta.O valor desta relao entre os dois mundos

    tambm visvel na conceptualizao davida social, que implica no apenas o re-lacionamento com os parentes vivos, mastambm como os defuntos, que se torna-ram, entretantona Umbanda, por exem-plo13-- espritos e antepassados.

    Esta relao leva-nos ao segundo aspecto,o da importncia do corpo e do papel centralque a incorporao joga nestas religies.

    A possesso crucial, a base para secompreender todo o sistema religioso, queopera atravs de uma sistemtica explora-o do corpo como locuspara a manifes-tao do sagrado (BRUMANA; MARTINEZ,1997, p. 11). o corpo o veculo de comu-nicao com os deuses e os espritos, pen-sados enquanto representaes das forasda natureza; o corpo que se transformapara permitir a manifestao fsica dos es-

    pritos e a sua comunicao com os vivos.A possesso suprime, temporariamente, adistncia entre o mundo dos humanos e odos deuses, ou entre o mundo dos vivos e odos mortos. Como Mrcio Goldman refere:

    [] o transe e a possesso [] suspendem

    todas as distncias entre oAie o Orum, fa-

    zendo com que os orixs encarnem nos ho-

    mens e transmitam alguma coisa da sua es-

    sncia divina, ao mesmo tempo que uma cer-ta dose de humanidade lhes insuflada pelos

    fiis que concordam em receb-los (GOLD-

    MAN, 1987, p. 111).

    Considerando a possesso como umacelebrao da vida e da comunicao, elas no entanto possvel atravs de umcomplexo processo de iniciao, no qual o

    corpo tem um papel essencial.

    5 Para ser iniciado

    A possibilidade de uma pessoa ser m-dium muitas vezes expressa atravs dequeixas fsicas, sinais dados pelos deusesde que essa pessoa deve trilhar o caminhoda iniciao e aprender a domesticar as su-as capacidades medinicas. Subjacente esta ideia de um desequilbrio que deve ser cor-rigido, sob pena de a condio se agravar epoder at levar morte de um indivduo. Apercepo de que os deuses e as entidadesso cruis e rgidos, e no aceitam recusas,discutidas amplamente na literatura antro-polgica14aplica-se aqui com toda a segu-rana: se a pessoa escolhida, no pode vi-rar costas e no aceitar essa condio.

    Cada terreiro um universo e segue assuas prprias linhas de aco ditadas pelosorixs e entidades que o guiam, assim co-mo pelas directrizes concebidas pelo lderreligiosos, opaiou me de santo, e portan-to h sempre diferenas e especificidadesprprias de cada casa. Isto acontece tantono Brasil como em Portugal. O que passo aexplicitar , como tal, um modelo ideal, que

    por vezes sofre alteraes; a descrio queforneo resulta do cruzamento entre a lite-ratura antropolgica que se debrua sobreestes passos da iniciao (nomeadamente

    13.O processo diverso consoante as variantes das religies afro-brasileiras; no candombl e no tamborde mina, por exemplo, os orixs, voduns e encantados no so mortos, mas seres que se encantaram e pas-saram a uma outra dimenso. Eles no esto no mundo dos mortos, mas no mundo dos deuses, que estosempre vivos.14.Ver, por exemplo, Paulo Granjo (2007).

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    BARROS; TEIXEIRA, 1989; SILVA, 1995), edos dados recolhidos na pesquisa em Por-tugal e no Brasil.

    Os rituais preliminares na iniciao in-

    cluem a lavagem das contas, em que apessoa recebe o colar feito de contas dascores do orixpessoal; o bori, um rito querefora a relao da pessoa com os seus ori-

    xse o terreiro, e que requer um perodo derecluso e descanso; o assentamento, emque a representao material do orix pes-soal reconhecida ritualmente e esses ob-jectos so sacralizados; e, finalmente, afei-tura, em que se conclui a iniciao. Des-te modo, o processo de iniciao formalizao pacto entre o indivduo e as divindades;esta relao implica uma conexo directacom os deuses, mas tambm a integraosocial do indivduo na sua congregao re-ligiosa. A ligao com os deuses d-se pe-la identificao com os elementos naturais(gua, fogo, terra e ar) e os fenmenos me-teorolgicos, as cores, os dias da semana,

    os animais e as espcies minerais e vege-tais. Cada orixest ainda relacionado comdeterminadas actividades, padres de per-sonalidade e comportamento.

    O apuramento15 do orix de cabea dapessoa (dono da cabea) geralmente fei-to anteriormente realizao de qualquerritual, j que qualquer pai ou me de san-to experiente consegue perceber, atravs

    da cuidadosa observao da personalidade,comportamento, reaces16, qual o orixdecabea da pessoa. Este processo de apura-mento confirmado no jogo de bzios, o

    processo de adivinhao em que se ratificaessa pertena.Se a identificao do orix constitui um

    mapeamento da personalidade da pessoa,passa-se em seguida ao mapeamento docorpo de acordo com a relao que se es-tabelece com os deuses que formam o seupanteo pessoal (SILVA, 1995). O lder reli-gioso identifica assim, no s orix de ca-bea, mas tambm ojunt, o orixde trs,o que ocupa o peito, etc. O corpo assiminteiramento concebido e organizado comouma manifestao do sobrenatural17. Des-ta forma, a cabea conceptualizada comoo locusda deciso, onde razo e emoo seencontram. A expresso ritual fazer a ca-beasignifica a descoberta do selfenquan-to pessoa e, ao mesmo tempo, o estabeleci-mento de um lao social srio e permanente

    com a comunidade religiosa18.O corpo transforma-se assim numa es-

    pcie de livro que pode ser lido, interpre-tado e manipulado pelos especialistas reli-giosos (BARROS; TEIXEIRA 1989), seguin-do certas lgicas ideais. Como ideais, im-porta aqui mais uma vez frisar que muitasvezes elas sofrem desvios, transformaese adaptaes, consoante a variante da reli-

    15.Processo de definio do orix dono de cabea da pessoa.16.Tudo susceptvel de fornecer essas indicaes: as caractersticas fsicas, o modo como a pessoa semove, como fala, como ri, etc.17.Mais uma vez, o processo no igual nem est presente em todas as variantes das religies afro-bra-sileiras. Convm tambm notar que, tal como as diferentes partes do ser humano esto relacionadas comos diferentes orixs, tambm os vrios deuses residem nas diversas partes do corpo. Por exemplo, no pan-teo Fon (Bnim) o correspondente do Exu dos Yoruba Legba, que reside no umbigo, de onde insufla asua raiva; ver Stefania Capone (2004a).18.Durante o ritual de iniciao tambm na cabea que so feitos os cortes onde se colocam os oxu, umamistura de elementos vegetais e sangue sacrificial que instala o esprito dos orixsno corpo da pessoa; Sil-va (1995, p. 133).

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    gio afro-brasileira em presena, e de acor-do com a prpria capacidade inventiva doslderes religiosos e dos praticantes.

    A parte frontal do corpo est relaciona-

    da com o futuro, e as costas com o passado;o lado direito masculino e o lado esquer-do feminino; os membros inferiores ligam--se aos antepassados. Em todos os rituaisdeve-se permanecer descalo, para que assolas dos ps estejam em contacto directocom o cho, de modo a estabelecer a cone-xo com os poderes que imanam da terra.As mos so o veculo de entrada e sadadas foras que vm dos orixs, incorpora-dos nos seus filhos e filhas. As palmas dasmos abertas, viradas para cima, em fren-te ao corpo, exprimem a aceitao da sub-misso vontade dos orixs, como quandose pede a bno ao pai/me de santo. Den-tro da mesma lgica, com as mos queos mdiums incorporados realizam a puri-ficao ritual, atravs dospassesque lim-pam as pessoas dos maus fluidos e energias

    negativas. Carregadas de energia positiva,as mos do mdium executam determina-dos movimentos ao longo do corpo da pes-soa, do topo da cabea at aos ps, batendono final com firmeza no cho, para descar-regar19todas as ms vibraes, purificandoassim corpo e esprito.

    6 Equlbrios e desequilbrios

    A importncia de manter um equilbriopara se estar saudvel implica a pressuposi-o da importncia de manter uma boa re-lao entre os dois mundos, o dos vivos e odos mortos, ou entre os humanos e o sobre-natural. S se esta relao se mantiver po-

    sitiva existir um equilbrio; caso contr-rio, os problemas surgem. Desde o comeodo processo de iniciao, o corpo pensadocomo o centro das inscries que os orixs

    desejarem fazer, e como smbolo do pactosocial e religioso que se instala entre o deuse o indivduo. Diferentes aces negativastm consequncias variadas, e no corpoque se manifestam e se tornam visveis osdistrbios decorrentes dessas faltas20.

    Uma das possibilidades a marca ou ac-o do orix sobre algum escolhido paraser iniciado, como vimos. O sinal de que apessoa foi escolhida pelos deuses para de-senvolver a sua mediunidade manifesta-seatravs de problemas fsicos, que desapare-cem quando a pessoa aceita a sua condioe comea o processo de iniciao.

    Uma segunda possibilidade a doenaser uma aco ou marca em algum que ne-gligenciou as suas obrigaes e deveres ri-tuais para com os deuses ou antepassados.A violao de regras e a transgresso de ta-

    bus (sexuais, alimentares) , como tal, tam-bm uma causa para o surgimento de quei-xas fsicas. O que a pessoa faz afecta-a noapenas a ela mas a toda a famlia de santo,e s pode ser reparado atravs de um estritocumprimento dos rituais e aces prescritas.J que tais violaes pem em risco a posi-o do indivduo enquanto membro de umacongregao, so vistas como extremamen-

    te perigosas e devem ser tratadas pelo pai oume de santo, que define as sanes e as pu-rificaes rituais que devem ter lugar a fimde restaurar o equilbrio individual e social.

    Uma terceira causa de distrbios advmde um contacto excessivo com os espritosdos mortos, os eguns; tal situao ocorre no

    19.Da vem tambm a denominao de descarrego, para esta aco.20.A enumerao destas possibilidades adaptada da lista de Barros e Teixeira (1989).

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    caso de uma morte recente na famlia queno tenha sido tratada adequadamente, is-to , em que no se tenham realizado to-dos os necessrios rituais de purificao. A

    ocorrncia de tal falta ritual leva a que osespritos dos mortos no sigam o seu cami-nho para o outro mundo, e faam os vivossofrer pela sua negligncia. A realizaode ritos de purificao e a oferta de ebs21reinstala as fronteiras entre a vida e a mor-te e restabelece o equilbrio e o bem-estar.

    A contaminao devido a agentes natu-rais pode tambm ser uma causa de proble-mas fsicos. Mas, apesar da doena ser pro-vocada por agentes patolgicos, h a noode que estes atacam a pessoa porque ela es-t frgil, a sua fora interior (o seu ax) estfraca, e mais uma vez necessria a reali-zao de ritos de purificao para restaurara fora vital da pessoa.

    7 Restaurar o bem-estar

    No seio de uma religio que celebra avida atravs do uso do corpo, manter umcorpo saudvel uma prioridade mxima.Se considerarmos todas as razes acima ex-postas, em que se percebe bem a relaoentre os estados fsicos e as relaes entreos humanos e os espritos, percebe-se queo incio de qualquer procedimento terapu-tico deve comear por prticas que restau-

    ram essas boas relaes.Todos as causas acima mencionadas co-

    mo responsveis pelos distrbios esto di-rectamente ligados qualidade da pessoaenquanto membro da congregao religiosa.

    Mas, alm desses, em todos os terreiros hum importante grupo de pessoas, que pode-mos categorizar como clientes, que a che-gam procura de alvio para as situaes de

    crise, em que mais uma vez os problemas desade tm uma grande visibilidade. O diag-nstico para os problemas muitas vezes re-lacionado com um encosto (esprito de ummorto que no atingiu o seu lugar no alm),e a purificao o primeiro passo para acura. Muitas vezes, estas pessoas que che-gam aos terreiros pela doena, acabam pordescobrir a sua mediunidade e comeam apercorrer o caminho da iniciao:

    Primeiro fui a uma terapeuta brasileira, que

    usava aromaterapia e gemoterapia22; da pas-

    sei para o terreiro, e descobri a importncia

    dos orixs. Comecei o meu caminho de ini-

    ciao. Quando me diagnosticaram o cncer

    no peito, fiz cura por magnetismo, gemotera-

    pia e aromaterapia, mas teria morrido se no

    fossem os meus orixs (LAURA, mulher, 31

    anos, desempregada).

    Em qualquer dos casos, aps o diagnsti-co, realizado pelo especialista religioso usan-do os mtodos divinatrios anteriormenteexplanados, a cura implica a restaurao daunidade fragmentada pela perda do ax. Sebem que as sequncias rituais difiram de ter-reiro para terreiro, basicamente compreen-dem sempre um perodo de preparao, em

    que a pessoa se desliga das suas actividadesmundanas, seguida dos primeiros ritos delimpeza e purificao. Estes incluem libaes,banhos de ervas, uso de ervas para colocarpor cima da parte do corpo lesada, defuma-

    21.Os ebsso oferendas feitas para os orixs, seja para apaziguar um problema, alcanar um objectivo,agradecer uma graa alcanada ou simplesmente para presentear e agradar s divindades que se cultuam.22.A gemoterapia uma forma de fitoterapia que utiliza remdios fabricados base de tecidos embrio-

    nrios de rvores e arbustos, assim como das partes reprodutoras e tecidos jovens das plantas e da seiva,j que se acredita que a energia se concentra nestes elementos das plantas.

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    es, uso de plvora, epasses. Algumas en-tidades especializadas na cura, como o casodospretos-velhos, fazem tambm massagensou cura atravs do toque.

    As plantas, ervas e razes usadas nas te-rapias todas tm um significado especficoe uma relao particular com os orixs. Domesmo modo que cada orixrequer o sacri-fcio de um determinado animal e a oferen-da de uma comida especfica, tambm ca-da um deles tem uma relao especial como mundo vegetal. Como tal, as plantas sousadas no apenas nos ritos religiosos, mastambm nos ritos teraputicos. Um dos afo-rismos recorrentes nos terreiros kosi ewe,kosi orisha: sem folhas, no h orixs.

    A grande maioria dos ritos de purifica-o requer o uso de plantas, j que as fo-lhas so consideradas uma das fontes pri-mordiais de ax. Os pais e mes de santomuitas vezes afirmam que o uso da folhacorrecta pode matar ou curar um indivduo:as folhas quentes(associadas com os ori-

    xsdo fogo e da terra, como Ogum e Ex),agitam as atmosferas, as emoes e os indi-vduos, e podem causar mal, enquanto queas folhas frias (relacionadas com os ori-

    xsda gua e do ar, como Oxum e Oxa-l) apaziguam e tranquilizam. O conheci-mento profundo da adequao das plantase das folhas a cada ritual ou terapia por-tanto uma das mais importantes qualifica-

    es de qualquer pai ou me de santo res-peitado (SILVA, 1985, p. 209). Associadas proclamao de palavras mgicas que po-tencializam a sua eficcia, flores, plantas,

    ervas, razes, sementes e casacas de rvoreso usadas na preparao de medicamen-tos, bebidas e libaes profilcticas23.

    Na dispora, a importao de ervas e fo-

    lhas envolve certas dificuldades, e muitospais de santoque viajam at ao Brasil re-tornam com malas cheias de plantas. Quan-do no possvel obter as plantas originais,estas so substitudas por outras, que seencontram em Portugal, o mais parecidaspossvel (em forma, aroma, caractersticasou efeitos teraputicos) com as originais.

    Os ebs de sade24 so preparados comdeterminados ingredientes e seguindo deter-minadas regras rituais que respeitam a rela-o directa com o mal que se pretende curare, sobretudo, o orix directamente ligadoa essa pessoa. Cada orix tem uma comi-da prpria, confeccionada a partir de ingre-dientes especficos. Por isso mesmo, o ebde sade de uma pessoa cujo orix de cabea Ians incluir sempre o acaraj, prato fei-to com feijo-frade, partido e modo de mo-

    do a formar uma massa fina a que se juntacebola e se frita em azeite de dend; o de al-gum filho de Oxum inclui obrigatoriamenteuma comida ritual denominada ado, fabri-cada com milho vermelho torrado e modo etemperado com azeite de dend e mel.

    Nos ebsde sude figuram obrigatoria-mente as pipocas. Sendo que as comidas ri-tuais se ligam directamente mitologia de

    cada orix, as pipocas esto relacionadascom o orixpor excelncia da doena, Oba-luai (tambm conhecido como Omolu)25.De acordo com o mito, Obaluai ficou do-

    23.Cndido Procpio Ferreira de Camargo.24.Como o nome indica, so oferendas para os orixs directamente ligadas a pedidos para melhoria doestado de sade da pessoa, para apaziguar maleitas e distrbios do foro da sade fsica ou mental.25.Apesar desse papel primeiro de Obaluai como orix da doena, cada orix est directamente relacio-

    nado com uma doena especfica. Assim, a especificidade de Obaluai so as doenas de pele, e as de Oxume Iemanj, deusas femininas, os problemas ligados infertlidade e ao nascimento.

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    ente com varola; as pipocas, tambm de-nominadas flores de Obaluai, represen-tam as marcas deixadas na pele por essadoena. Curado por Iemanj, Obaluai o

    orixque rege a sade e a doena, e as pi-pocas so a sua comida primordial.Cada terapia envolve elementos espec-

    ficos, que dependem das caractersticas dospacientes e das suas energias, as especifi-cidades dos seus orixs, os traos da pr-pria doena. As prticas teraputicas en-volvem no apenas a cura imediata, o tra-tamento dos sintomas, mas tambm um ob-jectivo profilctico, como a preveno desubsequentes problemas. Qualquer tera-pia supervisionada por um orixou pe-la entidade responsvel, e so eles que in-dicam quais os mtodos curativos apropria-dos, os ingredientes a serem usados, e soeles prprios que, em ltima anlise, pro-cedem cura, incorporados nos seus cava-los. A este tipo de cura praticado nos ter-reiros, normalmente no decorrer da prpria

    gira26, em que sobretudopretos velhose ca-boclosactuam, juntam-se as performancesem sesses de cura especiais. Estas sessesincluem toda uma srie de tcnicas que po-dem ser englobadas na panplia mais vastade terapiasNova Era, que nas ltimas d-cadas se tornaram disponveis em Portugale que, a avaliar pelo nmero de sites na in-ternet, a publicidade nos jornais, revistas e

    rdio, e a difuso de lojas esotricas, agra-dam imenso aos portugueses, que se trans-formaram em seus fiis consumidores.

    8 O tringulo de cura Atlntico

    Vejamos agora a ligao entre a incor-porao de prticas Nova Era nas sesses

    de cura nos terreiros portugueses, a rela-o desses procedimentos teraputicos coma biomedicina, e o modo como as relaescom o Brasil lhes servem como pano de fun-do que gostaria de concluir. Este aspecto en-volve a discusso que se desenvolve em sololuso, sobre a existncia ou no de uma va-riedade portuguesa dos cultos afro-brasilei-ros27, e do modo como a relao Portugal--Brasil conceptualizada para efeitos dasprticas teraputicas e do papel da cura nasreligies afro-brasileiras transnacionaliza-das para o espao portugus. Para alm dasreflexes dos acadmicos sobre este assun-to, interessa-me aqui o modo como os pr-prios lderes religiosos constroem em Portu-gal essa identidade, e a forma como a utili-zam, sublinhando umas vezes as diferenas,e outras vezes as afinidades entre Portugal e

    o Brasil. Utilizarei aqui exemplos extradosdo trabalho em dois terreiros de Umbanda,um situado no Norte do pas (Minho), e ou-tro nos arredores de Lisboa.

    A discusso acerca da pureza dos cul-tos recorrente no Brasil, e chega tambma Portugal; no caso de terreiros assumida-mente de Umbanda, a nfase desloca-se dasrazes afro e vai para as vrias influncias

    sofridas pela religio, que, na opinio dosseus praticantes, a enriquecem, sobretudono plano da interveno pela cura.

    26.Sesso ritual na Umbanda, em que as entidades incorporam os mdiums e praticam a caridade, dan-do consultas individuais. aqui que cada um pode explicar todos os seus problemas e falar livrementecom as entidades.

    27.Esta ideia, desenvolvida inicialmente por Ismael Pordeus Jr (2000; 2009); referida igualmente porGuillot (2007) e por Saraiva (2009; 2010a; 2010b).

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    As variantes das religies afro-brasilei-ras que se encontram em Portugal reprodu-zem o cenrio de tenso entre os dois plosdo continuum religioso28afro-brasileiro, a

    Umbanda e o Candombl queto, a primeirapensada como mais prxima da matriz ca-tlica tradicional portuguesa29, e a segundamais relacionada com as prticas e ritos ori-ginais africanos, que integram o sacrifcio deanimais. Apesar das variedades e cruzamen-tos diversos de Umbanda e de Candomblque se encontram em Portugal30, em que as-pectos mais relacionados com o catolicismoou com prticas africanas so enfatizados,podemos dizer que, dos cerca de 40 terrei-ros que recenseei em 2009, a grande maioriasegue uma linha Umbandista. Muitos destesoptam por uma vertente cruzada, a chamadaUmbanda Omoloc, que incorpora ritos deorigem Angola, e que Pordeus Jr. considerauma variedade bem adaptada a Portugal, jque permite a permanncia de prticas eso-tricas portuguesas mais antigas, mas coloca

    simultaneamente em paralelo o panteo docatolicismo, da Umbanda e do Candombl31.

    Na vertente da cura, podemos afirmarque todos os terreiros (de Umbanda, Um-banda Omoloc, Candombl etc.) praticamalguma forma de procedimento terapu-tico, divergindo em forma entre eles32. Dequalquer modo, o que foi acima explanadoacerca da concepo do equilbrio, da sa-

    de e do corpo humano vlido como con-

    cepo de fundo do que se faz em todos osterreiros no mbito da cura.

    Na casa do Norte de Portugal que aquirefiro as sesses de cura seguem basica-

    mente as mesmas linhas mestras que nou-tras do resto do pas onde pesquisei. apartir das consultas nas girassemanais queso identificadas as pessoas que necessitamde um acompanhamento teraputico maisprofundo, e essas pessoas so conduzidaspara as sesses de cura:

    O trabalho no terreiro complementado com

    o trabalho de cura. A maior parte das vezes

    as pessoas aparecem com problemas de que-

    zlias de famlia ou de amor mas que tm so-

    matizao a nvel corpreo. Estas situaes

    so identificadas no trabalho semanal no

    terreiro e as pessoas so reconduzidas para a

    sesso de cura. (Me de Santo V).

    No exemplo do terreiro do Norte do pa-s, nas sesses de cura so utilizadas as tc-nicas da concentrao, o uso de plantas,

    dos cristais e das pedras. Ao som de umamsica muito calma e relaxante, numa salaonde apenas brilham algumas velas, os m-diums previamente preparados e treinadospara este trabalho, todos vestidos de bran-co, concentram-se, de modo a conseguiremcanalizar energias positivas que ajudem acurar a pessoa. Trata-se pela imposio dasmos e da gemoterapia. As sesses de cura

    so dirigidas pelos guias da casa33, sobretu-

    28.Utilizando aqui a expresso que Cndido Procpio Camargo utilizou para se referir ao continuum en-tre catolicismo e Umbanda.29.Salienta-se que a Umbanda em Portugal faz mais apelo e se relaciona preferencialmente com o cato-licismo, e no com o Espiritismo em geral ou com o Espiritismo Kardecista.30.Para uma listagem e anlise de alguns dos terreiros e casas mais importantes em Portugal, ver PordeusJr. (2009).31.Pordeus Jr. (2000; 2009); Ver tambm discusses acerca desta posio de Pordeus Jr. em Saraiva(2009; 2010a; 2010b).

    32.Existem, em vrias zonas do pas, casas especializadas na cura, sendo que nalgumas delas se realizammesmo cirurgias espirituais, mas neste texto no me vou alongar sobre este aspecto.

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    do pelo guia principal, que, neste terreiro, o guia chefe da linha dos baianos, P deVento; foi igualmente ele quem apontou, apartir do largo grupo de mdiums da cor-

    rente da casa, quem deveria fazer parte dogrupo da cura.A relao entre a biomedicina e a cura

    no terreiro igualmente enfatizada, comono caso de uma das sesses a que assisti.Na conversa prvia, antes da entrada pa-ra a sala de cura, a paciente explicou quesofria de hepatite crnica, que tinha fei-to uma biopsia h uns anos, e que, por tertido os valores hepticos novamente alte-rados nos exames mais recentes, os mdi-cos lhe queriam fazer uma nova bipsia,que ela recusava. O trabalho de cura foicanalizado para o reequilbrio dessa pes-soa, para que nos prximos exames os va-lores hepticos fossem normais, afastandoassim a hiptese de biopsia. A respons-vel pelo grupo de cura explicou expressa-mente doente que se ia fazer um tra-

    balho complementar ao dos mdicos, eajudar a equilibrar o corpo. Na sala ondeo trabalho decorreu, luz das velas e como fundo musical ambiente, a responsvelpelo grupo de cura chamou todos con-centrao, de modo que fossem chamadasas energias positivas na ajuda pacien-te. A sesso durou cerca de 20 minutos, enos dez minutos finais ela colocou as suas

    mos sobre o corpo da paciente, no local(fgado) afectado pela doena.

    Nas sesses de cura distncia, sem opaciente presente, o procedimento basica-mente o mesmo, mas so acendidas tantasvelas quantos os mdiums presentes, e cadamdium tem frente um copo com gua; no

    incio a responsvel explica qual o problemaque afecta a pessoa para quem vo realizar acura, e proclama em voz alta, trs vezes se-guidas, o seu nome e a data de nascimento.

    Na explicao dada pela responsvel pe-lo grupo de cura e pelo pai de santo da ca-sa, eles (mdiums) fazem apenas a concen-trao, que permite a descida espiritual e aaco benfazeja dos espritos guias da casa:

    A cura funciona seguindo o conceito dos

    quatro elementos essenciais: terra, gua, fo-

    go e ar. O copo de gua, alm de servir pa-

    ra descarregar os maus fluidos, serve tam-

    bm para abrir um portal de energia (tal co-

    mo acontece com as velas para o fogo), que

    atrai energias e as direcciona para o objecti-

    vo pretendido, neste caso, a ajuda ao doente

    (C, pai de santo).

    Nas sesses de cura distncia, muitas vezes

    trata-se de casos complexos, como pessoas

    com cancros em estado terminal, em que o

    objectivo da sesso minorar o sofrimento

    da pessoa. No trabalho, a concentrao re-quer que haja priori uma intensa vocao

    para ajudar os outros. A transferncia emo-

    cional tambm importante: Temos de pen-

    sar que essa pessoa poderia ser algum do

    nosso crculo pessoal, um filho, um paite-

    mos de sentir como se essa pessoa fosse um

    nosso, esta uma das chaves do sucesso (C,

    mulher, 41 anos, grupo de cura).

    Nestes trabalhos de cura utilizam-semuitos pressupostos da Nova Era, e mui-tas das pessoas que vm pedir ajuda passa-ram j por outras tentativas de cura, nome-adamente atravs do reiki, ou da prtica dofeng-shui34.

    33.Entidades espirituais que dirigem a casa.

    34. O Reiki uma terapia baseada na canalizao da energia universal atravs da imposio de mos, como objetivo de restabelecer o equilbrio energtico vital de quem a recebe e, restaurar o estado de equilbrio

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    O mesmo acontece com os prpriosmdiums e elementos da corrente. Nogrupo de cura do terreiro de Umbanda deBraga, composto por nove elementos, seis

    deles tm profisses relacionadas com asade, sendo enfermeiros (no activo ouaposentados), terapeutas, ou fisioterapeu-tas. Muitos deles j praticaram reiki e ou-tras formas de interveno holstica sobreo corpo, e sentem que o que realizam naUmbanda no muito diferente do quefaziam anteriormente:

    Fiz o terceiro nvel de reiki. No grupo de

    cura o que fazemos muito semelhante ao

    reiki; por exemplo, a captao de energias, a

    imposio das mose a atmosfera de con-

    centrao muito parecida (M, mulher, 28

    anos, grupo de cura).

    Os pacientes relatam a forma como sesentem durante as sesses e os estados deesprito quando saiem delas, como umagrande calma e paz. Sentem que a cura na

    Umbanda consegue fazer por elas o que abiomedicina no faz, ao mesmo tempo quea englobam numa espcie de conjunto con-ceptual, em que uma srie de novas opesteraputicas se inserem:

    O meia noitemandou-me ir ao bata branca35,

    que me disse que no se podia fazer nada; mas

    com a ajuda dos guias eu vou conseguindo fa-

    zer a minha vida, apesar das muletas (A, mu-

    lher, 49 anos, auxiliar de pedagogia)

    Fui operada s hrnias discais, duas vezes se-

    guidas. O mdico disse-me que nunca pode-

    ria estar mais de vinte minutos seguidos sen-

    tada, e que teria sempre de fazer natao, pa-

    ra desenvolver os msculos entre os discos.Mas no tenho feito exerccio fsico nenhum.

    Agora sou relaes pblicas de uma empresa

    e guio cerca de 200km por dia. Quando saio

    das girasde sbado saio bem, e aguento a se-

    mana. So as entidades da Umbanda que me

    ajudam, seno nunca conseguiria aguentar,

    teria muitas dores de costas. Com a vida que

    levo, os quilmetros que fao e o stress, s

    por causa da ajuda dos guias que eu con-

    sigo (T, mulher, 39 anos, relaes pblicas).

    E ainda: Quando comeamos os tratamen-

    tos percebemos que ficamos presos que

    eles (os guias) chamam por ns distncia.

    Quando estou aflito bato trs vezes com o p

    no cho e chamo o meu guia para me aliviar

    (A, mulher, 49 anos, auxiliar de pedagogia).

    A conjugao de esforos entre a curano terreiro, utilizando a aco dos guias, astcnicas das terapias alternativas Nova Erae a biomedicina tambm referida pelosprprios ritualistas religiosos:

    Quando se est concentrado sente-se uma

    separao, o chamado desdobramento astral,

    o espiritual vai onde ns no chegamos

    quando nos afastamos a pedir auxlio para

    uma pessoa, do astral vm energias que no

    natural (emocional, fsico ou espiritual), eliminar doenas e promover a sade. O Feng Shui uma cor-rente de pensamento de origem chinesa, que defende que, estabelecendo uma relao yin/yang, os ideo-gramas Fenge Shui(respectivamente Vento- yang - egua- yin -) representariam o conhecimento dasforas necessrias para conservar as influncias positivas que supostamente estariam presentes em um es-pao e redirecionar as negativas de modo a beneficiar seus usurios. Quando as pessoas buscam o equil-brio com as foras benficas e as vibraes da natureza, podem gozar de sade, boa sorte e prosperidade.Quando as ignoram e se alinham com influncias nocivas, podem experimentar dificuldades e obstculosque podem se expressar como doenas, m sorte ou indisposio.

    35.Meianoite uma das entidades-guia da casa, que dirige os trabalhos de cura; bata branca o temopelo qual as entidades se referem aos mdicos da biomedicina.

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    se imaginam (A, homem, 65anos, grupo de

    cura, enfermeiro reformado).

    9 Entre uma espiritualidade nova e uma

    jovialidade emocionalPodemos finalizar com uma sntese de

    propostas analticas relativas ao xito que asreligies afro-brasileiras esto a ter em Por-tugal, sobretudo no que diz respeito cura.

    A primeira constatao prende-se coma forma como essas opes religiosas che-garam aos portugueses. Se muitas vezes aaproximao se deu atravs de uma pan-plia de novas alternativas teraputicas co-mo as mencionadas nas entrevistasaro-materapia, gemoterapia, reiki, feng-shui,etc. percebe-se que h sobretudo a atrac-o por novas formas de percepcionar ocorpo que englobam no s a necessida-de de o pensar de uma forma holstica, mastambm de incorporar uma esfera de liga-o com o sobrenatural. Neste sentido, a

    Umbanda permite a incorporao de ver-tentes muito diversas36, fornecendo a teoriae o modus operandi:

    O Povo do Oriente composto de espri-

    tos que actuam de modo efectivo nos pro-

    cessos de curas fsicas, emocionais e espiri-

    tuais. formado por espritos chamados de

    mdicos do astral. Esses mdicos do astral,

    no so necessariamente espritos de m-

    dicos convencionais, como podemos pen-sar. Mas espritos muito, muito evoludos de

    grandes sbios, profundos conhecedores de

    qumica, biologia, psicologia, fsica, medici-

    na oriental, tcnicas de curas milenares com

    uso e domnio da energia mental e espiritual

    sobre energia condensada da matria (Me

    de santo V).

    Procurando ajuda para os vrios estadosde aflio, os indivduos elegem a Umbandacomo uma opo entre vrias, mas que elessentem que actua e que percepcionam como

    qualitativamente superior a outras opes:Os mdicos disseram-me que eu no tinhacura e mandaram-me ir s bruxas pouca

    gente conhece a Umbanda. Tambm j me

    aconselharam outras terapias alternativas. J

    fui a um japons que me disse que ele no

    podia fazer nada, porque eu estava a ser tra-

    tada num templo sagrado, e que estava a ser

    bem tratada, porque esse templo tem uma

    luz muito boa. Claro que ele se referia aqui

    Umbandanas outras terapias alternati-

    vas eles sentem as energias da Umbanda, h

    uma comunicao espiritual, acho eu (A.

    49 anos, auxiliar de pedagogia).

    Em segundo lugar, estas novas formasde pensar o selfe a relao do selfcom osobrenatural permitem um salto qualitativoque a biomedicina e a igreja catlica, am-

    bas hegemnicas sua maneira, no pro-porcionavam. As pessoas sentem-se mara-vilhadas com as novas formas que lhes per-mitem aceder ao contacto com o sobrena-tural directamente, sem intermedirios:

    A Umbanda ajuda-me a ajudar o prximo,

    com a ajuda das entidadesquando no pos-

    so c vir ao sbado no me sinto bem (V,

    homem, 57, tcnico industrial reformado).

    Ao mesmo tempo, tanto clientes comoritualistas religiosos tm conscincia da ne-cessidade e da dificuldade em ultrapassaressas hegemonias:

    Mas no h dvida que tem de haver uma re-

    lao entre a medicina ocidental e as ener-

    giash pases em que isso j feito; h os

    36.Tal como referido por inmeros autores; veja-se por exemplo Birman (1985) e Brown (1999).

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    72 R. Ps Ci. Soc.v.8, n.16, jul./dez. 2011

    hospitais espritas no Brasil e tambm hospi-

    tais nos Estados Unidos que fazem issoSe

    outros fazem, porque que ns c no have-

    mos de fazer? (A, homem, 65anos, grupo de

    cura, enfermeiro reformado).

    preciso muita relao entre ns e a medi-

    cina ocidental. H por exemplo casos de pe-

    dra no rim em que preciso usar o laser, mas

    a irradiao que aqui fazemos tambm pode

    ajudar. O prprio protector vai dizer que

    preciso ir medicina ocidental. Mas no ter-

    reiro, a energia circula, e mesmo sem a pes-

    soa pedir, fica melhor. (me de santo V).

    Em terceiro lugar, temos o facto de queessa relao directa e especial tambmenfatizada pelos prprios ritualistas religio-sos, que valorizam a forma como a Umban-da pode beneficiar as pessoas:

    Mesmo quando no h sada a nossa misso

    aliviar a dor, pedir s foras da luz que dem

    ao paciente o melhor, que o karmadele tole-

    re o sofrimento e lhe d foras; os guias en-sinam-nos a dar o nosso melhor, mesmo sa-

    bendo que a pessoa vai morrer (A, homem,

    65anos, grupo de cura, enfermeiro reformado).

    Por ltimo, importa referir o modo co-mo a construo da relao identitria como Brasil sublinhada37, sobretudo pelos ri-tualistas religiosos. De certo modo, como

    se estas relaes proporcionassem, priori,uma capacidade para fundamentar a novaconceptualizao do corpo e do bem estar,valorizada como qualitativamente superior.O discurso de uma me de santo, oriundado Rio de Janeiro, sobre o trabalho de curaem Portugal, mostra o quanto ela percep-ciona a importncia de ser brasileiro para

    conseguir bons resultados, focando aspec-tos que vo, como de Gilberto Freyre a JosGil (2004), da miscigenao ao ethospesa-do do pessimismo portugus:

    Os brasileiros transmitem mais uma energiaque levanta o seu astral por serem brasi-

    leiros e terem uma viso da vida diferente da

    vossa. O prprio pas (Brasil) tem uma ener-

    gia que transmite isso, muito rpido, o pas

    miscigenado, o racismo combatidoaqui,

    em Portugal h muito a tradio de falar das

    mazelas. Encontra-se algum, pergunta-se

    se est tudo bem e as pessoas contam coisas

    ms, falam sobre as doenas. Tudo isto cria

    uma atmosfera pesada.

    No discurso desta ritualista, observa--se como os brasileiros esto mais aptos acurar, pela leveza da sua postura de vida,e toda a ideia de cura atravs da reposiodo equilbrio vista como uma tarefa maisfcil para um brasileiro. A razo para talprende-se com a prpria concepo de ax,

    que existe de um lado do Atlntico e nodo outro, sendo trazido para Portugal pe-los brasileiros:

    A alegria, a jovialidade emocional que oBrasil tem, e a f que o povo brasileiro temfunciona, e voc consegue sensibilizar al-gum para fazer coisas. Os brasileiros novm c buscar ax, o axdeles est do ladode l do mareles vm para trabalhar.

    Aqui, tenho mais acesso s mazelas pe-sadas do que no Brasil, e isto passa pelofacto de Portugal ter uma histria mais pe-sada, enquanto que no Brasil menos den-so e tem ligao com os karmas.

    medida que o nmero de terreiros au-menta em Portugal, e que o nmero de paisde santo portugueses cresce, resta ver co-

    37.Para alm da relao com o Brasil tambm a relao com frica por vezes enfatizada. Veja-se, a es-se respeito, Pordeus Jr (2000; 2009); Guillot (2007) e Saraiva (2009; 2010).

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    Energias e curas 73

    mo essa construo da relao identitria eprivilegiada com o Brasil se mantm, se de-senvolve ou alterada.

    10 Ritual e transe:cultural e biolgico lusitanos

    A ideia de que a noo de ritual fre-quentemente analisado como representaoda ordem social e cultural tem as suas ra-zes na prpria histria da disciplina antro-polgica. Tal como Greenfield sugere numtexto de 2005, publicado num volume colec-tivo sobre ritual, estas noes estavam pre-sentes nas teses dos evolucionistas do sculoXIX, Tylor, Frazer e no estudo de Durkheimsobre os aborgenes australianos e na con-cepo deste ltimo sobre os ritos e rituaiscomo regras de conduta que prescrevem co-mo uma pessoa se deve comportar na pre-sena de objectos sagrados (GREENFIELD,2005, p. 175). Aps a discusso dos para-digmas Durkheimianos, e a crtica dirigida

    forma como os pressupostos evolucionistasde que a religio iria eventualmente desa-parecer para dar lugar modernidade, Gre-enfield refere outros grandes nomes do es-tudo do ritual na disciplina antropolgicaque no partilharam essas vises, sobretudooriundos da tradio acadmica norte-ame-ricana, tal como Franz Boas e Herkovits, ecomo muitos antroplogos posteriormente

    os seguiram na anlise das influncias afri-canas no Novo Mundo.

    Partindo destas discusses, Greenfieldrefere a importncia da histria na constru-o dos fenmenos culturais, mas tambmsublinha que os aspectos culturais no po-dem nunca ser separados dos organismos

    biolgicos que os fazem existir (GREEN-FIELD, 2005, p. 176).

    O trabalho de pesquisa etnogrfico rela-tivo expanso das religies afro-brasilei-

    ras realizado at data em Portugal retomao que muitos autores tm discutido sobre aimportncia da religio no mundo moder-no (ou ps-moderno). A busca do bem es-tar e da cura uma da vertentes em que ocruzamento entre o biolgico e o cultural, abiomedicina e o religioso, as prticas mdi-cas e as rituais est permanentemente pre-sente, como j havia sido sugerido mesmoem escritos de antroplogos nos finais dosculo XX38. Num mundo tecnologicamen-te avanado, procura-se voltar s razes ea uma viso holstica do corpo e da sade.

    As premissas que Laplantine (2001) co-locou acerca da incapacidade da cinciamdica ser incapaz de enquadrar social-mente o infortnio e a questo do porqueu? continuam de p. As religies afro--brasileiras esto, em Portugal, e o lado de

    outras alternativas com as quais estabele-cem pontes mltiplas (como as acima men-cionadas, relacionadas com a Nova Era oucom orientaes filosficas e teraputi-cas oriundas do Oriente e de outros cantosdo mundo), a cumprir esse papel. Facilita-das por um mundo em que as movimenta-es de pessoas e saberes acelerado, e emque os mecanismos audio-visuais e a inter-

    net funcionam cada vez mais como vecu-los de transmisso de conhecimentos, elasso um exemplo da interpenetrao do re-ligioso com o teraputico, e fornecem umaresposta integral a uma srie de problemase insatisfaesao nvel somtico, social,psicolgico, espiritual:

    38.Ver, por exemplo, o clssico de Laplantine de 1986A antropologia da doena(ver LAPLANTINE, 2001)ou ao compilao organizada por John Hinnells e Roy Porter (1999).

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    a nica interpretao totalizante do social,

    do individual e do universo [], os rituais []

    so a prpria expresso de uma dimenso

    constitutiva da doena e da prpria prticamdica: a relao com o social (LAPLANTI-

    NE, 2001, p. 225).

    Se este autor pensa que, no final do s-culo XX, a f mdica preenche em grandeparte o vazio deixado pelo desencanto comas grandes religies em que no mais cre-mos (LAPLANTINE, 2001, p. 238), no scu-lo XXI, as hipteses e alternativas so mlti-plas e relacionadas, originando cenrios emque saberes africanos se entrecruzam comfilosofias e prticas orientais (como na Um-banda), e em que cada vez mais se procurarepostas que integrem de novo as vrias fa-cetas da vida individual e social. Seguindotambm uma das orientaes fundamentaisdo texto de Hinnels e Porter (1999), qualquerperspectiva holstica no pode ignorar a ba-

    gagem cultural e emocional do paciente. E nessas abordagens holsticas que a ligaoincontornvel entre a religio e a medici-na surgem com mais evidncia, se adoptar-mos a concepo deste autores, que olhampara a religio como mais que um conjun-to de crenas ou uma opo de vida, paraa postularem como uma expresso podero-sa e condicionante da identidade, a incorpo-

    rao de uma tradio de concepes de vi-da ou uma compreenso de valores, priori-dades, esperanas e medos (HINNELS; POR-TER, 1999, p. 14).

    Este texto procurou mostrar algumas fa-cetas e contextualizaes do modo comoas religies afro-brasileiras esto a cumpriressas funes do lado de c do Atlntico.

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    NOTA SOBRE O AUTOR

    Clara Saraiva doutora em Antropologia, Profes-sora da Universidade Nova de Lisboa (UNL), pes-

    quisadora do Instituto de Investigao Cientfica

    Tropical ( Lisboa) e do Centro em Rede de Investi-

    gao em Antropologia (CRIA-FCSH-UNL). Atual-mente realiza pesquisas sobre religies de origens

    africanas em Portugal, no Brasil e na frica.

    Recebido em: 28.06.11

    Aprovado em: 02.09.11