Doc Leonilson Entrevistas

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EFRAIN ALMEIDA LEONILSON EA: Bom, um dos aspectos que foram colocados em conversas com você foi sobre um dos aspectos que eu acho importante da gente pensar o trabalho do Leonilson é uma questão geracional na verdade traz de uma certa maneira no Brasil ele é pioneiro no sentido de trazer algumas questões: o autobiográfico presente em toda obra do Leonilson, a primeira pessoa que também tem uma relação com o biográfico, tem a questão da solidão, tem uma certa melancolia que perpassa toda a obra. Nesse sentido, essas questões me interessam bastante. Na verdade, o trabalho do Leonilson começa a acontecer nos anos 1980, apesar de ele ter uma produção anterior a isso. Desde os anos 1970, começa nos anos 1980 a ter visibilidade e como o Leonilson era ligado a uma geração, chamada "Geração 80", por causa de uma exposição de artes visuais do Parque Lage no RJ. Essa exposição se chamava "Como vai você, Geração 80?". Assim, os artistas da geração do Leonilson ficaram conhecidos como artistas da Geração 80. E também tinha uma questão geracional. O Leonilson era ligado a um grupo de artistas - Leda Catunda, Daniel Senise, Luiz Zerbini -, ligados ao Thomas Cohn, galerista do Rio. E o que é interessante perceber no trabalho do Leonilson é que ele trazia essas questões mesmo: trazer uma certa subjetividade, que no Brasil era colocado meio à margem. Na verdade, havia toda uma discussão sobre a pintura. As pessoas faziam uma relação da pintura dos anos 80 com a pintura alemã, do neoexpressionismo alemão, e com a vanguarda italiana. O Leonilson ia pôr um outro lado que até ele se aproxima... Não é à toa que depois, nas entrevistas, ele fala sobre Bourjois, Palermo. Toda uma geração com outro tipo de pensamento, que era muito mais uma busca por uma subjetividade. Era então assim o trabalho do artista diretamente ligado as questões da vida. Não como um clichê de Geração 80 que queria uma pintura pelo prazer, as pinceladas largas, os trabalhos em grandes dimensões. O Leonilson buscou um caminho oposto, que eram trabalhos pequenos, trabalhos com delicadeza, trabalhos que estavam muito mais voltados para uma ideia de diário. Então, volta aí a questão biográfica, porque a questão do diário no trabalho do Leonilson é muito importante. E a relação dele com literatura, com poesia, não é à toa que o trabalho dele é tão... Ele vai buscar a questão do texto como parte fundamental para o entendimento do trabalho. Então, o texto e imagem no trabalho dele é bastante recorrente. Essa ambiguidade, essa relação entre

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EFRAIN ALMEIDALEONILSONEA: Bom, um dos aspectos que foram colocados em conversas com voc foi sobre um dos aspectos que eu acho importante da gente pensar o trabalho do Leonilson uma questo geracional na verdade traz de uma certa maneira no Brasil ele pioneiro no sentido de trazer algumas questes: o autobiogrfico presente em toda obra do Leonilson, a primeira pessoa que tambm tem uma relao com o biogrfico, tem a questo da solido, tem uma certa melancolia que perpassa toda a obra. Nesse sentido, essas questes me interessam bastante. Na verdade, o trabalho do Leonilson comea a acontecer nos anos 1980, apesar de ele ter uma produo anterior a isso. Desde os anos 1970, comea nos anos 1980 a ter visibilidade e como o Leonilson era ligado a uma gerao, chamada "Gerao 80", por causa de uma exposio de artes visuais do Parque Lage no RJ. Essa exposio se chamava "Como vai voc, Gerao 80?". Assim, os artistas da gerao do Leonilson ficaram conhecidos como artistas da Gerao 80. E tambm tinha uma questo geracional. O Leonilson era ligado a um grupo de artistas - Leda Catunda, Daniel Senise, Luiz Zerbini -, ligados ao Thomas Cohn, galerista do Rio. E o que interessante perceber no trabalho do Leonilson que ele trazia essas questes mesmo: trazer uma certa subjetividade, que no Brasil era colocado meio margem. Na verdade, havia toda uma discusso sobre a pintura. As pessoas faziam uma relao da pintura dos anos 80 com a pintura alem, do neoexpressionismo alemo, e com a vanguarda italiana. O Leonilson ia pr um outro lado que at ele se aproxima... No toa que depois, nas entrevistas, ele fala sobre Bourjois, Palermo. Toda uma gerao com outro tipo de pensamento, que era muito mais uma busca por uma subjetividade. Era ento assim o trabalho do artista diretamente ligado as questes da vida. No como um clich de Gerao 80 que queria uma pintura pelo prazer, as pinceladas largas, os trabalhos em grandes dimenses. O Leonilson buscou um caminho oposto, que eram trabalhos pequenos, trabalhos com delicadeza, trabalhos que estavam muito mais voltados para uma ideia de dirio. Ento, volta a a questo biogrfica, porque a questo do dirio no trabalho do Leonilson muito importante. E a relao dele com literatura, com poesia, no toa que o trabalho dele to... Ele vai buscar a questo do texto como parte fundamental para o entendimento do trabalho. Ento, o texto e imagem no trabalho dele bastante recorrente. Essa ambiguidade, essa relao entre texto e imagem. o que tambm torna ele um diferente entre aquela gerao. E a tem tambm a questo da melancolia, da solido e, principalmente, do discurso amoroso na obra do Leonilson. Assim, na verdade, existem coincidncias entre a minha carreira e a do Leonilson, porque ele do Cear, ele vai morar em So Paulo com poucos anos de idade. Eu tambm sou do Cear, do serto, e depois a Lisette ps... Na poca das entrevistas com a Lisette, para fazer o livro "So tantas as verdades", a Lisette na entrevista faz vnculos com o cordel, relaciona o desenho dele com a xilogravura, pela simplificao do trao, pelo modo de fazer. O trabalho tinha essa aproximao com a xilogravura. E tem a questo dos bordados no trabalho dele, que tambm obviamente, quem do Cear ou quem teve alguma relao, sabe o quanto isso faz parte do cotidiano - essa coisa do fazer artesanal e tal. E ele recupera isso nos bordados, apesar... Ele d vrios ndices da questo do bordado, da linha, dos botes, em trabalhos j dos anos 1980. Na verdade, so meio que trabalho iniciais, que vo indicar o que ele vai produzir posteriormente que so os bordados, assim, so os trabalhos mais conhecidos dele. E esse resgate tambm que ele faz. Como eu falei anteriormente, essa ligao de arte e vida. Assim, na verdade, no existe uma separao entre arte e vida. Da, entra a questo de um discurso amoroso. E entra tambm o momento em que a gente estava vivendo, no ? Na verdade, assim, a gente teve a Gerao 80 que era uma euforia no mercado de arte, uma certa atitude ao trabalho. O trabalho quase... que tinha uma relao com os grupos de msica. a msica com o Rock Brasil. Uma relao com essa gerao e com a pintura. Todo esse movimento. E a nos anos 1990 se evidencia a questo da AIDS. Com o advento da AIDS comea a mudar tambm as relaes de comportamento. Obviamente, isso se reflete diretamente no trabalho do Leonilson, porque como o trabalho dele tem toda essa relao autobiogrfica, obviamente essa ideia da AIDS perpassa. Eu acho que uma grande transformao do trabalho do Leonilson a partir do momento em que essa noo de finitude, n? Em que voc pode morrer a qualquer momento em funo de voc se tornar soro positivo. De uma certa forma, parece que alguns trabalhos j traziam essa noo, aquele trabalho (aponta para uma obra) tem essa... A gente j falou sobre ele. Como que o trabalho antecede meio que uma srie de coisas que vo acontecer com ele posteriormente. E obviamente que tem a uma certa transgresso do trabalho do Leonilson, quando ele resolve lidar com a questo do amor, do afeto, das relaes interpessoais. Obviamente que tudo isso est carregado de novos sentidos, porque afinal de contas existe o sentido de eminncia da morte. Ento, nesse sentido tambm, o trabalho dele comea a ir fundo em questes que quase que contraditoriamente tem uma... O Zerbini fez uma exposio recente no MAM-RJ, o Zerbini era muito amigo do Leonilson, eles dividiram ateli nos anos 1980 ento... Tem uma exposio do Zerbini que se chama "Amor" e ele deu uma entrevista em que as pessoas perguntam: Por que voc resolveu colocar o ttulo da exposio "Amor"? E ele fala na entrevista que porque na verdade o que interessa o amor, o resto arte. Eu acho bonita essa colocao dele, porque durante muito tempo e nesse sentido que acho que o trabalho do Leonilson pioneiro no Brasil que parece que falar sobre afetividade, sobre relacionamentos, sobre relacionamentos mais sofisticadamente sensveis. Ento parecia uma coisa que a arte negava a vida e qualquer possibilidade de voc falar de coisas cotidianas. E obviamente falar sobre amor era a coisa mais proibitiva que havia. Ento, eu acho que essa questo do Leonilson retomar isso e de ir fundo nessa questo do amor, dos relacionamentos, da solido. Esses so aspectos no trabalho dele que realmente criam essa sensao... Pra mim, era algum que estava frente do seu tempo. EA: Um outro aspecto que eu acho interessante na obra do Leonilson a gente pensar no vis poltico da obra. Na verdade, eu acho que impossvel pensar na obra do Leonilson sem pensar no contexto em que ele estava vivendo naquele momento. Ento, quando se fala sobre o aspecto poltico da obra, no tem como voc separar o momento poltico em que ele est vivendo com a produo dele. Ento, no h essa separao. Na verdade, recentemente, eu li um texto do Felix Gonalez-Torres, que um texto absurdamente belo, sensvel, perverso. Esse texto do Feliz fala do momento em que ele estava vivendo em LA, com o namorado Roni, a relao dele com o namorado soro positivo e eles vivendo os ltimos momentos juntos. Eles iam para os museus e galerias juntos, o tempo inteiro, e eles esperavam a hora em que o sol estava completamente dourado para aproveitar a paisagem com essa luz dourada. E em uma dessas idas ao museu eles encontram um trabalho que uma folha de ouro e eles ficam absolutamente apaixonados por essa obra. E o Felix desenvolve todo um texto a partir dessa folha de ouro, falando sobre um campo dourado. Eu estou falando sobre isso porque eu acho que tem uma relao de muita proximidade do trabalho do Leonilson com o do Feliz Gonalez-Torres. A entra o aspecto poltico. Na verdade, o Felix cubano, gay, que vive nos EUA, que tem um namorado soro positivo, que soro positivo tambm, e toda a obra dele em torno da questo biogrfica. S que no caso do Felix um trabalho minimalista. E no caso especfico do Leonilson ele recorre a texto, a um discurso mais figurativo, e a materialidades como vale e a sensualidade do veludo. Todos esses aspectos da materialidade do Leonilson tambm. importante voc entender essa materialidade para voc tambm entender o carter poltico da obra. poltico no sentido em que estou falando de corpo. poltico ento nesse sentido de corpo, de homo erotismo e de relaes em tempos de AIDS. Nesse sentido, o trabalho extremamente poltico. Porque as pessoas sempre esperam de um trabalho poltico que esse trabalho seja panfletrio. Tudo o que o trabalho do Leonilson no , panfletrio, porque ele cheio de delicadezas e sutilezas. preciso voc entender o contexto, a materialidade do trabalho - o significado dessa materialidade. Nesse sentido, um trabalho extremamente poltico.

IMPOSSIBILIDADE DO ENCONTRO NO TRABALHO DO LEONILSONEA: interessante pensar sobre esse aspecto da impossibilidade do encontro no trabalho do Leonilson, porque na verdade ele tinha uma forte relao com a literatura, com a poesia. Ele lia os poetas ingleses, ele tinha grande admirao pelos poetas marginais ingleses. E o trabalho dele tem... Eu lembro de uma entrevista revista Galeria para a Lisette que os trabalhos podiam ser cartas de amor, que era um trabalho, mas que ao mesmo tempo era uma carta de amor. A muito recorrente na obra dele essa impossibilidade do encontro. Da os personagens que nunca se encontram, tem a os desenhos mais interiores dos anos 1970, mesmo os encontros... Tem duas figuras, que no o encontro, esto em uma espcie de luta. Ento, no encontro. sempre muito recorrente no trabalho dele essa impossibilidade o encontro, o que muito ligado a essa ideia do eu-romntico. o absoluto desejo do encontro, mas ao mesmo tempo as impossibilidades do mundo, no ? As impossibilidades de sujeito. As impossibilidades porque cada pessoa um universo. Ento, chegar a um momento em que haja um ponto de contato e sintonia entre esses dois universos para que finalmente eles se encontrem quase que uma impossibilidade. Ento, eu acho que o trabalho dele lida com essa questo do romntico. O romntico que est muito presente na literatura e mesmo isso que acabei de falar. quase que uma impossibilidade e ao mesmo tempo o desejo. O desejo sempre muito maior, muito mais profundo, muito mais grandioso que a prpria vida. A prpria relao do romntico com o mundo j uma relao de impossibilidade, j parte de uma impossibilidade. EA: importante falar sobre um determinado... Eu acho que uma questo histrica mesmo. Eu acho que a partir dos anos 1990 tem essa espcie de ruptura entre toda essa histria anterior que eu falei da Gerao 80, no ? E a vem uma gerao posterior a Gerao 80, que chamada Gerao 90, que acho que vem forte uma srie de questes do Leonilson - o biogrfico, o trabalho confessional, uma certa ideia de fabulao, vem a seguir. E tem um aspecto que eu acho que mesmo uma herana do Leonilson que so os trabalhos confessionais e trabalhos tambm com uma certa delicadeza, com uma escala, que na verdade ele necessita uma certa cumplicidade do espectador para que o trabalho exista. uma espcie como muito recorrente essa ideia de confessional, quase que um sussurro ou um segredo em que ele est contando ao espectador, para que o trabalho acontea o espectador ele tem que entender algo nesse trabalho, tem que se tornar cumplice do trabalho para que esse acontea. Ento, nesse sentido, vem toda essa Gerao 90, se que a gente pode pensar assim, se eles so a gerao posterior a Gerao 80. Eu acho que superior, o artista, o Leonilson um artista fundamental nesse sentido que ele traz todas essas questes. Eu lembro que nos anos 1980 era quase que proibitivo voc fazer trabalhos pequenos, porque os trabalhos tinham que ter uma escala que tinha que ser uma escala monumental. Tinha tambm toda essa relao com a gestualidade do corpo. E a o Leonilson traz esses trabalhos que so muito pequenos, que na verdade o corpo, por ter essa caracterstica da escala, o trabalho faz com que o espectador tenha um outro tipo de relao. Aquele trabalho gigantesco em que voc vai quase que ser engolido pelo trabalho. Na verdade, o trabalho do Leonilson o contrrio. Na verdade, um trabalho que necessita aproximao, um trabalho que necessita percepo de pormenores, de... um trabalho muito delicado, que vai realmente de oposto ao que a Gerao 80 faz. E essa gerao posterior, nos anos 1990, obviamente eles tem uma grande dvida, e no toa que eu falei anteriormente que quase todo mundo nos anos 1990 era Leonilson, pelo menos o desejo de ser Leonilson nos anos 1990.RELAO DO TRABALHO COM FORTALEZAEA: Eu acho que to difcil voc... Mesmo o Leonilson que foi para SP com cinco anos, dois ano de idade, e fica l e depois ele volta, e ele vem vrias vezes aqui. Ele faz alguns trabalhos aqui, Ele vem com o Asdrbal, na poca com a Regina Cas e o Zerbini. Ele volta muitas vezes e ele fica na casa de um amigo, o Batista Sena, e ele faz uma srie de trabalhos l. Eu lembro que quando eu vim acompanhar uma exposio aqui em Fortaleza, aqui no Drago do Mar, que era Portugal - "Portugal, mar sem fim" - eu lembro que eu reencontrei com Fortaleza com uma sensao que era a brisa. Eu lembro que eu sai da montagem, e fui para o hotel, e fiquei muito tempo na janela, e veio uma brisa assim. Aquela brisa na verdade me trouxe uma srie de memrias sobre o tempo que eu morei aqui, que eu estudei aqui, e as minhas relaes com a famlia, com os parentes. como a memria de um perfume, que traz, aquele momento a brisa trouxe para mim vrios flashes de memria. E eu fico pensando que voc exatamente... Voc tudo isso. Talvez a vida seja um pouco a brisa. Talvez eu seja um pouco a paisagem, o serto. Talvez eu seja um pouco a Escola de Artes Visuais. Talvez eu seja Portugal nas milhes de vezes que eu fui l. Eu acho que a histria do Leonilson com Fortaleza exatamente isso: quase que uma, uma relao quase que essencial. Voc nunca de ser voc mesmo. Voc pode viajar, a sua vida pode mudar, mudar, mudar, mas voc voc. E voc essencialmente um determinado momento da vida, talvez entre a infncia e a adolescncia. E eu acho que o trabalho do Leonilson por mais que ele tenha tido uma vivncia em SP, eu acho que o trabalho dele tem uma delicadeza, tem uma potica, tem um jeito que do Cear. Que no adianta... Que no uma tentativa de ser cearense. Entendeu? Voc essencialmente uma coisa, e voc o lugar em que voc nasceu. E eu acho que o trabalho do Leonilson ele est muito ligado a isso. No s pensar em uma questo formal, ou o uso de um material, ou de uma tcnica como o bordado. engraado olhar esse trabalho (obra que est ao fundo) e pensar que um trabalho que ele fez aqui, em Fortaleza. E falando sobre isso, bastante interessante pensar na relao desse trabalho aqui. E na verdade que no trabalho do artista vo sempre sendo acrescentadas camadas. Porque essas camadas elas tem a ver com o amadurecimento, elas tem a ver com o jeito que voc se coloca no mundo, tem a ver com todas as informaes que voc tem. E voc pode pensar que o trabalho esse acmulo de camadas. E no caso do Leonilson exatamente isso: esse acmulo de camadas, mas o Leonilson do Cear, ele um menino que aprendeu a bordar, e tem toda essa relao com o lugar em que ele nasceu. Ento eu acho que pensar isso, e eu acho que essas relaes elas so tambm muito sofisticadas. Na verdade, elas no se do... Tudo bem, voc pode fazer essas relaes formais ou pelas escolhas de materiais, como eu acabei de falar, so bordados inacabados que ele acrescentou outras camadas de sentido sobre esse bordado. Isso , talvez ele tenha precisado passar muitos anos fora de Fortaleza para fazer esse trabalho, porque a ele recupera uma coisa do passado e a ele junta com um outro saber, que o saber do momento em que ele est vivendo. Ento, essas diferentes camadas. Ento, nesse sentido, eu acho que o Cear est presente no Leonilson a vida inteira. No simplesmente pensar de uma maneira rasa ou at mesmo romntica. Porque para mim, por exemplo, muito confortvel saber que o Leonilson daqui. E para mim muito fcil fazer determinadas relaes: eu conheo o jeito de ser, eu conheo o jeito como as pessoas se comportam, eu conheo a relao que as mulheres tem com o trabalho artesanal. Ento, eu posso fazer muitas leituras e posso fazer muitos vnculos disso com o trabalho do Leonilson. Mas o que eu acho mais importante perceber que... O mais importante de tudo a essncia de cada pessoa. E eu acho que o trabalho do Leonilson tem uma essncia. Parece que assim voc vai criando um discurso e depois voc vai sofisticando, sofisticando, sofisticando, sofisticando, sofisticando... E no caso especfico do Leonilson, com a doena, parece que isso acelera essa espcie de aprofundamento do trabalho. Parece que ele vai at uma possibilidade no trabalho. Porque ele tem algo de muita urgncia de vida, de ver e de fazer o trabalho. Nos ltimos dias de vida ele vai profundamente no trabalho, parece que ele amadurece 30 anos assim com o processo dele, porque era muito precioso a relao dele com o trabalho, com a vida... No toa que ele usa pedras preciosas, semipreciosas, porque ele fazia mesmo essa relao de preciosidade com a vida e com o trabalho.

ANA MARIA TAVARESLEONILSON - GERAO 80AM: Interessante, porque a sensao que eu tenho que o Leonilson desestabiliza uma ordem posta em movimento naquela momento, inclusive isso para mim fica muito claro com o fato de ele muito cedo deixar a FAAP. Ele sai da escola e um pouco assim que eu conheo o Leonilson: aquele aluno, aquele cara da faculdade que tinha ido embora para a Europa. Eu cheguei a conhecer o Leonilson nesse ano exatamente, mas eu ouvia falar dele naquele momento. Eu ouvia falar dele, que ele tinha ido viajar com o Zerbini. Ento, essa a lembrana que eu tenho daquela poca. Agora, pensando em retrospecto, a sensao que me d que o Leonilson j tinha dentro dele anseios de ir para uma produo que era muito diferente do contexto realmente. Naquele momento, a FAAP tinha excelentes professores. Todos vindos de uma gerao da arte conceitual ou da arte produzida no Brasil na poca da Ditadura. Enfim, era 1978 e a gente ainda vivia a Ditadura. Ento, era difcil voc ver trabalhos com narrativas muito explcitas. E eu me lembro que voc falar de outros contedos era uma coisa que chegava at a ser mal vista, porque os trabalhos tinham que ter de certa maneira um aspecto mais conceitual e/ou poltico muito claro. As produes dos professores artistas com quem ns convivemos naquele momento eram incrveis, por exemplo, Nelson Leirner, Jlio Plaza, Regina Silveira, Donato Ferrari - que tinha posicionamentos muito claros tambm, o professor Walter Zaninni - produzindo e curando as bienais, diretor do MAC, a Aracy Amaral. extremamente interessante e fornecendo, ali para a gente, informaes e experincias muito incrveis. Acontece que eu acho que talvez nesse contexto o Leonilson no tenha se sentido to vontade e talvez (eu fico pensando) se o Leonilson sentia que deveria ficar no banco da escola e fazer aquele Curriculum todo diante de um mundo a conquistar. Ento, pra mim a experincia dele tenha levado a essa radicalizao no momento em que a pintura ganhava um novo territrio nesse contexto, e em contraponto a esse contexto mais da arte conceitual, e ele v isso acontecendo fora do Brasil. E talvez isso o tenha mobilizado para sasse. Eu no sei de detalhes de outras questes pessoais, mas fico imaginando que isso tenha colaborado para que ele tenha tomado essa deciso. Agora, no contexto da FAAP ou mesmo da ECA, que eram duas escolas mais fortes no momento, de 1978 e comeo dos anos 1980, a gente no tinha cursos muito slidos de pintura. No havia... O que era muito forte na FAAP eram processos foto-mecnicos, ... Bem radicais, no era s a gravura mais tradicional, mas todo tipo de produo conceitual que levava a manipulao desde a fotografia, fotomontagem, processo de litogravura, e uma produo conceitual, seja a produo de objetos. Ento, a pintura no estava naquele momento, no contexto da produo desses artistas, no era oferecida como campo de liberdade. Havia, sim, uma aula de pintura, mas era uma aula de pintura voltada para os modos mais tradicionais. Ento, eu me lembro que, por exemplo, a Leda Catunda vai investir na pintura e as primeiras pinturas que ela faz foram vistas assim como uma coisa muito fora do eixo, porque simplesmente ela vai a 25 de maro e comea a comprar aqueles tecidos, aquelas toalhas, e comea a fazer reestampas e tampar, cobrir, velar, que eram estratgias bastante interessantes do ponto de vista da linha de criao de uma linguagem, mas muito estranhos para o contexto porque era uso de cor, era pintura. Tanto que a gente vai fazer logo em 1983 A Pintura como Meio, que foi uma exposio que aconteceu em um momento interessante. Eu ainda estava na FAAP nos ltimos anos fiz um projeto de uma instalao com pinturas. Essa foi a primeira vez que eu pintei. Mas era um projeto de instalao, com pinturas de mais de 10m recortadas, penduras em painis, de um lado eram planas, e de outro ostentavam volume, iam at o cho com cores muito vibrantes. Eu levei esse projeto lembro que a Regina Silveira falou: Leva esse projeto para a Aracy no MAC. Quando eu levei esse projeto no MAC, a Aracy falou para mim: Poxa, Leda e Srgio Romagnolo acabaram trazer um projeto para exposio de pinturas, vai falar com eles! Ento, Aracy fez essa mediao, e eu fui falar com eles e imediatamente ali a gente viu que tnhamos um campo frtil para uma exposio que acabou se chamando A Pintura como Meio. O Leonilson nesse momento estava fora do Brasil, e eu soube pela Leda que o Leonilson volta para So Paulo e vai ver essa exposio e se encanta pelo trabalho da Leda. E eu tenho a impresso que foi a que eles se conheceram. Mas o contexto, foi um contexto muito construdo, em relao a pintura porque no havia uma base dentro da escola que desse suporte a pintura propriamente dita. Ento, eu acho que a Leda tem uma formao com esses professores que leva a um tipo de pintura que questiona o suporte, que questiona o meio, que vai desestabilizar todo esse conceito do que a pintura tradicional. Enfim, ela vai operar a partir de uma interveno na linguagem. Ento por isso que a exposio se chamava A Pintura como Meio. Ento, vem muito em contraponto ao que estava acontecendo no Rio de Janeiro no Parque Lage, porque a gente se pensava como artistas que utilizavam a pintura como meio, e no como um fim. Ento, esse era o discurso. Enquanto outros artistas se declaravam pintores, a gente estava reivindicando a pintura como meio, no como um fim e no que ns ramos pintores. E sim que ns estvamos ali questionando a prpria linguagem da pintura a partir desses trabalhos. Estavam nessa exposio eu, Ciro Cozzolino, Leda Catunda, Srgio Romagnolo e Srgio Niculicheff. Eu tinha essa instalao que na verdade eram pinturas recortadas, gigantescas, e uma instalao grande dentro do MAC. Ento, assim, o meu contato com o Leonilson vai se dando a partir da. Logo depois, em 1986, eu vou para Chicago fazer o mestrado e o Leonilson retorna e volta vrias vezes. Ele sempre fazia viagens. Mas o que era mais incrvel que o Leonilson para mim... Alis, na verdade, eu reencontro o Leonilson quando eu fui ser entrevistada pela Found Art para fazer essa bolsa de mestrado fora do Brasil. E eu me lembro que o Leonilson na entrevista ele era muito irreverente. Ento, eu posso imaginar o que ele falou para o artista que veio entrevista-lo. Porque a pergunta de fato : o que o Leonilson queria fazer em um curso de mestrado? Quero dizer, uma pessoa extremamente livre, autodidata, e que realmente foi traando e construindo o prprio trabalho completamente fora daquilo que estava acontecendo no momento. Autobiografia, naquele momento, estava completamente fora. E eu me lembro de ouvir textualmente que isso era fora: as narrativas, a autobiografia, porque a gente tambm via movimento por exemplo do movimento muita coisa, que por exemplo foi conquista do movimento feminista americano. Ento, a gente via muita gente produzindo trabalhos de mulher que eram muito fracos. Logo contra essas produes que eram fracas ou que podiam ser por demais a serem narrativas, por demais ilustrativas havia assim uma resistncia a trabalhos que poderiam tratar de outros contedos. A maneira que o Leonilson vai trazer esses outros contedos para o trabalho vai sendo conquistado pouco a pouco. Ele vai desenvolvendo uma linguagem muito atravs do desenho eu acho que o desenho importantssimo para o Leonilson, no s os desenhos, mas tambm tudo aquilo que ele desenvolveu que na poca a gente no tinha acesso. Isso vai aumentando para ele uma possibilidade de fazer snteses na pintura, poticas que at ento a gente no via.LEONILSON LEGADOAM: Ento, sobre as geraes posteriores. Quando o Leonilson comea a fazer esse trabalho e esse trabalho vai se desenvolvendo, vai encontrando uma linguagem que era mais particular, sem as influncias da pintura internacional que aconteceu naquele momento e comea a fazer uma sntese desse trabalho autobiogrfico, muito carregado de poesia. bvio que as novas geraes comeam a se encantar tremendamente por esse tipo de possiblidade. quase como um alvio. Eu lembro que eu dava aula na Faculdade Santa Marcelina e em outra faculdade tambm e a gente comeava a ver artistas, jovens alunos, e pessoas que estavam comeando. Eles comearam a se arriscar mais nessa direo em busca de um tipo de produo e tomar arte nesse campo possvel para uma abertura mais potica e pessoal, trazendo essa narrativas mais pessoais. Eu acho que por um lado, eu lembro, isso bem problemtico, porque bvio que isso vem do Leonilson. Mas ele levou um tempo para chegar nisso, ele foi construindo uma maneira de juntar imagem, desenho, pintura e texto. E esse texto aparece, como esse texto vira desenho. Eu acho que d pra pensar o texto do Leonilson s com o texto. O texto dele desenho muitas vezes. E a pintura texto. Ento, ele foi construindo de uma forma incrvel. E bvio que os artistas jovens ainda no tinham essa medida ou essa sacada. Da geralmente os trabalhos geralmente ficavam autobiogrficos demais. Eu acho o autobiogrfico muito importante, mas o interessante quando esse se torna universal que se possa compartilhar. O que eu via naquele momento para os alunos que era algo quase que teraputico. E era a esse teraputico que os artistas l atrs rejeitavam, e odiavam na verdade. A gente quando fala uma coisa tem que saber falar, tem que saber fazer um salto potico com essa biografia que realmente conecte e interesse s pessoas. Eu penso que se o artista realmente no faz uma passagem para algo que se torne em questes universais no interessa. Ento, essa nova gerao tambm demorou um tempo para digerir tudo isso. E o que a gente via no momento era uma certa cpia, muito que imediata da autobiografia, como algo possvel na arte que era uma coisa muito nova. Eu nunca me esqueo da ltima exposio do Leonilson que eu vi na Capela no Morumbi que foi realmente uma experincia incrvel. E ele um sujeito que a gente tem ainda muito a aprender. Toda vez que voc l ou v um trabalho dele, sempre um novo horizonte que se abre carregado de potica e tambm de crtica. Ele falava de coisas muito importantes, politicamente importantes, de uma forma extremamente potica. Ento, eu acho que esse o legado que ele nos deixou.

RICARDO RESENDEA SOLIDO DOS VULCESRR: A primeira vez que eu tive contato com a obra do Leonilson foi em 1993 enquanto eu estava l no MAC-USP e assistimos uma srie de exposies, organizadas pelo Agnaldo Farias, e era assim sempre dois artistas, em contraponto um ao outro. E eu fui incumbido de ir buscar na casa da Lenice as obras que participariam da mostra. O Leonilson tinha recentemente morrido. Foi exatamente um ms aps a morte do Leonilson. Quando eu cheguei na casa no tinha ningum para me receber. Tinha uma pessoa que abriu a porta e me deixou com um rolo de pinturas do Leonilson. Ento, foi estranho para mim naquele primeiro momento em que eu desfiz aquele rolo. Eu estava sozinho e me sentindo solitrio naquele ambiente silencioso, descobrindo pela primeira vez aquelas obras. Ento, esse foi o meu primeiro contato com o Leonilson. O segundo contato foi quando eu fui trabalhar... O Leonilson teve a exposio So tantas as verdades, na galeria do SESI. Essa foi a primeira vez que eu pude ver o conjunto todo da obra. Mas de verdade o primeiro contato que mexeu comigo foi no Projeto Leonilson, quando eu fui convidado para coordenar o projeto no lugar da Lisette Lagnado. E a gente ficava num apartamentinho pequeno, apertado, e eu cheguei em uma tarde para ver os arquivos do projeto e aquela foi a primeira vez que eu cheguei a mexer nas pastas do Leonilson. Aquilo foi muito forte para mim quando eu comecei a ler as cartas, a encontrar imagens, e eu fechei o arquivo e fui embora. Eu no consegui mais olhar para a produo. Isso foi em 1996, e esse trabalho com o Projeto vem at hoje. Embora eu esteja afastado, ainda ajudo como consultor, sempre que a Lenice precisa ela me liga para a gente trocar ideias e tomar decises. Mas assim a grande experincia foi com a exposio Sob o peso dos meus amores, que foi a oportunidade de fato de trabalhar com todo esse universo do Leonilson, com esses ttulos todos, essas frases, essas palavras todas a que a gente encontra na obra dele. Para mim, um mar de emoes. Eu fiz uma exposio tambm no MAM em So Paulo, em 1998, que se chamava Paisagem Sublime. Essa foi a primeira exposio que eu relacionei a obra do Leonilson a uma curadoria. Na verdade, essa exposio partiu de um trabalho que Se voc sonha com nuvens, que um trabalho doado para o MAM-SP por meu intermdio com a famlia quando eu trabalhava no museu nessa poca. Esse bordado entrou e um dos meus preferidos da coleo. Da a exposio foi pensada a partir desse bordado, uma cruz branca de voile onde est bordada essa frase. Toda a exposio foi pensada a partir desse sugestivo ttulo. BIBLIOTECA LEONILSON E GESTO DO ACERVORR: Outro momento importante que eu tive com a obra, foi quando eu dirigi o Museu de Arte Contempornea do Centro Drago do Mar de Arte e Cultura. Isso aconteceu entre 2005 e 2007. A foi a oportunidade de trazer a obra do Leonilson para c, consegui tambm intermediar com a famlia a doao de uma srie de trabalhos, desenhos, pinturas, bordados. E era um projeto que a gente tinha muito carinho e que estvamos desenvolvendo que era uma biblioteca de Artes na cidade. Essa biblioteca recebeu o nome de Leonilson, por ocasio dessa coleo que foi doada para o Drago do Mar. Acho que tem um sentido muito forte, tanto para a famlia quanto para mim. Para famlia, principalmente, que era como se eles estivessem se recompondo com o Cear, com a obra. O Leonilson se recompondo com o Cear. O QUE POLTICO NA OBRA DE LEONILSONRR: A questo poltica. Acredito que na verdade possamos entrar na questo de gnero da obra do Leonilson. Eu no vejo muito assim o poltico na obra do Leonilson. Talvez parta por essa discusso da sexualidade que foi um conflito para ele a vida toda. Era uma relao conflituosa dele, interna, e tambm com a famlia. E de alguma maneira ele vai levar isso para sua obra, para seus desenhos, pinturas, onde ele vai exorcizar todos esses conflitos. E o que nos deixa de mais valioso talvez, pensando essa discusso sobre a sexualidade atualmente. Mas ele faz isso de uma forma muito amorosa, bonita, romntica. LEONILSON E O CEARRR: Um outro momento que eu tive muito forte com a obra do Leonilson foi quando eu vim para o Cear em 2005 para dirigir o Museu de Arte Contempornea do Centro Drago do Mar de Arte e Cultura. E assim como eu estava desde 1996, eu j vinha acompanhando tentativas de se fazer uma exposio do Leonilson aqui e de doar mesmo obras para c, mas a Lenice no conseguia, presidente do Projeto e irm do Leonilson no conseguia levar isso adiante. Ento, minha vinda para c, foi a oportunidade de fazer esse acerto at com o Cear Leonilson e o Cear. Conseguimos que a famlia doasse esses trabalhos, desenhos, pinturas, bordados, e para homenagear esse gesto da famlia generosa com o museu ns criamos uma biblioteca de arte e na ocasio a demos o nome de Biblioteca Leonilson.

RICARDO BEZERRALEONILSON E FAMLIARB: O Leonilson apareceu na minha vida por conta da Bete Dias, minha esposa, por conta de eles serem primos afetivos. Os pais eram amigos, eram comerciantes, e criaram uma afetividade muito grande entre a famlia da Bete e a famlia dos pais Leonilson. A ponto de a famlia do Leonilson vir morar aqui em Fortaleza, e na ocasio o Leonilson nasce aqui. Eu vim a ter contato com o Leonilson quando eu j estava prestes a me casar com a Bete. O Leonilson sempre teve uma coisa que me dava satisfao de saber. que o Leonilson...RB: Eu conheci o Leonilson a partir do meu relacionamento com a Bete. Como eu falei, as famlias eram muito amigas a nvel de serem considerados como primos. E primos queridos. O Leonilson nasceu aqui, e logo cedo foi para So Paulo. Mas o que me interessa aqui ver o Leonilson j vindo de So Paulo como primo da Bete que vinha para c. O Leonilson est muito ligado a nossa estada e moradia na Maraponga. Imagina o Leonilson morando em So Paulo, aquela metrpole, e tinha horas que ele tinha um vaivm com o pai e Fortaleza virava um refgio. Ele vinha passar frias, espairecer, e tal. A gente pode acompanhar o Leonilson quase que sado da adolescncia mesmo assim at o seu auge, apogeu, artstico. Mas o Leonilson sempre foi visto l em casa como um primo muito amigo, que dava um prazer enorme t-lo em casa. Ele se dava bem com as crianas. Era uma figura leve, sempre rindo, sempre desenhando. Era um prazer enorme. E ele gostava muito de ver a gente. Ento quando o Leonilson chegava, a gente j sabia que ou a gente armava uma viagem com ele ou ele viajava por conta dele. Ento, algumas coisas do Cear esto ligadas ao Leonilson, inclusive a Majorlndia. Eu tinha uma ligao com a Majorlndia e esse era um lugar onde a gente levava o Leonilson aqui e acol. E ele tambm viajava e fez as ligaes de amizade com os artistas locais que quando ele chegava ele tinha aquele grupo de pessoas a quem ele procurava. Inclusive a maioria deles eram artistas e desenhavam juntos, fizeram trocas de obras naquela poca. E de qualquer forma, o Leonilson era aquela pessoa que, quando chegava, ele trazia cor para dentro de casa. Ele trazia um modo de ver que era diferente do que a gente via normalmente. Ele trazia tambm uma atmosfera que nos interessava muito que era as viagens. Ento a gente viajava atravs do Leonilson que ele sempre estava vindo de outro lugar. Principalmente quando ele estava produzindo arte, de forma sria, profissional, tendo decidido que ia ser artista. Ento, o Leonilson comea logo a viajar e viajava pelo mundo todo. E naquela poca a Bete e eu vivamos em um regime de dureza. No dava para a gente viajar. Ento, a gente viajava com o Leonilson. Ele chegava e tinha vindo da Europa e falava dos pases, das pessoas, e mostrava as fotos, os trabalhos. Aquilo dali a gente sempre se transportava pelas palavras dele. Ele andava sempre acompanhado das suas agendas, onde estava tudo ali bem organizado, bem escrito. Aquilo sempre era muito prazeroso, ter o Leonilson. E tinha uma coisa que como eu sempre fui muito ligado msica a casa girava muito em torno de msica. E nesse movimento o Leonilson fez amizade com o Fagner. E aquilo dali foi engraado porque ele estava ligado em torno das artes plsticas, e a casa girava em torno da msica e ele conseguia estar dentro deste meio, fazendo a arte dele e fazendo parte daquilo de uma maneira suave, integrada, harmonizada, que era sempre bom t-lo por perto. E ele sempre trazia pessoas. Que de repente ele ficou amigo de pessoas de So Paulo, como o Flvio Mota da USP. E ento criou-se outras relaes e tudo mais. O Leonilson era um elo de ligao da gente com outras pessoas, outros lugares, outras terras e outra viso da arte. Ento a gente ficava vendo que o Leonilson (eu mesmo enquanto pessoa educada em uma escola de arquitetura) tinha uma simplicidade e aquela alegria que suas obras transmitiam. Essa em uma primeira leitura seria uma lembrana muito boa, imaginar o Leonilson na Maraponga na nossa famlia, vivendo com nossa famlia. Isso so coisas que quando a gente v as exposies, especialmente, a exposio Leonilson Inflamvel, montada no Museu de Arte Contempornea do Centro Drago do Mar de Arte e Cultura. Um aspecto que sempre eu admirei que o Leonilson poderia muito bem dizer que era um artista paulista ou de descendncia l do Norte. Mas ele sempre fazia questo de dizer: eu sou cearense. E isso uma coisa que d orgulho a gente. Saber que aquele grande artista tinha essa natureza de dizer eu sou cearense. Isso sempre foi uma coisa que me deu bastante admirao do nosso querido Leonilson. PRODUO CULTUARAL NA CASA DA MARAPONGARB: Eu preciso reconhecer que realmente no foi por mim ou pela Bete, mas por um conjunto de situaes que levaram a Maraponga nessa perspectiva de 30 ou 40 anos depois a gente v como ela teve uma importncia no contexto cultural da cidade. Com certeza, a parte mais forte foi a msica, porque logo quando ns chegamos o Fagner tinha acabado de brigar com a Philips e precisou vir embora. Quando ele veio embora, era muito melhor ele ficar na Maraponga j que ns estvamos l era muito melhor do que ele voltar para a casa dos pais. Era uma situao. Ele vai para a Maraponga e mora com a gente seis meses. E nesse tempo ocorreu uma das vindas do Leonilson. E quando voc olha algumas fotos com os dois, eles at que tem traos fisionmicos parecidos. Ento a casa alm de ser uma casa onde girava msica vem ainda o Fagner que potencializa ainda mais a parte musical. Ns tnhamos um amigo nosso que se chamava Pierre, que era produtor musical, e ele no comeo de vida. Era tudo muito amador, muito simples. E o Pierre ento as produes eram muito caseiras e no tinha como hospedar os artistas. E o Pierre sabia que l em casa era muito espaoso, e da ficavam sempre alguns artistas conosco. Nesse meio, ficaram conosco o Alceu Valena, Gonzaguinha, Antnio Adolfo.

LENICE DIASRAZES DO LEONLSONLD: Eu sou irm do Leonilson. Eu sou a terceira irm. O papai e a mame se conheceram em um navio indo de Manaus para Porto Velho. Eu acho que as histrias das viagens do Leonilson j comeavam por a. Esse desejo dele de estar viajando. Eles foram para Porto Velho. A mamo ia ser freira. E a quando conheceu o papai se apaixonou. A l em Porto Velho eles foram e acabaram se casando. O papai tinha uma portinha assim porque ele tinha um comrcio. E assim no futuro a mame ajudava o papai nesse comrcio. Era um comrcio de confeco e depois foi aumentando para tecidos. Aos poucos as lojas foram surgindo e crescendo. Nesse ambiente, nasceram meus dois irmos mais velhos. A o papai e a mame ficaram muito preocupados com o tipo de educao que eles estariam dando para a gente l em Porto Velho. Tinha o nosso padrinho, o Wilson Dias, que era viajante e tambm vendia material para o papai l e que conseguiu convenc-los (aos meus irmos e ao papai e a mame) para a gente vir para c, para Fortaleza. Quando eles vieram para c, nasci eu e depois de cinco anos nasceu o Leonilson. Ento, a nossa histria de viagens e de percursos comeou a partir da. S que ficava muito difcil para o papai. Assim, ele tinha comrcio em Porto Velho, vinha para c para ficar um pouco com a gente e tinha que ir para So Paulo para fazer as compras das lojas. Ento, esse tringulo comeou a ficar muito cansativo. A ele resolveu cortar essa cidade de Fortaleza por conta desse desgaste que tinha. Ento, ns mudamos para Porto Velho e passamos mais um ano l para papai se organizar e mudarmos para So Paulo. Ento, essa foi um pouco a histria. E apesar de a gente ter ido para So Paulo, a gente tinha esse padrinho e a famlia dele como se fosse a famlia da gente tambm. Ento, ns ramos sempre muito bem vindos aqui em Fortaleza e eles muito bem recebidos l em So Paulo. A gente fazia nossas viagens de frias. Ento, desde de pequenininhos esse contato com Fortaleza no foi interrompido. A gente s deixou de morar aqui, mas vnhamos muito para c e eles tambm iam muito para l. LEONILSON E AS PRIMEIRAS EXPERIMENTAES EM ARTELD: Eu acho que tambm teve a histria. Quando o papai comeou a organizar a nossa mudana de Porto Velho para So Paulo, ele andou pesquisando tambm os lugares em que ele tinha amigos e pessoas conhecidas. A a Vila Mariana era meio que o eleito das pessoas de Porto Velho e das pessoas de Fortaleza, elas iam para l. Ento, esses prprios amigos j conseguiram um espao, uma casa para a gente morar. A gente fez um teste e ficamos morando em uma casa alugada durante um tempo. Quando o papai viu que a gente estava realmente assentado e tal, a ns partimos para comprar nossa casa. Eu acho que a situao do Leonilson de comear a trabalhar com arte e essas coisas veio desde de pequenininho, porque se a mame queria que o Leonilson ficasse quieto ela dava lpis e papel para ele e a pronto. Quando foi mais ou menos que ele tinha uns 11 ou 12 anos, a ele comeou a pedir que ele queria participar da escola Pan-americana. No incio ele fez vrios cursos l, no incio de criana, de adolescente, mas ele foi fazendo uma formao at ele ter mais ou menos os 18 anos. Com 18 ou 19 anos ele teve um perodo que no conseguiu estudar muito, apesar de ele ter ido para um colgio de padres (naquela poca era separado colgio de freiras era para mulheres e colgio de padres era para homens). Ele estava em um timo colgio, que era o Arquidiocesano, mas ele no conseguia (apesar de ser muito inteligente) ficar nas aulas). Ento, era sempre chamado ateno. A quando foi para o colegial ele resolveu que queria fazer um curso de turismo para ele poder concluir o colgio para ele poder fazer a faculdade. A ele fez o curso de turismo. Ns temos inclusive umas fotos interessantes que era do Leo na poca do curso de turismo vindo fazer um congresso aqui em Fortaleza ( bem legal est l Congresso e tal do Cear). Ento, ele continuava aproveitando as coisas aqui em Fortaleza. Depois, ento, ele entrou na FAAP. Ele fez uns dois trs anos na FAAP. E tambm ele no conseguiu aguentar. Ele achava que era muita coisa. Tinha os professores que ele gostava, e tinha outros que ele abominava e achava ridculo aqueles professores fazerem parte da equipe de Arte. A ele resolveu abandonar a FAAP. Ele resolveu... Ele tinha um carro, que o papai tinha dado, e ele vendeu esse carro e ele resolveu ir a Espanha. Levou os desenhos dele debaixo do brao e, quando ele chegou na Espanha, ele encontrou com o Antnio Dias que era amigo de um amigo dele. A o Antnio Dias logo o apresentou a uma serie de galerias. Ele comeou a vender tambm os trabalhos dele a essas galerias. A ele conheceu o Cludio Murilo que era da Casa Brasil l em Madri. A o Cludio viu aquele rapaz e j convidou para ir morar l que disse no ter condies, no vou ter dinheiro para morar. O Cludio ento disse que ele trabalhasse, vendesse alguns quadros. Quando voc vender, voc paga. A o Leo ficou na Casa Brasil durante algum tempo. Ele fez as primeiras exposies, dele mesmo, individuais l na Casa Brasil. A ele no parou mais de estar viajando, de estar produzindo. Ele ia, mas tambm no conseguia ficar. Ele sentia saudades. Ele sentia saudades da gente. Ele sentia saudades dos amigos. E acho que ele sentia saudades do Brasil, apesar de muitas crticas que ele fazia. Mas ele sempre voltava. Ele no conseguia ficar por l. AMIZADELD: Eu acho que uma coisa muito interessante. Quando ele foi para a Espanha, o Luiz Zerbini tambm tinha ido para l. Ento, meio que ele tambm foi para encontrar o Zerbini. E eles trabalharam muito juntos l. Inclusive tiveram algumas exposies juntos. Quando ele voltou para o Brasil, ele dividiu ateli com o Zerbini e tambm ele foi aos poucos conhecendo o outro grupo dele. O tal do grupo da Gerao 80. Ento, ele conheceu a Leda. Ele pediu para ser apresentado para a Leda. Ele conheceu a Leda. Nesse meio tempo, quando ele voltou da Espanha, tambm ele j deixou de morar na casa dos meus pais para ir morar em uma casa que acabou sendo a casa-ateli dele que ficava a meia quadra da casa do papai e da mame. E nesse lugar ele comeou a receber amigos e alguns amigos acabaram ficando e morando com ele. Por exemplo, o Zerbini, o Srgio Romagnolo, o Ciro Cozzolino. Ento, era uma repblica de artistas, de gente envolvida com essa parte das artes. Mas ele conseguiu manter muito essa amizade. um negcio interessante, porque s vezes as pessoas ficam olhando os trabalhos do Leonilson e dizem: nossa, ser que ele era muito depressivo? A eu digo: gente, no tinha um dia que o Leonilson no se encontrasse com um amigo, que ele no fosse almoar, que ele no fosse jantar com algum ou que ele no desse uma passada l em casa. uma pessoa que se voc for ver a agenda dele, era uma pessoa repleta de contatos. A ele tinha aquele grupo de amigos mais firmes. Aqui em So Paulo era a Leda e o Srgio. Eles trabalhavam juntos, eles viviam juntos, passeavam juntos. Viajavam para o rio e l eles encontravam com o Luiz Zerbini, eles encontravam com o Daniel Senise. Ento, era aquele grupo que trocava muito. Trocavam experincias e assim. Eram amigos mesmo. Aquelas pessoas sempre muito prximas a ele. BORDADO E CULTURA CEARENSELD: A histria do bordado vem da mame, do quarto de costura, de a gente costurando e ele por ali mesmo. Ele pegava um retalhinho, pegava alguma coisa, e ficava brincando. O primeiro bordado do Leonilson que a gente tem um registro ele tinha uns 14 ou 15 anos. o Mirrow, que na verdade uma manga de jaqueta jeans na qual ele coloca uns olhinhos ali e um feltro. Foi feito em uma praia, na casa de uns amigos dele. Depois de vez em quando ele fazia o uso de um bordado, de alguma coisa. Eu acho que junta tudo. Eu acho que difcil voc determinar o que deu origem aos bordados do Leonilson. Tem toda essa situao familiar, de casa, tem essa situao daqui em Fortaleza que ele ficava vindo. Eu acho que a situao dos bordados no era s na casa da minha me. Na casa da minha madrinha aqui, tambm tinha essa situao dos bordados. Eu acho que ele ia e via todas essas coisas. E os tecidos. Ele s vezes acompanhava o papai porque ele queria comprar um tecido ou alguma outra coisa. Ele acompanhava o papai tambm nessa...