Didatica I - para o Ensino Superior

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    Christiane Martinatti Maia

    Maria Fani Scheibel

    DIDTICA I

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    2010 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escritodos autores e do detentor dos direitos autorais.

    Capa: IESDE Brasil S.A.

    Imagem da capa: Istock Photo

    M 217 Maia, Christiane Martinatti; Scheibel, Maria Fani. / Didtica I. /Christiane Martinatti Maia; Maria Fani Scheibel. Curitiba :

    IESDE Brasil S.A., 2010.204 p.

    ISBN: 978-85-387-0224-5

    1. Prtica de ensino. 2. Didtica. 3. Educao Linguagem didtica. 4.Ensino Didtica. 5. Educao Metodologia. I. Ttulo. II. Scheibel,Maria Fani.

    CDD 370.733

    IESDE Brasil S.A.

    Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200Batel Curitiba PR0800 708 88 88 www.iesde.com.br

    Todos os direitos reservados.

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    Doutoranda em Educao e Mestre em Educao, comnfase em Educao Especial pelo Programa de Ps-gra-duao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS). Especialista em Psicopedagogia Institucional eClnica pela Faculdade Porto-Alegrense (FAPA). Graduadaem Pedagogia pela UFRGS.

    Doutora em Educao pela Universidade Pontifcia deSalamanca na Espanha (UPSA). Mestre e Especialista emPlanejamento na Educao pela Universidade Federaldo Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduada em Pedagogiapela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul(PUCRS).

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    SumrioDidtica, identidade profissional e contextualizaoda prtica docente ..................................................................................................9

    Didtica: aspectos histricos ................................................................................................................. 9

    Didtica: concepo e objeto .............................................................................................................10

    A didtica e a construo da identidade profissional ................................................................. 12

    A didtica na formao de professores ...........................................................................................13

    Didtica e fazer pedaggico: questes atuais ...............................................................................17

    Escola e professor: funo social .....................................................................25A funo social da escola e dos professores ................................................................................... 25

    Funo social da escola .......................................................................................................................... 26

    Funo social do ensino e suas implicaes didtico-pedaggicas:viso de homem ......................................................................................................................................28

    Funo social do ensino e suas implicaes didtico-pedaggicas:viso de sociedade e educao ..........................................................................................................33

    Planejamento I .......................................................................................................41Planejamento X plano: conceitos e abordagens ......................................................................... 41

    O Projeto Poltico Pedaggico .................................................................. ..........................................46

    Plano de aula e pedagogia de projetos ........................................................59

    Plano de aula..............................................................................................................................................59

    Plano de aula e planejamento de aula .............................................................................................67

    Pedagogia de projetos ...........................................................................................................................70

    Projetos de trabalho versuscentros de interesse .........................................................................73

    Currculo: implicaes didtico-metodolgicas ........................................81

    Conceitos ..................................................................................................................................................... 81

    Currculo formal, currculo em ao e currculo oculto ............................................................. 89

    Temas transversais e currculo ................................................................ ............................................91

    Currculo: multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade,transdisciplinaridade e contextualizao .......................................................................................95

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    Projetos de trabalho na Educao Infantil ................................................105

    Construindo a infncia: mltiplas imagens! .................................................................................105

    Projetos de trabalho ..............................................................................................................................108

    Projetos de trabalho nas sries iniciais .......................................................123

    To igual e to diferente: nossos alunos... .....................................................................................123

    O que refletem os projetos de trabalho? ......................................................................................124

    Projetos de trabalho e currculo .......................................................................................................125

    Algumas propostas de trabalho .......................................................................................................127

    Sintetizando... .........................................................................................................................................130

    Avaliao: perspectivas atuais ......................................................................137

    Histrico da inteligncia: trs pressupostos associados definio de inteligncia ....137

    Teoria das inteligncias mltiplas ....................................................................................................138

    Avaliar na escola ....................................................................................................................................141

    Parmetros Curriculares Nacionais e temas transversais:tecendo fios ........................................................................................................153

    Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil ........................................................153

    Parmetros Curriculares Nacionais e temas transversais para as sries iniciais ...............157

    Parmetros Curriculares Nacionais e temas transversais: tecendo crticas .......................159

    Tecnologias da informao e prticas educativas ..................................167

    Tecnologias da informao e prticas educativas .....................................................................167

    Teoria histrico-cultural ......................................................................................................................170

    Letramento ...............................................................................................................................................171

    Os espaos da escrita ...........................................................................................................................172

    Propostas educativas: MSN, Orkut, chatse blogs........................................................................173

    Gabarito .................................................................................................................181

    Referncias ...........................................................................................................187

    Anotaes .............................................................................................................203

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    Apresentao

    Aprender descobrir aquilo que voc j sabe. Fazer demons-

    trar que voc sabe. Ensinar lembrar aos outros que eles sabem tanto

    quanto voc. Somos, todos, aprendizes, fazedores, professores.

    Richard Bach

    O que o aprender? O que o ensinar? Qual a relaoentre ensino e aprendizagem? So esses os principais ques-tionamentos presentes neste livro.

    Questionamentos a serem problematizados e discu-tidos em diferentes correntes epistemolgicas e paradig-mticas. Apresentando, deste modo, vrias vises sobreensinar e aprender, ou seja, mltiplos olhares/paisagens,escutas/sons fazem parte deste livro.

    Mltiplos caminhos para tornar-se e ser professor;caminhos tericos e prticos sero discutidos, pois quem

    ensina aprende e quem aprende ensina. E esta a belezado processo educativo: a capacidade de transformao, acaracterstica dinmica do fazer educativo.

    Um fazer educativo que pode ser instigante, colori-do, problematizador, mediador e que se constitui em umaprtica alicerada na teoria: cativante, desafiadora, mutan-te, dialtica.

    Um fazer educativo calcado nas concepes intera-

    cionista e sociointeracionista de ensino que problematizaplanejamento, metodologia e avaliao. Que busca umprofessor tico, moral que alm de conceituar cidadania,mostra como ser cidado e estabelecer de forma prtica abusca por uma sociedade mais justa liberta, libertadorae, acima de tudo, plural, valorizando as diferenas, as di-versidades presentes dentro e fora dos muros da escola.

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    Deste modo, os captulos deste livro buscam discutira pluralidade presente no espao educativo e sua relaocom o nosso fazer pedaggico, com nossa construo pe-

    daggica, nosso ser professor: a historicidade da didtica; aprofissionalizao docente; as tendncias pedaggi-cas; a funo social do professor e da escola; o planeja-mento; currculo; avaliao; projetos de trabalho,entreoutras questes.

    Cada captulo do livro visa (re)apresentar novas pos-sibilidades epistemolgicas para a mudana necessriaem nossa prtica docente e cotidiana, que procure (re)

    encantar no somente a educao, mas tambm a ns,profissionais da educao um profissional que acolhen-do a teoria transforma sua prtica, visualizando as diferen-tes histrias de vida presentes na sua sala de aula, no seucotidiano escolar. E assim, acolhendo a diversidade, mo-difica a si mesmo, podendo, deste modo, alm de ensinar,aprender, frente s novas paisagens que se vislumbram nocotidiano pedaggico.

    Uma boa caminhada para todos vocs, caros(as)alunos(as)! Que as novas paisagens possam ser contem-pladas, respeitando-se as diferenas, as necessidades demudana e principalmente, a educao!

    Bons estudos, bons questionamentos!

    Christiane Martinatti Maia

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    Didtica, identidade profissional

    e contextualizao da prtica docente

    Maria Fani ScheibelEsta aula abordar a concepo e o objeto da didtica, a identidade do professor

    e discutir as diversas prticas pedaggicas, enfatizando a viso crtica e transforma-dora. Os objetivos desta aula so: construir um marco epistemolgico e terico para a

    prtica e a identidade profissional docente; contextualizar a prtica docente, conside-rando seus entrelaamentos sociais, polticos, econmicos e culturais; provocar umareflexo sobre as origens da didtica e sua funo mediadora na construo da identi-dade profissional; destacar aspectos significativos na formao de professores; analisara relao entre teoria e prtica no fazer pedaggico.

    Didtica: aspectos histricos

    A palavra didtica (do grego didaskein) pode ser definida como arte ou tcnica deensinar. O vocbulo referido um adjetivo derivado do verbo didsk, que indica a reali-zao lenta atravs do tempo, prpria do processo de instruir. Eruditio didascalia(Hugode San Vctor, sculo XII), De disciplinis(Juan Lus Vives, sculo XVI) e Aporiam didactici

    principio(Wolfgang Ratke) so os primeiros tratados sistemticos sobre ensino.

    O marco no processo de sistematizao da didtica, contudo, a Didactica Magna,escrita em 1638 pelo tcheco Jan Ams Comenius (1592-1670). Comenius viveu numdos perodos mais conturbados da Europa, com longas e contnuas guerras religiosas: atransio da Idade Mdia para a Idade Moderna. Os profundos sofrimentos pelos quais

    passou levaram Comenius a buscar alternativas para educar melhor o ser humano e,assim, possibilitar-lhe uma vida mais digna.

    Para Comenius, a educao era o caminho para criar um ser humano e uma so-ciedade melhor. Alm da Didactica Magna, Comenius escreveu Orbis Sensualium Pictus(1658). Atualmente, Comenius considerado pai da Pedagogia Moderna. A Didacti-ca Magnapopularizou a literatura pedaggica e trouxe uma proposta de reforma daescola e do ensino, lanando [...] as bases para uma Pedagogia que prioriza a arte de

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    ensinar (DAMIS apudOLIVEIRA, 1998, p. 45). Comenius chamou essa arte de ensinarde didtica, em oposio ao pensamento pedaggico que prevalecia at ento, ouseja, s ideias conservadoras da nobreza e do clero.

    Na Didactica Magna, a inteno de Comenius foi oferecer um mtodo ou uma artede ensinar que, em virtude de sua pretendida universalidade, deveria ser um artifcio

    universal de ensinar tudo a todos (COMENIUS, 1954, p. 33). Assim, ele introduziu nocenrio pedaggico a nfase nos meios e no processo, deixando em segundo plano aformao de um homem ideal o que vinha, at ento, sendo fundamental.

    As contribuies de Comenius foram muito importantes para a Pedagogia e paraa sociedade da poca, que via nascer e se fortalecer o sistema de produo capitalista.Esse sistema exigia que o ensino se voltasse para o mundo da produo e dos neg-cios, contemplando o desenvolvimento das capacidades e os interesses individuais.

    Didtica: concepo e objeto necessrio pensar a didtica para alm de uma simples renovao nas formas de

    ensinar e aprender. O desafio no reside somente no surgimento ou criao de novosprocedimentos de ensino, ou em mais uma forma de facilitar o trabalho do educadore a aprendizagem do educando. Mais do que isso, a didtica tem como compromissobuscar prticas pedaggicas que promovam um ensino realmente eficiente, com sig-nificado e sentido para os educandos, e que contribuam para a transformao social.

    Garcia e Garcia (apudOLIVEIRA, 1988) definem a didtica como a rea do conheci-mento que, embora se utilize de conquistas de outras reas, estando inserida no troncocomum das cincias da educao, tem objeto prprio, definindo-se como a cincia doensino. De acordo com Libneo (2006) a didtica tem um ncleo prprio de estudos: arelao ensinoaprendizagem, na qual esto implicados os objetivos, os contedos, osmtodos e as formas de organizao do ensino.

    Nos dias atuais, a didtica tem sido relacionada fortemente com questes que en-volvem o desenvolvimento de funes cognitivas, visando a aprendizagem autnoma,o que se pode chamar, segundo Libneo (2006),

    [...] de competncias cognitivas, estratgias do pensar, pedagogia do pensar etc. Do ponto de vistadidtico, a caracterstica mais destacada do trabalho de professor a mediao docente pela qual elese pe entre o aluno e o conhecimento para possibilitar as condies e os meios de aprendizagem.

    A esse respeito, Libneo (2006, p. 2) diz que:

    Tais condies e meios parecem poder ser centrados em aes orientadas para o desenvolvimentodas funes cognitivas. Em razo disso, a didtica precisa preparar-se melhor para responder estasindagaes: como um aluno pode aprender, de um modo que as aprendizagens sejam eficazes,

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    duradouras, teis para lidar com os problemas e dilemas da realidade? Como ajudar as pessoasa desenvolverem suas capacidades e habilidades de pensar? Que papel ou que intensidade tmnesses processos o meio exterior, i.e., o contexto concreto de aprendizagens? Que recursos cogniti-vos ajudam o sujeito a construir significados, ou seja, interpretar a realidade e organizar estratgiasde interveno nela?

    Davdov (apudLIBNEO, 2006, p. 3) complementa, afirmando:

    Os pedagogos comeam a compreender que a tarefa da escola contempornea no consiste emdar s crianas uma soma de fatos conhecidos, mas em ensin-las a orientar-se independentementena informao cientfica e em qualquer outra. Isso significa que a escola deve ensinar os alunos apensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporneopara o qual necessrio organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento. Chamemos esseensino de desenvolvimental.

    Conforme Libneo (2006),

    [...] isto traz implicaes importantes para o ensino, pois se o que est mudando a forma comose aprende, os professores precisam mudar a forma como se ensina, respeitando-se o princpioda subordinao do ensino aos modos de aprender. A preocupao mais elementar da didtica,

    hoje, diz respeito s condies e modos pelos quais os alunos melhoram e potencializam suaaprendizagem. Em razo disso, uma didtica a servio de uma Pedagogia voltada para a formaode sujeitos pensantes e crticos dever salientar em suas investigaes as estratgias pelas quaisos alunos aprendem a internalizar conceitos, habilidades e competncias do pensar, elementoscategoriais, modos de ao, que se constituam em nstrumentalidades para lidar praticamentecom a realidade: resolver problemas, enfrentar dilemas, tomar decises, formular estratgias deao.

    Para Libneo (1994), a didtica, um dos ramos de estudo da Pedagogia, investigaos fundamentos, as condies e modos de realizao do processo de ensino, basean-do-se numa concepo de homem e sociedade. Cabe didtica converter objetivossociopolticos e pedaggicos em objetivos de ensino, alm de selecionar contedos e

    mtodos de acordo com esses objetivos, a fim de estabelecer vnculos entre ensino eaprendizagem.

    Luckesi (1994), por sua vez, afirma que a didtica configura-se como o direcio-namento imediato da prtica do ensino e da aprendizagem, articulando proposiestericas com prtica escolar. A didtica, para o autor, a mediao necessria paratransformar teoria pedaggica em prtica pedaggica. Para ele, na didtica que con-cepes tericas estudadas em disciplinas como Filosofia da Educao, Sociologia daEducao, Psicologia da Educao, Histria da Educao, entre outras, concretizam-se

    historicamente.O objeto de estudo da didtica o processo de ensinoaprendizagem, que, se-

    gundo Candau (1984, p. 13) est sempre presente, de forma direta ou indireta, no re-lacionamento humano. Para Andr (1997), o ensino consiste no planejamento e naseleo de experincias de aprendizagem que permitam ao aluno reorganizar seusesquemas mentais, estabelecendo relaes entre os conhecimentos que j possui e osnovos, criando novos significados.

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    O aprender, por sua vez, um processo essencialmente dinmico, que requer doaluno a mobilizao de suas atividades mentais para compreender a realidade que ocerca, analis-la e agir sobre ela, modificando-a.

    A didtica e a construo da identidade profissionalNa viso de diferentes autores, a identidade profissional um processo de constru-

    o do sujeito historicamente situado. A profisso de professor, como as demais, emergeem dado contexto e momento histrico, respondendo a necessidades da sociedade.Assim, algumas profisses desaparecem, enquanto outras surgem.

    A esse respeito, leia o texto a seguir.

    Profisso tropeiro(ALVES, 1983, p. 10-11. Adaptado.)

    Naquele tempo, tropeiro era dono de empresa de transportes, que com atropa de burros conduzia manadas de gado, cavalos, bois. Eles dependiam das tri-lhas estreitas, onde os locais eram ermos e isolados, que morreram quando o asfal-to e o automvel chegaram.

    O fato, entretanto, que o tropeiro desapareceu ou se meteu para alm dacorreria do mundo civilizado, onde a vida anda ao passo lento e tranquilizante dasbatidas quaternrias dos cascos no cho...

    Como esta, outras profisses foram sumindo devagarzinho.

    Muitas profisses no chegaram a desaparecer, mas se transformaram, adequan-do-se e adquirindo novas caractersticas para responder a novas demandas da socie-dade. Esse o caso da profisso do professor. Em uma escola que colabore para osprocessos emancipativos da populao, que professor se faz necessrio? E como se da construo da identidade profissional desse professor?

    A construo da identidade profissional do professor baseia-se em alguns fatores,tais como:

    significao social da profisso;

    reviso constante dos significados sociais da profisso;

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    reviso das tradies;

    reafirmao de prticas consagradas culturalmente e que permaneceram sig-nificativas (resistente a inovaes);

    significao conferida pelo professor atividade docente no seu cotidiano (a

    viso de mundo do professor);rede de relaes com outros professores, em escolas, sindicatos e outrosagrupamentos.

    Vale lembrar que todos os professores sabem o que ser professor. nos cursosde formao que o futuro profissional se defronta, mediante diferentes situaes decunho tcnico e prtico, com condies para a construo de sua identidade profissio-nal. A esse respeito, Pimenta (1997, p. 43) assim se posiciona:

    O desafio, ento, posto para os cursos de licenciatura o de colaborar no processo de passagem dos

    alunos de seu ver o professor como aluno ao seu ver-se como professor. Isto , de construir a suaidentidade de professor. Para o que os saberes da experincia no bastam.

    A didtica na formao de professoresConforme Libneo (1994), a formao do educador inclui as dimenses terico-

    cientfica e carter tcnico-prtico.

    Dimenso terico-cientfica: formao acadmica especfica (Lnguas, Hist-ria, Geografia, Pedagogia, Educao Fsica, Qumica, Artes Visuais, Matemtica,Biologia, entre outras) e formao pedaggica (Filosofia da Educao, Sociolo-gia da Educao, Histria da Educao, entre outras).

    Dimenso de carter tcnico-prtico: formao especfica para a prtica do-cente (Didtica, Metodologia, Pesquisa Educacional, Psicologia da Educao).

    Pode-se ver, nessa perspectiva, que a formao do educador pressupe uma per-manente inter-relao entre teoria e prtica, com a teoria se vinculando aos problemasreais que surgem na prtica e a prtica sendo orientada pela teoria. A didtica, nessecontexto, representa a mediao entre essas duas dimenses.

    Segundo Alarco (2003), a finalidade do ensino da didtica aparece associada preparao do futuro professor para a sua atuao pedaggica a iniciar-se, geral-mente, atravs do estgio pedaggico. O objetivo do ensino de didtica, portanto, equipar o aluno, futuro professor, com instrumentos tericos que funcionem como re-cursos a serem mobilizados em situaes concretas da atuao pedaggica. O ensino dedidtica na formao de professores tem por objetivo conscientizar os alunos quanto

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    s concepes e conceitos referentes s disciplinas a serem ministradas e ao modo deas ensinar.

    Luckesi, no texto Educao e Sociedade: redeno, reproduo e transformao,escreve sobre o sentido que pode ser dado educao na sociedade. O autor afirmaque para o professor agir com um nvel significativo de conscincia na sua prtica do-

    cente, precisa compreender o significado filosfico que d noo a essa prtica e o sig-nificado poltico que direciona sua ao pedaggica. Dependendo desses dois senti-dos, a educao pode ser classificada como redentora, reprodutoraou transformadora.

    Educao como redeno da sociedade

    A concepo da educao como uma instncia social redentora da sociedade vista, segundo Luckesi (1994, p. 38), como integrando harmonicamente os indivduosno todo social j existente. De acordo com tal conceito, a educao tem poder de redi-

    mir a sociedade, investindo esforos nas novas geraes, formando mentes e dirigindoaes dos educandos. Essa concepo entende que a educao a instncia que atuasobre a sociedade corrigindo desvios.

    Embora a concepo de educao redentora no contextualize a educao na so-ciedade de forma crtica, ela ainda est presente em prticas de professores que, inge-nuamente, consideram seus atos isentos de comprometimento filosfico e poltico. Aao pedaggica fundamentada nessa concepo otimista e admite que a educaotem poderes quase que absolutos sobre a sociedade.

    Educao como reproduo da sociedade

    Conceber a educao como reproduo da sociedade significa considerar que elafaz parte da sociedade e reproduz o modelo social vigente. Tal tendncia mostra-secrtica em relao ao entendimento do papel da educao na sociedade, mas sugereque ela submete-se aos condicionantes econmicos, sociais, polticos e culturais.

    Educao como transformao da sociedadeO entendimento da educao como fator transformador configura-se como a

    mediao de um projeto social. Contrapondo-se s tendncias anteriores, a educaotransformadora no redime nem reproduz a sociedade, mas serve de meio, ao lado deoutros meios, para realizar um projeto de sociedade; projeto que pode ser conservadorou transformador (LUCKESI, 1994, p. 48).

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    De acordo com essa concepo, a educao age de acordo com condicionantessociais e atua estrategicamente para a transformao da sociedade. Nesse sentido, aeducao configura-se como uma entre outras instncias sociais, que se esforam pelatransformao da sociedade em seus aspectos polticos, sociais, econmicos e cultu-rais. Quanto a essa concepo, Luckesi destaca ainda que [...] importa interpretar aeducao como uma instncia dialtica, que serve a um projeto, a um modelo, a um

    ideal de sociedade (LUCKESI, p. 49).

    A educao medeia esse projeto, ou seja, trabalha para realizar esse projeto naprtica. Assim, se o projeto for conservador, mediar a conservao; contudo, se fortransformador, mediar a transformao; se o projeto for autoritrio, mediar a realiza-o do autoritarismo; se o projeto for democrtico, mediar a realizao da democracia(LUCKESI, 1994).

    A relao da teoria-prtica na formao do educador

    A prtica de pensar a prtica a melhor maneira de aprender a pensar certo.

    O pensamento que ilumina a prtica por ela iluminada tal como a prtica

    que ilumina o pensamento por ele iluminado.

    Paulo Freire

    As questes relacionadas com a didtica tm suscitado muitos estudos que vmse intensificando desde a dcada de 1980. Professores vm buscando em seminrios eencontros caminhos para o aperfeioamento. A prtica pedaggica uma dimenso

    da prtica social, a qual pressupe a relao teoria-prtica, condio necessria para asua realizao, devendo levar em conta a realidade concreta onde a escola se insere,seu contexto social. Assim sendo, teoria e prtica no existem uma sem a outra, e seencontram em indissolvel unidade, dependendo uma da outra num movimento deinfluncia mtua.

    Candau e Lelis (apudVEIGA, 1989, p. 18) agruparam a teoria e a prtica em duasvises: viso dicotmica e viso de unidade.

    A primeira, do confronto entre teoria e prtica, permite trs colocaes: h separao, ou seja, h

    predominncia de uma em relao outra; em uma forma mais radical, em que teoria e prtica socomponentes opostos e isolados; j na associativa, teoria e prtica so polos separados, mas noopostos. Na verdade esto justapostos. A viso de unidade est centrada na unidade indissolvel,assegurada pela relao simultnea e recproca, de autonomia e dependncia de uma relao coma outra.

    A viso dicotmica, em que teoria e prtica so separadas, pode ainda ser classi-ficada como dicotmica dissociativa(quando seus componentes esto isolados e opos-tos) ou dicotmica associativa(caracterizada por apresentar a teoria e a prtica comopolos separados, mas no opostos).

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    Na viso de unidade, por sua vez, teoria e prtica esto vinculadas, e a unio entreelas assegurada pela relao simultnea e recproca, de autonomia e dependnciade uma em relao outra (CANDAU, 1989, p. 54).

    Como essas vises se manifestam na formao do educador? Segundo Candau(1989, p. 57),

    [...] o papel da formao, principalmente da inicial, concebido como o de favorecer a aquisiodos conhecimentos acumulados, estimular o contato com os autores considerados clssicos ou derenome, sem se preocupar diretamente em modificar ou fornecer instrumentos para a intervenona prtica educacional.

    Num mbito no cientfico, a teoria vista como conjunto de verdades absolutase universais, sendo assim esvaziada da prtica, tendo no currculo a nfase nas discipli-nas consideradas tericas.

    Conforme Saviani (apudCANDAU, 1989, p. 58), a viso positivo-tecnolgica ouassociativa na formao do educador:

    Busca planejar a educao de modo a dot-la de uma organizao racional capaz de minimizaras interferncias subjetivas que podem pr em risco sua eficincia. [...] colocada na aquisioda tecnologia neutra, derivada cientificamente, que garantir a eficincia da ao, formuladaem termos do produto final conhecimentos, comportamentos, habilidades operacionalmenteexpressada.

    Na viso de unidade, teoria e prtica so consideradas o ncleo articulador da for-mao do educador, devendo ser trabalhadas simultaneamente. A teoria formuladaa partir das necessidades concretas da realidade educacional.

    Para Veiga (1989), a relao entre teoria e prtica distingue duas outras perspec-tivas de prtica pedaggica, respectivamente relacionadas com a viso dicotmica ea viso de unidade: a prtica pedaggica repetitiva e acrtica, e a prtica pedaggicareflexiva e crtica.

    Aprtica pedaggica repetitivase caracteriza pelo rompimento da unidade indisso-lvel, no processo prtico, entre sujeito e objeto, e entre teoria e prtica. O contedo sesujeita forma, ao real e ideal, ao prtico e concreto e ao universal e abstrato. Tem porbase leis e normas estabelecidas, bastando ao professor subordinar-se a elas, uma vezque j est definido o que se quer fazer e como fazer.

    No h preocupao em criar e nem em produzir uma nova realidade material ehumana , h apenas interesse em ampliar o que j foi criado, tendo por base uma pr-tica criadora preexistente. Dessa forma, conhecendo previamente as leis e as normas,basta ao professor repetir o processo prtico quantas vezes queira. No se inventa omodo de fazer. Fazer repetir ou imitar uma outra ao.

    Aprtica pedaggica reflexivatem como caracterstica principal o no rompimen-to da unidade entre teoria e prtica, propiciando um carter criador prtica social

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    que define e orienta a ao pedaggica. O professor deve compreender a realidadesobre a qual vai atuar e no aplicar sobre ela um modelo previamente elaborado, masse preocupar em criar e produzir mudana, fazendo surgir uma nova realidade materiale humana qualitativamente diferente. Essa prtica permite que o professor e o alunoatuem de acordo com um objetivo comum.

    Os apontamentos que seguem objetivam resgatar aspectos significativos trata-dos em relao ao tema em foco. Partindo da ideia de que o objeto da didtica oensino, compete a seus estudiosos estudar formas de tornar compreensvel ao alunoaquilo que o professor pretende e deve ensinar. Para que a aprendizagem se efetive,destaca-se a importncia de uma metodologia de ensino (como ensinar) capaz de ofe-recer ao aluno diferentes situaes de aprendizagem, as quais permitam que ele cons-trua conhecimento. O como ensinar relaciona-se concepo de ensino do professor,que deve levar em considerao a realidade e as necessidades de seus alunos.

    O ato de ensinar exige interveno no mundo, o que pressupe um professor

    situado como sujeito scio-histrico e cultural. Sendo assim, o processo de EducaoContinuada um pressuposto basilar para o sucesso da prtica pedaggica, podendoacontecer dentro e fora da escola. De acordo com Mello (2004, p. 77), com professoresbem preparados, a Educao Continuada poderia ser quase que inteiramente realizadana escola, sem a parafernlia dos grandes encontros de massa [...].

    O processo de ensino e aprendizagem deve acontecer numa relao tal que ateoria e a prtica aconteam numa viso de unidade. O professor, em sua prtica peda-ggica, deve considerar a perspectiva reflexiva e crtica, sem descuidar ou desconside-rar os saberes socialmente construdos pelos alunos em suas prticas comunitrias.

    Didtica e fazer pedaggico: questes atuaisAnalfabetos funcionais! Nos ltimos anos, atravs de inmeras avaliaes nacionais

    e internacionais, nossos alunos ao conclurem o Ensino Fundamental e Mdio, frente pontuao baixssima obtida em diferentes processos avaliativos, esto sendo associa-dos a este nvel de aprendizagem, ou seja, leem, escrevem, mas no interpretam.

    Mesmo que questionssemos as prticas avaliativas estruturadas de uma formauniversal, ignorando a cultura, a diversidade de aprendizados de Norte a Sul do Pas, asavaliaes atuais nos mostram aspectos relevantes e preocupantes: o descaso gover-namental com a educao, os salrios baixos dos professores, a ausncia de polticaspblicas e de interesse dos professores frente aos programas de capacitao docente.

    Mas o mais preocupante a fala de Eunice Durhan, pesquisadora da USP e repre-sentante do Conselho Nacional de Educao, revista Veja, no ms de novembro de

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    Didtica,

    identidadeprofissionalecontextualizaodaprticadocente

    2008, frente formao de professores em nvel Superior, onde esta destaca que: [...]Perdi as contas de quantas vezes estive diante da palavra dialtica, que, no h dvida,a maioria das pessoas inclui sem saber do que se trata. Em vez de aprenderem a daraula, os aspirantes a professor so expostos a uma coleo de jarges. Tudo precisa serdemocrtico, participativo, dialgico e, naturalmente, decidido em assembleia (Dispo-nvel em: ).

    Apesar de alguns pontos da entrevista da pesquisadora serem questionveis,outros podem ser relacionados no construo de conhecimentos pelos alunos atu-almente. Um dos pontos fundamentais levantados pela pesquisadora a relao teoriae prtica ausente no fazer pedaggico dos futuros profissionais da educao.

    Esta relao pode ser visualizada no percentual de mais de 50% de nossos edu-candos considerados analfabetos funcionais ser que estes possuem dificuldades deaprendizagem, ou ns professores no estamos realizando nosso trabalho em sala deaula?

    Acredito que estes questionamentos no tenham apenas uma resposta, mas simmltiplas respostas, porm devemos questionar o papel das instituies escolares edos professores frente o processo de aquisio do conhecimento:

    a tarefa das escolas e dos processos educativos desenvolver em quem est aprendendo acapacidade de aprender, em razo de exigncias postas pelo volume crescente de dados acessveisna sociedade e nas redes informacionais, da necessidade de lidar com um mundo diferentee, tambm, de educar a juventude em valores e ajud-la a construir personalidades flexveis eeticamente ancoradas. (CASTELLS apudLIBNEO, 2004, p. 25)

    Partindo das ideias de Castells, podemos destacar que na escola, nossa propos-ta pedaggica deve estar relacionada s necessidades e potencialidades de nossosalunos, sem esquecermos de nossas necessidades e potencialidades: sabemos plane-jar, avaliar? Nossos alunos nos respeitam em sala de aula, por qu?

    Devemos compreender que assim como os alunos, devemos buscar o conheci-mento constantemente, novas formas de estruturao do espao pedaggico, pois aao-reflexo-ao esta associada a busca pelas respostas, no apenas a resposta deuma pergunta. Deste modo necessrio o ensino desenvolvimental, como destacaDavid (apudLIBNEO, 2004, p. 22)

    Os pedagogos comeam a compreender que a tarefa da escola contempornea no consiste emdar s crianas uma soma de fatos conhecidos, mas em ensin-las a orientar-se independentementena informao cientfica e em qualquer outra. Isto significa que a escola deve ensinar os alunos apensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporneopara o qual necessrio organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento. Chamemos esseensino de desenvolvimental.

    Talvez aqui esteja um dos motivos dos problemticos resultados de nossos alunosnos processos avaliativos: ser que trabalhamos na premissa da descoberta, do desen-

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    volvimento pela busca, pelo ensino que ensina a pensar, a problematizar ou ainda traba-lhamos no enfoque do desenvolver e aprender contedos curriculares, programticos?s vezes, as novas metodologias so utilizadas para mascarar o ensino tradicional: vamosrepensar estas questes de forma prtica e terica.

    Texto complementar

    O ensino e o desenvolvimento do pensamento:

    o ensino desenvolvimental

    (LIBNEO, 2004)

    Na base do pensamento de Davydov est a ideia mestra de Vygotsky de quea aprendizagem e o ensino so formas universais de desenvolvimento mental. Oensino propicia a apropriao da cultura e o desenvolvimento do pensamento,dois processos articulados entre si, formando uma unidade. Podemos expressaressa ideia de duas maneiras:

    a) enquanto o aluno forma conceitos cientficos, incorpora processos de pen-samento e vice-versa;

    b) enquanto forma o pensamento terico, desenvolve aes mentais, median-

    te a soluo de problemas que suscitam a atividade mental do aluno. Com isso, oaluno assimila o conhecimento terico e as capacidades e habilidades relacionadasa esse conhecimento.

    Para superar a pedagogia tradicional empiricista, necessrio introduzir opensamento terico. O papel do ensino justamente o de propiciar mudanasqualitativas no desenvolvimento do pensamento terico, que se forma junto comas capacidades e hbitos correspondentes. Em razo disso, escreve Davydov:

    Os conhecimentos de um indivduo e suas aes mentais (abstrao, generalizao etc.) formamuma unidade. Segundo Rubinstein, os conhecimentos [...] no surgem dissociados da atividadecognitiva do sujeito e no existem sem referncia a ele. Portanto, legtimo considerar oconhecimento, de um lado, como o resultado das aes mentais que implicitamente abrangemo conhecimento e, de outro, como um processo pelo qual podemos obter esse resultadono qual se expressa o funcionamento das aes mentais. Consequentemente, totalmenteaceitvel usar o termo conhecimento para designar tanto o resultado do pensamento (oreflexo da realidade) quanto o processo pelo qual se obtm esse resultado (ou seja, as aesmentais). Todo conceito cientfico , simultaneamente, uma construo do pensamento eumreflexo do ser. Deste ponto de vista, um conceito , ao mesmo tempo, um reflexo do ser e umprocedimento da operao mental. (1988b, p. 21).

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    Didtica,

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    Nesse sentido, de um lado, a aprendizagem escolar estruturada conforme omtodo de exposio do conhecimento cientfico, mas, por outro, o pensamentoque um aluno desenvolve na atividade de aprendizagem tem algo em comum como pensamento de cientistas que expem o resultado de suas pesquisas, quando seutilizam abstraes, generalizaes e conceitos tericos. Escreve Davydov:

    Embora o pensamento das crianas tenha alguns traos em comum com o pensamento doscientistas, artistas, filsofos da moral e tericos do direito, os dois no so idnticos. As crianasem idade escolar no criam conceitos, imagens, valores e normas de moralidade social, masapropriam-se deles no processo da atividade de aprendizagem. Mas, ao realizar esta atividade,as crianas executam aes mentais semelhantes s aes pelas quais estes produtos da culturaespiritual foram historicamente construdos. Em sua atividade de aprendizagem, as crianasreproduzem o processo real pelo qual os indivduos vm criando conceitos, imagens, valorese normas. Portanto, o ensino de todas as matrias na escola deve ser estruturado de modoque, como escreveu Ilenkov, seja reproduzido, de forma condensada e abreviada, o processohistrico real da gnese e desenvolvimento... do conhecimento. (1988b, p. 21-22)

    As ideias de Davydov sobre o ensino desenvolvimental, lastreadas no pensa-mento de Vygotsky, podem ser sintetizadas nos seguintes pontos:

    a) a educao e o ensino so fatores determinantes do desenvolvimentomental, inclusive por poder ir adiante do desenvolvimento real da criana;

    b) deve-se levar em considerao as origens sociais do processo de desenvol-vimento, ou seja, o desenvolvimento individual depende do desenvolvimento docoletivo. A atividade cognitiva inseparvel do meio cultural, tendo lugar em umsistema interpessoal de forma que, atravs das interaes com esse meio, os alunos

    aprendem os instrumentos cognitivos e comunicativos de sua cultura. Isto caracte-riza o processo de internalizao das funes mentais;

    c) a educao componente da atividade humana orientada para o desen-volvimento do pensamento atravs da atividade de aprendizagem dos alunos(formao de conceitos tericos, generalizao, anlise, sntese, raciocnio terico,pensamento lgico), desde a escola elementar;

    d) a referncia bsica do processo de ensino so os objetos cientficos (os con-

    tedos), que precisam ser apropriados pelos alunos mediante a descoberta de umprincpio interno do objeto e, da, reconstrudo sob forma de conceito terico naatividade conjunta entre professor e alunos. A interao sujeito-objeto implica ouso de mediaes simblicas (sistemas, esquemas, mapas, modelos, isto , signos,em sentido amplo) encontradas na cultura e na cincia. A reconstruo e reestru-turao do objeto de estudo constituem o processo de internalizao, a partir do

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    qual se reestrutura o prprio modo de pensar dos alunos, assegurando, com isso,seu desenvolvimento.

    O texto de Davydov concretiza a proposio de Vygotsky, ao afirmar que afuno de uma proposta pedaggica melhorar o contedo e os mtodos de ensino

    e de formao, de modo a exercer uma influncia positiva sobre o desenvolvimentode suas habilidades (por exemplo, seus pensamentos, desejos etc.) (DAVYDOV, p. 32).Esse posicionamento leva a afastar ideias pedaggicas correntes em vrios pases, orade superpor o desenvolvimento social e emocional ao cognitivo, de sobrepor a ativi-dade prtica ao desenvolvimento do pensamento terico, ou de promover prticasespontanestas na educao escolar. Para ele, h uma especificidade scio-histricados processos em que as crianas reproduzem as habilidades humanas, de modo acontrapor ao desenvolvimento espontneo das crianas o papel determinante daeducao e do ensino orientado por objetivos (DAVYDOV, p. 38). Escreve Davydov:

    fato conhecido que o ensino e a educao atingem os objetivos mencionados por meio dadireo competente da atividade prpria da criana. Quando essa atividade interpretada abs-tratamente e, mais ainda, quando o processo do desenvolvimento est desvinculado da edu-cao e do ensino, inevitavelmente surgir algum tipo de pedocentrismo ou de contraposioentre as necessidades da natureza da criana e os requisitos da educao (como tem ocorrido,em numerosas ocasies, na histria do pensamento e da prtica pedaggicos). Entretanto, asituao se altera substancialmente se a atividade prpria da criana, de um lado, compre-endida como algo que surge e se forma no processo da educao e do ensino e, de outro, se vista no contexto da histria da prpria infncia da criana, determinada pelas tarefas socioe-conmicas da sociedade e pelos objetivos e possibilidades da educao e do ensino que a elascorrespondem. (1988a, p. 54-55)

    Todavia, no se pode extrair da que a crtica ao espontanesmo resulte numaimposio de contedos. Trata-se de compreender a articulao entre apropriaoativa do patrimnio cultural e o desenvolvimento mental humano.

    Dadas estas premissas tericas, o fato de considerar a natureza e os aspectos especficos daatividade infantil no implica a contraposio entre o desenvolvimento e a educao, mas aintroduo, no processo pedaggico, da condio mais importante para a concretizao dassuas finalidades. Neste caso, segundo as palavras de Rubinstein, o processo pedaggico, comoa atividade do professor-educador, forma a personalidade da criana em desenvolvimentona medida em que dirige a atividade da criana, ao invs de substitu-la por uma outra coisa.(DAVYDOV, p. 55)

    Ainda citando Rubinstein, escreve Davydov:

    Qualquer tentativa do educador-professor de introduzir a cognio e as normas morais,ignorando a atividade prpria da criana no domnio desse conhecimento e de normas morais,prejudica [...] as prprias bases do seu sadio desenvolvimento mental e moral, o alimento desuas caractersticas e qualidades pessoais. (DAVYDOV, p. 55)

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    Didtica,

    identidadeprofissionalecontextualizaodaprticadocente

    Dicas de estudo

    PERRENOUD, Philippe et al. Formando Professores Profissionais: quais estratgias?Porto Alegre: Artmed, 2001.

    Este livro discute a necessidade de formar professores profissionais, ou seja, queos professores desenvolvam uma competncia prtica calcada na teoria.

    MEIRIEU, Philippe. Carta a um Jovem Professor. Porto Alegre: Artmed, 2006.

    Com discusses acerca da formao do jovem professor, o autor discute a dimen-so poltica da educao e instiga o leitor quanto ao verdadeiro papel do educador eda educao.

    Atividades

    Responda s questes abaixo, marcando1. Vpara verdadeiro e Fpara falso. Todasas questes falsas devem ser justificadas.

    ( ) A didtica investiga os fundamentos, as condies e modos de realizao doa)processo de ensino, baseando-se numa concepo de homem e sociedade.

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    ( ) A identidade profissional do professor um processo de construo dob)sujeito historicamente no situado, ou seja, no h relao com a cultura esociedade na qual o sujeito se encontra inserido.

    ( ) A proposta pedaggica desenvolvida no espao escolar deve estar rela-c)cionada apenas s questes curriculares propostas pelo MEC e SEC.

    ( ) O processo de ensino e aprendizagem deve acontecer numa relao tald)que teoria e prtica aconteam numa viso de unidade.

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    Escola e professor: funo social

    Christiane Martinatti MaiaNesta aula o tema escola e professor: funo social. Nela sero discutidos os

    papis da escola e do professor na sociedade, objetivando conhecer a funo daescola no meio social em que se insere e as implicaes didtico-pedaggicas advin-das dessa funo.

    A funo social da escola e dos professoresO cenrio de uma escola mais ou menos este: equipe gestora, professores,

    alunos, servios e comunidade, representada em conselhos. Talvez existam na institui-o outros setores, por conta da criatividade e iniciativa dos seus dirigentes.

    No d para esquecer que tudo o que est expresso na linha poltico-cultural epedaggica da escola constitui um legado de contestao histrica que perpassa oprocesso de escolarizao, na qual os seus protagonistas ocupam espaos para par-

    ticipar ou no da transformao social, muito especificamente no que diz respeito aomeio no qual a escola/comunidade se insere.

    O que necessrio saber sobre essa escola? Qual sua funo? A quais propsitosas escolas servem ou devem servir? Quais conhecimentos so mais relevantes? Comoso priorizados esses conhecimentos? Quais as formas de conhecimento e quem deveter acesso a elas? O que significa conhecer algo? Como a escola se insere na comunida-de? Esses elementos tero implicaes diretas na organizao da escola, nas prticasescolares (sala de aula), no currculo e no ensino?

    A resposta ltima indagao sim, pois existe Pedagogia em qualquer lugar emque o conhecimento produzido, porm de diferentes formas. Pedagogias que se en-quadram no lugar-comum certamente reproduziro o significado de cultura difundidoe aceito pela sociedade. Aquelas que no compactuam com uma produo formaliza-da dos significados tentam, por meio de novos vieses, formas e canais de comunicao,mostrar a relao poltica entre os meios de produo e recepo da cultura e as prti-cas sociais que elas legitimam (GIROUX; MCLAREN apudSILVA, 1995).

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    Zabala (2002, p. 16) assim se posiciona: uma coisa a organizao dos saberesa partir de uma perspectiva cientfica e outra, bastante distinta, como devem serapresentados e ensinados os contedos desses saberes para que sejam aprendidos emmaior grau de profundidade. Nessa perspectiva, cabe perguntar se aqueles professo-res que se posicionam numa linha de ensino tradicional tero condies para dar aoobjeto de estudo uma viso multifacetada.

    Na maioria dos casos, os currculos escolares so formados por um conjuntode disciplinas isoladas, que contm em seu bojo valores mais ou menos destacadosentre si. A seleo e a organizao de contedos de aprendizagem em geral se ba-seiam em critrios disciplinares. Nessa seleo, h uma juno de disciplinas isoladasque se sobrepem com nfase maior ou menor de uma ou outra. No hora de re-pensar essa realidade?

    Nesse somatrio de disciplinas, selecionadas por meio de critrios s vezes im-pregnados de subjetividade e organizados disciplinarmente, no raro as disciplinas pa-

    recem hierarquizadas, de acordo com valores que a prpria comunidade escolar lhesconfere. Isso preocupante, mas expressa uma leitura do prprio corpo docente.

    Para alguns autores, a Lngua Portuguesa e a Matemtica continuam sendo con-sideradas as duas disciplinas mais importantes do currculo e responsveis pelos maio-res ndices de reprovao e evaso escolar. Paralelamente, Artes e Educao Fsica socomponentes curriculares desprestigiados, muito embora ser atleta ou artista seja osonho de milhes e milhes de crianas e adolescentes que esto na escola.

    Funo social da escolaScheibel (2006), em seu artigo Funo social do ensino e suas implicaes di-

    dtico-pedaggicas, aborda questes especficas a ela relacionada, cujo contedotranscrevemos:

    Qual o papel social da escola? A escola responsvel pela promoo do desenvolvimento docidado, no sentido pleno da palavra. Ento, cabe a ela definir-se pelo tipo de cidado que desejaformar, de acordo com a sua viso de sociedade. Cabe-lhe tambm a incumbncia de definir asmudanas que julga necessrio fazer nessa sociedade, atravs das mos do cidado que ir formar.

    Quando a escola se define e atua por um conceito de sociedade democrtica, plural e justa?

    Definida a sua postura, a escola vai trabalhar no sentido de formar cidados conscientes, capazes decompreender e criticar a realidade, atuando na busca da superao das desigualdades e do respeitoao ser humano.

    Quando a escola assume a responsabilidade de atuar na transformao e na busca do desenvolvimentosocial, seus agentes devem empenhar-se na elaborao de uma proposta para a realizao desseobjetivo. Essa proposta ganha fora na construo de um Projeto Poltico-Pedaggico.

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    Uma escola que tem como objetivo estimular e desenvolver a cidadania deve pro-porcionar aos seus alunos situaes em que eles tenham oportunidade de adquirir valo-res e conhecimentos bsicos para a vida na sociedade contempornea. Deve promoveratitudes e habilidades necessrias para que cada aluno venha a participar plena e efeti-vamente da vida poltica, econmica e social do pas.

    Para realizar sua funo social, a escola precisa proporcionar situaes em que osalunos participem de projetos coletivos de interesse da escola e da comunidade. Dessaforma, eles se exercitam na autonomia e na convivncia social saudvel, aprendem aexpressar ideias e opinies, a ouvir e a debater, estabelecendo uma atitude em relaoao saber e ao conhecimento que os leva a querer aprender sempre mais.

    Parafraseando Geraldo Jnior (2006), a funo social da escola consis-te num processo de socializao dos conhecimentos, no sentido de estabele-cer interao com o meio em que a instituio est inserida. Para tanto, as esco-las devem, em substituio de prticas meramente reprodutivas, pensar, planejar

    e executar prticas que respondam s necessidades do homem contemporneo, assimocupando um papel decisrio na formao da cidadania. A esse respeito cabe umquestionamento: os contedos de aprendizagem curriculares definem a funo socialque cada escola, sistema ou pessoa encontra na maneira de ensinar?

    H um dilema da funo da escola tradicional e o prprio processo de parciali-zao que sofre o saber, devido presso de novas matrias para ocupar um lugar,fazendo com que aparea uma preocupao cada vez mais elaborada sobre o sentidodo ensino e o papel que as disciplinas, novas e antigas, ocuparo em um tempo que sempre limitado (ZABALA, 2002). Os novos estudos empricos sobre a aprendizageme as correspondentes teorias que a explicam promovem uma mudana substancial noobjeto de estudo da escola.

    O protagonista da escola passa a ser o estudante e no tanto o que se ensina, ouseja, o conhecimento dos processos de aprendizagem incide cada vez mais em seucarter singular e pessoal, de maneira que o problema de ensinar no se situa basica-mente nos contedos, mas no como se aprende e, conseqentemente, em como sedeve ensinar para que as aprendizagens sejam produzidas.

    Zabala (2002) e Vasconcellos (2001) destacam que a percepo humana jamais analtica e que a primeira aproximao com a realidade em geral global e ampla (cha-mada de sncrise), sendo necessrio e imprescindvel, a partir dela e em uma anlise pos-terior, ir detalhando e aprofundando a primeira etapa para chegar-se sntese. Temosento o seguinte caminho na construo do conhecimento: sncrise / anlise / sntese.

    A funo social da escola ajudar a realizar o processo de construo do conhe-cimento, cujo ponto de partida sempre uma viso global, difusa, que funcionarcomo uma oportunidade de o professor contextualizar o ensino, isto , buscar com e

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    no aluno os conhecimentos prvios que este tem sobre o tema enfocado (contextuali-zao / problematizao).

    Partindo da contextualizao, a escola ter campo propcio para a problematiza-o do contedo proposto, fazendo-o de maneira que os alunos sintam-se motivados,despertando neles a vontade de buscar respostas em fontes diferentes. Em outras pa-

    lavras, para ter xito, o ensino deve promover o interesse dos alunos.O currculo, portanto, no pode mais ser rgido, nem proveniente de uma estru-

    tura meramente disciplinar, mas precisa despertar e buscar nos mtodos globalizadoso sentido e a significncia dos contedos, de modo que possam estabelecer relaoentre o que debatido em sala de aula e a realidade social em que os alunos estoinseridos. Nesse sentido, mais que transmitir o contedo, vale trabalh-lo de formaque os alunos encontrem sentido e aplicabilidade nesse processo de busca e de cons-truo do conhecimento. Isso pode acontecer tanto individualmente, no grupo, comotambm na socializao desses saberes em ambientes educativos e no educativos.

    Para ser coerente com a contemporaneidade, o currculo no pode deixar de levarem conta questes de etnia, raa, gnero, incluso, alunos Portadores de NecessidadesEducativas Especiais (PNEE) e outras sndromes. Tudo leva a crer que a viso macrosso-cial incluindo fatores sociais, econmicos e culturais ajuda a compreender a escolaque resguarda em seu bojo a viso microssocial, sem ter, por si s, foras para mudara sociedade.

    Funo social do ensino e suas implicaesdidtico-pedaggicas: viso de homem

    Ter clareza da funo social da escola e do homem que se quer formar funda-mental para que o professor realize uma prtica pedaggica competente e socialmen-te comprometida, particularmente num pas de contrastes como o Brasil, onde convi-vem grandes desigualdades econmicas, sociais e culturais.

    Formar o cidado no tarefa apenas da escola. No entanto, como local privile-giado de trabalho com o conhecimento, a escola tem grande responsabilidade nessaformao: recebe crianas e jovens por certo nmero de horas, todos os dias, duranteanos de suas vidas, possibilitando-lhes construir saberes indispensveis para a inser-o social.

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    (BARRETO, 1994)

    Excluem-se da escola

    Os que no conseguem aprender,

    Excluem-se do mercado

    De trabalho os que no tm

    Capacidade tcnica porque

    Antes no aprenderam a ler,

    Escrever e contar e excluem-se,

    Finalmente, do exerccio da cidadania esses mesmos cidados, porque no

    Conhecem os valores morais e polticos que fundam a vida

    De uma sociedade livre,

    Democrtica e participativa.

    O contedo embutido nas palavras do autor citado serve de reflexo para a co-munidade escolar. Cabe aos professores, em sua prtica docente, propiciar situaesde aprendizagem que levem ao desenvolvimento de habilidades e de contedos quepossam responder s necessidades dos alunos no meio social que habitam.

    Nessa perspectiva, as crianas no podem ser tratadas apenas como cidadosem formao. Elas j fazem parte do corpo social e, por isso, devem ser estimuladas aexercitar sua condio de cidados, desenvolvendo expectativas e projetos em relaoao conjunto da sociedade.

    preciso que a escola traga para dentro de seus espaos o mundo real, do qualessas crianas e seus professores fazem parte. Ela no pode fazer de conta que o mundo harmonioso, que no existe a devastao do meio ambiente, as guerras, a fome, a vio-lncia, porque tudo isso est presente e traz consequncias para o momento em que

    vivemos e para os momentos futuros. Afinal, compreender e assumir o tempo presen-te, com seus problemas e necessidades, uma forma de gerar alternativas humaniza-doras para o mundo.

    Para ilustrar, transcrevemos a seguir uma experincia citada por Silva (1994).

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    Em Rio Branco, no Acre, a Escola Estadual Senador Adalberto Sena desenvolveum projeto de preservao do meio ambiente junto comunidade, em parceriacom a S.O.S. Amaznia, organizao no governamental.

    O Projeto de Coleta Seletiva e Tratamento do Lixo teve incio na escola com

    projeo de vdeos e palestras sobre problemas do meio ambiente, particular-mente a respeito do lixo domstico que se acumulava em vrios pontos do bairro.Alunos e professores visitaram o lixo da cidade e locais de reaproveitamento dolixo, percebendo as consequncias para o ambiente quando no tratado, assimcomo o barateamento no custo de produtos feitos com material reciclado.

    Os moradores foram sendo envolvidos gradativamente no projeto, atravs decartas e do contato direto com os alunos.

    No incio, estes traziam o lixo reaproveitvel para a escola; hoje a coleta

    feita nas casas por um funcionrio da prefeitura. O material, organizado e regis-trado, em parte vendido, para ser reaproveitado. Outra parte reutilizada naprpria escola, em uma oficina de reciclagem do papel; sacos plsticos servempara plantar mudinhas, num trabalho orientado pelos coordenadores de Educa-o Ambiental, que desenvolvem semanalmente, em todas as classes, atividadesligadas ao projeto.

    Alguns efeitos j so visveis, tanto no aspecto geral da escola, limpa e rode-ada de mudas de rvores, quanto no bairro: vrios pontos de lixo, indicados num

    mapeamento inicial, hoje so reas limpas.

    Com isso, a ao educativa da escola ultrapassa seus prprios muros.

    Na opinio de Sousa (2006),

    [...] para cumprir sua funo social, a escola precisa considerar as prticas de nossa sociedade, sejamelas de natureza econmica, poltica, social, cultural, tica ou moral. Tem que considerar tambmas relaes diretas ou indiretas dessas prticas com os problemas especficos da comunidade local

    a que presta servios. A nossa funo de professor de grande responsabilidade, pois temos quedesenvolver no aluno valores humanos indispensveis para a sua boa formao, tais como disciplina,respeito, capacidade de trabalho, iniciativa, honestidade, cidadania, tica, moral, conhecimento dasdiferenas individuais, educao para o convvio social, amor, gratido, humildade, trabalho emgrupo ou equipe etc., assim como servir de mediador no processo de desenvolvimento de suashabilidades e competncias.

    Referindo-se a um modelo de cidado e cidad que queremos, Zabala (2002) des-taca diferentes dimenses de desenvolvimento da pessoa: social, interpessoal, pessoale profissional.

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    primeira vista, pode parecer que ensinar bem consiste apenas em dominar oscontedos e utilizar mtodos e estratgias de ensino adequados para que os alunosaprendam. No entanto, os reflexos da atuao do professor vo muito alm das ques-tes referentes s estratgias e aos contedos de ensino. Mesmo sem perceber, a aodele junto aos alunos sempre permeada por crenas e valores. Alm disso, a prpriaescolha de contedos, exemplos ou atividades refletem as ideias desse professor e a

    conscincia de seu papel frente aprendizagem dos alunos. O professor precisa, pois,estar atento s escolhas que faz e consciente de suas aes para que a escola cumpraseu papel.

    Aes sociais mais amplas apoiam-se e sustentam-se em aes individuais. Assim,a forma como cada ser humano pensa a funo social da escola e a maneira comoatua pode contribuir ou no para mudanas em direo a uma sociedade mais justae democrtica. Os professores, toda a equipe tcnica e os funcionrios devem disporde momentos para discutir as concepes individuais no coletivo da escola, para quetodos possam trabalhar numa mesma direo, garantindo assim o cumprimento dafuno social dela.

    Numa dimenso social, participar ativamente da transformao da sociedade,o que significa compreend-la, avali-la e intervir nela, de maneira crtica e respons-vel, com o objetivo de que seja cada vez mais justa, solidria e democrtica (SOUSA,2002, p. 53), tendo a educao como instrumento indispensvel na formao con-tnua do homem em prol de uma democracia plena em todos os mbitos: social,cultural e econmico.

    Numa dimenso interpessoal,

    [...] saber relacionar-se e viver positivamente com as demais pessoas, cooperando e participando detodas as atividades humanas com compreenso, tolerncia e solidariedade.

    Educar para compreender melhor as demais pessoas, para saber comunicar-se com autenticidade,com exigncia de entendimento mtuo e de dilogo; trata-se de aprender a viver juntos, conhecendomelhor os demais seres humanos, como indivduos e como grupos, com sua histria, tradies e suascrenas, e, a partir disso, criar as condies para a busca de projetos novos ou a soluo inteligente epacfica para os inevitveis conflitos. (SOUSA, 2002, p. 54-55)

    Numa dimenso pessoal,

    [...] conhecer-se e compreender a si mesmo, s demais pessoas, sociedade e ao mundo em que sevive, capacitando o indivduo para exercer responsvel e criticamente a autonomia, a cooperao,a criatividade e a liberdade. [...]

    No se pode pensar na escola como uma simples transmisso de conhecimentos. Para fazer frente complexidade crescente de fenmenos mundiais e para poder dominar o sentimento de incertezaque isso suscita, preciso promover um processo que consista tanto na aquisio do conhecimentoquanto em sua relativizao e anlise crtica.

    O sistema educativo tem de formar cidados e cidads autnomos, capazes de compreender omundo social e natural em que vivem e de participar em sua gesto e melhoria a partir de posiesinformadas, crticas, criativas e solidrias.

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    A escola deve desenvolver nos alunos a capacidade de tomar decises com base na reflexo eno dilogo, promovendo, mais do que a formao de futuros cientistas, a educao de cidadose cidads em uma cultura cientfica bsica, capacitando-os para interpretar os fenmenosnaturais e para atuar de forma crtica e responsvel em relao aos problemas sociais. (SOUSA,2002, p. 55-56)

    Numa dimenso profissional,

    [...] dispor dos conhecimentos e das habilidades que permitam s pessoas exercer uma tarefaprofissional adequada s suas necessidades e capacidades.

    As mudanas de toda ordem que esto acontecendo no mundo, como a globalizao do mercado detrabalho, a informatizao das empresas e a robotizao, provocam um transtorno e um verdadeirodesconcerto nas expectativas profissionais e de trabalho. A crise geral de valores afeta tambm, epor sua vez sua consequncia, a instabilidade no trabalho, ao aceitar de fato as razes mercantis oufinanceiras nas quais prevalece a lgica do dinheiro acima das necessidades das pessoas. (SOUSA,2002, p. 56)

    O ensino precisa facilitar o desenvolvimento das capacidades profissionais daspessoas, exercendo essencialmente uma funo orientadora, que permita o reconhe-

    cimento e a potencializao das habilidades de cada um, conforme suas capacidadese seus interesses. [...] deve facilitar a aquisio das competncias que permitem fazerfrente s numerosas e variveis situaes que encontrar, como trabalhador ou traba-lhadora, algumas das quais sero imprevisveis [...] (SOUSA, 2002, p. 57).

    A funo social da escola e suas implicaes metodolgicas apontam caminhos.O projeto de interdisciplinaridade, por exemplo, caracteriza-se ano aps ano como umdos destacados eixos de integrao do conhecimento de reas do saber. Zabala (2002,p. 26), ao mencionar que existe um esforo deliberado para instaurar um quadro geralpara a investigao cientfica e relacionar as disciplinas entre si, descreve que

    [...] necessria uma cooperao interdisciplinar em numerosos mbitos de investigao relativosao meio e aos recursos naturais, guerra, paz, aos problemas das comunidades, ao urbanismo, aotempo livre e s atividades culturais.

    Assim, no mbito terico e metodolgico, assistimos a um inegvel interesse pelos problemas epelos mtodos gerais, que dependem de mais de uma disciplina.

    importante notar a abordagem do autor quando destaca que se, por um lado, impossvel responder aos problemas profissionais e cientficos sem dispor de um co-nhecimento disciplinar, por outro lado, aos professores de nossa poca corresponderenunciar s particularidades e buscar em comum a restaurao dos significados hu-

    manos do conhecimento (ZABALA, 2002, p. 26).

    No intuito de buscar ou entender os pressupostos que interagem nos diferentescampos do saber, um destaque deve ser feito s disciplinas e suas inter-relaes, es-pecialmente se adotados os mtodos globalizantes de ensino (Centros de Interesse,Mtodo de Projetos, Investigao do Meio e Projetos de Trabalho), que, para Zabala,so modelos completos de ensino e, como tais, definem todas as varireis que configu-ram a prtica educativa. Nesses mtodos, os contedos no aparecem e nem se orga-

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    nizam a partir de uma fragmentao disciplinar, mas destacam, em termos de interdis-ciplinaridade, os tipos de relaes possveis de se estabelecer entre as disciplinas ou amaneira como so apresentados e organizados os contedos. Essa proposta invalida atradicional ideia de organizar os contedos denominados multidisciplinares.

    Funo social do ensino e suas implicaes didti-co-pedaggicas: viso de sociedade e educao

    Com base em sua viso de homem e educao, a escola, em seus diferentesnveis, deve contribuir para a formao e a atualizao histrico-cultural dos cidados.A sociedade espera que a escola forme cidados que participem ativamente da vidaeconmica e social do pas, contribuindo para a formao da sociedade. Isso requer

    conhecimentos e habilidades cognitivas que possibilitem s pessoas situarem-se nomundo, lerem e interpretarem a grande quantidade de informaes existentes, conhe-cerem e compreenderem as tecnologias disponveis, bem como darem continuidade,de forma autnoma, ao processo pessoal de aprendizagem.

    A escola cumpre sua funo social atravs do processo de ensino-aprendizagem,fazendo circular informaes, promovendo e estimulando o desenvolvimento de ha-bilidades e operaes de pensamento e a vivncia de valores. Tais aprendizagens soorganizadas no currculo escolar, que bem mais do que uma lista de contedos. Pla-nej-lo implica tanto escolher os contedos de ensino quanto organizar experincias

    e situaes que garantam a aprendizagem, o que significa dizer que inclui contedose metodologias de ensino.

    O que se ensina e como se ensina

    numa concepo construtivista

    Os pressupostos terico-metodolgicos de cada disciplina estabelecem a direona seleo do contedo e nos procedimentos didticos em sala de aula, sem perderde vista a diretriz metodolgica mais ampla proposta no Projeto Poltico Pedaggico(PPP) vivenciado na escola. Assim sendo, as situaes de aprendizagem propostas aosalunos podero ter coerncia entre si, se obedecidas as especificidades de cada rea.

    De acordo com Silva et al. (1994, p. 32-33), o que ensinamos deveria responder sseguintes indagaes:

    O que estamos ensinando tem contribudo para que nossos alunos desenvol-vam compreenso do mundo em que vivem?

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    Quais so os desafios desse mundo? Em que medida afetam a ns e aosnossos alunos?

    Os contedos curriculares que trabalhamos favorecem o desenvolvimento deuma viso crtica desses problemas, ou seja, ajudam os alunos a assumir umposicionamento frente a eles, como indivduos e cidados?

    Que contedos devem ser priorizados, em cada uma das disciplinas, para que osalunos alcancem o entendimento das grandes questes humanas?

    E os procedimentos (a maneira de ensinar) deveriam achar respostas nessasprovocaes:

    Como fazemos para desenvolver os contedos de nossas disciplinas no dia adia da sala de aula?

    Que procedimentos adotamos para encaminhar os assuntos e garantir que

    sejam aprendidos?

    Como justificamos a escolha dos procedimentos com base nos fundamentosda nossa disciplina?

    Que possibilidades de participao eles oferecem aos alunos? Elas atendem ssuas diferenas? Como?

    Que recursos didticos (livros, jornais, revistas, programas de TV, mapas, atlas,dicionrios etc.) temos usado? Por qu?

    Estamos ensinando e os alunos aprendendo?

    Acerca da diversidade no ensino relacionada questo do currculo, Sacristn(apudSILVA; MOREIRA, 1995, p. 97) diz que:

    A cultura escolar delimitada pelo currculo explcito e por esse currculo real que se plasma nasprticas escolares ou por aquele que vemos refletido nos materiais pedaggicos especialmentenos livros didticos est longe de ser um resumo representativo de todos os aspectos, dimensesou invariantes da cultura da sociedade na qual surge o sistema escolar. O currculo selecionaelementos, valoriza mais certos componentes em relao a outros e tambm oculta dos alunoscertos aspectos da cultura que rodeia a escola.

    importante destacar que durante vrios sculos, os contedos relacionados construo curricular sofreram influncia ora da Igreja, ora da burguesia, ora das pol-ticas pblicas que visualizam no currculo formas de manuteno dos paradigmas dasociedade vigente. Deste modo, o currculo se estrutura partindo das necessidadesde um grupo de sujeitos, de governantes que decidem o que deve ser trabalhado noespao educativo. Zabala (1998, p. 29) destaca que:

    preciso insistir que tudo quanto fazemos em aula, por menor que seja, incide em maior oumenor grau na formao de nossos alunos. A maneira de organizar a aula, o tipo de incentivos,

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    as expectativas que depositamos, os materiais que utilizamos, cada uma destas decises veicuIadeterminadas experincias educativas, e possvel que nem sempre estejam em consonncia como pensamento que temos a respeito do sentido e do papel que hoje em dia tem a educao.

    A postura profissional e pessoal do professor em sala de aula se faz necessria atitu-des como o respeito, o interesse pelos contedos trabalhados, a relao do grupo, esbo-am, muitas vezes o sentimento e importncia perpassados pelo professor em relao ao

    conhecimento e ao seu grupo de alunos. No h funo social da escola se o professor nose visualiza como professor, se este no percebe que alm de ensinar, ele tambm deveaprender e buscar interagir com as diversidades existentes fora do espao educativo.

    Esses mesmos autores propem algumas aes para que a escola cumpra suafuno social:

    considerar as prticas da sociedade, sejam elas de natureza econmica, polti-ca, social, cultural, tica ou moral;

    considerar as relaes diretas ou indiretas dessas prticas com os problemasespecficos da comunidade local qual presta servios;

    conhecer expectativas dessa comunidade, suas necessidades, formas de sobre-vivncia, valores, costumes e manifestaes culturais e artsticas, como meca-nismos para ajudar a escola a atender a comunidade e auxili-la a ampliar seuinstrumental de compreenso e transformao do mundo;

    conceber a escola como polo cultural, onde o conhecimento j sistematiza-do pela humanidade socializado e trabalhado de forma no fragmentada,

    vinculado realidade, proporcionando a ampliao das possibilidades cultu-rais dos alunos e da comunidade, por meio do debate das principais questeslocais, regionais e nacionais;

    promover a identidade cultural do aluno, inserindo-o no mundo em que vive;

    auxiliar o aluno a ver e pensar a realidade como um todo, com um certo distan-ciamento, de forma autnoma, nica possibilidade de transform-la.

    Ao aluno/professor importante lembrar que tais proposies devem ser dis-cutidas e analisadas pela comunidade escolar, no intuito de buscar elementos para a

    vivncia da cidadania e para que o ensino possa adequar-se ao momento contempo-rneo e qualificar-se.

    Nesses textos, buscou-se destacar a funo social da escola e as implicaes did-tico-pedaggicas dessa funo, de acordo com a viso de homem, sociedade e educa-o assumida. Destacou-se, tambm, que a funo social do ensino formar indivdu-os capazes de compreender a realidade circundante e intervir nela, como cidados queso, no intuito de melhorar o contexto no qual a escola se insere.

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    Texto complementar

    A arte de ouvir

    (ALVES, 2009)

    De todos os sentidos, o mais importante para a aprendizagem do amor, doviver juntos e da cidadania a audio. Disse o escritor sagrado: No princpio erao Verbo. Eu acrescento: Antes do Verbo era o silncio. do silncio que nasceo ouvir. S posso ouvir a palavra se meus rudos interiores forem silenciados. Sposso ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Quem fala muito no ouve.Sabem disso os poetas, esses seres de fala mnima. Eles falam, sim. Para ouvir as

    vozes do silncio. Veja esse poema de Fernando Pessoa, dirigido a um poeta: Cessao teu canto! Cessa, que, enquanto o ouvi, ouvia uma outra voz como que vindonos interstcios do brando encanto com que o teu canto vinha at ns. Ouvi-te eouvia-a no mesmo tempo e diferentes, juntas a cantar. E a melodia que no havia seagora a lembro, faz-me chorar... A magia do poema no est nas palavras do poeta.Est nos interstcios silenciosos que h entre as suas palavras. nesse silncio quese ouve a melodia que no havia. A a magia acontece: a melodia me faz chorar.

    No nos sentimos em casa no silncio. Quando a conversa para por no haver

    o que dizer tratamos logo de falar qualquer coisa, para por um fim no silncio. Vezpor outra tenho vontade de escrever um ensaio sobre a psicologia dos elevadores.Ali estamos, ns dois, fechados naquele cubculo. Um diante do outro. Olhamosnos olhos um do outro? Ou olhamos para o cho? Nada temos a falar. Esse silncio como se fosse uma ofensa. A falamos sobre o tempo. Mas ns dois bem sabemosque se trata de uma farsa para encher o tempo at que o elevador pare.

    Os orientais entendem melhor do que ns. Se no me engano o nome do filmeAconteceu em Tquio. Duas velhinhas se visitavam. Por horas ficavam juntas, sem

    dizer uma nica palavra. Nada diziam porque no seu silncio morava um mundo.Faziam silncio no por no ter nada a dizer, mas porque o que tinham a dizer nocabia em palavras. A filosofia ocidental obcecada pela questo do Ser. A filosofiaoriental, pela questo do Vazio, do Nada. no Vazio da jarra que se colocam flores.

    O aprendizado do ouvir no se encontra em nossos currculos. A prtica edu-cativa tradicional se inicia com a palavra do professor. A menininha, Andra, volta-va do seu primeiro dia na creche. Como a professora?, sua me lhe perguntou.

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    Ao que ela respondeu: Ela grita... No bastava que a professora falasse. Ela grita-va. No me lembro de que minha primeira professora, Da. Clotilde, tivesse jamaisgritado. Mas me lembro dos gritos esganiados que vinham da sala ao lado. Umnico grito enche o espao de medo. Na escola a violncia comea com estuprosverbais.

    Milan Kundera conta a estria de Tamina, uma garonete. Todo mundo gostade Tamina. Porque ela sabe ouvir o que lhe contam. Mas ser que ela ouve mesmo?No sei... O que conta que ela no interrompe a fala. Vocs sabem o que acontecequando duas pessoas falam. Uma fala e outra lhe corta a palavra: exatamentecomo eu, eu... e comea a falar de si at que a primeira consiga por sua vez cortar: exatamente como eu, eu...Essa frase exatamente como eu... parece ser umamaneira de continuar a reflexo do outro, mas um engodo. uma revolta brutalcontra uma violncia brutal: um esforo para libertar o nosso ouvido da escravi-

    do e ocupar fora o ouvido do adversrio. Pois toda a vida do homem entreos seus semelhantes nada mais do que um combate para se apossar do ouvidodo outro...

    Ser que era isso que acontecia na escola tradicional? O professor se apossan-do do ouvido do aluno ( pois no essa a sua misso?), penetrando-o com a suafala flica e estuprando-o com a fora da autoridade e a ameaa de castigos, sem sedar conta de que no ouvido silencioso do aluno h uma melodia que se toca. Talvezseja essa a razo porque h tantos cursos de oratria, procurados por polticos eexecutivos, mas no haja cursos de escutatria. Todo mundo quer falar. Ningumquer ouvir.

    Todo mundo quer ser escutado. (Como no h quem os escute, os adultosprocuram um psicanalista, profissional pago do escutar). Toda criana tambmquer ser escutada. Encontrei na revista pedaggica italiana Cem Mondialita su-gesto de que, antes de se iniciarem as atividades de ensino e aprendizagem, osprofessores se dedicassem por semanas, talvez meses, a simplesmente ouvir ascrianas. No silncio das crianas h um programa de vida: sonhos. dos sonhosque nasce a inteligncia. A inteligncia a ferramenta que o corpo usa para trans-

    formar os seus sonhos em realidade. preciso escutar as crianas para que a suainteligncia desabroche.

    Sugiro ento aos professores que, ao lado da sua justa preocupao com ofalar claro, tenham tambm uma justa preocupao com o escutar claro. Amamosno a pessoa que fala bonito. a pessoa que escuta bonito. A escuta bonita umbom colo para uma criana se assentar...

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    Dicas de estudo

    DELORS, Jacques. A Educao para o Sculo XXI: questes e perspectivas. PortoAlegre: Artmed, 2005.

    O livro apresenta artigos baseados em trabalhos realizados pela Comisso Inter-nacional sobre a Educao para o Sculo XXI, criada pela UNESCO.

    SACRISTN, Jos Gimeno.A Educao que Ainda Possvel: ensaios sobre uma cultu-ra para a educao. Porto Alegre: Artmed, 2007.

    Nesta obra, o autor analisa questes desejveis a respeito das prticas educativas,frente aos desafios da sociedade da informao que exige qualidade na formao.

    Atividades

    Responda s questes abaixo, marcando1. Vpara verdadeiro e F para falso. Asquestes falsas devem ser justificadas.

    ( ) Para cumprir sua funo social, a escola precisa considerar as prticasa)culturais, sociais, polticas, econmicas, entre outras, que perpassam nos-sa sociedade.

    ( ) Zabala destaca quatro dimenses de desenvolvimento da pessoa: social,b)interpessoal, pessoal e profissional. Por desenvolvimento interpessoal, com-preende-se o conhecer-se a si mesmo, para buscar compreender o outro.

    Analise o trecho da msica a seguir, relacionando-o funo social da escola.2.Busque enfatizar em sua anlise as dimenses de desenvolvimento da pessoapropostas por Zabala: social, interpessoal, pessoal e profissional.

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    Another brick in the wallPink Floyd

    We dont need no education.

    We dont need no thought control.No dark sarcasm in the classroom.

    Teacher, leave those kids alone.

    Hey, teacher, leave those kids alone!

    All in all youre just another brick in the wall.

    All in all youre just another brick in the wall.

    Ns no precisamos de nenhuma educao,

    Ns no precisamos de censura,

    Sem sarcasmo na sala de aula,Professor, deixe as crianas em paz.

    Ei! Professor! Deixe as crianas em paz!

    Afinal, voc apenas mais um tijolo nomuro,

    Afinal, voc apenas mais um tijolo nomuro...

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    Planejamento I

    Christiane Martinatti MaiaEsta aula tratar de itens relacionados ao processo de planejamento escolar e

    pedaggico, com o objetivo de destacar a sua importncia para a educao e para aprtica docente.

    Planejamento X plano: conceitos e abordagensO ato de planejar faz parte da histria do ser humano. Roman e Steyer (2001, p.

    270), quando abordam o planejamento de ontem e de hoje, afirmam que

    [...] planejar faz parte do cotidiano do homem ao longo da histria da humanidade. Planejava ohomem das cavernas, em busca do sustento, do abrigo, da proteo. Planejava o homem da era vir-tual, para sobreviver num mundo massificado, repleto de modismos, prazeres, problemas, mquinas,insegurana, individualismos, aspiraes, satisfaes e insatisfaes, cincia, tecnologia, progresso,descobertas [...].

    A palavra planejamento, conforme o Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa

    (2001), significa ato ou efeito de planejar; servio de preparao de um trabalho ou deuma tarefa, com o estabelecimento de mtodos convenientes; determinao de umconjunto de procedimentos, de aes, visando realizao de determinado projeto.

    Neste estudo sobre planejamento, abordaremos trs autores brasileiros queatuam na perspectiva progressista de educao: Celso Vasconcellos, Jos Carlos Lib-neo e Danilo Gandin.

    Segundo Vasconcellos (1995), planejar antecipar mentalmente uma ao a serrealizada e agir de acordo com o previsto; buscar fazer algo incrvel, essencialmente

    humano: o real a ser comandado pelo ideal. Assim, para esse autor, o planejamentoajuda a realizar aquilo que se deseja. Se o educador almeja uma sociedade mais justa,ele deve atuar na busca desse ideal ao planejar sua ao educativa (relao teoria-prtica). Dessa forma, ele poder interferir de alguma maneira na realidade.

    Assim, a deciso de planejar significa crer que a realidade pode ser mudada; per-ceber a necessidade de situar-se entre o terico e o metodolgico; enxergar a possibili-dade de realizar determinada ao. O educador, ento, perceber que o planejamento

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    PlanejamentoI

    imposto, como uma questo poltica, pois envolve, entre outros fatos, o compromis-so com a transformao, ou reproduo, da sociedade brasileira.

    O autor completa afirmando que:

    [...] planejar, no sentido autntico, para o professor um caminho de elaborao terica,de produode teoria, da sua teoria! evidente que, num ritual alienado, quando muito que pode acontecer

    tentar aplicar, ser um simples consumidor de ideias/teorias elaboradas por terceiros; mas quandofeito a partir de uma necessidade pessoal, o planejamento torna-se uma ferramenta de trabalhointelectual. (VASCONCELLOS, 1995, p. 46)

    Nesta premissa, ao planejar, o professor alm de entrar em contato com a teoria, autiliza para compreender seu espao educativo, sua prtica pedaggica, pois planejarvai alm de listar contedos programticos associados a atividades: pesquisar e cons-truir suas prprias possibilidades argumentativas e tericas.

    Conforme Gandin (1994), planejar decidir que tipo de sociedade e de serhumano so esperados e que ao educacional necessria para isso; verificar a

    que distncia se est dessa ao e se est havendo contribuio para que o resulta-do esperado seja atingido; propor uma srie orgnica de aes para diminuir essadistncia; executar, agir em conformidade com o que foi proposto e avaliar revisarsempre cada um desses momentos e cada uma das aes, bem como cada um dosdocumentos deles derivados.

    Dessa forma, ainda de acordo com Gandin, planejar em educao implica ela-borar, executar e avaliar. Executarconsiste em atuar de acordo com o que foi propos-to; avaliar examinar constantemente cada uma das aes das dimenses elaborare executar.

    Libneo (2004) define o planejamento como um processo de racionalizao, or-ganizao e coordenao da prtica docente, articulando a ao escolar e o contex-to social. Ao mesmo tempo, o planejamento um momento de pesquisa e reflexointimamente ligado avaliao. Assim, o ato de planejar no se reduz ao mero pre-enchimento de formulrios administrativos. a ao consciente de prever a atuaodo educador, alicerada nas suas opes poltico-pedaggicas e fundamentada nosproblemas sociais, econmicos, polticos e culturais que envolvem os participantes doprocesso de ensinoaprendizagem (escola, professores, alunos, pais, comunidade).

    Para o autor citado, so funes do planejamento escolar:

    esclarecer princpios, diretrizes e procedimentos de trabalho docente quegarantam a articulao entre a funo da escola e as exigncias do contextosocial em que est inserida;

    manifestar a relao entre o posicionamento filosfico, poltico-pedaggico eprofissional do professor com suas aes educativas efetivas;

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    assegurar a realizao de um processo de ensino de qualidade, evitandoimprovisao e rotina, por meio de preparao das aulas e replanejamento,sempre que novas situaes surgirem no processo de ensino-aprendizagem(j que esse processo se caracteriza pelo movimento permanente), impedindoque o plano seja rgido e absoluto;

    planejar de acordo com as condies socioculturais e individuais dosalunos.

    O planejamento orienta a prtica do professor, facilita a sequncia lgicada aodocente e a coernciaentre as ideias e a prtica do educador, pois as aulas so pla-nejadas a partir de dados objetivos da realidade da escola. Alm disso, a constanteorganizao e reorganizao do trabalho docente caracterizam a flexibilidadeque oplanejamento exige.

    Ao planejarem o processo de ensino, a escola e os professores devem, pois, ter clareza de como o

    trabalho docente pode prestar um efetivo servio populao e saber que contedos respondems exigncias profissionais, polticas e culturais postas por uma sociedade que ainda no alcanou ademocracia plena. (LIBNEO, 1994, p. 227)

    O carter pr