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  • II Seminrio Brasileiro Livro e Histria Editorial

    50 Anos de Fundio de Tipos na Imprensa Nacional (1810-1860) Edna Lucia Cunha Lima1 (PUC-Rio, Fundao Biblioteca Nacional)

    Resumo:

    Este artigo trata dos cinqenta anos iniciais da primeira fundidora de tipos brasileira, estabelecida na Imprensa Nacional dois anos aps sua fundao em 1808. Procura relatar como se deu o desenvolvimento desta atividade no perodo com base principalmente nos Relatrios anuais dos Ministros da Fazenda Assemblia e dos administradores da Imprensa Nacional a esses Ministros, eventualmente publicados como Anexos aos documentos ministeriais. Procura interpretar como os dados reunidos explicam a ausncia de uma atividade de criao de tipos no Brasil no perodo.

    Palavras-chave: Tipografia ; Fundio de tipos; Design brasileiro; Imprensa Nacional

    1 Fundindo tipos no Brasil no sculo XIX O interesse no estudo da historia da imprensa no Brasil tem se concentrado em reas

    que passam ao largo das caldeiras de fundir metais e com eles fabricar os tipos,insumo bsico para a indstria grfica at o sculo XIX e mais alm. A substituio definitiva dos tipos mveis por outras tecnologias ainda est por se processar em pequenas grficas especializadas em cartes de visita e notas fiscais localizadas pelo pas afora, em plena poca de tipos digitais. Portanto, para estudarmos as fundidoras atuantes no Rio de Janeiro no sculo XIX, preciso haver um entendimento bsico do que vem a ser fundio de tipos nesta poca. Os tipos mveis foram desenvolvidos a partir do sculo quinze, considerando-se Johann Gutenberg, em cerca de 1450, como quem conseguiu propor processos de

    1 Edna Lucia Cunha Lima designer grfico, Mestre em Design (PUC-Rio), Doutora em Comunicao (ECO-

    UFRJ), e professor adjunto do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio. Tem publicado e orientado trabalhos acadmicos de Histria do Design Brasileiro,sendo o presente artigo resultado de pesquisa realizada com apoio de Bolsa de Pesquisador da Fundao Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Endereo eletrnico: [email protected]

  • fabricao do tipo e de composio manual que tornaram a impresso no Ocidente uma realidade. Gutenberg era ourives e colocou a tecnologia de fabricao de medalhas a servio de sua inveno. Os tipos foram produzidos manualmente at meados do sculo XIX, quando foram desenvolvidos maquinrios para sua reproduo mecnica e, posteriormente, ao processo de criao dos tipos mveis foi parcialmente mecanizado. As primeiras fundidoras comerciais cariocas datam da dcada de 1820 mas dez anos antes temos o incio da primeira oficina especializada na Imprensa Nacional no Rio de Janeiro.

    A fabricao manual de tipos obedecia seguinte seqncia: gravao de punes, fabricao de matrizes e, finalmente, de tipos. Inicialmente gravava-se a letra no puno de ao com buris apropriados. Batia-se com um martelo no puno de ao sobre uma barra de cobre, fazendo-se a matriz. Depois a matriz era ajustada, ou seja limada para ser inserida no molde manual, de tal forma que sobrasse um vo no qual era derramada a liga de antimnio, chumbo e outros metais. Solidificada a massa fundida, e aberto o molde, tinha-se um tipo, que por sua vez era limado, acabado, pronto para o uso. A operao era repetida para cada caractere. Os tipos obtidos eram levados s grficas e compostos, ou seja reunidos, formando-se a matriz para impresso, entintados, para finalmente sarem impressos no papel.

    Esse mtodo de produo de tipos manualmente, um a um, durou at a Revoluo Industrial, quando mquinas para produo automtica foram inventadas, sendo a primeira bem sucedida desenvolvida por David Bruce da fundidora nova-iorquina Bruce, em 1838, a Pivotal Typecaster, patenteada em 1845, sendo a seguir licenciada na Europa (MEGGS: 1998). Alguns fundidores atuantes no Brasil, como Eugenio Bouchaud, em 1860, afirmam dispor de uma destas mquinas (Almanach Laemmert, 1861). As matrizes continuavam a ser produzidas da mesma forma, mas agora eram inseridas em mquinas, o que aumentava a produo de tipos. Custou um pouco mais para que a criao dos tipos mveis, at ento dependente do trabalho do gravador de punes tipogrficas ou puncionista, fosse mecanizada,o que veio a acontecer quando o fundidor americano Loyd Boyd Benton inventou o pantgrafo tipogrfico (este instrumento possibilitou que, em vez de esculpir, o designer de tipos passasse a desenhar antes da produo). Como a inveno se deu em

  • 1884, possvel que tipos criados por este processo tenham sido utilizados na imprensa brasileira ainda no sculo de sua inveno. H algumas indicaes nesse sentido nos anncios das fundidoras brasileiras no Almanach Laemmert, que citam matrizes e tipos norte-americanos no seu acervo.

    Alm dos designs serem copiados por fundidoras concorrentes, era possvel plagiar o design das fontes de tipos fazendo clichs e galvanos, e empresas que faziam estereotipia e galvanoplastia eram abundantes no Rio de Janeiro do sculo XIX (BLACKWELL,1997). Os tipos resultantes no tinham a mesma qualidade dos vendidos comercialmente. Para corpos maiores usados em ttulos de jornais e em cartazes, existiam os tipos de madeira.Tornaram-se mais comuns desde o desenvolvimento de ferramentas como as tupias. Pelo menos um gravador de tipos em madeira, Letonellier, anuncia no Almanack Laemmert de 1850 a 1853. Todos estes mtodos conviveram durante o sculo XIX, embora nem todos tenham sido, necessariamente, praticados no Brasil. A mecanizao da composio com linotipos e monotipos s ocorrer na segunda dcada do sculo XIX.

    Dois estabelecimentos oficiais tiveram, no sculo XIX, a iniciativa de fundir tipos: a Imprensa Nacional, pioneira no pas, a partir de 1810-11, inicialmente na Secretaria dos Negcios da Guerra e depois no Ministrio da Fazenda. A outra foi a Casa de Correo que estava relacionada com o Ministrio da Justia e a fundio l instalada funcionou de 1862 a 1864. Ao mesmo tempo aps 1820, vrias fundidoras particulares se estabeleceram no Rio de Janeiro, como a de Pinart, mas a de Isaac Balonchard aquela que podemos considerar como a primeira neste tipo de atividade comercial no Rio de Janeiro.

    2 A pioneira oficina de fundio de tipos na Imprensa Nacional No rescaldo da vinda da famlia real portuguesa para o Brasil em 1808, o prelo

    trazido no navio Medusa ps-se em movimento, imprimindo decretos, documentos e demais papis oficiais que o recm instalado governo demandava. Junto com o prelo vieram 28 caixas de tipos ingleses, com os quais tem incio a publicao dos nossos incunbulos, com a Relao de Despachos.

  • A Imprensa Nacional era uma grfica oficial e tambm editora que iria publicar de textos literrios e didticos. Recebeu diversos nomes ao longo de sua existncia: Impresso Rgia, Impresso Nacional, Tipografia Nacional, Imprensa Nacional. Comeou, em setembro de 1808, a publicar o jornal Gazeta do Rio de Janeiro, que trata dos assuntos que interessavam aos portugueses no exlio, o primeiro peridico projetado e impresso dentro das condies adversas existentes no Rio de Janeiro da poca.Posteriormente publicar o Dirio Oficial, tornando pblicas as resolues governamentais.

    Pouco tem sido dito sobre as relaes entre a Imprensa Nacional em funcionamento no Brasil e as tradies herdadas de sua congnere portuguesa. A princpio a instituio brasileira estava em posio de continuidade com relao similar europia. O que vai saindo das prensas da Imprensa Nacional no Rio de Janeiro, que vai pouco a pouco chegando a uma maturidade que leva alguns estudiosos a elogiar o projeto de livros. No podemos nos esquecer que parte dos tipgrafos foi formada na oficina lisboeta. So eles que fazem as escolhas de fontes para ampliar e atualizar o acervo da instituio. A exemplo do que havia em Lisboa, mas certamente com necessidade maior devido distncia dos fornecedores de material tipogrfico, dois anos depois da chegada ao Brasil, conforme Hallewell, em pouco tempo (em 1810), uma fundio de tipos seria acrescentada s instalaes de impresso. Foi nesse ano que os gravadores da Oficina do Arco do Cego lisboeta se estabelecem no Rio de Janeiro, dando incio ilustrao com gravuras em metal das obras da Imprensa Rgia.

    Uma mudana administrativa se opera nos primeiros anos, deixando a Imprensa Nacional de pertencer ao Ministrio dos Negcios Estrangeiros e da Guerra e passando para o Ministrio da Fazenda, sendo dirigida por uma Junta Diretora, que fazia relatrios peridicos ao Ministro e este Assemblia, e a partir destes documentos que Valle Cabral (1881) e mais tarde Oliveira Bello (1908) vo reconstruindo o incio do funcionamento do estabelecimento e, em especial o que interessa no presente estudo, da oficina de fundio de tipos. Eles tiveram tambm acesso a documentos contbeis e outros que auxiliam a montar um quadro mais completo. A primeira Junta dirigiu a oficina de 1808 a 1815. Em 1811 foi feito o pagamento a aprendizes de fundir letras, e nos pagamentos de 1812 e do ano

  • seguinte comenta-se que foram fundidos tipos de diversos tamanhos ou corpos, alm de espaos em branco, conforme consta no Borrador relativo a 1812/13:

    Para fundir 16 libras de Brevirio mido; Para fundir 7 libras de Leitura, caixa baixa; Para fundir 8 libras de Tanazio; Para fundir 3 libras de Texto; Para fundir espaos de Textos; Para caleinar metal, etc. (BELLO, 1908:71)

    Este mesmo autor esclarece como funcionava o setor: Fundia-se mo, em moldes, letra a letra e, segundo rezam notcias contemporneas, o servio era feito em grande parte fora da Impresso Rgia, em domiclio e pago por obra (BELLO, 1908: 71). Entre os aprendizes consta o nome de Manoel Mendes Diniz, que, anos mais tarde ser preso por ter em sua posse instrumentos de sua profisso.

    Em 1813 a primeira Junta da Imprensa Nacional deu ao funcionrio Alexandrino Jos das Neves o que hoje seria uma bolsa de estudos, enfim, um estgio em uma fundidora de tipos inglesa para se aperfeioar, onde aprendeu a gravar punes e a fundir tipos. No h registro da empresa onde Neves teria se aperfeioado. Na volta, no entanto, mostrou-se desinteressado do trabalho, pediu aumento e no obteve, e acabou sendo despedido. Sua trajetria posterior narrada por Ferreira (s/d). Ele relata que Alexandrino viajou ento para Lisboa, onde foi contratado em 1815 para assumir o posto de mestre dos gravadores e fundidores da fundio de tipos da Impresso Rgia portuguesa. Sua passagem pelo Brasil, foi, portanto apenas um trampolim para um posto melhor na Impresso Rgia lisboeta, como tantos funcionrios pblicos depois dele. certo que esta aventura de Alexandrino desanimou outras tentativas de formao de puncionistas no exterior por conta do governo.

    J o episdio posterior de interesse principalmente por termos de um lado o auto de apreenso pela Polcia e de outro, a defesa do acusado pela segunda Junta Diretora da Imprensa Nacional (1815-1830). Como conseqncia da Revoluo do Porto que resultou na volta da Corte para terras portuguesas, foi publicado o Decreto de 9 de maro de 1821, acabava com a censura prvia. Essa lei, que liberava parcialmente a imprensa no Brasil, permitiu o estabelecimento de grficas e jornais nas mos de particulares, ao mesmo tempo em que estabelecia, na contramo, uma rgida censura s provas tipogrficas j impressas.

  • Foi essa censura que levou o Intendente Geral da Polcia a apreender uma fundio em Matacavalos, ou seja na atual Rua do Riachuelo, no Centro do Rio de Janeiro. A II Junta Diretora da Imprensa Nacional foi chamada a opinar a respeito do funcionrio do estabelecimento:

    Temos a declarar que era permitido a Manoel Mendes Diniz, em razo de sua arte de fundir, justificar letras, matrizes e moldes, o ter os acima mencionados efeitos e outros mais em sua casa, muitos deles com expressa licena, e outros por consentimento da Direo, sem prejuzo da Oficina. Se o referido Manoel Mendes Diniz no tem alguma outra culpa de nosso dever recomend-lo a V.S. como absolutamente necessrio a esta oficina por no haver outro algum no Reino que preencha este mister (BELLO, 1908: 71)

    Como vemos, trata-se de um aprendiz que deu certo a ponto de ser considerado indispensvel e at mesmo nico pelos seus empregadores. Verificamos tambm a informao de que parte dos trabalhos de fundio era realizada fora da oficina, na casa de fundidores, se concretiza, pois Diniz era provavelmente pago por obra. Os utenslios apreendidos so igualmente citados:

    Uma tbua com uma composio de bilhetes de vinho do porto e de licor; um caixo com vrios repartimentos, e dentro deles vrias letras de caixa alta e vrios espaos de entrelinhas; um cumplidor [sic] de lato; dois moldes de fundir letras; uma caixa pequena, e dentro dela quatro embrulhos de letra de caixa alta; mais dois ditos, uma tesoura de cortar folha; trs limas; um serrote de mola de relgio; uma colher de fundir; uma ponta; nove folhetos de letra redonda; dezenove cartes de cartas de jogar; trs embrulhos de cartas de jogar; quatro baralhos ditas; vrios papis avulsos; vrias matrizes; e um esquadro de lato .

    No eram muitos os instrumentos de trabalho dos fundidores, a julgar pelo que foi apreendido com Manoel Mendes Diniz. Era bvio que compunha e imprimia rtulos e cartas de jogar, alm de fundir tipos usando matrizes e moldes manuais. A impresso de cartas de jogar era lucrativa e proibida, controlada pelo governo. No so citados materiais para gravar punes, apenas o trabalho com matrizes e fundio de tipos.

    A existncia de um setor de fundio de tipos no parece ter tido um desenvolvimento continuado, como evidentemente, o de impresso. A compra eventual de tipos no exterior continuou sendo a prtica, toda vez que se adquirem prelos na Europa, contabiliza-se a aquisio de fontes. Em 1822, uma compra dessas foi intermediada pelo livreiro francs Paulo Martin, encarregado da venda da Gazeta do Rio de Janeiro. Esta compra interessa no apenas por conta da entrada de tipos franceses nas oficinas oficiais, como pelo prprio intermedirio, figura de importncia no meio livreiro brasileiro. Os franceses vo se

  • interessando pelo negcio de fundio, sendo foi um deles, Pierre Ren Franois Plancher de la No, que chegou Brasil em 1824, tendo fundado em 1827, o Jornal do Comrcio. Ao chegar, prope ao Governo estabelecer uma oficina de fundio de tipos e outra de gravura, sendo a proposta rejeitada. Hallewell indica Plancher como um dos responsveis pela influncia francesa no ramo editorial, o que se refletir duradouramente nas escolhas tipogrficas das grficas e editoras nacionais.

    Sem um trabalho contnuo de conservao, os tipos da Imprensa oficial comearam a deteriorar, acumulando-se material imprestvel. Em 1834 o Ministro da Fazenda, Manoel do Nascimento Castro e Silva, comenta em seu Relatrio anual Assemblia, na parte relativa Tipografia Nacional, que necessria uma fundio de tipos com a qual se aproveitaro os tipos inutilizados dos quais j existem mais de 100 quintais e teremos por preo mais cmodo essa mercadoria que hoje nos vem do estrangeiro. Comenta ainda que havia tanto tipos ingleses mais antigos como franceses comprados recentemente, e essa mistura deixou falhas que no foram supridas. Comprados a esmo os tipos no se harmonizavam. Dois anos mais tarde o Relatrio ministerial revela que Castro e Silva resolveu tomar uma atitude:

    Por haver uma quantidade enorme de tipos inutilizados, me ocorreu mandar engajar na Europa um fundidor, que vindo aproveitar o material, ora sem prstimo, nos forrar a necessidade de mandar vir tal gnero do estrangeiro para um estabelecimento nacional, e amestrar nossos operrios nesta indstria.

    No ano seguinte, o Relatrio d conta do andamento de seu projeto: Esta nova oficina, dependente da Tipografia Nacional, ainda no se acha em atividade de servio. O desejo de aproveitar a enorme quantidade de letra inutilizada, de que h pouco falei, e de introduzir um novo ramo de indstria no pas, despertou a idia deste estabelecimento por conta do Estado. Em virtude da ordem do Governo de 22 de Maro de 1837, expedida casa de Samuel & Phillips de Londres, foi ali contratado um Mestre fundidor de tipos, que j reside nesta cidade.

    A Casa de Samuel & Philips a que se refere era a representante dos banqueiros Rothschild no Brasil, atuando como intermedirios nos negcios entre a casa bancria e o Governo Imperial. Prossegue o Ministro Castro e Silva, explicando os termos do contrato, claramente desfavorveis aos brasileiros:

    Pelo contrato feito em nome do Governo Imperial por agente devidamente autorizado, obrigou-se o dito mestre a dirigir por quatro anos a fundio que fosse aqui estabelecida, e a

  • ensinar o ofcio de fundir letras, e figuras de metal aos aprendizes, que lhe fossem entregues; e o governo a pagar-lhe 400 no primeiro ano, 450 no segundo, 500 no terceiro, e outro tanto no quarto, alm de 100 por cada um aprendiz, recebendo 20 na ocasio da entrega, e 80 no fim do quatrinio, embora o aprendiz morresse, ou fugisse antes deste prazo.

    Devendo o governo cumprir o contrato celebrado, procurei desde logo criar a Fundio, para a qual tudo faltava, at mesmo casa, pois receei assent-la debaixo dos arquivos desta augusta Cmara, onde se acha a tipografia, em cujo edifcio alis melhor fora coloc-la. Vencida porm a dificuldade da Casa, e da construo particular das fornalhas, est quase pronto o material da mesma fundio; mas quanto ao pessoal dela, no me tem sido possvel consegui-lo, exigindo o Mestre, que um dos aprendizes pelo menos entenda o ingls. Se estoutra dificuldade for aplanada com a brevidade que desejo, a Fundio comear a trabalhar.

    A exigncia de que um dos aprendizes fosse capaz de entender o Mestre vai mostrando a dificuldade de levar a cabo o projeto. Em 1838, o ministro da Fazenda Candido Baptista de Oliveira, mostrando-se preocupado com o custo da empreitada:

    O custeio desta oficina simplesmente como escola custa Nao 6.000$ RS anuais, mas o Administrador da Tipografia Nacional que tem a seu cargo a inspeo deste estabelecimento, ora em cerca de 40 contos a despesa necessria, por sua vez, para que a oficina possa fornecer Tipografia os tipos e utenslios de que carece; o que, fora de dvida, tem de custar muito mais caro Nao, do que se fizesse a aquisio de tais objetos em qualquer oficina da Europa.No fiz contemplar no Oramento esta adio, reservando-vos a deciso deste negcio para ocasio oportuna.

    No ano seguinte, muda o Ministro, assumindo Miguel Calmon du Pin e Almeida a pasta da Fazenda e sem se mostrar muito entusiasmado, relata:

    Desejoso meu antecessor de tirar algum partido de semelhante empresa, levada a efeito por um contrato oneroso, de que j tivestes conhecimento, empregou para esse fim uma casa, se no a mais apropriada, ao menos a que prontamente se oferecia sem gravar o Tesouro com novas despesas; e deu-lhe 12 alunos, os quais trabalham com assiduidade em companhia do referido Mestre.

    Paralelamente o Ministro da Fazenda monta uma comisso para verificar o funcionamento da Imprensa Nacional, que acaba por averiguar a m qualidade da administrao da grfica oficial, levando sua reorganizao. proposto um novo Regulamento para seu funcionamento que, segundo o ministro, dar tipografia o carter de oficina e no o de repartio pblica de que se tem revestido. Observa que a propriedade deste Estabelecimento deve depender menos de privilgios ofensivos indstria privada que do aperfeioamento das suas mquinas, regularidade de seu trabalho e fiscalizao de sua

  • receita e despesa. O Relatrio de 1839 demonstra que vinha desanimado com a experincia com o nunca nomeado Mestre ingls:

    Pelas informaes que tenho da Fundio de tipos nada se pode esperar, visto que os aprendizes pouco ou nada sabem, e pouco ou nada podero aprender daqui em diante, tanto porque o contrato social est a acabar, como porque faltam todos os instrumentos prprios da fundio, e a mandarem-se vir no custariam menos de 40.000U.

    Trata-se evidentemente de um projeto mal organizado desde o incio. Nas palavras do Ministro h uma velada censura a seu antecessor, sem nada fazer para salvar a situao. Continua o relato,explicando que o Mestre tinha uma proposta, cujo exato teor no conhecido:

    O Mestre fundidor depois de mostrar em uma representao a utilidade da introduo desta indstria no pas, e que ele sempre contou em Londres com um estabelecimento fundado, que apenas precisava de um bom diretor, ofereceu-se ao Governo para ir comprar todos os utenslios prprios, mediante uma soma de 5.190, mas esta proposta no lhe pode ser aceita, sendo certo que nenhuma vantagem se pode esperar de mais um estabelecimento industrial desta espcie, sustentado a custa do Governo.

    Independentemente do custo da empreitada, v-se que os dois ministros discordavam sobre a utilidade de uma fundidora funcionando na Imprensa Nacional: o primeiro achava que era um investimento a longo prazo para formao de mo de obra especializada e o outro um gasto dispensvel sem vantagens para o pas. Miguel Calmon comea a tomar p na situao, tanto que seu Relatrio de 1840 apresenta um quadro mais realista, afirmando com preciso que de 40.636 libras de tipos existentes na oficina, apenas 6.429 podem servir, mas no simultaneamente; por quanto comprados a esmo, so mal sorteados, e de diferentes fundies. Assim sendo, o Relatrio de 1840 esclarece que resolveu terminar com a experincia, nos seguintes termos:

    Por acordo com meu antecessor e o Mestre fundidor de tipos, que por contrato celebrado em Londres aos 10 de julho de 1837, dali viera para estabelecer nesta Corte a fundio de tipos de que tive a honra de falar-vos no meu Relatrio de 1838, ficou sem efeito aquele contrato, recebendo o dito Mestre a soma de 600 e renunciando a todas as vantagens que lhe eram devidas at 10 de julho de 1838, poca em que acabava o sobredito contrato. Lucrou a Fazenda Pblica com este acordo, constante do termo lavrado em 21 de outubro do ano passado, a quantia de 360 ; tendo custado a tentativa e ensaio desta oficina mais de 18 contos ao Tesouro Nacional.

    Termina assim a aventura do Mestre fundidor ingls sem que seu nome tenha sido ainda desvendado. Orlando da Costa Ferreira tem a hiptese de que teria sido Anthony Bessemer

  • quem veio para o Rio de Janeiro (FERREIRA, S/d). Trata-se de um fundidor experiente que gravou punes para Didot, P.F. Gando e Ensched, tendo chegado a se associar com Caslon (de 1814 a 1821), antes de abrir sua prpria empresa com Catherwood, para finalmente mudar a fundidora para a Red Lion Street, no 54 em Clerkenwell, de onde publicou um catlogo, cuja edio fac-similar foi editada pela Saint Brides Library com um prefcio com nota biogrfica por James Mosley. Anthony Bessemer teve uma vida momentosa, narrada nas memrias de seu filho Henry Bessemer, inventor que fez fortuna com a Revoluo Industrial. Aposentou-se em 1832, promovendo o leilo de sua oficina (MOSLEY,s/d). A alegao de Ferreira baseia-se na chegada de um Bessemer ao pas, na barca inglesa New York Packet. Os documentos mais antigos sobre a Imprensa Nacional foram incinerados no grande incndio de 1811, levando o pesquisador a procurar indcios nas listas de estrangeiros chegados da Inglaterra publicadas na Seo Movimento do Porto do Jornal do Commercio onde o nome de Bessemer consta em 25 de outubro de 1837. Contra esta hiptese se levantam dados da prpria biografia do fundidor ingls, que nasceu em 1766 e que em 1837, no momento do contrato, teria 71 anos. Alm disso, vivera por muitos anos na Frana, chegando a ser membro da Academia de Cincias daquele pas. Uma pessoa com estas qualificaes dificilmente deixaria a Europa na velhice e ainda menos pediria um ajudante que falasse ingls, estando apto a se comunicar em francs, lngua mais conhecida no Rio oitocentista.

    Por mais frustrante que tenha sido esse projeto, a necessidade de estabelecer uma fundio continuava. Tanto que em 1858, quase duas dcadas passadas,o assunto torna a interessar o ministro da Fazenda da poca, o Visconde de Inhomirim, Francisco de Salles Torres Homem, que teve a iniciativa de criar a fundio de tipos como um servio da Imprensa Nacional, com economia de dinheiros e que oferecer mais uma carreira industrial sociedade brasileira. Prope uma reforma na Tipografia Nacional proposta pelo Decreto no 2492 de 30 de setembro de 1859, tendo o estabelecimento sido organizado em quatro sees, respectivamente de escriturao, depsito de impresso, oficina de composio, oficina de impresso. Ao descrever esta mudana, a empresa no descrimina quantos fundidores empregava, informando apenas que: Alm de uma grande variedade de corpos e vinhetas tem a tipografia dez prelos manuais franceses e trs ingleses e dois mecnicos.

  • No h nos Relatrios outra meno a iniciativas de melhorias na fundio ou de aperfeioamento de pessoal, em um tempo em que as fundidoras de tipo particulares ampliam sua atuao local, inclusive com servios de venda de fontes tipogrficas diretamente da Europa.

    3 Concluso O problema que a Imprensa Nacional encontrou para desenvolver com maior

    sucesso o setor de fundio de tipos, ao longo do tempo, foi o de formao de pessoal. Fez duas tentativas frustradas para elevar o nvel tcnico dos fundidores nesses cinqenta primeiros anos de existncia. Na primeira, em 1813, manda estudar na Inglaterra Alexandrino Jos das Neves que tendo aprendido o ofcio, no permaneceu no Brasil. A segunda interveno d-se em 1837, contratando-se um mestre diretamente na Inglaterra o que tambm no surtiu o efeito desejado, em grande parte devido ao contrato leonino assinado na Europa.

    A empresa recorreu continuamente a compras de matrizes e de tipos ingleses e franceses, sem organizar um programa eficaz de formao de mo de obra nem organizar devidamente as aquisies para seu acervo. Com isso, o que temos so operrios que aprenderam a fabricar tipos mas no puncionistas (gravadores de punes) capazes de criar novos designs de fontes.

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