Deficiência - pessoacomdeficiencia.gov.br · AMES/BPC Avaliação Médico-Pericial e Social da...

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Maria Aparecida Gugel Pessoas com Deficiência Reserva de Cargos e Empregos Públicos Administração Pública Direta e Indireta e o Direito ao Concurso Público

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  • Maria Aparecida Gugel

    Pessoascom Deficincia

    Reserva de Cargos e Empregos Pblicos Administrao Pblica Direta e Indireta

    e o Direito ao Concurso Pblico

  • Maria Aparecida Gugel membro do Ministrio Pblico do Trabalho

    desde 1988. A partir de 1993 vem se

    dedicando aos direitos humanos nas relaes de

    trabalho, evidenciando o carter nefasto da

    discriminao contra pessoas com deficincia,

    negros, mulheres, indgenas, idosos e LGBT.

    Detm considervel produo de artigos e livros

    sobre os temas.

    A contratao de trabalhadores com deficincia

    por empresas em todo o Brasil teve sensvel

    alterao e melhora a partir de 1999, com a

    unidade de atuao do Ministrio Pblico do

    Trabalho. Essa ao foi coordenada pela autora por

    meio da Comisso Mista de Estudos, criada com

    esse objetivo. Dos trabalhos da Comisso,

    produziu-se o Manual de Procedimentos Visando a

    Insero da Pessoa Portadora de Deficincia e do

    Beneficirio Reabilitado no Trabalho, editados em

    2001 e 2002 para utilizao interna do Ministrio

    Pblico do Trabalho.

    Coordenou a Cmara Tcnica para o Estudo da

    Reserva de Vagas para a Pessoa Portadora de

    Deficincia em Concurso Pblico promovido pela

    CORDE, em novembro de 2002, integrada pelos

    Ministrios Pblicos Federal, do Trabalho e dos

    Estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Gois. O

    resultado dos trabalhos da Cmara Tcnica

    inspirou e serviu de subsdio para esta obra, agora

    revisada e ampliada.

    Desde 1999 vem atuando em diferentes

    composies do Conselho Nacional de Direitos

    da Pessoa com Deficincia (CONADE), ora

    representando o Ministrio Pblico do

    Trabalho, ora a Associao Nacional de

    Membros do Ministrio Pblico em Defesa

    da Pessoa com Deficincia (AMPID), posto

    acreditar ser possvel melhorar as polticas

    pblicas por meio do controle social exercido pelos

    conselhos de direito.

    Teve assento junto ao Conselho Nacional de Combate

    Discriminao (CNCD), com participao ativa na

    implementao do Programa Brasil sem Homofobia

    Foi colaboradora do Programa Integrado de

    Aes Afirmativas para Negros (Brasil

    Afroatitude), do Programa DST/AIDS do

    Ministrio da Sade, pois acredita na poltica de

    cotas sustentadas.

    procuradora jurdica voluntria da Associao de

    Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE-DF,

    colaborando com o programa de insero de

    pessoas com deficincia intelectual no trabalho por

    meio do trabalho apoiado e da aprendizagem.

    Compe atualmente a diretoria da

    Associao Nacional dos Membros do

    Ministrio Pblico de Defesa dos Direitos dos

    Idosos e Pessoas com Deficincia (AMPID) e

    Membro Auxiliar do Ncleo de Atuao

    Especial em Acessibilidade do Conselho

    Nacional do Ministrio Pblico (NEACE/CNMP) na

    coordenao da implantao da acessibilidade

    para pessoas com deficincia no mbito

    do Ministrio Pblico Brasileiro.

    Foto: Cristiano Eduardo

  • MARIA APARECIDA GUGEL

    PESSOAS COM DEFICINCIA

    E O DIREITO AO CONCURSO PBLICO - RESERVA DE CARGOS E EMPREGOS PBLICOS

    - ADMINISTRAO PBLICA DIRETA E INDIRETA

    GOINIA

    2016

  • 2006 by Maria Aparecida Gugel

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    Reviso

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    Normatizao

    Alessandra Anselmi

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    Capa

    Flix Pdua

    Arte Final da Capa

  • 3 Edio Revisada e Ampliada, 2016

    Gugel, Maria Aparecida

    Pessoas com deficincia e o direito ao concurso pblico: reserva

    de cargos e empregos pblicos, administrao pblica direta e indireta.

    / Maria Aparecida Gugel __ Goinia: Ed. da UCG, 2016.

    357p.

    ISBN 85-7103-311-0

    1. Direitos humanos. 2. Cargos pblicos Pessoas com deficincia. 3. Concurso pblico.

    4. Acessibilidade e tratamento diferenciado. I. Ttulo.

    CDU 342.722-056.26

  • SIGLAS

    ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas

    AMES/BPC Avaliao Mdico-Pericial e Social da Incapacidade para a Vida

    Independente e para o Trabalho

    BPC Benefcio de Prestao Continuada

    CDC Cdigo de Defesa do Consumidor

    CDPD Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia

    CIF Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade

    CID Classificao Internacional de Doenas

    CIDID Classificao Internacional de Impedimentos, Deficincias e Incapacidades

    CONADE Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficincia

    CONTRAN Conselho Nacional de Trnsito

    CPC Cdigo de Processo Civil

    CORDE Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia

    LACP Lei da Ao Civil Pblica

    LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais

    LBI Lei Brasileira de Incluso da Pessoa com Deficincia (Estatuto da Pessoa com

    Deficincia)

    MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome

    MPS Ministrio da Previdncia Social

    OEA Organizao dos Estados Americanos

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

    OMS Organizao Mundial da Sade

    ONU Organizao das Naes Unidas

    SNPD Secretaria Nacional de Promoo dos Direitos da Pessoa com Deficincia

    STF Supremo Tribunal Federal

    STJ Superior Tribunal de Justia

    TEA Transtornos do Espectro Autista

    TST Tribunal Superior do Trabalho

  • APRESENTAO (1 e 2 edies)

    As pessoas com deficincia, segundo os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica. Censo Demogrfico 2000. Caractersticas Gerais da

    Populao, www.ibge.gov.br/home/estatstica/populacao/censo2000/populacao_censo2

    000) para o Censo-2000, somam 14,48% da populao, ou seja, cerca de 24.5 milhes

    de brasileiros com algum tipo de deficincia, dos quais, consignam os indicadores,

    somente 537 mil esto includos no trabalho para uma comunidade nacional de 26

    milhes de trabalhadores ativos. Desses milhares de trabalhadores com deficincia,

    desconhecido o nmero de servidores pblicos com deficincia nas esferas federal,

    estadual e municipal. O fato que para qualquer estatstica que se olhe, percebe-se

    desde logo a ausncia da pessoa com deficincia, resultado significativo a revelar que

    esta pessoa no est porque no includa nesse universo social-produtivo. As

    razes? Alm daquelas histricas de marginalizao, perpassando pela concepo de

    incapacidade para o trabalho ou de ser alvo exclusivo de tratamento caridoso e que

    levaram a pessoa com deficincia a ser alvo de discriminao, atualmente a falta de

    cumprimento de comandos essenciais, dirigidos a qualquer cidado: ter acesso e ser

    mantido na escola, com ensino de qualidade; ter meios de se qualificar

    profissionalmente; ter acesso adequado a bens e servios; concorrer em igualdade de

    condies para um trabalho digno e produtivo. Sem esquecer que referidos comandos

    decorrem do processo evolutivo das leis nacionais que recebem, na sua concepo, a

    influncia direta dos Tratados e Declaraes internacionais protagonizados pelos

    movimentos organizados visando s mudanas sociais.

    A pessoa com deficincia, apta a exercer uma funo pblica de forma a atender

    o interesse pblico (o da coletividade), poder ingressar - como todos - na administrao

    pblica (direta e indireta) por meio de concurso pblico de provas ou de provas e

    ttulos. Querendo, o candidato pode optar pela obrigatria reserva de cargos e empregos

    pblicos.

    No entanto, a participao de candidato com deficincia em concurso pblico,

    desde a inscrio at a nomeao, no raro, conflituosa, sendo que sua participao s

    ocorre por imposio de medida judicial. Isto acontece porque, no obstante os

    princpios constitucionais de amplo acesso, concurso pblico e reserva de cargos e

    http://www.ibge.gov.br/home/estat%C3%ADstica/populacao/censo2000/populacao_censo2000http://www.ibge.gov.br/home/estat%C3%ADstica/populacao/censo2000/populacao_censo2000

  • empregos, a Administrao Pblica em todos os nveis (federal, estadual e municipal)

    no est preparada para receber este cidado em seus quadros. Esse despreparo,

    intrinsecamente preconceituoso, corporifica-se em editais pouco claros e margem dos

    princpios constitucionais e das normas vigentes: no afere o nmero de servidores e

    empregados pblicos com deficincia em seus quadros; no estabelece meta para o

    cumprimento da reserva de cargos de empregos pblicos; no respeita o direito da

    pessoa com deficincia s provas e locais de provas adaptados; no respeita a ordem de

    classificao, compatibilizando as listas geral e especial; no disponibiliza todos os

    cargos e empregos pblicos para pessoa com deficincia, sob a justificativa de que

    exigem aptido plena ou so incompatveis com a deficincia; no concede apoio

    especial para o perodo de estgio probatrio. Enfim, no harmoniza os princpios da

    razoabilidade e interesse pblico e outros que norteiam a administrao pblica para a

    realizao de um certame pblico, com direitos constitucionais previstos, alguns

    especficos para as pessoas com deficincia e, com isso, no colabora - impede mesmo -

    a incluso dessas pessoas.

    O objetivo deste livro demonstrar o caminho legal e adequado para o

    cumprimento das regras gerais e especficas de concurso pblico atinente pessoa com

    deficincia e que podem ser seguidas pelo administrador pblico de maneira a prevenir

    qualquer forma de discriminao.

  • APRESENTAO (3 edio revisada e ampliada)

    A Conveno sobre os Direitos da Pessoa com Deficincia (CDPD), norma

    internacional com natureza constitucional, comanda a sociedade brasileira a

    efetivamente aplicar os elementos de acessibilidade e mecanismos de tratamento

    diferenciado em todos os domnios da vida da pessoa com deficincia, de forma que ela

    possa alcanar autonomia e independncia individual, inclusive a liberdade de fazer as

    prprias escolhas.

    S ser possvel empreender e implantar a acessibilidade se houver conscincia

    entre as pessoas, a sociedade em geral e os rgos pblicos que lhes prestam servios,

    de que os deveres e obrigaes so comuns e que, portanto, todos tm a

    responsabilidade de se esforar para promover e observar os direitos reconhecidos em

    todos os documentos internacionais com carter de direitos humanos, dentre eles a

    CDPD, e as leis e regulamentos nacionais nela baseados. Da porque a importncia da

    Lei Brasileira de Incluso da Pessoa com Deficincia (Estatuto da Pessoa com

    Deficincia) (LBI) que retrata os anseios para a construo de uma sociedade que

    acolhe a todos.

    Assim est pautada a reviso desse livro que contm reflexes e instrues em

    como preparar um concurso pblico para todos e que atenda aos comandos

    constitucionais e legais.

  • PREFCIO

    O primeiro fundamento da ordem jurdica o Direito Natural. Direito que

    decorre da natureza das coisas. Engloba os direitos humanos fundamentais, ou seja,

    aqueles que so condio de existncia da pessoa humana. Segundo S. Toms de

    Aquino, so eles passveis de captao experimental a paulatina, ao longo da histria, o

    que explica a evoluo no seu reconhecimento, consubstanciando os chamados direitos

    de 1, 2 e 3 geraes.

    Desde o abstencionismo estatal assecuratrio da liberdade e do direito vida

    como bem primrio e condio de todos os demais, passando pela gerao dos direitos

    sociais e prestaes concretas em nome da igualdade, chega-se nessa 3 gerao de

    direitos fundamentais implementao do ideal de fraternidade, pela preservao da

    vida em suas condies mais frgeis: no seu incio (direitos da criana), no seu final

    (direitos dos idosos) e com funcionalidade comprometida (direitos das pessoas com

    deficincias), requerendo uma proteo especial.

    Em relao aos direitos humanos fundamentais, nos quais se incluem aqueles

    das pessoas com deficincia, no o Estado que os outorga, mas apenas os reconhece

    como nsitos pessoa humana. Assim em relao a esses direitos, no h que falar em

    natureza constitutiva do direito de declaraes, como a Declarao dos Direitos do

    Homem e do Cidado (1789), formulada na Revoluo Francesa e a declarao

    Universal dos Direitos Humanos (1948), formulada pela ONU. Da se percebe a

    natureza declaratria desses atos, reconhecendo algo que preexiste ao Estado.

    Na Declarao da OIT sobre os princpios e Direitos Fundamentais no Trabalho

    (1998), chegou-se a um denominador comum mnimo em relao ao qual no se pode

    garantir condies dignas de trabalho (princpios admitidos por todos os pases que so

    membros da OIT, ainda que no ratifiquem nenhuma de suas convenes): eliminao

    de todas as formas de trabalho forado ou obrigatrio (trabalho escravo); abolio

    efetiva do trabalho infantil; liberdade de associao e liberdade sindical, com o

    reconhecimento efetivo do direito negociao coletiva; eliminao da discriminao

    em matria de emprego e ocupao.

    No presente estudos, a Dra. Maria Aparecida Gugel, ilustre Subprocuradora-

    Geral do Trabalho e dileta colega de Ministrio Pblico, no qual ingressamos pelo

  • mesmo concurso, desenvolve este ltimo aspecto em relao s pessoas com

    deficincia. E o faz com profundidade, extenso e competncia, tornando a obra marco

    referencial de consulta.

    Em recente palestra proferida em Braslia (setembro/2005), o eminente

    constitucionalista alemo Peter Hberle (n. 1934) fazia uma releitura, 30 anos depois, de

    sua conhecida obra A Sociedade Aberta dos Intrpretes da Constituio (1975),

    propondo que a exegese constitucional moderna, no contexto de uma sociedade

    globalizada, se faa luz do Direito Comunitrio e Internacional.

    No campo laboral, o Direito Internacional tem sua fonte nas convenes e

    recomendaes da OIT, que, mesmo no ratificadas pelos pases-membros, servem de

    inspirao para a interpretao do direito ptrio.

    A obra que ora vem a luza tem o mrito, entre tantos outros, de adotar como

    marcos tericos para o desenvolvimento hermenutico a insero dos direitos da pessoa

    com deficincia no mbito dos direitos humanos fundamentais (conforme as diferentes

    declaraes de direitos) e sua anlise luz das normas internacionais do trabalho

    (mormente as convenes 111 e 159 da OIT). A par disso, extraindo das normas legais

    ptrias lei n 7.853/89 e decreto n 3.298/99) todo o seu contedo normativo, ultrapassa

    a questo do direito material, para adentrar nos mecanismos de tutela desses direitos, em

    sua feio processual.

    Percebe-se na autora a preocupao social e crist como ser humano fragilizado,

    que merece uma especial ateno. E essa ateno lhe tem sido concedido pela autora h

    vrios anos, frente de Coordenadoria especfica sobre o tema no mbito do Ministrio

    Pblico do Trabalho.

    Com efeito, a virtude da justia, consubstanciada em dar a cada um o que seu

    (Ulpiano), quando vivida friamente, sem se conjugar com a caridade, torna-se inqua:

    summum jus, summa inuria, j diziam os latinos. Dar ao trabalhador o estritamente

    devido, em viso meramente igualitarista, seria justia fria e desencarnada. Em seu livro

    Forja, S. Josemara Escriv, exmio defensor da dignidade do trabalho humano e da

    pessoa do trabalhador, escrevia Se se faz justia a seco, possvel que as pessoas se sintam feridas. Portanto, deves agir sempre por amor a Deus, que a essa justia acrescentar o blsamo do amor ao prximo; e que purifica e limpa o amor terreno. Quando Deus est de permeio, tudo se sobrenaturaliza (So Paulo Quadrante 1987, n. 502).

  • Com efeito, o trabalhador no pode ser visto apenas como um elemento a mais

    no processo produtivo. Todo trabalho tem o homem como ator principal e para ele que

    se dirige como um fim. Da que as circunstncias do trabalhador devem ser sempre

    consideradas pelo empregador, pois o homem no uma mquina que, quando est

    defeituosa, simplesmente, se substitui ou se descarta (alis, quem no tem suas

    deficincias?). A mulher gestante, o trabalhador deficiente, o acidentado, so exemplos

    de circunstncias de desigualdade circunstancial que no podem ser vistas pelo prisma

    exclusivo do rendimento produtivo, sob pena de se gerar uma sociedade desumanizada.

    Parabenizamos, pois, a Dra. Maria Aparecida Gugel pelo substancioso e feliz

    trabalho, que servir de norte para desenvolvimentos futuros dessa vertente especfica

    dos direitos humanos fundamentais de terceira gerao, a par de, em sua concretizao

    com relao aos concursos pblicos, solver muitas das dvidas e questionamentos que

    hoje se colocam ao administrador pblico e aos pretendentes aos cargos pblicos.

    Braslia, 7 de outubro de 2005

    Ives Gandra da Silva Martins Filho

    Ministro do Tribunal Superior do Trabalho

  • SUMRIO

    INTRODUO .............................................................................................................. 18

    PRIMEIRA PARTE

    CONVENO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICINCIA

    CAPTULO I - A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA CONVENO SOBRE OS

    DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICINCIA (CDPD)22

    PROPSITO E DEFINIES .............................................................................................. 25

    OS PRINCPIOS E OS EIXOS ............................................................................................. 30

    ADOO DE MEDIDAS LEGISLATIVAS E ADMINISTRATIVAS PARA A REALIZAO

    DOS DIREITOS PREVISTOS NA CDPD. CONSULTA S ORGANIZAES

    PREPRESENTATIVAS DE PESSOAS COM DEFICINCIA PARTICIPAO SOCIAL ........... 32

    A IMPLEMENTAO E O MONITORAMENTO ................................................................. 33 O TRABALHO E EMPREGO .............................................................................................. 34

    PROIBIR A DISCRIMINAO BASEADA NA DEFICINCIA .............................................. 36

    PROTEGER E ASSEGURAR DIREITOS .............................................................................. 40

    SEGUNDA PARTE

    QUEM A PESSOA COM DEFICINCIA

    CAPTULO II - A EVOLUO DO CONCEITO DE DEFICINCIA NAS

    DECLARAES E CONVENES INTERNACIONAIS,

    NA CLASSIFICAO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE,

    INCAPACIDADE E SADE (CIF), NAS LEIS E DECRETOS .................................. 46

    CONCEITO DE PESSOA COM DEFICINCIA NA CONVENO E NA LEI BRASILEIRA

    DE INCLUSO DA PESSOA COM DEFICINCIA ................................................................ 66

    TERCEIRA PARTE

    ISONOMIA

  • CAPTULO III - IGUALDADE FORMAL E MATERIAL E A

    CONSTITUCIONALIZAAO DA DISCRIMINAAO POSITIVA ........................... 76

    CAPTULO IV - NORMAS INTERNACIONAIS E O DIREITO

    IGUALDADE DE OPORTUNIDADES

    COM DISCRIMINAAO POSITIVA. AO AFIRMATIVA ................................... 86

    CONCEITO DE DISCRIMINAO NAS CONVENES INTERNACIONAIS ............................. 88

    MODELOS DE AO AFIRMATIVA SEGUNDO AS CONVENES INTERNACIONAIS ....... 91

    CAPTULO V - AO AFIRMATIVA NA ADMINISTRAO PBLICA

    FEDERAL EM CARGOS EM COMISSO DO GRUPO DE DIREO E

    ASSESSORAMENTO SUPERIORES .......................................................................... 98

    QUARTA PARTE

    ACESSO A CARGOS E EMPREGOS PBLICOS NA ADMINISTRAO

    PBLICA DIRETA E INDIRETA

    CAPTULO VI - RESERVA DE CARGOS E EMPREGOS PBLICOS.

    RESERVA DE VAGAS EM CONCURSOS PBLICOS ........................................... 101

    RESERVA DE CARGOS PBLICOS NA ADMINISTRAO PBLICA DIRETA,

    AUTARQUIAS E FUNDAES. E A RESERVA REAL? ...................................................... 105

    FIXAO DAS VAGAS DO CONCURSO PBLICO ........................................................... 108

    CAPTULO VII - RESERVA DE EMPREGOS PBLICOS

    NA ADMINISTRAO PBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE

    ECONOMIA MISTA E EMPRESAS PBLICAS ....................................................... 115

    MANUTENO DA RESERVA. CONTRATAO DE TRABALHADOR

    EM CONDIO SEMELHANTE ........................................................................................ 119

    QUINTA PARTE

    CONCURSO PBLICO

    CAPTULO VIII - EDITAL DO CONCURSO PBLICO .......................................... 123

  • CAPTULO IX - TRATAMENTO DIFERENCIADO = ACESSIBILIDADE ............ 133

    ATRIBUIES COMPATVEIS COM A DEFICINCIA

    APTIDO PLENA DO CANDIDATO ........................................................................ 139

    CAPTULO X

    INSCRIO DE CANDIDATOS COM DEFICINCIA. EXIGNCIAS .................. 147

    ACESSIBILIDADE AO CONTEDO DAS PROVAS. ADAPTAO DAS PROVAS

    TERICAS E PRTICAS E DO CURSO DE FORMAO .................................................... 149

    ACESSIBILIDADE AO CONTEDO DA PROVA. ADAPTAO DE PROVA

    PARA PESSOAS COM DEFICINCIA INTELECTUAL ........................................................ 157 LOCAL DE REALIZAO DAS PROVAS .......................................................................... 166

    CURSO DE FORMAO DOS CANDIDATOS .................................................................... 168

    NOMEAO. LISTA GERAL E LISTA ESPECIAL

    COM CANDIDATOS COM DEFICINCIA .......................................................................... 171

    ESTGIO PROBATRIO .................................................................................................. 182

    EQUIPE MULTIPROFISSIONAL. ATRIBUIES ............................................................... 184

    INSPEO MDICA ........................................................................................................ 195

    SEXTA PARTE

    PROTEAO DE DIREITOS INDIVIDUAIS, COLETIVOS E DIFUSOS DAS

    PESSOAS COM DEFICINCIA EM CONCURSO PBLICO

    CAPTULO XI - MANDADO DE SEGURANA ...................................................... 198

    MANDADO DE SEGURANA COLETIVO ........................................................................ 203

    CAPTULO XII - AO CIVIL PBLICA. LEGITIMIDADE DO

    MINISTRIO PBLICO DO TRABALHO ................................................................ 206

    ATUAO EXTRAJUDICIAL DO MINISTRIO PBLICO ................................................. 210

    ATUAO INTERVENIENTE DO MINISTRIO PBLICO ................................................. 215

    CAPTULO XIII - MINISTERIO PBLICO DE CONTAS E O CONTROLE DOS

    CONCURSOS PBLICOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS ................................ 216

  • CAPTULO XIV - LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAES PARA

    A AO CIVIL PBLICA .......................................................................................... 218

    SETIMA PARTE

    CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS ESTADUAIS E

    MUNICIPAIS DE EMPRESAS DA ADMINISTRAO PBLICA INDIRETA

    CAPITULO XVI - COMPETNCIA DA UNIO, DOS ESTADOS, DISTRITO

    FEDERAL E MUNICPIOS PARA LEGISLAR SOBRE PESSOA COM

    DEFICINCIA E CONCURSO PBLICO E O PRINCPIO DA NO

    DISCRIMINAO DA CDPD .................................................................................... 223

    CAPITULO XVII - A NORMA MAIS FAVORVEL

    (Leis n 7.853/89 e 8.112/90; Decretos n 3.298/99 e 5.296/04) .................................. 228

    SOLUO ADMINISTRATIVA ......................................................................................... 228

    SOLUO JUDICIAL. APLICAO DA NORMA MAIS FAVORVEL COM

    BASE NA TEORIA DO CONGLOBAMENTO ...................................................................... 229

    O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS

    LEIS ESTADUAL E MUNICIPAL ...................................................................................... 233

    CONTROLE DIFUSO DA CONSTITUCIONALIDADE DE LEI:

    CASOS COHAB/SP, USP/SP E CESP/SP ............................................................................. 236

    REFERNCIAS ............................................................................................................ 246

    ANEXOS ....................................................................................................................... 252

    1. DECLARAO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES

    MENTAIS (Resoluo n 2856, de 20/dezembro/1971, ONU ......................... 252

    2. DECLARAO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES

    (Resoluo n 3447, de 9/dezembro/1975, ONU) ............................................. 253

    3. NORMAS GERAIS SOBRE EQUIPARAO DE OPORTUNIDADES

    (Resoluo 48/96, de 20/dezembro/1993, ONU) .............................................. 256

    4. DECLARAO DE SALAMANCA PRINCPIOS, POLTICA

  • E PRTICA EM EDUCAO ESPECIAL (1994) ......................................... 279

    5. CARTA PARA O TERCEIRO MILNIO (1999) ............................................ 283

    6. DECLARAO DE WASHINGTON (1999) .................................................. 285

    7. DECLARAO INTERNACIONAL DE MONTREAL

    SOBRE INCLUSO (2001) ............................................................................. 287

    8. DECLARAO DE MADRI (2002) ................................................................ 288

    9. DECLARAO DE SAPPORO (2002) ........................................................... 298

    10. DECLARAO DE CARACAS (2002) .......................................................... 300

    11. CONVENO N 111/OIT, DISCRIMINAO EM MATRIA DE

    EMPREGO E PROFISSO (Decreto n 62.150, de 19/janeiro/1968) ............. 302

    12. CONVENO N 159/OIT, REABILITAO PROFISSIONAL

    E EMPREGO DE PESSOAS DEFICIENTES

    (Decreto n 129, de 22/maio/1991) .................................................................... 306

    13. CONVENO INTERAMERICANA PARA A ELIMINAO

    DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAO CONTRA

    AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICINCIA

    (Decreto n 3.956, de 8/outubro/2001) .............................................................. 311

    14. CONVENO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM

    DEFICINCIA (Decreto n 6.949, de 25/agosto/2009) .................................... 318

  • Na longnqua Grcia a civilizao amadureceu entre as

    muralhas de suas cidades; nas civilizaes modernas, a

    cultura tambm foi confinada entre muralhas.

    Esta defesa material deixou marca profunda na alma dos

    homens, introduzindo na nossa inteligncia a frmula

    dividir para reinar, isto , o costume de cercar o terreno

    conquistado com muros protetores que o separe do resto

    do mundo.

    Rabindranath Tagore

  • 18

    INTRODUAO (1 e 2 edies)

    As pessoas com deficincia, segundo os dados do IBGE para o Censo-2000

    (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Caractersticas Gerais da Populao,

    Resultados da

    Amostra. www.ibge.gov.br/home/estatstica/populacao/censo2000/populacao_censo200

    0), somam 14,48% da populao, ou seja, cerca de 24,5 milhes de brasileiros com

    algum tipo de deficincia, dos quais, consignam os indicadores, somente 537 mil esto

    includos no trabalho para uma comunidade nacional de 26 milhes de trabalhadores

    ativos. Desses milhares de trabalhadores, desconhecido o nmero de servidores

    pblicos com deficincia nas esferas federal, estadual e municipal. O fato que para

    qualquer estatstica que se olhe, percebe-se a ausncia da pessoa com deficincia,

    resultado significativo a revelar que esta pessoa no est contada porque ela no

    includa nesse universo social-produtivo. As razes? Alm daquelas histricas de

    marginalizao, perpassando pela concepo de incapacidade para o trabalho ou de ser

    alvo exclusivo de tratamento caridoso e que as levaram a ser alvo de discriminao,

    atualmente a falta de cumprimento de comandos essenciais, dirigidos a qualquer

    cidado: ter acesso e ser mantido na escola, com ensino de qualidade; ter meios de se

    qualificar profissionalmente; ter acesso adequado a bens e servios; concorrer em

    igualdade de condies para um trabalho digno e produtivo. Sem esquecer que referidos

    comandos decorrem do processo evolutivo das leis nacionais que recebem, na sua

    concepo, a influncia direta dos tratados e declaraes internacionais, em anexo,

    protagonizados pelos movimentos organizados visando s mudanas sociais.

    A pessoa com deficincia, apta a exercer uma funo pblica de forma a atender

    o interesse pblico (da coletividade), poder ingressar, como todos, na administrao

    pblica (direta e indireta) por meio de concurso pblico de provas ou de provas e

    ttulos. Querendo, o candidato pode optar pela obrigatria reserva de cargos e empregos

    pblicos.

    No entanto, a participao desse candidato em concurso pblico, desde a

    inscrio at a nomeao, no raro, conflituosa, sendo que sua participao s ocorre

    por imposio de medida judicial. Isto acontece porque, no obstante os princpios

    constitucionais de amplo acesso, concurso pblico e a reserva de cargos e empregos, a

    http://www.ibge.gov.br/home/estat%C3%ADstica/populacao/censo2000/populacao_censo2000http://www.ibge.gov.br/home/estat%C3%ADstica/populacao/censo2000/populacao_censo2000

  • 19

    Administrao Pblica em todos os nveis (federal, estadual e municipal) no est

    preparada para receber este cidado em seus quadros. Esse despreparo, intrinsecamente

    preconceituoso, corporifica-se em editais pouco claros e margem dos princpios

    constitucionais e das normas vigentes: no afere o nmero de servidores e empregados

    pblicos com deficincia em seus quadros; no estabelece meta para o cumprimento da

    reserva de cargos de empregos pblicos; no respeita o direito s provas e locais de

    provas adaptados; no respeita a ordem de classificao, compatibilizando as listas geral

    e especial; no disponibiliza todos os cargos e empregos pblicos sob a justificativa de

    que exigem aptido plena ou so incompatveis com a deficincia; no concede apoio

    especial para o perodo de estgio probatrio. Enfim, no harmoniza os princpios da

    razoabilidade e interesse pblico e outros que norteiam a administrao pblica para a

    realizao de um certame pblico, com direitos constitucionais previstos, alguns

    especficos para as pessoas com deficincia e, com isso, no colabora, impede a

    incluso dessas pessoas.

    O objetivo deste livro demonstrar o caminho legal e adequado para o

    cumprimento das regras gerais e especficas de concurso pblico atinentes pessoa com

    deficincia e que podem ser seguidas pelo administrador pblico de maneira a prevenir

    qualquer forma de discriminao.

    INTRODUO (3 edio revisada e ampliada)

    Segundo os dados do IBGE h atualmente na sociedade 45,6 milhes (25% do

    total da populao) de brasileiros com algum tipo de deficincia e que, devido s

    condies de excluso em que ainda vivem, continuam a merecer a medida de ao

    afirmativa por meio da reserva de cargos para o ingresso no mundo do trabalho. Isso

    porque, persistem os dados demonstrando as poucas (na casa dos milhares) pessoas com

    deficincia includas e exercendo um trabalho digno que gere autonomia financeira. Um

    nmero mais reduzido ainda o das pessoas com deficincia na condio de servidores

    e empregados pblicos que acederam a rgos da Administrao Pblica Direta e

    Indireta por meio do concurso pblico nas esferas federal, estadual e municipal.

    O advento da Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia

    assinada em 2007 e promulgada no Brasil por meio do Decreto n 6.949, 25 de agosto de

  • 20

    2009, refora ainda mais os antigos argumentos baseados na declarao da ONU, de

    1993, sobre as normas gerais sobre equiparao de oportunidades, de que o tratamento

    diferenciado, com absoluto respeito a todas as condies de acessibilidade e adaptao

    razovel para cada caso, fator primordial para impulsionar o acesso das pessoas com

    deficincia aos cargos e empregos pblicos, com iguais oportunidades e sem

    discriminao.

    Continuamos a persistir na implementao das leis que tratam do tratamento

    diferenciado para pessoas com deficincia que resultam na efetiva igualdade de

    oportunidades.

    Continuamos a insistir sobre a necessidade de leis instituindo a real reserva de

    cargos e empregos pblicos no mbito da Administrao Pblica.

  • 21

    PRIMEIRA PARTE

    CONVENO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICINCIA

  • 22

    CAPTULO I

    A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA CONVENO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICINCIA (CDPD)

    A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia (CDPD), de 2006,

    juntamente com o Protocolo Facultativo, assinada na Organizao das Naes Unidas

    (ONU), em Nova York em 30 de maro de 2007, aprovada pelo Congresso Nacional em

    10 de julho de 2008 por meio do Decreto Legislativo n 186 e, finalmente promulgada

    em 25 de agosto de 2009 no Decreto n 6.949, consolida vertiginosa mudana de

    paradigma nas concepes, atitudes e abordagens em relao s pessoas com

    deficincia.

    o primeiro tratado internacional de direitos humanos a obedecer o rito do

    artigo 5, pargrafo 3 da Constituio da Repblica para a sua aprovao. Segundo esse

    rito os tratados e as convenes internacionais sobre direitos humanos que forem

    aprovados pelo Senado Federal e pela Cmara dos Deputados, em dois turnos, por trs

    quintos dos votos dos respectivos membros, sero equivalentes s emendas

    constitucionais. Significa que o prprio rito de aprovao da CDPD determina a sua

    natureza material constitucional (PIOVESAN, 2006, p. 71-74), equivalendo-se a uma

    emenda constitucional e, portanto, emparelhada Constituio da Repblica.

    O Supremo Tribunal Federal j se manifestou no sentido da eficcia

    constitucional da CDPD:

    Supremo Tribunal Federal. Tutela Antecipada no Recurso Ordinrio em Mandado de Segurana 32.732/DF, relator Ministro Celso de Mello, de 13/maio/2014, publicado no Dirio Justia de 3/junho/2014. ... essa Conveno Internacional, por veicular normas de Direitos Humanos, foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n 186/2008, cuja promulgao observou o procedimento ritual a que alude o art. 5, 3, da Constituio da Repblica, a significar, portanto, que esse importantssimo ato de direito internacional pblico reveste-se, na esfera domstica, de hierarquia e de eficcia constitucionais.

    O posicionamento hierrquico de norma constitucional da CDPD, por sua vez,

    gera importantes efeitos como, por exemplo: o de revogar as normas

    infraconstitucionais, tais como as leis ordinrias e complementares, decretos, medidas

  • 23

    provisrias, portarias e instrues normativas se com ela estiverem incompatveis;

    reformar a prpria Constituio da Repblica se esta for incompatvel, ressalvado os

    casos em que os direitos fundamentais previstos na Constituio sejam mais amplos e

    benficos; o de impossibilitar a denncia (renncia) dos direitos nela previstos.

    Quanto elaborao de normas, cuja atribuio compete ao Poder Legislativo,

    os princpios e os direitos concebidos na CDPD comprometem o contedo de novas

    propostas legislativas que devero estar com ela coadunada de forma a dar efetividade

    aos direitos reconhecidos, conforme indicam as obrigaes gerais do Artigo 4, letra a da

    CDPD.

    No mbito do Poder Executivo, a Conveno impem a imediata formulao e

    reviso (em caso de incompatibilidade) de polticas pblicas e programas de maneira a

    promover todos os direitos humanos das pessoas com deficincia. As polticas pblicas

    e os programas governamentais devem contemplar, com medidas eficazes a eliminao

    da discriminao baseada na deficincia. Nesse contexto, incluem-se todas as decises

    administrativas, inclusive aquelas pertinentes ao concurso pblico, no mbito da

    Administrao Pblica Direta e Indireta.

    A CDPD deve inspirar as decises de juzes e tribunais e, mais que isso, servir

    de critrio absoluto a reger a interpretao de aplicao da norma mais favorvel, na

    linha da jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, em deciso da segunda turma

    relatada pelo Ministro Celso de Mello, no Habeas Corpus 93.280/SC:

    Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 93.280/SC, relator Ministro Celso de Mello, publicado no Dirio da Justia de 16/maio/2013. Os magistrados e Tribunais, no exerccio de sua atividade interpretativa, especialmente no mbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princpio hermenutico bsico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Conveno americana sobre Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia norma que se revele mais favorvel pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteo jurdica. O Poder Judicirio, nesse processo hermenutico que prestigia o critrio da norma mais favorvel (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no prprio direito interno do Estado), dever extrair a mxima eficcia das declaraes internacionais e das proclamaes constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulnerveis, a sistemas institucionalizados de proteo dos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerncia e o respeito alteridade humana tornarem-se palavras vs.

  • 24

    Os parmetros da CDPD devem tambm pautar os procedimentos de

    fiscalizao das leis pelos rgos de fiscalizao e promoo de direitos, como o

    Ministrio Pblico e o Ministrio do Trabalho e Emprego, assim como os demais

    operadores de direito, Defensores Pblicos e Advogados, visando a implementar seu

    contedo na integralidade.

    Ao partir do reconhecimento de que h diversidade de deficincias entre as

    pessoas e de que preciso promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas

    com deficincia, inclusive daquelas que requerem maior apoio (Prembulo, alneas i e

    j), a CDPD cria um novo modelo que reconhece a deficincia como o resultado da

    interao da pessoa com deficincia com as barreiras de atitudes e ambientais que

    impedem a sua plena e efetiva participao na sociedade, em igualdade de

    oportunidades com as demais pessoas (Prembulo, alnea e).

    Como se constata, o elemento mais importante da relao entre a pessoa com

    deficincia e o lugar onde vive e desempenha suas atividades a barreira (arquitetnica,

    atitude, institucional) que, no inutilmente, delineia o prprio conceito de deficincia.

    Da porque afirmar-se, desde logo, que a acessibilidade o elemento que se contrape

    s barreiras existentes, convertendo-se em direito essencial e fundamental da pessoa

    com deficincia.

    A pessoa com deficincia o centro da norma internacional e se revela como

    titular de uma situao jurdica que reconhece a sua autonomia e independncia para

    fazer suas prprias escolhas (Prembulo, alnea n) e, sobretudo o poder-dever de

    participao ativa das decises relativas a programas e polticas, sobretudo aos que lhes

    dizem respeito diretamente (Prembulo, alnea o). Portanto, indica ao legislador que

    opte por garantir a igualdade de oportunidades quando da elaborao de normas gerais e

    de ao afirmativa, e ao gestor pblico a obrigao de criao e implementao de

    polticas pblicas consistentes para atender ao mesmo princpio de igualdade de

    oportunidades.

    Lembre-se que os fundamentos da abertura da CDPD ao relembrar, reconhecer,

    reafirmar e considerar fatos, situaes e direitos no se constituem em palavras vazias,

    mas sim um acumulado de conquistas mundiais das pessoas com deficincia que devem

    ser levadas em conta quando do reconhecimento e interpretao dos direitos nela

    contidos.

  • 25

    PROPSITO E DEFINIES

    O Artigo 1 da CDPD edifica um novo paradigma em relao s pessoas com

    deficincia cuidando, ao mesmo tempo, do propsito do tratado que contm a definio.

    O propsito tem como objetivo promover, proteger e assegurar o exerccio pleno e

    equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas

    com deficincia e, promover o respeito pela sua dignidade inerente.

    No que diz respeito definio, tendo anteriormente, no Prembulo, reconhecido

    que a deficincia um conceito em evoluo (alnea e), que h diversidade entre as

    deficincias (alnea j) e que todas as questes relativas deficincia devem ser trazidas

    tona, ao centro das preocupaes da sociedade, integrando-as s polticas e estratgias

    para o desenvolvimento sustentvel (alnea g), o Artigo 1 define que pessoas com

    deficincia so aquelas que tm impedimentos de longo prazo de natureza fsica,

    mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interao com diversas barreiras, podem

    obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade em igualdades de condies com

    as demais pessoas.

    O conceito contm elementos importantes que caracterizam e particularizam a

    pessoa com deficincia em situao de desvantagem social e como destinatria da

    norma, quais sejam: i) ter impedimentos de longo prazo; ii) ser a deficincia de natureza

    fsica, mental, intelectual e sensorial (auditivo, visual), indicando a existncia de

    diversidade na rea da deficincia; iii) o enfoque s questes ambientais, includas as de

    atitudes individuais, coletivas e institucionais, como barreiras impeditivas para o livre

    exerccio de direitos, pois o ambiente desfavorvel com a existncia de barreiras que

    obstrui a participao plena e efetiva da pessoa com deficincia na sociedade.

    A natureza da deficincia das pessoas (sua caracterizao ou designao

    prprios do modelo mdico anterior) deixa de ter primazia. Em seu lugar se coloca o

    ambiente, com seus efeitos sociais, econmicos e culturais, que pode restringir ou

    impedir o pleno exerccio e gozo de direitos.

    Rosangela Berman Bieler (in Caderno da I Conferncia, 2006, p. 145) ao tratar

    sobre desenvolvimento inclusivo (a concepo e implementao de aes e polticas

    para o desenvolvimento socioeconmico e humano) avalia o conceito de deficincia

    como sendo

  • 26

    o resultado da interao de deficincias fsicas, sensoriais ou mentais com o ambiente fsico e cultural e com as instituies sociais. Quando uma pessoa tem uma condio que limita alguns aspectos do seu funcionamento, esta se torna uma situao de deficincia somente se ela tiver que enfrentar barreiras de acesso ao ambiente fsico ou social que tem sua volta. Em termos econmicos, a deficincia uma varivel endgena organizao social. Isso quer dizer que a definio de quem tem ou no uma deficincia no depende tanto das caractersticas pessoais dos indivduos, mas tambm, e principalmente, do modo como a sociedade onde vivem, organiza seu entorno para atender populao em geral.

    A referida autora, ao analisar a funcionalidade da pessoa em relao ao

    ambiente, lana mo de uma frmula matemtica elaborada por Marcelo Medeiros, no

    artigo Pobreza, Desenvolvimento e Deficincia, apresentado na Oficina de Alianas

    para ao Desenvolvimento Inclusivo, na Nicargua, em 2005, em que demonstra a

    relao e o impacto do ambiente e da limitao funcional, quantificando negativa ou

    positivamente a deficincia da pessoa.

    A frmula de Medeiros (2005) constitui-se em Deficincia = Limitao

    Funcional X Ambiente. Assim, se for atribudo valor zero ao ambiente porque

    acessvel e no oferece nenhuma barreira, o resultado da equao ser sempre zero,

    independentemente do valor atribudo funcionalidade da pessoa. Porm, se o ambiente

    tiver valores progressivamente maiores em relao funcionalidade da pessoa elevar o

    resultado, que a deficincia.

    Nesse ponto, percebe-se a valia dos princpios gerais inscritos no Artigo 3 da

    CDPD, sobretudo o da no discriminao (alnea b) e da acessibilidade (alnea f), por

    meio dos quais se concebeu e se estruturou toda a Conveno sobre os Direitos das

    Pessoas com Deficincia.

    Cada palavra, cada pressuposto, contidos na CDPD devem ser considerados para

    bem compreender o sentido fundamental e a imprescindibilidade dos elementos de

    acessibilidade e de adaptao razovel para os atos da vida diria e para o acesso a todos

    os direitos, bens e servios destinados s pessoas com deficincia. A partir das

    afirmaes das alneas i e j do Prembulo, de reconhecimento da diversidade das

    pessoas com deficincia que levam necessidade de promover e proteger os direitos

    humanos de todas as pessoas com deficincia, inclusive daquelas que requerem maior

    apoio, fica evidente o grau de importncia de se conceberem ambientes plenamente

  • 27

    acessveis. Da, mais uma vez, o argumento de que a acessibilidade direito essencial e

    fundamental da pessoa com deficincia.

    Portanto, no h como dissociar o direito de acesso aos cargos e empregos

    pblicos com os princpios de igualdade e de no discriminao consolidados no Artigo

    5, e no Artigo 9 que trata sobre a acessibilidade, porque ambos repercutem

    integralmente na vida das pessoas com deficincia e diretamente em todo o processo do

    concurso pblico, como se ver adiante. No menos toa, a Lei Brasileira de Incluso

    da Pessoa com Deficincia (Estatuto da Pessoa com Deficincia), Lei n 13.146/2015,

    ou simplesmente LBI, fundamentada na CDPD, ao longo de seus comandos tem na

    acessibilidade o mecanismo primordial para a fixao do direito que garante pessoa

    com deficincia a viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e

    participao social (artigo 53): ao fixar conceitos (artigo 3), no sistema educacional

    (artigo 28, inciso XVI), no direito ao trabalho (artigos 34 e 37), no direito ao transporte

    (artigo 48), no acesso informao e comunicao (artigo 63), no acesso justia

    (artigo 80), no acesso ao direito de votar (artigo 96) e outros.

    A CDPD reconhece que para a pessoa com deficincia poder gozar plenamente

    de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais vital a existncia de

    acessibilidade aos meios fsico, social, econmico, cultural, sade, educao, ao

    trabalho, informao e comunicao. Para tanto, esgrima no Artigo 2 definies sobre

    a comunicao (nela includa a lngua), a discriminao por motivo de deficincia, a

    adaptao razovel e o desenho universal.

    O termo comunicao abrange as lnguas, includas as lnguas faladas e de

    sinais e outras formas de comunicao no falada; a visualizao de textos; o Braile; a

    comunicao ttil; os caracteres ampliados; os dispositivos de multimdia acessvel,

    assim como a linguagem simples, escrita e oral; os sistemas auditivos e os meios de voz

    digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicao,

    inclusive a tecnologia da informao e comunicao acessveis.

    Debora Diniz e Lvia Barbosa, ao comentarem as definies do Artigo 2 da

    CDPD (in Novos Comentrios, 2014, p. 37), afirmam que Comunicao e lngua se confundem no documento da ONU so formas e mecanismos de transmitir, aprender e conectar pessoas. Aprender pelo texto escrito no o mesmo que ler, por isso os ledores de computador ou o passeio tctil pelos pontos do braille permitem que cegos aprendam com Machado de Assis ou Clarice Lispector.

  • 28

    Comunicao o conceito-chave para permitir que as pessoas aprendam com o j-dito ou j-escrito no sempre pela escuta padro ou pela leitura ocular. As lnguas so vrias no apenas pelo seu lxico e estrutura, mas pelas modalidades que as pessoas escolhem para se expressar oral ou espao visual. Surdos manualistas preferem os sinais; surdos implantados ensaiam as mos e os sons. Cegos podem ser bilngues: braillistas ou ouvidores, seja dos cassetes do passado, seja das novas tecnologias de informao.

    A definio de discriminao por motivo de deficincia significa qualquer

    diferenciao, excluso ou restrio baseada em deficincia, com o propsito ou efeito

    de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exerccio, em igualdade

    de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades

    fundamentais nos mbitos poltico, econmico, social, cultural, civil ou qualquer outro.

    Abrange todas as formas de discriminao inclusive a recusa de adaptao razovel.

    O traado na definio de discriminao por motivo de deficincia evidencia que

    discriminar configura violao direta dignidade e valores inerentes da pessoa. Ao

    mesmo tempo, permite a identificao de prticas de discriminao (diferenciar, excluir,

    restringir) por ao ou omisso e, a busca de sua reparao judicial se for o caso.

    A previso de discriminao por motivo de deficincia da CDPD se assemelha a

    de outros tratados internacionais de direitos humanos relativos mulher (Eliminao de

    Todas as Formas de Discriminao Contra a Mulher, de 1979) e racial (Conveno

    Internacional sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao Racial, de 1965),

    e a Conveno n 111, de 1958, da Organizao Internacional do Trabalho (OIT),

    concernente discriminao em matria de emprego e profisso, ratificada pelo Brasil

    em 1965. Essa ltima frise-se, foi a primeira a ser formulada no mbito da OIT que

    revela a conceituao de discriminao e os mtodos para elimin-la por meio de

    medidas de uma poltica nacional de emprego ou de uma ao afirmativa para alcanar a

    igualdade de oportunidades e de tratamento em matria de emprego e profisso.

    A principal novidade da concepo da CDPD de que a recusa em fazer a

    adaptao razovel tambm se caracteriza como discriminao por motivo de

    deficincia. E no poderia ser diferente porquanto a adaptao razovel para quem dela

    necessitar, em vista de sua particular funcionalidade, instrumento para a pessoa com

    deficincia alcanar a autonomia e independncia para a prtica de atos dirios, como

    estudar, trabalhar e outros.

  • 29

    Outras duas definies relacionadas mobilidade e acessibilidade da pessoa

    com deficincia, e que contm o cerne para a independncia e autonomia, so a

    adaptao razovel e o desenho universal. A primeira tem carter intrnseco e

    pessoal, a segunda tem natureza coletiva. Ambas esto atreladas ao direito fundamental

    acessibilidade.

    Adaptao razovel significa as modificaes e os ajustes necessrios e

    adequados que no acarretem nus desproporcional ou indevido, quando requeridos em

    cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficincia possam gozar ou exercer,

    em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e

    liberdades fundamentais.

    A definio de adaptao razovel integra-se s leis e concepes de

    acessibilidade porque com elas compatvel e est repetida ordinariamente nos artigos

    3, inciso VI e 4, pargrafo 1 da Lei n 13.146/2015.

    A falta [ou recusa] em proceder adaptao razovel implica em ato de

    discriminao por motivo de deficincia, podendo ocorrer, por exemplo, durante o

    perodo de estgio probatrio do servidor ou do empregado pblico. Nesse caso, o

    administrador pblico poder incorrer em crime punvel com recluso de dois a cinco

    anos (artigo 8, inciso II e pargrafo 2, da Lei n 7.853/89, com as alteraes da Lei n

    13.146/2015).

    A relao de razoabilidade e proporcionalidade, presente no conceito de

    adaptao razovel, diz respeito aos ajustes necessrios e adequados para cada caso que

    no acarretem nus desproporcional. A adaptao razovel deve ocorrer sempre tendo

    em vista a necessidade funcional individual da pessoa, e atende a necessidade de uma

    deficincia em particular, um caso especfico, aps terem sido procedidas todas as

    demais regras de acessibilidade, garantidas nas leis e normas tcnicas, vlidas para

    todos. Significa afirmar que a adaptao razovel no dispensa a acessibilidade e vice-

    versa (Gugel, in Novos Comentrios, 2014, p. 180).

    Ressalte-se que, dado o status de direito constitucional acessibilidade, no

    permitido a qualquer pessoa (fsica ou jurdica) recusar-se a fazer as modificaes e os

    ajustes necessrios que no acarretem nus desproporcional ou indevido. Isso porque, i)

    os dois elementos que consolidam o conceito (modificaes e ajustes; nus

    desproporcional ou indevido) so simetricamente razoveis e esto relacionados

  • 30

    necessidade extraordinria de cada pessoa; ii) o conceito de adaptao razovel no

    limita ou exclui o direito da pessoa com deficincia aos elementos comuns de

    acessibilidade ao meio fsico, de comunicao, de sistemas, de servios e outros; iii)

    relaciona-se diretamente proibio da discriminao por motivo da deficincia que

    no permite a diferenciao, excluso ou restrio baseada na deficincia.

    Por fim, a definio de desenho universal congrega a concepo de produtos,

    ambientes, programas e servios a serem usados, na maior medida possvel, por todas as

    pessoas, sem necessidade de adaptao ou projeto especfico, o ideal a ser desfrutado

    por toda sociedade, composta de pessoas diferentes umas das outras e que formam a

    diversidade humana.

    Lembre-se que o desenho universal dever ser tomado como regra geral,

    devendo ser incorporado s polticas pblicas desde a sua concepo, segundo o artigo

    55, pargrafos 1 e 5 da Lei Brasileira de Incluso da Pessoa com Deficincia.

    O desenho universal quando existente no ambiente no inibe o direito da pessoa

    com deficincia s ajudas tcnicas e adaptao razovel especficas, tendo em vista

    que a acessibilidade e todas as medidas necessrias a serem tomadas para que as pessoas

    com deficincia possam viver de forma autnoma e independente e participar de todos

    os aspectos da vida (Artigo 9, CDPD), bem como a mobilidade pessoal que comporta

    elementos de tecnologia assistiva e ajudas tcnicas (Artigo 20, CDPD), so direitos

    inalienveis das pessoas com deficincia.

    O que se espera para construir uma sociedade mais igualitria que a

    acessibilidade, aliada ao desenho universal, deve ser ampliada e perseguida de forma a

    se tornarem situao comum, ordinria, corriqueira para todos, segundo prope a

    arquiteta Maria Elisabete Lopes (in Deficincia no Brasil, 2007, p. 314).

    OS PRINCPIOS E OS EIXOS

    A CDPD para garantir um ambiente propcio para a realizao plena dos direitos

    das pessoas com deficincia fundamenta-se em oito princpios inscritos no Artigo 3: o

    respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer

    as prprias escolhas, e a independncia das pessoas; a no discriminao; a plena e

    efetiva participao e incluso na sociedade; o respeito pela diferena e pela aceitao

    das pessoas com deficincia como parte da diversidade humana e da humanidade; a

  • 31

    igualdade de oportunidades; a acessibilidade; a igualdade entre o homem e a mulher e o

    respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianas com deficincia e pelo

    direito das crianas com deficincia de preservar sua identidade.

    Reconhecida a importncia da autonomia e independncia individuais das

    pessoas com deficincia, inclusive da liberdade para fazer as prprias escolhas, os

    princpios fundantes do Artigo 3 da CDPD esto presentes em todos os eixos

    relacionados vida da pessoa com deficincia. Assim, alm daqueles concernentes

    sade, educao, trabalho, habilitao e reabilitao, acessibilidade, assistncia e outros

    direitos de ordem social como cultura, lazer e esporte, a CDPD se posiciona

    expressamente sobre:

    a) a fragilidade das mulheres e crianas com deficincia a merecer ao imediata e

    firme dos Estados visando ao seu empoderamento e, proteo integral,

    respectivamente (Artigo 6);

    b) a criana com deficincia receber considerao primordial (Artigo 7);

    c) a conscientizao da sociedade e famlias sobre os direitos das pessoas com

    deficincia, indicando ao Estado a necessidade de reconhecer a capacidade legal

    das pessoas com deficincia e, adotar salvaguardas apropriadas para o seu

    efetivo exerccio, sendo que qualquer medida restritiva deve ser proporcional e

    apropriada s necessidades da pessoa e da situao, bem como seja aplicada pelo

    perodo mais curto possvel e com revises peridicas (Artigo 12);

    d) a acessibilidade, a um custo mnimo, ao meio fsico, ao transporte, informao

    e comunicao, inclusive aos sistemas de tecnologias da informao e

    comunicao e outros servios ao pblico, sem esquecer do apoio pessoal (guias,

    leitores, intrpretes) ou assistncia de animais, de sistemas (Braile, Libras,

    Tadoma, Sistema Pictogrfico), formatos e sinalizaes (Artigo 9);

    e) ao acesso efetivo justia, mediante adaptaes processuais e capacitao de

    serventurios; a preveno contra a tortura e tratamento desumano ou penas

    cruis, explorao, violncia e abuso (Artigo 13);

    f) a liberdade de movimentao, vida independente e liberdade de expresso e

    opinio (Artigos 18, 19, 20 e 21);

    g) ao direito de estabelecer famlia, casamento, concepo e responsabilidade na

    criao dos filhos (Artigo 23);

  • 32

    h) a gerao de estatsticas e coleta de dados tornando as pessoas com deficincia

    visveis e, assim, possibilitar a elaborao de polticas pblicas (Artigo 31).

    ADOO DE MEDIDAS LEGISLATIVAS E ADMINISTRATIVAS PARA A REALIZAO DOS DIREITOS PREVISTOS NA CDPD. CONSULTA S ORGANIZAES PREPRESENTATIVAS DE PESSOAS COM DEFICINCIA PARTICIPAO SOCIAL

    Ao mesmo tempo em que reconhece a importncia da acessibilidade aos meios

    fsico, social, econmico e cultural, sade, educao e informao e comunicao

    como forma de gozo e exerccio pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais

    (Prembulo, alnea v), a CDPD impe ao Estado a obrigao de adotar medidas

    legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessrias para a realizao

    dos direitos reconhecidos na Conveno (Artigo 4).

    As novas concepes e prticas constantes da CDPD dizem respeito s

    obrigaes dos poderes pblicos (executivo, legislativo e judicirio) em todos os nveis

    que devem assegurar a realizao dos direitos humanos e liberdades fundamentais das

    pessoas com deficincia em todos os programas e polticas (Artigo 4, item 1, alnea c da

    CDPD). Na elaborao de qualquer poltica ou programa obrigam-se a fazer a consulta

    s organizaes representativas de pessoas com deficincia. Trata-se do princpio

    democrtico de participao direta das pessoas com deficincia nos processos de

    tomada de decises. Lembre-se que desde 2002, por ocasio da Declarao de Madri

    ocasio em que se props o Ano Europeu das Pessoas com Deficincia sob o slogan

    Nada sobre pessoas com deficincia sem as pessoas com deficincia, busca-se pela

    efetiva participao direta das pessoas com deficincia nas tomadas de decises que lhes

    concernem.

    A participao das pessoas com deficincia nos processos de tomada de decises

    sobre seus direitos que lhes afetem direta e indiretamente, por meio de leis,

    regulamentos, polticas pblicas, programas, entre outros, consolida o carter

    democrtico e participativo da tomada de decises postos na CDPD. Assim, qualquer

    medida, desde a elaborao at a implementao, deve passar por consulta prvia e de

    forma direta s organizaes representativas de pessoas com deficincia, inclusive as

    crianas com deficincia.

  • 33

    Cabe s organizaes, por sua vez, estabelecer mecanismos que propiciem a

    participao ativa de seus representados/associados s consultas propostas pelo Estado

    (Artigo 4, item 3 da CDPD).

    O Estado, em consequncia, tem a obrigao de criar e intensificar os

    mecanismos de consulta por meio de consultas pblicas e, ao mesmo tempo, fortalecer e

    expandir os j existentes conselhos de direitos, decorrentes do comando constitucional

    de controle social, com a participao da sociedade, previsto nos artigos 204, inciso II

    (assistncia social), 194, inciso VII (seguridade social), 206, inciso VI (educao), 198,

    inciso III (sade), todos da Constituio da Repblica.

    A IMPLEMENTAO E O MONITORAMENTO

    A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia o primeiro tratado

    internacional que contm requisitos especficos para o monitoramento de sua

    implementao em nvel nacional (Artigo 33 da CDPD). Exige que o Estado tenha um

    mecanismo de coordenao na sua estrutura institucional que a coloque em prtica, o

    que pode ocorrer por responsabilizar um ou mais rgos com recursos financeiro e de

    pessoal. A CDPD trata referido mecanismo de coordenao por ponto focal.

    A coordenao constituda ter como atribuies apoiar, orientar e aconselhar

    sobre questes relacionadas implementao da CDPD, sobretudo em relao s

    polticas e programas governamentais. Lei especfica deve indicar as atribuies da

    Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica por meio da Secretaria

    Nacional de Promoo dos Direitos da Pessoa com Deficincia de coordenar, orientar e

    acompanhar as medidas de promoo garantia e defesa dos ditames da CDPD, mediante

    o desenvolvimento e acompanhamento de polticas pblicas de incluso da pessoa com

    deficincia.

    O monitoramento por sua vez deve ocorrer por meio de uma estrutura diversa

    daquela responsvel pela implementao da Conveno. Essa estrutura pode recair

    sobre uma ou mais entidade nacional que comprove ter mecanismos independentes do

    Governo, ter composio pluralista, recursos necessrios e estar acessvel s pessoas

    com deficincia de maneira a poder exercer o monitoramento de forma eficiente. A

    prpria ONU indica que as instituies nacionais de direitos humanos, estabelecidas

    com base nos Princpios de Paris, so o ncleo natural da estrutura de monitoramento

  • 34

    em nvel nacional (ENABLE, 2010). Lembre-se que o Paris Principles so os princpios

    relacionados com o status de instituies nacionais de direitos humanos, na forma da

    Resoluo n 1992/54, de 3 de maro de 1992, da Comisso de Direitos Humanos da

    ONU.

    A proposta convencionada de que as estruturas organizadas para a

    implementao e monitoramento sejam um canal aberto de comunicao para a

    sociedade civil e organizaes representativas de pessoas com deficincia. Essas, por

    sua vez, devem ser envolvidas plenamente no processo de monitoramento (Artigo 33,

    item 3 da CDPD).

    O TRABALHO E EMPREGO

    Os princpios que sustentam a Conveno sobre os Direitos das Pessoas com

    Deficincia, notoriamente presentes nos vrios eixos dos aspectos da vida (educao,

    sade, trabalho, e outros), so a acessibilidade, a no discriminao e a igualdade de

    oportunidades, admitindo que medidas especficas possam ser adotadas para acelerar ou

    alcanar a efetiva igualdade das pessoas com deficincia. o que consta do Artigo 5:

    Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 5. Igualdade e no discriminao 1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas so iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminao, a igual proteo e igual benefcio da lei. 2. Os Estados Partes devero proibir qualquer discriminao por motivo de deficincia e garantir s pessoas com deficincia igual e efetiva proteo legal contra a discriminao por qualquer motivo. 3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminao, os Estados Partes devero adotar todos os passos necessrios para assegurar que a adaptao razovel seja provida. 4. Nos termos da presente Conveno, as medidas especficas que forem necessrias para acelerar ou alcanar a efetiva igualdade das pessoas com deficincia no devero ser consideradas discriminatrias.

    Para alcanar a igualdade material e assegurar o exerccio pleno e equitativo dos

    direitos humanos, a CDPD admite a adoo de medidas de ao afirmativa, definida no

    Artigo 5, item 4, de forma a acelerar a real igualdade das pessoas com deficincia. Esse

    posicionamento internacional finca-se na evidncia de que as pessoas com deficincia

    em todo o globo continuam a enfrentar barreiras para a sua participao como membros

    efetivos da sociedade e de que tambm so mantidos excludos das tomadas de decises

    em relao a si prprias.

  • 35

    Relativamente ao trabalho e emprego de pessoas com deficincia, alm de

    alcanar a igualdade por meio da acessibilidade, o mecanismo de ao afirmativa pode

    ser adotado. A CDPD refora no Artigo 27, item 1, alneas g e h, a necessidade de o

    setor pblico empregar pessoas com deficincia e a de promover o emprego no setor

    privado, podendo para tanto incluir polticas e medidas prprias com destaque para a

    ao afirmativa, incentivos e outras medidas:

    Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e Emprego 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficincia ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. [...] g) Empregar pessoas com deficincia no setor pblico; h) Promover o emprego de pessoas com deficincia no setor privado, mediante polticas e medidas apropriadas, que podero incluir programas de ao afirmativa, incentivos e outras medidas;

    O Brasil adota o modelo da ao afirmativa de reserva de cargos (Gugel, 2007).

    Portanto, confere-se que o sistema atual de reserva de cargos no mbito das relaes

    pblica e privada de emprego e trabalho (artigo 37, inciso VIII da Constituio da

    Repblica; Leis n 8.112/90, artigo 5, pargrafo 2 e, 8.213/91, artigo 93,

    respectivamente), medida acertada porquanto decorre da constatao de falta de

    acesso da pessoa com deficincia, em igualdade de condies s demais pessoas, aos

    cargos e empregos pblicos e aos postos de trabalho nas empresas privadas.

    A CDPD vai alm do reconhecimento ao direito ao trabalho em igualdade de

    oportunidades e especifica que esse direito diz respeito possibilidade de a pessoa com

    deficincia se manter com um trabalho da sua livre escolha e aceito no mundo do

    trabalho, em ambiente inclusivo e acessvel:

    Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficincia ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitao no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessvel a pessoas com deficincia.

    A proposio inserida na segunda parte do item 1, do Artigo 27 do texto

    internacional, ou seja, de a pessoa com deficincia se manter com um trabalho da sua

    livre escolha e aceito no mundo do trabalho, decorre dos princpios inerentes

  • 36

    dignidade da pessoa, a autonomia individual, a liberdade de fazer as prprias escolhas e

    a independncia que se almeja alcanar por meio de um trabalho digno (as pessoas com

    deficincia afirmam que no querem trabalhar s para ocupar seu tempo, mas para

    produzir, mostrar sua eficincia e ser economicamente independente).

    Para a realizao efetiva do direito ao trabalho necessria a adoo de medidas

    apropriadas e a edio de legislao especfica. Essas medidas e regras tm naturezas

    diversas que vo desde a proibio (no fazer), passando pela proteo de direitos, at a

    promoo de oportunidades, conforme os destaques que seguem.

    PROIBIR A DISCRIMINAO BASEADA NA DEFICINCIA

    A CDPD probe a discriminao baseada na deficincia em todas as questes

    relacionadas s formas de emprego, inclusive quanto s condies de recrutamento,

    contratao e admisso, permanncia no emprego, ascenso profissional e condies

    seguras e salubres de trabalho, no Artigo 27, item 1, alnea a:

    Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. a) Proibir a discriminao baseada na deficincia com respeito a todas as questes relacionadas com as formas de emprego, inclusive condies de recrutamento, contratao e admisso, permanncia no emprego, ascenso profissional e condies seguras e salubres de trabalho;

    A proibio da discriminao baseada na deficincia da alnea a, do item 1, do

    Artigo 27, abrange as diferentes etapas de uma possvel relao de trabalho: os

    procedimentos de recrutamento; a admisso do trabalhador; as condies previstas no

    contrato de trabalho e correspondente remunerao; a permanncia no emprego e

    promoo ou ascenso profissional; o ambiente de trabalho com condies seguras e

    salubres de trabalho.

    As prticas discriminatrias baseadas na deficincia tambm podem ocorrer no

    mbito do regime jurdico de servidores pblicos e no regime celetista dos empregados

    pblicos com deficincia, cuja forma de ingresso aos cargos e empregos pblicos se d

    por meio do concurso pblico para o qual se impe a acessibilidade no que diz respeito

    s provas, curso de formao, nomeao, estgio probatrio e ascenso na carreira.

    Tendo em vista que o princpio norteador da CDPD a proibio da

    discriminao baseada na deficincia (Artigo 5, item 2), no caso de existir

  • 37

    discriminao baseada na deficincia, configurar-se- violao direta dignidade e

    valores inerentes da pessoa. Esse aspecto est mais claramente evidenciado no eixo

    dedicado Trabalho e Emprego, sendo que a adoo do princpio permite a possibilidade

    de identificao de prticas de discriminao por ao ou omisso, direta e indireta,

    especialmente quando se trata de admisso, contratao, remunerao, permanncia no

    emprego e ascenso profissional do trabalhador.

    A forma direta de discriminao contm determinaes e disposies gerais que

    estabelecem distines fundamentadas em critrios proibidos e j definidos em lei,

    sendo de fcil caracterizao quando, por exemplo, probe-se a entrada de uma pessoa

    em um clube por ser negra. A forma indireta de discriminao, por sua vez, est

    relacionada com situaes, regulamentaes ou prticas aparentemente neutras, mas

    que, na realidade, criam desigualdades em relao a pessoas que tm as mesmas

    caractersticas. Ela poder ser imperceptvel mesmo para quem est sendo discriminado,

    como nos casos de processos de seleo para empregos baseada no s no histrico

    profissional e de qualificao do candidato, mas, no seu desempenho em entrevista.

    nesse momento que se revela o entrevistador preconceituoso ou que detm ideias pr-

    concebidas, que tem predisposio a respeito de algum ou de algum grupo.

    O princpio da no discriminao baseada na deficincia adere ao j existente

    comando constitucional de proibio de qualquer discriminao no tocante a salrio e

    critrios de admisso do trabalhador com deficincia (artigo 7, inciso XXXI da

    Constituio da Repblica). Ao mesmo tempo, convalida o vanguardismo das regras de

    proteo contra a discriminao de trabalhadores aqui includos os trabalhadores com

    deficincia - que foram consolidando as leis relativas ao trabalho (a Consolidao das

    Leis do Trabalho, CLT) e cujos direitos esto revelados no artigo 461 que trata da igual

    remunerao para trabalho de igual valor; no artigo 373-A que trata de vedaes s

    prticas de discriminao em relao ao trabalho da mulher, como o acesso a cargos,

    promoes, remuneraes, formao profissional e outros; no artigo 1, da Lei n

    9.029/95 que veda a discriminao de acesso ao trabalho da mulher, e que foi

    recentemente alterado pela lei brasileira de incluso n 13.146/2015, para incluir

    expressamente a deficincia como motivo para proibir qualquer pratica discriminatria,

    alm de permitir pessoa discriminada optar por ser reintegrada no trabalho com o

    ressarcimento integral de todo o perodo de afastamento.

  • 38

    A Lei n 7.853/89, nos incisos II e III, do artigo 8, traz previso expressa de

    conduta de crime ao tipificar e punir com recluso de dois a cinco anos de priso quem,

    obstar inscrio em concurso pblico ou acesso de algum a qualquer cargo ou emprego

    pblico, e negar ou obstar emprego, trabalho ou promoo pessoa, em razo de sua

    deficincia, respectivamente. Sendo que a pena por adoo de critrios subjetivos para o

    indeferimento de inscrio, de aprovao e de cumprimento do estgio probatrio em

    concurso pblico no exclui a responsabilidade patrimonial pessoal do administrador

    pblico pelos danos causados, previso essa introduzida pelo artigo 98 da lei brasileira

    de incluso.

    Note-se que a ltima das proibies baseadas em deficincia a condio

    relacionada no item 1, alnea a, do Artigo 27 da CDPD, correspondente ao meio

    ambiente de trabalho seguro e salubre. A proposio da norma internacional por

    condies seguras e salubres de trabalho indica uma nica concluso possvel: a

    acessibilidade dever estar implementada e somente no se configurar discriminao

    baseada na deficincia se o empregador cumprir com todas as regras de acessibilidade,

    acrescidas das costumeiras regras de segurana e medicina do trabalho. A nova

    concepo internacional, elegendo o ambiente como fator primordial para garantir a

    autonomia e independncia do trabalhador com deficincia, est consentnea ao

    propsito do Artigo 1 que introduz o ambiente e suas barreiras como fator de limitaes

    para a pessoa.

    O trabalho em condies seguras e salubres, que no Brasil compreende o meio

    ambiente do trabalho, direito tutelado na Constituio da Repblica e assegurado aos

    trabalhadores urbanos e rurais, inclusive aos servidores e empregados pblicos

    conforme o artigo 39, pargrafo 3, da Constituio da Repblica, por meio de normas

    de sade, higiene e segurana. A norma constitucional tambm prev a remunerao

    adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas e, seguro contra acidentes

    de trabalho (artigo 7, incisos XXII, XXIII, XXVIII da Constituio da Repblica).

    Constitui-se igualmente em direito fundamental sade, cuja proteo da atribuio

    do Sistema nico de Sade (SUS) na dico do artigo 200, incisos II e VIII, da

    Constituio da Repblica. Como se refere ao meio ambiente do trabalho, as condies

    regem-se pelas previses dos artigos 154 a 200 da CLT, com mecanismos especficos de

    preveno e deveres de empregadores e empregados.

  • 39

    Ora, a existncia de um ambiente de trabalho seguro e salubre para ser completo

    necessita ser acessvel do ponto de vista arquitetnico e de eliminao de barreiras

    fsicas e de atitudes. Portanto, impe a implementao de regras especficas de

    acessibilidade. Para isso h comandos constitucionais que j tratam da acessibilidade

    no artigo 227, pargrafo 2, repetido no artigo 244 da Constituio da Repblica,

    conferindo lei a disposio de normas de construo dos logradouros e dos edifcios

    de uso pblico e de fabricao de veculos de transporte coletivo, a fim de garantir o

    acesso adequado s pessoas com deficincia. Referidas normas so as leis da

    acessibilidade (Leis n 10.048/00 e 10.098), seu regulamento o Decreto n 5.296/04 e as

    normas tcnicas da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT), todas

    aplicveis s relaes de trabalho e seu meio ambiente da mesma forma como todas as

    medidas acima referidas de proteo ao meio ambiente de trabalho da CLT (artigos 154

    a 200 da CLT) e normas regulamentares decorrentes (Gugel, 2007, p.112).

    A lei brasileira de incluso da pessoa com deficincia traz importantes ajustes s

    leis de acessibilidade quanto a conceitos e definies, fazendo-os valer para todos os

    ambientes de uso coletivo, compreendidos os ambientes de trabalho de qualquer

    natureza.

    Nesse contexto, e para tornar acessvel todos os aspectos relacionados ao meio

    ambiente do trabalho, cabe ao administrador pblico e ao empregador implementarem

    medidas de acessibilidade arquitetnica interna e externa do local da empresa e do local

    de trabalho; de acessibilidade de comunicao a todas as pessoas com deficincia

    (fsica, sensorial (auditiva e visual), intelectual e mental) por meio de tecnologias

    assistivas, ajudas tcnicas e apoios adequados a cada necessidade; de acessibilidade nos

    procedimentos, mecanismos e tcnicas utilizadas para a realizao das tarefas da

    funo, assim como nos instrumentos e utenslios utilizados no trabalho e, de

    preparao de todo o corpo de servidores, empregados pblicos e trabalhadores para a

    conscientizao sobre a capacidade e contribuies das pessoas com deficincia de

    forma a eliminar esteretipos e preconceitos (Artigo 8, item 1, alneas b e c da CDPD).

    Reporta-se ao quanto comentado em DEFINIES no item relativo

    adaptao razovel para afirmar que a definio (de adaptao razovel) se integra s

    leis e concepes de acessibilidade porque com elas compatvel, em razo de sua

    razoabilidade, sobretudo na relao modificao/ajuste e nus decorrente e, por

  • 40

    envolver o direito da pessoa com deficincia aos atributos de acessibilidade, o que est

    expressamente previsto no artigo 3, inciso VI da Lei n 13.146/2015.

    PROTEGER E ASSEGURAR DIREITOS

    Para uma sociedade poder proteger e assegurar os direitos de seus cidados de

    forma eficaz h que estar constituda em estado democrtico de direito, com

    fundamento na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do

    trabalho, entre outros, tal como prev o artigo 1 da Constituio da Repblica. Os

    rgos de justia (tribunais e juzes) e as instituies essenciais justia (ministrio

    pblico, defensoria pblica e advocacia) precisam estar solidamente organizados e

    preparados para assegurar o acesso de pessoas com deficincia justia.

    Nesse particular o Artigo 13 da CDPD, que trata do Acesso Justia, mais uma

    vez ressalta a igualdade de condies de pessoas com deficincia com as demais

    pessoas de maneira a alcanar o efetivo acesso justia e os servios dela decorrentes.

    Impem-se, nesse aspecto, as necessrias adaptaes processuais sempre que em

    processos judiciais as pessoas com deficincia participem direta ou indiretamente, ou

    ainda como testemunhas, situao em que lhes sero assegurados todos os recursos de

    tecnologia assistiva (artigo 228, pargrafo 2 do Cdigo Civil com as alteraes da Lei

    n 13.146/2015).

    A concepo de acesso justia abrange tambm os procedimentos de

    investigao de atribuio do Ministrio Pblico e da Polcia. Igualmente os processos

    administrativos no mbito da Administrao Pblica. As adaptaes devem atender de

    forma adequada cada deficincia, idade, gnero ou condio. O pessoal de atendimento

    (servidores) dos rgos e instituies deve passar por capacitao apropriada para

    assegurar e apoiar o acesso justia.

    Pois bem, a CDPD aponta a necessidade de se proteger e assegurar os direitos

    das pessoas com deficincia em relao aos contratos de trabalho e ambientes de

    trabalho, proporcionando: iguais oportunidades e igual remunerao; condies seguras,

    salubres e acessveis; medidas legais de proteo contra assdio no trabalho e reparao

    de eventuais danos; efetivo exerccio de todos os direitos trabalhistas e sindicais e,

    adaptao razovel nos locais de trabalho. o que consta do Artigo 27, alneas b, c e i

    da CDPD e correspondem s formas de proteger e assegurar direitos:

  • 41

    Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego b) Proteger os direitos das pessoas com deficincia, em condies de igualdade com as demais pessoas, s condies justas e favorveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remunerao por trabalho de igual valor, condies seguras e salubres de trabalho, alm de reparao de injustias e proteo contra o assdio no trabalho; c) Assegurar que as pessoas com deficincia possam exercer seus direitos trabalhistas e sindicais, em condies de igualdade com as demais pessoas; i) Assegurar que adaptaes razoveis sejam feitas para pessoas com deficincia no local de trabalho;

    Reporta-se ao j comentado nos itens anteriores sobre iguais oportunidades e

    igual remunerao, condies seguras, salubres e acessveis, o conceito de adaptao

    razovel nos locais de trabalho e, centra-se nas medidas de proteo contra o assdio. A

    norma constitucional prev que so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a

    imagem das pessoas, assegurando o direito indenizao pelo dano material ou moral

    decorrente de sua violao (artigo 5, pargrafo 2 da Constituio da Repblica).

    No mbito das relaes de trabalho, desde h muito, a Consolidao das Leis do

    Trabalho contm norma especfica, que a jurisprudncia trabalhista aplica conduta de

    assdio moral (artigo 483 da CLT), com a possibilidade de resciso do contrato de

    trabalho e respectiva indenizao, se caracterizada a exigncia de servios superiores s

    foras do trabalhador ou proibidos em lei, contrrios aos bons costumes, ou alheios ao

    contrato; se o trabalhador for tratado pelo empregador ou por seus superiores

    hierrquicos com rigor excessivo; se o empregador pratica ato lesivo honra e boa

    fama, ofensa fsica ou reduz o trabalho de forma a afetar sensivelmente a remunerao

    do trabalhador.

    Quanto ao assdio sexual ou outros comportamentos baseados em sexo, podendo

    incluir comportamentos fsicos, verbais ou no verbais, no desejados pela vtima que

    afetam a dignidade da mulher e do homem no trabalho, prevalecendo-se o empregador

    ou seu preposto da sua condio de superior hierrquico, cargo ou funo, est

    tipificado como crime passvel de pena de deteno de um a dois anos (artigo 216-A do

    Cdigo Penal Brasileiro).

    A determinao da CDPD de assegurar o exerccio dos direitos sindicais

    esperada no contexto de uma conveno internacional que preza a liberdade de

    associao profissional ou sindical, devendo ser includo o direito de greve e

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    negociao coletiva, como o faz o sistema brasileiro (artigos 8, 9, 7, inciso XXVI da

    Constituio da Repblica). Essas liberdades fundamentais propiciam a participao

    direta de todos os trabalhadores na determinao das condies de trabalho. Embora

    criticada porque em desarmonia com a Conveno n 87/OIT, ainda no ratificada pelo

    Brasil, que trata da liberdade sindical e proteo ao direito de sindicalizao, a

    legislao nacional dispe sobre os direitos sindicais dos trabalhadores nos artigos 540-

    547, da CLT.

    Comprometida com os princpios de trabalho digno, a CDPD faz referncia

    expressa no item 2 do Artigo 27, quanto obrigao dos Estados Partes de assegurarem

    medidas contra o trabalho forado e situaes degradantes de trabalho da pessoa com

    deficincia:

    Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 2. Os Estados Partes asseguraro que as pessoas com deficincia no sero mantidas em escravido ou servido e que sero protegidas, em igualdade de condies com as demais pessoas, contra o trabalho forado ou compulsrio.

    Embora se tente negar, o trabalho em situao anloga a de escravo continua

    presente na sociedade brasileira, com caractersticas por vezes similares s do final do

    sculo XIX. No obstante isso, a ordem social no Brasil est definida na liberdade e

    dignidade da pessoa humana e tem a ordem econmica fundada em utilizao de

    trabalho remunerado. Da a constante preocupao com a criao de polticas pblicas e

    programas eficazes para erradicao do trabalho escravo que se configura em infrao

    penal (artigos 149, 131, Pargrafo nico, 203 e 207, do Cdigo Penal).

    PROMOVER OPORTUNIDADES

    No que diz respeito promoo de oportunidades s pessoas com deficincia,

    destacam-se: o acesso aos programas de orientao tcnica e profissional, servios de

    colocao no trabalho e treinamento profissional e continuado; apoio para a procura,

    obteno, manuteno e retorno ao emprego; o trabalho autnomo, empreendedorismo,

    as cooperativas e negcio por conta prpria, e a aquisio de experincia de trabalho.

    Nenhuma medida de promoo a direito ao trabalho pode ser realmente eficaz

    sem antes o Estado providenciar mecanismos estruturais de educao e preparao

    profissional para a pessoa com deficincia que possibilitem sua permanncia no mundo

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    do trabalho. E no s isso, conforme a prtica est a apontar, os servios de colocao

    no trabalho devem avanar e estabelecer critrios para atender a pessoa com deficincia

    de forma apoiada, se necessrio em vista do tipo e comprometimento da deficincia. o

    que se constata na Conveno ao indicar no Artigo 27, alneas d, e, e j:

    Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. d) Possibilitar s pessoas com deficincia o acesso efetivo a programas de orientao tcnica e profissional e a servios de colocao no trabalho e de treinamento profissional e continuado; e) Promover oportunidades de emprego e ascenso profissional para pessoas com deficincia no mercado de trabalho, bem como assistncia na procura, obteno e manuteno do emprego e no retorno ao emprego; j) Promover a aquisio de experincia de trabalho por pessoas com deficincia no mercado aberto de trabalho;

    Destaque particular para a previso de formas outras de trabalho, alm do

    contrato formal, que levam emancipao econmica e pessoal da pessoa com

    deficincia. Tratam-se das oportunidades de trabalho autnomo, empreendedorismo e

    cooperativas, indicadas na alnea f:

    Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1.f) Promover oportunidades de trabalho autnomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negcio prprio;

    No Brasil ainda h pouca iniciativa e incentivo ao empreendedorismo por