CRATERAS, RUÍNAS E METAIS RETORCIDOS: A GUERRA AÉREA ...
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CRATERAS, RUÍNAS E METAIS RETORCIDOS: A GUERRA AÉREA
ALIADA E DO EIXO ATRAVÉS DAS FOTOGRAFIAS DE IMPRENSA.
Wilson de Oliveira Neto1
Introdução.
Boris Kossoy (2009) afirma que diferentes ideologias têm usado as imagens
fotográficas para veiculação de ideias e manipulação da opinião pública. Especialmente,
prossegue o autor, em contextos históricos marcados pelos avanços tecnológicos da indústria
gráfica, que possibilitaram a multiplicação e a difusão de imagens através dos meios de
comunicação. A veiculação de ideias e a manipulação da opinião pública através da
publicação de fotografias estão relacionadas com a credibilidade que a própria imagem
fotográfica goza entre as pessoas. A despeito de todo o debate histórico sobre o realismo
fotográfico, ainda hoje as fotografias e seus conteúdos têm peso de verdade entre os sujeitos,
conclui o autor.
A influência que a imagem fotográfica exerce sobre as pessoas também é reforçada
pelos efeitos que sua visualização, independente do meio em que ela foi visualizada, provoca
nas memórias e nas representações acerca da realidade. De acordo com Kossoy (2009, p. 45):
A fotografia estabelece em nossa memória um arquivo visual de referências
insubstituível para o conhecimento do mundo. Essas imagens, entretanto,
uma vez assimiladas em nossas mentes, deixam de ser estáticas; tornam-se
dinâmicas e fluidas e mesclam-se ao que somos, pensamos e fizemos. Nosso
imaginário reage diante das imagens visuais de acordo com nossas
concepções de vida, situação socioeconômica, ideologia, conceitos e pré-
conceitos.
Houve entre os anos de 1935 e 1945 a “era de ouro” do fotojornalismo, segundo Tom
Hopkinson (2017). Segundo o autor, diversas revistas fotojornalísticas foram lançadas na
Europa e nos Estados Unidos. Centradas nas fotografias, elas exerceram, ao longo desse
1 Doutorando em Comunicação e Cultura na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– ECO/UFRJ, em um DINTER com a Universidade da Região de Joinville – Univille. E-mail:
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período, forte influência sobre a opinião pública. Entre 1939 e 1945, foi travada a Segunda
Guerra Mundial, uma guerra total, em que a mobilização de recursos humanos e materiais, de
civis e militares, foi absoluta, especialmente, nos países que protagonizaram o conflito.
1. Uma guerra de imagens.
A Segunda Guerra Mundial foi um conflito militar internacional ocorrido entre os anos
de 1939 e 1945. Em sua síntese, Antony Beevor (2015, p. 21) atribui o desencadeamento do
conflito a Adolf Hitler (1889 – 1945), autocrata alemão, considerado pelo autor “o principal
arquiteto desta conflagração nova e ainda mais terrível, que se espalhou pelo mundo e
dizimou milhões, inclusive ele próprio”. Afirmação essa que vai ao encontro de outro
historiador, Eric Hobsbawm (2012, p. 43), para o qual, em termos mais simples, “a pergunta
sobre quem ou o que causou a Segunda Guerra Mundial pode ser respondida em duas
palavras: Adolf Hitler”2.
Contudo, no plano das relações internacionais, especialmente entre as potências da
época, o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial foi além das ambições e das atitudes
de um só homem, mesmo que ele seja Hitler. O segundo conflito mundial foi antecipado por
diversas crises diplomáticas e conflitos militares na Europa, África e Ásia, a partir da segunda
metade da década de 1930. Um dos exemplos mais conhecidos é a Guerra Civil Espanhola,
travada entre 1936 e 1939. Apesar de suas causas estarem situadas nos conflitos políticos e
sociais espanhois da primeira metade dos novecentos, conforme constatou Hugh Thomas
(1964), a Guerra Civil Espanhola foi “internacionalizada”, na medida em que tanto os
republicanos quanto os nacionalistas buscaram apoio nas potências internacionais da época.
Por sua vez, a Alemanha, a Itália e a União Soviética se envolveram com a guerra motivadas
por seus respectivos interesses geopolíticos no continente europeu. O mesmo ocorreu com as
potências que não se envolveram com o conflito, como por exemplo, a França e a Grã-
Bretanha, explica Carlos Caballero Jurado (2009).
2 É importante alertar que essas afirmações não são consensuais entre os historiadores. Porém, foge ao escopo
deste trabalho um debate acerca do papel desempenhado por Adolf Hitler no início da Segunda Guerra Mundial
e, ao longo dos parágrafos subsequentes outros fatores serão levados em consideração a respeito do contexto em
que esse conflito foi iniciado na Europa, em 1939.
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Em seu conjunto, as crises e as guerras ocorridas durante o período expressaram a
fragilidade das pazes assinadas após o término da Primeira Guerra Mundial, em 1918, e o
esforço das potências industriais tardias – Alemanha, Itália e Japão – em estabelecer uma
nova ordem mundial. Os Pactos Anti-Komintern e Tripartite, assinados pelos governos desses
países, respectivamente, em 1936 e 1940, são marcos históricos desse processo. A respeito
desses fatos, Richard Overy (2014, p. 16) explica que: “Os três países compartilhavam não só
da hostilidade ao comunismo, mas também do compromisso de revisar a seu favor o sistema
internacional vigente”. Paulo G. Fagundes Vizentini (1995) reforça essa interpretação, quando
destaca a forte rivalidade entre as potências do hemisfério norte, acirrada, especialmente, a
partir da crise econômica iniciada em 1929.
Nessas circunstâncias, a Segunda Guerra Mundial foi iniciada na madrugada de 1º de
setembro de 1939, quando as primeiras forças combatentes alemãs invadiram o território da
Polônia. A guerra foi travada entre duas coalizações militares, os Aliados e o Eixo. A primeira
foi liderada pela França, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Já a segunda, pela Alemanha, Itália
e Japão. Através de um esforço humano e material inédito, esses países e seus respectivos
aliados promoveram campanhas militares e travaram batalhas na terra, no ar e no mar, em
teatros de operações espalhados pelo mundo, como por exemplo, a Europa, o Extremo
Oriente, o norte da África e os oceanos Atlântico e Pacífico. Em seis anos de guerra, 2 de
setembro de 1945, após ter duas de suas cidades reduzidas à escombros por dois
bombardeamentos atômicos, o Império do Japão se rendeu, colocando um fim na Segunda
Guerra Mundial. É aceito entre os historiadores, tais como Beevor (2015), que essa guerra e
seus desdobramentos globais foram o maior desastre da história já provocado pelo homem.
Estima-se, que morreram entre 60 e 70 milhões de pessoas, entre civis e militares, jovens e
adultos, homens e mulheres. A respeito dessa contabilidade macabra, vale mencionar Ian
Kershaw (2016, p. 353), segundo o qual, para milhões de cidadãos europeus, “a Segunda
Guerra Mundial, ainda mais que a primeira, foi o mais perto que chegaram do inferno na
terra”. Para o autor, ela representou o colapso da civilização europeia.
Ao mensurar o impacto desse conflito na consciência e na memória de seus sujeitos,
Reinhart Koselleck (2014, p. 250) afirma que:
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A Segunda Guerra [Mundial] foi total em todos os aspectos: bombardeios,
terror, genocídio, guerra dos partisans, o que contribuiu para anular a
oposição entre as frentes de batalha e os lares, e, com ela, também a
diferença entre os papéis sociais dos gêneros, intensificando o sofrimento
comum das famílias. Os papéis sociais tradicionalmente atribuídos a cada
gênero provavelmente se transformaram mais durante as guerras do que em
qualquer outra circunstância.
O caráter “total” da Segunda Guerra Mundial, descrito pelo autor, também é
mencionado por Cesar Campiani Maximiano (2010), que ao estudar a experiência brasileira
no conflito, através da Força Expedicionária Brasileira – FEB, explica que, no século XX, a
distinção entre a frente de batalha e a retaguarda doméstica foi ignorada pelas guerras totais, a
Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.
Não é exagero afirmar que a Segunda Guerra Mundial foi um conflito militar em que a
comunicação foi essencial para os esforços de guerra. As dimensões humanas e materiais do
conflito fizeram com que os meios de comunicação se tornassem imprescindíveis no
planejamento e na execução de campanhas e batalhas, por exemplo. Mas, especialmente, para
este trabalho, os meios de comunicação deram sentidos à guerra, produziram representações
entre civis e militares, essenciais para os esforços dos aliados e do eixo. Desde a Guerra da
Crimeia (1853 – 1856), através dos correspondentes de guerra e da imprensa, a comunicação
colaborou com a propaganda de guerra, criando e difundido mitos, heróis e vilões
(KNIGHTLEY, 1978).
A produção e a circulação de fotografias fizeram parte dos regimes de comunicação
dos aliados e do eixo. Através de agências de notícias, de centros militares de comunicação
social das forças armadas e dos próprios governos dos países em guerra, uma quantidade
incomensurável de fotografias foi produzida e despachada para as mais variadas mídias, como
por exemplo, jornais e revistas. Durante a Segunda Guerra Mundial, explica Knightley (1978,
p. 346), a propaganda de guerra nos Estados Unidos, por exemplo, foi extremamente
profissional e sofisticada, “uma coisa muito mais científica”, metaforizou o autor.
2. Corcel ou percherón?
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O uso militar do avião foi efetivado durante a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e
1918. Os primeiros aparelhos eram inseguros e difíceis de pilotar, além de suas fuselagens
feitas de lona, madeira e metal. Suas armas ofensivas e defensivas eram metralhadoras e
mesmo revólveres, quando as primeiras falhavam. Em termos estratégicos e táticos, o
emprego de aviões durante a Primeira Guerra Mundial foi limitado, assim como os carros de
combate (“tanques”) e os submarinos, por exemplo.
Contudo, durante a década de 1930, explica Juan Eslava Galán (2017), tornou-se
hegemônica a ideia de que as guerras futuras seriam decididas através da aviação. Afinal,
afirma o autor, o ceu não conhece barreiras. Um avião não tem de atravessar rios ou escalar
montanhas, além da economia em recursos humanos e materiais, assim como de tempo. As
batalhas terrestres pertencem ao passado.
Portanto, havia consenso em torno do avião como o futuro das guerras. Porém, não
havia consenso sobre a forma com a qual a aviação militar seria empregada. Seu uso seria
estratégico ou tático? Galán (2017) responde a pergunta através da metáfora dos cavalos
“corcel”, leve, ágil e rápido, e do “percherón”, uma raça de cavalos originária da província
francesa de Le Perche, caracterizada por corpulência e força ideais para o trabalho pesado. O
“corcel” era a aviação tática, que requer aviões de curto alcance e capacidade de carga
limitada, usados em operações de apoio às forças terrestres, “una especie de artillería volante
bombardeando com precisión los núcleos de resistencia” (GALÁN, 2017, p. 82).
Já o “percherón” era a aviação militar estratégica, que requer aparelhos de grande
porte, com grande alcance e capacidade de carga, capazes de bombardear cidades e
complexos industriais do inimigo. No debate entre os empregos estratégico e tático, durante
os anos de 1930, predominou a aviação militar estratégica. “Un bombardeo massivo que
destuya sus cidades y ocasione cientos de miles de muertos civiles obligará al enemigo a pedir
lá paz sin necessidade de enfrentarse a él en el campo de batalha” (GALÁN, 2017, p. 82 –
83).
Galán (2017) considera o ataque da Legião Condor sobre a cidade basca de Guernica,
na Espanha, em 26 de abril de 1937, a consolidação do conceito de aviação estratégica, que
influenciou o planejamento da aviação militar de potências, tais como a França e a Inglaterra.
Durante a Segunda Guerra Mundial, foi esse conceito que orientou, por exemplo, as
campanhas de bombardeamentos aliados sobre a Alemanha e o Japão, tal como é possível
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constatar em sínteses sobre esse conflito, como por exemplo, o trabalho de Antony Beevor
(2015). Porém, esse não foi o caso da arma aérea alemã, a Luftwaffe. Em sintonia com a
doutrina militar da Guerra-Relâmpago (Blitzkrieg), a aviação militar alemã durante a Segunda
Guerra Mundial foi essencialmente tática, um corcel. Contudo, durante a Batalha da Grã-
Bretanha, em 1941, a Luftwaffe foi empregada como aviação estratégica, fato este que, na
avaliação de Galán (2017), contribuiu com o declínio da arma aérea alemã durante o conflito.
Ele reforça essa conclusão na medida em que considera o emprego tático dos aviões uma das
razões para a derrota da Alemanha na guerra, em 1945. De acordo com ele, a aviação tática
foi uma decisão crucial, porém equivocada, que gerou uma carência de poder militar que os
alemães sentiram até o final do conflito.
3. Entre crateras, ruínas e metais retorcidos.
Durante a época da Segunda Guerra Mundial, a fotografia era considerada uma forma
de documentação da realidade e foi amplamente empregada como meio de propaganda de
guerra capaz de atribuir sentidos e estimular sensações a respeito do conflito entre o público.
No caso das fotografias examinadas neste trabalho, tanto aliadas quanto do eixo, elas chamam
a atenção do público para os rastros de destruição deixados pelas forças combatentes no ar, no
mar e na terra.
Erika Zerwes (2016) explica que, a década de 1930 foi um período importante para a
história da fotografia. Segundo a autora, “inovações técnicas que vinham se somando tanto na
produção de imagens [...] como em sua circulação [...] permitiram que durante essa década a
imagem fotográfica tivesse um protagonismo até então inédito na cultura visual” (ZERWES,
2016, p. 5).
Para tanto, será analisada uma coleção de fotografias sobre o conflito, organizada em
um álbum que está sob a guarda do Arquivo Histórico de Joinville – AHJ (Joinville, SC),
conforme mostra a figura 1. Ele faz parte da coleção “Memória Iconográfica”, série “álbum
fotográfico”, dossiê “Segunda Guerra Mundial”, sob o número 3.1.8.36.7. Trata-se, de uma
coleção formada por 440 fotografias, a maioria imagens produzidas e distribuídas por
agências de notícias e órgãos de comunicação militares vinculados aos países beligerantes,
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como por exemplo, a Alemanha e os Estados Unidos, respectivamente, as agências “RDV” e
o Serviço de Informações do Hemisfério – SIH.
Figura 1: Uma das páginas do álbum 3.1.8.36.7. Foto: Wilson de Oliveira Neto.
Os demais cartões postais e fotografias que fazem parte do álbum possuem temas
diversos e não estão relacionados à Segunda Guerra Mundial, mas à história da pessoa que
organizou o álbum, cuja identidade é desconhecida. Aliás, não há no AHJ registros sobre as
circunstâncias em que esse álbum foi doado para a instituição. Devido ao tipo de suporte em
que ele foi organizado, há fotografias que estão perdendo a emulsão.
Os rastros de destruição registrados nas fotografias de guerra têm, basicamente, os
mesmos conteúdos: aldeias, vilas, cidades e campos destruídos; navios explodindo e
afundando; material bélico abandonado, em chamas ou retorcido; aviões abatidos como
troféus ou no ar, despejando suas bombas; crateras no solo decorrente de explosões; vítimas
civis e militares. Em alguns casos mais extremos, há imagens de cadáveres civis e militares,
especialmente, inimigos mortos e calcinados.
É o que mostra a figura 2, cuja fotografia é o registro de um ataque aéreo alemão
contra um navio mercante em um comboio inglês. A fotografia foi fornecida à imprensa
brasileira através da RDV, com a seguinte legenda em português: “Um avião de combate
Heinkel ‘He-111’ ataca um comboio inglês”. Junto com a legenda datilografada em
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português, a RDV também orientava a publicação de suas imagens em jornais e revistas com
as seguintes instruções: “Publicação gratuita. Pede-se mencionar a procedência e remeter o
comprovante da publicação”.
Figura 2: ataque aéreo alemão contra um navio mercante inimigo. Foto: RDV. Coleção: AHJ.
Já as imagens a seguir, as figuras 3 e 4, são, respectivamente, alemã e inglesa. A
primeira, também fornecida pela RDV. Já a segunda, provavelmente pelo Serviço Britânico
de Notícias (British News Service), cuja sucursal brasileira estava localizada na cidade do Rio
de Janeiro, na época Distrito Federal. Apesar de suas origens nacionais distintas, elas têm o
mesmo tema: fuselagens de aviões inimigos abatidos fotografados como troféus. Na figura 3,
aparecem os destroços de um caça inglês Hawker Hurricane, abatido próximo de uma pista
alemã, que aparece no fundo da imagem junto com dois bombardeiros de picada alemães
Junkers Ju-87 “Stuka”, situados no canto superior esquerdo da fotografia. Tal como a figura 2,
uma legenda em português: “Avião inglês abatido por um ‘Messerschmitt’ alemão”. Igual ao
exemplo anterior, a figura 4 retratou parte da fuselagem de um avião alemão, provavelmente
um bombardeiro, que caiu sobre o território inglês. Os soldados ao seu redor apontam para os
furos de projéteis e estão próximos da insígnia da Luftwaffe, uma cruz balcânica estilizada.
Infelizmente, o registro da legenda não foi preservado no álbum, porém é certo que seu texto
teria o mesmo objetivo que o texto redigido para a fotografia veiculada pela RDV.
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Figura 3: destroços de um caça inglês abatido. Foto: RDV. Coleção: AHJ.
Figura 4: soldados ingleses observam os furos de projéteis na fuselagem de um avião alemão abatido. Foto:
Serviço Britânico de Notícias? Coleção: AHJ.
Contudo, apesar dos mesmos assuntos, os sentidos dados às fotografias, quando
publicadas, variaram. Como meios de ações psicológicas, conforme conceituou Mataloto
(2015), elas poderiam representar o poder de um exército sobre o inimigo ou a selvageria do
inimigo, especialmente, quando se tratam de civis. Nesse sentido, vale citar Phillip Knightley
(1978) que chamou a atenção para o processo de desumanização do inimigo, através da
propaganda de guerra veiculada pela imprensa americana, durante a Segunda Guerra Mundial,
especialmente, nos teatros de operações localizados no Extremo Oriente, em que uma violenta
guerra entre Estados Unidos e Japão foi travada.
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A figura a seguir é um exemplo do uso de fotografias como meio de atribuição de
características negativas ao inimigo.
Figura 5: Cabo das forças armadas dos Estados Unidos ministrando curativos em uma criança francesa. Fonte:
Em guarda para a defesa das Américas (s.d.).
Ela foi publicada na contracapa de uma das edições da revista Em guarda para a
defesa das América, número 2, em seu quarto ano de publicações. Nela, um descabelado,
ferido e triste menino francês recebe os cuidados de um Cabo pertencente à 82a Divisão de
Infantaria Aerotransportada do Exército dos Estados Unidos, também conhecida como “All
American Division”, cuja criação remonta à Primeira Guerra Mundial. A fotografia foi
publicada sobre toda a contracapa, além de ter sido colorizada. O Cabo não olha para a
câmera, sugerindo estar mais preocupado com os primeiros socorros ministrados ao menino
que ao fotógrafo, provavelmente, pertencente ao U.S. Army Signal Corps. Os olhos azuis do
garoto se destacam na fotografia, assim como as manchas e os pingos de sangue sobre as
pernas e as roupas do menino. “Em guarda” foi uma revista engajada no esforço de guerra
americano e, certamente, no processo de colorização da imagem, esse detalhes não tenham
passado despercebidos pelos artistas gráficos responsáveis.
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As condições de vítima do garoto e de um inimigo cruel dos alemães foram reforçadas
pela legenda publicada no canto superior esquerdo da imagem, dentro de um retângulo
branco, com a seguinte descrição:
Ferido durante a tremenda luta para a captura da vila de St. Sauveur, na
França, este pequenino não-combatente francês recebe, no quintal de sua
própria casa, os curativos que lhe são ministrados por um enfermeiro das
forças libertadoras norte-americanas. Em sua resistência, os alemães não
tiveram escrúpulos de pôr em risco a população civil.
A legenda retomou um discurso em que os alemães são acusados de violência contra
civis não-combatentes, cujas origens estão situadas na Primeira Guerra Mundial, durante a
invasão alemã à Bélgica, conforme Lorde Francis-Williams (1968). Além disso, as forças
combatentes dos Estados Unidos são “libertadoras”, o que reforça a ideia de uma “cruzada
europeia”, a boa guerra da liberdade contra o totalitarismo. “A Segunda Guerra Mundial é
comumente vista nos Estados Unidos como uma boa guerra do povo contra o fascismo”,
explica Sean Purdy (2011, p. 217). Ele prossegue e revela que: “Certamente, a propaganda
utilizada pelo governo fez uso extenso da corajosa luta pela liberdade contra os horrores do
nazismo e do militarismo japonês” (PURDY, 2011, p. 217).
Já a capa da mesma edição tem uma imagem impressa completamente diferente
(figura 6). Nela, foi publicada uma fotografia colorida, possivelmente um filme
“kodakchrome”, que não apresenta sinais de retoques. O cenário é uma horta em um dia
ensolarado. Em primeiro plano, uma menina e um idoso contemplam sorridentes os vegetais
colhidos na horta, distribuídos em uma cesta de vime. O homem idoso veste um macacão
jeans, uma “jardineira”, como é popularmente conhecida no Brasil, um traje recorrente na
iconografia sobre os camponeses americanos. Ele enxuga o suor em seu rosto com um lenço,
sugerindo esforço físico, trabalho, cujos vegetais recolhidos na cesta são os resultados desse
esforço. A relação entre a fotografia e a propaganda de guerra à qual ela foi destinada é
reforçada pela frase “Hortelãos da vitória”, impressa no canto superior esquerdo da fotografia,
sobre um retângulo branco, que contrasta com o fundo verde, conferindo destaque entre os
elementos escritos e visuais que formam a capa da revista.
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Figura 6: “Hortelãos da vitória”. Fonte: “Em guarda para a defesa das Américas” (s.d.).
A capa e a contracapa da revista “Em guarda” reforçam dois discursos recorrentes na
propaganda de guerra dos Estados Unidos, durante o conflito: o engajamento da população
americana no esforço de guerra, representado pelos “hortelãos da vitória”, e a condição de
libertadores das forças combatentes dos EUA na Europa, agredida e subjugada pela
Alemanha, cujas tropas não têm escrúpulos morais, representação esta reforçada pelo menino
francês ferido e atendido por um enfermeiro do U.S. Army. Nos Estados Unidos, devido à sua
condição de potência industrializada e urbanizada, “a propaganda da Segunda Guerra Mundial
tornou-se uma coisa muito mais científica”, constatou Phillip Knightley (1978, p. 346). Nesse
sentido, esses e outros discursos a respeito do envolvimento americano na guerra foram
amplamente divulgados pelos meios de comunicação, tendo nas fotografias um dos seus
suportes.
Considerações finais.
As fotografias acerca da guerra aérea aliada ou das potências do Eixo examinadas
neste trabalho foram produzidas e circularam com objetivos propagandísticos, como parte de
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uma guerra de informação e contrainformação travada durante a Segunda Guerra Mundial.
Tinham como metas fortalecer os esforços de guerra dos seus países, assim como
desmoralizar o inimigo perante a opinião pública.
Mas, como o público teve acesso às fotografias? Embora elas pudessem ser obtidas de
forma avulsa, basicamente, foram publicadas em jornais e revistas. No Brasil, após o
rompimento das relações diplomáticas com os países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – ,
predominou na imprensa nacional fotografias distribuídas pelas agências de notícias dos
Estados Unidos e da Grã-Bretanha, como por exemplo, o Serviço de Informação do
Hemisfério – SIH e o Serviço Britânico de Notícias (British News Service).
A imagem a seguir ilustra o meio através do qual esse tipo de imagem foi publicada.
Ela saiu na edição de 24 de julho de 1943 do jornal O aço, que circulou no município de São
Bento do Sul, Santa Catarina, entre 1936 e 1944. A fotografia foi fornecida pela agência
“Inter-Americana” (ou “Interamericana”), vinculada ao Escritório de Coordenação de
Assuntos Interamericanos, assim como seu título e sua legenda, respectivamente, “Chuva de
bombas” e:
Esta fantástica fotografia aérea mostra uma chuva de bombas lançadas por
fortalezas voadoras norte-americanas sobre o porto italiano de Monserrato,
na Sardenha. Estes terríveis bombardeios, quase diários, paralisaram
virtualmente as linhas de comunicações italianas e foram uma das principais
causas da queda de Pantellaria e Lampedusa em poder dos aliados
(CHUVA..., 1943, p. 1).
As fotografias poderiam ser publicadas isoladamente ou como parte de uma matéria,
como por exemplo, em revistas, tais como Em guarda para a defesa das Américas. Após
setenta anos do término da Segunda Guerra Mundial, elas são parte do repertório de fontes
que auxiliam os historiadores e demais estudiosos a narrar sua história e problematizar as
relações entre comunicação e guerra.
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Figura 7: “Chuva de bombas”. Fonte: O aço, 24/07/1943. Coleção: Arquivo Histórico de São Bento do Sul, SC.
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