O homem em ruínas

24
Universidade de Coimbra Colégio das Artes Mestrado em Estudos Curatoriais O homem em ruínas Disciplina: Exposição como Dispositivo. Orientador: Prof. Doutor Nuno Grande. Aluna: Laurem Crossetti. 2013

description

Projeto para exposição individual de André Komatsu no Museu de Serralves, na cidade do Porto, e no Centro de Arte Moderna, em Lisboa. Realizado para a disciplina Exposição como Dispositivo, 2013. Orientador: Prof. Doutor Nuno Grande.

Transcript of O homem em ruínas

Page 1: O homem em ruínas

Universidade de CoimbraColégio das Artes

Mestrado em Estudos Curatoriais

O homem em ruínas

Disciplina:Exposição como Dispositivo.

Orientador:Prof. Doutor Nuno Grande.

Aluna: Laurem Crossetti.

2013

Page 2: O homem em ruínas
Page 3: O homem em ruínas

Sumário:

Lista de obras ............................................................................................. 03

Planta baixa das exposições ........................................................................ 08

Justificativas expográficas ......................................................................... 10

Texto de apresentação ............................................................................... 14

Texto crítico .............................................................................................. 15

Page 4: O homem em ruínas

Lista de obrasTítulo: AK-47

Ano: 2008Material: Tijolos, cimento, massa corrida, entulho e tinta acrílica

Dimensões: 400 x 350 x 120 cm

Título: Alaska Ano: 2006

Material: Concreto, tijolo, tinta látex e bastão de luz Dimensões: 165 x 210 x 155 cm

Título: Anamorfose Sistemática 2 Ano: 2012

Material: Placas de compensado laminado, trilho e suporte de aço galvanizado Dimensões: 263 x 350 x 25 cm

Título: Atlas Ano: 2008

Material: Camiseta, madeira e parafuso Dimensões: altura variável x 50 x 70 cm

Título: Base hierárquica Ano: 2011

Material: Blocos de concreto, copos de vidro e taça quebrada Dimensões: 50 x 50 x 60 cm

Título: Blow out Ano: 2010

Material: 220 blocos de concreto, massa corrida e tinta látex Dimensões variáveis

Título: BreathAno: 2009

Material: Madeira, alumínio e tinta acrílicaDimensões: 47 x 47 x 21,5 cm

3

Page 5: O homem em ruínas

Título: CampoAno: 2009

Material: Piso de sinalização e cal virgemDimensões: 240 x 240 cm

Título: Como se comporta o que se consome, como se consome o que se comporta

Ano: 2009Material: Gesso, giroflez, lâmpada, aço, planta, água, plástico, luz e terra

Dimensões variáveis

Título: Conquista conquistadoAno: 2009

Material: Concreto, madeira e marteloDimensões variáveis

Título: DesconhecidoAno: 2010

Material: Caixas de papelão, fita adesica e arame farpadoDimensões variáveis

Título: DesgovernadoAno: 2012

Material: Vídeo em loop e suporte de madeiraDimensões: 80 x 163 x 40 cm

Título: Desvio de poderAno: 2011

Material: Concreto, tinta epóxi e lataDimensões variáveis

Título: Engodo regularAno: 2010

Material: 4 placas de cimento e tinta acrílicaDimensões: 240 x 360 cm

Título: EnlightenedAno: 2009

Material: Madeira, cerâmica, lâmpada e ferroDimensões: 48 x 36 x 25 cm

4

Page 6: O homem em ruínas

Título: IntersecçãoAno: 2007

Material: Tijolos e cimentoDimensões: 4 x 29 x 24 cm

Título: KnowhereAno: 2009

Material: Ferro e tinta acrílicaDimensões: 25,5 x 101,5 cm

Título: Modus OperantiAno: 2010

Material: Tinta epóxi e lataDimensões: 230 x 230 cm

Título: O estado das coisas 1Ano: 2011

Material: Concreto, tijolos, cimento e macaco hidráulicoDimensões variáveis

Título: Oeste ou Até onde o sol pode alcançarAno: 2006

Material: VídeoDuração: 25’

Título: Ordem casual 3Ano: 2010

Material: Impressão jato de tinta e ponta secaDimensões: 89 x 132,5 cm

Título: Ordem casual, 5Ano: 2010

Material: Impressão jato de tinta e ponta secaDimensões: 100 x 150 cm

Título: PedaçoretalhofragmentoaçãofraçãoAno: 2006

Material: Grafite sobre concretoDimensões: 26 x 39 x 9 cm

Título: Pequena casa, mundo grandeAno: 2008

Material: Drywall, grafite e madeiraDimensões: 41 x 32 x 3 cm

5

Page 7: O homem em ruínas

Título: Peso mortoAno: 2011

Material: Entortamento de compensado à base de calor e pressãoDimensões: 22 x 211 x 15 cm

Título: Poder monetário ou Reação de um sistemaAno: 2011

Material: Madeira, copo de vidro e moedasDimensões: 28 x 65 x 18 cm

Título: 4 paredesAno: 2007

Material: Tijolo e tintaDimensões: 24 x 14 x 11,5 cm

Título: Sem título (Tumor)Ano: 2010

Material: Tijolo, concreto, ferro e cola plásticaDimensões: 315 x 315 x 25 cm

Título: Sem título 3 [série Soma Neutra]Ano: 2009

Material: Desenho sobre drywall e madeiraDimensões: 124 x 185 x 5 cm

Título: Sem título 2 [série Soma Neutra]Ano: 2009

Material: Grafite sobre drywall e madeiraDimensões: 124 x 185 x 5 cm

Título: Sem título 1 [série Soma Neutra]Ano: 2009

Material: Desenho sobre drywall e madeiraDimensões: 124 x 185 x 5 cm

Título: Sem título 1 [série Campos Imaginários]Ano: 2009

Material: Desenho sobre drywall e madeiraDimensões: 124 x 185 x 5 cm

Título: Sem título 4 [série Campos Imaginários]Ano: 2011

Material: Desenho sobre drywall e madeiraDimensões: 112 x 245 x 7 cada [díptico]

6

Page 8: O homem em ruínas

7

Título: Sem título 5 [série Campos Imaginários]Ano: 2011

Material: Desenho sobre drywall e madeiraDimensões: 112 x 245 x 7 cada [díptico]

Título: Sem título 10 [série Acabamentos]Ano: 2012

Material: Impressão digital, caneta esferográfica, placa de drywall e madeiraDimensões: 85 x 124 x 7 cm

Título: Sem título 5 [série Acabamentos]Ano: 2012

Material: Impressão digital, caneta esferográfica, placa de drywall e madeiraDimensões: 85 x 124 x 7 cm

Título: Sem título 15 [série Acabamentos]Ano: 2011

Material: Impressão digital, caneta esferográfica, placa de drywall e madeiraDimensões: 85 x 124 x 7 cm

Título: Sem título Ano: 2011

Material: Ferro e madeiraDimensões: 30 x 15 cm

Título: Separados pelo tempoAno: 2006

Material: Concreto, tijolo e tintaDimensões: 8 x 8 x 2,5 / 9 x 7 x 2,5 [díptico]

Título: Sistema operacionalAno: 2010

Material: Placa de cimento, ferro, tinta epóxiDimensões: 120 x 200 cm

Título: XYZ ou Aglomerado subnormalAno: 2011

Material: Madeira, concreto, parafusos e vergalhão de ferroDimensões variáveis

Page 9: O homem em ruínas

8

Sal

a 1

Sal

a 2

Sal

a 3

Sal

a 4

Sal

a 6

Sal

a 7

Sal

a 8

Sal

a 9

Sal

a 5

1m

01. Museu de Serralves - Porto

Plantas baixas das exposições

Page 10: O homem em ruínas

02. Centro de Arte Moderna - Lisboa

1m

9

Page 11: O homem em ruínas

Justificativa dos projetos expográficos

01. Serralves

A exposição inicia-se na marcação em vermelho. O corredor inicial foi fechado com uma parede falsa junto à porta de entrada até a entrada da sala 01, divindindo o espaço quase pela metade. No corredor encontra-se somente o texto de apresentação da exposição, plotado na parede.

A seguir, na sala 01, estão expostas quatro obras. A primeira delas é AK-47, um muro de tijolos com 4 metros de altura e 3 de comprimento disposto de forma centralizada no espaço anterior à rampa. A intenção é que o visitante entre na sala e se depare diretamente com o muro, tendo que contorná-lo para enxergar o restante do espaço. A relação que a expografia pretende criar o o espectador, tanto nesse quanto em outros momentos, é de certo descon-forto, fazendo com que o visitante não tenha um panorama geral das obras e/ou do espaço expostivo e por isso precise percorre-lo, mesmo que a primeira vista exista algum tipo de im-pedimento (nesse caso, um grande muro).

Ao descer a rampa temos as obras Sem título (tumor), disposta na parede esquerda da sala. Ao centro, próximo à parede de fundo, está Como se comporta o que consumimos, como consumimos o que se comporta e do lado direito da sala está Desconhecido. Todas as obras desse espaço se relacionam conceitualmente, tratando de temas como a decadência e a pre-cariedade da vida urbana. As duas primeiras obras são feitas de tijolos à vista e as duas últimas tem em comum o uso do papelão como matéria de destaque.

Voltando ao corredor inicial, o visitante poderá seguir tanto para as salas menores que se encontram à esquerda como para os espaços mais amplos à direita. Desse local ele conse-gue visualizar algumas obras da sala 6, 2 e do corredor 3.

Na sala 2 foi criada uma parede que isola toda a sala e cria o corredor 3. No interior da sala também existe outra parede falsa, com 190 cm de altura, que além de dividir o espaço ao meio também serve de suporte para uma obra. Essa obra é O estado das coisas 1, onde uma pe-quena parte central da parede é elevada por um macaco hidráulico - por esse motivo a parede não estende-se até o teto. A primeira obra avistada na sala é Desvio de poder, que encontra-se posicionada paralelamente à entrada da sala. Dessa forma, o visitante só percebe a totalidade da obra ao deslocar-se até o outro lado do muro de concreto. No canto esquerdo da sala 2 está Blow out e em direção a segunda parte da sala está Conquista Conquistado. Nessa posição o visitante consegue avistar a obra Poder monetário ou reação de um sistema, que encontra-se na parede perpendicular à O estado das coisas 1. A obra é pequena e encontra-se nessa loca- lização sutil de propósito, buscando criar uma visita que demande atenção e que defina uma necessidade de deslocamento por parte do espectador.

10

Page 12: O homem em ruínas

Na segunda parte da sala, a primeira obra é Peso morto, disposta na parede esquerda. Em frente a ela temos Modus Operanti, um quadrado de 230 cm pintado no chão. Mais próximo à parede falsa no centro da sala está Base Hierárquica e, na parede paralela à Peso morto en-contramos Anamorfose Sistemática 2. Retornamos para o corredor 3 e, antes de chegarmos à sala 4, temos três obras dispos-tas no espaço do corredor. Na parede da direita está Sem título #1 [da série Campos Imaginári-os] e, na esquerda, Sistema Operacional e Engodo Regular. Na rampa de acesso à sala 4, en-tre as duas grande janelas, vemos Sem título 4 [da série Campos Imaginários], um díptico que totaliza 224 cm de altura por 245 cm de comprimento. Em seguida, centralizado na parede em frente à rampa temos Sem título 5 [da série Campos Imaginários], outro díptico da mesma série mas que é disposto na horizontal, ocupando assim quase 5 metros da parede.

Ainda na sala 4 estão as obras XYZ ou Aglomerado Subnormal, Desgovernado, Campo e Alaska. Uma das características mais importantes deste último trabalho é que ele faz referên-cia direta à guaritas de segurança mas, nesse caso, não existe porta ou abertura para entrar-mos naquela construção. Para perceber isso, o visitante terá que percorrer todo o entorno da obra - o que induz o espectador a seguir pelo corredor criado entre a obra e as paredes do espaço expositivo, já que a mesma encontra-se posicionada no canto esquerdo da sala. Esse corredor terá uma dimensão reduzida (100 cm), para assim criar uma sensação de desconfor-to e insegurança - sentimentos relacionados ao próprio conceito da obra.

Logo ao lado vemos Campo, uma obra de 240 x 240 cm que fica no chão e trata de questões ligadas às restrições urbanas, aproximando-se de Alaska tanto no aspecto concei- tual como formal (ambas possuem formas quadradas e tem o branco como cor principal). Mais centralizado na sala está XYZ ou Aglomerado Subnormal, obra que relaciona-se com tra-balhos apresentados nas salas anteriores pelo uso em comum de material precário e/ou de construção. Atrás dessa obra, na mesma parede próxima à Alaska, está Desgovernado, obra composta por projetor de vídeo e uma estrutura de madeira que o prende a parede, além do próprio vídeo projetado.

Próximo a esse trabalho existe uma abertura na sala 4 que dá acesso ao espaço 5, que possui apenas uma obra, entitulada Atlas. A escolha do posicionamento dessa obra deriva de dois fatores: por ser uma obra sutil é importante que não fique escondida em meio a outras; além disso, como a peça precisa ocupar toda a altura da sala o pé direito do espaço 5 é o mais adequado para esse uso, por ser menor que os outros e não possuir forro rebaixado.

Voltando ao início do corredor 3 chegamos à sala 6, que abriga apenas três obras que tem em comum tratarem da questão casa/ruína. Além da temática, o fato de terem dimensões reduzidas deu sentido a opção de estarem na mesma sala, deixando a maior parte do espaço vazio e buscando assim concentrar a atenção nesses trabalhos. São eles: Pequena casa, mun-do grande, Pedaçoretalhofragmentoaçãofração e Sem título. A primeira obra, uma pequena pintura, está pendurada à direita da entrada; a segunda encontra-se no centro da sala, coloca-da diretamente no chão; e a terceira está na parede oposta à entrada, numa altura de mais ou menos 180 cm do chão.

Já na sala 7, as três obras da série Acabamentos estão localizadas na parede da direita enquanto os dois trabalhos da série Ordem casual encontram-se na parede oposta. Na parede em frente à entrada está a obra Separados pelo Tempo, disposta numa pequena prateleira de mandeira situada numa altura de cerca de 155 cm à partir do chão. Essa obra relaciona-se com a sala 6 e por isso está posicionada de maneira a ser avistada desde este espaço.

11

Page 13: O homem em ruínas

12

Na circulação entre as salas 7 e 8 estão pendurados na parede Breath e Enlightened. Na sala 8 estão expostas as três obras da série Soma Neutra, além de Knowhere, Intersecção e 4 Paredes. Os trabalhos bidimensionais estão dispostos na parede, enquanto os dois últimos, que são objetos, encontram-se na região central da sala dispostos diretamente no chão.

Na sala 9, último espaço da exposição, está a projeção do vídeo Oeste ou Até onde o sol pode alcançar, que tem 25 minutos de duração e é exibido em looping. No centro da sala existe um banco retangular branco que garante aos visitantes mais conforto para assistir ao vídeo.

02. Centro de Arte Moderna

A exposição inicia-se na marcação em vermelho. À esquerda da entrada encontra-se o texto de apresentação da exposição, plotado na parede. No grande vão do espaço expositi-vo do Centro de Arte Moderna foram criadas paredes falsas que isolam os espaços entre as pilastras, criando assim mais paredes para suporte de obras.

Os dois primeiros trabalhos que o visitante avista quando entra na exposição são AK-47 e Sem título (Tumor), que estão posicionadas frente a frente criando uma espécie de corredor que guia o visitante até o quadro Engodo Regular. No centro do espaço 01 está a obra Desco nhecido e as três imagens da série Acabamentos. É interessante que essas obras esteja próxi-ma de AK-47 pois ambas tratam de questões de fragilidade e precariedade das moradias urba-nas.

Seguindo o percurso imaginado para a visitação, encontramos a obra Sistema Opera-cional, que relaciona-se com Engodo Regular tanto visual quando formalmente. Ao chegar no próximo espaço, denominado 02, o visitante vê Atlas no lado direito da sala e no lado esquerdo estão Intersecção e 4 Paredes, dois objetos pequenos e dispostos diretamente no chão, e Des-governado, um suporte de madeira com um projetor exibindo um vídeo diretamente na parede. A escolha de exibir apenas quatro obras nessa sala é justificada pelo fato de serem tra-balhos sutis, delicados, e o espaço vazio entre elas dá destaque e potencializa sua visualidade. Além disso, Atlas é uma obra que ocupa toda a altura do espaço, precisando estar posicionada em um ambiente com o pé direito não muito alto.

Voltando-se para o vão central, o visitante encontra Como se comporta o que se con-some, como se consome o que se comporta à direita e XYZ ou Aglomerado subnormal à esquer-da. Essas duas obras, mesmo sendo feitas com materiais diferentes, propõem uma reflexão so-bre o equilíbro (ao criarem formas que colocam esse conceito em cheque) e sobre a utilização de materiais precários na obra de arte.

Page 14: O homem em ruínas

Ao fundo, o espaço onde ficam os bancos é coberto com uma parede falsa que serve como base para o trabalho O estado das coisas 1, que intervém na parede ao deslocar um frag-mento da mesma com um macaco hidráulico. Para não desviar a atenção não existem mais tra-balhos expostos nessa parede. Ao retornar para o centro do vão o visitante contorna Desvio de Poder e então chega à parede onde estão as duas imagens da série Ordem casual, que se relacionam com o conceito de construção e arquitetura presentes em O estado das coisas 1. Chegando ao espaço 03, na parede à esquerda está a obra Peso morto, que relacio-na-se com a que está disposta na parede da direita, Anamorfose sistemática 2. No centro está Modus Operanti, um quadrado pintado no chão com tinta branca que simula um espaço res-trito. A localização da obra nessa sala pretende dificultar o deslocamento do visitante no es-paço, fazendo referência ao modo como esses sinais são de fato utilizados. A ideia é que a obra crie o mesmo tipo de incômodo que os sinais de restrições urbanos muitas vezes causam. Essa obra já foi exposta anteriormente dessa mesma forma, delimitando o quadrado com grandes dimensões deixando pouco espaço para a circulação ao redor. Vale lembrar que não existe res trição quando à pisar ou não dentro do espaço (vazio) do quadrado, mas os visitantes normal-mente não o fazem por já compreender aquele tipo de sinalização. Seguindo para o vão central está Base Hierárquica, obra que está no meio do diálogo entre Desvio de Poder e Conquista conquistado. Essas três obras tratam, cada uma a sua ma-neira, das problemáticas referentes ao poder - notadamente o poder político. Isso fica claro quando observamos os títulos das obras. Além disso elas possuem aproximação formal por utilizarem o concreto como elemento principal.

Retornando em direção às salas estão as obras Sem título 1 [série Soma Neutra] e Sem título 3 [série Soma Neutra]. Logo a seguir, na sala 05, está o quadro Pequena casa, mundo grande, que faz a ligação conceitual entre as obras presentes na sala e a série Soma Neutra. Es-sas obras falam do espaço da casa, da subersão da arquitetura e das ruínas urbanas. Na parede à esquerda estão as obras Pequena casa, mundo pequeno e Separados pelo tempo, uma dupla de objetos que fica exposta em uma pequena prateleira de madeira. No centro da sala, colo-cado diretamente no chão, está Pedaçoretalhofragmentoaçãofração. Na outra parede vemos Breath e Enlightened.

Seguindo em direção à última sala estão as obras Sem título e Knowhere - elas funcio- nam como uma espécie de transição entre os trabalhos da sala 05 e sala 06, indo do plano na arquitetura para a cidade. Nessa sala está a projeção em looping do vídeo Oeste ou Até onde o sol pode alcançar. No centro da sala existe um banco retangular branco que garante aos visi-tantes mais conforto para assistir ao vídeo, que tem 25 minutos de duração.

Ao voltarmos ao espaço central, encontramos na parede o díptico Sem título 1 [série Campos Imaginários] e em frente a obra Campo, um quadrado no chão composto por peças de piso de sinalização urbana e cal virgem. Essas duas obras tratam da questão do deslocamento do homem pelo espaço urbano utilizando, como símbolo a imagem de pegadas de sapatos. O último trabalho que vemos é Alaska, uma construção que remete à guaritas de segurança tão comuns nas grandes cidades brasileiras e que se relaciona com Campo tanto formal quanto conceitualmente.

13

Page 15: O homem em ruínas

Apresentação

André Komatsu é um jovem artista brasileiro. Nasceu em 1978 na cidade de São Paulo, onde até hoje vive e trabalha. Em 2002 graduou-se bacharelado em Artes Visuais pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e desde então vem participando de diversas exposições in-dividuais e coletivas, tanto nacional como internacionalmente. Participou de premiações como a Bolsa Pampulha, Prêmio Marcantônio Vilaça, Pipa 2011 e Future Generation Art Prize 2012. Atualmente é representado pela Galeria Vermelho, em São Paulo.

A exposição Homem em ruínas reúne, pela primeira vez, mais de trinta obras do artista, contando com vídeos, instalações, objetos e fotografias que datam de 2002 até 2012. Es-tão reunidos aqui trabalhos já realizados e expostos anteriormente, em diferentes contextos e ocasiões, buscando assim apresentar uma inédita e pequena amostra da extensa produção de Komatsu.

O título da exposição faz referência aos assuntos que permeiam as obras apresentadas e que tem sempre como pano de fundo a reflexão sobre o homem e suas relação com o mundo contemporâneo. Em nossa concepção curatorial, os trabalhos foram divididos nos seguintes eixos conceituais: arte e cidade; arte, cidade e arquitetura e arte, cidade, arquitetura e política. É importante observar como essas questões estão fundamentalmente interligadas e são abor-dadas de maneira aditiva, buscando sempre complementarem umas às outras, tornando assim desnecessária uma apresentação expográfica que supostamente delimite fronteiras. Essa é a primeira vez que a obra de André Komatsu é apresentada em Portugal. Além dis-so, a exposição também é inédita no sentido de reunir obras de diferentes momentos e que ain-da não haviam sido exibidas em conjunto. Pretendemos assim proporcionar uma oportunidade exclusiva para o público entrar em contato com a produção desse expoente artista brasileiro.

14

Page 16: O homem em ruínas

Texto crítico01. Arte (Texto de parede)

As questões que rondam os trabalhos de André Komatsu são diretamente relacionadas ao espaço que o rodeia – na maior parte do tempo, o ambiente caótico de uma megalópole como São Paulo. Isso não quer dizer que sua produção faça referência direta à cidade ao mesmo ao contexto urbano brasileiro, mas sim que, ao viver a cidade, o artista percebe problemáticas nascidas ali e que reverberam em diversos contextos (coletivos e individuais). A partir da ci-dade surgem problemáticas relacionadas à arquitetura, às relações interpessoais, às relações de poder, aos sistemas de controle e outros pormenores do cotidiano urbano, que são viven-ciados e servem como ponto de partida para a reflexão do artista. Dessa forma, Komatsu digere, deglute e regurgita essas inquietações, transforman-do-as em obra. Mas ele não se atém a um só suporte ou linguagem. Inicialmente, trabalhava mais com performance e registros em vídeo; hoje em dia, arrisca-se na instalação-objeto-es-cultura e no desenho-estudo-pintura-gravura. São meios híbridos e esse é um ponto muito in-teressante na sua produção, que parece não ter a intenção de parar de mudar e/ou parar de confundir gêneros pré-determinados. Considerando que sua carreira teve início no ano de sua graduação na faculdade de artes (no ano de 2002), Komatsu conta com dez anos de carreira - nesse tempo, ateve-se sempre a questões similares, mas explorou-as de maneira ampla e variada. Partindo de referências do cotidiano - tanto nas formas como nos materiais e mesmo como princípio conceitual - , suas obras parecem buscar sempre o ponto de inflexão entre o banal e o inusitado, o controlado e o espontâneo, o controle e a subversão. Ao observamos suas obras, partimos de uma dúvida e terminamos numa incerteza, passando por um caminho tortuoso de questionamento e refle- xão.

15

Page 17: O homem em ruínas

02. Arte e Cidade

A produção de Komatsu está inserida no contexto da geração de artistas brasileiros que começaram a expor no início dos anos 2000 e que dividem preocupações semelhantes (embora tratadas de maneira particular), tais como Marcelo Cidade, Renata Lucas e Nicolás Robbio. Esses artistas percebem o espaço público e urbano como fonte de crítica social e rea-lizam obras que não romantizam ou idealizam o conceito de cidade, apenas notam a potência ali existente.

As obras de Komatsu evocam o espaço urbano como lugar poeticamente expressivo e abordam essa questão de maneiras distintas, mas que normalmente trabalham em conjunto. Suas obras utilizam materiais precários, como os usados na construção civil (cimento, tijolos, latas de tinta), os refugos do crescimento da cidade (caixas de papelão, retalhos de madeira) e de uso cotidiano (copos, prateleiras, mesas). Além disso, buscam nesse espaço da cidade sua dimensão conceitual, tratando de assuntos como o acelerado ritmo urbano, a falência, a ruína e a mutação contínua da cidade, construir para destruir (e vice-versa), crise e decadência con-temporânea e transitoriedade e vulnerabilidade do homem perante essas questões. Sem título (tumor), de 2010, é um bom exemplo de obra que une tanto o material quan-to o conceito no que tange à cidade/urbanidade. Trata-se de um quadrado de cerca de três por três metros composto por tijolos; estes estão, em sua maioria, desgastados, esburacados. Porém, quanto mais próximos estão do centro desse quadrado, mais bem conservados eles se encontram. Forma-se então uma espécie de núcleo, uma forma orgânica que remete a uma suposta célula que permanece mais ou menos inteira perto dos destroços que a rodeiam. Outra obra importante nesse mesmo sentido é AK-47, de 2008. Estamos vendo um fragmento de muro decomposto em camadas: a mais superficial é aquela branca, cimentada e lisa, que encontra-se na base dessa construção – é a sua epiderme. Logo acima dela vemos a mesma superfície mas sem o disfarce da tinta branca, revelando assim a cor natural do cimento e deixando ver as nervuras e linhas criadas pelo material. Conforme vamos subindo nosso olhar percebemos cada vez mais a organicidade desse pedaço de parede. Vemos agora o esquele-to, uma faixa composta apenas por tijolos dispostos um acima do outro; Em seguida temos uma camada onde os tijolos estão esburacados, quebrados, frágeis, seguidos de uma estreita faixa, no cume do muro, onde avisamos somente destroços de tijolos encrostados numa mas-sa grossa de cimento.

16

Page 18: O homem em ruínas

É interessante percebemos que, ao olharmos para o lado, estamos de frente a uma pare-de branca, exatamente igual a da base da obra, que se estende e delimita as dimensões do es-paço expositivo. Parece que AK-47 (nome de arma, o que nos remete diretamente a certa dose de agressividade e violência inerente aos espaços urbanos) é um trabalho de dissecação das paredes brancas comuns tanto aos museus (que guardam a arte) quanto aos muros das casas (que são construídos para proteger). A relação que temos ao encararmos essas obras se assemelha a sensação que muitas vezes temos diante do caos urbano. A cidade é uma figura complexa, repleta de paradoxos e dicotomias que nos instigam. Os muros, por exemplo, são feitos para teoricamente promover a segurança, assegurando a integridade das propriedades, mas o que vemos são gigantes de concreto que delimitam nosso trânsito, separam de maneira incoerente os confusos conceitos de espaço público e privado, resguardando propriedades e ao mesmo tempo nos impossibil-itando de viver a cidade. Eles são uma metáfora para aquilo que nos impede de ver, obstruindo um real olhar para o local onde vivemos. Além das restrições do olhar, também somos aprisionados pelas estruturas que con-struímos para nossa proteção. Essa questão é evidente em Alaska, de 2006. Remetendo a for-ma de uma guarita, espaço que abriga quem está na função de proteger, Komatsu constrói um aparato fechado em si mesmo, sem acesso de entrada, ligado ao exterior somente por frestas retangulares na altura dos olhos. É possível ver o interior da construção e perceber que não existe nada ali dentro. A estrutura por si só já nos remete a situações de violência, quase como se fosse uma trincheira urbana. Porém, o exterior está impecavelmente pintado de branco, cri-ando uma fusão da obra com as paredes intactas do espaço expositivo que a circunda. A escol-ha do branco também cria uma ligação com as iglus, construções esquimós feitas do mesmo material abundante que os rodeiam: o gelo. A obstrução do andar pelos aparatos urbanos é tema do vídeo Oeste ou Até onde o sol pode alcançar, de 2006. Durante 25 minutos assistimos ao registro da figura do próprio ar- tista que, com a ajuda de uma bússola, tenta realizar um percurso através da cidade seguindo sempre rumo a oeste. Lutando contra os obstáculos que encontra no caminho, o vídeo termina quando o artista finalmente se depara com um muro que não consegue ultrapassar – metáfora simples para os percalços da vida em grande centro urbano. A questão que fica é tentar definir o vencedor dessa luta injusta (e muitas vezes inútil) entre o homem e a cidade. O caminho percorrido pelo homem na cidade é tratado de maneira diferente na série Campos Imaginários, de 2011. Composta por desenhos realizados em placas de drywall, esses dípticos cinzentos de grandes dimensões (cada placa mede 110 x 245 cm) nos mostram pega-das indo em diferentes direções. Em Sem título 4, as marcas de sapatos em branco formam um círculo voltado para fora, cercados por um redemoinho de manchas escuras que remetem à pegadas de pés descalços. Já em Sem título 5, as mesmas marcas de cor branca encaram de frente um amontoado de pegadas escuras. É como se observássemos os passos de um homem numa situação de enfrentamento com outros seres – que são da mesma espécie mas encon-tram-se em rumos diferentes. Os passos do homem de pegadas brancas não se distanciam muito, pois ele está em desvantagem em relação aos seres das manchas escuras. Parece-nos uma metáfora para a situação de crise enfrentada pelo homem contemporâneo em relação ao que o rodeia: a cidade e com ela sua massa de seres desconhecidos, que nem sempre definem trajetos paralelos a ele. A série Soma Neutra também faz referências aos caminhos que escolhemos percorrer. Utilizando o mesmo material de base de Campos Imaginários, nessas obras Komatsu utiliza a seta como elemento principal, explorando-a como símbolo de sentido e deslocamento subjeti-

17

Page 19: O homem em ruínas

vo. Em Sem título 3, de 2009, ao desenhar quatro setas que saem do mesmo ponto mas partem em direções diferentes, perpendiculares, vemos a representação de uma força anulada pela falta de sincronicidade dos elementos. Já em Sem título 1, também do 2009, existe apenas uma grande e larga seta e sua ponta toca a base do retângulo vertical em que está contida, apontando diretamente para uma falha na madeira que emoldura a obra. Para além dessa série, em Knowhere, de 2009, o artista cria uma pintura sobre ferro que faz referência às placas de sinalização que encontramos em toda cidade. A indicação contida nessa placa, contudo, é con-fusa: vemos uma linha horizontal central seguir e, ao aproximar-se da extremidade direita da placa retangular, divide-se em duas outras linhas que retornam para o ponto inicial. Percebe-mos então que de trata de uma seta bifurcada, que aponta para a mesma direção mas sinaliza caminhos diferentes. Essas obras fazem observações subjetivas que remetem ao cotidiano urbano - tanto através de seus elementos constitutivos quanto pelas questões que afligem aqueles que ali habitam. Não é difícil chegarmos a essas reflexões quando observamos uma cidade como São Pau-lo. Expoente do crescimento e da crise urbana que enfrentamos, ela parece maximizar todas as problemáticas que, de uma forma ou outra, permeiam qualquer centro urbano brasileiro. Tudo ali é exagerado: a pressa, o trânsito, o barulho, os prédios, a desigualdade social... Não é de se espantar que os artistas que se encontram no olho desse furacão o utilizem como matéria-pri-ma para suas produções. Contudo, as obras de Komatsu não fazem referência direta a uma localização geográfica específica, relacionando-se assim com outros centros urbanos.

18

Page 20: O homem em ruínas

03. Arte, Cidade e Arquitetura

Talvez não seja possível separar os aspectos que dizem respeito à cidade daqueles que se referem à arquitetura, mas para analisar a produção de André Komatsu tentaremos partir do urbano como aspecto geral e para chegar ao ponto mais específico da construção arquitetôni-ca como fonte de referência.

Como já comentamos anteriormente, os materiais utilizados em grande parte das obras de Komatsu são os mesmo usados para construir casas e prédios, por exemplo. A partir dis-so, podemos perceber uma aproximação de sentido através da palavra obra, utilizada tanto quando nos referimos a uma obra de arte como também quando falamos de construção civil (evidente no termo canteiro-de-obras). É como se houvesse uma equivalência de valores nas ações de realizar uma obra de arte e construir um prédio: os materiais utilizados são semelhan-tes e as técnicas básicas de construção são compartilhadas pelo artista e pelo pedreiro. Nesse sentido o artista se posiciona como um construtor e não como alguém que detém sozinho o conhecimento necessário para realizar uma obra (de arte). Além disso, o valor es-tético não reside mais na qualidade dos materiais ou numa especificidade técnica mas sim no aspecto subjetivo e conceitual da produção. Desmistifica-se assim a ideia do artista como gê-nio e da obra de arte inatingível, já que esta pretende servir como gatilho para possíveis reflex-ões e não apenas como objeto para ser admirado. Um dos pontos que diferencia o trabalho manual realizado pelo artista e pelo construtor de casa é a maneira como cada um deles utiliza a matéria-prima e o sentido final daquilo que pretendem construir. Em Intersecção ou 4 Paredes, ambas obras de 2007, Komatsu subverte a maneira de lidar com o tijolo, transformando o seu uso e resignificando o objeto. Aqui, o tijolo não serve para construir uma parede, mas sim para criar sentido. O mesmo acontece em Breath e Enlightened, de 2009, onde Komatsu se apropria de aparatos construtivos, precisamente uma grade de ventilação e uma caixa de energia. Eles se relacionam com os limites que, de alguma maneia, nos são impostos pelas construções – em Breath, aquilo que supostamente serve para promover a ventilação é pouco, é preciso de mais para respirar. É necessário então subverter os parâmetros usuais para uma vivência mais plena. Enlightened é uma estrutura simulada de ferro que remete a caixas de energia, sempre fechadas e misteriosas. Aqui, a tampa encontra-se entreaberta, permitindo avistarmos os bul-bos de luz e a lâmpada acessa – uma luz até então encerrada em si mesma, que somente agora serve ao seu real propósito. Em ambos trabalhos o artista lança um olhar crítico aos pequenos detalhes que nos rodeiam e que nos modelam. Estamos acostumados a respirar e enxergar so-mente o que nos é permitido, mas a palavra de ordem de Komatsu é ir além disso.

19

Page 21: O homem em ruínas

A série Ordem Casual, de 2010, também evidencia uma relação estreita entre arte e arquitetura. Nessas imagens vemos fachadas em construção ou em reforma com materiais dispostos no espaço aparentemente sem nenhum tipo de organização. O artista então inter-fere sobre registros, criando linhas que remetem as plantas baixas utilizadas por arquitetos e indicando uma suposta ordem e geometrização numa cena casual. Os desenhos são feitos com ponta seca, uma ferramenta utilizada comumente na realização de gravuras e que remete ao compasso, objeto essencial aos projetos arquitetônicos realizados a mão. É interessante percebermos também o apagamento das fronteiras entre os suportes tradicionais da arte, misturando fotografia com desenho e fazendo referências à gravura. Procedimento similar é utilizado na série Acabamentos. Na obra Sem título 5 [da série Acabamentos], de 2011, o artista repete a ação de interferir na impressão fotográfica com a ponta seca, criando estruturas que não existiam no espaço originalmente retratato. Em Sem título 10 e Sem título 15 [da série Acabamentos], ambas de 2012, as imagens fotográficas são impressas e fixadas numa placa de drywall, material comumente utilizado na construção de paredes falsas em interiores. Aqui, as interferências são realizadas com caneta esferográfica e também com alguma intervenção realizada na própria placa, revelando a estrutura de madeira por trás da superfície. Os desenhos feitos pelo artista remetem à desenhos arquitetônicos ou simulam elementos que interagem com o ambiente fotografado.

Além de construir, é preciso também desconstruir. Sabemos que, com o ritmo acelerado das cidades e a crescente demanda por imóveis, grande parte das construções arquitetônicas, cedo ou tarde, está fadada à demolição. As ruínas urbanas são cada vez mais recorrentes e isso é constatado em qualquer passeio por uma grande cidade. Os detritos e sobras desses proces-sos são re-qualificados e servem como matéria-prima para obras de arte, levando a sujeira do mundo para dentro do espaço neutro e asséptico do museu. Aqui, transformam-se em metá-fora para o que foi e o que pode ser.

Em Pedaçoretalhofragmentoaçãofração, de 2006, dois blocos de concreto retirados de demolição servem como base para uma reflexão acerca dos termos contidos no título da obra. Na parte onde ainda existe uma superfície de tinta branca sobre o concreto o artista escreve o significado (num formato igual ao utilizado no dicionário) das palavras “pedaço”, “retalho”, “fragmento”, “obra”, “ação” e “fração”, sublinhando os termos que o interessam e que per-meiam diversas de suas obras. Todas as palavras apresentadas se relacionam e algumas men-cionam umas as outras nas descrições dos seus significados.

20

Page 22: O homem em ruínas

04. Arte, Cidade, Arquitetura e Política

Como comentando no início deste texto, é tarefa complicada separar as questões que instigam e permeiam a produção de André Komatsu. Contudo, trataremos aqui de obras que refletem um acentuado interesse em críticas sociais e políticas, ainda que em muito se associ-em às problemáticas tratadas anteriormente (cidade e arquitetura).

As relações que podem ser estabelecidas entre arte e política estão sendo cada vez mais discutidas no contexto brasileiro, tanto pelos artistas quando por outros agentes do sis-tema de arte (curadores, críticos, grandes mostras, etc). Porém, são perceptíveis algumas diferenças entre a abordagem contemporânea e a que estava em voga nos anos 80, por exem-plo. Longe de ser panfletária, partidária, de ter como obrigação algum tipo de denúncia ou até mesmo de questionar a própria política da arte, a ligação que temos hoje em dia com o aspecto político está mais focada no homem, sujeito que se percebe como causa e vítima de si e de suas ações, imerso em inquietações.

Na obra Como se comporta o que se consome, como se consome o que se comporta, de 2009, temos uma reflexão sobre a relação conflituosa entre o homem e os bens materiais que o rodeiam. Vivemos uma situação paradoxal em que sabemos dos perigos do sistema capitalis-ta em que nos encontramos, mas ao mesmo tempo a luta contra ele pode acabar sendo apenas uma batalha hipócrita. Estamos rodeados por objetos, mediados pelas ideias de compra e ven-da, onde o novo se transforma em inútil num curto período de tempo. A acumulação é inevitáv-el. Como nos relacionamos com isso? Ao expor uma mesa repleta de caixas de papelão (que são utilizadas em momentos seminais dessas relações comerciais, como por exemplo como embalagem para uma nova compra, como depósito para aquilo que não tem mais uso ou na tentativa de organização dos objetos da vida) empilhadas, entremeadas pelos mais diversos objetos, como luzes, embalagens e até mesmo uma bicicleta, o artista cria um sistema visual-mente caótico mas que se mantém em pé, estável, num estranho e perfeito equilíbrio.

As caixas de papelão também são utilizadas em Desconhecido, de 2010. Algumas es-tão abertas, outras rasgadas, numa pilha disforme quase que montada ao acaso. Sobre as cai-xas existem fios de arame farpado. Esse material, tão utilizado em cercas e no alto de muros, servindo como mais uma camada de proteção contra o exterior, aqui não tem essa função. Não há nada ali para proteger além do papelão, material banal encontrado aos montes pelas esqui-nas das cidades. Ao mesmo tempo em que é lixo, o papelão também tem um uso muito particu-lar no Brasil: juntando uma boa quantia, servem de abrigo e bases para casas de moradores de rua; quando se tem apenas uma ou duas caixas, é utilizado como cama, separando o corpo do chão das calçadas, numa triste busca por conforto. O material que abriga os recém-comprados objetos de uns é o mesmo que serve de casa para outros.

21

Page 23: O homem em ruínas

As obras que Komatsu constrói não são belas - no sentido corrente do termo e naque-le que alguns ainda esperam encontrar quando se deparam com uma obra de arte. Suas con-struções inacessíveis e objetos agressivos são avessos a um contato direto, a uma suposta interação. Relacionamo-nos no campo das ideias, não no físico.

Em Atlas, de 2008, observamos uma fina coluna de madeira com um simples sistema regulável de altura que permite que ela tenha exatamente a altura do espaço em que se encon-tra. No encontro da madeira com o chão repousa uma camiseta branca, pressionada pela colu-na de madeira na altura do peito. A simplicidade dos materiais não resulta em pouco impacto – pelo contrário, a estrutura mínima parece potencializar possíveis leituras iconológicas. A peça de roupa remete à cenas um tanto já usuais de pessoas deitadas ou caídas no chão, esmagadas por um sistema que deseja tomar todo o seu espaço. Existe uma tensão invisível na coluna de madeira, como se esta estivesse recebendo cargas de pressão tanto do chão quanto do teto. A soma dessas forças recai sobre a camiseta, que num repouso intranquilo representa um pou-co do todos nós.

Outras obras que se utilizam da potência dos materiais precários são Peso Morto, de 2011, e Anamorfose Sistemática 2, de 2012. Ambos trabalhos partem da estrutura simples das prateleiras, compostas por finos retângulos de madeira apoiados em peças em formato de L que fixam a madeira na parede. Em Peso Morto existe apenas uma prateleira, com cer-ca de dois metros de largura, que não está apoiando nada mas encontra-se curvada como se sustentasse algo tão pesado a ponto de modificar sua estrutura. Não sabemos a causa daque-la deformação mas conseguimos perceber suas consequencias, possivelmente irreversíveis. Processo semelhante se passa em Anamorfose Sistemática 2: quatro prateleiras dispostas em uma coluna vertical encontram-se quebradas ao meio, dando a sensação de que um mesmo objeto as atravessou e definiu uma nova disposição para aqueles aparatos. Essas prateleiras não servem mais para o objetivo que foram criadas, são apenas provas de um estrago para nós desconhecido.

Questões relacionadas ao registro do estrago também estão presentes na obra Base Hierárquica, de 2011. Criando uma situação de estranhamento e colocando o equilíbrio à pro-va, quatro blocos de concreto estão empilhados dois a dois, formando um quadrado, que fica separado do chão através do apoio criado por copos de vidro. Em meio a esses copos estão os pedaços de uma taça, que, por ter uma altura maior que a dos copos, não resistiu à tarefa de sustentar sozinha os tijolos de concreto. É interessante percebermos que os copos utilizados nessa obra são muito populares no Brasil, especialmente utilizados para servir café e cerveja em bares e lanchonetes populares; a taça, no entanto, é peça reservada para ambientes sofisti-cados e bebidas especiais.

Merece destaque a relação entre peso e leveza obtida nessa obra. A agressividade do concreto em contraposição ao vidro, que na sua leveza se mostra mais resistente do que im-aginávamos, nos faz colocar em cheque questões relativas aos objetos. Somos surpreendidos por aquilo que considerávamos frágil e descontruímos o que é supostamente resistente. O concreto aparece mais uma vez em Desvio de Poder, de 2011. Nessa obra, vemos um pequeno muro de concreto que não consegue conter a tinta que cai de uma lata localizada no chão à sua frente. Dessa maneira, vemos uma mancha de tinta branca ultrapassando a linha do muro e se prolongando do outro lado, como se os blocos de concreto não conseguissem impe-dir seu curso natural. O título da obra nos indica, mais uma vez, uma relativização dos conceitos estabelecidos. Quando temos consciência da subversão como ferramenta de transformação e transposição do poder, até os rumos mais previsíveis são postos à prova.

22

Page 24: O homem em ruínas

A utilização da tinta como elemento que questiona o que é acaso e o que é previsto é observada na obra Modus Operanti, de 2010. Remetendo à sinais e delimitações de acesso em determinados ambientes (trânsito, museus e outros espaços de poder), Komatsu cria no chão um quadrado branco que ocupa quase toda a extensão da sala onde se encontra e em uma das quinas vemos uma lata de tinta branca caída. Esse sutil elemento põe o trabalho em perspecti-va e sugere repensarmos as parcelas de acidente e de planejamento não só da obra de arte em si, mas também dos limites que nos são impostos cotidianamente.

Como comentado no início do texto, a obra de André Komatsu reflete sobre a situação do homem e da sociedade em que está inserido nos mais diversos aspectos: social, econômico e cultural. O artista não pretende com isso dar início a uma transformação-revolução num sen-tido amplo (e, afinal de contas, não nos parece ser esse o papel da arte ou do algum artista), mas se posiciona como agente gerador de pequenas reflexões individuais, que emergem de cada uma das obras e que toca cada espectador de maneira particular.

23