CARTOGRAFIA E PERFORMANCE: por uma transgressão … · capitalismo e desterritorializa o próprio...
Transcript of CARTOGRAFIA E PERFORMANCE: por uma transgressão … · capitalismo e desterritorializa o próprio...
CARTOGRAFIA E PERFORMANCE: por uma transgressão experimental
Autor: Iure Santos de Souza
Mestrando em Geografia pela Universidade
Federal do Espírito Santo, bolsista pela CAPES.
Orientado pela professora: Gisele Girardi
Email. [email protected]
INTRODUÇÃO
O espaço, como compreendemos, é dinâmico, complexo, com conexões e desconexões, com
fluxos e dinâmicas já constituídas e outras tantas a se constituírem, ou não, permanecendo apenas
como possibilidades. Junte-se a isso que não existe uma realidade esperando para ser descoberta,
mas que o espaço é construído entre as interferências de cada pessoa, influenciada por suas próprias
geografias vividas e por uma cultura, em particular, tornada globalizada. Construir representações
que compreendam todos esses fatores e ainda as múltiplas complexidades espaciais de maneira que
elas não se tornem camadas como num arenito, mas que coexistam simultaneamente, constitui um
desafio considerável à cartografia contemporânea. Estimulados por esses, dentre outros desafios,
que enveredamos no desenvolvimento deste trabalho.
OBJETIVOS
Estudar o espaço enquanto construção entre sujeito\objeto, imbuído pela cultura que sustenta o
capitalismo e desterritorializa o próprio homem, o qual carrega consigo grafias de um espaço
experimentado e construído simultaneamente em\com seu corpo\mapa num processo inestancável.
Por o mapa em movimento.
Buscar a coetaneidade numa representação cartográfica.
Estudar o espaço do homem contemporâneo nas grafias corporais.
Experimentar novas possibilidades de mapeamento.
Utilizar a performance teatral como elemento potencializador para estudo do espaço.
DA CARTOGRAFIA MODERNA À PÓS-REPRESENTACIONAL
Existem várias conceituações a respeito da cartografia, no entanto, este trabalho se propõe a
trabalhar com a cartografia pós-representacional e para isso pretendemos realizar um breve
levantamento histórico das principais teorias cartográficas da modernidade até culminar na ruptura,
ou tencionamento, representacional.Para tanto, vamos iniciar com as idéias que defendem o mapa
como verdade, inseridos no que se pode chamar de Cartografia representacional.
Nessa perspectiva a cartografia busca representar o mais fielmente possível os arranjos
espaciais dos fenômenos na superfície terrestre, os mapas se esforçam para serem documentos
verdadeiros e confiáveis. Um autor que se destaca nessa linha de pensamento é Arthur Robinson,
citado em Kitchin, Perkins, Dodge (2009). Esse pesquisador se debruçou sobre o detalhamento
sistemático dos princípios do design de mapa, tendo em mente o usuário do mapa. Dessa maneira o
contexto social foi considerado irrelevante, de modo que o mundo existia independentemente do
observador. Arte e beleza não puderam participar deste modo de se compreender a cartografia já
que o objetivo era unicamente sua funcionalidade.
Por volta dos anos 1980 o desenvolvimento tecnológico permitiu que usuários pudessem se
tornar, também, mapeadores. Diversos tipos de mapas surgiram nesse momento. O mapa pôde ser
criado de maneira colaborativa, contudo o processo de mapear ainda se tratava da revelação da
verdade por meio de uma abordagem científica.
Essa visão de que a cartografia produzia verdade objetiva e neutra passou a ser questionada
no fim dos anos 1980 pelos trabalhos de Brian Harley (1989). Em seu artigo “Desconstruindo
mapas” o autor questiona a idéia de que os cartógrafos são cientistas que detém a verdade quanto ao
conceito do que é mapa. Pois tornando o mapa obrigatoriamente científico e como produto de um
cartógrafo o autor questiona o método normativo científico de cartografia e busca desconstruí-lo,
convidando o leitor a ler as entrelinhas do mapa. Pois ao se questionar o mapa como um espelho da
natureza Harley questiona também a ideia de que o mundo caminha para um progresso, ao mesmo
tempo em que questiona o poder dos cartógrafos, os quais colocam no mapa símbolos para
expressar uma possível força de verdade nesses mapas científicos e portanto, “verdadeiros”. Assim
ele vê o processo de mapeamento mais como uma criação do que uma revelação da verdade.
Já Wood (2010) utilizou a semiótica para argumentar que o poder dos mapas atua regido
pelos interesses de quem os criava, sendo muitas vezes o próprio estado. Assim mapas possuem
signos impostos pelo estado, que apresentam a idéia de verdade, apesar dos mapas parecerem
inocentes eles são construções dotadas de intencionalidades. Portanto o mapa “finge” ser neutro,
contudo, todos os seus códigos são escolhidos com intencionalidades, essas são criadas; são
construções sociais, geralmente, a serviço do estado que exerce seu poder sem que o leitor do mapa
perceba.
Harley, Wood e Harvey corroboravam uma perspectiva que florescia nos anos 1990 e que
ficou conhecida como cartografia crítica. O que não era propriamente sobre encontrar a maneira
correta de se fazer um mapa, mas uma chamada de atenção às políticas e ao contexto da elaboração
de um mapa.
A partir de então começam a surgir as bases para cartografia pós-representacional, na qual,
os pesquisadores não acharam suficientes as críticas da geografia crítica, mas questionavam o
próprio pensamento representacional. Autores como Crampton apud Kitchin, Perkins, Dodge
(2009) diziam que Harley ainda acreditava que a verdade da paisagem poderia ser revelada, desde
que, levasse-se em conta a ideologia inerente à representação. A crítica de Crampton a Harley era
de que seus trabalhos buscavam destacar a ideologia “escondida” no mapa ao invés de questionar o
próprio mapeamento e sua representação.
Um passo marcante foi quando Crampton questiona a história do desenvolvimento
progressista da história colocando os mapas de seu tempo, não como superiores aos de seus
antepassados e com tecnologias inferiores, mas que os mapas contemporâneos eram apenas
diferentes dos anteriores.
Seguindo nesta análise temos os autores que entendiam o mapa como inscrições, contrários
à representação ou construção. Eles rejeitavam a ideia de verdade, para eles, os mapas não eram
espelhos da natureza, antes, eram produtores da natureza. Dentre esses autores destaque para John
Pickles citados em Kitchin, Perkins, Dodge (2009).
O mesmo Pickles e ainda Crampton, Fels e outros (iden) estendem a noção de mapa como
construção social, para eles o mapa não mais representava o mundo, mas, produziam o mundo ao
fazer proposições que são localizadas no espaço do mapa, o mapa produz e reafirma o território ao
invés de unicamente descrevê-lo.
Outra maneira de se pensar um mapa é trazida por Bruno Latour (iden), o autor argumenta
que as bases científicas da produção e do uso de mapas se tornaram convencionalizadas e por isso
os mapas se tornaram móveis imutáveis e atuantes. Dessa maneira os mapas eram uma forma de
conhecimento estável, combinável e transferível, portável no espaço e no tempo. Portanto um mapa
produzido na África poderia ser transportado e legível por pessoas na América do Sul ou Norte,
uma vez que o mapeamento havia se tornado uma prática científica universal.
Segundo Kitchin, Perkins, Dodge (2009) nos últimos anos floresceu um movimento que
passou a considerar a cartografia a partir de uma perspectiva relacional. Dessa maneira os mapas
não mais seriam representações uniformes, mas constelações de processos em curso, analisando o
contexto histórico e enfatizando a interação entre lugares, tempos, ações e idéias. Os mapas
passaram a ser compreendidos como num constante estado de tornar-se, como em constante
mapeamento, eles seriam ao mesmo tempo produzidos e consumidos, concebidos e utilizados. Tais
autores estariam sugerindo que tanto a investigação quanto a prática cartográfica precisam se
concentrar em ações de mapeamento e em feitos de mapeamento ao invés de exclusivamente na
construção de mapas em si.
Del Casino e Hanna (iden) por exemplo, embasados pela teoria pós-estrutural e nas idéias de
Deleuze e Guattari discutem o mapa num constante estado de tornar-se, de modo que o significado
emerge por meio de praticas sócio-espaciais que se transformam com o contexto, além de serem
intertextuais. Portanto o mapa não estaria pronto no momento da construção inicial, mas em
constante modificação a cada encontro que se faça com o mapa, construindo novos significados e
relações com o mundo. Mapas e espaços se co-produzem.
“Mapas... são táteis, olfativos, objetos\sujeitos, sentidos mediados pela
multiplicidade de conhecimentos que damos a eles e que temos a partir deles em nossas
interações cotidianas e praticas representacionais e discursivas” Del Casino e Hanna apud
Kitchin, Perkins, Dodge (2009, p.20)
E é, portanto a partir dessa perspectiva pós-representacional que construímos nossa base
para pensar, interpretar e produzir mapas.
CORPO/ESPAÇO/CARTOGRAFIA/PERFORMANCE: ORIENTAÇÕES AMALGAMADAS
A mundialização de uma cultura sempre reafirmando o capitalismo e sua ordem de opressão
por meio de ideologias (CHAUÍ, 1980) é uma alternativa eficiente ao uso da força (PUCCI apud
VALADARES, 2000) para manter o “escravo moderno” submisso (Brient, 2009). De modo que
mesmo em seu horário de lazer ele não consegue se desvencilhar da opressão sofrida na fábrica,
revivendo-a enquanto diversão oferecida pela indústria cultural (ADORNO, 1985) e suas
mensagens onipresentes. O trabalhador alienado (MARX, 1996) de sua força de trabalho,
desterritorializa-se (COSTA, 2010) de seu próprio corpo, o qual, por um período de tempo
determinado, se torna uma mercadoria, ao vendê-la o trabalhador recebe um salário. Eis o contrato
básico da escravidão moderna.
Essa opressão sofrida marca seu corpo que é atravessado por intensidades, nesse caso
opressivas, desterritorializando-se de seu próprio corpo e criando couraças (REICH, 1975),
bloqueios corporais de energia. Tais marcas da opressão ficam grafadas em seu corpo, constituindo,
dentre tantas outras marcas, um mapa. Nunca pronto, mas constantemente se criando; por meio da
performance teatral esse corpo e suas opressões podem ser deflagrados, gerando material riquíssimo
e profundo, constituindo uma cartografia menor1 resultante da simultaneidade de estórias-até-agora
Massey (2009), contribuindo para a discussão da cartografia, da representação, do espaço e
finalmente, do território.
Compreendemos o mapa para além da representação de uma superfície, mas como “sujeitos
móvel, infundidos com significados através de conjuntos de práticas sócio-espaciais controvertidas,
complexas, intertextuais e inter-relacionadas”, bem como processos “desmontáveis, reversíveis,
suscetíveis a modificações constantes” (DEL CASSINO; HANNA, 2006). Portanto buscamos
retirar o mapa de sua imobilidade, de sua representação de um espaço sincrônico, fechado e
homogêneo.
Para tanto defendemos que uma performance pode elucidar a questão de maneira inovadora,
e enriquecedora, uma vez que liberta o corpo/mapa de sua estase costumeira e cotidiana,
explicitando o que não pode ser dito com palavras, como nos esclarece o poeta e dramaturgo teatral
Antonin Artaud (1996, p.38) “esta linguagem permite, todavia, a substituição duma poesia da
linguagem por uma poesia no espaço que será efetivada precisamente num domínio que não
pertence, em exclusivo, as palavras”. Uma vez que elucidar a questão unicamente com palavras
seria impor foco num sentido textual limitado, em detrimento de outros possíveis. Pois o “texto
comemora somente inadequadamente vidas comuns, uma vez que, valoriza o que é escrito ou falado
sobre as práticas e experiências multisensuais” (THRIFT apud DEL CASSINO; HANNA, 2006,
p.41).
Defendemos aqui que corpo e território estão amalgamados, se constroem de maneira
indissociável, de modo que o próprio corpo é, também, um território em construção constante. As
experiências vividas ficam grafadas nesse corpo como nos alerta Cazetta (2013, p.24) ao analisar os
pontos comuns entre Massey e Santos: “para eles o espaço é constituído de toda uma materialidade
animada, misturada e marcada em nossos corpos – expressões últimas das geografias”. É isso que
nos interessa nessa pesquisa: como essas marcas, essas intensidades afetam os corpos? Como a
1A exemplo de (DELEUZE, GATTARI, 1977), aqui a cartografia menor apresenta relação análoga à literatura menor descrita no livro citado.
relação entre o espaço, a cultura, os corpos e sobretudo, como a desterritorialização do trabalhador
contemporâneo de seu próprio corpo, se reflete nesse corpo-espaço em construção?
Assim como Pina Bausch buscava nas performances de seus dançarinos: o que faziam seus
corpos se moverem? (CAZETTA, 2013) Analogamente nos propomos a analisar o corpo embebido
pelas espacialidades\territorialidades experimentadas, (GODOY apud CAZETTA, 2013, p.25) traz
uma contribuição nesse sentido: para ela Pina Bausch:
Introduz o próprio movimento no pensamento. Não exclusivamente como
movimento do corpo, mas como movimento no corpo. Nesse sentido, faz-se necessário matar
o corpo amestrado, acomodado e anestesiado, aquele que embora individual é produzido
coletivamente, liberando-o, deste modo, dos automatismos que se lhe imputam sob a forma
da constante repetição do mesmo.
E é pela busca desses movimentos que defendemos a criação de uma performance, a fim de
explicitar essas marcas, esses corpos, esses movimentos e pensamentos profundos, arraigados no
âmago do indivíduo que apesar de se manter indivíduo e de lidar com o espaço de maneira ímpar,
sofre as mesmas imposições de uma cultura mundializada. A esse corpo em\no movimento
explicitado pela performance é que faremos uma análise cartográfica, pois analogamente a como
(CAZETTA, 2013, p.27) trata das performances da companhia teatral de Pina:
O teatro da experiência de Bausch constrói realidades que, por sua vez, são
esteticamente comunicadas ao tangenciar uma realidade física: o esgarçamento das fronteiras
geográficas (e suas geografias) e disciplinares. São corpos-geografias. Cada dobra do corpo,
uma dobra do mapa; cada dobra do mapa, uma dobra no corpo.
Se corpo e espaço estão sendo pensados de maneira inextrincável, é preciso explicitar como
fomos estimulados a pensar esse espaço e para isso encontramos na geógrafa Doreen Massey (2009,
p.160) algumas provocações nos convidando a repensar o espaço e consequentemente, o mapa:
E se o espaço for a esfera não de uma multiplicidade discreta de coisas inertes, ainda
que completamente inter-relacionada? E se, ao contrário, ele nos apresentar uma
heterogeneidade de práticas e processos? Então ele não seria um todo já-interconectado, mas
um produto contínuo de interconexões e não-conexões. Assim ele será sempre inacabado e
aberto.
Conceber o espaço como sempre inacabado, aberto, heterogêneo e com conexões a serem
feitas, alterariam o modo como ele seria representado. Ao mesmo tempo em que constituiria um
desafio para a cartografia, como salienta a própria geógrafa. Ela afirma ainda que mapas não devem
pretender impor sincronias coerentes. Pelo contrário, o mapa precisa explicitar as heterogeneidades,
conexões e desconexões espaciais, suas incoerências e fragmentações. Isso seria bem diferente do
“mapa ocidental clássico” onde o espaço é uma superfície plana, homogênea e coerente.
A geógrafa e arquiteta Heloísa Neves (2008, p.1) faz uma conceituação de mapa que nos
ajuda a pensá-lo de maneira mais abrangente:
Um mapa de uma cidade, de um mundo, da população desse mundo, o desenho
técnico de uma construção, uma foto, uma pintura, uma instalação, uma performance, uma
peça de teatro ou a maneira como o corpo se organiza para perceber o mundo são exemplos
de mapas.
Concordando com Massey (2009) a autora citada nos exorta que o problema em torno do mapa
como representação não está nesse conceito, mas, na implicação de que tal representação traga em si uma
cópia, uma verdade de um mundo exterior a nós mesmos. Baseada em autores das ciências cognitivas
como Damásio, Lakoff e Johnson a referida autora afirma que ao observar a paisagem, todos criamos
nossas próprias representações, todos a vemos de maneira única, uma vez que:
O cérebro é um sistema criativo que constrói mapas através de seus próprios
parâmetros e de sua própria estrutura interna. Ao invés de refletir ‘fielmente’ o ambiente que
o circunda, cada cérebro constrói mapas desse ambiente usando seus próprios parâmetros e
sua própria estrutura interna NEVES (2008, p.3).
Portanto as imagens que cada um vê não são cópias de algum objeto ou paisagem, mas
criações individuais tão particulares como a própria impressão digital. Dessa forma, cada um
representa o mundo por mapeamentos diferentes, logo o real é inalcançável. A mesma autora
sustentada por Deleuze e Guattari, afirma que o mapa não é uma representação do real, mas antes,
um processo de construção de uma percepção possível. Um ambiente não pode ser compreendido
de forma separada de um corpo. Um mapa é mais o processo, o movimento, a linha de fuga do que
propriamente uma imagem acabada.
Logo, é preciso acabar com os binarismos, as dualidades presentes, muitas vezes
implicitamente, entre produtor e consumidor, sujeito e objeto, representação e prática como nos
sugerem Del Cassino e Hanna (2006, p.36). Eles argumentam que “mapa e mapeamento são
representações e práticas (leia-se: performances) simultaneamente”. Eles defendem uma perspectiva
a respeito da representação, semelhante à exposta acima por Neves. “Representações, incluindo
mapas, são táteis, olfativas, objetos\sujeitos sentidos mediados pela multiplicidade de saberes que
trazemos e levamos através de nossas interações cotidianas e práticas de representação e discursivas
(iden)”.
Os referidos autores, ainda mantendo pontos em comuns com Neves, defendem que os
mapas são bem mais do que verdades produzidas por cartógrafos, uma vez que também são
produzidos pelos usuários, os quais associam e incrementam esse mapa, com suas visões de mundo,
seus conhecimentos, criando outras geografias, ao mesmo tempo em que permitem que os símbolos
se tornem objetos, relações, eventos e assim por diante, no mundo o qual estão construindo nesse
instante.
Dessa forma o mapa não é teorizado como objeto fechado, muito menos seus significados e
usos podem ser fixados pela produção cartográfica ou acadêmica, ao invés disso ele é
compreendido como operante, uma vez que é praticado. Tanto leitura como autoria são práticas
realizadas em diferentes contextos sócio-culturais, políticos e econômicos. Logo, mapas e espaços
são co-constitutivos.
Esses autores nos auxiliam a transgredir o mapa de um produto, a um processo, a uma
prática, proporcionando um paradigma que implica, não em buscar uma forma, uma linguagem que
seja “correta” de representar a realidade, mas uma linha de fuga da própria linguagem cartográfica
tradicional e limitadora, trata-se de uma desterritorialização da linguagem, a qual constitui a
performance.
A PERFORMANCE COMO PÓS-REPRESENTAÇÃO TEATRAL
Essa manifestação artística surge reconhecidamente a partir dos anos 1970, ocorrendo em
diversas artes como pintura, arquitetura, música, dança, teatro, poesia... surgindo, como oposição às
formas de arte convencionais de seu tempo, contra o racionalismo e objetividade artística, de
Acordo com Carlson (2010) e também Goldberg (2006). O que a arte da performance possuía em
comum entre os movimentos artísticos como teatro e dança no século XX foi o interesse em
desenvolver as qualidades expressivas do corpo, especialmente em oposição ao pensamento e à fala
discursiva e lógica, e em celebrar a forma e o processo em vez do conteúdo e do produto.
A performance atual não se baseia num personagem como no teatro tradicional, mas nos
próprios corpos dos performers, suas autobiografias, suas próprias experiências, numa cultura ou
num mundo que se fizeram performativos pela consciência que tiveram de si e pelo processo de se
exibirem para uma audiência. Desde que a ênfase esteja na performance e em como o corpo ou o
self é articulado por meio da performance, o corpo individual permanece no centro de tais
apresentações. A arte performática típica é arte solo.
Segundo Hassan apud Carlson (2010): o pós-modernismo se volta em direção às formas
abertas, lúdicas optativas, disjuntivas, deslocadas ou indeterminadas, um discurso de fragmentos,
uma ideologia de ruptura, um desejo de não fazer, uma invocação do silêncio, volta-se em direção a
tudo isso e ainda implica sua própria oposição em realidades antitéticas.
Ao se posicionarem contra o “fingimento” do teatro em buscar uma realidade ausente por
meio de mimese, os happenings e experimentos similares consistiam na pura “presença”. Ou seja, a
orientação semiótica do teatro cedeu lugar à orientação fenomenológica, que é basicamente não
semiótica. A idéia é tornar a audiência mais consciente da situação, de estar lá.
O pós-modernismo pós-estruturalista é baseado numa crítica da representação: Questiona a
verdade contida na representação visual seja ela realista, simbólica ou abstrata, e explora os regimes
de significado e ordem que esses diferentes códigos suportam. Segundo Carlson:
Na expressão pós-moderna, a obra de arte unificada que expressa uma personalidade
unificada é substituída por uma arte “esquizofrênica” que reflete uma cultura fragmentada e
dispersa, (...). Ambos estão profundamente interessados se uma estratégia para a expressão
política pode ser encontrada dentro desse novo modo de pensar e onde ela estaria. Enquanto
a obra minimalista ainda procurou incorporar e codificar alguma espécie de sentido a
performance pós-moderna é uma ‘quebra incoativa’, um ‘movimento contínuo’, um
deslocamento ou reposicionamento (2010, p.152).
Portanto o pós-modernismo nega a possibilidade de um observador objetivo, e emprega
recursos teatrais para subverter a posição estável do observador e assim obter um jogo contínuo de
pontos de vistas parciais, nenhum deles estável, seguro ou completo.
A partir dos anos 80, quando muitos teóricos se preocuparam em localizar uma função
crítica séria para a performance, Randy Martin apud Calson (2009), afirma que o corpo
performático está, naturalmente envolvido no que ele chama de “simbólico”, a tentativa da
autoridade da arte ou da política de reforçar uma estrutura monolítica e unificada oposta à qualidade
“fluida” do corpo que se move, que age e deseja. O simbólico tenta limitar tanto em nível pessoal e
público os significados da ação e do corpo para canalizar os fluxos de desejo, contudo tal limitação
está em conflito com o corpo performático potencial, carnavalesco e desafiador do simbólico. A
performance pode criar tensões no corpo social de modo que ao destruir a estrutura plana de
autoridade, nela, sujeito e objeto são realinhados para substituir a “autoridade solitária” do
simbólico com a circulação polifônica dos sentimentos humanos. Desafiando as representações
populares do poder político e sem oferecer “mensagens” mas desafiando o processo de
representação em si.
Já nos anos 90 a arte da performance renunciou ao jogo de ilusões voltando-se para o real
como uma construção política, mostrando o real ligado ao individual. A combinação do estudo de
identidade individual e de diferentes culturas, com atenção especial aos oprimidos, excluídos ou em
desvantagens – os gays e as lésbicas, os aleijados, os idosos, os pobres, junto com as minorias
raciais e étnicas – caracteriza muito do trabalho de performance mais provocativa e imaginativa dos
EUA no início dos anos 90.
Mais do que entretenimento, mais do que formações didáticas ou persuasivas e mais do que
indulgencias catárticas. Elas são ocasiões sobre as quais, como uma cultura ou como sociedade, nós
refletimos e definimos a nós mesmos, dramatizamos nossos mitos e histórias coletivas,
apresentamos a nós mesmos alternativas.
METODOLOGIA
Inicialmente investir num levantamento bibliográfico intenso, com fichamentos e resumos
para melhor fundamentar o trabalho bem como esclarecimento do caminho a ser percorrido, pois
conforme se aprofunda no conteúdo o próprio caminho passa a dar indicações de por onde seguir.
Uma vez que pensamos o método para além de um território estagnado, fixo e organizado
hierarquicamente. Acreditamos que o mais importante é o que um objeto de pesquisa potencialize
pensamentos, imaginações, que traga possibilidades. A exemplo de Deleuze (2002, p.87) “o que
pode um corpo?”, se pensamos corpo e espaço de maneira indissociável e pensamos, assim como
Massey (2009) que não há regras de espaço e lugar, precisamos igualmente permitir que os métodos
utilizados sejam fluidos assim como os conceitos em Deleuze e Guatarri (1997b), inevitavelmente
haverão variações particulares para cada espaço estudado. E dessa forma, estimular o constante
repensar metodológico a fim de abarcar a complexidade, as incertezas, como nos explicita Morin
(2003), a reinvenção constante de modo que se perder não seja um problema a ser evitado mas uma
certeza a ser enfrentada com estratégias abertas, heterogêneas com conexões e desconexões tal qual
o espaço, possibilitando desterritorializações e reterritorializações, assim como a criação, a
imaginação, a vida, que segue se adaptando onde quer que aconteça.
RESULTADOS PRELIMINARES
Buscamos com esse trabalho construir um corpo conceitual que territorialize um conjunto de
conceitos que estimulem a concepção de uma performance potente para se pensar o espaço
conforme explicitado. De modo que a própria articulação conceitual concebida nesse texto
compreende um resultado preliminar. O qual, ainda se mostra inicial e estimulante, contudo
indispensável e direcionador para veredas que se constituem ao mesmo tempo em que se
caminha.Contudo inúmeras leituras e estudos são necessários para se aprofundar no tema de modo a
constituir um arsenal de possibilidades a serem exploradas quando iniciarmos a experimentação da
performance teatral que ocorrerá no próximo ano.
BIBLIOGRAFIA
ADORNO, T. W; HORKHEIMER. M. Dialética do esclarecimento: Fragmentos filosóficos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar. 1985.
ALMEIDA, M. J. A educação visual na televisão vista como educação cultural, política e estética.
Rev. online Bibl. Prof. Joel Martins, Campinas, SP, v.1, n.4, out. 2000.
ARTAUD, A. O teatro e seu duplo. Tradução fiamahasse pais Brandão. 1996, fenda edições
BOAL, A. Teatro do Oprimidoe Outras Poéticas Políticas. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1977.
CAZETA, V. As coreo-geo-grafias em Pina: para fazer a Geografia dançar. Entre-lugar,
Dourados, MS, p.19-31, ano 4, n.7, 1. Semestre de 2013.
CARLSON, M. Performance: uma introdução crítica. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2010.
CHAUÍ, M. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980.
COHEN, R. Performance como linguagem. São Paulo, Editora Perspectiva, 2002.
COSTA, R. H. O mito da desterritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 5ª Ed.
Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2010.
CRESPO, R. A.Cultura e ideologia. In: Nelson Dacio Tomazi. (Org.). Iniciação à Sociologia. 1ed.
São Paulo: Atual, 1993.
DEL CASINO, V. J.; HANNA, S. P. Beyond the “binaries”: a methodological intervention for
interrogating maps as representational practices, ACME: An International E-Journal for critical
Geografies, 2006, v. 4, n.1, p. 34-56.
DELEUZE, G. GUATTARI, F. Kafka: por uma literatura menor. Tradução de JulioCastañon
Guimarães. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
DELEUZE, G. GUATTARI, F. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1997b.
DOCUMENTÁRIO, A servidão moderna Direção: Jean-François Brient - França Colômbia, 2009,
52min, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ybp5s9ElmcY acesso em 5 de outubro
de 2015.
GOLDBERG, R.A arte da performance: do futurismo ao presente. Tradução Jefferson Luiz
Camargo; São Paulo: Martins Fontes 2006.
MARX, K. O Capital: Volume I,São Paulo: Nova Cultural, 1996.
MASSEY, D. B. Pelo Espaço: Uma Nova Política da Espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2009.
MORIN, E. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: publicações Europa-América,
1996.
NEVES, H. O mapa ou um estudo sobre representações complexas. Visões Urbanas - Cadernos
PPG-AU/FAUFBA Vol.V - Número Especial – 2008
OLIVEIRA JR, W. M. O que seriam as geografias de cinema? [s.d.] Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/atelaeotexto/revistatxt2/wenceslao.htm Acesso em 15 de setembro de
2013.
REICH, W. A função do orgasmo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1975.
VALLADARES, M. O Uso Crítico da Propaganda na Educação como alternativa Pedagógica.
Vitória-ES: Universidade Federal do Espírito Santo. (Dissertação Mestrado em Educação). Vitória,
2000.