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13 Breve análise das teses defensivas da legítima defesa da honra e da privilegiadora da violenta emoção no tribunal do júri em homicídios passionais praticados por homens contra mulheres Daliane Mayellen Toigo * Resumo Faz-se uma análise das teses de legítima defesa da honra e da privilegiadora da violenta emoção, no julga- mento de homicídios passionais cometidos por homens contra mulheres. Os homicídios passionais sempre existiram na sociedade, desde os primórdios da humanidade. Conforme dados, são crimes cometidos por ho- mens ciumentos e possessivos, que não admitem a perda da pessoa amada. Nos últimos anos verifica-se um aumento considerável na incidência desses crimes na sociedade. Ao longo do tempo, diversas foram as teses levantadas pela defesa para livrar o réu da pena ou para atenuá-la. A forma como essas teses se apresentaram e se modificaram, ao longo dos anos, no Tribunal do Júri, e a validade destas nos dias atuais é o objeto do presente estudo. É analisado o homicídio passional, com os sentimentos que o vinculam, até suas teses defen- sivas. Por fim, far-se-á uma breve análise das teses defensivas da legítima defesa da honra e da privilegiadora da violenta emoção, buscando-se assim esclarecer que as teses já foram aceitas pela sociedade, porém, com o passar dos anos, perderam força e nos dias atuais são pouco aceitas como forma de defesa nos homicídios passionais. Palavras-chave: Homicídio passional. Teses de defesa. 1 INTRODUÇÃO A violência e o crime são condutas inerentes à sociedade humana, fato de o crime existir é admissível, o que não é admitido pela sociedade é a impunidade da conduta criminosa. O homicídio é um crime que sem- pre esteve presente nas relações humanas e, conforme dados, é um dos crimes mais presentes na sociedade atual. Os crimes passionais são crimes que chocam a sociedade em virtude da repúdia inaceitável do “matar por amor” por razões morais e psicológicas. Com características bem peculiares, o homicídio passional, uma espécie de vingança privada, cresce de forma desordenada e comumente visível em noticiários e reportagens jornalísticas diárias. O homicídio passional, assim denominado por ser um crime que deriva da paixão, do ciú- me, de um sentimento amoroso e da possessão, já teve sua sentença decretada de diversas formas, ora o autor do delito era absolvido, ora condenado. Este estudo busca analisar o que ocorre por trás de um homicídio passional, quais os sentimentos que o englobam; busca-se desmistificar como a sociedade aceitou e como aceita nos dias atuais as teses de defe- sa, levantadas no Tribunal do Júri, sobre esse tipo homicídio. Dessa forma, será possível responder à questão: como as teses da legítima defesa da honra e da privilegiadora da violenta emoção são apresentadas e aceitas no julgamento de homicídios passionais, cometidos por homens contra mulheres? * Bacharel em Direito; [email protected] Unoesc & Ciência – ACSA, Joaçaba, v. 1, n. 1, p. 13-20, jan./jun. 2010

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    Breve anlise das teses defensivas da legtima defesa da honra e da privilegiadora da violenta emoo no tribunal do jri em homicdios passionais praticados

    por homens contra mulheres

    Daliane Mayellen Toigo*

    Resumo

    Faz-se uma anlise das teses de legtima defesa da honra e da privilegiadora da violenta emoo, no julga-mento de homicdios passionais cometidos por homens contra mulheres. Os homicdios passionais sempre existiram na sociedade, desde os primrdios da humanidade. Conforme dados, so crimes cometidos por ho-mens ciumentos e possessivos, que no admitem a perda da pessoa amada. Nos ltimos anos verifica-se um aumento considervel na incidncia desses crimes na sociedade. Ao longo do tempo, diversas foram as teses levantadas pela defesa para livrar o ru da pena ou para atenu-la. A forma como essas teses se apresentaram e se modificaram, ao longo dos anos, no Tribunal do Jri, e a validade destas nos dias atuais o objeto do presente estudo. analisado o homicdio passional, com os sentimentos que o vinculam, at suas teses defen-sivas. Por fim, far-se- uma breve anlise das teses defensivas da legtima defesa da honra e da privilegiadora da violenta emoo, buscando-se assim esclarecer que as teses j foram aceitas pela sociedade, porm, com o passar dos anos, perderam fora e nos dias atuais so pouco aceitas como forma de defesa nos homicdios passionais. Palavras-chave: Homicdio passional. Teses de defesa.

    1 INTRODUO

    A violncia e o crime so condutas inerentes sociedade humana, fato de o crime existir admissvel, o que no admitido pela sociedade a impunidade da conduta criminosa. O homicdio um crime que sem-pre esteve presente nas relaes humanas e, conforme dados, um dos crimes mais presentes na sociedade atual.

    Os crimes passionais so crimes que chocam a sociedade em virtude da repdia inaceitvel do matar por amor por razes morais e psicolgicas. Com caractersticas bem peculiares, o homicdio passional, uma espcie de vingana privada, cresce de forma desordenada e comumente visvel em noticirios e reportagens jornalsticas dirias. O homicdio passional, assim denominado por ser um crime que deriva da paixo, do ci-me, de um sentimento amoroso e da possesso, j teve sua sentena decretada de diversas formas, ora o autor do delito era absolvido, ora condenado.

    Este estudo busca analisar o que ocorre por trs de um homicdio passional, quais os sentimentos que o englobam; busca-se desmistificar como a sociedade aceitou e como aceita nos dias atuais as teses de defe-sa, levantadas no Tribunal do Jri, sobre esse tipo homicdio. Dessa forma, ser possvel responder questo: como as teses da legtima defesa da honra e da privilegiadora da violenta emoo so apresentadas e aceitas no julgamento de homicdios passionais, cometidos por homens contra mulheres?

    * Bacharel em Direito; [email protected]

    Unoesc & Cincia ACSA, Joaaba, v. 1, n. 1, p. 13-20, jan./jun. 2010

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    Daliane Mayellen Toigo

    No presente trabalho feita uma breve anlise das principais teses defensivas dos homicdios passionais, entre elas a tese de legtima defesa da honra e a tese da privilegiadora de violenta emoo. Ser avaliado como essas teses so aceitas e recebidas pela sociedade, de acordo com os valores morais e sociais que englobam o crime sobre um carter subjetivo.

    2 CRIME PASSIONAL: CRIME CONTRA A VIDA

    O Cdigo Penal Brasileiro (1940) dividido em diversos ttulos classificados e agrupados por temas se-melhantes e afins. O Ttulo I dispe I dos crimes contra a vida artigos 121 a 128. O homicdio passional nada mais do que o homicdio descrito no caput do artigo 121, ao que segue.

    2.1 O HOMICDIO PASSIONAL

    O crime passional no est conceituado pela legislao brasileira vigente, apenas pela doutrina. Antigas legislaes previam apenas o crime de adultrio, no qual, caso o cnjuge cometesse adultrio, poderia o cn-juge trado cometer homicdio passional contra o cnjuge traidor.

    O crime passional um crime com caractersticas bem peculiares, definido pelo motivo que enseja a sua prtica ser o sentimento da paixo. Ocorre um crime passional quando o assassino, impelido por sentimentos da paixo, ou seja, sentimentos passionais, executa a vtima. A palavra passional deriva do latim passionalis, passio, a expresso crime passional significa, portanto, crime de paixo. Paixo aqui entendida como um sen-timento hostil, violento, temeroso, negativo (ELUF, 2007).

    Bernardes (2007, p. 1) conceitua crime passional:

    O crime passional derivado de qualquer fato que produza na pessoa emoo intensa e prolon-gada, ou simplesmente paixo, no aquela de que descrevem os poetas, a paixo pura, mas paixo embebida de cimes, de posse, embebida pela incapacidade de aceitao do fim de um relaciona-mento amoroso, que tanto pode vir do amor ou do dio, da ira e da prpria mgoa.

    Destarte, quando ocorrer o crime passional de forma premeditada exclui o benefcio do ru de crime privilegiado por violenta emoo do artigo 121, 1 do Cdigo Penal, j citado, que ser tratado de modo mais especfico, posteriormente (MIRABETE, 2008b).

    2.1.1 O amor pode ser fato gerador de crime passional?

    Matei por amor, foi o que disse Raul Fernandes do Amaral Street, vulgo Doca Street, logo aps ser julgado e absolvido pelo crime que cometera na noite do dia 30 de dezembro de 1976, em que matara sua convivente Angela Diniz, com trs tiros na face e um na nuca. Doca Street, em seus quatro meses de convivn-cia com a vtima, mostrou-se uma pessoa ciumenta, possessiva. Em seu segundo julgamento, no qual foi con-denado, a promotoria optou pelo slogan quem ama no mata, frase essa tambm aclamada por militantes feministas da poca (ELUF, 2008).

    Afinal, mata-se por amor? Essa pergunta feita repetidamente cada vez que ocorre um crime passional. Pode o amor desencadear reao to brusca a ponto de eliminar a pessoa amada?

    Amor no um sentimento fcil de ser entendido. Como denomina Rabinowicz (2007, p. 36), um senti-mento excepcionalmente rido, um desequilbrio afetivo para o qual no se educado. O amor a afluncia de outros sentimentos, transformando-se em algo superior e diferente. O prazer de amar no depende de quem ajuda a obt-lo, mas unicamente da pessoa. O homem detentor de certa quantidade de prazer e seus amores do pretextos luxria (RABINOWICZ, 2007).

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    Breve anlise das teses defensivas da legtima defesa da honra...

    Para Greco (1996, p. 2), H um aspecto caracterstico no amor sexual, o dio que o acompanha. Entre dois momentos de desejo, o dio mistura-se com a volpia, pois, no h sentimento que o retm. O amor sexual fornece a imensa maioria dos criminosos passionais.

    Destarte, o que difere o amor sexual do amor afetivo a ternura com que este se apresenta em sua es-sncia, pois naquele ignoram-se completamente os desejos que so ponderados pela afeio (RABINOWICZ, 2007).

    Assim, o amor, de forma geral, no entendido pelos doutrinadores como sentimento que desperta esse tipo de crime, uma vez que amor deve ser entendido como amor afetivo, amor normal, a forma mais s de amar, a ternura. A partir do momento em que o sentimento do amor passa a ser violado, ele comea a se tornar dio, mas essa violao do sentimento ocorre em razo da paixo, ou seja, do amor sexual.

    Assim, no existe crime cometido por amor. Os termos amor e paixo no se confundem, embora, mui-tas vezes, sejam usados como sinnimos. A grande diferena est em a paixo que move a conduta criminosa no derivar do amor, mas sim de seu extremo oposto, o dio (ELUF, 2006).

    Entretanto, entendem os doutrinadores que os sentimentos responsveis pelo cometimento de crimes passionais so a paixo e o cime, sentimentos esses que desvirtuam o sentimento do amor, tornando-o em dio.

    3 BREVE ANLISE DAS TESES DEFENSIVAS DA LEGTIMA DEFESA DA HONRA E DA PRIVILEGIADORA DA VIOLENTA EMOO NO TRIBUNAL DO JRI EM HOMICDIOS PASSIONAIS PRATICADOS POR HOMENS CONTRA MULHERES

    A defesa, ao longo do tempo, tenta eximir a culpa dos homicidas passionais, com teses que poderiam lhe trazer os benefcios de atenuao da pena ou sua absolvio. A seguir, sero relacionadas algumas das principais teses alegadas pela defesa perante o Tribunal do Jri no julgamento de crimes passionais. Entre to-das, destacam-se a tese de legtima defesa da honra e a da privilegiadora da violenta emoo.

    3.1 DA LEGTIMA DEFESA DA HONRA COMO TESE DE HOMICDIO PASSIONAL

    O passional, buscando eliminar a antijuridicidade de seu fato tpico, alega, em algumas vezes, em sua defesa, ter cometido o crime em legtima defesa de sua honra.

    Essa ideia de legtima defesa da honra conjugal surgiu da legislao portuguesa trazida para o Brasil a qual admitia que o marido matasse a mulher e seu amante se fossem surpreendidos cometendo adultrio, porm essa legislao no era reconhecida juridicamente. O Cdigo Penal Brasileiro de 1890 trouxe a figura da excludente de ilicitude da perturbao dos sentidos e da inteligncia, excludente essa que os advogados acabaram se ancorando para suprir a falta da estratgia.

    Posteriormente, conforme Eluf (2007, p. 164):

    O Cdigo Penal promulgado em 1940, ainda em vigor, eliminou a excludente de ilicitude referente perturbao dos sentidos e da inteligncia que deixava impunes os assassinos chamados de passionais, substituindo a dirimente por uma nova categoria de delito o homicdio privilegiado. O passional no ficaria mais impune, apesar de receber uma pena menor que a atribuda ao homicdio simples. Na populao, porm, permanecia a idia de que o homem trado tinha o direito de matar a mulher.

    Dessa forma, o texto legal tornou-se mais rgido; os homicidas passionais seriam condenados pelo ho-

    micdio, muitas vezes, na forma qualificada. Os advogados de defesa, insatisfeitos com o novo texto legal, no queriam a condenao de seus clientes, buscavam sempre sua absolvio.

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    Daliane Mayellen Toigo

    Surgiu, assim, a tese de defensiva da legtima defesa da honra que, conforme Eluf (2007, p. 165), [...] os jurados aceitavam, sem muito esforo, para perdoar a conduta criminosa. Isso porque, na poca, ainda perdurava a diferena de direitos entre homens e mulheres, ainda havia a discriminao da mulher. Eluf (2007, p. 165) afirma que [...] a concepo de que a infidelidade conjugal da mulher era uma afronta aos direitos do marido e um insulto ao cnjuge enganado encontrava eco nos sentimentos dos jurados, que viam o homicida passional com benevolncia.

    Nesse sentido, completa Lins e Silva (apud ELUF, 2007, p. 165):

    Nos casos passionais, a legtima defesa da honra foi uma criao dos prprios advogados para chegar a um resultado favorvel que fosse alm do privilgio. Com isso, tornou-se muito freqente, aconteceu em inmeros casos eu prprio defendi diversos o jri aplicava uma pena que equiva-lia pena do homicdio culposo. Isso era possvel porque, no exerccio da legtima defesa, a prpria lei prev um excesso culposo. [...] Como o ru era primrio, o juiz normalmente aplicava uma pena de dois anos, que permitia a concesso do sursis. Com isso o acusado no ia para a cadeia e, em dois anos, estava livre de qualquer dvida para com a justia.

    H doutrinadores que defendem que a legtima defesa da honra tem aplicabilidade at nos dias atuais.

    Demonstra o advogado Beraldo Junior (2004) que a ideia de legtima defesa da honra vlida sim, pois a honra deve ser reconhecida como direito, conforme a Constituio Federal, em seu artigo 5, inciso X.

    Para Beraldo Jnior (2004, p. 1):

    A legtima defesa consiste no uso dos meios necessrios e se o ofendido julgava no momento de sua exaltao emocional e psicolgica que, aquele era o meio necessrio para a repulsa da ofensa e no era capaz de discernir se aquela repulsa era necessria ou se a melhor sada seria a separao litigiosa ou consensual, no h que se desclassificar a legitima defesa e puni-lo por homicdio quali-ficado, ou na melhor das hipteses no homicdio privilegiado. O que deve ser analisado ncleo do tipo penal, ou seja, repulsa a injusta agresso a honra, que caracteriza a legtima defesa.

    Os doutrinadores que afirmam pela validade da legtima defesa da honra at os dias atuais justificam que a sociedade absolve autores de delitos passionais conforme essa tese em razo de que ela no est dis-posta a conviver com o adultrio, a desonra e a traio, e, muitas vezes, o comportamento da vtima que impulsiona a prtica delitiva.

    Completa Beraldo Jnior (2004, p. 20):

    Apesar de vrios doutrinadores entenderem que a tese foi superada aps o advento do Cdigo Penal de 1940, os tribunais tm mantido as sentenas singulares absolutrias que acatam a tese da legtima defesa da honra, desde que, obviamente, presentes os requisitos do art. 25 do Cdigo Penal e no seja a deciso manifestadamente contrria a prova dos autos, o que enseja recurso e conseqente reforma do decisum.

    Em contraponto a essa ideia, h doutrinadores que acreditam que a tese de legtima defesa da honra perdeu validade em razo da evoluo social e que o direito tende a acompanhar essa evoluo. Os direitos de homens e mulheres foram reconhecidos com equidade pela Constituio Federal de 1988; assim, a apli-cabilidade da tese de legtima defesa da honra perdeu fora por se demonstrar inconstitucional. Para tanto, demonstra Eluf (2007, p. 199):

    A tese de legtima defesa da honra, que levou absolvio ou condenao a penas muito peque-nas de autores de crimes passionais, j no mais aceita em nossos tribunais. A honra do homem no portada pela mulher. Honra, cada um tem a sua. Aquele que age de forma indigna deve arcar pessoalmente com as conseqncias de seus atos. Sua conduta no contamina o cnjuge [...] A tese de legtima defesa da honra inconstitucional, em face da igualdade dos direitos entre homens e mulheres assegurada na Constituio Federal de 1988 art 5 e no pode mais ser alegada em plenrio do jri, sob pena de incitao discriminao do gnero.

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    Breve anlise das teses defensivas da legtima defesa da honra...

    Prossegue Eluf (2007, p. 165):

    No entanto, sempre esteve claro que a legtima defesa da honra foi um artifcio. Os advogados sabiam, perfeitamente, que lei nenhuma no Brasil falava nessa modalidade de legtima defesa, mas os jurados, leigos que so, no iriam decidir com base no texto expresso de lei, mas de acordo com seus valores culturais.

    Entende-se que, com a reforma do Cdigo Penal em 1940 e a nova Constituio Federal de 1988, caiu

    por terra a tese de legtima defesa da honra, e os advogados estrategistas tiveram de buscar outra sada para suas teses de homicdios passionais. Isso porque as teses estavam baseadas no homicdio privilegiado sob violenta emoo, que dessa vez no absolvia o assassino, apenas amenizava sua pena (ELUF, 2007).

    A mitigao da tese de legtima defesa da honra ocorreu por uma questo de igualdades de direitos entre homens e mulheres, normalmente quem solicitava o privilgio da legtima defesa da honra no tribunal do jri eram homens que haviam matado suas esposas, ou em razo de traio, ou em razo de abandono; assim, eles afirmavam que sua honra fora ferida e matavam a vtima como forma de se redimir para a sociedade. Por uma questo de direitos igualitrios, o homem no poderia dispor da vida de sua esposa, nem mesmo se a cnjuge fosse adltera, por no ter a posse sobre ela (ELUF, 2007).

    Hoje a Constituio Federal equipara o direito do homem com o da mulher, proibindo discriminaes de gneros; desse modo, assim a tese da legtima defesa da honra, alegada por passionalista, seria considerada inconstitucional, sob o ngulo de que reduziria o cnjuge vtima a objeto de posse do cnjuge sobrevivente.

    Os advogados de defesa do homicida passional justificavam a conduta delitiva alegando ter o ru agido em legtima defesa de sua prpria honra, ou seja, matando a mulher ele recuperaria a honra e o respeito, que supostamente teriam sido feridos.

    Dessa forma, conforme analisado, percebe-se que a legtima defesa da honra perdeu fora ao longo dos anos, principalmente aps o texto do artigo 5 da Constituio Federal, o qual estabeleceu direitos igualitrios entre homens e mulheres. Isso comprova que o direito acompanha ou tende a acompanhar a evoluo social.

    3.2 DA PRIVILEGIADORA DE VIOLENTA EMOO COMO TESE DE DEFESA DOS HOMICDIOS PASSIONAIS

    Na busca de tornar os homicidas passionais inimputveis, foram elaboradas, no decorrer dos tempos, teses que buscassem sua absolvio ou a diminuio considervel da pena. Como analisado, verificou-se que, em primeiro momento, o homicida passional que alegasse estar perturbado dos sentidos e da inteligncia, texto do antigo Cdigo Penal, seria absolvido do crime, posteriormente, essa tese foi mitigada.

    A defesa, assim, sem respaldo, teve de se ater tese da diminuio da pena proporcionada pela privile-giadora de violenta emoo. A partir de ento, desenvolve-se a tese doutrinria da legtima defesa da honra, que por anos absolveu criminosos passionais. Hoje, a tese da legtima defesa da honra, para Eluf (2007, p. 201), [...] inconstitucional, em face da igualdade de direitos entre homens e mulheres assegurada na Constituio Federal de 1988- art. 5, I e no pode mais ser alegada em plenrio do Jri, sob pena de incitao a discri-minao de gnero.

    Em razo da perda de sustentao da tese de legtima defesa da honra no julgamento de crimes passio-nais, outra foi a figura que retornou a tomar os palcos dos tribunais, qual seja, a tese de homicdio privilegiado por violenta emoo seguida injusta provocao da vtima. J no era mais possvel conseguir a absolvio do autor de delito passional, mas com a tese de violenta emoo, que tem validade nos dias atuais, possvel buscar uma diminuio da pena do condenado, desde que cumpra os requisitos exigidos para o beneficia-mento.

    visvel a mudana de posicionamento da sociedade que, tempos atrs, em muitos casos, absolvia rus de homicdios passionais. Nos dias atuais, a posio outra, ocorrendo, no raras vezes, a condenao, por homicdio qualificado. Para isso, demonstra Eluf (2007, p. 158):

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    Daliane Mayellen Toigo

    Ocorre que, naquela poca (primeira metade do sculo XX), era comum a absolvio do homem que matasse a mulher por ser suspeita de adultrio e, apesar da nova figura do homicdio privile-giado, tal tese era pouco utilizada pela defesa, que ainda pleiteava situao melhor para o homicida, procurando a absolvio completa ou uma sano que se limitasse ao reconhecimento de excesso culposo na legtima defesa da honra (dois anos de recluso, com suspenso condicional da pena - sursis). A alegao de homicdio privilegiado, isto , cometido por relevante valor moral ou social, ou sob o domnio de violenta emoo, nos dias de hoje, a mais freqente tese apresentada pela defesa em caso de crime passional comprovado. A tolerncia com os assassinos de mulher acabou, a legtima da honra perdeu a sustentao, e se o defensor consegue diminuir consideravelmente a pena do ru j se considera muito bem-sucedido. Ainda assim, no comum que a tese do homi-cdio privilegiado seja aceita pelos jurados.

    A previso dessa tese encontra-se no artigo 121, 1 do Cdigo Penal, que prev como caso de diminui-o de pena o homicdio praticado sob o domnio de violenta emoo seguida injusta provocao da vtima. Essa diminuio de pena ocorre na terceira fase da dosimetria e prev uma reduo de um sexto a um tero. As-sim, a pena ser do delito base, previsto no caput, podendo ter uma reduo que varia de um sexto a um tero.

    Para conseguir o benefcio da violenta emoo, o sujeito deve agir se a reao do agente ocorrer logo em seguida de uma injusta provocao feita pela vtima.

    Para alguns doutrinadores, difcil a configurao da violenta emoo, uma vez que o homicdio passio-nal, na vasta maioria dos casos, revela-se premeditado, ou seja, o autor planejou detalhadamente cada etapa do crime. A premeditao afronta o benefcio da violenta emoo, uma incongruente com a outra, pois a emoo no ser violenta quando ocorre de forma planejada.

    Dessa maneira, se o agente age premeditando o crime, armando para flagrar sua esposa com outro ho-mem, ele estar preordenando em sua conscincia uma possvel vingana de uma injusta provocao que no ocorreu minutos antes do crime, mas sim que conhecida ou suspeitada pelo assassino muito tempo antes. No incidir sobre a pena desse agente o benefcio da violenta emoo (CAPEZ, 2006).

    Por outro lado, acrescenta Eluf (2007, p. 161): [...] mesmo havendo provocao da vtima, se o agente j comparece ao local do crime armado, demonstrando estar preparado para matar, no se pode reconhecer o privilgio. A premeditao incompatvel com a violenta emoo.

    Em relao injusta provocao, na maioria das vezes, no h provocao por parte da vtima, mas sim a vontade de romper o relacionamento, o que no configura uma provocao, como o legislador quis se referir ao incluir a injusta provocao no texto legal (ELUF, 2007).

    Prosseguindo Vergara (apud MIRABETE, 2008a, p. 36) [...] a paixo pode apresentar-se, e esta a sua conceituao verdadeira cientfica e exata como a sistematizao de uma idia que se instala morbidamente no esprito e exige tiranicamente a sua converso em ato. Conclui Mirabete (2008a, p. 36) A morte por cime e a vingana pelo abandono da pessoa amada no constituem homicdio privilegiado.

    Dessa forma, pode-se concluir que a tese de homicdio passional qualificado pela violenta emoo se-guida da injusta provocao da vtima ganhou fora ao longo dos anos, principalmente aps o texto do artigo 5 da Constituio Federal, que mitigou a tese da legtima defesa da honra. Mesmo sendo de difcil caracteri-zao, em virtude dos requisitos exigidos por essa privilegiadora, esta tese mais ocorrente nos tribunais, pois no coloca em dvida a violao de nenhum preceito constitucional.

    4 CONCLUSO

    O crime sempre existiu na sociedade, porm o homicdio passional aumentou significativamente sua incidncia. Este trabalho no buscou a descriminalizao do homicdio passional, o que se pretendeu foi apre-sentar as teses defensivas desses crimes, j apresentadas ao Tribunal do Jri, ao longo dos anos, para que se possa encontrar uma penalidade justa ao ru. Certamente, ainda ocorrem crimes dessa natureza e evidente que sempre vo ocorrer, mas a penalizao para com esses crimes um dos fatores que demonstra o grau de evoluo jurdico-social de um pas.

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    Breve anlise das teses defensivas da legtima defesa da honra...

    O que pensa um homicida passional na hora de planejar ou executar o seu intento fundamental para que possa analisar a pena correta para se aplicar ao agente. No h como traar um perfil criminoso para o homicida passional, em alguns casos, nem ele prprio sabe que seria capaz de executar tal crime, em outros, ele planeja de forma fria e calculista como executar o feito. Os sentimentos que esto por trs dessa conduta podem ser o cime que desencadeia o sentimento de posse ou a paixo, vista como sentimento temeroso e doentio.

    Nada justifica um homicdio, porm algumas teses podem garantir que o ru passional tenha sua pena aplicada de forma coerente. As teses servem apenas para explicar o cometimento daquele crime, jamais justi-fic-lo, uma vez que o cime, a vingana, a raiva e outros sentimentos no so justificativas para tal feito.

    Entre as teses conhecidas, a de legtima defesa da honra foi a que mais absolveu rus passionais. Contu-do, essa tese de defesa no prevista legalmente, apenas uma fico doutrinria. A honra atributo que no pode ser transferido a terceiro, uma vez que honra atributo personalssimo, no podendo a mulher portar a honra do homem e vice-versa.

    Em razo da nova Constituio Federal, a tese de legtima defesa da honra perdeu respaldo, tambm em virtude da viso da mulher perante a sociedade. Os jurados agora esto dotados de conscincia de direitos igualitrios entre homens e mulheres, trazidos pelo artigo 5, inciso I da Constituio Federal de 1988.

    Outra tese passou a ser comumente levantada ao Tribunal do Jri, sendo esta a tese de homicdio privi-legiado sob violenta emoo seguida injusta provocao da vtima. Essa tese entendida como vlida, est prevista na legislao vigente, porm, para os crimes passionais, difcil sua caracterizao, j que na maioria das vezes esse crime tende a ser premeditado.

    Para se fazer cessar esse aumento no cometimento de crimes passionais, ainda se faz necessrio que a sociedade repudie a conduta vingativa, pois ningum mata por amor, e sim por vingana, por acreditar que tem o domnio sobre o cnjuge, por dio, rancor, entre outros sentimentos. Assim, o objeto deste estudo de-monstra a real natureza desses crimes, a real inteno do homicida passional, que no lavar a honra, mas sim vingar-se.

    Short analysis of thesis defensives expectations of defense of honor and privilege of violent emotion in jury in homicides passion practiced by men against women

    Abstract

    It is an analysis of the thesis defense of honor and privileged of violent emotion, in the murder trial of passion committed by men against women. Murders of passion always existed in society since the dawn of humanity. As data are crimes committed by men jealous and possessive that do not admit the loss of a loved one. In recent years there has been a considerable increase in the incidence of such crimes in society. Over time, there have been several arguments raised by the defense to free the defendant from punishment or to mitigate it. The way these theses are presented and modified over the years, the grand jury, and the validity of these nowadays is the object of the present study. It examines the murder of passion, along with the feelings that bind up his thesis defense. Start with a brief study on the crime and then presents an analysis of the research object of this crime, murder, the bias on the pipeline of passion. Next, we analyze the historicity of the murders of passion, soon after the murder of passion itself is conceptualized and analyzed. Finally, we analyze the institution of grand jury, there will be a brief analysis of the thesis defense of legitimate defense of honor and privileged the violent emotion brought to the institute, seeking to clarify some of the arguments that have been accepted by society, but over the years lost strength and nowadays are just accepted as a defense in the murder of passion. Keywords: Homicide passionate. Thesis defense.

  • 20 Unoesc & Cincia ACSA, Joaaba, v. 1, n. 1, p. 13-20, jan./jun. 2010

    Daliane Mayellen Toigo

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