A PRÁTICA DA CORRIDA DE RUA COMO VALOR DE...

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FACULDADE DE ECONOMIA E FINANÇAS IBMEC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ADMINISTRAÇÃO A PRÁTICA DA CORRIDA DE RUA COMO VALOR DE LIGAÇÃO ENTRE INDIVÍDUOS QUE FORMAM UMA TRIBO DE CONSUMO: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO”. ADRIANA MOURA E SILVA ORIENTADOR: PROF. DR. EDUARDO HALPERN Rio de Janeiro, 09 de maio de 2013.

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FACULDADE DE ECONOMIA E FINANÇAS IBMEC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM

ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

PROFISSIONALIZANTE EM ADMINISTRAÇÃO

“A PRÁTICA DA CORRIDA DE RUA COMO VALOR DE LIGAÇÃO ENTRE INDIVÍDUOS

QUE FORMAM UMA TRIBO DE CONSUMO: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO”.

ADRIANA MOURA E SILVA

ORIENTADOR: PROF. DR. EDUARDO HALPERN

Rio de Janeiro, 09 de maio de 2013.

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“A PRÁTICA DA CORRIDA DE RUA COMO VALOR DE LIGAÇÃO ENTRE

INDIVÍDUOS QUE FORMAM UMA TRIBO DE CONSUMO: UM ESTUDO

ETNOGRÁFICO”

ADRIANA MOURA E SILVA

Dissertação apresentada ao curso de

Mestrado Profissionalizante em

Administração como requisito parcial para

obtenção do Grau de Mestre em

Administração.

Área de Concentração: Comportamento do

consumidor.

ORIENTADOR: PROF. DR. EDUARDO HALPERN

Rio de Janeiro, 09 de maio de 2013.

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“A PRÁTICA DA CORRIDA DE RUA COMO VALOR DE LIGAÇÃO ENTRE

INDIVÍDUOS QUE FORMAM UMA TRIBO DE CONSUMO: UM ESTUDO

ETNOGRÁFICO”

ADRIANA MOURA E SILVA

Dissertação apresentada ao curso de

Mestrado Profissionalizante em

Administração como requisito parcial para

obtenção do Grau de Mestre em

Administração.

Área de Concentração: Comportamento do

consumidor.

Avaliação:

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________________

Professor DR. EDUARDO HALPERN (Orientador)

Instituição: IBMEC - RJ

_____________________________________________________

Professor DR. JOSÉ LUIZ TRINTA

Instituição: IBMEC - RJ

_____________________________________________________

Professor DRA. ROBERTA DIAS CAMPOS

Instituição: COPPEAD - RJ

Rio de Janeiro, 09 de maio de 2013.

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FICHA CATALOGRÁFICA

S586

Silva, Adriana Moura e.

A prática da corrida de rua como valor de ligação entre

indivíduos que formam uma tribo de consumo: um estudo

etnográfico. / Adriana Moura e Silva. – Rio de Janeiro: [s.n.],

2013.

137 f.; il.

Dissertação de Mestrado Profissionalizante em

Administração do IBMEC.

1. Comportamento do consumidor. 2. Marketing tribal. 3. Tribos

contemporâneas. 4. Linking value. I. Título. II..

CDD 658.8342

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v

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho à minha família linda: meus pais

amados, os pilares da minha vida, Francisco e Maria

Leonice. E às minhas irmãs queridas, Lidiane e Lígia.

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vi

AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer aos meus pais, por acreditarem que eu poderia abraçar

essa nova oportunidade na minha vida e na minha carreira: um mestrado. Por terem me

possibilitado vir ao Rio de Janeiro, terem me dado apoio incondicional e por terem confiado

em mim desde o início. Por serem também os maiores torcedores das minhas corridas!

Agradeço ao meu querido orientador e professor, Eduardo Halpern, por ter acreditado no meu

trabalho, ter vibrado com a minha pesquisa, ter me dado bronca e me elogiado nas horas

certas. Cada conversa nossa me enchia de ideias e de entusiasmo para escrever. Obrigada!

À minha companheira de mestrado e publicação, minha amiga querida, Elle. Sua amizade é

um grande presente que ganhei para a vida.

Às minhas irmãs queridas, Lidiane e Lígia, que mesmo de longe sempre me ajudaram com

palavras de incentivo.

Obrigada também ao José Vicente, colega de mestrado, de estágio docente e de orientação,

com quem pude trocar muitas ideias e recebi todo o apoio durante essa longa caminhada.

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vii

Ao IBMEC – RJ pela estrutura e por todo aprendizado que obtive nesses dois anos. Agradeço

também aos meus professores e colegas do mestrado.

Aos sócios da Speed, por me permitirem realizar a minha pesquisa. Aos professores, em

especial o Guilherme, meu treinador, que sempre pegou pesado nas minhas planilhas.

Aos corredores da Speed, com quem convivi “sofrendo” nos treinos, fossem eles na chuva, no

sol, no frio ou na areia fofa. Com quem troquei experiências de vida e aprendi o que é

superação e paixão pela corrida.

Aos queridos amigos potiguares Gustavo, Joelma, Rogério e Emanuel, que me ouviram nos

momentos de mais angústia, sempre me dando força. E às minhas amigas cariocas, Ingrid e

Bia, que me tiravam de casa para me distrair e lembrar que a vida não era só mestrado.

Ao meu apoio técnico, meu amigo Thales, sempre em tempo real me ajudando e me

acalmando.

À minha pequena Daphne, que passava horas ao meu lado enquanto eu escrevia esse trabalho.

Saudades!

À corrida, por ter me tornado uma pessoa mais focada, disciplinada e dedicada. Por me

premiar com momentos de sofrimento e euforia. Cada medalha conquistada está guardada

com todo carinho.

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RESUMO

As tribos contemporâneas mantêm seus membros unidos através do compartilhamento de

emoções, estilos de vida, valores e práticas de consumo. Este estudo teve como principal

objetivo identificar de que forma a prática da corrida de rua atua como o elemento que une os

indivíduos em tribos, e como essa atividade influencia no consumo de produtos e serviços. O

método selecionado para a coleta dos dados foi a etnografia. Foi realizada a observação

participante por um período de sete meses com um grupo de corredores de uma assessoria

esportiva. Também foram realizadas entrevistas em profundidade com um dos sócios da

assessoria e com quatro corredores. Os resultados são apresentados em quatro blocos. O

primeiro refere-se à identificação das tribos, no qual se descreve as suas evidências físicas,

temporais e simbólicas. Em seguida é apresentada a classificação dos membros da tribo de

acordo com os papéis que eles desempenham. Também é descrito o comportamento de

consumo relacionado à atividade de corrida e, por fim, o papel das empresas na promoção do

linking value. O presente estudo contribuiu para a melhor compreensão do fenômeno social

das tribos, do comportamento de consumo dos seus membros e de como as empresas podem

atuar para facilitar essa união em torno de uma paixão.

Palavras-chave: Comportamento do consumidor. Tribos contemporâneas. Subculturas de

consumo. Marketing tribal. Linking value. Corrida de rua.

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ix

ABSTRACT

The contemporary tribes keep their members together through the sharing of emotions,

lifestyles, values and consumption practices. This study aimed to identify how the practice of

running acts as the element that unites individuals into tribes, and how this activity influences

the consumption of products and services. The method selected for data collection was the

ethnography. Participant observation was conducted for a period of seven months with a

group of runners. In-depth interviews were also conducted with one of the partners and four

runners. The results are shown in four stages. The first part refers to the tribe’s identification,

which describes its physical, temporal and symbolic evidences. The following topic shows the

classification of the tribe members according to the roles they play. It also describes the

consumer behavior related to the activity of running and, finally, the role of business in

promoting the linking value. The present study contributes to a better understanding of the

social phenomenon of the tribes, the consumption behavior of its members and how

companies can act to enable this union around a passion.

Key Words: Consumer behavior. Contemporary tribes. Subcultures of consumption. Tribal

Marketing. Linking value. Running.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Trevo Tribal .............................................................................................................. 25

Figura 2 – Papéis adotados pelos membros da tribo ................................................................ 35

Figura 3 – Papéis dos membros de comunidades de consumo virtuais .................................... 36

Figura 4 – Identificação da tribo de corredores ........................................................................ 65

Figura 5 – Evidências Temporais – Linha do Tempo: evolução da pesquisadora como

corredora ........................................................................................................................... 81

Figura 6 – Papéis adotados dos membros da tribo de corredores da Speed ............................. 95

Figura 7 – Modelo de hierarquização dos membros da tribo de corredores .......................... 101

Figura 8 – Modelo de hierarquização dos membros da tribo de corredores .......................... 126

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 – Evidência física – Tenda no parque e na praia ................................................. 66

Fotografia 2 – Número de peito e medalha da primeira prova da pesquisadora ...................... 70

Fotografia 3 – Treinão de inauguração da unidade Leblon ...................................................... 75

Fotografia 4 – Pesquisadora no Circuito das Estações – Etapa Primavera .............................. 78

Fotografia 5 – Pista Cláudio Coutinho ..................................................................................... 84

Fotografia 6 – Pesquisadora no Circuito Athenas .................................................................... 87

Fotografia 7 – Apoio dos amigos na Ultra Solidária 126k ....................................................... 90

Fotografia 8 – Fotos do perfil do Facebook de corredores da Speed ....................................... 92

Fotografia 9 – Corredores da Speed na Maratona da Disney Jan/2012.................................... 97

Fotografia 10 – Número de Peito do Running Niver Montenegro ........................................... 99

Fotografia 11 – Equipe Speed no Running Niver Montenegro .............................................. 100

Fotografia 12 – Corredores da Speed na Comrades 2012 ...................................................... 105

Fotografia 13 – Fotos de produtos compartilhados pelos alunos ........................................... 108

Fotografia 14 – Tênis Asics Gel-Nimbus 14 adquiro pela pesquisadora ............................... 109

Fotografia 15 – Suplementos para corrida: gel de carboidrato, BCAA e isotônico ............... 110

Fotografia 16 – Cinto e mochila de hidratação....................................................................... 111

Fotografia 17 – Momentos de comemoração e integração após as provas ............................ 112

Fotografia 18 – Patrocinadores e parceiros da Speed ............................................................. 115

Fotografia 19 – Ações com as empresas patrocinadoras: Polar e Mundo Corrida ................. 116

Fotografia 20 – Provas de corrida apoiadas por grandes marcas: Adidas e Mizuno .............. 117

Fotografia 21 – Retirada dos kits do Circuito Vênus e Loja da Nike ..................................... 118

Fotografia 22 – Serviços de manicure e massagem na retirada dos kits do Circuito Vênus .. 118

Fotografia 23 – Kit do Circuito Vênus ................................................................................... 119

Fotografia 24 – Experiências digitais da prova Nike Corre Rio 10k ..................................... 119

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Fotografia 25 – Experiências durante a prova Nike Corre Rio 10k: Torcida, Confessionário e

Túnel Power Song .......................................................................................................... 120

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Evolução da história do consumo ........................................................................... 12

Tabela 2 – Associação entre os dois modelos de classificação dos membros de uma tribo

propostos por Cova e Cova (2001) e por Kozinets (1999) ............................................... 38

Tabela 3 – Categorias de observação e itens de análise das categorias .................................... 52

Tabela 4 – Perfil dos entrevistados ........................................................................................... 55

Tabela 5 – Princípios da pesquisa etnográfica aplicados ao estudo ......................................... 56

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LISTA DE ABREVIATURAS

ATC RJ Associação de Treinadores de Corrida do Estado do Rio de Janeiro

ATC SP Associação de Treinadores de Corrida do Estado de São Paulo

BCAA Branch Chain Amino Acids

FFRS French Federation of Roller Skating

FHD Fórum Harley-Davidson

HOG Harley Owners Group

PHD Fórum Proprietários de Harley-Davidson

SIPAT Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho

UGF Universidade Gama Filho

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LISTA DE SÍMBOLOS

K Quilômetro

VO2 Volume de oxigênio máximo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 1

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA ........................................................... 5

2.1 PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVOS ..................................................................................... 6

2.1.1 Objetivo principal e objetivos específicos ............................................................................................ 7

2.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO................................................................................................................ 7

3 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................... 9

3.1 O CONSUMO NA SOCIEDADE ........................................................................................................ 10

3.1.1 Identidade pessoal e consumo ............................................................................................................ 13 3.1.2 Comunidade e consumo ..................................................................................................................... 14

3.2 CONSUMO EM GRUPO – TRIBOS E SUBCULTURAS DE CONSUMO .................................... 16

3.2.1 Grupos, Tribos e Subculturas de Consumo ........................................................................................ 16 3.2.2 Individualismo e Tribalismo............................................................................................................... 19

3.2.3 Linking value e Co-criação de valor ................................................................................................... 21

3.3 IDENTIFICAÇÃO DA TRIBO ........................................................................................................... 23

3.3.1 Evidências físicas e temporais ............................................................................................................ 25

3.3.2 Os rituais e sua dimensão simbólica .................................................................................................. 30

3.4 CLASSIFICAÇÃO DOS MEMBROS DE UMA TRIBO .................................................................. 34

3.5 MARKETING TRIBAL ....................................................................................................................... 39

4 METODOLOGIA ................................................................................................ 47

4.1 MÉTODO DE PESQUISA ETNOGRÁFICO .................................................................................... 47

4.1.1 Etnografia aplicada ao marketing e ao comportamento do consumidor ............................................. 49

4.2 COLETA DOS DADOS ........................................................................................................................ 50

4.3 TRATAMENTO DOS DADOS ............................................................................................................ 56

4.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO E DO ESTUDO ................................................................................. 59

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xvii

5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ...................................... 60

5.1 SPEED ASSESSORIA ESPORTIVA .................................................................................................. 60

5.1.1 A Empresa .......................................................................................................................................... 60

5.1.2 Análise de campo no primeiro contato com a Speed .......................................................................... 62

5.2 OBSERVAÇÕES DE CAMPO E DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE ................... 64

5.2.1 Identificação da tribo – Evidências físicas ......................................................................................... 65

5.2.1.1 Espaço físico e virtual ............................................................................................................ 65

5.2.1.2 Ocasiões ................................................................................................................................. 70

5.2.2 Identificação da tribo – Evidências temporais .................................................................................... 80

5.2.3 Identificação da tribo – Rituais: símbolos e sistemas de linguagem .................................................. 88

5.2.4 Membros da tribo ............................................................................................................................... 94

5.2.4.1 Hierarquização dos membros da tribo de corredores ............................................................ 101

5.2.5 Consumo de produtos e serviços relacionados à corrida .................................................................. 105

5.2.6 Práticas das empresas na promoção do linking value ....................................................................... 114

6 CONCLUSÕES ................................................................................................ 122

6.1 CONTRIBUIÇÕES E PESQUISAS FUTURAS .............................................................................. 126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 129

APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA DO SÓCIO DA SPEED .................. 135

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA DOS ALUNOS................................ 136

ANEXO A – MODELO DA PLANILHA DE TREINAMENTO .................................. 137

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1

1 INTRODUÇÃO

No caso da maioria dos produtos e marcas, um consumidor toma a decisão de compra, adquire

o item e o consome. A motivação básica de compra está relacionada à capacidade de o

produto ou serviço em si atender a uma necessidade do consumidor. Outras compras são

fundamentalmente diferentes. O consumidor compra mais do que o produto ou marca. A

associação a um grupo também está incluída na compra (HAWKINS, MOTHERSBAUGH, e

BEST, 2007).

Todos nós pertencemos a grupos (SOLOMON, ZAICHKOWSKY e POLEGATO, 2004) e, na

verdade, nosso desejo de pertencer ou de nos identificar com determinados indivíduos ou

grupos é a principal motivação para grande parte das nossas compras e atividades. As

subculturas de consumo passam a existir à medida que as pessoas se identificam com certos

objetos ou atividades de consumo e, a partir deles, se identificam com outras pessoas

(SCHOUTEN e MCALEXANDER, 1995).

Participar de uma experiência de consumo compartilhado é um meio de desenvolver e manter

relacionamentos sociais entre indivíduos, pois inclui: interações sociais, o fato de

compartilhar e os significados atribuídos a essas interações (HAWKINS,

MOTHERSBAUGH, e BEST, 2007). Para os autores, os grupos de consumo baseados em

atividades são muito comuns, como o golfe e a jardinagem, por exemplo, assim como a

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corrida, atividade analisada neste estudo, que tem na prática cotidiana da atividade a base para

as ligações entre os corredores, sendo determinante para a formação de grupos (DALLARI,

2009).

De acordo com Cova e Cova (2002), as pessoas hoje estão menos interessadas em objetos de

consumo e mais na interação e identidade que eles promovem. Os autores defendem a visão

de que as pessoas gostam de se reunir em tribos – união de indivíduos que compartilham as

mesmas emoções, estilos de vida, valores morais e práticas de consumo (COVA e COVA,

2001) - e que estas comunidades sociais são mais afetivas e influenciam mais no

comportamento das pessoas que as instituições de marketing ou autoridades culturais formais.

Um dos fundamentos básicos para o sucesso entre as marcas que desenvolvem esse espírito de

comunidade (COVA e WHITE, 2010) é a busca por um valor específico, que é juntamente

criado pelos consumidores e a empresa e é chamado de linking value. O linking value é o

valor da marca e dos produtos e serviços associados a ela para a construção, desenvolvimento

ou manutenção dessa ligação entre os consumidores.

Neste contexto desenvolve-se o marketing tribal (COVA e COVA, 2002), que dá menor

ênfase ao produto ou serviço para um consumidor específico ou um segmento de

consumidores e apoia produtos que unem pessoas em grupos de entusiastas ou devotos,

incluindo qualquer aspecto que fortaleça o sentimento de comunidade ou encoraje o senso de

pertencimento à tribo (linking value).

Este estudo tem como objetivo estudar o fenômeno social das tribos através de uma pesquisa

com um subgrupo de consumo – um grupo que se reúne em torno da atividade de corrida – da

cidade do Rio de Janeiro. O método de pesquisa aplicado é a etnografia - pois é o tipo de

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pesquisa qualitativa mais apropriada para aprender sobre o comportamento amplo de

compartilhamento de cultura de indivíduos ou grupos (CRESWELL, 2010) – aplicada através

de observação participante, entrevistas não estruturadas e observação mecânica por meio da

netnografia (KOZINETS, 2010) – ou etnografia online, a fim de expandir as fontes de dados e

contribuir com novas perspectivas de interpretação (ARNOULD e WALLERDORF, 1994).

A atividade que integra os membros da tribo nesta pesquisa é a corrida de rua, considerada um

fenômeno contemporâneo (DALLARI, 2009), que nos últimos anos registrou um aumento

expressivo no número de praticantes, de eventos realizados e de cidades onde acontecem

esses eventos no Brasil (CORPORE, 2012). Em 2012 foram realizadas 770 provas no país e

contabilizados mais de 880 mil inscritos (ATIVO, 2012). Além disso, estima-se que haja

cerca de três milhões de praticantes da atividade no Brasil (BETING, 2013).

A corrida de rua foi escolhida porque carrega muitos significados (DALLARI, 2009) -

pessoas se deslocam, nacional e internacionalmente, treinam por vários meses, adotam hábitos

rigorosos de alimentação e de repouso, se privam de outras práticas no seu tempo livre, tudo

isso para correr -, e estes significados ajudam a criar um link entre os indivíduos que formam

uma tribo.

Considerando esse contexto, a pesquisa procura identificar de que forma a prática da corrida

de rua promove a união de indivíduos em tribos contemporâneas que compartilham uma

paixão em comum, e como essa atividade determina o consumo de produtos e serviços de

forma a garantir a integração social dos seus membros. Para responder ao problema central da

pesquisa serão investigados alguns pontos específicos, como: a identificação da tribo de

corredores; a classificação dos seus membros de acordo com os papéis adotados; o consumo

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de produtos e serviços associados à corrida; e a prática das empresas na promoção do linking

value, ou seja, como elas atuam a fim de unir os membros em torno da corrida.

Primeiramente será feita a contextualização do problema e será apresentada a pergunta geral

de pesquisa, bem como os objetivos específicos deste trabalho. Nesta parte também será

explicada a relevância deste estudo para o campo de comportamento do consumidor. Em

seguida será feita a revisão de literatura, contextualizando o consumo na sociedade e

descrevendo os aspectos referentes às tribos contemporâneas de consumo e ao marketing

tribal.

Após o referencial teórico, será explicada a metodologia aplicada neste estudo, a partir da

definição do método de pesquisa etnográfico e sua aplicação nos campos de marketing e

comportamento do consumidor. Neste tópico também serão explicadas as limitações do

método e deste estudo. Em seguida, serão feitas as análises e interpretações dos dados

coletados, baseando-se nos objetivos específicos da pesquisa. Por fim, serão feitas as

considerações finais do trabalho, avaliando as contribuições deste estudo para o meio

acadêmico e para o mercado, e sugerindo pesquisas futuras nesta área.

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2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA

A corrida de rua é considerada um fenômeno contemporâneo (DALLARI, 2009), apesar de ter

surgido na Inglaterra no século XVIII, só se expandiu mundialmente no final do século XIX,

após a primeira maratona olímpica (SALGADO e CHAKON-MIKAHIL, 2006). Os autores

afirmam que a busca pela prática da corrida de rua ocorre por diversos interesses - desde a

promoção de saúde e a estética até a integração social e a fuga do estresse da vida moderna –

e destacam que as corridas de rua vêm crescendo mais como um comportamento participativo

do que como um esporte competitivo.

Na verdade, poucos são os corredores profissionais (DALLARI, 2009): o sentido de competir

bem específico das corridas de rua é de que os participantes das provas evidentemente não

estão preocupados em obter as primeiras colocações. A grande maioria dos praticantes o faz

como atividade lúdica, fora dos horários de trabalho (DALLARI, 2009) e a aderência à

atividade é fortemente motivada pelo convívio obtido na prática em grupos de pessoas com

interesses similares (TRUCCOLO, MADURO e FEIJÓ, 2008).

O presidente da Corpore, maior clube de corredores da América Latina, defende que um dos

aspectos positivos da corrida é a possibilidade de convívio social (ISTOÉ DINHEIRO, 2009):

“a corrida é muito mais um elemento de relacionamento entre seus participantes que um

esporte em si”. Dallari (2009) corrobora esse pensamento ao declarar que a base para as

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ligações entre corredores de longa distância é a prática cotidiana. O lugar dos treinos, os

horários e o ritmo desenvolvido na atividade são determinantes para a formação de grupos. É

a experiência vivida e os hábitos semelhantes que vão formar as tribos contemporâneas

(MAFFESOLI, 2004 apud DALLARI, 2009), associações baseadas na ajuda mútua, nos

sentimentos compartilhados e marcadas pelo afeto.

Neste contexto, percebe-se que a corrida pode se comportar como a atividade que é

compartilhada entre os indivíduos que formam uma subcultura de consumo (SCHOUTEN e

MCALEXANDER, 1995), ou como elemento aglutinador que une os indivíduos de uma tribo

e fortalece o sentimento de comunidade (COVA e COVA, 2001), encorajando o senso de

pertencimento à tribo – linking value. Essa perspectiva aliada à expansão da atividade no país

(CORPORE, 2012) e ao volume financeiro movimentado – cerca de três bilhões de reais por

ano – e com tendência de crescimento (ISTOÉ DINHEIRO, 2009), permite que a corrida seja

objeto deste estudo, que procura identificar como a prática dessa atividade atua como

elemento de união entre indivíduos e como influencia o comportamento de consumo deles.

2.1 PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVOS

Considerando o valor de ligação proporcionado pela atividade de corrida e as possibilidades

de criação de vínculos entre os membros que formam as tribos contemporâneas, o estudo

procura responder ao seguinte problema:

“De que forma a prática da corrida de rua promove a união de indivíduos em tribos

contemporâneas que compartilham uma paixão em comum, e como essa atividade determina

o consumo de produtos e serviços de forma a garantir a integração social dos seus

membros?”.

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2.1.1 Objetivo principal e objetivos específicos

Este estudo tem como objetivo principal identificar de que forma a prática da corrida de rua

promove a união de indivíduos em tribos contemporâneas que compartilham uma paixão em

comum, e como essa atividade determina o consumo de produtos e serviços de forma a

garantir a integração social dos seus membros. Para responder ao objetivo geral da pesquisa,

alguns objetivos específicos serão investigados:

Identificar a tribo de corredores considerando os indícios espaciais e temporais, e os

seus rituais, símbolos e sistemas de linguagem;

Classificar os membros que compõem o grupo de corredores a partir dos papéis

adotados na tribo;

Analisar o consumo de produtos e serviços associados à prática da corrida de rua;

Avaliar a prática das empresas na promoção do linking value – valor que une os

membros em torno da atividade de corrida.

2.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO

Apesar do fenômeno das comunidades ser considerado de imensa importância social na era

pós-moderna, ainda é um pouco negligenciado pelas disciplinas relacionadas à pesquisa e

comportamento de consumo (COVA, 1997). Cova e Cova (2001) destacam que as tribos

constituem um ponto central nas pesquisas de consumo pós-modernas e estabelecem um

caminho alternativo para as ações de marketing.

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Parte da abordagem pós-moderna percebe alguns pesquisadores de marketing questionando o

valor e a adequação da segmentação como única estratégia (MEIR e SCOTT, 2007).

Segmentos são grupos de pessoas homogêneas, que compartilham as mesmas características,

mas não estão conectadas umas com as outras. As tribos se diferenciam pela sua diversidade e

dinamismo, além de serem formadas por pessoas heterogêneas que se unem por emoções e

valores em comum (COVA e COVA, 2001).

Essa nova dinâmica representa um desafio para as pesquisas de consumo, pois o foco deixa de

ser um produto específico para o consumidor médio e passa a focar na união de pessoas em

torno de uma comunidade de devotos (COVA e COVA, 2001). A corrida de rua, por ser uma

atividade rica em aspectos simbólicos, possui esse poder de união, integrando indivíduos em

torno de uma paixão. Além disso, é uma atividade que vem multiplicando amplamente o

número de praticantes, movimentando também a indústria e a economia.

Neste contexto percebe-se a importância de se estudar o fenômeno das tribos de consumo e

como as empresas podem planejar estratégias que promovam o linking value – valor que une

os indivíduos e fortalece o sentimento de comunidade (COVA e COVA, 2002). Esse estudo

pretende investigar como esse valor de ligação pode ser desempenhado pela prática da corrida

em grupo e como as empresas podem atuar oferecendo produtos, experiências e espaços de

integração que facilitem a reunião desses indivíduos e fortaleçam seu vínculo com a atividade

e com as marcas associadas.

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3 REVISÃO DE LITERATURA

A revisão de literatura que fundamenta este estudo subdivide-se em cinco partes. Inicialmente

será traçado um panorama do consumo na sociedade (BARBOSA e CAMPBELL, 2006;

MCCRACKEN, 2003), enfatizando o seu papel simbólico e a sua evolução. Também será

abordado o papel do consumo na definição da identidade dos indivíduos (BAUMAN, 2005;

HALL, 2011); e como o sentimento de comunidade é reforçado a partir do compartilhamento

dessa identidade (MUNIZ e O’GUINN, 2001; MCALEXANDER, SCHOUTEN e KOENIG,

2002; BAUMAN, 2003).

Na segunda parte será tratado o aspecto do consumo em grupo, a partir da definição de

grupos, tribos e subculturas de consumo (SCHOUTEN E MCALEXANDER, 1995; COVA e

COVA, 2001; HAWKINS, MOTHERSBAUGH, e BEST, 2007). Também serão abordadas as

dinâmicas sociais referentes ao individualismo e o tribalismo pós-moderno (COVA, 1997;

MAFFESOLI, 2006); o valor de ligação que une os indivíduos em tribos – linking value

(COVA e WHITE, 2010) e como eles criam esse valor junto com as empresas (PRAHALAD

e RAMASWAMY, 2004).

O terceiro tópico refere-se à identificação das tribos, a partir das evidências físicas, temporais

e simbólicas (COVA e COVA, 2001; SHOUTEN e MCALEXANDER, 1995; SILVA,

COSTA e CARVALHO, 2010; ARNOULD e PRICE, 1993; BELK e COSTA, 1998; PINTO,

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2011; SEGALEN, 2002); e o quarto item aborda e classificação dos membros da tribo de

acordo com os papéis que eles desempenham (COVA e COVA, 2001; KOZINETS, 1999).

Por fim, é descrito como as empresas atuam apoiando as atividades da tribo, a partir das

estratégias que envolvem o marketing tribal (COVA e COVA, 2002; SCHOUTEN e

MCALEXANDER, 1995; BELK e COSTA, 1998).

3.1 O CONSUMO NA SOCIEDADE

O termo “consumo” deriva do latim consumere, que significa usar tudo, esgotar e destruir; e

do termo inglês consummation, que significa somar e adicionar (BARBOSA e CAMPBELL,

2006). No Brasil, o entendimento dessa definição tende a se aproximar mais do primeiro

significado, com sentido mais negativo. Para os autores, os mesmos objetos, bens e serviços

que atendem às nossas necessidades físicas e biológicas são utilizados para mediar nossas

relações sociais, nos conferir status, “construir” identidades e estabelecer fronteiras entre

grupos e pessoas.

Bauman (2007) define o consumo como um fenômeno permanente, parte integral de todos os

seres, uma condição inerente ao indivíduo. McCracken (2003) amplia a definição de

consumo, incluindo processos pelos quais os bens são criados, compartilhados e usados, e

defende que é um fenômeno moldado em todos os seus aspectos por considerações culturais.

Para o autor, os bens de consumo são carregados de significado cultural, utilizados pelos

indivíduos para expressar princípios, cultivar ideias, criar e sustentar estilos de vida.

McCracken (2003) sugere três momentos na história do consumo, cada um consistindo em um

boom através do qual o consumo assumiu uma nova escala e mudou de caráter. O primeiro

momento refere-se ao consumo na Inglaterra do século XVII, período marcado pela mudança

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na unidade de consumo da familiar (entre gerações) para a individual. Esta mudança refletiu

no processo de decisão de consumo, agora mais focado nas necessidades imediatas de

competição por status, dando início a uma transformação nas propriedades simbólicas dos

bens de consumo.

O segundo momento – consumo no século XVIII – foi o século do nascimento da sociedade

de consumo, baseada na competição social e nos novos desenvolvimentos. A compra para si

ao invés de para a família está agora estabelecida e fatores como: grande crescimento de

mercados no tempo e no espaço, explosão de escolhas de consumo e da taxa de participação

são inovações desse período. O consumidor tinha acesso a um novo volume de influência e

informação e era objeto de tentativas cada vez mais sofisticadas de incitar desejos e de dirigir

preferências. Neste período foi estabelecido o triunfo do estilo sobre a utilidade, da estética

sobre a função, redefinindo a ideia de status. Cada vez mais o comportamento social

convertia-se em consumo e o indivíduo era mais subordinado ao papel de consumidor.

No último período - consumo no século XIX – a revolução do consumo já havia se instalado

como uma característica estrutural da vida social. Percebia-se agora uma relação dinâmica,

contínua e permanente entre as mudanças no consumo e as sociais. Algumas alterações

marcantes desse período são: a emergência da loja de departamentos; surgimento de novos

estilos de vida de consumo e de novas técnicas de marketing. Vale destacar também a

transferência da produção de alguns bens do reino privado para a esfera pública do mercado –

base para o desenvolvimento do consumo de massa. Um resumo dessa evolução pode ser

visualizado na Tabela 1 a seguir:

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PERÍODOS HISTÓRIA DO CONSUMO

Inglaterra do

Século XVII

Período marcado pela mudança na unidade de consumo, da familiar (entre gerações) para a

individual.

Esta mudança refletiu no processo de decisão de consumo, agora mais focado nas

necessidades imediatas de competição por status, dando início a uma transformação nas

propriedades simbólicas dos bens de consumo.

Consumo do

Século XVIII

Século do nascimento da sociedade de consumo, baseada na competição social e nos novos

desenvolvimentos. A compra para si ao invés de para a família está agora estabelecida e

fatores como: grande crescimento de mercados no tempo e no espaço, explosão de escolhas

de consumo e da taxa de participação são inovações desse período.

O consumidor tinha acesso a um novo volume de influência e informação e era objeto de

tentativas cada vez mais sofisticadas de incitar desejos e de dirigir preferências.

Neste período foi estabelecido o triunfo da estética sobre a utilidade, redefinindo a ideia de

status.

Cada vez mais o comportamento social convertia-se em consumo e o indivíduo era mais

subordinado ao papel de consumidor.

Consumo do

Século XIX

A revolução do consumo já havia se instalado como uma característica estrutural da vida

social. Percebia-se agora uma relação dinâmica, contínua e permanente entre as mudanças

no consumo e as sociais.

Algumas alterações marcantes desse período são: a emergência da loja de departamentos, o

surgimento de novos estilos de vida de consumo e de novas técnicas de marketing.

Vale destacar também a transferência da produção de alguns bens do reino privado para a

esfera pública do mercado – base para o desenvolvimento do consumo de massa.

Tabela 1 - Evolução da história do consumo.

Fonte: Adaptado de McCracken, 2003.

O consumo, no senso comum, sempre esteve intimamente associado à exaustão e/ou à

aquisição de algo. No entanto, nas duas últimas décadas, as ciências sociais passaram a tratar

os processos de reprodução social e construção de subjetividades e identidades quase como

“sinônimos” de consumo (BARBOSA e CAMPBELL, 2006).

Os autores destacam dois aspectos cruciais do consumismo moderno: o lugar central ocupado

pela emoção e o desejo, como a essência desse fenômeno – neste sentido, “são nossos estados

emocionais, mais especificamente nossa habilidade de “querer”, “desejar” e “ansiar por

alguma coisa”, sobretudo nossa habilidade de repetidamente experimentar tais emoções, que

na verdade sustentam a economia das sociedades modernas desenvolvidas”; e o

individualismo desenfreado, a extensão em que produtos e serviços são comprados pelos

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indivíduos para uso próprio. Relacionando os dois aspectos, verifica-se que o consumo

moderno está mais preocupado em saciar vontades do que satisfazer necessidades, pois estas

costumam ser objetivamente estabelecidas e as vontades só podem ser identificadas

subjetivamente.

3.1.1 Identidade pessoal e consumo

Atualmente, o uso, a fruição e a ressignificação de bens e serviços foram agrupados sob o

rótulo de “consumo” e interpretados por esse ângulo (BARBOSA e CAMPBELL, 2006).

Assim, ao adotarmos um tipo de dieta alimentar ou ouvirmos determinado tipo de música,

podemos estar tanto “consumindo”, no sentido de uma experiência, quanto “construindo” uma

determinada identidade por meio de produtos. Hall (2011) afirma que as sociedades pós-

modernas são caracterizadas pela diferença, são atravessadas por diferentes divisões e

antagonismos sociais que produzem uma variedade de “posições de sujeito” – isto é,

identidades – para os indivíduos.

De acordo com Barbosa e Campbell (2006), quando se relaciona identidade pessoal à

atividade de consumo, a ideia difundida é que o eu contemporâneo ou pós-moderno é

excepcionalmente aberto e flexível. Na verdade, as velhas identidades, que por tanto tempo

estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e

fragmentando o indivíduo moderno (HALL, 2011). Isso é o mesmo que dizer que as pessoas,

ao fazerem uso da grande e constante oferta de novos produtos na sociedade de consumo

moderna, estão regularmente engajadas no processo de recriar a si mesmas (BARBOSA e

CAMPBELL, 2006), legitimando a fragilidade e a condição eternamente provisória da

identidade (BAUMAN, 2005).

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Quando se trata da questão da nossa “real” identidade, efetivamente consideramos que somos

definidos por nossos desejos ou por nossas preferências. Nossos gostos e hobbies traçam um

esboço da nossa identidade, pois é na combinação deles que se encontra nosso “eu real”

(BARBOSA e CAMPBELL, 2006). Para os autores, isso significa que a proliferação de

escolhas, característica da sociedade consumidora moderna, é essencial para que venhamos a

descobrir quem somos. A atividade de consumir pode ser considerada um caminho vital e

necessário para o autoconhecimento.

3.1.2 Comunidade e consumo

A obra clássica de Tonnies “Comunidade e Sociedade” (1887 apud MUNIZ e O’GUINN,

2001) já trazia o discurso de que algo mais natural e, portanto, real (comunidade) estava sendo

substituído por um tipo de experiência humana mais despersonalizada e produzida em massa

(sociedade moderna). Durante todo o século XX até os dias de hoje, o legado da fragmentação

das comunidades tem de certa forma, contaminado o pensamento social (MUNIZ e

O’GUINN, 2001) e o crescimento da centralização no indivíduo consumidor e o aumento dos

seus desejos materialistas são parte dessa fragmentação.

Muniz e O’Guinn (2001) afirmam que a sociologia revela pelo menos três componentes que

definem a comunidade. O primeiro deles é a consciência de grupo, que representa a conexão

intrínseca que os indivíduos da comunidade possuem em relação aos demais membros e o

sentido coletivo de diferenciação em relação àqueles que não pertencem à comunidade. O

segundo indicador de comunidade é a presença de rituais compartilhados e tradições, que

perpetuam a história e a cultura da comunidade. O último item que determina a comunidade é

o senso de responsabilidade moral, ou seja, o senso de dever e obrigação para com a

comunidade como um todo e para com os seus membros individualmente.

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Vale destacar também que as comunidades não são mais restritas geograficamente. Elas se

tornaram mais que um espaço – passaram a ser percebidas como um entendimento comum de

uma identidade compartilhada (MUNIZ e O’GUINN, 2001). Bauman (2003) explica que esse

entendimento, no sentido comunal, não precisa ser procurado e muito menos construído. É um

sentimento recíproco e vinculante que é essencial para que as pessoas se mantenham unidas.

A noção de comunidade continuou a se expandir por todo o século XX, devido principalmente

às tecnologias de comunicação (mídia de massa) que possibilitam a união de indivíduos

dispersos geograficamente, mas que possuem uma comunhão de propósitos e identidade

(MUNIZ e O’GUINN, 2001). De acordo com McAlexander, Schouten e Koenig (2002), na

sociedade contemporânea, é possível identificar comunidades cuja base primordial de

identificação são marcas ou atividades de consumo.

O entendimento de comunidades de mercado se inicia com a descrição de Boorstin (1974

apud MCALEXANDER, SCHOUTEN e KOENIG, 2002), que as caracteriza como “novas

comunidades invisíveis, criadas e preservadas pelo o que os homens consomem e como

consomem”. O autor destaca que na emergente cultura de consumo que seguiu a revolução

industrial, o senso de comunidade nos Estados Unidos mudou de fortes laços interpessoais de

coletividades unidas geograficamente, na direção de laços tênues em torno de uma marca ou

afiliação em comum.

McAlexander, Schouten e Koenig (2002) definem comunidade de marca como “uma

comunidade sem fronteiras geográficas, baseadas em um conjunto estruturado de

relacionamentos sociais entre os proprietários de uma marca e o relacionamento psicológico

que eles têm com a marca em si, o produto utilizado e a empresa”. Para Hawkins,

Mothersbaugh e Best (2007), as comunidades de marca podem acrescentar valor à posse do

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produto e construir uma intensa fidelidade, pois manter-se na comunidade geralmente requer

continuar a possuir e utilizar a marca. Os autores também destacam que as comunidades de

marca parecem mais relevantes para produtos baseados em atividades e que exijam um alto

nível de envolvimento.

3.2 CONSUMO EM GRUPO – TRIBOS E SUBCULTURAS DE CONSUMO

3.2.1 Grupos, Tribos e Subculturas de Consumo

Olmstead (1970 apud KARSAKLIAN, 2004) define grupo como sendo uma pluralidade de

indivíduos que estão em contato uns com os outros, que se consideram mutuamente e que

estão conscientes de que têm algo significativamente importante em comum. Um grupo

também pode ser definido como dois ou mais indivíduos que compartilham um conjunto de

normas, valores ou crenças e têm certos relacionamentos definidos implícita ou

explicitamente de modo que seus comportamentos sejam interdependentes (HAWKINS,

MOTHERSBAUGH, e BEST, 2007). Os autores classificam os grupos de acordo com quatro

critérios:

Associação: é um critério dicotômico – a pessoa é membro de um grupo específico ou

não é membro desse grupo. Esse critério também leva em consideração que alguns

membros sentem que realmente pertencem a um grupo, enquanto outros não têm essa

segurança;

Força do laço social: refere-se à proximidade e intimidade das conexões do grupo. Os

grupos primários, como família e amigos, envolvem laços fortes e interação frequente

e geralmente exercem maior influência que os grupos secundários, como as

associações profissionais e de vizinhança;

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Tipo de contato: especifica se a interação é direta (envolve contato frente a frente) ou

indireta. A Internet, em particular, tem aumentado a importância dos grupos de

referência indiretos na forma de comunidades virtuais;

Atração: refere-se à desejabilidade que a associação a um grupo tem para um

indivíduo. Pode ser negativa ou positiva.

Para Shouten (apud SOLOMON, 2011), alguns grupos ou comunidades são escolhidos por

nós e, outros, nos escolhem. O caráter da nossa participação em qualquer grupo é uma questão

de negociação permanente. Em resposta às necessidades e desejos compartilhados, os seres

humanos se reúnem, aproveitam a criatividade e o trabalho e produzem novos bens e serviços.

Solomon (2011) afirma que “gostamos de fazer as coisas em grupo”, pois quanto mais

pessoas juntas, menor a probabilidade de qualquer um dos membros chamar a atenção. Esse

fenômeno é chamado de “desindividualização”, um processo em que as identidades

individuais submergem dentro de um grupo.

Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) destacam que grupos e grupos de referência possuem

significados distintos. Grupo de referência é um grupo cujas perspectivas ou valores

presumidos são utilizados por um indivíduo como base para seu comportamento atual.

Solomon, Zaichkowsky e Polegato (2004) afirmam que alguns pesquisadores de marketing

estão adotando uma nova perspectiva quanto aos grupos de referência, na medida em que eles

identificam grupos que são construídos em torno de algum produto ou atividade.

Por outro lado, Cova e Cova (2001) defendem que tribos não podem ser diretamente

comparadas a grupos de referência. Elas se diferem dos grupos de referência, pois não focam

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nas influências normativas do grupo sobre os seus membros. Ao contrário, as tribos se

concentram no elemento aglutinador que mantém os indivíduos em um grupo.

Cova e Cova (2001) definem tribo como um conjunto de pessoas heterogêneas - em termos de

idade, sexo, renda – que estão interligadas por uma paixão ou emoção compartilhada. Ao

contrário de tribo, um segmento é um grupo de pessoas homogêneas, que dividem as mesmas

características e que não estão conectadas. Para os autores, o consumidor de hoje tem mais

chance de se filiar às tribos baseando-se na livre escolha pela emoção do que nas semelhanças

demográficas.

A palavra “tribo” refere-se ao ressurgimento de valores quase que arcaicos como: sentido

local de identificação, religiosidade e sincretismo (COVA e COVA, 2001). Segundo os

autores, os membros de uma tribo se mantêm unidos através do compartilhamento de

emoções, estilos de vida, novos valores morais e práticas de consumo.

Para Schouten e McAlexander (1995), um grupo baseado no consumo - chamado de

subcultura de consumo - é um subgrupo distinto da sociedade cujos membros selecionam a si

mesmos com base no compromisso compartilhado em relação a uma classe de produto, marca

ou atividade de consumo específica. Os autores também destacam algumas características

desses grupos, como: uma estrutura social hierárquica identificável, um conjunto de crenças

ou valores compartilhados e jargão, rituais e modos de expressão simbólica singulares.

Decidir fazer parte de uma subcultura de consumo envolve mais do que apenas participar da

atividade ou possuir o produto. É necessário um compromisso, assim como a aquisição das

crenças e dos valores do grupo, a participação em atividades indiretas e o uso do jargão e dos

rituais (HAWKINS, MOTHERSBAUGH, e BEST, 2007).

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3.2.2 Individualismo e Tribalismo

Na visão moderna, o indivíduo era primordialmente um ser pré-social, ou seja, os

relacionamentos eram secundários e essencialmente instrumentais. As ações dos indivíduos

eram mais guiadas pela diferenciação que pela comunhão (COVA, 1997). Cova (1996) afirma

que a sociedade moderna foi concebida como um conjunto de grupos sociais, como categorias

profissionais, classes sociais, etc. A sociedade pós-moderna, ao contrário, assemelha-se a uma

rede de pequenos grupos nos quais os indivíduos compartilham ligações emocionais fortes,

uma mesma subcultura e visão de vida.

De acordo com a primeira corrente de pesquisas sociológicas (LIPOVETSKY, 1983, 1987 e

1990 apud COVA, 1997), a pós-modernidade é caracterizada pelo individualismo, ou seja,

pelo indivíduo que, livre dos limites restritivos das comunidades, se reconstrói a fim de se

tornar totalmente autônomo. Para Cova (1997), a fragmentação da sociedade e, em particular,

a fragmentação do consumo estão entre as consequências mais visíveis desse individualismo

pós-moderno.

Por outro lado, uma segunda corrente sociológica (BAUMAN, 1992; MAFFESOLI, 1988,

1990, 1992 e 1993 apud COVA, 1997) defende um movimento reverso, cujo individualismo

corresponde apenas a um momento de transição. Cova (1997) afirma que a era pós-moderna é

caracterizada pelas dinâmicas sociais - compostas por uma multiplicidade de experiências,

representações e emoções - e estas dinâmicas, geralmente explicadas pelo individualismo,

também podem ser ilustradas pelo tribalismo cada vez mais presente.

O tribalismo pós-moderno traduz a necessidade de se pertencer a não apenas um, mas a vários

grupos simultaneamente. Pertencer a uma tribo não significa possuir os mesmos traços de

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personalidade ou os mesmos valores, mas expressar uma experiência compartilhada e talvez,

alguns aspectos da história pessoal de seus membros (COVA e COVA, 2001).

Maffesoli (2006) defende que o neo-tribalismo é cada vez mais visível na forma como as

pessoas se comportam coletivamente e produzem forças sociais. Esses agrupamentos são

baseados em afinidade emocional assim como as tribos pré-modernas eram baseadas em

valores familiares. O autor também destaca que essas tribos são caracterizadas pela fluidez,

dispersão e encontros ocasionais. Elas não são tribos no sentido antropológico da palavra, mas

são reconhecidas como uniões difusas e efêmeras. Elas se formam, se dispersam, se unem

novamente em um novo formato, refletindo as constantes mudanças de identidade do

consumidor pós-moderno.

Considerando a tribo de indivíduos unidos pela paixão pela corrida, vale destacar um aspecto

identificado na pesquisa de Gonçalves (2011). O autor destaca que, apesar da maioria dos

corredores iniciarem a atividade por motivos de melhoria de saúde e qualidade de vida, a

sociabilidade – o nível em que um indivíduo se utiliza de uma atividade de forma a fazer parte

de um grupo e relacionar-se – passa, com o tempo, a ser um fator cada vez mais importante

para a manutenção da prática.

Gonçalves (2011) conclui que o fato de poder correr ao lado de mais pessoas auxilia na

prática de uma atividade que muitas vezes pode se tornar um momento solitário e de dor.

Desta forma, a corrida em grupo passa a ser uma forma de extravasar, compartilhar

sentimentos e de trocar experiências com outras pessoas.

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3.2.3 Linking Value e Co-criação de valor

A abordagem mais recente referente às pesquisas de consumo de tribos está voltada aos

produtos e serviços que mantêm os membros de um grupo unidos como uma comunidade de

entusiastas ou devotos da marca (COVA e COVA, 2001). Isto inclui qualquer aspecto que

fortaleça o sentimento de comunidade ou encoraje o senso de pertencimento à tribo. O

conceito fundamental nesse contexto é o do linking value (valor de ligação) do produto ou

serviço (Cova, 1997), que se refere à contribuição destes para o estabelecimento ou reforço ao

que mantém os membros de uma tribo unidos. Quanto maior essa contribuição, mais forte

será o linking value.

Conforme Ponsonby-McCabe e Boyle (2006), o linking value pode ser formal ou informal,

estimulado ou apoiado pela empresa ou, independentemente, por um número autônomo de

consumidores. Pode ser físico, na forma de eventos organizados ou convenções em locais

particulares, ou pode ser simbólico e assumido, ou seja, os consumidores assumem que outros

consumidores do produto ou serviço se sentem de alguma forma ligados a eles.

Segalen (2002) explica bem o poder do linking value presente em eventos que reúnem

milhares de corredores, como as provas oficiais. Ela descreve a experiência de participar da

Maratona de Nova York, uma das provas mais conhecidas e desejadas por corredores de todo

o mundo, considerada quase uma prova “mítica”.

A partida é um dos momentos mais fortes de agregação: agregação bem real, na

medida em que se trata de reagrupar cerca de 30 mil pessoas. Em princípio, cada um

se coloca próximo ao marco que indica o seu tempo previsto para completar a prova.

Reina uma atmosfera de concentração e emoção propícia à liberação de energias.

Ressoa então o tiro de canhão (...) cada corredor em Nova York – seja qual for o seu

tempo – é acolhido individualmente e festejado como um vencedor. O pós-corrida

marca uma outra forma de agregação, primeiro com os corredores do seu grupo,

depois com todos os maratonistas que à noite participam de uma gigantesca disco

party durante a qual se podem ver no telão os momentos mais fortes do evento.

(SEGALEN, 2002, p. 86)

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Cova e White (2010) acreditam que o linking value deve ser produzido e as empresas hoje

estão investindo recursos significativos para isso. No entanto, as empresas não podem

produzir o linking value sem a participação dos consumidores. Os autores defendem que as

comunidades de consumidores são ao mesmo tempo criadoras e usuárias do linking value.

Quanto mais pessoas participam, maiores as oportunidades de interação e de criação de

relacionamentos, pois são os consumidores que criam a comunidade através de sua

participação ativa. Cook (2008) afirma que os consumidores são responsáveis por selecionar

ideias, símbolos, códigos, textos, figuras de linguagem e imagens que serão inseridas nos

produtos e serviços. Essas contribuições voluntárias das comunidades de consumidores

fundamentam-se em motivações intrínsecas ao homem.

A interação entre a empresa e o consumidor está se tornando o centro da criação e da origem

de valor. À medida que valor se transforma em experiências, o mercado pode ser comparado a

um “fórum”, onde os consumidores interagem e se comunicam com as empresas

(PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004). Para os autores, o significado de valor e o processo

de criação de valor estão rapidamente mudando de uma visão centrada do produto e na

empresa para uma visão baseada nas experiências de consumo.

Os consumidores hoje são mais ativos, informados, conectados e com maior poder de

interação, gerando maior co-criação de valor com a empresa, ou seja, a intenção não é mais

fazer marketing para o consumidor, mas “com” o consumidor (COVA e COVA, 2009). Os

consumidores querem colaborar com a definição de produtos, serviços e experiências que

estão sendo oferecidas a eles. Eles são co-criadores de valor e é neste sentido que eles podem

ser globalmente classificados como atores-consumidores (PRAHALAD e RAMASWAMY,

2004 apud COVA, 2009) ou prosumers (KOZINETS, 2006), que são indivíduos que criam à

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medida que consomem e são membros ativos em diferentes e variadas comunidades e grupos

baseados na combinação única de consumo, criatividade e interesses.

3.3 IDENTIFICAÇÃO DA TRIBO

Cova e Cova (2001) afirmam que, ao contrário dos segmentos de consumidores, as tribos são

difíceis de identificar. Tribos não são claras, são agrupamentos mutáveis de pessoas

emocionalmente conectadas, são sistemas abertos dos quais as pessoas pertencem, mas não

necessariamente pertencem. Os autores creditam a essas características das tribos a

necessidade de uma certa “revolução” nas pesquisas de consumo, pois as análises racionais

tendem a determinar um escopo e descrever suas características específicas e as tribos não se

encaixam nessa abordagem, pois sua lógica é muito frágil.

As tribos transmitem sinais com os quais os seus membros se identificam (COVA e COVA,

2001). Esses sinais - ou indícios de identidade - como definem os autores, não conseguem

expressar a totalidade do sentimento de pertencimento, mas sugerem e conduzem as pessoas

para esse entendimento. Maffesoli (2006) destaca a importância desse sentimento de

pertencimento a um lugar ou a um grupo, considerando-o um fundamento essencial de toda a

vida social.

Para Cova e Cova (2001) existem pelo menos dois tipos de indícios que identificam as tribos:

as evidências temporais e físicas. Em termo temporal, as tribos surgem, crescem, alcançam

seu pico, enfraquecem e se dissolvem. Os autores alegam que eventos podem fortalecer a

coesão da tribo e mostrar aos membros que eles são capazes de fazer algo juntos.

Considerando as evidências físicas, as tribos existem e ocupam um espaço físico. Seus

membros podem se reunir e realizar seus rituais em diversos locais. Esses espaços são

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chamados de “espaço-âncora” (AUBERT-GAMA e COVA, 1999), que proporcionam um lar

momentâneo para a tribo e podem assumir um papel de facilitador à medida que encorajam e

sustentam as interações sociais entre os indivíduos.

Vale destacar que nenhum desses sinais de identidade exaure todo o potencial das tribos

(COVA e COVA, 2001). Pertencer a uma tribo é algo que faz parte do dia a dia dos seus

membros, até de maneira informal com outros indivíduos em qualquer lugar. Uma tribo pode

ser apenas um sentimento ou uma fantasia. Os autores reforçam que membros de uma tribo

nunca estão realmente sozinhos, porque eles pertencem de alguma forma, real ou virtual, a

uma vasta comunidade.

De acordo com Cova e Cova (2001), o reconhecimento de uma tribo exige um esforço

especial e diferenciado. O pesquisador precisa ir além das abordagens sistemáticas e uni

disciplinares e adotar métodos múltiplos, incluindo: a pesquisa de tudo o que foi falado ou

escrito sobre o assunto em jornais, livros e também em fóruns, chats e redes sociais na

Internet (KOZINETS, 2010); entrevistas semiestruturadas ou não estruturadas com os

membros da tribo e observações participantes ou não participantes, em locais específicos onde

a tribo se reúne (SHOUTEN e MCALEXANDER, 1995). Cova e Cova (2001) sugerem um

modelo – que pode ser visualizado na Figura 1 – no qual são ilustradas as evidências que

podem ser encontradas no ambiente.

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Neste modelo, as evidências físicas das tribos estão representadas na linha horizontal e

referem-se aos momentos nos quais os membros da tribo se reúnem para seus rituais

(ocasiões), e aos espaços físicos (instituições) ou virtuais (Internet) onde os membros se

reúnem. O eixo vertical representa as evidências temporais, que são indícios mais abstratos, e

podem ser classificadas como atividades do dia a dia ou como tendências mais amplas. Isso

significa que as tribos podem ser identificadas por meio das atividades que seus membros

praticam regularmente e pelo compartilhamento de suas experiências, ou por meio de

tendências ou modas relacionadas ao seu estilo de vida que caracterizam a existência da tribo.

3.3.1 Evidências físicas e temporais

Cova e Cova (2001) propuseram esse modelo a partir do estudo realizado com a tribo de

patinadores in-line na França, que já é considerado um grupo de consumo significativo desde

meados dos anos 90. As evidências físicas desse grupo foram verificadas através de dois

grandes encontros nacionais em 1998 – Roller City e Tatoo Roller Skating - que reuniram

Figura 1 – Trevo Tribal.

Fonte: Adaptado de Cova e Cova, 2001.

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15.000 e 10.000 patinadores respectivamente. Encontros locais regulares, conhecidos como

Friday Night Fever, também acontecem semanalmente e reunem aproximadamente 4.000

pessoas na Place d’Italie em Paris. Outra evidência física foi constatada a partir do número de

associados à FFRS - French Federation of Roller Skating (Federação Francesa de

Patinadores), criada em 1990 e composta por 28.000 membros.

As evidências temporais da tribo foram verificadas a partir da evolução no número de

patinadores na França. Estimava-se que havia mais de dois milhões de patinadores no período

em que o estudo foi realizado, contra apenas uma média de 10.000 praticantes 15 anos antes.

As tendências da tribo foram mais difíceis de identificar, pois se trata de um aspecto mais

subjetivo, já que engloba aquelas pessoas que não são patinadoras, mas entusiastas da

atividade que possuem algum vínculo com os praticantes mais ativos da tribo.

Um estudo etnográfico feito com uma tribo de praticantes de parkour – uma atividade com

características relacionadas a esporte, arte, aventura e superação corporal – no Rio de Janeiro

(SILVA, COSTA e CARVALHO, 2010) também ajuda a visualizar os indícios que

identificam uma tribo. Primeiramente está o valor significativo que esses indivíduos atribuem

à doação, que é entendida como uma entrega ao seu companheiro de treinos, reforçando a

ideia de grupo. A ênfase está na participação livre dos membros e na ajuda mútua, vista como

pré-requisito para o seu próprio desenvolvimento.

As evidências físicas da tribo foram verificadas através do Encontro Brasil França de

Parkour, realizado em São Paulo no ano de 2009, que reuniu aproximadamente 90 pessoas; e

o One Giant Leap, que reuniu diversas tribos brasileiras de parkour com o objetivo de

conseguir assinaturas para apoiar um novo acordo político sobre o meio ambiente. Além dos

eventos oficiais, vale destacar os espaços urbanos onde são realizados os treinos em grupo e

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as comunidades virtuais Parkour Rio e Le Parkour, que desempenham o papel de espaço-

âncora da tribo.

Uma pesquisa realizada com praticantes de rafting nos Estados Unidos (Arnould e Price,

1993) demonstrou que existe um forte sentimento de grupo entre esses indivíduos, que é

reforçado pelo estado de “isolamento” em um ambiente natural e a fuga da civilização. Os

membros desse grupo estão unidos pelas experiências compartilhadas desde as expectativas

da “pré-viagem” até o retorno. Evidências temporais da tribo foram identificadas pelos

autores, que afirmam que existe uma evolução da comunidade após os três dias de viagem.

Um dos exemplos que ilustram essa evolução é o de um grupo de garotas que não se

conheciam antes da excursão, mas que se identificaram a partir de um sentimento em comum:

o medo de lavarem os seus cabelos no rio. Esse medo em comum reforçou os laços entre elas,

que se tornaram amigas ao final da viagem. Também ficou claro para os pesquisadores que,

após três ou quatro dias compartilhando as mesmas experiências, era difícil para os

participantes não se imaginarem como um grupo, mesmo eles possuindo personalidades e

formação tão diferentes uns dos outros.

Belk e Costa (1998) pesquisaram as atividades relacionadas ao moderno Mountain Man, que

buscam recriar o espaço, condições de vida, objetos e personalidade dos homens que viviam

em Rocky Mountains, no oeste dos Estados Unidos, entre 1825 e 1840. Nesse processo, os

indivíduos se tornam parte de uma comunidade de consumo que se define através da

experiência de uma fantasia e de ações que invocam um passado mítico, a partir da recriação

de espaços e da encenação de ocasiões.

A principal evidência física desse grupo são os espaços que eles ocupam para suas atividades,

chamados de rendezvous. Esses espaços estão geralmente localizados em parques no alto de

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montanhas, rodeados de grandes árvores e onde são montadas as suas tendas. Existem eventos

nacionais, como o Western National Rendezvous – foco principal da pesquisa (BELK e

COSTA, 1998) –, que atrai o maior número de participantes no país e exige uma associação

formal e o pagamento de uma taxa para utilização do espaço. Outra forte evidência são as

ocasiões nas quais eles se reúnem, que podem ser festas ao redor de uma fogueira ou

competições de tiro, arco e flecha e corridas. O dia a dia é preenchido com atividades como

preparação da comida, trabalhos artesanais, compra e venda de objetos nas feiras ou apenas

relaxamento e descanso.

Além das tribos que se reúnem em torno de atividades – como a patinação in-line, rafting e

parkour – e de experiências, como os adeptos ao Mountain Man, existem aquelas nas quais o

vínculo se dá a partir do consumo de uma determinada marca. Estudos etnográficos realizados

com proprietários de motocicletas Harley-Davidson nos Estados Unidos (SHOUTEN e

MCALEXANDER, 1995) e no Brasil, na cidade de São Paulo (PINTO, 2011), permitem a

identificação de traços tribais em um grupo de consumidores que compartilham a paixão por

uma marca.

A aquisição da motocicleta já torna o indivíduo parte do Harley Owners Group (HOG), uma

organização internacional exclusiva para donos de motos Harley-Davidson. O estudo no

Brasil (PINTO, 2011) foi realizado em lojas da marca na cidade de São Paulo, que podem ser

consideradas os espaços-âncora da tribo, pois são os locais onde os “harleiros” se reúnem para

seguirem seus passeios em grupo. Além das lojas, os fóruns PHD (Fórum Proprietários de

Harley-Davidson) e FHD (Fórum Harley-Davidson) são espaços para troca de informações e

discussões, que permitiram o acompanhamento das dinâmicas das relações que são criadas

especificamente a partir do consumo de uma marca.

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As evidências temporais desse grupo são marcantes, pois é verificada uma evolução do

indivíduo à medida que ele participa das atividades e compartilha suas experiências do dia a

dia. Shouten e McAlexander (1995) descrevem em seu estudo a transição de outsiders (fora

do grupo) para insiders (pertencentes ao grupo), que se iniciou pelo processo de aculturação, a

partir da coleta de informações e da internalização das normas do grupo. Inicialmente eles

eram vistos apenas como pesquisadores, por não pilotarem uma Harley e, portanto, não se

sentiam pertencentes ao grupo. A transição se consolidou a partir da aquisição de motocicletas

Harley – que os pesquisadores passaram a usar como principal meio de transporte –,

permitindo a eles vivenciarem as interações sociais do dia a dia e entenderem o significado

real da identidade de um motoqueiro.

Pinto (2011) também descreve a sua evolução como membro do grupo de motociclistas

Harley-Davidson. Segundo a autora, essa evolução ocorreu naturalmente durante a pesquisa, à

medida que ela passou a conviver mais frequentemente com os “harleiros” e a compartilhar as

experiências do dia a dia do grupo.

No primeiro passeio, fui com um casaco branco que logo foi apelidada de “iglu”,

pois eu era um ponto branco no meio de dezenas de casacos pretos,

predominantemente de couro. Além disto, o tênis de corrida do primeiro passeio

cedeu lugar a uma bota escura de caminhada, nos encontros e passeios dos meses

posteriores. Em seguida, foi a vez de adotar o lenço no pescoço para me proteger do

frio. Neste ponto da pesquisa, eu já tinha algumas camisetas com a logomarca, o que

nos almoços gerava comentários das mulheres como: “olha, é igual a minha”; “você

também tem esta”. Após um ano, comprei um casaco de couro com a marca Harley-

Davidson e, já no final da pesquisa, passaria facilmente por uma harleira. Essa

transformação deu-se aos poucos e não foi de modo totalmente ‘consciente’ e

intencional. Em alguns momentos, surpreendi-me, ao me pegar pensando com que

roupa eu iria ao passeio do sábado seguinte! (PINTO, 2011, p. 26)

Os exemplos descritos até então ilustram algumas formas de se identificar a existência de uma

tribo composta por indivíduos que se reúnem em torno de um interesse, uma atividade ou uma

marca em comum. No entanto, vale destacar dentre as evidências propostas no modelo, os

rituais que permeiam as tribos e os símbolos que são compartilhados entre os seus membros.

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3.3.2 Os rituais e sua dimensão simbólica

Na identificação das evidências físicas de uma tribo, são considerados os momentos nos quais

os indivíduos se reúnem para realizar seus rituais. Essas ocasiões – que podem ser grandes

eventos ou pequenas reuniões locais – são oportunidades para o grupo reafirmar e fortalecer

seus valores fundamentais, ao mesmo tempo em que os membros estão juntos e se conectam

individualmente à tribo (SEGALEN, 2002). Nessas ocasiões, os rituais precisam do apoio de

determinados objetos, vestimentas, locais, termos, imagens e ícones considerados “sagrados”

pelos membros da tribo (COVA e COVA, 2001). Para os autores, as tribos se utilizam dos

rituais para expressar a sua existência e apoiar a adesão dos seus membros.

De acordo com Segalen (2002), o rito ou ritual é um conjunto de atos portadores de uma

dimensão simbólica. O rito é uma linguagem eficaz na medida em que atua sobre a realidade

social e precisa apoiar-se em símbolos reconhecidos pela coletividade. Ele é caracterizado

pelo uso de uma série de objetos, sistemas de linguagem e comportamentos específicos e por

signos emblemáticos cujo sentido constitui um dos bens comuns de um grupo. A autora

defende que há um deslocamento do campo do ritual para a margem do centro social, onde

pode ser encontrado no domínio dos esportes e do extralaboral (dimensão além do trabalho,

como festas, eventos, aniversários, comemorações, etc).

Arnould e Price (1993) identificaram fortes laços sociais entre os praticantes de rafting e

defendem que essa união é possível devido à realização de rituais (de passagem, de

intensificação e de integração). Eles definem os rituais de integração como “interações sociais

planejadas que consolidam vários artefatos culturais – linguagem, emoções compartilhadas,

gestos, símbolos e o espaço físico – com o objetivo de alcançar um ‘senso temporário de

proximidade’ entre subsistemas potencialmente divergentes”. De acordo com Turner (apud

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ARNOULD e PRICE, 1993) o processo de ritualização pode ser comparado a uma forma de

peregrinação. O indivíduo inicialmente abandona a sua vida cotidiana (separação); deixa de

lado objetos e práticas habituais e passa a adotar comportamentos parecidos com os dos

demais membros, a fim de se integrar (transição); e retorna à sua vida cotidiana, transformado

pela experiência vivida (reintegração).

O principal aspecto ritualístico dos adeptos ao Mountain Man (BELK e COSTA, 1998) é a

tentativa de recriar as vestimentas utilizadas originalmente. A maioria das roupas é produzida

e costurada pelos próprios participantes, que se utilizam de peles de animais, couro, tecidos

sem cor e acessórios rústicos. Alguns se vestem completamente iguais aos índios, muitos

deixam o cabelo comprido, bigode e barba crescida, e outros usam brincos na orelha. Os

autores destacam que, vestir-se é mais que visual. Vestir-se como um Mountain Man é um

ritual individual que inclui também aspectos táteis, olfativos e comportamentais. É uma forma

de transformar temporariamente a sua identidade.

Em seu estudo com a tribo dos “harleiros”, Pinto (2011) identificou que os encontros aos

finais de semana e os eventos anuais dos pilotos de Harley-Davidson apresentam traços

similares aos dos rituais. Eles são eventos que interrompem a dinâmica cotidiana dos pilotos e

têm o poder de revitalizar imediatamente a vida de quem deles participa e das pessoas mais

próximas. Muitos “harleiros” relataram sentirem-se renovados após os encontros com outros

motoqueiros e afirmaram que precisam daquele momento para voltarem mais dispostos para o

trabalho e para família.

Shouten e McAlexander (1995) identificaram diversos símbolos religiosos que pautam a

experiência de ser um motociclista Harley-Davidson. Primeiramente, pilotar uma Harley é

entendido totalmente como um estilo de vida. É algo espiritual, no sentido que transcende o

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que é considerado comum e permite ao indivíduo experimentar uma transformação pessoal.

Outros elementos contribuem para a espiritualidade dessa experiência, como o contato com a

natureza; o mítico barulho do motor da Harley; e nos passeios em grupo, a consciência de ser

uma parte integrante de um grupo com propósitos maiores. Outro aspecto ritualístico

observado é a adoração que se tem pela motocicleta. Não é permitido, por exemplo, tocar na

Harley de outra pessoa sem permissão. Além disso, existem rituais para a limpeza e

manutenção das motos, que são guardadas em verdadeiros santuários criados pelos seus

donos.

A prática do parkour pesquisada por Silva, Costa e Carvalho (2010) também mostrou uma

rica dimensão simbólica, composta de valores como a capacidade de resistir aos desafios

impostos pelo meio e utilizar os obstáculos do ambiente para desenvolver a resistência do

praticante – também chamado de traceur. O traceur resiste à perpetuação do sistema,

propondo novas formas de entender o meio urbano e não considera o parkour um esporte,

mas um estilo de vida, uma arte corporal. Os praticantes atribuem um valor significativo à

doação ao companheiro de treinos, entendida como entrega ao outro, e se incomodam com a

ideia de cobrar dinheiro de alguém para ensinar a prática do parkour, rejeitando fortemente

qualquer tentativa de se transformar a atividade em um negócio.

Segalen (2002) afirma que a corrida – atividade objeto desse estudo – oferece um espaço

contemporâneo de ritualização, seja do ponto de vista do indivíduo, que se entrega a uma

paixão; seja do ponto de vista coletivo, quando os corredores se reúnem para realizar uma

prova de longa distância. Para a autora, a atividade de correr se mostra muito rica no plano

simbólico e ritual, pois na medida em que ela exige um engajamento físico, ela oferece um

aspecto emocional de purificação, a possibilidade de ultrapassar o limiar do corpo.

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De acordo com Dallari (2009), a corrida de rua carrega muitos significados, pois é comum os

corredores viajarem dentro e fora do país para participar de provas; treinarem por vários

meses, adotando hábitos rigorosos de alimentação e de repouso; e se privarem de outras

práticas no seu tempo livre – tudo isso para correr. Além disso, a autora destaca a

característica do corredor de rua, que não está preocupado em competir e em alcançar as

primeiras colocações, mas em se superar em cada desafio ao qual ele se propõe realizar.

Outro símbolo identificado entre os corredores é a vestimenta utilizada para a prática da

atividade. Segalen (2002) afirma que “na medida em que o corpo está emblematizado, existe

ritual” e defende que apenas o esporte oferece ao homem a possibilidade de se “fantasiar”. A

roupa do corredor não possui apenas funções técnicas, como proteção, mas também lúdicas e

estéticas, que pode ser observado principalmente na evolução dos trajes das corredoras. Elas

valorizam a estética dos seus corpos, mostrando que esforço e beleza não são incompatíveis.

Considerando o aspecto coletivo, participar de uma prova como uma maratona simboliza o

sentimento de participar de uma poderosa emoção coletiva (Segalen, 2002). Maffesoli (2006)

chama a atenção para algumas características das tribos contemporâneas que buscam o prazer

de estar junto, de dividir a intensidade do momento e de compartilhar ocasiões de vibração

coletiva que revigora o indivíduo. Para Segalen (2002), “a multidão de corredores parece ter

uma energia que se comunica ao longo da cadeia humana”, fortalecendo o sentimento de

comunhão dividido entre os corredores ao longo da prova.

As evidências físicas e temporais, e os rituais e a sua dimensão simbólica são aspectos que

precisam ser investigados quando se pretende identificar características de tribo em um grupo

de indivíduos. Além da identificação da tribo, esse estudo busca entender mais profundamente

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quais papéis os seus membros adotam e de que forma eles se comportam e se envolvem com

as atividades da tribo.

3.4 CLASSIFICAÇÃO DOS MEMBROS DE UMA TRIBO

De acordo com Cova e Cova (2002), cada indivíduo pertence a diversas tribos e em cada uma

delas ele desempenha um papel diferente e veste uma “máscara” específica. Os autores

afirmam que pertencer a estas tribos se tornou mais importante que pertencer a uma classe

social ou um segmento, ou seja, o status social (a posição do indivíduo em uma classe social)

está sendo progressivamente substituído pela configuração societal, que reflete o

posicionamento dinâmico e flexível do indivíduo entre as tribos.

Costa (1995 apud MEIR e SCOTT, 2007) destaca que as tribos possuem padrões particulares

de consumo (de marcas ou produtos afins) que se não forem aderidos podem ameaçar a

presença do membro no grupo. Consequentemente, o comportamento de consumo se torna um

veículo pelo qual a identidade individual é expressa – ele define o pertencimento do membro

à tribo. Corroborando esse pensamento, Cooper, McLoughlin e Keating (2005) enfatizam que

uma tribo está unida por gostos, emoções, estilos de vida, valores morais e padrões de

consumo compartilhados – isto significa um comprometimento simbólico com os demais

membros da tribo.

A partir do modelo do “trevo tribal”, descrito no tópico anterior, Cova e Cova (2001)

propõem outro modelo utilizado para avaliar o papel que os membros de uma tribo podem

adotar. O eixo horizontal representa o papel dos devotos, caracterizado pela associação formal

à tribo, e os participantes, marcado pela adesão aos eventos ou ocasiões informais da tribo. O

eixo vertical envolve o papel dos praticantes, caracterizado pelo envolvimento com as

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atividades cotidianas típicas da tribo e os simpatizantes, que podem ser caracterizados pela

atitude favorável em relação à tribo.

No estudo com a tribo de patinadores in-line franceses, Cova e Cova (2001) classificaram

como devotos os 28.000 patinadores associados formalmente à FFRS (Federação Francesa de

Patinadores). Aqueles que participaram dos eventos nacionais (Roller City e Tatoo Roller

Skating) e dos encontros semanais (Friday Night Fever) são considerados participantes, pois

aderem a outros eventos além da prática cotidiana da atividade. Além disso, os autores

constataram a existência de dois milhões de praticantes regulares no país e alguns milhões de

simpatizantes.

Semelhante ao modelo proposto por Cova e Cova (2001), Kozinets (1999) desenvolveu um

modelo de classificação dos membros de comunidades de consumo virtuais, que

compartilham o entusiasmo e o interesse por determinadas atividades de consumo. Para

orientar essa classificação foram considerados dois fatores interdependentes. O primeiro fator,

Figura 2 – Papéis adotados pelos membros da tribo.

Fonte: Adaptado de Cova e Cova, 2001.

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representado no eixo vertical, refere-se ao nível de envolvimento que o indivíduo possui com

a atividade de consumo que fundamenta a existência da comunidade. No eixo horizontal está

representado o segundo fator, que considera o grau de intensidade das relações sociais que o

membro da comunidade possui com os demais membros.

De acordo com o modelo proposto por Kozinets (1999), os membros das comunidades de

consumo virtuais podem ser classificados como: turistas, mestiços, devotos ou internos.

Turistas: são aqueles que possuem laços sociais fracos com os demais membros e

mantêm um interesse apenas superficial na atividade de consumo. Eles agem mais

como espectadores do que como membros ativos do grupo.

Figura 3 – Papéis dos membros de comunidades de consumo virtuais.

Fonte: Adaptado de Kozinets, 1999.

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Mestiços: mantêm laços sociais fortes com o grupo, mas não demonstram um real

interesse pela atividade central de consumo. Eles frequentam a comunidade buscando

principalmente a socialização.

Devotos: são opostos aos mestiços. Eles cultivam um forte interesse e entusiasmo pela

atividade, mas não sustentam laços sociais fortes com os demais membros. Esse

comportamento pode ser explicado pelo seu envolvimento com outras comunidades

relacionadas à atividade do seu interesse, não sendo essencial para esse indivíduo a

socialização.

Internos: são aqueles que possuem fortes laços sociais com os membros do grupo e

fortes laços pessoais com a atividade de consumo. Podem ser considerados como os

mais autênticos membros da comunidade.

Na perspectiva estratégica de marketing, os devotos e os internos tendem a ser o público-alvo

mais importante das empresas, pois eles são considerados consumidores fiéis, que tendem a se

unir ou mesmo a formar as comunidades virtuais em torno da sua atividade de interesse

Kozinets (1999). Essa classificação não é rígida, pois, em geral, um membro progride na

comunidade. Ele pode, por exemplo, iniciar como um visitante (turista) e tornar-se um

“interno” a partir do convívio com os demais membros e através das experiências

compartilhadas sobre a atividade de consumo em questão.

Apesar de o modelo ser baseado em comunidades virtuais, ele é norteado por fatores que

consideram grau de envolvimento com a atividade e o nível de interação do indivíduo com os

demais membros, podendo ser adaptado para a classificação de tribos contemporâneas de

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consumo. Se traçarmos um paralelo entre os dois modelos (Cova e Cova, 2001; Kozinets,

1999) é possível fazer uma associação entre as duas classificações.

Os simpatizantes se aproximam dos turistas, pois atuam apenas como espectadores da

atividade; são favoráveis à tribo, mas não são atuantes. Os participantes podem ser

comparados aos mestiços, considerando que o principal motivo para participar dos eventos

seja de socialização. As duas classificações de devotos também se assemelham, pois a

associação formal à tribo não exige que o indivíduo se socialize com os demais membros do

grupo. Por fim, os praticantes podem ser comparados aos internos, pois se envolvem com as

atividades cotidianas típicas da tribo, exigindo fortes laços sociais com os demais membros da

tribo. A comparação entre os dois modelos pode ser visualizada na Tabela 2.

MODELO

COVA E COVA (2001) ASSOCIAÇÃO ENTRE OS DOIS

MODELOS

MODELO

KOZINETS (1999)

Simpatizantes

Agem como espectadores. São favoráveis à

tribo, mas não são atuantes.

Turistas

Participantes

Podem ter como principal objetivo ao

participar dos eventos a socialização.

Mestiços

Devotos

A associação formal à tribo é pelo interesse

pela atividade. Não há exigência de forte

socialização com os demais membros.

Devotos

Praticantes

Envolvem-se com as atividades cotidianas da

tribo. Exige a manutenção de fortes laços

sociais e interesse pela atividade.

Internos

Tabela 2 – Associação entre os dois modelos de classificação dos membros de uma tribo propostos por

Cova e Cova (2001) e por Kozinets (1999).

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Em seu estudo com proprietários de Harley-Davidson, Shouten e McAlexander (1995)

identificaram uma estrutura social hierárquica baseada no status do membro no grupo. Esse

status é conferido ao membro de acordo com a sua idade, participação e liderança nas

atividades do grupo; experiência e expertise em pilotar uma Harley; conhecimento específico

sobre a Harley-Davidson e o comprometimento com os valores de consumo do grupo. Esse

comprometimento é verificado através de indicadores visuais como: tatuagens, customização

da motocicleta, vestimenta específica do grupo e o número de insígnias e medalhas nas

jaquetas que representam as conquistas e participações nos eventos e viagens.

Essa hierarquização dos membros do grupo também se reflete na formação dos motoqueiros

nas viagens. As posições mais importantes, que são a de presidente e capitão, seguem na

frente do cortejo. Os motoqueiros com status mais alto podem pilotar mais próximo deles,

enquanto que os “novatos” acompanham mais de longe. O exemplo da Harley-Davidson é

mais uma forma de ilustrar de que forma se dá a classificação dos membros de um grupo de

acordo com os papéis adotados pelos indivíduos.

3.5 MARKETING TRIBAL

As tribos contemporâneas precisam consolidar e afirmar sua união e estão à procura de algo

que facilite e apoie essa comunhão, como um espaço, um emblema, um ritual de integração

ou de reconhecimento (THOMPSON e HOLT, 1996 apud COVA e COVA, 2002). Para

satisfazer o desejo de comunidade, consumidores estão em busca de produtos e serviços

menos pelo seu valor de uso e mais pelo seu linking value (COVA e COVA, 2001). Portanto,

é essencial que as empresas apoiem as atividades da tribo, concentrando-se mais em fornecer

e promover os aspectos sociais e grupais da experiência, ao invés de se dedicarem apenas às

características funcionais dos produtos (HAWKINS, MOTHERSBAUGH e BEST, 2007).

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Neste contexto, percebe-se o marketing como a atividade que desenvolve e estabelece

produtos e serviços destinados a facilitar a reunião de indivíduos em tribos – um tipo de

marketing tribal (COVA e COVA, 2002) - que tem como unidade de referência uma

associação de indivíduos que compartilham as mesmas emoções e experiências e se unem em

comunidades. Essa atividade é legitimada pela necessidade dos indivíduos que desejam fazer

parte de uma tribo de possuírem hábitos de consumo que lhes permitam participar dos rituais

e os integrem ao grupo (COOPER, MCLOUGHLIN e KEATING, 2005) e é reforçada pelas

práticas de consumo que são exigidas para que o indivíduo desempenhe diferentes papéis nas

diversas tribos das quais ele faz parte (RYAN, MCLOUGHLIN e KEATING, 2006).

McFedries (2002 apud MEIR e SCOTT, 2007) afirma que, quando aplicado ao contexto de

mercado, o termo “marketing tribal” tem sido usado para identificar uma estratégia de

marketing que tenta criar grupos sociais ou comunidades centradas em um produto ou serviço.

Mcalexander, Schouten e Koenig (2002) destacam que pessoas que participam de

comunidades de marca se sentem mais positivas em relação aos produtos e,

consequentemente, aumentam a sua lealdade à marca. Para os autores, os membros dessas

comunidades se tornam mais envolvidos emocionalmente com o bem-estar da organização e

geralmente atuam como missionários da marca, disseminando a mensagem da empresa.

De acordo com Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007), as subculturas de consumo baseadas

em atividades desenvolvem rituais e modos de comunicação simbólica que muitas vezes

envolvem outros produtos ou serviços. Portanto, os produtos associados a essas atividades

devem ser baseados tanto nos benefícios funcionais quanto no significado simbólico que

carregam, ratificando a ênfase do marketing tribal de apoiar produtos e serviços que unam as

pessoas em um grupo de entusiastas ou devotos de um produto, marca ou atividade (COVA e

COVA, 2002).

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Diversas empresas vêm se posicionando efetivamente como aliadas das tribos, apoiando e

patrocinando seus eventos e associações. Vale destacar na pesquisa com os patinadores in-line

(COVA e COVA, 2001), a iniciativa da Salomon – fabricante de materiais esportivos – de

fornecer esse suporte sistemático aos membros dessa tribo. A Salomon dividiu a sua

abordagem em três etapas. Primeiramente ela procurou se aproximar dos patinadores a partir

da análise de seus rituais e práticas, promoção de encontros com os seus membros,

participação de eventos e realização de observações participantes.

A segunda etapa envolveu o desenho de produtos em parceria com os patinadores, o

desenvolvimento de atributos específicos para atender às suas necessidades e a realização de

pré-testes com equipes de patinadores patrocinados pela empresa. A última etapa envolveu o

apoio a eventos existentes, a criação de novos eventos e o apoio para o desenvolvimento de

infraestrutura para a prática da atividade. A partir dessa iniciativa, a Salomon se legitimou

como uma empresa que compartilha os valores fundamentais da tribo de patinadores in-line

(COVA e COVA, 2001).

Outro forte exemplo dessa relação entre as tribos de consumidores e as empresas que as

apoiam é o caso dos proprietários de motocicletas com a marca Harley-Davidson

(SCHOUTEN e MCALEXANDER, 1995). Os autores afirmam que as subculturas de

consumo caracterizam-se pelo consumo ritualístico de determinados produtos, e elas tendem a

se fidelizar as empresas que conseguem oferecer o que elas necessitam. É possível, portanto,

para uma empresa que consiga compreender a estrutura e os valores de uma tribo de consumo,

cultivar um relacionamento próximo e duradouro com ela – esse é o caso da Harley-Davidson.

Schouten e McAlexander (1995) defendem que, ao entender o processo de transformação

pessoal que ocorre com os indivíduos em uma tribo, a empresa pode desempenhar um papel

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ativo na socialização de novos membros e na manutenção e fortalecimento dos laços com os

membros atuais. A Harley-Davidson cultiva esses laços proporcionando suporte constante de

informações e oferecendo uma grande variedade de roupas, acessórios e serviços, que visam

aumentar o envolvimento dos motoqueiros com a marca, criando uma espécie de barreira de

saída do grupo. Em troca, a marca conquista a fidelidade do consumidor, ganha grande

visibilidade e recebe feedback que a auxilia no processo de inovação.

McAlexander e Shouten (1998 apud HALPERN, 2008) destacam a realização e promoção dos

brandfests como uma importante ferramenta do marketing tribal, já que são eventos

patrocinados pelas empresas com o objetivo de estimular o culto às marcas por parte de seus

consumidores. Exemplos típicos desses eventos são o Camp Jeep, realizado nas montanhas

rochosas no Colorado e os ralis da Harley-Davidson realizados em Daytona Beach, na

Flórida. Os autores afirmam que os brandfests são uma boa oportunidade para se criar e

fortalecer o sentimento de pertencimento à tribo, pois permite a convivência com outros

indivíduos que compartilham da mesma paixão e emoção pela marca patrocinadora.

Traçando um paralelo entre a paixão pela marca e por uma atividade, é possível comparar o

modelo de brandfest ao das provas de corrida de rua que são patrocinadas por grandes

empresas fabricantes de artigos esportivos. A marca Adidas, por exemplo, patrocina o

Circuito das Estações Adidas, que promove anualmente quatro provas, fazendo alusão às

quatro estações do ano. O circuito está presente em nove capitais brasileiras e é um dos mais

populares do país. Em 2012, das 770 provas realizadas no país, duas provas desse circuito

ficaram em quarta e quinta colocação em número de concluintes – mais de 11.000 cada uma

(ATIVO, 2012).

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Além de patrocinar o evento, a marca está estampada na camiseta utilizada na prova e nos

outros itens que compõem o kit do corredor – garrafa térmica, toalha e bolsa. Os corredores

têm acesso à loja da marca com produtos em promoção e podem testar modelos de tênis,

recebem exemplares de revistas especializadas em corrida, amostras de produtos e folder com

propaganda de empresas parceiras. Outras grandes marcas também patrocinam esses eventos

e seguem o mesmo modelo – a Mizuno promove o Circuito Athenas; a Nike tem o Circuito

Vênus; a Fila patrocina o Fila Night Run; a Asics promove a Golden Four Asics, entre outros.

De acordo com Oliveira (2010), os corredores percebem a presença das grandes marcas de

forma positiva, pois eles acreditam que elas passaram a entender melhor as características

específicas e as necessidades do corredor de rua.

Os exemplos citados ratificam o papel das empresas e das marcas como suporte às atividades

relacionadas ao marketing tribal. Outro aspecto importante é a necessidade do consumo de

alguns produtos que permitam que o indivíduo desenvolva as suas práticas e se sinta

pertencente ao grupo. No estudo sobre os adeptos do Mountain Man (BELK e COSTA, 1998),

ficou evidente que tanto os objetos quanto as ações formam as bases para a geração do

sentimento de comunidade. Para esse grupo, o necessário para se tornar parte da comunidade

é a aquisição de determinados itens.

Belk e Costa (1998) alegam que, apesar da fantasia que envolve a atividade seja a de se viver

uma vida simples em contato com a natureza, os equipamentos adequados são essenciais –

tendas, vestuário típico da época encenada, acessórios, alguns móveis e utensílios para

cozinhar, equipamentos de tiro, entre outros – deixando claro o potencial mercadológico que

essa atividade possui. Além da aquisição em si, há o aspecto simbólico dos objetos, que agem

como sinais não verbais da identidade que é compartilhada entre os membros, enaltecendo o

sentimento de comunidade.

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Esse aspecto simbólico dos objetos é corroborado por Segalen (2002) que explica que as

cidades utilizam as corridas de rua como símbolos de identidade. Não existe nenhuma grande

cidade sem maratona. Os corredores, na posição de consumidores, podem escolher as

melhores corridas. A partir daí surgem as identidades urbanas que fazem as maratonas de

Nova York e Londres, por exemplo, serem as mais concorridas. A autora descreve o ritual que

precede a participação na maratona de Nova York e como as empresas atuam na oferta de

produtos e serviços associados ao evento.

Quando o corredor progride, começa a participar de corridas cada vez mais longas.

Um dia, sentirá a necessidade, junto ao seu grupo de amigos, de se inscrever numa

prova “mítica”, como se diz entre os corredores a propósito da Maratona de Nova

York – um ritual de importância e perfeita organização. Meses antes da corrida que

acontece todos os anos no início de novembro, será necessário treinar em longas

distâncias. Seis meses antes é preciso inscrever-se e receber em casa, antes da

partida, um pesado envelope cheio de instruções e o precioso boletim destinado à

retirada do seu número. Já é um gosto antecipado de tudo o que perpassa a

maratona: uma avalanche de anúncios para comprar roupas de corrida ou levar

lembranças do evento, medalha gravada, vídeos com passagens de sua corrida,

camisetas personalizadas (...) O corredor, já desde antes da corrida, havia recebido

prospectos propondo-lhe uma medalha na qual ele poderia gravar seu tempo e a data

da corrida. A fotografia é perfeitamente adequada. O corredor é advertido que será

fotografado, especialmente na chegada. Recomendam-lhe levantar os braços e exibir

um sorriso vencedor, qualquer que seja o cansaço físico. Além das fotos, serão

também propostos um vídeo e camisetas com as suas performances impressas.

(SEGALEN, 2002, p. 85)

A maratona de Nova York conta atualmente com mais de 45.000 participantes, mais de dois

milhões de pessoas que acompanham a corrida durante o percurso e movimenta cerca de 300

milhões de dólares na economia local (IstoÉ Dinheiro, 2012). Dallari (2009) explica que

existe certo fascínio pela maratona, vista como uma “prova máxima” entre as corridas de

longa distância, e que a de Nova York tem um papel importante na disseminação do hábito da

corrida nos Estados Unidos e no mundo.

A descrição da maratona de Nova York é apenas um exemplo que ilustra o potencial que esse

tipo de evento proporciona às cidades e empresas organizadoras de oferecer um espaço para

que os membros de uma tribo compartilhem a sua paixão e ao mesmo tempo fortaleçam a sua

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marca e sua imagem perante esse grupo. No Brasil, foram realizadas 10 maratonas em 2012,

além de 30 meias-maratonas e 730 corridas de rua. A maior prova de corrida de rua do país e

da América Latina é a maratona de revezamento promovida pelo grupo varejista Pão de

Açúcar, que teve mais de 25.000 concluintes na sua 20ª edição – realizada em São Paulo em

2012 (ATIVO, 2012). Vale destacar o seu formato diferenciado com a disputa em equipes de

dois, quatro ou oito corredores, favorecendo a sociabilidade entre os participantes.

Além das provas, outro alvo estratégico para as ações do marketing tribal são os grupos de

corrida, que apresentam forte expansão pelo país. Existem os grupos informais, formado por

amigos que se reúnem para participar de um evento ou de uma prova de revezamento e

aqueles que são formados a partir da iniciativa entre os profissionais de educação física e

empresas – as chamadas assessorias esportivas - oferecendo assessoria e treinamento para

corredores amadores (OLIVEIRA, 2010).

Um estudo de mercado realizado pela Rede Bahia de Televisão (2005) destaca que as

assessorias estão contribuindo para o processo de amadurecimento e profissionalização desse

mercado. Além de planejarem e darem suporte ao treino, elas oferecem serviços como o

acompanhamento de nutricionistas e fisioterapeutas, e parcerias com academias, lojas e outros

estabelecimentos. Em 2012, já haviam 35 assessorias cadastradas na Associação de

Treinadores de Corrida do Estado do Rio de Janeiro (ATC RJ), contabilizando quase 4.000

alunos. Além dos associados, existem outras assessorias, academias e técnicos de corrida que

realizam treinamento outdoor na cidade. Em São Paulo, cidade brasileira com o maior número

de praticantes, a ATC SP contabiliza mais de 250 assessorias e equipes cadastradas.

Existem também os grupos formados por funcionários de empresas que procuram estimular a

prática de atividade física e melhoria da qualidade de vida do seu pessoal. Há atualmente uma

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prova considerada referência para esse público – a Corporate Run – realizada nas cidades de

Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo (VIOTTO, 2011). A sua 5ª edição realizada em

São Paulo em 2012 contou com cerca de 8.000 participantes, 400 empresas e

aproximadamente R$ 5 milhões em investimentos. Empresas como Bradesco, Pão de Açúcar

e Pfizer foram destaque pelo número de colaboradores presentes no evento. Um dos

organizadores destacou que “é um evento que se diferencia das demais provas por ser uma

importante ação de integração entre os colaboradores, além de proporcionar relacionamento

entre patrocinadores” (RUNNER’S WORLD, 2012).

Esse contexto deixa claro o potencial mercadológico que a corrida de rua oferece para as

empresas que associam a sua marca a essa atividade e que promovem ações que facilitem a

união dos indivíduos que compartilham dessa mesma paixão.

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4 METODOLOGIA

Neste capítulo será descrito o método de pesquisa adotado neste estudo a fim de responder aos

objetivos inicialmente propostos. Considerando a abordagem qualitativa mais adequada para

se aprender sobre o comportamento e compartilhamento da cultura entre indivíduos ou grupos

(CRESWELL, 2010), o método de pesquisa utilizado para a coleta e interpretação dos dados

será a etnografia aplicada ao marketing e comportamento de consumo (ARNOULD e

WALLERDORF, 1994; BARBOSA, 2003; ROCHA e BARROS, 2006; ROCHA E ROCHA,

2007).

Primeiramente será apresentada a etnografia como metodologia de pesquisa, seguida da sua

aplicação pelo marketing e pela área de comportamento do consumidor. Essa explicação se

faz pertinente devido aos questionamentos e contradições referentes ao emprego da etnografia

em áreas fora da antropologia. Na segunda parte serão descritas as etapas da coleta e

tratamento dos dados.

4.1 MÉTODO DE PESQUISA ETNOGRÁFICO

A etnografia é uma metodologia de pesquisa tipicamente antropológica, inovada em 1922 por

Malinowski (GOLDENBERG, 2009), que constatou que a convivência íntima com os nativos

é o melhor instrumento de que o antropólogo dispõe para compreender “de dentro” o

significado das lógicas particulares características de cada cultura. Essa constatação valida a

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utilização de ferramentas diversas – como fotografias, transcrições, imagens e gravações de

voz – para legitimar os achados da pesquisa de campo (PEREIRA, 2008).

De acordo com Atkinson e Hammersley (1994 apud PEREIRA, 2008), a etnografia é um tipo

de pesquisa que foca na exploração da natureza de um fenômeno social, sendo investigados

um ou poucos casos em detalhe. Na sua aplicação, tende-se a usar dados não estruturados,

sem a utilização de categorias pré-determinadas e fechadas; e a análise envolve a

interpretação dos significados das ações humanas.

O estudo etnográfico inclui entrevistas em profundidade e observação persistente e contínua

do participante em uma situação (JACOB, 1987 apud CRESWELL, 2010). Segundo Barbosa

(2003), do ponto de vista metodológico, a etnografia consiste no processo de observar,

participar e entrevistar o “nativo” em suas condições reais de existência. Este processo

começa com a inserção do pesquisador em campo, ou seja, no grupo estudado (VIEIRA e

PEREIRA, 2005). Os autores destacam que as características da cultura são observadas e vão

se tornando gradualmente evidentes, à medida que se tornam conhecidas as relações entre os

indivíduos, a linguagem utilizada, os símbolos, imagens e rotinas diárias.

Kozinets (2010) afirma que a etnografia é uma abordagem que vem ganhando popularidade

nos campos da sociologia, estudos da cultura, marketing e pesquisa de consumo. Vieira e

Pereira (2005) destacam que a aplicação desse método no campo da administração se dá

principalmente no estudo das organizações e de subculturas de consumo. A seguir, serão

discutidas essas aplicações nas áreas de marketing e comportamento do consumidor.

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4.1.1 Etnografia aplicada ao marketing e ao comportamento do consumidor

No final dos anos 60, Charles Winnick – em seu artigo Anthropology’s contribution to

marketing – já listava as possíveis contribuições do conhecimento antropológico para a

pesquisa em marketing (VIEIRA e PEREIRA, 2005). No entanto, Pereira (2008) destaca que

somente em 1988 foi publicado o estudo piloto que serviu de aprendizado para uso do método

etnográfico na compreensão do comportamento do consumidor (BELK, SHERRY e

WALLENDORF, 1988). Durante quatro dias, os autores analisaram o comportamento de

compradores e vendedores em um mercado ao ar livre nos Estados Unidos.

Barbosa (2003) afirma que as mudanças que ocorreram na sociedade contemporânea

sinalizam em direção ao consumo como um processo cada dia mais influenciado por fatores

culturais (estilo de vida, identidade e visões de mundo), do que pelas tradicionais referências

sociológicas (classe, gênero e idade). O consumo passa a ser reconhecido como um aspecto

central no processo de reprodução social e entendido como uma ação essencialmente cultural

(BARBOSA, 2010).

Arnould e Wallerdorf (1994) discutem o uso da etnografia na formulação de estratégias de

marketing e defendem que o método não é apenas uma forma de coletar dados, mas de

esclarecer como a cultura é simultaneamente construída e formulada pelo comportamento e

experiências dos indivíduos. Nesse contexto, o método antropológico tradicional de pesquisa

de campo e observação direta – a etnografia – tornou-se um instrumento de importância

fundamental (BARBOSA, 2003).

Rocha e Rocha (2007) defendem que o objetivo dos estudos etnográficos em marketing é o de

se compreender como os grupos sociais atribuem significados a produtos e serviços. A ideia

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central é entender a experiência do consumo e como essa experiência traduz afetos, desejos e

relações sociais. A etnografia, por acompanhar o dia a dia dos pesquisados em seu habitat

natural, procurando identificar os mecanismos simbólicos que orientam as ações relativas ao

consumo, proporciona uma visão mais complexa do universo pesquisado (ROCHA e

BARROS, 2006).

Percebe-se, portanto, o uso crescente da etnografia para um entendimento mais amplo do

comportamento do consumidor, objetivando encontrar novas oportunidades de mercado,

novos produtos e novas maneiras de se comunicar com o consumidor (BARBOSA, 2003). A

autora destaca que não apenas antropólogos podem fazer esse tipo de pesquisa, mas é

essencial que o pesquisador esteja ciente das implicações práticas e teóricas da sua utilização.

4.2 COLETA DOS DADOS

As principais técnicas de coleta de informações de que se utiliza o método etnográfico são a

observação participante e as entrevistas em profundidade (VIEIRA e PEREIRA, 2005). A

técnica de observação participante é primordial na coleta de dados porque permite o acesso a

detalhes do comportamento complexo de consumo (ARNOULD e WALLERDORF, 1994) e

dá ao pesquisador maior amplitude e profundidade de informação (GASKELL, 2011). As

entrevistas são suplementares às observações, pois possibilitam a coleta de informações

adicionais, permitindo o acesso a outras informações relevantes para a obtenção da

perspectiva do pesquisado (PEREIRA, 2008).

No presente estudo, a observação participante foi realizada por um período de sete meses –

entre agosto de 2012 e fevereiro de 2013. Primeiramente a pesquisadora se tornou aluna de

uma assessoria esportiva especializada em corrida (Speed Assessoria Esportiva) e passou a

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participar ativamente dos treinos diários, competições e dos eventos promovidos pelo grupo.

Nos primeiros cinco meses de campo, a pesquisadora não se identificou como tal, com o

objetivo de manter uma distância profissional do grupo pesquisado (BARBOSA, 2003), e

poder observar e registrar os dados sem que os demais membros do grupo se sentissem

constrangidos ou não agissem de forma espontânea na sua presença.

Após cada contato com o grupo, toda a experiência era transcrita imediatamente para o diário

de campo. Elliot e Jankel-Elliot (2003) destacam que as notas de campo são muito

importantes e devem ser feitas pouco tempo depois do evento acontecer. A pesquisadora teve

o cuidado de registrar tanto as expressões próprias do grupo, quanto as suas impressões

pessoais dos eventos observados.

Mattos (2001) destaca que as categorias ou temas que escolhemos para observar não são

necessariamente definidos antecipadamente. Na maioria das vezes essa escolha se dá a partir

do desenvolvimento do trabalho de campo. Os temas principais dessa pesquisa foram

delineados previamente, baseando-se nos objetivos específicos do estudo: identificação da

tribo, papéis adotados pelos membros e os aspectos referentes ao marketing tribal. A primeira

coluna da Tabela 3 ilustra essas categorias, que foram estabelecidas para nortear as

observações de campo.

Na segunda coluna estão os itens específicos que compõem cada tema principal. Alguns

foram previstos antes da pesquisa de campo e outros foram sendo incluídos à medida que as

observações foram evoluindo. Esses itens nortearam a composição das notas de campo e

formaram a base para a estruturação da análise e interpretação dos dados.

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CATEGORIAS DE

OBSERVAÇÃO ITENS DE ANÁLISE DAS CATEGORIAS

Identificação da tribo:

Evidências Físicas

Espaço físico dos locais de treino e dos eventos do grupo;

Página do grupo no Facebook;

Ocasiões: treinos diários, treinões e provas.

Identificação da tribo:

Evidências Temporais

Atividades do dia a dia;

Experiências compartilhadas;

Evolução dos membros dentro do grupo.

Identificação da tribo:

Rituais

Linguagem utilizada entre os membros do grupo;

Objetos e símbolos compartilhados;

Comportamentos específicos do grupo.

Membros da tribo

Qualificar os corredores de acordo com os papéis

adotados no grupo;

Identificar possíveis subgrupos.

Marketing tribal

Consumo de produtos e serviços relacionados à corrida;

Práticas das empresas que apoiem o valor de ligação entre

os membros da tribo de corredores.

Tabela 3 – Categorias de observação e itens de análise das categorias.

Considerando que a etnografia pode combinar múltiplos métodos (KOZINETS, 2010),

juntamente com a observação participante, foi aplicada a “netnografia” como uma forma de

observação mecânica (ARNOULD e WALLERDORF, 1994). O objetivo era a obtenção de

dados complementares para a construção de diferentes perspectivas de interpretação. A

netnografia é um tipo de pesquisa participante e observacional baseada no conteúdo online

(KOZINETS, 2010) que usa a comunicação mediada por computador como base de dados

para se chegar ao entendimento e representação etnográfica de um fenômeno cultural.

Como técnica de pesquisa de marketing (KOZINETS, 2002), a netnografia utiliza a

informação que está publicamente disponível na Internet para identificar e entender as

necessidades e o que influencia as decisões de consumidores que pertencem às comunidades

online. Neste estudo foi analisada a página do grupo na rede social Facebook. Durante os sete

meses de observação de campo, todo o conteúdo online também foi acompanhado. Foi feito

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um segundo diário de campo, onde foram registrados os depoimentos, comentários, interações

entre os membros e as imagens consideradas relevantes para a análise de dados da pesquisa.

Arnould e Wallerdorf (1994) destacam que o uso de fotografias em estudos etnográficos

auxilia o pesquisador na identificação de momentos simbólicos que representam emoções

compartilhadas e significados importantes para o grupo. Para os autores, as fotografias

documentam referências que não são completamente explicadas por descrições verbais.

Durante a pesquisa foram coletadas fotografias na rede social do grupo, algumas foram

produzidas pela própria pesquisadora e outras foram trocadas com outros membros do grupo.

Também foram compradas algumas fotografias em sites especializados que registram os

momentos do corredor nas provas de corrida de rua.

Além do acompanhamento do conteúdo online do grupo e o uso de fotografias, as

observações de campo foram complementadas com a leitura de revistas e blogs especializados

em corrida. A pesquisadora se tornou assinante da revista Runner’s World Brazil, com

publicação mensal pela editora Abril, e passou a seguir os blogs: Ativo.com, Run in Rio, Nike

Corre e o da Revista W Run (revista de corrida para mulheres). O conteúdo dessas

ferramentas foi essencial para a pesquisadora se sentir familiarizada com o mundo da corrida,

aprender a linguagem específica e entender mais sobre produtos e serviços relacionados a essa

atividade.

Durante a coleta dos dados também foram considerados os diálogos que surgiram

espontaneamente de conversas informais entre participantes e pesquisador (ARNOULD e

WALLERDORF, 1994). Elliot e Jankel-Elliot (2003) afirmam que as entrevistas informais

não precisam de uma lista de perguntas, e sim de algumas questões estratégicas que possam

ser levantadas na interação com os informantes. A fim de tirar proveito dessas conversas

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informais, a pesquisadora procurou em alguns momentos conduzir os diálogos de forma que

os assuntos discutidos tivessem potencial para produzir conteúdo relevante para a pesquisa.

Em relação às entrevistas formais, optou-se por iniciar a pesquisa de campo com a observação

participante e, com o andamento da pesquisa, verificar a necessidade de sua aplicação.

Segundo Fetterman (1998 apud PEREIRA, 2008) a entrevista é uma importante fonte de

coleta de dados do pesquisador envolvido na pesquisa etnográfica, pois possibilita a

compreensão daquilo que foi observado e experimentado pelo pesquisador num contexto mais

amplo. O objetivo é a compreensão das crenças, valores, atitudes e motivações em relação aos

comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos (GASKELL, 2011).

No final do terceiro mês de observação, a pesquisadora identificou uma possível classificação

dos corredores feita de forma não propositada pelos membros do grupo. A fim de ratificar a

existência dessa classificação, optou-se por realizar entrevistas em profundidade com alguns

membros intencionalmente selecionados (CRESWELL, 2010). Foram escolhidos aqueles que

melhor representassem cada uma das classificações dos membros da tribo. Também foi

entrevistado um dos sócios da assessoria, escolhido por estar mais presente nas observações e

ser próximo aos alunos, já que também é treinador.

No total foram realizadas cinco entrevistas não estruturadas, seguindo um roteiro geral com

questões abertas – sendo um roteiro para o sócio da assessoria (APÊNDICE A) e outro para

os alunos (APÊNDICE B). O roteiro geral permite certa flexibilidade, servindo como um guia

na condução da entrevista (PEREIRA, 2008). Collis e Hussey (2005) destacam que um dos

grandes benefícios da entrevista não estruturada é que novas questões podem surgir ao longo

da entrevista, gerando novas descobertas.

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As entrevistas duraram em média 45 minutos e foram gravadas, com o consentimento dos

entrevistados, e posteriormente transcritas. A fim de preservar a identidade dos entrevistados,

eles serão identificados por um nome fictício e pelo número de quilômetros que eles correm –

considerando que a classificação proposta segue essa referência. Na Tabela 4 pode-se

visualizar o perfil dos entrevistados.

ENTREVISTADO

IDADE

PROFISSÃO

HÁ QUANTO

TEMPO

CORRE

HÁ QUANTO

TEMPO ESTÁ

NA SPEED

João

Sócio/Treinador 31 anos

Educador

físico 14 anos 6 anos

Ana

Corredor 5km 35 anos

Designer/

Estudante 3 anos 5 meses

Maria

Corredor 10 km 39 anos Dona de casa

3 anos e 6

meses

2 anos e 6

meses

Ricardo

Corredor 21 km 54 anos Empresário 6 anos 2 anos

Vicente

Corredor 42 km 42 anos Arquiteto 12 anos 2 anos

Tabela 4 – Perfil dos entrevistados.

Arnould e Wallerdorf (1994) propõem alguns princípios que guiam a prática da pesquisa

etnográfica. A fim de resumir a metodologia aplicada neste estudo e facilitar o seu

entendimento, é traçado um paralelo entre esses princípios e as aplicações práticas nesta

pesquisa (TABELA 5).

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PRINCÍPIOS DA ETNOGRAFIA APLICAÇÃO PRÁTICA NA PESQUISA

A coleta e registro dos dados são feitos no

ambiente natural do pesquisado.

O pesquisador se tornou membro de um grupo de corrida

orientado por uma assessoria esportiva e participou dos

treinos, competições e atividades promovidas pelo grupo.

Envolve uma participação extensa e

experimental do pesquisador – observação

participante.

O pesquisador se tornou aluno da assessoria esportiva,

realizou os treinos regularmente e participou dos eventos

por um período de sete meses.

A credibilidade dos resultados a partir da

interpretação de comportamentos e fatores

culturais.

Foram observados e interpretados os comportamentos dos

indivíduos, bem como os aspectos simbólicos da atividade

que une os membros da tribo estudada.

Utilização de dados de fontes múltiplas para

gerar perspectivas variadas dos

comportamentos e do contexto pesquisado.

A pesquisa considerou as observações de campo,

entrevistas formais e informais, o acompanhamento do

conteúdo do Facebook, registros de fotos, e leitura de

revistas e artigos referentes à atividade de corrida.

Tabela 5 - Princípios da pesquisa etnográfica aplicados ao estudo.

4.3 TRATAMENTO DOS DADOS

A análise dos dados na etnografia parte de uma observação mais holística do modo de vida de

uma sociedade. À medida que determinadas particularidades são identificadas, o pesquisador

pode utilizar a microanálise etnográfica – um instrumento da etnografia empregado para se

estudar individualmente um evento ou parte dele (MATTOS, 2001). Como resultado da

análise, espera-se uma descrição criteriosa e contextualizada desses eventos e dos

comportamentos dos indivíduos.

Bertaux (1997 apud CAMPOS, 2010) destaca que é importante o pesquisador estar atento a

tudo que o surpreende ou incomoda, pois são essas reações espontâneas ao longo da análise

que sugerem que a realidade que ele tenta descrever não corresponde aos modelos que ele

mobiliza para entendê-la. Assim, a análise dos dados neste estudo baseia-se não apenas nas

categorias propostas a partir da literatura, mas também nas categorias indutivas – aquelas que

surgem das observações de campo (TABELA 3).

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Nesta pesquisa, a análise dos dados se baseia nas perspectivas que fundamentam a análise de

discurso – uma das ferramentas da microanálise etnográfica (MATTOS, 2001). A análise

discurso defende uma postura crítica sobre as observações que o ambiente pesquisado nos

revela e acredita que o conhecimento é socialmente construído, ou seja, que a forma como

compreendemos o mundo é determinada pelos processos sociais. Além disso, há o

compromisso em explorar como a construção social de pessoas, fenômenos ou problemas

estão ligadas as práticas dos indivíduos (GILL, 2011).

Gill (2011) define que o termo “discurso” é empregado para se referir “a todas as formas de

fala e textos, seja quando ocorre naturalmente nas conversações, como quando é apresentado

como material de entrevistas, ou textos escritos de todo tipo”. Neste estudo, trata-se do

conteúdo dos diários de campo, da transcrição das entrevistas, da revisão de literatura e dos

artigos de revistas e blogs especializados em corrida.

Neste tipo de análise procura-se atingir as características mais sutis da interação. A primeira

exigência, portanto, é uma transcrição mais detalhada possível do discurso a ser analisado,

registrando todas as características possíveis da fala (GILL, 2011). A transcrição das

observações no diário de campo foi feita com a preocupação de incluir os atores envolvidos,

suas características físicas e comportamentais, as formas de interação, particularidades da

fala, uso de termos ou expressões comuns ao grupo, entre outros aspectos.

A cada encontro com o grupo pesquisado, todas as observações eram imediatamente

transcritas para o diário e codificadas de acordo com as questões de pesquisa. Aqueles textos

que inicialmente não se encaixavam em algum código eram destacados e procurava-se por

respostas nas observações de campo seguintes (DAMATTA, 2010). A análise consistiu,

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portanto, em examinar a regularidade e variabilidade nos dados, buscando-se por padrões e

indícios que justificassem as questões propostas (GILL, 2011).

Embora a pesquisa social esteja tipicamente relacionada a analise de questões teóricas e

abstratas, ela pode empregar como dado primário a informação visual (LOIZOS, 2011).

Considerou-se importante incluir nesta análise algumas imagens para auxiliar na descrição de

determinados eventos, situações, produtos e peculiaridades do grupo pesquisado.

Gill (2011) destaca que a análise de discurso é “uma leitura cuidadosa, próxima, que caminha

entre o texto e o contexto”, por isso é vital a familiaridade do pesquisador com o contexto

estudado – o que justifica o longo período de observação participante. Ambrosino (2009, apud

SILVA et al., 2010) afirma que o produto da pesquisa etnográfica é “uma narrativa sobre a

comunidade em estudo que evoca a experiência vivida daquela comunidade e que convida o

leitor para um vicário encontro com as pessoas”.

Para Vieira e Pereira (2005), a etnografia é um método tanto descritivo quanto interpretativo.

Descritivo, porque se descreve minunciosamente o fenômeno que se está analisando.

Interpretativo, porque o pesquisador determina a significação do que ele observa. Como

resultado desta análise, tem-se, portanto, um texto com a descrição detalhada dos encontros,

eventos, situações vivenciadas e das transformações percebidas. Diversos relatos foram feitos

em primeira pessoa, pois a pesquisadora considerou relevante apresentar as suas experiências,

seus pontos de vista e a sua evolução como membro do grupo estudado.

4.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO E DO ESTUDO

Uma das principais limitações do método etnográfico é a delimitação do grupo a ser estudado,

principalmente na atualidade, em que dificilmente um grupo está isolado geograficamente e

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de forma clara (PEREIRA, 2008). Como os indivíduos vivem em uma série de ambientes e

situações sociais que o pesquisador não consegue acompanhar em sua totalidade, os

resultados encontrados não podem ser generalizados para outros grupos.

Outro aspecto fundamental é que a leitura da realidade, por mais que se busque a

imparcialidade, será de certa forma influenciada pelas crenças e valores do pesquisador.

Geertz (1989) destaca que essa leitura sempre será “sobre os ombros dos nativos”. Mais um

ponto importante é que a transcrição das observações de campo, por mais detalhada que seja,

dificilmente conseguirá conter todo o aprendizado adquirido através da experiência do

pesquisador com o grupo estudado.

A etnografia aplicada ao marketing tem como principal limitação o seu valor. Ela geralmente

é mais cara que os outros métodos, devido a necessidade do pesquisador de ficar um longo

período em campo. De acordo com Mariampolski (apud PEREIRA, 2008), esse longo período

também pode comprometer a atualidade dos dados – dependendo de qual mercado esteja

sendo explorado – já que as mudanças podem ser muito rápidas, tornando esses dados

“perecíveis”.

Uma limitação deste estudo deriva do recorte amostral, já que foi selecionado um grupo de

corredores de uma cidade para representar a tribo de corredores como um todo. Esse recorte é

necessário para viabilizar a coleta de dados, especialmente quando se trata de etnografia, que

exige a observação participante. Outra barreira foi o prazo, já que quanto mais tempo em

campo, mais sólida a pesquisa etnográfica. Assim, a observação de campo poderia ter sido

feita por mais tempo e mais informantes entrevistados.

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5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Neste capítulo serão apresentados e analisados os principais resultados obtidos através da

coleta de dados. A coleta foi realizada através de observação participante do grupo de

corredores da Speed Assessoria Esportiva – que durante as análises também será nomeada de

Speed – durante um período de sete meses (entre agosto de 2012 e fevereiro de 2013). Na

primeira parte será feita uma descrição da empresa e do primeiro contato da pesquisadora com

o grupo estudado. Na segunda sessão serão detalhadas as observações de campo divididas em

categorias a fim de responder aos objetivos específicos da pesquisa.

5.1 SPEED ASSESSORIA ESPORTIVA

5.1.1 A Empresa

A Speed Assessoria Esportiva teve início no ano 2007, acompanhando o crescimento do

número de praticantes de corrida de rua no Brasil e na cidade do Rio de Janeiro que se

observava naquele momento. E empresa é dirigida por três sócios: o Chico Serra, diretor de

eventos; o Rodrigo Isaac, diretor de marketing; e o Alan Marques, diretor técnico. Os três têm

formação em educação física e pós-graduação em fisiologia do exercício e avaliação

morfofuncional pela Universidade Gama Filho (UGF).

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A Speed iniciou com uma estrutura física no Aterro do Flamengo, focando no treinamento

para corrida e caminhada. Hoje, além do treinamento para corrida, a empresa oferece

diversos serviços na área de saúde e atividade física: organização de corridas e eventos

esportivos; suporte a empresas e aos seus alunos em corridas de rua; SIPAT, cursos e

palestras; nutrição corporativa; consultoria esportiva; avaliação funcional; fitness corporativo;

ginástica laboral e personal trainner.

Hoje, além da unidade no Flamengo, a Speed conta com mais cinco unidades: Barra, Lagoa,

Maracanã, Niterói e Leblon. A unidade do Flamengo oferece opções de horários pela manhã

(das 6h às 9h e 30min), à noite (das 18h às 20h) e aos sábados (das 8h às 11h). As demais

unidades oferecem horários à noite durante a semana e as unidades Lagoa e Leblon nos finais

de semana pela manhã. A Speed tem atualmente 350 alunos e 20 funcionários, entre

professores e estagiários.

Os projetos futuros da Speed incluem a atividade de natação no mar e triátlon, além da

realização de provas de trilha. A empresa recebeu o convite da franquia internacional K42 –

que realiza maratonas de trilha em nove países – para representar a marca no Rio de Janeiro.

Assim, ela organizou a primeira prova de trilha do Rio de Janeiro em 2012, a K21, na cidade

de Arraial do Cabo – escolhida devido a sua exuberante beleza natural. A primeira edição

contou com 900 participantes e a segunda, que acontecerá em maio de 2013, contará com

1.600 corredores. Os sócios apostam nessa modalidade de prova, que eles acreditam ser o

“futuro da corrida”.

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5.1.2 Análise de campo no primeiro contato com a Speed

Meu primeiro contato com o grupo Speed ocorreu no dia 13 de julho de 2012. Era um dia

chuvoso, por volta das nove horas da manhã, e eu tinha terminado de fazer uma corrida no

parque. Fui até a tenda da empresa que fica montada próximo ao monumento Estácio de Sá no

Parque do Flamengo, perto do quilômetro zero da ciclovia.

Eu já tinha observado em outras ocasiões nas quais frequentei o parque que havia uma tenda

de uma assessoria esportiva naquele local. Há outras tendas ao longo da ciclovia, mas a da

Speed é a mais bem estruturada e aparentemente a mais bem equipada e com maior número

de alunos, por isso foi a que me chamou mais a atenção. A estrutura da tenda é simples. É de

lona na cor verde com o nome da empresa e a logo desenhadas na cor branca e com a base de

metal.

Quando me aproximei percebi que as pessoas estavam realizando algum tipo de

comemoração. Tinha aproximadamente 10 pessoas e eles estavam fazendo uma festa de São

João no local. Não consegui contar quantos eram homens e mulheres exatamente, mas achei

bem equilibrado, e percebi que a maioria tinha mais de 30 anos. A tenda estava enfeitada com

bandeirinhas e balões, os alunos estavam usando acessórios, como chapéus e saias por cima

da roupa de corrida, e tinha uma mesa com comidas típicas e bebidas, como refrigerante e

suco.

Inicialmente eu não consegui identificar qual deles era o professor, pois a maioria usava a

camiseta da Speed, mas uma mulher por volta dos 25 anos – uma das professoras – percebeu

que eu tinha me aproximado e me cumprimentou de forma bastante amistosa. Primeiro eu me

apresentei e falei que tinha interesse em saber mais detalhes sobre a Speed e como era o

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método de trabalho deles. A primeira pergunta dela foi se eu praticava alguma atividade ou se

eu já tinha corrido e expliquei que eu corria há um pouco mais de um ano, mas sem

orientação, e queria melhorar meu desempenho e correr distâncias maiores. Conversei com

ela por mais ou menos 20 minutos e durante toda a conversa ela se mostrou muito solícita e

respondeu aos meus questionamentos de forma clara e paciente.

Ela explicou que eles trabalham com planilhas de treino individualizadas que são

acompanhadas pelo professor, que monitora o tempo do treino, a intensidade e a evolução do

aluno. As planilhas são montadas de acordo com o teste de VO2, que é a primeira etapa antes

de iniciar os treinamentos. Esse teste é realizado no próprio parque por um profissional da

Speed e basicamente calcula a quantidade de oxigênio que o corpo consegue “pegar” do ar,

definindo o condicionamento do aluno.

Em seguida eu pedi mais informações sobre a Speed e ela informou que a empresa possui seis

tendas espalhadas em diferentes locais do Rio de Janeiro e que a do Flamengo é a base, pois

está mais próxima ao escritório e onde se concentra o maior número de alunos. Esta funciona

segundas, terças, quintas e sextas, perto do quilômetro zero da ciclovia - das 6h às 9h e 30min

da manhã - e nas quartas-feiras ela fica localizada na praia do Flamengo, onde são realizados

os treinos na areia. Aos sábados funciona das 8h às 11h da manhã.

Nesta ocasião ela também informou que além dos treinos na pista, eles fazem treinos na areia

e na grama e educativos, para melhorar a mecânica dos movimentos realizados durante a

corrida. Aos sábados eles também oferecem aula de pilates, montam uma slackline (uma fita

de borracha esticada e presa entre duas árvores onde a pessoa caminha e tenta manter o

equilíbrio) e realizam alguns “treinões” durante o ano, que são basicamente treinos em grupo.

Ela explicou que eles possuem um calendário anual no qual está previsto estes treinões e os

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eventos de corrida dos quais a Speed participa, levando sua estrutura para atender aos alunos.

Esse calendário é enviado por e-mail ao aluno após a matrícula.

Depois de esclarecer as minhas dúvidas, ela agendou o meu teste de VO2 para o dia 30 de

julho de 2012 às 8h da manhã – o dia previsto para eu iniciar meu treinamento e as minhas

observações de campo. Saí da tenda satisfeita com a recepção e convencida a aderir ao grupo.

Estava um pouco ansiosa, pois foi minha primeira abordagem como pesquisadora, mas fiquei

confiante que este grupo poderia ser capaz de responder às minhas questões de pesquisa.

5.2 OBSERVAÇÕES DE CAMPO E DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE

A análise de dados sugere a existência de seis categorias que auxiliam no entendimento da

formação de tribos de consumo e a integração dos seus membros unidos pela atividade de

corrida. Três categorias de análise referem-se à identificação das tribos: (1) evidências físicas,

(2) evidências temporais e (3) os rituais, que envolve os aspectos simbólicos da prática da

corrida e os sistemas de linguagem utilizados pelo grupo. A quarta categoria se relaciona à (4)

classificação dos papéis adotados pelos membros da tribo. As duas últimas fazem referência

aos aspectos do marketing tribal: (5) o consumo de produtos e serviços associados à atividade

de corrida e (6) as práticas das empresas na promoção do linking value.

Esta análise fará uso do próprio discurso dos entrevistados, bem como trechos de conversas

informais e depoimentos postados na página do grupo no Facebook. Nas citações das

entrevistas serão utilizados nomes fictícios para os alunos e o sócio (TABELA 4). Nas

referências das conversas informais e posts do Facebook serão utilizadas abreviações dos

nomes e a identificação como “aluno” ou “professor”, a fim de garantir a privacidade dos

informantes.

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5.2.1 Identificação da tribo – Evidências físicas

Baseando-se no modelo proposto por Cova e Cova (2001), a identificação da tribo de

corredores será analisada a partir da descrição das suas evidências físicas e temporais e dos

seus rituais. A Figura 4 propõe um modelo comparativo ao Trevo Tribal (FIGURA 1) para

demonstrar os aspectos que identificam a tribo de corredores.

Primeiramente serão apresentadas as evidências físicas que identificam a tribo de corredores

através da descrição dos espaços físicos e virtuais onde os corredores interagem e as ocasiões

nas quais eles se reúnem.

5.2.1.1 Espaço físico e virtual

A mais forte evidência física da existência da tribo é a estrutura montada no parque e na praia

do Flamengo, que serve de apoio para a realização dos treinos, bem como ponto de encontro

para interação entre os seus membros. João, um dos sócios da Speed, explica que o Aterro foi

Figura 4 – Identificação da tribo de corredores.

Fonte: Pesquisa de campo.

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escolhido para a inauguração da primeira unidade da Speed, devido ao potencial do lugar.

Percebia-se que muitas pessoas corriam no Aterro, mas lá não havia assessorias na época.

... a gente vê que existia uma possibilidade de um negócio dá certo aqui no

Flamengo, porque não tinha ninguém que dava treino aqui na área. É uma área nobre

pra você treinar, porque você tem os três tipos de terreno: areia, grama, asfalto. Você

tem uma pista muito boa (João, 31 anos, Sócio-Treinador).

A estrutura da Speed é composta por uma tenda feita de lona na cor verde com a logomarca

da empresa na cor branca na parte de cima, o endereço do site da empresa e a logomarca da

Gatorade (bebida isotônica).

Embaixo da tenda tem uma mesa branca de plástico onde se encontra uma pasta-arquivo com

as planilhas dos alunos e pranchetas com as fichas para matrícula e realização do teste de

VO2. Tem também bancos de plástico, uma pequena estante de plástico preta onde os alunos

e os professores colocam seu material e um garrafão de água com o adesivo da marca

Gatorade e um porta-copos. Ao lado da tenda é colocada uma lona azul com alguns

colchonetes, que também são grafados com a marca Gatorade, onde é feito o alongamento dos

alunos após o treino.

Fotografia 1 - Evidência física – Tenda no parque e na praia.

Fonte: Facebook da Speed.

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Durante as observações, ficou evidente que alguns alunos ficam no espaço da tenda além do

seu tempo de treino. Alguns já se conhecem, aparentemente também interagem fora do

ambiente da Speed, mas na maioria das vezes o assunto está relacionado à corrida: provas que

realizaram ou que ainda irão realizar, o tempo percorrido nas provas, materiais e acessórios de

corrida, entre outros.

... hoje eu estou voltando a treinar depois de um mês parada... eu gostei do seu Polar,

é bonito, feminino. Eu tenho um Garmin, mas tenho medo de sair com ele e ser

assaltada (V., 36 anos, Aluna).

... à noite eu vou voltar pra treinar de novo... tou treinando para Bombinhas e

Búzios... já até me reuni com o João pra gente ver os treinões pra essas provas... (M.,

32 anos, Aluna).

No dia 30 de julho de 2012 a Speed iniciou novas turmas de treino na areia, disponibilizando

a sua estrutura à noite, segundas e quartas na praia do Flamengo, na altura do número 200. Ela

anunciou na sua página no Facebook - outra evidência física da tribo que será abordada mais

adiante – no dia 27 de julho e reforçou com uma nova mensagem no dia 30.

Galera, é hoje o dia da inauguração da aula noturna na Speed Assessoria Esportiva

unidade Praia do Flamengo! Venha participar, escolha a aula de 18h ou às 20h

(Speed, Post no Facebook).

Essa mesma estrutura física também é utilizada como apoio nos treinões (treinos em grupo) e

nos eventos de corrida dos quais o grupo participa, sendo um ponto de referência para os seus

alunos, pois a cor verde é rapidamente identificada como sendo da Speed. Nessas ocasiões a

tenda conta, além da estrutura básica, com uma mesa de café da manhã, um guarda-volumes,

macas para massoterapia (massagem que ajuda a aliviar dores musculares) e banheiros

químicos.

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A evidência física da tribo também pode ser representada pela sua página na rede social

Facebook, que possui aproximadamente 2000 seguidores e é um local de interação constante

entre os membros do grupo. Seu perfil na rede é o principal canal de informações da empresa,

que mantêm os alunos informados sobre as novidades e eventos do grupo, as provas,

parcerias, produtos, serviços e notícias relacionados ao mundo da corrida. Alguns posts

colocados pela empresa na página do grupo ilustram esses aspectos:

Galera, no próximo sábado temos treinão na Loja Mundo Corrida com

experimentação dos produtos Polar!!!

Já experimentou o Pré treino e pós treino da Gatorade? Eles já estão sendo vendidos

no site: www.probiotica.com.br. Speed Assessoria Esportiva e Gatorade - 4 anos de

uma parceria de sucesso!

Corredor Speed, já tem seu óculos para correr? Ele protege seus olhos do sol, da

chuva e poeira nos treinos, além dos galhos de árvore nas provas de trilha. Caso não

possua um ou queira renovar, adquira o seu óculos escuro com 15% de desconto na

Lunetterie Sportif no Rio Design Leblon. Bons treinos.

Boa prova para os guerreiros que vão participar da Hero Cross amanhã!

Uma das principais características dos corredores da Speed que ficou evidenciada nos

depoimentos postados no perfil da empresa é o orgulho que eles demonstram ao compartilhar

os resultados e os sentimentos vivenciados nas provas das quais eles participam. A maior

parte do conteúdo gerado pelos alunos é desse teor e as respostas dos demais membros são

sempre de estímulo, congratulação e reforço para os colegas continuarem praticando a corrida

e seguindo atrás das suas metas.

Primeira medalha de meia maratona....muito feliz por ter terminado bem e dentro da

minha meta!!!!!! Q venham outras..... (N.; 31 anos). Comentário: Parabéns, cada

corrida traz uma emoção diferente e a primeira meia é mesmo especial! Beijão (R.;

35 anos, Aluna).

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...ontem cruzei a linha de chegada do Circuito Rio Antigo chorando, pq sabia que

estava abaixo de 30 min.. Em Fevereiro, correr 500m parecia impossível. Agora, a

cada prova venho diminuindo o tempo aos pouquinhos (G.; 40 anos). Comentário:

Ah eu te avisei que isso iria acontecer! Bem vinda ao mundo dos loucos por corridas

e pela speed. Fico muito feliz por você! Tenho certeza que você fará a meia

maratona no ano que vem! PARABÉNS! Beijos (S.; 47 anos, Aluna).

É evidente, tanto pelo conteúdo dos comentários quanto pelas fotos que são postadas pelos

alunos no seu perfil pessoal ou no da própria Speed, que os corredores gostam de

compartilhar fotos com o seu número de peito (número que fica preso na camiseta para

identificar o corredor) e a medalha que recebem após a prova. Muitos especificam o tempo e

distâncias percorridos, o pace (ritmo) da prova e as emoções que sentiram.

Em 29/07/2011, trotava os primeiros e intermináveis 3,53 km em eternos 25

minutos. (...) O primeiro treino foi em 23 de setembro com um Fartleck de 3000m a

6:29 + 5 tiros de 200m a 5:45. Quase morri. Mas de lá para cá já foram 4 corridas de

rua (10K) mais 2 meias maratonas e pelo menos 4 treinos por semana. Isso sem

contar com os quase 15 kg que não preciso mais carregar (A.; 47 anos).

NOVO RECORDE PESSOAL nos 5 kms: 23':46" e 266º no geral. Quando que eu

poderia imaginar estar dentro dos TOP 300 em uma prova? Bom demais!! (M.; 54

anos).

Missão cumprida, 12Km em 1:01h!! Agora sim iniciando o projeto 42Km Cross

Country de Búzios! Vamos que vamos Speed! (C.; 35 anos).

Como corredora eu experimentei esse mesmo sentimento, de estar me superando, orgulhosa do

meu desempenho e alcançando novos objetivos. Os próprios professores que preparam as

planilhas de treino nos estimulam a colocar metas de curto e longo prazo, que podem ser

novas distâncias, modalidades de corrida diferentes ou mesmo uma prova da qual o aluno

nunca tenha participado. Eu me senti feliz e estimulada a postar no meu perfil pessoal no

Facebook os resultados das minhas primeiras corridas de 5 km e 10 km, ambas com o

sentimento de dever cumprido e de ser uma vitoriosa.

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Dia de quebrar recorde pessoal... 5km em 36'33'' :) (Pesquisadora, 16/09/2012).

Primeira prova de 10km completada com sucesso! Tempo oficial de 1:11:24 :) valeu Speed!! (Pesquisadora,

21/10/2012).

5.2.1.2 Ocasiões

Além dos espaços físicos e virtuais onde os indivíduos interagem, outro indício espacial são

os momentos nos quais os membros da tribo se reúnem para seus rituais (ocasiões). Na tribo

de corredores pesquisada, além do dia a dia de treinos, as principais ocasiões nas quais eles se

reúnem são os treinões e as provas oficiais das quais eles participam.

A rotina de treinos é marcada por um ritual relativamente simples. O aluno se dirige à tenda,

um dos professores disponíveis localiza a sua planilha no arquivo e escreve a data do dia que

será feito o treino. O cabeçalho da planilha – que pode ser visualizada no Anexo A – contém

os seguintes dados: nome, idade, frequência máxima, frequência basal, VO2 máximo, unidade

onde o aluno treina, o professor que elaborou a planilha e a data de início dos treinos.

Fotografia 2 - Número de peito e medalha da primeira prova da pesquisadora.

Fonte: Diário de campo.

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Cada planilha abrange três semanas de treinamento e é composta por quatro colunas: treino,

estímulo, recuperação e final. Na coluna “treino” há o espaço para o professor preencher a

data e é onde está especificado o tipo de treino do dia: areia, grama, intervalado, fartlek,

longo, rodagem, contínuo (os tipos de treinos serão descritos mais adiante). Na coluna

“estímulo” está especificado: a intensidade da frequência cardíaca em percentual, o número de

estímulos (se é um treino ininterrupto ou fragmentado), a velocidade em km/h, a distância a

ser percorrida em km, o tempo proposto para o treino e o pace, que é o tempo que o corredor

leva para percorrer 1 km.

A coluna “recuperação” tem as mesmas informações da coluna “estímulo”, mas com os dados

referentes à parte do treino na qual o aluno está se recuperando de um estímulo mais forte que

foi dado anteriormente. Por exemplo, ele faz um tiro (corrida rápida) de 1 km (estímulo) e

caminha 500 m (recuperação). A última coluna é a “final” que contém a distância que deve

ser percorrida, o tempo sugerido e o tempo real, onde o professor preenche, após o treino, o

tempo que o aluno levou para concluí-lo. Nesta coluna o professor também especifica se o

aluno achou o treino fácil, moderado ou forte e, por fim, há as calorias perdidas no treino. No

final de cada semana há uma linha com o resumo da distância percorrida, tempo e gasto

calórico semanal.

A planilha é feita de forma personalizada, pois cada aluno tem um perfil e objetivos

diferentes. Os treinadores incentivam os alunos a colocarem uma prova como meta específica

e eles registram essa “prova-alvo” na planilha.

A meta da sua próxima planilha é de 10 km... é importante você definir uma prova

específica para ser sua meta, aí eu já incluo na planilha, ok?! (G.; 25 anos,

Professor).

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A gente trata todos os alunos individualmente, cada caso é um caso, até porque esse

é o primeiro princípio do treinamento desportivo, né, que é o princípio da

individualidade biológica. Cada indivíduo está em um momento (João, 31 anos,

Sócio-Treinador).

Eu acho que o que serve pra mim não serve pra vc... eu acho que não adianta você

pegar aquelas revistas de corrida, com aquelas planilhas iguais pra todo mundo, eu

não acho legal, acho que tem que ser personalizada (Ana, 35 anos, Corredora de

5km).

Essa planilha é enviada por e-mail ao aluno, que faz uma impressão e a leva para a tenda para

ser guardada na pasta. Ela serve de guia para o aluno e para o professor, pois o permite

acompanhar o desempenho do corredor ao longo das semanas e planejar a próxima planilha.

A média é de três treinos por semana, mas depende do objetivo de cada aluno, podendo

chegar a cinco. No entanto, o recomendado é que haja um dia de descanso entre os treinos,

dependendo da intensidade e do tipo de exercício. Todos os dados ficam registrados na

planilha e são preenchidos na hora em que o aluno está na tenda. Quando o aluno termina o

treino, o professor preenche os dados na coluna “final” e é feito o alongamento, concluindo o

treino do dia.

... é normal depois do treino na areia você sentir meio que a panturrilha travada,

sabe?! No início tem que pegar mais leve, principalmente nos primeiros treinos...

mesmo que você tenha a sensação que tá leve... (N.; 25 anos, Professora).

Outra ocasião que tipicamente reúne os alunos são os treinões. São treinos organizados pela

empresa e reúne os alunos em um local e horário pré-definidos, geralmente algum dos pontos

onde a Speed tem a sua estrutura montada. Esses treinões têm o intuito de reunir os corredores

para celebrar algum evento importante para a equipe, oferecer treinos específicos para

algumas provas ou apenas para integração dos alunos.

Os sócios entendem a importância desses eventos como forma de socialização entre os alunos

e de fortalecimento do relacionamento empresa-cliente. Percebe-se que há forte aderência por

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parte dos alunos, que relataram a importância desses momentos de integração e

confraternização e sugerem que deveriam acontecer com mais frequência.

Nós nunca fazemos um treinão para um único perfil de corredor... procuramos

sempre oferecer opções para alunos de diferentes níveis, assim todos podem

participar (...) O objetivo principal é da socialização (...) Pro grupo dá certo eu

preciso de momentos aonde a experiência entre essas pessoas seja a mais perfeita

possível, que eles venham pra cá, onde eles tenham um momento de treino

agradável, onde tenham pessoas dando suporte, onde ele troque experiências com os

pares dele, com o treinador dele, onde ele possa brincar, confraternizar de uma

maneira completa (João, 31 anos, Sócio-Treinador).

... em geral os treinões eu sempre faço questão de participar porque eu acho que é

sempre o momento de encontro e de troca, então sempre é bom (Maria, 39 anos,

Corredora de 10km).

É fundamental porque é uma maneira de agregar alunos antigos com alunos novos,

com pessoas novas, que tão começando, tão tomando gosto pela coisa... é legal

(Vicente, 42 anos, Corredor de 42km).

Após o início da coleta de dados, o primeiro treinão realizado foi dia 4 de agosto de 2012, um

dia de sábado. Eu estava na equipe há apenas uma semana e não me sentia segura em fazer

todo o percurso correndo. Como os demais alunos não tinham conhecimento do meu

propósito de pesquisa, eu achei pertinente não participar do evento apenas observando. No

entanto, conversei com os professores e com um dos sócios sobre o treinão e acompanhei a

repercussão no Facebook.

O ponto de encontro foi na loja de artigos de corrida Mundo Corrida, uma das parceiras da

Speed, localizada na Av. Ataulfo de Paiva, no bairro Leblon. Este treinão foi organizado para

os alunos que iriam participar da maratona de Bombinhas, para se prepararem com um treino

específico que incluísse subidas e trilhas. Também teve como objetivo lançar a nova camiseta

da Speed e apoiar o projeto “Rota 5k do Futuro”, que atende crianças e adolescentes entre 6 e

15 anos da comunidade Chapéu Mangueira no Leme, oferecendo orientações no treinamento

de atletismo para a formação de futuros atletas.

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Corredor Speed, Amanhã (04/08) teremos o treinão Speed/Mundo Corrida com

distâncias de 5 Km (sem subida), 4 ou 11 Km (com subida). Para este evento

estaremos recebendo doações de tênis, shorts, camisas e squeezes para o projeto

social Rota 5K do Futuro, que contempla crianças da comunidade do Chapéu

Mangueira, no Leme... (Speed, Post no Facebook).

A repercussão do treinão no Facebook foi bastante positiva. Muitos alunos comentando que

foi um dos melhores treinões da Speed e que adoraram a camiseta nova.

Treinão Speed de hoje maravilhoso!!! Saímos do Leblon, pegamos subidas, trilhas,

chegamos na Rocinha, Gávea, ladeirão na Timóteo e areia na praia do Leblon,

mergulho e confraternização na loja Mundo Corrida. Lançamento da linda camisa da

Speed/Polar na cor preta. Doações para o projeto Rota 5k do Futuro. Parabéns e

obrigado guerreiros Speed!!! (Speed).

Super treinão Speed/Mundo Corrida hoje, com pista, ladeiras, trilha na mata no

Parque 2 Irmãos, subidas, descidas, areia, ..., treino completo, muito bom!!! (M.; 54

anos).

No dia 2 de setembro de 2012, um dia de domingo, participei do meu primeiro treinão, que foi

realizado para inaugurar a nova unidade da Speed na praia do Leblon, entre os postos 11 e 12.

Senti-me mais confiante para participar deste evento, pois já estava há um mês na equipe e

apesar de ainda não correr 6 km (a distância do treinão) eu estava preparada para encarar o

desafio. No último treino antes do evento conversei com o meu treinador e ele disse que

também iria participar. Achei essa iniciativa importante, pois me senti estimulada ao saber

que meu professor também iria correr.

... pode chegar lá umas 7h 30min para a concentração que saímos umas 8h... serão 6

km com uma surpresa. (...) Eu também irei correr... corro três vezes por semana à

noite na areia em Ipanema... (G.; 25 anos, Professor).

Na noite anterior ao treinão eu estava um pouco ansiosa com o evento, demorei um pouco

para conseguir dormir. Estava preocupada não só com o meu desempenho, mas também em

conhecer novos membros do grupo e me integrar. Cheguei ao local marcado por volta das 7h

30 min e já devia ter umas 30 pessoas no local, todos com a camiseta verde da Speed. Dirigi-

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me à tenda e observei que tinham duas professoras dando apoio aos alunos e que havia uma

mesa de café da manhã montada. Recebi a minha camiseta da Speed e guardei a minha

mochila.

Foi perceptível naquele momento um vínculo quase que instantâneo com os demais membros

do grupo. Esse vínculo ficou evidenciado por dois motivos: (1) estar participando de um

evento cujo caráter era de apoio à Speed, ou seja, cuja presença não era obrigatória, mas que

fez com que mais de 80 alunos acordassem cedo em um domingo para prestigiar a Speed, (2)

e por estar vestindo a camiseta verde da equipe pela primeira vez. O sentimento de

pertencimento ficou mais evidente e forte nesse momento. Era como se, naquele momento eu

fosse oficialmente uma “speediana”.

Por volta das 7h 50min, o Chico (um dos sócios) reuniu o pessoal, falou um pouco sobre a

nova unidade da Speed, dias e horários de funcionamento, e enfatizou que a partir daquele

momento seria oferecida a opção de treinos aos domingos. Ele também explicou que após o

treino haveria o sorteio de brindes da loja Mundo Corrida, da Track & Field e a da ótica

Fotografia 3 - Treinão de inauguração da unidade Leblon.

Fonte: Facebook da Speed.

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Lunetterie, outra parceira da Speed. Ele explicou como seria o percurso, fez um breve

aquecimento e alongamento e partimos para o treino.

Eu não sabia exatamente como seria feita a corrida. Largamos todos juntos, mas percebi que

cada um fazia o seu treino no seu ritmo. Aqueles que já se conheciam e treinavam juntos

correram em duplas ou pequenos grupos. Outros membros correram sozinhos, como foi o meu

caso. Apesar de “sozinha”, no meu pace, eu sempre estava visualizando algum corredor da

Speed, o que fazia com que eu me sentisse correndo em grupo.

Ao final do treino tinha o café da manhã e macas para fazer massoterapia. Tinham duas

profissionais da Nutricorp – Nutrição Corporativa, mais um dos parceiros da Speed,

realizando um jogo com os alunos e oferecendo brindes. Participei de tudo que estava sendo

oferecido e neste dia conheci vários membros do grupo que eu tinha visto apenas na unidade

do Flamengo ou no Facebook.

Conversei com alguns corredores e observei sobre o que eles conversavam e, como já tinha

sido constatado nos treinos no parque do Flamengo, percebi que o assunto geralmente girava

em torno da corrida.

Ah, a sensação de correr a São Silvestre é indescritível... o clima das pessoas, elas

vão mesmo pra apoiar os atletas sabe?! A organização... a melhor prova que já

participei (E., 42 anos).

Quando eu comecei a correr com as meias de compressão eu senti uma diferença

grande, principalmente pra distâncias maiores... é meio quente, aperta um pouco,

mas eu recomendo... (N., 31 anos).

Comprei esse óculos lá na Lupa Lupa, lá no Rio Sul... não é dos melhores, mas é

bem mais barato que Nike e essas outras marcas... (M.; 39 anos).

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Além dos treinos diários e os treinões, outra ocasião que une os membros do grupo são as

provas oficiais das quais eles participam. Percebi pelas observações de campo que os

corredores têm metas a serem atingidas e essas metas geralmente convergem para uma prova

específica. Os treinos são planejados visando uma prova a curto ou médio prazo, mantendo o

corredor mais focado e estimulado.

Eu comecei a me preocupar com meu pace, com meu ritmo, a tentar fazer a planilha

certinha... hoje eu treino muito mais forte e com mais objetivo do que antes, hoje eu

sei que pra eu chegar bem na meia, eu tenho que tá muito bem nos 10 (...) Essa meia

maratona, ela é uma conquista pessoal, não é só em relação ao desempenho (Maria,

39 anos, Corredora de 10km).

Esse ano tá todo baseado, desde o início do ano que eles já sabem, entendeu, que

esse ano tá todinho focado na meia maratona de julho... E tudo que acontecer até lá,

todas as provas até lá, é, que vão acontecer no caminho, elas serão consideradas

como treino... pra atingir esse objetivo (Ricardo, 54 anos, Corredor de 21km).

No início do ano a Speed já divulga entre seus alunos um calendário que contém as provas e

os eventos dos quais a empresa irá participar, facilitando o planejamento das metas. Assim

que eu me matriculei no grupo eu recebi o calendário por e-mail e coloquei como primeiro

objetivo pessoal realizar uma prova de 5 km. Minha meta era, portanto, participar da prova do

Circuito das Estações – Etapa Primavera, que aconteceria dia 16 de setembro de 2012.

Esse circuito está presente em nove capitais brasileiras, conta com quatro etapas por ano e é

promovido pela marca Adidas e pela O2, um portal sobre provas de corrida, maratonas e

caminhada. Geralmente a Speed está presente em todas as provas desse circuito realizadas no

Rio de Janeiro.

... é uma das provas mais cheias... na última tinha mais de 10.000 pessoas (...) A

tenda da Speed fica perto da largada... é uma das maiores que tem montada lá... (L.;

23 anos, Professor).

... ah, no dia que é prova da Adidas tem que ir a equipe toda porque fica lotado! (G.;

24 anos, Professora).

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No domingo, dia 16 de setembro de 2012, cheguei ao local da prova – Aterro do Flamengo,

próximo ao Monumento dos Pracinhas – por volta das 7h 15min. Rapidamente eu identifiquei

a tenda da Speed. Era uma estrutura com três tendas, maior e mais bem equipada que a do

treinão. Tinha um grande guarda-volumes, banheiro químico e uma mesa de café da manhã.

Todos os professores estavam trabalhando no evento. Peguei o meu kit, coloquei o número de

peito e o chip no tênis, para marcar o tempo da prova.

Eu fui vestida com a camiseta da Speed, pois percebi pelas fotos postadas no Facebook pelos

demais membros, que a maioria não usa a camiseta fornecida no kit da prova, mas a da Speed.

Mais um reforço ao sentimento de pertencimento ao grupo e espírito de equipe que são

compartilhados entre os membros da tribo.

Fotografia 4 – Pesquisadora no Circuito das Estações – Etapa Primavera.

Fonte: Diário de campo e Foco Radical.

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Eu estava bem ansiosa para fazer a minha primeira prova. Além de tentar completar os 5 km,

queria fazer um bom tempo. Antes de iniciar a corrida encontrei alguns colegas que conheci

no treinão. Percebi que os corredores que correm há mais tempo ou fazem provas mais longas

e de trilha não estavam presentes. O perfil dessa prova são pessoas que estão iniciando,

fazendo a primeira prova ou querem melhorar o tempo nos 10 km.

A largada da prova foi às 8h da manhã. Como tinham muitas pessoas participando, levou

alguns minutos até que eu conseguisse atravessar o painel da largada. O primeiro km estava

meio “congestionado”, pois havia muitas pessoas apenas caminhando. Percebi durante o

percurso que tinham vários fotógrafos na pista fotografando os corredores. Eu comprei uma

das fotos tiradas pelo site “Foco Radical”, ilustrada anteriormente na Fotografia 4.

Consegui concluir a prova em um tempo melhor do que eu esperava. O sentimento de

finalizar uma prova é de dever cumprido, de que os treinos valeram a pena. É uma sensação

de vitória, de ter se superado. Eu não me senti competindo com os outros corredores, mas

tentando melhorar o meu próprio desempenho. Esse sentimento torna a atividade de corrida

extremamente prazerosa e finalizar uma prova é o ápice dessa realização.

Ah é muito bom, dá vontade de gritar, de anunciar pra todo mundo “ahh

consegui!!”... e o meu tempo baixou muito também... fiquei muito feliz... dá vontade

de gritar pra todo mundo, né?! (Ana, 35 anos, Corredora de 5km).

Você não tem só aquele momento da prova, você tem todo o histórico que te levou

até aquele momento. Tudo que você sofreu, toda chuva que você pegou pra treinar,

entendeu?! É... todo treinamento que te levam até aquele momento e ali na linha de

chegada você vê “pô, eu consegui”... ah, ninguém tem noção do que é você

conseguir às vezes dois segundos, três segundos, 10 segundos que sejam, mais

rápidos do que aquilo que você queria... essa sensação, é, não adianta, ela é

indescritível. Só quem corre é quem talvez saiba o que é isso (Ricardo, 54 anos,

Corredor de 21km).

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Ao término da corrida observei diversos corredores compartilhando com seus professores o

seu tempo, felizes com seus resultados, principalmente aqueles que estavam completando a

primeira prova, como era o meu caso. A resposta era sempre de incentivo, de apoio para

continuar treinando. Vale destacar também, que cerca de três horas após a prova eu recebi

uma mensagem de celular da organizadora me parabenizando e informando o meu tempo

oficial, demonstrando a preocupação da empresa em manter o vínculo do corredor com a

experiência vivida.

As evidências físicas compostas pelos espaços onde os membros da tribo de corredores se

reúnem e as ocasiões nas quais eles interagem são os primeiros indícios da existência dessa

tribo. A seguir serão discutidos os sinais temporais, evidências mais abstratas que também

auxiliam na sua identificação.

5.2.2 Identificação da Tribo – Evidências Temporais

Seguindo o mesmo modelo proposto por Cova e Cova (2001), além dos indícios espaciais há

também os temporais, que envolvem as atividades do dia a dia e as experiências

compartilhadas entre os membros de uma tribo. Os sinais temporais também estão

relacionados à percepção de tempo percorrido, a evolução do membro na tribo, desde o seu

primeiro contato, integração e evolução dentro do grupo.

A fim de facilitar a compreensão dessas evidências, as análises serão feitas através da

descrição de uma linha do tempo que mostra a evolução do membro na tribo a partir das

atividades e experiências vivenciadas em campo.

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A Figura 5 ilustra as atividades e os eventos vivenciados pela pesquisadora como membro da

tribo de corredores durante o período de observações. Na parte superior da linha do tempo

estão os eventos: início das atividades, treinão, testes de VO2 e provas realizadas. Na parte

inferior estão as atividades do dia a dia representadas pelas planilhas de treino.

É possível verificar que existe um padrão na evolução dos treinos. A cada duas planilhas –

que foram detalhadas anteriormente na explicação das evidências físicas – é realizado um

teste de VO2, que calcula a quantidade de oxigênio que o corpo consegue “pegar” do ar,

definindo o condicionamento do aluno. Esse teste é feito no próprio parque por um dos

professores em uma rotatória de 250 metros que fica próxima à tenda. A cada teste realizado o

aluno também preenche novamente uma ficha, na qual ele coloca a última prova da qual

participou, o tempo que levou para percorrer a distância e a próxima meta.

Figura 5 – Evidências Temporais – Linha do Tempo: evolução da pesquisadora como corredora.

Fonte: Pesquisa de campo.

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À medida que você for aumentando o volume seu VO2 aumenta... é normal ele subir

devagar... e não se preocupe com esse número porque depende do protocolo que é

usado também... (G.; 25 anos, Professor).

O teste que a gente faz hoje é um teste de ciclismo que nós adaptamos pra corrida.

Validamos, publicamos... o teste tá validado... então em cima da ciência a gente foi

construindo a metodologia de trabalho que nos permite avaliar e prescrever o

treinamento tanto com segurança, tanto com qualidade (João, 31 anos, Sócio-

Treinador).

Você pode colocar como meta diminuir seu tempo numa distância... pode também

querer aumentar o seu volume... depende do seu objetivo... (G.; 25 anos, Professor).

Percebe-se também, a cada duas planilhas, que há uma evolução significativa no volume dos

treinos e no tempo total a ser desempenhado pelo corredor. Nas observações de campo, minha

evolução como corredora é claramente visível ao se comparar a primeira planilha, que previa

um total de 29,5 km a serem corridos, e a terceira, que contemplava 51,7 km.

Nessa planilha eu vou colocar treinos mais longos, tipo rodagens e contínuos... é

bom pra você ganhar volume... rumo aos 21! (G.; 25 anos, Professor).

Essa evolução exige do corredor mais dedicação aos treinos, fazendo com que ele passe mais

tempo em contato com os demais membros da tribo, o que fortalece os laços entre eles.

Percebi que o vínculo com os demais corredores se tornou mais forte à medida que eles

verificaram que eu estava empenhada e assídua aos meus treinos, sendo comum cruzar com

eles na pista do parque e receber palavras de incentivo.

As observações de campo também possibilitaram a verificação de que a evolução do corredor

está fortemente relacionada ao consumo de determinados produtos e serviços, como as

inscrições para participar das provas, por exemplo, ou suplementos exigidos para treinos mais

longos. Esse item será detalhado mais adiante quando for explicado o consumo de produtos

associado à atividade de corrida.

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... humm, agora é importante você começar a ver a questão da suplementação...

treino acima de uma hora já é bom ter um gelzinho... (N.; 25 anos, Professora).

... esse tênis é ótimo para treinos mais curtos... super confortável, adorei! E ainda

consegui desconto no stand da Nike ... (S.; 47 anos, Aluna).

As práticas do dia a dia oferecem uma diversidade de experiências ao corredor, que podem ser

vivenciadas individualmente ou em grupo. A realização da planilha, por exemplo, envolve

diferentes tipos de treino, que podem ser feitos no asfalto, areia ou grama. No asfalto os

treinos podem ser classificados como intervalado, fartlek, longo, rodagem ou contínuo, termos

usados normalmente entre os membros da tribo.

Considerando o que foi vivenciado em campo, pode-se descrever o intervalado como um

treino com tiros - corrida em um pace menor, ou seja, mais rápida –, seguidos de descansos

curtos para recuperação. O fartlek é um treino misto, que pode ser feito uma parte no asfalto e

outra parte na areia, ou na grama; ou também todo no asfalto, mas com uma parte de corrida

contínua e outra de tiros. O longo, rodagem e contínuo são parecidos, pois são todos no

asfalto num pace constante. A rodagem tem o menor pace e o longo a maior distância.

Cada treino é uma experiência diferente, que muitas vezes é compartilhada com os demais

membros do grupo com orgulho, como mais um desafio alcançado. Essa sensação após cada

treino forte concluído é um dos principais “combustíveis” para o corredor traçar metas mais

difíceis e inspiradoras. Posts dos corredores no Facebook ajudam a ilustrar esse sentimento:

Treino de hoje: 1 x 1500 (9':13") + 5 x 200 (0':52") + 1 x 1500 (9':13") + 5 x 400

(1':49") + 1 x 1500 (9':13") + 10 x 100 (0':23"). Quem corre sabe o que é isso, e sabe

que não é nada fácil, ainda mais debaixo de "um sol pra cada um". Confesso que

quando vi isso na planilha, além de achar que seria muito difícil conseguir... (...).

Mas a sensação de ter conseguido, e com todos os tempos abaixo do prescrito..., não

existe igual! "Endorfinado" até agora! (M.; 54 anos, Aluno).

Mais um treino para Maratona de Búzios. Rua Alice-Sumaré-Paineiras-Rua Alice.

31K de muita subida, descida e principalmente muita diversão! (F.; 35 anos, Aluno).

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É comum entre os corredores do grupo eles se organizarem e combinarem para fazer

determinados treinos em conjunto – mais um aspecto que fortalece a união entre eles. No dia

18 de dezembro de 2012 fiz um treino com uma colega em um percurso que os membros da

Speed chamam de “Claudio Coutinho”, pois sai da tenda no parque, vai até uma pista no

bairro da Urca chamada Claudio Coutinho e retorna à tenda, totalizando 10,5 km.

Neste dia eu corri sem o Ipod, conversando com minha colega e curtindo o visual. Também

usei pela primeira vez o meu cinto de hidratação (cinto que comporta garrafinhas de água,

usado para distâncias maiores). Foi um treino mais descontraído, com menos preocupação

com o tempo. Interessante que após o treino, um dos professores comentou que tinha gostado

de ver nós duas correndo juntas e que ele quer combinar de fazer uma corrida com a gente.

Ficou perceptível que, além de correr a fim de melhorar o desempenho, os membros do grupo

também se reúnem para correr por lazer. Um bom exemplo são os treinões, que apesar de

serem curtos – uma média de 6 km – têm a aderência de todos os perfis de corredor, que

querem prestigiar a equipe independente se estão fazendo um treino programado na planilha.

Fotografia 5 - Pista Cláudio Coutinho.

Fonte: Lunetterie (Blog).

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Fazendo referência novamente à Figura 5 (linha do tempo), é evidente ao analisar os eventos

da parte superior da linha, que a evolução nas provas segue uma sequência cronológica

alinhada aos treinos desenvolvidos, tanto na distância quanto no tempo. Após a “Planilha 3” -

quando foi observado um aumento significativo no volume de treinos – foi realizada a

primeira prova de 10 km. E comparando as duas provas de 5 km – o Circuito das Estações e o

Circuito Vênus -, verifica-se que na segunda o tempo foi menor em quase quatro minutos,

ratificando a evolução do corredor durante o período de observação.

O Circuito Athenas, minha primeira prova de 10 km, foi uma das experiências mais marcantes

durante o período de observação. Acho relevante descrevê-la, pois ela envolve diversos

aspectos que ajudam a ratificar e existência dos indícios temporais que identificam uma tribo

de corredores: experiências do dia a dia, evolução como corredora e experiências

compartilhadas com outros membros do grupo.

Quando entrei no grupo eu ainda não corria 5 km e depois que completei essa distância em

setembro de 2012 eu coloquei como meta correr 10 km, mas ainda parecia algo muito

distante, quase que impossível de se conquistar. A Planilha 3 foi feita para atingir essa meta e

treinei com bastante dedicação. O treino mais longo que fiz foi um de 8 km, dia 30 de

setembro, o mesmo dia em que fiz a inscrição para a prova.

... uma semana antes da prova você faz só os treinos regenerativos... por isso que

coloco o treino mais longo uma ou duas semanas antes... (G.; 25 anos, Professor).

Como seria a minha primeira prova mais longa era necessário também testar o gel de

carboidrato, um gel que contém carboidrato concentrado usado para treinos ou provas com

mais de uma hora de duração. Recebi orientação dos professores e no treino do dia 18 de

outubro eu levei um gel para tomar e testar antes do dia da prova, pois alguns corredores têm

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reações e passam mal com ele. Eu tomei um da marca Exceed, o mesmo que levei para a

prova. Além do gel, eu também comprei uma bermuda da Nike com bolso para levá-lo, pois

ele é tomado durante o percurso.

É bom você testar ele antes da prova porque tem gente que passa mal, tipo tem

diarreia, sente enjoo, sabe?!... e eu prefiro os sabores cítricos ou baunilha... o

chocolate também, mas pode ser meio enjoativo... (N.; 25 anos, Professora).

... você toma ele depois de uns 40 minutos de prova... assim, quando você avistar um

posto de hidratação você já toma e pega um copinho de água... tem que tomar água

porque ele faz tipo um “bolo” na boca, sabe?!... (N.; 25 anos, Professora).

Na semana que antecedeu a prova fiz treinos mais leves para não comprometer o resultado.

Combinei com duas colegas do grupo de irmos juntas para dar força uma pra outra. Uma delas

também estava fazendo sua primeira prova de 10 km. Na noite anterior a prova eu estava

muito ansiosa. Acordei antes do alarme, às 5h 45min da manhã, pois a largada seria às 7h

30min.

Minha meta era fazer a prova em um tempo aproximado de 1h e 15 min. Consegui correr o

percurso inteiro, tomei o gel por volta do sétimo quilômetro e quase no nono eu encontrei uma

das minhas colegas. Ela falou pra mim que estava “morta”. Eu até tinha condições de ir mais

rápido, mas reduzi a velocidade para acompanhá-la até a linha de chegada. Consegui fazer um

tempo de 1h 11min 24seg. A sensação após a prova era de euforia, sentimento de objetivo

alcançado, o que deu mais ânimo para continuar com os treinamentos. Esse sentimento é

ratificado pelo relato de um dos informantes:

... quando faltava uns 500 metros, eu falei “vou olhar pro relógio”... quando eu olhei

pro relógio, eu não acreditei, “pô uma hora, eu vou baixar meu tempo de novo, eu

não acredito!”. E aí aquela sensação de não acredito, mas tou fazendo, a sede... eu

dei um pique... quando eu terminei a corrida eu tava em puro êxtase, eu nunca fiquei

assim numa corrida (Maria, 39 anos, Corredora de 10km).

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A finalização dessa prova deixou evidente que a rotina de treinos precisa ser planejada e

orientada para um objetivo específico. Durante a evolução do corredor, as provas funcionam

como balizadores do seu desempenho, motivando-o a dar continuidade à atividade e,

consequentemente, a se manter como membro da tribo.

Seguindo os treinamentos direitinho e tal, eu praticamente já bati todos os meus

tempos, entendeu?! Só falta agora os meus 21, que eu só não, eu tenho certeza

absoluta, eu só não bati o ano passado porque eu corri a prova doente (Ricardo, 54

anos, Corredor de 21km).

Minha primeira meia maratona, lembro como se fosse hoje, fiz em 2h e 19, quando

fiz a segunda já fiz em 1h e 48, quase meia hora menos com um intervalo de uns 6

meses. Peguei gosto assim, né?! Incorporou (Vicente, 42 anos, Corredor de 42km).

Na descrição dos indícios espaciais e temporais verifica-se a presença de diversos aspectos

que caracterizam os rituais, considerando a sua dimensão coletiva e sua capacidade de unir o

indivíduo à tribo. Apesar de muitos desses aspectos terem sido anteriormente analisados,

percebe-se necessário um melhor detalhamento desses rituais e seus sistemas simbólicos e de

linguagem específicos da tribo estudada.

Fotografia 6 – Pesquisadora no Circuito Athenas.

Fonte: Foco Radical.

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5.2.3 Identificação da Tribo – Rituais: símbolos e sistemas de linguagem

Os rituais são compostos por sistemas de linguagens, objetos e símbolos compartilhados, e

por comportamentos específicos dos membros que formam uma tribo. Durante a pesquisa

ficou claro que a corrida oferece um espaço de ritualização, seja do ponto de vista do

indivíduo, quando ele se entrega a uma “paixão”, quanto do coletivo, quando se analisa as

experiências vividas nas ocasiões como as provas e os treinões do grupo.

Um dos símbolos do indivíduo-corredor que ficou mais explícito nas observações de campo

foram os sacrifícios e privações aos quais eles estão dispostos a passar para atingir seus

objetivos. Ao longo da pesquisa foram frequentes os relatos de corredores que treinam e

correm sentindo dores ou desconforto físico e que se sacrificam durante meses de

treinamento, os quais exigem disciplina nos horários, alimentação e descanso. Além disso,

significa terem que abdicar do tempo que passariam com seus amigos e familiares, já que

muitos treinos são realizados nos finais de semana. No entanto, foi percebido que eles

encaram esses sacrifícios com orgulho, pois para eles é sinônimo de perseverança e

superação, como no relato no Facebook de um dos corredores da Speed após se inscrever para

a Super Maratona de Friburgo, com percurso de 50 km:

... a superação do Ilson e Froes indo pra Comrades, em Santiago, convivi na largada

com o temor da Suelen de não chegar, mas ela chegou, o sofrimento da dor do Isaac

que passou 27 km lesionado e a parceria do Chico, convivi com as lesões do Alan na

lombar, enfim... acho que é exatamente isso, somado aos "porra, você é maluco" que

resolvi me inscrever nesta prova. Bom, não sei se vou completar, como vou chegar,

mas estarei lá. Vou até o final, o meu final, até onde não aguentar mais, sei que farei

meu melhor (D.; 33 anos).

Esse depoimento também evidencia outra dimensão do corredor verificada nas observações: a

do companheirismo com o colega de equipe. Foi percebido que muitos corredores fazem

provas em dupla, muitas vezes um deles abre mão do seu pace e diminui seu ritmo para

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acompanhar o colega, assim como nos treinos longos em pequenos grupos. É muito comum

um dos corredores ir apenas dando apoio, acompanhando de bicicleta ou de carro, levando

água e suplementação para os que estão correndo.

Eu às vezes posso até treinar com uma pessoa que vai fazer um treino, como eu

posso explicar... um treino é... digamos assim, de menos desempenho que o meu,

por exemplo. Nesse momento eu tou consciente que eu tou dando uma força pra essa

pessoa (Ricardo, 54 anos, Corredor de 21km).

Agora em casa, relaxando, com as pernas para o alto posso fazer os agradecimentos

para aqueles que tornaram este momento especial para mim. Primeiramente a minha

amiga e dupla M. S. que topou o desafio de correr ao meu lado (...) E por fim um

agradecimento para minha amada esposa e meus queridos amigos que convivem

conosco e dividem cada km de asfalto e grama no nosso quintal!!!!! (R.; 35 anos).

Vivenciei esse sentimento no final da prova do Circuito Athenas de 10 km – descrita

anteriormente na análise das evidências temporais – quando desacelerei no último quilômetro

para dar apoio a uma amiga. A sensação não foi de frustração por ter feito a prova em um

tempo maior do que eu poderia ter feito, mas de felicidade por ter terminado a prova juntas.

Esse é o espírito do corredor.

Essa dimensão ficou clara no evento que aconteceu dia 07.12.2012, a “Ultra Solidária 126k”.

Esse evento foi idealizado por um dos membros do grupo, o Ilson Júnior, que tinha como

meta correr 126 km. O percurso tinha início no aterro do Flamengo no Rio de Janeiro,

passando por Santanésia – a cidade onde ele cresceu - e finalizando em Barra do Piraí, sua

cidade natal. O principal objetivo era incentivar a prática esportiva e mostrar que a

solidariedade pode ser praticada de diversas formas, pois ele contou com doações de pessoas

físicas e jurídicas que foram entregues a três instituições de caridade.

Durante o percurso de 126 km, o corredor contou com o apoio de diversos colegas do grupo.

Alguns deles se revezaram correndo alguns trechos juntos com ele, outros correram para

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garantir a hidratação em alguns pontos e outros foram de carro levando o material necessário

para a realização da corrida. Percebeu-se um engajamento coletivo para que o evento fosse

realizado com sucesso. Toda a corrida foi registrada e compartilhada no Facebook em tempo

real, com uma grande participação dos demais membros, sempre com mensagens de apoio.

Acabando de chegar ao RJ depois de ter tido a minha experiência mais emocionante

no mundo da corrida até hoje. Ultra Solidária 126 K!!! Só ver a reação de todos os

amigos e familiares ao avistar o nosso grande, amigo, monstro, Ilson Junior cruzar a

faixa final e tornar real o que há poucos anos jamais poderia imaginar. Obrigado

amigo por me deixar participar e compartilhar toda esta experiência e emoção em

um pequeno trecho contigo... (R.; 35 anos).

Outro signo que identifica o corredor e o caracteriza como membro da tribo é a sua

vestimenta. É fácil identificar um corredor na rua, seja por estar usando uma camiseta de um

evento de corrida do qual participou, seja pelo uso de um determinado tênis ou acessório,

como boné ou um mp3 player. Foi percebido que os membros do grupo pesquisado treinam

Fotografia 7 - Apoio dos amigos na Ultra Solidária 126k.

Fonte: Facebook da Speed.

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diariamente e participam dos eventos usando a camiseta da Speed, reafirmando seu

pertencimento ao grupo e ratificando a função da vestimenta como forma de comunicar a

existência da tribo.

No começo eu corria com a do evento, agora você acaba incorporando a Speed...

então é exatamente essa coisa de grupo, eu tou correndo ali, mas eu tou correndo

através de alguém que me deu todo o suporte. Tudo bem, eu pago, não é de graça,

mas esse suporte, que muito das vezes é psicológico, ele é fundamental (Maria, 39

anos, Corredora de 10km).

Ah uso por ser da assessoria... Pra fazer parte, né?! Ah eu me sinto um pouco mais

importante, tipo, eu tenho a minha assessoria, dá essa sensação... (Ana, 35 anos,

Corredora de 5km).

Durante a pesquisa foi notável que na prática dos treinos diários, os demais membros do

grupo passaram a me reconhecer e a me cumprimentar quando nos cruzávamos na pista,

depois que comecei a vestir a camiseta da equipe. Também foi verificado em determinados

eventos, que alguns membros do grupo, mesmo que não fossem correr, compareciam para

prestigiar a ocasião vestindo a camiseta da Speed.

Na análise do Facebook do grupo Speed, ficou evidente que muitos membros colocam a foto

principal do seu perfil uma foto deles correndo e alguns deles vestindo a camiseta do grupo,

como pode ser visualizado na Fotografia 8. É uma forma clara de simbolizar sua paixão pela

atividade e confirmar seu orgulho em pertencer à equipe.

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Um símbolo que também é marcante – e foi anteriormente descrito na análise das evidências

físicas – são as medalhas recebidas nas provas e o orgulho de compartilhar os resultados, que

são comemorados com os demais corredores e as pessoas que torcem e acompanham a

dedicação do corredor aos treinos. Segalen (2002) afirma que “existe algo de colecionador em

todos os participantes de corridas que gostam de guardar a lembrança desses importantes

momentos de sua existência”.

... as medalhas eu guardo, eu guardo o número de peito, eu tenho uma pasta no meu

computador com os resultados, eu procuro sempre ter e ali você tem uma noção da

evolução, e assim, eu pretendo quando fizer a meia, fazer um quadro com a minha

primeira e única de 5, minha primeira de 10 e minha primeira meia (Maria, 39 anos,

Corredora de 10km).

Vale destacar também o uso que as cidades fazem dos eventos de corrida como símbolos de

identificação. Todas as grandes cidades possuem a sua maratona. Nova York é a mais famosa

delas. Ficou claro na tribo pesquisada que a maratona do Rio de Janeiro é a prova-alvo para os

atletas que estão evoluindo dos 10 km para os 21 km, e uma prova quase que “obrigatória”

para os que correm 42 km. Os treinos planejados no início do ano são focados nessa prova,

que também pode servir de treino para os ultramaratonistas.

Fotografia 8 – Fotos do perfil do Facebook de corredores da Speed.

Fonte: Facebook.

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Para essa maratona do Rio, sim, eu estou especificamente treinando para ela (...) A

minha primeira maratona, quando eu fiz, essa foi emocionante porque foi a primeira,

mas a que mexeu comigo mesmo, assim, que eu vibrei como nunca foi a terceira

quando eu fiz aqui no Rio (...) Eu tava em casa, no quintal de casa e toda a galera,

todos os meus amigos estavam aqui (Vicente, 42 anos, Corredor de 42km).

Essa prova é o meu objetivo... na primeira meia, na ocasião, eu tinha 50 anos, então,

é uma data bem marcante... quando que eu podia sonhar que aos 50 anos eu ia tá

correndo uma meia maratona? E ainda por cima, ser capaz de correr uma meia

maratona abaixo de duas horas? Então essa era a grande motivação. (Ricardo, 54

anos, Corredor de 21km).

Outro aspecto relevante dos rituais são os seus sistemas de linguagem, ou seja, o código de

comunicação utilizado entre os seus membros. Durante as observações de campo eu me

deparei com diversos termos e expressões desconhecidos, mas que eram usados de forma

natural entre os corredores. Primeiramente o “VO2”, usado comumente para se referir ao teste

feito antes de iniciar os treinos, que de certa forma marca a entrada do membro no grupo. Ao

longo dos treinamentos, surgiram os termos que se referem aos tipos de treino, descritos

anteriormente na análise das evidências temporais: fartlek, intervalado, longo, rodagem,

contínuo. O pace da corrida, ou seja, o tempo que se leva para percorrer um quilômetro, e o

sprint, que é um esforço a mais do corredor que acelera nos últimos metros do percurso.

Frases como: “hoje fiz um longão em um pace de 6min 30seg”, por exemplo, ou “meu treino

é um intervalado com tiros de 1.000 a 5min”, são ouvidas frequentemente e passaram a fazer

parte do meu vocabulário.

Outras expressões utilizadas pelos membros da tribo pesquisada foram frequentemente

percebidas durante a pesquisa, como: “treino da vaca”, para se referir ao treino feito na grama;

“nosso quintal”, fazendo alusão ao parque onde são realizados os treinos diários; “treino de

luxo”, que são as provas que os corredores usam como treino para outras provas específicas;

“missão dada é missão cumprida”, ao terminarem uma prova com êxito; “guerreiro” e

“speediano”, ao se referir a outro companheiro de equipe e “manto verde” à camiseta da

Speed.

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MISSÃO DADA, MISSÃO CUMPRIDA!!! CIRCUITO ATHENAS RIO DE

JANEIRO - 2ª ETAPA. NOVO RECORDE PESSOAL NOS 8 KMS: 42':27".

MUITO BOM, SENSAÇÃO ÚNICA!!! (M.; 54 anos).

Ah, uma confissão, a chegada da maratona de Santiago, ver Isaac passar por 27 km

lesionado e chegar como guerreiro foi onde começou tudo (D.; 35 anos).

Os aspectos simbólicos e os sistemas de linguagem descritos ajudaram a explicar a dimensão

coletiva dos rituais, já que estes constituem evidências que explicam a existência das tribos e

reforça a união dos corredores em torno de uma paixão em comum. As ocasiões nas quais os

membros da Speed se reúnem são rituais que ajudam o grupo a se reafirmar periodicamente e

foram anteriormente analisados através da descrição da rotina de treinos, os treinões e as

provas.

Após a análise das categorias referentes à identificação da tribo, o próximo tópico irá detalhar

os papéis adotados pelos seus membros. Também será proposto um modelo de classificação

dos membros do grupo de corredores, identificado a partir das observações de campo.

5.2.4 Membros da Tribo

Os corredores do grupo Speed podem ser classificados como membros de uma tribo pós-

moderna, pois estão unidos em torno de uma paixão em comum: a corrida. Baseando-se no

modelo proposto por Cova e Cova (2001) de classificação dos membros de uma tribo

(FIGURA 2), é possível qualificar os corredores de acordo com os papéis que eles

desempenham no grupo.

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O papel de devoto se caracteriza pela associação formal à tribo e pode ser identificado pelo

número de alunos matriculados no grupo Speed, que hoje conta com 350 membros. Essa

associação é motivada por fatores como: melhoria da saúde e qualidade de vida, prática de

uma atividade física, orientação profissional para melhoria do desempenho na corrida ou a

busca de uma atividade social.

Hoje a Speed tem cerca de 50% dos seus alunos buscando melhoria de qualidade de vida.

Dentre os corredores entrevistados, todos afirmaram ter iniciado a corrida devido a problemas

de saúde, excesso de peso, pressão alta, entre outros. E esse motivo de adesão também foi

claramente identificado entre os demais membros durante as observações.

Nós temos hoje uma base de 50% de alunos que são alunos que querem qualidade de

vida, alunos que buscam melhorias nas taxas metabólicas, colesterol, melhora de

sono, diminuição do stress... São pessoas que vêm, correm provas de 5, 10 km,

querem confraternizar, querem socializar, querem ter o benefício de treinar, duas a

três vezes na semana, com o benefício da corrida (João, 31 anos, Sócio-Treinador).

Figura 6 – Papéis adotados dos membros da tribo de corredores da Speed.

Fonte: Pesquisa de campo.

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Eu comecei a correr mesmo foi pra perder peso depois da gravidez... tive gêmeas,

engordei quase 20 quilos!! ... mas hoje é hobby, corro por prazer... sem paranoias.

(S.; 47 anos, Aluna).

Eu era bem sedentária, ex-fumante, fumei até os meus 29 anos mais ou menos... se

eu subisse um lance de escadas eu morria... aí resolvi parar de fumar... comecei com

a aula de running, na academia, por uns 2 meses... no final do ano passado eu resolvi

entrar numa assessoria pra evoluir, pq eu tava querendo correr na pista mesmo (Ana,

35 anos, Corredora de 5km).

Cerca de 30% dos alunos da Speed são o que eles chamam de “corredor recreacional”. É

aquele corredor que já incorporou a corrida na sua rotina e procura melhorar seu desempenho,

seja aumentando as distâncias ou diminuindo o tempo nas provas. Esse tipo de corredor já

busca uma suplementação alimentar e investe em equipamentos direcionados, como um tênis

específico para o seu tipo de pisada, por exemplo.

É o cara que tá preocupado, que se tá chovendo hoje, “pô, tá chovendo hoje, mas eu

vou treinar mesmo assim” (...) O corredor recreacional é o cara que se preocupa com

o tempo, o cara que efetivamente já colocou a corrida dele na agenda dele e aquilo

ali já é, já faz parte da vida dele (João, 31 anos, Sócio-Treinador).

Você só vai perceber que a corrida tá incorporada no seu dia a dia normal, né, no dia

justamente que você tiver um treino pra fazer, principalmente num final de semana,

e que você abrir a janela e, “pô, tá chovendo”... No dia que você não voltar pra cama

porque está chovendo e sim você vai sair pra chuva pra treinar, e vai descobrir que é

uma maravilha você treinar na chuva... nesse dia você vai perceber que a corrida,

que o espírito do que é correr, do que é treinar, tá incorporado na sua vida... nesse

dia (Ricardo, 54 anos, Corredor de 21km).

Os 20% restantes são os atletas, aqueles altamente focados em desempenho. Esse corredor,

profissional ou não, demanda mais atenção do treinador para troca de ideias e ajustes na sua

planilha de treinos. Ele geralmente tem um calendário de provas previamente planejado,

focando as suas metas específicas.

Alguns membros assumem o papel de participantes, ou seja, aqueles que aderem aos eventos

ou ocasiões informais da tribo. De acordo com um dos sócios da Speed, os eventos como

treinões e provas agregam uma média de 80 a 90 alunos. Ficou evidente nas observações de

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campo que alguns corredores estão presentes em todos os eventos, mostrando-se engajados e

entusiasmados com esses acontecimentos.

É uma pena, nem vou poder ir pro treinão amanhã... queria ir pra bagunça... tou aqui

há, sei lá, quase três anos! Nunca perco um treinão desses. (S.; 47 anos, Aluna).

Participo de todos, na medida do possível... acho que é bom pra você se socializar,

sabe?! Conhecer as outras pessoas do grupo. E eu gosto dos eventos... (Ana, 35

anos, Corredora de 5km).

Em relação aos treinões, ficou claro que, apesar de não serem eventos obrigatórios e

geralmente ocorrerem no final de semana em um horário cedo da manhã, a aderência dos

alunos é alta. Mesmo aqueles que não vão correr, vão para prestigiar a equipe e aproveitar o

momento para integração com os demais membros. Vale destacar também que muitos

corredores quando vão competir em provas fora do Rio de Janeiro ou do Brasil postam fotos

no Facebook com a camiseta e a bandeira da Speed, ratificando seu papel como participante e

membro da equipe.

Fotografia 9 - Corredores da Speed na Maratona da Disney Jan/2012.

Fonte: Facebook da Speed.

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Existem também alguns membros que exercem o papel de praticantes, que são aqueles que se

envolvem com as atividades cotidianas do grupo. Na tribo pesquisada, ficou perceptível que

existe um “subgrupo” composto por aproximadamente 20 alunos que são membros do grupo

há mais tempo ou que correm há vários anos e participam de provas mais longas, de trilha e

ultramaratonas.

Foi evidenciado durante as observações de campo que esses corredores têm uma afinidade

maior entre eles e muitas vezes reúnem-se apenas entre si, tanto no espaço físico do grupo

como fora dele. Eles se mostraram mais amigos e até íntimos dos sócios da Speed, opinando

frequentemente nos assuntos do dia a dia do grupo e participando mais ativamente dos tópicos

de discussão no Facebook.

Neste momento da análise considero pertinente relatar uma experiência que vivenciei e que

foi importante para ratificar a existência do subgrupo de corredores descrito no parágrafo

anterior. Dia 20 de novembro de 2012 aconteceu um evento chamado “Running Niver

Montenegro”. João Montenegro, sócio de outra assessoria esportiva – a Runners Club –

decidiu comemorar seu aniversário, que é em um dia de feriado no Rio de Janeiro,

promovendo uma corrida para unir os interessados pela atividade e arrecadar latas de leite em

pó para doar para creches carentes. Um dos membros da Speed publicou o evento no

Facebook e quem se interessasse só precisava confirmar a presença no próprio site do evento

e levar uma lata de leite no dia. A corrida seria feita em duplas e cada um correria 5 km.

Apesar de ser apenas uma comemoração e não competição, o evento foi bem organizado. A

concentração foi às 7h da manhã, os corredores receberam número de peito e a largada foi às

7h 30min. Era um dia nublado, chuvoso e feriado na cidade, mesmo assim tiveram mais de

200 pessoas participando. Isso me chamou a atenção, como já tinha sido constatado nos

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treinões da Speed. A paixão que os corredores sentem pela atividade faz com que sejam

chamados de “malucos”, por levantarem cedo da cama em um dia de chuva, mas também

deixou evidente o espírito de solidariedade que eles possuem, ao estarem dispostos a fazer

isso para prestigiar um corredor de outra equipe.

Aproximadamente 20 atletas da Speed estavam presentes no evento e praticamente todos

pertenciam ao grupo de praticantes destacado anteriormente. Ficou claro naquele momento

que esses corredores começaram a me perceber não apenas como mais uma aluna da Speed,

que se matriculou porque correr está “na moda” ou outro motivo, mas como alguém com o

mesmo “espírito” de corredor que eles têm. Esse sentimento ficou perceptível pela forma

como eles foram mais amigáveis, pela força que recebi deles durante a corrida e pelos

“parabéns” ao fim da prova, mesmo o meu tempo sendo bem superior ao deles. Neste

momento me senti mais integrada e mais pertencente ao grupo.

Fotografia 10 - Número de Peito do Running Niver Montenegro.

Fonte: Diário de Campo.

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Por fim, o último papel a ser descrito é o dos simpatizantes. Este papel é exercido por aqueles

que frequentam menos o espaço físico do grupo e não se envolvem com as atividades

informais da tribo. Ficou claro na pesquisa que existem alguns membros que desejam apenas

fazer o seu treino duas ou três vezes por semana, frequentam a tenda da equipe simplesmente

como suporte para seu treinamento e não participam dos outros eventos, como os treinões e as

provas oficiais.

Os simpatizantes também são aqueles indiretamente ligados ao grupo. Um exemplo são os

seguidores da página da Speed no Facebook, que contabilizam mais de 2.000 pessoas. Dentre

os seguidores estão profissionais de empresas parceiras, corredores de outras equipes,

profissionais de educação física, corredores profissionais, parentes dos membros do grupo,

entre outros.

Fotografia 11 - Equipe Speed no Running Niver Montenegro.

Fonte: Diário de Campo.

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5.2.4.1 Hierarquização dos membros da tribo de corredores

Apesar do modelo proposto por Cova e Cova (2001) conseguir explicar de forma adequada os

papéis desempenhados pelos corredores do grupo Speed, a pesquisa de campo evidenciou a

existência de uma classificação entre os seus membros que é feita quase que de forma

intuitiva, mas que ficou clara através das observações. Percebe-se que os membros são

categorizados pelos demais componentes do grupo de acordo com os quilômetros que eles

correm e as provas das quais participam.

Dessa forma, o corredor pode ser classificado por correr 5 km, 10 km, 21 km, 42 km ou

ultramaratonas (acima de 42 km). Essa quilometragem define seu status dentro do grupo; as

provas das quais o corredor participa; os produtos e serviços que serão consumidos; o tempo

dedicado aos treinos e a maior troca de informações com o seu treinador para ajustes na

planilha. É proposto, portanto, um modelo de classificação de acordo com as observações de

campo – ilustrado na Figura 7.

Figura 7 – Modelo de hierarquização dos membros da tribo de corredores.

Fonte: Pesquisa de campo.

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Percebe-se que a primeira meta do corredor iniciante é completar uma prova de 5 km sem

caminhar. Nessa primeira etapa ele está em busca principalmente de melhoria na qualidade de

vida e na saúde. Ele recebe as orientações iniciais para começar a atividade, como o tipo de

tênis adequado, um relógio para marcar o tempo do treino, e faz o seu primeiro teste de VO2.

A partir da conquista dos 5 km, o corredor começa a focar em uma prova de 10 km, sendo

classificado como o corredor recreacional 1. Ele já se preocupa mais com seu desempenho,

controla mais seu pace, consome produtos específicos – como um relógio com GPS ou um

tênis específico para o seu tipo de pisada – e busca por orientação nutricional e suplementação

adequada. Essa é a distância que serve de “trampolim” para partir em busca da primeira meia

maratona (21 km).

Sabe aquela conquista “eu conquistei os 5 km? Caramba! Eu conquistei 10? 21 então

é o máximo!!” (...) Primeira vez que eu corri os 5, que eu consegui terminar, que a

minha meta era terminar os 5 sem caminhar, eu tive a certeza que eu ia fazer a meia

(Maria, 39 anos, Corredora de 10km).

Quando eu comecei, eu fazia corridas de 5 km dessas de rua, mas eu num corria

contínuo... aí meu primeiro, a primeira coisa que eu fiz foi “ah eu quero correr 5 km

contínuo”... aí agora que eu já atingi, meu objetivo agora é 10 (Ana, 35 anos,

Corredora de 5km).

Quando eu completei, que eu fiz os meus primeiros 2 km correndo... Uma emoção

do caramba, né?! Hoje vou correr a minha 16ª maratona... é um orgulho dizer isso!

(Vicente, 42 anos, Corredor de 42km).

Os alunos entrevistados relataram que perceberam mudanças – tanto físicas quanto

comportamentais – à medida que foram evoluindo nas distâncias. Eles afirmaram que se

tornaram pessoas mais disciplinadas, menos ansiosas, mais focadas e passaram a cuidar mais

da saúde. Percebe-se que os relatos estão geralmente associados a aspectos de comportamento

desenvolvidos na corrida que tiveram reflexo na sua vida como um todo.

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Você passa a observar mais teu corpo, as tuas reações... você começa a observar o

que você pode fazer pra melhorar (...) A corrida foi fundamental pra eu me tornar

uma pessoa disciplinada... É só olhar pra trás e imaginar que eu era uma pessoa

sedentária... era uma pessoa que eu olhava e pensava: “qual a graça de correr, você

vai de um ponto a outro, suando, pra que?” Eu não conseguia enxergar isso. E você

melhora tudo! Você melhora desempenho, melhora o vigor, o humor... (Maria, 39

anos, Corredora de 10km).

Eu tive que ir numa nutricionista, ligada a situação esportiva... fiz reeducação

alimentar, me cuidei... Hoje em dia nessa parte eu me cuido muito melhor que em

qualquer outra época na minha vida (Ricardo, 54 anos, Corredor de 21km).

Os benefícios da corrida foram ótimos! A autoestima né?! Você se olha no espelho,

se sente bem, o vigor, tudo, tudo! Eu sou um fã de corrida, eu me sinto bem, me

sinto no auge em falar sobre corrida (Vicente, 42 anos, Corredor de 42km).

Quando o corredor atinge os 10 km, ele é estimulado pelo próprio treinador a focar em uma

meia maratona (21 km), começando a mudança para corredor recreacional 2. Percebe-se uma

postura diferente do professor, que passa a cobrar e a estimular mais o corredor, prescrevendo

treinos mais difíceis e desafiadores. Nessa fase o indivíduo já tem a corrida incorporada no

seu dia a dia e está mais disposto a dedicar o seu tempo, inclusive nos finais de semana, para

se preparar para a prova.

Você começa a ter o cara focado, ele começa a fazer escolhas, né?! Aí você começa

a perceber o seguinte: o cara vai dormir cedo porque no dia seguinte ele quer render

bem no treino... ele vai se alimentar bem porque no dia seguinte ele quer render bem

no treino. Porque ele tem um objetivo maior... Seja qual for o tamanho desse sonho,

mas ele começa a se comportar de maneira a efetivamente realizar esse sonho.

Então, tudo isso faz parte do processo de evolução e esse comportamento ele é bem

sinalizado pelo corredor, ele demonstra isso com muita clareza pra você (João, 31

anos, Sócio-Treinador).

Alguns corredores, ao alcançar os 21 km, vão em busca dos 42 km – esses são os

maratonistas. As entrevistas e conversas informais deixaram claro que essa não é uma

distância almejada por todos os que completam 21 km. Fazer uma maratona exige muito mais

dedicação aos treinos, investimento de tempo e de dinheiro.

Eu não penso hoje numa possibilidade de fazer uma maratona. Eu acho que é muito

sacrifício pra tudo, pro corpo, pra tudo... mas não descarto (Maria, 39 anos,

Corredora de 10km).

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... Pra fazer bem feito você tem que ter tempo pra treinar bem e o tempo pra treinar

bem pros 42 eu não tenho. Na hora que começasse aqueles longos de 20 e tanto, 30 e

tantos quilômetros... Ter que ficar duas, três horas treinando, entendeu?! Pra mim

ainda é um momento complicado, eu não teria como fazer isso no dia a dia normal

(Ricardo, 54 anos, Corredor de 21km).

Nesta fase, percebe-se um papel mais ativo do treinador, inclusive controlando os dias de

descanso desses corredores. Aqui o corredor já atingiu o máximo na corrida, o “olimpo”, que

é uma prova de 42 km. A partir daí ele começa a buscar maratonas em cidades diferentes ou

novas modalidades de corrida, como a corrida de trilha. Nessa etapa há também a maior

exigência de um trabalho mental.

O emocional do cara quando ele chega, quando ele tinha um treino que ele deveria

render e ele não consegue... ele chega frustrado, aí é o momento de você intervir. A

corrida ela é 70% cabeça e 30% desempenho né?! E é realmente isso... é o processo

de você entender o que tá acontecendo, de você fazer os ajustes, as tomadas de

decisão ali são muito importantes (João, 31 anos, Sócio-Treinador).

Alguns corredores, após atingir os 42 km, optam por se tornarem ultramaratonistas. Esses

atletas são altamente focados em desempenho e precisam passar por uma avaliação atlético-

desportiva para participarem das provas de ultramaratona. A dedicação aos treinos é maior e o

investimento em equipamentos também. É exigido mais tempo para os treinos longos, que

podem chegar a 60 km no final de semana, dependendo da prova da qual ele irá participar.

Esses corredores são vistos como ídolos e servem de inspiração para os demais corredores.

Dois membros do grupo participaram de uma prova chamada Comrades em 2012, na qual eles

percorreram 89 km. Em 2013 mais dois membros da Speed farão essa prova. A entrada deles

na equipe foi motivo de comemoração, marcada com uma reunião entre os corredores e o

técnico, registrando o compromisso dos novos integrantes com o calendário forte de

treinamentos.

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Pra alunos antigos como eu e outros que se agregam com alunos novos, tipo assim,

pessoas como Fróes, Ilson, que a galera conhece “pô o Ilson faz ultramaratona!” o

Chico, “ah, pô, esse cara já fez 16 maratonas?” (...) Então assim, alunos novos que

entram e ficam assim “caramba, se esse cara conseguiu eu consigo também!”. Aí

vem conversar com a pessoa. Isso é legal (Vicente, 42 anos, Corredor de 42km).

Essa classificação ratifica a existência de diferentes papéis que os membros assumem dentro

de uma tribo de corredores. Interessante lembrar que esses papéis são dinâmicos, ou seja, o

indivíduo evolui dentro do grupo e assume diferentes comportamentos à medida que a

atividade vai se incorporando no seu dia a dia. Essa evolução também está associada ao

consumo de produtos e serviços – aspecto que será detalhado no próximo tópico.

5.2.5 Consumo de produtos e serviços relacionados à corrida

Os membros de uma tribo podem manter-se unidos através do compartilhamento de valores,

de estilos de vida ou de práticas de consumo. Considerando a tribo pesquisada, na qual os

indivíduos se reúnem em torno da atividade de corrida, foi observado que eles passam a

adquirir determinados hábitos de consumo à medida que eles evoluem como corredores e

também para se sentirem parte do grupo e participar dos rituais. Também ficou evidenciada a

Fotografia 12 - Corredores da Speed na Comrades 2012.

Fonte: Facebook da Speed.

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influência dos demais membros na escolha de determinados itens e o poder de agregação que

alguns produtos oferecem.

A corrida é considerada uma atividade bastante democrática, pois para praticá-la o indivíduo

precisa apenas de um par de tênis e a vontade de colocar o “pé na estrada”. Quando iniciei a

pesquisa, essa era exatamente a minha condição como corredora. Sabe-se, no entanto, que

essa atividade está associada a uma grande variedade de produtos e serviços e estes passaram

a fazer parte do meu dia a dia e dos meus hábitos de consumo.

No entanto, apesar de democrática, os entrevistados relataram que hoje a corrida é uma

atividade cara, principalmente se o corredor busca por mais desempenho. São muitos os

acessórios necessários para correr: relógio, tênis específico, suplementação alimentar, entre

outros. Além disso, as inscrições das provas são consideradas de alto valor pela maioria dos

informantes, que alegam que é uma indústria que tá crescendo e se “aproveitando” do bom

momento que a corrida está atravessando.

Eu comecei só com um tênis, né?! Botava o tênis, água e no máximo um Gatorade.

Eu pegava as dicas com meus amigos que corriam aqui no aterro. Cara, hoje tênis eu

tenho cinco pares (...) Tem que deixar bem claro, que já foi um esporte mais barato...

Hoje é um esporte caro. Devido a esse sucesso. Esse boom! Vou dizer um negócio...

de três anos pra cá o crescimento foi absurdo. Você vê antigamente, antigamente que

eu digo há 10 anos atrás, você tinha corrida de 10 km só. Hoje todas elas tem, dentro

da de 10 km, uma de 5 km (Vicente, 42 anos, Corredor de 42km).

Antes, eu fazia duas, três corridas por mês... hoje não. Hoje eu já coloco uma corrida

por mês pra mim basta e depende da corrida. Por exemplo, a Adidas eu não faço

mais, porque não é uma corrida baratinha e é uma corrida muito tumultuada (Maria,

39 anos, Corredora de 10km).

Quando participei do meu primeiro treinão com o grupo, percebi que todos os corredores

usavam óculos, boné ou viseira e alguns deles usavam uma meia até a altura do joelho (meia

de compressão) – um produto até então desconhecido para mim. A sensação que tive nesse

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dia foi realmente a de estar “por fora”, apenas com o meu par de tênis e um relógio. Foi

exatamente após essa ocasião que decidi adquirir os primeiros itens da minha “cesta” de

produtos de corrida: um boné e um par de óculos escuros. Essa circunstância confirmou a

necessidade de determinadas práticas de consumo para que o indivíduo se sinta pertencente à

tribo e exerça o seu papel no grupo.

Foi engraçado que eu, antes eu tinha viajado – antes de entrar na Speed – e uma

amiga minha pediu pra trazer um Garmin, aí eu nem liguei... Quando eu comecei a

ver todo mundo de Garmin aí comecei a achar interessante medir a quilometragem...

Você pode colocar o treino, aí “ah já quero Garmin”... aí comprei... (Ana, 35 anos,

Corredora de 5 km).

Foi percebido durante a pesquisa que os corredores conversam frequentemente sobre marcas,

produtos e serviços relacionados à corrida. É constante a troca de ideias e o compartilhamento

de opiniões sobre os produtos consumidos e experiências vivenciadas.

Eu tenho o Lunar Glide 2 da Nike... tou querendo comprar o 4. É um tênis ótimo, só

desgasta meio rápido... Mas o ideal é você ter mais de um tênis pra revezar. (N., 31

anos, Aluna).

Meu cinto é da Asics... Gosto porque é de elástico aí se ajusta certinho ao corpo...

Ah e também tem as garrafinhas com tipo um ganchinho que dá pra prender no

short. (N., 25 anos, Professora).

Muitos membros do grupo compartilham fotos dos novos produtos adquiridos no Facebook,

como pode ser visualizado na Fotografia 13. As fotos geralmente são acompanhadas de

relatos sobre a expectativa ou a experiência com o produto comprado.

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Testado e aprovado! New Balance trail running!!! Que venha Paraty e k21!!!! (R.;

35 anos, Aluno).

Finalmente comprei meus óculos polarizados!! Estreia amanhã com corrida na

areia!!! :D (L.; 35 anos, Aluna).

Esse comportamento reforça a característica do consumidor na atualidade, que assume o papel

de co-criador de valor, ou seja, ele passa a colaborar com as empresas na definição dos

produtos e serviços, compartilhando a sua experiência à medida que os consome. O papel de

co-criador quando é desempenhado por um membro ativo no grupo, tem a capacidade de

influenciar positivamente os demais membros, podendo ser decisivo nas suas decisões de

consumo futuras. No grupo estudado percebe-se que os treinadores e os membros mais

antigos assumem essa postura, podendo influenciar os corredores menos experientes.

Eu sugiro as marcas que eu acredito e as marcas que eu uso. Eu sempre utilizei três

marcas de tênis, que era Asics, New Balance e Saucony... Três marcas que eu

sempre gostei, tá?! Eu sempre gostei de utilizar quanto corredor e todos os

corredores que eu fazia essa orientação eles tinham sucesso, eles gostavam... E é

uma tendência natural (João, 31 anos, Sócio-Treinador).

Fotografia 13 - Fotos de produtos compartilhados pelos alunos.

Fonte: Facebook da Speed.

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Durante a pesquisa algumas das minhas escolhas foram fortemente influenciadas pela opinião

dos demais membros da tribo. Antes de fazer parte do grupo a marca de tênis que eu

consumia normalmente era a Mizuno. Depois que comecei a treinar com a Speed percebi que

a maioria dos alunos optava pelas marcas Asics ou Nike. A partir daí passei a considerar uma

nova marca quando chegasse o momento de adquirir um novo par de tênis, e depois de ouvir

alguns colegas e professores escolhi a marca Asics. Esse processo de mudança na escolha da

marca não se deu de forma impositiva, mas espontânea, já que a opinião dos demais

corredores passou naturalmente a ser referência para as minhas escolhas nessa categoria de

produtos.

Outro aspecto observado em campo é o consumo de determinados produtos associados à

evolução do corredor. Os produtos “básicos” como: tênis, boné e óculos, passam a se tornar

insuficientes quando um corredor começa a percorrer distâncias maiores. Quando o tempo de

corrida é maior que uma hora, é necessário o consumo de alguns suplementos, como o gel de

carboidrato (alimento energético de rápida absorção, composto por carboidrato complexo).

Quando corri a primeira prova de 10 km eu experimentei o gel pela primeira vez. A partir de

Fotografia 14 - Tênis Asics Gel-Nimbus 14 adquirido pela pesquisadora.

Fonte: Diário de Campo.

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então passou a ser um produto de consumo frequente, pois com a meta seguinte de correr 21

km, ele era exigido nos treinos mais longos.

Inicialmente a gente já trata de tudo aquilo que a pessoa vai precisar, que é de um

relógio pra poder marcar tempo e um tênis adequado, né?! Pelo menos dois pares de

tênis, dependendo do número de vezes que a pessoa vai treinar. Então essas

recomendações são básicas... E agora, conforme vão aumentando as necessidades do

corredor – e essas necessidades tão relacionadas ao tamanho da prova – a gente vai

ajustando isso... Aí vem as indicações de suplementos, de material esportivo... (João,

31 anos, Sócio-Treinador).

Eu sentia que eu corria, mas eu não tinha força... Tava faltando alguma coisa. Eu

queria terminar uma corrida bem, eu acho que nutricionalmente eu não tou legal e eu

quero fazer uma meia. Aí ela começou com o whey protein. E aí acabou que ela me

deu uma relação, que eu tava indo viajar pra fora, aí eu trouxe: BCAA, cafeína, whey

protein, óleo de peixe, e trouxe gel (Maria, 39 anos, Corredora de 10 km).

Além do gel, outros suplementos passaram a fazer parte da minha rotina de treinos: o BCAA

(“aminoácidos de cadeia ramificada”, importante para atividades aeróbicas de longa duração)

e a bebida isotônica (composta por carboidratos e sais minerais para exercícios de alta

intensidade). Estes produtos foram prescritos por uma nutricionista, um serviço que se

Fotografia 15 - Suplementos para corrida: gel de carboidrato, BCAA e isotônico.

Fonte: Diário de Campo.

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observou também ser adquirido pelos corredores que desejavam um melhor desempenho da

atividade. No caso da Speed, eles sugerem a Nutricorp – Nutrição Corporativa, parceira da

empresa.

Outro produto adquirido a partir da evolução na corrida foi o cinto de hidratação – um cinto

moldado ao corpo com espaço para pequenas garrafas onde se coloca água ou bebida

isotônica, garantindo a hidratação durante todo o percurso. Alguns corredores preferem a

mochila de hidratação, que tem a mesma finalidade do cinto. Esses produtos são essenciais

para a realização de treinos mais longos, em locais onde não há a estrutura da Speed ou em

trilhas, por exemplo.

Vale destacar também um produto que é adquirido com frequência por praticamente todos os

corredores: as inscrições das provas. Foi observado que, independente do nível do corredor,

ele é estimulado a participar desses eventos, pois é uma forma de confirmar seu desempenho

depois de tantos dias dedicados aos treinos e pela emoção de vivenciar e completar uma prova

Fotografia 16 - Cinto e mochila de hidratação.

Fonte: Netshoes.

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oficial. É importante ressaltá-lo por ser um produto que possui um grande valor de ligação

(linking value), já que ele permite e apoia as interações sociais da tribo de corredores.

Durante a pesquisa eu participei de quatro provas oficiais: Circuito das Estações Adidas,

Circuito Athenas, Nike Vênus e Nike Rio Corre 10k – que foram eventos ilustrados

anteriormente na descrição das evidências temporais da tribo. Participar de uma prova com os

membros da sua equipe fortalece os laços tribais, pois emoções são compartilhadas ao se bater

um tempo, ao cruzar juntos a linha de chegada, ao vibrar com o desempenho do companheiro,

ao compartilhar a expectativa da largada. Esses sentimentos fortalecem a paixão do corredor

pela atividade e o mantém unido à tribo.

A questão é que você tem que ter alguma coisa que te motive pra chegar lá... Não

existe treinar, treinar, treinar e não ter jogo. Você tem que jogar! E a corrida, a prova

é o jogo (Maria, 39 anos, Corredora de 10 km).

Nas observações de campo e nas entrevistas ficou evidente que um dos serviços adquiridos

por grande parte dos corredores são os pacotes de viagem para corrida. Principalmente os

corredores mais antigos – que buscam novos desafios e diferentes locais de prova – é comum

Fotografia 17 - Momentos de comemoração e integração após as provas.

Fonte: Diário de Campo.

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que eles participem de eventos fora do Rio de Janeiro e do Brasil. O sócio da Speed

entrevistado relatou que essa tendência é clara entre os alunos da assessoria e o mercado vem

acompanhando, pois hoje já existem diversas empresas de turismo especializadas em esportes,

como ciclismo e corrida.

Então muitos corredores hoje eles fazem o seguinte: “eu vou viajar”... “qual a

maratona que eu vou fazer dentro da minha viagem?”. Então, eu faço uma maratona,

eu chego corro e depois eu vou seguir meu roteiro. Então geralmente as viagens de

férias dos alunos de uma assessoria são planejadas nessa função, e cada vez mais

aumenta o número de pessoas que fazem isso (João, 31 anos, Sócio-Treinador).

Percebe-se que, em um determinado momento, o corredor sente a necessidade de treinar e

participar de provas em locais diferentes dos usuais. Eu senti isso quando já estava treinando

há cinco meses e fiz uma viagem. A roupa e o tênis de corrida foram juntos, pois não queria

perder a chance de correr em um lugar diferente – o que ficou claro ser um hábito entre os

corredores. Uma das entrevistadas relatou o mesmo ao fazer uma viagem para visitar os pais

em Fortaleza.

... Pra onde eu vou meu tenizinho tá junto! Por exemplo, eu já tava fuçando se ia ter

uma corrida lá na cidade do meu pai... Se tivesse eu ia entrar. Porque tem essa coisa

de correr num lugar diferente. Hoje em dia eu sinto necessidade de treinar em

lugares diferentes (Maria, 39 anos, Corredora de 10 km).

Os aspectos que envolvem o consumo de produtos relacionados à atividade de corrida foram

analisados considerando a evolução do corredor, a influência dos membros do grupo na

escolha de determinados itens, o sentimento de pertencimento ao grupo e o poder de ligação

promovido pelas provas oficiais de corrida. Esse último aspecto será mais bem detalhado no

próximo tópico, que trata da prática das empresas da indústria de corrida que buscam

proporcionar experiências que fortalecem o sentimento de união dos membros de uma tribo.

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5.2.6 Práticas das empresas na promoção do linking value

A abordagem contemporânea do marketing destaca o papel das empresas de promover os

aspectos sociais e grupais de uma experiência de consumo, ao invés de se dedicarem apenas

às características funcionais dos produtos. Nesta pesquisa, está sendo considerada a

experiência compartilhada entre membros de um grupo que praticam a corrida de rua e

consomem produtos e serviços associados a essa atividade. Ficou claro na pesquisa que os

corredores gostam de correr em grupo, treinar e participar de provas apoiados pelos colegas

de equipe. Para alguns deles o principal motivo de procurar uma assessoria de corrida foi

exatamente a busca pela socialização, de estar unido a pessoas com o mesmo interesse.

Eu tava sentindo aquela necessidade de uma coisa em grupo, pra você conhecer

gente, viajar junto, treinar junto, e tal. Foi aí que eu comecei a prestar atenção nas

assessorias (...) às vezes eu tou treinando com uma pessoa com desempenho muito

superior ao meu e eu sei que essa pessoa tá me puxando. Acho que é uma troca. Essa

é a grande vantagem de você tá num grupo (Ricardo, 54 anos, Corredor de 21km).

Vale destacar, portanto, o poder de ligação que a atividade de corrida possui, facilitando a

reunião de indivíduos em uma tribo. Esse aspecto abre um amplo espaço no mercado para as

empresas atuarem no desenvolvimento de produtos e na oferta de serviços que apoiem esse

valor de ligação entre os membros da tribo de corredores.

Você vai correr uma maratona... se tem um treinão de 30 km pra você fazer no Rio

de Janeiro com 35º, cara, é sacrificante. Quando você tem alguém do seu lado que tá

treinando com você, “vamo lá, eu vou te ajudar”... aquela pessoa tá intervindo de

maneira positiva pra você realizar e conquistar um sonho... e aí você começa a

estabelecer parcerias, uma relação de confiança muito grande entre essas pessoas

(João, 31 anos, Sócio-Treinador).

A corrida é um esporte que parece que, ao mesmo tempo que é solitário, né, porque

sua corrida é você – na prova vc faz a sua prova e eu faço a minha prova... Mas, em

treinos, parece que é um coletivo... (Vicente, 42 anos, Corredor de 42km).

A assessoria esportiva Speed, objeto desse estudo, se mostra consciente desse poder de

agregação que a corrida possui e realiza diversos eventos a fim de proporcionar uma

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oportunidade para a socialização entre seus alunos e a prática dos seus rituais. Como já foi

descrito na análise das evidências físicas da tribo, os treinos diários, os treinões e as provas

são momentos que possibilitam a reunião entre os membros do grupo. Foi percebido que em

todos esses eventos há a presença das marcas patrocinadoras e dos parceiros da Speed.

Brindes das empresas patrocinadoras são sorteados nos eventos, como artigos esportivos pela

loja Mundo Corrida ou óculos com lente polarizada (própria para a prática da atividade) pela

ótica Lunetterie. A marca Gatorade oferece degustação do seu isotônico e a Polar

disponibiliza seus relógios para serem usados na realização dos testes de VO2 e para serem

experimentados e avaliados pelos corredores nos treinões. Essas marcas também estão

estampadas na camiseta da equipe, utilizada diariamente para os treinos, e são constantemente

destacadas no Facebook do grupo.

Fotografia 18 - Patrocinadores e parceiros da Speed.

Fonte: Facebook da Speed.

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Durante as observações, ficou perceptível que há uma forte tematização das provas de corrida

de rua. Existem corrida só para mulheres, como a Nike Vênus e a WRun; corridas para

celebrar datas comemorativas, como a Corrida de São Sebastião; para apoiar causas

ecológicas, por exemplo a Eco Run; causas sociais, como a Corrida contra o Câncer; para

enaltecer uma categoria, como a Corrida dos Militares e até corrida para não corredores, que é

o caso da Color Run, com o intuito apenas de diversão e interação. As provas temáticas têm

como objetivo apoiar a comunhão de corredores com perfis e interesses próximos,

evidenciando a preocupação das empresas organizadoras dos eventos em oferecer um espaço

diferenciado para a troca de experiências entre os membros da tribo de corredores em torno da

sua paixão.

Grandes marcas de artigos esportivos promovem algumas dessas provas. A Adidas, por

exemplo, é responsável pela realização do Circuito das Estações, uma das provas mais

populares no país. Esse circuito é composto por quatro provas anuais e cada etapa faz alusão à

uma das estações do ano. A Mizuno apoia a realização do Circuito Athenas, composto por três

provas anuais com a proposta de ser um circuito progressivo, ou seja, em cada prova o

Fotografia 19 - Ações com as empresas patrocinadoras: Polar e Mundo Corrida.

Fonte: Facebook da Speed.

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corredor aumenta a distância percorrida. A Fila promove a Fila Night Run, um circuito de

corridas noturnas, com percurso incluindo asfalto e areia.

Ao longo da pesquisa, como foi explicado anteriormente na análise das evidências temporais

da tribo, participei como corredora de uma prova do Circuito das Estações, uma do Circuito

Athenas e duas provas promovidas pela Nike: Vênus e Rio Corre 10k. Ficou claro através da

experiência vivenciada nas provas que, dentre as três marcas, a Nike foi a que conseguiu

oferecer uma experiência mais completa, saindo um pouco do modelo tradicional adotado

pelas demais organizadoras.

Em novembro de 2012 eu corri a segunda etapa do Circuito Vênus, uma prova exclusiva para

mulheres. O dia anterior à prova – quando fui retirar meu kit com os itens da corrida – já foi

uma experiência diferente das anteriores. Durante todo o dia é oferecido um grande espaço

para as corredoras onde são disponibilizados os serviços de manicure e massagem, degustação

de alimentos integrais e light e aulas de ginástica e yoga. O espaço também conta uma loja da

Nike de produtos femininos com desconto, um stand onde a corredora pode personalizar a sua

camiseta e outro onde ela pode experimentar o modelo de tênis que ela desejar e testá-lo

correndo na esteira.

Fotografia 20 - Provas de corrida apoiadas por grandes marcas: Adidas e Mizuno.

Fonte: Google Imagens.

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Esse momento de lazer e cuidados com a beleza que a marca oferece, ratifica a preocupação

da empresa em oferecer experiências que criem um link entre as consumidoras e a atividade

de corrida. Observou-se que muitas corredoras foram buscar o seu kit vestindo a camiseta da

etapa anterior do mesmo circuito, demonstrando sua fidelidade à marca, ao evento e,

principalmente, o seu orgulho de ser corredora. A camiseta da prova foi feita para ficar bem

moldada ao corpo da mulher, deixando a corredora bem feminina. De todas as camisetas das

provas das quais participei, certamente essa é a minha favorita.

Fotografia 22 – Serviços de manicure e massagem na retirada dos kits do Circuito Vênus.

Fonte: Facebook da Nike Corre.

Fotografia 21 - Retirada dos kits do Circuito Vênus e Loja da Nike.

Fonte: Facebook da Nike Corre.

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Outra experiência marcante vivenciada com a marca foi a corrida Nike Corre Rio 10k. Essa

corrida aconteceu dia 09 de dezembro de 2012 e foi a estreia do Brasil no circuito Nike We

Run, realizado há quatro anos em 34 cidades no mundo. A Nike promoveu essa prova como

sendo “a mais conectada e bonita do mundo”. O percurso iniciou em São Conrado, passando

pelas orlas do Leblon e Ipanema e finalizando em Copacabana. No dia da retirada dos kits,

além do chip do tênis e da pulseira de tempo, recebi uma pulseira especial com o meu número

individual para participar das “experiências digitais”, que envolviam a gravação de vídeos e

fotografias durante a prova e na chegada. Em cada um dos pontos sinalizados no mapa abaixo

(Fotografia 24) havia um portal por onde o atleta passava e eram registrados os momentos da

corrida.

Fotografia 23 - Kit do Circuito Vênus.

Fonte: Google Imagens.

Fotografia 24 - Experiências digitais da prova Nike Corre Rio 10k

Fonte: Nike Rio Corre.

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Além das experiências digitais, durante o percurso tinham torcidas organizadas dando força

aos corredores; os “confessionários”, onde o corredor podia relatar o que ele estava sentindo

no momento e o túnel Power Song, um túnel com um DJ tocando músicas animadas pra dar

um gás no final do percurso.

Em termos de desempenho essa não foi a minha melhor prova, mas por outro lado, contou

com diversos eventos surpresas, que tornaram a prova realmente interativa e mais envolvente.

Esse tipo de experiência fortalece tanto o relacionamento do consumidor com a marca, como

o seu vínculo com a atividade de corrida.

Fotografia 25 - Experiências durante a prova Nike Corre Rio 10k: Torcida, Confessionário e

Túnel Power Song.

Fonte: Facebook da Nike Corre.

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Outro forte valor de ligação das corridas que pode ser aproveitado pelas empresas são os

aspectos simbólicos das grandes maratonas, dos quais as cidades se utilizam como símbolos

de identidade. Como afirma Segalen (2002), “não existe nenhuma grande cidade sem

maratona” – e esse aspecto pode ser uma boa oportunidade para as cidades que ainda não

oferecem esse tipo de prova. Algumas maratonas são ícones – como a de Nova York – que é

desejada por muitos corredores. Outras como as de Amsterdã, Chicago, Boston e a meia

maratona de Berlim também são bem conhecidas e, para muitos corredores, são um sonho a

ser conquistado.

... eu tenho uma atração muito grande é... A meia maratona de Berlim. Isso, assim, é

uma coisa mágica na minha cabeça... Porque ali foi quebrado um recorde mundial, é,

entendeu?! E tem a história da chegada naquele portal... É uma prova muito boa de

se fazer, todo mundo que faz adora e é uma prova boa pra tempo (Ricardo, 54 anos,

Corredor de 21km).

Eu quero fazer as cinco melhores maratonas do mundo ainda... Nova York, Boston,

Chicago, Berlim... E... E a outra eu esqueci. Acho que primeiro vou fazer Nova

York, até porque a de Boston é a mais complicada que é aquela que você só entra

por pace, né?! (Vicente, 42 anos, Corredor de 42km).

Eu quero fazer uma meia internacional. E desde sempre eu quero fazer a meia de

Amsterdã. É a única meia que você sai e chega num estádio olímpico e que tem uma

história de superação ali e, assim, a paisagem é belíssima... É uma, vamos dizer

assim, é uma meia tradicional (Maria, 39 anos, Corredora de 10km).

Os aspectos descritos ratificam o poder que a corrida possui de unir indivíduos em torno de

uma paixão e, ao mesmo tempo, de oferecer oportunidades para as empresas atuarem como

parceiras. Elas podem proporcionar os produtos, serviços, espaços e facilidades para que os

corredores se reúnam, conheçam sua marca e experimentem seus produtos. Tudo isso em um

ambiente de superação e euforia que a corrida proporciona aos seus praticantes.

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6 CONCLUSÕES

O presente estudo teve como objetivo principal identificar de que forma a prática da corrida

de rua promove a união de indivíduos em tribos que compartilham uma paixão em comum, e

como essa atividade determina o consumo de produtos e serviços de forma a garantir a

integração social dos seus membros. Partiu-se do pressuposto de que a corrida – devido ao seu

forte valor simbólico – tem o poder de ligação que possibilita a reunião de indivíduos em

tribos e oferece oportunidades para as empresas atuarem na promoção do linking value,

através de estratégias que caracterizam o marketing tribal.

A partir da revisão de literatura, foi identificado um estudo realizado por Cova e Cova (2001)

com uma tribo de patinadores que auxiliou na delimitação dos objetivos intermediários dessa

pesquisa. Desta forma, para compreender a questão central da pesquisa, o estudo de campo

procurou atingir os seguintes objetivos específicos: (1) identificação da tribo de corredores,

considerando os indícios espaciais e temporais, e os seus rituais, símbolos e sistemas de

linguagem; (2) classificação dos membros que compõem o grupo de corredores a partir dos

papéis adotados na tribo; (3) análise do consumo de produtos e serviços associados à prática

da corrida; (4) avaliação das práticas das empresas voltadas à atividade de corrida.

Definidos os objetivos de pesquisa, optou-se por uma pesquisa de campo baseada na

etnografia, considerando que a aplicação de estudos etnográficos em marketing busca

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compreender como os grupos sociais atribuem significado aos produtos e serviços (ROCHA e

ROCHA, 2007). Sabendo-se que consumo é um processo cada vez mais influenciado por

fatores culturais (BARBOSA, 2003), esse método foi escolhido por ajudar a esclarecer como

a cultura é construída através das experiências dos indivíduos. A partir daí foi iniciada a

pesquisa de campo através da observação participante, na qual a pesquisadora se tornou

membro de um grupo de corredores da cidade do Rio de Janeiro.

O primeiro objetivo específico – identificação da tribo de corredores – foi fundamentado na

investigação das evidências físicas, temporais e dos aspectos simbólicos da tribo de

corredores pesquisada. Durante as observações, as evidências físicas ficaram bem

representadas através da identificação dos espaços físicos – tenda de apoio aos alunos no

parque, nas provas e nos eventos promovidos pela assessoria – e do espaço virtual (perfil da

Speed no Facebook) onde os membros do grupo interagiam; e das ocasiões nas quais os

indivíduos se reuniam: treinos diários, treinões e provas.

As evidências temporais foram comprovadas a partir das atividades do dia a dia (treinos

diários com o grupo); das experiências compartilhadas a partir da convivência e interação com

os demais corredores do grupo Speed; e da evolução que a pesquisadora vivenciou como

corredora, à medida que os treinos diários e as provas foram se incorporando no seu cotidiano

e na sua vida. Esse aspecto ratifica o papel dinâmico da tribo, que funciona como um

organismo vivo, transformando-se de acordo com o contexto e com as mudanças que os

indivíduos sofrem.

Os aspectos simbólicos da corrida foram identificados através dos rituais do grupo, que

incluem os símbolos envolvidos na prática da corrida e o sistema de linguagem compartilhado

entre os membros da tribo. Esses aspectos foram visualizados nos sacrifícios e privações pelos

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quais o corredor se mostra disposto a passar para alcançar seus objetivos; no companheirismo

com os colegas de equipe nos treinos e provas em grupo; na vestimenta utilizada pelo

corredor, que prioriza a camisa da sua equipe; no número de peito e medalhas recebidas nas

provas; no prazer e orgulho de compartilhar seus resultados e conquistas; nos termos e

expressões típicos dos corredores e do grupo pesquisado que passou a fazer parte do

vocabulário do dia a dia da pesquisadora; e do uso que as grandes cidades fazem das

maratonas como um símbolo de identificação, criando eventos que reúnem milhares de

corredores que compartilham experiências e movimentam a cidade financeira e

turisticamente.

As evidências encontradas nas observações de campo corroboram o modelo proposto por

Cova e Cova (2001) de identificação da tribo. Ficou evidente que o grupo de corredores da

Speed pode ser classificado como uma tribo contemporânea unida em torno da paixão pela

corrida. Esse modelo de identificação das tribos serve de base para o modelo classificação dos

membros da tribo de acordo com os papéis adotados pelos indivíduos (COVA e COVA, 2001)

– o segundo objetivo específico desse estudo.

No grupo pesquisado foi possível identificar os quatro papéis desempenhados pelos membros

de uma tribo, de acordo com o modelo proposto por Cova e Cova (2001). Os devotos foram

considerados os alunos formalmente matriculados na assessoria. Os participantes foram

identificados como aqueles que participam dos eventos e ocasiões informais do grupo, como

os treinões e as provas. Verificou-se que os praticantes são aqueles envolvidos mais

ativamente com o dia a dia do grupo, que já praticam a corrida há mais tempo e são mais

antigos na Speed. Os simpatizantes foram caracterizados por se envolverem menos com as

atividades informais da equipe ou por estarem indiretamente ligados ao grupo.

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Após a identificação da tribo de corredores e dos papéis desempenhados pelos seus membros,

o estudo também tinha como objetivo específico entender o comportamento de consumo

desses corredores quando se tratava de produtos e serviços relacionados à atividade de

corrida. Foi verificado na tribo estudada que os indivíduos modificam seus hábitos de

consumo à medida que eles evoluem como corredores. Também ficou evidente que eles

consomem para se sentirem parte do grupo e para participarem dos rituais que envolvem a

prática da corrida. Os corredores se mostraram dispostos a investir em produtos específicos,

que ajudem no desempenho da atividade, confirmando a existência de um amplo mercado

consumidor para as empresas que atuam neste segmento.

Por fim, procurou-se investigar a prática das empresas na promoção do linking value, ou seja,

como elas atuavam reforçando o poder de ligação que a corrida possui, oferecendo produtos e

serviços que apoiassem a união dos membros da tribo em torno da paixão pela corrida.

Considerando a assessoria pesquisada, a Speed se mostrou consciente do poder de agregação

da corrida, preocupando-se em oferecer espaços e momentos para a socialização dos membros

da equipe. Foi identificada a associação da Speed a outras marcas, ratificando seu papel como

influenciadora no processo de escolha de produtos e marcas pelos membros da equipe.

Ficou evidenciada a atuação das empresas a partir dos eventos que envolvem as provas

oficiais. Esses eventos são carregados de significados, pois o indivíduo se prepara meses para

estar ali e é contagiado pela multidão de corredores que o cerca. A pesquisa mostrou que

grandes marcas de artigos esportivos criam circuitos de provas tematizados e oferecem o

espaço para que os corredores possam se reunir e compartilhar experiências. Elas tentam criar

um vínculo com o corredor, que apresenta forte potencial para ser um consumidor fiel da sua

marca.

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Desta forma, é possível considerar que o objetivo principal desta pesquisa foi atingido, pois

foi verificado que a corrida de rua – por ser uma atividade repleta de significados simbólicos

– tem um forte valor de ligação que une indivíduos em tribos. Além disso, a sua prática se

confirmou determinante nas decisões de consumo dos corredores, que modificam seus hábitos

à medida que a corrida passa a fazer parte da sua vida.

6.1 CONTRIBUIÇÕES E PESQUISAS FUTURAS

A principal contribuição desse estudo refere-se a um modelo de classificação dos papéis

exercidos pelos membros da tribo de corredores que foi identificado nas observações de

campo. Essa classificação baseia-se nos quilômetros que cada indivíduo corre, determinando

seu status no grupo (FIGURA 8).

Esse modelo – descrito no tópico 5.2.4.1 das análises dos dados – compreende também

mudanças comportamentais verificadas nos corredores, que geralmente iniciam a atividade

Figura 8 – Modelo de hierarquização dos membros da tribo de corredores.

Fonte: Pesquisa de campo.

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em busca de melhoria na qualidade de vida e depois passam a focar mais em desempenho, até

que a corrida se incorpora no seu dia a dia. Essa evolução determina o consumo de produtos e

serviços específicos – como acompanhamento nutricional e suplementação – e exige mais

dedicação do corredor aos treinos.

Vale destacar que esse modelo de classificação foi proposto baseando-se tanto nas

observações quanto nas experiências vividas pela pesquisadora como corredora do grupo. Ela

iniciou no grupo como corredora iniciante, chegou à fase de “corredora recreacional 1” na

metade da pesquisa e está evoluindo para os 21 km (corredora recreacional 2). Portanto, essas

mudanças não foram apenas relatadas por outros membros, mas experimentadas e constatadas

pela pesquisadora.

Esse modelo de classificação pode auxiliar a Speed no processo de segmentação dos seus

alunos, ajudando na compreensão mais detalhada das suas necessidades de acordo com o

nível no qual ele esteja incluído. Esse entendimento mais profundo das mudanças pelas quais

o corredor passa e como isso está associado às suas expectativas, podem ser decisivos no

planejamento de estratégias futuras da assessoria.

Analisando de forma macro, esse modelo de segmentação pode ser adotado pelas marcas que

desenvolvem produtos para corredores, procurando soluções que auxiliem o praticante na

melhoria do seu desempenho. Essa classificação também pode ajudar as empresas na

conquista de novos consumidores. Considerando que o corredor iniciante desconhece alguns

produtos e marcas específicos, ele pode ser mais facilmente convencido a consumir

determinado item antes que corrida se incorpore no seu dia a dia.

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Assim, pesquisas futuras podem ter como objetivo conferir se o modelo de classificação dos

membros da tribo proposto nesse estudo pode ser verificado em outros grupos de corredores.

Também pode ser investigado como as empresas desse setor segmentam o mercado, e se esse

modelo é possível de ser aplicado na segmentação do mercado voltado para a corrida.

Considerando o forte aspecto simbólico da corrida e o grande crescimento no número de

praticantes no Brasil, sugerem-se também pesquisas na área de comportamento do

consumidor que aprofundem a relação entre a paixão que a corrida desperta em seus

praticantes e como esses “corredores-consumidores” podem ter suas escolhas influenciadas

por esse sentimento.

Por fim, sugere-se a aplicação dos parâmetros desse estudo em tribos contemporâneas de

consumo diversas, sejam elas unidas pela prática de uma atividade, pela paixão por uma

marca ou produto, ou por unirem pessoas que defendam uma mesma ideia. Há um vasto

campo inexplorado que pode ajudar os pesquisadores a entenderem melhor o fenômeno social

das tribos e suas implicações para o marketing tribal.

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APÊNDICE A – Roteiro de entrevista do sócio da Speed Assessoria Esportiva

ROTEIRO DE ENTREVISTA - SÓCIO DA ASSESSORIA

1. AQUECIMENTO

a) Fale um pouco sobre você: sua idade, formação, profissão.

b) Quando e como foi o seu primeiro contato com a corrida?

2. IDENTIFICAÇÃO DA TRIBO

c) Fale como surgiu a Speed e como ela é composta hoje: a estrutura física, serviços

oferecidos, número de funcionários e de alunos.

d) Em que momento você percebeu que seria uma boa oportunidade trabalhar com a

corrida de rua?

e) Como você percebe a evolução da prática dessa atividade nos últimos anos no

Brasil e na cidade do Rio de Janeiro?

3. MEMBROS DA TRIBO

f) Existe algum tipo de classificação ou categoria que vocês usam para diferenciar os

alunos?

g) Como é feito o planejamento individual de treinos para cada aluno?

h) Que mudanças comportamentais (perfil) você consegue identificar nos seus alunos

à medida que eles avançam nos treinamentos?

4. RITUAIS, LINGUAGEM

i) Quais as principais vantagens de se praticar essa atividade em grupo?

j) Quais os principais motivos que levam a Speed investir nos eventos, como treinões

e provas? Quantos alunos em média participam desses eventos?

k) Com que frequência vocês realizam esses eventos?

5. CONSUMO DE PRODUTOS

l) Quais itens são essenciais para iniciar na prática da corrida?

m) Quando vocês orientam os alunos para a compra de algum produto, vocês indicam

alguma marca específica?

6. PRÁTICAS DAS EMPRESAS

n) Explique quais critérios vocês utilizam para escolher as empresas parceiras.

o) Como é feito o trabalho da Speed com os grupos fechados para empresas?

p) A Speed está organizando a prova K21 Arraial do Cabo. Porque essa prova foi

escolhida?

q) Gostaria de acrescentar algo ao que foi conversado?

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APÊNDICE B – Roteiro de entrevista dos alunos

ROTEIRO DE ENTREVISTA - ALUNOS

a) Fale um pouco sobre você: sua idade, formação, profissão.

b) Quando e como foi o seu primeiro contato com a corrida?

c) Que motivos levaram você a decidir treinar com a Speed? Há quanto tempo você

treina com o grupo?

d) Como você avalia a estrutura da Speed? Ela te atende?

e) Você participa dos eventos da Speed? Treinões e provas? Qual o principal motivo

para você participar?

f) Em sua opinião, quais as principais vantagens de se praticar essa atividade em

grupo?

g) Quando você participa de provas, você veste a camiseta do evento ou a da Speed?

O que isso significa para você?

h) Conte um pouco sobre a sua evolução na corrida. Que espaço a corrida ocupa hoje

na sua rotina? Qual o papel da corrida na sua vida (o que te faz correr)?

i) Você treina sempre com uma meta específica ou uma prova específica? Explique o

porquê.

j) Qual prova foi mais marcante para você? Por quê? Você tem uma prova com a

qual você sonha participar?

k) Você consegue descrever a sensação de atingir uma meta, de baixar um tempo ou

completar uma prova?

l) Você coleciona suas medalhas, números de peito, camisetas?

m) Explique as mudanças em você percebeu em você à medida que você foi

evoluindo na corrida.

n) Que mudanças comportamentais (perfil) você percebeu ocorrer à medida que você

foi avançando na corrida?

o) Como você avalia os sacrifícios e privações que você tem que passar para atingir

sua meta?

p) Que tipos de mudança nos seus hábitos de consumo você percebeu depois que

começou a correr? Quais as principais marcas que você consome?

q) Sabe-se que o investimento para correr é alto. Como você divide seu orçamento

para incluir os gastos com a corrida?

r) Gostaria de acrescentar algo ao que foi conversado?

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ANEXO A – Modelo da planilha de treinamento