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615 A agilização processual no processo declarativo não urgente na revisão do CPTA joão tiago silveira * I. Introdução Foi dado a conhecer um anteprojeto para revisão do Código de Processo nos Tri- bunais Administrativos (ACPTA), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (AETAF) e de alguns outros diplomas que contêm disposições em maté- ria de contencioso administrativo, com o propósito de rever os diplomas funda- mentais da Reforma do Contencioso Administrativo de 2002. 1 Algum tempo depois, foi apresentada à Assembleia da República a Proposta de Lei 331/XII, que visava conceder ao Governo autorização legislativa para rever o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Estatuto dos Tri- bunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o Código dos Contratos Públicos, o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, a Lei de Participação Procedi- mental e de Ação Popular, o Regime Jurídico da Tutela Administrativa, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e a Lei de Acesso à Informação sobre Ambiente. Esta proposta de lei de autorização legislativa foi aprovada pela Assem- bleia da República com os votos favoráveis do PSD e CDS, a abstenção do PS e os votos contra do PCP, BE e PEV. Em anexo a esta proposta de lei de autorização * Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e consultor da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados. 1 O texto do anteprojeto para revisão do CPTA e do ETAF encontra-se disponível em http://www. portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministerio-da-justica/documentos oficiais/20140225-mj-prop-lei- -cpta-etaf.aspx

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A agilização processual no processo declarativonão urgente na revisão do CPTA

joão tiago silveira*

I. IntroduçãoFoi dado a conhecer um anteprojeto para revisão do Código de Processo nos Tri-bunais Administrativos (ACPTA), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (AETAF) e de alguns outros diplomas que contêm disposições em maté-ria de contencioso administrativo, com o propósito de rever os diplomas funda-mentais da Reforma do Contencioso Administrativo de 2002.1

Algum tempo depois, foi apresentada à Assembleia da República a Proposta de Lei 331/XII, que visava conceder ao Governo autorização legislativa para rever o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Estatuto dos Tri-bunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o Código dos Contratos Públicos, o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, a Lei de Participação Procedi-mental e de Ação Popular, o Regime Jurídico da Tutela Administrativa, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e a Lei de Acesso à Informação sobre Ambiente. Esta proposta de lei de autorização legislativa foi aprovada pela Assem-bleia da República com os votos favoráveis do PSD e CDS, a abstenção do PS e os votos contra do PCP, BE e PEV. Em anexo a esta proposta de lei de autorização

* Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e consultor da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados.1 O texto do anteprojeto para revisão do CPTA e do ETAF encontra-se disponível em http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministerio-da-justica/documentos oficiais/20140225-mj-prop-lei--cpta-etaf.aspx

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legislativa foi apresentada uma nova versão do anteprojeto para revisão do CPTA (ACPTANV), do ETAF (AETAFNV) e de outros diplomas.2

Finalmente, a proposta de lei de autorização legislativa que permitiu a revisão dos regimes jurídicos envolvidos na Reforma do Contencioso Administrativo foi publicada (Lei nº 100/2015, de 19/8) e, depois, foi aprovado o Decreto-Lei que a executou (Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2/10), que modificou o CPTA e o ETAF, entre outros diplomas relevantes em matéria de contencioso administrativo. A generalidade das alterações legislativas em causa entrou em vigor a 1 de dezem-bro de 2015 (artigo 15º-1 do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2/10).

A Reforma do Contencioso Administrativo visou, como objetivo central, transformar um direito processual administrativo muito insuficiente em maté-ria de tutela num regime apto a satisfazer as exigências constitucionais decor-rentes do princípio da tutela jurisdicional efetiva.3

Em geral, visou-se garantir que para cada pretensão do particular exista neces-sariamente um meio adequado a satisfazê-la, que o contencioso administrativo disponha de meios aptos a permitir a condenação da Administração e o reconhe-cimento de direitos em igualdade com meios de impugnações de atos, a limita-ção drástica do excesso de importância conferido a formalismos e pressupostos processuais e a adoção de meios cautelares suficientes e adequados, que eram claramente insatisfatórios. Ora, estes objetivos foram adequadamente satisfeitos, o que não significa que a história tenha terminado.

Essencialmente, com a modificação dos regimes da Reforma do Contencioso Administrativo pretendeu-se efetuar a revisão dos diplomas legais que a concre-tizaram, volvidos cerca de dez anos após a sua entrada em vigor. Não parece que se trate de efetuar uma nova reforma da Reforma do Contencioso Administra-tivo, mas antes de promover o aprofundamento da mesma, bem como de intro-duzir alguns aperfeiçoamentos.

O propósito deste artigo é abordar as novidades que em matéria de agiliza-ção processual a revisão do CPTA, operada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2/10, introduz nos domínios do processo declarativo não urgente e dos proces-sos cautelares que lhes estejam associados. Pretende-se, sobretudo, identificar as medidas e mecanismos de agilização processual que, neste domínio, signifi-

2 O texto do anteprojeto para revisão do CPTA e do ETAF que foi apresentado em anexo à Proposta de Lei nº 331/XII encontra-se disponível em www.parlamento.pt.3 Correia, Cecília Anacoreta – A tutela executiva dos particulares no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra Editora e Abreu Advogados, Coimbra, 2013, pág. 162; Fonseca, Isabel Celeste M. – Processo temporalmente justo e urgência. Contributo para a autonomização da tutela jurisdicional de urgência na Justiça administrativa, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 160.

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quem alterações relevantes, bem como comentar os efeitos, positivos ou negati-vos, que possam importar.

Na impossibilidade de tratar de todas as alterações introduzidas pela revisão do CPTA e que se repercutem em matéria de agilização processual, a análise incidirá sobre as que, em matéria de processo declarativo não urgente, poderão implicar um mais forte impacto. Trata-se, pois, de abordar as medidas e os meca-nismos de agilização processual na nova ação administrativa e nos processos cau-telares à luz das alterações que a revisão do CPTA introduz.

Portanto, modificações a regime de mecanismos de agilização processual que signifiquem apenas resoluções de dúvidas pontuais, adaptações em função do Código de Procedimento Administrativo ou que não tenham um impacto signi-ficativo sobre os propósitos de agilização processual dos mecanismos, não serão tidas em conta. Estão neste caso, por exemplo, as alterações em matéria de invo-cação de impossibilidade absoluta e excecional prejuízo para o interesse público na fase declarativa do processo (artigo 45º CPTA revisto) e alargamento desse regime a novas situações (artigo 45º-A e 102º-7 CPTA revisto) e as alterações aos regimes de adaptação do processo face a desenvolvimentos do procedimento e da atividade administrativa (artigos 63º, 64º e 70º CPTA revisto).

Ficarão igualmente por analisar novidades que são relevantes em matéria de agilização processual, mas que se referem a processos principais urgentes, como o muito positivo procedimento urgente para situações de massa e algu-mas novidades em matéria de contencioso pré-contratual urgente e em sede de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões, entre outras.4/5

4 Sobre as novidades em matéria de procedimento de massa urgente ver Mealha, Esperança – Conten-cioso (urgente) dos procedimentos de massa, Cadernos de Justiça Administrativa nº 106, 2014, págs. 79 e segs.; Neto, Dora Lucas – A urgência no Anteprojeto de revisão do CPTA sob o prisma do novo contencioso dos processos de massa, O anteprojecto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, Lisboa, 2014, págs 127 e segs.; Silveira, João Tiago – O processo de massa urgente na revisão do CPTA, O ante-projecto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, Lisboa, 2014, págs. 103 e segs.5 Note-se, contudo, que o procedimento urgente para situações de massa conheceu evoluções relevan-tes na nova versão do anteprojeto para revisão do CPTA, bem como na sua versão final publicada. Na impossibilidade de aqui abordar todas, há duas que merecem destaque.Por um lado, passou-se a exigir a ocorrência de mais de 50 e não de mais de 20 situações idênticas para utilização do processo, o que o tornará aplicável num número reduzido de situações (artigo 99º-1 CPTA revisto). Trata-se de uma alteração que nos parece negativa e que deveria ter sido reponderada. Por outro lado, deixou de se prever o mecanismo de publicação de anúncio de propositura da ação que obrigava os demais interessados a intervir no processo já em curso e coligarem-se com o autor, sob pena de não poderem promover ação autónoma (artigo 97º-4 ACPTA). A versão definitiva da revisão do CPTA

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No mesmo sentido, as questões de agilização processual relativas a recursos e processo executivo e arbitragem também não serão tidas em conta.

Igualmente, este artigo também não versa sobre questões relativas à orga-nização judiciária, nomeadamente as relativas à administração judiciária. Por isso, não merecerão tratamento em profundidade os temas relacionados com as competências dos presidentes dos tribunais administrativos, designadamente em matéria de gestão processual.

Vejamos, então, as novidades em matéria de agilização processual do CPTA agora revisto que se encontram na ação administrativa e nos seus processos cau-telares.

II. As novidades em matéria de agilização processualA. Aspetos relativos à tramitação processuala. Uma ação administrativa únicaA revisão do CPTA pretendeu instituir uma ação administrativa única, adotando--se uma forma comum de processo administrativo declarativo não urgente que eliminou a ação administrativa especial (artigos 46º e segs. da anterior versão do CPTA) e a ação administrativa comum (artigos 37º e segs. da anterior versão do CPTA).

Trata-se de uma novidade relevante e que se afigura positiva, que se compreende num contexto evolutivo e como mais um passo coerente com a linha da Reforma do Contencioso Administrativo. Com efeito, já se havia efetuado uma drástica redução da multiplicidade de meios processuais existentes, bem como viabilizado a livre cumulação entre pedidos correspondentes a cada um deles, que antes se encontrava vedada ou fortemente limitada por razões meramente processuais.

Apesar de se tratar de uma medida com alguns efeitos de agilização proces-sual, uma vez que lidar com apenas um tipo de tramitação e não com dois cer-tamente facilitará a uniformização de procedimentos e atos do tribunal, não se deve esperar que, daqui, resulte uma significativa aceleração processual ou uni-formidade jurisprudencial acrescida, até porque tal dependerá bem mais dos ter-mos desta mesma ação administrativa única do que do facto de passar a existir apenas uma forma de processo. Ou seja, esta medida é positiva, tem alguns efei-tos de agilização processual mas, neste domínio, há outras bem mais relevantes.

dispõe agora que os interessados deverão promover as ações no tribunal da sede da entidade demandada e que estas são obrigatoriamente apensadas (artigo 99º-2 e 4 CPTA revisto). Sobre estas matérias ver Silveira, João Tiago – O processo de massa urgente na revisão do CPTA, O ante-projecto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, Lisboa, 2014, págs. 112 e 116-120.

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b. Correções oficiosas, convolações e suprimento de deficiênciasUma das novidades mais importantes da Reforma do Contencioso Administra-tivo residiu na inversão da situação que se vivia, caracterizada por um número muito elevado de decisões baseadas em circunstâncias formais que prejudicavam o julgamento do mérito das causas. Vale a pena recordar que, em 1998, num pas-sado que não é assim tão distante, 42% das decisões judiciais de primeira instân-cia nos tribunais administrativos versava sobre aspetos formais do litígio, assim negando uma apreciação do fundo das causas submetidas pelos particulares.

Esse era o resultado de uma legislação processual centrada em aspetos for-mais ou processuais e, igualmente em boa medida, de práticas jurisprudenciais muito críticáveis, que privilegiavam perspetivas incompatíveis com o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

A Reforma do Contencioso Administrativo provocou uma verdadeira revolu-ção nesta matéria, invertendo-se a situação que era vivida no contencioso admi-nistrativo. Uma das formas encontradas para a concretizar residiu na previsão de várias soluções que, na prática, faziam com que os erros formais ou proces-suais do autor não impedissem o conhecimento do mérito da causa, pois seriam oficiosamente corrigidos ou dariam sempre lugar à possibilidade de correção. Assim, a falta de pressupostos processuais ou a existência de formalidades ino-bservadas deve hoje considerar-se “tendencialmente sanável”.6

A revisão do CPTA não inverte esta tendência geral, apresentando alguns aperfeiçoamentos positivos e outros que teriam merecido solução diferente.

Vejamos, em primeiro lugar, o que acontece à regra geral que obriga o juiz a corrigir oficiosamente as deficiências ou irregularidades formais das peças pro-cessuais (artigo 88º-1 da anterior versão do CPTA).

Segundo esta disposição, o juiz verificava se era possível efetuar a correção oficiosa das deficiências detetadas e utilizava, em primeira linha, essa via (artigo 88º-1 da anterior versão do CPTA). Só quando não fosse possível fazer uso dela estaria habilitado a convidar as partes para que suprissem a exceção dilatória encontrada ou corrigissem a deficiência detetada (artigo 88º-2 da anterior ver-são do CPTA).

À primeira vista, a alteração ao CPTA parece eliminar esta obrigação de cor-reção oficiosa, o que se aponta como um fator negativo. Com efeito, há correções óbvias que podiam ser efetuadas pelo magistrado judicial e que não se justifica serem impostas às partes, pois agravam a tramitação processual e atrasam a mar-cha do processo. Por isso, teria sido melhor que fossem mantidas as correções

6 Almeida, Mário Aroso de – Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 48.

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oficiosas previstas no artigo 88º-1 da anterior versão do CPTA, nos moldes em que estava consagrada.

Talvez fosse possível sustentar que se mantém um poder de correção oficiosa do lado do juiz, decorrente do artigo 87º-1-a) do CPTA revisto lido conjugada-mente com o artigo 6º-2 do Código de Processo Civil, pois caber-lhe-ia efetuar o suprimento de exceções dilatórias, o que constituiria um dever de correção oficiosa. Note-se, no entanto, que, mesmo que assim se entenda, o dever de cor-reção oficiosa do artigo 88º-1 da anterior versão do CPTA não abrangia apenas as exceções dilatórias, possuindo um âmbito mais alargado que importaria ter preservado.

Depois, em segundo lugar, em situações relacionadas com pedidos de impug-nação de atos e normas, a revisão do CPTA eliminou uma referência específica a casos em que era conferida a possibilidade de apresentação de nova petição para suprir uma situação de absolvição da instância, que eram o erro na qualificação do ato como norma, o erro na qualificação de norma como ato e o erro na iden-tificação do ato impugnável (artigo 89º-3 da anterior versão do CPTA).

Parece-nos que teria sido melhor manter esta norma. De facto, a experiência demonstra que é desaconselhável a eliminação de referências explicativas que possam ter um papel na promoção do princípio da tutela jurisdicional efetiva, pois tal pode conceder um argumento (se bem que formal) no sentido de se pre-tender vedar tais hipóteses de aperfeiçoamento das petições, o que não terá sido a intenção da revisão do CPTA.

Uma terceira novidade, que surgiu com a nova versão do anteprojeto para revisão do CPTA é a expressa referência à possibilidade de sanar um problema de ilegitimidade passiva quando uma ação que devesse ser proposta contra o Estado tenha sido movida contra um ministério (artigo 8º-A-4 ACPTANV e do CPTA revisto). Contudo, talvez fosse de uniformizar as regras de legitimidade passiva em todas as ações administrativas e deixar de ter casos em que essas regras variam consoante o tipo de pedido.

Em quarto lugar, ainda no domínio dos convites para correção de erros e defi-ciências, a anterior versão do CPTA previa a substituição do pedido de impugna-ção de um ato de indeferimento pelo competente pedido de condenação à prática de ato devido em caso de reação contra um ato de indeferimento (artigo 51º-4 da anterior versão do CPTA). Ora, a revisão do CPTA prevê alterações nesta matéria que, apesar de se situarem no domínio dos aperfeiçoamentos, importa assinalar.

Assim, determina-se que este regime deverá ser aplicado em todos os casos em que não se tenha efetuado um pedido de condenação à prática de ato devido, quando o mesmo deveria ter sido apresentado. Portanto, o seu âmbito deixa de estar cingido às situações em que foi submetido um pedido de invalidação do

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ato. Além disso, determina-se que o regime do convite à correção seja também aplicado quando se pretenda reagir contra uma ausência de resposta e não ape-nas face a um ato de indeferimento expresso (artigo 51º-4 do CPTA revisto). É ainda esclarecido que, quando a petição seja substituída em resultado da apli-cação deste regime, se considera a mesma como apresentada na data da primeira petição entregue (artigo 51º-5 do CPTA revisto).

Refira-se, por último, o regime da convolação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar ou em decretamento pro-visório da providência, a qual procura resolver divergências que se foram estabe-lecendo nesta matéria. Está em causa saber se é possível de admitir a convolação de um pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no decretamento provisório de uma providência, nos termos do artigo 131º CPTA.

Numa solução que nos parece ser de aplaudir, a revisão do CPTA responde afirmativamente à possibilidade de convolação acolhendo uma solução que con-cretiza o princípio da tutela jurisdicional efetiva e, em concreto, a dimensão pro actione do mesmo.7

Assim, o artigo 110º-A do CPTA revisto admite expressamente a possibili-dade de convolação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias numa providência cautelar, no caso de, face às circunstâncias, não se justificar a adoção da intimação. Nessa hipótese, é concedido um prazo para o requerente substituir a petição e apresentar um pedido cautelar (artigo 110º-A-1 do CPTA revisto).8 Adicionalmente, quando exista uma situação de especial urgência, o juiz decide logo no despacho liminar o decretamento provisório da providência, nos termos do artigo 131º CPTA (artigo 110º-A-2 do CPTA revisto).

c. Citações e notificaçõesSegundo a nova versão do CPTA, o sistema informático deve assegurar automa-ticamente a notificação por via eletrónica das entidades públicas, sem necessi-dade de despacho do juiz (artigo 24º-3 do CPTA revisto). Parece-nos um muito positivo mecanismo de agilização processual, o qual deverá ser interpretado de

7 Gomes, Carla Amado – Uma revisão previsível: a convolação do processo de intimação para defesa de direitos, liberdade e garantias em providência cautelar (artigo 110º-A do Anteprojecto de revisão do CPTA), O anteprojecto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, Lisboa, 2014, pág. 324.8 No caso de convolação em providência cautelar, não se prevê qualquer aproveitamento da petição do autor, já tendo sido defendido que a solução deveria passar por aí. Pação, Jorge – Breve reflexão sobre o novo regime de convolação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar, O anteprojecto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, Lisboa, 2014, págs. 343-347.

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forma extensiva como aplicando-se igualmente às citações e não apenas às noti-ficações. De igual forma, a referência à competência da secretaria efetuada pelo artigo 81º-1 do CPTA revisto deve entender-se de forma conjugada com esta dis-posição, não podendo prejudicar o automatismo da realização da citação, uma vez recebida no sistema informático a petição que desencadeia a competente ação administrativa.

Assim, permite-se que a petição ou requerimento eletronicamente submeti-dos sejam citados ou notificados, de forma imediata e eletrónica, às pessoas cole-tivas públicas, sem necessidade de nenhum despacho ou ato burocrático do juiz ou da secretaria. Apenas os casos em que seja previsto despacho liminar estarão excluídos deste regime.

No mesmo sentido, prevê-se que a citação edital passe agora a realizar-se exclusivamente em página eletrónica de acesso público, dispensando assim a exi-gência de afixação de edital prevista no CPC (artigo 25º-1 do CPTA revisto). Esta publicação eletrónica deve ser regulamentada por portaria, sendo aspeto espe-cialmente relevante garantir que a publicação não se dá numa página eletrónica que seja habitualmente pouco utilizada pela generalidade dos cidadãos. Ou seja, é necessário escolher cuidadosamente a página web onde se efetue tal publica-ção, para poder ter reais possibilidades de vir a ser consultada pelo destinatário.

Cabe ainda referir que a citação de contrainteressados por meio de publica-ção de anúncio no local utilizado para dar publicidade ao ato impugnado passará a poder ser utilizada num maior número de casos, admitindo-se que tal suceda quando o número de contrainteressados seja superior a 10, sendo que na anterior versão do CPTA tal só era possível quando existissem mais de 20 (artigo 81º-4 e 5 do CPTA revisto e artigo 82º-1 e 2 da anterior versão do CPTA).

Não é desconhecido que, com alguma frequência, os processos ficam blo-queados logo num primeiro momento, nas secretarias, a aguardar que se efetue a citação e admite-se que estas alterações poderão, se devidamente implemen-tadas, obstar a tal situação.

Segundo a mesma lógica, a notificação da contestação, do processo instrutor e de outros documentos ao autor também se deve, preferencialmente, processar por meios eletrónicos e com automatismo que impeça a necessidade de inter-venção do tribunal (artigo 24º-4 do CPTA revisto), o que também é de aplaudir, no quadro de um fluxo processual com um mínimo de intervenções burocráti-cas que retardam o processo.

d. Sequência de tramitação: peças processuais, atos processuais e audiênciasOs meios disponíveis e uma visão moderna sobre o processo administrativo per-mitem e aconselham a que o juiz acompanhe o processo ao longo de toda a sua

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tramitação, gerindo-o e assumindo a responsabilidade pelo seu ciclo de vida, em vez de intervir pontualmente apenas nos momentos identificados na lei de processo ou quando lhe seja aberta conclusão. Ou seja, existem condições para se ultrapassar uma conceção ultrapassada do processo assente na especificação legal dos momentos de intervenção do juiz por forma a que este pudesse ir assu-mindo o domínio do processo, pois não podia acompanhar efetivamente a sua tramitação através de outras vias. A isto acresce que se deve ultrapassar a ideia de que o processo é uma sucessão de tarefas em que cada interveniente atua “à vez”, numa sucessão de atos em que seria impossível desenvolver um trabalho cooperativo, que se possa traduzir em atos praticados simultaneamente, quando não sejam conflituantes.

É preciso que se entenda bem o que se deixou afirmado. Não se pretende, com estas considerações, defender que o juiz possa decidir o que entender a todo o tempo, durante o processo. Pelo contrário, é da maior necessidade, utilidade e conveniência que existam limites, como o previsto no artigo 87º-2 da anterior versão do CPTA (artigo 88º-2 do CPTA revisto), que impede a eternização do debate em torno de questões que obstem ao conhecimento do fundo da causa. O que está em causa é antes evitar que o processo seja encarado como uma suces-são de atos praticados sobre um conjunto de documentos sobrepostos em suporte de papel nos termos do qual o juiz só intervém nos momentos que a lei lhe fixe (e não antes, mesmo que detete a existência de problemas que urge resolver) e que impede a prática simultânea de atos e tarefas (por exemplo da secretaria e do juiz) que não sejam conflituantes.

Ora, a nova versão do CPTA continua a manter e, de certo modo, até a subli-nhar, essa visão tradicional do processo, que desincumbe o juiz de intervir quando considere mais adequado, pois fixa frequentemente quais são os momentos em que se justifica a sua intervenção. É o que se passa, por exemplo, com a determi-nação de um momento de despacho liminar nas providências cautelares para veri-ficar se existem fundamentos de rejeição liminar (artigo 116º do CPTA revisto), com a previsão de existência de um despacho pré-saneador formal (artigo 87º do CPTA revisto), com a existência de uma audiência prévia obrigatória (artigo 87º-A-1 e 87º-B-1 e 2 do CPTA revisto) e com a obrigatoriedade de existência de um despacho de prova (artigo 89º-A do CPTA revisto).9

9 Face ao texto dos artigos 87º-A-1 e 87º-B-1 e 2 ACPTA, não se compreendia bem se a audiência prévia era, em geral, obrigatória ou facultativa. A versão final da revisão do CPTA vem esclarecer que tal audiência é obrigatória (artigo 87º-A-1 do CPTA revisto), o que nos parece uma solução negativa, pois em muitos casos esta audiência não importará qualquer valor acrescentado e significará um acréscimo de morosidade processual.

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Além disto, em geral, o CPTA revisto não simplifica a marcha do processo declarativo não urgente de forma significativa, introduzindo até alguns novos passos ou formalidades que podem merecer revisão.

Por um lado, refere-se expressamente a possibilidade de apresentar uma réplica em casos onde o Código de Processo Civil (CPC) já a havia eliminado, admitindo-se a mesma para responder a exceções levantadas pelo réu. No CPC apenas se admite a réplica para responder a uma reconvenção ou em casos de ações de simples apreciação negativa. De igual forma, a tréplica é admitida em situações onde o CPC também já não a prevê. Está em causa, especialmente, a resposta às exceções levantadas na réplica, quando tenha havido reconvenção (artigo 85º-A – 1, 2 e 6 do CPTA revisto).10

Por outro lado, a intervenção do Ministério Público enquanto autor de pro-núncias em todos os processos administrativos aumenta, o que nos parece ser criticável, tanto em termos de agilização processual como face à pouco compre-ensível multiplicidade de funções que o Ministério Público pode desempenhar nos processos administrativos. É que o Ministério Público passa agora a intervir em todos os casos que antes estavam submetidos à ação administrativa comum e, em acréscimo, exceto nas situações não previstas no artigo 85º-2 CPTA, passa a poder invocar qualquer invalidade e não apenas nulidades nos processos impug-natórios (artigo 85º-4 da anterior versão do CPTA e artigo 85º-3 do CPTA revisto).

Parece-nos que a intervenção do Ministério Público enquanto emissor de uma opinião acerca de um litígio entre particulares e a Administração Pública não tem valor acrescentado que justifique a sua manutenção. Com efeito, os interes-ses das partes estão defendidos pelas próprias, o interesse público é defendido pelas entidades públicas demandadas e o juiz tem competência para decidir o conflito. Nessa medida, este é um passo processual que, em termos de agilização processual, poderia ser dispensado.

Mas outra importante circunstância aconselharia a eliminação desta inter-venção. É que a posição do Ministério Público no contencioso administrativo não é de molde a assegurar a indispensável aparência de imparcialidade que o sistema deve garantir. Note-se que, no quadro atual, o Ministério Público ainda pode atuar em todos os planos processuais: em representação do Estado (artigo 11º-1 do CPTA revisto), assumindo a posição de autor contra a Administração Pública (no exercício da ação pública) e, ainda, com responsabilidades enquanto emissor de pronúncias e promotor de diligências que lhe cabe emitir e promo-

10 Fernandez, Elizabeth – Reflexos do CPC na tramitação da nova ação administrativa, O anteprojecto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, Lisboa, 2014, págs. 67-68.

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ver, de forma independente. Não nos parece possível compatibilizar todas essas posições jurídicas no processo administrativo sem que, pelo menos, tal suscite dúvidas legítimas.11 12

Finalmente, regista-se que as alegações escritas são mantidas quando não haja audiência final e tenham sido realizadas diligências de prova (artigo 91º-A do CPTA revisto). Trata-se de uma peça processual que se dispensaria, dado que a mesma serve, na prática, o propósito de repetir a argumentação já produzida nos articulados. Recorde-se ainda que a necessidade de aditar algum facto à discussão por ter surgido de forma superveniente, encontra-se garantida pela possibilidade de apresentação de articulados supervenientes (artigo 86º da anterior versão do CPTA e do CPTA revisto) e que a resposta a exceções invocadas na contestação também, pois a revisão do CPTA mantém a réplica nos casos em que o CPC já a eliminou. Ou seja, não parecem existir circunstâncias que justifiquem este passo processual adicional, suscetível de tornar a duração do processo mais longa, não apenas devido ao prazo para apresentação das mesmas mas também, sobretudo, pelo tempo adicional de análise que importará para a leitura e comparação com outras peças processuais que o juiz sempre terá de efetuar.

e. Diferimento da instruçãoUm aspeto criticável que chegou a constar do primeiro anteprojeto para revisão do CPTA colocado em discussão pública e que admitíamos dever-se a um mero lapso reporta-se à eliminação do regime do artigo 90º-3 e 4 da anterior versão

11 Note-se, aliás, que o TEDH tem manifestado dúvidas desse tipo quanto ao preenchimento das condições de imparcialidade que, em seu entender, a CEDH exige quando uma entidade atua a vários títulos no sistema jurídico. Além disso também já manifestou dúvidas quanto à duplicação de funções do Conselho de Estado do Luxemburgo enquanto entidade jurisdicional e consultiva, tendo considerado existir violação do artigo 6º-1 CEDH em casos em que membros desse órgão participaram em deliberações de natureza consultiva relativamente à produção de atos legislativos e, depois, tenham composto formações de julgamento onde essas normas foram aplicadas. Ver o caso TEDH Martinie, de 12 de abril de 2006, caso TEDH Kress, de 7 de junho de 2001 e o caso TEDH Lobo Machado, de 20 de fevereiro de 1996 e Caso TEDH Procola, de 28 de setembro de 1995, acessíveis em http://hudoc.echr.coe.int/.12 O Decreto aprovado pela Assembleia da República na sequência da Proposta de Lei 331/XII continha uma evolução positiva, pois aí se estabelecia que o Governo estava autorizado a rever o regime do patrocínio judiciário e representação em juízo no sentido de permitir “que as entidades públicas possam fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico” (artigo 2º-f)). Clarificava-se, assim, que não deveria existir qualquer obrigatoriedade de a representação do Estado ser assegurada pelo Ministério Público.A redação do CPTA revisto não é, infelizmente, tão clara como o texto da autorização legislativa (artigo 11º-1 do CPTA revisto). Porém, a alusão que aí se faz à representação do Estado pelo Ministério Público não poderá deixar de ser lida como uma mera possibilidade e não uma obrigatoriedade, sob pena de violação da Lei de autorização legislativa que permitiu a aprovação do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2/10.

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do CPTA que previa um mecanismo de agilização processual ainda pouco explo-rado, mas que era e é promissor.

Segundo esse regime, quando se havia apresentado em juízo um pedido para o reconhecimento de uma ilegalidade de uma ação ou omissão, cumulado com um outro onde se visasse a condenação à prática de um ato ou a realização de uma prestação, o tribunal podia determinar o faseamento da instrução, quando o segundo pedido dependesse do primeiro. Assim, o tribunal poderia realizar primeiro a instrução do pedido principal e, num momento posterior, a instru-ção do pedido subordinado.13

Se, na sequência da realização da instrução do pedido principal, decidisse que ele era improcedente, podia dispensar a instrução do segundo pedido, que dependia do primeiro (artigo 90º-4 da anterior versão do CPTA). Ao invés, se o pedido principal fosse procedente, a instrução do pedido dependente teria lugar, sendo emitida sentença relativamente a ambos os pedidos.

Ora, este era um mecanismo com evidentes vantagens em matéria de agilização processual e, por isso, deveria ser mantido. Com efeito, ele visava diminuir as dili-gências processuais desnecessárias e evitar que o processo se prolongasse por fases instrutórias inúteis. Tratava-se, pois, de um instrumento que criava condições para que a solução do litígio pudesse obter-se de forma mais rápida, o que era positivo.

Apesar de este mecanismo de agilização processual não ter constado de uma versão do anteprojeto para revisão do CPTA, assinale-se que, contudo, a versão final do diploma que procede à revisão do CPTA parece ter recuperado este mecanismo de agilização processual, o que se assinala favoravelmente (artigo 90º-4 do CPTA revisto). Parece, inclusivamente, que a nova redação irá permi-tir a emissão de uma decisão parcelar de mérito antecipada tanto no caso de o pedido principal ser improcedente como na situação de ser de o acolher, o que constituirá um avanço relevante. Além disso, a aplicação deste mecanismo a situações de cumulação de pedidos em processos urgentes também se encontra agora expressamente consagrada (artigo 5º-2 do CPTA revisto).

O resultado final é, portanto, positivo.

f. Reenvio prejudicialO mecanismo do reenvio prejudicial do artigo 93º do CPTA, introduzido pela Reforma do Contencioso Administrativo com inspiração nos avis perante o Con-seil D´État francês, consistiu num importante meio de promoção da agilização processual, embora seja pouco utilizado pelos tribunais administrativos.

13 Sobre o assunto veja-se Raposo, João – A tramitação da acção administrativa especial, Cadernos de Justiça Administrativa nº 39, 2003, pág. 20.

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Estava em causa permitir que o presidente do tribunal de primeira instância solicitasse a emissão de uma pronúncia ao STA, quando o processo apresentasse questões de direito novas que suscitassem dificuldades sérias e que se pudessem levantar noutros litígios. Face a tal solicitação e verificados os seus requisitos, o STA emitiria, no prazo de três meses, uma pronúncia vinculativa sobre a questão colocada (artigo 93º-1 da anterior versão do CPTA), a qual teria de ser observada, na elaboração da sentença, pelo tribunal que a havia solicitado.

Tratava-se, também aqui, de um instrumento ao serviço da agilização proces-sual que visava promover a uniformização jurisprudencial e, embora de forma indireta, a aceleração processual. Por um lado, procurava-se evitar jurisprudência divergente antes que a mesma possa ocorrer, situando-se o seu objetivo principal ao nível da garantia de uniformidade de tratamento judicial.14 Por outro lado, a emissão de uma decisão antecipada do STA sobre uma matéria que potencial-mente se repetiria no futuro evitaria futuras decisões de primeira instância em sentido divergente, obstando a todo o caminho processual posterior, bem como novos processos repetidos, com efeitos positivos sobre a celeridade processual.15

A revisão do CPTA mantém este mecanismo, mas introduz algumas novida-des que importa referir.

A primeira respeita a um aspeto eminentemente formal, que é o de passar a designar como “consulta prejudicial” este mecanismo, abandonando-se a expres-são “reenvio prejudicial” (epígrafe do artigo 93º do CPTA revisto).

Depois, toma-se posição sobre uma questão que já tem sido abordada pela doutrina, que é a de saber se a pronúncia vinculativa emitida pelo STA em sede de reenvio prejudicial o vincula em processos diferentes daquele em que se sus-citou a pronúncia. A opção foi no sentido negativo, o que nos parece correto se a intenção for a de manter o sistema tal como ele foi configurado pela Reforma do Contencioso Administrativo (artigo 93º-3 do CPTA revisto).

Finalmente, limita-se a possibilidade de o presidente do tribunal administra-tivo solicitar a emissão da pronúncia do STA, determinando-se que a mesma tem de resultar de impulso do juiz da causa (artigo 93º-1 do CPTA revisto).

Trata-se de uma opção negativa e que deve ser reavaliada. Por um lado, desonera o presidente do tribunal das funções de gestão pro-

cessual e da responsabilidade de assegurar uma adequada gestão da carga pro-cessual do tribunal a que preside. Neste campo, a possibilidade de convocar a

14 Também assim Crespo, Miguel Ângelo Oliveira – O recurso de revista no contencioso administrativo, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 39.15 Neste sentido Cadilha, Carlos Alberto Fernandes – Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, pág. 615.

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participação do STA para, o mais cedo possível, emitir uma pronúncia em casos que se poderão repetir no seu tribunal é um importante instrumento, que deve poder utilizar por sua iniciativa. Por outro lado, o presidente do tribunal está em melhores condições do que um único juiz da causa para avaliar a existência de questões novas que possam, a nível geral da movimentação do tribunal, provo-car um número repetido de processos sobre o mesmo tema. Aliás, o juiz do pro-cesso pode até não ter noção disso. Portanto, é a todos os títulos inconveniente que os poderes do presidente do tribunal não fiquem limitados nesta matéria.

Nem se diga que a possibilidade de o presidente do tribunal poder decidir efetuar o reenvio sem impulso do juiz do processo envolve alguma inconstitu-cionalidade por violação do princípio do juiz natural.

Em primeiro lugar, é no mínimo duvidoso que este princípio se aplique no contencioso administrativo com a mesma extensão em que é aplicado no pro-cesso penal. Veja-se que, quanto a essa matéria, existe uma norma expressa que veda a possibilidade de uma causa ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior (artigo 32º-9 da Constituição), mas o mesmo não se verifica quanto ao contencioso administrativo. Portanto, pretender aplicar o mesmo grau de exigência que no processo penal não parece ser constitucional-mente adequado.

Depois, em segundo lugar, o objetivo deste princípio não é vedar mudanças no titular do processo ou impedir que sejam aplicadas medidas de gestão pro-cessual. É antes proibir a designação arbitrária de um juiz, impedindo a manipu-lação da composição do tribunal pelos poderes públicos, por forma a evitar que se possa decidir, em cada caso, qual o juiz competente.16 É esse o seu propósito, pelo que as suas implicações devem ter em conta os valores que se visam prote-ger e não mais que isso.

Ora, não parece que o mecanismo do reenvio prejudicial permita qualquer tipo de escolha arbitrária quanto aos conselheiros do STA que irão emitir a pro-núncia. Trata-se de verificar se existe uma questão que possa suscitar a interven-ção do STA, não cabendo ao presidente do tribunal administrativo de primeira instância escolher ou determinar as composições do STA que apreciarão o cum-primento dos pressupostos para o mecanismo poder ser aplicado ou aqueles que julgarão o reenvio. Ele não tem qualquer poder de “manipulação” sobre essas

16 Brito, Miguel Nogueira de – O princípio do juiz natural e a nova organização judiciária, Julgar nº 20, maio-agosto 2013, pág. 26; Dias, Figueiredo – Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “Juiz-Natural”, Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de março de 1977, Revista de Legislação e Jurisprudência, 111º ano, nº 3615, pág. 86; Miranda, Jorge/Medeiros, Rui – Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 738.

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composições. De igual forma, não julga nem interfere na decisão em sede de pro-núncia vinculativa. Ao invés, adota uma decisão com implicações sobre a trami-tação processual, no quadro das suas competências de administração do tribunal e da sua carga processual.17

Em terceiro lugar, tem sido afirmado que o princípio do juiz natural envolve a obrigação de que as regras de competência do tribunal estejam fixadas com anterioridade face à propositura da ação, através de disposições dotadas de gene-ralidade, que sejam objetivas e transparentes. Ou seja, este princípio não impos-sibilita a mudança do titular do processo nem a aplicação de medidas de gestão processual. Apenas determina que existam disposições prévias que assegurem, com generalidade e objetividade, os critérios para que tais medidas sejam adota-das. Assim, a alteração de normas de repartição de competência entre tribunais ou entre várias secções do mesmo tribunal não colocam em causa o princípio do juiz natural caso sejam aplicadas a processos pendentes, desde que as mesmas sejam adotadas com generalidade e objetividade.18 19 Aliás, nem mesmo a modi-ficação de um turno de férias com impacto imediato sobre a composição do tri-bunal que iria julgar um processo em matéria criminal o coloca.20 Ora, parece assim claro que as normas do regime do reenvio prejudicial fixam, com genera-lidade, abstração, transparência e objetividade, os critérios na base dos quais a decisão de reenvio poderá ser adotada, quem é competente para a tomar, qual a formação de juízes que julgará a verificação dos seus pressupostos e quais os juízes que, no STA, serão responsáveis pela emissão da pronúncia (artigos 93º-1 e 3 do CPTA revisto e artigo 25º-2 do ETAF revisto).

A isto ainda acresce que não estamos perante qualquer interferência de outra função do Estado no exercício da função jurisdicional. Tudo se passa no âmbito da função jurisdicional, cabendo ao presidente de um tribunal da jurisdição administrativa adotar uma decisão que tem implicações em matéria de gestão processual e no processo, mas preservando-se a generalidade, abstração, objeti-vidade e transparência com que tal poderá ocorrer.

Finalmente, note-se que o STA, quando emite a pronúncia, nem sequer con-diciona a emissão da sentença do processo em relação a todas as suas compo-

17 Também neste sentido Martins, Manuel – O reenvio prejudicial ao STA no novo contencioso administrativo, Estudos de Direito Público, Âncora Editora, Lisboa, 2006, pág. 513.18 Decisões do Tribunal Constitucional Espanhol 37/2003, de 25 de fevereiro, 221/2002, de 25 de novembro, 171/1999, de 27 de setembro e 205/1994, de 11 de julho, acessíveis em http://hj.tribunalconstitucional.es/HJ/es.19 Brito, Miguel Nogueira de – O princípio do juiz natural e a nova organização judiciária, Julgar nº 20, maio-agosto 2013, pág. 32.20 Ver acórdão TC nº 614/03, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.

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nentes, apenas o fazendo relativamente às questões colocadas. Nessa medida, não é possível afirmar que o processo haja sido “subtraído” ao conhecimento do juiz que o tinha a seu cargo. E, mesmo que se entendesse que a possibilidade de o presidente do tribunal administrativo significaria alguma compressão desse princípio por ter sido retirada ao juiz a possibilidade de decidir sobre todos os aspetos do litígio, sempre se dirá que o princípio do juiz natural não é de molde a conferir um direito fundamental absoluto, pois o mesmo poderá sofrer restri-ções ou compressões face a outros valores constitucionais resultante do princípio da tutela jurisdicional efetiva, como a celeridade e a eficácia.21

g. Agilização nos processos cautelaresNa área dos processos cautelares, a revisão do CPTA introduz várias novidades relevantes, destacando-se algumas das que de forma mais evidente incidem em matéria de agilização processual.

Assim, por um lado, em matéria de despacho liminar, prevê-se que o processo seja concluso ao juiz com a maior urgência e que o mesmo deve ser proferido em quarenta e oito horas (artigo 116º-1 do CPTA revisto). Por outro lado, consagram--se limitações à prova que é possível efetuar no processo cautelar, determinando--se que não é admissível a prova pericial, que cada parte não pode oferecer mais de cinco testemunhas e que o juiz pode recusar os meios de prova por serem irrelevantes ou dilatórios (artigo 118º-3 a 5 do CPTA revisto).

Na primeira versão do anteprojeto para revisão do CPTA acolhia-se uma nova audiência oral urgente, a realizar no prazo de quarenta e oito horas, para verificar se os efeitos suspensivos automáticos relativamente à execução do ato poderiam ser levantados, face à existência de uma situação de grave prejuízo para o inte-resse público. No final da audiência, o juiz decidiria de imediato (artigo 128º-5 ACPTA).22 A versão publicada da revisão do CPTA já não prevê esta audiência,

21 Brito, Miguel Nogueira de – O princípio do juiz natural e a nova organização judiciária, Julgar nº 20, maio-agosto 2013, págs. 36-37; Pedroso, João/Branco, Patrícia – O reforço dos poderes de gestão do juiz-presidente de tribunal (ou de circunscrição) é urgente, necessário e conforme ao princípio do juiz natural, contributo para uma reforma gestionária da administração da justiça (inédito), 2007, pág. 1.22 A necessidade de realização desta audiência urgente compreendia-se no contexto da solução desse anteprojeto, uma vez que se sugeria a alteração do regime dos efeitos da propositura de um pedido cautelar de suspensão da eficácia do ato administrativo. Ao contrário do que sucedia e continuará verificar-se, a emissão de uma resolução fundamentada onde a Administração Pública reconhecesse a existência de um grave prejuízo para o interesse público não seria suficiente para prosseguir com a execução do ato. O ACPTA previa, assim, que passasse a ser necessária uma decisão judicial para esse efeito (artigo 128º da anterior versão do CPTA e do CPTA revisto e artigo 128º ACPTA). Tal como se deixou claro, o CPTA revisto não acolheu esta solução, mantendo o regime jurídico anterior.

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uma vez que mantém o atual regime dos efeitos suspensivos automáticos da apre-sentação de um pedido cautelar de suspensão eficácia de um ato administrativo.

h. Decretamento provisório da providência cautelarO decretamento provisório de uma providência cautelar regulado no artigo 131º CPTA constitui um importante mecanismo de agilização processual que importa valorizar.

Trata-se de instrumento que visa, de forma clara, proporcionar celeridade na emissão de uma pronúncia judicial em casos onde uma resposta judicial urgente é especialmente necessária e o processo cautelar típico não seja suficientemente urgente. A razão de ser deste mecanismo está, assim, muito ligada à necessidade de preservar o efeito útil das sentenças, ou seja, de garantir que estas não têm efeitos meramente proclamatórios, mas que se trata antes de decisões que efeti-vamente atuem sobre a realidade de forma adequada às situações.

A nova versão do CPTA introduz algumas modificações a este regime, man-tendo as suas potencialidades.

Em primeiro lugar, é necessário assinalar que deixa de existir um dos fun-damentos na base do qual era possível solicitar a emissão do decretamento pro-visório de uma providência cautelar. Assim, deixa de se referir expressamente que tal é possível para o efeito de assegurar direitos, liberdades ou garantias que, de outro modo, não possam ser exercidos em tempo útil, por existir a possibili-dade de lesão iminente e irreversível dos mesmos (artigo 131º-1 CPTA e artigo 131º-1 do CPTA revisto). Claro está que permanece a possibilidade de o solicitar quando se verifique uma situação de “especial urgência” e que, como é óbvio, uma lesão iminente de direitos, liberdades e garantias tem de ser entendida como constituindo uma situação deste tipo. Assim, não nos parece que esta alteração venha a provocar um impacto significativo no âmbito de aplicação do mecanismo.

Note-se que a nova versão do ACPTA veio exigir que essa situação de especial urgência se caracterize pela circunstância de poder dar origem a uma situação de facto consumado na pendência de um processo, o que ficou acolhido na ver-são publicada da revisão do CPTA (artigo 131º-1 do CPTA revisto).

Depois, em segundo lugar, introduz-se uma novidade quanto à forma de asse-gurar o contraditório, que implicará uma eventual pronúncia do requerido num momento formalmente externo ao do procedimento para emissão do decreta-mento provisório da providência.

No anterior regime, caso houvesse decisão de decretamento provisório da providência abria-se uma segunda fase no procedimento onde era solicitado que as partes se pronunciassem. Face a este contraditório diferido, o juiz teria então a possibilidade de revogar, manter ou alterar a decisão que adotou (artigo 131º-6 da anterior versão do CPTA).

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A versão revista do CPTA continua a manter a possibilidade de o juiz revo-gar, manter ou alterar a providência decretada provisoriamente, mas deixa de exigir como necessária a existência de uma fase em que as partes se tenham de pronunciar e o juiz deva decidir sobre esse assunto (artigo 131º-6 CPTA revisto). Ou seja, esse contraditório e obrigação de o juiz decidir sobre o mesmo deixam de ser obrigatórios, passando a estar na dependência da vontade das partes e a efetuar-se externamente em relação ao decretamento provisório da providência.

Não parece que tal possa ter qualquer implicação negativa em matéria de garantia do processo equitativo e, em concreto, em questões relacionadas com o contraditório.

Por um lado, o Tribunal Constitucional já decidiu que o contraditório possa ser comprimido para satisfazer valores constitucionais como a celeridade e a efi-cácia processual. Por exemplo, foram admitidas como constitucionalmente acei-táveis providências cautelares decididas sem audição do requerido, remetendo-se o contraditório para momento posterior. E igualmente se considerou viável a ado-ção de providências em processo executivo sem contraditório prévio.23 24 25 Por outro lado, está em causa garantir valores constitucionais igualmente relevantes como a celeridade e a eficácia processual, também eles integrados no princípio da tutela jurisdicional efetiva. Por último, as partes continuam a manter a possibi-lidade de solicitar e obter a revogação, manutenção ou alteração da providência. Simplesmente, terão de o fazer num momento processual autónomo, que não se realizará necessariamente, mas apenas se nisso tiverem interesse.

Em terceiro lugar, a versão revista do CPTA permite expressamente que o juiz possa decidir, a título oficioso e não apenas a requerimento das partes, o decretamento provisório da providência (artigo 131º-1 do CPTA revisto), o que aponta num sentido, que nos parece correto, de se entender que a preservação do efeito útil das decisões judiciais não é apenas uma questão do interesse das partes. Refere-se, inclusivamente, que o poderá fazer no despacho liminar do processo cautelar (artigo 116º-5 do CPTA revisto). Note-se que dessa disposi-ção parece decorrer que o terá necessariamente de fazer nesse despacho, o que parece excessivamente limitativo.

23 Ver acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 303/03, 373/02, 131/02, 163/01, 522/00, 259/00, 162/00, 598/99, 337/99 e 739/98, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.24 Sobre a matéria ver Fonseca, Isabel Celeste M. – Processo temporalmente justo e urgência. Contributo para a autonomização da tutela jurisdicional de urgência na justiça administrativa, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs. 274-275.25 O Tribunal Constitucional Italiano também o aceita. Ver a decisão da Corte Costituzionale 179/2002, de 10 de abril, acessível em http://www.cortecostituzionale.it/actionPronuncia.do.

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Finalmente, a revisão do CPTA regula expressamente a possibilidade de soli-citar o decretamento provisório de uma providência quando o processo já se encontre pendente (artigos 131º-2 do CPTA revisto).26 No entanto, tal só poderá ocorrer quando se verifique uma “alteração superveniente das circunstâncias”, o que parece ser um acrescento que poderia ter sido evitado, dada a fluidez e indeter-minação dos conceitos utilizados, que serão de molde a provocar incerteza quanto a saber se a providência poderá ser requerida.

i. Emissão da sentença a propósito do pedido de adoção de providência cautelar A antecipação da decisão da causa principal a propósito do processo cautelar foi um inovador mecanismo de agilização processual introduzido pela Reforma do Contencioso Administrativo e tem importantes vantagens em matéria de acele-ração processual (artigo 121º CPTA). Com efeito, por um lado, a decisão da causa principal é proporcionada de forma mais célere pois é adotada logo no processo cautelar. Por outro lado, a tramitação passa a seguir termos urgentes.

Numa intervenção que se afigurava positiva, a primeira versão do antepro-jeto para revisão do CPTA alargava as situações em que a antecipação da causa principal podia ser utilizada (artigo 121º ACPTA).

De facto, o CPTA exigia que se verificasse um conjunto de circunstâncias para que, a propósito do pedido cautelar, se pudesse decidir logo o mérito da causa, que eram as seguintes (artigo 121º-1 CPTA): i) uma “manifesta urgência” na resolução definitiva do caso; ii) a situação não se compadecer com a adoção de uma providência cautelar, devido à manifesta urgência verificada; iii) terem sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para proferir a decisão principal; e iv) as partes serem ouvidas previamente sobre a possível utilização deste mecanismo, pelo prazo de dez dias.

Ora, os dois primeiros requisitos desapareciam no texto do ACPTA, o que parecia ser uma boa solução pois facilitaria a aplicação deste regime.27 No entanto, a nova versão desse anteprojeto já parecia voltar a limitar o seu âmbito de aplica-ção, uma vez que exigia que o caso fosse simples ou que a urgência na sua reso-lução justificasse a sua utilização (artigo 121º-1 ACPTANV). O texto definitivo da revisão do CPTA acolheu esta última versão (artigo 121º-1 do CPTA revisto).

26 Uma solução que, aliás, já foi aplaudida. Guimarães, Ricardo – Gestão dos tribunais, Cadernos de Justiça Administrativa nº 106, 2014, pág. 48.27 Em sentido contrário ver Neto, Dora Lucas – A urgência no Anteprojeto de revisão do CPTA sob o prisma do novo contencioso dos processos de massa, O anteprojecto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, Lisboa, 2014, págs. 145-146.

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Também se assinala como uma alteração que não é positiva a circunstância de se passar a exigir a existência de um processo principal já intentado para que este mecanismo possa operar, o que já tem sido criticado (artigo 121º-1 do CPTA revisto).28

j. Prazos processuaisO CPTA determinava que os prazos para os atos processuais a praticar pelos juízes e pelos funcionários do tribunal que não estivessem determinados na lei fossem anualmente fixados pelo Conselho Superior dos Tribunais Administra-tivos e Fiscais (CSTAF), com o apoio do departamento do Ministério da Justiça com competência nos domínios da auditoria e da modernização (artigo 29º-2 da anterior versão do CPTA). Uma vez assumido tal compromisso, o mesmo deveria ser publicado em Diário da República (artigo 29º-2 da anterior versão do CPTA).

A Reforma do Contencioso Administrativo estabeleceu, assim, uma norma que visava permitir a adaptação dos tempos de resposta dos tribunais às capacidades de resposta em cada momento e que visava que fosse assumido um compromisso público pelas instâncias competentes que permitisse à sociedade avaliar, em cada momento, a resposta da justiça administrativa. No fundo, tratava-se de uma solu-ção que implicava gestão, assunção de responsabilidades e compromisso público.

A verdade é que não existem notícias de o CSTAF ter fixado anualmente tais prazos ou, pelo menos, de que os mesmos tenham sido tornados públicos em termos de poderem ser escrutinados pela sociedade, o que se regista pela nega-tiva. Igualmente criticável é a circunstância de a nova versão do CPTA prever a revogação das normas que estabeleceram esta obrigação de fixação de prazos nunca satisfeita (artigo 29º-2 do CPTA revisto), assim legitimando uma prática pouco compreensível e reduzindo as possibilidades de escrutínio democrático e assunção de compromissos públicos que também são exigíveis à justiça e aos órgãos que a gerem.

k. Utilização de meios eletrónicosAs vantagens da imposição da utilização destes meios eletrónicos são evidentes e a experiência da utilização do CITIUS nas outras áreas processuais tem sido reconhecida internacionalmente.29 Por um lado, o acesso torna-se mais fácil, com

28 Almeida, José Mário Ferreira – As reformas do processo civil e do contencioso administrativo: autonomia e convergência, Cadernos de Justiça Administrativa nº 106, 2014, pág. 67.29 Ver European judicial systems, Efficiency and quality of justice, Edition 2014, European Commission for Efficiency of Justice, Council of Europe, disponível em http://www.coe.int/T/dghl/cooperation/cepej/default_en.asp, págs. 124-131; European judicial systems, Efficiency and quality of justice, Edition 2012,

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redução de tempos e custos em deslocações, correio e produção de numerosas cópias em papel. A circunstância de os atos da secretaria e do tribunal serem pra-ticados em formato eletrónico também melhora o acesso, pois as partes poderão conhecer e consultar o estado do processo por via eletrónica a todo o tempo. Por outro lado, criam-se condições para que se reduzam atos burocráticos e rotinas relacionadas com o circuito e reprodução de atos em suporte de papel, o que permite acelerar os processos.

O novo texto do CPTA cria condições para que a tramitação processual e o acesso aos processos administrativos se efetue com melhor aproveitamento e utilização dos meios eletrónicos, o que é um passo positivo, mas que dependerá de uma adequada operacionalização e execução.

Prevê-se, em geral, a obrigação de todos os atos processuais, incluindo os atos das partes, dos juízes e da secretaria, serem praticados por via eletrónica, tal como no processo civil (artigo 24º-1 do CPTA revisto). A sua apresentação por esta via dispensa a respetiva apresentação em suporte de papel, bem como de duplicados e cópias (artigo 24º-2 do CPTA revisto). Isto sem prejuízo de o juiz poder solicitar a exibição dos originais, nos casos previstos na lei processual civil.

Também a distribuição dos processos se passa a realizar obrigatoriamente por meios eletrónicos, como sucede no processo civil (artigo 26º-1 do CPTA revisto).

Além disto, a citação e a notificação das pessoas coletivas públicas passa a fazer-se por via exclusivamente eletrónica, o que certamente facilitará a comuni-cação, reduzirá os custos e o tempo necessário à expedição do correio e permitirá a introdução de automatismos que reduzam o número de atos burocráticos da secretaria (artigo 24º-3 do CPTA revisto). Note-se que a citação edital também se passará a efetuar por via eletrónica, com publicação de anúncio em página informática de acesso público (artigo 25º-1 do CPTA revisto).

No mesmo sentido, também o autor deverá, em regra, ser notificado por via eletrónica (artigo 24º-4 do CPTA revisto).

Em acréscimo, as pessoas coletivas públicas que atuem enquanto partes esta-rão sujeitas à obrigação de envio das suas peças processuais, processo instrutor e outros documentos por via eletrónica (artigo 24º-4 do CPTA revisto).

A lógica da transmissão de processos e documentos por via eletrónica tam-bém se passa a aplicar à remessa do processo ao tribunal competente, no caso de um tribunal administrativo se considerar incompetente (artigo 14º-1 do CPTA revisto).

European Commission for Efficiency of Justice, Council of Europe, disponível em http://www.coe.int/T/dghl/cooperation/cepej/default_en.asp, págs. 109-113; Judicial Performance and its determinants: a cross-country perspective – A going for growth report, OECD, OECD Economic Policy Papers no. 05, 2013, acessível em http://www.oecd.org/eco/growth/judicial-performance.htm, pág. 26.

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Finalmente, as trocas de articulados e requerimentos autónomos apresentados pelas partes após a notificação (eletrónica) da contestação ao autor são efetuadas entre mandatários, nos termos da lei processual civil (artigo 25º-2 e 3 do CPTA revisto). Isto significa que essas trocas se processam também por meios eletróni-cos, os quais permitem igualmente o seu imediato registo no processo eletrónico.

B. Aspetos relativos à decisão judiciala. Formação de julgamentoNo quadro da revisão do ETAF prevê-se que o julgamento das ações administra-tivas se passe a fazer, em regra, por juiz singular (artigo 40º-1 do ETAF revisto).30 Tal importa uma novidade relevante uma vez que, no quadro vigente, cabe ao tribunal coletivo julgar as ações administrativas especiais, de facto e de direito, quando o valor da causa seja superior à alçada da primeira instância, que cor-responde a 5.000€ (artigo 40º-3 da anterior versão do ETAF). Note-se que tal inclui todos os aspetos do processo, sendo igualmente referido que a audiência final decorre perante o juiz singular (artigo 91º-2 do CPTA revisto).

Espera-se, assim, que um número importante de juízes fique liberto de nume-rosos julgamentos em coletivo, podendo aplicar o seu tempo disponível noutros processos. Portanto, é exigível que esta alteração provoque um efeito positivo no prazo de duração dos processos, dada a importante libertação de meios que provocará.

b. Decisões judiciais simplificadasi. O caso do despacho do relator: recurso ou reclamação?O CPTA adotou um regime que permite simplificar a adoção da decisão judicial sobre o litígio tornando desnecessária a intervenção do coletivo e permitindo que a mesma possa ser adotada apenas pelo relator (artigo 27º-1-i) CPTA).

Tratava-se de agilizar a forma de decidir, permitindo que o litígio pudesse ser decidido com maior celeridade, o que era particularmente relevante porque, como se sabe, a intervenção do coletivo era frequente na ação administrativa especial (artigo 40º-3 da anterior versão do ETAF).31

30 A solução já foi criticada por existirem questões de elevada complexidade que justificariam a intervenção do coletivo. Ver Salvador, Antero Pires – Reflexos do CPC na tramitação da nova ação administrativa, O anteprojecto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, Lisboa, 2014, págs. 95-101.31 Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos Alberto Fernandes – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, 2010, pág. 181; Fonseca, Isabel Celeste M. – Processo temporalmente justo e urgência. Contributo para a autonomização da tutela jurisdicional de urgência na Justiça administrativa, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 348; Fonseca, Isabel Celeste – Do novo

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Colocou-se, porém, um problema que adquiriu proporções relevantes quanto a saber se a reação a estas decisões judiciais se deveria fazer através da via da reclamação ou do recurso. Como se verá, tratava-se de uma questão que era sus-cetível de afetar seriamente o direito de reação contra uma decisão de primeira instância, uma vez que os respetivos prazos de uma e de outra são diferentes.

Parece-nos claro que a via de reação deveria ser a reclamação e não o recurso, tendo em conta a redação da anterior versão do artigo 27º-2 CPTA.32 Por um lado, o teor literal apontava nesse sentido. Por outro lado, a decisão ao abrigo do artigo 27º-1-i) CPTA continuava a ser configurada como um “despacho” e, por último, não existia, em geral, uma diferença de regime impugnatório entre des-pachos e sentenças.33

Surgia, então, a segunda questão, que é a que nos parece verdadeiramente problemática: sabendo que a via correta de reação seria a reclamação, o que suce-deria quando tenha sido apresentado um recurso (em trinta dias, segundo o artigo 144º-1 CPTA), em vez da reclamação (em dez dias, nos termos do artigo 29º-1CPTA), encontrando-se esgotado o prazo para utilizar a via correta? Seria de considerar que o prazo para reclamar se encontrava esgotado e que, por isso, a mesma deveria ser rejeitada por extemporaneidade?34

O problema agravava-se porque, não poucas vezes, a invocação do artigo 27º-1-i) CPTA para decidir por meio do juiz singular apresentava a forma de uma mera referência a essa disposição, sem justificação e perdida no meio de mais de uma dezena de páginas relativas à decisão. Podia até consistir numa decisão adotada pelo juiz singular em vez de ter sido tomada pelo coletivo, sem referên-

contencioso administrativo e do direito à justiça em prazo razoável, Estudos em comemoração do décimo aniversário da licenciatura em direito da Universidade do Minho, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 377; Leonardi, Roberto – La tutela cautelare nel processo amministrativo, Giuffrè, Milão, 2010, pág. 244; Pereira, Rui Belfo – O art. 27º, nº 1, alínea i), do CPTA: meio de agilização processual ou foco autónomo de aumento de litígios?, Cadernos de Justiça Administrativa nº 101, 2013, pág. 80.32 Neste sentido ver os acórdãos STA de 5 de dezembro de 2013 (proc. 1360/13), publicado na 1ª série do Diário da República de 30/1/2014, STA (Pleno) de 5 de junho de 2012 (proc. 0420/12), STA de 19 de outubro de 2010 (proc. 0542/10).33 Mendes, Armindo Ribeiro – Uma reclamação indesejada, verdadeira armadilha contra actionem, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da 1ª Secção) nº 3/2012, P. 420/12, de 5.6.2012, Cadernos de Justiça Administrativa nº 97, 2013, pág. 35.34 O STA e o TCA S pronunciaram-se neste sentido, uma vez que entenderam que a reclamação seria a via correta de impugnação e que os tribunais administrativos teriam de verificar se os respetivos pressupostos se encontravam satisfeitos. Ver o acórdão STA de 19 de outubro de 2010 (proc. 0542/10) e os acórdãos TCA S de 26 de setembro de 2013 (proc. 09483/12), TCA S de 20 de setembro de 2012 (proc. 08384/12) e TCA S de 27 de outubro de 2011 (proc. 07670/11).

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cia ao artigo 27º-1-i) CPTA.35 Ou seja, a intervenção do juiz singular ao abrigo da mencionada disposição era uma circunstância que podia passar despercebida, mesmo a um jurista qualificado. E tal significava que se teria de reclamar em dez dias e não recorrer em trinta.

Neste tipo de situações, a falta de clareza no contexto da situação associada a um quadro legislativo que previa prazos diferentes para a reclamação e para o recurso apontava no sentido de se permitir a convolação de um recurso extem-porâneo em reclamação. Isto porque não estavam satisfeitas as exigências do princípio da tutela jurisdicional efetiva, o qual exige um certo grau de clareza e previsibilidade do quadro factual e normativo para que os direitos legalmente previstos sejam efetivos.36 37 Além disso, o princípio do favorecimento do processo, que é uma das dimensões do princípio da tutela jurisdicional efetiva, sempre determinaria que o artigo 27º-2 da anterior versão do CPTA fosse interpretado no sentido de permitir a convolação do recurso em reclamação, mesmo que o prazo se encontrasse esgotado.38/39

35 Foi o que sucedeu no caso do acórdão STA de 5 de dezembro de 2013 (proc. 1360/13), publicado na 1ª série do Diário da República de 30/1/2014.36 Em sentido algo divergente, o STA entendeu que não se verifica violação do princípio da proteção da confiança quando o juiz invocasse o artigo 27º-1-i) CPTA sem qualquer justificação. Porém, o mesmo acórdão parecia admitir solução diferente quando a norma não tenha sido referida. Ver o acórdão STA de 22 de maio de 2014 (proc. 01627/13).37 O TEDH decidiu que a incerteza resultante do quadro normativo ou de decisões judiciais distintas para casos semelhantes pode corresponder a uma violação do artigo 6º-1 CEDH. Ver o caso TEDH Beian, de 6 de março de 2008, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/.38 Já foi sustentado que o princípio pro actione exige a convolação do recurso em reclamação mesmo que já tenham sido ultrapassados os prazos para a apresentar. Ver Mendes, Armindo Ribeiro – Uma reclamação indesejada, verdadeira armadilha contra actionem, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da 1ª Secção) nº 3/2012, P. 420/12, de 5.6.2012, Cadernos de Justiça Administrativa nº 97, 2013, págs. 35-36. Ver também Andrade, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, 13ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, pág. 441.39 O Tribunal Constitucional pronunciou-se diversas vezes sobre esta matéria e nem sempre no mesmo sentido.A favor da existência de uma inconstitucionalidade emitiu o acórdão TC nº 124/15, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.Neste acórdão, o Tribunal identificou uma violação do princípio do processo equitativo, em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. Para esse efeito invocou a existência de i) uma dúvida pertinente quanto à interpretação dos textos legais em questão, ii) a inaplicabilidade, ao caso concreto, do regime que permitia a emissão de uma decisão sumária porque os seus pressupostos não estavam preenchidos, iii) a ausência de suficiente clareza do juiz quanto ao uso da competência como juiz relator ao abrigo do artigo 27º-1-i) CPTA, iv) a imprevisibilidade da perda do direito à impugnação imposto à parte, face à prática jurisprudencial existente, que era no sentido da admissibilidade do recurso em trinta dias, v) o caráter excessivamente gravoso da consequência da inobservância do ónus, que era a perda do direito à impugnação e vi) a desculpabilidade do erro da parte.

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Ou seja, deveria ser considerada inconstitucional a norma do artigo 27º-2 CPTA, quando interpretada no sentido de impedir a reclamação no prazo do recurso, se o quadro contextual e jurídico em que foi emitida a decisão do juiz singular nos termos do artigo 27º-1-i) CPTA não assegurasse suficiente grau de clareza para identificar de forma efetiva os meios de reação disponíveis. Estaría-mos num destes casos quando, por exemplo, o juiz tivesse qualificado a sua decisão como “sentença” em vez de “despacho”, não se registasse invocação expressa do artigo 27º-1-i) CPTA ou o mesmo tivesse sido mencionado na fundamentação.

Ora, a revisão do CPTA, sem alterar de forma relevante as normas em questão, torna o problema quase irrelevante. É que a regra passa a ser o julgamento das

Ao invés, através do Plenário, o Tribunal Constitucional decidiu-se pela não inconstitucionalidade no acórdão TC nº 577/2015, publicado na 2ª série do Diário da República, de 18/2/2016. Aqui, o Tribunal Constitucional entendeu que não poderia atender a aspetos que considerou serem circunstancialismos específicos do caso concreto, como o sentido da prática jurisprudencial existente à data da interposição do recurso no caso concreto ou a inexistência, também no caso concreto, dos pressupostos que permitem a prolação de decisão singular. Segundo o Tribunal, tal significaria acolher um recurso de amparo não previsto na lei e não integrado nas suas competências, que apenas se reportam à apreciação da inconstitucionalidade de normas.Além disso, entendeu que as “dificuldades interpretativas” que estavam em causa apenas constituíam ”problemas comuns que se colocam com frequência quando são introduzidas tramitações inovadoras num determinado sistema processual”, não provocando, consequentemente, qualquer inconstitucionalidade por essa razão. Por último, considerou que a ausência de suficiente explicitação da fundamentação do uso do artigo 27º-1- i) CPTA, em resultado da decisão ser proferida com base numa mera invocação dos poderes aí previstos, não interferia com a maior ou menor previsibilidade da sua impugnação ter de utilizar como meio processual a reclamação em vez do recurso. E, por isso, também não era de molde a provocar uma inconstitucionalidade. Também no sentido da não inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional emitiu o acórdão TC nº 846/2013, publicado na 2ª série do Diário da República, de 29/1/2014. Entendeu que as normas em causa não seriam inconstitucionais por violação do direito ao recurso ou por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança. Para o Tribunal, a previsão de que a forma correta de reagir seria a reclamação e não o recurso não desrespeitaria o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Além disso, não deveria ser qualificada como uma “surpresa” suscetível de implicar uma violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança o facto de as decisões adotadas na base do artigo 27º-1-i) CPTA serem objeto de reação por via da reclamação e não do recurso. Contudo, na parte final do acórdão TC nº 846/2013, é mencionado que o Tribunal Constitucional não foi chamado a averiguar acerca da constitucionalidade da impossibilidade de convolação do recurso em reclamação por já se ter mostrado ultrapassado o prazo para a segunda, o que quase parecia ser uma sugestão para futuros recursos. Finalmente, também no sentido da inexistência de inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional emitiu o acórdão TC nº 749/14, disponível em www.tribunalconstitucional.pt. Entendeu que a consequência processual não seria excessivamente onerosa para a recorrente e que a ausência de identificação, pelo juiz singular, dos poderes ao abrigo dos quais estaria a proferir a sentença, não poderia ser apreciada, face ao tipo de controlo que o Tribunal Constitucional pode fazer, que não se reconduz ao recurso de amparo.

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ações administrativas por juiz singular, sem intervenção do coletivo (artigo 40º-1 do ETAF revisto). Por isso, a invocação do artigo 27º-1-i) CPTA para permitir a decisão do litígio através da intervenção do juiz singular deixa de ser, pelo menos na larga maioria das vezes, necessária. Consequentemente, deixa igualmente de se colocar a questão de saber se a via de reação é a reclamação (em dez dias) ou o recurso (em trinta dias).

Porém, o problema continuará a colocar-se, pelo menos numa situação. É que, nos termos da revisão legislativa em causa, o STA continuará a ter algu-mas competências de primeira instância (artigo 24º-1-a) a f) do ETAF revisto). E, como se sabe, os acórdãos do STA em primeira instância são proferidos com intervenção do coletivo. Ora, nesses casos, continuará a fazer sentido que o rela-tor possa utilizar o mecanismo de agilização processual do artigo 27º-1-i) CPTA para tornar desnecessária a intervenção do coletivo. Assim, pelo menos nesses casos, continuará a surgir o problema de saber se a reação se deve fazer por via da reclamação (em dez dias) ou do recurso (em trinta). Trata-se, contudo, de uma situação bem menos problemática do que se registava, pois o problema fica circunscrito.

ii. Decisões imediatas após a audiênciaEm certos casos, a nova versão do CPTA parece não encarar de forma positiva as decisões adotadas de forma imediata após a realização de audiência. De facto, previa-se que em contencioso pré-contratual urgente, caso se realizasse uma audiência pública, a sentença fosse adotada imediatamente após a realização da audiência e as alegações das partes. A nova versão do CPTA mantém a possibi-lidade de realização desta audiência, que se motiva por razões de urgência na solução do caso, mas deixa de prever a obrigação de o juiz decidir de imediato (artigo 102º-5 do CPTA revisto).

Já na audiência pública urgente para verificar se os efeitos suspensivos da propositura de um pedido cautelar de suspensão da eficácia do ato poderiam ser levantados por o diferimento da execução afetar gravemente o interesse público, estava previsto, no texto do primeiro anteprojeto colocado em discussão pública, que a decisão seria tomada de imediato (artigo 128º-5 ACPTA).40 E, no mesmo sentido, estabelece-se que, em regra, o despacho saneador possa ser ditado para a ata na audiência prévia (artigos 88º-3 e 87º-A-1-d) do CPTA revisto).

40 Tal como se referiu, este regime não consta da versão definitiva da revisão do CPTA aprovada e publicada.

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C. Aspetos relativos às pretensões das partes: liberdade de cumulação de pedidosÉ conhecido que uma das intenções da Reforma do Contencioso Administrativo foi provocar uma forte inversão das inaceitáveis limitações do anterior regime de contencioso administrativo em matéria de cumulações de pedidos. Tal implicava a apresentação de várias ações diferentes que, na verdade, respeitavam a diferen-tes aspetos do mesmo litígio, com consequências negativas quanto à celeridade na resolução global do conflito e, como é óbvio, quanto aos custos.

Assim, consagrou-se uma ampla possibilidade de cumulação de pedidos, para que as diferentes dimensões do mesmo conflito possam ser apreciadas no âmbito do mesmo processo. Visaram-se, pois, propósitos de agilização processual como a celeridade processual, simplificação e a economia processual.41

A principal novidade da alteração ao CPTA em matéria de agilização pro-cessual no domínio da cumulação de pedidos prende-se com a clarificação por via legislativa de que é possível a cumulação de pedidos respeitantes a processos não urgentes com pedidos relativos a processos urgentes (artigo 5º-1 do CPTA revisto). Quando tal suceda, então a tramitação a observar deverá ser a do pro-cesso urgente, com as necessárias adaptações. Indica-se que devem ser reduzidas ao mínimo possível as adaptações que possam prejudicar a urgência do processo (artigo 5º-1 do CPTA revisto).

41 Amaral, Diogo Freitas do/Almeida, Mário Aroso de – Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, págs. 67 e 70; Brito, Wladimir – Lições de Direito processual Administrativo, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 208-209; Cadilha, Carlos Alberto Fernandes – Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 210; Correia, Cecília Anacoreta – O princípio da cumulação de pedidos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em especial em sede executiva, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, págs. 220 e 226; Fonseca, Isabel Celeste M. – Processo temporalmente justo e urgência. Contributo para a autonomização da tutela jurisdicional de urgência na justiça administrativa, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 348; Freitas, José Lebre de – Introdução ao processo civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pág. 203; Muñoz, José María Ayala/Alvear, José María Fernández-Dava/Mercado, Francisco García Gómez de/Delgado, José Manuel Gutíerrez/Boadilla, Ricardo Huesca/Montoro, Fernando Irurzun/González, Manuel Rivero/Gandasegui, Francisco Sanz/Fernández, Juan José Torres/Labella, José Ignacio Veja – Comentarios a la Ley de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa de 1998, 4ª ed., Aranzadi Thomson Reuters, 2010, pág. 475; Oliveira, Mário Esteves de/Oliveira, Rodrigo Esteves de – Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais anotados, vol. I, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 133; Schmidt, Rolf – Verwaltungsprozessrecht, Zulässigkeit und Begründetheit verwaltungsrechtlicher Verfahren, 15ª ed., Pinkvoss, Grasberg bei Bremen, 2013, pág. 221; Sousa, Miguel Teixeira de – Cumulação de pedidos e cumulação aparente no contencioso administrativo, Cadernos de Justiça Administrativa nº 34, 2002, pág. 34.

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Na mesma linha, a primeira versão do anteprojeto para revisão do CPTA refe-ria expressamente que tal cumulação de pedidos seria possível no contencioso pré-contratual urgente, nos mesmos termos em que tal pode ser efetuado nos processos não urgentes (artigo 100º-3 ACPTA). Note-se que tal disposição já não existe no texto definitivo da revisão do CPTA, embora não resultem daí conse-quências de assinalar, considerando que o artigo 5º-1 do CPTA revisto abarca essa situação.

Parece-nos que se trata de uma solução positiva mas que torna ainda mais necessário que se aproveite o regime que se encontrava previsto no artigo 90º-3 e 4 da anterior versão do CPTA (atualmente nos artigos 90º-4 e 5º-2 do CPTA revisto), por forma a que pedidos que estejam em condições de ser apreciados imediatamente possam sê-lo, não ficando a sua urgência prejudicada pela cumu-lação. Ou seja, é agora mais necessário fazer uso da permissão para que possa ser emitida uma decisão prévia relativamente ao pedido principal, sem que se tenha de esperar pelo final do processo no caso de esse pedido ser procedente.

D. Questões relacionadas com diferentes processosa. Regime dos processos em massaO regime dos processos em massa do artigo 48º CPTA constitui um importante mecanismo de agilização processual que, infelizmente, tem sido pouco utilizado pelos tribunais administrativos.42

Através dele permitiu-se que, quando se verificasse um número significativo de processos semelhantes, fosse escolhido um ou vários desses processos para serem julgados. Os restantes processos ficavam suspensos, enquanto se aguar-dava pela decisão judicial relativamente aos que avançaram. O processo selecio-nado adquiria a natureza de processo urgente (artigo 48º-4 da anterior versão do

42 Sobre o mecanismo dos processos em massa ver Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos Alberto Fernandes – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, 2010, págs. 307-319; Almeida, Mário Aroso de – Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, págs. 399-402; Andrade, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, 13ª ed., Almedina, 2014, págs. 300-301; Brito, Wladimir – Lições de Direito processual Administrativo, 2ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008, págs. 215 e segs.; Crespo, Miguel Ângelo Oliveira – O recurso de revista no contencioso administrativo, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 159-163; Oliveira, Mário Esteves de/Oliveira, Rodrigo Esteves de – Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais anotados, vol. I, Almedina, 2004, págs. 317-330; Silveira, João Tiago – O mecanismo dos processos em massa no contencioso administrativo, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, págs. 431 e segs; Sousa, Miguel Teixeira de – A notificação das partes dos processos suspensos nos processos em massa (anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (pleno da 1ª secção) nºs 1/2009, p. 790, de 27/11/2008 e 2/2009, p. 791, de 22/1/2009), Cadernos de Justiça Administrativa, nº 74, 2009, págs. 18 e segs.

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CPTA) e, quando fosse adotada a decisão relativamente aos que avançaram, os autores nos processos suspensos eram chamados a adotar uma de várias opções. Assim, poderiam desistir do processo, requerer a extensão ao seu caso da deci-são adotada no processo que avançou, solicitar a continuação do seu processo ou recorrer da sentença proferida no processo-piloto que seguiu os seus termos (artigo 48º-5 da anterior versão do CPTA).

Tratava-se e trata-se, pois, de um mecanismo com evidentes propósitos de celeridade processual e de fomento da uniformização jurisprudencial. Por um lado, quando existam processos semelhantes, são criadas condições para estes serem apreciados de forma mais célere, de forma agrupada, num ritmo único e ficando sujeitos a um regime de urgência. Por outro lado, agregam-se num único processo, que, tendencialmente, terá uma única decisão judicial, diferentes pro-cessos respeitantes ao assunto, assim se reduzindo a probabilidade de existirem várias decisões diferentes relativamente a questões semelhantes.

A revisão do CPTA vem alterar o regime dos processos em massa num sen-tido que nos parece claramente positivo, pois tenta fomentar a sua utilização atra-vés da flexibilização dos requisitos para a sua aplicação, do alargamento do seu âmbito e da criação de uma obrigação de utilização do regime. Vejamos como.

A flexibilização do regime dos processos em massa é atingida por duas vias diferentes.

Como se sabe, a anterior versão do CPTA previa que o mecanismo dos pro-cessos em massa pudesse ser aplicado quando existissem mais de vinte processos semelhantes. Ou seja, quando se registasse um número relevante de processos que respeitassem à mesma relação jurídica material ou que, respeitando a diferentes relações jurídicas, pudessem ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto idênticas (artigo 48º-1 da anterior versão do CPTA). Agora, por um lado, reduz-se o número de processos necessário para fazer apli-car o regime, o qual passa de vinte e um para onze. Por outro lado, deixa de se exigir que se verifiquem idênticas situações de facto, passando a bastar que se verifiquem “situações de facto do mesmo tipo” (artigo 48º-1 do CPTA revisto).

Depois, o âmbito do mecanismo dos processos em massa sofre um alarga-mento que nos parece da maior importância. É que deixa de se aplicar apenas quanto a processos que corram no mesmo tribunal, passando a poder sê-lo relati-vamente a ações pendentes em vários tribunais diferentes (artigo 48º-4 da ante-rior versão do CPTA e artigo 48º-6 do CPTA revisto). O pedido que provoca a aplicação do regime poderá partir de qualquer das partes ou dos presidentes dos tribunais onde os processos se encontrem a ser tramitados. Claro que, apesar de tal não ser referido expressamente, os juízes responsáveis pelos processos pode-rão solicitar ao presidente do tribunal a que pertencem que este solicite a aplica-

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ção do mecanismo. Finalmente, a decisão de fazer aplicar o regime dos processos em massa quanto a processos que pendam em vários tribunais é do Presidente do STA, que também poderá adotar tal decisão oficiosamente.

Isto significa que o Presidente do STA passa a ter responsabilidades de ges-tão sobre a carga processual global dos tribunais administrativos, bem como um dever de vigilância sobre os processos que aí estão a ser tramitados, para que apli-que o mecanismo, por sua iniciativa, quando ele se justifique.

Não se veja nesta norma qualquer inobservância do princípio do juiz natural. Valem aqui todas as observações que se fizeram a propósito da possibilidade

de o presidente do tribunal poder decidir optar pela aplicação do mecanismo do reenvio prejudicial sem necessidade de existência de um impulso do juiz do processo.

De qualquer forma, sempre se acrescentará que não parece que o mecanismo dos processos em massa permita qualquer tipo de escolha arbitrária quanto ao juiz que julgará os processos que irão avançar. Além disso, parece claro que as normas do regime dos processos em massa fixam, com generalidade, abstração, transpa-rência e objetividade, os critérios na base dos quais as decisões de fazer aplicar os processos em massa podem ser adotadas, quem é competente para as solicitar e aplicar e qual a formação de juízes que julgará os processos que irão avançar.

Além disto, a alteração ao CPTA tenta forçar a aplicação e utilização do regime dos processos em massa, criando um dever de aplicação do mecanismo se os seus pressupostos estiverem preenchidos, quando anteriormente se tratava de um poder discricionário do presidente do tribunal (artigo 48º-1 da anterior ver-são do CPTA e artigo 48º-1 do CPTA revisto). A utilização do vocábulo “deve” em vez de “pode” tem, sem dúvida, esse alcance. Assim, existe hoje um dever do Presidente do STA e dos presidentes dos tribunais administrativos de aplicar o regime dos processos em massa e, naturalmente, de monitorizar constantemente se existem casos e situações em que tal deva ocorrer.

A versão final da alteração ao CPTA introduz ainda algumas alterações que importa identificar.

Assim, a mais relevante dessas modificações opera a mudança relativamente aos efeitos da decisão adotada no processo-piloto que avançou e que foi objeto de uma decisão judicial. Anteriormente, os autores nos processos que ficaram suspensos poderiam então adotar uma de quatro atitudes: i) desistir do processo; ii) requerer a extensão ao seu caso da decisão adotada no processo que avançou; iii) solicitar a continuação do seu processo; ou iv) recorrer da sentença proferida no processo-piloto que seguiu os seus termos (artigo 48º-5 da anterior versão do CPTA). No novo sistema, esse autor apenas tem duas opções: desistir do pedido ou recorrer da decisão adotada, sendo que o recurso apenas produzirá efeitos na

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sua esfera jurídica (artigo 48º-9 e 11 do CPTA revisto). Se não exercer nenhuma dessas opções, o tribunal estende oficiosamente ao seu processo a solução dada aos que avançaram (artigo 48º-10 do CPTA revisto).

Trata-se, quanto a nós, de um progresso relevante e que confere um poten-cial ainda mais significativo a este mecanismo.

Note-se que se introduzem ainda novidades ao afirmar que os processos sele-cionados para avançar devem ser juntos num único processo apensado (artigo 48º-4 do CPTA revisto), que é possível recorrer da decisão de suspensão da trami-tação ou de apensação dos processos (artigo 48º-5 do CPTA revisto) e ao mudar a designação do instituto de “processos em massa” para “seleção de processos com andamento prioritário”, o que já nos parece uma alteração dispensável.

b. Extensão dos efeitos de sentençasO regime da extensão dos efeitos das sentenças dos tribunais administrativos (artigo 161º CPTA) foi introduzido pela Reforma do Contencioso Administrativo com inspiração no contencioso administrativo espanhol e configura um meca-nismo de agilização processual.43/44

Tratou-se de permitir que, quando um interessado se encontre numa situação idêntica à de outras situações já decididas por sentença transitada em julgado, este possa solicitar à Administração Pública a extensão dos efeitos de uma dessas sentenças à sua situação. Tal afigurava-se possível quando se verificassem cinco sentenças transitadas em julgado no mesmo sentido, ou três, no caso de se tratar de processos selecionados e julgados na sequência da aplicação do mecanismo dos processos em massa, previsto no artigo 48º CPTA (artigo 161º-2 da anterior

43 Sobre a matéria ver Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos Alberto Fernandes – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, 2010, págs. 1047-1055; Almeida, Mário Aroso de – Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, págs. 146-148; Andrade, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, 13ª ed., Almedina, 2014, págs. 354-356; Antunes, Luís Filipe Colaço – O artigo 161º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: uma complexa simplificação, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 43, 2004, págs. 16 e segs.; Gomes, Carla Amado – O “caso decidido”: Uma instituição (ainda) do nosso tempo? Reflexões a propósito do artigo 161º do CPTA in Textos Dispersos de Direito do Contencioso Administrativo, AAFDL, 2009, págs. 531 e segs.; Oliveira, Rodrigo Esteves de – Processo Executivo: Algumas Questões in Studia Juridica nº 86 – A Reforma da Justiça Administrativa, Coimbra, 2005, págs. 260 e segs.; Silveira, João Tiago – A extensão dos efeitos a casos idênticos no contencioso administrativo, Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. I, Almedina, Coimbra, 2012, págs. 827 e segs.44 Amaral, Diogo Freitas do/Almeida, Mário Aroso de – Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, págs. 111-114; Cadilha, Carlos Alberto Fernandes – Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 510-514; Contreras, Luis Martín – La extensión de efectos de una sentencia a terceros, El artículo 110 de la Ley Reguladora de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa, Comares, Granada, 2010, pág. 2.

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versão do CPTA). No caso de a Administração Pública indeferir tal pedido ou não responder em três meses, o pedido de extensão poderia ser dirigido ao tri-bunal (artigo 161º-4 da anterior versão do CPTA).

Os propósitos agilizadores do mecanismo são múltiplos. Por um lado, pre-tende-se promover a uniformidade jurisprudencial, tratando casos iguais de forma igual. Por outro lado, visa-se assegurar uma solução rápida para questões que já mereceram várias apreciações em casos idênticos. Finalmente, visa-se pro-mover o descongestionamento processual nos tribunais administrativos e evitar a massificação processual, o que, indiretamente, também significa criar condi-ções para assegurar a aceleração processual.

A nova versão do CPTA mantém este mecanismo, que tem um potencial e uma utilidade que não devem ser menosprezadas, mas introduz-lhe acertos que importa ter em conta.

Em primeiro lugar, esclarece-se que a extensão dos efeitos de uma sentença incide tanto sobre decisões que tenham anulado um ato administrativo, como sobre sentenças e acórdãos que tenham declarado a sua nulidade (artigo 161º-1 do CPTA revisto). Trata-se apenas de um esclarecimento que nos parece não ter um efeito prático substantivo, uma vez que, por interpretação extensiva e tendo em conta o espírito do mecanismo, sempre se chegaria a essa solução.

Depois, em segundo lugar, passa a exigir-se que, para o particular solicitar a extensão dos efeitos de uma sentença ao seu caso, tenha sido destinatário de um ato administrativo com idêntico conteúdo ao dos interessados nos casos já apreciados pelas instâncias judiciais (artigo 161º-1 do CPTA revisto). Parece ser uma solução a evitar, pois abrirá a porta a que se rejeite a extensão com base em argumentos meramente formais ou em pormenores de conteúdo acessórios. Por isso, teria sido melhor manter a redação anterior.

Em terceiro lugar, passa a exigir-se que as cinco sentenças transitadas em julgado tenham sido proferidas por tribunais superiores, o que nos parece cor-reto. Está em causa garantir que a jurisprudência já se encontra suficientemente sedimentada para que a mesma solução seja aplicada sem um processo judicial típico, pelo que faz sentido determinar que devem estar em causa soluções que, em regra, já foram apreciadas após recurso. Parece-nos, contudo, que a exigên-cia de intervenção do tribunal superior já não se aplica quando estejam em causa três processos em massa, tendo em conta o elevado número de situações incluí-das nesses processos (artigo 161º-2-a) do CPTA revisto).

Por último, e também no sentido de garantir que a extensão apenas se pro-duz face a decisões que traduzam uma jurisprudência suficientemente sólida e constante, esclarece-se que é motivo de rejeição do pedido de extensão a cir-cunstância de existir um número superior de sentenças em sentido contrário ao

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das cinco que motivam o pedido de extensão. E igualmente se afirma que tam-bém é fundamento para tal indeferimento o facto de existir posição do STA em sentido contrário, adotada em acórdão para uniformização de jurisprudência (artigo 161º-2-b) do CPTA revisto).

III. ConclusõesTal como se referiu, a presente revisão compreende-se no contexto e desenvol-vimento da Reforma do Contencioso Administrativo, não importando novida-des que a permitam identificar como uma inversão ou mudança estrutural das opções então adotadas. Trata-se fundamentalmente de aperfeiçoar e desenvolver os caminhos já trilhados, através de soluções que, na sua maioria, são de consi-derar adequadas.

Em matéria de agilização processual, as alterações seguem esta linha, respei-tando essencialmente a evoluções positivas de mecanismos ou medidas já institu-ídas. São de destacar como muito positivas as evoluções em sede de processos em massa, utilização de meios eletrónicos, automatismos e simplificações em maté-ria de citações e notificações, convolação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar ou decretamento provisória da pro-vidência cautelar, alargamento das situações em que é possível decidir a propó-sito do pedido cautelar e julgamento da ação administrativa pelo juiz singular.

Há, contudo, aspetos que provocam efeitos negativos em matéria de agiliza-ção processual. Enquadram-se nesta categoria a circunstância de se ter agravado a ideia de que o processo não exige uma atuação concertada de todos os que nele intervêm, o aumento da intervenção do Ministério Público enquanto entidade que emite uma opinião acerca de litígios entre particulares e a Administração Pública, a limitação dos poderes do presidente do tribunal em sede de reen-vio prejudicial e a eliminação do regime de fixação de prazos processuais pelo CSTAF.

Note-se, por último, que muitas novidades legislativas que se introduzem apenas produzem os seus efeitos se forem efetivamente utilizadas por aqueles a quem se dirigem, bem como adequadamente montadas e executadas no terreno.

Infelizmente, os tribunais administrativos portugueses têm sido tímidos na utilização de mecanismos de agilização processual que ajudariam a realizar uma mais eficaz gestão processual dos processos de que tratam, apta a proporcio-nar uma justiça mais conforme às exigências constitucionais de tutela efetiva. A escassa utilização do regime dos processos em massa, do reenvio prejudicial e do diferimento da instrução são bem exemplo disso. Espera-se, pois, que se utilize e explore com mais intensidade esta nova oportunidade legislativa para melhorar o contencioso administrativo.

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