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As comunicações prévias e a decisão do procedimento (incumprimento do dever de decidir e ato tácito) João Tiago Silveira Código do Procedimento Administrativo Centro de Estudos Judiciários 17 de março de 2016

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As comunicações prévias e a decisão do procedimento (incumprimento do dever de decidir e ato tácito)

João Tiago Silveira

Código do Procedimento Administrativo

Centro de Estudos Judiciários

17 de março de 2016

Sumário

1.Dever de decidir

2.Prazo para a decisão

3.Incumprimento do dever de decidir

A. Regra geral: meios de reação administrativa e contenciosa

B. Regra excecional: deferimento tácito

4. Atos permissivos

5. Comunicações prévias

1. Dever de decidir

• Princípio da decisão: obrigação de decidir sobre todos os assuntos que sejamapresentados aos órgãos da Administração Pública (artigo 13.º-1 CPA)

• Exceções ao dever de decisão:

Haverá exceção quando órgão não seja competente? Artigo 13.º-1 CPAapenas incide sobre assuntos para os quais o órgão administrativo sejacompetente, mas:

A Administração Pública não fica dispensada de decidir: o órgão incompetenteé obrigado a enviar o pedido ao competente, independentemente de a condutater sido indesculpável e de estar em causa uma diferente pessoacoletiva/ministério (artigo 41.º-1 CPA)

Quando, há menos de 2 anos, o órgão tenha praticado um ato sobre omesmo pedido, formulado pelo mesmo particular, com os mesmosfundamentos (artigo 13.º-3 CPA)

2. Prazo para a decisão

Prazos gerais de decisão não foram alterados e são excessivos

• O prazo geral para decidir procedimentos de iniciativa do particular mantém-seem 90 dias úteis (artigo 128.º-1 CPA)

• Pode ser mais extenso em caso de prorrogação/necessidade de formalidadesespeciais (artigo 128.º-1 e 2 CPA)

• Prazo geral poderia ser hoje mais curto (30 ou 60 dias), como sucede emprocedimentos especiais

Ex1: Licença para atividade de mediação imobiliária é emitida no prazo de 20 dias(artigo 8.º da Lei 15/2013, de 8/2)

Ex2: Licenças para a transferência/importação/exportação de produtos militares sãoemitidas em 45 dias (artigo 26.º da Lei 37/2011, de 22/6, subsequentemente alterada)

2. Prazo para a decisão

Passa a existir um prazo para certos procedimentos de iniciativa oficiosa

• Quando procedimentos de iniciativa oficiosa possam produzir efeitosdesfavoráveis para cidadãos, caducam no prazo 180 dias úteis, se não houverdecisão (artigo 128.º-6 CPA)

Contagem dos prazos em dias, incluindo prazo para decidir, continua a fazer-seem dias úteis (artigo 87.º-c) CPA)

• Contagem em dias úteis não é a mais clara para o cidadão e não é seguida nosprocessos judiciais ou prazos substantivos

• Prazos do procedimento administrativo deveriam contar-se de forma corrida,exceto quando a lei dispusesse de forma diferente

3. Incumprimento do dever de decidir

A. Regra geral: possibilidade de reação contenciosa ou administrativa

• Reclamação administrativa contra a omissão (artigo 189.º-1-b) CPA)

• Recurso hierárquico contra a omissão, podendo o órgão competente ordenar prática doato ou, se a competência não for exclusiva do órgão omisso, substituir-se ao mesmo(artigos 193.º-2 e 197.º-4 CPA)

• Ação administrativa/pedido de condenação à prática de ato devido junto dos tribunaisadministrativos (artigos 67.º-1-a) e 37.º-1-b) CPTA)

• Artigo 109.º do antigo CPA foi revogado expressamente na parte em que previa oindeferimento tácito

• Norma já se encontra tacitamente revogada pelos artigos 67.º e antigo artigo 46.º-2-b) CPTA

• Existência de legislação avulsa pontual que acolheu o indeferimento tácito depois da entrada emvigor do CPTA. Como reagir nesses casos?

Ex: artigo 299.º do Código do Mercado dos Valores Mobiliários, introduzido muito depois daentrada em vigor da Reforma do Contencioso Administrativo

3. Incumprimento do dever de decidir

B. Regra excecional: deferimento tácito (artigo 130.º CPA)

• Casos a definir por lei ou regulamento (artigo 130.º-1 CPA)

• Deixa de existir elenco de situações em que se forma deferimento tácito (artigo108.º-3 antigo CPA)

Muitas situações do artigo 108.º-3 CPA “antigo” já não se encontravam emvigor

Mas atenção ao artigo 108.º-3-g) CPA “antigo” (acumulação de funçõespúblicas e privadas), que deveria ter sido mantido

• Prazo para a formação de deferimento tácito só se deveria interromper comuma decisão final “notificada”: interrupção com base em data da expedição danotificação cria insegurança (artigo 128.º-2 CPA)

3. Incumprimento do dever de decidir

B. Regra excecional: deferimento tácito (artigo 130.º CPA)

• Mantém-se um ato tácito positivo para autorizações/aprovações noâmbito de relações entre órgãos/pessoas coletivas públicas

É necessária uma nova interpelação a apresentar em 10 dias após otermo do prazo para decidir (artigos 130.º-4 e 5 CPA)

• Efetividade do deferimento tácito: o problema da incapacidade dodeferimento tácito quando a execução do ato exige atos de execução ouoperações materiais da Administração Pública

4. Atos permissivos

A. Noção de ato permissivo

“Atos administrativos que possibilitam a alguém a adoção de uma conduta ou aomissão de um comportamento que, de outro modo, não poderia ser prestadolivremente.”

“Atos que desencadeiam benefícios…ou que provocam situações devantagem.”

Noção do artigo 8.º-1 e 2 do DL 92/2010, de 26/7 (transposição da “DiretivaServiços”)

4. Atos permissivos

B. Tipos de atos permissivos que ampliam vantagens:

a) Atos permissivos emitidos por uma pessoa coletiva pública face a uminteressado

• Licença: Direito de exercer atividade que lei proíbe, exceto quando a Administração, através deuma licença, o permita

• Autorização: Permite a alguém o exercício de direito preexistente

• Ato em resposta a comunicação prévia: Decisão administrativa que veda o exercício de umdireito preexistente

• Concessão: Administração transfere para privado o exercício de uma atividade pública, queconcessionário privado exerce por sua conta e risco

• Admissão: Órgão da Administração Pública investe particular em categoria legal

• Subvenção/Subsídio: Órgão da Administração Pública atribui quantia em dinheiro paracobrir custos de atividade privada

4. Atos permissivos

A utilização imprópria dos termos “licença” e “autorização”

• Utilização inadequada dos termos é frequente

Ex1: Permissão administrativa para atividade de construção denomina-se “alvará”,mas é uma autorização (artigo 3.º-j), 4.º e 7.º e segs. do DL 12/2004, de 9/1,sucessivamente alterado)

Ex2: “Autorização” de introdução de medicamento no mercado é uma verdadeiralicença (artigos 14.ºe segs., 23.º-A e 25.º do DL 176/2006, de 30/8,sucessivamente alterado)

4. Atos permissivos

Critérios de distinção entre licença e autorização

1.º Critério: Margem de liberdade atribuída ao decisor administrativo

• Quanto mais ampla for a margem de discricionariedade/interpretação ou aplicação deconceitos vagos e indeterminados, mais próximos estaremos de uma licença que de umaautorização

Ex: Causas de indeferimento do pedido de licença para a realização de operaçõesurbanísticas (artigo 24.º-2 e 4 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação)

• Quanto mais vinculada for essa margem, mais próximos estaremos de uma autorizaçãoque de uma licença.

Ex: Autorização necessária ao exercício de atividade de mediador imobiliário, apesar de sedenominar “licença” (artigo 5.º e segs. do DL 211/2004, de 20/8, sucessivamentealterado)

4. Atos permissivos

Critérios de distinção entre licença e autorização

2.º Critério: Fundamento constitucional dos valores/interesses subjacentes

• Quanto mais denso for o valor/interesse constitucional subjacente, maispróximo estaremos de uma autorização que de uma licença

Ex: Regime do proteção jurídica (apoio judiciário e consulta jurídica), quedepende de decisão (autorização) vinculada da Segurança Social e que decorrediretamente das garantias do artigo 20.º-1 e 2 da Constituição (artigos 7.º, 8.º e8.º-A e 19.º e segs. da Lei n.º 34/2004, de 29/7, sucessivamente alterada)

4. Atos permissivos

b) Atos permissivos emitidos por uma pessoa coletiva pública face a outrapessoa coletiva pública:

• Autorização: Permite a um órgão administrativo a prática de um ato ainda nãoaprovado

Ex: Artigo 41.º-3 da Lei Quadro dos Institutos Públicos (Lei n.º 3/2004, de 15/1,sucessivamente alterada)

• Aprovação: Permite conferir eficácia a um ato já praticado por um órgãoadministrativo

Ex: Artigo 6.º-A-2-a) e b) do DL que regula vários hospitais sob a forma de“E.P.E.” (DL n.º 233/2005, de 29/12, sucessivamente alterado)

• Delegação: Órgão da Administração Pública normalmente competente permite queoutro órgão exerça essa competência

4. Atos permissivos

Atos permissivos e controlo administrativo

• Meios de controlo administrativo de atividades económicas privadas:

Licença

Autorização

Comunicação prévia (com prazo para resposta)

Mera comunicação prévia (sem prazo para resposta)

Registo

• Nem todos constituem ou implicam atos permissivos/permissões

4. Atos permissivos

O que é o “registo”?

• Não visa permitir a atribuição ou o exercício de um direito, mas podeser condição para o exercer

• Apreciação totalmente vinculada ou ausência de apreciação

• Fins de mera publicidade

• Discutível se é “ato permissivo”

Ex: Registo comercial de alteração de gerente de sociedade, registo de novoproprietário de automóvel

4. Atos permissivos

Outras realidades e figuras no quadro do controlo de atividades

a) Certificação

• Verificação de ocorrência de situação legalmente prevista

• Obrigação frequentemente inadequada e sem previsão legal

Ex1: Certificação municipal de certa operação urbanística estar isenta decontrolo administrativo (artigo 6.º do Regime Jurídico da Urbanização e daEdificação)

Ex2: Certificação que permite o exercício da profissão de taxista, que é umaautorização dependente do preenchimento de pressupostos vinculados (Lei6/2013, de 22/1)

4. Atos permissivos

Outras realidades e figuras no quadro do controlo de atividades

b) Aprovação

• Utilização imprópria, quando está em causa uma licença ou autorização

• Aprovação: permissão de uma entidade pública para a produção de efeitos deum ato praticado por outra entidade pública

c) Validações e autenticações

• Utilização imprópria, quando está em causa uma licença ou autorização

• Autenticações visam comprovar a fidedignidade/semelhança de um documento

Ex: Autenticação de documentos enviados para o tribunal administrativo pela entidadepública demandada, em vez do original do processo instrutor, numa ação administrativaespecial (artigo 84.º-4 do CPTA)

5. Comunicações prévias

A . Noção de comunicação prévia/comunicação prévia com prazo (artigos

8.º-2-a) DL 92/2010, de 26/7 e 134.º-2 CPA)

• Exercício da atividade económica pode efetuar-se após a comunicação, decorrido umdeterminado lapso temporal

• Existe a possibilidade de uma decisão administrativa que obste ao exercício do direito

• Decisão administrativa dentro do prazo após comunicação prévia é um ato permissivo,mas comunicação prévia não é

Ex1: Anterior regime de comunicação prévia para certas operações urbanísticas, com prazo depronúncia de 20 dias (artigo 4.º-4 e 34.º e segs. da anterior versão do RJUE)

Ex2: Acesso à atividade de rent a car (artigo 3.º do DL 181/2012, de 6/8, subsequentementealterado)

• Importante esclarecimento do artigo 134.º-3 CPA: comunicação prévia com prazo não origina ato tácito de deferimento/não pode haver revogação, mas antes ações de fiscalização e defesa da legalidade a posteriori

5. Comunicações prévias

B. Noção de mera comunicação prévia (artigo 8.º-2-b) do DL 92/2010, de

26/7 e 134.º-1 CPA)

• Atividade económica pode iniciar-se imediatamente

• Reação administrativa só pode ocorrer em sede de fiscalização

• Não é um “ato permissivo”

Ex: Início da atividade de agência de viagens sujeita a mera comunicação prévia(artigo 7.º do DL 61/2011, de 6 de maio, subsequentemente alterado)

5. Comunicações prévias

C. O papel e a expansão da “comunicação prévia” e da “mera comunicação prévia”

• Desempenham função semelhante à decisão para o particular: permitem o exercício dedireitos/pretensões

• Acolhidas nos regimes do “Licenciamento ZERO” (DL 48/2011, de 1/4,subsequentemente alterado) e na transposição da “Diretiva Serviços” (DL 92/2010, de26/7):

Transposição da “Diretiva Serviços”: preferência por comunicações prévias e forteslimitações à adoção/criação por lei de permissões administrativas/atos permissivos quecondicionem atividades económicas

“Licenciamento ZERO” e diplomas que concretizam a transposição da “Diretiva Serviços”:eliminação de atos permissivos, deixando de existir controlo relativamente a certasatividades/substituição de atos permissivos por meras comunicações prévias

Ex: Licenças para agências de venda de bilhetes para espetáculos, licenciamento deatividade de realização de leilões (artigo 1.º-2-d) e e) do DL 48/2011, de 1/4)

5. Comunicações prévias

C. O papel e a expansão da “comunicação prévia” e da “meracomunicação prévia”

• Tornaram-se figuras importantes do Direito Procedimental Administrativo e daatividade administrativa

Ex1: Lavandarias sujeitas a mera comunicação prévia (artigo 4.º-1-i) do anexo aoDL 10/2015, de 16/1)

Ex2: Estabelecimentos de restauração e bebidas sujeitos a mera comunicaçãoprévia (primeiro com regime do “Licenciamento ZERO”; depois com artigo 4.º-1-l) do anexo ao DL 10/2015, de 16/1)

Ex3: Estabelecimentos de comercialização de animais de companhia e seusalimentos (artigo 4.º-1-c) do anexo ao DL 10/2015, de 16/1)

5. Comunicações prévias

C. O papel e a expansão da “comunicação prévia” e da “meracomunicação prévia”

• CPA passou a reconhecer as figuras, adotando uma importante regraquanto à sua natureza (artigo 134.º-3 CPA), da qual decorre que:

Na comunicação prévia com prazo a ausência de decisão nãodecorre da violação do dever de decisão e não se formadeferimento tácito (revogável)

Na comunicação prévia com prazo, só existe ato permissivoquando a Administração Pública emitir uma pronúncia dentro doprazo

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