42Indeniza
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No Papo passado, transcrevemos depoimento do velho Sueiro, onde o saudoso chefe Kaxinaw conta da imemorialidade da ocupao indgena no mdio rio Tarauac e pede providncias da FUNAI para a delimitao das terras indgenas Kaxinaw da Praia do Carapan
AS INDENIZAES, DE NOVO Publicado no Jornal Pgina 20, Rio Branco, Ano II, N 268, 16 de fevereiro de 1997, pg. 16.
Marcelo Piedrafita Iglesias
No Papo passado, transcrevemos depoimento gravado com o velho Sueiro em maro de 1994, no qual o saudoso chefe Kaxinaw conta da imemorialidade da ocupao indgena nos seringais do mdio rio Tarauac e pede rpidas providncias da FUNAI para a regularizao das terras indgenas Kaxinaw da Praia do Carapan e Kampa do Igarap Primavera, no Municpio de Tarauac.
Em 1994, na qualidade de antroplogo convidado, participei, junto com o Txai Terri, do Grupo Tcnico da FUNAI que realizou a identificao dessas duas terras, alm das terras Terras Indgenas Kaxinaw do Baixo Rio Jordo e Kaxinaw do Seringal Independncia, ambas situadas no Municpio de Jordo. Este conjunto de terras foi identificado a reboque de convnio assinado em final de 1993 pela FUNAI, a Embaixada da Sua e a CPI-Acre.
Nos meses de setembro e outubro de 1996, retornei a essas quatro terras. Entreguei s lideranas os relatrios de identificao das terras do baixo Jordo e do igarap Primavera. Ficou assim honrado o compromisso assumido com as lideranas de retornar-lhes os relatrios enviados FUNAI, atividade antes feita com os Kaxinaw da Praia do Carapan e do Seringal Independncia. Nestas visitas, conversei com muitos chefes de famlia Kaxinaw e Ashaninka (Kampa) a respeito das principais mudanas ocorridas nos mais de dois anos decorridos aps os trabalhos de identificao, principalmente nas formas efetivas de ocupao e uso de suas terras e nas relaes com os seringueiros e agricultores que ainda ocupam colocaes nos seringais ali incidentes.
No baixo Jordo e no Primavera acompanhei as lideranas nas visitas que fizeram s casas desses moradores para mostrar-lhes o mapa e o documento de identificao de suas terras. Respondi a muitas perguntas de ndios e seringueiros que queriam informaes sobre o porqu da demora da FUNAI em pagar a indenizao das benfeitorias introduzidas de boa f. Foram discutidos, ainda, os direitos e deveres dos ocupantes enquanto estes permanecem nas terras j identificadas.
Nessas conversas, percebi que a maior parte dos posseiros deseja o rpido pagamento de suas indenizaes, para poderem se retirar de suas colocaes e iniciar vida nova em outros seringais. Pequena parte dos ocupantes, contudo, tem se envolvido em recorrentes questes com grupos familiares Kaxinaw e Kampa, desconsiderando o reconhecimento das terras pela FUNAI. Escutei seguidas queixas dos ndios sobre conflitos envolvendo retirada ilegal de madeira, invases e estragos em roados de terra-firme e de praia, empalho de estradas de seringa e aes de caadores e pescadores profissionais da cidade de Tarauac e de seringais adjacentes.
Nas terras Kampa do Igarap Primavera e Kaxinaw da Praia do Carapan, os conflitos tm se tornado mais cotidianos e acirrados aps a identificao das terras em 1994. Processos de ampliao territorial e de uso dos recursos naturais protagonizados pelos ndios tm resultado em situaes de conflito com famlias de ocupantes brancos. A liderana Kaxinaw Jorge Lemes Ferreira foi transformado em ru, junto com a FUNAI, na Ao de Interdito Proibitrio No 1.880/95, movida na Comarca de Tarauac por Luis Prado Aguiar, comeciante, fazendeiro e pretenso proprietrio do seringal Santa Luzia, onde foi construda a Aldeia Morada Nova aps o reconhecimento oficial da terra. No ano passado, Jorge Lemes Ferreira foi convocado a comparecer na Delegacia de Tarauac para prestar esclarecimentos a respeito da morte de uma vaca do ocupante Enzio Lopes do Nascimento, que, apesar de seguidos avisos, vinha invadindo e causando prejuzos em seu roado de terra-firme.
Tanto Jorge Lemes como a liderana Ashaninka do igarap Primavera, Turiano Luiz, foram unnimes em apontar o pagamento das indenizaes e a promulgao das portarias de delimitao como as aes primordiais que a FUNAI deveria tomar para encerrar estas situaes conflituosas e dar continuidade regularizao de suas terras indgenas.
Durante duas reunies havidas na Praia do Carapan, em incio de novembro de 1996, lideranas e chefes de famlias Kaxinaw elaboraram abaixo-assinado endossando essa reivindicao. Este documento, assinado por 102 velhos, homens, mulheres e jovens Kaxinaw e posteriormente entregue Diretoria de Assuntos Fundirios da FUNAI, afirma em seu caberio: Ns, ndios da terra da Praia do Carapan, vimos atravs deste abaixo assinado exigir que o Presidente da FUNAI e o Ministro da Justia providenciem, ainda no ano de 1997, a assinatura da portaria de delimitao da nossa terra e o pagamento da indenizao dos ocupantes brancos que nela ainda moram. Estas medidas sero muito importantes para acabar com os conflitos que tm havido com alguns desses ocupantes, com a derrubada ilegal de madeira de lei e com a invaso feita por caadores e pescadores profissionais. Reivindicamos tambm para logo a demarcao dos limites de nossa terra indgena.
Repete-se hoje a mesma situao ocorrida na dcada de 80 aqui no Acre, assim como em outras partes do pas. A FUNAI procede com a identificao de terras indgenas, mas demora em dar continuidade s prximas etapas de sua regularizao, a saber: a promulgao das portarias de delimitao, a demarcao fsica dos limites e o pagamento das indenizaes. Por essa falta de iniciativa poltica do Governo federal, que sempre alega no dispor de recursos oramentrios para esse fim, ndios e posseiros se tornam os maiores prejudicados. Os primeiros, por no poderem usar as colocaes e a totalidade dos recursos naturais de sua terra, cujo reconhecimento oficial muitas vezes passa a ser contestado por ocupantes e pretensos proprietrios. Os segundos, por no terem direitos legais de receber indenizao por novas benfeitorias e por no disporem de recursos mnimos para se mudar para seringais prximos. Nestes contextos, os conflitos no tardam a aparecer. Este o caso das terras indgenas da Praia do Carapan, do Igarap Primavera e do Baixo Jordo.
Atravs de suas diferentes instncias, a FUNAI deveria aproveitar alternativas favorveis que se apresentam na presente conjuntura, procurando efetivamente equacionar a situao dessas terras indgenas j identificadas nos Municpios de Tarauac e Jordo. Nos meses de setembro e outubro de 1996, o CNPT/ IBAMA procedeu com uma vistoria para estudar a possibilidade de eleio da Reserva Extrativista do Alto Tarauac, incidente naqueles dois municpios, em seringais limtrofes s terras Kampa e Kaxinaw do Baixo Jordo e prximos s outras terras Kaxinaw (Independncia e Carapan).
Atendendo s reivindicaes da Associao dos Seringueiros e Agricultores do Riozinho da Liberdade (ASARIL), o CNPT/IBAMA intermediou recursos do PNUD para viabilizar os trabalhos de cadastramento e de levantamento scio-econmico dos moradores deste rio, com inteno de tambm eleger uma reserva extrativista. Esta ltima, por sua vez, faz limites com as terras indgenas do rio Gregrio e do igarap Primavera.
Esto abertas, portanto, importantes alternativas para que as famlias de seringueiros e agricultores que ainda ocupam as terras indgenas j identificadas sejam dignamente transferidas para novos locais de moradia. Nessas novas reservas extrativistas, podem continuar desenvolvendo suas atividades extrativistas, agrcolas e de criao de animais domsticos.
fundamental, por outro lado, que a FUNAI opte por direcionar recursos do Projeto Integrado de Proteo das Terras e Populaes Indgenas da Amaznia Legal (PPTAL), no mbito do Progama Piloto, para proceder com a demarcao de terras indgenas no Vale do Juru, especialmente estas dos municpios de Tarauac e Jordo.
At agora, na nossa regio, os recursos do PPTAL tm sido aplicados exclusivamente para cumprir metas includas na Verso Definitiva do PMACI, de 1988. No Acre, nos ltimos dois anos, ocorreu apenas a demarcao fsica e a definitiva regularizao da Terra Indgena Alto Purus, mas no com recursos do PPTAL. De novo, por ora, s a promessa da primeira ao do Projeto no estado: a demarcao, para breve, da terra Cabeceira do Rio Acre, cuja licitao j foi realizada. Neste mesmo perodo, as maiores beneficiadas esto sendo as comunidades Apurin dos Municpios de Boca do Acre, Pauini e Lbrea, no sul do Amazonas, que tero dez terras finalmente demarcadas.
de se esperar, portanto, que, aps o encerramento dos trabalhos demarcatrios em curso no sul do Amazonas, os recursos do PPTAL possam, ainda em 1997, ser direcionados para agilizar a continuidade da regularizao de terras indgenas no Vale do Juru, regio excluda destas aes desde 1988. Para tal, a Administrao Regional da FUNAI em Rio Branco (ADR-RBR) deveria elaborar imediatamente uma proposta de ao dirigida s instncias decisrias do PPTAL, sinalizando quais terras do Vale do Juru devem ter sua regularizao agilizada com maior prioridade. importante, ainda, que a nova direo da UNI e as demais entidades indigenistas que atuam no estado faam gestes junto ADR-RBR e Presidncia da FUNAI, mostrando a importncia dessa iniciativa e cobrando sua efetiva concretizao. Estes processos ganham maior importncia no contexto atual, em funo do incio da pavimentao da BR-364 no trecho Tarauac-Rodrigues Alves.
Em outros Papos, voltarei a este assunto, transcrevendo entrevistas realizadas com s lideranas Kampa e Kaxinaw no ano passado e comentando documentos j enviados por elas Presidncia da FUNAI, nos quais reivindicam as demarcaes e o pagamento da indenizao dos ocupantes no-ndios como aes imediatas e prioritrias para agilizar a regularizao de suas terras e garantir o pleno usufruto de seus recursos naturais.