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FILISMINA FERNANDES SARAIVA LITERATURA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA: UM ESTUDO DA OBRA O LEQUE DE OXUM DE VASCONCELOS MAIA ALAGOINHAS 2012 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL FILISMINA FERNANDES SARAIVA LITERATURA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA: UM ESTUDO DA OBRA O LEQUE DE OXUM DE VASCONCELOS MAIA Alagoinhas/BA 31 de julho de 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE

EDUCAÇÃO – CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-

GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL

FILISMINA FERNANDES SARAIVA

LITERATURA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA:

UM ESTUDO DA OBRA O LEQUE DE OXUM DE VASCONCELOS

MAIA

Alagoinhas/BA

31 de julho de 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE

EDUCAÇÃO – CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-

GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL

FILISMINA FERNANDES SARAIVA

LITERATURA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA:

UM ESTUDO DA OBRA O LEQUE DE OXUM DE VASCONCELOS

MAIA

Alagoinhas - BA

31 de julho de 2012

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FILISMINA FERNANDES SARAIVA

LITERATURA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA:

UM ESTUDO DA OBRA O LEQUE DE OXUM DE VASCONCELOS

MAIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Crítica Cultural do

Departamento de Educação – DEDC II da

UNEB como requisito à obtenção do título de

mestre em Crítica Cultural.

Orientador: Prof.º Dr.º Luciano Rodrigues Lima

Alagoinhas - BA 31 de julho de 2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

Sistema de Bibliotecas da UNEB

Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592

Saraiva, Filismina Fernandes

Literatura e cultura afro-brasileira: um estudo da obra o leque de oxum de Vasconcelos Maia / Filismina Fernandes Saraiva . - Alagoinhas, 2012.

99f.

Orientador: Luciano Rodrigues Lima. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação

Campus II. 2012.

Contém referências e anexos.

1. Literatura brasileira. 2. Cultura afro-brasileira - História e crítica. 3. Candomblé -

Bahia. 4. Cultos afro-brasileiros. I. Lima, Luciano Rodrigues. II. Universidade do Estado

da Bahia, Departamento de Educação.

CDD: B869

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LITERATURA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA:

UM ESTUDO DA OBRA O LEQUE DE OXUM DE VASCONCELOS

MAIA

FILISMINA FERNANDES SARAIVA

Esta dissertação foi julgada para obtenção do título Mestre em Crítica Cultural. Área de

concentração em Letras e aprovada em sua forma final pelo curso de Pós-Graduação em

Crítica Cultural da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Campus II.

Prof. Dr. Luciano Rodrigues Lima

Orientador

Prof. Dr. Osmar Moreira dos Santos

Coordenador do Pós-Crítica

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Luciano Rodrigues Lima (UNEB) Presidente da Banca

Prof. Drª. Jailma dos Santos Pedreira Moreira (UNEB) Examinador interno

Prof. Dr. Aleilton Fonseca (UEFS) Examinador Externo

SUPLENTES

Prof. Dr. Roberto Henrique Seidel (UEFS/ UNEB – Pós-Crítica)

Prof. Dr. Gustavo Gama (UFBA)

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DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado ao meu companheiro Gildeci de Oliveira Leite que me apresentou

um novo mundo, o mundo da cultura negra baiana.

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AGRADECIMENTOS

Aos orixás e aos ancestrais, especialmente ao Babá Oju Onilê e Babá Alapalá;

À Vasconcelos Maia, in memóriam;

Ao meu orientador Luciano Rodrigues Lima, pela paciência, compreensão e orientação

concedidas;

À professora Carla Patrícia Bispo de Santana por estar sempre “do lado de cá”;

À minha colega e amiga Vanessa Bastos Lima pelo carinho e apoio em todos os momentos;

Ao professor Gil Francisco por ceder-me seus recortes de jornal de sua biblioteca pessoal de

Aracajú;

À mãe Cida de Nanã e à mãe Nídia de Iemanjá ambas do Ilê Axé Opô Afonjá, pelas

orientações espirituais e conversas sobre Maia;

À José Félix dos Santos, Otun Alagbá no Ilê Axipá, pelos ensinamentos, orientações

espirituais e conversas sobre Maia;

Ao meu filho Guilherme Anísio por existir em minha vida;

Aos meus enteados pelas coisas que só o espiritualismo nos explicará;

Aos meus pais, irmãos e sobrinhos que nunca desacreditaram de mim;

Aos meus sogros pelo apoio;

E a todos que contribuíram para que esse trabalho se realizasse.

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Mojubá Olorun Baba Olodumare

Onile, Mojuba yin o! Exu Yangi, obá Babá Exu, Mojuba yin o Egun aiyê chebá orum, mojuba yin Awon Orixá laiê, awon Orixá lorum, mojuba yin Agô ô!

A Olorum, Pai Olodumare, apresento os meus cumprimentos Ao dono da terra apresento os meus cumprimentos

A Exu Yangi, Rei e Pai de todos os Exus, apresento os meus cumprimentos

A todos os Eguns, deste e do outro mundo, apresento os meus cumprimentos

A todos os Orixás deste mundo e do outro, apresento meus cumprimentos

Deem-me licença!

À minha mãe Iansã, Eparrei! Oiá Menso orun!

À minha mãe Oxum, Ora iê iê ô!

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RESUMO

O presente trabalho aborda a presença de elementos da cultura afro -brasileira baiana na

novela O leque de Oxum (2006), de Vasconcelos Maia, e suas implicações na constituição do

que se denomina literatura afro-brasileira. Busca-se, através da discussão teórica, a ampliação

do conceito de literatura afro-brasileira e, além disso, o estudo aproxima a novela de

Vasconcelos Maia das características desse tipo de literatura. Para isso, fez-se necessário um

percurso pelas produções de contos e crônicas do autor Vasconcelos Maia que tratam da

temática do negro, no intuito de perceber a evolução no tratamento das perso nagens negras

criadas por ele, até chegar à obra O leque de Oxum. A análise da novela enfoca a cultura

negra baiana ali representada, especialmente o culto de Babá Egun, identificando a tradição,

os valores e a lógica calcados na ancestralidade negra.

PALAVRAS-CHAVE: Vasconcelos Maia. Cultura Negra. Literatura Afro-brasileira.

Literatura Baiana.

ABSTRACT

This paper discusses the presence of elements of african-Brazilian culture from Bahia in the

novel O leque de Oxum (2006), by Vasconcelos Maia, and their implications in the formation

of what is called African-Brazilian literature. It seeks, through the theoretical discussion, the

expansion of the concept of African-Brazilian literature and, moreover, the study approaches,

in the novel by Vasconcelos Maia, the characteristics of this type of literature. For this, it was

necessary a journey into the tales and chronicles of the author Vasconcelos Maia, dealing with

the black thematic, in order to understand the evolution in the treatment of black characters

created by him, until we get to the work O leque de Oxum. The analysis of the novel focuses

on black culture in Bahia represented, there, especially by the cult of Babá Egun, identifying

tradition, values and logic rooted in black ancestry.

KEIWORDS: Vasconcelos Maia. Black Culture. African-Brazilian Literature. Bahian

Literature

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

1. UMA LITERATURA DE LUTA 12

1.1 Nomear ou não nomear, eis a questão! 14

1.2 Linhas de força: poesia negra contemporânea 15

1.3 Afro-brasilidade: uma ampliação 19

1.4 Literatura negro-brasileira 24

1.5 Por uma ampliação do conceito 29

2. EVOLUÇÃO INTELECTUAL E CULTURAL: CONTOS, CRÔNICAS, NOVELA

35

2.1

Maia: intelectual e homem do povo

35

2.2 De escritor da classe média a uma escritura mestiça 40

2.3 Crônicas de candomblé ou vivências de candomblé? 49

3. O LEQUE DE OXUM: UMA NARRATIVA DE CANDOMBLÉ 57

3.1 Os Babá-eguns como personagens 64

3.2 Um discurso não-racista 68

3.3 A novela O leque de Oxum como uma literatura afro-brasileira 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS 84

REFERÊNCIAS 87

GLOSSÁRIO 95

ANEXOS 99

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INTRODUÇÃO

Quando ingressei no curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia, em 2004, na cidade de

Seabra, fui logo integrada a um grupo de pesquisa que estudava a obra amadiana, buscando representações da

cultura negra. Uma vez encantada pelo estudo de uma cultura diferenciada e tão distante em relação à cultura

sertaneja do território de Irecê-Ba, de onde eu vinha, fui percebendo o que havia restado dessa cultura em

comunidades quilombolas, aqui no interior de nosso estado. Ao longo do curso e do acesso às mais diversas literaturas, fui compreendendo, então, o poder e a

importância que tem a literatura no trabalho de afirmação de identidades culturais e mesmo para a memória

cultural de um povo, bem como, seu poder de impregnar o imaginário de estereótipos. Percebi que faltavam suportes que auxiliassem professores e estudantes na compreensão do

funcionamento da cultura negra representada em obras literárias. Deste modo, voltei meus olhos para o

estudo da cultura negra de tradição iorubá, para melhor compreender a sua representação na literatura. Fiz

isso pensando, ainda, no atendimento à Lei 10.639/2003 e na emergência de materiais e estudos que

contemplem história e cultura afro-brasileira, que é o que pede a lei. Agora, estamos vendo aumentar, consideravelmente, as pesquisas de resgate de escritores e obras

consideradas literatura afro-brasileiras, enquanto outras obras vêm sendo revistas e estudadas por outro olhar,

em busca das questões afro-descendentes. Aliado ao desejo de compreensão e de afirmação da cultura afro-brasileira, outras questões

surgiram, como a de saber o que era uma literatura negra, se eram as obras que representavam a cultura negra

e tinham os negros como personagens na narrativa ou se eram aquelas produções de autores considerados

negros pelo fator da cor da pele. Essas questões, ainda sem consenso nos textos teóricos, me influenciaram a

estudar a obra O leque de Oxum (2006), do baiano Carlos Vasconcelos Maia, procurando problematizar e

ampliar o conceito de literatura negra. A obra estudada oferece um manancial de histórias ligadas à religiosidade e à mitologia afro-

brasileiras, conforme atesta o próprio Maia (2006, p. 32) que diz:

“Pouco, porém, se tem escrito sobre sua mitologia ou pelo menos procurado fixá-la. Inspirado em algumas

de suas lendas, o autor do trabalho a seguir não se prendeu especialmente a nenhuma”. Por ser a obra de Maia construída a partir de elementos da cultura negra de tradição iorubá, como os

mitos engendrados na narrativa, a recriação do culto aos ancestrais, o sentido de vida e de morte

diferenciados dos valores da cultura oficial, demonstra ser a obra uma narrativa de candomblé contendo,

portanto, elementos típicos da literatura afro-brasileira. Assim, o presente trabalho tem como objetivo ampliar o conceito de literatura negra, tratando dos

limites, do sentido de inclusão e de exclusão contidos no conceito, além de discutir algumas terminologias,

suas diferenças, abrangências e restrições. Neste sentido, o estudo da novela O leque de Oxum (2006), de

Vasconcelos Maia, busca mostrar que é possível ampliar o conceito de literatura afro-brasileira. Para isso, a

análise foca o texto escrito na sua relação com a cultura afro-brasileira, evitando aprisionar a análise e a

conceituação ao fator da cor da pele do autor. Em contrapartida, ganham destaque as ações de Maia dentro do movimento literário Caderno da

Bahia (1948-1951), voltado para o povo negro baiano e seu acesso à literatura. Além, da incorporação do

autor à comunidade religiosa Ilê Axé Opô Afonjá, como fator de importância para a mudança de

posicionamento dentro e fora da literatura, passando à recriação de personagens negros não mais carregados

de estereótipos, chegando até a criação de crônicas literárias afro-brasileiras e da novela O leque de Oxum. A natureza desta pesquisa é bibliográfica, porém, além das incessantes leituras, foram utilizados

métodos de outros tipos de pesquisa, como a entrevista e a observação. Foram feitas entrevistas com

sacerdotes do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, os quais conviveram com Maia, na época em que ele tinha a

incumbência de ajudar na entrega do presente aos orixás das águas do terreiro. Também foi feita uma

entrevista com a pesquisadora Edna Maria Viana Soares. Além disso, observações foram feitas no terreiro de

Egun, Ilê Axipá, em Salvador. Assim, o primeiro capítulo aborda a necessidade de nomeação da literatura negra e/ou afro-brasileira

como um movimento de luta na retomada de um espaço negado aos negros e seus descendentes. Além disso,

discute a abertura e o fechamento dos campos desta literatura, através de alguns posicionamentos teóricos a

respeito da denominação. O debate incita à ampliação conceitual dessa literatura, acolhendo autores

afrodescendentes como um todo, considerando afro-descendente todo aquele brasileiro que se considere

conscientemente como tal. Aí, são descritos os principais pontos de uma literatura afro-brasileira, essenciais

na sua caracterização. São eles: a busca ou afirmação de identidades negras; a abordagem de temas

envolvendo o negro; o resgate de um vocabulário afro-brasileiro; e novos valores baseados numa lógica da

cultura negra. O segundo capítulo recorre à trajetória de Maia no movimento literário Caderno da Bahia (1948-

1951) mostrando a intencionalidade do grupo em relação aos menos favorecidos da cidade de Salvador, ou

seja, o povo negro. Além disso, são buscadas outras produções literárias de Maia, como contos e crônicas,

anteriores à novela estudada, a fim de perceber mudanças na postura do autor, no tratamento das personagens

negras. Percebe-se que, ao se aproximar de grupos negros, não de forma superficial, mas, chegando a ser

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membro do grupo, Vasconcelos Maia vai mudando suas atitudes e elas são refletidas em sua produção

literária. Há uma evolução que culmina na construção de crônicas de candomblé e na novela O leque de

Oxum. No terceiro e último capítulo, a narrativa O leque de Oxum é analisada como uma produção

integrante da literatura afro-brasileira. São enfatizados os aspectos culturais, especialmente os religiosos,

afro-brasileiros presentes, embasados com estudos sobre os cultos dos orixás e dos ancestrais, a mitologia

afro-brasileira é revisitada, pois, a história é construída dentro dessa cosmogonia. Destaca os personagens

negros construídos na narrativa, em sua maioria, inspirados em personalidades negras reais que pertenceram

ou pertencem a comunidades religiosas baianas de tradição iorubá e entende-se que a narrativa foi construída

com um discurso não racista e não essencialista.

1 — UMA LITERATURA DE LUTA

O histórico da escravidão no Brasil deixou marcas tão profundas que ainda precisamos de políticas

afirmativas, pois, esse sistema colonial legou aos negros e seus descendentes recalque cultural e identitário,

estereotipia e marginalidade. Por isso, as cotas nas universidades ainda são necessárias como alternativa de

equiparação social entre negros e brancos, assegurando o acesso à formação superior a negros e

afrodescendentes. A lei 10.639/2003 também precisou ser criada para garantir nas escolas em todas as

disciplinas do currículo o ensino de história e cultura afro-brasileira. O cumprimento da lei pelos professores

é um grande problema, pois, há carência de formação específica. Neste sentido, ações do movimento de

afirmação de uma literatura afro-brasileira continuam sendo indispensáveis, uma vez que, através da

literatura se forma o imaginário de um povo, se intensifica valores ou rompe-se com eles.

O movimento da literatura negra no Brasil surgiu na década de 1970 através de um grupo de

intelectuais e militantes negros inconformados com a falta de literaturas que os representassem, começam

então, a publicar poesias a custo próprio, a publicação do primeiro número da série Cadernos Negros sai em

1978. Em 2012 a série já passou do trigésimo número publicado, poesia e conto são os gêneros mais

contemplados.

Nesse contexto, várias pesquisas vêm sendo realizadas na incumbência de descobrir autores e obras

que sejam consideradas literatura negra e/ou afro-brasileira, com o propósito de aumentar o arsenal, produzir

manuais desta literatura e fortalecê-la.

Mudanças recentes vêm acontecendo neste sentido, destacamos a antologia Literatura e

afrodescendência no Brasil: antologia crítica (2011) recém-lançada pela editora da UFMG, com organização

de Eduardo de Assis Duarte. Os fóruns e congressos com o objetivo de discutir literatura e cultura negra se

multiplicam e a Universidade do Estado da Bahia tem como disciplina do currículo do curso de Letras,

Literatura e cultura afro-brasileira.

Mas, ainda são poucos os autores que assumem as tradições culturais negras em seus textos, por

isso, este debate se faz necessário, para, também, fortalecer e ampliar o repertório de literatura negra. Neste

momento, ainda é imprescindível um trabalho de mapeamento e de levantamento de fontes, quase

quantitativo, para saber a dimensão da literatura negra no Brasil. Levando em consideração autores

esquecidos ao longo do tempo e obras que precisam de um novo olhar, no sentido de identificação de temas e

características afro-brasileiras.

Associado a isso, temos ainda uma luta para mostrar a necessidade de especificar como literatura

negra e/ou afro-brasileira, a literatura que trata das questões dos afrodescendentes, combatendo

posicionamentos que passam por cima das diversidades culturais enfatizando a existência de apenas uma

literatura, a brasileira. Dessa forma, tentam esconder os problemas étnicos de nossa sociedade, diluir as

diferenças dentro de uma identidade nacional uniformizada e homogeneizada, ao invés de se destacar as

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diferentes identidades culturais, mostrando os conflitos e contraditoriedades. Esse tipo de posicionamento

não enxerga a literatura em seu sentido político-social, entende-a apenas como estética, com um fim em si

mesma.

Diante da dificuldade de afirmação de que há uma literatura com características peculiares, que

merece destaque pelos longos anos em que não se produziu uma literatura que falasse do universo cultural do

negro, pois, não havia condições para que os escritores afrodescendentes pudessem ser ouvidos, surge

também outra demanda a de definir esta literatura.

Como saber se a denominação literatura negra define a escrita literária que fala do negro e suas

implicações históricas, sociológicas e culturais, ou se é uma denominação da escrita de autores considerados

negros, no sentido da cor da pele independente da temática abordada? Trata-se de uma polêmica na definição

dos limites dessa literatura. Somado a isso, surgem novas designações como literatura afrobrasileira,

literatura negro-brasileira, dentre outras.

Independente da nomenclatura, essas literaturas são um espaço de reorganização da memória ancestral

maculada na diáspora, da história do povo negro, além de ser um espaço de reestabelecer a cultura negra que

por longos períodos foi demonizada e considerada fora da lei. Elas também são uma maneira de romper com

uma tradição literária acostumada a reproduzir imagens estereotipadas do negro como escravo, como vítima,

inferiorizado ou realizando tarefas subalternas. Elas rompem com imagens do corpo negro sexualizado, com

o ideal de beleza branco e com imagens negativas das culturas negras. Estamos falando de literaturas de

combate ao racismo e de afirmação de identidades afro-brasileiras.

1.1— Nomear ou não nomear, eis a questão!

Como deve ser nomeada a literatura que trata do negro? E quais os limites dela? Ou seja, o que está

sendo incluído como parte integrante? Observemos que muitas pessoas não compreendem a nomeação

literatura negra, porque, dentre outras coisas, ela parece circunscrever um espaço reservado apenas a autores

negros, sem levar em consideração a literatura que preenche os requisitos de uma literatura negra, mas, que

não é feita por um negro. A argumentação de Domício Proença Filho caminha no sentido que acabamos de

comentar:

Na medida em que a chamada, no meu entender equivocadamente,

literatura negra vem sendo configurada no restrito espaço reivindicatório

de escritores negros ou mestiços de negros como tal, não costumam ser

nelas situadas obras feitas por escritores contemporâneos não vinculados

à etnia, pelo menos em nível epidérmico (PROENÇA FILHO, 2010, 64).

A posição de Proença Filho, de que a nomeação da literatura negra é equivocada e mais adiante ele

vai dizer que ela é aparentemente valorizadora, mas, no fundo faz o jogo do preconceito, não é acatada nesse

trabalho. Alguns argumentos do autor são cabíveis aqui, mas, o posicionamento contrário à nomeação, não.

Neste trabalho, concordamos que há necessidade de nomeação da literatura feita por afrodescendentes que

fale das questões ligadas ao negro e sua cultura, como uma forma de recuperação de espaços negados ao

longo da história e de afirmação do povo negro, estereotipado e excluído das páginas literárias.

No entanto, pensamos que o movimento poderia alargar as suas fronteiras acatando literaturas feitas

por afrodescendentes tidos como não-negros, (no nível epidérmico mesmo) que lutam pela causa com

comprometimento político-ideológico, pois, além desse comprometimento alguns escritores adotam a cultura

negra como estilo de vida, mudando completamente as atitudes. Como mostraremos, na segunda parte deste

trabalho, a mudança de atitudes do escritor Vasconcelos Maia dentro e fora da literatura ocorreu ao se

aproximar de comunidades negras e ser integrado por elas.

Assim, a afirmação de Proença Filho faz sentido, quando diz que “O opositor não é o brasileiro

branco, mas, o brasileiro preconceituoso. O esquecimento desta distinção implica não considerar o apoio dos

aliados relevantes na busca do espaço negado” (PROENÇA FILHO, 2010, p.66).

Entendemos ainda, que a preocupação com a singularização cultural na literatura é uma forma de

afirmação identitária, mas, ela não poderá se transformar em essencialismo, se limitando à celebração

epidérmica. Entretanto, deve-se ir até as questões histórias e culturais conforme diz Proença Filho a respeito

da singularização cultural:

Tal preocupação ganha pertinência quando ultrapassa as dimensões

epidérmicas e o corporativismo, e traz para a representatividade literária

a afirmação de elementos que vão dos espaços míticos (resgate da

memória coletiva) aos sócio-históricos (resgate dos elementos que fazem

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história do negro enquanto grupo étnico) (PROENÇA FILHO, 2010, p.

66).

Um dos perigos na nomeação da literatura negra é o de algumas pessoas entenderem a

particularização não como bandeira de luta, contra o longo tempo de exclusão dentro da literatura brasileira,

mas, entender a particularização como uma forma exclusão, coisa que sabemos não ser a intenção daqueles

que proclamam para si a nomenclatura. O que pensamos não poder acontecer é o fechamento dos campos da

literatura afro-brasileira, no nível epidérmico dos autores, pois, o que mais interessa a nosso ver é o texto

escrito, a visão de mundo que ele passa ao leitor em sentido estéticopolítico-ideológico.

Entende-se, aqui, diferentemente de Proença Filho, que é necessária a nomeação, a demarcação de

um espaço de reivindicação de valores negados, de afirmação identitária. Nomeação é um ato discursivo de

poder político e os afrodescendentes não podem abrir mão dessa prerrogativa.

1.2 — Linhas de força: poesia negra contemporânea

É com Zilá Bernd (1988) que o termo literatura negra se fortalece, através da análise de poesias, seu estudo

vai detectar um ponto em comum que singulariza as obras, esse ponto em comum é o “eu-enunciador-que-se-

quer-negro”.

A análise das poesias negras e a identificação do eu-eunciador é considerado um

“divisor de águas” na literatura, quando o negro deixa de ser o objeto de quem se fala para ser o sujeito da

própria história.

A literatura negra se caracteriza por leis fundamentais que funcionam como um programa de lutas: a

primeira das leis é a emergência do eu enunciador, pois, a “[...] poesia negra faz-se a partir da (re)conquista

da posição de sujeito da enunciação” (BERND, 1988, p.77) possibilitando reescrever a história do ponto de

vista negro. Da alienação à consciência, a poesia negra passa a ser o espaço de subjetividade negra. Esse eu-

enunciador será encontrado ou não no texto escrito, portanto, a autora não inclui na caracterização da poesia

negra fatores externos como a biografia do autor ou a sua condição social. É por meio do texto que se

identifica esse querer-se negro, uma postura de afirmação identitária e valorização de aspectos culturais e

corporais negros, o trecho do poema “Pixaim X” do baiano Lande Onawale evidencia um euenunciador que

se quer de pele negra e ele a usa como uma arma contra os racistas:

para cada agressão que nos fira temos

um ato de revolta que nos cura para

cada racista que delira a bala

da nossa pele escura

(ONAWALE, 2011, p.25)

A segunda lei é a construção da epopéia negra, segundo Bernd (1988), muitos autores têm utilizado

fatos de uma heroicidade negra, que ficaram obscurecidos pela cultura dominante, na construção de poesia,

porém, pela mediação do épico, poucos tentaram fazer.

É muito comum nos depararmos com o épico greco-romano em livros didáticos ou em narrativas

infantis, mas, não é comum vermos o épico afro-brasileiro ou africano, seria positivo que nestes mesmos

suportes encontrássemos referências a heróis afrobrasileiros. Encontramos muitas poesias que remetem aos

heróis negros esquecidos da história oficial, mas, pelo épico já não é tão fácil encontrar. O poema

“Linhagem” de Carlos de Assumpção é um exemplo de poesia com referencias à Zumbi:

Eu sou descendente de Zumbi

Zumbi é meu pai e meu guia

Me envia mensagens do orum

Meus dentes brilham na noite escura

Afiados como o agadá de Ogum

(ASSUPÇÃO, 1998, p. 31)

O terceiro fundamento é a reversão dos valores, a demolição de “verdades” que negam o negro

substituindo-as por outras que afirmam sua condição humana. A poesia negra tem a intenção de recriar um

mundo diferente do mundo dos brancos, não como auto-segregação ou recusa a integração, mas, como uma

forma de partilhar sua história.

Entendemos que a literatura é um espaço privilegiado de disseminação de ideias, de pontos de vista

estético-político-ideológico, o que a literatura negra faz é retomar um espaço que foi negado aos

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afrodescendentes ao longo da história. Alguns poemas do baiano José Carlos Limeira são emblemáticos,

pois, mostram um mundo de dificuldades enfrentadas pelo homem negro e pela mulher negra no seu dia-a-

dia, também, é sua marca buscar aspectos culturais e religiosos negro-baianos, afirmando um mundo de

valores diferenciados:

A Estação Pirajá está sempre cheia de odores de ambulantes, buzuz, camelôs cachorros quentes,

fumaça e suores ali começa a aeróbica de todos os dias e lá vou eu expremido, moído sardinha

socada na lata de óleo quase humano...

Êpa! Uma blitz de novo...

saiam só os homem que os “hômi” mandou! e

aquele guarda com cara de fuinha se invoca com a minha sacola da C & A me manda abrir

lá se vai o meu segredo meu ebó, meu despacho selado as

velas, as fitas, a pinga

(LIMEIRA, 2007)

O último fundamento descrito por Bernd (1988) é a nova ordem simbólica, o poema é o espaço de

destruição de uma simbologia estereotipada, na qual, signos que são relacionados à cor negra são diretamente

associados ao sombrio, às trevas, ao mal, ao pecado. Esses mesmos referentes são transformados em

símbolos positivos. Assim, instrumentos musicais de origem africana tornam-se símbolos de união ou

instrumentos usados pelos escravos tornam-se referentes que se vinculam à ancestralidade da qual o povo

negro pode se orgulhar.

Também, os traços do corpo negro são mostrados e afirmados com orgulho marcando uma ruptura

com o ideal de beleza branco, no poema Pixaim X de Lande

Onawale (2011) é possível observarmos um eu-lírico que tem orgulho do seu cabelo.

Além disso, o poema se intitula Pixaim X, como uma forma de reverter à significação negativa, dada ao

cabelo crespo, para afirmar positivamente.

estamos de cabelo em pé !

e sobre a face branca e demente

da morte descarregamos o pente

dos nossos dedos em trança entrelaçados

rajadas de carinhos carapinhas espantando

olhos azuis e mal assombrados

(ONAWALE, 2011, p. 25) A literatura negra é imbuída da capacidade de dar mobilidade aos signos. Significados de mitos,

símbolos e valores que outrora eram carregados de conotação negativa, passam a ter novas conotações

positivas.

Embora estas características tenham sido restringidas no estudo de Bernd, apenas à poesia, elas

podem ser encontradas na novela O leque de Oxum de Vasconcelos Maia, pois, são características textuais e

não extra textuais. Essa análise consta na terceira parte deste trabalho. Por não encontrarmos bibliografia

teórica ainda suficiente lançamos mão desses critérios encontrados na poesia por Bernd para analisarmos a

novela de Maia.

Luciano R. Lima (2003) diz ser vaga a expressão “poesia negra”, necessitando de explicações, como

o próprio termo “negro”, pois, o critério que define quem é negro é cultural. Como se negros fossem apenas

os de pele escura e cabelos crespos e questiona: “[...] e os diversos graus de mestiçagem?”. Ele entende

poesia negra como aquela produzida por uma nova consciência sobre a questão do negro, considerando os

múltiplos e complexos aspectos. Para ele, os poetas que possuem a perspectiva mais ampla são os próprios

negros, entretanto, nem todo negro é consciente de sua condição cultural, histórica e política. Então, segundo

o autor, o critério recai sobre os poetas afro-descendentes que possuem uma consciência racial manifestada

em sua produção, pois, não se está estudando a biografia, mas, a bibliografia.

Para Lima (2003), componentes culturais são relevantes na caracterização da poesia negra, mas, isto

não pode ser uma condição a priori, pois, o poeta poderá ser cristão e isso não o descaracterizará. Afinal,

“[...] o que realmente caracteriza a poesia produzida por negros como “poesia negra” é o conhecimento,

patente no texto, como temática, da complexa problemática do negro brasileiro” (LIMA, 2003, p. 250).

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Entendemos que um poeta negro cristão poderá fazer uma poesia negra, no entanto sua poesia

provavelmente recairá sobre muitos aspectos da negritude, mas, não recairá sobre a afirmação da cultura,

visto que, a cultura negra é diabolizada pelas religiões cristãs. Possivelmente essa poesia negará a

ancestralidade negra.

Já um poeta negro consciente de sua ancestralidade poderá fazer uma litetatura voltada tanto para os

aspectos do racismo e seus enfrentamentos quanto para a busca e afirmação da ancestralidade negra. A

poesia feita por um não-negro, poderá ter a lacuna de não ter experimentado processos discriminatórios, mas

sendo ele consciente da problemática do negro no Brasil e além disso, ter algum envolvimento com a cultura,

atento para a ancestralidade negra, essa poesia será marcada pela afirmação da identidade negro-mestiça a

partir da herança cultural e da ancestralidade.

Tanto Bernd, quanto Lima falam de uma literatura negra em que a marcação da especificidade

emerge do próprio texto, não dão ênfase a fatores extra-literários como fatores essenciais na caracterização,

como a condição social e a biografia dos autores. Porém, este trabalho considera alguns fatores extra-

literários importantes na caracterização de uma literatura afrodescendente, pois, o envolvimento cultural dos

autores, por exemplo, diz muito sobre o seu compromisso com o povo negro e consequentemente isso poderá

ser refletido no texto literário. Quanto ao fator da cor da pele, este não é considerado aqui como fator

importante na caracterização de uma literatura afro-brasileira.

1.3 — Afro-brasilidade: uma ampliação

No decorrer dos anos, a luta pela afirmação do povo negro se fortalece nos movimentos sociais e nas

universidades. Atualmente inúmeros estudos têm sido feitos envolvendo a influência das línguas africanas no

Brasil; aspectos das culturas afrobrasileiras; além da intensa busca por autores e obras consideradas afro-

brasileiras.

Neste sentido, o termo literatura afro-brasileira é um conceito que parece ter uma aceitação maior

pela crítica acadêmica, ele é defendido por Eduardo de A. Duarte e Nazaret S. Fonseca conforme veremos

mais adiante. Em entrevista à Duarte (2011), Zilá Bernd diz que:

Afro-brasileira é apelação interessante e funciona talvez melhor por

vincular a literatura à nação (Brasil) e à cultura afro que lhe dá o traço

identitário (BERND, 2011, p. 152).

Acreditamos que o conceito se mostra mais abrangente, no sentido de considerar a condição mestiça

de nosso país, alargando as fronteiras do movimento, considerando afro-brasileiro todo aquele que se

considere como tal.

Eduardo de A. Duarte (2011) nos diz que o conceito de Literatura Afro-brasileira ainda está em

construção e elenca cinco critérios para que se caracterize esta literatura. Ele Salienta que cada um desses

critérios, isoladamente, não configura uma literatura afro-brasileira, eles devem funcionar juntos, pois, por

exemplo, um escritor pode utilizar-se da temática, apenas, ou, simplesmente, se dizer escritor afro-brasileiro

e não construir uma literatura comprometida com a causa negra.

Este teórico destaca constantes discursivas que têm sido usadas como critérios de configuração

dessa literatura que são a temática, a autoria, o ponto de vista, a linguagem e o público.

Segundo Duarte (2011), a literatura afro-brasileira tem o negro como tema principal, se desdobrando

entre as vertentes do resgate da história do povo negro na diáspora brasileira; denúncia da escravidão e suas

consequências; glorificação de heróis como Zumbi e Ganga Zumba; tradições culturais e religiosas

acompanhadas de mitos, lendas e histórias orais; além da vertente temática que trata da história

contemporânea que traz ao leitor os dramas vividos pelos afrodescendentes.

A vertente temática em que se encaixa a novela de Maia, analisada na terceira parte deste trabalho, é

a das tradições culturais e religiosas, vem acompanhada de mitos afro-brasileiros que envolvem os orixás

Oxum e Xangô. Nesta mesma linha temática, podemos citar a obra Lídia de Oxum (2004) do baiano Ildásio

Tavares1 que além de trazer questões culturais e religiosas, também está dentro da vertente da denúncia da

escravidão. A ópera negra foi apresentada no Teatro Castro Alves em Salvador, no Teatro Municipal de São

Paulo e no Teatro Nacional de Brasília em 1995, além de ter sido encenada na Lagoa do Abaeté em Salvador

no ano de 1996. Segue trecho da primeira ópera negra do Brasil, no qual o filho do senhor de escravos

questiona sobre a religião dos negros da fazenda:

1 Ildásio Tavares foi um pesquisador da cultura negra baiana, professor da UFBA, poeta e ficcionista que

possuiu dois cargos no Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, ele era Obá de Xangô com o título de Obá Aré e Ogã na

casa de Oxum.

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Ei, fale baixo, patrão. O

que é esse Olubajé Na

sua religião?

É a festa de Omolu

Um Orixá poderoso,

Comanda todas doenças De

seu trono glorioso.

Você acredita mesmo

Nessas coisas de Orixás?

(TAVARES, 2004, p. 111)

No tópico da autoria, um dos mais controversos para o autor, pois, não basta considerar fatores

biográficos e fenotípicos, com todas as dificuldades de definição do que é ser negro no Brasil, a questão da

autoria é polêmica, também, “em função da defesa de uma literatura negra de autoria branca” esta defesa tem

sido feita por alguns estudiosos como Benedita Gouveia Damasceno. Duarte (2011) alerta para o risco do

negrismo, a mera utilização da temática, sem fazer de fato uma literatura afro-brasileira, mas, também se

deve evitar a redução sociológica, que leva a interpretar o texto a partir de fatores externos como cor da pele

e condição social. Outros autores, apesar de afrodescendentes, não reivindicam esta condição e não a incluem

no seu projeto literário. Sobre a autoria, ele ainda diz que trata-se daquela literatura feita por autores afro-

brasileiros, atentando para a abertura do termo, levando em consideração as individualidades provenientes do

processo de mestiçagem no Brasil.

Entendemos que ao levar em consideração a abertura do termo afro-brasileiro, há um grande

alargamento de fronteiras da literatura afro-brasileira, pois, um afrodescendente no Brasil é todo aquele que

se considere e reconheça a herança africana na sua formação identitária. Sabemos que o tema do negro está

presente em muitos autores não-negros pelo viés do exotismo, porém, é preciso não generalizar, pois, muitos

destes autores podem também fazer uma literatura sem voltar os olhos para o exótico.

Não se pode considerar apenas a biografia do autor, pois, ele pode ter nascido numa família negra,

ter vivido situações de racismo e preconceito, ter os traços fenotípicos negros, mas, a sua literatura pode não

ser voltada para isso em momento algum, podendo ser até mesmo uma literatura de negação da identidade

negra.

Outra questão é a da literatura negra de autoria branca, o autor pode ser

“branco”, mas pode realizar uma literatura comprometida com o universo negro. Nada o impede de fazer

isso, como pode também fazer o contrário. Então, o risco do negrismo, a mera utilização da temática,

apontado por Duarte, poderá acontecer tanto com autores não negros, quanto com os próprios negros. Sobre

esta questão, é importante destacar a posição de Zilá Bernd quando perguntada por Duarte sobre o que ela

acha da tese que diz que tanto faz a literatura negra ser escrita por autores brancos ou negros, ela responde:

Partilho dessa tese já que, como nos ensinou Cruz e Sousa, a

sensibilidade não tem cor. Isso vale igualmente para o gênero: se há

determinadas marcas identitárias que fazem com que a gente possa falar

de escritura feminina, penso que um homem pode descrever a alma

feminina com igual nível de sensibilidade. (BERND, 2011, p.152-153)

E mais adiante ela complementa essa ideia dizendo:

Independente da cor da pele, o verdadeiro artista é o que capta e expressa

o que de essencial aflige a humanidade: sofrimento, amor, morte, perdas,

ganhos. Ter que recorrer à foto do autor ou a sua carteira de identidade

para saber se ele é ou não negro não deveria ser a preocupação principal

do crítico (BERND, 2011, p. 153).

Concordamos com Zilá, não se pode julgar o escritor pela aparência, mas, pela sua escrita, ela

evidenciará o grau de compromisso ou descompromisso com a causa negra. Às vezes, é mesmo necessário

mostrar que o autor teve vínculos com grupos negros, justamente para rebater essa crítica de que um autor

não-negro não pode fazer uma literatura afro-brasileira.

O terceiro critério proposto por Duarte é o ponto de vista, que complementa o anterior, segundo ele,

não basta ser afrodescendente e nem apenas utilizar-se da temática, é necessário assumir-se como tal, ter uma

visão de mundo que se identifique com a história, a cultura, e a vida desse segmento social. O ponto de vista

indica não apenas a visão de mundo autoral, mas também os valores morais e ideológicos que fundamentam

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a representação. Este critério compreende “a adoção de uma visão de mundo própria e distinta do branco”,

como superação dos modelos hegemônicos e de toda a imposição cultural como única via de expressão.

Este é, a nosso ver, o ponto mais importante dos critérios propostos pelo pesquisador, pois, o que

importa numa literatura afro-brasileira é a visão de mundo que ela transmite ao leitor, e isso depende do que

está escrito, da forma que está escrito, evitando estereótipos ou invalidando-os. O que interessa numa obra

literária é a afirmação de identidades negras através da representação, mostrando valores diferenciados

calcados na lógica da cultura negra, superando, modelos hegemônicos.

O quarto critério descrito por Duarte é a linguagem, linguagem esta trabalhada com uma

discursividade específica, com ritmo, significados novos, vocabulário originário de África em processo

transculturador no Brasil.

Consideramos este critério importante, pois, há a crítica de que a literatrua afrobrasileira se torna

panfletagem, então, para fugir dessa crítica é importante que essa literatura tenha cuidado com a linguagem,

ou seja, trabalhar a linguagem associada aos aspectos políticos-ideológicos, pois, literatura é linguagem

plurissignificante.

O quinto critério que o teórico Eduardo de A. Duarte descreve é a formação de um público leitor

afro-descendente como fator de intencionalidade dessa literatura, fator este, ausente do projeto que norteia a

literatura brasileira em geral. Público específico, marcado pela diferença cultural e pela busca de afirmação

identitária compõe a faceta utópica do projeto literário afro-brasileiro.

Para o autor, o sujeito que escreve, o faz não apenas pensando em atingir determinado público, mas,

também, o faz consciente de seu papel de porta-voz de uma determinada coletividade. Duas tarefas se

impõem: a de fazer o público conhecer a diversidade dessa produção e os novos modelos identitários, além

de dialogar com as expectativas do leitor no combate ao preconceito e à discriminação sem cair na

panfletagem.

Aqui neste trabalho, entendemos que o critério do público específico não é tão essencial para

detectar uma obra como afro-brasileira, pois, os outros critérios já dão conta disso. Embora seja um critério

verificável. Essas características propostas por Duarte são encontradas na novela O leque de Oxum analisada

na terceira parte deste trabalho.

Nazaret S. Fonseca (2006) também mostra uma simpatia com a expressão literatura afro-brasileira.

Ela ressalta que essa expressão parece seguir uma tendência que se fortalece com os Estudos Culturais, tanto

esta expressão quanto a expressão

“afro-descendente” dilui o essencialismo contido na expressão literatura negra e ajuda a caracterizá-la sem

assumir as complexidades do movimento da negritude. Segundo ela, deve-se considerar que atualmente essas

expressões circulam com mais desenvoltura, apesar, desse uso não esgotar as questões relacionadas aos

significados, ele pode revelar um modo de considerar a pluralidade da cultura brasileira.

Ambos os teóricos concordam que a expressão literatura afro-brasileira é mais abrangente, podendo

incluir autores afrodescendentes, levando em consideração os processos interétnicos ocorridos no Brasil.

1.4 — Literatura negro-brasileira

Outro viés deste debate é trazido por Cuti (2010), teórico e militante do Movimento Negro

Unificado, é um dos fundadores da série Cadernos Negros. Ele propõe o termo literatura negro-brasileira

para nomear a literatura feita por negros que tenham uma escrita comprometida com questões de racismo e

discriminação racial no Brasil. Contudo, a questão não é tão simples assim. Na nomenclatura proposta por

ele, várias questões e argumentos são levantados como, por exemplo, quando afirma que pessoas mestiças e

não negras não são atingidas pelo racismo e, portanto, não têm como escrever uma literatura negro-brasileira.

Para o autor, denominar de afro a produção dos que se assumem como negros em seus textos, é

vincular essa produção à origem continental de seus autores, deixando a literatura negra à margem da

literatura brasileira, desqualificando esta produção, com base na hierarquização das culturas, noção

disseminada no Brasil, segundo ele, por seus intelectuais. Afro-brasileiro e afro-descendente, para Cuti, são

expressões que induzem a discreto retorno a África, afastamento da literatura brasileira para vincular a

vertente negra brasileira à literatura africana. Deixando como literatura brasileira apenas a literatura

produzida por brancos (CUTI, 2010).

Discordamos do autor, pois, compreendemos que denominar essa literatura de afro ressalta um

reconhecimento da herança africana em nós brasileiros, da cultura africana em nosso meio, que é transposta

para nossa literatura. Não há vinculação à literatura africana, mas, à cultura africana, à qual foi fundadora de

nossa cultura, aquela que apesar de ser a de maior ressonância sempre foi silenciada. E esse reconhecimento

de África em nós mostra o querer-se afrodescendente.

Além disso, o retorno à África por meio da literatura pode ser lido como busca de alimentação da

ancestralidade. Não parece que isso seja um afastamento silencioso da literatura brasileira, pois, junto ao

termo afro, tem-se a expressão brasileira, complementando que, além de descendentes de africanos, há a

particularidade de seus autores serem brasileiros, portanto, criadores de uma literatura afro-brasileira.

Em relação à questão da autoria, Cuti diz que “um afro-brasileiro ou afrodescendente não é

necessariamente um negro-brasileiro” (2010, p.38), pois, os dois primeiros termos abrigam não-negros ou

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mestiços e brancos e, para ele, estes são pessoas a quem o racismo não atinge e não possuem a identidade da

herança africana no corpo, portanto, não sofrem a experiência da discriminação racial.

Compreendemos que o autor tem um posicionamento equivocado ao dizer que não negros não

sofrem racismo porque não possuem a herança africana no corpo. O que dizer de mestiços que não são

aceitos em grupos de negros e também não são aceitos em grupos de “brancos”? E sobre as heranças

africanas, o que dizer de pessoas mestiças com traços marcados pela africanidade, como nariz, boca, cabelos?

Ou pele negra misturados a outros atributos indígenas e brancos? Essas pessoas podem ser vítimas de

racismo, pois, o racismo se apega a qualquer traço da herança não-européia. A intolerância religiosa, por

exemplo, é um mal que atinge tanto mestiços, como brancos e negros, todos sofrem no Brasil ao se

assumirem como candomblecistas ou umbandistas.

O conceito de literatura negro-brasileira descrito por Cuti, não se mostra abrangente, vejamos:

Quando se fala em “poetas negros” estariam os que usam a expressão se

referindo à cor da pele? Parece-nos que sim, porém não apenas isso.

Então, além do dado da cor, teria de haver o dado da escrita. Que escrita

será essa? Parece-nos que a escrita afro-brasileira ou afrodescendente

tenderia a se diferenciar da escrita negro-brasileira em algum ponto. O

ponto nevrálgico é o racismo e seus significados no tocante à

manifestação das subjetividades negras, mestiça e branca. Quais são as

experiências vividas, que sentimentos nutrem as pessoas, que fantasias,

que vivências, que reações, enfim, são experimentadas por elas diante das

consequências da discriminação racial e de sua presença psíquica, o

preconceito? (CUTI, 2010, p. 38-39).

Fica claro aqui que o autor quer dizer que uma literatura negro-brasileira só poderá ser feita por

quem tem a pele escura e passa por situações de discriminação racial. Do contrário, o sujeito mestiço, não

negro, sem importar o seu envolvimento com a causa negra e a cultura só poderá fazer uma literatura afro-

brasileira, que para ele é uma “[...] expressão cunhada para a reflexão dos estudos relativos aos traços

culturais de origem africana, independeria da presença do indivíduo de pele escura, e, portanto, daquele que

sofre diretamente as consequências da discriminação” (CUTI, 2010, p. 39).

Também fica clara a diferenciação entre literatura negra e afro-brasileira, para ele, a primeira trata

das questões de racismo e o escritor negro teria de ter experimentado tais sensações. A segunda,

independente da cor da pele do escritor, trataria dos temas culturais de origem africana.

Para Cuti é necessário nomear a literatura de negro-brasileira, porque a questão puramente cultural é

uma falsa questão, afinal, todos têm direito a qualquer cultura mundial e à cultura herdada historicamente,

qualquer um pode ser umbandista, candomblecista, católico etc. De acordo com ele, não se trata apenas de

cultura, pois, a opressão se faz em toda a dimensão da vida e é aí que a literatura se faz (CUTI, 2010).

Entendemos de forma diferenciada à do militante, a questão cultural não é uma falsa questão, pois,

pessoas envolvidas no universo da cultura negra provavelmente serão aliados na luta contra a opressão diária.

Qualquer um pode ser umbandista ou candomblecista, como diz Cuti, mas, dificilmente essas pessoas serão a

favor da exclusão do negro e nem tampouco diabolizaram suas tradições, as quais, elas estão inseridas. Caso

estas práticas ocorram, ainda são reflexos da dominação branca, como acontece com alguns negros

evangélicos que demonizam as religiões negras.

Cuti diz que a literatura negro-brasileira é uma literatura que se formou fora da África, a partir da

experiência aqui no Brasil. Segundo ele, os negros africanos quando trazidos não trouxeram nenhum livro

escrito, mas sim, trouxeram a literatura oral. E quando se transpõe um texto oral para a escrita se percebe a

inconsistência para a leitura, pois, não foi feito para ser lido. A nossa tradição literária, enfatiza o escritor, é

escrita desde Luiz Gama, uma vertente da literatura brasileira e não africana (CUTI, 2010).

Percebemos na afirmação do autor um perigoso corte em relação à literatura oral. Perigoso no sentido de

estar rompendo com toda uma tradição africana que nos foi transmitida via oralidade, muitos escritores afro-

brasileiros utilizam-se de histórias contadas pelos seus avós e familiares no passado para fazerem literatura

escrita, é o caso, por exemplo, de Ubiratan Castro de Araújo com seu livro Sete histórias de negro (2006).

Araújo (2006) vai buscar nas histórias ou causos que ouviu de sua mãe, Dona

Belinha, que ouviu da mãe dela, Dona Malvina, que ouviu de seu pai, professor Manoel Pedro, bisavô de

Araújo, a base para os seus contos, alguns misturam fatos históricos com causos ouvidos. Também os contos

de Mestre Didi vão seguir esta mesma linha da oralidade. Sobre isso, temos as palavras do próprio Ubiratan

Castro de Araújo que diz:

A experiência de cada um é um trecho de realidade vivida, de muita valia

para nós mesmos e para os outros. Isto justifica a ousadia de trazer a

público sete histórias transmitidas em um contexto de oralidade familiar.

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São histórias do ordinário, do cotidiano, de homens e mulheres comuns,

negros todos (ARAÚJO, 2006, p. 12). A posição do autor de Literatura negro-brasileira oscila entre a abertura do conceito de literatura negra em

menor proporção e o fechamento dele, a passagem seguinte mostra uma abertura:

Para um recorte literário, de que vale a pele escura do autor se seu texto

se constitui em uma constante invisibilização do teor simbólico de sua

pele e de suas características fenotípicas? (CUTI, 2010, p. 57).

Esse questionamento do autor sobre o que valeria a pele escura se o texto invisibiliza esta pele e os

traços fenotípicos e mais adiante sua afirmação de que o que vale em se tratando de literatura é o que está

escrito e publicado ou que ficou registrado de desejo de realizar, remete-nos à abertura, à ampliação da

literatura negra ou negrobrasileira como ele propõe. Pois, se de nada vale a pele escura se o texto não for

comprometido, se o texto não falar por si das questões negras, então um não negro pode ser incluído aí,

desde que seu texto se encaixe nas prerrogativas de uma literatura negra. Se o que vale é o que está escrito e

publicado, está se falando do texto em si, sem levar em conta se o autor é negro ou não negro ou as questões

biográficas. A ampliação e o reducionismo do conceito demonstram contradições no texto de Cuti.

Outro posicionamento dele que mostra fechamento dos campos da literatura negra diz respeito à

abordagem dos temas relativos aos aspectos das tradições culturais:

As tradições de origem africana, pelo seu caráter próprio de preservação

de formas antigas, apartadas da história presente, serão matéria

preferencial daqueles que optam pelo atrelamento ideológico que impõe

o silêncio sobre as zonas de conflito (CUTI, 2010, p. 60).

Traços culturais de origem africana no texto literário não são recursos

suficientes para se caracterizá-lo como negro-brasileiro, uma vez que

parcela significativa da população negra não está identificada com eles

(CUTI, 2010, p. 92).

Pensando no contexto da cidade do Salvador na Bahia e no Recôncavo Baiano, as tradições de

origem africana não ficam apartadas da história presente, a África mítica é muito viva e atual nesses lugares.

Como pode a representação na literatura das tradições afro-brasileiras ou negras camuflarem a questão

identitária? Como podem silenciar os conflitos? Se neste contexto, a identidade está sendo construída e

afirmada, e os conflitos aí se fazem presentes também, pois, o preconceito e o racismo atingem o povo-de-

santo, por exemplo, de forma violenta. Ancorar-se na tradição é não deixar morrer aspectos que marcam a

identidade negra.

Pensar que uma das intenções da literatura negra é romper com a imposição cultural branca, porque

não resgatar traços culturais que foram impedidos de serem repassados? Além do mais, estes traços são

muito vivos em muitas regiões do país como dito anteriormente, em Salvador e Recôncavo Baiano, tanto

candomblés, como capoeiras e sambas estão vivos e seus adeptos também são alvos de discriminação e

racismo. A recriação, na literatura, de aspectos da tradição dentro de contextos favoráveis ou de denúncia

funciona como afirmação do negro.

Consideramos que se grande parte da população negra não está identificada com o candomblé e com

outros aspectos da cultura negra é por ter sido aculturada, são efeitos do colonialismo e sua imposição

cultural judaico-cristã que deixou como legado a nós brasileiros a ideia de inferioridade para tudo que se

referisse ao negro. Lembrar-se disso é uma atitude de militância, o contrário pode ser efeito e perpetuação do

embranquecimento.

Algumas temáticas são privilegiadas pelo militante Cuti, como os traços fenotípicos, nariz, boca,

cabelo, lábios, cor da pele, pois, estes traços foram demonizados pelo racismo. Arrolar dados históricos e

constituir um sujeito coletivo são formas usadas para a criação de uma identidade literária negro-brasileira.

Outros temas cumprem a elevação da auto-estima, exaltação do corpo da mulher negra e há uma vertente

erótica desta literatura para bater de frente com a idéia do corpo mutilado e de sofrimento e de dor, objeto de

uso do branco, são textos que procuram romper com a tradição literária branca onde a mulata é objeto sexual

perpetuando a violência da casagrande sobre a senzala (CUTI, 2010).

Compreendemos a importância de mostrar a positividade dos traços fenotípicos negros na literatura,

mas, esquecer-se de aspectos como a religiosidade é deixar de lado o que foi mais importante na resistência

negra. Ou seria pouco pensar na resistência dos terreiros de candomblé que estão vivos e que foram os

principais alvos de demonização e ainda continuam sendo, principalmente com a multiplicação de igrejas

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evangélicas? O autor parece não levar em consideração que a vida do povo-de-santo, gira em torno das

tradições, sendo, portanto, importante que esse viés identitário seja afirmado na literatura.

Quanto à exaltação do corpo da mulher negra e o erotismo na literatura muitas vezes são

considerados estereótipos, Jorge Amado é acusado disso, então, qual seria mesmo a linha que separa a

erotização da mulher negra, da negra que é objeto sexual? São questões para se pensar.

O posicionamento de Cuti, sobre uma literatura negro-brasileira é controverso, pois, ora parece

afirmar uma abertura, ora parece restringir ainda mais o que viria a ser a literatura negra.

1.5 — Por uma ampliação do conceito

Neste sentido, cabe refletirmos sobre as características da literatura afrobrasileira que, a nosso ver,

são indispensáveis na caracterização de obras literárias. Em primeiro lugar, a principal característica desta

literatura ainda é a busca ou afirmação de identidades negras. A literatura se constitui num veículo

importante de representações identitárias, como as representações negras ficaram de fora durante longos

períodos da história, cabe agora, à literatura afro-brasileira o cumprimento desse papel, apresentação de

novos modelos identitários. Essa característica está presente no eu-enunciador de Zilá Bernd e no ponto de

vista, descrito por Duarte. Ambas as características dos autores funcionam no sentido de afirmação

identitária.

A segunda característica pode ser a abordagem de temas envolvendo o negro. Entendemos que tanto

os aspectos fenotípicos do negro quanto outros aspectos culturais ligados à mitologia e à ancestralidade são

importantes na literatura como são as questões das lutas contra o racismo e o preconceito, além da denúncia

da escravidão. Afirmar aspectos culturais também é ir contra os preconceitos, pois, para o sujeito racista tudo

que se liga ao negro é inferior. Comunidades religiosas de matriz africana, por exemplo, têm enfrentamentos

diários contra a intolerância religiosa, possuem dificuldades sócio-econômicas dentre outras questões que

também são matérias para a literatura afro-brasileira. A característica do tema do negro (e suas ramificações)

foi apontada por Eduardo de A. Duarte, conforme descrevemos anteriormente.

A terceira característica pode ser o resgate de um vocabulário afro-brasileiro que evocasse o que já

foi incorporado ao português do Brasil, especialmente as línguas do tronco Banto, mas, também as línguas

que se preservaram aqui, especialmente, restritas às comunidades religiosas, mais expressivamente as do

tronco Iorubá2. Nesse sentido, Duarte apontou a linguagem específica como sendo um dos fatores de

identificação desta literatura e Bernd apontou uma nova ordem simbólica, ambas as características

correspondem a esse novo vocabulário.

Na quarta característica, poderíamos falar de novos valores baseados numa lógica da cultura negra, valores

antes negados, agora resgatados, colocando um sinal de mais onde antes havia um sinal de menos. A

reversão de valores é apontada por Zilá Bernd, como por exemplo, trazer de volta a positividade dos traços

do corpo antes negados.

No nosso entendimento, essas são características fundamentais para a existência de uma literatura afro-

brasileira, outras características descritas pelos teóricos anteriormente citados são importantes, mas, para

pensarmos numa abertura maior para o conceito, as quatro descritas são suficientes.

Será mesmo necessário distinguir literatura negra, afro-brasileira e negrobrasileira? São elas

vertentes temáticas de um mesmo tipo de literatura? Ainda não temos respostas para essas e outras questões

que envolvem o movimento. No entanto, pensamos na ampliação do conceito, no qual possam ser incluídas

obras de escritores afrodescendentes que não levam “a pele como um fardo”, no dizer de Proença Filho, mas,

que são aliados na luta pela consolidação da literatura afro-brasileira, afirmando o negro em seus textos.

O conceito de literatura negra e/ou afro-brasileira ainda está em debate, quem sabe seguirá sem

consenso, mas, a existência dessas literaturas é inegável, o corpus tende a crescer, pois, multiplicam-se os

estudos e pesquisas neste sentido. Porém, como dissemos, o conceito precisa ser ampliado e não restringido,

então, é preciso não levar em consideração apenas o fenótipo dos escritores e voltar os olhos para o texto

escrito, percebendo a visão de mundo que ele reproduz.

A questão de não se dedicar tanta importância ao fenótipo dos escritores se dá, entre outras coisas,

pelo fato de não sabermos, em nosso país, quem é negro e quem é branco devido a nossa condição mestiça.

Cabe a afirmação de Benedita Gouveia Damasceno (1988) que diz:

Seria muito difícil definir exatamente quem é negro no Brasil, pois

parece certo dizer que todo brasileiro é um mestiço, seja sob o aspecto

étnico ou cultural. As bases da formação social brasileira não permitem a

ninguém, nem mesmo a um branco, conservar-se totalmente afastado da

cultura negra (DAMASCENO, 1988, p. 63).

2 A palavra Iorubá será escrita com a letra “I”conforme o uso da professora Yeda Pessoa de Castro em

Falares africanos na Bahia (2005).

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Portanto, no Brasil, ser negro está para além da cor da pele, mas, na consciência e assunção de uma

identidade negro-mestiça. Se avaliarmos as pessoas, apenas, pela cor da pele, podemos cair no essencialismo

da identidade de primeira ordem, àquela que não é reflexiva e se baseia apenas no que é visível.

É necessário tomar consciência de que existem processos ideológicos que residem nos discursos sobre o

negro construindo imagens estereotipadas e em cima disso, no rompimento com esse modelo, construir uma

nova consciência de si mesmo.

Assim, corrobora a afirmação de Neuza Santos Souza que diz: “[...] ser negro não é uma condição dada, a

priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro” (SOUSA, 1983, p.77).

Entendemos essa afirmação do seguinte modo, não basta ter a pele negra para ser negro, é preciso querer-se,

ter consciência negra. Muitas pessoas não se querem negros, enquanto outras vão construindo uma

identificação com a cultura e com grupos negros. Há muitos autores que fizeram literatura voltada para o

universo afro-brasileiro sem necessariamente serem negros (pensando no fenótipo), contudo, possuíam

conhecimento de causa por estarem inseridos dentro da cultura, afinal não é preciso nascer negro para adotar

a cultura negra ou ser conquistado por ela, as identidades culturais são múltiplas e estão em constante

transformação.

Em muitos casos, os autores foram autorizados pelos dirigentes negros a falar de certos aspectos

culturais como os religiosos em sua literatura, pois, quem tem conhecimento de causa em relação às religiões

negras sabe que é preciso guardar o segredo, além do mais, certos procedimentos competem apenas à Mãe ou

Pai-de-santo e pessoas mais próximas na hierarquia.

Incluímos nesses requisitos o autor Vasconcelos Maia, que se aproximou de grupos negros, se

tornando um membro, teve experiências com a cultura e a religião negras, recebendo um cargo no terreiro Ilê

Axé Opô Afonjá, o cargo de Ojuobá. O titular do posto oiê era Pierre Verger, a sua direita como Otun

Ojuobá estava Vasconcelos Maia e à esquerda de Verger estava Marco Aurélio Luz, Ossi Ojuobá. Com as

mortes de Verger e Maia, o titular do cargo passou a ser o professor e pesquisador Marco Aurélio Luz.

Ojuobá significa os olhos do rei Xangô, Ojuobá é um cargo sacerdotal que dá direito ao titular de empunhar

o Xerê, instrumento que evoca Xangô.

Embora alguns membros do terreiro fale de Maia como um obá, ele não fazia parte da corte dos

doze ministros, mas, possuiu o posto de otun Ojuobá. Mãe Nídia em entrevista e conversas informais, por

várias vezes se referiu a ele como obá. Isso se explica porque o posto de Ojuobá é um cargo especial na casa

de Xangô, além de ser muito próximo aos Obás.

Maia teve compromisso com o cargo no terreiro, pois, segundo depoimento de José Felix dos

Santos3 e de Mãe Nídia de Iemanjá

4, ele arrumava toda a logística para que o presente das águas do Axé Opô

Afonjá fosse entregue sem maiores problemas.

Depois de terminado o ciclo das festas, toda a comunidade do terreiro vai entregar o presente à

Oxum, Iemanjá e Oxalá, orixás das águas. Então os presentes são preparados cada um num balaio com

brinquedos, acessórios como pulseiras e colares, pentes e espelhos e um buquê de rosas na cor do orixá, no

presente à Oxalá tudo deve ser branco. Então a comunidade sairá de ônibus para um rio onde arriarão os

presentes, depois de feitos os rituais pela mãe-de-santo. É importante lembrar aqui que Maia era filho de

Oxalá, talvez isso o fizesse ser mais empenhado a ajudar na entrega dos presentes aos orixás das águas.

Maia arranjava ônibus para levar o povo, providenciava a embarcação e deixava tudo pronto para

entrega do presente, isso foi tarefa sua durante mais ou menos trinta anos. Um de seus filhos continuou

fazendo a mesma tarefa após a morte do pai, não se sabe até quando. Segundo José Félix, esse filho de Maia

sempre o solicitava para que pedisse aos orixás pela família dele. Para José Félix, o filho de Maia “pegou” a

fé do pai.

Apesar da pesquisadora Edna Maria Soares dizer o contrário, citando depoimento de Maia,

acreditamos nas falas dos sacerdotes do Ilê Axé Opô Afonjá, contemporâneos do escritor, que dizem que ele

foi um homem de fé, conforme depoimento de Mãe Nídia de Iemanjá, o qual consta nos anexos desse

trabalho.

Mãe Nídia de Iemanjá, em conversas informais, disse-nos que algumas pessoas não detalhavam na

família seus níveis de envolvimento com o Candomblé, se era apenas uma relação com um elemento da

cultura negra ou uma relação de fé. Isso levanos a crer que Maia e outros intelectuais conquistados pelo

Candomblé podem, em determinados períodos de suas vidas, terem ocultado seus níveis de proximidade com

a fé negra, talvez se poupando de ações preconceituosas. Ainda hoje alguns adeptos preferem manter

segredo, quem sabe resquícios do período das perseguições policiais ou consequências das perseguições

midiáticas contemporâneas.

Neste sentido, cabe a afirmação de Leite5 que diz que a mãe-de-santo do terreiro tem autoridade para

incluir ou não pessoas no grupo:

3 José Félix dos Santos é filho de Ossãe, ocupa o posto de Ogã de Iansã no Ilê Axé Opô Afonjá e é Otun

Alagbá no Ilê Axipá, no qual, seu avô biológico mestre Didi é o Alapini. Entrevista realizada em abril de

2012.

4 Mãe Nídia de Iemanjá é a mãe de José Félix, moradora do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, filha mais velha de

Mestre Didi. Entrevista realizada em abril de 2012.

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Amado e outros autores como Carlos Vasconcelos Maia, Ildásio Tavares,

Antônio Olinto e Zora Seljan são pessoas já aceitas e incorporados a

grupos negros, hoje todos habitando o orun, mundo espiritual. Mãe

Senhora, Oxum Muiwá, não estaria autorizada a inserir estas

personalidades no seleto grupo da liturgia negra do Ilê Axé Opô Afonjá,

hoje dirigido por Mãe Stela de Oxóssi, filha de santo de Mãe

Senhora? (LEITE, 2012, p.02)

Embora enfatizemos a relação de Maia com a cultura negra, é indispensável dizer que o estudo da

literatura com vistas a perceber se uma obra é ou não uma literatura negra, recai, principalmente, sobre o

texto escrito detectando a visão que esta obra reproduzirá do negro, da sua história, da sua cultura,

constituindo-se como uma obra desconstrutora ou repetidora de estereótipos.

A relação do escritor com a cultura negra é importante no sentido de mostrar que ele não foi um

mero utilitarista da temática, mas, um homem de compromisso com o povo negro. Essa ligação do autor com

a cultura negra começa bem cedo, mesmo antes de se dedicar, no movimento Caderno da Bahia (1948-1951),

a aproximar a literatura e o povo excluído da vida acadêmica, veremos isso no capítulo II deste trabalho.

Tentaremos esclarecer com a abordagem da novela O leque de Oxum (2006) de Vasconcelos Maia,

que até a construção dela, uma obra que se caracteriza pela recriação do negro dentro de uma comunidade

ancorada na tradição, um longo percurso foi trilhado pelo autor. Na medida em que se aproximava de grupos

negros, ele transformava sua literatura. Essa evolução do autor refletida ao longo de sua produção literária

culmina na produção de Crônicas de Candomblé e na construção da referida novela.

2. EVOLUÇÃO INTELECTUAL E CULTURAL: CONTOS, CRÔNICAS, NOVELA

5 Texto no prelo para publicação pela Academia de Letras da Bahia.

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2.1 — Maia: Intelectual e homem do povo

Carlos Vasconcelos Maia publicou seu primeiro livro de contos Fora da vida em 1946. Fez parte do

movimento literário baiano chamado Caderno da Bahia: revista de cultura e divulgação (1948 a 1951).

Além da vida literária, o escritor teve uma carreira voltada para o turismo, dirigiu o órgão oficial de turismo

de Salvador, convidado pelo prefeito Gustavo Fonseca, em 1958, permaneceu até o início de 1964. Depois,

teve um cargo estadual, foi Assessor de Turismo da Companhia de Navegação Baiana em 1967 (SOARES,

2010).

Antes de Caderno da Bahia, houve outros movimentos que tentaram, também, revolucionar a arte

baiana, como o grupo Arco e Flexa liderado por Carlos Chiachio e Samba liderado por Pinheiro Viegas,

ambos produziram revistas, no período de 19281929.

Havia em Arco e Flexa uma idéia de não romper com o passado, essa idéia vinha de Carlos

Chiachio que achava que o modernismo baiano não deveria golpear a tradição, harmonizando o antigo com o

moderno. Chiachio lançou o manifesto Tradicionismo Dinâmico, no qual faz apologia ao tradicionalismo,

mostrando atitude paradoxal ao momento de idéias renovadoras do modernismo (GOMES, 1979).

O surgimento destas revistas se deu pela explosão do modernismo do sul, que havia começado seis

anos antes. Pela dificuldade de comunicação neste período, quando as informações chegavam via mar, nos

navios, o modernismo baiano começou a se desenvolver bem depois de iniciado no sul. Querendo

acompanhar esse ritmo e inconformados com o marasmo da Bahia, esses grupos de jovens se reuniam na

tentativa de fazer o estado andar, acertar o passo com o modernismo.

Outro movimento também de fins da década de 1920 é chamado Academia dos Rebeldes, liderados

também pela figura de Pinheiro Viegas. Este grupo combatia o Arco e Flexa que tinha integrantes que

vinham de famílias mais conhecidas, de privilegiadas condições financeiras e frequentavam lugares mais

sofisticados. O grupo fundou a revista O meridiano que teve apenas um número. Depois publicam O

Momento que teve vida mais longa, nove números, nos quais veicularam idéias do grupo. Os jovens da

Academia dos Rebeldes eram mais populares, fizeram parte deste grupo Arthur Ramos, Edison Carneiro e

Jorge Amado, todos se aproximaram dos candomblés baianos.

Em época de perseguição política, na era Vargas, Edison Carneiro e Jorge

Amado ficaram escondidos no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, quando era comandado por

Mãe Aninha. A ossi dagã era Senhora, que depois viria a ser a sucessora de Mãe Aninha, foi quem tomou

conta de Edison Carneiro e Amado na casa de Oxum do terreiro. Conforme nos informa a atual mãe de santo

do terreiro Mãe Stella de Oxóssi:

Por ocasião da “repressão”, pessoas ilustres como Edison Carneiro e

Jorge Amado — que viriam a se tornar obás de xangô — refugiaramse na

Casa de Oxum, aos cuidados da ossi dagã. Mãe Aninha, ainda vivia.

(SANTOS, 2000, p. 58)

Estes intelectuais se tornaram defensores dos candomblés, que sofriam perseguição. Havia

compromisso com as personalidades negras e seus cultos. No II Congresso Afro-brasileiro realizado em

Salvador em 1937, tiveram presença, como palestrantes do evento, Mãe Aninha do Afonjá, falando sobre a

culinária, Pai Bernardino do Bate Folha e Eliseu Martiniano Bonfim, os religiosos, líderes de comunidades

negras ora pesquisadas por alguns organizadores do congresso como o próprio Édison Carneiro, participaram

do evento científico não como objetos de estudo, mas, como profundos conhecedores da cultura negra.

O movimento Caderno da Bahia veio a surgir depois de um longo período de marasmo cultural, e

fez parte da segunda fase do Modernismo baiano, já na década de 1940. Eram jovens marginalizados por

fazerem literatura revolucionária em terra provinciana, em relação à impressa academicista e tradicionalista.

Eles queriam revolucionar as artes e isso se deu primeiro na literatura e depois nas artes plásticas. Cuidando

do armarinho de seu pai, Vasconcelos Maia6 conseguia dos fornecedores publicidades para manter a revista,

até certo tempo.

Optaram pelo nome no singular “Caderno” como meio de não se prenderem a uma regularidade nas

publicações. O grupo era formado por Vasconcelos Maia, Cláudio Tuiti Tavares, poeta e jornalista, Darwin

Brandão, jornalista, Wilson Rocha, poeta e crítico de arte. Mais tarde se integraram ao grupo Heron de

Alencar, Mota e Silva, Adalmir da Cunha Miranda, Jair Gramacho, Pedro Moacir Maia. Entre os membros

havia ilustradores e artistas plásticos iniciantes: Mário Cravo Júnior, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho,

Hélio Vaz, Genner Augusto, Lygia Sampaio, Ladislau Bartk e Rubem Valentim. Também fizeram parte o

músico Paulo Jatobá e o crítico de cinema Walter da Silveira. Apesar de alguns serem socialistas, a revista

não era de cunho político-partidário, não havia nenhuma ideologia determinante por trás da formação do

grupo, apenas queriam diminuir a distância entre as artes e o povo.

6 Usaremos, a partir deste ponto, a sigla VM para designar o nome do autor Vasconcelos Maia.

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O intuito dos jovens não era romper com o passado, mas, com a “mesmice” acadêmica. Pretendiam

integrar a cultura marginal à legitimada. Maia (1986, p. 39), explica dizendo: “Porque ao contrário da

iconoclastia própria do jovem e da ignorância, tínhamos, arraigada, uma cultura antiga que respeitávamos, o

que, de essencial, os tempos nos fizeram herdeiros.”

Com a morte de Chiachio, Heron de Alencar, também do grupo Caderno da Bahia, passa a assinar a

página literária de A tarde, fazendo com que a existência da revista seja desnecessária, pois, assinando a

seção Caleidóscopio, além de mudar as feições do jornal conservador, continuará fazendo o papel do

Caderno.

Segundo Ívia Alves (1991, p. 06) neste momento havia certa nostalgia “[...] de elos perdidos com o

passado e a tradição, criando uma atmosfera conservadora na poesia e na ficção”. Embora os jovens de

Caderno da Bahia tivessem esse sentimento de conservação de uma cultura antiga que parecia estar se

perdendo com a modernização da cidade, lutavam pela renovação das artes mesmo que em alguns momentos

suas criações não conseguissem seguir os seus intuitos.

Além disso, essa ligação com o passado fará VM descrever na maioria de seus contos, uma Bahia de

arquitetura barroca e colonial em conflito com a nova Bahia industrializada que vinha despontando. Maia,

porém, não deixou de falar do homem. Dentro deste impasse, preferiu falar do povo pobre e marginalizado

que se confundia com o povo negro. Como intelectual, transitava entre dois mundos: o mundo dos

intelectuais e o mundo do povo. Andava entre os intelectuais que pensavam a modernização das artes e sua

conexão com a cultura popular. E andava por entre o povo, nas festas populares e nos candomblés.

Desse modo, mesmo sem declarar vieses ideológicos, VM se configura como um intelectual

orgânico gramschiano (Hall, 2003a), aquele que deve difundir suas idéias e conhecimentos aos que não

pertencem à classe intelectual. O trabalho intelectual e teórico deve ser uma prática política. Esse trabalho

intelectual sério deve ter o compromisso de mudar o social ou de incentivar a ação, o intelectual orgânico

convive com essa tensão, pois seu trabalho como prática intelectual é também prática política.

Assim, quando Maia e o grupo Caderno da Bahia conseguem trazer a cultura negra para a

literatura, eles fazem com que o povo negro e camadas menos privilegiadas da sociedade se vejam em um

elemento da chamada alta cultura: a literatura. Mesmo hoje, com pessoas de diversas camadas sociais

ocupando espaços nos candomblés e em outras faces da cultura negra, não se pode perder de vista que os

espaços de direção de instituições representativas da cultura negra brasileira estão, na maioria das vezes, nas

mãos de pessoas oriundas de camadas populares. Como exemplo, podemos citar os candomblés baianos,

blocos carnavalescos, entidades representativas dos movimentos negros e instituições governamentais como

a Fundação Palmares.

Caderno da Bahia vai encontrar na busca pela cultura popular e negra o caminho para a

modernização das artes, sem romper com a tradição. Em entrevista concedida à Karina Nascimento (1999) 7,

Pedro Moacir Maia, irmão do escritor VM e participante do grupo, fala da divisão do passado em dois

ângulos, um que eles deveriam romper porque era imitação européia com um código de arte conservadora e

um outro que era de uma produção artística que se voltava para a inserção da tradição negra, que até então

era rechaçada pela cultura dominante. Com este último passado, o grupo não queria romper, queria através

dele, mostrar uma nova forma de se fazer arte.

A revista era feita nos moldes de um jornal, queriam que o visual ajudasse a divulgar o novo

espírito, assim atingiria o grande público e também as classes marginalizadas. Tinha um cunho social,

queriam mostrar que o lugar do belo poderia ser também o lugar de reflexão sobre o contexto histórico,

social e político.

As gerações anteriores tentaram produzir arte moderna, porém, não havia um clima para isso, só no

final da década de 1940 com a industrialização da cidade é que a atmosfera ficará mais propensa às

mudanças culturais. O Caderno da Bahia teve curta duração, como as outras revistas, porém foi pioneira na

proposta de articulação entre o popular e o erudito.

A revista procurou mostrar em seus artigos de abertura seu entendimento sobre arte. Esta deveria ser

reflexo da sociedade, interpretação do momento histórico e social. Dessa forma, questionou posicionamentos

conservadores e a não inclusão da cultura negra dentro do cenário das artes. A problemática da invisibilidade

do negro, além da falta de pesquisas sobre a cultura afro-brasileira, a fim de que se desfizessem imagens

negativas, estereótipos e o exotismo presentes em abordagens superficiais, foram abordadas pela revista.

Segundo Karina Nascimento (1999), os artigos sobre música mostravam a influência da música

popular na erudita e da erudita na popular. Os artigos sobre literatura versavam sobre a importância de se

fazer literatura sobre o povo e para o povo, levando em consideração o social e a cultura negra presentes

naquele cenário. Sobre cinema, os artigos questionavam as adaptações literárias, além de criticar o cinema

como indústria de importação cultural dos costumes americanos para o mundo. Nos escritos sobre artes

plásticas questionavam os posicionamentos conservadores e elitizados que insistiam em não absorver as artes

plásticas modernas dos novos artistas.

7 Karina Rêgo Nascimento fez um estudo sobre o movimento Caderno da Bahia (1948-1951) em sua

dissertação de mestrado defendida em 1999, no programa de pós-graduação em Letras e Línguística da

UFBA.

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A literatura produzida e publicada nos cadernos em muitos momentos não correspondeu à teoria e

aos posicionamentos divulgados pela revista. Principalmente as poesias, feitas pelos integrantes do grupo,

que eram introspectivas e não dialogavam com os leitores e o meio social. Já os contos publicados atingiram

o propósito do grupo, privilegiando personagens marginais e pobres, produtos do meio social e político em

que viviam. Exemplos são os contos de VM “Romance de Natal”, publicado em 1949 e “A Grande Safra”,

publicado em 1951.

Após Caderno da Bahia, já em 1957 surge a revista Mapa como um desdobramento do Caderno,

pois, ampliou seus ideais continuando o mesmo caminho trilhado pelos jovens anteriores. O líder do

movimento era Glauber Rocha que viria a ter destaque nacional mais tarde no cinema. Junto à Mapa, surge,

um pouco antes, também a revista Ângulos que pretendia integrar “arte, literatura e política”

(NASCIMENTO, 1999, p. 99). Esta última teve maior durabilidade e integrou muitos dos intelectuais que

foram do movimento Caderno da Bahia. Fechando este ciclo do modernismo baiano, sucede à revista Mapa,

por volta de 1965 a Revista da Bahia e depois a revista Serial de poesia, que publicou nove números, sendo o

último em 1978 (GOMES, 1979).

Segundo Barthes (1996), a literatura possui forças de liberdade, essas forças são:

a sua capacidade de agregar saberes, porque todas as ciências se fazem presentes na literatura; a sua força de

representação, e seu objeto de desejo de representação é sempre o real, que não pode ser representado, mas,

demonstrável e por fim, a terceira força da literatura que reside na semiótica, na sua capacidade de jogar com

os signos. Foi, portanto, através da literatura e conseqüentemente das forças de liberdade que residem nela

que VM feriu a ordem discursiva de que a literatura era um produto da elite e a ela destinada e cumpriu seu

projeto de falar do povo, para o povo.

2.2 — De escritor da classe média a uma escritura mestiça

Sabe-se que Jorge Amado nunca foi muito amado pela crítica acadêmica, ora rebatido por ser do

partido comunista, acusado de panfletário e ora acusado de estereotipar o negro, a mulher e a Bahia como um

todo. Conforme atesta Gildeci Leite em entrevista a revista Muito, Amado é atacado pela esquerda e pela

direita. Pela direita, por dar voz ao povo e pela esquerda, por entenderem que ele cria estereótipos. Porém há

em Jorge Amado um misto de homem branco burguês e homem do povo, homem de Axé, membro de

comunidade-terreiro, pois era obá de Xangô no Ilê Axé Opô Afonjá. Gilberto Gil em documentário de João

Moreira Salles (1995) sobre Amado, diz:

Jorge Amado eu acho que é bem o fenômeno do intelectual brasileiro

egresso das elites brancas dominadoras que se liberta daquilo e vem se

juntar ao povo. Vai pras ruas, vai pro cais, vai pro candomblé, vai pras

festas, vai abraçar os negros e as negras, vai se tornar um mestiço é o que

ele é, um mulato.

Semelhante a Amado, VM vai se deslocando do lugar de fala branco para o lugar do mestiço ou do

negro-mestiço, porque vai se juntar a grupos negros e essa convivência vai modificando sua escrita. Ele vai

passar de uma cultura burguesa branca para uma cultura híbrida, misto do que aprendera numa formação

familiar com a formação junto à comunidade negra da qual ele vai se inserindo a partir dos 22 anos de idade.

Partindo do pressuposto de que não há apenas uma identidade fixa, una e coesa, mas, uma variedade

de identidades para cada sujeito, numa celebração móvel de identidades, por estarem sujeitas a contatos com

diversos sistemas culturais de identificação, entendemos que VM vai deslocando-se, descentrando-se de um

lugar para outro na sociedade, contudo, sem substituir um local por outro, tornando-se fragmentado. Neste

sentido, o argumento de que Maia não estaria autorizado a falar, ou recriar culturas negras por não ser

oriundo da comunidade negra cai por terra em dois momentos: primeiro porque as noções de originalidade e

fixidez não são cabíveis, estas noções ficaram no passado com o sujeito do iluminismo, aquele que nascia e

permanecia o mesmo ao longo da vida. E em segundo lugar porque foi aceito pela dirigente, autoridade

máxima, a Ialorixá da comunidade-terreiro como um membro. Seguindo a lógica dessas comunidades, quem

haverá de questionar o pertencimento do autor a esta comunidade? Acreditamos que o aval da autoridade

máxima de um terreiro é uma forma de legitimação.

Até hoje, filhos-de-santo do Ilê Axé Opô Afonjá se lembram de Maia como lembram também de

Amado, Caribé, Antônio Olinto e outros intelectuais participando como membros do terreiro. José Félix dos

Santos8, que é Ogã de Iansã no Afonjá e Otum Alagbá no Ilê Axipá, bisneto biológico de Mãe Senhora diz se

lembrar de VM nos anos em que o escritor ajudava na preparação do presente às águas feito pelo terreiro. O

comprometimento do Ojuobá fez com que ele fosse um dos responsáveis pela organização de uma

importante parte litúrgica das homenagens a Oxum, Iemanjá e Oxalá. Após o falecimento de Maia, José Félix

8 Entrevista concedida em abril de 2012, a qual, consta nos anexos desse trabalho.

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dos Santos passou a ser o responsável pela organização do presente. Segundo ele, um dos filhos do escritor

passou a ajudar na preparação do presente, seguindo os passos do pai.

Então, é baseada nessa vivência de Maia que sua literatura vai aos poucos tomar outros rumos. Para

que o autor chegue a uma recriação do negro de forma mais consciente e natural, livre de estereótipos e de

preconceitos foi preciso uma longa caminhada. Maia aos poucos foi em busca de sua integração ao povo

negro. Oriundo da classe média branca se aproxima da cultura negra, ganha o respeito de personalidades

ilustres como Mãe Senhora do Ilê Axé Opô Afonjá, tornando-se membro da comunidade. O autor de variadas

crônicas de Candomblé ganhou o posto de Ojuobá, sendo Otum Ojuobá conforme já dissemos no primeiro

capítulo.

Foi lá no Ilê Axé Opô Afonjá que Mãe Senhora consultou sobre o dono de sua cabeça, e revelou

que Maia era de Oxalá e tinha relação também com Xangô. Essa inserção do autor no mundo negro vai aos

poucos mostrando a diferença no tratamento das personagens negras criadas por ele em sua literatura. O

primeiro livro de contos de VM é o Fora da vida publicado em 1946. A obra contém contos que foram

publicados entre 1942 e 1945 em periódicos. Nela irá prevalecer o posicionamento de um autor de classe

média, ainda arraigado aos valores desta classe social e ainda reproduzirá estereótipos e certos preconceitos

com as personagens negras.

Ívia Alves identifica através da produção literária de VM três posicionamentos. O primeiro deles

está contido em textos publicados entre 1940 e 1955, nos quais, segundo ela, apresenta uma focalização

externa ou onisciente “[...] por onde perpassam certos preconceitos de uma postura de classe média para o

tecido narrativo” (ALVES, 1991, p. 06). Sem muita reflexão sobre a sociedade, o autor a recebe pronta, sem

análise. Desta forma, cria personagens negros estereotipados fisicamente e moralmente marginalizados.

O conto “Fora da vida” (1946) narra a história de um jovem deficiente físico, que vive seus dias

numa cadeira de rodas inconformado com a vida e com a escolha amorosa do pai. Embora não seja

especificamente sobre o tema da negritude, em poucas descrições é possível ver a representação de uma

mulher negra, mostrada aí de forma marginalizada e estereotípica. Marcionília é vizinha do personagem,

assim ela é descrita: “[...] uma femeaça negra encheu a porta da saleta com sua corpulência elefantina”

(MAIA, 1946, p.133). Aqui aparece a negra como ameaçadora, medonha e destituída de beleza. O

personagem principal, Zequinha, além de nutrir certa raiva da vizinha “abelhuda” pensava que ela “Tinha-lhe

rancor devido ao desprezo que ele mostrava por pai Dudú, Orixá e macumba” (MAIA, 1946, p.134). Eis

aqui, um personagem que apontava preconceitos contra a cultura negra.

Nos contos “Mangue” e “A Aguadeira” ambos de 1946, essa mesma linha de caracterização das

personagens negras vai continuar. A protagonista Cilu, de “Mangue”, sai da casa dos pais em Sergipe e vai

para a Bahia na esperança de ganhar muito dinheiro vendendo seu corpo aos muitos gringos que chegavam

por lá. Sem conhecer ninguém, acabou no mangue “[...] onde marinheiro cheio de dólar não andava, com

medo de doença, com nojo de preto” (MAIA, 1946, p. 151). Apesar de a população negra ser mais pobre, e

isso levar uma série de mulheres à prostituição, o estereótipo da mulher negra prostituta, feita para o sexo é

um dos mais disseminados no Brasil.

Em “A aguadeira”, os personagens negros são descritos pela exuberância corporal, como símbolo de

força e sensualidade: “Negros e mulatos possantes carregavam e descarregavam mercadorias numa

impressionante exibição de força. Músculos lavados de suor” (MAIA, 1946, p.101). A personagem feminina

negra é novamente apresentada destituída de beleza, além da servilidade e ignorância que a aguadeira ou

Zefinha como era seu nome, apresentava: “Jovem, magra, feia, os cabelos sararás em pé, trapos sujos e

molhados cobrindo-a, a lata e a rodilha esquecidas ao seu lado” (MAIA, 1946, p. 101).

Também em “Isaura” conto dessa mesma coletânea, a personagem é uma prostituta doente que

acaba sendo cuidada por um dos seus clientes que lhe guarda afeto, mas, como nunca nutriu nenhum tipo de

sentimento pelo generoso e cuidadoso Everaldo, Isaura termina voltando à prostituição, tripudiando do

desafortunado que agora tinha a mesma doença que Isaura, tuberculose. Mais uma vez, é o estereótipo da

negra prostituta que vai aparecer.

Neste primeiro posicionamento autoral transparecem na produção literária preconceitos e

estereótipos em relação às personagens negras. Algumas figuras, como a prostituta negra, dentro da

representação de Maia poderiam ter ganhado um contexto que explicasse porque foram levadas à

prostituição. Quando uma explicação aparece nas narrativas ela ratifica que as personagens foram à

prostituição mais por quererem ser o que são do que por condições financeiras desfavoráveis. É o caso de

Isaura, que mesmo tendo a oportunidade de ser cuidada e amada, preferiu continuar no mangue. A

personagem Cilu, achou que este seria um caminho mais fácil para ganhar dinheiro. Além disso, com

exceção desta última personagem, as outras são destituídas de beleza física. Diferem de algumas personagens

amadianas que foram levadas à prostituição como Tereza Batista9.

Essa visão será mudada aos poucos, na medida em que VM vai se deslocando dentro do percurso

histórico de sua vida, ele se desvencilhará de valores burgueses arraigados numa classe média urbana para se

apegar a outros voltados para o mundo negro. E isso será refletido em sua produção literária.

9 Vide Gildeci de Oliveira Leite no texto: Jorge Amado: negro e de Axé, que se encontra no prelo para

publicação pela Academia Baiana de Letras.

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Na segunda posição do autor, onde, segundo Ívia Alves uma focalização externa se articula à interna

ao mesmo tempo, aparece o narrador-personagem. Embora este narrador esteja inserido na burguesia,

consegue mostrar “[...] o negro como símbolo de um mundo livre, de um mundo não esfacelado, vivenciando

um código ético negado à burguesia” (ALVES, 1991, p. 06). É o caso de Caxinguelê, herói do conto de

mesmo nome, que reaparecerá nos contos “Largo da Palma” (1951) e “Amigos” (1960).

Fazendo evoluir aos poucos sua visão do negro, esta posição do autor de focalizar de fora e de

dentro ao mesmo tempo será uma visão que, para Ívia Alves, perpassará toda a sua obra. As identificações do

autor ora com o povo, ora com a intelectualidade fará suas criações terem esta focalização interna e externa.

Em “Um Clarão dentro da noite” (1946) do livro Fora da vida, Mestre Satu é o dono da embarcação

cabocla, com ela faz viagens à Valença ou Belmonte para levar e trazer mantimentos ou qualquer carga.

Desta vez, iria dar socorro a outra embarcação da empresa Corrêa Ribeiro, encalhada sem combustível perto

de Ilhéus. Como o período era delicado, pois, se passava a segunda guerra mundial e os submarinos alemães

estavam roubando e afundando qualquer embarcação, não houve jeito, apenas mestre

Satú aceitou esta incumbência: “— Os gringo qui venha! Bramiu Satú: e a fanfarronada saiu vibrando de sua

garganta túrgida: eles qui venha! repetiu — qui vai encontrar macho pela proa” (MAIA, 1946, p. 11). Apesar

de toda a autoconfiança do mestre sua embarcação foi alvo dos alemães, vieram roubar a carga, mas além

disso, queriam fazerlhes de escravos e Satú desatou a xingar o oficial que o atingiu com um tiro, mas, Satú

com astúcia, havia arranjado pólvora e por entre o buraco preparado seu charuto caiu para dentro do

reservatório.

Neste conto, percebe-se uma postura diferente do narrador e uma construção diferenciada dos

personagens negros. Satú é um negro autoconfiante e respeitado pelos outros, trabalhador e altivo. Atacou o

branco com xingamentos, não pelo roubo da carga, mas, pela arrogância e o insistente desejo de vê-los

inferiorizados, escravizados. Mestre Satú morre, mas, mata os opressores se utilizando da astúcia de levar

consigo pólvora em reserva para um momento como aquele, por isso, o título do conto ser Um clarão dentro

da noite.

Embora este não apresente narrador-personagem e a focalização seja externa, ele mostra uma

diferenciação se comparado com os analisados anteriormente, porque, a visão do narrador é isenta de

preconceitos, há imagens positivas. Satu é o herói da narrativa: “E num gesto insolente e altivo, confiante em

sua força individual, o timoneiro do “Cabocla”fechou a destra, alçou o punho no ar”(MAIA, 1946, p. 11).

Já em “Caxinguelê” (1946) do mesmo livro Fora da vida, a focalização será articulada externa e

internamente. O menino Lulu é o narrador-personagem, embora seja um menino de família burguesa, vive

metido em aventuras com Caxinguelê, Miruca, Currimboque e Bento Presepeiro experimentando a liberdade

de seus amigos que ele, como um filho de classe média, só poderia ter nos momentos em que escapava.

A evolução no tratamento das personagens negras cresce nestes contos onde caxinguelê é o herói,

menino negro, astuto, sem medo nenhum de correr perigos, livre, ele é o comandante do grupo. A crítica à

classe média burguesa vai surgir nestes contos através do narrador-personagem que gostaria de ser como seus

amigos, andar à vontade sem roupas, sem horários pra escola, livre pelas ruas:

Acho que roupa só serve para resguardar do frio. E a escola é uma prisão.

Tanto ar, tanto sol, tanto mar e tantas árvores cá fora e a gente abafada

entre quatros paredes, pregada numa carteira, metida com xeretas,

meninas sonsas e uma professora ca-ce-tis-sima. Ora isso tudo é muito

páu. Bom é a gente fazer o quer, poder correr, nadar, jogar futebol,

empinar arraias e se meter numa abordagem de piratas (MAIA, 1946, p.

89).

Parece haver certa projeção do autor no narrador personagem, o menino Lulu, menino de classe

média, branco, mas, que valorizava o código da rua, da liberdade, da amizade, valores que não condizem

com um mundo burguês. No conto, os meninos, comandados por Caxinguelê, vão atrás de frutas de quintais

alheios, enchem a pequena embarcação de Bento, mas, nos momentos finais Caxinguelê se fere e grita, o que

faz a cachorrada explodir atrás deles, Lulu acaba sendo mordido pelos cães, mas, a felicidade dos meninos é

maior. Por fim, comem as frutas, guardam uma parte para vender e Caxinguelê troca de calças com Lulu,

para que este não chegue em casa dando pinta de que matou aula e ser castigado por isso.

Em “Largo da Palma” publicado a primeira vez em (1951)10

, no livro Contos da

Bahia, Caxinguelê novamente é o herói da narrativa de Lulu, convocado para um “baba”, para fazer parte do

reforço do time dos Pixotes da Castanheda contra o time do Tororó. Lulu teria de armar alguma para escapar

de casa. Tratou de quebrar um vaso chinês para ficar de castigo e aproveitar o momento da saída de sua mãe

de casa para o cinema com seu primo Armando e escapar para o Largo da Palma, onde seria o jogo.

Mais uma vez os meninos negros são símbolo de liberdade, livres dos códigos da classe média

burguesa onde Lulu se encontrava. O que era mais interessante para o menino Lulu, ir à matinê todo

10

O conto está contigo no livro Histórias da gente baiana (1964), utilizamos esta edição na análise.

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arrumadinho e tomar um sorvete comportadamente na companhia da mãe e do primo chato ou ir para o Largo

da Palma jogar bola com a turma de Caxinguelê arriscando serem pegos pela polícia? Ele não tinha dúvidas,

era melhor gozar da liberdade momentânea ao lado dos amigos. Durante o baba a polícia chegou, todos

correram, se esconderam, apenas Caxinguelê ficara para fazer os policiais de bobos, dando dribles e

escorregando para lá e para cá. Subiu num muro que desabou, só assim conseguiram por a mão no moleque.

O código da amizade da turma não deixou que o baba continuasse, não podiam se divertir enquanto

o seu líder estivesse na mão da polícia. Mas, o menino utilizando da astúcia como mestre Satú de “Um clarão

dentro da noite”, desatou a chorar e inventou uma mentira das grandes que fez os policiais ficarem com pena

e soltá-lo.

Algumas falas preconceituosas vão aparecer na narrativa por parte da polícia que diz a Caxinguelê:

“Fecha esta torneira, nêgo de uma figa.” / “Vai pro diabo, Nêgo ruim” (Maia, 1964, p. 27). Mesmo o tratando

desta forma, o deixam livre, estas falas são denunciadoras de como a polícia tratava negros e nesse caso, uma

criança negra.

Em “Amigos” (1960) do livro Primeiro mistério, os meninos da turma de Caxinguelê irão aparecer,

porém neste conto o tom de aventura dará lugar há uma aura triste, mas, mesmo na tristeza o código da

amizade será respeitado, todos tentarão ajudar a Caxin. Sem saber o que fazer por falta de dinheiro para

comprar o remédio da mãe, o menino negro chora enquanto seus amigos pensam em como ajudá-lo. Em

“Unhão” (1960) conto do mesmo livro, o narrador adulto, rememora os caminhos que percorria com os

amigos, caminhos modificados pela modernização da cidade. Sabia o paradeiro de seus amigos, menos o de

Caxinguelê, chegou a pensar se este existira mesmo:

Por onde andaria o pretinho terrível, que driblava todo mundo quando

criança, que nadava mais do que todos quando menino, que sabia de

tudo, mais do que todos os de nossa turma? Por onde andaria

Caxinguelê? Era o único que sumira de vez, não deixara rasto, quem sabe

se existira mesmo? (MAIA, 1960, p. 42)

Além de evoluir na construção dos personagens negros, VM aos poucos vai introduzindo elementos

referentes ao sagrado da cultura afro-brasileira, à qual ele ia sendo inserido. Um tom de fantasia é dado ao

final do conto “Unhão” quando o narrador diz a respeito de Caxinguelê: “quem sabe ele existira mesmo?”.

Quanto aos elementos da cultura negra, irão aparecer no conto “A dama e o anjo” (1955), do livro O

cavalo e a rosa. Neste conto uma aura espiritual envolve a narrativa, como que dando alguns passos em

busca da recriação da cultura negra. VM narra a estadia no bar anjo azul de alguns intelectuais. Alguém pede

para se colocar o disco de candomblé e o bar entra em clima de festa de terreiro: “[...] e o ambiente ficou

carregado de tantans surdos, fortes, ritmados. O agogô entrou no compasso, tinindo seus sinos. E irromperam

os cânticos bárbaros das filhas-de-santo que vinha dançar no terreiro” (MAIA, 1955, p. 25).

Interessante notar que o bar recriado na narrativa existiu em Salvador e era ponto de encontro de

jovens envolvidos com a modernização das artes na Bahia. O seu grupo, por exemplo, Caderno da Bahia,

costumava se reunir no bar Anjo Azul para discutirem os rumos da revista, conforme depoimento do próprio

VM no livro Literatura Baiana (1920-1980), de Valdomiro Santana. Segue trecho da crônica e trecho do

depoimento de Maia:

O romancista de cabelos nevados e olhos terrivelmente vivos,

bebericando absinto, dissertava sobre valores estéticos. O poeta marxista,

noutra mesa, entre colheradas de carurú, descrevia sua odisseia para

chegar a um Congresso de Paz. O cotovelo fincado no balcão, gravatinha

borboleta e desleixada sofisticação britânica, o crítico de arte tomava sua

cerveja no caneco germânico. Ao seu lado o escultor de barba negra e

gargalhadas mefistofélicas confiava-lhe impressões de abstracionismo.

Um esbelto rapaz de cabelos polvilhados de ouro, chegou acompanhado

de três graciosos adolescentes. Ordenando outra champanha, o homem

calvo, de barbicha castanha e olhar de fauno, alisava as coxas de sua

amiga, narrando uma aventura picaresca. (MAIA, 1955, p. 25)

Nossa boemia mais organizada foi no Anjo Azul, que durou de 49 a

meados de 60. O Anjo Azul tem tanta história, tanto folclore...

Eu mesmo tenho muita coisa anotada. É uma longa crônica que precisa

ser escrita, pois, nossa vida nessa época foi movimentadíssima. O anjo

Azul precisa de um texto que o recrie como um caleidoscópio, um texto

muito vivo, ágil, mágico e até meio alucinado. (MAIA, 1986, p.43)

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A partir de “Preto e Branca” (1961) do livro O leque de Oxum, Ívia Alves (1991) identifica o limite

do autor, a partir de onde os preconceitos do branco pelo negro e do negro pelo branco vão aparecer

constantemente na narrativa. A jovem branca e o negro motorista vão se agredir de modo a mostrar os dois

mundos que coexistem sem se integrar.

Ao ser insultado, primeiro pela moça branca, de “negro desassuntado”, o motorista de táxi Orlando

estapeia-a e devolve o insulto chamando-a de “branca descarada”. Segue a narrativa com a moça querendo

agredi-lo por ser negro. Ao ver uma negra, modelo para um pintor, mesmo sabendo que se tratava de amante

e não de empregada, ela diz para a negra: “— Você é empregada do pintor?” e depois ela diz:

“— E ele dorme com você, tem relações com você, ele branco, você preta?” (MAIA, 1961, p. 104).

A partir daí Fernanda passa a olhar o chofer com outros olhos, avaliando sua mocidade, sua força,

surpreendendo-se em não ver nele o que ela sempre julgava ter os negros “aspecto de bicho, de macaco,

repugnante e bestial. A cabeça encimava um pescoço musculoso e elegante. O rosto era sério,

despreocupado, viril. Adivinhava por baixo da roupa, os ombros largos, os braços rijos, o peito saliente”

(MAIA, 1961, p.105).

Parece que depois de ver o casal inter-racial, a moça branca teve vontade de saber como seria um

negro na cama. Já Orlando teve náuseas ao ver o olhar da moça. Por fim, ela o provoca e os dois mantêm

relações sexuais na praia, depois ele a leva até o restaurante pedido. No meio da madrugada, achando tudo

muito estranho, Orlando mal pode saborear o prato que chegara. Foi atacado pelas sombras que perseguiam a

moça branca no início da narrativa, não se sabe se eram humanos ou espíritos eles caem sobre Orlando.

Este conto pode ser a representação do momento em que Salvador vivia entre dois códigos que não

integravam, a saber, o código da cultura branca legitimada e o código da cultura negra marginalizada.

Numa terceira posição do autor, segundo Ívia Alves, a focalização é interna, surge o fantástico e o

simbólico nos contos. Desaparece por completo o narrador externo. A narrativa se volta para o tom das

narrativas orais funcionando bem para instaurar o fantástico, “[...] impondo-se o narrador a expressar

neutralidade e uma inquestionável “verdade” diante do narrado” (ALVES, 1991, p. 07). O tom da oralidade

traz consigo o tom da experiência e traz, portanto, o ar de verdade e de autoridade do narrador.

Neste momento, as narrativas de VM não tratarão de personagens marginalizados, estereotipados.

Optará por recriar o negro dentro da sua comunidade, é o caso da novela O leque de Oxum onde o escritor vai

encontrar a medida justa de recriar o negro, pois, o coloca na narrativa dentro de sua comunidade-terreiro

com sua lógica própria.

Esta posição diferenciada do autor pode ser devida ao fator da convivência com grupos negros, pois,

os contos se transformam, “[...] o tom e o discurso passam a ser, poderíamos dizer, de um autor mestiço”

(ALVES, 1991, p. 07).

Maia vai buscar na mitologia afro-brasileira uma forma de recriação do negro dentro da sua

cosmogonia, reelabora os mitos, constituindo uma narrativa fantástica. Os mitos serão a forma de explicar os

destinos dos personagens, pois, é através das narrativas mitológicas e dos orikis sagrados que o povo-de-

santo rege seu caminho. Maia utiliza-os para a tessitura de suas narrativas. Entendendo mito como narrativa

primordial, como algo que explica comportamentos, discurso com força para falar das diversas dimensões do

existir (CHAUÍ, 2011; LEITE, 2009; LUZ 2000).

Um longo caminho foi percorrido por Maia até modificar a sua visão do negro e de sua cultura, a

convivência foi essencial para a mudança do olhar que passou da classe média burguesa para um olhar

mestiço. Foi preciso uma “[...] profunda compreensão da vida e da camada social escolhida pelo jovem que

não traiu seu projeto de escrever sobre a Bahia e sobre o negro” (ALVES, 1991, p.07).

2.3 — Crônicas de candomblé ou vivências de candomblé?

VM publicou 594 crônicas na coluna dia sim, dia não no Jornal da Bahia no período de 21 de

setembro de 1958 até janeiro de 1964. Objeto de estudo da pesquisadora Edna Maria Viana Soares11

, as

crônicas de VM foram reagrupadas e divididas por temas como: rua, gente, cotidiano, festas, teatro, cinema,

literatura, sítios, turismo, paisagem e outros. Cada grupo temático oferece visões variadas da cidade do

Salvador. Maia também publicou crônicas no Jornal A tarde na coluna Café da manhã e crônicas

radiofônicas na rádio Cultura da Bahia num programa diário Bahia de todas as coisas (SOARES, 2010).

O gênero literário crônica, para alguns, se configura como uma fatia menos privilegiada da instituição

literária, devido ao seu teor de relato. A crônica parte de um acontecimento do cotidiano que se torna a sua

matéria prima. VM foi além de mero frequentador de candomblés. Como participante, não deixou de ter o

olhar do escritor, que mais tarde recriaria o que vira em seus contos, novelas e crônicas. A crônica é um

veículo de fácil leitura, geralmente publicadas em jornais ou revistas. No caso das crônicas de Maia, foram

publicadas em periódicos e, mais tarde, algumas foram reunidas em livros.

11

Dissertação de Mestrado intitulada: Uma cidade dia sim, dia não: Salvador nas crônicas de Vasconcelos

Maia – 1958/1964, defendida em 2010.

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Com as crônicas, o escritor cumpre mais um objetivo de Caderno da Bahia, a aproximação entre

literatura e povo. Sendo, portanto, as crônicas de candomblé perfeitas para chegar ao povo, principalmente o

povo negro e de candomblé, pois, se pensarmos que naquele momento o negro era perseguido, imagine sendo

o leitor negro e de candomblé.

As crônicas cujo tema é o candomblé e suas festas seguem a linha de O leque de Oxum, na descrição

e no tratamento da cultura negra, consolidando, assim, um tipo de escrita mestiça ou negro-mestiça,

conforme destacamos anteriormente com Ívia Alves.

Segundo Soares (2010, p. 15), as crônicas de VM são dotadas de uma “[...] força desmistificadora da

influência européia na formação da cultura baiana”, as crônicas que descrevem as festas, em especial as

festas de Candomblé são o exemplo disso. O escritor marcava assim como “[...] autêntico tudo aquilo que se

reportasse à origem africana.”

Na segunda edição de 1976 de O leque de Oxum12

foram publicadas nove crônicas sobre candomblé,

um glossário e um calendário das festas da Casa da Bela Vista, em Ponta de Areia, Itaparica. O livro ABC do

Candomblé (1978) é uma reunião destas crônicas.

As crônicas reunidas junto com O leque de Oxum são: Canto pra “Senhora”,

Oxum-Miuá, Fogueira de Airá, Omulu, Oxum, Nanã, Iabás, Axexê, Banquete pra Nanã, Loko, Uma festa no

Alaketo. A primeira trata da festa de cinquenta anos de feita filhade-santo de Mãe Senhora; a segunda é

sobre o dia de Oxum-Miuá no ano de 1959; a terceira versa sobre a abertura das festas dedicadas a Xangô

nos candomblés Kêtos da Bahia; a quarta crônica é sobre quatro filhas-de-santo que fizeram anos de feitas; a

quinta é sobre a festa de três santas mulheres no Afonjá; a sexta crônica narra um Axexê, cerimônia fúnebre,

realizada quando um filho-de-santo da casa morre; a sétima fala sobre uma festa para Nanã no candomblé do

Gatois; a oitava crônica narra uma festa de candomblé no Bogum, na Casa de dona Valentina; e a última

narra uma festa no terreiro de Olga de Alaketo. A seguir trechos destas crônicas, respectivamente:

1º) No dia 04 de novembro de 1958 D. Maria Bibiana do Espírito Santo,

justamente cognominada por Senhora, senhora que o é na mais alta

concepção do termo, completou cinquenta anos de feita filha-desanto.

(MAIA, 2006, p. 100)

2º) 25 de outubro, domingo de chuva, água sangrando nos poços,

transbordando fontes, renovando regatos, foi o dia de Oxum-Miuá, para o

ano de graça de 1959, no Axé do Opô Afonjá. (MAIA, 2006, p.102)

3º) O dia 29 de junho abre para o público, para seus adeptos e visitantes,

os terreiros dos grandes candomblés, quase todos homenageando Xangô,

o violento, o voluntarioso e varonil orixá das tempestades, da melodia de

cantos iorubanos, da doçura das rezas em nagô. (MAIA, 2006, p. 105)

4º) Quatro filhas-de-santo, eleitas de Omolu, Oxum e Nanã, fizeram anos

de consagradas aos orixás; e os atabaques de São Gonçalo do Retiro

elevaram seus toques às estrelas festejando o acontecimento.

(MAIA, 2006, p. 108)

5º) Um domingo, após as festas de Oxalá, um domingo antes das festas

de Oxum-Miuá, as santas mulheres, as deusas rainhas, baixam nas mais

velhas iaôs. Vêm várias Oxuns, Iemanjás e Iansãs, é uma festa que se

caracteriza pela feminilidade, doçura e delicadeza.

(MAIA, 2006, p. 110)

6º) Uma ekéde falecera, faziam o axexê em sua honra. Alumiado parcialmente

por dois bibianos, o barracão guardava sombras pelos cantos e pelo teto. Na

meia luz vermelha, as iaôs estavam sentadas em seus tamboretes, em suas

esteirinhas, sem enfeite algum, dentro de nuvens de anáguas, envoltas em xales

de madrasto, as cabeças enroladas nos torsos brancos. (MAIA, 2006, p. 112)

12

A edição usada neste trabalho é a 3ª edição de 2006 que contém as mesmas crônicas da segunda edição,

mais um prefácio da pesquisadora Ívia Alves. A primeira edição é de 1961 e não contém crônicas.

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7º) Uma das festas mais bonitas e grandiosas do calendário de Menininha do

Gatois é a dedicada a Nanã, sempre no primeiro domingo depois do dia 26 de

agosto. Nana forma com Iemanjá e

Oxum a trindade dos orixás das águas. (MAIA, 2006, p. 115)

8º) Quando cheguei, os nomes já haviam sido identificados e salvados. O resto

da festa, porém, teve tanta beleza, tanta alegria, tanta exuberância, quanto o seu

começo. E a originalidade de apresentar os meus olhos à chegada de Lôko, orixá

que eu nunca presenciara. (MAIA, 2006, p. 118)

9º) Exu é travesso, é matreiro, se dana quando é provocado. Mas a um rogo de

Olga, princesa dos Orixás, rainha do Alaketo, que pode fazer, senão o seu

querer, senão ir buscar nos espaços insondáveis os grandes santos africanos?

(MAIA, 2006, p. 120)

No ABC do Candomblé (1978), a apresentação é de Jorge Amado, o qual diz que naquelas páginas

não se encontra o ficcionista. Na introdução, Maia alerta ser um livro para leigos, pois, não foi feito por

nenhum etnólogo. O livro inclui um calendário de festas do Ilê Axé Opô Afonjá, o escritor atesta ainda nesta

introdução que, por possuir posto e de ter tido a licença da atual mãe-de-santo do terreiro, Stella de Oxóssi, é

que publicou o calendário de festas.

A primeira crônica “Cosme e Senhora” narra o princípio da vida religiosa de

VM, suas primeiras andanças em terreiros de Candomblé “Desde os vinte e dois anos frequento as Casas de

candomblé” (MAIA, 1978, p. 15). Seu primeiro mestre foi pai Cosme, Maia frequentou outros terreiros até

ser levado por José pedreira ao Ilê Axé Opô Afonjá. Pedreira foi fundador do bar Anjo Azul, o qual seria

palco mais tarde para as reuniões do grupo Caderno da Bahia.

Em “Origens e Nações” a fala é sobre a origem do candomblé e suas nações nas diferentes partes

do Brasil e da mistura deste com outras religiões como as indígenas fazendo surgir o candomblé de

Caboclo13

. Segundo a crônica, cada nação de candomblé leva o nome da região a que pertencia o culto

tradicional na África. O candomblé é uma religião brasileira.

Essas pequenas diferenças no modo de cultuarem os orixás e darem os

nomes desses mesmos orixás, dependiam das nações oriundas. Na Bahia

essas nações, conservavam suas origens: kêto ou nagô, Ijexá,

Angola, Gêge, Cabinda, Congo, etc. (MAIA, p.19, 1978)

O candomblé de caboclo é uma religião que combina elementos da religiosidade negra, indígena,

misturados a elementos do espiritismo, religião cristã. A crônica: “A Roça e o Barracão” explicita o local dos

cultos, onde são encontradas árvores sagradas como a gameleira branca e a jaqueira. Segue descrevendo as

casas de santo, pintadas de cores diferentes, com seus pejis, ou seja:

[...] o altar do orixá, onde são colocados sua comida, sua água, seus símbolos,

suas paramentas. Só se visitando um desses pegis para se ter uma idéia do que

seja o orixá, nada figurativo, nada semelhante ao santo católico, mas,

essencialmente abstrato, sempre simbolizado em pedras, água, conchas,

insígnias, e contas presentes. (MAIA, 1978, p. 20-21)

“Um mínimo de ética” é uma crônica que sugeri hábitos, maneiras de portar-se em se tratando de

uma pessoa leiga, visitante, assistente numa casa de culto. Os costumes, segundo o cronista devem variar

muito pouco de uma casa para outra. Descreve ações que são consideradas “gafe” e outras que não se pode

fazer de maneira alguma num terreiro, como ficar parado na porta do barracão. Contudo, o respeito ao culto e

aos seus participantes, conforme o cronista, é o principal: “Portanto, o principal compromisso do espectador

é acatar o simbolismo das cerimônias como respeitar os dignatários da Casa” (MAIA, 1978, p. 24). Outras

normas se referem à educação doméstica como não fumar dentro do barracão, por exemplo.

Em “Hierarquia Litúrgica” o cronista descreve a hierarquia dentro dos terreiros de candomblé e

exemplifica com o Ilê Axé Opô Afonjá, onde “Stela é a dona. É rainha” (MAIA, 1978, p. 29), seguindo a

hierarquia vem a “ia-kekerê ou mãe pequena da Casa” (MAIA, 1978, p. 29), depois vem as dagãs, a titular e

13

Caboclo é uma entidade ameríndia com influência católica.

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as duas substitutas, destaca-se a ia-morô – “a que faz o padê” e há uma série de postos (oiês) que são dados

para as ebomis mais zelosas. Depois vem a ekede, responsável por cuidar de uma série de coisas no axé.

A crônica “As associações, os Obás e os Ogãs” mostra que os terreiros tem além da ordem

ritualística, uma ordem civil, que no Afonjá é o Centro Cruz Santa de Axé Opô Afonjá, e é organizada pelos

Ogãs, obás e oloyês.

Ogã é um individuo escolhido pela ialorixá ou por uma de suas filhas

montadas, isto é, pelo próprio orixá em atenção aos seus serviços

prestados ao culto, a uma personagem importante, a alguém cuja

assiduidade nas festas seja notada ou que doe a Casa coisas de valor

material.

Já os obás são reduzidos. São apenas doze. Só perdem o cargo, a função,

a honraria, em caso de morte — quando são substituídos pelos otuns e

pelos ossis. (MAIA, 1978, p. 33)

Explica o narrador que a corte dos obás foi criada por Mãe Aninha, restabelecendo os “[...] doze

ministros que faziam parte do reinado de Xangô” (MAIA, 1978, p. 34). Na África de tradição Iorubá, doze

ministros de Xangô passaram a cultuar a memória de seu Alafin divinizado, sendo eles os responsáveis pelo

culto. O que Mãe Aninha fez foi reinventar o mesmo ritual africano em seu terreiro.

Na crônica “Orquestra” o narrador fala da importância dos atabaques para as festas, sem eles não há

festa: “O maior chama-se run. O médio, runpi. E o menor de todos, lé” (MAIA, 1978, p. 36). Quem dirige os

tocadores é o alabé, segundo o cronista, é uma espécie de regente. Os outros instrumentos são descritos, “o

agogô-campanula dupla de ferro, formando uma só peça; o agbé ou piano de cuia; a cabaça de contas; e o

adjá — pequena sineta de som brando” (MAIA, 1978, p. 36). E para completar a orquestra, tem se as

cantigas, os cânticos.

As crônicas, “Festa”, “Matança”, “Padê”, “A roda”, “Decida dos Orixás” e “Comida” descrevem, na

sequência exata em que estão dispostas, os acontecimentos de uma festa de candomblé. Na crônica “Festa”,

em resposta às perguntas dos leitores sobre a que horas chegar numa festa de candomblé e a que horas

começa, ele responde, aconselhando, que se deve chegar cedo, às dezesseis horas, para que não se perca

nenhum detalhe.

A crônica “Matança” fala de alguns aspectos que nem todos sabem, que uma festa de candomblé

começa bem cedo, com o nascer do sol quando é feito sacrifício dos animais. Os animais variam de acordo

cada orixá, depois de cozido será posto no peji. Dessas mesmas comidas comerão todos os participantes da

festa. Na crônica intitulada “Padê”, como o título já diz, descreve a cerimônia do padê ao orixá Exu:

No meio da sala, uma vela acesa, uma cabaça, um acaçá, uma garrafa de

cachaça, outra de azeite de dendê. Exu é rogado, oferendado, invocado.

Dançando, suave, sacerdotiza competente, a iamorô, faz o despacho. Exu

deve intervir junto aos outros orixás — sua missão é essa — deve levar

da terra as súplicas dos humanos. Exú é o mensageiro entre os homens e

os deuses e está em seu arbítrio trazer a paz, harmonia, como pode

desencadear ódio, turbulência, despeitos.

(MAIA, 1978, p. 40)

Após o padê se faz a roda, em “A Roda”, o cronista vai descrever como isso acontece, os toques

mudam de ritmo, se diferem do toque anterior durante o padê. Segundo o narrador, obedece-se a hierarquia,

onde as filhas que possuem postos, ou são mais anciãs vão à frente. “[...] os atabaques tocam e as iaôs cantam

e dançam três vezes para cada orixá. Isso é o normal. Começam por Ogum o abridor de caminhos,

terminando por Oxalá, o orixá-babá, o mais velho de todos” (MAIA, 1978, p. 41-42 ). A continuação é na

“Descida dos Orixás”, para que aconteça a decida dos orixás, explica o cronista:

Os atabaques vão aumentando o volume da música, acelerando o ritmo,

até o crescendo atordoante do adarrum — toque especial. Então a

primeira iaô é montada, cai no santo, geralmente o santo cuja

homenagem se faz a festa. Outras também são possuídas. E a medida que

são agraciadas com a presença do santo, cada um deles é saudado

festivamente.

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Aí, as ekedes conduzem as iaôs para a camarinha onde mudam as roupas.

(MAIA, 1978, p. 42)

Seguindo o cronista é a vez das “Comidas”. Mesas estão preparadas antecipadamente em casas a

parte ou no próprio barracão. As comidas vão variar de acordo o orixá a quem se homenageia:

Assim, se a festa for para Oxalá, as comidas são brancas, isto é, de

maneira alguma contém azeite de dendê e sal. Já Xangô e Iansã querem

suas comidas vermelhas de dendê e pimenta. (MAIA, 1978, p.

43)

Na crônica “Os Orixás”, o cronista descreve a festa. Depois das filhas de santo terem recebido o

santo, estarem arrumadas com as roupas, armas, insígnias, contas:

A ialorixá ou a kekerê puxam um canto especial, que é saudação oficial

da Casa aos orixás. Daí em diante o barracão lhes pertence. Eles são

honrados, cada um per si, três, sete vezes. Finalmente a roda de novo se

fecha, o hino da Casa é tocado, cantado e dançado. E outra bela, alegre,

colorida festa de candomblé se conclui. (MAIA, 1978, p. 44)

O cronista descreve cada um dos orixás, seus nomes, equivalência com santos católicos, seu dia da

semana, suas cores prediletas, a cor das suas contas, suas comidas preferidas e bebidas, sua saudação e um

pouco de suas histórias mitológicas. Descreve os orixás: Exú, Ogun, Oxossi, Oxumarê, Logun Edé, Xangô,

Iansã, Oxum, Obá, Nanã, Euá, Omolú, Baiani, Ossain, Lôko, Iemanjá, Oxalá, Ibeje ou Erê, Ifá. Além de

descrever o calendário de festas do Afonjá na crônica “Calendário das festas públicas do Axé Opô afonjá”.

As crônicas são explicativas, então, o leitor ávido por conhecer o candomblé teve nas crônicas de

Maia, respostas para os seus questionamentos. Estas crônicas de candomblé atestam o envolvimento do

escritor com o meio, afinal ninguém escreve sobre o que não conhece. Também, não há escrita

descomprometida, há sempre uma intenção. Nesse caso, havia um desejo de escrita que começara lá atrás,

quando da fundação da revista Caderno da Bahia, um desejo de escrita que aproximasse a literatura, veículo

da alta cultura, do povo, especialmente o povo negro deixado do lado de fora das universidades.

Gradativamente o escritor aprimorou sua escrita literária, sua visão do negro, na medida em que foi

inserindo-se no mundo dos valores da cultura negra. Os contos mostram essa evolução. Passou de uma visão

burguesa, de classe média, irradiadora de estereótipos, para uma visão próxima do real. Procurou, então, falar

do negro consciente de si e de sua cultura.

De outro modo poderíamos dizer que Vasconcelos Maia deixou de lado a visão precipitada do outro,

procurou conhecê-lo para, a partir daí reproduzir imagens. Na esteira de O leque de Oxum, as crônicas

mostram a consolidação de uma escritura mestiça ou negro-mestiça de VM.

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3. O LEQUE DE OXUM: UMA NARRATIVA DE CANDOMBLÉ

Conforme falamos no capítulo anterior, VM evoluiu sua visão sobre o negro e a cultura afro-

brasileira em sua criação literária, na medida em que se aproximou e se integrou a grupos negros dos quais se

tornou membro. Essa evolução, demonstrada na construção das personagens dos contos analisados, culmina

com a construção da novela O leque de Oxum e com as crônicas de candomblé que começaram a ser escritas

no mesmo período da construção da novela.

Neste sentido, a evolução no tratamento das personagens negras e da cultura negra na novela faz

com que possamos vê-la como uma literatura negra (e/ou afrobrasileira), pois, a narrativa acompanha

características deste tipo de literatura, conforme veremos mais adiante.

Segundo Ívia Alves (2006) a produção de VM, após 1945, contribuiu para a mudança da expressão

da identidade baiana não mais ligada apenas a igrejas e ruas tortuosas e nem à paisagem marinha. Quando

Maia começava a escrever, a Bahia se modernizava com projetos de largas avenidas e instalação de

indústrias. Eram construídos edifícios que iam substituindo os solares e casarões, porém, certos elementos da

paisagem, de uma cultura que não podia mais ser silenciada ficavam cada vez mais explícitos. A cidade

moderna tentava esconder esses elementos da paisagem que insistiam em permanecer à mostra ocupando

espaços geograficamente centrais, fazendo conviver o código legitimado e o código da cultura negra.

Embora o autor trate desses dois códigos em O Leque de Oxum, o embate entre a modernização e a

cultura negra, nos interessa aqui esta última, como também, a construção das personagens negras e brancas

para que se possa pensar na obra como uma literatura negra e/ou afro-brasileira. Algumas personagens são

homenagens a ícones negros da cultura baiana e brasileira.

É importante destacar que a novela apresenta antes da história em si, uma introdução feita pelo

autor. Funciona como um guia de leitura para desavisados desconhecedores da cultura negra, pois, nesta

introdução VM destaca a importância dos candomblés na Bahia, mostrando sua certa independência da

África, no sentido de diferenciá-los, pois, aqui, se tem influências do catolicismo e dos cultos indígenas,

enquanto os cultos na África aconteciam de forma que cada família ou região cultuava uma divindade em

separado. Essa marca de diferenciação do candomblé brasileiro em relação aos cultos africanos é o que

entendemos por sincretismo religioso, ou seja, a combinação de elementos africanos com os que aqui já

existiam deram origem a um terceiro elemento, o candomblé.

Ainda nesta introdução, o escritor faz uma distinção das duas grandes espécies de candomblé na

Bahia: o culto aos orixás e o culto aos eguns. Orixá, ele compara a santo no sentido cristão ou deus na

definição da antiga Grécia. Alguns orixás foram humanos, reis africanos que depois de mortos se

santificaram. Os eguns não são deuses ou santos, Maia compara-os a espírito, alma, dos humanos que

pertencem à religião. Segue-se a descrição da forma de manifestação dos orixás e dos eguns, seus nomes, os

locais da realização das festas e outros aspectos. Ao final, ele destaca que se inspirou em algumas das lendas

do candomblé, mas não se prendeu especialmente a nenhuma. Entendemos que com o termo lendas, neste

contexto de época, o autor se referia ao mesmo que mito14

. O autor diz que com a publicação da novela ele

espera:

[...] contribuir para a divulgação da beleza, do fascínio e do requinte que

estão conservados nos melhores candomblés baianos e chamar a atenção

para o manancial esplêndido que oferecem aos escritores de ficção.

(MAIA, 2006, p. 32)

Percebemos não se tratar de um aventureiro a escrever sobre candomblé. O autor possuía

conhecimentos a respeito da cultura negra baiana. O Ojuobá no Axé do Opô Afonjá recriou parte do culto

aos eguns em sua obra, sabendo respeitar os segredos do culto, pois, estes são guardados entre os sacerdotes

e não são ditos em cerimônias públicas. Como Maia não era Ojé do culto, provavelmente não teve acesso a

todas as informações. Corroborando com a distinção feita por Maia entre orixá e egun, Juana Elbein Santos

nos diz que “Pertencem a categorias diferentes: os òrìsà estão especialmente associados à estrutura da

natureza, do cosmo; os ancestrais, à estrutura da sociedade” (SANTOS, 1986, p. 102).

Na primeira parte da novela, o narrador-personagem (focalização interna), um homem iniciado no

candomblé, passeia pela cidade com saudosismo ao relembrar as antigas construções coloniais que agora

davam lugar a prédios e avenidas largas. Após vinte anos sem vir à Bahia, pensava nas casas de candomblé

que restavam sem violação de seus ritos. Uma dessas, era a casa onde ele fora levantado Ogã, título conferido

14

Mito no sentido que já dissermos antes, como narrativa primordial, com força para explicar

comportamentos e as diversas dimensões do existir.

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a homens que contribuem com o progresso e a manutenção da casa de candomblé, os ogãs são escolhidos

pela ialorixá, com o consentimento do orixá ou pelo próprio orixá.

O narrador fora iniciado nos ritos ainda rapaz, pela Mãe-de-santo Senhora, recebeu o posto de Ogãs

da casa, porém, não houve a confirmação, pois, voltou a São Paulo para trabalhar na firma onde o pai era o

acionista maior. O narrador não tem nome e na segunda parte da novela diz ser paulista e trabalhar com

corretagem de imóveis. Embora tenha ficado longe do Axé, ao reencontrar sua mãe-de-santo pede-lhe a

benção e a segue para a ilha de Itaparica, onde participarão de uma festa de eguns. O narrador ainda não tinha

visto uma festa dessas, aceitou o convite e foi na condição de convidado de Senhora.

Filha de Oxum, Senhora comandava um terreiro em Salvador, possuía também, uma barraca na

rampa do Mercado Modelo, onde vendia adereços da religião, azeite-dedendê e pimentas. Esta ialorixá é uma

homenagem de Maia à sua mãe-de-santo, Mãe Senhora Oxum Muiwá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá de

Salvador, à qual possuía uma barraca no Mercado Modelo conforme os depoimentos de suas netas Nídia

Maria Santos (2000), Iara Lindbäck (2000) e Inaicyra Falcão dos Santos (2000), publicados no livro Maria

Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora: Saudade e memória (2000). Segue trecho da novela e trecho do

depoimento de uma das netas da Ialorixá Senhora, chamada Inaicyra Falcão dos Santos.

Voltei à Tendinha de Oxum e à Senhora rodeada da comitiva: seu filho

Didi, servidor de Ossãe, três alabês, mais cinco mulheres a beijar-lhe a

mão: a dagã e a ossi-dagã, de sua idade, vestidas com o mesmo aparato

embora sem igual quantidade de adornos. As outras eram iaôs de sua

casa, uma de Xangô, outra de Iansã, a última de Oxumaré, todas vestidas

a carácter, as cores de seus orixás preponderando distintamente em seus

trajes. (MAIA, 2006, p. 41)

[...] me lembro do nome da sua barraca “a vencedora”, que ficava na

rampa do antigo Mercado Modelo. Eu gostava muito de comer os

bolinhos manuês que ela fazia... (SANTOS, 2000, p. 35)

Há uma projeção do autor no narrador-personagem, pois, ambos foram introduzidos no axé ainda

rapazes, não eram oriundos da comunidade negra e tinham uma vida voltada para os costumes da classe

média. A mãe-de-santo da novela como dissemos é uma homenagem à Mãe Senhora do Axé Opô Afonjá, de

quem Maia era filho-de-santo e amigo. Outra homenagem que vai aparecer na obra é para Mestre Didi. Na

novela aparece como filho de Senhora e servidor de Ossain. Dentro do cenário cultural baiano Mestre Didi é

um ícone da cultura negra, filho de Xangô, é o supremo sacerdote do culto de Babá-egun no Brasil, é o

Alapini, comanda o Ilê Axipá, situado no bairro de Piatã, em Salvador, e é filho biológico de Mãe Senhora.

Nos mistérios de Egungun, Mestre Didi foi iniciado na Ilha de Itaparica aos sete anos de idade. No Ilê

Axé Opô Afonjá, ele possui o posto de Assogbá, o sacerdote supremo da Casa de Omulu.

O personagem Undset é inspirado em Pierre Verger, por quem VM tinha apreço e admiração.

Verger era o titular do cargo de Ojuobá, Maia era o segundo, o Otum Ojuobá, conforme já dissemos. Na

crônica Pierre Verger15

feita por Maia, por ocasião da entrega do título de Cidadão da Cidade do Salvador,

pela Câmara de Vereadores, o escritor fala sobre o fotógrafo e etnólogo que saiu do seio de uma família de

posses, que editava livros de arte como profissão tradicional para vir à Bahia divulgar a cultura negra. Esta

atitude, para o autor, foi profunda e o fez criar um personagem homenageando-o, o personagem é o sueco

Undest de O leque de Oxum.

Como Verger, o Undset era um estrangeiro europeu, que partiu para viagens pelo mundo. Numa

dessas, desembarcou na Bahia. Como Verger, Undset vivia com muito pouco. Verger se mantinha através

das vendas de suas fotos negociadas com jornais locais, Undset se mantinha da venda de cocos plantados no

seu coqueiral, tomava o saveiro que tinha e ia vender nas feiras de salvador. Ambos tornaram-se figuras

respeitáveis entre o povo-de-santo. A família de Verger trabalhava com edição de livros de arte, a mesma

coisa fazia a família do personagem Undset, conforme trecho da novela:

Era uma empresa gráfica, especializava-se em livros de arte. Ele, o

irmão e o pai, dirigindo os operários, controlando máquinas, debruçados

ansiosamente na impressora, aguardando as estampas, comparando-as,

examinando-as, consumindo-se. (MAIA, 2006, p. 63)

15

Informações obtidas através da entrevista feita à Edna Maria Viana Soares em março de 2012, na qual ela

cita trechos da crônica Pierre Verger, feita por Maia e publicada no Jornal A tarde em 21.08.1980. A crônica

consta nos anexos desse trabalho.

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Pierre Verger foi iniciado no culto a Ifá, deus da adivinhação, na África, se tornando babalaô, seu

nome passou a ser Pierre Fatumbi Verger, ele também era um ojé.

Undset, se tornou ojé no culto de babá-egun. No livro Obaràyí Babalorixá Balbino Daniel de Paula (2009)

feito em homenagem aos 50 anos de iniciação do babalorixá, encontramos a informação de que o espírito de

Pierre Verger é cultuado no terreiro Ilê

Axé Opô Aganjú de Obaraýn em Lauro de Freitas. “[...] em Janeiro de 2005, teve uma grande festa,

chamando o egum de Verger, Babá Funladê para vir dançar para o povo pela primeira vez” (MARIANO,

2009, p. 228).

Outra personagem que vai aparecer na novela e que também parece ser inspirada em Mãe Senhora é

a Ialorixá Matilde, que semelhante à Senhora do Afonjá, é filha de Oxum, comanda um terreiro em Salvador,

no qual, o patrono também é Xangô. Na novela, o terreiro é situado em Brotas, bairro de Salvador.

No candomblé, as mensagens dos orixás enviadas durante as consultas ao oráculo, Ifá, o deus da

adivinhação, devem ser seguidas a risca, não se pode duvidar ou interpretar à sua maneira, pois, poderá sofrer

as consequências da desobediência. No caso da personagem Matilde, a indisciplina custou a própria vida.

A narrativa recai um pouco sobre a morte e como os nagôs lidam com ela, afinal cultuar os

ancestrais, é cultuar os mortos. Foi depois da morte de Matilde que o estrangeiro Undset percebeu que o

caminho dos Eguns estava por entre o seu caminho. Assim, foi iniciado nos ritos e se tornou um dos ojés do

culto.

O tema da morte é uma constante na obra do autor conforme atesta Ívia Alves (1988) no artigo

“Vasconcelos Maia: desdobramento de um tema”. O tema da morte ou da doença, o conflito vida/morte irá

aparecer em muitos contos como em “Isaura” e

“Fora da Vida” (1946); “Morte”16

(1964); “O Cavalo e a Rosa” (1955); “O leque de Oxum” (novela), “Preto

e branca,” “Antes do segundo marcado” (1961); “Cação de areia,” “Um saveiro tem mais valia” e

“Tempestade” (2000)17

.

A constância do tema da morte nas narrativas de VM pode ser lida como projeção do autor nas

narrativas, pois, no final da adolescência Maia teve pleurite, que na época tratava como tuberculose. Nesse

período, ficou enclausurado no sótão e lia muito. No conto “Fora da vida” (1946) o personagem é um

cadeirante, enfermo que passa seus dias lendo. O enredo do conto corrobora com a hipótese da projeção da

vida do autor na narrativa.

Em O Leque de Oxum este tema está presente, porém, não aparece de forma simples, ele está

relacionado a mitos da cultura negra. A morte é explicada dentro de uma simbologia, cosmogonia própria da

cultura negra. Não haverá medo “em matar a personagem”, pois, ela sairá de uma vida terrena para habitar o

orum, o mesmo que céu para os cristãos. Xangô, o grande orixá justiceiro, vem buscar a sua Oxum para

morar com ele no orun: Matilde era de Oxum. Desta forma, corrobora a afirmação de Ívia Alves:

Apoiando no realismo mágico e místico, “O leque de Oxum” trata das

forças do Destino que são superiores ao conhecimento do homem. Os

deuses do candomblé lutam e tramam pela posse da mãe-de-santo

apaixonada por um mortal/humano, fato proibido por seus deuses

ciumentos de seu todo. Desta luta pela vida, os deuses são mais fortes e a

levam. A morte não será mais vista, aqui, como uma brusca interrupção,

mais um atravessar “para outra dimensão”. (ALVES,

1988, p.13)

A concepção de morte para o mundo nagô é de uma passagem para o orun, não significa fim. Dentro

do terreiro lesse-orixá, ou seja, aos pés do orixá, os espíritos dos fundadores e das grandes mães-de-santo são

cultuados no Ilê-ibo-akú. Já no terreiro lesse-egum, aos pés do egun, no Ilê-ìgbàlè cultuam-se os espíritos dos

eguns, iniciados nos mistérios de egun, os nossos ancestrais. “[...] para o nagô a morte não significa

absolutamente a extinção total, ou aniquilamento, conceitos que verdadeiramente o aterram. Morrer é uma

mudança de estado, de plano de existência e de status” (SANTOS, 2001, p.221).

A ideia de destino está presente nas religiões negras, ao orixá pertence o destino do filho, se o

destino não estiver se mostrando bom, o filho deverá buscar ajuda no axé, através do jogo de búzios e de

orientações da mãe ou pai-de-santo fazendo o que for necessário para melhorar o caminho. Segundo Marco

Aurélio Luz (2000, p. 90) à noção de destino se “[...] relaciona a noção de oferenda e sacrifício. Quanto

melhor um destino se apresenta, menores as oferendas. Se existem obstáculos para sua expansão e

desenvolvimento, maiores serão as oferendas, as restituições”.

Matilde, na qualidade de mãe-de-santo, quando conheceu Undset sabia que seu destino estava ligado

ao dele, sabia também que se o seguisse sua vida seria breve, mesmo assim, acabou o seguindo.

16

Publicado a primeira vez em 1951.

17 Os três últimos contos foram publicados a primeira vez em 1986.

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Esperava-o. Seu destino estava, de nascença, ligado ao dele, Ifã jamais a

enganara. Sabia também que a vida lhe seria curta se o seguisse. Que

Xangô expulsá-la-ia da vida se fosse com ele. Mas sabia também – e isso

quem lhe dizia era seu próprio coração - que força nenhuma, humana ou

sobrenatural, a impediria de segui-lo. (MAIA, 2006, p. 85)

Foi então preciso fazer muitas oferendas aos deuses, principalmente a Xangô, para que ele

consentisse a união entre Undset e Matilde, mas, nada adiantou, o orixá patrono do terreiro queria renúncia

total da mãe-de-santo, caso contrário, seria necessário trazê-la para o seu lado no orum:

Undset ofereceu-se para casar com Matilde sem tirá-la do seu Axé. Ela

viveria metade do ano em Barro Vermelho e, em Brotas, todo o tempo do

seu ciclo de obrigações e festas. Mas, de nada adiantaram penitencias,

preces, sacrifícios, despachos e Boris. Xangô não recebera, Exu ignorava

as imolações, de galos, bodes e carneiros, tapara os ouvidos de todos os

rogos. Queria sua Oxum inteira, sem reparti-la com estrangeiros. Queria

sua Oxum só para si. Queria renúncia absoluta. (MAIA, 2006, p.87)

Segundo Juana Elbein dos Santos (2001) a morte prematura de alguém que não completou o seu

destino é algo anormal, pode ser um castigo por infração na relação da pessoa com as entidades

sobrenaturais. Pode ser uma “infração direta” como uma falta com seu orixá ou com o orixá patrono da

“linhagem” ou terreiro e pode ser uma

“infração indireta” com relação aos seus deveres no “egbé18

” e, por isso, os orixás ou os ancestrais resolvem

disciplinar desta forma, interrompendo a vida.

Quando se completa o ciclo natural da vida, cumprindo seu destino e estando maduro para a morte,

a pessoa de santo, passa desta dimensão para outra. Cumpre-se todo o ritual necessário e possuindo ela

posição de grande importância dentro do terreiro, se tornará ancestral cultuado no Ibó do terreiro. Sendo

homem e tendo iniciação nos mistérios do culto aos ancestrais se tornará babá-egun. O culto às grandes mães

ancestrais foi destruído no Brasil pela perseguição policial, contudo, ainda são feitas oferendas a elas.

No caso da mãe-de-santo da novela, seu destino foi interrompido pelos orixás porque ela cometeu

uma grave infração. Entregou o mando do terreiro a sua dagã e foi morar com Undset na ilha de Itaparica, um

relacionamento que não foi permitido pelos orixás. Mesmo fazendo muitas oferendas a Xangô e a Exu como

uma forma de burlar a morte, seus pedidos não foram atendidos, as entidades não aceitaram as oferendas.

Segundo Juana Elbein Santos:

[...] Èsù consegue, através do pacto, fazer aceitar oferendassubstitutos

que, segundo o contexto ritual, veicularão uma combinação particular de

àse. Deve-se ter presente que qualquer que seja esta combinação

particular, sempre uma parte dela está substituindo a vida de seres

humanos. (SANTOS, 2001, p. 223)

Muniz Sodré (1988) diz que a cultura negra e a moderna cultura ocidental se diferem em primeiro

lugar “no princípio fundamental das trocas”, as trocas para a cultura ocidental se traduz em acúmulo material,

do ponto de vista econômico-social; na cultura negra as trocas são sempre simbólicas e reversíveis. Por isso a

obrigação e a reciprocidade são as regras básicas da cultura negra. O filho-de-santo tem a obrigação de dar, a

reciprocidade fica por conta da entidade que receberá (ou não) e restituirá na forma de axé, ou não aceitando,

poderá fazer a restituição na forma de um castigo.

Foi justamente a restituição na forma de axé que não aconteceu no caso da mãede-santo Matilde.

Muitas oferendas foram feitas e nada substituiu a morte da ialorixá.

3.1 — Os Babá-eguns como personagens

18

Família, grupo ou comunidade.

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O Tema da morte, como dissemos, está presente na narrativa analisada, pois há a morte de Matilde que foi

levada pelos orixás Xangô e Oxum. Dentro da mesma perspectiva da lógica cultural negra, os babá-egun,

espíritos dos mortos cultuados pelo povo-de-santo de tradição iorubá na Bahia, irão aparecer na novela como

personagens. A palavra Babá significa pai, o babá-egun é um pai ancestral.

A obra em questão foi publicada pela primeira vez em 1961 e segundo o próprio Maia, em crônica

publicada no Jornal da Bahia de 22 de março de 1961, sobre o lançamento que seria no Rio de Janeiro, a

obra estava pronta há quatro anos, ou seja, em 1958 a novela já estava pronta. Nesse período, o terreiro de

Ponta de areia dos irmãos Daniel de Paula já havia sido transferido para o Barro Vermelho, é desse terreiro

que fala a narrativa. Lembrando que, depois de algum tempo este terreiro foi transferido para o povoado de

Bela Vista, em Ponta de Areia, cujo patrono passou a ser Babá Agboulá. O terreiro é hoje conhecido como

Ilê Agboulá.

Os babás são espíritos de mortos que voltam a terra para se encontrar com a família e com a

comunidade-terreiro. Vem aconselhá-los, direcioná-los nas escolhas e nos caminhos a seguir aqui na terra.

Eles não podem ser vistos, pois, são espíritos e se cobrem com roupas coloridas cheias de espelhos nas cores

do orixá que em vida eram filhos, o que é visto nas festas públicas é essa roupa andante. Falam em iorubá,

com voz rouca e, às vezes, num tom muito baixo. Na roupa do babá, chama muito a atenção o abalá, tiras de

pano multicores. Os ojés traduzem à comunidade o que os babás falam, mas, a maioria dos filhos-de-santo

entende o que eles dizem19

.

A personagem Senhora estava indo pra festa dos eguns, especialmente porque havia pedido uma

graça ao Babá Olukotum, que foi alcançada, além disso, estava oferecendo ao babá uma roupa e lhe pedia a

presença:

Pedi uma graça a Babá Olukotum, ele me fez o favor de atender. Ofereci-

lhe uma roupa e vou lhe pedir a presença. É um babá muito autoritário,

orgulhoso e importante. Há trinta anos que não desce. (MAIA, 2006, p.

40)

Babá Olukotum é o mais antigo dos ancestrais. Na introdução à novela, VM caracteriza-o como o

maioral dos babás, o olori, o rei dos eguns, “muito amado, respeitado e sobretudo temido Olukotum” (MAIA,

2006, p. 29). Ainda na introdução à novela, VM cita outros babás além do olori Olukotum: “[...] um se

chama Alapalá, outros Arasoju, Baká-Baká, Aboulá etc” (MAIA, 2006, p. 28). Cada egum possui

vestimentas, emblemas, cantigas e saudação diferentes, esses eguns são chamados de egun-agba. Na novela

os babás são personagens, assim o narrador descreve a entrada do primeiro babá na festa, na Ilha de Itaparica:

Uma figura estranhíssima – vinha chegando, mansamente,

confiadamente. Passou pela porta sem se abaixar. E dentro da sala eu vi

assombrado que sua altura ia até as vigas que sustentavam o telhado.

De humano só viam os pés, calçados com sapatos exóticos. E exótica

roupagem cobria-o, mistura caótica de veludos, sedas, cetins, bordados,

espelhos, vidrilhos, contas, numa profusão indescritível de cores, de

formas e reflexos. No silêncio de cemitério, circulou no espaço vazio

deixado pelos ojés. Não parecia andar. Flutuava. Os atabaques voltaram a

bramir: e o babá pôs-se a dançar com impressionante vigor e soberba

masculinidade. Dançou muito. Sua energia parecia inesgotável.

Finalmente parou. Os atabaques, obedientes, pararam. Mansamente como

entrara o babá flutuou até o dossel, sentou-se num trono e dali pôs-se a

articular sons, para mim ininteligíveis, que o eiedun ou a ialorixá iam

decifrando para todos ou se era o caso, para cada pessoa em particular.

(MAIA, 2006, p. 51)

Embora o narrador caracterize bem a entrada do primeiro babá na festa, ele não diz o nome da

entidade, diz apenas, que vieram mais sete babás e fala especialmente do

Babá Olukotum: “Até o Babá Olukotum dignou-se a comparecer. Era o rei de todos e a todos suplantava em

luxo e extravagância de roupas, na viril sobriedade de danças e extrema doçura ao falar” (MAIA, 2006, p.

52).

19

Observações feitas pela autora no terreiro de egum Ilê Axipá, situado em Piatã, Salvador-Ba.

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Há outros eguns que por serem mais novos não possuem voz, nem rosto e não vestem roupa

completa. Eles se cobrem apenas, com um pano na forma retangular ou quadrada. Esses eguns são os

aparakás. Juana Ebein dos Santos (2001) fala dos dois grandes grupos que distingue os eguns:

Enquanto os Égún-àgbà representam os ancestrais de famílias

importantes, os Apáàràká são espíritos novos que, por várias razões, não

puderam chegar ao estado àgbà e cujos ritos de formação não foram

acabados. (SANTOS, 2001, p.127)

Na novela, há uma passagem em que Undset e Lícia, uma das muitas mulheres que Undset se

relacionou antes de conhecer Matilde, foram ao terreiro de culto aos ancestrais sem serem convidados, viram

eguns que pela descrição da narrativa eram aparakas. Conforme trecho a seguir:

Lícia tremia estava vencida. Undset quis voltar. Ao virar o corpo,

estremeceu também. Outra forma fantástica cortava-lhes a volta. Era

comprida e chata, lâmina de vidro fosco, tão alta quanto um coqueiro. Aí,

Undset teve a convicção do medo que não o envergonhava, que se

assemelhava ao pasmo diante do desconhecido, do imponderável. Lícia

se enroscava em seu corpo querendo nele esconder-se. Undset procurou

guardar o pouco de serenidade que lhes restava. A todo pulmão gritou o

nome de um dos seus empregados, que sabia ojé da seita. (MAIA, 2006,

p.77)

Segundo Agnes Mariano (2000) o surgimento do culto aos ancestrais na Bahia não tem data exata,

falam de um terreiro na Liberdade em Salvador entre 1800 e 1850, mas, os terreiros de Egungun mais

expressivos surgiram na ilha de Itaparica. Por volta de 1820 um ex-escravo chamado Serafim Teixeira

Barbosa, nascido na África, fundou o terreiro de Vera Cruz no povoado de Vera Cruz, de culto a orixá tendo

Xangô como patrono e de culto à egum, com o egum Bakabaká como patrono.

Mais ou menos em 1830, outro ex-escravo Marcos Teodoro Pimentel, “o velho” teria voltado à

Africa trazendo de lá o assentamento de Babá Olukotun, o mais antigo de todos os ancestrais e o primeiro a

ser reverenciado no culto iorubá, Marcos Pimentel fundou assim o terreiro de Mocambo, no povoado de

Mocambo.

Por volta de 1940, no povoado de Encarnação, João Dois Metros, filho de Serafim Teixeira Barbosa, funda o

terreiro da Encarnação trazendo de Vera Cruz o culto de Babá Agboulá. Mais ou menos em 1950, Marcos

Teodoro Pimentel, chamado “tio

Marcos” funda o terreiro Tuntun Olukotun, no povoado do Tuntun, hoje chamado Barro Branco - Ponta de

Areia. Marcos era o Alapini e Manoel Antônio Daniel de Paula era o Ojé Baxorum, este ajudou a iniciar seus

filhos Manoel Jacinto, Olegário, Pedro e Eduardo. Estes três últimos filhos de Manoel Antônio irão continuar

o culto no Terreiro dos irmãos Daniel de Paula entre 1900 e 1920 em Ponta de Areia, próximo à praia nos

fundos da Capelinha de Nossa Senhora das Candeias. O patrono do terreiro é o Babá Baka-baká, nessa época

os terreiros de Vera Cruz, Encarnação e Tuntun já estavam fechados e eles transferiam os assentamentos para

Ponta de Areia. Pedro recebeu de Babá Agboulá o cargo de Alapini. Mais ou menos em 1940, os irmãos

Daniel de Paula transferem o terreiro para Barro Vermelho em Ponta de Areia devido ao crescimento do

povoado e de construções em volta do terreiro.

Olegário Daniel de Paula cria o terreiro Ilê Oiá por volta de 1950 para homenagear sua Iansã Igbalé e em

mais ou menos 1958 sai do terreiro do Barro Vermelho e no Ilê Oiá, antigo terreiro Tuntun, reergue o culto a

Babá Olukotun.

Em mais ou menos 1964, Eduardo Daniel de Paula e seu filho Antônio transferem o culto de Babá

Agboulá para Bela Vista - Ponta de Areia, o terreno foi comprado e doado por Mãe Senhora do Ilê Axé Opô

Afonjá em gratidão ao Babá Agboulá que se tornou o patrono do terreiro. Deóscoredes Maximiliano dos

Santos, filho de Senhora, ganhou de Babá Agboulá o título de Alapini.

Alguns filhos-de-santo do Afonjá dizem que mãe Senhora havia se aproximado do culto aos eguns

na ilha por conta de um problema sério de saúde com seu filho Didi, outros dizem que o problema era com

ela mesma.

Em 1981 o filho de Olegário, Eduardo Daniel de Castro abriu uma nova casa no Barro Branco -

Ponta de Areia em homenagem ao egum de seu pai Olegário, o Babá Obaladê.

Atualmente existem na ilha de Itaparica o Ilê Agboulá, em Bela Vista - Ponta de

Areia e o Ilê Oyá, no Barro Branco. Em Salvador, há o Ilê Axipá, cujo patrono é o Babá Alapalá, o culto foi

trazido da ilha por Mestre Didi, Alapini. Outros terreiros cultuam os ancestrais em nosso estado.

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3.2 — Um discurso não-racista

Segundo Marilena Chauí (1993) foi o discurso anti-racista quem deu as armas para o neo-racismo

aparecer. Ela alerta para a necessidade de se elaborar um discurso não-racista. Os dois grandes tipos de

discurso racista são: o “discurso universalista ou discriminatório” e o discurso “comunitarista ou

diferencialista”. O primeiro se apóia na idéia de superioridade de uns sobre outros, esse uns sendo o modelo

universal de humanidade, os outros sendo os não-humanos, portanto, se apóia na naturalização das

desigualdades e na hierarquia das raças, baseado no etnocentrismo, esse discurso

“presidiu a formação dos impérios coloniais, a escravatura, o nazismo e o facismo”.

Já o segundo discurso racista é o “contemporâneo” que se apropriou de pontos do discurso anti-

racista para elaborar o neo-racismo, este discurso se apoia na idéia de que raça não é natureza, mas, cultura

ou etnia e todos têm direito à diferença. Daí defende a não contaminação com as outras culturas, que as

comunidades devem se isolar, pois, cada grupo deve manter a sua originalidade, identidade, especificidade,

porque cada uma tem costumes próprios, história própria, língua e religião próprias, preservando assim a

autenticidade do grupo. O discurso racista contemporâneo diz “[...] somos desiguais e ninguém há de negar

que alguns são superiores a outros, mas, ninguém precisa ser exterminado, desde que não venha contaminar a

minha diferença” (CHAUÍ, 1993, p.07).

A passagem a seguir mostra o estranhamento do narrador-personagem ao ver um branco como Ojé

no meio do culto “legítimo” de negros. A incorporação desse homem branco de língua e cultura totalmente

diferentes à da comunidade na narrativa, demonstra que a novela de VM foi construída e guiada pelas vias do

discurso não racista e não essencialista, entendendo o discurso racista conforme o pensamento de Marilena

Chauí em Cultura e Racismo20

, descrito anteriormente:

— Que é estranho? Ele não tem nada de estranho. É um homem como

outro qualquer, como qualquer destes negros ou mulatos. — Não é isso

que quero dizer... balbuciei temendo tê-la ofendido. — Sei o que você

quer dizer... achou estranho um homem louro, um branco legítimo, um

europeu, fazer parte de nossa religião de africano, de negro.

Fiquei ainda mais constrangido pela observação. Era exata. Procurei

desculpar minha besteira. Senhora, porém, não se ofendera: — Não se

preocupe, meu filho. Eu também em seu lugar acharia muito estranho. E

coisas realmente estranhas contribuíram para

Undset ser um dos nossos. (MAIA, 2006, p. 54)

Fugindo do discurso racista contemporâneo a novela O leque de Oxum conta a história de um sueco

que encontrou seu caminho numa comunidade negra. Porém, antes deste desfecho a narrativa mostra também

que o contato entre pessoas diferentes causa estranhamento e até recusa. E isso pode ser visto em algumas

falas do personagem Undset, que a princípio preferia não ter contato com o povo da ilha. Conforme a

passagem em destaque:

Apesar de toda a identificação com a terra, não admitia intimidades com

o povo daqui. Entenda-me: não era preconceito racial ou social. Era uma

maneira de defender meu isolamento. Dava-me bem com todos. Mas

superficialmente. Nas coisas neutras, impessoais, eu os servia como eles

poderiam me servir. Vivíamos, aliás, como até hoje, no maior respeito

mútuo. Mas houve um choque. Provocado por sua religião. (MAIA,

2006, p. 69-70)

Além da causa do distanciamento, a princípio, ter sido, por conta da religião e do barulho que ela

causava ao sueco, ele também não queria relacionamentos com as mulheres da localidade temendo,

exigências de casamento.

Duas mulheres negras aparecem na narrativa como cozinheira e copeira da casa de Undset, mulheres

que também eram da comunidade do culto de babá. Se por um lado podemos ler o fato de essas personagens

serem negras e aparecerem na narrativa fazendo serviços domésticos como a manutenção do estereótipo da

negra boa cozinheira ou serviçal, temos também que observar que na comunidade do Barro Vermelho na ilha

20

Trata-se de uma aula inaugural proferida na USP – Universidade de São Paulo em 10 de março de 1993.

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de Itaparica, os habitantes em sua maioria são descendentes da família Daniel de Paula. Então, arranjar

alguém para cozinhar por lá, teria mesmo que ser entre os nativos, portanto, negros. Além disso, pensemos

que Undset se adequou aos valores culturais negros, não o contrário, a cultura negra domina a narrativa de

forma que a personagem que se distanciou do mundo negro teve a morte como pagamento.

Ser um ojé, como o personagem Undset, ser escolhido para tal posto é ser um

“bem nascido” é ter ancestralidade compatível com o tamanho da distinção recebida conforme nos diz Marco

Aurélio Luz (2000, p.81): “De fato, para participar do sacerdócio de Egun a pessoa deverá ser um Omo-bibi,

isto é, bem nascido”. Complementa este pensamento a afirmação de Leite que diz: “As escolhas são feitas

anteriormente ao colo do útero, existe uma relação direta com a ancestralidade, nem sempre visível aos olhos

da matéria, o que explicaria a existência de brancos estrangeiros no candomblé” (2007, p.98).

Neste sentido, a narrativa de VM tentou elaborar um discurso não-racista, pois, como Pierre Verger,

tanto o narrador-personagem como o personagem Undset foram incorporados à grupos negros. Muitos outros

homens e mulheres foram incorporados a grupos negros como Jorge Amado, Edson Carneiro, Caribé, Marco

Aurélio Luz e Juana Elbein dos Santos21

que ocupa o posto de Elefundê22

, cargo de altíssima importância

para a comunidade negra baiana do Ilê Axipá.

Caso VM elaborasse um enredo em que o sueco tivesse sido barrado ao acesso da cultura negra seria

elaborar uma narrativa fechada em seu racismo contemporâneo. Afinal, uma comunidade que reivindica uma

história em comum deve saber das transformações sofridas ao longo do tempo, inclusive da incorporação de

novos membros. Desse ponto de vista, as identidades são uma construção múltipla em constante

transformação, essa é uma visão de identidade não-essencialista que corrobora com a afirmação de Hall:

A identidade torna-se ‘uma celebração móvel’: formada e transformada

continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou

interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É

definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume

identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são

unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades

contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que

nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. (HALL,

2003b, p.13)

A construção do personagem Undset visou não apenas a identidade de primeira ordem, aquela que

se baseia apenas, na aparência, que se dá na superfície, fundando-se, apenas, pela cor da pele. Mas, se guiou

pela identidade de segunda ordem que tem uma dimensão exterior e interior. Nesta concepção, a identidade é

uma construção simbólica do que reconhecemos que somos e da visão que outros têm de nós.

3.3 — A novela O leque de Oxum como uma literatura afro-brasileira

Diante de tantas questões que a novela apresenta sobre a cultura iorubá na Bahia, especialmente o

candomblé de culto aos ancestrais, da celebração dos valores inerentes a essa cultura, da construção de

personagens negros inspirados em ícones da religiosidade negra, vamos, aqui, pensar na narrativa como uma

literatura negra e/ou afro-brasileira.

Já vimos, na parte teórica introdutória, que há uma polêmica em torno da nomeação destas literaturas. Há

posicionamentos que levam a literatura negra e/ou afrobrasileira a se restringir, outros propõem novas e

reformuladas formas de caracterizá-la, apontando para uma abertura e expansão de autores e obras numa

tentativa de fortalecimento do movimento.

Neste sentido, dialogaremos com dois teóricos que mostram um posicionamento mais aberto e por que não

dizer, não-essencialista, pois, ao nomearem e caracterizarem a literatura negra e/ou afro-brasileira entendem

que ela deve ser analisada pelo conteúdo que veicula e não pela cor da pele de seus autores.

Tais teóricos entendem, ainda, que não se pode julgar um autor pela identidade de primeira ordem,

somente pelo que lhe é exterior e verificável, afinal o que se está analisando é a literatura escrita por eles, não

se trata de um estudo biográfico, como bem assinalou o pesquisador Luciano R. Lima no artigo Literatura

negra contemporânea: o redescobrimento do Brasil.

21

Além de possuir o cargo, Juana Elbein é esposa de Mestre Didi há quase 50 anos, ela o ajudou a construir

o Ilê Axipá.

22 Posto junto ao Olori Babá, Babá Olukotum.

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Elegemos as características propostas por Eduardo de Assis Duarte e Zilá Bernd para analisarmos a obra O

leque de Oxum. Acreditamos que a novela possui características da literatura afro-brasileira e/ou negra,

embora Bernd tenha analisado poesias.

3.3.1 — O negro como tema na vertente das tradições culturais religiosas

Contrariando o que dizem teóricos da Literatura negra, vista por eles, apenas, como literatura de

combate ao racismo, abordando questões do dia-a-dia do negro na sociedade atual em detrimento de questões

culturais religiosas, a narrativa de VM se ancora nas tradições, nos cultos, na mitologia afro-brasileira como

forma de afirmação identitária.

Muitas comunidades negras, a exemplo da comunidade recriada por Maia, que conservam suas

tradições resistindo em pleno século XXI, são quase sempre alvo de preconceito, racismo e de intolerância

religiosa. Sabemos que essas comunidades ao resistirem ao tempo e às transformações globais foram

modificadas em alguns aspectos, pois, é impossível não sofrer variações ao longo do tempo.

Já para outros pensadores, o viés das tradições culturais é uma importante fatia deste tipo de

literatura. Não reconhecer isto, seria subjugar as comunidades religiosas que existem e resistem, ou ver as

variadas faces da cultura negra como menos importantes, sem perceber que se elas existem é porque lutaram

durante longos períodos contra o racismo. Estas comunidades são a base da cultura afro-brasileira, guardiãs

da cultura e da afirmação identitária negra. Vejamos a capoeira, por exemplo, que foi proibida durante longos

períodos e tida como fora da lei, os praticantes da capoeira eram tidos como vadios, se pegos pela polícia

eram presos por vadiagem.

A partir dos cinco critérios propostos por Duarte (2001) temos em primeiro lugar a temática, o negro

como tema, seja na vertente do resgate da história do negro, a glorificação dos seus heróis ou denúncia da

escravidão. Dentro desta vertente estão ainda as tradições culturais ou religiosas, podendo ser encontrados

mitos, lendas num trabalho de recuperação da memória ancestral.

A novela analisada versa sobre tradições do povo negro na Bahia, especialmente sua religiosidade

de tradição nagô-keto. Na narrativa destacamos a presença de Orixás e principalmente a representação do

culto de Egungun. Não há superioridade entre os dois cultos da tradição nagô-keto, porém, a obra dá um

enfoque maior para o culto aos ancestrais. Na literatura brasileira não há registro de romances, contos,

novelas que versem sobre esta face da cultura negra.

Descrições de rituais e elementos, explicações sobre a religião, saudações, cânticos, histórias

mitológicas são constantes na narrativa, se configurando como trabalho de recuperação e afirmação de uma

ancestralidade negra.

O ritual do padê a Exu iniciando os trabalhos é narrado na obra, trata-se de um ritual comum nas

casas de candomblé e mesmo nos terreiros lesse egun. O padê é um ritual para o orixá Exu, antes da festa

começar, os pedidos são para ele trabalhar em prol da festa, para que tudo ocorra em paz, além de

encaminhar as oferendas aos outros orixás.

Trata-se de um ritual privado que só pode ser assistido pelos pertencentes ao terreiro ou convidados

especiais, é um ritual delicado por causa das entidades invocadas e “devido a sua finalidade que consiste em

propulsionar e em manter as relações harmoniosas com essas entidades e em obter ou restabelecer, por meio

de oferendas apropriadas, seu favor e proteção” (SANTOS, 1986, p. 185). A seguir trecho do ritual recriado

por VM.

O padê iniciava-se. Mulheres vestidas de branco puseram-se a dançar em

redor da vela acesa, movimento de pernas, braços, mãos, ancas e cabeça,

variando de acordo com o ritmo dos atabaques. (MAIA, 2006, p. 47)

O eiedun ergueu-se e entoou vigoroso canto. Foi como o estouro de uma

represa. Atabaques rugiam e duzentas vozes retiniram, respondendo em

coro. No atordoamento das vozes e dos toques reboantes, oito homens em

grupo, oito titãs pularam de uma só vez para dentro da sala, batendo no

chão varas longas e flexíveis:

-Bogbô mariwô delewô – bramia o ojé lese egum.

-Rei, rei, rei – respondiam os oito homens, tonitruantes.

-Etielerió, Etielerió, Etielerió, Erro... Erro... – cantavam as filhas mais

velhas da seita.

-Iyá, Iyá, Iyá, Ooô... respondiam as demais. (MAIA, 2006, p. 49)

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Esta última passagem destacada descreve o comportamento do Ojé maioral, o eiedun e dos outros

ojés que levam consigo longas varas flexíveis, que são chamadas de Ixan. O Ixan é usado pelos ojés para que

as energias dos eguns não se misturem com as nossas, ao bater com o ixan no chão, onde o egun pisou, ele

retira a energia do morto e os humanos poderão pisar. O final da passagem em destaque está em iorubá, trata-

se de saudações em que homens e mulheres da religião falam durante as cerimônias públicas.

Como já dissemos há na novela a possibilidade de leituras mitológicas dos orixás23

, aparecem as

figuras de Xangô e Oxum decidindo o destino da ialorixá que ao jogar os búzios:

Via uma Oxum muito feliz, rodeada de sua corte, servida por suas

escravas, morando num palácio sem igual. Suas irmãs visitavam-na, suas

filhas adoravam-na, suas servas idolatravam-na. E os orixás abençoavam

seu reino, ela inteiramente entregue ao sacerdócio. De repente um

furacão a preveni-la, Iansã tentando salvá-la, Xangô enfurecido, jogando

raios em seu axé, ela sem escutar os avisos. Um estrangeiro louro, tão

diferente dos seus oga

ns afastando furacão, apareando os raios no peito, levando-a pelos

caminhos do amor. (MAIA, 2006, p. 85)

Conta a narrativa mitológica que Xangô teve três esposas, Obá, que de tanto se dedicar aos serviços

domésticos perdeu sua formosura, depois Xangô se casou com Oiá, sua aliada na guerra, Oxum foi a sua

terceira esposa, a preferida, o amor dos dois foi perfeito. Oxum é a deusa das águas doces, dona da beleza, da

riqueza, dos temperos, da fertilidade e do amor. Faceira, Oxum fez Obá, a primeira esposa de Xangô, cortar

uma de suas orelhas e cozinhá-la no amalá, comida de Xangô, ao ver a orelha dentro da sua comida, Xangô

tomou ojeriza de Obá.

Outra história conta que Oxum tudo faz por Xangô, ficou pobre por amor a Xangô, desfez-se de

tudo o que tinha para ajudar o amante, que havia perdido as riquezas, desde então Xangô amou Oxum. Estas

histórias mostram a relação que há entre estes dois orixás e a partir destas histórias podemos compreender o

enredo de O leque de Oxum.

Matilde é filha de Oxum, ialorixá responsável por um Axé inteiro de filhas e filhos-de-santo, o

patrono da casa é o orixá Xangô, deus da justiça, guerreiro, poderoso, deus do trovão, leva consigo o

machado duplo. Xangô não permitiu que a filha de Oxum ficasse com Undset, o estrangeiro branco. A

ialorixá se rende ao amor de Undset, mas, acaba morrendo num espaço de sua mãe Oxum, numa fonte de

água doce, sobre uma pedra na fonte apareceu um leque dourado. O leque é a principal insígnia do orixá

Oxum e sua cor predileta é o dourado, cor de ouro. Na noite de sua morte, houve uma grande tempestade de

raios e de trovões, o que impediu que Undset chegasse a tempo de salvar a sua Matilde, que não teve o corpo

encontrado:

— Matilde! Gritei o mais alto que pude.

Meu grito foi esmagado por outro raio que fuzilou um coqueiro. O caule

gigantesco tombou ardendo em minha frente, barrando meu caminho,

como se tivesse caído para impedir meu caminho.

— Matilde! Matilde! — eu gritei sem cessar.

Os trovões retumbaram como eu jamais ouvira. A chuva era uma só

cascata. Meus pés chapinhavam na areia escorregadia, afundavam como

se mãos dentro da terra os puxassem. Mesmo assim consegui chegar à

fonte. Na pedra, elevava-se uma claridade estranha, fosforescente, a

lembrar a forma de uma mulher, uma mulher que chamava. Aquele

clarão me ofuscou e me fez parar. Pregado ao chão, percebi Matilde

entrar no poço, sua imagem confundir-se, fundir-se na outra. E então a

luz dourada se esvaiu, a fonte tornou-se escura como antes, os

relâmpagos apagaram-se, os trovões calaram-se, a chuva amainou e o

silêncio ficou no ar. Meu corpo, que parecia amarrado a correntes

pesadas, obedeceu então ao meu mando. Arrastei-me, entrei n’água,

23

Há um estudo sobre a representação dos orixás no romance Dona Flor e seus dois maridos de Jorge

Amado, no livro intitulado: Jorge Amado: Da ancestralidade à representação dos Orixás de Gildeci de

Oliveira Leite. Neste estudo, os orixás são os guias da narrativa. Os personagens agem de acordo com os

arquétipos dos orixás aos quais pertencem suas cabeças.

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mergulhei repetidas vezes no escuro sem que minhas mãos tocassem em

ser humano. Manhã cedo é que vi, frio e dourado sobre a pedra o leque

de Oxum. (MAIA, 2006, p. 95)

A passagem demonstra o quão simbólica é a narrativa de VM, os orixás Xangô e Oxum, marido e

mulher na mitologia afro-brasileira tramam e vêm levar a filha-deoxum desta vida. Mas, como já dito

anteriormente, o sentido de morte para os adeptos do candomblé não é o de fim e sim de continuidade.

Undset passou a entender que seu destino também estava ligado ao daquela comunidade para sempre,

escolhera até o lugar para ser sepultado quando viesse a sua morte: “Para mim, de certo modo, foi fácil a

escolha. Aqui mesmo quero morrer, e, embora nunca pense nisso com tristeza, já escolhi onde vou ser

sepultado” (MAIA, 2006, p. 57).

Carregada de mistérios, símbolos e mitos da cultura negra, a narrativa se encaixa numa das

características da chamada literatura afro-brasileira, aqui o negro é o tema principal acompanhado de suas

tradições culturais e religiosas.

3.3.2 — A condição autoral

O tópico é controverso e delicado, pois, se de um lado há a afirmação de que a cor da pele deve ser

fator preponderante, por outro lado, tem-se a busca da abertura do conceito de literatura negra, para ser

aquele que leve em consideração primeiramente a escrita, pois no Brasil o ser negro não está só na cor da

pele, mas, também, na consciência de miscigenado que somos, na classe e nas práticas sociais. Lembrando

que devemos evitar a redução sociológica, que leva a interpretar o texto somente a partir de fatores externos

como condição social e cor da pele.

A obra em questão deve ser lida e julgada a partir da visão de mundo que ela transmite, através das

construções de personagens e recriação da cultura negra. Apesar da biografia não ser o foco, a convivência

de Maia com grupos negros é importante no sentido de mostrar sua relação com a cultura negra, provando

que não há mera utilização da temática. O que importa na análise, acima de tudo, são as recriações literárias e

seus efeitos de recepção.

Mesmo se levarmos em consideração o que dizem alguns teóricos, a exemplo de Cuti, de que este

tipo de literatura deve ser feita por quem tenha tido experiências vividas sobre a temática, VM vai se

encaixar nesse perfil, pois, como já dissemos anteriormente, ele conviveu com grupos negros dos quais se

tornou membro.

Então, mais importante, a nosso ver, do que verificar se o autor de uma obra possui a pele negra,

seria verificar se a obra reproduz estereótipos, racismo disfarçado ou se afirma valores culturais tidos como

inferiores os quais são constantemente alvos de preconceito em nossa sociedade. A pergunta que deve ser

feita é de que tipo de obra se trata, transgressora ou repetidora do modelo hegemônico?

Uma obra que recria o culto aos mortos, uma fatia importantíssima da cultura nagô-keto na Bahia

não está imitando ou repetindo modelos hegemônicos, está sim, transgredindo a ordem.

3.3.3 — O ponto de vista negro

O ponto de vista seria a visão de mundo, valores morais e ideológicos que uma obra transmite, e

principalmente em se tratando de Literatura negra ou afro-brasileira, visão essa distinta de uma visão de

mundo do branco.

Acreditamos que O leque de Oxum vem mostrar outro modo de vida diferenciado do modo de vida da

maioria da pessoas. A obra mostra um viver em comunidade mesmo que esta reunião de pessoas aconteça

apenas durante o calendário das festa, mas, elas se juntam para reviver as tradições, alimentando sua

ancestralidade e seus valores morais e ideológicos que lhes foram transmitidos por seus pais, avós e parentes.

No culto aos eguns, os parentes que cultuam um ancestral têm a oportunidade de conversar com ele e ouvir

seus conselhos. Trata-se de valores da cultura negra, com os quais, o mais velho tem sempre o que ensinar

aos mais novos e essas hierarquias devem ser respeitados.

Segundo Marco Aurélio Luz (2000), quanto mais velho o indivíduo, mais tempo e ocasiões ele teve para

acumular axé e sabedoria através dos processos iniciáticos. Para Luz, “O saber adquirido pelo mais velho

está evidenciado pelo fato de estar cumprindo o seu destino sem graves percalços, estando bem com saúde,

felicidade, e respeitado por sua numerosa família e afins” (LUZ, 2000, p. 93). Assim após a morte este

indivíduo continuará a ser respeitado pela comunidade, será cultuado pela família e até pela comunidade.

Desta forma, a narrativa constrói um ponto de vista negro sobre a vida e sobre a morte.

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3.3.4 — A linguagem específica

A linguagem da literatura afro-brasileira ou negra é uma linguagem específica, marcada por opções

vocabulares diferenciadas, calcadas sobre uma semântica cultural negra. Já dissemos que podemos ler na

obra alguns mitos afro-brasileiros, descrições de rituais e cânticos e aí se faz presente um vocabulário próprio

de palavras em iorubá. Portanto, no nível da linguagem a literatura de Maia está bem respaldada porque não

se trata apenas de permear o texto com palavras de origem africana, mas, de cânticos, saudações, objetos e

instrumentos musicais que fazem parte de rituais feitos nas cerimônias públicas de candomblé ou no dia-a-

dia da comunidade, isto é, as palavras estão contextualizadas.

A descrição da entrada de um babá no barracão mostra um pouco dessa linguagem específica, diferenciando

a novela de outras narrativas comuns. O narrador apesar de ser iniciado no culto de orixás, ainda não tinha

presenciado uma festa de eguns por conta da natureza fechada do culto. Para assistir a uma destas festas é

necessário ser convidado, o narrador recebeu o convite de um dos membros femininos mais ilustres da festa,

Mãe Senhora. O trecho evidencia a linguagem especifica:

Os atabaques, obedientes, pararam. Mansamente como entrara o babá

flutuou até o dossel, sentou-se num trono e dali pôs-se a articular sons,

para mim ininteligíveis, que o eiedun ou a ialorixá iam decifrando para

todos ou, se era o caso, para cada pessoa em particular. (MAIA,

2006, p. 51)

Undset foi ao terreiro, no qual, Matilde era a ialorixá, o narrador descreve sua chegada: “Passou por

Loko, rodeado de velas acesas, tigelas com comidas de azeite, quartinhas contendo água. Um carneiro tinha

sido imolado. Sua cabeça jazia entre duas raízes salientes, seu sangue misturando-se, ensopando a terra”

(MAIA, 2006 p. 83). Toda a novela é construída com essa linguagem específica, a narrativa é povoada de

orixás e babás, descrições de cerimônias e de ebós, mitos, comidas e bebidas dentre outras construções.

3.3.5 — O público

O público específico para o tipo de literatura que estamos falando é uma “faceta utópica” deste

projeto como afirma Duarte (2001), pois, não se tem controle sobre o público leitor, embora os autores de

uma literatura como esta tenham em mente o tipo de público que querem atingir.

VM por exemplo, dentro do movimento literário Caderno da Bahia, tinha a pretensão de atingir as

camadas menos privilegiadas de Salvador, e da Bahia como um todo, pois, não recriou apenas Salvador e

recôncavo, também falou do homem de outras partes do interior da Bahia. Para isso, ele e seu grupo tentaram

publicar obras que dissessem sobre a vida do povo negro que era o mesmo povo pobre à margem da

sociedade e principalmente à margem da vida acadêmica. A tentativa de incluir a cultura marginal na

estabelecida, visibilizando a cultura negra eram as metas principais do grupo.

A narrativa de VM tem as características de uma literatura afro-brasileira, conforme proposições

feitas por Duarte, portanto, poderá ser utilizada pelos professores na busca do cumprimento da lei

10.639/2003 que pede o ensino de história e cultura afro-brasileira. A partir da novela, os alunos terão acesso

à uma parte da história dos afro-brasileiros e também da cultura. Outros temas podem ainda ser suscitados

como o racismo, a intolerância religiosa, a discussão da noção de identidade cultural entre outros aspectos.

As características da literatura afro-brasileira apontadas pelos teóricos aqui elencados se encontram

na obra de Maia e estão em interação entre si. Não se identifica nesta obra uma das características isoladas,

mas pudemos verificar a existência de todas.

3.3.6 — Um eu enunciador

Zilá Bernd nos traz quatro linhas de força que sustentam a literatura negra, as quais foram descritas,

também, no primeiro capítulo, podemos encontrar algumas delas na novela de Maia.

A afloração de um eu-enunciador que se quer negro, pode ser encontrado com facilidade na poesia, mas na

prosa não se tem a mesma clareza. Se houver um narrador em primeira pessoa, contando a sua história será

mais fácil identificar esse euenunciador. Se não for o caso, o caminho talvez seja o da busca do ponto de

vista da narrativa, a visão de mundo que ela transmite e os valores mostrados no texto.

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No caso desta obra, o narrador-personagem de volta à Bahia vai relembrar o seu passado de rapazote

e suas andanças pelos terreiros de candomblé em Salvador, sua iniciação no culto através de Mãe Senhora, a

qual ele encontra no mesmo local de sempre, vendendo adereços em sua barraca no Mercado Modelo. Na

segunda parte da narrativa, no terreiro de egum, a história de Undset e Matilde é contada ora pelo narrador,

ora pelo próprio Undser. Matilde morrera, conforme já dissemos, depois de três anos de convivência com o

sueco, desaparecendo dentro de uma fonte de água doce, de onde surgiu um leque dourado sobre uma pedra

luzidia.

Este narrador que não é um homem negro, que não nasceu na comunidadeterreiro, mas, foi

incorporado ao grupo, sendo filho-de-santo de mãe Senhora, (semelhanças com o autor da novela), é quem

vai narrar a comunidade terreiro com um olhar de devoto, de um devoto que há vinte anos estava afastado.

Entretanto, vai ter um olhar carregado da mesma fé que tivera quando Senhora lhe pôs a mão na cabeça e lhe

suspendeu Ogã da Casa. Dessa vez se enveredava pelos caminhos dos eguns:

Os atabaques começaram a tocar, chamando para o salão os que ainda

estavam no sereno. Foguetes subiram, espocaram no espaço, anunciando

que os babás seriam de novo chamados. A selva ia sacudir-se de sons e

assombrações, os eguns poderiam descer a terra. Mas não me

atemorizariam. Senti profundamente que estava no caminho deles e seu

encanto também me penetrara para sempre. (MAIA, 2006, p. 95)

O ponto de vista do narrador e da narrativa em si é um ponto de vista negro, o narrador não

precisaria ter nascido e vivido naquela comunidade para ter um ponto de vista negro. O mesmo aconteceu

com Undset que não nasceu e cresceu na comunidade, mas, se tornou um ojé como outros nativos.

As teorias da identidade e da diferença novamente se fazem necessárias, pois, esse narrador é

representação de muitos filhos-de-santo que negociam suas identidades de filhos-de-santo, de pais e mães em

casa com os filhos e de funcionários ou de empregadores. Essa variedade de papéis evidencia a

multiplicidade do que somos, pois, diferentes identidades são assumidas em diferentes momentos de nossas

vidas.

O narrador é um filho-de-santo que na negociação das identidades se afastou um período do Axé.

Como as identidades são múltiplas e estão em constante processo de transformação, a comunidade também é

afetada. Hoje em dia, ninguém se muda para o terreiro e vive apenas da religião, essas pessoas têm afazeres

fora do ciclo religioso, pois, precisam se sustentar. Um exemplo claro disso está na narrativa, Mãe Senhora

era Mãe-de-santo, mas, nunca deixou de vender seus apetrechos em sua barraca no Mercado Modelo.

Outra passagem da narrativa que demonstra essas negociações de posições de sujeito dos filhos-de-

santo é quando Undset diz ao narrador que aquelas pessoas que ficam vários dias dançando e cantando

madrugada adentro para os seus ancestrais têm obrigações diárias:

E considere que todos têm obrigações diárias: são saveiristas, simples

marinheiros, pescadores, trabalhadores noutras fazendas, quitandeiros... E

as mulheres tem de lavar, cozinhar, cuidar das crianças... (MAIA, 2006,

p. 67) Contudo, a visão de mundo transmitida pela narrativa é uma visão do ponto de vista cultural negro. Não há

repetição de um modelo hegemônico de literatura. Há no pioneirismo de Maia recriando o culto aos

ancestrais, uma transgressão.

3.8 — Construção de uma epopéia negra

Construir uma epopeia negra faz parte do programa de lutas da literatura negra, isso tem sido feito

por poetas, principalmente, que reviram a história oficial e contam novas versões através da poesia. Eles vão

buscar os heróis negros esquecidos como Zumbi e Ganga Zumba.

Aqui na novela de Maia podemos destacar personagens negros inspirados em ícones como Mestre

Didi, grande chefe do culto aos eguns, que vai aparecer na narrativa dando explicações sobre as duas grandes

espécies de candomblé:

- Ainda vamos andar um bocado. O culto aos babás, aos eguns é

diferente do dos orixás. As festas aos orixás são francamente públicas. As

dos eguns são íntimas, fechadas. Se o barracão fosse aqui na praia, toda a

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gente, moradores e veranistas, se acharia com o direito de entrar. Por isso

o barracão fica no meio da ilha, isolado e escondido. (MAIA, 2006, p.43)

Outra personagem negra importante é a Ialorixá Mãe Senhora, que na primeira versão da novela

publicada em 1961 se chamava Mariana, numa combinação dos dois primeiros nomes da Mãe-de-santo

homenageada Maria Bibiana. Neste período Mãe Senhora ainda estava viva. Depois de sua morte, Maia

trocou o nome da personagem de Mariana para Senhora. A Ialorixá Mãe Senhora Oxum Muiwá, Mãe Preta

do Brasil, é talvez a mais conhecida e amada ialorixá do Axé Opô Afonjá.

O Babá Olukotum, ancestral maior da cultura iorubá, aparece na narrativa. Numa grande ousadia do

autor da novela ele vai retratar o Babá-egun e contar por meio da narrativa algumas histórias mitológicas dos

Orixás Xangô e Oxum.

3.3.7 — Reversão de valores

A reversão de valores ou quebra de verdades instituídas desde a colonização, ou seja, a verdade dos

brancos cristãos como a única verdade, é rompida dentro das literaturas negras e/ou afro-brasileiras e ocupam

este espaço verdades de outra natureza que não foram passadas pelas gerações pela imposição colonial, mas

que sobreviveram dentro dos cativeiros e senzalas, além de terem sido guardadas dentro dos terreiros de

candomblé, principal guardião da cultura negra, chegando até os nossos dias.

A narrativa reverte o sentido de morte, que deixa de ser um fim em si mesma, pois, como dissemos

nas religiões negras a morte é uma passagem para outra dimensão, mas, os mortos continuam entre os vivos

sendo venerados e cultuados. Reverte ainda a noção de Deus único, piedoso, puro amor e bondade para a

ideia de vários Deuses, às vezes piedosos, às vezes muito rígidos, às vezes bons, às vezes severos, como Exu

que precisa ser bem agradado para que tudo ocorra bem. São deuses com sentimentos parecidos aos dos

homens da terra.

Reverte ainda a noção de beleza feminina e traz a mulher negra dona de beleza exuberante: “A luz

do fifó focalizara uma mulher lindíssima. Era negra, alta, esplêndida” (MAIA, 2006, p.79). E ao

mesmo tempo como uma verdadeira fortaleza, pois, “Não era simples iaô. Ao contrário, era importante

ialorixá e sua casa tinha grande prestígio entre as demais” (MAIA, 2006, p. 81). Reverte-se assim os

estereótipos da mulher frágil, maternal e dirigida. Na passagem em destaque vemos como a beleza da mulher

negra é celebrada na novela:

Havia majestade congênita na mulher. Dançava com leveza e graça,

garbo e dignidade. Os olhos de Undset nela se grudaram, buscavam na na

escuridão, extasiavam-se quando o foco de luz clareava-a. Vestiase de

branco como as outras, saia rodada, engomada, bata rendada. Mesmo

assim escondia num mundo de anáguas, ele adivinhava a perfeição de seu

corpo, graças a esbeltez de suas espáduas, à cintura que se afinava, aos

tornozelos elegantes. E rosto oval de uma nobreza de expressão que

denunciava ascendência de sangue real. E traços firmes, de integridade

absoluta, integridade que não era só física, manava da alma. A boca, a

mais bela boca que Undset já vira, tinha indefinível, atraente ar de

superioridade e desdém. (MAIA, 2006, p. 79)

3.3.8 — Nova ordem simbólica

Em época de perseguição policial aos candomblés, a polícia prendeu Eduardo Daniel de Paula e sua

Esposa Margarida da Conceição na Ilha de Itaparica, além disso, quebraram assentamentos, mexeram onde

não se podia mexer e levaram diversos emblemas do culto. A prisão não passou de uma semana, pois, coisas

estranhas começaram a acontecer como barulho de atabaques a noite toda, o delegado vencido mandou soltar

os dois, que voltaram à ilha e reconstruíram o culto. Uma reportagem saiu no Jornal A Tarde de 21 de junho

de 1940 (MARIANO, 2009, p. 38); (BRAGA, 1995, p.31-32).

Muitas destas histórias de perseguição estão registradas nos jornais da cidade de Salvador, além de

terem sido recriadas em obras literárias como em Tenda dos Milagres de Jorge Amado, onde uma batida

policial culmina com um dos homens do delegado Pedrito Gordo incorporado de Ogum e se voltando contra

o delegado.

Assim, as literaturas afro-brasileiras e/ou negras além de contar essas histórias do ponto de vista

negro, também trazem esses artefatos da religião como símbolos positivos. Bernd (1988) fala da importância

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de os signos na literatura negra terem rotatividade, ou seja, deixando de serem dotados de carga negativa para

terem novas significações dotadas de carga positiva.

Uma nova ordem simbólica é instituída na narrativa de VM, tudo que se refere à cultura negra, que

em um dado momento foi tido como anormal, demoníaco ou fora da lei, está na novela dentro dos contextos

rituais da comunidade com seus sentidos cheios de axé. Os atabaques, as quartinhas, os assentamentos, as

insígnias dos orixás, a vestimenta dos babás, colares e contas estão na narrativa complementando um mundo

de valores negros.

E colares de todas as cores, pulseiras de todos os feitios, figas de toda

sorte, contas de todos os santos, conchas e búzios, estrelas e cavalosdo-

mar, agogôs e Exus de ferro, adjás, paramentos, armas, símbolos e ochés

da religião, obis. Garrafas douradas de azeite-de-dendê, frascos de

pimenta-de-cheiro, de pimenta-malagueta, em verde, vermelho e

amarelo. (MAIA, 2006, 37-38)

Para Bernd (1988) a maior característica das literaturas negras é o seu poder de renomeação do

mundo circundante, O leque de Oxum renomeia o mundo a partir dos valores culturais negros dando novas

significações.

Deste modo, acreditamos que a narrativa de VM é uma obra que pode fazer parte do acervo da

literatura afro-brasileira, porque ela apresenta uma textualidade baseada na cultura afro-baiana, recontando

histórias mitológicas dos orixás. Além disso, é uma obra inovadora por trazer para o campo da literatura o

culto afro-brasileiro dos eguns, culto que não é popularizado como o culto aos orixás. A novela também tem

importância para a literatura afro-brasileira por trazer personagens inspirados em sacerdotes e sacerdotisas

dos candomblés baianos que lutaram e ainda lutam para fazer a história do povo negro em nosso país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que a polêmica em torno da denominação literatura negra e ou afrobrasileira não é o mais

importante na luta de afirmação destas literaturas, pois aí o que está em jogo, também, é o poder de nomear,

de um ou de outro teórico. É importante, contudo, dar ao movimento um nome, pois tem-se que demarcar

este espaço dentro da literatura brasileira. Tal denominação - literatura negra, poesia negra, literatura

afrobrasileira, poesia afro-brasileira - não tem a pretensão de ser eterna, mas ainda possui uma significação

simbólica, da conquista recente do reconhecimento estético e artístico de todo um contingente da população

brasileira, antes impedido de se auto-representar, ou, ao ser representado, o era através de uma estética

inteiramente européia. A polêmica em torno da poesia negra remete a outras, como as cotas para afro-

descendentes nas Universidades públicas, os concursos de beleza negra, os blocos afro etc. Haverá um tempo

em que políticas afirmativas e militância literária em favor de minorias étnicas serão coisas do passado.

Considerando o esforço de fortalecer o movimento de literatura afro-brasileira, como uma medida

de políticas afirmativas e de reparação pelo longo tempo em que se não se viu a produção de

afrodescendentes circulando, além da falta de obras que tratassem do universo humano, cultural e artístico do

negro esse trabalho compreende que a obra O leque de Oxum faz parte desse coletivo.

Neste sentido, a questão da autoria funciona como um elemento que pode alargar as fronteiras do

movimento, ampliando o conceito de literatura afro-brasileira quando compreende que o autor de uma

literatura afro é todo aquele que se considera afrodescendente no Brasil, tomando em consideração o

processo de mestiçagem pelo qual passamos, além da compreensão da identidade cultural enquanto

construção dinâmica e histórica, caracterizada pela fragmentação. Portanto, nenhum sujeito nasce e

permanece o mesmo durante a vida inteira, porque diversas posições diferentes lhe são oferecidas para sua

identificação e assunção.

Também, a questão da autoria pode funcionar como um elemento limitador da ideia de literatura

negra, quando a ela se associa a cor da pele do escritor como fator preponderante. Sendo a epiderme apenas

um elemento que caracteriza a identidade de um sujeito, elemento que se baseia no que é visível, assim, a

identidade se torna algo ligeiro e precipitado. O fator da cor da pele considerado como elemento que

caracteriza uma literatura, limita o alcance do movimento além de ser um fator externo ao texto literário. As

pesquisas que se empenham na descoberta de obras afro-brasileiras não podem se limitar à procura pela

aparência física dos autores, mas, verificar a textualidade e outros aspectos. Assim, será possível perceber a

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visão de mundo que ela transmite ao leitor, se configurando como uma obra transgressora e disseminadora de

imagens positivas do negro e de sua cultura, ou não.

Neste sentido, o estudo tentou mostrar que a narrativa de VM apresenta uma textualidade afro-brasileira.

Descartando o fator da cor da pele do autor, mas, dando ênfase às suas lutas junto ao movimento Caderno da

Bahia, por uma literatura que contemplasse o povo negro baiano, além da importância dada à sua ligação

com a religião do candomblé, como um fator decisivo na mudança de comportamento autoral dentro e fora

da literatura. O estudo considerou importante a palavra de sacerdotes do candomblé, os quais avaliam o autor

das crônicas de candomblé como um Omo orixá. E sendo filho de Orixá, a ligação com a cultura negra é

patente.

Assim, compreendemos que o mais importante na análise de uma literatura afrobrasileira é o seu teor de

penetração no mundo dos valores negros. O estudo da novela de Maia nos mostrou que a narrativa trata do

negro e do candomblé de tradição nagôketu, precisamente. Engendra mitos afro-brasileiros na narrativa,

trazendo a público os deuses mitológicos Xangô, Oxum e Exu dentre outros. Recria ficcionalmente o culto

aos ancestrais mostrando aos leitores uma faceta da cultura negra baiana desconhecida da maioria da

população brasileira, por seu caráter fechado e tradicional.

Além disso, os personagens negros narrados, em sua maioria, foram inspirados em ícones da religião negra

do candomblé e do culto aos eguns, como mestre Didi, mãe Senhora e Pierre Verger, o qual tem seu espírito

cultuado como ancestral. Dessa forma, VM faz da sua narrativa literária um lugar de preservação da memória

afro-brasileira baiana, configurando-se como uma forma de luta em prol do povo negro baiano. Constrói uma

narrativa pelo viés do discurso não racista e não essencialista, pois, mostra que somos todos diferentes e nem

por isso temos que nos isolar dos contatos interculturais.

O presente estudo não possui a pretensão de encerrar a discussão sobre a necessidade do

reconhecimento de uma literatura negra, de dar a última palavra. Ao contrário, buscamos, aqui, reabrir a

discussão sobre o tema, problematizar os conceitos de autoria nessa literatura, debater as características de

uma literatura negra, no contexto da literatura brasileira, e suas implicações políticas, históricas (pois isto

pode implicar em uma releitura e reavaliação da história da literatura brasileira), socioculturais e estéticas.

No campo da literatura parece ainda existirem resistências à entrada de conceitos como literatura negra,

embora nas outras artes, como a música e a dança, por exemplo, tais conceituações já integram as práticas

cotidianas, principalmente em países como os Estados Unidos. Ocorre que essas denominações, na dança e

na música, aproximam-se sempre da arte popular. Acreditamos que com o crescimento dos Estudos Culturais

a aproximação entre a literatura e a cultura popular e consequente o afastamento da antiga noção de erudição,

haverá um maior interesse em se estudar a literatura negra. Também, a condição contemporânea demanda,

cada vez mais, o abandono dos paradigmas e das universalidades, em favor do sintagma e da especificidade.

É nesse contexto que, esperamos, este estudo possa contribuir para uma compreensão mais profunda das

complexas relações entre arte, vida e cultura, pelo viés da literatura. Contribuindo assim para as lutas de

afirmação identitárias dos povos afrodescendentes no Brasil.

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JORGE AMADO. Direção: João Moreira Salles; Produção: Rudi Lagemann. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 1 DVD (45 min), son, color.

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MAIA, Vasconcelos. A dama e o anjo. In: MAIA, Vasconcelos. O cavalo e a rosa. Salvador: Livraria

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MAIA, Vasconcelos. Feira de Água de Meninos. Bahia : Coleção recôncavo, 1951.

MAIA, Vasconcelos. Fora da vida. In: MAIA, Vasconcelos. Fóra da vida. Salvador: Edições Elo, 1946, p. 131-143.

MAIA, Vasconcelos. Isaura. In: MAIA, Vasconcelos. Fóra da vida. Salvador: Edições Elo, 1946, p. 77- 44.

MAIA, Vasconcelos. Largo da palma. In: MAIA, Vasconcelos. Histórias da gente Baiana. São Paulo: Editora Cultrix, 1964, p. 13 - 27.

MAIA, Vasconcelos. Lembrança da Bahia. Porto Alegre: Editora Globo, 1963.

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MAIA, Vasconcelos. O Cavalo e a Rosa. In: MAIA, Vasconcelos. O cavalo e a rosa.

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MAIA, Vasconcelos. O leque de Oxum. Rio de Janeiro: Edições O cruzeiro. 1961.

MAIA, Vasconcelos. O movimento chamado Caderno da Bahia. Revista da

Academia de Letras da Bahia, Salvador, n. 31, p. 77-82, dez. 1983.

MAIA, Vasconcelos. Preto e Branca. In: MAIA, Vasconcelos. O leque de Oxum. Rio de Janeiro: Edições O

cruzeiro. 1961, p. 97 – 127.

MAIA, Vasconcelos. Romance de Natal. In: GUERRA, Guido (Org.). Sol, terra, mar. Salvador: Edições

cidade da Bahia, 2000, p. 41– 51.

MAIA, Vasconcelos. Um clarão dentro da noite. In: MAIA, Vasconcelos. Fóra da vida. Salvador: Edições

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MAIA, Vasconcelos. Um saveiro tem mais valia. In: GUERRA, Guido (Org.). Sol, terra, mar. Salvador: Edições cidade da Bahia, 2000, p. 159 – 170.

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ENTREVISTAS

SANTOS, Nídia Maria. Nídia Maria Santos: depoimento [abr. 2012]. Entrevistadores F. F. Saraiva e G. de

O. Leite. Salvador: 2012. (03:46 min.). Entrevista concedida aos pesquisadores F. F. Saraiva e G. de O.

Leite.

SANTOS, José Félix dos. José Félix Santos: depoimento [abr. 2012]. Entrevistador G. O. Leite. Vera Cruz: 2012. (16:01 min.). Entrevista concedida a G. de O. Leite.

SOARES, Edna Maria Viana. Edna Maria Viana Soares: depoimento [mar. 2012]. Entrevista concedida a

pesquisadora F. F. Saraiva. 2012.

GLOSSÁRIO

Acaçá Bolo de milho branco ou amarelo, cozido até se tornar gelatinoso e

envolvido, ainda quente, em folha de bananeira.

Adarum Toque muito rápido que precipita o transe de possessão durante as

cerimônias rituais.

Adjá Ideofone, campainha de metal ou campa, usada nas celebrações

litúrgicas afro-brasileiras.

Agadá Espada que o orixá Ogum empunha.

Agogô Instrumento de ferro, com duas campânulas de sons diferentes, onde

se bate com uma baqueta, também de ferro.

Alabés Posto masculino dado aos músicos sagrados dos candomblés da

tradição nagô-keto.

Alafin Um dos títulos de Xangô.

Alagbá Alto posto em candomblé de Egum. Chefe do culto aos ancestrais

masculinos. Equivalente ao Babalorixá no culto aos orixás.

Alaketo Terreiro de candomblé situado no bairro de Brotas em Salvador.

Também é o nome de um Exu e sua tradução significa Senhor de

Keto.

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Alapalá Pai ancestral, Babá Egum da linhagem de Xangô cultuado no Ilê

Aboulá e no Ilê Axipá, neste último divide o patronato com Babá

Olokotum.

Alapini Sacerdote supremo do culto de Babá-egum. Posto hoje ocupado por

Deoscóredes Maximiliano dos Santos, Mestre Didi.

Angola Nação de Candomblé de base Banto.

Arasoju Nome de um Babá-egum.

Atabaques Instrumentos em número de três, batizados assim: “rum”, “rumpi” e

“lê”. Instrumentos sagrados sem os quais não há festa.

Axexê Cerimônia fúnebre do candomblé da tradição nagô-keto.

Azeite-de-dendê Óleo vermelho obtido da palmeira dendê, de grande uso na culinária

religiosa afro-brasileira e baiana.

Babá Pai, antepassado, chefe, palavra que precede o nome do egum.

Babalorixá Sacerdote nagô-keto da tradição dos orixás.

Baiani Nome de um orixá, conforme Vasconcelos Maia.

Baká-baká Nome de um Babá-egum.

Barracão Recinto para celebração das cerimônias públicas religiosas afro-

brasileiras.

Bogbô mariwô delewô Saudação de boas vindas no culto de Babá Egum.

Bogum Terreiro tradicional jeje na cidade de Salvador.

Bori Dar de comer à cabeça, ritual de renovação.

Cabinda Antiga nação africana no Brasil. Região do noroeste de angola que

fala quicongo.

Caboclo Designação dada aos espíritos indígenas brasileiros, cultuados ao

lado das divindades afro-brasileiras.

Camarinhas Quarto especial do terreiro onde os noviços são alojados e passam a

dormir no chão, sobre esteiras, durante o período de reclusão

iniciática.

Candomblé Local de adoração e de práticas religiosas afrobrasileiras da Bahia.

Congo Nação de candomblé de base banto.

Contas Colar feito com as cores do Orixá.

Dagã Título usado no Opô Afonjá para designar a pessoa encarregada,

junto com a Iamorô, do Padê, antes das cerimônias públicas.

(SANTOS & NOBREGA, 2000)

Despacho O mesmo que ebó.

Ebó Oferenda aos orixás.

Ebomi Filha ou filho-de-santo com o mínimo de sete anos de iniciação e

que tenha se submetido às obrigações rituais de costume.

Egbé Associação, comunidade (SANTOS & NOBREGA,

2000)

Egum ou Egungun O espírito do morto, a alma humana; o espírito desencarnado dos

antepassados no culto nagô-keto. Pai ancestral.

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Ekede Cargo hierárquico feminino. A encarregada de cuidar dos

participantes das danças possuídos pelas entidades, dentre outras

atribuições sacerdotais. A equede não recebe orixás.

Etielerió Saudação do culto de Babá Egum.

Euá Orixá feminino, do arco-íris.

Exu Divindade nagô-keto mensageiro dos Orixás. Preside a fecundidade,

as encruzilhadas, os caminhos perigosos e escuros. Antes de

qualquer cerimônia oferendas lhe são feitas. Exu também é o

patrono da comunicação. Orixá mensageiro, senhor das

encruzilhadas.

Farofa de dendê Farofa feita de farinha e dendê, uma das comidas de Exu.

Filhos-de-santo Adeptos de religiões afro-brasileiras.

Gantois Candomblé de nação nagô-keto situado em Salvador no bairro da

Federação.

Iabás A mãe velha, rainha.

Ia-kekerê Mãe-pequena do terreiro. Situa-se hierarquicamente logo após a

Mãe-de-santo.

Ialorixá Sacerdotisa nagô-keto do culto aos orixás, mãe-de-santo.

Ia-morô Iniciada que ocupa o cargo importante de auxiliar da ialorixá.

Iansã Orixá dos raios e tempestades, uma das três esposas de Xangô,

mulher corajosa e destemida.

Iansã Balé Qualidade de Iansã que comanda os eguns.

Iaô No Brasil o mesmo que filho do orixá, mas etimologicamente

mulher do orixá, atribuição para homens e mulheres.

Ibejis Orixás gêmeos, erês.

Iemanjá Orixá do mar, deusa das águas salgadas.

Ifá Oráculo da adivinhação pertencente a Orunmilá Bábá

Ifá.

Il- igbalé Casa de culto aos pais ancestrais.

Ilê Agboulá Terreiro de Egum, situado na Ilha de Itaparica dedicado ao Babá

Agboulá.

Ilê Axé Opô Afonjá Terreiro de Candomblé nagô-keto tradicional, situado em Salvador –

Bahia, no bairro de São Gonçalo do Retiro dirigido atualmente por

Mãe Stella de Oxóssi.

Ilê Axé Opô Aganju Terreiro de Candomblé nagô-keto tradicional, situado em Lauro de

Freitas – Bahia dirigido por Balbino Daniel de Paula.

Ilê Axipá Terreiro de Candomblé de Egum situado em Salvador – Bahia, no

bairro de Piatã, comandado por Mestre Didi.

Ilê-ibo-akú Casa onde se cultua os espíritos das mães-de-santo e filhos ilustres

do terreiro.

Ixan Bastão ritual usado pelos ojés no culto de babá-egun.

Ijexá Nação de candomblé com linguagem litúrgica de base iorubá.

Keto Nação religiosa afro-brasileira, em cuja linguagem litúrgica

predomina a língua iorubá falada em Keto.

Logun edé Orixá filho de Oxóssi com Oxum.

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Loko O mesmo que Iroco, árvore orixá, gameleira branca.

Mãe-de-santo Sacerdotisa afro-brasileira de culto aos orixás.

Nagô Designação genérica dada aos povos de língua e cultura Iorubá.

Nanã Orixá avó, orixá das águas paradas, regatos, lagos e pântanos.

Também uma das esposas de Oxalá.

Obá Orixá feminino, uma das três mulheres de Xangô.

Obá de Xangô Um dos ministros da corte de Xangô.

Obi Fruta usada em oferenda aos orixás, inquices e voduns e pode ser

branca ou vermelha de duas ou quatro divisões.

Ogã Sacerdote que não recebe orixá e possui variadas funções, desde

músico sagrado até a responsabilidade de sacrifício de animais.

Apenas pessoas do sexo masculino podem ser ogãs.

Ogum Orixá da guerra, ferreiro, deus do fogo artificial, irmão mais velho de

Xangô, Exu e Oxóssi.

Oiá O mesmo que Iansã.

Oiê Título honorífico, posto, cargo.

Ojé Sacerdote do culto de babá-egum.

Ojuobá Cargo sacerdotal que dá direito ao titular de agitar o xerê. Os olhos

do rei.

Oloiê O mesmo que Oiê, título honorífico, posto, cargo.

Olubajé Festa de Omolu.

Olukotum Babá maioral da casa de Egum da linhagem de Oxalá.

Omo-bibi Bem nascido.

Omolu Orixá das doenças, da varíola e da cura.

Onilê Orixá da terra. Senhor da terra, elemento orgânico.

Orikis Cânticos especiais de louvor aos feitos do orixá e seus atributos.

Orixá Divindade nagô e do candomblé.

Orum O mesmo que céu. No mundo nagô há 09 (nove) céus.

Ossãe Orixá das folhas e ervas litúrgicas

Otum Alabá O segundo chefe na hierarquia de um terreiro de egum. Otum quer

dizer a direita de e ossi a esquerda de. Comumente associa-se otum a

uma espécie de primeiro suplente ou vice e o ossi uma espécie de

segundo suplente.

Oxalá O pai de todos os orixás, orixá funfun, do branco.

Oxés Símbolo de Xangô, um machado esculpido de duas faces.

Oxóssi Orixá da caça, protetor dos caçadores.

Oxum Orixá que comanda os rios e as águas doces.

Oxum Muiwá Nome no Candomblé da Ialorixá Mãe Senhora. Seu significado é

“Oxum trouxe o louvor”. (SANTOS & NOBREGA, 2000)

Oxumarê Orixá serpente, identificado com o arco-íris.

Padê Comida ritual oferecida ao orixá Exu.

Pai-de-santo Sacerdote do candomblé, babalorixá.

Peji Altar do orixá, onde se localizam os assentamentos dos orixás.

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Povo-de-santo Pessoas pertencentes às comunidades religiosas afrobrasileira, mais

especificamente ao candomblé.

Quartinha Pequeno vaso votivo em barro.

Run, Runpi, Lé Os três atabaques da orquestra de um candomblé.

Terreiro Local onde se celebram os cultos afro-brasileiros.

Xangô Orixá dos raios e do trovão, rei-herói do povo iorubá. É venerado

nos meteoritos e machados de pedra que são colocados em um pilão

de madeira esculpida (odó) a ele consagrado. Suas três mulheres são

Obá, Oiá, Oxum, e seu criado é Oxumarê. Xangô é orixá da justiça e

no Brasil também orixá do dinheiro. Ele é a própria representação do

poder de Olorum, o Deus supremo.

Xerê Chocalho metálico, instrumento consagrado a Xangô que reproduz o

barulho das chuvas.

Xirê Cânticos rituais aos orixás.

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ANEXO/A

ENTREVISTAS

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1. ENTREVISTA À PESQUISADORA EDNA MARIA VIANA SOARES

Recebida por e-mail em 26 mar. 2012

1. EDNA SOARES, SUA PESQUISA FOI VOLTADA PARA AS CRÔNICAS DE VASCONCELOS

MAIA PUBLICADAS NO JORNAL DA BAHIA NO PERÍODO DE SETEMBRO DE 1958 A JANEIRO

DE 1964. DENTRO DO CORPUS DAS CRÔNICAS, QUANTAS E QUAIS VOCÊ ENCONTROU

TRATANDO ESPECIFICAMENTE DE ELEMENTOS DO CANDOMBLÉ?

_ Em 1999, sob a orientação da Professora Ivia Alves, na UFBA, fiz um estudo preliminar de 79

crônicas de Vasconcelos Maia, publicadas no Jornal da Bahia. Vendo a riqueza temática e as possibilidades

oferecidas pelas crônicas de Maia, prossegui e, durante 10 anos, como o trapeiro de Baudelaire - que,

segundo W. Benjamin era visto nas ruas de Paris, a recolher o lixo resultante da indústria incipiente para dar-

lhe um novo uso - esquadrinhei os jornais antigos das bibliotecas públicas em Salvador e no interior do

Estado. De igual maneira, consultei sebos e livrarias de livros usados, bem como familiares do escritor, a

procura das obras esgotadas e de informações sobre o autor baiano. Localizei 700 crônicas do escritor baiano,

600 delas publicadas no Jornal da Bahia e 100, no jornal A Tarde, embora este último não tenha sido

objeto de estudo na pesquisa empreendida no curso de mestrado na UNEB.

Em UMA CIDADE DIA SIM, DIA NÃO, Salvador nas crônicas de Vasconcelos Maia, dissertação

de mestrado defendida em 2010, na UNEB/PPGEL, sob a orientação da Profa. Ma. do Socorro Carvalho, no

capítulo O Leque das Crônicas, mostro que a variedade de assuntos abordados pelo cronista me levou a criar

grupos temáticos. Na página 47, assinalo que foram identificadas 16 crônicas que tratavam especificamente

do Candomblé. Na nota 9, pág. 45, ressalto que Maia optou por escrever, normalmente, sobre um único tema

em cada dia. Ou seja, mesmo fazendo uso do humor, poucas vezes lançou mão de títulos “despistadores”.

Dando preferência aos “perspectivos”, construiu indicativos seguros dos assuntos tratados em seus textos

jornalísticos. Este fato converte o Apêndice – A, contendo relação da totalidade das crônicas publicadas pelo

escritor no Jornal da Bahia, ordenadas cronologicamente, em objetiva fonte de consulta.

Dentre as 100 crônicas publicadas por Maia, no mesmo período, no Jornal A

Tarde na coluna Café da Manhã, 4 delas que versavam sobre o Candomblé:

Cinquentenário de Senhora; Orquestra de Candomblé; Hierarquia litúrgica do candomblé; Hierarquia

administrativa do Candomblé.

Em comum elas têm o respeito pelo tema, o didatismo e a autoridade de um cronista dotado de

profundo conhecimento do assunto. Com títulos modificados, ampliadas ou não, essas crônicas foram,

posteriormente, publicadas no livro ABC do

Candomblé, no qual, referindo-se à época em que “escrevia para as gazetas”, o cronista apresenta essa

prática religiosa como um “assunto constante” e de grande interesse para o leitor de então.

2. AO ENTREVISTAR FAMILIARES DE MAIA, ELES FALARAM SOBRE A RELAÇÃO DELE

COM OS CANDOMBLÉS BAIANOS?

_ O falecido Professor Pedro Moacyr Maia, irmão do escritor, com quem mantive contato telefônico

e posteriormente uma conversa (gravada) de cerca de uma hora, em seu apartamento na Graça, discorreu

sobre a vida e a formação do irmãoescritor – a vinda do interior, a formação escolar, as atividades

profissionais; o episódio da doença na adolescência (fato que ele, (Prof. Pedro), entendia de relevância para a

vida e obra de Maia que sempre silenciara a este respeito); a variedade da temática da obra do autor,

notadamente o seu amor pelo Mar; a transposição das fronteiras do nacional pelos contos de Maia; as

amizades e relações de influência; o seu papel como homem do turismo; a vida na Bahia de então; seu

empenho em valorizar e divulgar a cultura local. A par disto, presenteou-me com um número da Revista

Iararana, e a cópia (em carbono) de dois manuscritos do autor. Um deles, uma entrevista com o título Sobre

o Leque de Oxum, o outro, um currículo, com rasuras feitas a mão pelo próprio Vasconcelos Maia.

Nesta conversa, ao mencionar o assunto Candomblé, o Prof. Pedro afirma que

Vasconcelos Maia “não era religioso”, mas “liturgicamente, ele achava que [o candomblé] era uma coisa

muito, muito bela...”.

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Dando voz ao próprio cronista sobre a questão de sua religiosidade, temos que, no material

datilografado por Vasconcelos Maia, com o título Sobre o Leque de Oxum, que é composto por respostas

suas a 8 questões que lhe foram formuladas por ocasião do lançamento da Novela, assim responde à de

número 6:

Encaro o candomblé ecumenicamente. Para os que professam o seu culto

é uma religião. Não professo o seu culto mas mesmo assim o considero

como religião. Daí a seriedade com que procuro interpretálo. Além disso,

há o aspecto lúdico e [a] plástica: é de uma beleza incomparável, a sua

liturgia e coreografia. (MAIA, s/d).

Em UMA CIDADE DIA SIM, DIA NÃO, Salvador nas crônicas de Vasconcelos Maia..., a partir da

página 65, trato das crônicas que versam sobre o candomblé, trazendo excertos das mesmas. Em uma delas

especificamente, talvez lance luz sobre a questão:

Várias cartas me chegam pedindo informações sobre o candomblé. E se

vou nos [sic] candomblés, se gosto deles, se entendo seu ritual. Se

distingo os toques, as danças, os “orixás”. Eu vou muito aos

candomblés. Não só agora, por ocupar um cargo no qual são

importantes as relações com os candomblés baianos. No começo não

conseguia entender o seu ritual. Mas desde cedo gostei de tudo o que via.

O seu colorido, a sua coreografia, a sua música, impressionaram-me

logo. E só com o tempo, a convivência dos entendidos, mantendo

conversas com os babalaôs e ialorixás, é que vim a notar as diferenças

dos toques, dos cânticos, das danças e dos gestos.

[...] É sem conta o número de “casa” de candomblé na Bahia. E em

crônicas futuras contarei outras coisas sobre esta religião que hoje não é

só dos pretos africanos, mas de muito branco também (12 e 13.6.1960).

Expus também no trabalho referido que no ABC do Candomblé(1985) o cronista reuniu as crônicas

publicadas sobre o tema, declarou-se frequentador das “Casas de culto” desde os 22 anos, que teve o “pai

Cosme” como seu primeiro mestre, que foi levado mais tarde pelo amigo José Pedreira, ao Axé Opô Afonjá.

Neste local, soube que

Oxalá era o “dono de sua cabeça” e que também tinha parte com Xangô. Neste terreiro recebeu de Senhora, a

ialorixá de quem se tornou amigo, o título de “Otum Oju Obá”, que se traduzia como “braço direito de um

dos 12 ministros de Xangô, Oju Obá”.

Como pesquisadora de fontes primárias, acrescento aqui outra informação sobre a questão da

relação do cronista com o candomblé. Maia publicou no jornal A Tarde a crônica Hierarquia administrativa

do Candomblé rica em informações sobre a prática religiosa. Nela, dentre outras, o cronista deixa claro que o

“obá” pode ser ou não filhode-santo:

Este centro tem organização comum a todas as entidades civis parecidas.

Presidente, vices, secretários, tesoureiros, etc. Entretanto, é formada esta

Diretoria só com elementos ligados à “casa”. Estes homens que podem

ser ou não “filhos-de-santo” são divididos de acordo com o querer da

ialorixá e dos seus orixás em duas categorias: os “obás” e os

“ogãs”.(MAIA, 22.8.1960).

3. VOCÊ CHEGOU A COMENTAR POR E-MAIL QUE A PERSONAGEM UNDSET DA NOVELA O

LEQUE DE OXUM SERIA INSPIRADA EM PIERRE VERGER? EM MATERIAS COLETADOS

JUNTO À FAMILIA DO ESCRITOR VOCÊ ENCONTROU ALGUMA REFERENCIA NESTE

SENTIDO? COMO VOCÊ OBTEVE ESSA INFORMAÇÃO?

- Embora a família do escritor tenha conservado alguns poucos documentos, recortes de

reportagens, postais, fotos e outros materiais, seus manuscritos, até o momento, são tidos como

desaparecidos.

O professor Pedro Moacir afirmou em nossa conversa ser o possuidor de vários recortes de jornais

com textos de Maia. Infelizmente, as questões legais advindas da morte do detentor de um acervo literário

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acabam gerando impedimento ao seu acesso. Fato que ocorreu com o acervo de Vasconcelos Maia, pelo

menos, até este momento.

O que posso afirmar é que, nas palavras do próprio Vasconcelos Maia, a referência à inspiração para

o personagem Undset da novela O Leque de Oxum pode ser lida na crônica intitulada Pierre Verger,

publicada no Jornal A Tarde, por ocasião da entrega do título de Cidadão da Cidade do Salvador, pela

Câmara de Vereadores, ao fotógrafo e etnólogo. Nela o cronista fala sobre a chegada de Verger, “há trinta

anos”, na condição de repórter fotográfico, trazido por Odorico Tavares e a revista “O

Cruzeiro”, para fazer reportagens sobre a Bahia. Discorre sobre a identificação do então fotógrafo com a

cidade, “sua finura e delicadeza” ao deixar a vida no seio de uma família francesa de posses, “que tinha na

edição de livros de arte a sua tradicional profissão”, para se fixar na Bahia e divulgar a cultura negra. Diz o

cronista:

A marca desse ato de fé foi em mim tão profunda, que me inspirou na

criação de um personagem, o sueco Undset, da novela O Leque de

Oxum.(MAIA, A Tarde, 21.08.1980).

4. QUAL ERA A RELAÇÃO DE MAIA COM PIERRE VERGER?

_ É fato que a coluna jornalística de Vasconcelos Maia foi compartilhada por um segmento da

população que seria o elemento constitutivo da representação da cidade moderna, afeita às questões culturais,

que definia sua vocação turística e o sonho de tornar-se a capital cultural do Brasil, conforme exponho na

seção Se não for gente boa é coisa.

É bom ressaltar que a cultura baiana era um tema de especial relevância do ponto de vista dos

intelectuais da época, pois as festas populares, as tradições, os modos de viver da e na cidade, cheios de

verdade e originalidade, prestavam-se para a construção de uma ideia de Bahia como cidade dona de uma

cultura original que a distinguia das demais.

Pierre Verger, que tinha chegado a Salvador em 1946, contratado pelos Diários Associados, como

fotógrafo da revista O Cruzeiro, compondo uma dupla com o jornalista pernambucano, Odorico Tavares para

fazer reportagens sobre a Bahia, também esteve presente na coluna Dia Sim, Dia Não.

Em comum, o fotógrafo francês e o cronista baiano tinham a prática de leitura de urbe, o amor pela

cidade, pelo povo em suas expressões cotidianas, integrantes que eram daquele “grupo de intelectuais”

empenhados na “missão de divulgar a Bahia”. No ABC do Candomblé, Maia refere-se a Verger como um

“tipo notável”. Na crônica

Pierre Verger, a qual me referi antes, emprega expressões como: “nome merecedor de todo o acato”, dono de

“finura e delicadeza”, “homem de grande valor e igual simplicidade”, “personagem fascinante”.

Vasconcelos Maia confessa sua admiração por aquele que, como o cronista, também manifestava

uma profunda ternura pela cultura da Bahia, “terra que o acolheu, natural e espontaneamente, como filho

dileto”.

Salvador, 26 de março de 2012. Edna

Maria Viana Soares.

2. ENTREVISTA AO OTUN ALAGBÁ JOSÉ FÉLIX DOS SANTOS

Concedida em 01 abr. 2012

José Félix dos Santos é Otun Alagbá no Ilê Axipá. Filho de mãe Nídia de Iemanjá, neto de Mestre Didi,

portanto, bisneto de Mãe Senhora. José Félix dos Santos é ogã de Iansã no Ilê Axé Opô Afonjá. A entrevista

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foi realizada pelo professor Gildeci de Oliveira Leite na localidade de Jiribatuba, cidade de Vera Cruz –

Itaparica-ba. A mestranda não esteve presente, mas, o roteiro da entrevista foi elaborado por ela.

Gildeci: 1º DE ABRIL DE 2012, JIRIBATUBA, ENTREVISTA COM JOSÉ FÉLIX DOS SANTOS. BOM,

MEU COMPADRE É O SEGUINTE: VASCONCELOS MAIA ERA O OTUN OJUOBÁ DO ILÊ AXÉ

OPÔ AFONJÁ, O SENHOR ACREDITA QUE ELE ERA UM HOMEM DE FÉ OU APENAS UM

FREQUENTADOR QUE SE TORNOU OBÁ?

José Félix dos Santos: Ah, em nome de, primeiro lugar, hoje é primeiro de abril, mas em nome de Babá

Agboulá, Baba Olokotun e Baba Alapalá, vou falar aqui umas coisas verídicas. Hoje é primeiro de abril, né,

é o dia da mentira, mas Vasconcelos Maia ele tinha muita fé, do jeito dele, né, porque a fé das pessoas tem

que ser do seu jeito, digamos a fé que Vasconcelos, Jorge Amado e outros tinham é a fé que eles

acreditavam, do jeito que Mãe Senhora e outros faziam, tinham fé. Agora, qual foi a pergunta mesmo?

Gildeci: SE VOCÊ ACREDITA QUE ELE TINHA FÉ OU ERA SÓ UM FREQUENTADOR?

José Félix dos Santos: Não, ele tinha fé, do jeito dele. Nessa fé hoje que as pessoas têm hoje que tem fé

porque ter ibope. Ele tinha fé, ele cuidava do presente das águas lá no Opô Afonjá, que eu me lembro muito

bem que ele me botou eu num caminho que eu fiz durante quase 30 anos eu fiquei fazendo presente lá,

ajudando a fazer a parte, aquela parte, pegar ônibus, arranjar o barco...

Gildeci: A PARTE DA LOGÍSTICA.

José Félix dos Santos: ... a parte logística, mas ele era um homem de fé, do jeito dele. Tanto sim, que os

filhos dele, era Cláudio Maia, e tem outro que não estou lembrado aqui agora, que trabalha com a Itaparica

Turismo, sempre, todo ano, pedia que eu pedisse por ele, mas da maneira que eles pegaram a fé do pai.

Porque a fé do cidadão não é todo dia está todo dia lá no pé do santo não. A fé do cidadão, dele como Jorge

Amado, Carybé e outros é aquela fé, confiar no orixá, mas não tem que dá todo dia a presença não,

entendeu?

Gildeci: ENTENDI. DENTRO DELES...

José Félix dos Santos: Dentro deles. Na fé deles.

Gildeci: VOCÊ JÁ RESPONDEU. ME DIZ UMA COISA, OTUN ALAGBÁ, PRA VOCÊ O QUE É SER

UM OBÁ?

José Félix dos Santos: Ó, eu acredito muito no... sou nascido e criado no terreiro, todo mundo que nasce no

axé ou quer ser, ou quem tem iniciação para ser um bom filho-desanto, né, que receba o orixá, ou ser um

Obá, que é de Xangô, ter um terreiro como Opô Afonjá tem o Obá de Xangô ou ser um Ogã. Lá no Opô

Afonjá tem o Obá de Xangô que é aquela coisa assim, é um dos ministros que tá mais perto de Xangô, perto

de Xangô não, desculpe, perto da mãe de santo, entendeu? Mas Obá de Xangô, eu sou Ogã de Iansã, fico

feliz de ser um Ogã de Iansã, mas o Obá de Xangô é um mérito muito especial.

Gildeci: ENTÃO, O OBÁ ELE TÁ NA HIERARQUIA ACIMA DO OGÃ?

José Félix dos Santos: É, porque é um ministro né, ele tá bem próximo da mãe de santo, antigamente,

praticamente acho que quem coordenava todo o axé, hoje em dia mudou um pouquinho porque os Ogãs estão

mais presentes, né? Os Obás não são mais aqueles, naquela coordenação e também tem um detalhe,

antigamente os Obás eram mais quem tinham o aqué, né? Miguel Santana, Jorge Amado e outros, outros e

outros que tinham condições de chegar assim e dizer “Aqui dona moça, quem tá administrando o terreiro”.

Bote dona moça viu... (risos)

Gildeci: TÁ CERTO ENTENDI. ENTÃO, O QUE LEVA A PESSOA A GANHAR UM TÍTULO É A

ESCOLHA DE XANGÔ, PARA GANHAR O TÍTULO...

José Félix dos Santos: Não. O título é escolha de Xangô. Xangô determina. Digamos, eu conheço um Obá

de Xangô, quer dizer, hoje ele está no orun, Ildásio Tavares, ele era Obá e Ogã. Ildásio Tavares foi os dois,

sabe? Do jeito que ele era, né, todo, mas ele foi Obá e foi Ogã no final a Oxum que confirmou ele foi a, que a

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moça era iakekerê do Opô Afonjá no tempo de Mãe Stella, dona... Jorgete e Obá de Xangô depois na época

de Mãe Dinha.

Gildeci: NUMA CONVERSA INFORMAL, O SENHOR DISSE QUE VASCONCELOS MAIA, VOCÊ JÁ

FALOU QUE ELE FOI RESPONSÁVEL PELO PRESENTE DO AXÉ OPÔ AFONJÁ...

José Félix dos Santos: Responsável, assim, na parte logística...

Gildeci: NA PARTE CIVIL, NÉ?

José Félix dos Santos: Na parte civil...

Gildeci: QUE NA PARTE DO AXÉ...

José Félix dos Santos: Na parte do axé era a ialorixá e as pessoas que seguem a ialorixá... iakekerê, as

pessoas que têm oiê, posto.

Gildeci: VOCÊ LEMBRA QUANTO TEMPO ELE FOI RESPONSÁVEL PELO PRESENTE DE OXUM?

MAIS OU MENOS?

José Félix dos Santos: Foram dez anos. Eu passei a coordenar com ele de 82 em diante, eu passei a

coordenar com ele. Eu acredito que ele começou ajudar o Axé assim no tempo de Mãe Stella, de 74 em

diante. Ele levou uns trinta anos, eu já tenho hoje quase trinta anos que eu ajudo nos presentes. Ele levou uns

trinta e cinco anos, quarenta anos. No meu ver, né? Posso tá enganado.

Gildeci: NÃO. E, VOCÊ JÁ RESPONDEU, O PREPARO DO PRESENTE, ELE PEGAVA O PREPARO

CIVIL, ELE CUIDAVA DESSA PARTE LOGÍSTICA...

José Félix dos Santos: É o barco, alugar o barco, a balsa, não como que era mesmo, a lancha, aliás, a lancha.

É cuidar do ônibus pra pegar as pessoas, coisas básicas... o terreiro não se preocupava com nada lá fora. Hoje

mesmo, o Opô Afonjá hoje, nós pagamos, hoje se paga 800,00, 600,00 reais o presente, alugar as coisas e

Vasconcelos Maia assumia tudo, que ninguém sabe se ele pagava ou não...

Gildeci: O BARCO, ESSAS COISAS...

José Félix dos Santos: Tinha tudo lá já.

Gildeci: AH, ENTENDI. ME DIZ UMA COISA, ELE ERA MUITO PRÓXIMO DE MÃE SENHORA. NA

NOVELA LEQUE DE OXUM QUE ELE ESCREVEU, ELE FAZ UMA HOMENAGEM A MÃE

SENHORA É TANTO QUE NA SEGUNDA EDIÇÃO A PERSONAGEM QUE ELE FAZ PARA

HOMENAGEAR MÃE

SENHORA, ELE TROCA O NOME E BOTA SENHORA MESMO O NOME DA PERSONAGEM. QUAL

É A RELAÇÃO DELE, DE PROXIMIDADE DELE, COM MÃE SENHORA?

José Félix dos Santos: Mãe Senhora não tinha só Vasconcelos Maia. Jorge amado, Antonio Olinto, Carybé,

esses nossos irmãos que estamos falando agora, Vasconcelos, Pierre e outros, porque essas pessoas antigas

viram como Mãe Senhora tinha aquele prestígio como axé, como omo Asipá, né, e a ialorixá do Opô Afonjá.

E ela soube fazer toda aquela, o que eu acho importante de tudo que ela era uma mulher que não tinha nem,

não sabia nem ler e nem escrever direito. Como é que ela tinha todo um aparato, aparato, né, dos intelectuais.

Gildeci: MANDAVA NO POVO TODO...

José Félix dos Santos: Não digo que mandava, mas orientava, orientava, né. Isso é muito... eu fico feliz

hoje, assim com eu hoje, José Félix, né o Ogã de Yansã, Otun Alagbá do terreiro, trabalho hoje no ministério

público, quer dizer, o Axé Asipá é importante, é o axé, tudo, essa pessoa tinha o que? O axé de Xangô, né, o

Opô Afonjá. O axé de Xangô, a importância é essa.

Gildeci: OTUN ALAGBÁ, ENTÃO ELE TINHA UMA RELAÇÃO DE MUITA PROXIMIDADE COM

MÃE SENHORA DE AMIZADE, DE CARINHO...

José Félix dos Santos: Tinha sim, às vezes, chegava assim, tanto ele como Carybé e outros, Mãe Senhora

quer comer o que, Mãe Senhora? E Mãe Senhora gostava de ser tratada, né... “Ah, quero comer um

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vermelho” esses caras aí iam e se virava e o vermelho chegava. É o respeito que tinha, né. Não é o puxa-

saquismo, é o carinho.

Gildeci: E ME DIGA UMA COISA, VASCONCELOS MAIA E PIERRE VERGER TINHAM RELAÇÃO

DE AMIZADE? ELES ERAM AMIGOS, ERAM PRÓXIMOS?

José Félix dos Santos: Aí, eu não posso te informar porque eu não tive essa aproximação com eles, entende?

Eu sei sim, Vasconcelos, Carybé e Jorge Amado, Antonio Olinto eram bem próximos, isso eu sei. Antonio

Olinto mesmo, dona Vera, Zora, tudo isso era... Agora, Pierre Verger não sei, que eu não tive muita corrente

com Pierre Verger não. Corrente não, não estava muito próximo.

Gildeci: Entendi. Me diga uma coisa, Otun Alagbá, diga aí sua data de nascimento, julho que data é?

José Félix dos Santos: Eu nasci 19 julho de 65.

Gildeci: 19 DE JULHO DE 65...

José Félix dos Santos: Que 19 de julho é a festa da família Asipá lá, é o dia que nasceu, coincidência ou

não, Maria Marcelina... Obatossi...

Gildeci: OBATOSSI, QUE FUNDOU A CASA BRANCA...

José Félix dos Santos: É o dia que tem esse nascimento. Eu nasci numa data muito... que minha tetravó... e

tem Maria Madalena, minha filha, hoje, Maria Madalena, meu avô pediu para botar esse nome, que era o

nome da minha tetravó também... tetra, eu não sei, depois você pesquisa isso aí.

Gildeci: Eu tenho esse negócio anotado lá. Porque Obatossi era avó biológica de Mãe Senhora, então ela já é

sua pentavó. É mais...

José Félix dos Santos: Maria Madalena não sei se era iniciada ou não.

Gildeci: ERA A ANTERIOR, PARECE. EU TENHO ESSA LINHA ANOTADA.

MARCO AURÉLIO LUZ ESCREVE SOBRE ISSO, ELE DEIXA LÁ TUDO DIREITINHO.

José Félix dos Santos: E Marco Aurélio Luz, ele é Osi Ojuobá, quer dizer, hoje é o titular, mas na época era

Pierre, Vasconcelos Maia e Marco Aurélio Luz.

Gildeci: FILISMINA TEM QUE MANDAR UM E-MAIL PARA MARCO AURÉLIO LUZ, ACHO QUE

ELE RESPONDE NA BOA. ME DIZ UMA OUTRA COISA, OTUN ALAGBA, QUANDO FOI A SUA

CONFIRMAÇÃO DE OJÉ, VOCÊ PODE FALAR?

José Félix dos Santos: Eu me confirmei em Ogã, peraí. Eu assentei meu orixá Ossain em 83, junho de 83.

Me confirmei Omoixan Ilê Agboulá setembro de 87, 83 também, 83, me tornei ojé dia 07 de setembro de 87

com Baba Agboulá . Porque me confirmei em Baba Agboulá, porque Mãe Senhora era devota de Baba

Agboulá, aquele terreno que tem lá foi Baba Agboulá que ganhou, Mãe Senhora que comprou e deu. É o

Alto da Bela Vista que tem lá no Barro Branco, Mãe Senhora que deu aquele terreno. E o me confirmei Ogã

de Iansã em outubro de 2007. Então, eu sou de Ossain, sou assentado de Ossain...

Gildeci: VOCÊ PODE DIZER O SEU ORUNCÓ OU NÃO PODE?

José Félix dos Santos: O meu oruncó Ewe Tolu, “A Folha do Espírito”, e Omo ewe também, quer dizer, “O

Filho da Folha”. E sou... quando eu me confirmei ojé, eu ganhei o posto de Ojé Abebá Ewe, isso em 87. E

99, Baba Olokotun, Olori Egun, lá no Ilê

Axipá deu os cargos de, digamos de Alagbá Genaldo Novaes, neto de Paizinho, que é Otun Alagbá no Ilê

Agboulá e eu como Otun Alagbá no Ilê Asipá por ser primeiro neto da família Axipá e José Santana

Sobrinho Osi Alagbá pertencia a família de Miguel Santana. Hoje, Osi Alagbá hoje é Paulo Santana

Sobrinho que o Osi Alagbá já não está mais com a gente aqui na casa. Está no Orun-aiyê orando por todos

nós.

Gildeci: VOCÊ GOSTARIA DE FALAR SOBRE ALGUMA HISTÓRIA, DE ALGUM FATO QUE VOCÊ

SE RECORDE, VOCÊ LEMBRA ALGUMA HISTÓRIA QUE ACONTECEU COM VOCÊ, COM

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VASCONCELOS MAIA OU QUE VOCÊ VIVEU OU QUE VOCÊ VIU OU QUE SOUBE, DE REPENTE

ATÉ UMA HISTÓRIA ENGRAÇADA OU NÃO. O QUE QUISER FALAR. SE NÃO LEMBRAR

AGORA PODE FALAR DEPOIS.

José Félix dos Santos: Vasconcelos Maia, o que eu lembro dele, numa festa de Oxum, ele chegando no axé,

calmo, ele era calmo, tinha bigode... bigode branco assim..., ele chegava assim, bem humilde. O que eu

observei não só dele, mas o próprio Jorge Amado, o próprio Vasconcelos, Antonio Olinto, a humildade que

esses mais velhos tinham. Eles, sei lá, grandes escritores, dos grandes homens da sociedade, mas uma

humildade, foi isso que me fez eu ver tanto a parte deles que eram os intelectuais como certas pessoas do axé

como finado Moacir, pai de santo, como Oguntossi, como Cosme Domingos dos Santos do Ilê Agboulá e

outros a humildade, sabe, a humildade antes de engrandecer o ganho, então o que eu me lembro de

Vasconcelos Maia é que era aquele cara simples mesmo, sabe, quando ele, digamos assim, era convidado

assim eu mesmo ia, sempre ia, tinha um restaurante ali, Tenda dos Milagres, né?

Gildeci: ONDE? NO PELOURINHO?

José Félix dos Santos: Não. Lá no Rio Vermelho, que dá família dele...

Gildeci: AH, EU NÃO LEMBRO O NOME NÃO, MAS ISSO É FÁCIL DESCOBRIR.

José Félix dos Santos: Ele tinha um restaurante que é da família, que eles tinha, não sei se era Tenda dos

Milagres e tinha também a Itaparica Turismo que era deles também. Ele tinha envolvimento com turismo.

Ele foi secretário também, superintendente da prefeitura, do turismo. O que eu me lembro dele, é assim a

humildade, o tratamento que ele tinha com as pessoas. Ele não era daqueles orgulhosos.

Gildeci: NÃO TINHA ARROGÂNCIA.

José Félix dos Santos: O Carybé mesmo por que eu fiz o Livro, eu e a Corrupio... Falou até que, nós

tínhamos que, além de ser o sangue da casa, tinha que registrar os atos e não deixar... Carybé falou isso

comigo, não deixar quem viesse de fora do terreiro deixar de seguir as nossas normas, sempre a gente

assessorava. Imagine a visão de Carybé, o livro eu fiz ano 2000, não lembro o ano em que Carybé faleceu,

mas ele me deu, Carybé me deu de presente um gravador e um bloquinho pra anotar as coisas do terreiro.

Carybé, digamos isso em 98, 99...

Gildeci: ELE NÃO QUERIA QUE NINGUÉM DE FORA TOMASSE AS RÉDEAS DAQUILO QUE É

DE VOCÊS...

José Félix dos Santos: É. Eu mesmo criei lá o Opô Afonjá, eu e mais outros seguidores criamos o Egbé

Ogã, mas nós sempre mostrarmos que os da casa têm condições de chegar a qualquer outro para fazer as

coisas culturais, sabe? Fora as coisas tradicionais deixar bem pra frente as coisas.

Gildeci: ENTENDI... ISSO É IMPORTANTE MESMO...

José Félix dos Santos: É. A valorização da comunidade. Eu vi um discurso lá de um Ogã lá na época,

quando Welinton Ojé Labi, acho que Ojé Labi é Ogã Abetoiá eu acho, desde quando eu falei pra ele na época

que eu apresentei que, eu comecei e não terminei, qualquer criança que nasce aqui no Opô Afonjá ou

qualquer terreiro Lesse Egun, Lesse Orixá, caboclo, qualquer comunidade religiosa ele tem prazer de ser ou

um tocador, receber orixá ou ser Ogã ou Obá, mas ele tem o axé na energia, deixar bem próximo que ele quer

ser alguma coisa. É raro uma criança, ainda mais hoje nesse tempo com todo o respeito às igrejas

evangélicas, mas tem essa coisa de sugar, chamar as pessoas da comunidade, mas quem é do axé, quem tem

o axé de passar, não larga a comunidade. Quem é seguidor mesmo da religião, que hoje o assédio é muito, o

assédio que eu falo é o religioso.

Gildeci: É A PERSEGUIÇÃO MESMO EM TERMOS RELIGIOSOS EM RELAÇÃO A GENTE.

José Félix dos Santos: E aí alguma coisa mais, Gildeci?

Gildeci: SE O SENHOR FOSSE DAR UMA MENSAGEM PRA VASCONCELOS MAIA, O SENHOR

DIRIA O QUÊ?

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José Félix dos Santos: Ah, eu diria que ele do jeito que ele pensava na comunidade, não só a religiosa, mas

o axé que ele está lá, não só ele como os outros, que Olorum... sentado lá na terra de Deus, ele rogue por todo

mundo aqui que tenha paz. Acho que tendo a paz, a gente consegue levar o barco aqui na terra.

Gildeci: Axé. Obrigado.

3. ENTREVISTA À MÃE-DE-SANTO NÍDIA MARIA SANTOS Concedida em 16 abr. 2012

Mãe Nídia de Iemanjá é moradora do Ilê Axé Opô Afonjá. Filha mais velha de Mestre Didi, portanto, neta de

Mãe Senhora. A mãe-de-santo Nídia de Iemanjá conheceu Vasconcelos Maia nos tempos em que ele

frequentava o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá quando este era comandado por Mãe Senhora, avô da entrevistada.

A conversa foi gravada e ocorreu em sua residência na comunidade Ilê Axé Opô Afonjá e foi breve devido

ao seu estado de saúde.

Filismina: DONA NÍDIA, A SENHORA CONHECEU VASCONCELOS MAIA NA ÉPOCA QUE ELE

VINHA AQUI NO OPÔ AFONJÁ. AÍ EU QUERIA SABER ASSIM: COMO É QUE ERA ELE, SE ELE

TINHA COMPROMISSO COM AS COISAS DO SANTO, COMO ERA O PRESENTE DE OXUM...

Dona Nídia: Ele tinha compromisso aqui no Axé. Ele era de Oxalá, ele era Ogã, era Obá, Obá de Xangô e

ele gostava muito de ajudar, de ficar aí com minha avó tudo direitinho e algumas coisas que tem mais

importantes você pode ler que tá escrito no livro que tudo é fé.

Filismina: AQUELA HISTÓRIA QUE ELE CONTA NO LEQUE DE OXUM, QUE ELE ATRAVESSOU

COM A MÃE SENHORA PRA IR PRA UM CULTO DE BABÁ EGUN NA ILHA...

Dona Nídia: Naquele tempo era o Barro Vermelho.

Gildeci: E A RELAÇÃO DELE COM MÃE SENHORA, MÃE NÍDIA?

Dona Nídia: Era como se fosse um filho. Ele era muito apegado a minha avó, aquele carinho, aquele

cuidado com ela, todos eles, aquela consideração. Ele fez bori, fez tudo direitinho com ela, então ele tinha

aquele... né?

Gildeci: E ELE CHEGOU A TER A TER POSTO LÁ NO BARRO VERMELHO?

Dona Nídia: Não.

Gildeci: TINHA AQUI.

Dona Nídia: Só aqui. Lá ele só foi apreciar, conhecer, que eu me lembre foi só.

Gildeci: E ELE TINHA AMIZADE COM PIERRE VERGER?

Dona Nídia: Sim, porque eram tudo colega, Pierre Verger também era Obá. Só que Pierre Verger viajava

muito e quem ficava mais perto de minha avó era ele, Jorge Amado, Carybé e os outros.

Filismina: E QUANDO ELE FAZIA O PRESENTE DE OXUM, ASSIM ELE AJUDAVA...

Dona Nídia: Não. Quem fazia... quando acabava as festas minha avó, como tem até hoje, no outro dia a

última festa vão levar os presentes para entregar a Iemanjá e ele ajudava com a embarcação e...

Filismina: AJUDAVA FINANCEIRAMENTE TAMBÉM?

Dona Nídia: Também. Ele ajudava muito, o presente era com a embarcação. Quando ele morreu, ele passou,

o filho ficou continuando. Agora não sei se ainda continua, não sei, mas ele ainda ficou continuando que Zé

que tava na frente resolvendo essas coisas, aí ele chegava no último dia, quando encerrava a festa tinha o

presente, que todo ano tem o presente pra encerrar a festa.

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Gildeci: ACHO QUE JÁ TÁ BOM. SÓ A PALAVRA DELA AÍ JÁ DIZ TUDO... A SENHORA ACHA

QUE ELE ERA UM HOMEM DE FÉ NÉ, MÃE?

Dona Nídia: Muita fé, muita fé, ele era de Oxalá.

Filismina: OS MENINOS DELE, OS FILHOS DELE, ELE TRAZIA?

Dona Nídia: Ele trazia as crianças, mas as crianças não tinham... estavam pequenas, não tinham ainda aquela

responsabilidade, só pra brincar (...) na roça, ficava com os meninos lá brincando. A responsabilidade era

dele.

Gildeci: AH, TÁ BOM.

Filismina: TÁ BOM.

Gildeci: ERA ISSO QUE A GENTE QUERIA.

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ANEXO/B

FOTO

Da esquerda para a direita estão Geraldo Simões, Heron de Alencar, Vasconcelos Maia. Criança: Sílvia, filha

de Heron de Alencar. [194-] Bahia.

Foto cedida por Claude Santos. A foto consta na tese Heron de Alencar (1921-1972): Perfil intelectual e

discurso literário (2006) da pesquisadora Carla Patrícia Bispo de Santana.