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114Revista Educao por EscritoPUCRS, v.4, n.2, dez. 2013. p. 114128.
Dirios de aula: anlise de dirios de uma professora de um curso superiorde tecnologia de Porto Alegre, RS
Marcelo Oliveira da Silva1
RESUMO - O presente estudo busca aproximar a metodologia dos dirios de aula (cf.ZABALZA, 2004), da prtica de uma docente de um curso superior de tecnologia em umafaculdade da cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Brasil. Para tanto, analisamostrs aulas registradas pela professora. Buscou-se identificar padres de escrita nasanotaes realizadas. Foram identificadas duas categorias principais; a primeira em relao preparao da aula e os materiais necessrios; e a segunda aparece na adjetivao dasaulas, dos alunos e da prpria professora. Os dirios no deixam transparecer dvidas,inquietaes ou dilemas, mas permitem identificar caractersticas das aulas e da prtica dadocente.
Palavras-chave: Dirio, Dirios Pedaggicos, Curso Superior de Tecnologia.
CLASSROOM DIARIES: AN ANALYSIS OF THE DIARIES OF A LECTURERFROM A COLLEGE OF TECHNOLOGY IN PORTO ALEGRE, BRAZIL
ABSTRACT - This study seeks to verify the applicability of classroom diary methodologies
(cf. ZABALZA, 2004) to the everyday practice of a lecturer at a college of technology in the
city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. To do so, we analyze three classes
registered by the teacher in her classroom diary. We have attempted to identify patterns in
her written notes. We identified two main categories: the first regarding lesson
preparation and the materials required, and the second concerning the use of adjectives
related to classes, the students and the teacher herself. The teacher did not make use of herdiary to express doubts, concerns or dilemmas, but rather to identify the characteristics of
her classes and the practice of teaching.
Keywords: diary, classroom diaries, colleges of technology.
1Professor da Faculdade Senac Porto Alegre e doutorando em Educao pelo Programa de Ps-Graduao
em Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PPGE PUCRS). E-mail:[email protected]
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Introduo
A palavra dirio polissmica.
No dicionrio, a terceira acepo da
palavra obra em que se registram
diria ou quase diariamente
acontecimentos, impresses e confisses
(FERREIRA, 1999 p. 677). No presente
estudo, buscaremos entender os dirios
em suas relaes com o exerccio da
docncia. Os registros das aulas em
dirios permitem que o professor conheaaspectos da sua personalidade? Na
perspectiva trazida por Zabaza (2004), a
escrita de dirios de aula pode servir para
a reflexo posterior do prprio professor,
servido como fonte de retroalimentao,
ou seja, feedback constante sobre sua
prtica em sala de aula.A escrita de dirios uma forma
de se isolar e de se conhecer melhor
atravs da escrita (ARIS, 1991, p. 11).
A busca do autoconhecimento pela
escrita uma constante da histria da
civilizao. Ainda na Idade Mdia, Santo
Agostinho escreveu suas Confisses, querepresentam uma busca da comunho
com Deus por meio do texto. Ao
introduzir o volume da Histria da Vida
Privada que trata do perodo da
Renascena ao Sculo das Luzes, Aris
(1991) afirma que, a partir do sculo
XVI, a busca pela privacidade,
promovida, em parte, pela ascenso do
Protestantismo, levou popularizao da
prtica da leitura silenciosa. At ento, a
leitura em voz alta ainda era a forma mais
comum de acesso aos livros. Por outro
lado, a leitura silenciosa permitia que as
pessoas formassem sua prpria
interpretao do texto. Dessa forma,
tornando-se mais ntima e introspectiva.
A busca pelo autoconhecimento e
pela privacidade, somadas prtica daleitura individual, levaram a um novo
interesse pela escrita autobiogrfica.
Nesse contexto, so o dirio ntimo, as
cartas, as confisses de modo geral, a
literatura autgrafa que atesta os
progressos da alfabetizao e uma relao
estabelecida entre leitura, escrita eautoconhecimento [grifo do autor]
(ARIS, 1991, p. 11). Essa a principal
caracterstica atribuda ao dirio ao longo
da histria: texto de carter pessoal,
secreto e ntimo. Os dirios ajudam a
entender uma poca e seus costumes, e
tambm a personalidade e as inquietaesde quem os escreve, bem como os
costumes e prticas de determinada
poca.
Esses dirios pessoais, ntimos e,
em muitos casos, literrios, so os que
Zabalza descreve como de escrita
criativa e potica, na qual a narrao
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responde no apenas aos critrios de
refletir a realidade (como no modelo
jornalstico) como possibilidade de
imaginar ou recriar as situaes que se
narram(2004, p.15). No presente artigo,
debruamos sobre os dirios de aula na
perspectiva proposta por Zabalza (2004),
para entender a prtica de uma professora
de um curso superior de tecnologia. Os
mesmos dados serviram para anlise
anterior em comparao com os diriosde outros professores. Para tanto,
traamos algumas consideraes sobre
dirios de aula, apresentamos os
caminhos metodolgicos. Como principal
achado, podemos afirmar que os dirios
analisados trazem aspectos formais do
andamento e clima da aula. Os diriosno revelam dilemas, nem apresentam a
escrita de forma catrtica.
Dirios de aula
Todas as formas de dirio
permitem o autoexame e, portanto, o
autoconhecimento. Zabalza (2004), emsua obra, trata de um subgnero
especfico: os dirios de aula, que no
so estritamente planos de aula, registros
de presena ou de contedos ministrados.
Entretanto, os dois aspectoso pessoal e
o do registro esto conjugados na
proposta metodolgica do autor. Nessa
forma de dirio, o objetivo do autoexame
com a vantagem do distanciamento
temporal que o texto nos proporciona
est presente. Nas palavras do autor:
[e]screver sobre si mesmo traz consigo a
realizao dos processos a que antes
referimos: racionaliza-se a vivncia ao
escrev-la, [...] reconstri[-se] a
experincia, com isso dando a
possibilidade de distanciamento e de
anlise(2004, p. 18).Mello (2003, s/p),
complementando essa ideia, entende que
o dirio de aula o instrumento que serve
para expressar qual o estado atual da
nossa investigao sobre o pensamento
do aluno em formao, naquilo que se
refere parcela especfica do trabalhodesenvolvido em sala de aula. J na
viso de Alves (2004, p. 227), para
podermos trabalhar com dirios, devemos
tomar posicionamento face sua
utilizao, com a requerida confiana na
sua possibilidade de traduzirem,vlida e
fielmente, o pensamento e experinciasdos seus autores[grifos do autor]. Nesse
entendimento, os dirios de aula
possibilitam a anlise de quatro mbitos:
o mundo pessoal, os dilemas, a avaliao
e o reajuste de processos, bem como
perceber o desenvolvimento profissional
do professor.
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O exerccio da docncia bastante
solitrio, mesmo que em uma sala de aula
tenhamos cinquenta alunos inquietos, por
exemplo. O que acontece em sala de aula
dificilmente registrado; em alguns
casos, compartilhado na sala de
professores quando h oportunidade, em
geral, acontece quando o relato mais
srio e merece ser dividido. Para Zabalza
(2004, p. 17), os dirios permitem aos
professores revisar elementos de seumundo pessoal que frequentemente
permanecem ocultos sua prpria
percepo, enquanto est envolvido nas
aes cotidianas de trabalho. O dirio
permite que, ao escrevermos sobre nossas
vivncias e emoes, possamos
organiz-las, ter uma anlise distanciadae, talvez, dividi-las com nossos colegas.
Os dirios tambm so uma forma
de explicitar os nossos prprios dilemas
em relao atuao profissional como
docentes. Zabalza (2004) conceitua
dilemas como:
[...] constructos descritivos (isto ,identificam situaes dialticas e/ouconflitantes que ocorrem nos processosdialticos) e prximos realidade: sereferem no a grandes esquemasconceituais, mas a atuaes especficasconcernentes a situaes problemticasno desenvolvimento da aula(ZABALZA, 2004, p.19).
Os dilemas fazem parte da ao
docente, pois so fruto das reflexes
sobre as decises que o professor deve
tomar, impasses enfrentados entre o ideal
e o que possvel naquele momento: a
gesto prtica da aula. No entendimento
do referido autor, pela utilizao do
dirio que o professor pode deixar claro
ou implcito quais dilemas o perturbam, e
de quais mecanismos dispe para resolv-
los. Esses dilemas perpassam, muitas
vezes, a dicotomia entre a vida pessoal e
profissional. No h como separar osdilemas pessoais daqueles vividos em
sala de aula.
A terceira anlise aborda os
dirios como acesso avaliao e ao
reajuste de processos didticos,
permitindo ao docente um distanciamento
reflexivo da sua prtica. Para Zabalza(2004, p. 24), os dirios podem se tornar
o registro mais ou menos sistemtico do
que acontece nas nossas aulas, de modo
a extrair uma espcie de radiografia de
nossa docncia. Porlan (1987 apud
ZABALZA, 2004) estabelece um
conjunto de operaes que podemauxiliar nessa reflexo: (a) acumular
informao significativa sobre o processo
ensino-aprendizagem; (b) acumular
informao histrica sobre a aula e seu
entorno; (c) registrar momentos,
identificar problemas e acompanhar
temas de interesse; (d) analisar dados e
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refletir; (e) buscar soluo para
problemas; e (f) usar o prprio dirio
como objeto de pesquisa.
Os dirios de aula podem se
constituir um recurso para o
desenvolvimento profissional
permanente, pois, aps realizarmos as
etapas anteriores, estaremos, certamente,
em melhores condies de entendermos e
revermos a nossa prtica docente. Nesse
sentido, Zabalza (2004) estabelece cincoetapas cclicas: (1) tomada de conscincia
dos seus prprios atos; (2) aproximao
analtica com relao s prticas
profissionais; (3) aprofundamento da
compreenso do significado das aes;
(4) tomada de decises e de iniciativas de
melhorias; e (5) incio de um novo ciclode atuao profissional. Zabalza (2004,
p.29) acredita que justamente assim
que nos instalamos em um circuito
permanente de melhoria da qualidade de
nossa atividade profissional. Entretanto,
esse processo reflexivo penoso e nem
sempre o professor est disposto a inicia-lo.
O mesmo autor acrescenta ainda
outros aspectos do uso dos dirios: (a) o
sujeito se acostuma a refletir e retorna,
narrando o que aconteceu; (b) acostuma-
se a escrever; (c) encontra no texto
feedback imediato e permanente; (d)
divide mais facilmente experincias e
pode trabalhar de modo cooperativo; (e)
pode usar seu texto em conjunto ou de
forma complementar a outras
metodologias de trabalho. A partir dessas
consideraes, podemos pensar nas
mltiplas possibilidades de utilizao dos
dirios, sejam elas como mecanismo de
catarse dos dilemas, como registro da
prtica docente que permita a reflexo, ou
ainda como mecanismo auxiliar naavaliao dos alunos e da turma.
Em sua experincia, Zabalza
(2004) identificou trs tipos de dirios. O
primeiro deles aquele em que aparece a
aula organizada em sua estrutura,
assemelhando-se, portanto, ao
planejamento de aula. O segundo tipo oque apresenta descrio de tarefas, que
podem ser minuciosas em alguns casos
ou apenas identificadas em outros. Nesse
tipo de dirio, comum aparecerem os
objetivos estabelecidos pelo professor
com relao determinada atividade, o
que permite entender a dinmica dasaulas. A terceira e ltima vertente de
dirios identificada pelo autor o dirio
expressivo e autoexpressivo. Esses
dirios esto centrados nas pessoas que
participam do processo, como se
percebem, como atuam, o que sentem.
Nesse caso, o fator pessoal predomina
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sobre o fator tarefa (p. 62).Encontramos
ainda dirios mistos, que combinam
caractersticas dos trs grupos.
No entendimento de Silva e
Duarte:
[...] para que tudo isto se torne possvel,o professor deve elaborar descries dosacontecimentos que ultrapassem o nveldo simples relato e contemplem a anlisedas causas que o motivaram e das suasconsequncias. Mais, no deve apenasproblematizar a prtica, mas procurar
hipteses bem fundamentadas queconstituam alternativas de aco.(SILVA; DUARTE, 2001, p. 74)
Dessa forma, as autoras
asseveram que o dirio de aula deve ir
alm da mera descrio de fatos e
comportamentos para poder aprofundar
as questes emergentes da prtica da sala
de aula. As autoras propem que osdirios de aula sejam utilizados como
ferramenta na formao de professores e
que, por meio deles, seja possibilitada a
reflexo e ao mais efetiva na prtica do
professor.
Na percepo de Hammouti
(2002), o dirio pode ser utilizado dediversas formas: (a) como metodologia
de pesquisa, na coleta de dados e como
fonte de anlise da subjetividade do
escritor do dirio; (b) como possibilidade
de formao continuada de professores,
desenvolvimento profissional e pessoal,
oportunidade de reflexo por meio das
prticas pedaggicas e seus resultados;
(c) como mtodo de interveno na
realidade, por meio da pesquisa-ao.
O autor prope outro tipo de
dirio o Dirio Etnogrfico Profano,
que um registro feito no dia a dia, de
acontecimentos e eventos cotidianos,
ordinrios e extraordinrios, a partir da
observao participante da vida social
dos grupos e instituies das quais os
diaristas fazem parte integrante(HAMMOUTI, 2002, p. 13). Os
diaristas podem ser tanto professores
quanto alunos, proporcionando uma
autoanlise coletiva da instituio
educativa ou do projeto institucional,
pedaggico, poltico e social (p. 17).
Aspectos metodolgicos
Para entendermos o contexto em
que est inserido o presente estudo,
valem algumas consideraes
metodolgicas. O autor trabalha em uma
instituio de ensino superior, que
oferece majoritariamente cursos degraduao tecnolgica, dessa forma,
solicitou aos colegas que elaborassem
dirios de aula, como prtica reflexiva.
Os dados aqui analisados foram
anteriormente publicados, com outro foco
a escrita reflexiva desses professores
sujeitos da pesquisa. A anlise realizada
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no presente artigo est direcionada aos
registros de uma das professoras que
concordou em participar da pesquisa. A
professora, sujeito da pesquisa, entregou
o registro de trs dias de aula.
O presente estudo fruto de
anlise realizada posteriormente, com os
mesmos dados coletados. Decidimos
combinar a tcnica de anlise de dados
proposta por Bardin (1999) com a
proposta de anlise de Zabalza (2004) aosdirios entregues por uma das
professoras. Seguimos o proposto por
Zabalza (2004, p. 58-59) como
metodologia: uma primeira leitura
exploratria para evitar uma tipificao
prematura; uma segunda leitura, com
anotaes margem e seleo deafirmaes e dados relevantes.
A segunda leitura deve seguir trs
focos de ateno: (a) as pautas ou
patterns (padres), que permitem uma
caracterizao descritiva da aula; (b) os
dilemas que professor apresenta, ou o
conjunto de aspectos que o professorapresenta como problemticos e que
resultam em preocupaes, incertezas ou
reflexes; e (c) as tarefas realizadas em
aula, com relao s estratgias usadas
pelo professor para cada aprendizagem
pretendida. Na anlise, o foco se voltar
aos padres identificados no dirio de
aula.
Anlise de dados
A professora, ora sujeito de
pesquisa, leciona em um curso de
graduao tecnolgica, e disponibilizou
trs registros de suas aulas. Pela leitura
flutuante, pudemos perceber que os
dirios seguem um mesmo esquema em
sua organizao: preparao das aulas,materiais que sero utilizados e prazos;
em seguida, estabelece os objetivos da
aula; logo, h uma descrio de como os
alunos se comportaram; por fim,
caractersticas da professora que
influenciam o comprometimento dos
alunos e o bom andamento das aulas.Nos dirios, pouco encontramos
dilemas, dvidas, angstias ou
inquietaes vivenciados pela professora.
Sua escrita bastante direta, objetiva e,
portanto, pouco pessoal. Os dirios
analisados esto em desacordo com uma
das possibilidades propostas por Zabalza
(2004) para o uso do dirio de aula, que
a escrita como forma de reflexo da
prtica do professor, proporcionando o
autoconhecimento. O dirio estimula a
autoinvestigao, o professor como seu
prprio investigador.
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Os dirios da docente revelam
algumas prticas pedaggicas:
planejamento, execuo e percepo da
aula. Entretanto, no se caracteriza como
escrita reflexiva. Um exemplo se
encontra no seguinte registro da primeira
aula no dirio:
Objetivos alcanados (cfe previsto
p/aula inicial): levar ao conhecimentodos alunos...1 - Apresentao dos professores
(havia tb o professor que ir desenvolveras aes prticas da U.E.[Unidade deestudo]) e acadmicos.2 - Plano da U. E.ementa e propostade competncias; focos temticos;estratgias de ensino e aprendizagem;avaliao de processo; bibliografiabsica e complementar.3 - Fundamentos (conceitos iniciais)[...]4 - Finalizao da aula com entregadas cpias dos textos p/leitura e estudo[...]. [grifos da docente]
Quando a docente estabelece os
passos que foram seguidos nas aulas,
como em um plano de aula, j avisa de
antemo que os objetivos foram
alcanados de forma satisfatria. Dessa
forma, no deixa margem para dvidas
planejamento realizado, objetivos
cumpridos, aes que comprometem o
aluno e adquirem respeito e segurana
pelo ensino a ser ministrado.Nos outros
dirios analisados, a professora segue o
mesmo tipo de esquematizao. Trata-se
do que Zabalza (2004, p. 61) chama de
dirio como descrio das tarefas: no
caso deste dirio, a docente apresenta as
tarefas e tece alguns comentrios sobre o
desenvolvimento das mesmas. Dessa
forma, vale o questionamento sobre as
possibilidades de reflexo, em um
registro que revela pouco sobre a
condio da professora em sala de aula,
suas inquietaes e dilemas. Entretanto,
os dirios apresentados so bastante
reveladores da proposta pedaggica, da
formatao da aula e da autoimagem daprofessora.
Em um segundo momento da
anlise, buscamos identificar padres nos
dirios analisados e suas recorrncias.
Chamaram nossa ateno duas categorias
principais na leitura dos dirios. A
primeira categoria apresenta oplanejamento e o uso dos materiais
didticos; j a segunda identifica a
caracterizao do clima da aula e do
comportamento, alm de atitudes dos
alunos e as representaes da prpria
docente. A segunda categoria foi dividida
em quatro quadros, em que soapresentadas as qualidades atribudas a
cada uma das subcategorias.
A seguir, apresentamos o Quadro
1, que resume a primeira categoria a ser
analisada.
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Quadro 1Planejamento e materiaisDirio 1 Dirio 2 Dirio 3
orientaes
dacoordenao --
padres e
orientaesnormativas
da IESnormativas
das IESnormativas
das IESantecedncia
(2)antecedncia
--conforme
cronogramaconforme
cronograma
--utilizao
adequada doquadro
utilizaoadequada
do materiale do quadro
entrega dos
materiais edocumentosde apoio
disponibilizar
materiais edocumentosde apoio
entrega dos
materiais edocumentosde apoio
Fonte: do Autor do artigo
Pelas recorrncias identificadas
nos dirios, podemos entender que a
professora preza pelo cumprimento do
que determinado pela instituio e das
orientaes recebidas da coordenao de
curso. Como a organizao parece ser
fundamental para a professora, o
planejamento com antecedncia, que
exigido pela Instituio para
agendamento de materiais, salas e
fotocpias, aparece duas vezes no
primeiro dirio e uma no segundo. Nesse
planejamento, a professora estabelece um
cronograma, que, ao menos nas aulas
descritas, foi seguido risca.
O resultado de seguir as regras e
orientaes, planejar e executar o
cronograma, utilizar mtodos e materiais
de forma adequada e entregar materiais
de apoio, leva, na percepo da docente,
a uma boa aula. Algumas dessas
atribuies so frequentemente encaradas
pelos professores como tarefas de menorimportncia, at mesmo pelo seu carter
burocrtico. Entretanto, percebemos,
pelos registros analisados, que a docente
entende o planejamento, agendamento de
materiais e execuo do cronograma
como questes fundamentais para as
atividades em sala de aula. Dessa forma,esses aspectos se refletem diretamente na
relao com a aprendizagem dos alunos,
segundo os registros analisados.
As aulas registradas em forma de
dirio seguem o mesmo padro de escrita.
Em trs dirios, a professora repete a
mesma frase em relao ao planejamentoda aula: Utilizao adequada do quadro
branco e canetas marcadores nas cores
preta, azul e vermelha. Seguindo esse
raciocnio, a docente acredita que o uso
adequado e correto do quadro branco
com canetas de cores diversas um timo
recurso para um ensino-aprendizagem de
boa qualidade. Em conversa posterior a
entrega dos dirios, a professora relatou
que seria interessante que houvesse um
formulrio padro para e escrita de
dirios. Dessa forma, contrariando a
proposta de uma escrita catrtica e
reflexiva dos dirios de aula.
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Um segundo padro encontrado
nos dirios se encontra nas palavras
utilizadas pela professora para descrever
as aulas, os alunos e a si mesma. No
Quadro 2, apresentamos a caracterizao
realizada pela professora das suas aulas.
Quadro 2Caracterizao das aulasDirio 1 Dirio 2 Dirio 3
gratificante -- --clima e
ambiente
descontradoe leve
clima eambiente
descontrado
clima eambiente
descontrado
-- --
discussesde casos [...]ilustraram a
aula
--
[...] sempreso motivode atenodos alunos
--
--ilustrar com
vdeos eslides
--
Fonte: do Autor do artigo
Em relao s representaes
sobre o espao da sala de aula, a
professora identifica, nos trs dirios que
as aulas transcorreram em um clima e
ambiente descontrado; no primeiro
dirio, aparece ainda o adjetivo leve.
Pela leitura dos dirios, fica claro que h
uma preocupao da professora em
relao ao ambiente de sala de aula e,
tambm, que percebe que o clima
amistoso e informal.
H apenas uma representao
pessoal sobre o sentimento da professora
em relao prtica de sala de aula no
primeiro registro: Este dia de aula foi
gratificante. Mesmo que no aparea em
outros dirios, mantivemos como
caracterizao da aula, pela relevncia de
ser a nica expresso da docente em
relao a seus sentimentos.
A professora tambm retrata que
os contedos ministrados permitem
discusses de casos, ou seja, a
professora e os alunos trazem exemplos
que ilustra[m] a aula. Como estamosinseridos no contexto de um curso de
tecnologia, esperado que os alunos e os
professores estabeleam ligaes entre a
teoria com exemplos prticos, com a
realidade e com as experincias
vivenciadas. A professora acrescenta que
o uso de vdeos e slides so boasalternativas para o turno da noite. Aqui,
podemos entender a prtica docente no
contexto dos alunos do noturno, pois, em
geral, chegam cansados, direto do
trabalho para a aula. O professor precisa
utilizar mtodos que os mantenham
acordados, participativos e atentos.Seguindo essa caracterizao, a
professora utiliza mais adjetivos para
descrever a postura e comportamento dos
alunos do que para a prpria aula.
Elencamos essas representaes no
Quadro 3 a seguir:
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Quadro 3Caracterizao dos alunosDirio 1 Dirio 2 Dirio 3
concentrados
,interessadose
participativos
interessados eparticipativos
concentrados, interessados
eparticipativos
;demonstraram interesse
intervenespertinentes
Nihilintervenespertinentes
experinciasde vida
(ilustraes)
experinciasdos alunos efamiliares
experinciasde vida
--alunos
reflexivos--
--comprometido
s --
--vivncias em
estgios
j estagiouou trabalha
na rea;experinciasde vida e do
trabalhoFonte: do Autor do artigo
Nos dirios analisados aparecem
caractersticas dos alunos relacionadas
sua postura em sala de aula: Alguns
alunos mostraram-se interessados e
participativos. Houve interesse dos
alunos em saber quais medidas
preventivas. Nos outros dois dirios, os
alunos so descritos como concentrados,
interessados e participativos. No
segundo registro do dirio, os discentesaparecem como reflexivos sobre as suas
prprias prticas e experincias, e
comprometidos com a aprendizagem. Os
alunos realizam intervenes
pertinentes, pois trazem suas
experincias de vida, de estgio e
trabalho e de seus familiares para que
ilustrem a aula.
Os alunos da Instituio estudada,
na sua maioria, vm do mundo do
trabalho. Alguns, que apenas estudam,
logo conseguem estgio na rea. Dessa
forma, o comportamento atribudo pela
professora aos alunos comum na
Faculdade. Ressaltamos que no h
registro de situaes que possam
interferir negativamente nas aulasregistradas. Nessa categoria, aparecem os
registros que Zabalza (2004, p. 62)
chama de dirios como expresso das
caractersticas dos alunos. O autor
identifica uma caracterstica forte nesse
tipo de dirio: o dirio uma constante
referncia a nomes de alunos, ao quecada um deles faz, a como vo evoluindo,
a como o professor os v. Nos dirios
estudados, a referncia aos alunos
sempre no coletivo (os alunos, alguns
alunos), e no h individualizaes,
como na conceituao de Zabalza.
Entretanto, podemos pensar narealidade de um professor do ensino
superior, que tem vrias turmas repletas
de alunos, atua em mais de uma
instituio, em mais de um curso. No
caso do curso em que os dirios foram
desenvolvidos, por se tratar de uma turma
de terceiro semestre, a mdia de alunos
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de trinta por turno. A nica pessoa que
tem registro com nome e atitude a
assessora pedaggica da mantenedora,
que vista as aulas para avaliar a prtica
docente. A observao da assessora foi
retratada da seguinte forma: Devo
registrar que nos dois ltimos perodos
recebi a visita da Prof. [nome suprimido],
que realizou a superviso pedaggica de
minha conduta nesta aula, tendo recebido
ao final dos perodos a devoluo daavaliao. Nesse caso, a docente no
teceu comentrios de como se sentiu, ou
qual foi ofeedback recebido.
Alm disso, no h como saber se
a presena da assessora pedaggica
interferiu no andamento da aula, ou no
ambiente, ou nos sentimentos e aes daprofessora, exceto quando esta afirma:
sendo que a participao e colaborao
dos alunos e da Prof. [nome suprimido]
nas discusses de casos j identificados
ilustram sobremaneira a aula. Como
trabalho diretamente com a assessora
pedaggica, pude ouvir vrios relatosdessa participao ativa na observao da
aula quando gosta da aula, empolga-se
e participa ativamente como se fosse uma
aluna. Outros professores relataram de
maneira informal que sentiram certo
desconforto com a presena de uma
pessoa que os estava avaliando.
Entretanto, a docente recorre
autoexpresso ao descrever suas
habilidades e competncias. Retratamos a
autoimagem da docente no Quadro 4:
Quadro 4Autoimagem da professoraDirio 1 Dirio 2 Dirio 3
pontualidade -- --
seguranasegurana
demonstradasegurana
organizao -- organizao
--experincia;
conhecimento;domnio;
--
entrega dosmateriais edocumentos
de apoio
disponibilizarmateriais edocumentos
de apoio
entrega dosmateriais edocumentos
de apoio
--ilustrar com
vdeos e slides--
Fonte: do Autor do artigo
Pela anlise do Quadro 4,
podemos perceber que algumas atitudes,
no entendimento da professora, levam aocomprometimento do aluno:
pontualidade, segurana, experincia,
domnio de contedos e organizao.
Aqui, o professor se torna um modelo a
ser seguido pela turma por exemplo, se
o professor chega atrasado, no pode
cobrar pontualidade dos alunos. A
proposta da professora parece ser a de um
crculo virtuoso entre o modelo de
conduta adotado por ela e o exigido dos
alunos.
Outra questo que aparece nos
trs dirios analisados o
comprometimento em entregar aos alunos
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materiais (fotocpias, lista de
bibliografia, casos para estudo) com
antecedncia (tempo hbil para o acesso).
Dessa maneira, a relevncia conferida ao
planejamento perpassa a descrio da
aula e da prpria descrio da atuao da
professora. Com esse entendimento,
poderamos pensar que o planejamento
evitaria possveis percalos nas relaes
estabelecidas entre professor e alunos e
entre professor e instituio (coordenaode curso).
Complementando as ideias
anteriormente trazidas, a professora
enaltece suas prprias qualidades de
forma repetida em seu dirio, como a
seguir:
A experincia e conhecimento prtico daprofessora, segurana e organizaodemonstrada ao fundamentar o tema emestudo e a entrega dos materiais edocumentos de apoio instrucionaisnecessrios so essenciais paradesenvolver um estudo e ensino de boaqualidade.
claro que esses elementos
tambm instrumentalizam uma boa aula.
Nem sempre temos a possibilidade de
trabalhar nas melhores condies fsicas,
psquicas e de infraestrutura institucional.
Problemas acontecem com certa
frequncia no fazer docente. s vezes,
inclusive, no conseguimos controlar
interferncias externas, como a presena
da assessora pedaggica para efetuar uma
avaliao. Por mais experincia, reflexo
e contedo que tenhamos acumulado em
nossa vivncia de sala de aula, sempre h
novas situaes que devemos enfrentar.
A experincia docente e suas relaes
com os imprevistos valeria uma
investigao posterior.
No relato inicial de Zabalza
(2004, p. 09) sobre as primeiras
experincias ao escrever um dirio, oautor relembra: Naquela ocasio,
escrever um dirio foi como travar uma
espcie de dilogo comigo mesmo, tratar
de racionalizar ao acabar a jornada
[grifo do autor]. Haveria que investigar se
essa necessidade de catarse permanece
com o acmulo de experincia, ou se odistanciamento proposto pelo dirio de
aula no se faz mais necessrio. Outra
inquietao que nos surge em relao
ao circulo de melhoria identificado por
Zabalza (2004) como um dos principais
resultados da escrita de dirios. Esse
crculo de melhoria capaz de nosintroduzir em uma dinmica de reviso e
enriquecimento da conscincia [grifo do
autor] (p. 11). De modo, que essas
reflexes no se encerram com a
elaborao deste artigo.
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Consideraes finais
De modo a encerrar a reflexo
proposta, apresentamos algumas
consideraes. O estudo dos dirios de
aula pode ser to fascinante quanto os
relatos dos dirios literrios. Nos dois
tipos, encontramos revelaes de traos
da personalidade, inquietaes e
idiossincrasias do diarista.
Os professores, por meio de sua
escrita, tambm revelam suas prticas easpectos de sua personalidade da mesma
forma que na literatura. Nos dirios,
aprendemos sobre os costumes de uma
poca (prtica) e sobre as crenas de
quem registrou seus pensamentos.
Barcellos (2009, p.15), um pesquisador
da rea de Histria que estuda dirios dosmais diversos, admite que os diaristas
gostam de ver a imagem que cada um
faz de si; dessa maneira, revelamos
nossa autoimagem, como no caso
estudado.
Cada relato pode ser interpretado
de forma diferente pelos leitores. Aautoimagem refletida no dirio nem
sempre a mesma do leitor. Nos dirios
analisados, a professora ressalta a
organizao da instituio e da professora
como os fatores mais importantes para o
sucesso de uma aula. Os registros no
apresentam dilemas ou reflexes
pedaggicas em profundidade na sua
escrita. Por outro lado, a professora est
sempre preocupada com o processo de
ensino-aprendizagem, com o crescimento
dos alunos, e utiliza metodologias
distintas (ao que tudo indica, bem
aplicadas a suas aulas).
Zabalza (2004, p.142) acredita
que devemos escrever um dirio quando
sentimos que estamos sendo muito
pressionados ou acumulando muitatenso interna. Segue afirmando que o
dirio nos oferece um mecanismo de
catarse protegida [grifo do autor]. A
professora tem uma longa carreira na
docncia, e j foi coordenadora de curso,
o que talvez tenha ligao direta com o
no aparecimento de dilemas em seusdirios. Por outro lado, possvel que
tenha desenvolvido certo receio de fazer
essa catarse e de se expor.
Na obra Dirios de aula,
encontramos frequentemente a
preocupao do autor com a reflexoo
dirio serve para que o profissional tenhaum distanciamento da sua prpria prtica,
e possa reavali-la. A velocidade, que nos
leva de semestre a semestre,
frequentemente no permite aos
professores a parada necessria para a
reflexo sobre sua prtica pedaggica. Se
no pararmos, ordenarmos nossos
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pensamentos e analisarmos nosso fazer
docente, como seremos melhores
professores? A prtica do dirio pode ser
a resposta para alguns professores, que se
interessem em embarcar nesse exerccio
constante e desafiador.
Referncias
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ZABALZA, Miguel. Dirios de aula:um instrumento de pesquisa edesenvolvimento profissional. PortoAlegre: Artmed, 2004.
Artigo submetido em setembro de 2013
Artigo aceito em dezembro de 2013
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