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    A terminologia do futebol: um estudo direcionado pelocorpusFootball terminology: a corpus-driven study

    Sabrina Matuda*Stella E. O. Tagnin**

    RESUMO: Este artigo tem como objetivoestudar a terminologia do futebol em ingls eportugus. Para tanto, a fundamentaoterica embasa-se na Lingustica de Corpus,na Terminologia Textual, na traduo tcnicacomo condicionante cultural e no conceitoforma-representao. O corpus de estudo

    possui aproximadamente um milho depalavras em cada lngua. Para etiquetar ocorpus, utilizamos o etiquetador TreeTagger, desenvolvido por Helmut Schmid, e,para explor-lo, o WordSmith Tools,de MikeScott.

    PALAVRAS-CHAVE: Traduo.Linguistca de Corpus. Terminologia.Futebol e cultura.

    ABSTRACT: This article aims atinvestigating football terminology in Englishand Portuguese. To that aim, the study isbased on the notions of Corpus Linguisticsand Textual Terminology. To explain culturaldifferences, technical translation is viewed asa communicative act subject to cultural

    restraints and the concept of form-representation is called upon to elucidatesuch differences. Our corpus consists ofapproximately two million words. To tag thecorpus we used Helmut Schmids Tree-Tagger and to explore the corpus we usedMike Scotts WordSmith Tools.

    KEYWORDS: Translation. CorpusLinguistics. Terminology. Football andCulture.

    1. Por que estudar a terminologia do futebol

    O futebol o esporte mais praticado no Brasil e no mundo. reconhecido

    mundialmente como competio, manifestao cultural e at mesmo como um mercado na

    ordem econmica. A FIFA (Federao Internacional de Futebol Associado) congrega mais de

    140 milhes de jogadores de 300 mil clubes, em 207 pases afiliados.

    O Brasil, conhecido mundialmente como o Pas do Futebol, tem aproximadamente

    40 milhes de praticantes, entre atletas profissionais e amadores, cerca de 11 mil jogadores

    federados, 800 clubes, mais de dois mil atletas atuando em outros pases e 580 estdios. Alm

    de, pelo menos, 20 mil campinhos de pelada, nos bairros de classe mais baixa , escolinhas

    de futebol e milhares de torcedores.

    *Doutoranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas (FFLCH) da Universidade de So Paulo(USP).**

    Livre Docente pela Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas (FFLCH) da Universidade de SoPaulo (USP).

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    O esporte praticado em todo o pas por camadas sociais distintas e em diferentes

    espaos: campos de vrzea, quadras, praias, ruas, escolas, clubes etc. Enfim, parte do

    cotidiano de muitos brasileiros. DaMatta (1982) destaca que o futebol praticado, vivido e

    discutido no Brasil um dos modos pelo qual a sociedade brasileira fala, se apresenta e se

    deixa descobrir. Nessa mesma linha, tambm notrio o reconhecimento do futebol, no

    Brasil, como objeto das cincias humanas ao longo dos ltimos anos. Sobretudo a partir da

    dcada de 1990, ampliaram-se as pesquisas acadmicas e publicaes editoriais acerca do

    futebol (GIGLIO; SPAGGIARI, 2010).

    Essa popularidade, tanto no Brasil quanto em outros pases, tem aumentado a

    participao da indstria do futebol na economia mundial, movimentando cerca de 250

    bilhes de dlares anuais (LEONCINI; SILVA, 2005). fato que as relaes futebolsticas entre o Brasil e os pases da Europa crescem cada

    vez mais (CRUZ, 2005), seja pelo intercmbio de contratos de jogadores e tcnicos, pelos

    direitos de transmisso de campeonatos, pelo patrocnio de jogadores por grandes marcas ou

    por qualquer outra negociao que envolva um produto relacionado ao futebol.

    Para que todas essas relaes se materializem, estabelece-se uma comunicao que, na

    grande maioria das vezes, se d em lngua inglesa. No entanto, cada nao tem a sua maneira

    de jogar, torcer e narrar, maneira, essa, expressa por meio de sua lngua materna. O problemasurge quando se quer expressar essas particularidades em uma lngua estrangeira.

    Embora seja, muitas vezes, relacionado somente ao lazer, o futebol no deixa de ser

    uma rea de especialidade tanto no Brasil quanto em outros pases. Sendo assim, possui uma

    linguagem prpria utilizada para descrever o universo a ele relacionado. Essa linguagem

    padronizada e, justamente por esse motivo, no pode ser utilizada de qualquer forma. Ao falar

    em padronizao, no pretendemos, de forma alguma, tentar normatizar o lxico do futebol

    para favorecer a eficcia das comunicaes especializadas em torno dessa temtica. Aocontrrio, pretendemos favorecer as peculiaridades de cada texto dentro de seu discurso

    (KRIEGER; FINATTO, 2004) levando em conta os aspectos histricos e socioculturais

    presentes em cada cultura.

    A fim de melhor entender como essas particularidades histricas e socioculturais se

    manifestam na lngua, utilizamos o conceito forma-representao proposto por Toledo (2002).

    Segundo o antroplogo, o conjunto de regras que define a atividade como esporte no

    delimita as maneiras de jogar. Na verdade, a apropriao e a interpretao cultural que cada

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    regio faz das regras que determinam as formas de jogo. Justapostas, as regras e as formas

    de jogo do origem s representaes, ou seja, o ajustamento da observao emprica das

    formas de jogo em um plano simblico que, por sua vez, consolida as conhecidas escolas,

    jeitos e estilos de se jogar.

    2. Objetivos

    O principal objetivo deste artigo, recorte de nossa pesquisa de doutorado que est

    sendo desenvolvida no programa de Estudos da Traduo da Universidade de So Paulo,

    demonstrar como a extrao terminolgica e a identificao de equivalentes tradutrios em

    corpora comparveis contribui para uma investigao terminolgica que transpe a esfera

    lingustica e que considera fatores culturais e histricos no processo de entendimento do

    lxico especializado. Para tanto, estabelecemos dois princpios, a saber:

    1) a pesquisa foi feita do portugus para o ingls;

    2) como se trata de um estudo exploratrio, ilustramos os passos seguidos para a extrao

    terminolgica e a identificao de equivalentes tradutrios por meio de um estudo de

    caso com gol, segundo termo mais frequente no corpus, e a unidade fraseolgica1

    mais frequente que comporta o termo: fazer um/o gol.

    3. Traduo tcnica como condicionante cultural

    Entendemos traduo tcnica como um ramo da traduo que se ocupa da traduo de

    textos de lnguas de especialidade. Os tradutores, assim como os intrpretes, os redatores

    tcnicos, os jornalistas e os documentalistas so usurios indiretos das terminologias, pois a

    eles interessa o uso adequado dos termos, das fraseologias e de expresses idiomticas para

    que o texto esteja de acordo com as normas de convencionalidade que regem a produo do

    tipo e do gnero textual em questo na cultura em que produzido.

    Muito comum a ideia de que a traduo tcnica, diferente da literria, constitui um

    universo parte, pois, para alguns, sua terminologia no se deixa contaminar por relaes

    contextuais e pragmticas, possuindo certa estabilidade que favorece e facilita o processo

    tradutrio. Com base nesses preceitos, a traduo tcnica , muitas vezes, definida como uma

    1

    Em nosso trabalho, consideramos unidades fraseolgicas associaes de, no mnimo, duas palavras, sendo umadelas obrigatoriamente uma palavra-chave no corpus e que apresentem frequncia maior ou igual a trs.

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    operao de transcodificao em que os conceitos constituem uma [sic] amlgama

    indissolvel e imune aos efeitos do tempo e do espao, a fim de poderem resistir a uma srie

    de condicionantes a que esto expostos. (AZENHA, 1999, p. 10).

    Adotamos a proposta de Azenha (1999, p. 60), a de uma traduo tcnica que vai alm

    dos limites do texto, uma traduo que define o ato tradutrio tendo como ponto de partida o

    ato de comunicao. Em virtude disso, o texto tcnico, assim como qualquer outra forma de

    comunicao, est atrelado a uma realidade scio-histrico-cultural.

    Para o autor, no podemos deixar de lado as relaes que o texto tcnico trava com o

    contexto em que produzido. Ao contrrio, os termos, as fraseologias, as definies, os

    equivalentes e as expresses devem ser empregados de maneira convencional2 no texto de

    chegada, respeitando as variveis ligadas ao emissor, receptor, situao e objetivo decomunicao.

    Neste estudo, consideramos equivalente uma unidade fraseolgica que funcione no

    texto de chegada como funciona no texto de partida (TAGNIN, 2007, p. 1). O conceito,

    bastante amplo, nos permite identificar equivalentes no s no nvel da palavra, do texto ou da

    frase, mas tambm equivalentes pragmticos, ou seja, equivalentes que, embora no reflitam

    uma traduo direta para a lngua de chegada, so utilizados no mesmo contexto e com o

    mesmo objetivo comunicativo.Ao considerarmos que os termos so empregados em dado cenrio histrico-cultural e,

    portanto, condicionados por normas sociais e lingusticas sempre sujeitas a alteraes

    (AZENHA, 1999, p. 22), no vemos outra possibilidade seno o uso de corporacomparveis

    para a identificao dos equivalentes tradutrios.

    4. Terminologia Textual

    Neste estudo, adotamos a Terminologia Textual como aporte terico para nossapesquisa.

    Seria invivel falar de Terminologia Textual sem discutir, ainda que brevemente, seu

    objeto de estudo: o texto especializado que, segundo Hoffmann (1998 apud KRIEGER;

    FINATTO, 2004, p. 113) , possui dois eixos bsicos: um horizontal, relacionado ao critrio

    temtico, englobando diferentes disciplinas e suas eventuais subdivises, e um vertical,

    2

    Adotamos a definio de convencionalidade proposta por Tagnin (2005): forma peculiar de expresso de umadada lngua ou comunidade lingstica p.14.

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    relacionado ao grau de especializao do texto, ou seja, densidade terminolgica. A

    classificao de Hoffmann ressalta o fator pragmtico no mbito das comunicaes

    especializadas e enfatiza o papel que as unidades lexicais assumem em diferentes contextos

    especializados de comunicao.

    Alguns tipos de texto possuem maior densidade terminolgica do que outros: em

    nosso caso, as notcias de resultados de partidas possuem densidade terminolgica bem menor

    do que os relatos de partida minuto a minuto. Por outro lado, seria ingenuidade de nossa parte

    analisar a densidade terminolgica de nosso corpussomente pela diviso de gneros textuais.

    Por esse motivo, optamos por adotar um carter gradual para observar a densidade

    terminolgica dos textos, pois, por exemplo, um texto sobre resultado de partida publicado

    por um tabloide ingls pode apresentar uma terminologia bem distinta daquela expressa emum texto do mesmo gnero publicado por um jornal mais tradicional. Essa variao

    terminolgica no se refere apenas densidade terminolgica de um texto, mas tambm s

    diferentes terminologias encontradas em peridicos distintos. Por esse motivo, mais do que o

    tema, o grau de densidade informativa, a forma de se comunicar, a situao em que se

    comunica e para quem se comunica constituem fatores determinantes do grau de

    especializao de um texto.

    Krieger e Finatto (2004) propem que a variao tipolgica no mbito dacomunicao especializada se reflete, por exemplo, na distino entre uma tese, um artigo de

    peridico altamente especializado em determinada rea do conhecimento e um texto de jornal

    ou de revista informativa redigido com a finalidade de divulgar ao grande pblico um

    acontecimento cientfico. Essa distino no pode ser aplicada ao nosso caso por vrios

    motivos. Primeiramente, devido grande repercusso que o futebol tem na sociedade

    moderna, a delimitao de grande pblico e de especialistas se torna um pouco controversa.

    Em um primeiro momento, tenderamos a caracterizar os jornalistas esportivos, jogadores,tcnicos e membros da comisso tcnica como especialistas e os leitores e fs de futebol em

    geral como grande pblico. No entanto, o que acontece que, em se tratando de futebol,

    todo torcedor pode ser considerado um especialista na rea.

    Devido a essa grande dificuldade de delimitao de grande pblico e de

    especialistas, adotamos, aqui, a classificao de atores sociais do futebol proposta por Toledo

    (2002, p. 15):

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    Parto de trs [atores sociais] dentro do campo esportivo: os profissionais(jogadores, tcnicos, dirigentes, juzes, preparadores, mdicos, etc.), osespecialistas (a crnica esportiva) e o conjunto genrico de torcedores,comuns ou nomeados e reunidos em certas coletividades especficas.

    Essa classificao utilizada por Toledo para uma anlise das lgicas do futebol, com

    o propsito de caracterizar os grupos sociais que se expressam por meio do futebols. Dentro

    dessa ordem, os profissionais so todos aqueles que interferem diretamente no jogo, quer

    dentro do campo, como os jogadores, quer fora do campo, como os dirigentes e instituies

    como federaes. Os especialistas so representados pela crnica esportiva e pelo jornalismo

    esportivoe, segundo Toledo, ocupam um lugar simblico equidistante entre os profissionais e

    os torcedores, pois no participam efetivamente da partida, mas tambm no se comprometem

    em um nvel de emoo partidria, pelo menos em teoria. Por fim, o grande pblico

    caracterizado pelos torcedores.

    a classe dos especialistas que mais nos interessa neste trabalho, pois atravs do

    produto do fazer jornalstico que observamos o futebol fora de seu locus de ritualizao

    mxima, que a partida. Ademais, tambm por meio dos textos jornalsticos que o futebol

    alcana o grande pblico. Contudo, no podemos deixar de enfatizar a importncia que o

    terceiro grupo, o conjunto genrico de torcedores, desempenha em nossa pesquisa, pois

    frequentemente recorremos a torcedores e amantes do esporte para melhor entender uma

    jogada ou drible.

    Deve-se somar, ainda, classificao de Toledo, o grau de densidade informativa da

    notcia, a forma de se comunicar, os traos de impessoalidade do jornalista, o contexto em que

    a notcia foi produzida3, o propsito da comunicao, que pode ser mais informativo, mais

    descritivo, mais tcnico, para que, assim, seja possvel caracterizar o texto tcnico

    propriamente.

    Nessa concepo de texto especializado, a presena de termos deixa de ser o elementoprimordial que configura o carter de uma comunicao especializada (KRIEGER;

    FINATTO, 2004). Ao contrrio, os mecanismos lingusticos, textuais e pragmticos dos quais

    um texto especializado faz uso tambm constituem elementos caracterizadores de dada lngua

    3Uma notcia sobre o resultado de partida de um jogo do campeonato brasileiro provavelmente produzida emum contexto mais especfico e, portanto, voltada para um pblico mais especfico do que uma notcia sobre umapartida de Copa do Mundo, pois durante esse acontecimento mais pessoas torcem, inclusive torcedores nohabituais.

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    de especialidade. O uso de todos esses elementos em conjunto nos permite enxergar a

    complexidade do texto especializado.

    Uma vez caracterizado seu principal objeto de estudo, passemos, agora, a uma breve

    discusso sobre as caractersticas da Terminologia Textual.

    Para Krieger e Finatto (2004,), essa Terminologia, na qual o objeto termo d lugar

    ao objeto texto, possui duas caractersticas principais. A primeira refere-se ao

    reconhecimento do papel do cenrio comunicativo e, consequentemente, do texto

    especializado para a descrio de uma terminologia. A segunda est relacionada ao estudo e

    caracterizao do texto especializado.

    Ao reconhecer o papel do cenrio comunicativo, a Terminologia textual parte do

    pressuposto de que os termos so utilizados em situao de comunicao e que, portanto, nodevem, ou melhor, no podem ser estudados parte do contexto sociocultural em que

    ocorrem.

    Os termos passaram a ser analisados em uso, ou seja, em textos especializados,

    permitindo, assim, a verificao de fenmenos at ento ignorados, ou deixados em segundo

    plano pelos terminlogos. O contexto discursivo, antes considerado insignificante, passa a

    representar uma das principais caractersticas da Terminologia, contribuindo para um novo

    tratamento das Unidades Terminolgicas (UTs), deixando de lado a ideia de que os termosconstituem construtos tericos idealizados em um sistema lingustico independente.

    5. A Lingustica de Corpusneste estudo

    So inmeras as definies para Lingustica de Corpus (LC) e no nos cabe aqui, por

    questes de tempo e prposito de pesquisa, apresentar um panorama com todas as definies,

    que diferem consideralvelmente umas das outras.

    Os tericos da LC frequentemente discordam quanto sua caracterizao. Autorescomo Berber Sardinha (2000), consideram a LC uma abordagem, outros, como o caso de

    Rocha (2001), uma metodologia. Existem ainda os estudiosos que preferem ser mais neutros

    em suas definies e no tomam nenhum partido como, por exemplo, Aijmer e Altenberg

    (1991, p. 2), que definem a LC como o estudo da lngua por meio de corpora. H ainda os

    que adotam as duas definies como Bowker e Pearson (2002, p. 20): uma abordagem ou

    metodologia para o estudo da lngua em uso.

    Berber Sardinha chama ateno para o fato de que a LC no constitui somente um

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    metodologia, um instrumental, do qual outras reas podem se valer para o estudo da

    linguagem. Para o autor, a LC apresenta tambm uma nova perspectiva de se chegar

    linguagem possibilitando aos seus seguidores produzir conhecimento novo que muitas vezes

    coloca teorias lingusticas tradicionais em questo.

    Neste trabalho, adotamos duas definies de LC que, at o presente momento, nos

    pareceram as mais abrangentes. Primeiramente, assim como Berber Sardinha (2004 p.32),

    acreditamos que a LC constitui uma abordagem empirista que toma a lngua como sistema

    probabilstico, refletindo uma nova maneira de enxergar a linguagem que, consequente e

    futuramente, poder dar origem a uma nova teoria lingustica. Adotamos, tambm, a viso de

    McEnery e Hardie (2012:1), que definem LC como [...] rea que foca em um conjunto de

    procedimentos, ou mtodos, para o estudo da lngua [...]4.As duas definies acima se enquadrariam perfeitamente nos propsitos de nossa

    pesquisa se utilizssemos a LC unicamente para explorar um fenmeno lingustico. No

    entanto, o escopo de nossa pesquisa vai alm da esfera lingustica; estabelecemos, sempre que

    possvel, um paralelo entre lngua, cultura e histria. Ademais, acreditamos que a LC pode e

    deve ser utilizada como metodologia, e, sim, unicamente como metodologia para pesquisas de

    outras reas como, por exemplo, histria, antropologia e jornalismo. Por esse motivo,

    acreditamos que as vises de Berber Sardinha e de McEnery e Hardie se mostram limitadas sreas de estudos da linguagem. fato que existe uma tendncia mais atual de utilizar a LC em

    reas afins; um bom exemplo dessa tendncia foram os trs cursos de vero oferecidos pela

    Lancaster University em julho de 2013: UCREL Summer School in Corpus linguistics, ESRC

    Summer School in GIS in Corpus Approaches for Social Sciences eERC Summer School in

    GIS for the Digital Humanities. Como podemos observar, somente um dos cursos foi

    direcionado a linguistas.

    Enfim, no nos cabe, aqui, criar uma nova definio de LC, apenas atentamos para ofato de que, embora utilizemos essas duas definies, acreditamos que a LC pode ser utilizada

    para outros fins, que no se restrinjam a pesquisas lingusticas.

    Um corpus pode ser utilizado de diferentes maneiras para validar, exemplificar,

    contestar ou formular teorias lingusticas. Tognini-Bonelli (2001) distingue duas abordagens

    principais de pesquisa realizadas em corpora: abordagem baseada em corpus(corpus-based)

    e abordagem direcionada pelo corpus(corpus-driven).

    4[] area which focuses upon a set of procedures, or methods, for studying language []

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    Na abordagem baseada em corpus, o linguista utiliza o corpuspara explicitar, testar e

    exemplificar teorias e hipteses pr-existentes e, principalmente, para extrair exemplos.

    A vantagem dessa abordagem que a extrao de exemplos autnticos, seja para fins

    lexicogrficos ou para a validao de hipteses, confere mais autoridade pesquisa. Por outro

    lado, utilizar o corpus somente para verificar dados limita a viso do linguista, que ignora

    novos fenmenos deixando de fazer novas descobertas e de desafiar teorias j existentes.

    Na abordagem direcionada pelo corpus, o linguista analisa o corpus sem hipteses

    pr-concebidas. O corpus mostra-lhe o caminho a ser percorrido. As descries so feitas

    sempre com base nas evidncias do corpus, possibilitando, assim, novas descobertas. Por isso,

    dizemos que nessa abordagem o linguista no busca evidncias para classific-las dentro de

    categorias pr-definidas. Ao contrrio, se no decorrer da pesquisa no forem encontradospadres lingusticos ou se os padres encontrados no puderem ser classificados em alguma

    categoria, os achados constituiro argumentos de extrema relevncia para a descrio da

    linguagem ou para a descoberta de novos fenmenos.

    Nessa abordagem, o caminho metodolgico percorrido pelo linguista claro: a

    observao dos dados conduz formulao de hipteses que, consequentemente, leva

    generalizao dos resultados possibilitando, assim, a formulao de novas teorias (TOGNINI-

    BONELLI, 2001).Apesar de as duas abordagens apresentarem caractersticas bem distintas, acreditamos

    que podem ser utilizadas em conjunto. Neste trabalho, utilizamos a abordagem direcionada

    pelo corpuspara extrair os termos a serem estudados por meio das palavras-chave e de seus

    agrupamentos (clusters). Por outro lado, lanamos mo da abordagem baseada em corpus

    quando partimos de uma traduo prima facie para a busca dos equivalentes nas linhas de

    concordncia.

    6. O corpusde estudo

    O designe a qualidade do corpusde estudo constituem o pilar de qualquer pesquisa

    em corpus. O quadro que segue mostra o designdo corpusutilizado neste estudo5:

    5Chamamos ateno para o fato de que o corpusde estudo utilizado na presente pesquisa foi compilado paraatender os objetivos de nossa pesquisa de doutorado, a saber: 1) verificar como os diferentes jeitos de jogar, ahistria do futebol em cada cultura, a apropriao cultural das regras na Inglaterra e no Brasil e outros fatores de

    ordem histrico-social contriburam para a criao do lxico do futebol em portugus e ingls; 2) criar umglossrio de futebol composto por verbetes que evidenciem diferenas culturais entre o Brasil e a Inglaterra.

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    Quadro 1: composio do corpusde estudo.

    Contedo especializadoAssunto futebolAutoria de lngua nativa

    Lngua portugus (BR) e ingls (ING); comparvelFinalidade de estudoMeio eletrnicoModo escritotipo de texto resultados de partidas, narraes minuto a minuto e narraes minuto a

    minuto com comentrios de internautas.Perodo 2013 2014Seleo de amostragem; balanceadoTamanho aproximadamente 500 mil palavras em cada lngua

    Ingls Portugus

    No. palavras No. textos No. Palavras No. textos600.079 612 469.765 864

    O corpusutilizado na pesquisa composto por textos de trs peridicos ingleses sobre

    resultados de partidas da primeira diviso do campeonato ingls de 2013/20146e por textos

    de trs peridicos brasileiros sobre resultados de partidas da primeira diviso do campeonato

    brasileiro de 20137.

    O corpus caracterizado como corpus especializado, uma vez que composto por

    textos de uma nica rea de especialidade: futebol. Coletamos somente textos escritos

    originalmente em portugus brasileiro e em ingls britnico.

    No que se refere ao modo, nosso corpus escrito, pois no trabalhos com textos orais.

    Optamos por coletar trs tipos de textos: resultados de partidas, narraes minuto a minuto,

    que so escritas durante a partida por um narrador on-line; e narraes minuto a minuto com

    comentrios de internautas, tambm escritas durante a partida por um narrador e com

    contribuies de internautas que compartilham suas opinies sobre os lances do jogo.

    7. O corpusde referncia

    Ocorpus de referncia utilizado para contrastar com o corpus de estudo a fim de

    evidenciar as formas mais frequentes nesse ltimo, filtrando os elementos mais genricos. Em

    6 Os peridicos selecionados foram: o jornal The Guardian, o tabloide Daily Mail e o site sobre futebolFootball.com.7

    Os peridicos selecionados foram: o jornal O Estado de So Paulo, o jornal esportivo Gazeta Esportiva e arevista sobre futebolPlacar.

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    geral, deve-se incluir vrios gneros textuais em um corpus de referncia, de modo que

    proporcione uma escolha no-marcada das palavras-chave, pois suas caractersticas

    influenciam de forma direta os tipos de palavra que podem se tornar chave (BERBER

    SARDINHA, 2004).

    O tamanho do corpus de referncia pode influenciar o nmero de palavras-chave

    obtidas. Berber Sardinha (2004, p. 102) recomenda que o corpusde referncia seja entre trs e

    cinco vezes maior que o corpusde estudo.

    Compilar um corpus muito maior do que o recomendado no retornar,

    necessariamente, maior nmero de palavras-chave (BERBER SARDINHA, 2004). No

    entanto, no existem restries que limitem o tamanho do corpusde referncia.

    Em nossa pesquisa utilizamos dois corpora de referncia: o BNC (British NationalCorpus) 8e o Banco de Portugus9. O BNC, corpusfechado (1990-1994), possui 100 milhes

    de palavras e foi desenvolvido com o objetivo de ser representativo das variantes escrita e

    falada do ingls britnico. O Banco de Portugus um corpus monitor do portugus do

    Brasil, ou seja, est aberto e constantemente atualizado. Conta com aproximadamente um

    bilho de palavras.

    8. Metodologia

    Para nossa pesquisa, utilizamos osoftwareWordSmith Toolsverso 5.0, desenvolvido

    por Mike Scott e publicado pela Oxford University Press. O programa possui trs ferramentas

    principais WordList, KeyWordse Concorde uma srie de aplicativos extremamente teis para

    a anlise lingustica. Ressaltamos que o WordSmith Tools 5 um software riqussimo para a

    anlise lingustica, sendo que cada uma de suas ferramentas possui vrios instrumentos de

    anlise. Contudo, descreveremos aqui somente as ferramentas e aplicativos que esto sendo

    utilizados em nossa pesquisa.Para extrair os candidatos a termo, geramos uma lista de palavras-chave para o corpus

    de portugus, j que a extrao terminolgica foi realizada na direo portugus-ingls. Para

    tanto, comparamos a wordlistdo nosso corpuscom a wordlistdo corpusde referncia para

    obter as keywords.

    8

    Disponvel em: < http://corpus.byu.edu/bnc/ > Acesso em: 15 ago 2014.9Disponvel em:http://www2.lael.pucsp.br/corpora/bp/conc/ Acesso em: 15 ago 2014.

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    http://www2.lael.pucsp.br/corpora/bp/conc/http://www2.lael.pucsp.br/corpora/bp/conc/http://www2.lael.pucsp.br/corpora/bp/conc/
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    Figura 1: 1: lista de palavras do corpusde estudo; 2: lista de palavras do corpusde referncia; 3: lista depalavras-chave.

    Aps obter as palavras-chave,geramos linhas de concordncia para as palavras-chave

    e examinamos seus agrupamentos (clusters) a fim de encontrar colocaes e unidades

    fraseolgicas. Para tanto, utilizamos a ferramenta Concord,que gera listas das ocorrncias de

    um item especfico, chamado de palavra de busca ou ndulo. Esse item pode ser formado

    por uma ou mais palavras e apresentado com o contexto ao seu redor (Figura 2).

    Figura 2: linhas de concordncia para a palavra goal.

    A figura 2 mostra as linhas de concordncia de goal ordenadas alfabeticamente pela

    primeira palavra esquerda.

    O prximo passo foi examinar as linhas de concordncia e, quando necessrio, gerar

    1 2 3

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    clusterspara essas linhas. A figura 3 mostra os clustersde gol:

    Figura 3: primeiros 20 clustersde gol

    No ajuste realizado acima para gol, o programa foi preparado para encontrar clusters

    de trs palavras, com frequncia mnima de trs e em uma janela de cinco palavras direita e

    cinco esquerda.

    O ltimo passo para extrair os candidatos a termo foi expandir as linhas de

    concordncia das palavras-chave e acessar o texto integral da ocorrncia, sempre que

    necessrio, para melhor entender seu funcionamento e valid-las como termos.

    Utilizamos procedimentos diferentes para o estabelecimento de equivalentestradutrios de cada termo. A no padronizao de uma metodologia deu-se pelo fato de que

    alguns termos apresentam um equivalenteprima-facieem ingls, sempre mais simples de ser

    encontrado, ao passo que outros no apresentam esse tipo de equivalente e alguns sequer

    possuem equivalente. Em suma, geramos linhas de concordncias para os termos e unidades

    fraseolgicas especializadas (UFEs) em portugus, para melhor entender seu funcionamento,

    ou seja, o tipo de texto, a situao em campo e o contexto em que ocorrem. Aps entender o

    funcionamento dos termos e UFEs em portugus, geramos linhas de concordncia para suastraduesprima facieem ingls. Por exemplo, para chegar ao equivalente de gol, geramos

    linhas de concordncia paragoal. A figura 4 mostra as linhas de concordncia do termogoal:

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    Figura 4: linhas de concordncia degoal

    Esse tipo de pesquisa nos permitiu validar goal como equivalente de gol uma vez

    que observamos que o contexto em que as duas palavras ocorrem o mesmo. No entanto, no

    se mostrou eficiente para a validao de alguns equivalentes como, por exemplo, o

    equivalente da unidade fraseolgica fazer um gol, j que no encontramos um verbo que co-

    ocorre comgoalcom frequncia relativamente alta. Por esse motivo, resolvemos gerar linhas

    de concordncia para scored, traduo prima facie de marcar) a fim de verificar se o

    termo co-ocorre com gol. Observemos a figura 5:

    Figura 5: parte das linhas de concordncia descoredordenadas pela duas primeiras palavras esquerda.

    Em um primeiro momento, fomos levados a validar score ou score a goal como

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    equivalente de fazer/marcar um gol, o que no est errado. Entretanto, a diferena entre a

    frequncia da UFE em portugus marcar/fazer um gol e da UFE em ingls score a goal

    era muito grande. Decidimos, ento, conduzir buscas para todos os verbos do corpus

    utilizando as seguintes etiquetas morfossintticas: VV (verbo no infinitivo), VVD (verbo no

    passado simples), VVG (verbo no gerndio), VVN (verbo no particpio passado) e VVZ

    (verbo no presente 3a pessoa do singular) a fim de encontrar outros verbos que

    descrevessem o ato de fazer um gol.

    A etiquetagem morfossinttica, oupart of speech tagging(POS), consiste em colocar

    em cada palavra do corpusuma etiqueta que indique sua classe gramatical. A etiquetagem foi

    realizada com o etiquetador Tree-Tagger, disponibilizado pelo professor Tony Berber

    Sardinha, da Pontfica Universidade Catlica de So Paulo (PUC), no site do LAEL(Programa de Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem) 10.

    Os resultados dessas buscas sero detalhados mais adiante no estudo de caso.

    Ressaltamos que priorizamos os corporapara a extrao e validao dos termos e UFEs, bem

    como para a busca de equivalentes. No entanto, sempre que necessrio, recorremos internet

    quando no encontramos o equivalente no corpusou quando precisamos esclarecer a origem

    ou o significado de algum termo.

    9. Estudo de caso: FAZER11um gol

    Ao analisar as linhas de concordncia de gol em nosso corpus de portugus,

    encontramos, ao total, 920 ocorrncias de FAZER|MARCAR [o|um] gol / MARCAR o

    tento / FINALIZAR / EMPATAR, termos e unidades fraseolgicas utilizados para

    descrever um gol.

    Ao buscar pelos possveis equivalentes em ingls, encontramos 259 ocorrncias de:

    - SCORE({a | the} goal)- SNATCH [a goal]- DELIVER a goal- ADD {a|the} ORDINAL (goal)- BLAST in ([a goal])

    A primeira pergunta que nos ocorreu foi: por que temos mais ocorrncias de gol em

    10

    disponvel em: 11utilizamos letras maisculas para indicar a forma lematizada dos verbos

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    portugus do que de goal em ingls, j que o nmero de gols da Srie A do Campeonato

    Brasileiro quase o mesmo da Premier League? A figura 6 mostra o nmero de gols do

    Campeonato Brasileiro de 2006 a 2013 e o nmero de gols das temporada 2011/2012,

    2012/2013 e 2013/2014 daPremier League:

    Figura 6: nmero de gols do Campeonato Brasileiro de 2006 a 201312e nmero de gols daPremier Leaguedastemporadas de 2011/2012, 2012/2013 e 2013/201413

    Como podemos observar, o Campeonato Brasileiro de 2013 teve 936 gols e a Premier

    League de 2013/2014 teve 1052 gols. Nosso segundo questionamento foi: se goal no

    descreve os gols marcados, como esses gols esto sendo narrados? Nesse momento, nos

    demos conta de que o verbo score, presente na unidade fraseolgica SCORE [{a | the} goal],

    muitas vezes ocorria sozinho, observemos os exemplos que seguem:

    a) The United States got out to an early lead as Clint Dempsey scored just 32

    seconds into the game for the fastest goal in World Cup history for the U.S.

    b)Striker Asamoah Gyan also scored right before the first half ended.

    Mais adiante, ao ler os textos que coletvamos para compilar o corpus, nos demos

    conta de que a lngua inglesa utiliza outros verbos que, muito frequentemente, no co-

    ocorrem com o termo gol, ou seja, so usados como sinnimos de SCORE [{a | the} goal].

    Sendo assim, geramos linhas de concordncia para as etiquetas de verbo do corpusem ingls

    12 Disponvel em: < http://www.srgoool.com.br/Noticia/Brasileirao-2013-teve-o-menor-numero-de-gols-e-a-

    pior-media-de-tentos-dos-pontos-corridos>Acesso: 16 jun 2014.13Disponvel em: Acesso: 16 jun 2014.

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    http://www.srgoool.com.br/Noticia/Brasileirao-2013-teve-o-menor-numero-de-gols-e-a-pior-media-de-tentos-dos-pontos-corridoshttp://www.srgoool.com.br/Noticia/Brasileirao-2013-teve-o-menor-numero-de-gols-e-a-pior-media-de-tentos-dos-pontos-corridoshttp://www.srgoool.com.br/Noticia/Brasileirao-2013-teve-o-menor-numero-de-gols-e-a-pior-media-de-tentos-dos-pontos-corridoshttp://www.srgoool.com.br/Noticia/Brasileirao-2013-teve-o-menor-numero-de-gols-e-a-pior-media-de-tentos-dos-pontos-corridoshttp://www.srgoool.com.br/Noticia/Brasileirao-2013-teve-o-menor-numero-de-gols-e-a-pior-media-de-tentos-dos-pontos-corridos
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    e analisamos todas as ocorrncias procura de verbos que descrevessem um gol. A tabela 1

    mostra o nmero de linhas de concordncia para cada etiqueta do corpus:

    Tabela 1: Nmero de linhas de concordncia para cada etiqueta gramaticaletiqueta nmero de ocorrncias

    VB - Verb, base form 25.283

    VBD - Verb, past tense 28.778

    VBG - Verb, gerund or present participle 19.406

    VBN verb, past particple 20.457

    VBZ - Verb, 3rd person singular present 13.853

    Aplicamos o dispositivo Re-sort, que permite ordenar as linhas de concordncia pelo

    ndulo de busca, e ajustamos as configuraes para que as linhas fossem ordenadas pela

    etiqueta gramatical e pela primeira palavra direita (forma cannica do verbo) e esquerda.

    Observamos todas as linhas de concordncia e identificamos 43 verbos que poderiam

    fazer parte de UFEs utilizadas para relatar um gol. Depois, geramos concordncias no corpus

    sem etiquetas gramaticais para esses verbos a fim verificar como ocorrem nos textos, ou seja,

    os padres em que ocorrem.

    O passo seguinte foi validar essas unidades fraseolgicas por meio da anlise das

    concordncias e do contexto expandido. Ainda no caso de fire, ampliamos os contextos das

    linhas em que fire home era um possvel equivalente de fazer um gol. Observemos, por

    exemplo, a ocorrncia nmero 153:

    Figura 7: Parte do contexto expandido da linha de concordncia 153 defire*

    Aps a validao das unidades fraseolgicas, agrupamos as UFEs por categoria

    semntica tendo como base o Roget`s International Thesaurus. Optamos por esse tipo de

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    classificao porque, durante a anlise, notamos que o significado de algumas UFEs

    bastante similar e que o sentido que carregam est relacionado ao sentido do verbo na

    linguagem geral..

    Apresentaremos, nos pargrafos que seguem, os equivalentes por categoria semntica.

    Embora intercambiveis, todos apresentam caractersticas particulares que denotam categoria

    semntica, prosdia semntica e lexical priming14distintos, causando, dessa forma, reaes

    diferentes no leitor.

    9.1 Pontuao

    As unidades fraseolgicas SCORE ({a|the} goal) e NOTCH {his

    ORDINAL|CARDINAL}(goal) compem a categoria semntica de pontuao. Ambas so

    utilizadas para pontuar os gols e seus significados recaem sobre o ato de adicionar gols ao

    placar de uma partida.

    Os exemplos abaixo ilustram o uso de notch e score seguido do nmero de gols,

    enfatizando a ideia de soma de pontos:

    Rooney notched his fifth goalof the season and showed that United are serious

    contenders to retain their Premier League crown despite the loss of CristianoRonaldo during the summer.

    But Eduardo still had time to score the sixth, netting from close in after AndreyArshavin's shot had come back off a post with two minutes to go.

    9.2 Ao violenta

    Durante o agrupamento semntico, identificamos 13 UFEs que transmitem a ideia de

    uma ao violenta. So elas:

    a) FIRE {home | in (a goal) | (the ball) past [goalkeeper]| into the net} 15b) HAMMER {in | home}

    14Teoria lingustica desenvolvida por Michael Hoey (2005) que parte do princpio de que medida que temoscontato com uma nova unidade lexical, seja verbo, substantivo, adjetivo etc., essa nova unidade adquiridajuntamente com os contextos lingusticos, sociais, culturais em que frequentemente ocorre. Dessa forma, aoreproduzir a unidade lexical tendemos a utiliz-la nos mesmos contextos em que a encontramos. Toda a

    informao adquirida por meio da unidade lexical em questo considerada o lexical primingda palavra.15{} elenco de opes; | combinaes possveis; () uso opcional; [] hipernimo.

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    c) SLAM {(the ball) past [goalkeeper] | in | into the roof of the net}d) BLAST IN (a goal)e) LASH home {(a goal) | into an empty net}f) SMASH home

    g) STAB the ball {home | past [goalkeeper]}h) POKE{theballhome|homepast[goalkeeper]}i) KNOCK {the ball {into the net | in | home}} / NUMBER goals

    j) THUMP {home | past [goalkeeper]}k) CLIP the ball into the netl) SNATCH [a goal]m) THUNDER a goal home

    A alta ocorrncia de verbos que transmitem a ideia de ao violenta em ingls nos

    levou seguinte pergunta: ser que o uso de verbos dessa categoria semntica tambm

    comum em portugus?

    Para responder a pergunta, geramos linhas de concordncia para a etiqueta gramatical

    V16, que indica um verbo, no corpusde portugus e observamos as ocorrncias.

    As concordncias nos mostram que em portugus no utilizamos verbos de ao

    violenta com a mesma frequncia que em ingls. Encontramos 222 ocorrncias do verbo

    empurrar, sendo 87 sinnimas de fazer um gol. No entanto, em grande parte das

    ocorrncias, o verbo empurrar estava relacionado facilidade com que o gol foi feito, e no

    intensidade do chute dado. Observemos o exemplo abaixo:

    Em desvantagem o Corinthians tentou pressionar, enquanto o Santos tentavaconcluir os bons contra-ataques que estava conseguindo. Mas aos 34 minutos Billaproveitou bola rebatida na trave e empurroupara o gol, empatando o jogo noPacaembu.

    Tambm encontramos 6.000 ocorrncias do verbo bater, das quais apenas 28

    utilizadas para descrever um gol. Ao analisar as linhas de concordncia, constatamos que das28 UFEs com o verbo bater, somente 16 narram um gol feito. As outras representam

    tentativas que no deram certo:

    Jorge Wagner domina e bate para o gol. Mas a bola vai fraca e sem direo.MUCHA SALVA!! Robben faz bela jogada pela esquerda e cruza rasteiro.Mathijsen batepara o gol e bola explode no rosto de Mucha.

    16As etiquetas gramaticais em portugus no fazem distino entre os tempos verbais.

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    Aps analisar cuidadosamente as linhas de concordncia, expandindo o contexto e

    visitando o texto integral, conclumos que a diferena na frequncia dos verbos de ao

    violenta resultado da prpria forma de jogar futebol no Brasil e na Inglaterra. Em outras

    palavras, se os corporaso realmente representativos, eles devem refletir, por meio do lxico,

    a forma como o futebol jogado em diferentes culturas.

    Se perguntarmos para qualquer pessoa que goste, acompanhe ou entenda, pelo menos

    um pouco, de futebol, sobre as diferenas entre o futebol brasileiro e o futebol ingls, as

    respostas sero muito parecidas: o futebol ingls mais rpido e mais pegado, mais forte.

    Observemos o depoimentos de Ramirez, volante do Chelsea, em entrevista ao site da FIFA

    em outubro de 2010 sobre o futebol ingls:

    O futebol ingls muito fsico e rpido. Aqui voc no tem muito tempo paraficar com a bola no p e tem que definir logo a jogada. Alm de procurar as

    jogadas quando tenho a bola, eu sempre marquei forte. Por isso, no estouencontrando muitas dificuldades. J estou me acostumando ao ritmo das partidasaqui.17

    Se tomarmos o depoimento acima, podemos caracterizar o futebol ingls como um

    futebol que tem a fora como um de seus elementos centrais. Por esse motivo, tratamos a

    discrepncia da frequncia de verbos de ao violenta em ingls e portugus por meio do

    conceito forma-representao de Toledo (2002).

    Retomando Toledo (2002), o conjunto de regras no determina nem influncia as

    maneiras de jogar. Na verdade, a interpretao e apropriao cultural que cada regio faz das

    regras que revelam as formas de jogo. Justapostas, as regras e as formas de jogo do

    origem s representaes, ou seja, o ajustamento da observao emprica das formas de

    jogo em um plano simblico que, por sua vez, consolidam as escolas, jeitos ou estilos

    prprios que se traduzem no cdigo lingustico.Investigar a apropriao cultural das regras no Brasil e na Inglaterra foge ao escopo

    deste artigo estudo. Contudo, reconhecer que essa interpretao influencia o estilo de jogo

    e, por conseguinte, a terminologia utilizada nas duas culturas essencial para entendermos

    algumas discrepncias lingusticas. Assim, o fato de o futebol ingls ser mais pegado

    transparece na grande quantidade de verbos de ao violenta.

    17

    Disponvel em: . Acesso em: 12 abr. 2011.

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    Para comprovar nossa hiptese, compilamos um mini-corpus de, aproximadamente,

    1000 palavras em cada lngua, composto por 15 textos sobre o estilo do futebol brasileiro e 15

    textos sobre o estilo do futebol ingls. Utilizamos football, Brazil, style e school como

    palavras de busca no Google para encontrar textos sobre o estilo do futebol brasileiro e

    football, England, UK, school e style para encontrar textos sore o estilo do futebol ingls.

    Esse mini-corpus monolngue, coletamos textos somente em ingls uma vez que o corpus

    foi compilado para comprovar a hiptese que seria apresentada em um congresso na

    Inglaterra.

    A anlise foi feita de forma bastante simples. Primeiramente, geramos listas de

    palavras dos mini-corpora. Em seguida, comparamos essas listas com listas de palavras de

    corpora de referncia a fim de obter as palavras-chave. Como corpus de referncia,utilizamos um corpusjornalstico, com aproximadamente de 100.000 palavras. Em seguida,

    analisamos as palavras-chave e selecionamos aquelas utilizadas para descrever as

    caractersticas dos dois futebis. O quadro 2 mostra as keywordsassociadas s duas escolas:

    Quadro 2: palavras-chave associadas ao estilo brasileiro e ao estilo ingls

    Palavras-chave associadas ao estilo

    brasileiro

    Palavras-chave associadas ao estilo ingls

    - [good] dribblers- creative- spontaneous- improvisational- free-flowing- possession- samba [beat]- control [of the ball]- [highly] skilled- [flowing] passing [game]

    -

    beautiful- flair- invention

    - physical [prowess/strength]- fast- athleticism- rough- [long] shoots- quick- [direct] passes- [no] risk- courageous- hard

    -

    [break-neck] speed

    Ao fim da anlise, nos questionamos se a frequncia de verbos que denotam ao

    violenta tende a aumentar em portugus, uma vez que a prtica e o aprendizado do futebol

    mudou bastante no Brasil. Antigamente as crianas jogavam futebol na rua, no ptio da escola

    e em campinhos. Hoje em dia, as crianas frequentam, desde muito cedo, escolinhas de

    futebol, ambientes em que meninos e meninas so treinados, por meio de acompanhamento

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    ttico, prtica de jogadas e, muitas vezes, condicionamento fsico. comum ouvir de

    comentaristas e jornalistas esportivos que o estilo do futebol brasileiro, sempre

    caracterizado por jogadas de habilidade, est passando por um processo de transformao: a

    troca do futebol arte pelo futebol fora ou, at mesmo, a juno desses dois futebis. De

    qualquer forma, cremos que essas mudanas, futuramente, tero reflexo na constituio do

    lxico do futebol em portugus, incorporando neologismos. No entanto, embora as mudanas

    venham acontecendo h um tempo, seu reflexo no sistema lingustico, muito provavelmente,

    ocorrer de forma mais lenta e, at o momento, o futebol fora no a forma de jogo que

    temos em nosso plano simblico ao pensar no futebol brasileiro e, por esse motivo, no

    traduzido em nosso cdigo lingustico.

    9.3 Facilidade

    Outro campo semntico bastante comum em ingls, e que no foi encontrado em

    portugus, pelo menos no com frequncia significativa, o de facilidade. Observemos as

    seguintes unidades fraseolgicas

    a) SLIDE {home his ORDINAL (goal) | the ball home};b) SWEEP {home | the ball into the net};c) DINK in [a goal];d) TUCK home (a goal);e) STROKE a shot past [goalkeeper].

    Nelas, o sentido principal recai sobre a facilidade com que o gol foi feito. Na

    realidade, a facilidade no caracteriza o gol, mas sim a trajetria da bola, a posio do jogador

    ou o toque que o jogador d na bola.

    9.4 Velocidade

    As UFEs TAP {in|home} e FIZZ {the ball past goalkeeper|a sidefooter at goal}

    compem a categoria semntica de velocidade. Ambas enfatizam a velocidade do gol, no

    somente a velocidade com que o jogador recebe e chuta ao gol, mas tambm a rapidez dos

    toques at o momento do gol:

    Scott Carson, oh Scott Carson. Drogba lines up the shot, fizzes a sidefooter at

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    goal, but it's straight at the keeper. Who proceeds to let the ball squirm from hisgrasp, drop to Mikel who dinks it square for Malouda to tap in.

    Novamente, se tomarmos os depoimentos dos jogadores, jornalistas e tcnicos sobre o

    futebol ingls, veremos que a alta ocorrncia desses verbos de velocidade nos peridicos

    ingleses reflete o estilo do futebol ingls. Retomemos o depoimento de Ramirez: O futebol

    ingls muito fsico e rpido. Aqui voc no tem muito tempo para ficar com a bola no p e

    tem que definir logo a jogada....

    Sabemos que o portugus, assim como o ingls, utiliza palavras de outras categorias

    gramaticais para indicar a rapidez e velocidade de uma jogada como, por exemplo, os termos

    rpido e de primeira. No entanto, chamamos ateno para o fato de que, pelo menos em

    nosso corpus, o jogo rpido se mostra to caracterstico no futebol ingls que existe uma

    necessidade de express-lo por meio de verbos especficos.

    Algumas UFEs, no descrevem nenhuma particularidade do estilo do futebol ingls,

    mas refletem, de certa forma, uma caracterstica da cultura e, consequentemente, da lngua

    inglesa: um alto grau de detalhamento nas informaes.

    Para entender essa particularidade cultural, recorremos aos conceitos de high-context

    culturee low-context culturedo antroplogo Edward Hall (1976). A teoria de Hall parte do

    pressuposto de que a quantidade de informao lingustica e contextual necessria para

    transmitir o significado varia de acordo com a cultura e, para descrever as culturas, o autor

    cria dois grupos: high-context culture, formado por pases como Brasil, Itlia, Grcia e pases

    da frica, Asia e Amrica Latina; e low-context culture, formado por pases como Estados

    Unidos, Alemanha, Sua e outros pases da Europa ocidental e do Reino Unido.

    As culturas que pertencem ao primeiro grupo, as high-context cultures, so

    caracterizadas por recorrerem a uma grande quantidade de elementos contextuais, os quais

    auxiliam seus integrantes a entenderem as regras, ou seja, o modo como a cultura funciona.Por esse motivo, parte da informao aparece de forma implcita, o dito pelo no dito,

    informaes que esto subentendidas na fala ou, em nosso caso, em um texto, e podem

    contribuir muito mais para a transmisso do significado do que aparentam. Essas culturas

    possuem um forte senso de comunidade, fator que implica em diferentes estilos

    comportamentais (MANCA, 2010, p. 373), que so dados como subentendidos e, raramente,

    aparecem de forma explcita.

    As culturas que se enquadram no segundo grupo, low-context, so caracterizadas por

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    explicitar os elementos contextuais. Quase nada subentendido, os assuntos so debatidos

    exaustivamente de modo que no restem dvidas ou margem para uma interpretao

    equivocada. A comunicao feita da forma mais explcita possvel e realizada por meio da

    transmisso de fatos, sem a expresso de sentimentos.

    A teoria de Hall bastante complexa e detalhada. Contudo, pode ser utilizada para

    entender o processo de produo de textos sobre futebol nas duas culturas.

    9.5 Detalhamento

    As UFEs que apresentaremos nos prximos pargrafos transmitem um detalhamento

    que no encontramos nos verbos e UFEs utilizados para descrever um gol em portugus. As

    UFEs do primeiro grupo expressam o movimento que a bola faz para dentro do gol:

    a) SLOT {home([agoal)]|(theball)into{an|the}emptynet|past[goalkeeper]| in}Robinho, who was the game's outstanding player, then provided one of the assistsof the championship so far as he threaded a delightful ball to Elano in the 72ndminute before the midfielder slotted homea second.

    b) DRILL homeThe defender, 25 yesterday, settled a tight game and embarked on a celebration

    that would have looked more at home on Strictly Come Dancing than Match ofthe Day. He drilled homeSwansea's 69th-minute winner after Leon Britton hadrattled the home side's bar with a stunning overhead kick.

    c) BURY the ball past [goalkeeper]For good measure, Fabregas popped in a peach for his second and Arsenal's fifthas he ran up field, picked his spot and buried the ball pastHoward.

    No caso desses verbos, s entendemos o funcionamento das UFEs, que utilizam drill,

    buryeslotde forma figurativa, pelos seus significados na lngua geral.

    9.6 Realizao

    As UFEs FINISH (off) e DELIVER a goal expressam o sentido de completar,

    realizar uma tarefa, assim como o verbo finalizar em portugus:

    a) And 43 minutes into his full debut, Stanislas finished offa great end-to-endmove by tapping in Luis Boa Mortes cross.

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    b) It's been 25 years since a match between these two teams delivered a goalandit doesn't look like we're going to get one tonight.

    c)O goleiro Felipe nem se mexeu. Novamente impaciente com o atacante Souza,

    a torcida do Corinthians passou a pedir a entrada de Dentinho. S parou quandoElias, aos 42, finalizoude fora da rea no ngulo: 2 a 1.

    9.7 Movimento da bola

    Tambm detectamos a presena de duas UFEs que descrevem o movimento da bola ou

    seu controle por um jogador:

    a) HOOK in ([a goal])When defender Marius Zaliukas hooked in the second shortly after the break,belief they were capable of a sensational result coursed through the home ranks.

    b) STEER the ball past [goalkeeper]His pass picks out the run of Osman who steers the ball past Schwarzer.

    Analisamos as ocorrncias de HOOK in ([a goal]) no corpus e chegamos a duas

    possibilidades do uso. Primeiramente, pensamos que a UFE poderia descrever o tipo de

    jogada realizada para fazer o gol, j que hookindescreve uma jogada feita com o p no ar, ameia altura, conhecida como voleio em portugus, fato que foi confirmado aps a

    observao de outras ocorrncias no Google.uk. Nossa segunda hiptese era que a UFE seria

    utilizada como o termo hookde uso corrente no crickete no golfe, cujo significado indica um

    modo de bater na bola que faz com que ela desenhe uma curva em vez de ir reto. Confirmar

    essa segunda hiptese foi um pouco mais complicado do que a primeira, pois se o verbo hook

    designa, em seu significado, o movimento da bola, o texto, muito provavelmente, no usa

    nenhum outro recurso lingustico que possamos analisar para validar nossa hiptese. O

    detalhamento das notcias em ingls foi de grande valia para confirmar nossa ideia.

    Acessamos o site Football.co.uk, do qual um dos textos que contm a UFE foi coletado,

    vimos as fotos dos gols do jogo e clicamos em um link do YouTube que direcionava para um

    vdeo que mostrava os gols da partida.

    A ltima UFE,STEER the ball past [goalkeeper], no descreve o movimento da bola,

    como a anterior. Seu significado recai sobre o controle da direo que a bola toma, como no

    exemplo em que o jogador direciona a bola e chuta para o gol:

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    His pass picks out the run of Osman who steers the ball past Schwarzer.

    9.8 Gols de cabea

    Identificamos trs UFEs utilizadas para narrar gols de cabea:

    a) NOD {home (into an empty goal) | in | into the net};

    b) HEAD (the ball) {home|past (goalkeeper)|into the (roof of the) net};

    c) {HAMMER | POUND} a header into the net.

    A alta frequncia dos verbos que narram gols de cabea em ingls nos chamou a

    ateno quando comparada frequncia de cabecear, bater de cabea e tentar de

    cabea, 1037 e 387 ocorrncias em cada lngua, respectivamente.

    Recorremos novamente ao conceito forma-representao de Toledo para entender essa

    discrepncia. Tomemos o depoimento de Robinho, em sua apresentao ao Milan, sobre o

    futebol ingls:

    No tive nenhum problema com o Roberto Mancini. O que acontece que o

    futebol ingls no muito bom para jogador brasileiro, muita bola alta e a gentegosta de jogar com ela no cho18.

    Jogadas areas, principalmente de bola na rea, definem um estilo bem ingls, uma

    vez que exigem a fora, a impulso e a altura caractersticas dos jogadores ingleses. Desse

    estilo, e tambm das condies climticas da Inglaterra -- devido chuva constante as equipes

    eram foradas a mandar a bola para o alto, j que era quase impossvel faz-la correr na grama

    encharcada -- surgiu a expresso chuveirinho, para designar a grande quantidade de jogadas

    areas na rea, que caracterizou, por muitos anos, a escola inglesa.O cabeceio, que definia o estilo ingls, era considerado como a melhor forma de

    atacar e de concluir uma jogada, levando a seleo da Inglaterra conquista da Copa do

    Mundo de 1966, mas perdendo sua fora nos anos seguintes.

    No nos cabe, aqui, discutir a origem e a eficcia do estilo ingls, mas sim

    reconhecer que o papel das jogadas areas no futebol ingls fundamental para entender a

    18Disponvel em:http://opiodopovo.wordpress.com.tab/chuveirinho/Acesso em: 21 mai. 2011.

    Sabrina Matuda, Stella Tagnin; p. 214-243. 239

    http://opiodopovo.wordpress.com.tab/chuveirinho/http://opiodopovo.wordpress.com.tab/chuveirinho/http://opiodopovo.wordpress.com.tab/chuveirinho/http://opiodopovo.wordpress.com.tab/chuveirinho/
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    divergncia entre a frequncia de UFEs que narram gols de cabea em ingls e em portugus.

    9.9 Adio

    A estrutura de ADD {a|the} ORDINAL (goal) pode ser enquadrada na categoria

    semntica de adio, pois a referncia ao nmero do gol que foi marcado parte integrante da

    UFE.

    a) Rumblings of discontent were just beginning to emerge as Arsenal took thelead through Abou Diaby in the 18th minute and the midfielder added a secondthree minutes later, prompting Wenger to compare his midfielder with a Highburygreat.

    9.10 Empate

    Identificamos os verbos EQUALISE, DRAW e TIE como equivalentes de

    EMPATAR. Entretanto, cada um apresenta suas particularidades. O verbo EQUALISE o

    mais comum para narrar um gol de empate. Os trechos que seguem exemplificam seus

    principais usos:

    Martinez`s lads were 13 minutes from victory until Clint Dempsey equalisedwitha diving header and Zamora had the last word with his bonce on 81 minutes in thisgripping fifth-round replay.

    Os verbos TIE e DRAW, outros possveis equivalentes do verbo empatar em

    portugus, tambm ocorrem no corpus. Entretanto, o primeiro ocorre majoritariamente em

    jornais e revistas americanos e o segundo ocorre para narrar um jogo que empatou, e no um

    gol de empate.

    The Cottagers beat Arsenal 1-0 in August, drew2-2 with Chelsea over Christmasand stunned United 2-0 last month.

    9.11 Posicionamento

    A UFENESTLE {in | into} the (back of the) netnos d a idia de acomodar a bola no

    gol:

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    Not a brilliant penalty-struck low and only a few feet to the left of the centre ofthe goal, but Julio Cesar went the other way and the ball nestled in the back ofthe net.

    Como podemos observar, o exemplo ilustra a posio da bola aps o gol.

    9.12 Realizao

    Identificamos trs UFEs que pertencem categoria de realizao, entendida aqui como

    consecuo, ou seja, o ato de alcanar um objetivo. Observemos os exemplos:

    a) NET [a goal]Liverpool's season is firmly back on track after Yossi Benayoun netted a hat-trickin Saturday's 4-0 Premier League home win over Burnley.Substitute StefanMaierhofer netteda late consolation for Wolves.

    b) BAG [a goal]Dave Kitson is finally beginning to find his feet at Stoke as he bagged the winnerin a 1-0 victory over Sunderland at the Britannia Stadium.Drogba was a realmenace throughout, heading just over from a Jose Bosingwa cross before baggingthe all-important goal.

    c) NICK [a goal]Birmingham City had the early Premier League leaders begging for the finalwhistle before Aaron Lennon nickeda winner for Tottenham deep into stoppagetime.Lions fans were already leaving the Den when Paul Shaw nicked aconsolation goal on 79 minutes but the roar that went up when Tim Cahill (right)made it 3-2 within seconds brought many back.

    Independentemente do significado de seus verbos na linguagem geral, as trs UFEs

    descrevem um ato de realizao. Quando utilizadas, enfatizam a conquista de um gol que

    necessrio ou importante. Se tomarmos como exemplos os colocados da UFE nos exemplos

    acima, hat-trick(trs gols marcados por um jogador na mesma partida), consolation (gol de

    honra), the winner (gol da vitria) e the-all-importantgoal (gol importante, que pode ser

    decisivo para a vitria ou para a permanncia de um time em um campeonato), veremos que

    alm de descrever um gol feito, a UFE reala a importncia do gol, tanto pelos seus colocados

    como pelo seu uso em detrimento de algum outro equivalente.

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    10. Consideraes Finais

    Ao final de nosso estudo de caso, verificamos que a LC fundamental para expandir o

    escopo de pesquisas terminolgicas e contribui, de forma significativa, para a identificao de

    aspectos culturais de uma rea de especialidade.

    A existncia de UFEs que expressam o sentido de violncia, exploso, rapidez,

    facilidade e gols de cabea em ingls e a ausncia do mesmo tipo de UFE em portugus pode

    ser explicada pelo conceito forma-representao, do mesmo modo que a maior variao de

    UFEs que descrevem a trajetria da bola, tanto em um gol quanto em uma tentativa, pode ser

    explicada pelo conceito de high e low-context culture. O torcedor brasileiro (high-context)

    espera um relato mais breve da partida e nfase no produto final, o gol. J o torcedor ingls

    (low-context)espera que os lances sejam narrados de forma precisa, com nfase nos meios, ou

    seja, nas jogadas, que levaram ao gol.

    Dessa forma, acreditamos que a Terminologia no uma atividade prescritiva, na qual

    os termos devem ser normatizados a fim de garantir a eficcia de uma comunicao

    especializada. Ao contrrio, os fatores culturais, o contexto e a situao e a finalidade de uso

    influenciam de forma direta o funcionamento das terminologias; por esse motivo, o fazer

    terminolgico, principalmente o bilngue, deve considerar todos esses elementos na

    compilao de obras terminogrficas.

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