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  RHEMA, v. 15, n. 48/49/50, p. 135-148, jan./dez. 2011  Edição Unificada 135 O ALVORECER DE UMA NOVA ESPERANÇA:  A ASCENSÃO DO IMPÉRIO PE RSA E A LIBERTAÇÃO DE ISRAEL Mariana Aparecida Venâncio  Geraldo Dondici Vieira  RESUMO O presente estudo discorre sobre a situação de Israel nos anos finais do exílio na Babilônia e no período inicial da dominação persa. A ascensão da Pérsia e a forma como Ciro, o Grande, conquistou a Babilônia, contribuíram para que Israel o reconhecesse como um libertador enviado por YHWH. A vitória dos persas sobre os babilônios pôde concretizar-se não só devido ao poderio militar do império ascendente, mas também porque sucessivos problemas internos na Babilônia prejudicaram sua unidade. À luz dos textos bíblicos do  Dêutero-Isaías , obra de um profeta anônimo cuja atividade situa-se nos anos finais do exílio, é possível compreender este tempo significativo para a História de Israel. Comparada ao fim do cativeiro do Egito, a saída da Babilônia pode ser compreendida como um Novo Êxodo. A política de tolerância religiosa adotada pela Pérsia possibilitou o retorno dos judeus à sua terra e a tentativa de reconstrução de sua religião. Tais eventos, situados no século VI a.C., são de grande importância para a compreensão da tradição  judaica e para a consolidação do Judaísmo como a religião que hoje se pode conhecer. Palavras-chave: Judaísmo. Exílio. Dêutero-Isaías. Ciro. Pérsia. INTRODUÇÃO “A minha justiça eu a trouxe para perto, ela não está longe; a minha salvação não há de tardar.” (Is 46,13) 1  O século VI a.C. é marcado na história pela ascensão do primeiro maior Império mundial: o Império Persa. Sob o comando de Ciro, o Grande, a Pérsia, que antes era uma pequena tribo subordinada ao poderio da Média, tornou-se rapidamente uma grande  Graduanda em Teologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF). E-mail: [email protected]  Mestre em Ciências Bíblicas (Pon tifício Instituto Bíblico de Roma). Doutor em Teologia Bíb lica (Instituto Santo Inácio de Belo Horizonte). Docente do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. E-mail: [email protected] 1  Para as citações bíblicas, escolhemos utilizar a tradução da Bíblia de Jerusalém: BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2002.

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Religião Judaica

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    O ALVORECER DE UMA NOVA ESPERANA:

    A ASCENSO DO IMPRIO PERSA E A LIBERTAO DE ISRAEL

    Mariana Aparecida Venncio

    Geraldo Dondici Vieira

    RESUMO

    O presente estudo discorre sobre a situao de Israel nos anos finais do exlio na Babilnia e no perodo inicial da dominao persa. A ascenso da Prsia e a forma como Ciro, o Grande, conquistou a Babilnia, contriburam para que Israel o reconhecesse como um libertador enviado por YHWH. A vitria dos persas sobre os babilnios pde concretizar-se no s devido ao poderio militar do imprio ascendente, mas tambm porque sucessivos problemas internos na Babilnia prejudicaram sua unidade. luz dos textos bblicos do Dutero-Isaas, obra de um profeta annimo cuja atividade situa-se nos anos finais do exlio, possvel compreender este tempo significativo para a Histria de Israel. Comparada ao fim do cativeiro do Egito, a sada da Babilnia pode ser compreendida como um Novo xodo. A poltica de tolerncia religiosa adotada pela Prsia possibilitou o retorno dos judeus sua terra e a tentativa de reconstruo de sua religio. Tais eventos, situados no sculo VI a.C., so de grande importncia para a compreenso da tradio judaica e para a consolidao do Judasmo como a religio que hoje se pode conhecer. Palavras-chave: Judasmo. Exlio. Dutero-Isaas. Ciro. Prsia. INTRODUO

    A minha justia eu a trouxe para perto, ela no est longe;

    a minha salvao no h de tardar. (Is 46,13)1

    O sculo VI a.C. marcado na histria pela ascenso do primeiro maior Imprio

    mundial: o Imprio Persa. Sob o comando de Ciro, o Grande, a Prsia, que antes era uma

    pequena tribo subordinada ao poderio da Mdia, tornou-se rapidamente uma grande

    Graduanda em Teologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF). E-mail: [email protected] Mestre em Cincias Bblicas (Pontifcio Instituto Bblico de Roma). Doutor em Teologia Bblica (Instituto Santo Incio de Belo Horizonte). Docente do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. E-mail: [email protected] 1 Para as citaes bblicas, escolhemos utilizar a traduo da Bblia de Jerusalm: BBLIA. Portugus. Bblia de Jerusalm. Nova edio rev. e ampl. So Paulo: Paulus, 2002.

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    potncia, atravs de sucessivas conquistas territoriais na regio do Oriente Prximo,

    sempre marcadas pela benevolncia de seu soberano, que prezava pela liberdade dos povos

    dominados. A notcia da expanso persa chegou Babilnia junto certeza da conquista

    que no tardaria a acontecer com a chegada de Ciro e seu exrcito. No entanto, o que

    significou runa para Nabnides, Rei da Babilnia desde 556, foi motivo de esperana de

    libertao para um povo h muito submetido ao jugo do exlio e da escravido, e ao qual o

    vislumbre da liberdade e do retorno ptria j quase se extinguia. Israel reconheceu em

    Ciro a possibilidade do retorno sua terra, da reconstruo de seu Templo e do

    reestabelecimento de seu trono, depositando nele a confiana advinda da f em um

    Messias, um enviado de YHWH2 para libertar e salvar.

    O objetivo do presente estudo destacar a importncia do perodo persa para a

    histria de Israel e para o Judasmo, uma vez que, por vezes, na anlise do conjunto dos

    escritos hebraicos, tal poca recebe pouca ateno por parte de muitos leitores e estudiosos

    bblicos. A organizao da Bblia Hebraica se d de forma que a centralidade teolgica dos

    escritos esteja na figura de Moiss e no evento da sada do Egito. O episdio do xodo

    esteve desde a origem de Israel entranhado em sua tradio, guardado na memria das

    diversas geraes, transmitidos pela tradio oral e depois escrita, permanecendo ainda

    hoje, tanto para o Judasmo como para o Cristianismo, como um dos episdios principais

    da Aliana de Deus com seu povo. Citado e relembrado nos diversos livros da Bblia

    Hebraica, o evento xodo por vezes desvia a ateno de outro evento, tambm muito

    importante na histria de Israel, que pode ser identificado como um Novo xodo: a

    libertao do cativeiro da Babilnia. O Dutero-Isaas releu, luz do antigo, este novo

    cativeiro, relacionando a sada do Egito ao xodo da Babilnia e identificando Ciro como

    um novo libertador.

    Erhard Gerstenberger, na obra Israel no tempo dos Persas (2014), pondera o

    seguinte:

    Os dois sculos nos quais o mundo antigo entre o Egito e a ndia estava sob o domnio dos grandes reis persas (539-331 a.C.) foram decisivos em muitos aspectos para o povo de Israel, ou melhor, para o judasmo nascente. (...) E os conhecimentos ento sedimentados, os valores ento vividos, as formas litrgicas e comunitrias ento construdas influenciaram fortemente o judasmo rabnico posterior, os movimentos cristos que dele surgiram e o Isl (GERSTENBERGER, 2014, p. 15).

    O Pentateuco e a obra histrica deuteronomista, de redao contempornea aos

    anos finais do exlio babilnico no mencionam os persas. Isto se deve, provavelmente, ao

    interesse de fixar principalmente suas tradies antigas para motivar e orientar o presente.

    2 Neste artigo, sero grafadas apenas as iniciais do nome divino.

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    Restaram assim, poucos livros da Bblia, posteriores a estes ltimos, dispostos a contar o

    perodo determinante para Israel que foi o tempo da dominao persa. Apenas 5,39% da

    Bblia Hebraica dedica-se a este tempo que se revela to decisivo e central para a religio

    judaica. Dentre tais escritos, podemos citar Esdras, Neemias, Ageu, Zacarias e,

    principalmente, o Dutero-Isaas, ao qual este estudo dedicar maior ateno.

    CIRO, O REI DA PRSIA

    Suscitei-o do Norte e ele veio,

    desde o Oriente foi chamado pelo seu nome. (Is 41,25)

    A maior ameaa Babilnia no incio do sculo VI a.C. era a Mdia, liderada por

    Astages. Uma pequena alegria irrompeu para Nabnides, rei da Babilnia, quando

    recebeu a notcia de uma revolta que ameaava o trono medo. Ciro, o persa, filho de

    Cambises, havia chegado ao trono de Anshan, terra persa-elamita submetida ao poderio de

    Astages, por volta de 557, por ocasio da morte de seu pai. J em 553 se tinham notcias

    da batalha empreendida contra a Mdia, que, segundo as fontes histricas, teve xito a

    partir de uma desestabilidade interna no estado medo, da qual Ciro se aproveitou. Ciro

    ento, tomou a cidade de Ecbtana, levou todas as suas riquezas para Anshan e destronou

    Astages, tomando o vasto territrio medo.3

    Ao perceber o triunfo de Ciro aps sua campanha bem sucedida contra a Mdia,

    Nabnides, na esperana de proteger seu reinado e seu territrio, fez algumas alianas com

    Amasis, fara do Egito e com Creso, rei da Ldia. No entanto, suas tentativas foram falhas,

    pois logo Ciro empreendeu uma srie de campanhas que consolidariam a Prsia como o

    primeiro Imprio mundial. Avanou contra a Ldia em 546 e contra todas as cidades gregas

    do litoral, anexando ao seu poderio todos estes territrios at 540. Tambm tomou toda a

    Alta Mesopotmia e tinha sob seu domnio a maior parte da sia Menor at o mar Egeu.

    Concomitante a estes eventos, a fama de Ciro se espalhava por toda a regio, por um

    lado, como ameaa aos tronos ainda no submetidos, por outro lado, comunicando a fama

    que havia construdo como rei forte, poderoso, bem sucedido e tambm bondoso,

    compassivo e tolerante. Seu reinado foi conhecido principalmente pela tolerncia

    religiosa, mas tambm pela benevolncia para com os povos conquistados: no mantinha

    3 Maiores esclarecimentos sobre a histria do Imprio Persa podem ser encontrados em: BRIGHT, John. Histria de Israel. 9. ed. So Paulo: Paulus, 2003. STEINMANN, J. O livro da consolao de Israel e os profetas da volta do Exlio. So Paulo: Edies Paulinas, 1976.

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    escravos e poupava o maior nmero possvel de vidas at mesmo Astages foi tratado

    com dignidade. Jean Steinmann, na obra O livro da Consolao de Israel e os profetas da

    volta do Exlio (1976), assinala:

    Ciro no somente respeita os vencidos, sua lngua, suas instituies, sua religio e seus bens, mas, embora estabelecendo solidamente seu poder, quer que este aparea liberal e libertador. Evita os massacres, os incndios e as deportaes. Poltica de anexao que contrasta absolutamente com a crueldade das conquistas assrias e mesmo babilnicas. Xenofonte se engana, narrando a morte do rei mpio; confunde Baltazar com Nabonide. A figura, porm, que ele retrata de Ciro, em Babilnia exata: um general que gosta de rir, diante do qual seus velhos companheiros conservam sua liberdade de falar, um chefe que, de sua lealdade, sabe fazer sua melhor astcia (STEINMANN, 1976, p.56).

    Assim, medida que o Imprio Persa tomava grandes propores, crescia tambm a

    fama de Ciro, agregando a si, histrias e lendas sobre a origem de sua bravura. Tom

    Holland, no livro Fogo Persa (2008), narra a lenda por detrs do nascimento de Ciro.

    Segundo a antiga histria, Astages, rei da Mdia, havia tido um sonho, interpretado por

    seus magos como o pressgio de que um de seus netos poderia vir a tomar seu trono, e

    colocar em risco o poderio medo. Assim, quando sua filha Mandane deu luz, Astages

    mandou que seu neto fosse assassinado. Como esperado, sua ordem foi desobedecida e o

    menino foi abandonado na encosta de uma montanha. Ciro ento sobreviveu, cresceu e

    prosperou. Um detalhe importante que compe a histria que Harpago, o encarregado do

    assassinato de Ciro que salvou-lhe a vida, severamente castigado por Astages quando da

    descoberta do acontecido, foi o protagonista da traio interna que levou derrota de

    Astages e sua entrega a Ciro. Para alm da lenda extravagante, o fato que da natureza

    de um grande homem atrair histrias prodigiosas (HOLLAND, 2008, 36) e isso

    certamente se aplicou a Ciro, o Grande.

    Com a vastido do domnio persa, Babilnia estava claramente indefesa e sua

    aliana com o Egito se dissolveu. Alm disso, desde Nabucodonosor, a instabilidade

    babilnica crescia com uma sucesso de reis que ficavam pouco tempo no poder, at

    Nabnides (556-539). Seu reinado foi marcado por discrdias religiosas, e os sacerdotes de

    Marduk j no mais o apoiavam. isso o que assinala John Bright, em sua Histria de

    Israel (2003):

    Adorando a deusa da luz Sin, como sua me, ele favoreceu o culto desta deusa, reconstruiu seu templo em Har (destrudo em 610) e procurou abertamente elevar Sin suprema posio no panteo babilnico (...). Tais inovaes atraram sobre ele a inimizade de muitos, particularmente dos sacerdotes de Marduk, que o consideravam mpio (BRIGHT, 2003, p. 423).

    Assim, a Babilnia encontrava-se dividida internamente e mal preparada para

    enfrentar a ameaa persa que apresentava-se como j vitoriosa.

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    O NOVO XODO

    As primeiras coisas j se realizaram,

    agora vos anuncio outras, novas. (Is 42,9)

    O EXLIO NA BABILNIA

    Nabucodonosor marchou contra Jud em 597. Com o exlio do rei Joaquim, a

    destruio da cidade de Jerusalm e as sucessivas deportaes dos anos seguintes, a

    histria de Israel foi marcada definitivamente. Cerca de 15.000 judeus foram exilados e

    viviam numa situao de escravido na Babilnia. Embora nos anos inicias do cativeiro,

    eles vivessem em comunidades, com suas tradies familiares, trabalhando para o prprio

    sustento e preservando suas prticas religiosas, medida que os anos se passaram, a

    opresso aumentou e a esperana do retorno sua terra foi aos poucos diminuindo. Jlio

    Zabatiero destaca em Servos do Imprio (1988) qual era a situao dos exilados na

    Babilnia aps algum tempo no cativeiro:

    (...) (1) vrios deles haviam conseguido se tornar escravos/senhores, chegando a formar fortuna, e a fazer parte da elite econmica na Babilnia; (2) a f em Jav j no era to importante. Afinal, os deuses da Babilnia haviam derrotado a Jav, e este no fora capaz de reverter a sua situao. Comparados s grandes festas religiosas dos deuses babilnicos, os cultos dos judeus eram insignificantes; (3) de fato, muitos judeus j no mais queriam a Jav como o seu Deus. Jav lhes parecia impotente diante dos deuses babilnios, os quais, por sua vez, haviam promovido bom nmero de judeus a uma condio econmica privilegiada; (4) estes privilegiados j no tinham muito interesse em retornar a Jerusalm, uma capital em runas, de uma nao inexistente. No lhes interessava recomear suas vidas, em condies adversas; (5) os judeus nascidos no exlio pouco sabiam acerca de Jav. Provavelmente, tambm pouco se interessavam por um deus derrotado, cujo culto resumia-se a reunies insignificantes. Tambm no sabiam se valeria a pena sair da Babilnia, ir para uma terra desconhecida e arrasada (ZABATIERO, 1988, p. 39).

    Para alm de todo o distanciamento religioso de YHWH que o exlio babilnico

    provocou, importante salientar que para o judeu exilado em Babilnia, o Deus de Israel

    ainda no era o Deus libertador, o Deus dos pobres compreenso que se dar apenas no

    contexto do processo de libertao , mas sim o YHWH dos Exrcitos, o guardio de

    Jerusalm que agora havia sido derrotado. O povo exilado no havia conhecido o Deus dos

    oprimidos, e por isso, no soube resistir opresso que sofria, perdera o motivo de sua

    esperana e de sua segurana. A sua tradio cantava as glrias de um Deus poderoso e

    vingativo, e proclamava Israel como o povo escolhido e eleito, sobre o qual no poderia cair

    nenhuma maldio. Nisto est uma importante temtica do discurso de muitos profetas

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    anteriores ao exlio, como Ams, Osias e mesmo o Primeiro Isaas: denunciavam a falsa

    segurana de Israel, que sob o ttulo de povo eleito, distanciavam-se de seu Deus sem

    preocupar-se com as consequncias. Com o choque do exlio, Israel sentiu-se abandonado

    pelo Senhor, como lembrar o Dutero-Isaas: Sio dizia: Iahweh me abandonou; o

    Senhor se esqueceu de mim (Is 49, 14). Noli Bernardo Hahn, em Vozes profticas em

    Dutero-Isaas (2009), assinala outro importante detalhe: toda a situao de sofrimento e

    falta de esperana era ainda agravada pelo fato de que estas pessoas se encontram

    marcadas por um sentimento de culpa motivado por uma compreenso retributiva:

    estamos vivendo esta situao no presente, porque fizemos aquilo no passado! (HAHN,

    2009, p. 31).

    medida que chegam Babilnia as notcias sobre a ascenso do Imprio Persa e

    sobre como as naes sucumbem ao seu poder, um profeta surge entre os exilados,

    anunciando uma nova esperana de libertao. YHWH se lembrou novamente de seu povo,

    e o retirar do cativeiro atravs de seu enviado: Ciro, rei da Prsia.

    O PROFETA DA ESPERANA: O DUTERO-ISAAS

    O livro de Isaas, durante muito tempo, foi entendido pelos pesquisadores bblicos

    como sendo obra de um nico autor, apesar das diferenas histricas, teolgicas e literrias

    significativas que apresenta. Somente no ano de 1788 h a primeira tentativa de dividir a

    obra reunida sob o nome de Isaas, um primeiro sinal do reconhecimento dos traos que

    caracterizam e distinguem de forma clara a composio do livro pelas mos de vrios

    profetas de pocas e contextos histricos diferentes. Jos Lus Sicre, em Profetismo em

    Israel (2008) descreve a histria desta discusso:

    Na investigao crtica do livro de Isaas h duas datas-chave: 1788, quando Dderlein comea a falar do Dutero-Isaas, profeta annimo do exlio, ao qual atribui os c. 40-66, e 1892, ano em que Duhm publica seu comentrio ao livro de Isaas e rompe a suposta unidade dos c. 40-66, atribuindo-os a dois autores diferentes: 40-55 ao Dutero-Isaas, 56-66 ao Trito-Isaas. Desde ento, habitual dividir o livro em trs grandes blocos: Proto-Isaas ou Isaas I (c. 1-39), Dutero-Isaas ou Isaas II (c. 40-55), Trito-Isaas ou Isaas III (c. 56-66) (SICRE, 2008, p. 183).

    De acordo com seus traos teolgicos, histricos e literrios, pode-se afirmar que o

    livro de Dutero-Isaas (cc. 40-55) tem sua origem nos anos finais do exlio na Babilnia.

    Estes captulos retratam, alm da falta de esperana do povo, que sente-se abandonado e

    esquecido por seu Deus, tambm o chamado a uma nova esperana e o anseio pela

    libertao. Tudo isso motivado pelas notcias sobre o advento de Ciro e a derrota iminente

    de Nabnides. O Dutero-Isaas, portanto, foi obra de um profeta cujo nome no se

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    conhece, mas que levantou-se em meio desesperana de seu povo para anunciar a

    libertao e a consolao (naam) para Israel. Nada do que se tem dito a respeito de sua

    biografia totalmente seguro, mas provvel que tenha nascido na Babilnia e estado na

    corte do rei Ciro.

    Esta segunda parte do livro de Isaas tambm conhecida como Livro da

    Consolao de Israel, pelas suas palavras iniciais (cf. Is 40,1) e tambm pelo fato de que o

    tema da consolao voltar a ressoar dentre os demais orculos do profeta. Reconhecido

    como um dos maiores poetas dentre o conjunto proftico da Bblia Hebraica, sua

    mensagem proclamou a glria de um rei estrangeiro enquanto seu povo ainda era escravo

    na Babilnia opressora. Por isso, seus escritos ocultaram no somente a identidade do

    profeta, como tambm o nome de Ciro, o libertador. Desta forma, seus textos e sua

    mensagem circularam livremente entre os judeus sob os olhos dos guardas de Nabnides.

    Segundo os pesquisadores, os folhetos de Dutero-Isaas foram comuns por cerca de 7

    anos entre os judeus exilados, sem serem percebidos pelo governo babilnico. Assim, nos

    cc. 40-43, Ciro permanece annimo, e somente em 44,28 e 45,1, quando provavelmente, j

    havia chegado Babilnia, que poder ser nomeado, caracterizado como o enviado de

    YHWH para libertar e salvar do cativeiro. Neste contexto, a figura de Ciro merece especial

    ateno. Esperado como libertador do povo, ele torna-se o maior no judeu reverenciado

    pelos profetas. O nico a receber o ttulo de mesha, termo que na Bblia Hebraica fora

    utilizado no s para designar reis e sacerdotes, ungidos e escolhidos para governar o povo,

    que eram muitas vezes considerados salvadores histricos, como tambm para indicar o

    Messias, o libertador universal e escatolgico.

    S VSPERAS DA LIBERTAO: O ANNCIO DO NOVO XODO

    Para a tradio de Israel, rememorar o passado fundamental para que se tenha

    fora para enfrentar os desafios presentes e futuros. Neste contexto, o Dutero-Isaas

    retomar o episdio do xodo do Egito para demonstrar que, em outros tempos, quando a

    nao de YHWH fora feita escrava no Egito, Ele esteve ao seu lado com mo forte e brao

    estendido, e a retirou da escravido por entre prodgios e sinais, para que, uma vez liberta

    da opresso, pudesse caminhar pelo deserto e consolidar com o Senhor uma aliana

    indissolvel. O profeta, em nome de YHWH, recordar ao povo sofredor do Exlio esta

    aliana, mostrando que Deus, fiel e compassivo, a honrar, resgatando seu povo mais uma

    vez e o reconduzindo sua terra.

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    Embora a ascenso de Ciro e a derrota iminente da Babilnia tenham sido o

    momento oportuno para que Dutero-Isaas assumisse essa releitura do passado, Bright

    destaca que toda a mensagem do profeta depende da ideia que ele mesmo faz de Deus:

    Foi ele, realmente, quem deu ao monotesmo sempre implcito na religio de Israel sua expresso mais clara e mais consistente. Ele retratou Iahweh como um Deus de incomparvel poder: criador de todas as coisas sem auxlio ou intermdio, senhor das hostes celestes e das foras da natureza, nenhum poder terrestre lhe poderia resistir e nenhuma semelhana poderia represent-lo (40,12-26). Ele tambm satirizou com ironia selvagem os deuses pagos (44,9-20), chamando-lhes pedaos de madeira e de metal (40,19ss; 46,5-7), que nada podiam fazer na histria porque nada eram (41,21-24). Iahweh o primeiro e o ltimo, o nico Deus, ao lado do qual nenhum outro existe (44,6; 45,18.22; 46,9) (BRIGHT, 2010, p. 425).

    Desta forma, o profeta do Dutero-Isaas contribuiu para a consolidao da f

    monotesta de Israel. O poder de YHWH ilimitado e universal, ele tem controle absoluto

    sobre tudo. Neste contexto, Ciro s pode ser concebido como um instrumento inconsciente

    da vontade de YHWH, pois o Senhor mesmo quem libertar. Nisto est a resposta a um

    problema teolgico surgido nesta poca.

    Diante de toda a esperana depositada em Ciro, acontece um impasse. Quando

    Babilnia cair sob o domnio persa e Israel for liberto, a quem se dever atribuir tal

    triunfo? A YHWH, que segundo os orculos profticos havia suscitado a liderana de Ciro,

    ou a Marduk, deus babilnico a quem ele mesmo prestava culto? De fato, um texto antigo

    encontrado num cilindro de argila, atesta a reverncia com a qual Ciro se dirigia a Marduk,

    atribuindo a ele sua vitria:

    Ele [Marduk] o fez entrar em Babilnia sem batalha nem combate; ele livrou sua cidade de Babilnia da opresso, entregou em suas mos Nabnides, rei que no o temia (...). Eu, Ciro, rei do universo (...) quando entrei pacificamente em Babilnia, estabeleci na alegria e no jbilo a sede da soberania no palcio do prncipe. Em mim, Marduk, o grande senhor, adquiriu um corao largo que ama Babilnia (...). Quanto aos cidados de Babilnia... que, contrariamente vontade divina, tinham sido submetidos a um jugo que no era para eles, eu os fiz repousar de sua fadiga e mandei tirar suas amarras de carregadores. (...) Restitu aos seus lugares os deuses que neles tinham habitado e fiz esses deuses residir em moradas perptuas; reuni todos os seus seguidores e os reenviei para seus lugares (VV. AA., 1985, p. 91).

    No entanto, a vitria apresentada pelo Dutero-Isaas de YHWH, no de Ciro. Isso

    porque o Senhor quem conduz a histria e utilizou-se de Ciro como mero instrumento.

    Da mesma forma como no xodo do Egito, quando Moiss foi instrumento e Deus o autor

    da faanha. O profeta em resposta, alm de exaltar a glria de YHWH, tambm levanta a

    voz contra os dolos e deuses pagos (cf. 40,12-26; 41,21-29; 44,5-20; 46,1-7). A libertao

    que o Senhor prepara uma libertao autntica e universal, que ultrapassa a libertao

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    histrica do cativeiro. Como afirma Alonso Schkel e Jos Lus Sicre Diaz, em Profetas I

    (2004):

    A sua profecia transborda os fatos limitados, porque exprime em smbolos esplndidos a glria do novo xodo; os smbolos acolhem a realidade prxima, ultrapassando-a; porque apontam para uma realidade superior, suprema, que ser a libertao autntica, libertao que as outras apenas preparam e prefiguram (SCHKEL, 2004, p. 272).

    Particularmente nos trechos correspondentes aos cnticos do servo (a saber 42,1-9;

    49,1-7; 50,4-11; 52,13-53,12), o livro de Isaas traz uma novidade teolgica sem precedentes

    na Bblia Hebraica, que o valor dado ao sofrimento. Israel no reconhecia positivamente

    nenhum sentido religioso no sofrimento da forma como hoje o Cristianismo concebe.

    Talvez porque, como j assinalado, a tradio israelita no tenha conhecido, at a poca do

    exlio babilnico, um Deus dos pobres, dos oprimidos, um Deus libertador.

    Nestes cnticos atingimos um dos auges teolgicos do Antigo Testamento. Nunca at ento se havia falado to claramente do valor redentor do sofrimento. Admitiam-se as dificuldades e contrariedades da vida encontrando nelas um sentido educativo, pedaggico, tencionado por Deus. Mas no se podia imaginar que o sofrimento tivesse um valor redentor em si mesmo. O Dutero-Isaas proclama pela primeira vez que se o gro de trigo cair na terra e morrer, produz muito fruto. No h nada de estranho em a Igreja primeva conceder to grande valor a estes poemas e ver antecipados neles a existncia e o destino de Jesus (SICRE, 2008, p. 313).

    A partir deste momento, no entanto, Israel entender o valor redentor do

    sofrimento, fato que se atesta pelos cnticos do Servo em Dutero-Isaas, que muito

    provavelmente identificam o povo a este Servo Sofredor. Tal compreenso no alcanar,

    no entanto, o patamar que alcanou no Cristianismo, que reconheceu no sofrimento e na

    paixo de Jesus Cristo a redeno de toda a humanidade, possibilitando uma releitura

    cristolgica destes cnticos hebraicos.

    O FIM DO EXLIO NA BABILNIA

    Cobertos de vergonha recuaro, aqueles que confiam em dolos,

    que dizem s suas imagens fundidas: vs sois os nossos deuses. (Is 42,17)

    Quando as tropas de Ciro chegaram ao territrio babilnico, no encontraram

    grande resistncia. Nabnides foi derrotado com facilidade. A vitria parecia j evidente

    para todos, inclusive para o Dutero-Isaas. Como assinalado, as terras ao norte e leste da

    Babilnia haviam cado sob o domnio persa, Ciro havia conquistado no somente terras,

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    mas tambm aliados e Nabnides j no era mais apoiado por grande parte de seu povo

    por questes internas. Houve uma batalha decisiva em Opis, na regio do Tigre, na qual o

    exrcito babilnico foi duramente derrotado pelos persas. Gobrias, governador da

    provncia de Elam que havia se tornado aliado de Ciro, foi quem tomou a Babilnia sem

    qualquer resistncia, aps a batalha em Opis. Em 539, Ciro entrou triunfalmente na

    Babilnia, recebido por todos como libertador, o que se atesta no s nas narrativas persas,

    mas tambm babilnicas. E como a marca de seu governo, Ciro procedeu da mesma forma

    como nas demais naes conquistadas: com tolerncia religiosa. Bright, neste sentido,

    destaca:

    Nem a Babilnia nem nenhuma outra cidade foram danificadas. Os soldados persas receberam ordens de respeitar a sensibilidade religiosa da populao e evitar aterrorizar as pessoas. As condies opressivas foram melhoradas. Os deuses levados para a capital por Nabnides foram devolvidos a seus santurios e as duvidosas inovaes daquele rei foram abolidas. A adorao de Marduk continuou e o prprio Ciro dela participava publicamente. Apertando a mo de Marduk, Ciro estava realmente proclamando que reinava como rei legtimo da Babilnia, por designao divina. E colocou seu filho Cambises como seu representante pessoal na Babilnia (BRIGHT, 2003, p. 432).

    O triunfo de Ciro, que j havia sido predito, de forma velada, pelos folhetos de

    Dutero-Isaas que circulavam entre os judeus, foi motivo de alegria pela libertao

    iminente e tambm de converso para os que se mantiveram infiis a YHWH durante o

    exlio. Steinmann destaca que, a partir de agora, finalmente, o profeta vai poder tirar a

    mscara e nomear Ciro, num orculo suntuoso (STEINMANN, 1976, p. 162). Assim, o

    orculo de Is 44,24-28 o primeiro a apresentar o nome de Ciro dentre os escritos desta

    segunda parte de Isaas, destacando que YHWH o verdadeiro Senhor em vrios mbitos:

    no cosmos, na histria e tambm na palavra, cumprindo promessas e dando ordens

    eficazes.

    Esdras contar em dois relatos (1,2-4 e 6,3-5) o decreto que Ciro publicou no

    decorrer de seu primeiro ano como rei da Babilnia, ordenando a reconstruo do Templo

    de Jerusalm e a restituio de todos os tesouros dele saqueados pela ocasio da tomada

    da cidade por Nabucodonosor. O mesmo decreto foi encontrado nos arquivos de Ecbtana

    num pergaminho escrito em aramaico, atestando a veracidade de tal relato. Com o decreto,

    estava consolidado o fim do exlio e a terica liberdade de Israel.

    O apoio e o interesse de Ciro pela reconstruo de Jerusalm a partir do Templo so

    apenas mais um retrato da poltica persa. No se sabe, no entanto, como o caso dos judeus

    tornou-se para ele conhecido e importante to rapidamente. Fato que Ciro agia

    exatamente de acordo com seus princpios.

    Ciro foi um dos governantes realmente de viso dos tempos antigos. Em vez de esmagar o sentimento nacional com brutalidade e deportaes, como faziam os assrios, seu intento era permitir que os povos sujeitados, tanto quanto possvel, gozassem de autonomia

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    cultural dentro da estrutura do imprio. Embora ele e seus sucessores mantivessem um firme controle por meio de uma complexa burocracia a maior parte dos oficiais eram persas ou medos , de seu exrcito e de um eficiente sistema de comunicaes, o seu governo no era violento. Pelo contrrio, eles preferiam respeitar os costumes de seus sditos, protegendo e promovendo seus cultos tradicionais e, quando possvel, dando responsabilidades aos prncipes nativos. A atitude de Ciro diante da Babilnia seguiu exatamente essa orientao (BRIGHT, 2003, p. 433).

    Assim, Ciro ganhava o apoio da populao Israel sonhava com a reconstruo de sua

    terra, com o retorno de sua religio e com o restabelecimento da linhagem davdica, e essa

    seria sua vantagem no acordo com os persas. O interesse na aliana com a Prsia, no

    entanto, no era somente por parte dos judeus. Como afirma Mercedes Lopes em Jud sob

    o domnio Persa (2008):

    Diferentes expectativas e perspectivas podem ser encontradas nesta aliana: da parte do Imprio Persa, h um interesse estratgico de que a nova provncia funcione como guarda-fronteiras e, ao mesmo tempo, como caminho aberto para o Egito; da parte do povo judata, visualiza-se um sonho de continuar fazendo histria, resgatando a dinastia davdica (LOPES, 2008, p. 109).

    Com Jud sob seu domnio e com os judeus aliados a Ciro, a Prsia podia contar

    com a garantia do pagamento de tributos e tambm com um territrio estratgico para o

    ataque aos egpcios e tambm de proteo contra as tentativas de invaso destes ltimos.

    O processo de reconstruo de Jud no foi simples, pelo contrrio. O acordo com a

    Prsia foi rompido e retomado, os interesses divergiam, os problemas com os samaritanos

    interrompiam a construo e aos poucos, Israel se percebeu sob um novo dominador,

    agora, o Imprio Persa4. Norman Gottwald, em sua Introduo Socioliterria Bblia

    Hebraica (1988), afirma que

    evidente que a restaurao colonial de Jud prosseguia de maneira vagarosa e por aumentos, em parte porque os persas estavam envolvidos em projetos sobre o vasto imprio e em parte porque confiavam na liderana de Jud para a restaurao da comunidade. Embora os persas proporcionassem segurana militar global e recursos fsicos em certa quantidade, levou muito tempo para reconstruir a estrutura socioeconmica enfraquecida de Jud. (...) As alternativas religioso-culturais concorrentes do javismo samaritano e judata entrelaavam-se, por sua vez, com rivalidades socioeconmicas e polticas (GOTTWALD, 1988, p. 403).

    Em contraste com a glria de Ciro no Dutero-Isaas, Ageu e Zacarias levantaro a

    voz mais tarde, contra o imprio persa, cujo domnio se estendeu at os anos finais de sua

    glria, quando em 332, Alexandre, o Grande, dominou a Palestina e submeteu o Imprio

    Persa, dando incio ao poderio grego sobre aquela regio.

    4 Este perodo no objeto deste estudo, no entanto, um esclarecimento sobre a situao de Israel neste tempo de submisso ao Imprio Persa pode ser encontrada com riqueza de detalhes em: GERSTENBERGER, Erhard S. Israel no tempo dos persas: sculos V e IV antes de Cristo. So Paulo: Edies Loyola, 2014.

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    CONCLUSO

    cus, dai gritos de alegria, terra, regozija-te, os montes rompam em alegres cantos,

    pois YHWH consolou o seu povo, ele se compadece dos seus aflitos. (Is 49,13)

    A Prsia constituiu-se como o primeiro grande Imprio que a histria mundial

    conheceu. Sua extenso pode ser estimada em mais de cinco mil quilmetros de leste a

    oeste, e entre mil e trs mil quilmetros de norte a sul. Cerca de 30% da populao

    mundial habitava regies de domnio persa. O auge de sua hegemonia se deu sob o reinado

    de Ciro, o Grande, rei tolerante, de uma viso poltica expansionista sem precedentes, que

    soube fazer-se aclamado pelos povos que conquistava. Quando Ciro morreu por volta de

    530 a.C., a Prsia havia anexado vrios territrios, dominado vrias naes, executado

    diversas construes e j contava com trs importantes capitais: Susa, Ecbtana e

    Babilnia. Ciro foi sepultado na cidade de Pasrgada, de onde vinha a tribo que lhe deu

    origem, num tmulo quase sem adornos, que conserva-se at os tempos atuais e espelha

    traos de sua personalidade: imponncia, poder e simplicidade.

    Pode-se concluir, a partir das indicaes deste estudo, o valor do perodo persa para

    a histria de Israel como povo e tambm para a consolidao do Judasmo como a religio

    praticada hoje. Por um lado, a partir do incentivo financeiro e do apoio persa que foi

    possvel restaurar a religio, o culto e a cidade de Jerusalm aps o retorno do exlio

    babilnico, ainda que, como se sabe, por motivos diversos, no tenha sido possvel

    restaur-la por inteiro, da forma como era praticada pelos israelitas, antes da tomada de

    Jerusalm por Nabucodonosor, em 597. Tambm neste perodo foi possvel concluir as

    redaes dos diversos livros iniciados no exlio, ou mesmo j na Palestina, registrando a

    memria e a tradio do povo judeu e possibilitando a perpetuao de sua cultura atravs

    das geraes. Organizados pouco a pouco, os livros a partir de ento redigidos, originaram

    o conjunto da Bblia Hebraica. Tambm o perodo da dominao persa possibilitou o

    contato desta cultura com o Judasmo, que, nascente como religio sistematizada, acabou

    incorporando s suas concepes, muitos dos ideais persas, como sua demonologia e suas

    ideias escatolgicas5.

    A poca do exlio babilnico e da sua libertao constituiu um marco para o povo

    judeu, paralelo ao episdio do xodo do Egito. O fim do cativeiro foi um perodo de forte

    releitura do passado e de redescoberta da verdadeira face libertadora de YHWH. Do ponto

    de vista teolgico, este um dos pontos chave na Bblia Hebraica para a compreenso da

    5 Um maior detalhamento do assunto pode-se encontrar em: SOARES, Dionsio Oliveira. As influncias persas no chamado judasmo ps-exlico. Revista Theos, Campinas, v. 5, n. 2, dez. 2009.

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    origem da valorizao do sofrimento como situao de encontro com Deus, que ouve o

    clamor de seu povo, que jamais se esquece de sua aliana, que v a opresso e que vem

    salvar e libertar. Tambm o Cristianismo deve importncia a este tempo, pois nele esto

    contextualizados os principais escritos hebraicos nos quais hoje, numa linha de

    interpretao cristolgica dos Profetas, possvel identificar a prefigurao das

    caractersticas de Cristo, numa aproximao de Jesus ao Servo de YHWH que descrito

    pelo Dutero-Isaas.

    ABSTRACT The present study discusses about Israel situation on final years of Babylon exile and the initial period of Persian domination. The Persia rise and the way how Cyrus, the Great, conquered Babylon, contributed to Israels recognition of him as an envoy of YHWH. The victory of the Persians over the Babylonians could be achieved not only due to the military power of the rising empire, but also because consecutive internal problems in Babylon damaged the unit. In the light of the biblical texts of the Deutero-Isaiah, the work of an anonymous prophet whose activity is located in the final years of exile, we can understand this significant time for the Israel history. Compared to the end of the Egypt captivity, the leaving from Babylon can be understood as a new Exodus. The religious tolerance policy adopted by Persia allowed the return of the Jews to their land and the attempt to rebuild their religion. Such events, located in VI B.C, are of great importance for the understanding of Jewish tradition and the consolidation of Judaism as the religion that today can be known. Key words: Judaism. Exile. Deutero-Isaiah. Cyrus. Persia.

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