Digesto Econômico nº 449

76

description

Julho e Agosto de 2008

Transcript of Digesto Econômico nº 449

Page 1: Digesto Econômico nº 449
Page 2: Digesto Econômico nº 449

Central de relacionamento: 11 3244-3030www.acsp.com.br

A família SCPC | SOLUÇÕES PESSOA JURÍDICA, dispõe de uma diversidade de relatórios, com informações comerciais para uma tomada de decisão de crédito segura e precisa, que simplificam e agilizam as negociações entre as empresas.

SCPC | NÃO FAÇA NEGÓCIOS SEM ELE.

A segurança que você empresário precisa.

SCPC | SOLUÇÕES PESSOA JURÍDICA

Mar

ketin

g - A

CSP

Page 3: Digesto Econômico nº 449

3JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

O novo capitalismo

Rafael Hupsel/Luz

Em meados de agosto, tivemos o grande prazer em receber nasede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) a visita doex-ministro Luiz Fernando Furlan, que ocupou o Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior de 2003 a 2007,período em que as exportações brasileiras cresceram de US$ 60bilhões para mais de US$ 160 bilhões, um desempenho superior ao daÍndia (US$ 145 bilhões), mas inferior ao da China (US$ 1,218 trilhão) eao da Rússia (US$ 355 bilhões). Sua visita foi exclusivamente paraconceder uma entrevista para a revista Digesto Econômico.

Empresário e líder ativo da classe empresarial brasileira, Furlan temacompanhado as grandes negociações internacionais e exercidoimportante papel na defesa do livre comércio e no fortalecimento doMercosul. Sem dúvida, o bom desempenho das empresas brasileirasno mercado internacional teve muito da contribuição do ex-ministro.

Furlan mencionou conversa que teve com o presidente Lula logo após assumir o ministério. De modoenfático, ele disse ao presidente que o Brasil não poderia continuar sendo apenas filial de multinacionais,cujo centro de decisões está longe daqui. Na hora de um aperto, quando surgisse algum problemamaior, essas grandes empresas precisam tomar decisões corporativas, que não levam em conta osinteresses brasileiros. Ele insistiu com o presidente que ele precisava terminar o seu mandato com pelomenos uma dúzia de multinacionais brasileiras, empresas sólidas e internacionalmente competitivas,para começarmos a ser um país protagonista. Esse objetivo foi não apenas alcançado, como superado.

A internacionalização de empresas brasileiras é o principal tema desta edição, que além da entrevistacom o ex-ministro Furlan, também traz um relatório da consultoria KPMG, que revela que 885 empresasbrasileiras investem em 52 países. As 20 maiores têm mais de US$ 56 bilhões em ativos no exterior eempregam 77 mil pessoas.

O capitalismo brasileiro parece ter entrado em uma nova fase, com a forte participação de empresasbrasileiras investindo ou trabalhando no exterior. Mas como alerta o economista Marcel Solimeo em seuartigo, para o Brasil continuar crescendo e ser respeitado no cenário internacional, é preciso respeitar odireito de propriedade, manter a estabilidade das regras e o respeito aos contratos, fatos que o Brasilparece longe de atender.

Um país que pretende se inserir de forma ampla no mercado internacional não pode criar incertezasquanto ao marco jurídico e, principalmente, transmitir a impressão, como ocorre muitas vezes emdeclarações de algumas autoridades, de que os direitos dos que investiram não serão respeitados e queas regras podem ser mudadas ao sabor dos interesses dos governantes de plantão.

Boa leitura!

Alencar BurtiPresidente da Associação Comercial de São Paulo e da

Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

brasileiros e osvelhos problemas

de sempre

Page 4: Digesto Econômico nº 449

4 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

CAPAFoto: Paulo

Pampolin/Hype.Arte: Alfer.

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030CEP 01014-911 - São Paulo - SP

home page: http://www.acsp.com.bre-mail: [email protected]

Pre s i d e nteAlencar Burti

Superintendente institucionalMarcel Domingos Solimeo

ISSN 0101-4218

Diretor-Resp onsávelJoão de Scantimburgo

Diretor de RedaçãoMoisés Rabinovici

Ed i to r - Ch e feJosé Guilherme Rodrigues Ferreira

Ed i to re sCarlos Ossamu e Domingos Zamagna

Editor de FotografiaAlex Ribeiro

Pesquisa de ImagemMirian Pimentel

Editor de ArteJosé Coelho

Projeto Gráfico e DiagramaçãoEvana Clicia Lisbôa Sutilo

Info gráficosAl fe r

Jair Soares

Gerente ComercialArthur Gebara Jr.

([email protected]) 3244-3122

Gerente de OperaçõesJosé Gonçalves de Faria Filho

( j f i l h o @ a c s p. co m . b r )

I m p re s s ã oLene Gráfica

REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADERua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911

PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055FAX (011) 3244-3046

w w w. d co m e rc i o. co m .

Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimaxfosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax

fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.

6De portas abertaspara o mercadointernacional

16Contradições docapitalismo brasileiroMarcel Domingos Solimeo

22MultinacionaisbrasileirasRelatório elaborado pelaconsultoria KPMG

Paulo Pampolin/Hype

ÍNDICE

Sebastião Moreira/AE

Alfer

36A Regulação e o Setor deInfra-EstruturaAdriano Pires

Marcos Peron/Folha Imagem

40A bolha MacunaímaMario César Flores

Abê

Page 5: Digesto Econômico nº 449

5JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

42OMC: a vida continuaRoberto Fendt

54Liderança,preponderância e cercoOliveiros S. Ferreira

62A crise de petróleoHenrique Rattner

Denis Balibouse/Reuters

Alfer

Euler Paixão

Daniel Aguilar/Reuters

66Os minérios,os índios e a ONUDenis Rosenfield

Luiz Fernando Menezes/Folha Imagem

Eduardo Knapp/Folha Imagem

68Males da Lei RouanetPedro Sette Câmara

Abê

70História das Coisas:Consumo Consciente eCidadaniaHelio Mattar e Jorge Maranhão

Paulo Pampolin/Hype

72Três desafios à liberdadeVáclav Klaus

Reprodução

46O fracasso daeconomia ideológicaIves Gandra da Silva Martins

48No Recôncavo, oscharutos 'made in Brazil'Euler Paixão

Page 6: Digesto Econômico nº 449

6 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

De portas abertaspara o mercadointernacionalEm meados de agosto, o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior LuizFernando Furlan visitou a sede da ACSP e concedeu uma entrevista exclusiva para a revistaDigesto EconômicoNo período em que esteve à frente do ministério, de 2003 a 2007,as exportações brasileiras cresceram de US$ 60 bilhões para mais de US$ 160 bilhões.Não foi por acaso. Ele conta que, quando assumiu o cargo, o poder aquisitivo da populaçãohavia encolhido 25% desde 1999. Em conversa com o presidente Lula e com o ministroAntônio Palocci, Furlan explicou que o único modo de reativar a economia a curto prazo eraa exportação. O presidente concordou. Foi assim que o governo resolveu reformar a Apex(Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos). Em outra conversacom o presidente, Furlan argumentou que o Brasil não poderia continuar sendo apenas filialde multinacionais. Se o Brasil quisesse entrar no primeiro mundo, deveria ter empresas deprimeiro mundo. Acompanhe a seguir a entrevista.

Arquivo pessoal

Assembléia daONU emsetembro de2005. Ao lado dopresidente Lula,o ministro CelsoAmorim. Nafileira de trás, osministros PatrusAnanias, LuizFernando Furlane Luiz Dulci,secretário-geralda Presidênciada República.

Page 7: Digesto Econômico nº 449

7JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

Paulo Pampolin/Hype

O presidentebolivianocertamente fezbobagem:mesmo já eleito,continuou econtinua comose fossecandidato. Mas,na visão de Lula,se o Brasil tiverde brigar, queseja com alguémde seu tamanho.

Page 8: Digesto Econômico nº 449

8 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

D igesto: Ministro, nos últimos anos temos vistouma grande modificação no capitalismobrasileiro. O País já conta com algumasmultinacionais e vem se tornando competitivono exterior. Qual a avaliação que o senhor fazdessa evolução?

F ur l an - Nos dois primeiros anos de meumandato nunca pedi audiência ao presidente.Quando havia algum assunto a ser tratado compresidentes de multinacionais ele despachavacom assessores ou com ministros da área. Masum dia, numa viagem, comentei com o presi-dente: o senhor conhece algum país desenvol-vido que não tenha multinacionais? E ele res-pondeu que, de fato, isso não existe. Esse foi oinício de longo diálogo em que pude então pon-

derar que nenhum país entrano primeiro mundo sem terempresas de primeiro mun-do. O Brasil não poderia con-tinuar sendo apenas filial demultinacionais, cujo centrode decisões está longe daqui.Porque na hora do aperto,quando surge algum proble-ma maior e essas grandesempresas (alemãs, japone-sas, americanas etc) preci-sam tomar decisões, elas to-mam decisões corporativas,

não levam em conta os interesses brasileiros.Há grupos multinacionais que apresentam ba-lanço sem queda, quando seus concorrentes doprimeiro mundo apresentam perdas, graças àsfiliais que têm no Brasil, na Argentina etc. In-sisti então com o presidente que precisávamosterminar o seu mandato com pelo menos umadúzia de multinacionais brasileiras, empresassólidas e internacionalmente competitivas,para começarmos a ser um país protagonista.Para isso, muito contribuiu uma viagem à Es-panha (junho de 2003), quando o presidente to-mou conhecimento de várias empresas espa-nholas privatizadas que se tornaram multina-

cionais e grandes investidoras em várias partesdo mundo, inclusive no Brasil. Aquela viagemserviu para contrariar alguns dogmas típicosdo sindicalismo brasileiro, que achava que in-vestir no exterior era tirar empregos de brasi-leiros e prejudicar o trabalhador nacional. Apartir daí o presidente começou a ser um incen-tivador das empresas, inclusive de empresasestatais. Há poucos dias recebi informaçõesdando conta de que existem 48 empresas bra-sileiras em diversos estágios de internacionali-zação. Há países em que empreiteiras brasilei-ras dominam completamente o mercado. So-mente a título de exemplo, recordo que a Em-brapa, que atingiu excelente nível tecnológico,sem fins lucrativos, foi incentivada pelo presi-dente Lula a fazer parcerias em diversas partesdo mundo. Deveríamos recordar o caso bem re-cente da Ambev, ou o da Gerdau para a qualmais da metade de seu lucro é originado fora doBrasil. A agenda brasileira que era em muitoscasos apenas defensiva, está mudando paraum estatuto de d é m a n d e u r.

D igesto: Muito da cultura sindical brasileira,oriunda dos anos 30, chegou ao poder. Como éque ela afeta a administração da economia?

Fu rl an - A máquina estatal é eclética, temgente de todo tipo. Mas, para mim, o que é re-levante é o pensamento do comandante. Umcomandante que, como é sabido, veio do berçosindical. Lula, porém, processa as informaçõesde modo muito rápido e surpreendentementeincorpora coisas novas com muita naturalida-de. Quem poderia imaginar, por exemplo, hácinco anos, que Lula viria a ser protagonista darodada de Doha? Quem acompanhou as reu-niões do G-7, ou as iniciativas para a implanta-ção da Alca, há de se lembrar das manifestaçõesde hostilidade de diversos setores dos sindica-tos, partidos e de muitos grupos da população.Aos poucos o presidente Lula foi se dando con-ta de que vários aspectos da globalização pode-riam ser trabalhados em favor do Brasil.

Lula, o 'caixeiro viajante',e Furlan vendem oproduto Brasil ao mundo

O presidente americano GeorgeW. Bush recebe Lula na Casa Branca.

Furlan ecomitivana reuniãoda OMCem Tóquio.

Kevin Lamarque/Reuters 10/12/2002 Kimimasa Mayama/Reuters 14/02/03

Dida Sampaio/AE 01/06/2003

O presidenteLula com opresidentefrancêsJacques Chirac(dir.), GeorgeW. Bush (atrás)e outrasautoridades.

Page 9: Digesto Econômico nº 449

9JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

D igesto: Por que as empresas brasileiras têminvestido mais no exterior nos últimos anos? Épara ganhar escala para competir no mercadointernacional, por causa da retração do mercadointerno ocorrido no período de 2003 até 2005, oué pelas maiores facilidades propiciadas pelaglobalização e a grande liquidez internacional?

Furlan - Eu diria que, em primeiro lugar, foipela necessidade. Quando Lula assumiu e meescolheu para ministro, eu dispunha de infor-mações de que havia uma perda acumulada depoder aquisitivo da população laboriosa de25%. Problemas que se acumularam desde 1999fizeram com que a massa disponível de rendaencolhesse 25%. O que eu propus naquela épo-ca para o presidente Lula e o ministro Palocci foique o único modo de reativar a economia a cur-to prazo era a exportação. O presidente concor-dou. Foi assim que reformamos a Apex (Agên-cia Brasileira de Promoção de Exportações e In-vestimentos). Essa agência era dirigida pelaDorotéia Werneck, pessoa muito competente,tinha sido ministra. Mas a Apex era pratica-mente um órgão catequético, voltado para o in-terior do Brasil. Propus ao presidente que aApex se voltasse para fora do Brasil. Eu acom-panhei muitas reuniões internacionais promo-vidas pelo Itamaraty e sempre constatei queeram reuniões pouco profissionais, às vezes ex-tremamente confusas e mal preparadas. O quefizemos foi profissionalizar a Apex. A Apex nãoprecisa fazer o que podia ser bem-feito pelo Se-brae, pelas federações etc. Comparando com asarmas do Exército, a Apex tinha de ser a cava-laria: identificar os alvos e ser agressiva. No fi-nal de 2002, as empresas estavam com grandecapacidade ociosa. Foi quando investimos ma-ciçamente em missões internacionais, rodadasde negócios para vender a capacidade ociosadas empresas. Fizemos tudo profissionalmentee o resultado foi o entrosamento das empresas,apoiadas pelo governo, com o surgimento deamplas oportunidades de bons negócios, emconstante processo de melhoria. O presidente

percebeu que esse era um campo que gerava te-mas positivos para o governo, acabando com aproverbial choradeira empresarial. Esse mode-lo foi estendido para reuniões de investimentos,com dados estatísticos confiáveis sobre o país,identificação de nichos e propostas factíveis acurto, médio e longo prazo. Fizemos 126 via-gens internacionais para promoções desse tipo,muitas delas com o presidente, que tem sido umverdadeiro 'caixeiro viajante' do Brasil. Devoacrescentar: conheci todos os presidentes dasúltimas décadas e Lula é o único que não tem ne-nhum complexo ou preconceito; ele é capaz depegar o telefone e falar com Bush ou com quemquer que seja, de igual para igual, para promo-ver uma empresa brasileira, seja ela estatal, sejaela privada. Isso no passado era algo conside-rado impuro... Achávamos natural que o presi-dente da França ligasse para cá para vender he-licópteros, ou que o presidente americano qui-sesse reforçar a venda do sistema Sivam... masachávamos errado que o nosso presidente fizes-se 'lobby', por exemplo, para uma empresa bra-sileira vender um sistema de votação para go-verno estrangeiro. Na Líbia, vi o presidente Lu-la convencer o presidente Kadhafi sobre a qua-lidade dos automóveis de empresas nacionais.Lula sempre soube que era um bom negociador,desde os tempos de sindicalista; acabou se dan-do conta de que a capacidade de negociador émuito próxima da capacitação para vendedor.

D igesto: No caso da Líbia, Lula foi um bomnegociador. Mas no caso da Bolívia, terá sidoigualmente um bom negociador? Afinal ogoverno da Bolívia invadiu propriedadesbrasileiras, colocando em risco o fornecimentode algo vital para nossa economia.

Furlan - Nesse caso o Evo Morales tinha ra-zão. O que ele pediu foi a antecipação da revi-são do preço do gás. A visão do presidente é di-ferente da nossa. É a primeira vez que temosum presidente que vem da base, sem vínculoscom a aristocracia européia. O presidente bo-

Antonio Milena/ABr 24/03/2004

Presidente Lula brinda como ministro chinês Li Zhaoxing.

Washington Alves/Reuters 16/12/2004

Furlan e o ministro paraguaioErnst Bergen fecham acordo comercial.

AFP 02/03/2005

Lula e o presidente do Uruguai,Tabaré Vázquez, em visita à Ambev.

Lula, porém,processa as informaçõesde modo muito rápido esurpreendentementeincorpora coisas novascom muita naturalidade.Quem poderia imaginar,por exemplo, há cincoanos, que Lula viriaa ser protagonista darodada de Doha?

Page 10: Digesto Econômico nº 449

10 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

liviano certamente fez alguma bobagem: mesmo já eleito, con-tinuou e continua como se fosse candidato. Mas, na visão deLula, se o Brasil tiver de brigar, que seja com alguém de seu ta-manho. Lula deve olhar Morales como um irmão mais novo,que precisa de orientação; segura suas pontas até que consigaacertar o passo. Mas não nos iludamos. Ao mesmo tempo Lulachamou o presidente da Petrobras e mandou que fossem feitosos estudos e tomadas as providências para que o Brasil se torneo menos dependente possível do gás boliviano. Publicamente,Lula contemporizou, procurou pacificar o governo vizinho;mas foi suficientemente realista para medir as conseqüências ecomeçar a agilizar o que é necessário para o nosso futuro emtermos de independência energética, para não ficarmos namão do fornecedor. Felizmente, logo em seguida se descobriugás em nosso litoral, embora o seu aproveitamento requeiraainda muito tempo.

D igesto: E os episódios do Brasil na última reunião da rodadade Doha? O Brasil não foi solidário com o Mercosul.

Furlan - Eu cansei de ver o oposto acontecer, e exemplificocom um fato ocorrido em 2004. Participei de uma reunião depresidentes do Mercosul; um pequeno país que não tinhamandado o presidente à reunião não quis assinar um acordoque estava praticamente finalizado com a União Européia. AUE havia pedido uma cota de 75 mil carros por ano livres deimpostos, e eles nos fariam uma série de concessões para com-pensar, um pacotão excelente. De 65 mil acertamos baixar a co-ta para 38 mil carros. Mas a Argentina, através do ministro daEconomia Roberto Lavagna, fincou o pé: 25 mil carros e nadamais. Liguei para o ministro e propus que o Brasil ficasse comos 13 mil carros a mais (para o nosso mercado isso era mais queaceitável), mas o ministro foi irredutível, 25 mil carros e nadamais. Perdemos a efetivação de um bom negócio com a UE, sa-bendo que daí a 3 meses iria mudar a presidência da UE e seriacriada uma nova comissão negociadora. Depois entrarammais países para a UE (de 15 países passaram para 27, váriosdeles com produto agrícola relevante). Vai ser muito difícil re-tomar acordos com a UE. Se o Brasil não fosse do Mercosul, te-ria assinado ótimo acordo com os europeus. Entretanto, com acriação do G-20, graças ao esforço do ministro Celso Amorim,o Brasil sentou-se na mesa, ainda que pequena, das negocia-ções. E dois dos países do G-20 (Brasil e Índia) passaram a fazerparte dos cinco negociadores da OMC. Hoje, o Brasil é menosdependente das finalizações da rodada de Doha do que há al-

gum tempo. As conquistas do agro-negócio brasileiro nos úl-timos 5 anos nos fazem ficar otimistas.

D igesto: Quais as barreiras que os investidores estrangeirosapontam no Brasil?

Furlan - Há dois temas principais. Primeiro: chegou-se a di-zer que, o que o Brasil oferecia em matéria de redução de tarifasera cortar na água. A nossa tarifa consolidada na OMC é 35%. Amédia da nossa tarifa aplicada para exportação é 12%. Na prá-tica, nada mudaria se baixarmos a tarifa externa para 18%; maspara 80% dos produtos você corta na água, isto é, não cortasubstância. Outro tema: os serviços. O Brasil foi sempre muitorestritivo, historicamente, para abrir o nosso mercado paraserviços. Minha tese era de que o Brasil precisava rever a suaestratégia na área de serviços, seja porque a negociação, umavez consolidada, é prevista para entrar em vigor integralmen-te muitos anos depois; seja porque o Brasil, em diversos seto-res, já é muito competitivo (por exemplo: serviços bancários,informática, telecomunicações etc); as negociações devemprosseguir não em base ao passado, mas em relação ao futuro.A abertura de serviços deve ser vista prospectivamente e estoucerto que poderemos ser competitivos na área de serviços, des-de que haja reciprocidade. O Brasil tem espaço para fazer maisconcessões, isso tem sido sinalizado, se bem que neste momen-to devemos entrar numa espécie de compasso de espera, porcausa das eleições americanas.

D igesto: O sr. acha que o Barack Obama tem chance?Furlan -Claro, chance ele tem, mas vamos esperar. Aquilo

que a gente pensa ser muito fácil, nem sempre o é. Interes-sante verificar o nosso relacionamento com os EE.UU. ulti-mamente. Os americanos protagonizaram um afastamentointencional com o Brasil e fizeram a política de cercar o Bra-sil. Fizeram aproximação com o Uruguai, com a Colômbia,com o Chile, alguns países do Caribe; sinalizaram tratamen-to especial para algumas nações. No crescimento do comér-cio exterior, a participação do comércio com os EE.UU. caiude 22% para 15%; com a Europa ficou estável, 25, 24; subiumuito com a América Latina: 22, 23, ultrapassando a Europa;subiu também com a Ásia e a África: 5,6 e Médio Oriente: 5%.A nossa dependência no caso da crise americana é menor. Jáquanto à crise européia, eu me preocupo. Estive há poucotempo na Espanha e fiquei impressionado com o pessimis-mo que está grassando na Europa. O mercado de construção

Celso Júnior/AE 07/03/2005

Presidente Lula com o vice-primeiroministro de Israel, Ehud Olmert.

Desembarquedo presidenteLula noaeropor tode Abuja,na Nigéria.

Everett K. Brown/Reuters 12/04/2006

Luiz Furlan, Celso Amorim, oex-primeiro ministro japonêsJunichiro Koizume e Hélio Costa.

Joedson Alves/AE 11/04/2005

Page 11: Digesto Econômico nº 449

11JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

civil, por exemplo, que era impressionante,de repente começou na cair.

D igesto: Quais os obstáculos internos,regulatórios, para uma empresa estrangeira quequeira se instalar no Brasil?

Furlan -Tive recentemente contato com vá-rios empresários estrangeiros. Fizeram umasérie de ponderações, mas a conclusão foique, desses países de nossa região, o Brasilainda é o mais amistoso. Embora tenhamosuma burocracia complexa, a visão do investi-dor estrangeiro sobre o Brasil é fundamental-mente positiva para investir. Pesa muito, tam-bém, o ambiente de plena democracia de quedesfruta o Brasil. Outro ponto também muitopositivo é que o governo não fez mudançasnas regras do jogo, se bem que tenhamos tidoumas 'pisadas de bola', com o presidente pre-cisando corrigir declarações de ministros quefalavam em alterar impostos, mexer na ZonaFranca de Manaus, contingenciamento de ex-portação de arroz etc.

D igesto: O presidente está para alterar alegislação para poder viabilizar uma mega-operação na área de telecomunicações, comnomeações de funcionários públicos, cujo escopoé facilitar as mudanças regulatórias. Até o BNDESestá disponibilizando recursos para umaoperação que nem sequer é legal. Essecomportamento não gera insegurança?

Furlan - Creio que não. Até onde eu sei, asregras que foram feitas para o setor de teleco-municações foram feitas depois do programade desestatização. O setor mudou, e muito. Sealguém dissesse há dez anos que um aparelhi-nho celular seria capaz de fazer tudo o que elefaz hoje e fará amanhã, diríamos que tinha lidotudo num livro de ficção científica. O que en-fatizou a lei de telecomunicações? Os que ven-ceram as concorrências deveriam dar acesso àpopulação, por exemplo, a telefones públicosnuma proporção de tantos aparelhos para tan-

tos milhares de habitantes etc. Ora, hoje, tele-fone público virou quase uma raridade, até ascrianças usam telefonia celular. Por isso, a leigeral de telecomunicações deverá ser adequa-da. Existem três leis que interagem nesse cam-po: a Lei de Telecomunicações, a Lei de Infor-mática e a Lei da Zona Franca de Manaus. Ou-trora uma televisão era uma televisão, um mo-nitor era um monitor, impressora, fax, coisasseparadas... agora você tem um conjuntinhoque contém tudo ao mesmo tempo. Vez por ou-tra se pergunta: mas pode-se produzir televi-são fora da Franca de Manaus? Monitor pode?Enfim, vai ser preciso fazer uma compatibili-zação da legislação. A própria distribuição dosespaços para as companhias na era das priva-tizações ficou superada. E a telefonia fixa virouum "mico". No mundo inteiro a telefonia fixaestá perdendo espaço. Efetivamente vamosprecisar flexibilizar as regras.

D igesto: A queda que vem sendo observada nospreços das commodities é uma tendência, ou ascotações devem se estabilizar em um patamarainda elevado?

Furlan - O mundo vai ficar feliz se o barril depetróleo cair a 95 dólares... esquecendo emquanto ele estava a um ano atrás.

Podemos exemplificar com o que aconteceuno começo do governo Lula. O presidente doBanco Central de Angola veio aqui pedir cré-dito. Angola tinha uma antiga dívida que ha-via sido renegociada para ser paga em 20 anos,algo como um bilhão e 400 milhões de dólares.Pagavam em xbarris de petróleo por dia. Mas opreço do barril de petróleo explodiu e aquiloque os angolanos pagavam em um ano acaba-va sendo pago em três meses (hoje seria em ummês!). O crédito solicitado poderia ser com-pensado mediante uma renegociação dos va-lores quanto ao fornecimento de petróleo. Nãofoi o que aconteceu. A visão da burocracia foi ade que ali estava para cobrar aquilo a que tinhadireito e não a de dar crédito aonde há possi-

Jacques Chirac,ex-presidenteda França, emvisita ao Palácioda Alvorada.

Bruno Domingos/Reuters 06/06/2006

Carlos Gutierrez, secretário decomércio da EUA, e Luiz Furlan.

Ricardo Stuckert/Presidência da República 04/07/06

Presidente Lula cumprimentaEvo Morales, presidente da Bolívia.

Conheci todos ospresidentes dasúltimas décadas eLula é o único quenão tem nenhumcomplexo oupreconceito; ele écapaz de pegar otelefone e falar comBush ou com quemquer que seja parapromover umaempresa brasileira.

Dida Sampaio/AE 25/05/2006

Page 12: Digesto Econômico nº 449

12 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

bilidade de risco. Aí os chineses entraram emAngola, abriram um crédito de dois, três bi-lhões de dólares e tomaram um mercado quepoderia ser nosso. Por que? Porque o burocra-ta acha que sua missão é a de enrolar o meio docampo, a missão de dizer não. É que muitas ve-zes setores do governo têm uma visão distor-cida da economia e até as ordens do presidentenão são cumpridas, quando chegam na áreaoperacional elas não andam.

As commodities precisam realmente deacompanhamento porque suas oscilaçõesde cotação têm impacto nos fluxos financei-ros mundiais. Tomemos o exemplo do petró-leo. A quanto estava o petróleo há cincoanos? Perto de 30 dólares o barril! Em 2003, opríncipe herdeiro da Arábia Saudita me di-zia, em Riad, que o orçamento do reino forafeito com a cotação do barril de petróleo a 17dólares, mas com a alta do barril para 20 dó-lares e o orçamento do reino estava comgrande fluxo de dinheiro, muito mais da pre-visão do orçamento.

Essa pergunta me faz pensar na conhecidahistória do bode (colocado na sala, incomoda atodos e, quando retirado, causa alívio geral eninguém mais se recorda dos antigos incômo-dos). O barril de petróleo está a 130 dólares enão vai voltar ao preço de anos atrás. Se cairpara 115, 110 dólares terá o efeito do bode forada sala, todos vão respirar aliviados. Quanto àsoja, para dar outro exemplo, a média históri-ca da cotação na Bolsa de Chicago nos últimos20 anos permaneceu estável. Agora é que estásubindo. Mas isso não significa que vai serpreciso dar subsídios. No meu ponto de vista,vai haver uma acomodação, o mercado vaipromover essa acomodação, talvez com umaqueda de demanda de matérias-primas, masnão será grande, mesmo porque China e Índiavão continuar na demanda de matérias pri-mas. A acomodação vai ser boa para todos. Po-de haver até uma desaceleração da inflaçãocom algum tipo de deflação para os alimentos.

Li há poucos meses um estudo dizendo que acada 1% de queda da economia americana cor-responde 2% de queda da economia chinesa,com estimativas de que o PIB chinês seja redu-zido até 8% de crescimento. Noutras palavras:a crise americana vai levar os chineses a atingiro nível de crescimento que queriam atingir enão conseguiam...

D igesto: Existe mais um bode na sala: e se Israelatacar o Irã?

Furlan - Aí as commodities vão subir. Quan-do há ameaça de conflito ninguém fica indife-rente. Os países procuram estocar matérias-primas e alimentos, por isso a demanda faz pu-xar os preços. Rotas marítimas podem ser in-terrompidas, portos podem ser bombardea-dos etc. Mas pode também não acontecer nadae alguns países até podem acabar tirando pro-veito da situação. A propósito, há alguns me-ses eu disse que, como o Brasil não estava en-volvido diretamente na área de conflito doOriente Médio, em caso de guerra não devería-mos ter prejuízos, poderíamos até ser benefi-ciados. Isso deu margem para um manchetistade jornal fazer estampar: "Ministro diz que oBrasil vai levar vantagem com a guerra"...Houve um mal-entendido, claro que o man-chetista não leu a minha entrevista, porque eudisse uma coisa bem diferente.

O Brasil está suprindo o Iraque pelo Kuwaite pela Jordânia. As tropas inglesas que estão noIraque estão consumindo frango brasileiro.Aliás, há partes do território iraquiano quepraticamente retornaram à normalidade. Ain-da há emboscadas, ainda há homens-bombaetc., mas às vezes a imagem que se tem do Ira-que no exterior nem sempre corresponde à rea-lidade dos fatos. As regiões críticas acabamdando o tom do noticiário geral. Mutatis mu-tandis, o que acontece conosco aqui na Amazô-nia tem analogia com o que acabo de dizer. Equal é a realidade do Brasil? Nós temos hoje70% da florestas que tínhamos há mil anos. A

Ricardo Stuckert/Presid. da República 17/07/06

Manmohan Singh, primeiro ministroindiano, George W. Bush e Lula.

José L. da Conceição/AE 04/09/2006

Luiz Furlan e o ministroAlistair Darling, do ReinoUnido, visitam usina deálcool em Piracicaba, SP.

Maria Eugenia Solis/Reuters 10/10/2006

Felisa Miceli, ministra da economiada Argentina, e Luiz Furlan.

Page 13: Digesto Econômico nº 449

13JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

Europa tem 0,13% de suas florestas antigas. AAmérica do Norte tem 19%. O mundo temuma visão distorcida e exagerada do que sepassa na Amazônia brasileira.

D igesto: Que tipo de proteção os paísesoferecem às empresas, ou elas têm de arcarsozinhas com todos os custos, quandodesejam se internacionalizar?

Furlan - Isso varia muito de mercado paramercado. O presidente Gerdau me disse queem todas as suas aquisições no exterior, elecolocou, na média, 20% de capital e financiou80%. Depois amortizou os empréstimos com

o crescimento da operação local. Há paísesque exigem que se tenha um sócio local:Oriente Médio, China até há pouco tempo, atéo Brasil tem exigências nesse sentido (comu-nicação, transporte aéreo etc). O certo é que ascompanhias estão descobrindo os caminhos,há escritórios especializados que as apóiam, ehá empresas que formaram seus grupos espe-cializados para fazer análises, auditorias,avaliar os riscos. O governo espanhol, porexemplo, assume o risco em até 50% do inves-timento de suas empresas no exterior, é umadas formas de apoiar as empresas que queremse internacionalizar.

Miguel Rojo/AFP 26/03/2007

Luiz Furlan participa de coletivade imprensa no Uruguai.

Fidel Castro brinca de fotografarLula durante encontro em Havana.

Tiziana Fabi/AFP 02/06/2008

Cristina Kirchner, presidente daArgentina, e o presidente Lula.

Para Furlan, Lula temsido um verdadeirocaixeiro viajante doBrasil. Na foto, visitaao Reino Unido em

março de 2006.

Arquivo pessoal

Reuters 15/01/2008

Page 14: Digesto Econômico nº 449

14 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

A internacionalização das empresas brasileiras

NOTASNo dia em que concedeu a entrevista para a revista Digesto Econômico,o ex-ministro Luiz Fernando Furlan veio devidamente preparado para respondernossos questionamentos. Em sua mão notava-se um calhamaço de papéis comanotações digitadas e impressas, que eram sempre consultadas. No final doencontro, tivemos acesso a essas anotações. Vejam os principais tópicos:

� Empresas brasileiras, no âmbito doméstico,criaram perfis de competência diferenciados porsuas características específicas e influenciadaspela competitividade do mercado interno comoforma de atingir o externo.

� A partir deste princípio básico, identificou-se, nofinal de 2006, 44 empresas que tinham o perfil doque seria o conceito de "multinacional", sendo 36delas industriais e outras 8 de prestação deserviços.

� A maior concentração dessas empresas éencontrada no segmento de insumos básicos,seguido por parte, componentes e subsistemas,situadas em diferentes posições nas cadeiasglobais de produção, não ficando restritaàs indústrias baseadas em recursos naturais,nem ao caso excepcional da Embraer.

� A presença brasileira é significativaespecialmente nas indústrias de base metal-mecânica. No setor de bens de consumo ealimentos, destaque para a Ambev. Empetroquímica, podemos citar a Petrobras comoprincipal, com presenças da Brasken e daOxiteno. Na indústria de construção civil,destacam-se as cimenteiras e a Tigre nofornecimento de insumos básicos.

� Entre o fim de 2006 e começo deste ano,29 empresas brasileiras comandavam93 subsidiárias espalhadas pelo mundo

� As subsidiárias estão localizadas principalmentena América Latina sendo, individualmente, opaís com maior número de subsidiárias os

Estados Unidos, seguido por Argentina e México,figurando a China e a Índia como destinoimportante dos interesses brasileiros, comotambém a Europa, o Oriente Médio, a Áfricae a Ásia.

� Interessante notar que 40% das subsidiáriasvendem apenas para o país hospedeiro e asdemais atendem mercados internacionais. Assubisidiárias da América Latina vendem 70% desua produção na própria região, 10% na Américado Norte e 20% na Europa. As filiais da Américado Norte enviam 10% da produção para aAmérica Latina e 29% à Europa. Os braçoseuropeus têm como principal mercado o LesteEuropeu, seguido da Ásia, este continente sendoo mais globalizado, exportando para a Europa eAméricas do Norte e Latina. Na África, as filiaisatendem mercados locais, enquanto aslocalizadas na Europa do Leste têm pequenaexportação para a Europa.

� Outro dado que chama a atenção é o tamanho dasempresa subsidiárias: cerca de 30% têm 60funcionários, 20% têm entre 50 e 200, outras 25%têm entre 200 e 1.000 e os 25% restantes, mais demil funcionários.

� Quanto às receitas, 25% das subsidiárias vendementre US$ 1 milhão e US$ 16 milhões, outros 25%vendem entre US$ 20 milhões e US$ 125 milhões,outras 35% vendem até meio bilhão de dólares,8% estão entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão erestantes 7% faturam mais de US$ 1 bilhão.

� Até o ano de 2000, a forma de penetração dasmultis brasileiras no exterior foi o "greenfield

Page 15: Digesto Econômico nº 449

15JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

Investment". A partir desta data, passaram aprivilegiar as estratégias de aquisição, onde oexemplo mais recente é a Gerdau, no setor de aço,e a Votorantim, que já é a terceira maiorprodutora de zinco do mundo. Assim,tais conquistas estão divididas entreaquisições (43%), investimentos diretos (42%)e joint-ventures e alianças (15%)

� As multis brasileiras ainda são "bebês": 30%iniciaram suas operações no exterior na décadade 1990 e 47% após esta data, não tendo, portanto,mais de 15 anos de experiência no exterior, onde oprimeiro destino foi, naturalmente, a América doSul. Isso por razões de ordem econômica efinanceira, relacionadas com o Mercosul, comotambém pela proximidade geográfica e cultural.

� As análises mostram que o processo deinternacionalização das empresas brasileiras,embora tardio, é considerado como estágioseguinte nas estratégias de crescimento,concorrendo para isso a saturação do mercadointerno e a demanda internacional, além danecessidade de ter receitas em moeda forte.

� E, como no Brasil as coisas são feitas à nossamaneira e do nosso jeito, pesquisas mostramtambém que a internacionalização – na maioriados casos – não é feita de maneira totalmenteplanejada e com critérios acadêmicos, mas sim,sugerem que, em grande parte dos casos, asdecisões em alçar vôo são tomadas em curtoprazo e de modo a aproveitar as oportunidades.

� Neste sentido, a superação de barreirascomerciais e técnicas se revelam importantespara a maioria das empresas brasileiras, o que dáum idéia da grandiosidade, dos desafios e dacompetitividade enfrentados.

� Nesse quadro de competitividade, as empresasbrasileiras no exterior estão voltadas para asáreas de P&D e Engenharia, Produção eOperações e Relacionamentos com Clientes.A competência em Produção e Operação aparececomo a mais importante, e a função Produçãoé a que dá maior sustentação ao processo deinternacionalização. Foco final: o mercado,onde os consumidores finais ou corporativos

são os que exercem a maior influência para odesenvolvimento das competências.

� Em relação aos governos locais, três são os fatoresmais importantes para as empresas brasileiras noexterior: políticas do ambiente competitivo,de comércio exterior e econômica, ficandoas restrições para as políticas de educação,infra-estrutura e meio ambiente.

� Visão estratégica: de um modo geral, assubsidiárias admitem ter maior grau deautonomia do que as matrizes admitem estarconcedendo. Neste sentido, as filiais dizem estarassumindo mais riscos do que as matrizespoderiam permitir. Mesmo assim, é de elevadafreqüência a comunicação entre matriz e filial.A primeira cobra da segunda uma agressivapolítica de vendas, seguidos de acordos logísticoe de gestão de pessoas.

Conclusões� Embora recente, a análise mostra que empresas

brasileiras estão buscando a internacionalizaçãoa partir de estratégias pró-ativas, mesmo antesque ocorra a saturação dos mercados internos esem dependência de apoio governamental.

� As opções atuais de localização não levam emconta riscos mínimos, ou seja, a escolha porpaíses de menor grau de desenvolvimento,relevando a intenção estratégica de enfrentar acompetição de mercados internacionais.

� A tendência, depois de iniciado o processo,é de retomar modelos pré-internacionalização.

� As prioridades, no exterior, são paraplanejamento, gestão de pessoas e modelos,revelando que o brasileiro gosta mesmo derealizar à sua maneira, tendo baixa propensãoà aprendizagem resultante das estratégias deinternacionalização.

� Os investimentos brasileiros no exteriorem 2006 foram de US$ 28 bilhões

Page 16: Digesto Econômico nº 449

Sebastião Moreira/AE

Contradiçõesdo capitalismo

brasileiro

Marcel Domingos SolimeoEconomista e superintendente do Institutode Economia Gastão Vidigal da ACSP.

Page 17: Digesto Econômico nº 449

O ex-ministro da Indústria eComércio, Luís FernandoFurlan, destacou que a nova facedo capitalismo brasileiro, e

que demonstra o grau de avanço da economiado País, é a forte participação de empresasbrasileiras investindo ou trabalhando noexterior, ou, em outras palavras, a existênciade multinacionais verde-amarelas.

Centro de Controlede Tecnologia daBolsa de Valoresde São Paulo(Bovespa)

Page 18: Digesto Econômico nº 449

18 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

A presença de empresas brasileirasatuando em outros países é um fato antigo,mas que ganhou importância na últimadécada, quando as condições favoráveis domercado mundial e a globalização, de umlado, e a retração da economia doméstica, deoutro, induziram os empresários a investirno exterior para se posicionar junto adeterminados mercados, obter ganhos deescala ou reduzir custos, criando oucomprando empreendimentos lá fora.

Petrobrás, Gerdau, Vale (antiga CVRD),Ambev são os exemplos mais conhecidos,

além de empreiteiras e bancos. Empresas deporte médio têm procurado outros mercados,aumentando a presença brasileira, nãoapenas em países emergentes, mas, também,em nações industrializadas, ao que se soma agrande expansão das exportações,especialmente de "commodities", e oaumento dos investimentos externos no país,o que o coloca como "player" relevante nocenário internacional.

Assim, se pode dizer que o Brasil estáinserido na globalização e participaativamente do comércio internacional,podendo ser considerado um país moderno,que pratica o jogo do capitalismo nasmesmas condições que seus principaisparceiros. Essa é a face do Brasil Moderno,que participa de discussões nos Foros eorganismos internacionais, freqüentareuniões empresariais importantes noexterior e figura nas principais publicaçõeseconômicas do mundo como um mercadodesenvolvido e atrativo.

Estudo realizado por Alexandre P. Groh,Heinrich Liechtenstein e Miguel A. Canela,(Gazeta Mercantil 18/8/08) analisa os fatoresdeterminantes para os investidores emcapital de risco e sociedades de participaçãolimitada em "private equity". Como nomundo globalizado os investidoresinstitucionais dispõem de uma vasta gamade negócios e empreendimentos eminúmeros países para escolher onde aplicarseus recursos, o estudo procurou detectarquais os critérios empregados pelosinvestidores na hora de decidir.

Eles investigaram seis diferentes critériospara avaliar quais os fatores que maisinfluenciam as decisões dos investidores:atividade econômica, mercado de capitais,tributação, proteção ao direito depropriedade (intelectual, imobiliária oupessoal), e atividade empresarial, através demil questionários encaminhado ainvestidores institucionais. A proteção aodireito de propriedade foi o item mais citadode forma destacada como o principal fatordeterminante na escolha do local parainvestir, o que implica, também, no respeitoàs regras e aos contratos.

Na parte superiorda página,integrantes do MSTinvadem fazenda.Acima, mulheresda Via Campesinadepredam Aracruz

Eduardo Pregal/Folha da Manhã/AE

Neco Varella/AE

Page 19: Digesto Econômico nº 449

19JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

As conclusões desse estudo nãosurpreendem, pois é bastante claro quegestores de recursos de terceiros, ou mesmoos que investem seu próprio capital, nãodesejam correr riscos que não aquelesinerentes à atividade empresarial. Obtermaior ou menor rentabilidade, ou, mesmo,ter alguma perda, em função da flutuação domercado ou da administração doempreendimento, faz parte dos riscos daeconomia de mercado e podem ser avaliadospelo investidor, que exige maiorrentabilidade, quando o risco for maior.

Essa pesquisa confirma trabalhos dosPrêmios Nobel, Douglas North e RonaldCoase, que ressaltaram a importância dasinstituições para o desenvolvimento dasnações, entendendo como "instituições", aConstituição, as leis, regulamentos, normase regras, o funcionamento dos órgãospúblicos, a forma como o Judiciário garanteos direitos e a própria conduta da sociedade,isto é, seus valores e o grau de adesão àeconomia de mercado.

Considerando-se os aspectosinstitucionais – direito de propriedade,estabilidade das regras e respeito aoscontratos – no entanto, o Brasil parece longede atender à principal condição apontadapelos investidores em capital de risco e"private equity" na pesquisa mencionada,que apontaram o respeito ao direito depropriedade como fator fundamental para aescolha dos países onde investir.

Desde a Constituição de 1988, queincorporou o conceito de "função social dapropriedade", o direito de propriedade noBrasil passou a ser relativizado, dandomargem não apenas a legislações que orestringem, como, principalmente, a ataquesdiretos por parte de grupos que se autodenominam de "movimentos sociais".

Não bastassem as permanentes agressões doMST e outros grupos semelhantes,incentivados e acobertados por órgãosgovernamentais e verbas públicas, assiste-seno País a um movimento sistemático de ataqueao direito de propriedade por parte da Funai,com a demarcação de terras indígenas, e doIncra, com as desapropriações para atender a

grupos de "quilombolas", sem qualquerrespeito a documentos de posse dos atuaisproprietários, como se nada valesse alegitimidade dos mesmos frente à "justiçasocial" buscada por grupos empenhados emnão apenas reescrever a história, como emmudá-la de acordo com suas visões ideológicasanticapitalistas. Embora se possa alegar que osataques e violações ao direito de propriedadetem se restringido apenas às áreas rurais, o quenão é o caso das demarcações de terrasindígenas que abrangem cidades inteiras, e dos"quilombolas", que tem reivindicado áreasurbanas, as agressões dos "movimentos sociais"têm atingido diversas empresas, como a Vale,Aracruz, Votorantin e outras, mostrando que setrata de uma luta contra o "capitalismo", e nãoapenas a propriedade agrária. Mais importantedo que isso, é que essas agressões vão seincorporando à realidade como se fosse umfato normal, aceito passivamente pelasociedade brasileira, e apoiado pelasautoridades, pois não há qualquer ação paraevitá-las, e nem a punição dos agressores.

Se o direito de propriedade não égarantido, menos ainda a estabilidade dasregras que regem as atividades privadassujeitas a alguma forma ao controle

Valter Campanato/ABr

É notória apressão que oministro dasComunicações,Hélio Costa, fazpara a mudançada lei, de formaa permitir aaquisição daBrasil Telecompela Oi.

Page 20: Digesto Econômico nº 449

20 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

governamental, como a das empresas quedependem de concessões. Quando doprograma de privatização de diversossetores, foram criadas agências reguladorasdos mesmos, que deveriam atuar comindependência em relação ao Executivo, paranormatizar e fiscalizar suas atividades, com oobjetivo de dar segurança aos investidores.

O que vem ocorrendo, no entanto, é quetais agências vêm sendo politizadas,enfraquecidas e ignoradas em muitos casos,como no tocante às telecomunicações, onde oMinistro procura interferir nas decisões,sendo notória a pressão que vem sendoexercida para que a Anatel mude as regraspara permitir a aquisição da Brasil Telecompela OI. O argumento que se tem noticiado éo de que o governo considera importante acriação de uma "grande empresa nacional detelefonia", por se tratar de um setor vital,lembrando o velho nacionalismo que pareciaesquecido, mas que, pelo jeito, estava apenasadormecido, embora outros interessespossam estar norteando as decisões.

O absurdo a que se chegou no caso, foi o fatode que dois bancos oficias, o Banco do Brasil e oBNDES, se dispuseram a financiar a maiorparcela dos recursos necessários para criar a"grande empresa nacional", mesmo essaoperação ainda não sendo permitida pelalegislação, na certeza de que as regras serãomudadas casuisticamente para atender a esseobjetivo. Também absurda é a nomeação deuma diretora para a Anatel, não por seu"notório saber " ou experiência no setor, maspelo fato de que ela votará a favor da mudançadas normas que impedem o negócio daOI/Brasil Telecom. É evidente que regraspodem ser mudadas ao longo do tempo, paraadequá-las às mudanças que ocorrem nomercado, inclusive as tecnológicas, mas não deforma casuística para beneficiar uma empresadeterminada, como é o caso em foco.

Outra questão bastante discutida nomomento é a da exploração do petróleodescoberto na camada do pré-sal.Declarações de autoridades falando emmudança das regras, em desapropriação dasreservas encontradas, o que representariaquebra de contratos, de modificações na

Lei do Petróleo de forma casuística, vemcriando um clima de incerteza entre asempresas que operam no setor.

Diversas propostas, inclusive a da criação deuma empresa estatal para explorar as reservas,sob argumentos nacionalistas e estatizantes,desqualificam inclusive a Petrobras para atarefa de explorar as reservas , por terestrangeiros entre seus acionistas. Ao invés deanálises e estudos técnicos sobre como exploraras reservas encontradas, o que vai exigirinvestimentos de grande monta, superior àcapacidade tanto da empresa como do País,discute-se a forma de administrar e dividir osrecursos que serão gerados, quando houver aexploração efetiva das reservas, esquecendo-sedo que dizia Roberto Campos sobre o risco dese confundir "reservas com riquezas".

Embora a Petrobras e seus acionistastenham financiado as pesquisas, fala-se emretirar da empresa a exploração do "pré-sal"porque "as reservas pertencem ao povobrasileiro", o que nunca foi contestado porninguém. É importante lembrar que ogoverno estimulou os trabalhadores acomprar ações da Petrobras com o FGTS eque os Fundos de Pensões de empregados devárias empresas estatais também possueminvestimentos nessa companhia.

A confusão gerada por tais declaraçõestem provocado queda no valor das ações daPetrobras, em prejuízo de seus acionistas e daprópria empresa.

A adoção de medidas que permitam aogoverno aumentar a receita sobre o petróleoextraído dessas reservas é positiva e possível,sem mexer na Lei. O que não se deve é criarincerteza quanto ao marco jurídico e,principalmente, transmitir a impressão,muito comum em declaração de algumasautoridades, de que os direitos dos queinvestiram não serão respeitados e que asregras podem ser mudadas ao sabor dosinteresses dos governantes de plantão.

A discussão sobre a utilização dos recursospara a criação de um "Fundo Soberano" noestilo da Noruega parece precipitada antes dese avaliar a real extensão das reservas e omontante necessário para sua exploração,mas, o maior risco, é que se queira vincular a

Pré-sal:declarações de

autoridadesfalando em

mudanças deregras, em

desapropriaçãodas reservas

encontradas, demodificação na

Lei do Petróleo deforma casuística,vem criando um

clima de incertezaentre as empresas

do setor.

Também absurda é a nomeação de uma diretora paraa Anatel, não por seu "notório saber" ou experiência nosetor, mas pelo fato de que ela votará a favor da mudançadas normas que impedem o negócio da OI/Brasil Telecom.

Page 21: Digesto Econômico nº 449

21JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

receita proveniente do petróleo, seja paraeducação ou para qualquer outra finalidadeque permita aumento dos gastos públicos,sem antes se fazer um amplo programa deracionalização das despesas.

As preocupações se tornam maisjustificáveis quando se constatam intervençõespolíticas de natureza ideológica ou eleitoral,não apenas nas declarações desencontradas deautoridades, como pelo fato de o governo terobrigado a Petrobras a desfazer a venda deuma mina de silvinita, da qual se extrai opotássio, para uma empresa canadense, sob oargumento de que se trata de um mineralestratégico para a produção de fertilizantes.

Esses exemplos servem para mostrar que orespeito ao direito de propriedade e aoscontratos no Brasil não é respeitado, o que éagravado pelo fato de que, segundo oalmirante Mário César Flores, em artigo noEstadão de 13/08 (veja matéria na pág. XX), "asociedade, em vez de indignação, querusufruir o Estado paradisíaco, haja vista ointeresse pelo serviço público e pelo apoioestatal, do capital à exclusão assistida". Isto é,a sociedade brasileira, regra geral, espera doestado benfeitor o atendimento de suasnecessidades, não valorizando o papel doempresário como gerador de riquezas.

Embora muitas empresas estejamdisputando o mercado internacional, ocapitalismo brasileiro ainda não estáconsolidado na medida em que parcelaexpressiva da população não parece defenderos valores da economia de mercado, o quepermite aos governantes e políticosmanterem a tributação elevada, os controlesburocráticos exagerados, a regulamentaçãoexcessiva da economia e, até, o arbítrio emmuitas decisões, levando a que já se tenhadefinido o regime vigente como "capitalismoconsentido", no sentido de que, para sedesenvolver, as empresas precisam contarcom o beneplácito das autoridades.

Muitos argumentam que esses problemasnão são relevantes porque os investimentoscontinuam entrando no País, mas,certamente, o volume poderia ser maior se oBrasil oferecesse condições mais favoráveispara os investidores.

Bruno Domingos/Reuters

Page 22: Digesto Econômico nº 449

MULTINACIONA Rota dos Investimentos

Arte

de

Alfe

r sob

re fo

to d

ivul

gaçã

o

Relatório elaborado pela consultoria KPMG

Em 2006, o volume de investimentos diretos efetuados doBrasil para o exterior foi, pela primeira vez na história, maiordo que o de investimentos recebidos. A internacionalizaçãorevela um Brasil além das commodities minerais e agrícolas,

que pode conquistar um espaço de destaque no cenárioglobal das indústrias e dos serviços.

Page 23: Digesto Econômico nº 449

AIS BRASILEIRASBrasileiros no Exterior

Em 2006, o volume de investimentos diretosefetuados do Brasil para o exterior foi, pela primeiravez na história, maior do que o de investimentosrecebidos. A internacionalização revela um Brasil

além das commodities minerais e agrícolas, que podeconquistar um espaço de destaque no cenário global dasindústrias e dos serviços.

Este relatório retrata o processo cada vez mais comum ecrescente da internacionalização das empresas brasileiras.

O estudo que segue foi elaborado pela KPMG no Brasil combase em dados e estudos públicos disponibilizados pelo BancoCentral do Brasil, pela UNCTAD (United Nations Conference onTrade and Development), Fundação Dom Cabral e notíciasdivulgadas pela mídia brasileira. As informações foramatualizadas até 31 de janeiro de 2008. A KPMG no Brasil não seresponsabiliza pela acuracidade de tais informações, cujasfontes encontram-se devidamente citadas. Este material estádisponível no website www.kpmg.com.br.

Page 24: Digesto Econômico nº 449

24 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

A Trajetória das Transnacionais Brasileiras

Muito embora a maior parte das grandes empresas trans-nacionais do mundo tenha origem na União Européia, EstadosUnidos e Japão, tem sido observada nos últimos anos uma mu-dança significativa neste cenário. De fato, nota-se um aumentoexpressivo no número de empresas de economias em desen-volvimento na lista das empresas exportadoras de capital (1).

No Brasil, a multinacionalização aconteceu com quase umséculo de atraso em relação a empresas européias e america-nas, que tiveram seu processo iniciado após a Primeira GuerraMundial. Todavia, este processo vem crescendo vigorosamen-te nos últimos anos, impulsionado principalmente pelos cená-rios econômicos nacional e internacional favoráveis e pela va-lorização do real.

Tardiamente ou não, o fato é que se pode afirmar que fron-teira já não mais representa uma barreira para a expansão dasempresas brasileiras. Ao contrário, trata-se de uma estraté-gia de mercado e talvez até questão de sobrevivência. A pres-são cada vez maior pela liberalização do comércio internacio-nal, o fortalecimento dos blocos econômicos formados porpaíses ricos e as aquisições internacionais tornaram o merca-do muito mais competitivo. Em muitos setores, a presençaglobal e o tamanho dos grupos econômicos podem decretarseu sucesso ou fracasso.

Os pioneiros iniciaram tal processo na década de 70, mas em2006, pela primeira vez na história, o volume de investimentosbrasileiros diretos no exterior ultrapassou o volume de inves-timentos estrangeiros no País.

Do total de US$ 152,2 bilhões de ativos brasileiros declara-dos como localizados no exterior no ano de 2006, o destaqueficou para a modalidade "Investimento Direto" (investimentossuperiores a 10% do capital da investida) (2), que totalizou ummontante acumulado de US$ 97,7 bilhões (sendo US$ 91 bi-lhões associados ao setor terciário).

O Brasil figura como 19º maior receptor de investimentosdo mundo. Só em 2006, o Brasil recebeu US$ 19 bilhões eminvestimentos, um aumento de 20% em relação a 2005 e fi-gura como um dos principais destinos de investimentos in-ternacionais. Mas além de ser um dos principais destinosdos investimentos internacionais (como demonstram osgráficos a seguir), o Brasil tornou-se também um forte ex-portador de capitais.

Segundo dados divulgados em 2007 pelo Banco Central doBrasil com base nas declarações de Capitais Brasileiros no Ex-terior (CBE 2007), os investimentos diretos brasileiros (IDB)no exterior atingiram a incrível marca de US$ 32,3 bilhões noano de 2006. Esta marca colocou o Brasil na 12ª posição no ran-king dos maiores investidores do mundo, superando paísescomo Austrália, China, Rússia e Suécia, entre outros (3).

Page 25: Digesto Econômico nº 449

25JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

A marca deinvestimentosbrasileiros noexterior em

2006 colocouo Brasil na12ª posiçãono rankingdos maioresinvestidoresdo mundo.

Pércio Campos/O Globo

A Petrobrasfigura nasegundaposiçãodo rankingpor ativosexternos noano de 2006.

Page 26: Digesto Econômico nº 449

26 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Page 27: Digesto Econômico nº 449

27JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

Os recursos que saíramdo País a título de

investimento externodireto no ano de 2006

aumentaram 49,4% emrelação ao montante doano de 2005 e 129,46%

em relação a 2001,quando o estudodo Banco Central

foi conduzido pelaprimeira vez.

Page 28: Digesto Econômico nº 449

28 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Na análise dos dadosanterior (setor terciário),deve-se considerar quemuitos investimentos

diretos são efetuados porintermédio de empresas

holding, que tem porobjeto social a

participação societáriaem outras empresas.

O resultado dos dadosestatísticos acima

poderia ser distinto,caso se considerasse oramo de atividade dasinvestidoras e não das

investidas ou, ainda, dasempresas operacionaisdetidas pelas holdings.

O aço é umdos principaisitens deexportação.Na foto, aCompanhiaSiderúrgicade VoltaRedonda (RJ).

Alaor Filho/AE

Page 29: Digesto Econômico nº 449

29JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

Principais Destinos dos Investimentos

De acordo com o levantamento do Banco Central do Brasil deCapitais Brasileiros no Exterior 2007, grande parte dos capitaisbrasileiros tem como destino os chamados "paraísos fiscais",principalmente Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Baha-mas. Os Estados Unidos da América também destacam-se nodestino de capitais brasileiros. A partir de 2004, a Dinamarca jun-tou-se ao grupo dos maiores receptores de investimento direto e,em 2006, as Bermudas também ganharam importância comodestino inicial de investimentos diretos de residentes no País.

As Ilhas Cayman permaneceram na liderança, com US$ 20,3bilhões, seguidas por Bermudas (US$ 15,1 bilhões), Dinamarca(US$ 10,4 bilhões), Ilhas Virgens Britânicas (US$ 10,3 bilhões) eBahamas (US$ 9,3 bilhões). Os cinco países responderam por66,8% do total da conta de Investimento Externo Direto (par-ticipações acima de 10% do capital da investida).

O destino primário dos investimentos estrangeiros nemsempre é o país no qual se localiza a empresa operacional a serconstituída ou adquirida. Muitas vezes o investimento transi-ta por empresas que possuem por objeto social a participaçãosocietária em outras empresas (holdings) localizadas em países

Page 30: Digesto Econômico nº 449

30 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

europeus ou paraísos fiscais. Os atrativos de tais jurisdiçõescompreendem condições tributárias favoráveis, regras sim-plificadas, estabilidade financeira e política, além de permitirmelhor administração dos investimentos estrangeiros, conso-lidação para fins contábeis e financeiros etc.

Paraísos Fiscais

Conforme as informações do Banco Central do Brasil, dosatuais US$ 152 bilhões aplicados no exterior, US$ 75,7 bilhõesdestinaram-se a jurisdições conhecidas como paraísos fiscais.Deve-se considerar que além da possibilidade de utilizaçãodos paraísos fiscais para a constituição de empresas holdings,muitos investimentos efetuados em paraísos fiscais são de na-tureza financeira.

O valor destinado aos paraísos fiscais aumentou 55% no anode 2006 em relação ao ano anterior. Este aumento foi superiorao percentual de crescimento dos investimentos diretos bra-sileiros (36%) (4). A Receita Federal do Brasil considera comoparaísos fiscais os países ou dependências que não tributam arenda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% ou, ainda, cu-ja legislação interna oponha sigilo relativo à composição socie-tária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade (5).

Top 20

Um estudo coordenado pela Fundação Dom Cabral em con-junto com o Columbia Program on International Investment(CPII), da Columbia University, sobre o fluxo de investimen-tos estrangeiros diretos (IED) concluiu sobre as multinacio-nais brasileiras que (7):

� Os ativos de companhias brasileiras mais quedobraram no exterior entre 2005 e 2006.� O Brasil passou a ser o segundo maior investidorexterno entre nações em desenvolvimento noano de 2006 (somente atrás de Hong Kong).� As multinacionais brasileiras ainda sãoempresas regionais. Das 20 maiores, dezconcentram suas atividades na América Latina.� A internacionalização tem sido liderada pelaVale, Petrobras e outras companhias de recursosnaturais, que detêm 70% do estoque total deinvestimentos estrangeiros diretos brasileiros, deUS$ 108 bilhões no exterior.� A lista das 20 maiores investidoras inclui gruposindustriais, empresas de construção civil e detecnologia, como Embraer, Odebrecht e Itautec.� A Gerdau lidera com 54% o "índice detransnacionalidade" das empresas do País. Oresultado seria outro se a Odebrecht tivesse sidoconsiderada sem a petroquímica Braskem. Sem aBraskem, a Odebrecht possui índice de 57% detransnacionalidade, o mais elevado entre asb ra s i l e i ra s.� As 20 principais multinacionais do País têm US$56 bilhões de ativos no exterior, mais da metade

do total de fluxo de investimentos diretosbrasileiros. Isso representou 20% de seus ativostotais em 2006 (12% no ano anterior). A média das200 maiores empresas de países emergentes é de33%, o que reflete a ainda tímida presençabrasileira no exterior comparativamente aconcorrentes asiáticos.� As empresas brasileiras empregam 77 milpessoas no exterior – cifra idêntica ao total deempregados do grupo farmacêutico suíço Rocheno exterior.� Três firmas têm mais de 10 mil empregados forado País, representando, na média, 19% do totaldos empregados.Já as maiores multinacionais dos grupos denações em desenvolvimento têm em média 33%dos empregados no exterior.� Oito, das vinte maiores brasileiras, declararamque espanhol e/ou inglês são língua oficial,juntamente com o português.� 885 empresas brasileiras investem em 52 países,o que indica que também pequenas e médiascompanhias começam a se instalar no exterior. Asmultinacionais brasileiras estão presentes em, emmédia, três diferentes países.

Page 31: Digesto Econômico nº 449

31JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

De acordo com aFundação Dom Cabral,cerca de 885 empresasbrasileiras investem

em 52 países distintos.Os principais motivos

que justificariam a forteexpansão seriam a

aproximação eampliação dos mercados

de consumo, avalorização da moeda

nacional (R$) e avalorização da marca.

A Gerdau lidera com54% o índice de

transnacionalidadedas empresas do País.

Divulgação

Page 32: Digesto Econômico nº 449

32 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Investimentos de Destaque

De acordo com pesquisa da KPMG Corporate Finance Bra-sil, as transações anunciadas de fusões e aquisições envolven-do empresas Brasileiras continuaram a crescer em 2007 e es-tabeleceram novo recorde anual, com crescimento expressivode 48% em relação ao ano anterior.

De janeiro a dezembro, foram realizadas 699 transações, 226a mais do que no ano anterior.

A conjuntura econômica local favoreceu o nível de ativi-dade desses setores em virtude da expansão do consumo,aumento da oferta de crédito, redução das taxas de juros aolongo do ano, redução do Risco País e o aumento das reser-vas internacionais.

Além disso, a continuidade do desenvolvimento do merca-do de capitais deixou as companhias nacionais capitalizadaspara investir. Os últimos anos foram representados por ummarco importante no processo de internacionalização de em-presas do País, pois, o fluxo de investimentos para o exterior écada vez maior e mais intenso.

As transações anunciadas em que empresas brasileiras ad-quiriram empresas no exterior registraram crescimento de40% em 2007. As transações desta natureza triplicaram nos úl-timos 4 anos, tendo sido registradas 22 operações em 2004, 24em 2005, 47 em 2006 e 66 operações em 2007.

Aquisição da argentina Mirab pela Marfrig em 2008 (8)

Aquisição da americana Swift Foods Company pelaFriboi em 2007 (9)

Aquisição da Chaparral Steel Company pela Gerdauem 2007 (10)

Aquisição da colombiana Acerías Paz del Rio, daamericana U.S. Zinc e a compra de 27% do capital daargentina Aceros de Bragado (AcrerBrag) pelo GrupoVotorantim em 2007 (11)

Construção de fábrica na Rússia pela Sadia em 2007 (12)

Aquisição da canadense INCO em 2006 e daaustraliana AMCI Holdings em 2007 pela Vale (13)

Joint venture com Tata Motors em 2006 paraconstrução da maior fábrica de ônibus do mundo naÍndia pela Marcopolo (14)

Aquisição da argentina Loma Negra pela CamargoCorrêa em 2005 (15)

Page 33: Digesto Econômico nº 449

33JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

Estratégias para o Sucesso

A internacionalização é um processo que exige planejamen-to. Porém, um estudo da Universidade de São Paulo, publica-do pela Revista Época Negócios, revelou que em um grupo deempresas, no qual 96% possuem planos de internacionaliza-ção, apenas 43% afirmam ter efetuado estudos criteriosos parasair do País (16).

As oportunidades são muitas e compreendem reduçãode custos logísticos e de mão-de-obra, obtenção de recursosfinanceiros em condições mais favoráveis, conquista de no-vos mercados etc. Por outro lado, há que se administrar di-ferenças culturais, idiomáticas e, em alguns países, instabi-lidade cambial, política e econômica. Questões como recru-tamento de profissionais, treinamento, flexibilidade na ges-t ã o , e n t re o u t r a s , d e v e m s e r a n a l i s a d a s a n t e s d aimplementação do investimento.

Tarefa importante para o investidor é a obtenção de recur-sos para a expansão internacional. As opções são muitas eabrangem financiamento com recursos próprios, emprésti-mos bancários, incluindo as linhas de crédito disponibiliza-das pelo BNDES, financiamentos no exterior e captação nomercado de capitais.

Os custos tributários do investimento devem ser cuidado-samente analisados. Deve-se entender os tributos cobrados no

país de destino do investimento, os impactos tributários noBrasil e verificar a existência de tratados para evitar a dupla tri-butação (17) e potenciais benefícios fiscais deles decorrentes. Éimportante considerar não só as relações da investidora bra-sileira com as subsidiárias estrangeiras, mas também o trata-mento fiscal das operações e relações entre as subsidiárias.

Depois de efetuado o investimento, um desafio impor-tante é transferir o conhecimento não só da matriz para o ex-terior, mas estar atento às oportunidades de aprendizadocom a experiência estrangeira. De fato, principalmente emcasos de aquisições internacionais, as empresas brasileirastendem a maximizar os benefícios da internacionalizaçãoquando ao invés de impor sua forma de atuação à empresaestrangeira, criam um novo modelo a partir da experiênciaacumulada por ambas.

A integração das operações e processos pós-aquisição e ograu de autonomia das subsidiárias estrangeiras também é ou-tro fator que merece atenção. As multinacionais devem definirqual é o nível de autonomia das filiais em relação à matriz. Porfalta de políticas claras, pode-se acabar delegando menos doque deveria, resultando no enfraquecimento das subsidiárias,perda de seu empreendedorismo e sobrecarga da matriz, de-sestimulando os executivos estrangeiros. Deve-se buscar oponto de equilíbrio tanto na questão da centralização ou des-centralização das operações e funções administrativas, a fim

A Vale, que atua na área de mineração, é a primeira empresano ranking por ativos externo, cujo percentual chega a 46%.

Tasso Marcelo/AE

Page 34: Digesto Econômico nº 449

34 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

de se evitar duplicação de tarefas ou ineficiência por atribuiçãoerrônea de responsabilidades.

Na pesquisa citada acima, participantes apontaram agestão de recursos humanos como uma das principais preo-cupações das empresas. Expatriar executivos da matriz éuma prática comum entre as companhias. Porém, excessos ea falta de organização neste processo podem produzir im-pactos negativos. As equipes ideais devem ser heterogê-

neas, compostas de conhecedores da cultura, missão e va-lores da empresa e de conhecedores do novo mercado, quepossam contribuir com informações da cultura local e dofuncionamento do mercado alvo, sem as quais a maior partedas iniciativas está fadada ao fracasso. É imprescindível queos profissionais tenham a capacidade de conviver e aceitaridéias e formas de trabalho diferentes daquelas com as quaisestejam habituados.

(1) UNCTAD, World Investment Report 2007(2) Data-base: 31 de dezembro de 2006. Não inclui empréstimosentre companhias e somente considera participações societáriassuperiores a 10% do capital da empresa receptora. Participaçõesinferiores a 10% foram consideradas na modalidade "Portfolio".(3) UNCTAD, World Investment Report 2007(4) Fonte: Folha de São Paulo. Sábado, 05 de janeiro de 2008(5) São considerados paraísos fiscais, nos termos da InstruçãoNormativa/SRF no. 188 de 6 de agosto de 2002: Andorra;Anguilla; Antígua e Barbuda; Antilhas Holandesas; Aruba;Comunidade das Bahamas; Bahrein; Barbados; Belize; IlhasBermudas; Campione D’Italia; Ilhas do Canal (Alderney,Guernsey, Jersey e Sark); Ilhas Cayman; Chipre; Cingapura; IlhasCook; República da Costa Rica; Djibouti; Dominica; EmiradosÁrabes Unidos; Gibraltar; Granada; Hong Kong; Lebuan; Líbano;Libéria; Liechtenstein; Luxemburgo (no que respeita às sociedadesholding regidas, na legislação luxemburguesa, pela Lei de 31 dejulho de 1929); Macau; Ilha da Madeira; Maldivas; Malta; Ilha deMan; Ilhas Marshall; Ilhas Maurício; Mônaco; Ilhas Montserrat;Nauru; Ilha Niue; Sultanato de Omã; Panamá; Federação de SãoCristóvão e Nevis; Samoa Americana; Samoa Ocidental; SanMarino; São Vicente e Granadinas; Santa Lúcia; Seychelles; Tonga;Ilhas Turks e Caicos; Vanuatu; Ilhas Virgens Americanas; e IlhasVirgens Britânicas.

(6) Ranking publicado em um estudo coordenado pela FundaçãoDom Cabral e pela Columbia University apontando as 20 empresasmais internacionalizadas.(7) Estudo publicado pelo jornal Valor Econômico em 3 de dezembrode 2007 - Dobram os ativos no exterior de companhias brasileiras.(8) Fonte: Estado de São Paulo, 3 de janeiro de 2008(9) w w w. j b s . c o m . b r(10) w w w. g e r d a u . c o m . b r(11) Fonte: Valor Econômico, 27 de dezembro de 2007 e 21 denovembro de 2007(12) Fonte: Valor Econômico, 3 de dezembro de 2007(13) w w w. v a l e . c o m . b r(14) w w w. m a rc o p o l o . c o m . b r(15) w w w. c a m a rg o c o r re a . c o m . b r(16) Época Negócios – dezembro 2007 – Os 7 pecados das maioresempresas - Estudo coordenado pelos professores Afonso e MariaTereza Fleury(17) Países com os quais o Brasil possui Acordos para evitar a DuplaTributação: África do Sul, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá,Chile, China, Coréia, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas,Finlândia, França, Holanda, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão,Luxemburgo, México, Noruega, Portugal, República Checa eEslováquia, Suécia e Ucrânia (www.receita.fazenda.gov.br/L e g i s l a c a o / A c o r d o s I n t e r n a c i o n a i s / A c o r d o s D u p l a Tr i b . h t m )

Jefferson Coppola/Folha Imagem Leonardo Rodrigues/Hype

Divulgação Divulgação

A lista das 20maiores investidoras

inclui gruposindustriais,

empresas deconstrução civile de tecnologia.

As empresasbrasileiras

empregam 77 milpessoas no exterior,

cifra idênticaao total de

empregados dogrupo farmacêutico

Roche.

Page 35: Digesto Econômico nº 449

35JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

� Diversidade cultural

� Impasses políticos e religiosos

� Domínio do idioma estrangeiro

� Dificuldade na introdução dosvalores da matriz

� Mão-de-obra despreparada

� Dificuldades na integração de estratégias,operações, sistemas e pessoas

� Burocracias locais

� Falta de transparência e instabilidadeeconômica em alguns países

� Cor rupção

� I n f ra - e s t ru t u ra

� Volatilidade cambial

� Estudos e custos de planejamentoe implementação

Oportunidades

As fronteiras já não maisrepresentam uma barreira para

a expansão das empresasbrasileiras. Ao contrário,

ultrapassá-las representa umaestratégia de mercado.

Desafios� Redução de custos (mão-de-obra, logística)

� Valorização do real em relação ao dólar

� Valorização e fortalecimento da marca

� Vantagens fiscais

� Novos mercados

� Busca de novos canais de distribuiçãoe aprimoramento de eficiência

� Competitividade internacional

� Obtenção de recursos financeirosa taxas mais competitivas

Masao Goro Filho/e-SIM

As oportunidades no exterior sãomuitas, com redução de custos

logísticos e de mão-de-obra.

Page 36: Digesto Econômico nº 449

A Regulaçãoe o Setorde Infra-Estrutura

Jupi

terim

ages

Page 37: Digesto Econômico nº 449

37JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

Wilton Junior/AE - 11/01/02

Adriano PiresDiretor do Centro

Brasileiro deInfra-estrutura e

professor da UFRJ

Embora a maior parte do debate acadê-mico sobre política econômica con-centre-se na sua essência na dicoto-mia Estado versus mercado, o enten-

dimento das inúmeras questões econômicas ea busca de soluções práticas não se enqua-dram nesse simples clichê. O mercado e o Es-tado são ambos sistemas imperfeitos e partesinexoráveis do nosso cotidiano, sendo a ope-ração de cada um significativamente influen-ciada pelo outro. Tanto o mercado como o Es-tado são processos que variam em tempo real,sendo dependentes de aspectos históricos erecheados por surpresas.

A regulação aparece como importante ele-mento para atuação da economia de mercado,em particular, em serviços de utilidade públi-ca. Alguns autores acham que o termo regu-lação descreve muito do que o governo faz eque não deveria fazer. Ressaltam que é possí-vel entender melhor o sistema regulatório co-mo uma configuração específica, que visa a es-truturação da relação entre interesse social,Estado e o ator econômico em múltiplos seto-res da economia.

Por outro lado, poderíamos encarar a regu-lação como um jogo entre as agências e as em-presas. Sob essa ótica, a agência reguladora de-veria especificar as possíveis estratégias dos"jogadores", seus objetivos, a ordenação dosmovimentos e as informações trocadas no "jo-go". No que se refere a "possíveis estratégias",as empresas deverão tomar decisões sobrepreços, produção, investimentos de capital,qualidade do serviço e investimentos em re-dução de custo e inovação. As agências devemprocurar regular apenas algumas dessas va-riáveis, não interferindo em quaisquer outrasatividades. Ao explicitar as limitações das par-tes e as obrigações recíprocas, os contratos re-

gulatórios deveriam estimular investimentose elevação dos padrões de atendimento. Nessesentido, os objetivos da regulação seriam re-duzir externalidades negativas (meio ambien-te), promover externalidades positivas (otimi-zação das redes e universalização), coibir exer-cício do poder de mercado (tarifas justas e ra-zoáveis), promover custos e investimentoseficientes e proteger os consumidores de prá-ticas lesivas (qualidade e informação).

A existência de uma regulação clara, crívele bem aplicada é essencial para o bom funcio-namento das chamadas indústrias de rede.Entenda-se, desde logo, pela expressão "in-dústrias de rede", o conjunto das indústriasdependentes da implantação de malhas (ouredes, ou ainda "grids") para o transporte edistribuição ao consumidor dos seus respec-tivos produtos.

Com efeito, as indústrias de rede foram,desde a sua emergência – quando as primeirasredes de distribuição de gás para iluminaçãourbana surgiram nos Estados Unidos no iníciodo século 19 – consideradas, no todo ou emparte, objeto de uma dupla caracterização: deum lado, eram entendidas como sujeitas a umasituação, a elas intrínseca, de monopólio natu-ral; de outro, percebia-se, nelas, a presença defortes elementos de serviço público, ou seja,elementos que as caracterizariam como indús-trias de importância estratégica, cujo funcio-namento afetaria o interesse geral. A conjun-ção destas duas especificidades justificaria umprocesso de intervenção do poder público, aser manifestado, seja pela nacionalização dosserviços – resposta que foi geralmente adotadapelos países da Europa e pelos em desenvolvi-mento – seja pela adoção de procedimentos es-pecíficos de regulamentação – adotados essen-cialmente nos Estados Unidos.

O setor detelecomunicações éregulado pela Anatel -Agência Nacional deTelecomunicações,que tem a missão dedesenvolver estesegmento. Na foto,cabos de fibra óptica.

Page 38: Digesto Econômico nº 449

38 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Os objetivos dos modelos de intervençãooriginalmente concebidos no pós-SegundaGuerra eram de três ordens. Primeiro, prote-ger o investidor contra uma concorrência des-trutiva. Segundo, proteger o consumidor con-tra o abuso do poder de monopólio. Por últi-mo, salvaguardar o interesse geral no que tan-ge a segurança de abastecimento e à igualdadede tratamento a todos os consumidores

Nos anos de 1970, estas políticas interven-cionistas tornaram-se alvo de inúmeras críti-cas, gerando um grande debate acerca do fu-turo das indústrias de rede, em termos da suaorganização institucional. Todas estas ques-tões encontram-se vinculadas, em última ins-tância, ao comportamento adotado pelo po-der público em relação ao controle das rendasgeradas, pelas indústrias de rede, no âmbitodas suas atividades produtivas. Desde logo, éoportuno destacar que, embora aparentemen-te distintas, as questões envolvendo proprie-dade (pública ou privada), concentração (con-trole fragmentado ou não, riscos de oligopoli-zação etc.) e nível e intensidade da regulamen-tação encontram-se fortemente interligadas.Em outras palavras, quanto menor for o con-trole público sobre as atividades produtivas,maior será a probabilidade de se fazer instau-rar um regime regulatório preocupado justa-mente em evitar uma forte concentração demercado por parte das empresas e, por conse-guinte, de aproximar os objetivos da regula-ção dos interesses do consumidor, despoliti-zando o sentido da atuação pública sobre estesmercados. Além disso, qualquer que seja o po-sicionamento adotado acerca desta questão,será sempre necessário alguma forma de com-prometimento com a regulação, dado que,apesar dos extraordinários progressos tecno-lógicos que vêm sendo alcançados em algu-mas áreas (telefonia, por exemplo), ainda sub-sistem características de monopólio naturalnas indústrias de rede, principalmente nossegmentos de transporte e distribuição de gásnatural e energia elétrica, onde o pequeno con-sumidor não possui nem poder de escolha,nem capacidade de enfrentamento em relaçãoao seu habitual fornecedor.

Desde os primeiros desenvolvimentos dasindústrias de rede, diversos modelos organi-zacionais foram sendo adotados e modifica-dos, em função dos resultados que auferiam edos problemas que suscitavam, no processo deteste empírico a que são submetidas, implaca-velmente, todas as instituições que compõema vida econômica, política e social. A discussãomais intensa a respeito do modo de organiza-

Não haverácrescimentosustentado daeconomia epromoção dobem-estar socialsem a expansãodos investimentosem infra-estrutura.

Joel Silva/Folha Imagem

Paulo Pampolin/Hype

Page 39: Digesto Econômico nº 449

39JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

ção das indústrias de infra-estrutura, ocorridano curso da década de 1970, não se deveu, porcerto, a uma eleição temática fruto de pré-dis-posições ideológicas ou de caprichos políticos.Ao contrário, a intensificação do processo deglobalização econômica advinda da intensifi-cação dos fluxos de comércio internacional eda formação de grandes blocos econômicostransnacionais, bem como a crise financeiraatravessada pelo Estado, acabaram desenhan-do um quadro onde níveis crescentes de exi-gência por parte dos consumidores – em ter-mos de prestação de serviços diferenciados etecnologicamente mais sofisticados – coexisti-ram com estruturas produtivas institucional-mente arcaicas e dependentes da tutela estatal,financeiramente incapacitada a responder aestes desafios.

Os diversos matizes que comporta a ques-tão da abertura das indústrias de rede à con-corrência demonstram grande complexidadeao longo do tempo, pois, além de envolver cla-ros compromissos ideológicos, como o papeldo Estado como regulador e/ou planejador,impacta decisivamente o status quo dos negó-cios já estabelecidos, além de determinar a di-

reção e o perfil dos novos projetos. Caso o ob-jetivo seja termos no Brasil setores de infra-es-trutura maduros e desenvolvidos, é funda-mental a inexistência de quaisquer tipos deobstáculos à instauração de mercados concor-renciais, desde que amparados em uma legis-lação objetiva e transparente e fiscalizados eregulados por uma agência reguladora comcapacitação técnica e com direção autônoma eindependente.

Caso queiramos que o marco regulatório se-ja um fator para a consolidação de uma estra-tégia que objetive o desenvolvimento sustentá-vel da economia brasileira, é fundamental en-tender três mensagens chaves. A primeira éque não haverá crescimento sustentado da eco-nomia e promoção do bem-estar social sem aexpansão dos investimentos em infra-estrutu-ra. A segunda mensagem é que uma maior par-ticipação dos capitais privados nos projetos deinfra-estrutura é fundamental diante das res-trições existentes para o aumento dos gastospúblicos. Por último, a atração de capitais pri-vados para a infra-estrutura somente ocorrerácom o estabelecimento de um regime regulató-rio crível, previsível e claro.

Ainda subsistemcaracterísticasde monopólio

natural nasindústrias de rede,

principalmentenos setores

de transporte edistribuição de gás

natural e energiaelétrica (...)

Marcos Peron/Folha Imagem

Page 40: Digesto Econômico nº 449

Aparentemente, vai tudo bem: presença internacio-nal, aceleração do crescimento, inflação controlada(?), grau de investimento, reservas vultosas, candi-datura a sede de Olimpíada (no tranqüilo e seguro

Rio de Janeiro...), bancos ganhando enormidades, indústria ecomércio felizes com o crédito-aventura, agronegócio recla-mando do dólar baixo e surfando no mercado global, classemédia consumindo e fazendo turismo, desemprego em que-da, povo incluído satisfeito em seus anseios pequeno-burgue-ses e o excluído, conformado na informalidade e no assisten-cialismo. Este artigo aborda a insegurança dessa aparente fe-licidade diante de fatores negativos da nossa combinação deEstado de que tudo se espera, de proteção e apoio à tolerânciapermissiva, com a psique coletiva resistente a valores, deverese limites da vida em comunidade.

Realça de imediato a deterioração da missão cívica da po-lítica e da administração pública, assimilada pela sociedade,que, em vez de indignação, quer usufruir o Estado paradisía-co, haja vista o interesse pelo serviço público e pelo apoio es-tatal, do capital à exclusão assistida. A associação da deterio-ração cívico-política com a leniência societária dá espaço a tu-do: partidos sem programas e projetos, abertos a conluiosoportunistas e sem consistência ideológica, micropolítica ime-diatista acima da política de maior prazo, que não produz di-videndos eleitorais rápidos, estatismo e as condutas viciosasque lhe são inerentes, loteamento (político, familiar e, re-centemente, também sindical) de milhares de car-gos comissionados, naturalmente propenso asituar a conveniência política (evidenciadano número de Ministérios) e o privilégioacima da competência e do mérito,encargos do Estado mal atendi-dos em razão do desempenho

político-administrativo insatisfatório, grevismo no serviçopúblico, abusivo e impune, que faz do povo refém da sua ca-pacidade de chantagem – enfim, desacertos de toda ordem, deque os citados são representativos.

Outra macrorrazão da insegurança da situação suposta-mente feliz é o desrespeito pandêmico à lei (e à Justiça, mani-festo na resistência ao cumprimento de sentenças de reintegra-ção de posse) e a correlata banalização da anormalidade, do jei-tinho trivial à desordem, violência e criminalidade, à insegu-rança individual e patrimonial. O certo-errado é hoje umaantinomia conceitual ambígua, tolerante com o ilícito, da in-vasão e destruição de fazendas, sedes do Incra, Reitorias e atéda Câmara dos Deputados (!), do mensalão e cartão corpora-tivo, ao simples carro na calçada. Mesmo quando grave, o ilí-cito cai rapidamente no esquecimento, uma vez saturado seupotencial de espetáculo midiático. Nos episódios de violênciaos sistemas de segurança são comumente acusados, com ousem razão, como culpados pelas conseqüências (a delinqüên-cia não indeniza...). Já existem áreas em quea delinqüência controla a or-dem, caracterizandoa coexistên-cia dos

Page 41: Digesto Econômico nº 449

Estados formal de direito e paralelo (da delinqüência) e já vi-vemos sintomas (por ora claros no Rio de Janeiro) de ameaçainsólita: a da delinqüência no processo eleitoral, na configura-ção do poder legal!

A terceira razão expressiva, influente na formação do po-der político (na condução da vida nacional...) e no desapegopela ordem legal, é a combinação do ensino precário (suasilhas virtuosas não neutralizam a mediocridade geral) com ahegemonia da vulgaridade na cultura, até na classe média.Em vez de ensino de boa qualidade, do fundamental à ciênciae ao humanismo, à semelhança do que fizeram países recen-temente bem-sucedidos, optamos por recursos ao estilo "pro-gressão continuada" e cotas. Quanto à fatuidade cultural, fi-guremo-la sinteticamente nestas manifestações emblemáti-cas: programas da TV (e filmes apoiados por recursos públi-cos, alguns eivados de licenciosidade vista como arte) quealuem a nossos já fracos padrões culturais, abastardamentotelevisado da religião, enaltecimento de anomalias (sexual,

nos costumes), exaltação do lazer em detrimen-to do trabalho (a apoteose do fe-

riadão), a anestesiap si c os so c ia l

lú di ca

(futebol, carnaval, réveillon etc.) e o consumismo paranóicoestimulado por propaganda de mau gosto ou equívoco pa-drão moral. Particularmente sintomática, a relativa desim-portância do nosso mercado de livros.

Estamos, de fato, vivendo razoável crescimento econômicoque, com altos e baixos, vem gerando reflexos positivos, em-bora limitados, sociais e internacionais, mas esse avanço nãotem sido acompanhado por avanços correspondentes na po-lítica, no respeito à lei, na educação e na cultura. O descompas-so valida a dúvida: o crescimento econômico aparentementefeliz e seus reflexos positivos têm fundamentos sólidos ou,mais dia, menos dia, sua continuidade será abalada não ape-nas por percalços econômicos alheios ao escopo deste artigo(infra-estrutura precária, problemas no mercado internacio-nal, por exemplo), mas também pela areia movediça política,sociocomportamental, educacional e cultural?

O sucesso de qualquer país, e muito mais de país complexocomo o Brasil, exige seriedade na distinção entre o mero cres-cimento e o desenvolvimento lato senso, entre o certo e o erra-do, entre o lúdico e o dever, entre o pífio e a qualidade, entre odespreparo indutor do atraso e o saber promotor do avanço. Ainobservância dessa distinção põe em risco o progresso comeqüidade social e coesão nacional e compromete a essenciali-dade da democracia (o crescimento em si é complacente com oautoritarismo: China, hoje). Motivo de júbilo, o crescimento em

curso não garante sozinho a ascensão do Brasil ao status aque o credencia seu potencial. Pode levá-lo – tem le-

vado – a incursionar pontualmente no jogo domundo mais desenvolvido, mas não tere-

mos visto de entrada plena e permanentenele se não controlarmos nossa bolha

macunaíma, capaz de sufocar o fô-lego do crescimento.

Mario CésarFlores

Almirante-de-esquadra(reformado), ex-ministro

da Marinha e daSecretaria de Assuntos

Estratégicos daPresidência da

República (Ar tigopublicado no jornal

O Estado de S. Paulo)

Repr

oduç

ão

Page 42: Digesto Econômico nº 449

Denis Balibouse/Reuters

Page 43: Digesto Econômico nº 449

43JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

OMC:a vida continua

Bel Pedrosa

Roberto FendtEconomista e

vice-presidentedo Instituto Liberal

Caso se tivesse chegado a bom termo e a um bomacordo teria sido ótimo para o Brasil e a comuni-dade das nações, dizem alguns. Caso não se tives-se chegado a bom termo e a um bom acordo, tam-

bém teria sido ótimo para o Brasil e a comunidade das nações,dizem outros. E há quem, como alguns argentinos, afirmamque, o que de pior poderia ter acontecido para o seu país teriasido um bom acordo; melhor, diziam esses últimos, foi que nãose chegou a acordo algum.

Um breve retrospecto

Doha não é apenas mais uma rodada de negociações mul-tilaterais no âmbito da Organização Mundial de Comércio(OMC). A complexidade das negociações vem crescendo aolongo do tempo, especialmente após a Rodada Uruguai, com ainclusão de temas como a proteção à propriedade intelectual eaos investimentos. E é também fato queo formato das negociações, em singleundertaking – como aponta a OMC, vir-tualmente cada item da negociação éparte de um pacote indivisível e nãopode ser objeto de acordo separada-mente – não facilita em nada a chegadaa um mínimo de consenso, ainda queem temas pontuais.

Também as expectativas, pelo me-nos de alguns países, cresceram comessa rodada. Para o Brasil, a opção pelomultilateralismo, entre outras razões,nos levou a abandonar a alternativa daAlca e a aprofundar as negociações emtorno de um acordo de livre comércioMercosul-União Européia.

O mundo como um todo, divididopelo evento do 11 de setembro, parteconsternado, parte em júbilo, tambémcolocou grandes expectativas com osresultados da rodada. É certo que nãoabrandaram as pressões protecionistas

nas principais economias mundiais. A União Européia e o Ja-pão, países tradicionalmente protecionistas de seus mercadosinternos, fincaram pé em suas posições.

Os EUA continuaram a ser a nação mais aberta ao comér-cio, embora abrigue certos surtos protecionistas localiza-dos. O caso do algodão é o mais sintomático, já que a pro-teção a esse pequeno segmento produtivo no Sul dos EUAtem conseqüências devastadoras para a produção e expor-tações de alguns dos países mais pobres da África. Contudo,não há como ignorar que 40% das exportações mundiais deprodutos manufaturados têm os Estados Unidos como des-tino. Boa parte dessas exportações se origina em países asiá-ticos, que têm no mercado americano sua principal receitade exportações. Um eventual surto protecionista nos Esta-dos Unidos teria conseqüências desastrosas para a manu-tenção do crescimento de uma boa parte das economias asiá-ticas e teria um efeito também negativo nas taxas de cresci-

mento de um número expressivo depaíses em todo o mundo.

Muitos se surpreenderam com aemergência do protecionismo agríco-la na Índia e na China. Parte da expli-cação é encontrada na adesão tardiada China à OMC. Mas a parte substan-tiva tem a ver com a política internados dois países.

A agricultura familiar é o sustentá-culo da sobrevivência da maior parteda população da Índia e da China. Ossetores modernos dos dois países, ondeestá localizado o dinamismo das duaseconomias, envolve a parcela menordas duas populações. O tradicionalis-mo da agricultura da Índia e da Chinanão suportaria a competição do agro-negócio brasileiro, como não suporta-ria a concorrência da agricultura ame-ricana ou dos subsídios europeus. Oque fazer com a massa de agricultores,mais de setecentos milhões somente na

Delegados defendem os interesseseconômicos de seus países em salade reunião na sede da OrganizaçãoMundial do Comércio, em Genebra,

durante a rodada de Doha.

Denis Balibouse/Reuters

Page 44: Digesto Econômico nº 449

44 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

China, que seria deslocada para a periferia das megacidadeschinesas e indianas?

É claro que há quem diga que a questão das "salvaguardasespeciais" para a proteção da antiquada agricultura indiana echinesa serviu apenas de pretexto para a suspensão das nego-ciações. Pode ser. O fato é que a questão é delicada. Como disserecentemente o embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, ahora de Doha ainda não chegou.

O imediato pós-Doha

Muitos se preocuparam, no calor das negociações, com umeventual fracasso nas negociações e com suas conseqüências.

É difícil definir um "fracasso" em negociações internacio-nais dessa natureza. É claramente possível dizer que as ne-gociações foram suspensas, mas é menos claro indicar quefracassaram. Isso porque, independentemente de ter-se ounão chegado a acordo, há um virtual consenso de que a au-sência de acordo não significa um retrocesso, um desprestí-gio da OMC ou uma retração no comércio mundial, que qua-se todos crêem que continuará em expansão. Retrocesso teriaocorrido se, em seguida à suspensão das negociações, algu-ma lei de comércio tivesse sido aprovada nos EUA, de cunhofortemente protecionista.

O OMC hoje é muito mais que um fórum de negociações pa-ra a ampliação do espaço de livre comércio no âmbito interna-cional. A sua função na solução de controvérsias entre as par-tes contratantes, por seu caráter permanente, já é tão impor-tante quanto a tradicional função exercida pelo GATT de fó-rum de negociações comerciais.

Os efeitos da suspensão das negociações

Caso se tivesse chegado a bom termo e a um bom acordo te-ria sido ótimo para o Brasil e alguns dos principais exportado-res de alimentos. Aponta-se com freqüência que, agora que asnegociações multilaterais "fracassaram", o Brasil deverá vol-tar-se para negociar acordos bilaterais e regionais.

As perguntas que ficam são: acordos bilaterais comquem? Regionais, onde? Porque não dispomos de massa crí-tica para chegar a bom termo com potenciais parceiros deacordos bilaterais do porte dos EUA, União Européia ou Chi-na. Compensaríamos a suspensão das negociações multila-terais da rodada Doha firmando acordos bilaterais com paí-ses pobres da África? Com a expansão do nosso principalacordo regional, o Mercosul, quais as regiões factíveis paraacordos regionais envolvendo o Mercosul, com o qual esta-mos umbilicalmente associados?

O multilateralismo no comércio internacional é um equi-valente, ainda que distante, do Estado de Direito nas relaçõesentre os cidadãos de uma mesma nação. É a garantia da pazinterna; da manutenção da ordem; de que os contratos livre-mente pactuados serão honrados. O poder do multilateralis-mo como regulador das relações comerciais entre as naçõestem se revelado nos diversos casos de infringência das suasregras. Ganhamos dos poderosos EUA em caso recente emque patentemente tínhamos razão; e essa razão nos foi asse-

Fernando Donasci/Folha Imagem

Divulgação

Jitendra Prakash/Reuters

Há quem diga que aquestão das

"salvaguardas especiais"para a proteção da

antiquada agriculturaindiana e chinesa serviuapenas de pretexto para

a suspensão dasnegociações.

Page 45: Digesto Econômico nº 449

45JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

gurada pela independência dos componentes do painel quejulgou nosso litígio com os norte-americanos. Da mesma for-ma, outros países submeteram seus litígios comerciais aos di-versos painéis, sendo a decisão independente do tamanho oupoderio dos contendores. Por essa razão, um bom acordo nosteria sido benéfico – como será, tenho certeza, no futuro,quando a hora desse acordo chegar.

O ônus da prova de que o impasse nas negociações nos be-neficiou está com os que defendem esse ponto de vista. A raiz daquestão é uma só: mais comércio é melhor ou pior que menoscomércio? Há toda uma literatura, que se inicia no final do sé-culo 18, em favor de mais comércio, por oposição a menos co-mércio. Desconheço argumentos consistentes em contrário.

Por fim, é compreensível a posição de alguns argentinos quese regozijaram com o impasse nas negociações. O que eles afir-mam, em off, é que já teria sido ruim para a Argentina mesmoum mau acordo; um bom acordo teria sido simplesmente ca-tastrófico. O argumento é simples: um bom acordo beneficiariaenormemente o campo, em detrimento das cidades, já emadiantado processo de deterioração econômica. O atual gover-no não tem dado provas de ser capaz de gerenciar os interessesconflitantes dos produtos agrícolas, exportadores, como os in-teresses protecionistas, urbanos. Um acirramento desse confli-to, como resultado de um bom acordo em Doha, seria imane-jável e teria seqüelas difíceis de imaginar.

É possível. Se assim for, estaríamos replicando, com o sinaltrocado, os casos das agriculturas ineficientes da Índia e daChina, que levaram à interrupção das negociações.

O futuro mais distante

Não é a primeira vez que negociações internacionais sãosuspensas. Certamente não será a última. Há diversos moto-res que favorecem uma expansão do comércio, com ou semacordo na Rodada de Doha. Esses fatores têm naturezas tec-nológicas e políticas.

Os fatores tecnológicos contribuem para uma redução dadistância econômica entre as nações. Na época dos Descobri-mentos, levava um ano de Portugal às Índias e outro ano navolta, em razão do regime dos ventos. O volume de cargas erapequeno. Metade dos navios se perdia no meio do caminho.Em 1788, uma viagem da Inglaterra à Austrália tomava 100dias; toma hoje cerca de 20 dias. A introdução de megaembar-cações para granéis sólidos e líquidos reduziu brutalmente ocusto unitário do frete. A introdução do container tornou viá-vel o comércio internacional de manufaturados a baixo custo.O frete aéreo apressou o just in time dos sistemas manufatu-reiros. Finalmente, os satélites de comunicação e a melhoria datelefonia viabilizaram um mercado financeiro e de câmbiomundiais que funciona 24 horas por dia. Espera-se mais pro-gresso, em lugar de regresso, na introdução de inovações tec-nológicas que aproximarão ainda mais as nações no futuro.

Também os fatores políticos militam a favor de mais comér-cio. Basta apontar o exemplo da China para mostrar que hámais consenso em favor de mais comércio que à sua oposição.Independentemente de quando venha a ocorrer uma nova ro-dada da OMC, sanando as deficiências da atual.

Ricardo Stuckert/Reuters

AFP

Mario Anzuoni/Reuters

O impasse foi bom para aArgentina. Um bom acordobeneficiaria enormementeo campo, em detrimento

das cidades, já em adiantadoprocesso de deterioração

econômica. O atual governonão tem dado provas de ser

capaz de gerenciar os interessesconflitantes dos produtosagrícolas, exportadores,

como os interessesprotecionistas, urbanos.

Page 46: Digesto Econômico nº 449

O fracasso da economia

Ives Gandra daSilva MartinsProfessor Emérito dasUniversidadesMackenzie, UNIFMU,UNIFIEO, UNIP,do CIEE/O Estadode São Paulo, dasEscolas de Comandoe Estado Maior doExércio-ECEME eSuperior de Guerra-ESG e Presidentedo Conselho Superiorde Direito daFecomercio-SPe do Centrode ExtensãoUniversitária-CEU.

Certamente, a idade tem me tornado maisintolerante com uma enormidade de fa-lácias que se ouve no mundo moderno eque não consigo esconder.

A primeira delas é de natureza econômica. A econo-mia é, fundamentalmente, uma ciência psicossocialdefinida pelo mercado. São bons os economistas quepercebem suas tendências, aproveitando-as e, quandopossível, – o que é raro – reorientando-as. A econome-tria é uma mera ciência instrumental e, decididamente,não há economia ideológica. O fracasso daqueles queentendem que os economistas fazem a economia, apartir de suas convicções políticas, temseu retrato, no mundo moderno, namonumental falência de todos os paí-ses que estiveram sob o domínio so-viético, na Cuba de Fidel e na-quelas nações afro-asiáticas elatino-americanas que aindavivem da vã ilusão de que aideologia faz o mercado.

Page 47: Digesto Econômico nº 449

47JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

O própr ioMST, inspirado

por economistas, de-fendem o avanço do retro-

cesso e da agricultura pré-históri-ca – certamente entre os neandertalenses haveria

"economistas" de maior visão, pois seu povo sobreviveu, pri-mitivamente, por algumas dezenas de milênios – é um movi-mento de natureza política e não econômica, totalitário e nãodemocrático, cujo objetivo mais remoto é entregar terras parauma parcela reduzida da população. Seu principal e verdadei-ro escopo é desestabilizar as instituições, impor ideologiasanacrônicas pela violência – e não pelas urnas – e impedir o de-senvolvimento do País, tomando terras que tornaram o Brasiluma das maiores potências do agronegócio na atualidade.

É que a economia é um jogo de xadrez. Cabe ao economistaanalisar as regras de mercado – que são percebidas por todos –,sendo bom aquele que consegue antecipar as jogadas futuras,como o faz um hábil jogador. Não é um jogo de pôquer, comoquerem os ideólogos, nem um jogo de estatísticas, como que-rem os econometristas, cultores de uma ciência cuja utilidadeinstrumental, todavia, não pode ser dispensada. O mundoatual tem excesso de operadores econômicos e carência de ver-dadeiros economistas. Por isto está em crise, porque não an-teviu os movimentos das regras do mercado, nem percebeu oque já se admitia, desde o início do século: que o "boom" eco-nômico iria provocar uma inflação de demanda, com escassezde produtos essenciais e seu natural aumento de preço.

Estão todos os países, agora, assustados com a inflação. Astécnicas clássicas de combatê-la, com política monetária e fis-cal, parecem de indiscutível fragilidade.

Paulo Nogueira Neto, talvez o maior ambientalista do Brasil,disse-me, certa vez, que se o mundo inteiro tivesse o padrão devida dos Estados Unidos, não haveria como produzir alimentos,energia e condições de vida para toda sua população.

De rigor, uma melhora de qualidade de vida de toda a huma-nidade acabou por resultar no incrível preço do petróleo, na es-

cassez de alimentos e no aumento de preços das"commodities".

Os próprios Estados Unidos sofreram o impacto deste"boom" que lideraram e do qual foram as primeiras vítimas. Seu

sistema financeiro – não lastreado, como o sistema brasileiro, fun-damentalmente em títulos públicos, mas em títulos privados –,terminou por mostrar-se débil, gerando a crise mundial.

Mesmo a redução dos juros para incentivar o consumo, nummomento de necessidade de controlá-lo, provocou dois fatoresque afetaram ainda mais a dimensão da crise: a recuperaçãomais lenta do próprio mercado financeiro, em face dos jurosbaixos, e um desinteresse maior dos investidores estrangeiros,derrubando seu próprio consumo e atingindo as ações de suascompanhias, pela falta de credibilidade. Tal impacto, à evidên-cia, num PIB mundial em torno de 50 trilhões de dólares, sendoos EUA responsáveis por quase 30%, não poderia gerar senãoum descontrole de intestino, que terminou por elevar o nívelde preocupação sobre o futuro.

Nitidamente, a China, cuja ditadura esquerdista adotou as re-gras do livre mercado, está se beneficiando da crise mundial, emface de os encargos burocráticos, tributários, trabalhistas acumu-larem um custo de descompetitividade, para os países ocidentais,que a China desconhece. Certamente, combater a tendência oci-dental de cada vez trabalhar menos, com mais direitos e menosdeveres, provoca pesados ônus políticos, que os governantes domundo inteiro não querem assumir, o que torna o futuro domínioda China na economia mundial uma questão de tempo. Não é quea China seja melhor, é que o mundo é muito pior.

Neste quadro, o Brasil não está imune aos problemas gerais,em face de sua absurda carga tributária (37% do PIB), da escle-rosada máquina burocrática, que gasta muito e gasta mal, dosjuros elevados, único instrumento que tem para combater a in-flação, e dos monumentais encargos trabalhistas, alavancadospelas questões judiciais de resultados desestimulantes. Pati-namos como os outros.

Mas, de todos os países da atualidade, o Brasil é o que temmelhores condições para sair-se bem, nesta crise, pois, nummundo dominado pela necessidade de "commodities", é aque-le que melhores condições possui de suprir suas carências e asdo mundo. Para isto, todavia, haveria necessidade de comba-ter a inflação com corte de despesas de custeio, para que a po-lítica fiscal não se fizesse pelo aumento da arrecadação, massim de redução da esclerosada máquina administrativa.

Para isto, precisamos ter estadistas e não de políticos. Atéporque, como dizia famoso autor português, "os políticos e asfraldas devem ser mudados constantemente e pelas mesmasrazões". Sem a ironia do autor, parece-me, todavia, que esta-mos necessitando, urgentemente, de estadistas no País.

ideológica

Page 48: Digesto Econômico nº 449

48 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Vista da cidade de São Félix,às margens do rio Paraguaçu.É do Recôncavo Baiano que saigrande parte do tabaco utilizadona fabricação de charutos.

No Recôncavo, os

Fotos: Euler Paixão

No Recôncavo, os

Page 49: Digesto Econômico nº 449

49JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

charutos 'made in Brazil'Por Euler Paixão

charutos 'made in Brazil'

Page 50: Digesto Econômico nº 449

50 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Num passeio em algumas cidades do Recôncavo Baiano,principalmente em Cachoeira, São Félix, Maragojipe eMuritiba, podemos sentir o passado que estas cidadesvivenciaram através da cultura fumageira, com a produçãoindustrial de charutos e cigarrilhas.

Instalados em fins do século 19, o aumento do consumomundial nas primeiras décadas do século 20 elevou o graude importância na fabricação de charutos, chegando estaregião a produzir 120 mil toneladas de fumo e 250 milhõesde toneladas deste produto por ano, com 50 unidadesfabris instalados.

Dentre as empresas que tinham uma extensa produçãode charutos no passado, podemos enfatizar a Dannemann,que começou a operar em 1873 em São Félix, iniciandoa produção com o trabalho de seis negras alforriadas.Foi fundado pelo alemão Gerhard Dannemann, grandebenfeitor da cidade, que realizou inúmeras melhorias, comoa introdução do telefone, da iluminação, pavimentaçãopública, entre outras, sendo prefeito da cidade duas vezes.

Na década de 50, a Dannemann chegou a empregar3 mil operários, instalando indústrias em outras cidades doRecôncavo. Em 1976, a marca foi vendida para um gruposuíço e desde 1981, a fabricação de charutos se dá nointerior do Centro Cultural Dannemann.

Outra empresa, a Suerdieck, foi fundada em 1892 emMaragojipe, pelo também alemão Gerhard Suerdieck.A fábrica dedicava-se inicialmente apenas à exportação dofumo e só começou a fabricar charutos em 1905, chegando aser um dos maiores fabricantes mundiais, sendo que na épocado jubileu de ouro da empresa, em 1955, empregou maisde 2 mil operários e reinou quase sozinha, absorvendo aclientela dos demais, que entraram em falência, chegando aproduzir 160 milhões de charutos anuais.

Segundo depoimentos de pessoas que conheceram a fundoa história da empresa, Winston Churchill (ex-primeiro ministrobritânico) e Franklin D. Roosevelt (ex-presidente norte-americano) fumavam, entre outras marcas, os charutosSuerdieck. A empresa chegou a se expandir com uma grandefábrica em Cruz das Almas, fechada em 1993.

A Leite & Alves foi fundada no fim do século 19 emCachoeira, onde trabalhavam cerca de 200 operários.Fechada na década de 70, a antiga instalação ocupa umaárea de 3.916 m², com construções do período colonial,imperial e republicano, que está sendo reformada e adaptadapara abrigar a futura Universidade Federal do Recôncavo.

Por fim, é preciso também citar a Costa Ferreira & Penna e aVieira de Melo, ambas fundadas em 1851, e a Pimentel Indústriade Charutos, fundada em 1939 na cidade de Muritiba.

Dannemann: começou a operar em 1873 em São Félix, iniciando a produção com o trabalho de seis negras alforriadas.

Page 51: Digesto Econômico nº 449

51JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

AS MÃOS FEMININASDo ofício de fazer charuto, a principal

atividade das fábricas é ocupada pormulheres, conhecidas como charuteiras.No passado, elas representavam 80% douniverso da mão-de-obra fabril. Estastrabalhadoras aprimoraram a forma artesanaldos charutos, sendo elas feitas à mão, com100% de fumo sem aditivos químicos.No trabalho manual é feita a arrumaçãodas folhas, sua torção, preparo dos capotese das capas. É reconhecido que os charutosdo Recôncavo são de fumo encorpado,aromático e levemente adocicado.

Atualmente, temos pequenas fábricas comum número reduzido de funcionários, entreas quais podemos destacar: Chabra Charutosda Bahia (Alagoinhas), Dannemann (SãoFélix), Menendez & Amerino (São Gonçalodo Campo, com produção de 3 milhões deunidades/ano, destinadas ao Canadá, EUAe Alemanha), Josefina e Le Cigar ManufaturaTabaqueira (Cruz das Almas), Paraguaçue Talvis (Cachoeira).

Operárias trabalham na confecção de charutos na fábica da Dannemann

O mercado em númerosOs charutos dividem-se em duas categorias: o Premium Cigars, em

que o miolo é constituído pela folha inteira do tabaco, e o Short Filler,com miolo feito por meias folhas.

O Brasil tem 11 fábricas de charutos, fora as produções artesanais, todasno Nordeste e a maioria na Bahia. O Recôncavo Baiano é a principal regiãoprodutora, de onde sai grande parte do tabaco utilizado na fabricação de charutos. Ao todo,são produzidas 60 marcas, incluindo as cigarrilhas. A produção nacional atinge mais de 22milhões de unidades ao ano. A indústria nacional gera 600 empregos diretos e 1.200 indiretos.

O mercado oficial de charutos Premium no Brasil é de 2,4 milhões de unidades – 1,6milhão produzido no País e o restante trazido de Cuba. Para cada charuto vendidolegalmente, há um contrabandeado sendo consumido.

Os charutos nacionais são exportados para a Alemanha, Suíça, Portugal, Itália eArg e nt i n a .

As principais fabricantes de charutos no Brasil são a Dannemann, Menendez Amer indo,Josefina Tabacos do Brasil, Manufatura Brasileira Le Cigar e Chaba, todas baianas. A maisantiga é a Dannemann, fundada em 1873 pelo imigrante alemão Gerhard Dannemann nacidade de São Félix. A fábrica passou por sérias dificuldades durante a Segunda GuerraMundial e, em 1976, foi comprada pelo grupo suíço Burger, que também detém as marc asSalvador, Menudo, Maduro, Especial, nº 1 e São Félix, além das cigarrilhas Reynitas e Bahianos.

Cuba é o principal produto mundial, com cerca de 80 milhões de unidades por ano,vendidas para o mundo todo, com destaque para a Europa e América do Sul. Os charu to scubanos, conhecidos como Habanos, não podem ser comercializados nos Estados Unidos.O faturamento chega a US$ 300 milhões.

Page 52: Digesto Econômico nº 449
Page 53: Digesto Econômico nº 449

53JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

Do ofício de fazer charuto, a principal atividade das fábricas é ocupada por mulheres,conhecidas como charuteiras. No passado, elas representavam 80% do universo da

mão-de-obra e aprimoraram a forma artesanal de fazer charutos, totalmente feito à mão.

Page 54: Digesto Econômico nº 449

54 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Liderança,OliveirosS. FerreiraDoutor em CiênciasSociais pelaFaculdade deFilosofia, Letrase CiênciasHumanas/USP,escritor e jornalista

Nelson Almeida/AE

prep

onde

rânc

ia e

cer

co

Fotomontagem/AFP

Presidentes: Luís InácioLula da Silva (Brasil),

Tabaré Vázquez (Uruguai),Hugo Chávez (Venezuela),

Cristina Kirchner (Argentina),Michelle Bachelet (Chile),

Evo Morales (Bolívia),Daniel Ortega (Nicarágua),Fernando Lugo (Paraguai),

Rafael Correa (Equador).

Page 55: Digesto Econômico nº 449

55JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

Opresidente Luís Inácio Lula daSilva teve a iniciativa de afirmar– e não apenas uma vez – que oBrasil tinha direito a ser reco-

nhecido como líder da América do Sul. A seuver, razões não faltavam para que essa posiçãofosse dada como natural; na enumeração de al-gumas delas, repetiu os dados que se costu-mam alinhar para afirmar que o Brasil tem im-portância no mundo – território, população ePIB, entre outros. Com o correr dos meses, apretensão (pois a afirmação de uma liderançanada mais é que isso) deixou de estar presenteno discurso oficial, que cuidou de insistir naidéia de integração sul-americana, sob a alega-ção de que ela era necessária para que a regiãopudesse enfrentar os desafios lançados peloNorte e pela chamada globalização.

A posição do Brasil na última reunião da Ro-dada de Doha, quando deixou de lado a Argen-tina e o Grupo dos 20 para sustentar interessesisolados, associada à oposição que Bolívia e Pa-raguai movem ao que seus presidentes indicamser "hegemonia brasileira", deverá fazer que oItamaraty e o Planalto procurem esquecer du-rante um bom tempo aquilo que o presidente

Lula dizia ser uma verdade a ser reconhecida pe-los demais países da América do Sul. O que nãoimpede que o governo brasileiro continue traba-lhando para disputar, agora com a Venezuela,uma posição de preponderância na região.

A afirmação do presidente Lula da Silva so-bre liderança escondia no fundo uma preten-são de hegemonia – com ou sem império, massempre hegemonia, isto é, o desejo do Brasil defalar pela região nos foros internacionais, e serreconhecido pelos governos sul-americanoscomo seu intérprete qualificado. Essa é umacoisa. Outra, totalmente diferente, é o que vemsendo realizado há muito tempo no sentido deafirmar uma posição de preponderância.

Hegemonia e preponderância são substan-tivos diferentes, ainda que para muitos pos-sam parecer sinônimos. Hegemonia interna-cional implica o reconhecimento tácito ou ex-presso por parte de terceiros Estados de que háum Estado que fala em nome deles, reconhe-cimento esse que leva, no limite, a aceitar queos interesses políticos de quem é aceito comorepresentante sejam tidos como iguais ou se-melhantes aos dos demais.

Já preponderância implica simplesmente aafirmação, por um Estado, do seu maior relevoou importância na relação com os demais Esta-

Daniel Aguilar/Reuters

O Brasil disputacom a Venezuelauma posição de

preponderância naAmérica do Sul,mas a pretensão

de Lula é deuma hegemonia.

Page 56: Digesto Econômico nº 449

56 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

dos: este Estado vê-se como tendo chegado aum nível mais alto de desenvolvimento econô-mico e tecnológico, podendo, por isso, auxiliar(disso retirando necessariamente vantagenspolíticas e econômicas) o desenvolvimento dosque ocupam posição menor na escala das posi-ções de poder (tome-se "preponderante" nosentido em que o Dicionário da Língua Portu-guesa Contemporânea da Academia de Ciên-cias de Lisboa o toma (terceiro significado):"que tem importância ou relevo – considerável,importante, influente: aquele país teve um pa-pel absolutamente preponderante nas negocia-ções para o estabelecimento da paz".) A pre-ponderância, se politicamente bem adminis-trada, e o seu reconhecimento não questionadopelos demais Estados, poderão elevar um Esta-do a uma posição de liderança, portanto. O quepermitirá que fale pelos demais em nome de in-teresses econômicos, não políticos, comuns.

Para que não se tenha o presidente Lula da

Silva como o primeiro a manifestar a pretensãode que o Brasil fosse preponderante, cabe regis-trar que em 1958, ao fim das negociações queconduziram ao depois malogrado Acordo deRoboré com a Bolívia, o então chanceler Mace-do Soares confidenciava a alguns jornalistasque seu próximo objetivo seria conseguir dospaíses sul-americanos procuração bastante pa-ra falar em nome deles na Assembléia Geral daONU, que se abriria poucos meses depois. Con-tudo, registre-se, igualmente, que, quando opresidente Nixon, ao saudar em Washington opresidente Médici, disse que para onde se incli-nasse o Brasil, inclinar-se-ia a América Latina, areação no Estabelecimento Militar em Brasíliafoi negativa, pois essa era a impressão que osgovernos brasileiros não deveriam, jamais, pas-sar aos governos latino-americanos.

Ao dizer que a proclamação da liderançanada mais é que uma pretensão, mesmo dopaís que se reconheça como preponderante, te-nho claro que não é possível a Estado algum daAmérica Ibérica – do Sul, do Norte (México) ouCentral – supor que seus interesses políticospossam ser idênticos ou semelhantes aos dosdemais a ponto de um deles cogitar de assumira direção dos esforços de todos frente a deter-minados problemas internacionais. Sem dúvi-da, há elementos na História que permitemuma tentativa de encontrar uma identidadecomum: foram colônias, tiveram seu desen-volvimento industrial tolhido pelo Pacto Co-lonial, alguns deles (México, os países da Amé-rica Central e das Antilhas) sofreram interven-ções armadas dos Estados Unidos e todos, de-pois de independentes, viram-se engolfadospor aquilo que muitos costumam chamar deimperialismo (fosse inglês, fosse norte-ameri-cano). As semelhanças, a rigor, terminam aí.

Depois, vêm as diferenças, algumas dasquais impedem que se possa imaginar que sejapossível, um dia, apagá-las por decisão gover-namental. Em primeiro lugar, não se pode es-quecer que cada país tem sua formação social(demografia, estruturas sociais e políticas) e his-tória, sobretudo essa, próprias. Depois, que ospovos e os governos da América de colonizaçãoespanhola têm consciência viva de sua história– o que os brasileiros não têm. Ora, quando setem em mente as relações históricas do Brasilcom seus vizinhos, não é possível esquecer que,desde 1822, o Brasil separou-se deles: primeiro,foi o Império, enquanto todos eles cultivavam,ainda que idealisticamente, a forma republica-na de governo. Depois, é preciso não olvidarque as relações do Império com seus vizinhosno Prata foram conflituosas – ou nos esquece-

AFP 08/08/1974

Quando opresidente Nixon,ao saudar emWashington opresidente Médici,disse que para ondese inclinasse o Brasil,inclinar-se-ia aAmérica Latina, areação foi negativa,pois era a imagemque não deveriaser passada aosgovernanteslatino-americanos.

Page 57: Digesto Econômico nº 449

57JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

mos, os de minha geração, de que no ginásioaprendemos que houve as guerras contra Oribee Rosas (Uruguai e Argentina) e que a guerra doParaguai deixou seqüelas que ainda hoje não seapagaram na vizinha nação? Por ventura, tam-bém não nos lembramos de como se deu a in-corporação do Acre ao território brasileiro? Porúltimo, mas não por fim, é preciso não esquecerde que a língua espelha culturas diferentes, valedizer, aspirações, visões do mundo distintas emuitas vezes inconciliáveis.

Quando comecei minhas andanças pelaAmérica do Sul em missões jornalísticas, sur-preendi-me ao encontrar nos países vizinhosque visitei, e na literatura política dos demais,a firme convicção de que o Brasil era um paísimperialista. A afirmação do presidente Mo-rales, segundo a qual o Brasil comprou o Acrepelo "preço de um cavalo" é falsa em todos ossentidos; a reação dos novos dirigentes do Pa-raguai ao Tratado de Itaipu (que apenas repro-

Fabrice Coffrini/AFP

duz o estado de espírito de amplos setores desua classe política), e de setores sociais avessosà presença de brasileiros na agricultura de seupaís, mostra que a Guerra Grande ainda estáviva na memória de muitos, muitos... que têma avivá-la, lançando lenha na fogueira daquiloque, na Inglaterra, chamou-se de "jingoismo",ou seja, um nacionalismo exacerbado, a pala-vra do presidente Hugo Chávez, lembrandosempre que pode a figura de Solano Lopes, pa-ra ele um herói. O acerto, erro ou falta à verda-de histórica parece não ter tanta importância,pois o que deve ser levado em conta é que essasavaliações da política brasileira são feitas porchefe de governo, e com certeza encontramrespaldo em setores da população, especial-mente entre as pessoas que, segundo se apren-de na Academia, formam opinião.

Não se apaga a história de um povo porum ato de governo – especialmente quandoo País, cujo governo deseja que se esqueça aHistória, é aquele que, na consciência coleti-va dos povos que pretende liderar, é tido co-mo o inimigo histórico.

Ao fazer essas observações, não esqueço os fa-tos – e eles militam em favor da tese da prepon-derância. Pretendo apenas deixar presente que oprocesso de integração levado a cabo pelo gover-no Lula não é uma estrada larga e sem obstáculosa ser trilhada sem cuidado. Especialmente agoraque os capitais brasileiros descobriram, com oapoio do BNDES, onde é possível acumular. Daperspectiva em que me coloco, é necessário lem-brar que esse processo não é de iniciativa doatual governo; os créditos diretos pela iniciativadevem ser dados ao governo Fernando Henri-que Cardoso, que realizou a primeira reunião deChefes de Estado e governo da América do Sul.Ou, se quisermos distribuir medalhas a quem asmerece, talvez devamos reconhecer que foi oembaixador Celso Amorim, quando Ministrodas Relações Exteriores do governo Itamar Fran-co, quem reconheceu que os interesses primeirosdo Brasil estavam na América do Sul e não naAmérica chamada Latina. Ou, a título de reco-nhecimento da melhor verdade histórica, deve-mos não esquecer que o presidente Castelo Bran-co, em julho de 1964, já estabelecia que "O inte-resse do Brasil coincide, em muitos casos, em cír-culos concêntricos, com o interesse da AméricaLatina, do Continente Americano e da comuni-dade ocidental", não devendo "cercear contatoscomerciais e financeiros com países de diferentessistemas políticos e econômicos".

A referência ao discurso que o presidenteCastelo Branco proferiu na cerimônia de forma-tura dos diplomatas em 1964 não vem ao acaso.

Foi o embaixadorCelso Amorim,

quando ministrode Itamar Franco,quem reconheceuque os interesses

primeiros do Brasilestavam na

América do Sul.

Andre Dusek/AE

A reação dos novosdirigentes doParaguai ao

Tratado de Itaipumostra que a

Guerra Grandeainda está viva na

memória de muitos.

Page 58: Digesto Econômico nº 449

58 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Deixemos de lado, por ora, qualquer conside-ração outra sobre a insistência que colocava na"interdependência" imposta pelo confronto en-tre os sistemas "democrático ocidental" e o dos"paises socialistas" (a Guerra Fria). Sem entraragora na discussão desse problema, cabe vercomo a ação diplomática era vista pelo presi-dente do segundo ciclo de presidentes militares(a expressão "ciclo de presidentes militares" tra-duz melhor a realidade histórica do que aquela,tão em voga, de "governos militares": o primei-ro ciclo inaugurou-se e se esgotou com o gover-no do Marechal Eurico Gaspar Dutra, um doscontestáveis do Estado Novo. Castelo Brancoinsistia em que o Brasil devia "ter seu própriopensamento e sua própria ação". E acrescentavaque: "Esse pensamento e essa ação não serão su-bordinados a nenhum interesse estranho ao doBrasil". Ele também deixava claro, ao cuidar daopção "entre a negociação bilateral versus amultilateral", que o Brasil tinha "uma posição

chave – demográfica e estratégica" que deveriaser explorada nas negociações bilaterais, tendoigualmente uma "especial posição" nas nego-ciações multilaterais que, em seu tempo, cen-travam-se na Aliança para o Progresso. No quese refere à ALAC, dizia que seu governo se em-penharia "em tornar a Associação Latino-Ame-ricana de Livre Comércio um instrumento efi-ciente de incremento nas trocas entre os paísesamericanos". (Não devemos esquecer, hoje, quea ALAC, depois ALADI, forneceu para gover-nos posteriores o arcabouço jurídico-institucio-nal para que se lançassem as bases do Merco-sul). Antes, Castelo Branco havia firmado posi-ção: "A nossa política externa tem, por sua vez,os seus próprios objetivos. A diplomacia deveser também um instrumento para carrear recur-sos para o nosso desenvolvimento econômico e so-cial,como meio de fortalecimento do Poder Na-cional". Curiosamente, o então presidente fezquestão de dar ênfase ao "desenvolvimentoeconômico e social", colocando a expressão emitálico, quando da publicação do discurso.

Embora a política externa brasileira tivesse,para Castelo Branco, seus próprios objetivos,ela e a política interna "constituem um contextode ações táticas decorrentes da estratégia nacio-nal". Essa, como visto acima, preocupava-secom o "fortalecimento do Poder Nacional".

Chamando à colação o discurso de CasteloBranco, pretendo que se encontrem nele algunsparadigmas que ajudarão a examinar a políticaexterna do governo Lula da Silva e a compreen-der o desejo do presidente, primeiro, de ver re-conhecida a liderança do Brasil, depois de con-tentar-se com ter uma posição preponderanteno cenário sul-americano. Que de fundamental– e ousaria dizer de permanente – podemos en-contrar na fala de julho de 1964? Que a políticainterna e a política externa são elementos táticosda estratégia nacional que visa, antes de tudo,ao fortalecimento do Poder Nacional.

Qual estratégia visando ao fortalecimentodo Poder Nacional podemos encontrar no go-verno Lula da Silva que seja o contraponto tá-tico de uma política interna? A passividade queo Governo Federal sempre demonstrou frenteàs ações do MST, que agora age em associaçãocom a Via Campesina, permite concluir que aestratégia do governo Lula da Silva é dar aosque são por ele considerados "vítimas" de umsistema iníquo, todas as oportunidades de, en-frentando os mais fortes, abalar sua históricaposição de dominação. Note-se que tenho ple-na consciência de que a defesa da ordem públi-ca, no caso específico do MST, não é da primeiracompetência do Governo Federal. O que não

Castelo Brancoinsistia em que o Brasildevia "ter seu própriopensamento esua própria ação".E acrescentava que"Esse pensamentoe essa ação nãoserão subordinadosa nenhum interesseestranho ao do Brasil".

AE

Page 59: Digesto Econômico nº 449

59JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

impede que por palavras e fatos, ele demons-trasse – se desejasse – sua condenação de ummovimento que age fora da lei e que se guardade eventuais sanções legais refugiado na não-existência jurídica, isto é, não tendo cadastro naReceita Federal nem registro em cartório.

Uma análise fria e objetiva permitiria dizerque, nesse particular, a política interna é deter-minada pela política externa centrada na ideo-logia (pois de outra coisa não se trata) de quepor ser o país mais avançado da América doSul, o Brasil tem o dever de auxiliar os demaisa desenvolver-se, cedendo onde e quando ne-cessário para obter o apoio verbal de outros,ainda que prejudicando interesses brasileirosestabelecidos e garantidos há tempo. Se assimfor – e tudo leva a crer que é – devemos come-çar nossa análise pela política externa.

Buscando compreender o processo, é neces-sário não esquecer que essa postura de cederpara ter o apoio verbal, do sócio ou sócios me-nores em qualquer empreendimento bi ou mul-tinacional, não é marca registrada do governoLula. Marca registrada, se quisermos, será opensamento que inspira as ações, pensamentoesse que se reflete, como visto acima, na políticainterna. Com o que se pode dizer ser ele que ins-pira a estratégia. Aquilo que poderíamos cha-mar de "política do acordo verbal" pode ser re-gistrada já no governo Médici, especialmentequando se examina o Tratado de Itaipu, peloqual se constituiu uma empresa binacional emque os dois sócios têm iguais direitos – o quesignifica, na prática a societária e administrati-va, que têm igual poder. Essa condição confe-rida ao Paraguai era contestada (verbalmente)por membros dos Estados Maiores no governoGeisel, preocupados com a possibilidade deque uma mudança política no Paraguai colo-casse o Brasil diante de situação difícil (como aque se configura agora). O que, a rigor, poderiadistinguir uma política de outra, a de Médici dade Lula, é que o pensamento que conduzia a po-lítica externa naquela época estava preocupadoem mascarar a preponderância e fazer desapa-recer qualquer sinal de pretensão à hegemonia.Considerando-se mais rico, não se cuidava dedar ao governo amigo a possibilidade de rom-per os ditos grilhões do sistema econômico epolítico internacional, como ocorre hoje. Dis-tinção que se dirá subjetiva de minha parte, masainda necessária.

É também do período dos presidentes mili-tares o empenho em sustentar a penetração deempresas (sobretudo empreiteiras), apoiandocom empréstimos do BNDES a construção derepresas ou estradas em países vizinhos. A

presença da Odebrecht na Argentina ou da Ca-margo Corrêa na Venezuela data desse perío-do – sem que passasse pela cabeça dos diplo-matas, muito menos de presidentes, dizer queo Brasil era líder. Pelo contrário, sempre houveo cuidado de evitar que a preponderância setornasse evidente demais, prejudicando as re-lações do Brasil com seus vizinhos.

Com isso, quero dizer que o pensamento quefundamentava a estratégia visando ao desen-volvimento econômico e social era diferente da-quele que inspira hoje a diplomacia brasileira,fato que impedia que se fizessem concessõesque prejudicassem os interesses nacionais, ouse quisermos, prejudicassem a construção doPoder Nacional em bases sólidas.

Muitos dos que se opõem ao governo Lulapartem do princípio, não enunciado, de que asações diplomáticas brasileiras são inspiradasquando não orientadas pelo que chamam depolítica do Foro de São Paulo. Sem chegar a es-se extremo – ainda que considerando a existên-cia dessa organização informal que reúne asesquerdas americanas – não se pode deixar dereconhecer, como fiz, aliás, em artigo anterior-mente publicado na revista Digesto Econômi-co , que a política sul-americana do governoLula dirige-se a afastar da América do Sulqualquer tipo de influência dos Estados Uni-dos, como se esta parte do continente pudesseviver em esplêndido isolamento de Washing-ton. A postura do chanceler Amorim no tocan-te à crise que irrompeu entre Equador e Co-lômbia apontava nitidamente para esse objeti-vo. Da mesma maneira que a pretendida cria-ção de um organismo de defesa conjunto,afastando qualquer participação norte-ameri-cana nas ações pretendidas, como, aliás, o Mi-nistro Nelson Jobim, da Defesa, fez questão dedeixar claro depois de se encontrar com a se-cretária de Estado Rice, a quem comunicou aintenção brasileira de criar esse órgão.

A preponderância é um fato inegável, men-surável inclusive quando se pensa em territó-rio, população, PIB – até mesmo Educação. Oproblema com que o governo Lula se defronta –e para o qual parece não atentar ou, se percebeque o Brasil corre riscos, parece não saber comosair da armadilha que Chávez ergue lentamen-te – é que o presidente da Venezuela pretendeser hegemônico e, mais que isso, pretende im-pedir que o Brasil venha a desempenhar no pla-no internacional o papel que sua preponderân-cia natural o autoriza a representar. Houve ummomento, no governo Médici, que o generalLanusse, presidente da Argentina, apareceu co-mo candidato a ocupar o lugar de protagonista

O Governo Federalsempre

demonstroupassividade frenteàs ações do MST,

que agora age emassociação com aVia Campesina.

Zuhair Mohamad/AE

Page 60: Digesto Econômico nº 449

60 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

que o Chefe de Estado brasileiro poderia repre-sentar. Para os que viveram aquele período, se-rá fácil lembrar da visita de Estado que Lanussefez ao Brasil e do desempenho pouco protoco-lar que teve fosse no banquete oficial que o pre-sidente brasileiro lhe ofereceu (quando profe-riu discurso não comunicado anteriormente aMédici, como o protocolo exige, condenandopor meias palavras o regime brasileiro), fosseem São Paulo, quando continuou a exaltar osméritos da democracia argentina. Lembrar-se-ão, igualmente, de que foi nessa época que emamplos setores militares e até mesmo diplomá-ticos, começou-se a cogitar da possibilidade doBrasil estar cercado por regimes à esquerdaque, mais dia menos dia, poderiam representarameaça ao brasileiro – aquilo que chamei à épo-ca de "teoria do cerco".

O cerco que se constrói lentamente, hoje,não é mais contra o regime político vigente noBrasil (pelo contrário), mas contra o Brasil! En-tendamo-nos. É contra a projeção do Brasildar-se no quadro de uma política externa a ser-viço do Poder Nacional. Esse cerco não contra-diz a realidade de que o Brasil é aceito como ne-cessário nas negociações internacionais porser um bom negociador (como parecia ser des-de que afirmamos nossa projeção no G-20 até a

última sessão da Rodada Doha). Mas elimina apossibilidade do Brasil agir como potência,média que seja, um Estado com Poder Nacio-nal que o leva a ser de fato tratado como igualpelos Estados considerados "grandes".

A Venezuela sempre teve petróleo – sempre,ao menos para minha geração. No governo deRómulo Betancourt, procurou sem êxito im-por uma "doutrina" que pretendia se transfor-masse em norma nas relações internacionaisdos países americanos, recusando-se a reco-nhecer o governo Castelo Branco na medidaem que o considerava não resultante de umaconsulta democrática às urnas. Hoje, temosuma decisão da OEA, condenando os regimesnão democraticamente estabelecidos, o que decerta forma transformou em realidade (dentrodo possível) a "doutrina Betancourt" de quepoucos se lembram. A interferência da potên-cia petrolífera da América do Sul nos outrospaíses do Hemisfério limitou-se a esse gesto.Hoje, sem que o seu poderio petrolífero tenhaaumentado, os governos democráticos vene-zuelanos (ainda que elitistas e provavelmentecorruptos) do país foram substituídos por umsistema de governo que se propõe a ser "boli-variano", vale dizer Hemisférico. Não apenasisso: o presidente Chávez usa o potencial pe-

Fabio Rodrigues Pozzebom/AE

O cerco que seconstróilentamente, hoje,não é mais contrao regime políticovigente no Brasil(pelo contrário),mas contra o Brasil!

Page 61: Digesto Econômico nº 449

61JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

trolífero do país para auxiliar na consolidaçãode governos que não têm grande simpatia peloBrasil enquanto potência: Bolívia, Paraguai eArgentina, sem falar no Equador e Cuba. A Ve-nezuela não apenas comprará títulos sobera-nos desses países (exigindo juros altíssimos erevendendo-os depois, ou não, e, com isso, res-gatando o dinheiro investido, pouco importa)como fornecerá petróleo a preços inferioresaos praticados no mercado internacional oufará generosas doações do "ouro negro", comofez à Bolívia às vésperas do plebiscito que de-cidiu sobre o destino do presidente Morales.Nesse terrenos, o de doar petróleo, o Brasil nãopoderá competir.

Não se trata apenas de usar o petróleo e o di-nheiro que ele proporciona para afirmar umaposição; agora, o presidente Chávez procuraestar presente, sem que sua presença tenha si-do programada pelo Itamaraty, a qualquer en-contro do presidente Lula com presidentessul-americanos. Isso aconteceu na visita deLula à Bolívia e à Argentina. É como se fora umfiscal do que o Brasil pretende oferecer aos"companheiros" da "revolução bolivariana".

Se o cerco da esquerda correspondia a umarealidade, a uma ameaça de fato, ou era umacriação intelectual nos Estados Maiores e noItamaraty, o cerco que Chávez vem montandolentamente é uma indiscutível realidade. Nãoatentar para ele é fechar os olhos aos fatos; ne-gá-lo em nome da solidariedade sul-america-na é mentir para dentro. O pior é que a mentirapara dentro é acompanhada por um olhar semcrítica dos que fazem a política externa paraseu próprio umbigo, seja no Planalto, seja noItamaraty. Esse olhar satisfaz aqueles que pre-tendem que o Brasil, por ser maior, possa con-ceder, ainda que perdendo em status e, o que émais importante, em Poder.

A política externa do governo Castelo Bran-co pode ser criticada de muitos pontos de vistae por muitos atos ou omissões. Não se poderádeixar de reconhecer, no entanto, que sempreesteve voltada para fortalecer o Poder Nacio-nal, mesmo que dele se tivesse, nos círculos de-cisórios de então, uma visão estreita. A políticaexterna do governo Lula da Silva não se preo-cupa com o fortalecimento do Poder Nacional.Diria que a desculpa que se deu para a posiçãodo Brasil na Rodada Doha, procurando não ce-der à pressão argentina, foi uma tentativa deprestar homenagem aos que ainda acreditamem fatos mais que em palavras. A visita do pre-sidente Lula a Buenos Aires, logo em seguidaao fim da Rodada, serviu para colocar tudo noseixos: afinal, mesmo que o Brasil mantivesse a

irmandade com a Argentina, a Rodada estavacondenada ao malogro pela posição da Índia eda China. Sendo assim, nada impediu que asrelações com a Argentina voltassem à norma-lidade (do ponto de vista do Itamaraty, sim,mas possivelmente não da Casa Rosada).

Liderança, o Brasil nunca exercerá na Améri-ca do Sul. A preponderância que poderia fazersua, é hoje ameaçada pelo presidente Chávez, econtra essa ameaça o governo Lula da Silva nadafaz porque não pode ou porque não quer. Com oque o cerco se fecha cada dia mais.

Ricardo Stuckert/Reuters

Dyn-Alberto Raggio/Reuters

O pior é que amentira para

dentro éacompanhada

por um olhar semcrítica dos que

fazem a políticaexterna para seupróprio umbigo,seja no Planalto,

seja no Itamaraty.

Page 62: Digesto Econômico nº 449

Jorg

e Si

lva

/Reu

ters

Nos últimos tempos, o mercado de petróleo e das "commodities" tem sofrido sériosabalos com o aumento do preço do barril para acima de US$ 140 (julho), seguido porondas de elevação de preços de alimentos e de inúmeros subprodutos, tais comoplásticos, petroquímicos e fertilizantes pelo mundo afora.

Lembrando os choques de petróleo na década dos setenta e seus impactos nos custos de energiae na inflação generalizada, uma onda de pessimismo e até pânico atravessa o mundo, causandomanifestações de protestos das populações contra a alta dos combustíveis e de alimentos, na Es-panha e na França, no Haiti e em vários países africanos, até as Filipinas.

Soou patético o comunicado dos ministros de Energia do G-8, reunidos em junho no Japão, exi-gindo dos países exportadores de petróleo (OPEP) que invistam mais na produção e na ampliaçãoda oferta do combustível e reclamando também da falta de transparência sobre os níveis atuais deprodução e de suas reservas.

A nossa civilização depende do petróleo, combustível e matéria-prima para inúmeros subprodu-tos. Iniciada a produção no fim do século 19 pela Standard Oil of New Jersey (da família Rockefeller),a expansão da produção seguiu aceleradamente nas primeiras décadas do século 20, após a desco-berta de enormes campos nos países do Oriente Médio, particularmente na Arábia Saudita.

Na segunda metade do século 20, os dois choques de petróleo nos anos setenta causaram umaelevação radical dos preços, sobretudo nos países europeus e nos Estados Unidos, grandes consu-midores e dependentes da importação do combustível para gerar energia e mover a rede de trans-portes, hoje composta por centenas de milhões de veículos alimentados por gasolina e/ou diesel. Nasduas décadas seguintes, houve um recuo e relativa estabilização dos preços nos mercados, para re-tomar o ritmo de alta com uma intensidade inédita, nesses primeiros anos do século 21.

Como explicar esse comportamento errático do mercado de petróleo?Dois fatores parecem fundamentais para explicar a alta dos preços e seus impactos na economia

mundial. Primeiro, a entrada no mercado da China e da Índia, grandes consumidores e impor-tadores, devido às altas taxas de crescimento de suas economias. A pouca elasticidade da oferta –a perfuração de novos poços e as descobertas de novos campos de exploração não conseguemacompanhar o ritmo de expansão da demanda global – explica em parte o salto do preço do barrilacima de US$ 140 (um barril equivale a 160 litros).

O outro fator, não menos importante, é o aumento da especulação no mercado de futuros, im-pactando no cenário internacional. Os atores nesses mercados de futuros são os grandes gruposfinanceiros que movimentam livremente, sem fiscalização ou controle das autoridades fazendá-rias e fiscais dos respectivos estados nacionais, imensos volumes de recursos via a rede virtual. Ovolume de recursos financeiros que circula nessa ciranda é maior que o valor gerado pela economiareal (mais de 40 trilhões de dólares) e está concentrado nas mãos de uma parcela ínfima da po-A

CRI

SE D

E PE

TRÓ

LEO

Page 63: Digesto Econômico nº 449

pulação mundial. Vivemos no mundo de financeirização daeconomia e da autonomia dos mercados financeiros que trans-forma o capitalismo industrial em um capitalismo de rentei-ros, tudo controlado pelas redes de informação e comunicação,frente aos quais a capacidade de gestão e regulamentação dopoder público – o Estado – se revela impotente.

Acrescentando-se a presença do cartel da OPEP (Organiza-ção dos Países Exportadores de Petróleo), que controla 78% dasreservas mundiais e responde por 40% da produção e 60% dasexportações, fica patente a cilada em que se encontra a imensamaioria dos países e da população mundial. Criado em 1960,para conseguir melhores preços para seu produto, a associaçãodos membros do cartel conta com 14 países membros. Na Áfri-ca são Argélia, Nigéria, Angola e Líbia; na América Latina, Ve-nezuela e Equador; no sudeste asiático, a Indonésia; e noOriente Médio, a Arábia Saudita, os Emirados do golfo pérsico,o Irã, Iraque, Kuwait e Quatar.

Entre os grandes produtores que ficaram fora do cartel en-contram-se os Estados Unidos, México, Grã-Bretanha, Norue-ga e Rússia. Os países da OPEP mantêm as maiores reservas domundo em petróleo e conseguem controlar seus preços, porexercer uma administração centralizada dos volumes de pro-dução e exportação. Criada em 1960 com o objetivo de se oporàs pressões das grandes empresas compradoras – Exxon,Aramco, Shell, British Petroleum, ENI (italiana), Total (france-sa) e Repsol (espanhola), a associação cindiu-se após a guerrade 1967 entre Israel e os países árabes, que formaram uma or-ganização própria para controlar as exportações, sem deixarde aderir à OPEP, com sede em Viena.

Estima-se que o total da produção mundial, neste começo deséculo 21, se eleva a 24 bilhões de barris por ano, dos quais 23 bi-lhões são consumidos e um bilhão é retido para formar estoques.As reservas globais de petróleo são estimadas em um trilhão debarris, sendo que 67% encontram-se no Oriente Médio. Em vá-rias partes do mundo, as reservas de gás e de petróleo estariam

Henrique RattnerProfessor na Faculdade de

Economia, Administração eContabilidade da USP

(FEA/USP); e na pós-graduaçãono Instituto de Pesquisas

Tecnológicas (IPT). Fundador doPrograma LEAD Brasil e da ABDL

- Associação Brasileira para oDesenvolvimento de Lideranças

Page 64: Digesto Econômico nº 449

64 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

diminuindo (México, Mar do Norte), o que tem intensificado apesquisa e o desenvolvimento de fontes energéticas alternativas.As respostas a esse dilema, que afetará a todas as sociedades,mais cedo ou mais tarde, são complexas e intrincadas.

Mesmo com a descoberta de novos campos, como é o casoda Bacia de Santos no Brasil, a instalação de torres de perfu-ração e de plataformas de exploração é de alto custo e exige,além de grandes investimentos, anos de trabalho para come-çar a produção e comercialização. A construção de platafor-mas leva anos e os resultados das perfurações, sobretudo nasáreas marítimas de grande profundidade, são incertas.

Outro fato relevante neste contexto é o aumento contínuo dafrota de veículos movidos à gasolina e/ou óleo diesel, subpro-dutos de refino de petróleo cru. As refinarias existentes traba-lham a plena capacidade e a construção de novas unidades exi-ge tempo, investimentos e, sobretudo, precauções quanto aospossíveis impactos negativos no meio ambiente.

Como equacionar este problema da demanda por combustí-vel de quase um bilhão de veículos em uso no mundo, aos quaissão acrescentados anualmente quase 100 milhões de novos, in-cluindo carros, caminhões, ônibus, motocicletas, que devoramquantidades enormes de combustível líquido e impactam nega-tivamente no meio ambiente, pelas emissões de gases causado-res do "efeito estufa" e do aquecimento global terrestre?

O dilema vislumbrado por governos e empresas tem inspi-rado o renovado interesse pela energia nuclear e outras fontesde energia. Quanto à energia nuclear, alega-se que, além de sermais "limpa" e de custo competitivo (?), sua fonte de matéria-

prima, o urânio, está localizada em países politicamente está-veis e aliados (Austrália e Canadá), ao contrário do petróleo,controlado por governos hostis ou autoritários, como o Irã, aVenezuela e todo o Oriente Médio.

Não é por acaso que as encomendas por novos projetos de rea-tores têm aumentado significativamente nos países ricos – EUA,França, Grã Bretanha, Finlândia, sem falar dos países "emergen-tes", como a China, Índia, Rússia e Brasil. Mas, se o tempo neces-sário para a construção de plataformas em águas profundas e denovas refinarias é demorado, sempre dependendo de um longo econtrovertido processo de licenciamento ambiental, o prazo paraa construção de reatores nucleares é ainda maior e a resistênciadas populações à sua instalação é dificilmente superada.

Por outro lado, as pressões sobre os países produtores de pe-tróleo, para aumentarem sua produção, não têm surtido efeito. Aoferta de petróleo ficou praticamente estagnada e não foi capazde atender a demanda crescente, sobretudo dos países "emer-gentes". Estima-se que somente a Arábia Saudita e os Emiradosdo Golfo estariam em condições de elevar sua produção, situa-ção que pressiona os preços, dado o desequilíbrio entre demandae oferta. Também, pequenos acidentes como a sabotagem porguerrilheiros dos oleodutos na Nigéria, tempestades no Golfo doMéxico ou a ameaça constante de eclosão de novos conflitos nosOriente Médio, pressionam os preços para alta.

Outro fator de instabilidade do mercado é representado pe-los diferentes tipos de petróleo e sua viscosidade, que deve serprocessado pelas refinarias. O petróleo "leve", de menor vis-cosidade, produz a gasolina e o óleo diesel enquanto o "pesa-

Como equacionar este problema da demanda por combustível de quase um bilhão de veículos em uso no mundo?

Paulo Pinto/AE

Page 65: Digesto Econômico nº 449

65JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

do" serve para combustível de calefação. Na crise atual, ocorreum excesso de óleo combustível "pesado" e a falta de gasolina,o que reduz a rentabilidade das operações das refinarias. Estas,para poderem processar diesel com o óleo de variedade "pe-sada" necessitam de investimentos adicionais para transfor-mar suas instalações, um processo lento e caro. Empresas deconsultoria calculam que os custos para a construção de refi-narias e da instalação de plantas petroquímicas têm aumenta-do em mais de 70% desde o ano 2000. O mesmo raciocínio valepara o desenvolvimento de novas jazidas de petróleo, cujo cus-to tem subido em mais de 100% no mesmo período.

A postura nacionalista de certos governos – Rússia e OrienteMédio – tem desencorajado novos investimentos privados. Asnovas áreas de exploração no Brasil e na região ártica apresen-tam dificuldades técnicas, além de políticas, o que tende a au-mentar os preços finais do produto. Face à esta situação, os paí-ses ricos da OCDE – Organização para a Cooperação e o De-senvolvimento Econômico – avaliam seriamente a redução doconsumo de petróleo e sua substituição por fontes energéticasalternativas, tais como o etanol, veículos elétricos, plantas eó-licas e usinas nucleares.

A curto prazo, nem a oferta nem a demanda de petróleo são"elásticas" (na linguagem dos economistas) ou seja, reagem a al-terações de preços no mercado. O desenvolvimento de um novo

campo após sua descoberta pode levar até 10 anos, posto que asempresas consigam captar os capitais no mercado financeiro, ho-je extremamente volátil e sujeito a especulação desenfreada.

Em resumo, parece que nossa civilização encontra-se em umbeco sem saída: por um lado, as pressões representadas por umbilhão de veículos a motor que não param de expandir, sobre-tudo com a construção de novas fábricas para veículos popu-lares na China e na Índia.

Os impactos dessa corrida irracional atrás do "desenvolvimen-to" estão sendo sentidos em todos os setores da economia, impul-sionando a demanda por mais aço, alumínio, plásticos, vidros e osmateriais para a construção de novas plantas. Acrescenta-se a de-manda por materiais para expandir a infra-estrutura – rodovias,pontes, túneis e espaços para o estacionamento – fica patente queo planeta não é capaz de sustentar essas sociedades baseadas noconsumo de desperdício, na opção individualista por um sistemade transporte e no estilo de morar em grandes aglomerações me-tropolitanas, devoradoras de enormes quantidades de energia noverão (ar condicionado) e no inverno (calefação).

A crise de petróleo tem o mérito de alertar os governos e as po-pulações para o perigo de um colapso e a necessidade de se in-vestir seriamente em pesquisa e desenvolvimento de soluções al-ternativas e sistêmicas, que abranjam o conjunto das atividadeshumanas, enfim, um novo paradigma civilizatório.

Plataforma Merluza da Petrobras, no litoral santista Usina nuclear de Goesgen, a oeste de Zurique, na Suíça

Luiz Fernando Menezes/Folha Imagem And Wiegmann/Reuters

Page 66: Digesto Econômico nº 449

66 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Denis RosenfieldProfessor de Filosofiacom doutorado naUniversidade de Paris

Ueslei Marcelino/Folha Imagem

O contexto

O contexto da economia atual, em nívelmundial, é o de uma forte competiçãopor minérios e as mais diversas fontesde energia. Empresas e Estados estão

cada vez mais engajados nessa luta, fazendo com queos preços subam e as nações interfiram mais nos as-suntos umas das outras. A China, por exemplo, entradiretamente neste jogo, exercendo, inclusive, um pa-pel semelhante ao que foi o das potências coloniaiseuropéias na África. Em alguns casos, governos des-póticos, mesmo suspeitos de genocídios, tornam-seamigos da potência chinesa, que os defende e apóiaem troca da exploração desses recursos.

A percepção dos mercados

Aumenta em muito a percepção dos atores em-presariais e estatais de que os recursos do planetasão finitos, cada um procurando, então, assegurarpara si essas fontes energéticas e as jazidas de miné-rio, que viabilizariam os seus investimentos a pre-ços competitivos. Há 50 anos, essa percepção prati-camente não existia no nível propriamente econô-mico, vindo a ganhar, nestes últimos anos, umagrande relevância. A sua tradução se faz na elevaçãodos preços e em rivalidades políticas de novo tipo. Adisputa por minérios, recursos hídricos e petróleocomeça a se apresentar como um dado que todos de-veriam levar em consideração. Neste sentido, é cadavez maior a tendência de ingerência dos Estados,

ONGs e agências internacionais em assuntos que di-zem respeito à exploração do subsolo, à construçãode usinas hidrelétricas e à exploração do petróleo.Cada país procura guardar para si o máximo de con-dições para o seu desenvolvimento econômico e so-cial, graças à utilização desses recursos, vitais paraas suas empresas.

Declaração dos Povos Indígenas

Sob esta ótica, não deixa de causar espécie o fatodo Brasil ser signatário da Declaração da ONU sobreos Direitos dos Povos Indígenas, de 13 de setembrode 2007 e aprovada pela Assembléia Geral da Na-ções Unidas. Alguns países não aprovaram essa De-claração, como Estados Unidos, Canadá e Austrália,e outros se abstiveram, como Colômbia e Argentina.Trata-se de um instrumento legal que, contudo, nãotem ainda força de lei entre nós, porque necessita serratificado pela Câmara dos Deputados e pelo Sena-do, em cujo caso passaria a valer como se fosse umaemenda constitucional. O embate atual consiste,precisamente, nessa ratificação, que pode mudar aconfiguração nacional e constitucional do País.Analisemos alguns pontos especialmente proble-máticos dessa Declaração.

A soberania nacional

O primeiro deles diz respeito à soberania nacio-nal. Em seu preâmbulo, diz a Declaração: "Conside-rando que os direitos firmados nos tratados, acor-

Aumentou muito apercepção dos atoresempresariais eestatais de que osrecursos do planetasão finitos.

Marco Antônio Teixeira/Ag. O Globo

Os m

inér

ios,

Page 67: Digesto Econômico nº 449

67JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

dos e soluções construtivas entre os Estados e os po-vos indígenas são, em algumas situações, objeto depreocupação, interesse, responsabilidade e caráterinternacionais". Observe-se que os tratados, acor-dos e resoluções firmados entre os povos indígenase os Estados são "objeto de preocupação, interesse,responsabilidade e caráter internacionais".

Isto significa que um Estado, como o brasileiro,signatário desta Declaração, estaria, sob determina-das circunstâncias, obrigado a receber uma inspeçãointernacional, que verificaria se os termos acordadosforam ou não seguidos. A preliminar consistiria emque o Estado assinaria acordos e tratados com os po-vos indígenas, considerados enquanto entidades co-letivas, submetidos a um controle internacional.

Ocorre, aqui, o que poderíamos chamar de umafragmentação da soberania brasileira sobre o seu pró-prio território, que poderia passar à responsabilidadeinternacional. Por exemplo, a ONU poderia não re-conhecer que um tratado ou acordo estivesse sendoseguido, pedindo providências para o seu cumpri-mento e interferindo diretamente na vida nacional.

Logo, criam-se as condições de uma soberania inter-nacional sobre terras e territórios brasileiros.

A auto-determinação dos povos

O segundo concerne o próprio modo de se com-preender a livre determinação ou a auto-determina-ção dos povos indígenas, que passariam a ser con-siderados como nações autônomas. Eis o texto: "Re-conhecendo que a Carta das Nações Unidas, o PactoInternacional de Direitos Econômicos, Sociais e Cul-turais e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Po-líticos, assim como a Declaração de Viena e o progra-ma de Ação, afirmam a importância fundamentaldo direito de todos os povos, à livre determinação,em virtude da qual estes decidem livremente suacondição política e perseguem livremente seu de-senvolvimento econômico, social e cultural" (1).

Observe-se a ênfase na idéia de auto-determinação,de livre determinação dos povos indígenas, a partir daqual esses povos se organizariam de uma forma inde-pendente, constituindo-se como verdadeiras nações.

A Declaração vai mesmo além ao afirmarque essa livre determinação seria exercidaem conformidade com o direito internacio-nal. Duas idéias são aqui introduzidas e me-recem ser destacadas: a de livre determina-ção e a de reconhecimento internacional.

A mentalidade européia

O conceito de livre determinação ou deauto-determinação tem a maior relevânciana mentalidade européia, principalmenteaquela afeita ao uso das línguas inglesa,francesa e alemã. Ele evoca imediatamenteo contexto em que os "povos africanos" ga-nharam a independência nacional, no de-correr do século 20, enquanto conseqüên-cia do fim da colonização daquele conti-nente pelas potências européias.

Logo, ao se falar de "livre determinação",está-se falando de independência nacional,de povos e tribos que se dotaram de formasjurídicas e políticas de auto-governo. Ossignificados das palavras são, aqui, politi-camente determinados. A aparente ambi-güidade do conceito, como não se referin-do a uma nação independente, é somenteum artifício retórico, que esconde um pro-pósito político claramente definido, e defi-nido por povos que, assim, ganharam a so-berania sobre os seus territórios.

(1) Declaração da ONU sobre os Direitos dosPovos Indígenas. Preâmbulo.

os ín

dios

e a

ON

U

Eduardo Knapp/Folha Imagem

Direitos dos Povos Indígenas ou soberania nacional?

Page 68: Digesto Econômico nº 449

Ministério concede generosamente essas autorizações – e entãoé ir aonde os diretores de marketing estão. Assim, uma parte dacultura brasileira é uma conversa entre um número bastante re-duzido de pessoas, que nem mesmo imaginativamente pode-riam atender a variedade de gostos da população brasileira.

Existe outro aspecto perverso do financiamento de obras dearte pela Lei Rouanet. O dinheiro vem de renúncia de impostos.A retórica oficial diz que o governo é tão magnânimo que, em vezde construir hospitais e escolas para a população carente, aceitaque parte do dinheiro vá para o financiamento das artes. Se asobras de arte financiadas não dão nenhuma espécie de retorno(e, pensando bem, até mesmo se dessem), não seria melhorconstruir hospitais e escolas? Mas nem eu nem você acreditamosque o governo fará isso com o dinheiro.

Ao permitir o financiamento de obras que não atendem aninguém exceto aos produtores, que também precisam co-mer (e bem), o governo passa a mensagem de que não farianada de útil com aquele dinheiro mesmo, e que é melhor eli-minar intermediários.

Por outro lado, um diretor de marketing pode passar por umdilema perfeitamente realista: devo financiar um filme que nin-guém vai ver ou colocar o dinheiro na cueca dos políticos? Comoas classes dos diretores, roteiristas, câmeras e contra-regras ain-da não conseguiram difamar-se a si próprias tanto quanto a clas-se política, o dilema não parece tão difícil. Afinal, os artistas estãoapenas cumprindo a lei.

E este não é o último aspecto perverso. As artes hoje gozam deuma situação melhor do que a de qualquer outra indústria. A ex-posição que ninguém vai ver é viável financeiramente, mas nemmesmo um simples sorvete pelo qual ninguém vai pagar tem amesma vantagem. Ou seja: o rent-seek ing, nas artes brasileiras,nada menos do que a norma. Assim como empresários e lobistaspodem abusar o público obtendo privilégios do governo, tam-bém os artistas podem alienar as pessoas à vontade. Pode serimoral, mas, novamente, ilegal definitivamente não.

Claro que se pode dizer que, por outro lado, o governo bra-sileiro está fatiado por diversos interesses corporativos, e não hárazão para os artistas ficarem de fora do jogo, já que, em vez deorganizar nossa sociedade em princípios justos e equânimes,preferimos acreditar que todas as pequenas injustiças compen-

Uma das mais famosas canções de Milton Nascimen-to diz que "todo artista deve ir aonde o povo está".Essa fórmula simples expressa uma verdade muitasvezes difícil de aceitar, uma verdade que o econo-

mista austríaco Ludwig von Mises expressou da seguinte ma-neira: quem deseja enriquecer precisa dar às pessoas aquiloque elas querem.

Por que isso é difícil de aceitar? Porque nosso desejo mais ime-diato é não querer atender aos desejos dos outros, mas a nossospróprios desejos. Um escritor, por exemplo, pode escrever o livroque quiser. Se esse livro não coincidir com aquilo que o públicodeseja ler, ele só terá algum sucesso financeiro se ganhar prê-mios – e para ganhá-los ele só precisa agradar algumas dezenasde pessoas. Igualmente, um cineasta pode usar das leis de incen-tivo para levantar o dinheiro para fazer seu filme. Ele não precisaconvencer investidores de que seu filme terá retorno financeiro.Basta convencer os diretores de marketing de meia dúzia de em-presas. Mesmo que ninguém veja o filme, o público que o cineas-ta precisa agradar muda quando os diretores mudam.

É bastante fácil para o artista bradar contra o "mercado" e di-zer que não conseguiria sobreviver nele. Falar contra o "merca-do" nada mais é do que perpetuar um tabu, pois o mercado nãoé uma entidade, exceto na razão humana: concretamente, omercado são as pessoas. Mercado e público são sinônimos. As-sim, o artista exibe seu ressentimento contra o mercado quandona verdade tem apenas a sua vaidade ferida: o público que nãotem o menor interesse pela sua obra. Ser invisível comercialmen-te significa que ninguém pretende falar com você.

Afinal, mesmo que você diga que o dinheiro é perverso emaligno, não há como fugir do fato de que ele é o instrumentosocial preferencial de aprová-lo ou desaprová-lo. Você não vaipagar a prestação da sua casa com um artigo favorável do seucrítico favorito.

As leis brasileiras nada mais fazem do que incentivar essa vai-dade dos artistas e alienar o público. O artista brasileiro não pre-cisa "ir aonde o povo está", não precisa conversar com a platéia,não precisa colocar seu talento a serviço de outras pessoas, e,mais importante, não precisa depender de seu público. O artistabrasileiro precisa apenas receber uma autorização do Ministérioda Cultura para coletar patrocínios – aliás, sejamos honestos: o

Divulgação

Pedro SetteCâmara

É gerente deoperações no Brasilde OrdemLivre.org

Page 69: Digesto Econômico nº 449

sarão umas pelas outras no final. Mas isso não é razão para fecharos olhos para o fato de, questões morais à parte, as leis de incen-tivo trazem um problema artístico. Sem contato e comércio como público, a arte se fecha em si mesma. Com patrocínio, não hárisco – e é muito mais fácil arriscar-se artisticamente do que fi-nanceiramente. Sem uma ligação mais estreita com o dinheiro,isto é, com o famoso mundo real, o artista pode ser mais impru-dente artisticamente, o que significa que ele pode ficar aindamais fechado em si mesmo, produzindo obras ininteligíveis.Quanto mais incompreensível ele for, mais o público o rejeitará,e mais autorizado ele vai se sentir a querer patrocínio das pes-soas que despreza (e que simplesmente o ignoram). Esse movi-mento centrífugo não pode ser confundido com alta cultura, enem mesmo com a preservação da variedade.

Somente o mercado, composto de agentes livres, pode ga-rantir a variedade de oferta de produtos, inclusive de produ-tos culturais. Com o aumento do mercado, da atividade capi-

talista, da aceleração das trocas, isto, das compras e vendas,fica infinitamente mais fácil escapar da "tirania do gosto" dasua própria época. As leis que funcionam como barreiras deentrada à atividade artística acabam concentrando a ofertaem dois nichos: o massificado e o clube dos queridinhos dosdiretores de marketing.

Se alguém na política realmente deseja fazer algo pelas artesno Brasil, pode tanto lutar pela segurança jurídica e pela reformatributária que beneficiaria a todos, quando pela simples possi-bilidade de se perder dinheiro como em qualquer outra indús-tria. Quando o artista começar a levar em conta a existência dopúblico, também vai se perguntar mais sobre a verdadeira qua-lidade do que faz, e se realmente é digno de ser oferecido àque-les de quem depende.

Abê

Page 70: Digesto Econômico nº 449

70 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

A História das Coisas:

Helio MattarPhD, é idealizador eum dos fundadoresdo Instituto Akatupelo ConsumoConsciente, do qualé Diretor Presidente.

No livre e democrático espaço dainternet está sendo veiculado odocumentário "The Story ofStuff" (A História das Coisas),

sobre a produção e o consumo na sociedadeatual, assinado pela entidade americana TidesFoundation, escrito e apresentado pela ativis-ta ambiental Annie Leonard.

Mesmo que você seja bem informado sobreo quanto já avançamos no processo de devas-tação ambiental provocada no planeta pelosatuais padrões de produção e consumo, vocênão vai deixar de sentir uma sensação de "socono estômago" com as informações, bem funda-mentadas por fatos e números, que o filmetransmite. A menos que você não se importecom o mundo que estamos deixando para aspróximas gerações.

Bem produzido, simples, conciso, e ao mes-mo tempo emocional e surpreendente, este fil-me de 20 minutos, com animação singela, maseficiente, nos mostra, com excepcional didáti-ca, os aspectos mais cruciais de nossa cultura

Fotos: Reprodução

voltada para "as coisas", trazendo luz às rela-ções quase sempre ocultas entre o padrão devida dos países ricos, aspirado de forma hege-mônica pelas sociedades emergentes, e o enor-me custo social e ambiental decorrente destemodelo. São relações de causa e efeito que, porestarem muitas vezes distantes no tempo e noespaço, nos passam despercebidas.

Com estilo informal e ao mesmo tempo apai-xonado, com um tom de urgência na voz, Annienos conduz às entranhas do modelo consumis-ta que impera no mundo. Mostra o ciclo que seinicia na extração de recursos naturais e que ali-menta a super produção de bens materiais, pas-sando pela sua distribuição e finalmente peloseu descarte. Revela o quanto este modelo estáse tornando cada vez mais insustentável, dadaa finitude dos recursos da Terra e o enorme cus-to social que o sistema impõe. Os países ricos, demaneira míope, ainda buscam jogar o lixo am-biental "para baixo do tapete" dos países po-bres. Não se dão conta de que não há o "fora" emum planeta único, no qual há uma interdepen-

JorgeMaranhãoÉ idealizador efundador deA Voz do Cidadão.

Consumo Conscientee Cidadania

Page 71: Digesto Econômico nº 449

71JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

dência global entre os processos produtivos eos seus impactos sobre as regiões, países e indi-víduos de todo o mundo.

Dos computadores que ficam obsoletos deano a ano, aos modelos de salto de sapato que"precisam" ser trocados a cada estação, o docu-mentário demonstra que os produtos são dese-nhados para se precisarem ser trocados com re-gularidade, com a propaganda encarregando-sede convencer os consumidores de que suas "coi-sas" precisam ser permanentemente renovadas.Esta noção de obsolescência planejada move amáquina do consumismo continuamente.

Não se pode negar, no entanto, que a visão dofilme é unilateral e maniqueísta em suas posi-ções contra o mundo corporativo, que Annie co-loca como o vilão da história. Neste ponto, a rea-lidade é mais complexa do que ela demonstra.

Em primeiro lugar, porque não se pode ge-neralizar a avaliação sobre a atuação das em-presas, como sempre negativa, pois seria negaro movimento em direção à responsabilidadesocial empresarial e entrada do tema da susten-tabilidade definitivamente na agenda dasgrandes corporações. Se os avanços ainda nãosão suficientes para uma verdadeira transfor-mação, e efetivamente estão longe de ser, é im-portante pensar que este é um processo que serátanto mais acelerado quanto maior for a cons-cientização dos consumidores no sentido deexigir das empresas mais do que os atributostradicionais de qualidade e preço, mas tambémação responsável ambiental e socialmente.Nesse sentido, são os consumidores no merca-do quem "autoriza" as empresas a agir de umaou outra maneira, e a comunicação de massa,especialmente a internet, possibilita que novosatributos de natureza social e ambiental sejamincorporados às decisões de compra.

Em segundo lugar, não se pode negar que oenorme avanço alcançado pela humanidadeno último século foi, em boa parte, fruto de in-vestimentos privados em produtos e serviçosque mudaram significativamente, e para me-lhor, a qualidade de vida em inúmeros aspec-tos, em especial em áreas cruciais como saúde,saneamento e alimentação.

Mas, descontados os excessos, o saldo do do-cumentário é muito positivo. Especialmente pornos levar a pensar, ou repensar, o papel represen-tado pelas "coisas" em nossa felicidade e a pre-mente necessidade de revermos nossos estilosde vida e nossas prioridades a partir da consciên-cia dos impactos de nossos atos cotidianos deconsumo sobre a sociedade e o meio ambiente.

É também importante por nos dar uma vi-são holística do mundo da produção e do con-

sumo, revelando as relações de causa e efeitoentre o que ocorre localmente e seus efeitosglobais. Por esta via, o filme aponta para outratendência que deveria ser um dos temas prin-cipais da educação do século 21, a cidadaniaplanetária. O cidadão não mais voltado para asquestões de seu bairro, de sua cidade, de seupaís, mas para todo o mundo.

O desenvolvimento sustentável e o nosso fu-turo, como o de nossos filhos e netos, passam poruma cidadania que irá lutar por justiça econômi-ca global, preservação das reservas naturais, res-peito à diversidade biológica e étnica, democra-tização dos organismos políticos internacionais,e por um mundo corporativo que presta contasdos impactos de sua ação sobre o meio ambientee a sociedade, e, desta forma, recebe, ou não, a sualicença social para operar e progredir.

Paulo Pampolin/Hype

A indústria deeletrônicos einformática

desenvolvem novosrecursos, criando

uma obsolescênciaprogramada,

convencendo osconsumidores de

que eles precisamser trocados.

Page 72: Digesto Econômico nº 449

72 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

Václav KlausPresidente daRepública Tcheca.Seu artigo é umacontribuição deOrdemLivre.org.

Desde 2003, sou presidente da livre e de-mocrática República Tcheca. Um paísque, há mais de 17 anos, teve êxito em li-vrar-se do comunismo; um país que, de

forma rápida, tranqüila e sem custos adicionaisdesnecessários superou sua herança comunista e setransformou em uma democracia parlamentar enuma economia de mercado no estilo europeu; umpaís que é parte integral do mundo livre, um mem-bro da Organização do Tratado do Atlântico Norte(Otan) e da União Européia (UE) e um bom amigodos Estados Unidos.

Todos possuem uma lista – a maioria, uma listaimplícita – de questões, problemas e desafios que –com base em suas experiências, preconceitos, sen-sibilidades, preferências e prioridades – sentem econsideram ser cruciais, tópicos, ameaçadores e re-levantes. Todos são inevitavelmente relacionados aalgo que esteve ausente durante a maior parte daminha vida durante a época comunista.

O que tenho em mente, claro, é a liberdade. Algoque os norte-americanos dão grande valor, apesardo fato de nunca terem se submetido pessoalmen-te à sua inexistência ou ausência. A experiência deviver sob o comunismo me proporciona uma sen-

Reprodução

sibilidade especial, senão uma hipersensibilidade,para a falta de liberdade.

Onde vejo os principais perigos à liberdade no co-meço do século 21? Não falarei das manchetes atuaise me recuso a falar sobre nossos inimigos externos –como o Talibã, a Al Qaeda e o fundamentalismo is-lâmico – porque não tenho nada especial a falar ou aacrescentar à questão do terrorismo e não quero sim-plesmente repetir argumentos e fatos já conhecidos.Basta dizer que nossa capacidade de avançar e, even-tualmente, enfrentar perigos externos depende, emgrande parte, de nossas crenças, visões, convicções,força interna, coerência, habilidade de atuação etc.

Considero mais importante, portanto, falar so-bre nossos desafios internos, sendo três dos quaisos principais desafios da época atual.

Neoestatismo

Meu primeiro tema está ligado ao comunismo.A República Tcheca, assim com todos os outros ex-países comunistas, teve de passar por uma transi-ção difícil. Compreendemos desde cedo que atransição deveria ser feita em casa, já que era im-possível importar um sistema elaborado no exte-

Tradução: CíntiaShimokomaki

Três desafios à liberdadeTrês desafios à liberdade

Div

ulga

ção

Page 73: Digesto Econômico nº 449

73JULHO/AGOSTO 2008 DIGESTO ECONÔMICO

rior. Ainda compreendemos que tal mudança fundamentalnão era um exercício em economia aplicada, mas um processoevolucionário feito pelo homem e que tínhamos de encontrarnosso próprio caminho, nosso "modo tcheco" para uma econo-mia e uma sociedade eficientes.

Nos últimos 15 anos, discursei diversas vezes nos EstadosUnidos sobre o processo de transição; sobre sua ausência decustos; sobre seus benefícios, princípios e ciladas. Agora queacabou, enfrentamos um problema diferente.

Tivemos êxito em nos livrarmos do comunismo, mas, assimcomo muitos outros, presumimos erroneamente que as tenta-tivas de suprimir a liberdade e de centralizar a organização,planejamento e regulamentação da sociedade e da economiaeram questões do passado, uma relíquia quase esquecida. In-felizmente, esses impulsos centralizadores ainda existem. Ve-jo mais exemplos de tais impulsos na Europa e na maioria dasorganizações internacionais do que nos Estados Unidos, maseles também podem ser encontrados aqui.

O motivo da minha preocupação é o surgimento de novos "is-

mos", muito populares e na moda, que mais uma vez colocamvárias questões, visões, planos e projetos na frente da liberdadee do livre-arbítrio. Existe o social-democratismo, que nada maisé do que uma versão mais moderada e amena do comunismo, eo direito-humanismo, que é baseado principalmente na idéia dedireitos positivos aplicáveis ao redor do mundo. Ainda há o in-ternacionalismo, multiculturalismo, europeísmo, feminismo,ambientalismo e outras ideologias similares.

O comunismo acabou, mas as tentativas de governar de ci-ma ainda existem, ou talvez elas simplesmente retornaram.

Europeísmo

O segundo principal desafio está ligado à nossa experiên-cia com a União Européia, mas que vai além da UE, porquefaz parte de uma tendência maior em direção à desnaciona-lização de Estados-nações e à supranacionalização mundiale governança global.

A sensibilidade especial que eu e muitos de meus compa-triotas temos faz com que eu veja muitas tendências na Europade forma crítica. Meus adversários parecem não ouvir meus ar-gumentos. Eles continuam rejeitando antecipadamente pon-tos de vista que eles não gostam. Para entender minha crítica énecessário ter conhecimento do desenvolvimento na UE – suametamorfose gradual de uma comunidade de nações coope-rantes para a união de nações não-soberanas – e das tendênciassupranacionalistas predominantes. Este desenvolvimentonão é conhecido nos Estados Unidos.

Eu sempre fui a favor de uma cooperação e colaboração ami-gáveis, pacíficas e mutuamente enriquecedoras entre os paíseseuropeus. No entanto, já destaquei que o movimento de umaEuropa cada vez mais unida, o chamado aprofundamento daUE, assim como a rápida integração política e as tendências su-pranacionais da Europa, que não são apoiadas por uma iden-tidade européia autêntica ou por um "demos" (povo) europeu,são prejudiciais à democracia e à liberdade.

Liberdade e democracia – estes dois valores preciosos –não podem ser assegurados sem democracia parlamentardentro de um território estatal claramente definido. No en-tanto, é exatamente isto que as atuais elites políticas euro-péias e seus simpatizantes estão tentando eliminar.

Ambientalismo

Eu vejo que a terceira principal ameaça à liberdade indivi-dual está no ambientalismo. Para ser mais específico, eu com-preendo as preocupações sobre uma eventual degradação am-biental, mas também vejo um problema no ambientalismo co-mo uma ideologia.

Ambientalismo apenas aparenta lidar com a proteção am-biental. Por trás de sua terminologia favorável às pessoas e ànatureza, os adeptos ao ambientalismo fazem tentativas am-biciosas de reorganizar e mudar radicalmente o mundo, a so-ciedade humana, nosso comportamento e nossos valores.

Não há dúvida de que é nosso dever proteger racionalmentea natureza para as futuras gerações. Os seguidores da ideolo-gia ambientalista, entretanto, insistem em nos apresentar vá-

Há 17 anos, a República Tcheca teve êxito em livrar-se docomunismo e se transformou em uma democraciaparlamentar. Ao lado, Ponte Carlos, sobre o Rio Vltava.Abaixo, relógio astronômico. Ambos cartões postais dacapital Praga, uma das cidades mais bonitas da Europa.

Divulgação

Page 74: Digesto Econômico nº 449

74 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2008

rios cenários catastróficos com a intenção de nos persuadir aimplementar as suas idéias. Isto é injusto como também extre-mamente perigoso. Ainda mais perigoso, no meu ponto de vis-ta, é a falsa aparência científica que as suas previsões freqüen-temente refutadas assumem.

Quais são as crenças e suposições que formam a base daideologia ambientalista?

- Descrença no poder da mão invisível do mercado livre ecrença na onipotência do dirigismo estatal.

- Descaso com o papel de mecanismos e instituições econô-micos importantes e poderosos, principalmente aquelesrelacionados a direitos de propriedade e preços, em umaeficaz proteção da natureza.

- Incompreensão do significado dos recursos e dadiferença entre recursos naturais potenciais ereais que podem ser usados na economia. Pes-simismo maltusiano em detrimento de progres-so técnico.

- Crença na predominância das externalidadesnas atividades humanas.

- Promoção do chamado princípio da precaução,que maximiza a aversão ao risco sem prestaratenção aos custos.

- Subestima do crescimento da renda a longo pra-zo e das melhorias no bem-estar, que resultamem uma mudança fundamental na demandapor proteção ambiental e que pode ser demons-trada pela chamada Curva de Kuznets.

- Depreciação incorreta do futuro, demonstradaclaramente pelo Relatório Stern, que foi ampla-mente divulgado há alguns meses.

Todas essas crenças e suposições são associadasàs ciências sociais – e não às ciências naturais. É porisso que o ambientalismo, diferentemente da ecolo-gia científica, não pertence às ciências naturais e po-de ser classificado como uma ideologia. Este fato,entretanto, não é compreendido pelas pessoas co-muns e por diversos políticos.

A hipótese de aquecimento global e do papel dahumanidade neste processo é a mais recente e, atéhoje, a mais poderosa concretização da ideologiaambiental. Ela contribuiu com muitas "vantagens"importantes aos ambientalistas:

- Uma análise empírica do fenômeno de aqueci-mento global é muito complicado, por causa dacomplexidade do clima global e da mistura devárias tendências e causas de longo, médio ecurto prazos.

- O argumento dos ambientalistas não é baseadoem medidas empíricas ou testes laboratoriaissimples, mas em testes sofisticados com uma va-riedade de suposições infundadas, que são ge-ralmente ocultas ou incompreendidas.

- Os adversários da hipótese de aquecimento glo-bal têm de aceitar o fato de que, neste caso, habitamos ummundo permeado por externalidades.

- As pessoas tendem a perceber e lembrar apenas de fenô-menos climáticos extraordinários, e não em desenvolvi-mentos normais e em tendências e processos lentos e delongo prazo.

Não é minha intenção apresentar argumentos para refutaresta hipótese. O que considero mais importante é protestarcontra os esforços dos ambientalistas em manipular as pes-soas. As recomendações nos levariam de volta à época do es-tatismo e da liberdade restrita. Portanto, é nossa tarefa estabe-lecer um limite e diferenciar entre ambientalismo ideológico eecologia científica.

A República Tcheca, assim como todos os outros ex-países comunistas,teve de passar por uma transição difícil. Essa transição deveria ser feitaem casa, já que era impossível importar um sistema elaborado noexterior. Acima, Prazský Hrad, o Castelo de Praga, datado do ano 850.Abaixo, Karlovy Vary, cidade do "circuito das águas" tcheco

Divulgação

Divulgação

Page 75: Digesto Econômico nº 449
Page 76: Digesto Econômico nº 449

Central de relacionamento: 11 3244-3030www.acsp.com.br

Informações consistentes e sua venda fechada na hora.

Quando você for tomar uma decisão que envolva venda a crédito, o SCPC | SERVIÇO CENTRAL DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO oferece infor-mações seguras, além de uma análise imediata, completa e atualizada sobre pessoa física.

SCPC | NÃO FAÇA NEGÓCIOS SEM ELE.

SCPC | SERVIÇO CENTRAL DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO

Mar

ketin

g - A

CSP