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- 1. 1 parte geral
- 2. Bacharel em Direito pela USP. Mestre em Direito pela USP.
Doutor em Direito pela PUCSP. Procurador de Justia licenciado.
Deputado Estadual. Presidente da Comisso de Constituio e Justia da
Assembleia Legislativa do Estado de So Paulo (2007-2010). Professor
da Escola Superior do Ministrio Pblico de So Paulo. Professor
convidado em diversas instituies de ensino. parte geral (arts. 1 a
120) 15 edio 2011
- 3. FILIAIS AMAZONAS/RONDNIA/RORAIMA/ACRE Rua Costa Azevedo, 56
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Acesse: www.saraivajur.com.br ISBN 978-85-02-11427-2 Dados
Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do
Livro, SP, Brasil) Capez, Fernando Curso de direito penal, volume
1, parte geral : (arts. 1 a 120) / Fernando Capez. 15. ed. So Paulo
: Saraiva, 2011. 1. Direito penal I. Ttulo. 10-12090 CDU-343 ndice
para catlogo sistemtico: 1. Direito penal 343
- 4. A meu pai, Amin Capez, cuja coragem, determinao, dedicao e
honestidade construram o exemplo que procuro seguir em todos os
dias de minha vida. A minha me, Suraia Capez, a quem tudo devo, por
sua renncia, sa- crifcio e afeto, os quais jamais conseguirei
retribuir na mesma intensidade. A meu amigo e professor Damsio de
Jesus, que sonhou em escrever um livro e criou um marco na histria
do Direito Penal; um dia pensou em ensinar e se transformou em um
jurista renomado internacionalmente.
- 5. Se voc conhece o inimigo e conhece a si mesmo, no precisa
temer o resultado de cem batalhas. Sun Tzu, A arte da guerra
- 6. 9 SOBRE O AUTOR Fernando Capez Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP). Mestre em
Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo
(USP). Doutor em Direito pela Pon- tifcia Universidade Catlica de
So Paulo (PUCSP). Ingressou no Ministrio Pblico em 1988 (aprovado
em 1 lugar), onde integrou o primeiro grupo de Promotores
responsveis pela defesa do pa- trimnio pblico e da cidadania.
Combateu a violncia das torcidas orga- nizadas e a mfia do lixo.
professor da Escola Superior do Ministrio Pblico de So Paulo. ,
tambm, professor convidado da Academia de Polcia de So Paulo, da
Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e da Escola Superior do
Minist- rio Pblico do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, Rio
de Janeiro, Esprito Santo, Alagoas, Sergipe, Bahia, Amazonas, Mato
Grosso do Sul, Mato Grosso, Amap, Rondnia e Gois. palestrante
nacional e internacional. Tem 37 livros publicados, nos quais
aborda temas como interpretao e aplicao de leis penais, crimes
cometidos com veculos automotores, emprego de arma de fogo,
interceptao telefnica, crime organizado, entre outros. coordenador
da Coleo Estudos Direcionados, publicada pela Edi- tora Saraiva,
que abrange os diversos temas do Direito, destacando-se a
praticidade do sistema de perguntas e respostas, que traz, ainda,
grficos e esquemas, bem como da Coleo Pockets Jurdicos, que oferece
um guia prtico e seguro aos estudantes que se veem s voltas com o
exame da OAB e os concursos de ingresso nas carreiras jurdicas, e
cuja abordagem sint- tica e a linguagem didtica resultam em uma
coleo nica e imprescindvel, na medida certa para quem tem muito a
aprender em pouco tempo.
- 7. 11 NOTA DO AUTOR O CDIGO CIVIL DE 2002 E SEUS REFLEXOS NO
CDIGO PENAL O novo Cdigo Civil, em seu art. 5, estatuiu que a
menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa
ca habilitada prtica de todos os atos da vida civil. Isto signica
que, a partir de sua entrada em vigor, adquire-se a plena
capacidade para a prtica de qualquer ato jurdico aos 18, e no mais
aos 21 anos. Com isso, no se pode mais continuar fa- lando em
representante legal para quem j completou a maioridade civil, na
medida em que, atingida a maioridade, cessa a menoridade. Se o
sujeito est completamente apto para expressar livremente sua
vontade no mundo jur- dico, no h mais como trat-lo como um incapaz.
Desta forma, no caso do maior de 18 e menor de 21 anos, a expresso
representante legal tornou- -se incua, vazia, sem contedo. um
representante que no tem mais a quem representar. Em nota 10 edio
do nosso Curso de processo penal, sustentamos o entendimento de que
a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que entrou em vigor no
dia 11 de janeiro de 2003, instituindo o novo Cdigo Civil, provocou
sensvel modicao no quadro de capacidades estabelecidas pelo Cdigo
de Processo Penal. Por essa razo, tendo o acusado atingido a
maioridade civil, no h mais necessidade de nomeao de curador para o
seu interrogatrio, nem subsiste a gura do representante legal para
oferecer a queixa ou a repre- sentao, alm do que somente o ofendido
poder exercer ou renunciar ao direito de queixa ou de representao,
bem como conceder o perdo ou aceit-lo. Se plenamente capaz, no tem
mais representante legal, nem precisa ser assistido. Especicamente
no que toca aos arts. 65 e 115 do Cdigo Penal, no entanto,
entendemos que nenhum deles foi atingido pela reforma da legis- lao
civil. O primeiro trata da circunstncia atenuante genrica do menor
de 21 anos na data do fato. O segundo reduz pela metade o prazo da
pres-
- 8. 12 crio da pretenso punitiva e executria, quando o agente
for, ao tempo do crime, menor de 21 anos. Em ambos os casos, no
existe nenhuma relao entre a idade mencionada pelos dispositivos e
a plena capacidade para a prtica de atos jurdicos.
Independentemente de o agente ser relativa ou plenamente capaz, de
ter ou no representante legal, o legislador pretendeu conceder-lhe
um benefcio, devido sua pouca idade. Prova disso o fato de os arts.
65 e 115 estenderem as mesmas benesses ao maior de 70 anos na data
da sentena. Tanto o menor de 21 quanto o maior de 70 so plena-
mente capazes para os atos da vida civil, includos a os de natureza
proces- sual. Apenas por um critrio do legislador, uma opo poltica
sua, tais agentes, por inexperincia de vida ou senilidade, foram
merecedores de um tratamento penal mais ameno. Assim, no h que se
falar em derrogao desses dispositivos.
- 9. 13 PREFCIO Este Curso de direito penal que estou tendo a
honra de prefaciar cons- titui no s um sedimentado fruto de longos
anos de trabalho prossional e docente, seno sobretudo o coroamento
de uma das mais brilhantes car- reiras no campo jurdico. Com estilo
direto e facilmente compreensvel, Fernando Capez, semelhana do seu
consagrado Curso de processo penal e comprovando uma vez mais seu
indiscutvel talento, acaba de nos brindar com uma obra completa
sobre a Parte Geral do Direito Penal. Nenhum dos mais importantes
institutos dessa rea da Cincia Criminal deixou de ser tratado com a
devida maestria e leveza de sempre. um livro, portanto, dirigido a
todos os que militam no campo penal, aos estudantes dos cursos de
Direito e, particularmente, aos que esto se preparando para
concursos pblicos de ingresso nas mais variadas carreiras jurdicas.
Para mais alm da clareza e objetividade, o livro um slido Manual de
utilidade inquestionvel, seja pela atualidade do seu contedo, que
est em perfeita consonncia tanto com as mais recentes modicaes
legais como com as modernas tendncias das cincias penais
globalmente consi- deradas (gesamte Strafrechtswissenschaft), seja
pela extenso e bem sele- cionada jurisprudncia. Com tudo isso se
chegou a um valioso e imprescin- dvel instrumento de trabalho, que
est predestinado a servir de verdadeiro guia tanto nas atividades
forenses como nas acadmicas, destacando-se aquela especca fase
preparatria intermediria entre o m do curso uni- versitrio e o
princpio de uma bem-sucedida carreira prossional. A obra foi
inteiramente estruturada, quer para atender necessidade de qualquer
operador jurdico em seu dia a dia, quer para constituir uma
interessante alternativa para aqueles que, premidos pelos mltiplos
com- promissos da vida moderna, no contam com grande
disponibilidade de tempo. Excelente contedo, fcil acesso a cada uma
das matrias mais re- levantes da Parte Geral do Direito Penal,
coordenada sistematizao e pragmatismo na exposio das ideias. Com
essas caractersticas marcantes, no h dvida que este livro ir ocupar
o seu devido espao no cenrio ju- rdico nacional, fundamentalmente
porque escrito por um dos mais notveis professores na rea de
concursos pblicos.
- 10. 14 Para alm de desfrutar de uma lcida inteligncia e
admirvel agilida- de mental, Fernando Capez conta com invejvel
experincia docente, tendo lecionado com brilhantismo mpar no
Complexo Jurdico Damsio de Jesus no s a disciplina de Direito Penal
como tambm a de Direito Processual Penal. Tem ainda a virtude de
aliar a essa profcua atividade de ensino um conhecimento
tcnico-jurdico por todos reconhecido, conhecimento esse revelado no
s no fato de ter sido o primeiro colocado em seu concurso de
ingresso, seno e sobretudo no desempenho dirio das suas mltiplas
funes de Promotor de Justia. Atuando em defesa da cidadania, da
moralidade pblica e da tranqui- lidade de todos, notabilizou-se
como um dos mais dignos e respeitados representantes do Ministrio
Pblico paulista, que dele certamente deve orgulhar-se. Sendo
criador de um dos mais ecientes mtodos de estudo, autor de inmeros
trabalhos (de Direito Penal, Processo Penal, leis especiais, lei de
execuo penal etc.) voltados primordialmente para os candidatos que
se preparam para o ingresso em concursos pblicos, professor monitor
da Escola Superior do Ministrio Pblico, palestrante nato,
coordenador de cursos de ps-graduao, no h como deixar de admitir
seu extraordinrio cabedal para editar esta completa e
transcendental obra de Direito Penal, Parte Geral, que seguramente
ter a aceitao merecida de todos. So Paulo, outubro de 1999. Luiz
Flvio Gomes
- 11. 15 NDICE Sobre o Autor
....................................................................................
9 Nota do Autor
....................................................................................
11 Prefcio
.............................................................................................
13 11.
Introduo....................................................................................
19 1.1. Da concepo do Direito
Penal............................................. 19 1.2. Da funo
tico-social do Direito Penal ............................... 19
1.3. Objeto do Direito Penal
........................................................ 22 1.4. O
Direito Penal no Estado Democrtico de Direito.............. 22
1.4.1.O perl democrtico do Estado brasileiro. Distino entre Estado
de Direito e Estado Democrtico de Di-
reito..............................................................................
22 1.4.2.Princpios penais limitadores decorrentes da dignida- de
humana
...................................................................
28 1.5. Os limites do controle material do tipo
incriminador........... 45 1.6. Da Parte Geral do Cdigo Penal:
nalidade......................... 46 12. Fontes do Direito
Penal................................................................
47 2.1. Fonte formal
imediata...........................................................
48 2.2. Fontes formais mediatas
....................................................... 50 13.
Interpretao da lei
penal.............................................................
52 14.
Analogia.......................................................................................
53 15. Princpio da
legalidade.................................................................
56 16. Irretroatividade da lei
penal......................................................... 65
17. Leis de vigncia
temporria.........................................................
83 18. Tempo do crime e conito aparente de
normas........................... 88 19. Territorialidade da lei
penal brasileira ......................................... 100 10.
Extraterritorialidade da lei penal
brasileira.................................. 111 11. Eccia de
sentena estrangeira
.................................................. 120 12. Do lugar
do crime
........................................................................
122
- 12. 16 13. Contagem do
prazo......................................................................
131 14. Teoria do
crime............................................................................
134 15. Fato tpico
....................................................................................
136 15.1.
Conduta...............................................................................
136 15.1.1. Da conduta
omissiva............................................... 162 15.1.2.
Sujeitos da conduta tpica.......................................
167 15.1.3. Objeto jurdico e objeto
material............................ 176 15.2.
Resultado............................................................................
177 15.3. Nexo causal
........................................................................
178 15.4.
Tipicidade...........................................................................
209 16. O tipo penal nos crimes dolosos
.................................................. 223 17. O tipo
penal nos crimes
culposos................................................. 230 18.
Crime
preterdoloso.......................................................................
239 19. Erro de tipo
..................................................................................
243 20. Crime consumado
........................................................................
263 21. Tentativa (conatus)
......................................................................
266 22. Desistncia voluntria e arrependimento
ecaz........................... 271 23. Arrependimento posterior
............................................................ 274
24. Crime impossvel
.........................................................................
279 25. Classicao dos
crimes................................................................
286 26. Ilicitude
........................................................................................
293 27. Estado de
necessidade..................................................................
298 28. Legtima
defesa............................................................................
305 29. Estrito cumprimento do dever
legal............................................. 315 30. Exerccio
regular de
direito..........................................................
317 31.
Culpabilidade...............................................................................
323 31.1.
Imputabilidade....................................................................
331 31.2. Potencial conscincia da
ilicitude....................................... 347 31.3.
Exigibilidade de conduta
diversa........................................ 352 32. Concurso de
pessoas
....................................................................
359 33. Comunicabilidade e incomunicabilidade de elementares e cir-
cunstncias...................................................................................
379 34. Da sano penal
...........................................................................
384 35. Das penas privativas de liberdade
................................................ 386
- 13. 17 36. Das penas restritivas de
direitos................................................... 428 37.
Da pena de multa
.........................................................................
458 38. Das medidas de segurana
........................................................... 467 39.
Da aplicao da pena
...................................................................
474 40. Da reincidncia
............................................................................
500 41. Suspenso condicional da
pena.................................................... 507 42.
Livramento condicional
............................................................... 523
43. Efeitos da
condenao..................................................................
533 44.
Reabilitao..................................................................................
540 45. Concurso de
crimes......................................................................
544 45.1. 1Concurso material ou
real................................................. 544 45.2.
1Concurso formal ou
ideal.................................................. 546 45.3.
1Crime
continuado..............................................................
549 46. Limites de penas
..........................................................................
560 47. Ao
penal....................................................................................
563 48. Causas de extino da punibilidade
............................................. 588 48.1. 1Morte do
agente (inciso I).................................................
588 48.2. 1Anistia, graa e indulto (inciso II)
.................................... 590 48.3. 1Lei posterior que
deixa de considerar o fato criminoso 1abolitio
criminis................................................................
596 48.4. 1Renncia ao direito de
queixa........................................... 596 48.5. 1Perdo
do
ofendido...........................................................
598 48.6.
1Perempo.........................................................................
599 48.7. 1Retratao do
agente......................................................... 602
48.8. 1Casamento do agente com a vtima e casamento da vti- ma com
terceiro
................................................................
603 48.9. 1Perdo judicial
..................................................................
603 48.10.
Decadncia........................................................................
611 48.11.
Prescrio..........................................................................
613 48.11.1. Prescrio da pretenso punitiva (PPP)............... 616
48.11.2. Prescrio da pretenso executria (PPE)........... 633 48.12.
Prescrio na legislao especial......................................
637 Bibliograa
.......................................................................................
641
- 14. 19 1. INTRODUO 1.1. Da concepo do Direito Penal O Direito
Penal o segmento do ordenamento jurdico que detm a funo de
selecionar os comportamentos humanos mais graves e pernicio- sos
coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para
a convivncia social, e descrev-los como infraes penais,
cominando-lhes, em consequncia, as respectivas sanes, alm de
estabelecer todas as regras complementares e gerais necessrias sua
correta e justa aplicao. A cincia penal, por sua vez, tem por
escopo explicar a razo, a essn- cia e o alcance das normas
jurdicas, de forma sistemtica, estabelecendo critrios objetivos
para sua imposio e evitando, com isso, o arbtrio e o casusmo que
decorreriam da ausncia de padres e da subjetividade ilimi- tada na
sua aplicao. Mais ainda, busca a justia igualitria como meta maior,
adequando os dispositivos legais aos princpios constitucionais sen-
sveis que os regem, no permitindo a descrio como infraes penais de
condutas inofensivas ou de manifestaes livres a que todos tm
direito, mediante rgido controle de compatibilidade vertical entre
a norma incri- minadora e princpios como o da dignidade humana.
1.2. Da funo tico-social do Direito Penal A misso do Direito Penal
proteger os valores fundamentais para a subsistncia do corpo
social, tais como a vida, a sade, a liberdade, a pro- priedade
etc., denominados bens jurdicos. Essa proteo exercida no apenas
pela intimidao coletiva, mais conhecida como preveno geral e
exercida mediante a difuso do temor aos possveis infratores do
risco da sano penal, mas sobretudo pela celebrao de compromissos
ticos entre o Estado e o indivduo, pelos quais se consiga o
respeito s normas, menos por receio de punio e mais pela convico da
sua necessidade e justia. A natureza do Direito Penal de uma
sociedade pode ser aferida no momento da apreciao da conduta. Toda
ao humana est sujeita a dois aspectos valorativos diferentes. Pode
ser apreciada em face da lesividade do resultado que provocou
(desvalor do resultado) e de acordo com a repro- vabilidade da ao
em si mesma (desvalor da ao).
- 15. 20 Toda leso aos bens jurdicos tutelados pelo Direito Penal
acarreta um resultado indesejado, que valorado negativamente,
afinal foi ofendido um interesse relevante para a coletividade.
Isso no significa, porm, que a ao causadora da ofensa seja,
necessariamente, em si mesma sempre censurvel. De fato, no porque o
resultado foi lesivo que a conduta deva ser acoima- da de
reprovvel, pois devemos lembrar aqui os eventos danosos derivados
de caso fortuito, fora maior ou manifestaes absolutamente
involuntrias. A reprovao depende no apenas do desvalor do evento,
mas, acima de tudo, do comportamento consciente ou negligente do
seu autor. Ao ressaltar a viso puramente pragmtica, privilegiadora
do resulta- do, despreocupada em buscar a justa reprovao da
conduta, o Direito Penal assume o papel de mero difusor do medo e
da coero, deixando de preser- var os valores bsicos necessrios
coexistncia pacfica entre os integran- tes da sociedade poltica. A
viso pretensamente utilitria do direito rompe os compromissos ticos
assumidos com os cidados, tornando-os rivais e acarretando, com
isso, ao contrrio do que possa parecer, ineficcia no combate ao
crime. Por essa razo, o desvalor material do resultado s pode ser
coibido na medida em que evidenciado o desvalor da ao. Estabelece-
se um compromisso de lealdade entre o Estado e o cidado, pelo qual
as regras so cumpridas no apenas por coero, mas pelo compromisso
tico- social que se estabelece, mediante a vigncia de valores como
o respeito vida alheia, sade, liberdade, propriedade etc. Ao
prescrever e castigar qualquer leso aos deveres tico-sociais, o
Direito Penal acaba por exercer uma funo de formao do juzo tico dos
cidados, que passam a ter bem delineados quais os valores
essenciais para o convvio do homem em sociedade. Desse modo, em um
primeiro momento sabe-se que o ordenamento jurdico tutela o direito
vida, proibindo qualquer leso a esse direito, consubstanciado no
dever tico-social no matar. Quando esse manda- mento infringido, o
Estado tem o dever de acionar prontamente os seus mecanismos legais
para a efetiva imposio da sano penal transgresso no caso concreto,
revelando coletividade o valor que dedica ao interesse violado. Por
outro lado, na medida em que o Estado se torna vagaroso ou omisso,
ou mesmo injusto, dando tratamento dspar a situaes assemelha- das,
acaba por incutir na conscincia coletiva a pouca importncia que de-
dica aos valores ticos e sociais, afetando a crena na justia penal
e propi- ciando que a sociedade deixe de respeitar tais valores,
pois ele prprio se incumbiu de demonstrar sua pouca ou nenhuma
vontade no acatamento a tais deveres, atravs de sua morosidade,
ineficincia e omisso.
- 16. 21 Nesse instante, de pouco adianta o recrudescimento e a
draconizao de leis penais, porque o indivduo tender sempre ao
descumprimento, adotando postura individualista e canalizando sua
fora intelectual para subtrair-se aos mecanismos de coero. O que
era um dever tico absoluto passa a ser relativo em cada caso
concreto, de onde se conclui que uma administrao da justia penal
insegura em si mesma torna vacilante a vi- gncia dos deveres
sociais elementares, sacudindo todo o mundo do valor tico. Desse
contedo tico-social do Direito Penal resulta que sua misso primria
no a tutela atual, concreta dos bens jurdicos, como a proteo da
pessoa individualmente, a sua propriedade, mas sim, como ensina
Hans Welzel, ...asegurar la real vigencia (observancia) de los
valores de acto de la conciencia jurdica; ellos constituyen el
fundamento ms slido que sustenta el Estado y la sociedad. La mera
proteccin de bienes jurdicos tiene slo un fin preventivo, de
carcter policial y negativo. Por el contrario, la misin ms profunda
del Derecho Penal es de naturaleza tico-social y de carcter
positivo1 . Para Welzel, ...ms esencial que el amparo de los bienes
jurdicos particulares concretos es la misin de asegurar en los
ciudadanos el perma- nente acatamiento legal ante los bienes
jurdicos; es decir, la fidelidad frente al Estado, el respeto de la
persona2 . Em spera crtica concepo simblica e promocional do
Direito Penal, Welzel lembrou a Ordenana de 9 de maro de 1943,
expedida pelo Ministro da Justia do Reich visando reduzir o nmero
de pessoas no pertencentes raa ariana na Alemanha,
descriminalizou-se o aborto prati- cado por estrangeiras,
punindo-se apenas o cometido por alems. Aqu se demonstraron
visiblemente los lmites del pensar utilitario3 . O aborto era
incriminado no por causa de seu contedo moralmente reprovvel, nem
passou a ser permitido devido adequao ao novo sentimento social de
justia; muito ao contrrio, foi largamente empregado como meio de
reali- zao da poltica racista e discriminatria do regime nazista.
Como esperar, assim, acatamento espontneo a uma norma criada com
propsitos amorais? Diferentemente dessa desprezvel viso utilitria,
o Direito Penal deve ser 1. Derecho penal alemn, 11. ed., 4. ed.
castellana, trad. del alemn por los profesores Juan Bustos Ramrez y
Sergio Yaez Prez, Ed. Jurdica de Chile, 1997, p. 3. 2. La teora de
la accin finalista, trad. Eduardo Friker, BuenosAires, Depalma,
1951, p. 12. 3. La teora, cit., p. 12.
- 17. 22 compreendido no contexto de uma formao social, como
matria social e poltica, resultado de um processo de elaborao
legislativa com represen- tatividade popular e sensibilidade capaz
de captar tenses, conflitos e anseios sociais. 1.3. Objeto do
Direito Penal No tocante ao seu objeto, tem-se que o Direito Penal
somente pode dirigir os seus comandos legais, mandando ou proibindo
que se faa algo, ao homem, pois somente este capaz de executar aes
com conscincia do fim. Assim, lastreia-se o Direito Penal na
voluntariedade da conduta humana, na capacidade do homem para um
querer final. Desse modo, o mbito da normatividade jurdico-penal
limita-se s atividades finais huma- nas. Disso resulta a excluso do
mbito de aplicao do Direito Penal de seres como os animais, que no
tm conscincia do fim de seu agir, fazen- do-o por instinto, bem
como dos movimentos corporais causais, como os reflexos, no
dominveis pelo homem. Conclui-se, portanto, na lio de Welzel, que o
objeto de las normas penales es la conducta humana, esto es la
actividad o pasividad corporal del hombre sometida a la capacidad
de direccin final de la voluntad. Esta conducta puede ser una
accin, esto es, el ejercicio efectivo de actividad final, o la
omisin de una accin, esto es, el no ejercicio de una actividad
final posible. Para las normas del Derecho Penal la accin est con
mucho en primer plano, mientras que la omisin queda notoriamente en
un segun- do plano4 . 1.4. O Direito Penal no Estado Democrtico de
Direito 1.4.1. O perfil democrtico do Estado brasileiro. Distino
entre Estado de Direito e Estado Democrtico de Direito A Constituio
Federal brasileira, em seu art. 1, caput, definiu o per- fil
poltico-constitucional do Brasil como o de um Estado Democrtico de
Direito. Trata-se do mais importante dispositivo da Carta de 1988,
pois dele decorrem todos os princpios fundamentais de nosso Estado.
Estado Democrtico de Direito muito mais do que simplesmente Estado
de Direito. Este ltimo assegura a igualdade meramente formal 4.
Derecho penal alemn, cit., p. 38.
- 18. 23 entre os homens, e tem como caractersticas: (a) a
submisso de todos ao imprio da lei; (b) a diviso formal do exerccio
das funes derivadas do poder, entre os rgos executivos,
legislativos e judicirios, como forma de evitar a concentrao da
fora e combater o arbtrio; (c) o estabelecimento formal de
garantias individuais; (d) o povo como origem formal de todo e
qualquer poder; (e) a igualdade de todos perante a lei, na medida
em que esto submetidos s mesmas regras gerais, abstratas e
impessoais; (f) a igualdade meramente formal, sem atuao efetiva e
interventiva do Poder Pblico, no sentido de impedir distores
sociais de ordem material. Embora configurasse relevantssimo avano
no combate ao arbtrio do absolutismo monrquico, a expresso Estado
de Direito ainda carecia de um contedo social. Pela concepo
jurdico-positivista do liberalismo burgus, ungida da necessidade de
normas objetivas inflexveis, como nico mecanismo para conter o
arbtrio doAbsolutismo monrquico, considerava-se direito apenas
aquilo que se encontrava formalmente disposto no ordenamento legal,
sen- do desnecessrio qualquer juzo de valor acerca de seu contedo.
A busca da igualdade se contentava com a generalidade e
impessoalidade da norma, que garante a todos um tratamento
igualitrio, ainda que a sociedade seja totalmente injusta e
desigual. Tal viso defensiva do direito constitua um avano e uma
necessidade para a poca em que predominavam os abusos e mimos do
monarca sobre padres objetivos de segurana jurdica, de maneira que
se tornara uma obsesso da ascendente classe burguesa a busca da
igualdade por meio de normas gerais, realando-se a preocupao com a
rigidez e a inflexibilida- de das regras. Nesse contexto, qualquer
interpretao que refugisse viso literal do texto legal poderia ser
confundida com subjetivismo arbitrrio, o que favoreceu o surgimento
do positivismo jurdico como garantia do Es- tado de Direito. Por
outro lado, a igualdade formal, por si s, com o tempo, acabou
revelando-se uma garantia incua, pois, embora todos estivessem
submetidos ao imprio da letra da lei, no havia controle sobre seu
contedo material, o que levou substituio do arbtrio do rei pelo do
legislador. Em outras palavras: no Estado Formal de Direito, todos
so iguais porque a lei igual para todos e nada mais. No plano
concreto e social no existe interveno efetiva do Poder Pblico, pois
este j fez a sua parte ao assegurar a todos as mesmas chances, do
ponto de vista do aparato legal. De resto, cada um por si.
- 19. 24 Ocorre que as normas, embora genricas e impessoais,
podem ser socialmente injustas quanto ao seu contedo. perfeitamente
possvel um Estado de Direito, com leis iguais para todos, sem que,
no entanto, se reali- ze justia social. que no existe discusso
sobre os critrios de seleo de condutas delituosas feitos pelo
legislador. A lei no reconhece como crime uma situao preexistente,
mas, ao contrrio, cria o crime. No existe neces- sidade de se fixar
um contedo material para o fato tpico, pois a vontade suprema da
lei dotada de poder absoluto para eleger como tal o que bem
entender, sendo impossvel qualquer discusso acerca do seu contedo.
Diante disso, pode-se afirmar que a expresso Estado de Direito, por
si s, caracteriza a garantia incua de que todos esto submetidos ao
imp- rio da lei, cujo contedo fica em aberto, limitado apenas
impessoalidade e no violao de garantias individuais mnimas. Por
essa razo, nosso constituinte foi alm, afirmando que o Brasil no
apenas um Estado de Direito, mas um Estado Democrtico de Direito.
Verifica-se o Estado Democrtico de Direito no apenas pela procla-
mao formal da igualdade entre todos os homens, mas pela imposio de
metas e deveres quanto construo de uma sociedade livre, justa e
solid- ria; pela garantia do desenvolvimento nacional; pela
erradicao da pobre- za e da marginalizao; pela reduo das
desigualdades sociais e regionais; pela promoo do bem comum; pelo
combate ao preconceito de raa, cor, origem, sexo, idade e quaisquer
outras formas de discriminao (CF, art. 3, I a IV); pelo pluralismo
poltico e liberdade de expresso das ideias; pelo resgate da
cidadania, pela afirmao do povo como fonte nica do poder e pelo
respeito inarredvel da dignidade humana. Significa, portanto, no
apenas aquele que impe a submisso de todos ao imprio da mesma lei,
mas onde as leis possuam contedo e adequao social, descrevendo como
infraes penais somente os fatos que realmente colocam em perigo
bens jurdicos fundamentais para a sociedade. Sem esse contedo, a
norma se configurar como atentatria aos prin- cpios bsicos da
dignidade humana. A norma penal, portanto, em um Es- tado
Democrtico de Direito no somente aquela que formalmente des- creve
um fato como infrao penal, pouco importando se ele ofende ou no o
sentimento social de justia; ao contrrio, sob pena de colidir com a
Constituio, o tipo incriminador dever obrigatoriamente selecionar,
den- tre todos os comportamentos humanos, somente aqueles que
realmente possuem real lesividade social.
- 20. 25 Sendo o Brasil um Estado Democrtico de Direito, por
reflexo, seu direito penal h de ser legtimo, democrtico e obediente
aos princpios constitucionais que o informam, passando o tipo penal
a ser uma categoria aberta, cujo contedo deve ser preenchido em
consonncia com os princpios derivados deste perfil
poltico-constitucional. No se admitem mais critrios absolutos na
definio dos crimes, os quais passam a ter exigncias de ordem formal
(somente a lei pode descrev-los e cominar-lhes uma pena corres-
pondente) e material (o seu contedo deve ser questionado luz dos
prin- cpios constitucionais derivados do Estado Democrtico de
Direito). Pois bem. Do Estado Democrtico de Direito partem
princpios regra- dores dos mais diversos campos da atuao humana. No
que diz respeito ao mbito penal, h um gigantesco princpio a regular
e orientar todo o sistema, transformando-o em um direito penal
democrtico. Trata-se de um brao genrico e abrangente, que deriva
direta e imediatamente deste moderno perfil poltico do Estado
brasileiro, a partir do qual partem inmeros outros princpios
prprios afetos esfera criminal, que nele encontram guarida e
orientam o legislador na definio das condutas delituosas. Estamos
falan- do do princpio da dignidade humana (CF, art. 1, III).
Podemos, ento, afirmar que do Estado Democrtico de Direito parte o
princpio da dignidade humana, orientando toda a formao do Direito
Penal. Qualquer construo tpica, cujo contedo contrariar e afrontar
a dignidade humana, ser materialmente inconstitucional, posto que
atenta- tria ao prprio fundamento da existncia de nosso Estado.
Cabe ao operador do Direito exercer controle tcnico de verificao da
constitucionalidade de todo tipo penal e de toda adequao tpica, de
acordo com o seu contedo. Afrontoso dignidade humana, dever ser
expurgado do ordenamento jurdico. Em outras situaes, o tipo,
abstratamente, pode no ser contrrio Constituio, mas, em determinado
caso especfico, o enquadramento de uma conduta em sua definio pode
revelar-se atentatrio ao mandamento constitucional (por exemplo,
enquadrar no tipo do furto a subtrao de uma tampinha de
refrigerante). A dignidade humana, assim, orienta o legislador no
momento de criar um novo delito e o operador no instante em que vai
realizar a atividade de adequao tpica. Com isso, pode-se afirmar
que a norma penal em um Estado Demo- crtico de Direito no somente
aquela que formalmente descreve um fato como infrao penal, pouco
importando se ele ofende ou no o sen-
- 21. 26 timento social de justia; ao contrrio, sob pena de
colidir com a Consti- tuio, o tipo incriminador dever
obrigatoriamente selecionar, dentre todos os comportamentos
humanos, somente aqueles que realmente possuam lesividade social.
imperativo do Estado Democrtico de Direito a investigao onto- lgica
do tipo incriminador. Crime no apenas aquilo que o legislador diz
s-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode,
materialmen- te, ser considerada criminosa se, de algum modo, no
colocar em perigo valores fundamentais da sociedade. Imaginemos um
tipo com a seguinte descrio: manifestar ponto de vista contrrio ao
regime poltico dominante ou opinio contrria orien- tao poltica
dominante: Pena 6 meses a 1 ano de deteno. Evidentemente, a par de
estarem sendo obedecidas as garantias de exigncia de subsuno formal
e de veiculao em lei, materialmente este tipo no teria qualquer
subsistncia por ferir o princpio da dignidade hu- mana e,
consequentemente, no resistir ao controle de compatibilidade
vertical com os princpios insertos na ordem constitucional. Tipos
penais que se limitem a descrever formalmente infraes penais,
independentemente de sua efetiva potencialidade lesiva, atentam
contra a dignidade da pessoa humana. Nesse passo, convm lembrar a
lio de Celso Antnio Bandeira de Mello: Violar um princpio muito
mais grave do que transgredir uma norma. A desateno ao princpio
implica ofensa no apenas a um espec- fico mandamento obrigatrio,
mas a todo o sistema de comandos. a mais grave forma de ilegalidade
ou inconstitucionalidade, conforme o escalo do princpio atingido,
porque representa ingerncia contra todo o sistema, subverso de seus
valores fundamentais, contumlia irremissvel a seu ar- cabouo lgico
e corroso de sua estrutura mestra5 . Aplicar a justia de forma
plena, e no apenas formal, implica, por- tanto, aliar ao
ordenamento jurdico positivo a interpretao evolutiva, calcada nos
costumes e nas ordens normativas locais, erigidas sobre padres
culturais, morais e sociais de determinado grupo social ou que
estejam li- gados ao desempenho de determinada atividade. 5. Curso
de direito administrativo, 5. ed., So Paulo, Malheiros Ed., 1994,
p. 451.
- 22. 27 Os princpios constitucionais e as garantias individuais
devem atuar como balizas para a correta interpretao e a justa
aplicao das normas penais, no se podendo cogitar de uma aplicao
meramente robotizada dos tipos incriminadores, ditada pela
verificao rudimentar da adequao tpi- ca formal, descurando-se de
qualquer apreciao ontolgica do injusto. Da dignidade humana,
princpio genrico e reitor do Direito Penal, partem outros princpios
mais especficos, os quais so transportados dentro daquele princpio
maior, tal como passageiros de uma embarcao. Desta forma, do Estado
Democrtico de Direito parte o princpio rei- tor de todo o Direito
Penal, que o da dignidade humana, adequando-o ao perfil
constitucional do Brasil e erigindo-o categoria de Direito Penal
Democrtico. Da dignidade humana, por sua vez, derivam outros
princpios mais especficos, os quais propiciam um controle de
qualidade do tipo penal, isto , sobre o seu contedo, em inmeras
situaes especficas da vida concreta. Os mais importantes princpios
penais derivados da dignidade humana so: legalidade,
insignificncia, alteridade, confiana, adequao social, interveno
mnima, fragmentariedade, proporcionalidade, humanidade, necessidade
e ofensividade. De pouco adiantaria assegurar ao cidado a garantia
de submisso do poder persecutrio exigncia prvia da definio legal,
se o legislador tivesse liberdade para eleger de modo autoritrio e
livre de balizas quais os bens jurdicos merecedores de proteo, ou
seja, se pudesse, a seu bel-pra- zer, escolher, sem limites
impostos por princpios maiores, o que vai ser e o que no vai ser
crime. O Direito Penal muito mais do que um instrumento opressivo
em defesa do aparelho estatal. Exerce uma funo de ordenao dos
contatos sociais, estimulando prticas positivas e refreando as
perniciosas e, por essa razo, no pode ser fruto de uma elucubrao
abstrata ou da necessidade de atender a momentneos apelos
demaggicos, mas, ao contrrio, refletir, com mtodo e cincia, o justo
anseio social. Com base nessas premissas, deve-se estabelecer uma
limitao elei- o de bens jurdicos por parte do legislador, ou seja,
no todo e qualquer interesse que pode ser selecionado para ser
defendido pelo Direito Penal, mas to somente aquele reconhecido e
valorado pelo Direito, de acordo com seus princpios reitores. O
tipo penal est sujeito a um permanente controle prvio (ex ante), no
sentido de que o legislador deve guiar-se pelos valores consagrados
pela
- 23. 28 dialtica social, cultural e histrica, conformada ao
esprito da Constituio, e a um controle posterior, estando sujeito
ao controle de constitucionalida- de concentrado e difuso. A funo
da norma a proteo de bens jurdicos a partir da soluo dos conflitos
sociais, razo pela qual a conduta somente ser considerada tpica se
criar uma situao de real perigo para a coletividade. De todo o
exposto, podemos extrair as seguintes consideraes: 1. O Direito
Penal brasileiro somente pode ser concebido luz do perfil
constitucional do Estado Democrtico de Direito, devendo, portanto,
ser um direito penal democrtico. 2. Do Estado Democrtico de Direito
parte um gigantesco tentculo, a regular todo o sistema penal, que o
princpio da dignidade humana, de modo que toda incriminao contrria
ao mesmo substancialmente in- constitucional. 3. Da dignidade
humana derivam princpios constitucionais do Direi- to Penal, cuja
funo estabelecer limites liberdade de seleo tpica do legislador,
buscando, com isso, uma definio material do crime. 4. Esses
contornos tornam o tipo legal uma estrutura bem distinta da concepo
meramente descritiva do incio do sculo passado, de modo que o
processo de adequao de um fato passa a submeter-se rgida apreciao
axiolgica. 5. O legislador, no momento de escolher os interesses
que merecero a tutela penal, bem como o operador do direito, no
instante em que vai proceder adequao tpica, devem, forosamente,
verificar se o conte- do material daquela conduta atenta contra a
dignidade humana ou os princpios que dela derivam. Em caso
positivo, estar manifestada a inconstitucionalidade substancial da
norma ou daquele enquadramento, devendo ser exercitado o controle
tcnico, afirmando a incompatibilidade vertical com o Texto Magno.
6. A criao do tipo e a adequao concreta da conduta ao tipo devem
operar-se em consonncia com os princpios constitucionais do Direito
Penal, os quais derivam da dignidade humana que, por sua vez,
encontra fundamento no Estado Democrtico de Direito. 1.4.2.
Princpios penais limitadores decorrentes da dignidade humana No
Estado Democrtico de Direito necessrio que a conduta consi- derada
criminosa tenha realmente contedo de crime. Crime no apenas
- 24. 29 aquilo que o legislador diz s-lo (conceito formal), uma
vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada
criminosa se, de algum modo, no colocar em perigo valores
fundamentais da sociedade. Da dignidade nascem os demais princpios
orientadores e limitadores do Direito Penal, dentre os quais
merecem destaque: a) Insignificncia ou bagatela: originrio do
Direito Romano, e de cunho civilista, tal princpio funda-se no
conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou
sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista
sua utilidade na realizao dos objetivos sociais traados pela
moderna poltica criminal. Segundo tal princpio, o Direito Penal no
deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que no podem ser
admitidos tipos incrimina- dores que descrevam condutas incapazes
de lesar o bem jurdico. A tipicidade penal exige um mnimo de
lesividade ao bem jurdico protegido, pois inconcebvel que o
legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas
totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o in- teresse
protegido. Se a finalidade do tipo penal tutelar um bem jurdico,
sempre que a leso for insignificante, a ponto de se tornar incapaz
de lesar o interesse protegido, no haver adequao tpica. que no tipo
no esto descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado,
razo pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados
fatos atpicos. O Superior Tribunal de Justia, por intermdio de sua
5 Turma, tem reconhecido a tese da excluso da tipicidade nos
chamados delitos de ba- gatela, aos quais se aplica o princpio da
insignificncia, dado que lei no cabe preocupar-se com infraes de
pouca monta, insuscetveis de causar o mais nfimo dano coletividade6
. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, assentou algumas cir-
cunstncias que devem orientar a aferio do relevo material da
tipicida- de penal, tais como: (a) a mnima ofensividade da conduta
do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ao, (c) o
reduzidssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a
inexpressividade da leso jur- 6. Nesse sentido: REsp 234.271, Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU, 8-5-2000, p. 115; REsp 235.015, Rel. Min.
Edson Vidigal, DJU, 8-5-2000, p. 116.
- 25. 30 dica provocada7 . Assim, j se considerou que no se deve
levar em con- ta apenas e to somente o valor subtrado (ou
pretendido subtrao) como parmetro para aplicao do princpio da
insignificncia. Do contrrio, por bvio, deixaria de haver a
modalidade tentada de vrios crimes, como no prprio exemplo do furto
simples, bem como desapareceria do orde- namento jurdico a figura
do furto privilegiado (CP, art. 155, 2). (...) O critrio da
tipicidade material dever levar em considerao a importncia do bem
jurdico possivelmente atingido no caso concreto. No caso em tela, a
leso se revelou significante no obstante o bem subtrado ser in-
ferior ao valor do salrio mnimo. Vale ressaltar que h informao nos
autos de que o valor subtrado representava todo o valor encontrado
no caixa, sendo fruto do trabalho do lesado que, passada a
meia-noite, ainda mantinha o trailer aberto para garantir uma
sobrevivncia honesta8 . No se pode, porm, confundir delito
insignificante ou de bagatela com crimes de menor potencial
ofensivo. Estes ltimos so definidos pelo art. 61 da Lei n. 9.099/95
e submetem-se aos Juizados Especiais Criminais, sendo que neles a
ofensa no pode ser acoimada de insignificante, pois possui
gravidade ao menos perceptvel socialmente, no podendo falar-se em
aplicao desse princpio. O princpio da insignificncia no aplicado no
plano abstrato. No se pode, por exemplo, afirmar que todas as
contravenes penais so insignificantes, pois, dependendo do caso
concreto, isto no se pode revelar verdadeiro. Andar pelas ruas
armado com uma faca um fato con- travencional que no pode ser
considerado insignificante. So de menor potencial ofensivo,
submetem-se ao procedimento sumarssimo, beneficiam- se de
institutos despenalizadores (transao penal, suspenso condicional do
processo etc.), mas no so, a priori, insignificantes. Tal princpio
dever ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as suas
especificidades. O furto, abstratamente, no uma bagatela, mas a
subtrao de um chiclete pode ser. Em outras palavras, nem toda
conduta subsumvel ao art. 155 do Cdigo Penal alcanada por este
prin- cpio, algumas sim, outras no. um princpio aplicvel no plano
concreto, portanto. Da mesma forma, vale notar que o furto de um
automvel jamais ser insignificante, mesmo que, diante do patrimnio
da vtima, o valor seja 7. STF, 1 Turma, HC 94.439/RS, Rel. Min.
Menezes Direito, j. 3-3-2009. 8. STF, 2 Turma, RHC 96.813/RJ, Rel.
Min. Ellen Gracie, j. 31-3-2009.
- 26. 31 pequeno quando cotejado com os seus demais bens. A
respeito do furto, vale trazer baila alguns julgados do Supremo
Tribunal Federal: tratando- -se de furto de dois botijes de gs
vazios, avaliados em 40,00 (quarenta reais), no revela o
comportamento do agente lesividade suficiente para justificar a
condenao, aplicvel, destarte, o princpio da insignificncia9 . Da
mesma maneira, a conduta perpetrada pelo agente tentativa de furto
qualificado de dois frascos de xampu, no valor total de R$ 6,64
(seis reais e sessenta e quatro centavos) , insere-se na concepo
doutrinria e ju- risprudencial de crime de bagatela (STJ, 5 Turma,
HC 123.981/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 17-3-2009, DJe,
13-4-2009). E, ainda: A subtrao de gneros alimentcios avaliados em
R$ 84,46, embora se amolde definio jurdica do crime de furto, no
ultrapassa o exame da tipicidade material, uma vez que a
ofensividade da conduta se mostrou mnima; no houve nenhuma
periculosidade social da ao; a reprovabilidade do comportamen- to
foi de grau reduzidssimo e a leso ao bem jurdico se revelou
inexpres- siva, porquanto os bens foram restitudos10 . Com relao
aplicao desse princpio, nos crimes contra a admi- nistrao pblica,
no existe razo para negar incidncia nas hipteses em que a leso ao
errio for de nfima monta. o caso do funcionrio pbli- co que leva
para casa algumas folhas, um punhado de clips ou uma bor- racha,
apropriando-se de tais bens. Como o Direito Penal tutela bens ju-
rdicos, e no a moral, objetivamente o fato ser atpico, dada a sua
irre- levncia11 . No crime de leses corporais, em que se tutela bem
indispon- vel, se as leses forem insignificantes, como mera
vermelhido provoca- da por um belisco, tambm no h que se negar a
aplicao do mencio- nado princpio. 9. STF, AgRg no REsp 1043525/SP,
Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 16-4-2009, DJe 4-5- 2009. 10. STJ, 5
Turma, HC 110.932/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 10-3-2009,
DJe, 6-4-2009. 11. Em sentido contrrio, j decidiu o Superior
Tribunal de Justia, sob o argumento de que a norma busca resguardar
no somente o aspecto patrimonial, mas moral da Admi- nistrao (STJ,
6 T., HC 50863/PE, Rel. Min. Hlio Quaglia Barbosa, j. 4-4-2006, DJ,
26-6-2006, p. 216). No mesmo sentido, j se manifestou o Supremo
Tribunal Federal no sentido de que, em tais casos descabe agasalhar
o princpio da insignificncia consoan- te o qual ho de ser levados
em conta a qualificao do agente e os valores envolvidos quando se
trata de prefeito e de coisa pblica (STF, 1 Turma, HC 88.941/AL,
Rel. Min. Marco Aurlio, j. 19-8-2008).
- 27. 32 Na hiptese de crime de descaminho de bens, sero
arquivados os autos das execues fiscais de dbitos inscritos como
DvidaAtiva da Unio inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) (cf.
art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redao determinada pela Lei n.
11.033/2004). Assim, no caso de o dbito tributrio e a multa no
excederem a esse valor, a Fazenda Pblica est autorizada a se
recusar a efetuar a cobrana em juzo, sob o argumento de que a
irrisria quantia no compensa a instaurao de um executivo fiscal, o
que levou o Superior Tribunal de Justia a considerar atpico o fato,
por influxo do princpio da insignificncia12 . H, finalmente,
julgado da Suprema Corte no sentido de que, em ma- tria ambiental,
surgindo a insignificncia do ato em razo do bem protegi- do,
impe-se a absolvio do acusado13 . De forma contrria, j se decidiu
que a preservao ambiental deve ser feita de forma preventiva e
repressi- va, em benefcio de prximas geraes, sendo intolervel a
prtica reiterada de pequenas aes contra o meio ambiente, que, se
consentida, pode resul- tar na sua inteira destruio e em danos
irreversveis14 . b) Alteridade ou transcendentalidade: probe a
incriminao de atitude meramente interna, subjetiva do agente e que,
por essa razo, reve- la-se incapaz de lesionar o bem jurdico. O
fato tpico pressupe um com- portamento que transcenda a esfera
individual do autor e seja capaz de atingir o interesse do outro
(altero). Ningum pode ser punido por ter feito mal s a si mesmo. No
h lgica em punir o suicida frustrado ou a pessoa que se aoita, na
lgubre solido de seu quarto. Se a conduta se esgota na esfera do
prprio autor, no h fato tpico. Tal princpio foi desenvolvido por
Claus Roxin, segundo o qual s pode ser castigado aquele
comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que no seja
simplesmente pecaminoso ou imoral. conduta puramente interna, ou
puramente individual seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou
diferente , falta a lesividade que pode legitimar a inter- veno
penal15 . 12. STF, 2 Turma, HC 96.374/PR, Rel. Min. Ellen Gracie,
j. 31-3-2009. 13. STF, Tribunal Pleno, AP 439/SP, Rel. Min. Marco
Aurlio, j. 12-6-2008. 14. TRF, 1 Regio, ACR 2003.34.00.019634-0/DF,
3 Turma, Rel. Des. Olindo Me- nezes, j. 14-2-2006. 15. Cf. Nilo
Batista, Introduo, cit., p. 91.
- 28. 33 Por essa razo, a autoleso no crime, salvo quando houver
inteno de prejudicar terceiros, como na autoagresso cometida com o
fim de frau- de ao seguro, em que a instituio seguradora ser vtima
de estelionato (CP, art. 171, 2, V). No delito previsto no art. 28
da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 200616 , poder-se-ia alegar
ofensa a este princpio, pois quem usa droga s est fa- zendo mal a
prpria sade, o que no justificaria uma intromisso repressi- va do
Estado (os drogados costumam dizer: se eu uso droga, ningum tem
nada a ver com isso, pois o nico prejudicado sou eu). Tal argumento
no convence. A Lei n. 11.343/2006 no tipifica a ao de usar a droga,
mas apenas o porte, pois o que a lei visa coibir o perigo social
representado pela de- teno, evitando facilitar a circulao da
substncia entorpecente pela so- ciedade, ainda que a finalidade do
sujeito seja apenas a de uso prprio. Assim, existe
transcendentalidade na conduta e perigo para a sade da co-
letividade, bem jurdico tutelado pela norma do art. 28.
Interessante questo ser a de quem consome imediatamente a subs-
tncia, sem port-la por mais tempo do que o estritamente necessrio
para o uso. Nesta hiptese o STF decidiu: no constitui delito de
posse de dro- ga para uso prprio a conduta de quem, recebendo de
terceiro a droga, para uso prprio, incontinenti a consome17 . Neste
caso no houve deteno, nem perigo social, mas simplesmente o uso. Se
houvesse crime, a pessoa estaria sendo castigada pelo Poder Pblico,
por ter feito mal sua sade e a de mais ningum. No se pode confundir
a conduta de portar para uso futuro com a de portar enquanto usa.
Somente na primeira hiptese estar configurado 16. A nova Lei de
Txicos, publicada em 24 de agosto de 2006, entrou em vigor 45 dias
aps sua publicao, revogando expressamente as Leis n. 6.368/76 e n.
10.409/2002. A antiga conduta prevista no art. 16 da Lei n.
6.368/76 passou a ser objeto do art. 28 da nova lei, a qual vedou a
imposio de pena privativa de liberdade ao usurio, impondo-lhe, no
entanto, medidas educativas (advertncia sobre os efeitos da droga,
prestao de servios comunidade e medida educativa de comparecimento
a programa ou curso educativo). Men- cione-se que: s mesmas medidas
submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe
plantas destinadas preparao de pequena quantidade de substncia ou
produto capaz de causar dependncia fsica ou psquica (art. 28, 1).
Tal conduta constitua fato atpico na antiga Lei de Txicos, embora
houvesse quem a enquadrasse no art. 16 ou no art. 12, 1, I, da Lei
n. 6.368/76, o que gerava discusso. 17. STF, 1 Turma, HC 189/SP, j.
12-12-2000, DJU, 9-3-2001, p. 103, Phoenix n. 14, maio/2001, rgo
informativo do Complexo Jurdico Damsio de Jesus.
- 29. 34 o crime do art. 28 da Lei de Drogas. Quem detm a droga
somente durante o tempo estritamente necessrio em que a consome
limita-se a utiliz-la em prejuzo de sua prpria sade, sem provocar
danos a interesses de terceiros, de modo que o fato atpico por
influxo do princpio da alteridade. O princpio da alteridade veda
tambm a incriminao do pensamento (pensiero non paga gabella) ou de
condutas moralmente censurveis, mas incapazes de penetrar na esfera
do altero. O bem jurdico tutelado pela norma , portanto, o
interesse de terceiros, pois seria inconcebvel provocar a
intervenincia criminal repressiva contra algum que est fazendo
apenas mal a si mesmo, como, por exemplo, punir- -se um suicida
malsucedido com pena pecuniria, corporal ou at mesmo capital. c)
Confiana: trata-se de requisito para a existncia do fato tpico, no
devendo ser relegado para o exame da culpabilidade. Funda-se na
premissa de que todos devem esperar por parte das outras pessoas
que estas sejam responsveis e ajam de acordo com as normas da
sociedade, visando a evitar danos a terceiros. Por essa razo,
consiste na realizao da conduta, na confiana de que o outro atuar
de um modo nor- mal j esperado, baseando-se na justa expectativa de
que o comportamento das outras pessoas se dar de acordo com o que
normalmente acontece. Por exemplo: nas intervenes mdico-cirrgicas,
o cirurgio tem de confiar na assistncia correta que costuma receber
dos seus auxiliares, de maneira que, se a enfermeira lhe passa uma
injeo com medicamento tro- cado e, em face disso, o paciente vem a
falecer, no haver conduta culposa por parte do mdico, pois no foi
sua ao mas sim a de sua auxiliar que violou o dever objetivo de
cuidado. O mdico ministrou a droga fatal impe- lido pela natural e
esperada confiana depositada em sua funcionria. Outro exemplo o do
motorista que, trafegando pela preferencial, passa por um
cruzamento, na confiana de que o veculo da via secundria aguardar
sua passagem. No caso de um acidente, no ter agido com culpa18 . A
vida social se tornaria extremamente dificultosa se cada um tivesse
de vigiar o comportamento do outro, para verificar se est cumprindo
todos os seus deveres de cuidado; por conseguinte, no realiza
conduta tpica aquele que, agindo de acordo com o direito, acaba por
envolver-se em situa- o em que um terceiro descumpriu seu dever de
lealdade e cuidado. 18. Cf. Hans Welzel, Derecho penal alemn, 4.
ed., cit., p. 159.
- 30. 35 O princpio da confiana, contudo, no se aplica quando era
funo do agente compensar eventual comportamento defeituoso de
terceiros. Por exemplo: um motorista que passa bem ao lado de um
ciclista no tem por que esperar uma sbita guinada do mesmo em sua
direo, mas deveria ter se acautelado para que no passasse to
prximo, a ponto de criar uma si- tuao de perigo19 . Como atuou
quebrando uma expectativa social de cui- dado, a confiana que
depositou na vtima qualifica-se como proibida: o chamado abuso da
situao de confiana. Deste modo, surge a confiana permitida, que
aquela que decorre do normal desempenho das atividades sociais,
dentro do papel que se espera de cada um, a qual exclui a
tipicidade da conduta, em caso de comporta- mento irregular
inesperado de terceiro; e a confiana proibida, quando o autor no
deveria ter depositado no outro toda a expectativa, agindo no li-
mite do que lhe era permitido, com ntido esprito emulativo. Em
suma, se o comportamento do agente se deu dentro do que dele se
esperava, a confiana permitida; quando h abuso de sua parte em
usufruir da posio que desfruta incorrer em fato tpico. d) Adequao
social: todo comportamento que, a despeito de ser con- siderado
criminoso pela lei, no afrontar o sentimento social de justia
(aqui- lo que a sociedade tem por justo) no pode ser considerado
criminoso. Para essa teoria, o Direito Penal somente tipifica
condutas que tenham certa relevncia social. O tipo penal pressupe
uma atividade seletiva de comportamento, escolhendo somente aqueles
que sejam contrrios e nocivos ao interesse pblico, para serem
erigidos categoria de infraes penais; por conseguinte, as condutas
aceitas socialmente e consideradas normais no podem sofrer este
tipo de valorao negativa, sob pena de a lei incrimi- nadora padecer
do vcio de inconstitucionalidade. Por isso que Jakobs afirma que
determinadas formas de atividade permitida no podem ser
incriminadas, uma vez que se tornaram consagra- das pelo uso
histrico, isto , costumeiro, aceitando-se como socialmente
adequadas20 . No se pode confundir o princpio em anlise com o da
insignificncia. Na adequao social, a conduta deixa de ser punida
por no mais ser con- 19. Gunther Jakobs, Derecho penal; parte
general, 2. ed., Madrid, Marcial Pons, 1997, p. 255. 20. Derecho
penal, cit., p. 244.
- 31. 36 siderada injusta pela sociedade; na insignificncia, a
conduta considerada injusta, mas de escassa lesividade. Critica-se
essa teoria porque, em primeiro lugar, costume no revoga lei, e, em
segundo, porque no pode o juiz substituir-se ao legislador e dar
por revogada uma lei incriminadora em plena vigncia, sob pena de
afron- ta ao princpio constitucional da separao dos poderes,
devendo a ativida- de fiscalizadora do juiz ser suplementar e, em
casos extremos, de clara atuao abusiva do legislador na criao do
tipo. Alm disso, o conceito de adequao social um tanto quanto vago
e impreciso, criando insegurana e excesso de subjetividade na
anlise material do tipo, no se ajustando por isso s exigncias da
moderna dogmtica penal. Entretanto, foroso reconhecer que, embora o
conceito de adequao social no possa ser aceito com exclusividade,
atualmente impossvel deixar de reconhecer sua importncia na
interpretao da subsuno de um fato concreto a um tipo penal. Atuando
ao lado de outros princpios, pode levar excluso da tipicidade. e)
Interveno mnima21 : assenta-se na Declarao de Direitos do Homem e
do Cidado, de 1789, cujo art. 8 determinou que a lei s deve prever
as penas estritamente necessrias. A interveno mnima tem como ponto
de partida a caracterstica da fragmentariedade do Direito Penal.
Este se apresenta por meio de pequenos flashs, que so pontos de luz
na escurido do universo. Trata-se de um gi- gantesco oceano de
irrelevncia, ponteado por ilhas de tipicidade, enquan- to o crime
um nufrago deriva, procurando uma poro de terra na qual se possa
achegar. Somente haver Direito Penal naqueles raros episdios tpicos
em que a lei descreve um fato como crime; ao contrrio, quando ela
nada disser, no haver espao para a atuao criminal. Nisso, alis,
consiste a principal proteo poltica do cidado em face do poder
punitivo estatal, qual seja, a de que somente poder ter invadida
sua esfera de liberdade, se realizar uma conduta descrita em um
daqueles raros pontos onde a lei definiu a existn- cia de uma
infrao penal. 21. Cf., a respeito, Maura Roberti, A interveno mnima
como princpio no direito penal brasileiro, Porto Alegre: Sergio A.
Fabris, Editor, 2001.
- 32. 37 Ou o autor recai sobre um dos tipos, ou se perde no
vazio infinito da ausncia de previso e refoge incidncia punitiva. O
sistema , portanto, descontnuo, fragmentado (um tipo aqui, um tipo
ali, outro l e assim por diante). Por outro lado, esta seleo, a
despeito de excepcional, feita sem nenhum mtodo cientfico,
atendendo apenas aos reclamos momentneos da opinio pblica, da mdia
e das necessidades impostas pela classe domi- nante, conforme bem
ressaltou Juarez Tavares, em cida crtica ao sistema legiferante:
Analisando atentamente o processo de elaborao das normas
incriminadoras, a partir primeiramente do dado histrico e depois do
obje- tivo jurdico por elas perseguido, bem como o prprio enunciado
tpico das aes proibidas ou mandadas, chega-se concluso inicial,
embora trgica, de que efetivamente, na maioria das vezes, no h
critrios para essa elabo- rao. Isto pode parecer panfletrio,
primeira vista, mas retrata fielmente a atividade de elaborao
legislativa. Estudos de Haferkamp na Alemanha e Weinberger na Frana
demonstram que, com a institucionalizao do poder poltico, a
elaborao das normas se expressa como evento do jogo de poder
efetuado no marco das foras hegemnicas atuantes no Parlamen- to. A
norma, portanto, deixaria de exprimir o to propalado interesse
geral, cuja simbolizao aparece como justificativa do princpio
representativo para significar, muitas vezes, simples manifestao de
interesses partidrios, sem qualquer vnculo com a real necessidade
da nao22 . Alm disso, as descries so abstratas, objetivas e
impessoais, alcan- ando uma gigantesca gama de situaes bem diversas
entre si. Os tipos nesse sistema fragmentrio transportam desde
gravssimas violaes ope- radas no caso concreto at nfimas agresses.
Quando se descreve como infrao penal subtrair para si ou para
outrem coisa alheia mvel, incri- mina-se tanto o furto de centenas
de milhes de uma instituio bancria, com nefastas consequncias para
milhares de correntistas, quanto a subtra- o de uma estatueta oca
de gesso em uma feira de artesanato. O tipo do furto uma nuvem
incriminadora na imensido do cu de atipicidade, mas o mtodo
abstrato, que tem a vantagem da impessoalidade, tem o desconforto
de alcanar comportamentos de toda a ordem, mesmo contando com
descrio taxativa. A imperfeio no decorre da construo abstrata do
tipo, mas da fragmentariedade do sistema criminalizador, totalmente
dependente de previses genricas, abstratas e abrangentes, incapazes
de, por si ss, dis- 22. Critrios de seleo de crimes e cominao de
penas, p. 73-74.
- 33. 38 tinguirem entre os fatos relevantes e os irrelevantes
que nela formalmente se subsumem. Alm de defeituoso o sistema de
criao normativa e da excessiva abran- gncia dos modelos objetivos,
os quais no levam em considerao a dispari- dade das situaes
concretas, concorre ainda a panaceia cultural que faz surgir,
dentro do mesmo pas, inmeras naes, com costumes, tradies e
conceitos bem diversos, mas submetidas mesma ordem de incriminao
abstrata. Nesse triplo problema dficit do sistema tipificador,
diversidade cultural e abrangncia demasiada de casos concretamente
diversos, mas abstratamente idnticos , insere-se o carter
fragmentrio do Direito Penal, fincando a questo: Como solucionar,
por meio de descries pon- tuais e abstratas, todos os variados
problemas reais? A resposta se impe, com o reconhecimento prvio da
existncia da fragmentariedade e da necessidade de empregar critrios
reparadores das falhas de todo o sistema, dentre os quais a
interveno mnima. Somente assim ser possvel compensar o alcance
excessivamente incriminador de hipteses concretas to
quantitativamente diversas do pon- to de vista da danosidade
social. A interveno mnima tem, por conseguinte, dois destinatrios
prin- cipais. Ao legislador o princpio exige cautela no momento de
eleger as con- dutas que merecero punio criminal, abstendo-se de
incriminar qualquer comportamento. Somente aqueles que, segundo
comprovada experincia anterior, no puderam ser convenientemente
contidos pela aplicao de outros ramos do direito devero ser
catalogados como crimes em modelos descritivos legais. Ao operador
do Direito recomenda-se no proceder ao enquadramen- to tpico,
quando notar que aquela pendncia pode ser satisfatoriamente
resolvida com a atuao de outros ramos menos agressivos do
ordenamen- to jurdico.Assim, se a demisso com justa causa pacifica
o conflito gerado pelo pequeno furto cometido pelo empregado, o
direito trabalhista tornou inoportuno o ingresso do penal. Se o
furto de um chocolate em um super- mercado j foi solucionado com o
pagamento do dbito e a expulso do inconveniente fregus, no h
necessidade de movimentar a mquina per- secutria do Estado, to
assoberbada com a criminalidade violenta, a orga- nizada, o
narcotrfico e as dilapidaes ao errio. Da interveno mnima decorre,
como corolrio indestacvel, a carac- terstica de subsidiariedade.
Com efeito, o ramo penal s deve atuar quando
- 34. 39 os demais campos do Direito, os controles formais e
sociais tenham perdido a eficcia e no sejam capazes de exercer essa
tutela. Sua interveno s deve operar quando fracassam as demais
barreiras protetoras do bem jurdico predispostas por outros ramos
do Direito. Pressupe, portanto, que a inter- veno repressiva no
crculo jurdico dos cidados s tenha sentido como imperativo de
necessidade, isto , quando a pena se mostrar como nico e ltimo
recurso para a proteo do bem jurdico, cedendo a cincia criminal a
tutela imediata dos valores primordiais da convivncia humana a
outros campos do Direito, e atuando somente em ltimo caso (ultima
ratio)23 . Se existe um recurso mais suave em condies de solucionar
plenamen- te o conflito, torna-se abusivo e desnecessrio aplicar
outro mais traumtico. A interveno mnima e o carter subsidirio do
Direito Penal decor- rem da dignidade humana, pressuposto do Estado
Democrtico de Direito, e so uma exigncia para a distribuio mais
equilibrada da justia. f) Proporcionalidade: alm de encontrar
assento na imperativa exi- gncia de respeito dignidade humana, tal
princpio aparece insculpido em diversas passagens de nosso Texto
Constitucional, quando abole certos tipos de sanes (art. 5, XLVII),
exige individualizao da pena (art. 5, XLVI), maior rigor para casos
de maior gravidade (art. 5, XLII, XLIII e XLIV) e moderao para
infraes menos graves (art. 98, I). Baseia-se na relao
custo-benefcio. Toda vez que o legislador cria um novo delito, impe
um nus so- ciedade, decorrente da ameaa de punio que passa a pairar
sobre todos os cidados. Uma sociedade incriminadora uma sociedade
invasiva, que limita em demasia a liberdade das pessoas. Por outro
lado, esse nus compensado pela vantagem de proteo do interesse
tutelado pelo tipo incriminador. A sociedade v limitados certos
comportamentos, ante a cominao da pena, mas tambm desfruta de uma
tutela a certos bens, os quais ficaro sob a guarda do Direito
Penal. Para o princpio da proporcionalidade, quando o custo for
maior do que a vantagem, o tipo ser inconstitucional, porque
contrrio ao Estado Democrtico de Direito. Em outras palavras: a
criao de tipos incriminadores deve ser uma atividade compensadora
para os membros da coletividade. 23. Cf. Nilo Batista, Introduo,
cit., p. 84.
- 35. 40 Com efeito, um Direito Penal democrtico no pode conceber
uma incriminao que traga mais temor, mais nus, mais limitao social
do que benefcio coletividade. Somente se pode falar na tipificao de
um comportamento humano, na medida em que isto se revele vantajoso
em uma relao de custos e be- nefcios sociais. Em outras palavras,
com a transformao de uma conduta em infrao penal impe-se a toda
coletividade uma limitao, a qual pre- cisa ser compensada por uma
efetiva vantagem: ter um relevante interesse tutelado penalmente.
Quando a criao do tipo no se revelar proveitosa para a sociedade,
estar ferido o princpio da proporcionalidade, devendo a descrio
legal ser expurgada do ordenamento jurdico por vcio de
inconstitucionalidade. Alm disso, a pena, isto , a resposta
punitiva estatal ao crime, deve guardar proporo com o mal infligido
ao corpo social. Deve ser proporcional extenso do dano, no se
admitindo penas idnticas para crimes de lesivi- dades distintas, ou
para infraes dolosas e culposas. Exemplo da aplicao do princpio da
proporcionalidade ocorreu no julgamento de umaAo Direta de
Inconstitucionalidade, na qual o Supremo Tribunal Federal
suspendeu, por liminar, os efeitos da Medida Provisria n.
2.045/2000, que proibia o registro de armas de fogo, por considerar
no haver proporcionalidade entre os custos sociais como desemprego
e perda de arrecadao tributria e os benefcios que compensassem o
sacrifcio24 . Necessrio, portanto, para que a sociedade suporte os
custos sociais de tipificaes limitadoras da prtica de determinadas
condutas, que se demonstre a utilidade da incriminao para a defesa
do bem jurdico que se quer proteger, bem como a sua relevncia em
cotejo com a natureza e quan- tidade da sano cominada. g)
Humanidade: a vedao constitucional da tortura e de tratamento
desumano ou degradante a qualquer pessoa (art. 5, III), a proibio
da pena de morte, da priso perptua, de trabalhos forados, de
banimento e das penas cruis (art. 5, XLVII), o respeito e proteo
figura do preso (art. 5, XLVIII, XLIX e L) e ainda normas
disciplinadoras da priso processual (art. 5, LXI, LXII, LXIII,
LXIV, LXV e LXVI), apenas para citar alguns casos, impem ao
legislador e ao intrprete mecanismos de controle de tipos legais.
24. ADInMC 2.290-DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 18-10-2000,
Informativo STF n. 16, de 20-10-2000, n. 207, p. 1.
- 36. 41 Disso resulta ser inconstitucional a criao de um tipo ou
a cominao de alguma pena que atente desnecessariamente contra a
incolumidade fsi- ca ou moral de algum (atentar necessariamente
significa restringir alguns direitos nos termos da Constituio e
quando exigido para a proteo do bem jurdico). Do princpio da
humanidade decorre a impossibilidade de a pena passar da pessoa do
delinquente, ressalvados alguns dos efeitos extrapenais da con-
denao, como a obrigao de reparar o dano na esfera cvel, que podem
atingir os herdeiros do infrator at os limites da herana (CF, art.
5, XLV). h) Necessidade e idoneidade: decorrem da
proporcionalidade. A incriminao de determinada situao s pode
ocorrer quando a tipificao revelar-se necessria, idnea e adequada
ao fim a que se destina, ou seja, concreta e real proteo do bem
jurdico. Quando a comprovada demonstrao emprica revelar que o tipo
no precisava tutelar aquele interesse, dado que outros campos do
direito ou mesmo de outras cincias tm plenas condies de faz-lo com
sucesso, ou ainda quando a descrio for inadequada, ou ainda quando
o rigor for ex- cessivo, sem trazer em contrapartida a eficcia
pretendida, o dispositivo incriminador padecer de insupervel vcio
de incompatibilidade vertical com os princpios constitucionais
regentes do sistema penal. Nenhuma incriminao subsistir em nosso
ordenamento jurdico, quando a definio legal revelar-se incapaz,
seja pelo critrio definidor empregado, seja pelo excessivo rigor,
seja ainda pela afronta dignidade humana, de tutelar concretamente
o bem jurdico. Surge, ento, a necessidade de precisa definio do bem
jurdico, sem o que a norma no tem objeto e, por conseguinte, no
pode existir. Um tipo sem bem jurdico para defender como um
processo sem lide para solu- cionar, ou seja, um nada. O conceito
de bem jurdico , atualmente, um dos maiores desafios de nossa
doutrina, na busca de um direito protetivo e garantista, e,
portanto, obediente ao Estado Democrtico de Direito. i)
Ofensividade, princpio do fato e da exclusiva proteo do bem
jurdico: no h crime quando a conduta no tiver oferecido ao menos um
perigo concreto, real, efetivo e comprovado de leso ao bem jurdico.
A punio de uma agresso em sua fase ainda embrionria, embora
aparentemente til do ponto de vista da defesa social, representa
ameaa proteo do indivduo contra uma atuao demasiadamente
intervencionis- ta do Estado.
- 37. 42 Como ensina Luiz Flvio Gomes, o princpio do fato no
permite que o direito penal se ocupe das intenes e pensamentos das
pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, das suas atitudes
internas (enquanto no exte- riorizada a conduta delitiva)...25 . A
atuao repressivo-penal pressupe que haja um efetivo e concreto
ataque a um interesse socialmente relevante, isto , o surgimento
de, pelo menos, um real perigo ao bem jurdico. O princpio da
ofensividade considera inconstitucionais todos os cha- mados
delitos de perigo abstrato, pois, segundo ele, no h crime sem
comprovada leso ou perigo de leso a um bem jurdico. No se confunde
com princpio da exclusiva proteo do bem jurdico, segundo o qual o
direito no pode defender valores meramente morais, ticos ou
religiosos, mas to somente os bens fundamentais para a convivncia e
o desenvolvi- mento social. Na ofensividade, somente se considera a
existncia de uma infrao penal quando houver efetiva leso ou real
perigo de leso ao bem jurdico. No primeiro, h uma limitao quanto
aos interesses que podem ser tutelados pelo Direito Penal; no
segundo, s se considera existente o delito quando o interesse j
selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real e concreto.
Nesse sentido, a sempre precisa lio de Luiz Flvio Gomes: A funo
principal do princpio da exclusiva proteo de bens jurdi- cos a de
delimitar uma forma de direito penal, o direito penal do bem
jurdico, da que no seja tarefa sua proteger a tica, a moral, os
costumes, uma ideologia, uma determinada religio, estratgias
sociais, valores cul- turais como tais, programas de governo, a
norma penal em si etc. O direito penal, em outras palavras, pode e
deve ser conceituado como um conjunto normativo destinado tutela de
bens jurdicos, isto , de relaes sociais conflitivas valoradas
positivamente na sociedade democrtica. O princpio da ofensividade,
por sua vez, nada diz diretamente sobre a misso ou forma do direito
penal, seno que expressa uma forma de compreender ou de conceber o
delito: o delito como ofensa a um bem jurdico. E disso deriva, como
j afirmamos tantas vezes, a inadmissibilidade de outras formas de
delito (mera desobedincia, simples violao da norma imperativa
etc.). Em face do exposto impende a concluso de que no podemos
mencionar tais 25. Princpio da ofensividade no direito penal, So
Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 41.
- 38. 43 princpios indistintamente, tal como vm fazendo alguns
setores da doutri- na e da jurisprudncia estrangeira26 . A funo
principal da ofensividade a de limitar a pretenso punitiva estatal,
de maneira que no pode haver proibio penal sem um contedo ofensivo
a bens jurdicos. O legislador deve se abster de formular descries
incapazes de lesar ou, pelo menos, colocar em real perigo o
interesse tutelado pela norma. Caso isto ocorra, o tipo dever ser
excludo do ordenamento jurdico por incom- patibilidade vertical com
o Texto Constitucional. Toda norma penal em cujo teor no se
vislumbrar um bem jurdico claramente definido e dotado de um mnimo
de relevncia social, ser con- siderada nula e materialmente
inconstitucional. O intrprete tambm deve cuidar para que em
especfico caso concre- to, no qual no se vislumbre ofensividade ou
real risco de afetao do bem jurdico, no haja adequao na descrio
abstrata contida na lei. Em vista disso, somente restar justificada
a interveno do Direito Penal quando houver um ataque capaz de
colocar em concreto e efetivo perigo um bem jurdico. Delineando-se
em termos precisos, a noo de bem jurdico poder exercer papel
fundamental como mecanismo garantidor e limitador dos abusos
repressivos do Poder Pblico. Sem afetar o bem jurdico, no existe
infrao penal. Trata-se de princpio ainda em discusso no Brasil.
Entendemos que subsiste a possibilidade de tipificao dos crimes de
perigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legtima estratgia
de defesa do bem jurdico contra agresses em seu estgio ainda
embrionrio, reprimindo-se a conduta, antes que ela venha a produzir
um perigo concre- to ou um dano efetivo. Trata-se de cautela
reveladora de zelo do Estado em proteger adequadamente certos
interesses. Eventuais excessos podem, no entanto, ser corrigidos
pela aplicao do princpio da proporcionalidade27 . j) Princpio da
auto responsabilidade: os resultados danosos que decorrem da ao
livre e inteiramente responsvel de algum s podem ser 26. Princpio
da ofensividade, cit., p. 43. 27. Cf. sobre o assunto nosso
Estatuto do Desarmamento, 3. ed., So Paulo, Saraiva, 2005.
- 39. 44 imputados a este e no quele que o tenha anteriormente
motivado. Exem- plo: o sujeito, aconselhado por outro a praticar
esportes mais radicais, resolve voar de asa-delta. Acaba sofrendo
um acidente e vindo a falecer. O resultado morte no pode ser
imputado a ningum mais alm da vtima, pois foi a sua vontade livre,
consciente e responsvel que a impeliu a correr riscos. k) Princpio
da responsabilidade pelo fato: o direito penal no se presta a punir
pensamentos, ideias, ideologias, nem o modo de ser das pes- soas,
mas, ao contrrio, fatos devidamente exteriorizados no mundo con-
creto e objetivamente descritos e identificados em tipos legais. A
funo do Estado consiste em proteger bens jurdicos contra
comportamentos externos, efetivas agresses previamente descritas em
lei como delitos, bem como estabelecer um compromisso tico com o
cidado para o melhor desenvol- vimento das relaes intersociais. No
pode castigar meros pensamentos, ideias, ideologias, manifestaes
polticas ou culturais discordantes, tam- pouco incriminar
categorias de pessoas. Os tipos devem definir fatos, asso-
ciando-lhes penas, e no estereotipar autores. Na Alemanha nazista,
por exemplo, no havia propriamente crimes, mas criminosos.
Incriminavam-se os traidores da nao ariana e no os fatos
eventualmente cometidos. Eram tipos de pessoas, no de condutas.
Castigavam-se a deslealdade com o Es- tado, as manifestaes
ideolgicas contrrias doutrina nacional-socialista, os subversivos e
assim por diante. No pode existir, portanto, um direito penal do
autor, mas sim do fato. l) Princpio da imputao pessoal: o direito
penal no pode castigar um fato cometido por quem no rena capacidade
mental suficiente para compreender o que faz ou de se determinar de
acordo com esse entendimento. No pune os inimputveis. m) Princpio
da personalidade: ningum pode ser responsabilizado por fato
cometido por outra pessoa. A pena no pode passar da pessoa do
condenado (CF, art. 5, XLV). n) Princpio da responsabilidade
subjetiva: nenhum resultado ob- jetivamente tpico pode ser atribudo
a quem no o tenha produzido por dolo ou culpa, afastando-se a
responsabilidade objetiva. Do mesmo modo, nin- gum pode ser
responsabilizado sem que rena todos os requisitos da cul-
pabilidade. Por exemplo: nos crimes qualificados pelo resultado, o
resultado agravador no pode ser atribudo a quem no o tenha causado
pelo menos culposamente. Tome-se o exemplo de um sujeito que acaba
de conhecer um hemoflico e, aps breve discusso, lhe faz um pequeno
corte no brao. Em face da patologia j existente, a vtima sangra at
morrer. O agente deu
- 40. 45 causa morte (conditio sine qua non), mas no responde por
ela, pois no a causou com dolo (quem quer matar corta a artria
aorta, no o brao), nem com culpa (no tinha como prever o desfecho
trgico, pois desconhecia a existncia do problema anterior). a
inteligncia do art. 19 do CP. o) Princpio da coculpabilidade ou
corresponsabilidade: entende que a responsabilidade pela prtica de
uma infrao penal deve ser compar- tilhada entre o infrator e a
sociedade, quando essa no lhe tiver proporcio- nado oportunidades.
No foi adotado entre ns. 1.5. Os limites do controle material do
tipo incriminador Como se percebe, imperativo do Estado Democrtico
de Direito a investigao ontolgica do tipo incriminador. Crime no
apenas aquilo que o legislador diz s-lo (conceito formal), uma vez
que nenhuma condu- ta pode, materialmente, ser considerada
criminosa se, de algum modo, no colocar em perigo valores
fundamentais da sociedade. Imaginemos um tipo com a seguinte
descrio: manifestar ponto de vista contrrio ao regime poltico
dominante ou opinio capaz de causar melindre nas lideranas
polticas. Por evidente, a par de estarem sendo obedecidas as
garantias formais de veiculao em lei, materialmente esse tipo no
teria qualquer subsistncia, por ferir o princpio da dignidade hu-
mana e, assim, no resistir ao controle de compatibilidade vertical
com os princpios insertos na ordem constitucional. Na doutrina no
existe diver- gncia a respeito.A polmica circunscreve-se aos
limites desse controle por parte do Poder Judicirio. Entendemos
que, a despeito de necessria, a verificao do contedo da norma deva
ser feita em carter excepcional e somente quando houver clara
afronta Constituio. Com efeito, a regra do art. 5, XXXIX, da
Constituio Federal, se- gundo a qual no h crime sem lei anterior
que o defina, nem pena sem prvia cominao legal, incumbiu, com
exclusividade, ao legislador a ta- refa de selecionar, dentre todas
as condutas do gnero humano, aquelas capazes de colocar em risco a
tranquilidade social e a ordem pblica.A isso se convencionou chamar
funo seletiva do tipo. A misso de detectar os anseios nas
manifestaes sociais especfica de quem detm mandato popular. Ao
Poder Legislativo cabe, por conse- guinte, a exclusiva funo de
selecionar as condutas mais perniciosas ao convvio social e
defini-las como delitos, associando-lhes penas. A discus- so sobre
esses critrios escapa formao predominantemente tcnica do Poder
Judicirio. Da por que, em ateno ao princpio da separao dos
- 41. 46 Poderes, nsito em nosso Texto Constitucional (art. 2), o
controle judicial de constitucionalidade material do tipo deve ser
excepcional e exercido em caso de flagrante atentado aos princpios
constitucionais sensveis. No padecendo de vcios explcitos em seu
contedo, no cabe ao magistrado determinar o expurgo do crime de
nosso ordenamento jurdico, sob o argu- mento de que no reflete um
verdadeiro anseio popular. O controle material , por essa razo,
excepcional e deve ser feito apenas em casos bvios de afronta a
direitos fundamentais do homem. 1.6. Da Parte Geral do Cdigo Penal:
finalidade Ao se analisar o Cdigo Penal brasileiro, verifica-se que
a sua estru- tura sistemtica possibilita, desde logo, vislumbrar os
princpios comuns e as orientaes gerais que o norteiam. a denominada
Parte Geral. Nela constam os dispositivos comuns incidentes sobre
todas as normas. Na con- cepo de Welzel28 , a finalidade da Parte
Geral do Cdigo Penal assinalar as caractersticas essenciais do
delito e de seu autor, comuns a todas as condutas punveis. Assim
que toda ao ou omisso penalmente relevante uma unida- de constituda
por momentos objetivos e subjetivos. A realizao dessas condutas
percorre diferentes etapas: a preparao, a tentativa e a consuma- o.
A comunidade pode valorar tais condutas como jurdicas ou antijur-
dicas, culpveis ou no. Elas esto relacionadas inseparavelmente com
seu autor, cuja personalidade, vontade e conscincia imprimem sua
peculiari- dade. Expor esses momentos a misso da Parte Geral,
competindo, por sua vez, Parte Especial delimitar as classes
particulares de delitos, como o homicdio, o estupro, o dano etc.
Miguel Reale Jnior acentua a funo restritiva da Parte Geral, ao
fixar certos limites de incidncia das normas incriminadoras e das
sanes. E, referindo-se ao ensinamento de Romagnosi, sustenta que a
liberdade legal depende da fixao de quais so as aes verdadeiramente
criminosas, ta- refa que compreende no s a especificao de quais so
os atos que podem a buon diritto cair sob sano, mas tambm dos
limites dentre os quais o delito tem existncia e os quais, ao se
ultrapassar, deixam de existir e nem punir se possa. Esta
finalidade ao ver de Romagnosi no apenas um ob- 28. Derecho penal
alemn, cit., p. 50.
- 42. 47 jeto importantssimo mas primrio para o legislador que
comanda e para os cidados que obedecem29 . 2. FONTES DO DIREITO
PENAL Conceito: Fonte o lugar de onde o direito provm. Espcies a)
De produo, material ou substancial: refere-se ao rgo incum- bido de
sua elaborao. A Unio a fonte de produo do Direito Penal no Brasil
(CF, art. 22, I). Obs.: de acordo com o pargrafo nico do art. 22 da
Constituio, lei complementar federal poder autorizar os
Estados-Membros a legislar em matria penal sobre questes
especficas. Trata-se de competncia suple- mentar, que pode ou no
lhes ser delegada. Questes especficas significam as matrias
relacionadas na lei complementar que tenham interesse mera- mente
local. Luiz Vicente Cernicchiaro observa que os Estados no podem
legislar sobre matria fundamental de Direito Penal, alterando
dispositivos da Parte Geral, criando crimes ou ampliando as causas
extintivas da puni- bilidade j existentes, s tendo competncia para
legislar nas lacunas da lei federal e, mesmo assim, em questes de
interesse especfico e local, como a proteo da vitria-rgia na
Amaznia30 . b) Formal, de cognio ou de conhecimento: refere-se ao
modo pelo qual o Direito Penal se exterioriza. Espcies de fonte
formal a) Imediata: lei. b) Mediata: costumes e princpios gerais do
direito. Diferena entre norma e lei Norma: o mandamento de um
comportamento normal, retirado do senso comum de justia de cada
coletividade. Exemplo: pertence ao senso comum que no se deve
matar, roubar, furtar ou estuprar, logo, a ordem 29. Parte geral do
Cdigo Penal nova interpretao, Revista dos Tribunais, 1988, p. 17-8.
30. Direito penal na Constituio, 2. ed., So Paulo, Revista dos
Tribunais, 1991, p. 26 e 30.
- 43. 48 normal de conduta no matar, no furtar, e assim por
diante. A norma, portanto, uma regra proibitiva no escrita, que se
extrai do esprito dos membros da sociedade, isto , do senso de
justia do povo. Lei: a regra escrita feita pelo legislador com a
finalidade de tornar expresso o comportamento considerado
indesejvel e perigoso pela coleti- vidade. o veculo por meio do
qual a norma aparece e torna cogente sua observncia. Na sua
elaborao devem ser tomadas algumas cautelas, a fim