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  1. 1. 1 parte geral
  2. 2. Bacharel em Direito pela USP. Mestre em Direito pela USP. Doutor em Direito pela PUCSP. Procurador de Justia licenciado. Deputado Estadual. Presidente da Comisso de Constituio e Justia da Assembleia Legislativa do Estado de So Paulo (2007-2010). Professor da Escola Superior do Ministrio Pblico de So Paulo. Professor convidado em diversas instituies de ensino. parte geral (arts. 1 a 120) 15 edio 2011
  3. 3. FILIAIS AMAZONAS/RONDNIA/RORAIMA/ACRE Rua Costa Azevedo, 56 Centro Fone: (92) 3633-4227 Fax: (92) 3633-4782 Manaus BAHIA/SERGIPE Rua Agripino Drea, 23 Brotas Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 Fax: (71) 3381-0959 Salvador BAURU (SO PAULO) Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 Centro Fone: (14) 3234-5643 Fax: (14) 3234-7401 Bauru CEAR/PIAU/MARANHO Av. Filomeno Gomes, 670 Jacarecanga Fone: (85) 3238-2323 / 3238-1384 Fax: (85) 3238-1331 Fortaleza DISTRITO FEDERAL SIA/SUL Trecho 2 Lote 850 Setor de Indstria e Abastecimento Fone: (61) 3344-2920 / 3344-2951 Fax: (61) 3344-1709 Braslia GOIS/TOCANTINS Av. Independncia, 5330 Setor Aeroporto Fone: (62) 3225-2882 / 3212-2806 Fax: (62) 3224-3016 Goinia MATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSO Rua 14 de Julho, 3148 Centro Fone: (67) 3382-3682 Fax: (67) 3382-0112 Campo Grande MINAS GERAIS Rua Alm Paraba, 449 Lagoinha Fone: (31) 3429-8300 Fax: (31) 3429-8310 Belo Horizonte PAR/AMAP Travessa Apinags, 186 Batista Campos Fone: (91) 3222-9034 / 3224-9038 Fax: (91) 3241-0499 Belm PARAN/SANTA CATARINA Rua Conselheiro Laurindo, 2895 Prado Velho Fone/Fax: (41) 3332-4894 Curitiba PERNAMBUCO/PARABA/R. G. DO NORTE/ALAGOAS Rua Corredor do Bispo, 185 Boa Vista Fone: (81) 3421-4246 Fax: (81) 3421-4510 Recife RIBEIRO PRETO (SO PAULO) Av. Francisco Junqueira, 1255 Centro Fone: (16) 3610-5843 Fax: (16) 3610-8284 Ribeiro Preto RIO DE JANEIRO/ESPRITO SANTO Rua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 Vila Isabel Fone: (21) 2577-9494 Fax: (21) 2577-8867 / 2577-9565 Rio de Janeiro RIO GRANDE DO SUL Av. A. J. Renner, 231 Farrapos Fone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567 Porto Alegre SO PAULO Av. Antrtica, 92 Barra Funda Fone: PABX (11) 3616-3666 So Paulo Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prvia autorizao da Editora Saraiva. A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal. Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo Pinto Diretor de produo editorial Luiz Roberto Curia Gerente de produo editorial Lgia Alves Editora Manuella Santos de Castro Assistente editorial Aline Darcy Flor de Souza Assistente de produo editorial Clarissa Boraschi Maria Preparao de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan Arte e diagramao Cristina Aparecida Agudo de Freitas Mnica Landi Reviso de provas Rita de Cssia Queiroz Gorgati Amlia Kassis Ward Servios editoriais Ana Paula Mazzoco Vinicius Asevedo Vieira Data de fechamento da edio: 13-10-2010 Dvidas? Acesse www.saraivajur.com.br Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira Csar So Paulo SP CEP 05413-909 PABX: (11) 3613 3000 SACJUR: 0800 055 7688 De 2 a 6, das 8:30 s 19:30 [email protected] Acesse: www.saraivajur.com.br ISBN 978-85-02-11427-2 Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Capez, Fernando Curso de direito penal, volume 1, parte geral : (arts. 1 a 120) / Fernando Capez. 15. ed. So Paulo : Saraiva, 2011. 1. Direito penal I. Ttulo. 10-12090 CDU-343 ndice para catlogo sistemtico: 1. Direito penal 343
  4. 4. A meu pai, Amin Capez, cuja coragem, determinao, dedicao e honestidade construram o exemplo que procuro seguir em todos os dias de minha vida. A minha me, Suraia Capez, a quem tudo devo, por sua renncia, sa- crifcio e afeto, os quais jamais conseguirei retribuir na mesma intensidade. A meu amigo e professor Damsio de Jesus, que sonhou em escrever um livro e criou um marco na histria do Direito Penal; um dia pensou em ensinar e se transformou em um jurista renomado internacionalmente.
  5. 5. Se voc conhece o inimigo e conhece a si mesmo, no precisa temer o resultado de cem batalhas. Sun Tzu, A arte da guerra
  6. 6. 9 SOBRE O AUTOR Fernando Capez Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP). Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP). Doutor em Direito pela Pon- tifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUCSP). Ingressou no Ministrio Pblico em 1988 (aprovado em 1 lugar), onde integrou o primeiro grupo de Promotores responsveis pela defesa do pa- trimnio pblico e da cidadania. Combateu a violncia das torcidas orga- nizadas e a mfia do lixo. professor da Escola Superior do Ministrio Pblico de So Paulo. , tambm, professor convidado da Academia de Polcia de So Paulo, da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e da Escola Superior do Minist- rio Pblico do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, Rio de Janeiro, Esprito Santo, Alagoas, Sergipe, Bahia, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Amap, Rondnia e Gois. palestrante nacional e internacional. Tem 37 livros publicados, nos quais aborda temas como interpretao e aplicao de leis penais, crimes cometidos com veculos automotores, emprego de arma de fogo, interceptao telefnica, crime organizado, entre outros. coordenador da Coleo Estudos Direcionados, publicada pela Edi- tora Saraiva, que abrange os diversos temas do Direito, destacando-se a praticidade do sistema de perguntas e respostas, que traz, ainda, grficos e esquemas, bem como da Coleo Pockets Jurdicos, que oferece um guia prtico e seguro aos estudantes que se veem s voltas com o exame da OAB e os concursos de ingresso nas carreiras jurdicas, e cuja abordagem sint- tica e a linguagem didtica resultam em uma coleo nica e imprescindvel, na medida certa para quem tem muito a aprender em pouco tempo.
  7. 7. 11 NOTA DO AUTOR O CDIGO CIVIL DE 2002 E SEUS REFLEXOS NO CDIGO PENAL O novo Cdigo Civil, em seu art. 5, estatuiu que a menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa ca habilitada prtica de todos os atos da vida civil. Isto signica que, a partir de sua entrada em vigor, adquire-se a plena capacidade para a prtica de qualquer ato jurdico aos 18, e no mais aos 21 anos. Com isso, no se pode mais continuar fa- lando em representante legal para quem j completou a maioridade civil, na medida em que, atingida a maioridade, cessa a menoridade. Se o sujeito est completamente apto para expressar livremente sua vontade no mundo jur- dico, no h mais como trat-lo como um incapaz. Desta forma, no caso do maior de 18 e menor de 21 anos, a expresso representante legal tornou- -se incua, vazia, sem contedo. um representante que no tem mais a quem representar. Em nota 10 edio do nosso Curso de processo penal, sustentamos o entendimento de que a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003, instituindo o novo Cdigo Civil, provocou sensvel modicao no quadro de capacidades estabelecidas pelo Cdigo de Processo Penal. Por essa razo, tendo o acusado atingido a maioridade civil, no h mais necessidade de nomeao de curador para o seu interrogatrio, nem subsiste a gura do representante legal para oferecer a queixa ou a repre- sentao, alm do que somente o ofendido poder exercer ou renunciar ao direito de queixa ou de representao, bem como conceder o perdo ou aceit-lo. Se plenamente capaz, no tem mais representante legal, nem precisa ser assistido. Especicamente no que toca aos arts. 65 e 115 do Cdigo Penal, no entanto, entendemos que nenhum deles foi atingido pela reforma da legis- lao civil. O primeiro trata da circunstncia atenuante genrica do menor de 21 anos na data do fato. O segundo reduz pela metade o prazo da pres-
  8. 8. 12 crio da pretenso punitiva e executria, quando o agente for, ao tempo do crime, menor de 21 anos. Em ambos os casos, no existe nenhuma relao entre a idade mencionada pelos dispositivos e a plena capacidade para a prtica de atos jurdicos. Independentemente de o agente ser relativa ou plenamente capaz, de ter ou no representante legal, o legislador pretendeu conceder-lhe um benefcio, devido sua pouca idade. Prova disso o fato de os arts. 65 e 115 estenderem as mesmas benesses ao maior de 70 anos na data da sentena. Tanto o menor de 21 quanto o maior de 70 so plena- mente capazes para os atos da vida civil, includos a os de natureza proces- sual. Apenas por um critrio do legislador, uma opo poltica sua, tais agentes, por inexperincia de vida ou senilidade, foram merecedores de um tratamento penal mais ameno. Assim, no h que se falar em derrogao desses dispositivos.
  9. 9. 13 PREFCIO Este Curso de direito penal que estou tendo a honra de prefaciar cons- titui no s um sedimentado fruto de longos anos de trabalho prossional e docente, seno sobretudo o coroamento de uma das mais brilhantes car- reiras no campo jurdico. Com estilo direto e facilmente compreensvel, Fernando Capez, semelhana do seu consagrado Curso de processo penal e comprovando uma vez mais seu indiscutvel talento, acaba de nos brindar com uma obra completa sobre a Parte Geral do Direito Penal. Nenhum dos mais importantes institutos dessa rea da Cincia Criminal deixou de ser tratado com a devida maestria e leveza de sempre. um livro, portanto, dirigido a todos os que militam no campo penal, aos estudantes dos cursos de Direito e, particularmente, aos que esto se preparando para concursos pblicos de ingresso nas mais variadas carreiras jurdicas. Para mais alm da clareza e objetividade, o livro um slido Manual de utilidade inquestionvel, seja pela atualidade do seu contedo, que est em perfeita consonncia tanto com as mais recentes modicaes legais como com as modernas tendncias das cincias penais globalmente consi- deradas (gesamte Strafrechtswissenschaft), seja pela extenso e bem sele- cionada jurisprudncia. Com tudo isso se chegou a um valioso e imprescin- dvel instrumento de trabalho, que est predestinado a servir de verdadeiro guia tanto nas atividades forenses como nas acadmicas, destacando-se aquela especca fase preparatria intermediria entre o m do curso uni- versitrio e o princpio de uma bem-sucedida carreira prossional. A obra foi inteiramente estruturada, quer para atender necessidade de qualquer operador jurdico em seu dia a dia, quer para constituir uma interessante alternativa para aqueles que, premidos pelos mltiplos com- promissos da vida moderna, no contam com grande disponibilidade de tempo. Excelente contedo, fcil acesso a cada uma das matrias mais re- levantes da Parte Geral do Direito Penal, coordenada sistematizao e pragmatismo na exposio das ideias. Com essas caractersticas marcantes, no h dvida que este livro ir ocupar o seu devido espao no cenrio ju- rdico nacional, fundamentalmente porque escrito por um dos mais notveis professores na rea de concursos pblicos.
  10. 10. 14 Para alm de desfrutar de uma lcida inteligncia e admirvel agilida- de mental, Fernando Capez conta com invejvel experincia docente, tendo lecionado com brilhantismo mpar no Complexo Jurdico Damsio de Jesus no s a disciplina de Direito Penal como tambm a de Direito Processual Penal. Tem ainda a virtude de aliar a essa profcua atividade de ensino um conhecimento tcnico-jurdico por todos reconhecido, conhecimento esse revelado no s no fato de ter sido o primeiro colocado em seu concurso de ingresso, seno e sobretudo no desempenho dirio das suas mltiplas funes de Promotor de Justia. Atuando em defesa da cidadania, da moralidade pblica e da tranqui- lidade de todos, notabilizou-se como um dos mais dignos e respeitados representantes do Ministrio Pblico paulista, que dele certamente deve orgulhar-se. Sendo criador de um dos mais ecientes mtodos de estudo, autor de inmeros trabalhos (de Direito Penal, Processo Penal, leis especiais, lei de execuo penal etc.) voltados primordialmente para os candidatos que se preparam para o ingresso em concursos pblicos, professor monitor da Escola Superior do Ministrio Pblico, palestrante nato, coordenador de cursos de ps-graduao, no h como deixar de admitir seu extraordinrio cabedal para editar esta completa e transcendental obra de Direito Penal, Parte Geral, que seguramente ter a aceitao merecida de todos. So Paulo, outubro de 1999. Luiz Flvio Gomes
  11. 11. 15 NDICE Sobre o Autor .................................................................................... 9 Nota do Autor .................................................................................... 11 Prefcio ............................................................................................. 13 11. Introduo.................................................................................... 19 1.1. Da concepo do Direito Penal............................................. 19 1.2. Da funo tico-social do Direito Penal ............................... 19 1.3. Objeto do Direito Penal ........................................................ 22 1.4. O Direito Penal no Estado Democrtico de Direito.............. 22 1.4.1.O perl democrtico do Estado brasileiro. Distino entre Estado de Direito e Estado Democrtico de Di- reito.............................................................................. 22 1.4.2.Princpios penais limitadores decorrentes da dignida- de humana ................................................................... 28 1.5. Os limites do controle material do tipo incriminador........... 45 1.6. Da Parte Geral do Cdigo Penal: nalidade......................... 46 12. Fontes do Direito Penal................................................................ 47 2.1. Fonte formal imediata........................................................... 48 2.2. Fontes formais mediatas ....................................................... 50 13. Interpretao da lei penal............................................................. 52 14. Analogia....................................................................................... 53 15. Princpio da legalidade................................................................. 56 16. Irretroatividade da lei penal......................................................... 65 17. Leis de vigncia temporria......................................................... 83 18. Tempo do crime e conito aparente de normas........................... 88 19. Territorialidade da lei penal brasileira ......................................... 100 10. Extraterritorialidade da lei penal brasileira.................................. 111 11. Eccia de sentena estrangeira .................................................. 120 12. Do lugar do crime ........................................................................ 122
  12. 12. 16 13. Contagem do prazo...................................................................... 131 14. Teoria do crime............................................................................ 134 15. Fato tpico .................................................................................... 136 15.1. Conduta............................................................................... 136 15.1.1. Da conduta omissiva............................................... 162 15.1.2. Sujeitos da conduta tpica....................................... 167 15.1.3. Objeto jurdico e objeto material............................ 176 15.2. Resultado............................................................................ 177 15.3. Nexo causal ........................................................................ 178 15.4. Tipicidade........................................................................... 209 16. O tipo penal nos crimes dolosos .................................................. 223 17. O tipo penal nos crimes culposos................................................. 230 18. Crime preterdoloso....................................................................... 239 19. Erro de tipo .................................................................................. 243 20. Crime consumado ........................................................................ 263 21. Tentativa (conatus) ...................................................................... 266 22. Desistncia voluntria e arrependimento ecaz........................... 271 23. Arrependimento posterior ............................................................ 274 24. Crime impossvel ......................................................................... 279 25. Classicao dos crimes................................................................ 286 26. Ilicitude ........................................................................................ 293 27. Estado de necessidade.................................................................. 298 28. Legtima defesa............................................................................ 305 29. Estrito cumprimento do dever legal............................................. 315 30. Exerccio regular de direito.......................................................... 317 31. Culpabilidade............................................................................... 323 31.1. Imputabilidade.................................................................... 331 31.2. Potencial conscincia da ilicitude....................................... 347 31.3. Exigibilidade de conduta diversa........................................ 352 32. Concurso de pessoas .................................................................... 359 33. Comunicabilidade e incomunicabilidade de elementares e cir- cunstncias................................................................................... 379 34. Da sano penal ........................................................................... 384 35. Das penas privativas de liberdade ................................................ 386
  13. 13. 17 36. Das penas restritivas de direitos................................................... 428 37. Da pena de multa ......................................................................... 458 38. Das medidas de segurana ........................................................... 467 39. Da aplicao da pena ................................................................... 474 40. Da reincidncia ............................................................................ 500 41. Suspenso condicional da pena.................................................... 507 42. Livramento condicional ............................................................... 523 43. Efeitos da condenao.................................................................. 533 44. Reabilitao.................................................................................. 540 45. Concurso de crimes...................................................................... 544 45.1. 1Concurso material ou real................................................. 544 45.2. 1Concurso formal ou ideal.................................................. 546 45.3. 1Crime continuado.............................................................. 549 46. Limites de penas .......................................................................... 560 47. Ao penal.................................................................................... 563 48. Causas de extino da punibilidade ............................................. 588 48.1. 1Morte do agente (inciso I)................................................. 588 48.2. 1Anistia, graa e indulto (inciso II) .................................... 590 48.3. 1Lei posterior que deixa de considerar o fato criminoso 1abolitio criminis................................................................ 596 48.4. 1Renncia ao direito de queixa........................................... 596 48.5. 1Perdo do ofendido........................................................... 598 48.6. 1Perempo......................................................................... 599 48.7. 1Retratao do agente......................................................... 602 48.8. 1Casamento do agente com a vtima e casamento da vti- ma com terceiro ................................................................ 603 48.9. 1Perdo judicial .................................................................. 603 48.10. Decadncia........................................................................ 611 48.11. Prescrio.......................................................................... 613 48.11.1. Prescrio da pretenso punitiva (PPP)............... 616 48.11.2. Prescrio da pretenso executria (PPE)........... 633 48.12. Prescrio na legislao especial...................................... 637 Bibliograa ....................................................................................... 641
  14. 14. 19 1. INTRODUO 1.1. Da concepo do Direito Penal O Direito Penal o segmento do ordenamento jurdico que detm a funo de selecionar os comportamentos humanos mais graves e pernicio- sos coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivncia social, e descrev-los como infraes penais, cominando-lhes, em consequncia, as respectivas sanes, alm de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessrias sua correta e justa aplicao. A cincia penal, por sua vez, tem por escopo explicar a razo, a essn- cia e o alcance das normas jurdicas, de forma sistemtica, estabelecendo critrios objetivos para sua imposio e evitando, com isso, o arbtrio e o casusmo que decorreriam da ausncia de padres e da subjetividade ilimi- tada na sua aplicao. Mais ainda, busca a justia igualitria como meta maior, adequando os dispositivos legais aos princpios constitucionais sen- sveis que os regem, no permitindo a descrio como infraes penais de condutas inofensivas ou de manifestaes livres a que todos tm direito, mediante rgido controle de compatibilidade vertical entre a norma incri- minadora e princpios como o da dignidade humana. 1.2. Da funo tico-social do Direito Penal A misso do Direito Penal proteger os valores fundamentais para a subsistncia do corpo social, tais como a vida, a sade, a liberdade, a pro- priedade etc., denominados bens jurdicos. Essa proteo exercida no apenas pela intimidao coletiva, mais conhecida como preveno geral e exercida mediante a difuso do temor aos possveis infratores do risco da sano penal, mas sobretudo pela celebrao de compromissos ticos entre o Estado e o indivduo, pelos quais se consiga o respeito s normas, menos por receio de punio e mais pela convico da sua necessidade e justia. A natureza do Direito Penal de uma sociedade pode ser aferida no momento da apreciao da conduta. Toda ao humana est sujeita a dois aspectos valorativos diferentes. Pode ser apreciada em face da lesividade do resultado que provocou (desvalor do resultado) e de acordo com a repro- vabilidade da ao em si mesma (desvalor da ao).
  15. 15. 20 Toda leso aos bens jurdicos tutelados pelo Direito Penal acarreta um resultado indesejado, que valorado negativamente, afinal foi ofendido um interesse relevante para a coletividade. Isso no significa, porm, que a ao causadora da ofensa seja, necessariamente, em si mesma sempre censurvel. De fato, no porque o resultado foi lesivo que a conduta deva ser acoima- da de reprovvel, pois devemos lembrar aqui os eventos danosos derivados de caso fortuito, fora maior ou manifestaes absolutamente involuntrias. A reprovao depende no apenas do desvalor do evento, mas, acima de tudo, do comportamento consciente ou negligente do seu autor. Ao ressaltar a viso puramente pragmtica, privilegiadora do resulta- do, despreocupada em buscar a justa reprovao da conduta, o Direito Penal assume o papel de mero difusor do medo e da coero, deixando de preser- var os valores bsicos necessrios coexistncia pacfica entre os integran- tes da sociedade poltica. A viso pretensamente utilitria do direito rompe os compromissos ticos assumidos com os cidados, tornando-os rivais e acarretando, com isso, ao contrrio do que possa parecer, ineficcia no combate ao crime. Por essa razo, o desvalor material do resultado s pode ser coibido na medida em que evidenciado o desvalor da ao. Estabelece- se um compromisso de lealdade entre o Estado e o cidado, pelo qual as regras so cumpridas no apenas por coero, mas pelo compromisso tico- social que se estabelece, mediante a vigncia de valores como o respeito vida alheia, sade, liberdade, propriedade etc. Ao prescrever e castigar qualquer leso aos deveres tico-sociais, o Direito Penal acaba por exercer uma funo de formao do juzo tico dos cidados, que passam a ter bem delineados quais os valores essenciais para o convvio do homem em sociedade. Desse modo, em um primeiro momento sabe-se que o ordenamento jurdico tutela o direito vida, proibindo qualquer leso a esse direito, consubstanciado no dever tico-social no matar. Quando esse manda- mento infringido, o Estado tem o dever de acionar prontamente os seus mecanismos legais para a efetiva imposio da sano penal transgresso no caso concreto, revelando coletividade o valor que dedica ao interesse violado. Por outro lado, na medida em que o Estado se torna vagaroso ou omisso, ou mesmo injusto, dando tratamento dspar a situaes assemelha- das, acaba por incutir na conscincia coletiva a pouca importncia que de- dica aos valores ticos e sociais, afetando a crena na justia penal e propi- ciando que a sociedade deixe de respeitar tais valores, pois ele prprio se incumbiu de demonstrar sua pouca ou nenhuma vontade no acatamento a tais deveres, atravs de sua morosidade, ineficincia e omisso.
  16. 16. 21 Nesse instante, de pouco adianta o recrudescimento e a draconizao de leis penais, porque o indivduo tender sempre ao descumprimento, adotando postura individualista e canalizando sua fora intelectual para subtrair-se aos mecanismos de coero. O que era um dever tico absoluto passa a ser relativo em cada caso concreto, de onde se conclui que uma administrao da justia penal insegura em si mesma torna vacilante a vi- gncia dos deveres sociais elementares, sacudindo todo o mundo do valor tico. Desse contedo tico-social do Direito Penal resulta que sua misso primria no a tutela atual, concreta dos bens jurdicos, como a proteo da pessoa individualmente, a sua propriedade, mas sim, como ensina Hans Welzel, ...asegurar la real vigencia (observancia) de los valores de acto de la conciencia jurdica; ellos constituyen el fundamento ms slido que sustenta el Estado y la sociedad. La mera proteccin de bienes jurdicos tiene slo un fin preventivo, de carcter policial y negativo. Por el contrario, la misin ms profunda del Derecho Penal es de naturaleza tico-social y de carcter positivo1 . Para Welzel, ...ms esencial que el amparo de los bienes jurdicos particulares concretos es la misin de asegurar en los ciudadanos el perma- nente acatamiento legal ante los bienes jurdicos; es decir, la fidelidad frente al Estado, el respeto de la persona2 . Em spera crtica concepo simblica e promocional do Direito Penal, Welzel lembrou a Ordenana de 9 de maro de 1943, expedida pelo Ministro da Justia do Reich visando reduzir o nmero de pessoas no pertencentes raa ariana na Alemanha, descriminalizou-se o aborto prati- cado por estrangeiras, punindo-se apenas o cometido por alems. Aqu se demonstraron visiblemente los lmites del pensar utilitario3 . O aborto era incriminado no por causa de seu contedo moralmente reprovvel, nem passou a ser permitido devido adequao ao novo sentimento social de justia; muito ao contrrio, foi largamente empregado como meio de reali- zao da poltica racista e discriminatria do regime nazista. Como esperar, assim, acatamento espontneo a uma norma criada com propsitos amorais? Diferentemente dessa desprezvel viso utilitria, o Direito Penal deve ser 1. Derecho penal alemn, 11. ed., 4. ed. castellana, trad. del alemn por los profesores Juan Bustos Ramrez y Sergio Yaez Prez, Ed. Jurdica de Chile, 1997, p. 3. 2. La teora de la accin finalista, trad. Eduardo Friker, BuenosAires, Depalma, 1951, p. 12. 3. La teora, cit., p. 12.
  17. 17. 22 compreendido no contexto de uma formao social, como matria social e poltica, resultado de um processo de elaborao legislativa com represen- tatividade popular e sensibilidade capaz de captar tenses, conflitos e anseios sociais. 1.3. Objeto do Direito Penal No tocante ao seu objeto, tem-se que o Direito Penal somente pode dirigir os seus comandos legais, mandando ou proibindo que se faa algo, ao homem, pois somente este capaz de executar aes com conscincia do fim. Assim, lastreia-se o Direito Penal na voluntariedade da conduta humana, na capacidade do homem para um querer final. Desse modo, o mbito da normatividade jurdico-penal limita-se s atividades finais huma- nas. Disso resulta a excluso do mbito de aplicao do Direito Penal de seres como os animais, que no tm conscincia do fim de seu agir, fazen- do-o por instinto, bem como dos movimentos corporais causais, como os reflexos, no dominveis pelo homem. Conclui-se, portanto, na lio de Welzel, que o objeto de las normas penales es la conducta humana, esto es la actividad o pasividad corporal del hombre sometida a la capacidad de direccin final de la voluntad. Esta conducta puede ser una accin, esto es, el ejercicio efectivo de actividad final, o la omisin de una accin, esto es, el no ejercicio de una actividad final posible. Para las normas del Derecho Penal la accin est con mucho en primer plano, mientras que la omisin queda notoriamente en un segun- do plano4 . 1.4. O Direito Penal no Estado Democrtico de Direito 1.4.1. O perfil democrtico do Estado brasileiro. Distino entre Estado de Direito e Estado Democrtico de Direito A Constituio Federal brasileira, em seu art. 1, caput, definiu o per- fil poltico-constitucional do Brasil como o de um Estado Democrtico de Direito. Trata-se do mais importante dispositivo da Carta de 1988, pois dele decorrem todos os princpios fundamentais de nosso Estado. Estado Democrtico de Direito muito mais do que simplesmente Estado de Direito. Este ltimo assegura a igualdade meramente formal 4. Derecho penal alemn, cit., p. 38.
  18. 18. 23 entre os homens, e tem como caractersticas: (a) a submisso de todos ao imprio da lei; (b) a diviso formal do exerccio das funes derivadas do poder, entre os rgos executivos, legislativos e judicirios, como forma de evitar a concentrao da fora e combater o arbtrio; (c) o estabelecimento formal de garantias individuais; (d) o povo como origem formal de todo e qualquer poder; (e) a igualdade de todos perante a lei, na medida em que esto submetidos s mesmas regras gerais, abstratas e impessoais; (f) a igualdade meramente formal, sem atuao efetiva e interventiva do Poder Pblico, no sentido de impedir distores sociais de ordem material. Embora configurasse relevantssimo avano no combate ao arbtrio do absolutismo monrquico, a expresso Estado de Direito ainda carecia de um contedo social. Pela concepo jurdico-positivista do liberalismo burgus, ungida da necessidade de normas objetivas inflexveis, como nico mecanismo para conter o arbtrio doAbsolutismo monrquico, considerava-se direito apenas aquilo que se encontrava formalmente disposto no ordenamento legal, sen- do desnecessrio qualquer juzo de valor acerca de seu contedo. A busca da igualdade se contentava com a generalidade e impessoalidade da norma, que garante a todos um tratamento igualitrio, ainda que a sociedade seja totalmente injusta e desigual. Tal viso defensiva do direito constitua um avano e uma necessidade para a poca em que predominavam os abusos e mimos do monarca sobre padres objetivos de segurana jurdica, de maneira que se tornara uma obsesso da ascendente classe burguesa a busca da igualdade por meio de normas gerais, realando-se a preocupao com a rigidez e a inflexibilida- de das regras. Nesse contexto, qualquer interpretao que refugisse viso literal do texto legal poderia ser confundida com subjetivismo arbitrrio, o que favoreceu o surgimento do positivismo jurdico como garantia do Es- tado de Direito. Por outro lado, a igualdade formal, por si s, com o tempo, acabou revelando-se uma garantia incua, pois, embora todos estivessem submetidos ao imprio da letra da lei, no havia controle sobre seu contedo material, o que levou substituio do arbtrio do rei pelo do legislador. Em outras palavras: no Estado Formal de Direito, todos so iguais porque a lei igual para todos e nada mais. No plano concreto e social no existe interveno efetiva do Poder Pblico, pois este j fez a sua parte ao assegurar a todos as mesmas chances, do ponto de vista do aparato legal. De resto, cada um por si.
  19. 19. 24 Ocorre que as normas, embora genricas e impessoais, podem ser socialmente injustas quanto ao seu contedo. perfeitamente possvel um Estado de Direito, com leis iguais para todos, sem que, no entanto, se reali- ze justia social. que no existe discusso sobre os critrios de seleo de condutas delituosas feitos pelo legislador. A lei no reconhece como crime uma situao preexistente, mas, ao contrrio, cria o crime. No existe neces- sidade de se fixar um contedo material para o fato tpico, pois a vontade suprema da lei dotada de poder absoluto para eleger como tal o que bem entender, sendo impossvel qualquer discusso acerca do seu contedo. Diante disso, pode-se afirmar que a expresso Estado de Direito, por si s, caracteriza a garantia incua de que todos esto submetidos ao imp- rio da lei, cujo contedo fica em aberto, limitado apenas impessoalidade e no violao de garantias individuais mnimas. Por essa razo, nosso constituinte foi alm, afirmando que o Brasil no apenas um Estado de Direito, mas um Estado Democrtico de Direito. Verifica-se o Estado Democrtico de Direito no apenas pela procla- mao formal da igualdade entre todos os homens, mas pela imposio de metas e deveres quanto construo de uma sociedade livre, justa e solid- ria; pela garantia do desenvolvimento nacional; pela erradicao da pobre- za e da marginalizao; pela reduo das desigualdades sociais e regionais; pela promoo do bem comum; pelo combate ao preconceito de raa, cor, origem, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminao (CF, art. 3, I a IV); pelo pluralismo poltico e liberdade de expresso das ideias; pelo resgate da cidadania, pela afirmao do povo como fonte nica do poder e pelo respeito inarredvel da dignidade humana. Significa, portanto, no apenas aquele que impe a submisso de todos ao imprio da mesma lei, mas onde as leis possuam contedo e adequao social, descrevendo como infraes penais somente os fatos que realmente colocam em perigo bens jurdicos fundamentais para a sociedade. Sem esse contedo, a norma se configurar como atentatria aos prin- cpios bsicos da dignidade humana. A norma penal, portanto, em um Es- tado Democrtico de Direito no somente aquela que formalmente des- creve um fato como infrao penal, pouco importando se ele ofende ou no o sentimento social de justia; ao contrrio, sob pena de colidir com a Constituio, o tipo incriminador dever obrigatoriamente selecionar, den- tre todos os comportamentos humanos, somente aqueles que realmente possuem real lesividade social.
  20. 20. 25 Sendo o Brasil um Estado Democrtico de Direito, por reflexo, seu direito penal h de ser legtimo, democrtico e obediente aos princpios constitucionais que o informam, passando o tipo penal a ser uma categoria aberta, cujo contedo deve ser preenchido em consonncia com os princpios derivados deste perfil poltico-constitucional. No se admitem mais critrios absolutos na definio dos crimes, os quais passam a ter exigncias de ordem formal (somente a lei pode descrev-los e cominar-lhes uma pena corres- pondente) e material (o seu contedo deve ser questionado luz dos prin- cpios constitucionais derivados do Estado Democrtico de Direito). Pois bem. Do Estado Democrtico de Direito partem princpios regra- dores dos mais diversos campos da atuao humana. No que diz respeito ao mbito penal, h um gigantesco princpio a regular e orientar todo o sistema, transformando-o em um direito penal democrtico. Trata-se de um brao genrico e abrangente, que deriva direta e imediatamente deste moderno perfil poltico do Estado brasileiro, a partir do qual partem inmeros outros princpios prprios afetos esfera criminal, que nele encontram guarida e orientam o legislador na definio das condutas delituosas. Estamos falan- do do princpio da dignidade humana (CF, art. 1, III). Podemos, ento, afirmar que do Estado Democrtico de Direito parte o princpio da dignidade humana, orientando toda a formao do Direito Penal. Qualquer construo tpica, cujo contedo contrariar e afrontar a dignidade humana, ser materialmente inconstitucional, posto que atenta- tria ao prprio fundamento da existncia de nosso Estado. Cabe ao operador do Direito exercer controle tcnico de verificao da constitucionalidade de todo tipo penal e de toda adequao tpica, de acordo com o seu contedo. Afrontoso dignidade humana, dever ser expurgado do ordenamento jurdico. Em outras situaes, o tipo, abstratamente, pode no ser contrrio Constituio, mas, em determinado caso especfico, o enquadramento de uma conduta em sua definio pode revelar-se atentatrio ao mandamento constitucional (por exemplo, enquadrar no tipo do furto a subtrao de uma tampinha de refrigerante). A dignidade humana, assim, orienta o legislador no momento de criar um novo delito e o operador no instante em que vai realizar a atividade de adequao tpica. Com isso, pode-se afirmar que a norma penal em um Estado Demo- crtico de Direito no somente aquela que formalmente descreve um fato como infrao penal, pouco importando se ele ofende ou no o sen-
  21. 21. 26 timento social de justia; ao contrrio, sob pena de colidir com a Consti- tuio, o tipo incriminador dever obrigatoriamente selecionar, dentre todos os comportamentos humanos, somente aqueles que realmente possuam lesividade social. imperativo do Estado Democrtico de Direito a investigao onto- lgica do tipo incriminador. Crime no apenas aquilo que o legislador diz s-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmen- te, ser considerada criminosa se, de algum modo, no colocar em perigo valores fundamentais da sociedade. Imaginemos um tipo com a seguinte descrio: manifestar ponto de vista contrrio ao regime poltico dominante ou opinio contrria orien- tao poltica dominante: Pena 6 meses a 1 ano de deteno. Evidentemente, a par de estarem sendo obedecidas as garantias de exigncia de subsuno formal e de veiculao em lei, materialmente este tipo no teria qualquer subsistncia por ferir o princpio da dignidade hu- mana e, consequentemente, no resistir ao controle de compatibilidade vertical com os princpios insertos na ordem constitucional. Tipos penais que se limitem a descrever formalmente infraes penais, independentemente de sua efetiva potencialidade lesiva, atentam contra a dignidade da pessoa humana. Nesse passo, convm lembrar a lio de Celso Antnio Bandeira de Mello: Violar um princpio muito mais grave do que transgredir uma norma. A desateno ao princpio implica ofensa no apenas a um espec- fico mandamento obrigatrio, mas a todo o sistema de comandos. a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalo do princpio atingido, porque representa ingerncia contra todo o sistema, subverso de seus valores fundamentais, contumlia irremissvel a seu ar- cabouo lgico e corroso de sua estrutura mestra5 . Aplicar a justia de forma plena, e no apenas formal, implica, por- tanto, aliar ao ordenamento jurdico positivo a interpretao evolutiva, calcada nos costumes e nas ordens normativas locais, erigidas sobre padres culturais, morais e sociais de determinado grupo social ou que estejam li- gados ao desempenho de determinada atividade. 5. Curso de direito administrativo, 5. ed., So Paulo, Malheiros Ed., 1994, p. 451.
  22. 22. 27 Os princpios constitucionais e as garantias individuais devem atuar como balizas para a correta interpretao e a justa aplicao das normas penais, no se podendo cogitar de uma aplicao meramente robotizada dos tipos incriminadores, ditada pela verificao rudimentar da adequao tpi- ca formal, descurando-se de qualquer apreciao ontolgica do injusto. Da dignidade humana, princpio genrico e reitor do Direito Penal, partem outros princpios mais especficos, os quais so transportados dentro daquele princpio maior, tal como passageiros de uma embarcao. Desta forma, do Estado Democrtico de Direito parte o princpio rei- tor de todo o Direito Penal, que o da dignidade humana, adequando-o ao perfil constitucional do Brasil e erigindo-o categoria de Direito Penal Democrtico. Da dignidade humana, por sua vez, derivam outros princpios mais especficos, os quais propiciam um controle de qualidade do tipo penal, isto , sobre o seu contedo, em inmeras situaes especficas da vida concreta. Os mais importantes princpios penais derivados da dignidade humana so: legalidade, insignificncia, alteridade, confiana, adequao social, interveno mnima, fragmentariedade, proporcionalidade, humanidade, necessidade e ofensividade. De pouco adiantaria assegurar ao cidado a garantia de submisso do poder persecutrio exigncia prvia da definio legal, se o legislador tivesse liberdade para eleger de modo autoritrio e livre de balizas quais os bens jurdicos merecedores de proteo, ou seja, se pudesse, a seu bel-pra- zer, escolher, sem limites impostos por princpios maiores, o que vai ser e o que no vai ser crime. O Direito Penal muito mais do que um instrumento opressivo em defesa do aparelho estatal. Exerce uma funo de ordenao dos contatos sociais, estimulando prticas positivas e refreando as perniciosas e, por essa razo, no pode ser fruto de uma elucubrao abstrata ou da necessidade de atender a momentneos apelos demaggicos, mas, ao contrrio, refletir, com mtodo e cincia, o justo anseio social. Com base nessas premissas, deve-se estabelecer uma limitao elei- o de bens jurdicos por parte do legislador, ou seja, no todo e qualquer interesse que pode ser selecionado para ser defendido pelo Direito Penal, mas to somente aquele reconhecido e valorado pelo Direito, de acordo com seus princpios reitores. O tipo penal est sujeito a um permanente controle prvio (ex ante), no sentido de que o legislador deve guiar-se pelos valores consagrados pela
  23. 23. 28 dialtica social, cultural e histrica, conformada ao esprito da Constituio, e a um controle posterior, estando sujeito ao controle de constitucionalida- de concentrado e difuso. A funo da norma a proteo de bens jurdicos a partir da soluo dos conflitos sociais, razo pela qual a conduta somente ser considerada tpica se criar uma situao de real perigo para a coletividade. De todo o exposto, podemos extrair as seguintes consideraes: 1. O Direito Penal brasileiro somente pode ser concebido luz do perfil constitucional do Estado Democrtico de Direito, devendo, portanto, ser um direito penal democrtico. 2. Do Estado Democrtico de Direito parte um gigantesco tentculo, a regular todo o sistema penal, que o princpio da dignidade humana, de modo que toda incriminao contrria ao mesmo substancialmente in- constitucional. 3. Da dignidade humana derivam princpios constitucionais do Direi- to Penal, cuja funo estabelecer limites liberdade de seleo tpica do legislador, buscando, com isso, uma definio material do crime. 4. Esses contornos tornam o tipo legal uma estrutura bem distinta da concepo meramente descritiva do incio do sculo passado, de modo que o processo de adequao de um fato passa a submeter-se rgida apreciao axiolgica. 5. O legislador, no momento de escolher os interesses que merecero a tutela penal, bem como o operador do direito, no instante em que vai proceder adequao tpica, devem, forosamente, verificar se o conte- do material daquela conduta atenta contra a dignidade humana ou os princpios que dela derivam. Em caso positivo, estar manifestada a inconstitucionalidade substancial da norma ou daquele enquadramento, devendo ser exercitado o controle tcnico, afirmando a incompatibilidade vertical com o Texto Magno. 6. A criao do tipo e a adequao concreta da conduta ao tipo devem operar-se em consonncia com os princpios constitucionais do Direito Penal, os quais derivam da dignidade humana que, por sua vez, encontra fundamento no Estado Democrtico de Direito. 1.4.2. Princpios penais limitadores decorrentes da dignidade humana No Estado Democrtico de Direito necessrio que a conduta consi- derada criminosa tenha realmente contedo de crime. Crime no apenas
  24. 24. 29 aquilo que o legislador diz s-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, no colocar em perigo valores fundamentais da sociedade. Da dignidade nascem os demais princpios orientadores e limitadores do Direito Penal, dentre os quais merecem destaque: a) Insignificncia ou bagatela: originrio do Direito Romano, e de cunho civilista, tal princpio funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na realizao dos objetivos sociais traados pela moderna poltica criminal. Segundo tal princpio, o Direito Penal no deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que no podem ser admitidos tipos incrimina- dores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurdico. A tipicidade penal exige um mnimo de lesividade ao bem jurdico protegido, pois inconcebvel que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o in- teresse protegido. Se a finalidade do tipo penal tutelar um bem jurdico, sempre que a leso for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, no haver adequao tpica. que no tipo no esto descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razo pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atpicos. O Superior Tribunal de Justia, por intermdio de sua 5 Turma, tem reconhecido a tese da excluso da tipicidade nos chamados delitos de ba- gatela, aos quais se aplica o princpio da insignificncia, dado que lei no cabe preocupar-se com infraes de pouca monta, insuscetveis de causar o mais nfimo dano coletividade6 . O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, assentou algumas cir- cunstncias que devem orientar a aferio do relevo material da tipicida- de penal, tais como: (a) a mnima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ao, (c) o reduzidssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da leso jur- 6. Nesse sentido: REsp 234.271, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU, 8-5-2000, p. 115; REsp 235.015, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU, 8-5-2000, p. 116.
  25. 25. 30 dica provocada7 . Assim, j se considerou que no se deve levar em con- ta apenas e to somente o valor subtrado (ou pretendido subtrao) como parmetro para aplicao do princpio da insignificncia. Do contrrio, por bvio, deixaria de haver a modalidade tentada de vrios crimes, como no prprio exemplo do furto simples, bem como desapareceria do orde- namento jurdico a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, 2). (...) O critrio da tipicidade material dever levar em considerao a importncia do bem jurdico possivelmente atingido no caso concreto. No caso em tela, a leso se revelou significante no obstante o bem subtrado ser in- ferior ao valor do salrio mnimo. Vale ressaltar que h informao nos autos de que o valor subtrado representava todo o valor encontrado no caixa, sendo fruto do trabalho do lesado que, passada a meia-noite, ainda mantinha o trailer aberto para garantir uma sobrevivncia honesta8 . No se pode, porm, confundir delito insignificante ou de bagatela com crimes de menor potencial ofensivo. Estes ltimos so definidos pelo art. 61 da Lei n. 9.099/95 e submetem-se aos Juizados Especiais Criminais, sendo que neles a ofensa no pode ser acoimada de insignificante, pois possui gravidade ao menos perceptvel socialmente, no podendo falar-se em aplicao desse princpio. O princpio da insignificncia no aplicado no plano abstrato. No se pode, por exemplo, afirmar que todas as contravenes penais so insignificantes, pois, dependendo do caso concreto, isto no se pode revelar verdadeiro. Andar pelas ruas armado com uma faca um fato con- travencional que no pode ser considerado insignificante. So de menor potencial ofensivo, submetem-se ao procedimento sumarssimo, beneficiam- se de institutos despenalizadores (transao penal, suspenso condicional do processo etc.), mas no so, a priori, insignificantes. Tal princpio dever ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as suas especificidades. O furto, abstratamente, no uma bagatela, mas a subtrao de um chiclete pode ser. Em outras palavras, nem toda conduta subsumvel ao art. 155 do Cdigo Penal alcanada por este prin- cpio, algumas sim, outras no. um princpio aplicvel no plano concreto, portanto. Da mesma forma, vale notar que o furto de um automvel jamais ser insignificante, mesmo que, diante do patrimnio da vtima, o valor seja 7. STF, 1 Turma, HC 94.439/RS, Rel. Min. Menezes Direito, j. 3-3-2009. 8. STF, 2 Turma, RHC 96.813/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31-3-2009.
  26. 26. 31 pequeno quando cotejado com os seus demais bens. A respeito do furto, vale trazer baila alguns julgados do Supremo Tribunal Federal: tratando- -se de furto de dois botijes de gs vazios, avaliados em 40,00 (quarenta reais), no revela o comportamento do agente lesividade suficiente para justificar a condenao, aplicvel, destarte, o princpio da insignificncia9 . Da mesma maneira, a conduta perpetrada pelo agente tentativa de furto qualificado de dois frascos de xampu, no valor total de R$ 6,64 (seis reais e sessenta e quatro centavos) , insere-se na concepo doutrinria e ju- risprudencial de crime de bagatela (STJ, 5 Turma, HC 123.981/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 17-3-2009, DJe, 13-4-2009). E, ainda: A subtrao de gneros alimentcios avaliados em R$ 84,46, embora se amolde definio jurdica do crime de furto, no ultrapassa o exame da tipicidade material, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mnima; no houve nenhuma periculosidade social da ao; a reprovabilidade do comportamen- to foi de grau reduzidssimo e a leso ao bem jurdico se revelou inexpres- siva, porquanto os bens foram restitudos10 . Com relao aplicao desse princpio, nos crimes contra a admi- nistrao pblica, no existe razo para negar incidncia nas hipteses em que a leso ao errio for de nfima monta. o caso do funcionrio pbli- co que leva para casa algumas folhas, um punhado de clips ou uma bor- racha, apropriando-se de tais bens. Como o Direito Penal tutela bens ju- rdicos, e no a moral, objetivamente o fato ser atpico, dada a sua irre- levncia11 . No crime de leses corporais, em que se tutela bem indispon- vel, se as leses forem insignificantes, como mera vermelhido provoca- da por um belisco, tambm no h que se negar a aplicao do mencio- nado princpio. 9. STF, AgRg no REsp 1043525/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 16-4-2009, DJe 4-5- 2009. 10. STJ, 5 Turma, HC 110.932/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 10-3-2009, DJe, 6-4-2009. 11. Em sentido contrrio, j decidiu o Superior Tribunal de Justia, sob o argumento de que a norma busca resguardar no somente o aspecto patrimonial, mas moral da Admi- nistrao (STJ, 6 T., HC 50863/PE, Rel. Min. Hlio Quaglia Barbosa, j. 4-4-2006, DJ, 26-6-2006, p. 216). No mesmo sentido, j se manifestou o Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em tais casos descabe agasalhar o princpio da insignificncia consoan- te o qual ho de ser levados em conta a qualificao do agente e os valores envolvidos quando se trata de prefeito e de coisa pblica (STF, 1 Turma, HC 88.941/AL, Rel. Min. Marco Aurlio, j. 19-8-2008).
  27. 27. 32 Na hiptese de crime de descaminho de bens, sero arquivados os autos das execues fiscais de dbitos inscritos como DvidaAtiva da Unio inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) (cf. art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redao determinada pela Lei n. 11.033/2004). Assim, no caso de o dbito tributrio e a multa no excederem a esse valor, a Fazenda Pblica est autorizada a se recusar a efetuar a cobrana em juzo, sob o argumento de que a irrisria quantia no compensa a instaurao de um executivo fiscal, o que levou o Superior Tribunal de Justia a considerar atpico o fato, por influxo do princpio da insignificncia12 . H, finalmente, julgado da Suprema Corte no sentido de que, em ma- tria ambiental, surgindo a insignificncia do ato em razo do bem protegi- do, impe-se a absolvio do acusado13 . De forma contrria, j se decidiu que a preservao ambiental deve ser feita de forma preventiva e repressi- va, em benefcio de prximas geraes, sendo intolervel a prtica reiterada de pequenas aes contra o meio ambiente, que, se consentida, pode resul- tar na sua inteira destruio e em danos irreversveis14 . b) Alteridade ou transcendentalidade: probe a incriminao de atitude meramente interna, subjetiva do agente e que, por essa razo, reve- la-se incapaz de lesionar o bem jurdico. O fato tpico pressupe um com- portamento que transcenda a esfera individual do autor e seja capaz de atingir o interesse do outro (altero). Ningum pode ser punido por ter feito mal s a si mesmo. No h lgica em punir o suicida frustrado ou a pessoa que se aoita, na lgubre solido de seu quarto. Se a conduta se esgota na esfera do prprio autor, no h fato tpico. Tal princpio foi desenvolvido por Claus Roxin, segundo o qual s pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que no seja simplesmente pecaminoso ou imoral. conduta puramente interna, ou puramente individual seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente , falta a lesividade que pode legitimar a inter- veno penal15 . 12. STF, 2 Turma, HC 96.374/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31-3-2009. 13. STF, Tribunal Pleno, AP 439/SP, Rel. Min. Marco Aurlio, j. 12-6-2008. 14. TRF, 1 Regio, ACR 2003.34.00.019634-0/DF, 3 Turma, Rel. Des. Olindo Me- nezes, j. 14-2-2006. 15. Cf. Nilo Batista, Introduo, cit., p. 91.
  28. 28. 33 Por essa razo, a autoleso no crime, salvo quando houver inteno de prejudicar terceiros, como na autoagresso cometida com o fim de frau- de ao seguro, em que a instituio seguradora ser vtima de estelionato (CP, art. 171, 2, V). No delito previsto no art. 28 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 200616 , poder-se-ia alegar ofensa a este princpio, pois quem usa droga s est fa- zendo mal a prpria sade, o que no justificaria uma intromisso repressi- va do Estado (os drogados costumam dizer: se eu uso droga, ningum tem nada a ver com isso, pois o nico prejudicado sou eu). Tal argumento no convence. A Lei n. 11.343/2006 no tipifica a ao de usar a droga, mas apenas o porte, pois o que a lei visa coibir o perigo social representado pela de- teno, evitando facilitar a circulao da substncia entorpecente pela so- ciedade, ainda que a finalidade do sujeito seja apenas a de uso prprio. Assim, existe transcendentalidade na conduta e perigo para a sade da co- letividade, bem jurdico tutelado pela norma do art. 28. Interessante questo ser a de quem consome imediatamente a subs- tncia, sem port-la por mais tempo do que o estritamente necessrio para o uso. Nesta hiptese o STF decidiu: no constitui delito de posse de dro- ga para uso prprio a conduta de quem, recebendo de terceiro a droga, para uso prprio, incontinenti a consome17 . Neste caso no houve deteno, nem perigo social, mas simplesmente o uso. Se houvesse crime, a pessoa estaria sendo castigada pelo Poder Pblico, por ter feito mal sua sade e a de mais ningum. No se pode confundir a conduta de portar para uso futuro com a de portar enquanto usa. Somente na primeira hiptese estar configurado 16. A nova Lei de Txicos, publicada em 24 de agosto de 2006, entrou em vigor 45 dias aps sua publicao, revogando expressamente as Leis n. 6.368/76 e n. 10.409/2002. A antiga conduta prevista no art. 16 da Lei n. 6.368/76 passou a ser objeto do art. 28 da nova lei, a qual vedou a imposio de pena privativa de liberdade ao usurio, impondo-lhe, no entanto, medidas educativas (advertncia sobre os efeitos da droga, prestao de servios comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo). Men- cione-se que: s mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas preparao de pequena quantidade de substncia ou produto capaz de causar dependncia fsica ou psquica (art. 28, 1). Tal conduta constitua fato atpico na antiga Lei de Txicos, embora houvesse quem a enquadrasse no art. 16 ou no art. 12, 1, I, da Lei n. 6.368/76, o que gerava discusso. 17. STF, 1 Turma, HC 189/SP, j. 12-12-2000, DJU, 9-3-2001, p. 103, Phoenix n. 14, maio/2001, rgo informativo do Complexo Jurdico Damsio de Jesus.
  29. 29. 34 o crime do art. 28 da Lei de Drogas. Quem detm a droga somente durante o tempo estritamente necessrio em que a consome limita-se a utiliz-la em prejuzo de sua prpria sade, sem provocar danos a interesses de terceiros, de modo que o fato atpico por influxo do princpio da alteridade. O princpio da alteridade veda tambm a incriminao do pensamento (pensiero non paga gabella) ou de condutas moralmente censurveis, mas incapazes de penetrar na esfera do altero. O bem jurdico tutelado pela norma , portanto, o interesse de terceiros, pois seria inconcebvel provocar a intervenincia criminal repressiva contra algum que est fazendo apenas mal a si mesmo, como, por exemplo, punir- -se um suicida malsucedido com pena pecuniria, corporal ou at mesmo capital. c) Confiana: trata-se de requisito para a existncia do fato tpico, no devendo ser relegado para o exame da culpabilidade. Funda-se na premissa de que todos devem esperar por parte das outras pessoas que estas sejam responsveis e ajam de acordo com as normas da sociedade, visando a evitar danos a terceiros. Por essa razo, consiste na realizao da conduta, na confiana de que o outro atuar de um modo nor- mal j esperado, baseando-se na justa expectativa de que o comportamento das outras pessoas se dar de acordo com o que normalmente acontece. Por exemplo: nas intervenes mdico-cirrgicas, o cirurgio tem de confiar na assistncia correta que costuma receber dos seus auxiliares, de maneira que, se a enfermeira lhe passa uma injeo com medicamento tro- cado e, em face disso, o paciente vem a falecer, no haver conduta culposa por parte do mdico, pois no foi sua ao mas sim a de sua auxiliar que violou o dever objetivo de cuidado. O mdico ministrou a droga fatal impe- lido pela natural e esperada confiana depositada em sua funcionria. Outro exemplo o do motorista que, trafegando pela preferencial, passa por um cruzamento, na confiana de que o veculo da via secundria aguardar sua passagem. No caso de um acidente, no ter agido com culpa18 . A vida social se tornaria extremamente dificultosa se cada um tivesse de vigiar o comportamento do outro, para verificar se est cumprindo todos os seus deveres de cuidado; por conseguinte, no realiza conduta tpica aquele que, agindo de acordo com o direito, acaba por envolver-se em situa- o em que um terceiro descumpriu seu dever de lealdade e cuidado. 18. Cf. Hans Welzel, Derecho penal alemn, 4. ed., cit., p. 159.
  30. 30. 35 O princpio da confiana, contudo, no se aplica quando era funo do agente compensar eventual comportamento defeituoso de terceiros. Por exemplo: um motorista que passa bem ao lado de um ciclista no tem por que esperar uma sbita guinada do mesmo em sua direo, mas deveria ter se acautelado para que no passasse to prximo, a ponto de criar uma si- tuao de perigo19 . Como atuou quebrando uma expectativa social de cui- dado, a confiana que depositou na vtima qualifica-se como proibida: o chamado abuso da situao de confiana. Deste modo, surge a confiana permitida, que aquela que decorre do normal desempenho das atividades sociais, dentro do papel que se espera de cada um, a qual exclui a tipicidade da conduta, em caso de comporta- mento irregular inesperado de terceiro; e a confiana proibida, quando o autor no deveria ter depositado no outro toda a expectativa, agindo no li- mite do que lhe era permitido, com ntido esprito emulativo. Em suma, se o comportamento do agente se deu dentro do que dele se esperava, a confiana permitida; quando h abuso de sua parte em usufruir da posio que desfruta incorrer em fato tpico. d) Adequao social: todo comportamento que, a despeito de ser con- siderado criminoso pela lei, no afrontar o sentimento social de justia (aqui- lo que a sociedade tem por justo) no pode ser considerado criminoso. Para essa teoria, o Direito Penal somente tipifica condutas que tenham certa relevncia social. O tipo penal pressupe uma atividade seletiva de comportamento, escolhendo somente aqueles que sejam contrrios e nocivos ao interesse pblico, para serem erigidos categoria de infraes penais; por conseguinte, as condutas aceitas socialmente e consideradas normais no podem sofrer este tipo de valorao negativa, sob pena de a lei incrimi- nadora padecer do vcio de inconstitucionalidade. Por isso que Jakobs afirma que determinadas formas de atividade permitida no podem ser incriminadas, uma vez que se tornaram consagra- das pelo uso histrico, isto , costumeiro, aceitando-se como socialmente adequadas20 . No se pode confundir o princpio em anlise com o da insignificncia. Na adequao social, a conduta deixa de ser punida por no mais ser con- 19. Gunther Jakobs, Derecho penal; parte general, 2. ed., Madrid, Marcial Pons, 1997, p. 255. 20. Derecho penal, cit., p. 244.
  31. 31. 36 siderada injusta pela sociedade; na insignificncia, a conduta considerada injusta, mas de escassa lesividade. Critica-se essa teoria porque, em primeiro lugar, costume no revoga lei, e, em segundo, porque no pode o juiz substituir-se ao legislador e dar por revogada uma lei incriminadora em plena vigncia, sob pena de afron- ta ao princpio constitucional da separao dos poderes, devendo a ativida- de fiscalizadora do juiz ser suplementar e, em casos extremos, de clara atuao abusiva do legislador na criao do tipo. Alm disso, o conceito de adequao social um tanto quanto vago e impreciso, criando insegurana e excesso de subjetividade na anlise material do tipo, no se ajustando por isso s exigncias da moderna dogmtica penal. Entretanto, foroso reconhecer que, embora o conceito de adequao social no possa ser aceito com exclusividade, atualmente impossvel deixar de reconhecer sua importncia na interpretao da subsuno de um fato concreto a um tipo penal. Atuando ao lado de outros princpios, pode levar excluso da tipicidade. e) Interveno mnima21 : assenta-se na Declarao de Direitos do Homem e do Cidado, de 1789, cujo art. 8 determinou que a lei s deve prever as penas estritamente necessrias. A interveno mnima tem como ponto de partida a caracterstica da fragmentariedade do Direito Penal. Este se apresenta por meio de pequenos flashs, que so pontos de luz na escurido do universo. Trata-se de um gi- gantesco oceano de irrelevncia, ponteado por ilhas de tipicidade, enquan- to o crime um nufrago deriva, procurando uma poro de terra na qual se possa achegar. Somente haver Direito Penal naqueles raros episdios tpicos em que a lei descreve um fato como crime; ao contrrio, quando ela nada disser, no haver espao para a atuao criminal. Nisso, alis, consiste a principal proteo poltica do cidado em face do poder punitivo estatal, qual seja, a de que somente poder ter invadida sua esfera de liberdade, se realizar uma conduta descrita em um daqueles raros pontos onde a lei definiu a existn- cia de uma infrao penal. 21. Cf., a respeito, Maura Roberti, A interveno mnima como princpio no direito penal brasileiro, Porto Alegre: Sergio A. Fabris, Editor, 2001.
  32. 32. 37 Ou o autor recai sobre um dos tipos, ou se perde no vazio infinito da ausncia de previso e refoge incidncia punitiva. O sistema , portanto, descontnuo, fragmentado (um tipo aqui, um tipo ali, outro l e assim por diante). Por outro lado, esta seleo, a despeito de excepcional, feita sem nenhum mtodo cientfico, atendendo apenas aos reclamos momentneos da opinio pblica, da mdia e das necessidades impostas pela classe domi- nante, conforme bem ressaltou Juarez Tavares, em cida crtica ao sistema legiferante: Analisando atentamente o processo de elaborao das normas incriminadoras, a partir primeiramente do dado histrico e depois do obje- tivo jurdico por elas perseguido, bem como o prprio enunciado tpico das aes proibidas ou mandadas, chega-se concluso inicial, embora trgica, de que efetivamente, na maioria das vezes, no h critrios para essa elabo- rao. Isto pode parecer panfletrio, primeira vista, mas retrata fielmente a atividade de elaborao legislativa. Estudos de Haferkamp na Alemanha e Weinberger na Frana demonstram que, com a institucionalizao do poder poltico, a elaborao das normas se expressa como evento do jogo de poder efetuado no marco das foras hegemnicas atuantes no Parlamen- to. A norma, portanto, deixaria de exprimir o to propalado interesse geral, cuja simbolizao aparece como justificativa do princpio representativo para significar, muitas vezes, simples manifestao de interesses partidrios, sem qualquer vnculo com a real necessidade da nao22 . Alm disso, as descries so abstratas, objetivas e impessoais, alcan- ando uma gigantesca gama de situaes bem diversas entre si. Os tipos nesse sistema fragmentrio transportam desde gravssimas violaes ope- radas no caso concreto at nfimas agresses. Quando se descreve como infrao penal subtrair para si ou para outrem coisa alheia mvel, incri- mina-se tanto o furto de centenas de milhes de uma instituio bancria, com nefastas consequncias para milhares de correntistas, quanto a subtra- o de uma estatueta oca de gesso em uma feira de artesanato. O tipo do furto uma nuvem incriminadora na imensido do cu de atipicidade, mas o mtodo abstrato, que tem a vantagem da impessoalidade, tem o desconforto de alcanar comportamentos de toda a ordem, mesmo contando com descrio taxativa. A imperfeio no decorre da construo abstrata do tipo, mas da fragmentariedade do sistema criminalizador, totalmente dependente de previses genricas, abstratas e abrangentes, incapazes de, por si ss, dis- 22. Critrios de seleo de crimes e cominao de penas, p. 73-74.
  33. 33. 38 tinguirem entre os fatos relevantes e os irrelevantes que nela formalmente se subsumem. Alm de defeituoso o sistema de criao normativa e da excessiva abran- gncia dos modelos objetivos, os quais no levam em considerao a dispari- dade das situaes concretas, concorre ainda a panaceia cultural que faz surgir, dentro do mesmo pas, inmeras naes, com costumes, tradies e conceitos bem diversos, mas submetidas mesma ordem de incriminao abstrata. Nesse triplo problema dficit do sistema tipificador, diversidade cultural e abrangncia demasiada de casos concretamente diversos, mas abstratamente idnticos , insere-se o carter fragmentrio do Direito Penal, fincando a questo: Como solucionar, por meio de descries pon- tuais e abstratas, todos os variados problemas reais? A resposta se impe, com o reconhecimento prvio da existncia da fragmentariedade e da necessidade de empregar critrios reparadores das falhas de todo o sistema, dentre os quais a interveno mnima. Somente assim ser possvel compensar o alcance excessivamente incriminador de hipteses concretas to quantitativamente diversas do pon- to de vista da danosidade social. A interveno mnima tem, por conseguinte, dois destinatrios prin- cipais. Ao legislador o princpio exige cautela no momento de eleger as con- dutas que merecero punio criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Somente aqueles que, segundo comprovada experincia anterior, no puderam ser convenientemente contidos pela aplicao de outros ramos do direito devero ser catalogados como crimes em modelos descritivos legais. Ao operador do Direito recomenda-se no proceder ao enquadramen- to tpico, quando notar que aquela pendncia pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuao de outros ramos menos agressivos do ordenamen- to jurdico.Assim, se a demisso com justa causa pacifica o conflito gerado pelo pequeno furto cometido pelo empregado, o direito trabalhista tornou inoportuno o ingresso do penal. Se o furto de um chocolate em um super- mercado j foi solucionado com o pagamento do dbito e a expulso do inconveniente fregus, no h necessidade de movimentar a mquina per- secutria do Estado, to assoberbada com a criminalidade violenta, a orga- nizada, o narcotrfico e as dilapidaes ao errio. Da interveno mnima decorre, como corolrio indestacvel, a carac- terstica de subsidiariedade. Com efeito, o ramo penal s deve atuar quando
  34. 34. 39 os demais campos do Direito, os controles formais e sociais tenham perdido a eficcia e no sejam capazes de exercer essa tutela. Sua interveno s deve operar quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurdico predispostas por outros ramos do Direito. Pressupe, portanto, que a inter- veno repressiva no crculo jurdico dos cidados s tenha sentido como imperativo de necessidade, isto , quando a pena se mostrar como nico e ltimo recurso para a proteo do bem jurdico, cedendo a cincia criminal a tutela imediata dos valores primordiais da convivncia humana a outros campos do Direito, e atuando somente em ltimo caso (ultima ratio)23 . Se existe um recurso mais suave em condies de solucionar plenamen- te o conflito, torna-se abusivo e desnecessrio aplicar outro mais traumtico. A interveno mnima e o carter subsidirio do Direito Penal decor- rem da dignidade humana, pressuposto do Estado Democrtico de Direito, e so uma exigncia para a distribuio mais equilibrada da justia. f) Proporcionalidade: alm de encontrar assento na imperativa exi- gncia de respeito dignidade humana, tal princpio aparece insculpido em diversas passagens de nosso Texto Constitucional, quando abole certos tipos de sanes (art. 5, XLVII), exige individualizao da pena (art. 5, XLVI), maior rigor para casos de maior gravidade (art. 5, XLII, XLIII e XLIV) e moderao para infraes menos graves (art. 98, I). Baseia-se na relao custo-benefcio. Toda vez que o legislador cria um novo delito, impe um nus so- ciedade, decorrente da ameaa de punio que passa a pairar sobre todos os cidados. Uma sociedade incriminadora uma sociedade invasiva, que limita em demasia a liberdade das pessoas. Por outro lado, esse nus compensado pela vantagem de proteo do interesse tutelado pelo tipo incriminador. A sociedade v limitados certos comportamentos, ante a cominao da pena, mas tambm desfruta de uma tutela a certos bens, os quais ficaro sob a guarda do Direito Penal. Para o princpio da proporcionalidade, quando o custo for maior do que a vantagem, o tipo ser inconstitucional, porque contrrio ao Estado Democrtico de Direito. Em outras palavras: a criao de tipos incriminadores deve ser uma atividade compensadora para os membros da coletividade. 23. Cf. Nilo Batista, Introduo, cit., p. 84.
  35. 35. 40 Com efeito, um Direito Penal democrtico no pode conceber uma incriminao que traga mais temor, mais nus, mais limitao social do que benefcio coletividade. Somente se pode falar na tipificao de um comportamento humano, na medida em que isto se revele vantajoso em uma relao de custos e be- nefcios sociais. Em outras palavras, com a transformao de uma conduta em infrao penal impe-se a toda coletividade uma limitao, a qual pre- cisa ser compensada por uma efetiva vantagem: ter um relevante interesse tutelado penalmente. Quando a criao do tipo no se revelar proveitosa para a sociedade, estar ferido o princpio da proporcionalidade, devendo a descrio legal ser expurgada do ordenamento jurdico por vcio de inconstitucionalidade. Alm disso, a pena, isto , a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar proporo com o mal infligido ao corpo social. Deve ser proporcional extenso do dano, no se admitindo penas idnticas para crimes de lesivi- dades distintas, ou para infraes dolosas e culposas. Exemplo da aplicao do princpio da proporcionalidade ocorreu no julgamento de umaAo Direta de Inconstitucionalidade, na qual o Supremo Tribunal Federal suspendeu, por liminar, os efeitos da Medida Provisria n. 2.045/2000, que proibia o registro de armas de fogo, por considerar no haver proporcionalidade entre os custos sociais como desemprego e perda de arrecadao tributria e os benefcios que compensassem o sacrifcio24 . Necessrio, portanto, para que a sociedade suporte os custos sociais de tipificaes limitadoras da prtica de determinadas condutas, que se demonstre a utilidade da incriminao para a defesa do bem jurdico que se quer proteger, bem como a sua relevncia em cotejo com a natureza e quan- tidade da sano cominada. g) Humanidade: a vedao constitucional da tortura e de tratamento desumano ou degradante a qualquer pessoa (art. 5, III), a proibio da pena de morte, da priso perptua, de trabalhos forados, de banimento e das penas cruis (art. 5, XLVII), o respeito e proteo figura do preso (art. 5, XLVIII, XLIX e L) e ainda normas disciplinadoras da priso processual (art. 5, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV e LXVI), apenas para citar alguns casos, impem ao legislador e ao intrprete mecanismos de controle de tipos legais. 24. ADInMC 2.290-DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 18-10-2000, Informativo STF n. 16, de 20-10-2000, n. 207, p. 1.
  36. 36. 41 Disso resulta ser inconstitucional a criao de um tipo ou a cominao de alguma pena que atente desnecessariamente contra a incolumidade fsi- ca ou moral de algum (atentar necessariamente significa restringir alguns direitos nos termos da Constituio e quando exigido para a proteo do bem jurdico). Do princpio da humanidade decorre a impossibilidade de a pena passar da pessoa do delinquente, ressalvados alguns dos efeitos extrapenais da con- denao, como a obrigao de reparar o dano na esfera cvel, que podem atingir os herdeiros do infrator at os limites da herana (CF, art. 5, XLV). h) Necessidade e idoneidade: decorrem da proporcionalidade. A incriminao de determinada situao s pode ocorrer quando a tipificao revelar-se necessria, idnea e adequada ao fim a que se destina, ou seja, concreta e real proteo do bem jurdico. Quando a comprovada demonstrao emprica revelar que o tipo no precisava tutelar aquele interesse, dado que outros campos do direito ou mesmo de outras cincias tm plenas condies de faz-lo com sucesso, ou ainda quando a descrio for inadequada, ou ainda quando o rigor for ex- cessivo, sem trazer em contrapartida a eficcia pretendida, o dispositivo incriminador padecer de insupervel vcio de incompatibilidade vertical com os princpios constitucionais regentes do sistema penal. Nenhuma incriminao subsistir em nosso ordenamento jurdico, quando a definio legal revelar-se incapaz, seja pelo critrio definidor empregado, seja pelo excessivo rigor, seja ainda pela afronta dignidade humana, de tutelar concretamente o bem jurdico. Surge, ento, a necessidade de precisa definio do bem jurdico, sem o que a norma no tem objeto e, por conseguinte, no pode existir. Um tipo sem bem jurdico para defender como um processo sem lide para solu- cionar, ou seja, um nada. O conceito de bem jurdico , atualmente, um dos maiores desafios de nossa doutrina, na busca de um direito protetivo e garantista, e, portanto, obediente ao Estado Democrtico de Direito. i) Ofensividade, princpio do fato e da exclusiva proteo do bem jurdico: no h crime quando a conduta no tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de leso ao bem jurdico. A punio de uma agresso em sua fase ainda embrionria, embora aparentemente til do ponto de vista da defesa social, representa ameaa proteo do indivduo contra uma atuao demasiadamente intervencionis- ta do Estado.
  37. 37. 42 Como ensina Luiz Flvio Gomes, o princpio do fato no permite que o direito penal se ocupe das intenes e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, das suas atitudes internas (enquanto no exte- riorizada a conduta delitiva)...25 . A atuao repressivo-penal pressupe que haja um efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, isto , o surgimento de, pelo menos, um real perigo ao bem jurdico. O princpio da ofensividade considera inconstitucionais todos os cha- mados delitos de perigo abstrato, pois, segundo ele, no h crime sem comprovada leso ou perigo de leso a um bem jurdico. No se confunde com princpio da exclusiva proteo do bem jurdico, segundo o qual o direito no pode defender valores meramente morais, ticos ou religiosos, mas to somente os bens fundamentais para a convivncia e o desenvolvi- mento social. Na ofensividade, somente se considera a existncia de uma infrao penal quando houver efetiva leso ou real perigo de leso ao bem jurdico. No primeiro, h uma limitao quanto aos interesses que podem ser tutelados pelo Direito Penal; no segundo, s se considera existente o delito quando o interesse j selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real e concreto. Nesse sentido, a sempre precisa lio de Luiz Flvio Gomes: A funo principal do princpio da exclusiva proteo de bens jurdi- cos a de delimitar uma forma de direito penal, o direito penal do bem jurdico, da que no seja tarefa sua proteger a tica, a moral, os costumes, uma ideologia, uma determinada religio, estratgias sociais, valores cul- turais como tais, programas de governo, a norma penal em si etc. O direito penal, em outras palavras, pode e deve ser conceituado como um conjunto normativo destinado tutela de bens jurdicos, isto , de relaes sociais conflitivas valoradas positivamente na sociedade democrtica. O princpio da ofensividade, por sua vez, nada diz diretamente sobre a misso ou forma do direito penal, seno que expressa uma forma de compreender ou de conceber o delito: o delito como ofensa a um bem jurdico. E disso deriva, como j afirmamos tantas vezes, a inadmissibilidade de outras formas de delito (mera desobedincia, simples violao da norma imperativa etc.). Em face do exposto impende a concluso de que no podemos mencionar tais 25. Princpio da ofensividade no direito penal, So Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 41.
  38. 38. 43 princpios indistintamente, tal como vm fazendo alguns setores da doutri- na e da jurisprudncia estrangeira26 . A funo principal da ofensividade a de limitar a pretenso punitiva estatal, de maneira que no pode haver proibio penal sem um contedo ofensivo a bens jurdicos. O legislador deve se abster de formular descries incapazes de lesar ou, pelo menos, colocar em real perigo o interesse tutelado pela norma. Caso isto ocorra, o tipo dever ser excludo do ordenamento jurdico por incom- patibilidade vertical com o Texto Constitucional. Toda norma penal em cujo teor no se vislumbrar um bem jurdico claramente definido e dotado de um mnimo de relevncia social, ser con- siderada nula e materialmente inconstitucional. O intrprete tambm deve cuidar para que em especfico caso concre- to, no qual no se vislumbre ofensividade ou real risco de afetao do bem jurdico, no haja adequao na descrio abstrata contida na lei. Em vista disso, somente restar justificada a interveno do Direito Penal quando houver um ataque capaz de colocar em concreto e efetivo perigo um bem jurdico. Delineando-se em termos precisos, a noo de bem jurdico poder exercer papel fundamental como mecanismo garantidor e limitador dos abusos repressivos do Poder Pblico. Sem afetar o bem jurdico, no existe infrao penal. Trata-se de princpio ainda em discusso no Brasil. Entendemos que subsiste a possibilidade de tipificao dos crimes de perigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legtima estratgia de defesa do bem jurdico contra agresses em seu estgio ainda embrionrio, reprimindo-se a conduta, antes que ela venha a produzir um perigo concre- to ou um dano efetivo. Trata-se de cautela reveladora de zelo do Estado em proteger adequadamente certos interesses. Eventuais excessos podem, no entanto, ser corrigidos pela aplicao do princpio da proporcionalidade27 . j) Princpio da auto responsabilidade: os resultados danosos que decorrem da ao livre e inteiramente responsvel de algum s podem ser 26. Princpio da ofensividade, cit., p. 43. 27. Cf. sobre o assunto nosso Estatuto do Desarmamento, 3. ed., So Paulo, Saraiva, 2005.
  39. 39. 44 imputados a este e no quele que o tenha anteriormente motivado. Exem- plo: o sujeito, aconselhado por outro a praticar esportes mais radicais, resolve voar de asa-delta. Acaba sofrendo um acidente e vindo a falecer. O resultado morte no pode ser imputado a ningum mais alm da vtima, pois foi a sua vontade livre, consciente e responsvel que a impeliu a correr riscos. k) Princpio da responsabilidade pelo fato: o direito penal no se presta a punir pensamentos, ideias, ideologias, nem o modo de ser das pes- soas, mas, ao contrrio, fatos devidamente exteriorizados no mundo con- creto e objetivamente descritos e identificados em tipos legais. A funo do Estado consiste em proteger bens jurdicos contra comportamentos externos, efetivas agresses previamente descritas em lei como delitos, bem como estabelecer um compromisso tico com o cidado para o melhor desenvol- vimento das relaes intersociais. No pode castigar meros pensamentos, ideias, ideologias, manifestaes polticas ou culturais discordantes, tam- pouco incriminar categorias de pessoas. Os tipos devem definir fatos, asso- ciando-lhes penas, e no estereotipar autores. Na Alemanha nazista, por exemplo, no havia propriamente crimes, mas criminosos. Incriminavam-se os traidores da nao ariana e no os fatos eventualmente cometidos. Eram tipos de pessoas, no de condutas. Castigavam-se a deslealdade com o Es- tado, as manifestaes ideolgicas contrrias doutrina nacional-socialista, os subversivos e assim por diante. No pode existir, portanto, um direito penal do autor, mas sim do fato. l) Princpio da imputao pessoal: o direito penal no pode castigar um fato cometido por quem no rena capacidade mental suficiente para compreender o que faz ou de se determinar de acordo com esse entendimento. No pune os inimputveis. m) Princpio da personalidade: ningum pode ser responsabilizado por fato cometido por outra pessoa. A pena no pode passar da pessoa do condenado (CF, art. 5, XLV). n) Princpio da responsabilidade subjetiva: nenhum resultado ob- jetivamente tpico pode ser atribudo a quem no o tenha produzido por dolo ou culpa, afastando-se a responsabilidade objetiva. Do mesmo modo, nin- gum pode ser responsabilizado sem que rena todos os requisitos da cul- pabilidade. Por exemplo: nos crimes qualificados pelo resultado, o resultado agravador no pode ser atribudo a quem no o tenha causado pelo menos culposamente. Tome-se o exemplo de um sujeito que acaba de conhecer um hemoflico e, aps breve discusso, lhe faz um pequeno corte no brao. Em face da patologia j existente, a vtima sangra at morrer. O agente deu
  40. 40. 45 causa morte (conditio sine qua non), mas no responde por ela, pois no a causou com dolo (quem quer matar corta a artria aorta, no o brao), nem com culpa (no tinha como prever o desfecho trgico, pois desconhecia a existncia do problema anterior). a inteligncia do art. 19 do CP. o) Princpio da coculpabilidade ou corresponsabilidade: entende que a responsabilidade pela prtica de uma infrao penal deve ser compar- tilhada entre o infrator e a sociedade, quando essa no lhe tiver proporcio- nado oportunidades. No foi adotado entre ns. 1.5. Os limites do controle material do tipo incriminador Como se percebe, imperativo do Estado Democrtico de Direito a investigao ontolgica do tipo incriminador. Crime no apenas aquilo que o legislador diz s-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma condu- ta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, no colocar em perigo valores fundamentais da sociedade. Imaginemos um tipo com a seguinte descrio: manifestar ponto de vista contrrio ao regime poltico dominante ou opinio capaz de causar melindre nas lideranas polticas. Por evidente, a par de estarem sendo obedecidas as garantias formais de veiculao em lei, materialmente esse tipo no teria qualquer subsistncia, por ferir o princpio da dignidade hu- mana e, assim, no resistir ao controle de compatibilidade vertical com os princpios insertos na ordem constitucional. Na doutrina no existe diver- gncia a respeito.A polmica circunscreve-se aos limites desse controle por parte do Poder Judicirio. Entendemos que, a despeito de necessria, a verificao do contedo da norma deva ser feita em carter excepcional e somente quando houver clara afronta Constituio. Com efeito, a regra do art. 5, XXXIX, da Constituio Federal, se- gundo a qual no h crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prvia cominao legal, incumbiu, com exclusividade, ao legislador a ta- refa de selecionar, dentre todas as condutas do gnero humano, aquelas capazes de colocar em risco a tranquilidade social e a ordem pblica.A isso se convencionou chamar funo seletiva do tipo. A misso de detectar os anseios nas manifestaes sociais especfica de quem detm mandato popular. Ao Poder Legislativo cabe, por conse- guinte, a exclusiva funo de selecionar as condutas mais perniciosas ao convvio social e defini-las como delitos, associando-lhes penas. A discus- so sobre esses critrios escapa formao predominantemente tcnica do Poder Judicirio. Da por que, em ateno ao princpio da separao dos
  41. 41. 46 Poderes, nsito em nosso Texto Constitucional (art. 2), o controle judicial de constitucionalidade material do tipo deve ser excepcional e exercido em caso de flagrante atentado aos princpios constitucionais sensveis. No padecendo de vcios explcitos em seu contedo, no cabe ao magistrado determinar o expurgo do crime de nosso ordenamento jurdico, sob o argu- mento de que no reflete um verdadeiro anseio popular. O controle material , por essa razo, excepcional e deve ser feito apenas em casos bvios de afronta a direitos fundamentais do homem. 1.6. Da Parte Geral do Cdigo Penal: finalidade Ao se analisar o Cdigo Penal brasileiro, verifica-se que a sua estru- tura sistemtica possibilita, desde logo, vislumbrar os princpios comuns e as orientaes gerais que o norteiam. a denominada Parte Geral. Nela constam os dispositivos comuns incidentes sobre todas as normas. Na con- cepo de Welzel28 , a finalidade da Parte Geral do Cdigo Penal assinalar as caractersticas essenciais do delito e de seu autor, comuns a todas as condutas punveis. Assim que toda ao ou omisso penalmente relevante uma unida- de constituda por momentos objetivos e subjetivos. A realizao dessas condutas percorre diferentes etapas: a preparao, a tentativa e a consuma- o. A comunidade pode valorar tais condutas como jurdicas ou antijur- dicas, culpveis ou no. Elas esto relacionadas inseparavelmente com seu autor, cuja personalidade, vontade e conscincia imprimem sua peculiari- dade. Expor esses momentos a misso da Parte Geral, competindo, por sua vez, Parte Especial delimitar as classes particulares de delitos, como o homicdio, o estupro, o dano etc. Miguel Reale Jnior acentua a funo restritiva da Parte Geral, ao fixar certos limites de incidncia das normas incriminadoras e das sanes. E, referindo-se ao ensinamento de Romagnosi, sustenta que a liberdade legal depende da fixao de quais so as aes verdadeiramente criminosas, ta- refa que compreende no s a especificao de quais so os atos que podem a buon diritto cair sob sano, mas tambm dos limites dentre os quais o delito tem existncia e os quais, ao se ultrapassar, deixam de existir e nem punir se possa. Esta finalidade ao ver de Romagnosi no apenas um ob- 28. Derecho penal alemn, cit., p. 50.
  42. 42. 47 jeto importantssimo mas primrio para o legislador que comanda e para os cidados que obedecem29 . 2. FONTES DO DIREITO PENAL Conceito: Fonte o lugar de onde o direito provm. Espcies a) De produo, material ou substancial: refere-se ao rgo incum- bido de sua elaborao. A Unio a fonte de produo do Direito Penal no Brasil (CF, art. 22, I). Obs.: de acordo com o pargrafo nico do art. 22 da Constituio, lei complementar federal poder autorizar os Estados-Membros a legislar em matria penal sobre questes especficas. Trata-se de competncia suple- mentar, que pode ou no lhes ser delegada. Questes especficas significam as matrias relacionadas na lei complementar que tenham interesse mera- mente local. Luiz Vicente Cernicchiaro observa que os Estados no podem legislar sobre matria fundamental de Direito Penal, alterando dispositivos da Parte Geral, criando crimes ou ampliando as causas extintivas da puni- bilidade j existentes, s tendo competncia para legislar nas lacunas da lei federal e, mesmo assim, em questes de interesse especfico e local, como a proteo da vitria-rgia na Amaznia30 . b) Formal, de cognio ou de conhecimento: refere-se ao modo pelo qual o Direito Penal se exterioriza. Espcies de fonte formal a) Imediata: lei. b) Mediata: costumes e princpios gerais do direito. Diferena entre norma e lei Norma: o mandamento de um comportamento normal, retirado do senso comum de justia de cada coletividade. Exemplo: pertence ao senso comum que no se deve matar, roubar, furtar ou estuprar, logo, a ordem 29. Parte geral do Cdigo Penal nova interpretao, Revista dos Tribunais, 1988, p. 17-8. 30. Direito penal na Constituio, 2. ed., So Paulo, Revista dos Tribunais, 1991, p. 26 e 30.
  43. 43. 48 normal de conduta no matar, no furtar, e assim por diante. A norma, portanto, uma regra proibitiva no escrita, que se extrai do esprito dos membros da sociedade, isto , do senso de justia do povo. Lei: a regra escrita feita pelo legislador com a finalidade de tornar expresso o comportamento considerado indesejvel e perigoso pela coleti- vidade. o veculo por meio do qual a norma aparece e torna cogente sua observncia. Na sua elaborao devem ser tomadas algumas cautelas, a fim