RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS
Negociação
Mediação
Arbitragem
Julgados de Paz
Abreviaturas
CC – Código Civil
CCI – Câmara de Comércio Internacional
CIRDI – Centro Internacional de Resolução de Diferendos relativos a Investimentos (International Centre for Settlement of
Investment Disputes)
CPC – Código de Processo Civil
CRP – Constituição da República Portuguesa
IBA – International Bar Association
LAV – Lei da Arbitragem Voluntária, Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto
LCCG - Lei das Clausulas Contratuais Gerais, Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro
LCIA – London Court of International Arbitration
LJP – Lei de Organização, Competência e Funcionamento dos
Julgados de Paz, Lei 78/2001, de 13 de Setembro
ROA – Revista da Ordem dos Advogados
RPE – Regime Processual Experimental, Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
UNCITRAL – United Nations Comission on International Trade LAW
2
Nota sobre jurisprudência
Todos os Acórdãos sem indicação de fonte, poderão ser aqui
consultados em www.dgsi.pt. É indicada a referência número de
processo, o primeiro termo de pesquisa na base de dados.
3
Resolução Alternativa de Litígios
Uma disciplina marcante na formação de um jurista
Escolhi para a elaboração deste relatório a disciplina de
Resolução Alternativa de Litígios. Tal opção prende-se com
diversas razões. A mais importante reside na novidade da matéria
num plano de estudos de uma Faculdade de Direito portuguesa. A
disciplina de Resolução Alternativa de Litígios ou outra
equivalente não integra o programa da licenciatura ou mestrado
(pós-Bolonha) de nenhuma faculdade de direito pública ou privada
portuguesa. A única instituição de ensino superior portuguesa a
oferecer disciplinas nesta área, embora de conteúdo diferente é a
Faculdade de Direito da Universidade Católica (Escola de Lisboa).
As cadeiras oferecidas são: Práticas Arbitrais, no mestrado
forense; Lawyering skills III – Negotiation e Transnational
Dispute Resolution, no mestrado Global Legal Studies; e
Commercial Arbitration and Investment Disputes Resolution no
LL.M.
Como terei oportunidade de referir, embora tratem dos mesmos ou
de alguns assuntos objecto da cadeira em análise, têm pouco em
comum com a que é objecto deste relatório.
4
A circunstância, então, de se tratar de uma nova área de ensino
incorporada na licenciatura ou mestrado em Direito é razão
suficiente para a sua escolha.
Ocorridos dois anos lectivos da sua leccionação na Faculdade de
Direito é o momento certo para reflectir sobre o seu ensino,
deixando ainda feita a pequena história do seu surgimento e
desenvolvimento.
Julgo que a importância desta área de conhecimento se irá impondo
aos diversos cursos de Direito, dado, por um lado, o seu enorme
desenvolvimento e, por outro, a importância cultural, social e
metodológica do conhecimento destes meios alternativos de
resolução de litígios.
O desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de litígios
em Portugal é um facto incontestável. Os diversos Governos desde
os anos 90, em particular desde o início do milénio, têm
investido na criação de centros de arbitragem institucionalizada
(essencialmente na área do direito do consumo), na instalação de
Julgados de Paz e na implementação de serviços de mediação
(laboral, familiar e penal). Falarei nessa evolução mais à
frente.
Cumpre, porém, ressaltar neste momento que recentemente foi
publicada um Resolução do Conselho de Ministros (n.º 172/2007)1,
onde são traçados os próximos investimentos na área da resolução
alternativa de litígios. Prepara-se a criação de centros de
arbitragem com competência em matéria de acção executiva e de
propriedade intelectual, a instalação de mais 4 julgados de paz
em 2007 e outros tantos em 2008. Prevê-se, ainda, o alargamento a
todo o território nacional dos sistemas de mediação familiar e
laboral.
A medida com maior impacto, crê-se, será porém uma outra: a
alteração do regime de custas judiciais de forma que a parte que
1 6 de Novembro de 2007.
5
tenha inviabilizado a utilização dos mecanismos de resolução
alternativa de litígios seja responsável pelo pagamento das
custas. A medida foi aprovada através do Decreto-Lei n.º 34/2008,
de 26 de Fevereiro, diploma que entra em vigor no dia 1 de
Setembro de 2008. De acordo com o novo artigo 447.º-D n.º4 CPC,
“O autor que podendo recorrer a estruturas de resolução
alternativa de litígios, opte pelo recurso ao processo judicial,
suporta as suas custas de parte independentemente do resultado da
acção, salvo quanto a parte contrária tenha inviabilizado a
utilização desse meio de resolução alternativa do litígio.”
Acrescenta o n.º 5 que “As estruturas de resolução alternativa de
litígios referidos no número anterior constam de portaria do
membro do Governo responsável pela área da Justiça.”
Esta Portaria não está ainda publicada, embora se preveja que tal
aconteça brevemente.
Também recentemente foi publicada a Directiva 2008/52/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Maio de 2008 relativa a
certos aspectos da mediação civil e comercial, tendo de ser
transposta até 21 de Maio de 2011. Embora a directiva se aplique
apenas a litígios transfronteiriços, nada impede que os seus
princípios sejam estendidos às mediações nacionais.
É óbvio, assim, que o conhecimento dos diversos meios de
resolução alternativa de litígios vai-se tornando uma ferramenta
essencial do trabalho de qualquer jurista, designadamente se
trabalha em contencioso.
Mas, o conhecimento destas matérias também é relevante para os
juristas que exercem a sua actividade profissional fora de
tribunal. Os mecanismos de resolução alternativa de litígios são
ainda úteis porque fornecem aos estudantes, futuros juristas,
novas formas de abordagem do conflito. Esta ideia é, no meu
juízo, essencial.
6
Os alunos de Direito são, por regra, colocados perante um
problema. Perante determinada situação concreta, imaginada, têm
de encontrar a solução que melhor se adeqúe aos conceitos
apreendidos num determinado ramo do Direito (ou em vários),
sempre de acordo com as regras próprias da metodologia do
Direito. O raciocínio é sempre fundamentado em critério
exclusivamente jurídicos, num exercício argumentativo que permita
alcançar a melhor solução de acordo com o espírito da lei e, mais
importante, de acordo com o sistema jurídico.
A abordagem da Resolução Alternativa de Litígios é muito ou
totalmente diferente. Nesta área não se procura a solução, mas o
método mais adequado à resolução do problema, independentemente
da solução jurídica adequada. Daí que seja muito diferente do
tradicional Direito Processual (Civil ou Penal ou Administrativo
ou Constitucional), que é meramente adjectivo do direito
material. Isto significa que o Direito Processual deve ser neutro
em relação à consagração da solução do direito material
respectivo. O Direito Processual deve ser invisível no que à
solução de direito material diz respeito.
Ora, a Resolução Alternativa de Litígios começa precisamente por
questionar a hegemonia do direito material legislado,
pretendendo, portanto, encontrar soluções diversificadas para os
problemas. O que é alternativo, antes de tudo o mais, é
precisamente a abordagem ao litígio, a percepção das suas
características não jurídicas - sociais, psicológicas até,
históricas, antropológicas. Não nos esqueçamos que estes métodos
são transversais a todas as áreas do direito, tendo aplicação
desde o conflito de vizinhança ou de irmãos até ao conflito
internacional mais complexo.
O conhecimento dos diferentes modos de tratamento do litígio é,
na minha perspectiva, tão importante quanto a tradicional
aprendizagem do direito processual. Até porque pode contribuir
para o melhoramento do sistema de justiça português.
7
O ensino desta matéria assume, assim, na minha perspectiva um
objectivo missionário – o de desmistificar juntos dos futuros
profissionais do direito os meios resolução alternativa de
litígios. Conhecendo-os e sentindo com eles familiaridade,
poderão os juristas aconselhá-los e utilizá-los. Só assim se
criará a verdadeira convicção de que o tribunal deve ser o último
recurso.
A importância da disciplina é, assim e também, metodológica.
Usando as palavras de António Hespanha, o que “se procura é olhar
o direito de mais sítios e de sítios mais improváveis do que se
tornou habitual.”2
Por tudo isto é de toda a coerência não só a existência desta
disciplina na Faculdade de Direito da Universidade Nova de
Lisboa, como também a elaboração do presente relatório sobre a
mesma.
2 António Manuel Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 5.
8
I
Introdução
1.1. Noção
Os meios de resolução alternativa de litígios, tradução livre da
designação inglesa alternative dispute resolution (ADR), podem
definir-se como o conjunto de procedimentos de resolução de
conflitos alternativos aos meios judiciais. A definição é vaga e
pretende sê-lo, na medida em que não há qualquer tipologia
fechada. Tem vindo lentamente a firmar-se uma tipologia padrão de
meios que compõem a resolução alternativa de litígios, mas não é
obviamente definitiva. Daí que a inserção de um método nos meios
de resolução alternativa de litígios se faça pela negativa (não é
judicial).
Os meios mais conhecidos são a negociação, a mediação, a
conciliação e a arbitragem. Há, porém, muitos mais, indicados
pela doutrina, por vezes sem exacta correspondência terminológica
ou conceptual.
Podemos fazer referência a alguns que parecem ser bastante
interessantes: o mini-julgamento (minitrial e o summary jury
trial), a avaliação neutral prévia (early neutral evaluation), a
decisão não vinculativa (non binding ex arte adjudication).3
3 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 21-24; Fernando Horta Tavares, Mediação e Conciliação, 2002, p. 42 e seguintes;
9
O mini-julgamento foi um procedimento criado em 1976 num litígio
complexo de patentes e marcas. Implica um painel neutral que ouve
as alegações de cada uma das partes e lhes coloca as questões que
julga importantes. Após as alegações, as partes reúnem-se para
tentar chegar a um acordo. Se tal não acontecer, então o terceiro
neutral dá a sua opinião sobre o que será a decisão judicial do
caso. Em função dessa opinião as partes reiniciam a negociação
com vista à obtenção de um acordo. Na variação de júri o painel é
substituído por um conjunto de pessoas, simulando um júri.
A avaliação neutral prévia foi desenvolvida nos tribunais
federais da Califórnia, como forma pré-judicial de resolução de
litígios. No início do processo as partes comparecem perante um
advogado experiente que tenta ajudá-las a chegar a um acordo e se
tal não é possível prepara o caso para dar entrada em tribunal.4
Estes são meios híbridos, entre jurisdição e mediação, entre
arbitragem e conciliação, entre formas adjudicatórias e formas
consensuais de resolução de litígios. Não são métodos conhecidos
em Portugal e não têm sequer uma construção teórica definitiva.
Mas não deixam de ter bastante interesse e poder até funcionar
como inspiração para ensaios de novos métodos de resolução de
conflitos.
Há quem entenda que a negociação não é um meio de resolução
alternativa de litígios, enquadrando-a antes como uma componente
de um qualquer dos processos de resolução.5
Na minha perspectiva, que desenvolverei mais à frente, só faz
sentido distinguir conciliação e mediação, quando a primeira é
feita por quem tem poder adjudicatório, isto é, pelo juiz ou
árbitro.
A arbitragem diferencia-se dos restantes meios de resolução
alternativa de litígios por ser adjudicatório e ter uma tradição
4 Frank Sander e Lukasz Rozdeiczer, Selecting an appropriate Dispute Resolution Procedure, 2005, p. 394.5 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 12.
10
já bastante antiga. A característica da voluntariedade só se
verifica no princípio (na convenção arbitral). A produção
dogmática é abundante, inserindo-se no discurso jurídico
tradicional.
A inserção dos Julgados de Paz no âmbito dos meios de resolução
alternativa de litígios também não é pacífica, na medida em que a
competência é tendencialmente obrigatória. Digo tendencialmente
porque a questão é muito discutida e um recente Acórdão de
Uniformização de Jurisprudência6 veio tomar posição sobre a
questão, em defesa da opcionalidade dessa competência. Será
questão a retomar mais tarde. A sua inserção nesta disciplina
justifica-se porque a filosofia e razão de ser dos Julgados de
Paz é idêntica à dos restantes meios de resolução alternativa de
litígios (excluindo a arbitragem).
1.2. Antecedentes
Os meios de resolução alternativa de litígios são geralmente
associados à crise da justiça portuguesa como uma das suas
possíveis respostas. Fala-se em retirar processos dos tribunais
como objectivo, fim e indicador de sucesso. Não partilho esta
ideia: a crise da justiça é também (ou sobretudo) uma crise de
qualidade da justiça – e não de quantidade ou de morosidade; e os
meios de resolução alternativa de litígios pretendem ser uma
resposta no âmbito da qualidade e não da quantidade. Isto é, os
meios de resolução alternativa de litígios postulam uma abordagem
diferente do conflito, procurando a solução mais adequada ao
litígio. O que pode passar pela não aplicação da lei.
A origem do movimento ADR situa-se nos anos 60/70 na promoção do
acesso ao direito e à justiça nos Estados Unidos da América.7
Está associada a uma certa crise do direito positivo,
6 Acórdão n.º 11/2007, publicado no Diário da República de 25 de Julho.7 João Pedroso, Catarina Trincão e João Paulo Dias, Por caminhos da(s) reforma(s) da Justiça, 2003, p. 32.
11
centralizada na corrente dos Critical Legal Studies, e nas
críticas ao positivismo jurídico que marcaram a última metade do
século passado.8 É natural que uma ideia crítica das regrais
legais, estatais tenha um reflexo na gestão dos conflitos. A
procura de regras jurídicas «sociais», «naturais» ou «reais»
passou também por investigar processos de resolução de conflitos
que se baseassem em lógicas diferentes das judiciais.
É importante perceber que o sistema oficial de justiça
monopolista é, em termos históricos, recente – está directamente
relacionado com o positivismo e com a centralização do poder
própria do período liberal. O ordenamento jurídico pré-
oitocentista era essencialmente pluralista, correndo a maior
parte da vida à margem do direito escrito. A lei e a justiça
oficial são instrumentos de controlo do Estado liberal, adequados
a incluir a periferia (a província) no domínio do poder central.9
Esta marca do período liberal permanece com o Estado providência
e mesmo hoje o legalismo e o estatismo são claramente e ainda os
nossos paradigmas. O renascimento de outras formas de Direito e
de justiça não têm sido, na prática, fáceis. São sedutoras, estão
em voga, mas a sua inserção social é feita com muitas
dificuldades. A formação dos juristas continua a ser,
maioritariamente, à volta das leis, o ensino move-se numa
perspectiva autopoiética sufocante e, o que é pior, afastada da
sociedade. Conhecem-se avanços ao nível da filosofia do direito e
da teoria das fontes, mas tem sido difícil passar as novas ideias
para os ramos de direito material.
Em síntese, os meios de resolução alternativa de litígios são uma
resposta à consciencialização de que a justiça oficial não é
adequada a todos os casos. Pensemos em situações de menores e
família ou conflitos de consumo de baixo valor ou conflitos
8 António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 225.9 António Hespanha, Lei e justiça: história e prospectiva de um paradigma, 1993, p. 13-19.
12
recorrentes entre vizinhos. Embora a lei regule todas estas
situações, o resultado da sua aplicação não permite, em muitos
casos, resolver o problema de forma satisfatória e, por isso, ele
subsiste. A sua conservação implica perdas de eficiência, na
medida em que dá origem a mais e mais acções.
Os meios de resolução alternativa de litígios não pretendem
substituir os meios judiciais. Os sistemas são complementares e
não concorrenciais.10 Esta caracterização é deveras importante, na
medida em que se sente por vezes algum conflito e desentendimento
de parte a parte, julgo que fruto de alguma incompreensão mútua.
A complementaridade relaciona-se com o pluralismo jurídico que
marca a crise do direito. Se adoptamos uma perspectiva pluralista
sobre o direito substantivo11, isto é, se entendermos que as
fontes do Direito vão muito mais além das leis, do direito
escrito, então temos também de encontrar meios de aplicação do
Direito diferentes dos tradicionais.12 Direito substantivo e
adjectivo não podem andar desligados – aliás a sua unificação num
sistema único foi precisamente a marca monopolista que o Estado
liberal introduziu e de que ainda hoje tentamos escapar.
1.3. Em Portugal
Antes de avançar para a definição de cada um dos meios de
resolução alternativa de litígios interessa apreciar a realidade
portuguesa actual – em 2008.
Os meios de resolução alternativa de litígios têm conhecido um
desenvolvimento brutal, impulsionado pelo poder público. Desde
pelo menos o início do milénio essa linha programática tem sido
constante, independentemente da força política que está no
10 Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, 2005, p. 52.11 António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 258.12 João Chumbinho, Julgados de Paz na Prática Processual Civil, 2007, p. 181.
13
Governo. Podemos dividir o desenvolvimento dos meios de resolução
alternativa de litígios em três grandes momentos impulsionadores:
em primeiro lugar, a criação de centros de arbitragem; segundo, a
criação e desenvolvimento dos Julgados de Paz; terceiro, a aposta
em sistemas de mediação.
Podemos dizer, embora sem comprovação científica, que o
desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de litígios se
iniciou na área do consumo, através da criação de centros de
arbitragem de conflitos de consumo e de centros de informação
autárquica ao consumidor. Os centros de arbitragem de consumo
são, em 2008, nove, sete de âmbito territorial e 2 de âmbito
sectorial. Prestam serviços de informação e de mediação. Os
Centros de Informação Autárquica ao Consumidor (CIAC), criados
por iniciativa das autarquias, no âmbito das suas competências
específicas, com o apoio do então Instituto do Consumidor13,
realizam a nível local a informação sobre as temáticas da defesa
do consumidor e promovem a mediação de conflitos de consumo
surgidos na sua área territorial de actuação.14
Um dos primeiros centros foi o de Lisboa, que iniciou a sua
actividade em 1989, e está hoje implantado como um organismo de
sucesso na resolução de conflitos de consumo.
A mediação realizada por estes centros era tecnicamente
incipiente, essencialmente devido à falta de formação
especializada dos mediadores.
O forte impulso à mediação surgiu com a criação dos Julgados de
Paz. Nas diversas actividades que precederam a sua criação,
tornou-se claro a importância da mediação enquanto meio de
resolução alternativa de litígios.15 E é nessa altura, em
2000/2001, que começa a entrar no ordenamento jurídico português
a mediação enquanto meio técnico, científico, até, de resolução
13 Actualmente, Direcção-Geral do Consumidor.14 Mais informação em www.consumidor.pt 15 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 91 e seguintes.
14
de conflitos. Surgem os primeiros cursos de mediadores e exige-se
a sua frequência e a certificação pelo Ministério da Justiça para
que os mediadores possam exercer a sua acção nos Julgados de Paz.
Tendo em conta que os primeiros Julgados de Paz iniciaram a sua
actividade em 2001, é a partir desta data que o mundo da mediação
se desenvolve, através de mediadores devidamente formados e
credenciados. É provável que a profissão, mantendo-se o seu
sucesso e a aposta pública nela, se venha a organizar através de
uma associação de interesse público. Para já, existe uma
associação de mediadores16, mas a inscrição não é obrigatória para
que a profissão possa ser exercida. Fora dos Julgados de Paz e
dos organismos estatais de mediação não é obrigatória a
frequência de curso certificado pelo Ministério da Justiça
realizar mediações.
Os Julgados de Paz deram, portanto, um impulso grande à mediação
em Portugal, assim como consagraram, agora na vertente
adjudicatória, uma nova forma de conceber o processo e o litígio.
Retomarei estas suas características quando deles tratar. Para já
é importante referir que existem 16 Julgados de Paz em
16 Associação de Mediadores de Conflitos, mais informação em www.mediadoresdeconflitos.pt
15
funcionamento em Portugal17, tendo sido recentemente divulgado18 um
estudo para a extensão da sua rede ao longo de 20 anos.19
Por último, e mais recentemente, têm sido criados organismos de
mediação em áreas específicas, com características próprias. Falo
da mediação laboral e da mediação penal, a primeira fruto de um
protocolo com sindicatos e associações patronais, a segunda
objecto de legislação específica e em regime experimental desde
Janeiro de 2008. Estes modelos de mediação estão ainda em fase
experimental. O primeiro gabinete de mediação foi, naturalmente,
na área da família e existe já desde os anos 90. Tinha uma
competência muito limitada, quer material, quer geograficamente.
Hoje foi integrado no Serviço de Mediação Familiar que entrou em
funcionamento em Julho de 2007.
É fácil de ver como o crescimento recente dos meios resolução
alternativa de litígios tem sido enorme. Este desenvolvimento tem
sido feito essencialmente pelo poder político, através de
entidades públicas, nuns casos em colaboração com entidades
privadas, noutros não. Não podemos, porém, esquecer que também há
iniciativas exclusivamente privadas, designadamente centros que
17 Em 2008 - Agrupamento dos Concelhos de Aguiar da Beira e Trancoso, Agrupamento dos Concelhos de Cantanhede, Mira e Montemor-o-Velho, Agrupamento dos Concelhos de Oliveira do Bairro, Águeda, Anadia e Mealhada, Agrupamento dos Concelhos de Santa Marta de Penaguião, Alijó, Murça, Peso da Régua, Sabrosa e Vila Real, Agrupamento dos Concelhos de Tarouca, Armamar, Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira e Resende, Coimbra, Lisboa, Miranda do Corvo, Porto, Santa Maria da Feira, Seixal, Sintra, Terras de Bouro, Trofa, Vila Nova de Gaia, Vila Nova de Poiares. Segundo informação do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, serão criados até ao final do ano, e instalados em 2008, o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Palmela e Setúbal, o Julgado de Paz de Odivelas, o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Aljustrel, Castro Verde, Ourique, Almodôvar e Mértola e o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Sátão, Vila Nova de Paiva, Penalva do Castelo, Aguiar da Beira e Trancoso, passando a rede nacional a ter 20 Julgados de Paz.18 Em Julho de 2007, o ISCTE divulgou um estudo designado “Alargamento da Rede dos Julgados de Paz em Portugal”, disponível em www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt. À frente voltarei a referir este estudo.19 Para uma cronologia da instalação, cfr. Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 52.
16
efectuam mediação. É difícil medir o menor ou maior sucesso dessa
actividade, na medida em que os seus resultados não são públicos.
Mas parece evidente que o sucesso dos organismos privados e dos
organismos públicos andará a par. E que só acontecerá,
verdadeiramente, quando a mediação e os restantes meios de
resolução alternativa de litígios fizerem parte da cultura social
portuguesa. O que para já não é uma realidade. Está, aliás, muito
longe de o ser.
1.4. Critérios de selecção
Um aspecto importante da resolução alternativa de litígios é
encontrar critérios que permitam escolher o método mais adequado
a cada tipo de litígios. Não há um critério único, apenas algumas
sugestões que permitem um melhor tratamento do problema. O
essencial é conhecer muito bem as características de cada um do
métodos de resolução alternativa de litígios, porque é em função
desses traços que se adequará a certo tipo de conflitos. É comum
dizer-se que a mediação não é um modelo adequado de resolução de
litígios quando estão em causa quantias consideráveis ou quando
uma das partes pretende obter uma decisão pública que funcione
como um precedente.
Na literatura americana há já algum trabalho efectuado em relação
a critérios de adequação do método ao caso. De entre os vários
estudos referimos três: do International Institute for Conflict
Prevention and Resolution (CPR)20, a do Federal Judicial Center21
e, por último, a de um texto recente de Sander e Rozdeiczer22.
Vou centrar-me na mais recente, a de Sander e Rozdeiczer, na
medida em que efectua uma comparação entre os métodos conhecidos.
20 Disponível para venda em www.cpradr.org. 21 Disponível gratuitamente em www.fjc.gov.22 Frank Sander e Lukasz Rozdeiczer, Selecting an appropriate Dispute Resolution Procedure, 2005, p. 387 e seguintes.
17
Para além de ser o último, o texto é muito interessante na forma
de abordagem dos critérios que deverão presidir à escolha.
Segundo os autores a adequação do método ao caso deve ser feita
tendo em conta três questões: objectivos das partes,
características do litígio que o aproximam de um meio de
resolução alternativa de litígios e, por último, características
do litígio que o afastam de um meio. Podemos sintetizar a
metodologia em três palavras: interesses, características e
obstáculos.
A análise deve começar pelos interesses das partes, que podem ser
os mais variados: celeridade, privacidade, vingança pública,
obter uma opinião neutral, reduzir custos, manter o
relacionamento com a contra-parte, criação de um precedente,
recuperação máxima ou mínima do crédito, criação de novas
soluções, controlo do processo, mudança da responsabilidade da
decisão para uma terceira pessoa, supervisão do tribunal,
transformação da atitude ou do comportamento da contraparte,
etc., etc..
Após a identificação dos objectivos das partes, que podem ser
diversos e até contraditórios, deve fazer-se uma sua
hierarquização, ou seja, colocar por ordem quais os mais
importantes e quais os menos importantes.
De seguida, Sander e Rozdeiczer atribuem pesos diferentes a cada
interesse para cada um dos meios de resolução alternativa de
litígios. Por exemplo, o objectivo celeridade obtém pontuação 3
na mediação, pontuação 1 na arbitragem e 0 na via judicial. Já ao
objectivo vingança pública é atribuída uma pontuação de 0 na
mediação e de 3 na via judicial. É apresentada uma tabela com 13
objectivos e suas pontuações. Esta tabela pode ser ainda
aumentada com outros interesses das partes e com outros
mecanismos de resolução de litígios.
18
Transpomos aqui a tabela, adaptada aos nossos meios de resolução
alternativa de litígios.
Interesse/Meio Negociação Mediação Arbitragem Tribunal
Celeridade 3 3 1 0
Privacidade 3 3 2 0
Vingança pública 0 0 2 3
Opinião neutral 0 1 3 3
Baixos custos 3 3 0-323 0
Manutenção da relação 3 3 1 0
Criação de precedente 0 0 2 3
Máxima ou mínima recuperação 0 0 2 3
Criação de novas soluções 3 3 1 0
Controlo do processo pelas partes 3 3 3 0
Controlo do resultado pelas
partes3 3 1 0
Supervisão judicial 0 0 2 3
Alteração dos comportamentos 1 3 0 0
Sugerem, então, os autores que se somem as pontuações, utilizando
um elemento de ponderação em função da importância relativa dos
interesses em consideração. No fim, o método mais pontuado será o
mais adequado.
23 Os custos na arbitragem variam imenso, daí a possibilidade de ter pontuações diferentes neste item.
19
Este critério tem, porém, uma dificuldade, não muito difícil de
antecipar: que fazer quando a contra-parte tem outros interesses
ou os hierarquiza de forma diferente?
Os autores dão um exemplo de um divórcio em que a mulher quer
manter o assunto privado, mas o marido pretende que se saiba o
que realmente aconteceu.
Para ultrapassar este problema, os autores apresentam dois outros
critérios a utilizar em conjunto com este. Assim, após a análise
dos interesses passa-se ao exame das características objectivas
do litígio, de forma a entender quais são os aspectos que
aconselham a utilização de um método. São exemplos dessas
características: boa relação entre os mandatários, boa relação
entre as partes, disponibilidade de uma ou ambas as partes de
pedir perdão, vontade do chegar a uma solução consensual, partes
beneficiariam de protecções processuais formais, relação do
litígio com outras questões.
Entendem Sander e Rozdeiczer, em geral, que para a resolução do
problema os meios mais adequados são a mediação e o mini-
julgamento; que para a verificação da realidade o melhor é o
mini-julgamento na versão júri ou a avaliação neutral prévia; e
que para a adjudicação o ideal é a arbitragem ou a via judicial.
Por último, é objecto de atenção os obstáculos a uma solução
consensual do litígio. Por exemplo, má comunicação, necessidade
de expressar emoções, diferentes visões dos factos ou do direito,
múltiplas partes, diferenças entre os interesses dos advogados e
dos seus clientes, etc..
Um óbice (ou não) desta metodologia de escolha do meio de
resolução alternativa de litígios é estar centrado na mediação –
aliás tal é expressamente referido pelos seus autores que
entendem que a mediação é sempre um bom método. Na sua opinião
mesmo que não conduza a um acordo das partes é um caminho para
que um outro procedimento produza melhores resultados.
20
Independentemente de se concordar com a metodologia explanada, é
muito importante ter-se conhecimento primeiro, que essas
metodologias existem e, segundo, utilizá-las como ponto de
partida para encontrar uma ou várias propostas adequadas ao nosso
ordenamento jurídico.
O sistema jurídico e judicial português tem sido invadido com
meios de resolução alternativa de litígios, em especial com a
mediação em diversas e muito diferentes áreas, sem que haja
qualquer explicação ou cuidado quanto à forma de os aplicar aos
vaiadíssimos litígios que surgem no contexto social.
É da maior utilidade e importância estudar a adequação de cada um
dos métodos à nossa realidade social, fazendo-se um guia, à laia
do Guide to Judicial Management of Cases in ADR24 do Federal
Judicial Center de 2001.
24 Disponível em www.fjc.gov
21
II
NEGOCIAÇÃO
2.1. Noção
Todos somos negociadores. Sempre que queremos alguma coisa que
está sob controle de outro, negociamos ou tentamos negociar.
Quando um casal escolhe um restaurante para jantar ou decide com
os filhos a hora de deitar; quando se discute um aumento com o
chefe ou o preço de uma casa com um vendedor, está-se a negociar.
Quando dois advogados tentam chegar a um acordo sobre o valor de
uma indemnização ou um grupo de empresas planeia um exploração
conjunta de uma reserva de petróleo; quando o ministro da
educação procura um entendimentos com o sindicato dos professores
sobre o novo estatuto dos professores ou o presidente dos Estados
Unidos da América conversa com o presidente russo sobre
estratégia militar, tudo isto é negociação, todas estas pessoas
são negociadores.25 A negociação, como dizem Fisher, Ury e Patton,
é uma indústria em crescimento, porque todos querem cada vez mais
participar nas decisões que lhes dizem respeito.
Este trio de autores pode considerar-se o fundador da abordagem
científica da negociação. A Universidade de Harvard assumiu o
25 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 15.
22
pioneirismo através do Harvard Program on Negotation26, hoje um
verdadeiro instituto de formação e investigação dedicado aos
meios de resolução alternativa de litígios.
O modelo de negociação criado por estes três autores aplica-se a
qualquer tipo de negociação, desde a política internacional à
conjugal, passando pela advocacia. Caracteriza-se no essencial
por ser uma negociação cooperativa, que pretende ir ao mérito da
questão em disputa, tentando ignorar as posições individuais das
partes.
A negociação pode ser definida como um processo de resolução de
conflitos através do qual uma ou ambas as partes modificam as
suas exigências até alcançarem um compromisso aceitável para
ambas.27 Como é fácil de ver é uma definição que se aplica a
qualquer meio de resolução de conflitos não adjudicatório, quer
seja mediação, conciliação ou outro.28 Há quem defenda, por isso,
que a negociação não passe de uma mera, embora essencial,
componente de qualquer meio de resolução alternativa de litígios.
Mas mesmo quem assim pensa, entende que o conhecimento de
técnicas e estilos de negociação é essencial a qualquer
profissional desta área.29
Em termos teóricos, a diferença entre negociação e mediação está
na existência do terceiro imparcial. Enquanto que na mediação é
essencial a existência de um mediador, terceiro imparcial que
conduz as partes a chegar no caminho do consenso; na negociação
pode simplesmente não haver um terceiro. Podem utilizar a
negociação e as suas técnicas as próprias partes em conflito, sem
intervenção exterior.
Por esta razão faz sentido enquadrar a negociação numa abordagem
introdutória aos meios de resolução alternativa de litígios. Até
26 www.pon.harvard.edu 27 Pedro Cunha, Conflito e Negociação, 2001, p. 49.28 Bruce Patton, Negotiation, 2005, p. 279.29 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 104.
23
para que fique claro que antes da intervenção de terceiros há
ainda métodos a explorar.
2.2. Modelos de negociação
A negociação pode seguir modelos diversos, já longamente
estudados pela doutrina. A abordagem dos modelos ou teorias de
negociação varia em função de critérios de áreas científicas
diversas. Preferimos uma arrumação clássica e mais voltada para o
método, para o processo, e não para a sua análise
comportamental.30
Nesta perspectiva, há essencialmente dois modelos de negociação:
competitiva e cooperativa. A diferença entre uma e outra está no
resultado pretendido e consequentemente na atitude assumida para
o alcançar. Enquanto no modelo competitivo o negociador pretende
ganhar a discussão, no modelo cooperativo, o foco está na
resolução do problema. É este último o célebre modelo de Fisher e
Ury, verdadeiramente inovador quando surgiu no início dos anos
80. Este método foi designado de negociação de princípios,
centrando-se no mérito do problema, evitando um processo de
discussão centrado no que ambos os lados pretendem e não
pretendem fazer.31
O método dos princípios centra-se em quatro grupos de ideias:
pessoas, interesses, opções e critérios.
Quanto às pessoas, o método defende a separação destas do
problema, isto é, tomar consciência que o problema em discussão é
diferente da pessoa que discute, que os aspectos estritamente
pessoais não devem ser mais importantes que o assunto sobre o
qual se negoceia.32 Para conseguir esta separação deve, primeiro,
perceber-se o ponto de vista do outro. A capacidade de olhar a
30 Pedro Cunha, Conflito e Negociação, 2001, p. 85 e seguintes.31 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 16.32 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 35-40.
24
situação sob o ponto de vista alheio, por mais difícil que seja,
é uma das mais importantes competências que um negociador pode
ter.33 O essencial é perceber-se que a «verdade» não é suficiente
para resolver o problema, na medida em que cada uma das partes
escolhe da verdade aquilo que lhe interessa. As partes podem
concordar que um perdeu o relógio e que o outro o encontrou, mas
divergirem quanto a quem deve ficar com o relógio. A percepção do
outro, o que se consegue através da comunicação e da
descentralização da sua posição, é essencial neste separar as
pessoas do problema. Sem comunicação, não há negociação. Ouvir,
tentar fazer-se perceber, não interpretar o que os outros dizem,
tentar ser objectivo e não preconceituoso quanto aos outros,
falar com um objectivo são aspectos que facilitam a comunicação e
devem ser utilizados em abundância no modelo de negociação
defendido por Ury, Fisher e Patton.34
Em relação aos interesses, o método procura-os em detrimento das
posições.35 Esta característica, como veremos, é a pedra de toque
da mediação. Os interesses estão subjacentes às posições. Uma
posição, ou, numa linguagem mais jurídica, uma pretensão tem uma
história e uma motivação. É o resultado de uma reflexão (mais ou
menos consciente) sobre determinado interesse. Um exemplo
clássico, usado também na mediação, é o do limão e dos
cozinheiros. Dois cozinheiros disputavam um limão, dizendo que é
de cada um deles. Esta era a sua posição: quero o limão, é meu.
Se perguntarmos, porém, qual o seu interesse – para que querem o
limão – poderemos ter a solução do diferendo. Se um quer o sumo e
outro a casca, é fácil conciliar os interesses, quando as
posições eram, à partida, incompatíveis.36
33 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 42.34 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 51-56.35 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, Porto, Edições Asa, 2003, p. 59-63.36 Também conhecido como exemplo da laranja: Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 58.
25
A tarefa de procurar os interesses por detrás das posições pode,
porém, ser difícil. Implica perguntar porquê; falar sobre os
interesses, levando cada uma das partes a perceber os seus e os
do outra parte. E, estabelecidos os interesses objectivamente, os
autores defendem uma sua defesa intransigente, enérgica.37
Em relação às opções, o método dos princípios defende uma
actividade criadora: a capacidade de inventar opções é das
qualidades mais úteis que um negociador pode ter.38 Os autores
referem que é muito frequente os negociadores reduzirem as opções
em vez de as alargarem e que quantas mais houver, mais são as
hipóteses de se conseguir um acordo que satisfaça ambas as
partes.
Por último, Fisher, Ury e Patton aconselham a que se insista na
utilização de critérios objectivos. Ou seja, ultrapassar as
questões da vontade, necessariamente subjectivas, procurando
padrões técnicos ou critérios objectivos que mais facilmente
conduzam ao acordo.39
A negociação de princípios foi criticada por ser ingénua, face a
negociadores difíceis ou de má fé.40 Este modelo postula,
realmente, uma abertura e transparência totais, provavelmente nem
sempre possível.
Outros modelos cooperativos foram desenhados, tentando abordagens
diferentes ou soluções para problemas diversos. Podem salientar-
se as teorias de Howard Raiffa, que introduziu a ideia de zonas
de acordo, assim como opções de estratégia a utilizar; e de
Edward de Bono que defende, em contra-corrente, que as partes
estão na pior posição para resolver os seu próprios interesses.41
37 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 63-75.38 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 77.39 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 103 e seguintes.40 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 106; Bruce Patton, Negotiation, 2005, p. 295 e seguintes.41 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 106-7.
26
O modelo competitivo, baseado numa posição de negociação forte,
gera situações hostis, focando-se na manipulação e no ganho, em
vez da procura de soluções aceitáveis para ambas as partes. O
modelo tem vindo a ser abandonado, sendo mais frequentes as
tentativas de encontrar estratégias para o ultrapassar.42
É de fazer referência ainda a outros modelos que tentam conciliar
ambas as perspectivas, criando estratégias com características de
ambos. Isto significa, em termos muito genéricos, que num
processo negocial há momentos de cooperação e momentos de
competição. Que existe uma dupla tendência à colaboração e à
competição, consoante o aspecto em discussão no processo
negocial.43
42 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 109.43 Pedro Cunha, Conflito e Negociação, 2001, p. 85.
27
III
MEDIAÇÃO
3.1. Noção. Distinção de conciliação.
A Lei dos Julgados de Paz define mediação nos seguintes termos:
“A mediação é uma modalidade extrajudicial de resolução de
litígios, de carácter privado, informal, confidencial, voluntário
e de natureza não contenciosa, em que as partes, com a sua
participação activa e directa, são auxiliadas por um mediador a
encontrar, por si próprias, uma solução negociada e amigável para
o conflito que as opõe.” 44
Mas, atenção, para além de restrita à mediação nos Julgados de
Paz, trata-se de uma definição legal que não vincula o
intérprete.45
Há outras definições e com sede similar. Na Directiva 2008/52/CE
do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspectos da
mediação em matéria civil e comercial46, a definição proposta é a
44 Artigo 35.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho.45 João Chumbinho, Julgados de Paz na Prática Processual Civil, 2007, p. 69.46 A Directiva aplica-se tão só aos conflitos transfronteiriços como são definidos no artigo 2.º. Tal não impede, porém, conforme dito no Considerando 8 da Directiva, que os Estados-Membros apliquem igualmente
28
seguinte: “Um processo estruturado, independente da sua
designação ou do modo como lhe é feita referência, através do
qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente
alcançar um acordo sobre resolução do seu litígio com a
assistência de um mediador. Este processo ser iniciado pelas
partes, sugerido ou ordenado por um tribunal ou imposto pelo
direito de um Estado-Membro.”47
Mais diz ainda a Directiva que a mediação conduzida por um juiz
que não seja responsável por qualquer processo judicial relativo
ao litígio em questão se insere ainda no conceito. E que ficam
excluídas as tentativas do tribunal ou do juiz no processo com
vista à solução do litígio por acordo.
As definições são diferentes, embora não contraditórias. Servem,
no essencial, para realçar alguns dos elementos da mediação.
Muito simplesmente, a mediação é uma negociação assistida por um
terceiro. Esta será uma definição consensual e abrangente.
Depois, como na negociação, há vários modelos e técnicas que
fazem distinguir diversas mediações. A grande força da mediação é
a flexibilidade de procedimento e técnicas, característica que
impede uma definição muito precisa.48
Uma das questões mais difíceis a nível de definição é a distinção
entre mediação e conciliação. Há muito é utilizada a ideia de
conciliação nos tribunais judiciais. No Código de Processo Civil
a conciliação tem até direito a um artigo próprio – o 509.º - que
trata a tentativa de conciliação na audiência preliminar. De
acordo com o n.º3 deste preceito, a tentativa de conciliação é
presidida pelo juiz e tem em vista a solução de equidade mais
adequada ao litígio. A tentativa de conciliação está ainda
prevista no artigo 652.º do mesmo Código de Processo Civil como
diligência obrigatória da audiência final. Também na tramitação
os seus princípios e disposições a processos de mediação domésticos.47 Artigo 3.º.48 Kimberlee Kovach, Mediation, 2005, p. 306.
29
dos Julgados de Paz há lugar a conciliação, a cargo do juiz de
paz no início da audiência de julgamento – artigo 26.º LJP.
Embora a lei não o deixe transparecer claramente, a conciliação
nos tribunais judiciais ou nos Julgados de Paz é assumida de
forma diferente, isto é, nestes o juiz de paz procura com maior
insistência que as partes cheguem a acordo, sendo em regra muito
mais interveniente que os juízes dos tribunais judiciais.
Seja como for, em qualquer dos casos, falamos de conciliação
realizada por quem tem o poder de decidir. Pelo juiz do caso.
Trata-se, pois, já de uma conciliação jurisdicional. E que por
esta razão é fácil de distinguir da mediação. É, como se viu,
excluída do âmbito da aplicação da Directiva.
A conciliação jurisdicional não foi até hoje cientificamente
estudada. A haver juízes treinados para ela (em Portugal serão
raríssimos ou nenhuns), sê-lo-ão com base nas técnicas e modelos
da mediação. Na maior parte dos casos a conciliação é feita
casuisticamente de acordo com o método que o juiz ou árbitro
julga, empiricamente, mais conveniente.
Diferente desta é a conciliação feita por terceiros independentes
que não têm qualquer poder decisório no caso. Este tipo de
conciliação é frequente em centros de arbitragem
institucionalizada, designadamente na área do consumo. A
conciliação é desenvolvida por profissionais com conhecimentos
técnicos (normalmente jurídicos) sobre o assunto em disputa. O
terceiro conduz o processo conjuntamente com as partes, propondo
soluções para o conflito.49
Há quem entenda que só pode chamar-se conciliação à
jurisdicional50, há quem defenda uma distinção entre mediação e
conciliação, sendo esta activa e a mediação passiva51 e, por
último, autores há que discordam da distinção entre as duas
49 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 83; Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 53.50 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 35.
30
figuras, considerando que são apenas níveis diferentes de
mediação.52
A mediação é melhor definida através dos seus princípios
essenciais e transversais, distinguindo-se depois modelos e
técnicas de mediação. Modelos e técnicas que devem ser utilizados
conforme os casos. Em determinadas situações uma posição
interventora é mais adequada que uma mera postura facilitadora.
Por outro lado, é natural que os mediadores sejam mais ou menos
activos consoante o seu perfil pessoal. Logo, é mais coerente e
cientificamente adequado enquadrar as diversas técnicas numa
mesma prática de mediação, discutindo casuisticamente a aplicação
dos melhores modelos. O essencial é que a prática se insira nos
princípios essenciais da mediação.53
Certo é, porém, que a conciliação judicial comporta em si uma
característica que faz toda a diferença: a circunstância de as
partes estarem perante quem decide. Esta posição das partes
modifica a sua postura – é muito diferente o comportamento das
pessoas quando estão perante alguém que pode decidir ou alguém
que não tem sobre o litígio qualquer poder. Esta diferença
implica uma não aplicação de um dos princípios fundamentais da
mediação, o princípio dos plenos poderes das partes. Por esta
razão e apenas por esta julgo ser correcto distinguir mediação de
conciliação.
A conciliação deve, assim, ser definida como a actividade
jurisdicional que tem como objectivo solucionar o caso por
acordo. Sigo aqui, pois, a orientação da Directiva de 21 de Maio
de 2008 no seu artigo 3.º.
Dito isto, porém, não há razões para estudar a conciliação.
Simplesmente porque ela não foi ainda desenvolvida
51 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 83; Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 54.52 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 138.53 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 149.
31
cientificamente. Seria útil que os juízes fossem treinados nas
suas técnicas, mas como tal não existe, nada mais há para dizer
sobre conciliação que não seja uma repetição ainda que parcial do
que diremos a propósito de mediação.
3.2. Princípios
Os princípios da mediação podem ser resumidos a cinco: plenos
poderes das partes, pacificação, informação, presença de um
mediador enquanto terceiro independente e confiança. Exploremos
de seguida o significado de cada um deles.
Um dos princípio básicos da mediação é o controlo desta pelas
partes, o denominado empowerment.54 Em tribunal os poderes
decisórios estão na mão de advogados, a linguagem é técnica, o
procedimento é formal e opaco, as partes nem sequer podem falar
se o pretenderem.55 O afastamento das partes do seu caso é enorme
e é pretendido.56 Na mediação, a postura é exactamente a oposta:
parte-se do princípio que as partes são as pessoas que melhor
colocadas estão para resolver o seu litígio. Há uma ideia de
responsabilidade pessoal que se traduz na atribuição às partes do
domínio do problema e do processo. Enquanto que em tribunal tudo
lhes é afastado, em mediação tudo lhes é entregue, dependendo
delas o início, o decurso e o fim da mediação.
As partes mantém, assim, o poder decisório quanto ao processo e
quanto ao fundo do litígio. O mediador nunca decide e a sua
autoridade deriva directamente das partes. Isto implica que o
processo seja muito, muito simples e que o mediador esteja
permanentemente ao dispor das partes para os ouvir e para
esclarecer as sua dúvidas. Implica ainda que haja respeito mútuo
54 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 130.55 No processo civil, o depoimento de parte só é admissível quando requerido pela parte contrária ou pelo juiz oficiosamente – artigo 553.º n.º3 CPC.56 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 27.
32
e espírito de colaboração. Por vezes, o trabalho do mediador
resume-se a fazer com que as partes se ouçam. Isso pode ser
suficiente para que o acordo seja possível.
A característica do empowerment é essencial na mediação. Uma
mediação em que as partes não estejam no centro da discussão e da
iniciativa não será verdadeira. E mesmo tendo sucesso, este
poderá ser meramente aparente. O acordo resultante da mediação
tem de vir das partes e estas têm de aderir-lhe plena e
convictamente.
Entramos aqui na questão da voluntariedade. É um aspecto que
coloca algumas dúvidas quanto à mediação obrigatória ou à
imposição de sanções pela não obtenção do acordo. Falamos agora
na articulação entre intervenção estatal e mediação. Pode, e já
foi tentado, impor-se a mediação como obrigatória. Na Argentina e
na França tal foi estabelecido nas áreas da família e do
trabalho. Mas revelou-se um insucesso.57 Mas há outras medidas de
promoção, menos agressivas, sistemas intermédios de estímulo.
Como exemplos típicos podemos pensar na mediação induzida pelo
tribunal – o sistema adoptado pela mediação familiar em Portugal.
São os juízes titulares do processo que enviam as partes para a
mediação. Este sistema parece ser, no actual momento, o que
melhor implantará a mediação em Portugal.58 Parecido com este é a
inserção da mediação na tramitação processual, ainda que como uma
fase facultativa.59 É este o modelo consagrado na Lei dos Julgados
de Paz. Outro sistema consiste em impor custas superiores às
partes que, podendo utilizar meios de resolução alternativa de
litígios, o não façam. Uma regra com este objectivo foi colocada
no artigo 447.º-D n.º 4 CPC, embora aguarde ainda regulamentação.
57 Alves Pereira, Mediação voluntária, sugerida ou obrigatória?, 2006, p. 151.58 Alves Pereira, Mediação voluntária, sugerida ou obrigatória?, 2006, p. 152.59 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 135.
33
Por fim, surgem sistemas em que se impõem sanções por as partes
não chegarem a acordo ou em que se obriga à sua presença.60
Qualquer destas medidas tem de ser ponderada com muita cautela. É
que os fins não justificam os meios e, quando falamos em mediação
podemos estar a falar de imposições que matam à nascença a
hipótese do seu sucesso. Se a característica de empowerment é
essencial à mediação qualquer imposição que prejudique o
monopólio dos poderes das partes e a liberdade da sua adesão ao
acordo, será contra natura. Os sistemas a consagrar devem, então,
ser um veículo de promoção da utilização destes meios, começando
por incutir a ideia de que a acção judicial, o tribunal deve ser
o último recurso.
O segundo pilar da mediação relaciona-se com o seu fim. Ao
contrário dos meios clássicos de resolução de conflitos, que são
construídos para a resolução da disputa apresentada pelas partes,
a mediação dá preferência à pacificação social, isto é, tem como
objectivo sanar o problema, restabelecendo a paz social entre os
litigantes. Este fim sobrepõe-se inteiramente à questão do
direito. Não importa saber quem tem razão, mas antes procurar
resolver os problemas subjacentes ao aparecimento do litígio.
Assim, como se viu acontecer também na negociação cooperativa, é
necessário averiguar os interesses, afastando, se necessário, as
posições. É usual utilizar-se aqui a imagem do iceberg como
metáfora do litígio: as posições estão na ponta visível deste e
os interesses na base, submersos. É ao fundo, à base que a
mediação pretende chegar, porque só a composição dos interesses
permitirá a duração do acordo e a manutenção do entendimento
entre os litigantes.61 O resultado da mediação é, por isto, de
vitória para ambas as partes, de ganha-ganha, nunca havendo um
vencedor e um vencido.
60 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 29.61 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 56.
34
Outro dos pilares da mediação, directamente relacionado com o
empowerment, é a informação. As partes devem perceber exactamente
o que se passa e o que se passará depois. Não deve haver
intermediários, embora as partes possam estar assistidas. Esta é,
aliás, uma das importantes questões da mediação e a que,
porventura, tem dificultado a sua inserção na nossa prática
social. Refiro-me à função do advogado na mediação.62
Há aqui três questões a abordar: primeiro, a presença dos
advogados nas mediações, segundo qual o seu papel na sessão de
mediação e, terceiro, se fará sentido a representação das partes
por advogado (a sua substituição). Em geral é referido que os
advogados devem ter acesso à mediação, assistindo o seu cliente.63
O tipo de intervenção deve, porém, ser encarado de forma
diferente do tradicional – o advogado não representa a parte e
deve actuar de acordo com o espírito de colaboração e procura do
consenso adequado ao caso. É também admissível que os advogados
representam, substituam as partes. Em tal eventualidade, devem
agir na lógica da mediação, não procurando a vitória a todo o
custo, mas o melhor consenso, de acordo com os interesses em
causa.64
Na Lei 20/2007, de 12 de Junho, relativa à mediação penal obriga-
se à comparência do arguido e do ofendido, podendo haver
assistência (não representação) por advogado (artigo 8.º). A
mesma regra consta do artigo 53.º da Lei dos Julgados de Paz.
É muito importante ganhar os advogados para a causa da mediação.
Quando se conseguir essa adesão (e só então) a mediação terá
condições para ser bem sucedida em Portugal. O cidadão comum não
sabe o que é mediação, mas sabe o que é um advogado. Se tiver um
problema, recorrerá a um advogado, não a um mediador. O advogado 62 Tenreiro Biscaia, O Sistema Tradicional de Justiça e a Mediação Vítima-Agressor: o Papel dos Advogados, 2005, p.89.63 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 105; Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 30.64 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 105; Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 131.
35
é, por isso, a pessoa ideal para aconselhar o método mais
adequado ao caso concreto. Sugerir a intervenção de um mediador
não implica a diminuição de trabalho (e remuneração) para o
advogado. Pelo contrário, a satisfação do cliente implica a médio
prazo o seu retorno para a resolução de outros problemas, dos
quais desistiria se o método judicial fosse o único disponível.
A advocacia deve pensar em termos macro, de médio/longo prazo, de
satisfação dos clientes e de rapidez e eficiência na sua
resolução. Não deve ter medo de perder clientes (e remuneração).
Existirão sempre litígios – é um efeito automático da vida em
sociedade.
Por outro lado, a presença do advogado é essencial ao
desenvolvimento correcto e sustentado da mediação. A sua
intervenção na assistência ao cliente é em muito casos
fundamental, não só para garantir o seu efectivo interesse e
direito, como também para controlar a actividade do mediador, do
ponto de vista da competência e da deontologia.
O quarto pilar da mediação é evidentemente a intervenção do
mediador. O mediador é um profissional treinado para desempenhar
as suas funções, conhecedor da filosofia e das técnicas de
mediação, aplicando-as no exercício da sua actividade. A
credibilidade da mediação depende do trabalho do mediador: só um
mediador capaz poderá cativar a confiança das partes, algo que é
essencial ao seu trabalho.
A existência de um mediador, terceiro imparcial, traz uma nova
dinâmica à discussão entre as partes. Esta energia suplementar
permite aquilo que as partes até aí não alcançaram - a obtenção
do acordo. O papel do mediador deve, antes de mais, privilegiar o
restabelecimento da comunicação entre as partes. Deve ser
facilitador do diálogo, mantendo sempre nas partes a
responsabilidade da resolução do conflito. O mediador não
negoceia com as partes, antes assiste a negociação que elas fazem
36
entre si.65 O mediador não aconselha nenhuma das partes, nem
sequer as duas em conjunto, na mediação as partes são sempre
responsáveis pelas suas decisões. Falaremos com mais pormenor do
mediador no ponto 3.6..
O último princípio transversal da mediação é a confiança no
processo de mediação. Para esta confiança a confidencialidade é
essencial. O mediador não pode, em caso algum, revelar o que se
passou na mediação, não podendo ser chamado como testemunha em
processo judicial posterior.66 Há, porém, quem entenda que esta
confidencialidade é dispensável, se as partes acordarem nesse
sentido.67 No nosso ordenamento jurídico, a Lei dos Julgados de
Paz, no seu artigo 52.º impõe a confidencialidade como regra,
obrigando as partes a subscrever um acordo de confidencialidade.
A confidencialidade permite que as partes falem à vontade, com
tranquilidade e sem medo de desagradar ao mediador.68 Algo que não
acontecerá, por exemplo, na conciliação perante o juiz ou o
árbitro. A lei da mediação penal impõe também a regra da
confidencialidade – artigo 4.º n.º5 da Lei 21/2007, de 21 de
Junho. Aqui a questão da prova assume especial relevância: se o
arguido confessar na mediação, mas não se conseguir o acordo e o
processo seguir, não pode utilizar-se essa confissão como meio de
prova. Nem sequer se pode saber que ela foi proferida.
Uma diferente abordagem é feita pela Directiva 2008/52/CE. Nos
termos do artigo 7.º, a mediação deve respeitar a
confidencialidade, não podendo os mediadores, nem as pessoas
envolvidas na administração do processo de mediação ser obrigadas
a fornecer provas em processos posteriores. As excepções
consagradas são três: em primeiro lugar, se as partes decidirem
em contrário; em segundo lugar, por razões imperiosas de ordem
65 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 130.66 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 64.67 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 131.68 Cardona Ferreira, Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento, 2001, p. 70.
37
pública, em especial para assegurar o interesse da criança ou
para evitar que seja lesada a integridade física ou psíquica de
uma pessoa; por fim, em situações em que a divulgação do conteúdo
do acordo obtido por via de mediação seja necessária para efeitos
de aplicação ou execução desse acordo.
A questão difícil a debater é a de saber se a regra da
confidencialidade, prevista no direito positivo português, é ou
não imperativa. Isto é se pode ou não ser afastada pelas partes.
Não é uma questão fácil, na medida em que a confidencialidade é
um instrumento essencial da confiança. Como princípio, deve
adoptar-se a regra da confidencialidade. Apenas se a sua
inexistência não puser em causa essa confiança, deve o mediador
aceitar o seu afastamento.
Em regra, a vontade das partes no sentido do seu afastamento,
será suficiente para que tal não implique quebra de confiança.
Ainda assim, cabe ao mediador decidir, perante o caso e as
partes, se havendo acordo destas isso é suficiente para afastar o
sigilo. Entendo, pois, que a regra da confidencialidade não é
imperativa, mas que não é suficiente o acordo das partes para que
seja automaticamente derrogada.
3.3. Modelos
A doutrina tem debatido se a mediação deve ser meramente
facilitadora ou se deve também ser interventora. Os termos
ingleses utilizados são facilitative or evaluative mediation. A
mediação facilitadora centra o trabalho do mediador na reabertura
das partes ao diálogo, tentando que a sua intervenção seja o
menos visível possível (embora determinante). Quanto menos se
notar a presença do mediador, melhor este seria. Já o modelo
interventor pressupõe uma atitude mais activa do mediador, não se
limitando a trazer as partes ao diálogo, mas actuando também ao
nível do mérito da questão. Um dos pontos de discórdia é a
38
possibilidade de o mediador apresentar propostas de acordo. Na
mediação facilitadora tal não é admissível, na outra é normal.
A distinção entre estes dois modelos tem representado uma divisão
substancial na teoria. Alguns mediadores têm colocado estas duas
posturas em ângulos tão diversos, que parece quase uma questão de
fé.69
Como já acima foi aventado, há quem utilize esta diferença para
distinguir mediação de conciliação. Assim, o mediador não poderia
formular propostas de acordo, enquanto o conciliador sim. Como
disse já não concordo com esta diferenciação.
A noção puramente assistencial ou facilitadora da mediação tem
vindo, tanto quanto me apercebo, a fazer escola no ordenamento
jurídico português. Mas da lei não resulta nenhuma restrição a
este modelo de mediação – o artigo 35.º n.º3 da Lei dos Julgados
de Paz fala até de direcção da mediação e de intervenção em busca
do melhor e mais justo resultado útil. A Directiva exclui apenas
a conciliação judicial, referindo-se a processo estruturado e
independentemente da sua designação ou modo como lhe é feita
referência.
No meu entendimento o mediador deve ter a liberdade de propor
acordos quando, da sua avaliação, retire que tal é útil e não
prejudica o domínio do processo pelas partes. Deve ainda poder
optar por uma intervenção mais passiva ou mais pró-activa
consoante o caso em discussão e o tipo de intervenientes. Agora é
necessário ter em atenção que quanto maior for a intervenção,
maior é o risco de imposição. O mediador nunca deve perder de
vista os princípios transversais da mediação, deve ter em conta o
objectivo da mediação (a pacificação) e ter sempre presente o
empowerment como essencial. Tendo isto presente, o grau de
intervenção que adopte pode variar consideravelmente, sendo ainda
mediação. Aliás, a flexibilidade é essencial.
69 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 137; Roberts e Palmer, Dispute Processes, 2005, p. 173.
39
3.4. Fases
As fases da mediação são frequentemente difíceis de identificar.70
A informalidade do processo tem como consequência precisamente a
não tipificação de fases. Elas podem variar em função do caso
concreto, das suas características e do desenrolar do processo.
Haverá, porém, sempre alguns momentos obrigatórios,
independentemente do momento em que são executados.
Uma das diferenças entre os teóricos da mediação diz respeito ao
conhecimento do processo e à sua preparação antes da sessão da
mediação. No sistema português, implantado nos Julgados de Paz, o
mediador não tem acesso ao processo, inteirando-se do problema
apenas na sessão de mediação. Este procedimento relaciona-se com
o tal modelo exclusivamente assistencial, em que o mediador se
limita a facilitar o diálogo, não interferindo nunca no mérito da
questão. Assumindo uma postura mais ao nível do comportamento do
que do litígio, não há necessidade de conhecer e preparar o caso.
Pelo contrário, é muito importante que o primeiro contacto do
mediador com o problema seja ouvido directamente da boca das
partes.71
Esta metodologia não será boa, porém, para mediação de casos
complexos. Assim, num modelo de maior intervenção, as fases
anteriores à sessão de mediação são determinantes e muito
pormenorizadas pela doutrina. Moore identifica 5 fases anteriores
ao início da sessão de mediação: constituição de um
relacionamento com as partes; escolha da estratégia da mediação;
recolha de informação sobre as partes e o conflito; programação
detalhada da mediação; estabelecimento de confiança e
cooperação.72
70 Moore, The Mediation Process, 2003, p. 67.71 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 56.72 Moore, The Mediation Process, 2003, p. 68.
40
No modelo de Brown e Marriot as fases prévias à sessão são apenas
três: introdução das partes na mediação; compromisso e acordo
sobre as regras da mediação; comunicação preliminar e preparação
da sessão.73
Como é fácil de perceber estes momentos são preparatórios,
visando iniciar a mediação com conhecimento de todos os
intervenientes, do assunto em discussão e das regras e desenrolar
da mediação. Assegurados este pontos, a mediação propriamente
dita pode iniciar-se.
Nos modelos em que não há preparação prévia da mediação, alguns
destes momentos estão inseridos já na sessão de mediação. Assim,
Vezzula identifica seis fases na mediação: apresentação do
mediador e das regras; exposição do problema pelos mediados;
resumo e ordenação inicial do problema; descoberta dos interesses
ainda ocultos; criação de ideias; acordo.74
Ao longo destas fases, há técnicas específicas que os mediadores
devem utilizar. Por exemplo, quando se trata de identificar
interesses, é importante desde logo estar bem ciente da sua
importância para o sucesso da mediação. Depois, deve saber ouvir,
tomar atenção às declarações, às generalizações e às sínteses
para tornar claras quais as necessidades das partes. Moore refere
dois métodos para descobrir interesses: o teste e o modelo
hipotético. O teste consiste em repetir o que lhe parece ser o
interesse, indo aproximando-se dele através dos reparos da parte.
O modelo hipotético consiste em propor uma série de opções de
acordo, não com a intenção de as ver aprovadas pelas partes, mas
de perceber as suas verdadeiras necessidades e interesses.75
Em situações em que a desconfiança entre as partes não permite a
clarificação dos interesses, pode ser importante fazer reuniões
separadas, aquilo que em mediação se denomina caucus. A opção do
73 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 154.74 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 56-64.75 Moore, The Mediation Process, 2003, p. 258.
41
caucus é polémica, na medida em que há quem aponte para a
possibilidade de quebra de confiança das partes. Não ouvindo tudo
o que se desenrola perante o mediador, as partes podem questionar
a sua imparcialidade. No entanto, desde que se conheçam riscos e
se faça uma avaliação casuística, parece não fazer sentido
exclui-lo em absoluto.76 A lei dos Julgados de Paz permite a
realização de reuniões separadas – artigo 53.º n.º3 – desde que
autorizadas pelas partes.
3.5. Áreas
Cumpre agora referir as áreas de mediação que estão actualmente
em desenvolvimento. Para além da mediação nos Julgados de Paz, a
que me referi já variadas vezes, é importante mencionar a
mediação familiar, a mediação laboral e a mediação penal.
A mediação familiar é aquela que mais tradição tem no nosso
ordenamento jurídico, embora até agora tenha tido uma implantação
muito restrita. O primeiro (e único até 2008) Gabinete de
Mediação Familiar foi criado em 1997, com competência para
situações de conflito relativos à regulação do poder paternal na
área da comarca de Lisboa. O Gabinete recebia processos enviados
pelos tribunais da comarca de Lisboa nas situações em que o juiz,
avaliando a acção, concluía que a mediação era o método mais
adequado para resolver o problema. O acordo era depois sujeito a
homologação pelo tribunal, que verificava o interesse do menor.77
É fácil de ver que quer o âmbito material, quer o âmbito
territorial do Gabinete de Mediação Familiar eram muitíssimo
insuficientes. A aposta nos meios de resolução alternativa de
litígios tinha necessariamente de passar por aqui, por se tratar
de uma área que foi sempre de aplicação privilegiada da mediação.
76 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, Lisboa, 2001, p. 61.77 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 62; Albertina Pereira, A mediação e a (nova) conciliação, 2006, p. 190.
42
No dia 16 de Julho de 2007, entrou em funcionamento o Sistema de
Mediação Familiar (SMF), vocacionado para a resolução de
conflitos em matéria familiar. O Sistema de Mediação Familiar tem
competência para mediar conflitos surgidos no âmbito de relações
familiares em que a utilização deste mecanismo se mostre
adequado, nomeadamente nas seguintes matérias: regulação,
alteração e incumprimento do exercício do poder paternal;
divórcio e separação de pessoas e bens; conversão da separação de
pessoas e bens em divórcio; reconciliação dos cônjuges separados;
atribuição e alteração de alimentos, provisórios ou definitivos;
atribuição de casa de morada da família; privação do direito ao
uso dos apelidos do outro cônjuge e autorização do uso dos
apelidos do ex-cônjuge.
O Sistema de Mediação Familiar funciona a título experimental em
15 municípios: Almada, Barreiro, Seixal, Setúbal, Lisboa,
Amadora, Loures, Oeiras, Cascais, Sintra, Mafra, Coimbra, Leiria,
Porto e Braga.78
A intervenção do Sistema de Mediação Familiar pode ser anterior à
existência de processo judicial ou na sua pendência. Mesmo que na
pendência do processo, nos termos do despacho79 que criou o
Sistema não há homologação judicial do acordo.
Também recentemente foi criado o Sistema de Mediação Laboral,
sistema que permite a trabalhadores e a empregadores utilizarem a
mediação para resolverem os seus litígios. O Sistema de Mediação
Laboral foi criado a partir de um protocolo celebrado no dia 05
de Maio de 2006 entre o Ministério da Justiça e as seguintes
entidades: Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP),
Confederação de Comércio e Serviços de Portugal (CCP),
Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical
Nacional - CGTP-IN, Confederação da Indústria Portuguesa (CIP),
78 Mais informações em www.gral.mj.pt 79 Despacho n.º 18 778/2007, de 22 de Agosto, disponível em www.gral.mj.pt.
43
Confederação do Turismo Português (CTP) , União Geral dos
Trabalhadores (UGT).
O Sistema de Mediação Laboral funciona simplesmente através da
gestão de uma lista de mediadores, pelo Gabinete de Resolução
Alternativa de Litígios do Ministério da Justiça. Não há qualquer
ligação com um tribunal.
Repare-se, pois, que as recentes iniciativas de mediação estão a
ser desenvolvidas em sistemas totalmente extra judiciais, isto é,
sem qualquer ligação com os tribunais. Nem antes, nem durante,
nem depois. Ao contrário da mediação nos Julgados de Paz que,
primeiro, é parte da tramitação nesses tribunais e, segundo,
implica homologação do acordo pelo juiz de paz (artigo 56.º n.º 1
LJP).
Esta questão tem levantado alguma polémica, com autores a
defender que o acordo obtido na mediação deve sempre ser sujeito
a verificação judicial, designadamente para verificar a sua
correspondência com a vontade das partes.80
De acordo com a Directiva 2008/52/CE, de 21 de Maio de 2008, no
seu artigo 6.º, os Estados-Membros devem assegurar que as partes
tenham a possibilidade de requerer que o conteúdo de um acordo
escrito seja declarado executório, mediante sentença, decisão ou
acto autêntico de um tribunal ou outra autoridade competente.
Trata-se de uma espécie de homologação ad hoc: não há qualquer
processo em tribunal, mas designa-se uma autoridade competente
para essa validação. É ainda interessante notar que a Directiva
não impõe que seja um tribunal a conferir executoriedade ao
acordo, podendo ser outra autoridade competente.
Esta norma levanta algumas dificuldades que deverão ser
devidamente ponderadas na transposição. Para além do problema da
autoridade competente (que tem de ser em atenção a reserva
jurisdicional), há ainda que reflectir sobre aspectos como a
80 Albertina Pereira, A mediação e a (nova) conciliação, 2006, p.194.
44
razão de ser da necessidade do acordo de ambas as partes para a
sujeição do acordo à executoriedade; que fazer em situações em
que o acordo, redigido em documento particular ou autêntico, já
reúne as condições para ser título executivo.
Julgo que a mediação, precisamente porque é um meio extrajudicial
de resolução de litígios pode viver exclusivamente fora dos
tribunais. Percebo que numa fase inicial de implementação do
sistema, por questões de credibilidade, faça sentido uma ligação.
Mas, depois, tal vínculo pode até ser contra natura por enviesar
uma diferente abordagem do litígio. Não esqueçamos que o
empowerment é a característica essencial da mediação, e este
domínio do processo pelas partes só muito, muito dificilmente se
mantém à frente do juiz.
Seja como for (ou vier a ser), o sistema de homologação
voluntária ad hoc criado pela Directiva parece-me o melhor
caminho.
Por último, a mediação penal foi aprovada pela Lei n.º 21/2207,
de 12 de Junho, aplicável apenas a alguns crimes particulares ou
semi-públicos. Há uma limitação aos crimes contra as pessoas e
contra o património, assim como a crimes com penas inferiores a 5
anos. Também não é possível a mediação penal em crimes contra a
liberdade ou autodeterminação sexual, peculato, corrupção ou
tráfico de influência.81
A mediação penal inicia-se através da remessa do processo de
inquérito decidida pelo Ministério Público, podendo ser requerida
pelas partes (ofendido e arguido). Havendo acordo, é este enviado
ao Ministério Público que verifica a sua legalidade (artigo 5.º
n.º 8 e artigo 6.º). No acordo não podem incluir-se sanções
privativas da liberdade, deveres que ofendam a dignidade do
arguido ou obrigações cujo cumprimento se deva prolongar por mais
de 6 meses.
81 Artigo 2.º da Lei 21/2007, de 12 de Junho.
45
Este diploma veio dar execução a uma Decisão Quadro do Conselho
de 200182, que pretendeu introduzir nos Estados Membros uma
diferente resposta ao ilícito penal. A mediação vítima-agressor
insere-se na linha da justiça restaurativa, procurando uma
reparação efectiva da vítima e uma reabilitação do agressor, para
além ou em vez do seu castigo.83 Levanta inúmeras questões
específicas e tem sido bastante discutida nos seus diversos
aspectos: protecção da vítima, coerência com as finalidades
próprias do direito penal, papel do Ministério Público.84 São
questões muito interessantes, mas que não podemos abordar agora.
3.6. O Mediador
O mediador é um profissional treinado nas técnicas da mediação.
Para o exercício da profissão nos serviços públicos de mediação o
Ministério da Justiça exige a frequência de um curso credenciado
pelo Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios, organismo
desse Ministério.
Há actualmente em Portugal oferta suficiente de cursos de
formação de mediadores, normalmente em regime de Pós Graduações
em instituições de ensino superior ou outra entidades de
formação. Por regra é exigida a titularidade de um curso
superior, admitindo-se que seja qualquer um. A formação dos
mediadores é, assim, variadíssima. É certo que há alguma
predominância de licenciados em Direito e em Psicologia, mas há
também pessoas licenciadas em Sociologia, Serviço Social,
Filosofia, Geografia, Arquitectura. E estou apenas a citar
pessoas que conheço pessoalmente.
82 Decisão Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março.83 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 295; Moyano Marques e João Lázaro, A Mediação Vítima-Agressor e os Direitos e Interesses da Vítima, 2005, p. 27.84 Cfr. AA. VV., A Introdução da Mediação Vítima-Agressor no Ordenamento Jurídico Português, Coimbra, Almedina, 2005.
46
Esta diversidade de formações de base traz um problema para a
mediação que tem de ser encarado na formação e na fiscalização. É
que há um padrão de abordagem da mediação que se relaciona com
essa profissão de base: os advogados têm dificuldade de confiar
na capacidade de os mediados construírem sozinhos uma solução; os
juízes esperam obediência, quando dizem uma coisa pensam que é a
coisa certa para todos; os psicólogos têm tendência para a
terapia, procurando às vezes apenas as raízes do conflito; os
sociólogos posicionam-se muitas vezes como “missionários”,
pensando que mudam a sociedade com a implementação da mediação;
os cientistas naturais procuram muito esquematizar a relação
causa-efeito, esquecendo que entre as pessoas as questões não são
tão lineares.85
Julgo que serão muito poucos os mediadores que exercem a
profissão em exclusividade. Dado o ainda pequeno mercado de
mediação, não há trabalho suficiente para que a maior parte dos
mediadores possam prescindir do seu trabalho de origem. É
possível que o futuro seja diferente.
Parte importante da formação do mediador deve incidir sobre a
deontologia da profissão. As regras deontológicas positivadas
estão na Lei dos Julgados de Paz, nos artigos 21.º, 22.º, 30.º e
35.º. Está prevista a aplicação do regime dos impedimentos e
suspeições do processo civil, o dever de sigilo (melhor
denominado dever de reserva), a imparcialidade, independência,
neutralidade, credibilidade, competência, confidencialidade e
diligência. É útil substanciar estes princípios gerais através da
consideração de alguns problemas práticos.
O mediador deve ser independente e imparcial, no corrente sentido
de que não poder ter qualquer interesse pessoal no conflito
mediado ou qualquer ligação com as partes. A Lei dos Julgados de
Paz refere ainda que o mediador deve ser neutral, abstraindo-se
das suas convicções pessoais no momento de executar as suas
85 Reflexões com a colaboração de Úrsula Caser.
47
tarefas. A neutralidade é muito mais difícil de controlar do que
a imparcialidade ou a independência. Há quem entenda até que tal
é impossível, na medida em que o afastamento dos nosso
preconceitos e profundos pensares nunca se faz até ao nível do
subconsciente.
Esta é uma questão especialmente sensível na mediação penal. O
artigo 10.º da Lei 20/2007, de 12 de Julho, refere-se à questão
da isenção do mediador, permitindo a este que recuse ou
interrompa a mediação quando perceber que não consegue suplantar
os seus pré-conceitos. É algo – a interrupção – que não está
prevista na generalidades das mediações, mas deve ser encarado
como sempre possível. Mais uma vez cabe ao mediador analisar,
permanentemente, a sua actuação.
No que diz respeito à credibilidade e competência, a Directiva
contém no seu artigo 4.ºo dever dos Estados de incentivarem o
desenvolvimento e a adesão a códigos voluntários de conduta pelos
mediadores, bem como outros mecanismos eficazes de controlo da
qualidade da prestação de serviços de mediação.
A este propósito é útil referir o Código Europeu de Conduta para
Mediadores86, documento produzido com o apoio dos serviços da
Comissão Europeia. Pretende ser um conjunto de princípios a que
os mediadores voluntariamente aderir. O principal objectivo do
Código é assegurar a confiança em relação aos mediadores e à
mediação.
O código divide-se em três capítulos, o primeiro dedicado a
competências e marcações, o segundo a independência e
imparcialidade, o terceiro ao acordo de mediação, procedimento,
funcionamento e honorários.
Em relação à independência em sentido lato, o princípio 2.1.
impõe ao mediador um dever de revelar circunstâncias que as
possam pôr em causa. Este dever mantém-se durante todo o
86 Tradução portuguesa disponível em www.gral.mj.pt.
48
processo. Quando faça esta revelação, o mediador só deve
continuar o processo se as partes concordarem.
49
IV
ARBITRAGEM
5.1. Noção e natureza jurídica
A arbitragem pode ser definida como um modo de resolução
jurisdicional de conflitos em que decisão, com base na vontade
das partes, é confiada a terceiros. A arbitragem é, assim, um
meio de resolução alternativa de litígios adjudicatório, na
medida em que a decisão é confiada a um terceiro. E essa decisão
é vinculativa para as partes. A arbitragem aproxima-se do padrão
judicial tradicional, sendo jurisdicional nos seus efeitos: não
só a convenção arbitral gera um direito potestativo de
constituição do tribunal arbitral e a consequente falta de
jurisdição dos tribunais comuns; como também a decisão arbitral
faz caso julgado e tem força executiva.
A origem privada da arbitragem aliada à sua natureza
jurisdicional tem colocado dificuldades quanto à sua
caracterização jurídica.
A propósito da natureza jurídica da arbitragem debatem-se teses
contratuais, jurisdicionais e mistas. Para a teoria contratual,
na sua formulação mais radical, a decisão arbitral é um contrato
50
celebrado pelos árbitros como mandatários das partes. Para este
tese só a homologação judicial permite que seja uma verdadeira
sentença. Já a tese jurisdicional entende que as decisões
arbitrais são actos jurisdicionais, sendo os árbitros juízes e
não mandatários das partes. Por último, a concepção mista defende
que a arbitragem voluntária está a meio caminho entre o
julgamento da autoridade judicial e o contrato livremente
consentido pelas partes – o árbitro julga, mas não exerce as
funções públicas de um juiz.87
A doutrina actual tem adoptado esta última tese, na medida em que
falamos de algo que tem, sem qualquer dúvida, um fundamento
contratual (a convenção de arbitragem), mas que constitui uma
actividade jurisdicional e conduz a uma decisão com eficácia
jurisdicional.88
Prova desta natureza mista é, como se disse, a eficácia executiva
da decisão judicial, por um lado, e a limitação da competência do
tribunal arbitral, por outro, à convenção de arbitragem. Marca,
ainda, desta natureza jurisdicional são as garantias que a Lei da
Arbitragem Voluntária estabelece para o processo arbitral – em
concreto, um processo arbitral só será reconhecido com todos ou
validado se cumprir as regras mínimas do processo justo.
Como se vem tornando habitual dizer, a arbitragem voluntária é
contratual na sua origem, privada na sua natureza e jurisdicional
na sua função. A natureza contratual configura a fonte dos
poderes jurisdicionais, a natureza jurisdicional configura o
conteúdo dos poderes atribuídos pelo contrato.89
87 Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 183-6.88 Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 187; Lebre de Freitas, Algumas Implicações da Natureza da Convenção de Arbitragem, 2002, p. 626; Sérvulo Correia, A Arbitragem Voluntária no Domínio dos Contratos Administrativos, 1995, p. 231.89 Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem, 2008, p. 2-3.
51
Esta caracterização é muito importante, na medida em que tem
diversas consequências no regime da arbitragem e na integração
das lacunas da Lei da Arbitragem Voluntária.
A arbitragem voluntária é regida pela Lei n.º 31/86, de 29 de
Agosto, diploma que sofreu uma única alteração em 2003, através
do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. As alterações
introduzidas por este diploma foram cirúrgicas, apenas aos artigo
11º e 12º. É um diploma com bastantes anos, que carece de
renovação. Fala-se já há algum tempo de uma reforma da LAV,
embora não tenham sido divulgados projectos oficiais. A melhor
solução seria adoptar um regime legal próximo ao da Lei Modelo da
UNCITRAL90, facto que privilegiaria o desenvolvimento da
arbitragem em Portugal. Deveria aproveitar-se a oportunidade para
elaborar um nova LAV, inspirada na Lei Modelo da UNCITRAL e não
apenas retocar alguns aspectos da actual.
É a Lei da Arbitragem Voluntária que serve de base de estudo ao
ensino da arbitragem no nosso ordenamento jurídico. Há documentos
internacionais de relevo, para além da Lei Modelo da UNCITRAL já
referida, é de enorme importância a Convenção de Nova Iorque
relativa ao reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras.
No entanto, o estudo introdutório da disciplina tem de cingir-se
por razões de tempo e de coerência à arbitragem doméstica.91 Esta
restrição tem como consequência a exclusão da problemática da lei
aplicável à arbitragem, na medida em que só são referidas
arbitragens sediadas em Portugal e entre partes nacionais. Esta
questão é mais correctamente tratada nas disciplinas da área do
Direito Internacional Privado.
90 Disponível emwww.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/arbitration/1985Model_arbitration.html.91 Circunstância que tem ainda consequências ao nível da bibliografia recomendada aos alunos.
52
Por outro lado o cariz introdutório deste estudo da arbitragem
implica a não aprendizagem de matérias mais complexas como as
medidas cautelares ou as arbitragens com múltiplas partes.
5.2. Espécies
A arbitragem pode ser institucionalizada ou ad hoc. A primeira
realiza-se num tribunal arbitral com carácter de permanência,
sujeito a um regulamento próprio. Já na segunda modalidade, o
tribunal é constituído especifica e unicamente para um
determinado litígio. Antes da execução da convenção de arbitragem
o tribunal não existe e após o proferimento da decisão arbitral
extingue-se. Esta natureza incidental é, por vezes, difícil de
conceber na prática, designadamente por estudantes formatados na
lógica judicial. Mas ficará mais clara com o avançar do curso, em
especial com a aprendizagem das regras sobre constituição do
tribunal arbitral.
Certo é, porém, que por vezes a natureza efémera do tribunal
arbitral ad hoc pode trazer dificuldades, designadamente no
tratamento da matéria das consequências da anulação da decisão
arbitral e também em certos aspectos do princípio da competência-
competência. A eles voltaremos mais tarde.
A arbitragem institucionalizada em Portugal foi regulamentada
pelo Decreto-Lei n.º 425/86, de 27 de Setembro que determina, em
síntese, a necessidade de reconhecimento pelo Ministério da
Justiça dos centros de arbitragem institucionalizada.
Há diversos centros de arbitragem institucionalizada a funcionar,
com uma expressão clara na área do direito do consumo. Para além
destes, porém, há ainda outros mais ligados à arbitragem
comercial, sendo de destacar o Centro de Arbitragem Comercial da
Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa. Sem quaisquer
restrições quanto ao objecto do litígio, pode destacar-se o
Centro de Arbitragem da Ordem dos Advogados.
53
É importante referir que na arbitragem institucionalizada há dois
modelos. O mais comum é o do centro funcionar apenas como órgão
administrativo, constituindo-se tribunais arbitrais para cada
litígio. No segundo modelo, utilizado nos centros de arbitragem
de consumo, há só um árbitro, que julga todos os processos
entrados no centro.
5.3. Convenção arbitral
5.3.1. Noção e natureza jurídica
A convenção arbitral é o acordo das partes em submeter a
arbitragem um litígio actual ou eventual. Tem natureza
contratual, na medida em que é negócio jurídico bilateral.92
É a convenção arbitral que determina a competência do tribunal
arbitral, isto é, o tribunal arbitral só tem competência
jurisdicional quando o litígio que lhe é submetido está integrado
na convenção de arbitragem. Por esta razão, o estudo da convenção
arbitral tem na arbitragem um lugar central. É uma espécie de
foco de luz que ilumina a área de competência. O que estiver na
escuridão, mesmo que relacionado com o litígio inserido na
convenção, não pode ser decidido pelo tribunal arbitral. Se
houver decisão sobre matéria não incluída na convenção, essa
decisão é anulável, por ser proferida por tribunal incompetente
(artigo 27.º n.º1 alínea b) 1ª parte LAV).
5.3.2. Modalidades e efeitos
A convenção arbitral pode revestir duas modalidades: clausula
compromissória ou compromisso arbitral. Nos termos do artigo 1.º
n.º2 da LAV, é compromisso arbitral a convenção que tem por
objecto um litígio actual e é clausula compromissória a que tem
92 Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem, 2008, p. 2-3; Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 188; Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, 1986, p. 303.
54
por objecto litígios eventuais emergentes de uma determinada
relação jurídica contratual ou extracontratual. O que distingue
uma e outra modalidade é, portanto, a existência ou não do
litígio. Se se tratar de litígio existente, falamos de
compromisso arbitral, se se tratar de litígio eventual, falamos
de clausula compromissória. Nesta última situação é necessário
precisar a concreta relação jurídica da qual o litígio poderá
emergir.
O mais frequente é a inserção deste tipo de clausulas em
contratos mais ou menos complexos. Podem ter as mais diversas
formulações, prever quase nada ou quase tudo, remeter para
arbitragem institucionalizada ou fixar critérios de constituição
do tribunal arbitral. Dentro das regras imperativas de direito
privado (que nesta área não são muitas), as partes poderão
livremente convencionar o que entenderem.
Uma declaração negocial próxima desta é a declaração unilateral
de adesão prévia. Tal declaração existe no nosso ordenamento
jurídico em alguns centros de arbitragem de consumo e significa
uma adesão das empresas ao centro para a resolução de futuros
litígios com consumidores que pode ainda desconhecer. Não se
trata de clausula compromissória, porque não há contra-parte: a
vinculação da empresa faz-se perante todos ou ninguém. No
entender de Dário Moura Vicente serão quanto muito meras
promessas de celebração de convenção arbitral. Aliás os
regulamentos desses centros de arbitragem exigem, depois, a
celebração da convenção.93
Esta é, por diversas razões, a melhor qualificação. Em primeiro
lugar, esta promessa, sendo unilateral, necessitaria sempre da
aceitação da parte contrária, pelo que nunca poderia ter o efeito
potestativo normal da convenção de arbitragem. Em segundo lugar e
mais importante, a derrogação do direito de acção – que a
93 Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 998.
55
celebração da convenção arbitral implica – só pode verificar-se
nos casos em que a lei o permite. Ora, a LAV apenas estabelece
como convenção arbitral a clausula compromissória e o compromisso
arbitral, não preenchendo os requisitos de nenhuma delas esta
adesão prévia com carácter genérico. Assim, esta declaração
unilateral genérica deve ser aproximada do que antes da actual
LAV era o compromisso arbitral: uma mera promessa de celebração
da convenção arbitral.94 Se, neste caso preciso, a parte que
aderiu previamente não aceder à celebração da convenção
prometida, os efeitos serão puramente obrigacionais.
É uma diferença importante porque os efeitos da celebração da
convenção arbitral são essencialmente processuais: a existência
de uma convenção arbitral implica que os tribunais judiciais não
têm jurisdição sobre o caso. Caso seja proposta em tribunal
judicial uma acção que tenha como objecto um litígio sobre o qual
incida uma convenção arbitral, verifica-se uma excepção dilatória
de preterição de tribunal arbitral. Excepção que implica a
absolvição do réu da instância e consequente extinção da mesma.
Daí que se caracterize a convenção de arbitragem como um negócio
jurídico processual.95
A caracterização mais correcta, na minha opinião, da excepção em
causa é precisamente de excepção de preterição de tribunal
arbitral, tal como referido no artigo 494.º j) CPC. Não se coloca
a questão de litispendência ou de caso julgado na medida em que o
problema é de jurisdição: ou quem tem competência para litígio é
o tribunal arbitral e o judicial não pode sequer analisar o caso;
ou quem tem competência é o judicial e o processo segue. Esta
questão tem importância meramente prática, porque a excepção de
litispendência é de conhecimento oficioso e a de preterição de
tribunal arbitral não. Assim, se não for invocada a excepção de
preterição de tribunal arbitral, o tribunal judicial nada pode 94 Galvão Teles, Clausula Compromissória, 1957, p. 214.95 Lebre de Freitas, Algumas Implicações da Natureza da Convenção de Arbitragem, 2002, p. 627.
56
fazer. Estamos no âmbito da autonomia privada das partes – a não
invocação da excepção equivale à revogação da convenção.
Esta problemática está directamente relacionada com a do
princípio da competência do tribunal arbitral para aferir da sua
própria competência, pelo que a ele voltaremos mais à frente.
A convenção arbitral pode, ainda, ser celebrada na pendência de
acção judicial, implicando, nos termos do artigo 290.º CPC
extinção da acção.
5.3.3. Validade da convenção
a. Como se disse a competência do tribunal arbitral pressupõe uma
convenção de arbitragem válida e eficaz. Se a convenção for nula,
anulável ou ineficaz há incompetência do tribunal, o que se
traduz num fundamento de anulação da decisão arbitral.
À validade da convenção de arbitragem são aplicáveis as regras
relativas aos negócios jurídicos, em especial aos contratos.
Apenas o que está previsto especificamente na LAV ou em
legislação específica afasta a aplicação daqueles preceitos
gerais.
A validade da convenção arbitral deve ser analisada de acordo com
os seguintes parâmetros: acordo das partes, requisitos da
arbitrabilidade, forma e conteúdo e, por fim, autonomia.
b. Quanto ao acordo das partes, o único problema a tratar
relaciona-se com duas normas do regime das clausulas contratuais
gerais. Na diploma legislativo que as regula – Decreto-Lei
446/85, de 25 de Outubro - encontram-se duas proibições cuja
interpretação não está isenta de dúvidas.
Em primeiro lugar, o artigo 21.º h)LCCG: “São em absoluto
proibidas as clausulas contratuais gerais que (...) prevejam
modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de
procedimento estabelecidas na lei.”
57
A doutrina hesita um pouco na interpretação a fazer desta norma.
Será que a remissão para a lei é para a LAV? É que se assim
fosse, nada de novo estaria aí previsto - não pode haver
arbitragens em Portugal que não respeitem os requisitos da LAV,
pois são anuláveis.
De acordo com Dário Moura Vicente, o legislador não pretendeu
proibir a celebração de convenções arbitrais nas relações com
consumidores finais, mas tão só garantir que não haja uma
exclusão da jurisdição estadual, ou seja, o que a lei pretende,
no entender do autor, é criar uma competência concorrente com a
dos tribunais judiciais.96
Posição contrária assumiu, porém, o Supremo Tribunal de Justiça
em Acórdão de 4 de Outubro de 2005.97 Entendeu o Acórdão que a
convenção, ao respeitar a nossa Lei de Arbitragem Voluntária,
preenchia os requisitos necessários da lei, sendo portanto
válida.
A questão não é fácil, embora me pareça estranha uma situação de
competência concorrente, em princípio só invocável pelo
consumidor. É um regime algo híbrido, com consequências difíceis
de prever do ponto de vista dogmático.
Parece claro que esta interpretação pressupõe alguma desconfiança
face à arbitragem enquanto processo extra-judicial de resolução
de conflitos. Terá sido, essa, realmente a ideia do legislador.
Mas, não serão suficientes as garantias que a LAV oferece quanto
a igualdade e contraditório? Se a questão é de erro do
consumidor, de falta de informação ou de incompreensão em relação
ao que é a arbitragem o problema é de consentimento, de vontade.
Em relação a esses eventuais vícios são aplicáveis as regras
gerais da formação do contrato. O problema que nos ocupa – de
96 Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 998.97 Processo n.º 05A2222, Caso PT.
58
interpretação do artigo 21.º h) LCCG é outro – o dos limites da
utilização da arbitragem em conflitos com consumidores.
A outra norma do diploma das clausulas contratuais gerais que
pode ser aplicável à arbitragem é o artigo 19.º g) da LCCG, que
tem o seguinte texto: “São proibidas, consoante o quadro negocial
padronizado, designadamente as clausulas contratuais gerais que
estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes
para uma das partes, sem que os interesses da outra o
justifiquem.”
A primeira dificuldade está em saber se esta norma é aplicável à
arbitragem. Lima Pinheiro e Raul Ventura entendem que sim,
fazendo uma interpretação extensiva do que se deva entender por
foro competente. Ambos os autores concordam ainda que só muito
excepcionalmente o foro arbitral será gravemente inconveniente
para uma das partes.98
c. Só pode ser sujeito a arbitragem um litígio... arbitrável.
Entramos agora na análise da arbitrabilidade, primeiro requisito
da convenção arbitral. De acordo com a nossa lei não é arbitrável
o que está sujeito a arbitragem necessária99, o que é da
competência exclusiva dos tribunais judiciais e que respeite a
direitos indisponíveis.
Não se confunde a competência judicial exclusiva (prevista no
artigo 1.º n.º1 LAV) com as competências internacionais
exclusivas previstas no artigo 65.º-A CPC ou no artigo 22.º do
Regulamento 44/2001. Falamos antes de litígios cuja jurisdição
competente é a pública, por lei especial o prever expressamente.
São exemplos os processos criminal e de insolvência.100
98 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 92; Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, 1986, p. 44.99 Dois exemplos de arbitragem necessária: em matéria de direitos de autor, artigo 221.º n.º 4 do Código de Direitos de Autor; em matéria de patentes, no artigo 59.º n.º 6 do Código da Propriedade Industrial.100 Ferreira de Almeida, Convenção de arbitragem, 2008, p. 5; Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p.111.
59
O último filtro de arbitrabilidade – o da disponibilidade do
direito em litígio – é o que mais problemas coloca. Não
entraremos aqui na discussão do melhor critério, se do direito
disponível, se da natureza patrimonial do direito101, na medida em
que o nosso objecto de estudo se limita ao direito positivo. E
este é claro no critério escolhido – o do disponibilidade do
direito. Certo é, porém, que é matéria polémica, não havendo
sequer consenso quanto à falência do critério legal.102
A arbitrabilidade distingue-se em objectiva e subjectiva. Esta
última pretende tratar da possibilidade de entidades públicas
serem partes em processo arbitral. A questão encontra-se
resolvida no artigo 1.º n.º4 LAV, nos termos do qual tal
participação é admissível em duas situações: autorização por lei
especial, litígios respeitantes a relações de direito privado. O
artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos
autoriza essa participação em situações de contratos,
responsabilidade civil e actos administrativos. Em relação a
questões relativas a actos administrativos há o limite do
fundamento não poder ser a sua invalidade substantiva.103
No artigo 187.º CPTA está ainda prevista a criação de centros de
arbitragem destinados à composição de litígios no âmbito das
seguintes matérias: contratos; responsabilidade civil da
administração; funcionalismo público; sistemas públicos de
protecção social; urbanismo.
O artigo 182.º CPTA estabelece um direito do particular a exigir
compromisso arbitral. A caracterização jurídica deste direito é
difícil, embora a doutrina entenda que não confere ao cidadão um
direito potestativo, podendo a administração recusar a celebração
101 Defendido por Sampaio Caramelo, A Disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio, 2006, disponível em www.oa.pt. Este artigo contém, ainda, um panorama de direito comparado e aplicações práticas de grande interesse.102 Ferreira de Almeida, Convenção de arbitragem, 2008, p. 5-6.103 João Caupers, A Arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, 1999, p. 5.
60
do compromisso arbitral sem que haja qualquer sanção. Isto porque
para já e pelo menos a eficácia do preceito depende de
regulamentação, ainda inexistente.104
A arbitrabilidade objectiva depende, como já se disse, da
disponibilidade do direito. O que for disponível pode ser sujeito
a arbitragem, o que não for, não é. São indisponíveis os direitos
a que as partes não podem constituir por acto de vontade e os que
são irrenunciáveis. A simplicidade da definição não corresponde à
sua concretização prática: há muitas dúvidas sobre casos
concretos, alguns deles surgidos na jurisprudência.
Parece-me útil adoptar aqui duas das considerações que a este
propósito Ferreira de Almeida escreve.
Em primeiro lugar, a circunstância de o litígio ser regulado em
parte por normas imperativas não implica necessariamente
indisponibilidade do direito, tal só acontecendo quando o litígio
é exclusivamente regulado por normas imperativas. Nesta linha, é
interessante fazer referência ao Acórdão da Relação de Guimarães
de 16 de Fevereiro de 2005105, em que se discutiu se, sendo uma
indemnização de clientela em contrato de concessão internacional
um direito indisponível, a remissão da decisão para critérios de
equidade poderia ou não implicar a invalidade da convenção.106
Em segundo lugar, a aferição da disponibilidade do direito deve
ser feito caso a caso e não, como é usual, instituto a instituto.
Não se deve, pois, excluir grandes grupos de litígios, como os
direitos de personalidade ou a família. Interessante deste ponto
de vista é o caso discutido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 3 de Maio de 2007107, em que se discutia uma
indemnização a uma apresentadora de televisão por violação dos
104 Aroso de Almeida, O Novo regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2004, p. 393.105 Processo n.º 197/05-1, Caso Indemnização de clientela.106 Este acórdão é criticado por Sampaio Caramelo, A Disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio, 2006, ponto 8.107 Processo n.º 06B3359.
61
seus direitos de personalidade. O tribunal defende, precisamente,
que se os direitos de personalidade são indisponíveis, o mesmo
não significa que a indemnização decorrente da sua violação o
seja.
Há diversos casos de muito difícil resolução. Alguns problemas
recorrentes relacionam-se com o contrato de agência e com o
análogo contrato de concessão comercial, como já foi referido.
Também em matéria da sociedades comerciais há bastantes
dificuldades de aplicação do critério. O mesmo se passa em
matéria de direito do trabalho e de arrendamento urbano.108
Esta é uma matéria complexa que necessita de alguma reflexão e
ponderação. Ponderação que começa necessariamente pela natureza
jurídica da arbitragem e pelas razões de política legislativa que
impedem que determinados tipos de litígios lhe estejam vedados.
Se é impensável sujeitar matéria criminal à arbitragem, já outras
questões próximas na sua ofensa comunitária não reúnem consenso
na exclusão. Por exemplo, em matéria de direito da concorrência
há já previsões comunitárias que permitem a sua
arbitrabilidade.109
d. Nos termos do artigo 2.º n.º1 LAV a convenção de arbitragem
tem de ter forma escrita. Na expressão da lei, deve ser reduzida
a escrito. Considera-se reduzido a escrito não só a convenção
constante de documento assinada pelas partes, mas também
resultante de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios
de comunicação de que fique forma escrita. É ainda suficiente que
estes documentos contenham apenas uma remissão para algum
documento em que uma convenção esteja contida.110 Trata-se da
108 Em relação a todas estas questões, cfr. as referências de Sampaio Caramelo, A Disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio, 2006, pontos 8 e seguintes.109 Regulamento (CE) 1/2003, do Conselho de 16 de Dezembro de 2002 - Sampaio Caramelo, A Disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio, 2006, ponto 12.110 Ver a este propósito Acórdão STJ 23 de Outubro de 2003, Processo n.º 03B3145, Caso Royalties.
62
acepção ampla de forma escrita, comum a instrumentos normativos
internacionais (Convenção de Nova Iorque e Lei Modelo da
UNCITRAL).111
A acepção ampla de forma escrita resolve alguns problemas, mas
cria outros. No essencial os problemas tratados pela doutrina
dizem respeito, primeiro, à interpretação desta remissão e,
segundo, à possibilidade de a convenção arbitral constar de
documentos electrónicos, designadamente correio electrónico.
Para responder a qualquer uma das questões de forma é essencial
perceber por que razão se exige forma escrita. Repare-se que a
convenção arbitral tem necessariamente forma escrita mesmo que o
contrato a que diga respeito não esteja a ela sujeito e tenha,
inclusive, sido celebrado oralmente.
Julgo que as razões de forma são várias. Todas elas tendo
importância e sendo suficientes para justificar a regra especial.
Em primeiro lugar e evidentemente, a gravidade dos efeitos da
celebração de uma convenção de arbitragem. O direito potestativo
de constituição do tribunal arbitral implica a renúncia ao
direito de acção judicial – trata-se do efeito negativo do
princípio da competência da competência que é, sem dúvida, uma
derrogação importante de um direito fundamental. A constituição
imediata de um direito potestativo justifica a maior exigência da
forma face à anterior regulamentação da arbitragem.112 Por outro
lado, alguma doutrina entende que as razões determinantes da
forma residem na delimitação precisa do seu conteúdo, em especial
do seu objecto, na medida em que confere aos árbitros e às partes
certeza quanto às questões submetidas à jurisdição arbitral.113 É
importante reter este entendimento, na medida em que, como se
disse, a convenção arbitral é o foco que ilumina a área da
111 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p.95; Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 999.112 Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 991.113 Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem, 2008, p. 11.
63
competência do tribunal arbitral. Quaisquer dúvidas que existam
nessa competência devem ser ao máximo dissipadas, o que se
consegue melhor se essa convenção estiver reduzida a escrito. Por
outro lado, mas ainda nesta linha, repare-se que a convenção
arbitral, essencialmente na modalidade de clausula
compromissória, mas também na de compromisso arbitral, vai ser
actuada já em situação de litígio. Quando há conflito, há
normalmente uma parte interessada em atrasar o processo e a
insegurança quanto à existência e conteúdo da convenção arbitral
seria, possivelmente, a primeira a servir de obstáculo à sua
rápida resolução.
Parece-me, pois, que a exigência de forma se explica pela
necessidade de clareza quanto à existência, objecto e conteúdo da
convenção. Embora a renúncia a parte do direito de acção – que na
sua totalidade é indubitavelmente indisponível – seja importante,
julgo que a questão da segurança na existência e execução é mais
relevante para a exigência da forma escrita.
Assim, o que interessa é que haja possibilidade de determinação
quanto a estes aspectos, ainda que não seja inteiramente claro
como se alcançou essa clareza ou se houve realmente adesão de
ambas as partes à convenção.114
Tendo em conta esta conclusão torna-se mais fácil analisar as
duas questões supra referidas: em primeiro lugar qual a melhor
interpretação para convenção por remissão; em segundo lugar, como
tratar as convenções celebradas por documentos electrónicos.
A remissão suficiente é aquela que permite encontrar a convenção
arbitral sobre o litígio em causa em documentos inseridos no
processo negocial do contrato, o que será o mais normal, ou da
própria celebração da convenção arbitral (se posterior ou
autonomizada).
114 Os vícios da vontade relativos à celebração da convenção são, evidentemente, invocáveis nos termos gerais.
64
Quanto aos documentos electrónicos o problema está apenas
naqueles que não estão assinados electronicamente. Por que os que
estão são equiparados a documentos particulares, nos termos do
Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto. Os restantes devem ser
equiparados aos documentos não assinados, isto é, aos telex,
telegramas ou outros meios de comunicação de que fique forma
escrita, tal como está referido no artigo 2.º n.º2 LAV.
A propósito dos documentos electrónicos, Dário Moura Vicente faz
uma distinção entre forma escrita e força probatória plena.115 Os
documentos assinados, porque só estes são documentos particulares
nos termos do artigo 373.º CC, têm força probatória plena quanto
às declarações atribuídas ao seu autor (artigo 376.º n.º1 CC). Os
documentos não assinados podem satisfazer o requisito da forma
escrita, mas o seu valor probatório difere em função das suas
características. Esta está prevista, designadamente, nos artigos
368.º CC (reproduções mecânicas), 379.º CC (telegramas) e artigo
3.º n.º5 do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto (documento
electrónico ao qual não seja aposto uma assinatura electrónica).
A falta de forma escrita da convenção arbitral gera a sua
nulidade, nos termos do artigo 3.º LAV. Esta nulidade implica
incompetência do tribunal arbitral para dirimir o litígio, pelo
que é fundamento de anulação da sentença arbitral – artigo 27.º
n.º1 b) LAV. Esta nulidade pode, porém, ser sanada pela sua não
invocação. Nos termos do artigo 21.º n.º3 LAV a nulidade tem de
ser invocada até à apresentação da defesa, ficando depois
precludido o fundamento de anulação (artigo 27.º n.º2 LAV).
e. A convenção de arbitragem tem um conteúdo essencial ou
obrigatório e um conteúdo facultativo. O conteúdo essencial é
determinado pela Lei: em relação ao compromisso arbitral é
necessária a determinação com precisão do objecto do litígio, em
relação à clausula compromissória é obrigatória a especificação
115 Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 1002.
65
da relação jurídica a que os litígios dizem respeito – artigo 2.º
n.º 3 LAV. O necessário para esta determinação é, mais uma vez, a
segurança na atribuição de jurisdição ao tribunal arbitral, pelo
que não se trata aqui de qualquer precisão do objecto da acção,
mas tão só a identificação da situação jurídica.116
Embora estabeleça este requisito, a nossa Lei da Arbitragem
Voluntária não estatui qualquer sanção – o artigo 3.º impõe a
nulidade apenas para violações dos artigos 1.º n.ºs 1 e 4 e 2ª
n.º1 e 2. Ora os requisitos de conteúdo estão previstos no artigo
2º n.º3. Pode, simplesmente, dizer-se que se verifica aqui uma
lacuna e defender o seu preenchimento através da aplicação desta
mesma norma. Parece ser a solução mais adequada na medida em que
equivale a inexistência de forma escrita – o problema é de
segurança quanto à jurisdição do tribunal arbitral. Ao aproximar-
se o regime da indeterminação do conteúdo à falta de forma
escrita, estamos ainda aplicar todo o regime de prazo de alegação
e preclusão de fundamento de anulação referido acima, o que me
parece, também, adequado ao tipo de vício em causa.
O conteúdo complementar da convenção pode ser o mais variado
possível, desde a fixação da local da arbitragem, passando pelo
número de árbitros e forma da sua designação, até regras
processuais específicas ou remissão para o regulamento de algum
centro de arbitragem institucionalizada.
Há diversas organizações que sugerem clausulas tipo, por exemplo,
a Câmara de Comércio Internacional propõe o seguinte: “Todos os
litígios emergentes do presente contrato ou com ele relacionados
serão definitivamente resolvidos de acordo com o Regulamento de
Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, por um ou mais
árbitros nomeados nos termos desse Regulamento”.117
116 Lebre de Freitas, Alcance da determinação pelo tribunal judicial do objecto do litígio a submeter a arbitragem, 2002, p. 67.117 Disponível em www.iccwbo.org/court/english/arbitration/word_documents
66
Já, por exemplo, o London Court of International Arbitration
sugere maior pormenor: “Any dispute arising out of or in
connection with this contract, including any question regarding
its existence, validity or termination, shall be referred to and
finally resolved by arbitration under the LCIA Rules, which Rules
are deemed to be incorporated by reference into this clause. The
number of arbitrators shall be [one/three]. The seat, or legal
place, of arbitration shall be [City and/or Country]. The
language to be used in the arbitral proceedings shall be
[ ]. The governing law of the contract shall be the
substantive law of [ ].118
f. A nulidade do contrato em que se insira uma convenção de
arbitragem não implica a nulidade desta. Esta é a regra geral da
autonomia da convenção arbitral face ao contrato onde ela está
inserida e consta do artigo 21.º n.º2 LAV. Esta formulação não
levanta grandes dúvidas, querendo dizer que o tribunal arbitral
pode apreciar a validade do contrato onde se insere a clausula
arbitral, concluindo por exemplo pela invalidade desse contrato.
Esta questão tem muita importância porque impede a invocação da
nulidade do contrato como expediente de desaforamento do tribunal
arbitral. Se bastasse à parte não interessada na jurisdição do
tribunal arbitral a invocação da nulidade do contrato onde a
clausula compromissória estivesse inserida, seria muito fácil
impedir julgamentos por tribunais arbitrais. Isto não significa
que essa invalidade não possa ser alegada, assim como a
invalidade específica da convenção de arbitragem. Mas, nestes
casos o próprio tribunal arbitral tem competência para decidir
sobre a sua competência – artigo 21.º LAV. É um aspecto
importantíssimo da regulamentação da arbitragem que retomarei a
propósito da decisão arbitral.
Aspecto particular desta norma é a sua parte final, quando
ressalva que a convenção é nula quando se mostre que o contrato
118 Disponível em www.lcia-arbitration.com
67
não teria sido celebrado sem a referida convenção. Esta norma
coloca algumas dificuldades de interpretação, não tendo, aliás,
paralelo em legislações estrangeiras.119
Analisando as hipóteses que podem verificar-se na aplicação desta
norma pode permitir uma sua melhor compreensão. Só estão em causa
situações em que o contrato é inválido. Se ese for válido e a
convenção inválida, o tribunal arbitral não tem competência.
Quando o contrato é inválido e a clausula é inválida, o problema
não se coloca e o tribunal arbitral não tem igualmente jurisdição
sobre o conflito. O problema existe apenas quando o contrato é
inválido e a convenção válida. Neste caso, a regra é a da
competência do tribunal, excepto se se provar que o contrato não
teria sido celebrado sem a convenção. É necessário demonstrar que
o contrato inválido só foi celebrado por causa da convenção de
arbitragem (por sua vez válida). Se assim for, a convenção é
inválida e, logo, o tribunal arbitral incompetente.
Esta consequência é um pouco estranha: embora tenha sido
determinante para a celebração daquele contrato a celebração da
convenção, esta acaba por não poder ser actuada.
5.4. Constituição do tribunal. O árbitro.
Pretendendo uma das partes iniciar o processo arbitral, é
necessário previamente constituir esse tribunal. Ao contrário do
processo judicial que se inicia com os pedidos, na arbitragem é
necessário primeiro formar o tribunal, individualizar os
terceiros, privados, que vão constituir o tribunal arbitral.
Esta necessidade prévia pode não existir em alguns centros de
arbitragem institucionalizados, por exemplo, nos centros de
arbitragem de consumo portugueses. Aí há um árbitro único e
permanente que julga todas as acções que dão entrada no seu
centro. Nos centros internacionais de arbitragem
119 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 122.
68
institucionalizada a regra é já diferente (CCI, LCIA, CIRDI), na
medida em que o centro de arbitragem funciona tão só como apoio
administrativo (com diversas e relevantes funções), constituindo-
se os tribunais especificadamente para cada acção.
Só após a constituição do tribunal arbitral se inicia a
tramitação processual propriamente dita. O procedimento para
constituição consiste no envio de uma carta à contraparte por
carta registada com aviso de recepção (artigo 11.º n.º 2 LAV).
Dessa carta deve constar a convenção de arbitragem, a designação
do árbitro ou árbitros pela parte que se propõe instaurar a acção
e o convite à outra parte para designar o árbitro ou árbitros que
lhe cabe indicar (artigo 11.º n.º4 LAV).
O número de árbitros pode ser constituído por um único árbitro ou
por vários, em número ímpar. O número pode ser fixado na
convenção de arbitragem ou em escrito posterior assinado pelas
partes. Se não houver estipulação contratual, o tribunal é
composto por três árbitros, um designado por cada parte e o
terceiro por esses dois (artigos 6.º e 7.º LAV).
O essencial é que em todo o procedimento de constituição do
tribunal seja respeitado o princípio da absoluta igualdade das
partes, que aqui se traduz na identidade da sua influência na
constituição do tribunal arbitral. Embora tal regra não conste
dos artigos que regulam esta matéria (6.º, 7.º e 11.º LAV), a
doutrina tem entendido que está subjacente às regras e que pode
aplicar-se analogicamente a previsão constante do artigo 16.º
LAV.120 O problema do respeito por este princípio é mais difícil
de verificar em arbitragens pluripartes, na medida em que havendo
número de partes diferentes em cada um dos lados da acção, a
nomeação de um árbitro por cada uma torna-se impossível. A este
propósito pode ver-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 18 de Maio de 2004121, em que se discutiu um caso em que havia
120 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 125.121 Proc. n.º 3094/2004-7, Caso Teleweb.
69
duas rés e uma delas entendia que tinha direito a nomear um
árbitro ou, em alternativa, a separar os processos arbitrais.
Fundamentava-se no princípio da igualdade. O Tribunal não lhe
deu, porém, razão.
Seja como for a violação do princípio da igualdade gera
irregularidade da constituição do tribunal arbitral, pelo que é
fundamento de invalidade nos termos do artigo 27.º n.º1 b) LAV.122
Uma pergunta costumeira de quem ouve pela primeira vez falar
deste procedimento de constituição do tribunal é a de saber o que
acontece se a contraparte não indicar o seu árbitro. Nos termos
do artigo 12.º LAV, em todos os casos em que faltar a nomeação de
um árbitro, essa nomeação é feita pelo presidente do tribunal da
relação do lugar fixado para a arbitragem.
A legitimidade para requerer esta nomeação cabe às partes e não
aos árbitros. Trata-se de legitimidade processual, aferida em
função do interesse em pedir (artigo 26.º CPC) e só as partes têm
interesse no prosseguimento da acção arbitral.123
O artigo 12.º n.º4 LAV estatui que se a convenção for
manifestamente nula, o presidente da relação decide que não há
lugar à designação de árbitros. Isto é, impede a constituição do
tribunal arbitral, remetendo as partes para o processo judicial.
A ratio desta norma é claramente de economia processual: não faz
sentido constituir um tribunal arbitral que, sendo incompetente
ou inválido, vá ter como consequência a anulação das suas
decisões.
Embora o elemento teleológico seja fácil de compreender, a norma
levanta dificuldades não despiciendas de interpretação e, ainda,
coloca algumas dificuldade de coesão com o princípio da
competência da competência previsto no artigo 21.º LAV.
122 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 125.123 Lopes dos Reis, Questões de Arbitragem ad hoc, 1998, p. 495. Em comentário a Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Fevereiro de 1994 que decidiu em sentido contrário.
70
Deixemos a questão da compatibilização com o artigo 21.º para
depois e centremo-nos agora noutra dificuldade: o que se deve
entender por manifesta nulidade. Neste ponto é seguramente aquela
invalidade que não necessita de mais prova para ser apreciada.
Repare-se que estamos num processo especial, em que o pedido é
muito limitado e, logo, os poderes de cognição não são muito
vastos. Por outro lado, como melhor se explicará a propósito da
impugnação da decisão arbitral, as invalidades que geram
incompetência do tribunal (e que são as que têm origem na
convenção de arbitragem) têm um prazo de alegação (da defesa, nos
termos do artigo 21.º n.º3 LAV), precludindo a sua posterior
invocação para efeitos de acção de anulação (artigo 27.º n.º2
LAV). Isto significa que invalidades que são agora notórias, por
exemplo a falta de forma, poderiam nunca chegar a ser alegadas e,
logo, não implicar a anulação da decisão arbitral.
Assim para assegurar esta coerência, julgo que fará sentido
interpretar esta «manifesta nulidade» como os casos em que se
verifiquem três requisitos cumulativos: em primeiro lugar,
tratar-se de vício que não necessita de mais prova para ser
apreciado; em segundo lugar, tratar-se de vício que não esteja
dependente de alegação das partes para que seja fundamento de
anulação da sentença arbitral; por último, tratar-se de vício
sobre o qual não haja qualquer dúvida que gera invalidade.
Explicando este último requisito, parece-me que se o problema
estiver na arbitrabilidade do litígio, a manifesta nulidade deve
apenas incidir sobre aqueles direitos cuja indisponibilidade
esteja fora de discussão doutrinária. Se estivermos perante
direitos em que a doutrina se divide quanto à sua disponibilidade
ou indisponibilidade e consequente arbitrabilidade, o tribunal
judicial não deve tratar sequer da questão remetendo-a para o
tribunal arbitral. Mas a esta problemática voltarei a propósito
da análise do princípio da competência da competência.
71
b. Um último tema a propósito da constituição arbitral relaciona-
se com o árbitro. A LAV é parquíssima nas regras que regulamentam
esta matéria. Quanto a quem pode ser árbitro limita-se a dizer
que os árbitros devem ser pessoas singulares e plenamente capazes
(artigo 8º). Não há quaisquer restrições quanto à área da
formação ou das habilitações literárias. O mais frequente, porém,
quer em arbitragens domésticas, quer em internacionais, é ser
nomeado árbitro um jurista. A lei portuguesa, ao contrário de
outras, é explícita no sentido de não ser admissível que pessoas
colectivas sejam árbitras.124
A LAV estabelece ainda que aos árbitros não nomeados por acordo
das partes é aplicável o regime de impedimentos e escusas
estabelecido na lei de processo civil para os juízes. Já em
relação aos denominados árbitros de parte limita-se a dizer que a
parte que nomeou esse árbitro não pode recusá-lo a não ser que
surja uma ocorrência superveniente de impedimento ou escusa. São
regras constantes do artigo 10.º LAV.
Desta regra retira-se, em primeiro lugar, a diferença de regime
entre árbitros nomeados pelas partes e árbitro não nomeado pelas
partes.
Julgo que este é um aspecto central da credibilidade da
arbitragem e sobre o qual, embora de algum melindre, vale a pena
reflectir. O ponto essencial é que os árbitros, de parte ou não,
sejam verdadeiros terceiros, independentes e imparciais quanto
possível e necessário. Parece-me, ainda, que ao nível do
estatuto, quer no momento da nomeação quer depois, não deve haver
qualquer distinção entre árbitro de parte e os restantes.
O árbitro tem, individualmente, o dever de independência e de
imparcialidade, quer tenha sido nomeado por uma das partes ou
não. Esta regra não está prevista na Lei de Arbitragem
124 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p.128.
72
Voluntária, mas retira-se necessariamente da natureza
jurisdicional da actividade dos árbitros.125
É usual distinguir-se independência de imparcialidade,
relacionado a primeira com a inexistência de relação entre o
árbitro e as partes e a segunda entre o árbitro e o objecto do
litígio.126 Esta distinção é comum em alguns instrumentos
normativos internacionais127, mas no nosso ordenamento jurídico
não encontra correspondência.
Esta é uma área de grande vazio na nossa legislação, vazio que
urge preencher. A remissão para as regras aplicáveis aos
magistrados judiciais relativas a impedimentos e escusas (artigos
122.º e seguintes CPC) não é suficiente, na medida em que a
situação profissional de uns e outros não é comparável.
Os problemas agravam-se num país como o nosso em que o baixo
número de operadores económicos e de especialistas na área do
direito tem como resultado que o número de pessoas elegível para
a designação seja relativamente limitado. Por outro lado, os
padrões deontológicos, designadamente entre advogados, tendem a
ser interpretados de forma algo flexível e pouco ou muito pouco
controlados. Estas circunstâncias são gravosas para o
desenvolvimento da arbitragem, colocando em risco a sua seriedade
e a médio prazo a sua sustentabilidade.
Ainda recentemente ouvi um árbitro com vastíssima experiência em
arbitragem internacional referir que no decurso do processo se
esquecia qual das partes o havia designado. Não me parece que
esta seja a realidade na arbitragem em Portugal.
125 Lopes Cardoso, Da Deontologia do árbitro, 1996, p. 34.126 Lopes Cardoso, Da Deontologia do árbitro, 1996, p. 34, nota 6.127 Por exemplo, as IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration, as Rules of Ethics for International Arbitrators da IBA. Disponível em www.ibanet.org.
73
A regulamentação desta matéria, em especial do estatuto e deveres
do árbitro de parte, é da maior importância para a credibilidade
da arbitragem.
Dois aspectos importantes desta regulamentação são, primeiro, a
obrigação de revelação de factos que possam gerar falta de
independência ou de imparcialidade e, segundo, o regime das
deduções das escusas e impedimentos. O primeiro aspecto é
conhecido na arbitragem internacional como o disclosure e o
segundo como o challenge. Não é díficil aproveitar os textos
normativos internacionais e criar um regime adequado à nossa
ordem jurídico-social.
5.5. Processo arbitral
a. A Lei da Arbitragem Voluntária contém apenas quatro normas
relativas ao processo arbitral. Uma relativa ao momento e modo da
escolha dessas regras (artigo 15.º), uma sobre os princípios
fundamentais a observar no processo arbitral (artigo 16.º), uma
terceira sobre representação das partes (artigo 17.º) e, por
último, uma norma sobre provas (artigo 18.º).
O essencial nesta matéria é compreender o seguinte: as regras de
processo são escolhidas pelas partes ou pelos árbitros, tendo
como único limite os princípios fundamentais do processo justo. A
única baliza ao poder de conformação processual das partes são os
princípios processuais constantes do artigo 16.º LAV.
b. Antes, porém, de os analisar, é necessário fazer uma breve
referência ao modo da escolha das regras processuais. O artigo
15.º LAV determina que a tramitação processual deve ser decidida
até à aceitação do primeiro árbitro. As regras devem constar de
um escrito que pode ser a própria convenção arbitral ou ser
posterior. O acordo pode consistir na criação de um processo
específico ou a simples remissão para regulamentos de arbitragens
de centros de arbitragem institucionalizadas.
74
Na falta desta elaboração pelas partes, as regras são
determinadas pelos árbitros que têm as mesmas opções: criação de
regras próprias, remissão para regras pré-estabelecidas.
A liberdade é assim enorme, criando uma oportunidade para
escolher regras adequadas ao processo concreto. Todavia, a
realidade tem demonstrado que nem sempre é isso que acontece. Por
um lado, as partes muitas vezes não escolhem as regras antes de o
litígio ocorrer e, depois, quando ele surge já não há
disponibilidade para negociar. Por outro lado, os árbitros têm
muitas vezes a tentação de escolher regras processuais pré-
definidas, designadamente, em arbitragens domésticas, uma das
formas de processo previstas no Código de Processo Civil
(ordinário, sumário ou sumaríssimo).
Esta visão redutora do processo arbitral é criticável e é,
inclusive, contraditória com a natureza alternativa deste meio de
resolução de litígios. Faz sentido, pois, encontrar o melhor
conjunto de regras processuais possíveis para o que se antecipa
venha a ser aquele conflito.
Esta escolha só pode ser feita, evidentemente, se se conhecerem
diversas realidades processuais. A formatação num rito único, do
qual se já esqueceram as razões é algo que não faz sentido (nem
no processo judicial, muito menos na arbitragem). Deve criar-se o
modelo mais adequado, através de uma comparação sintética entre
diversos modelos processuais para que se possa escolher o melhor
ou a partir deles criar um híbrido.
Este conhecimento de regras processuais começa pelo nosso próprio
processo civil (que tem também algo de positivo), mas tem de ir
mais além. Ainda ao nível dos processos judiciais, é útil
conhecer o regime processual experimental (Decreto-Lei 108/2006,
de 8 de Junho) e o regime do processo nos Julgados de Paz (Lei
78/2001, de 13 de Julho). Faz sentido analisar alguns
regulamentos de centros de arbitragem institucionalizada em
75
Portugal, como os de arbitragem de consumo, quando os casos sejam
simples e as do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de
Comércio de Indústria Portuguesa128 ou do Centro de Arbitragem de
Litígios Civis, Comerciais e Administrativos da Ordem dos
Advogados.129 Ao nível de instrumentos internacionais é importante
conhecer os regulamentos da Câmara de Comércio Internacional130 e
do London Court of International Arbitration131 e as regras
arbitrais da UNCITRAL (UNCITRAL Arbitration rules).132 Em matéria
de prova, pode ainda ser útil ver as regras da International Bar
Association sobre prova.133
Na escolha da tramitação processual mais adequada deve tomar-se
em consideração diversas questões que podem ser divididas em
quatro áreas, correspondentes às comuns fases do processo:
alegações das partes, condensação, produção de prova e julgamento
e sentença.
Em primeiro lugar, interessa ver que tipo de peças devem as
partes apresentar, se articulados típicos e complexos, se, sendo
o caso mais simples, meros relatos resumidos das pretensões. Deve
ainda ver-se se faz sentido admitir respostas e em que termos. Se
se adopta a regra da cristalização do objecto do processo após as
alegações das partes, admitindo alterações muito restritivamente;
ou se se admite a conformação do objecto do processo até ao final
da produção de prova.
Depois, interessa determinar se há ou não necessidade de uma fase
de saneamento do processo. Tal pode ser útil para gerir o
processo, embora não necessariamente para organizar questionário
e especificação à moda antiga. Pode ser útil programar o
processo, quer ao nível da preparação da produção de prova, quer
128 Regulamento disponível em: www.acl.org.pt/Files/Documents/Tribunal%20Arbitral.pdf 129 Regulamento disponível em www.oa.pt (Conselho Distrital de Lisboa).130 Disponível em www.iccwbo.org. 131 Disponível em www.lcia.org. 132 Disponível em www.uncitral.org. 133 IBA Rules on the taking of evidence - disponível em www.ibanet.org
76
quanto à sua produção propriamente dita. Pode fazer sentido ter
uma espécie de documento de síntese do processo, à laia das terms
of reference do artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem da CCI.
Este artigo 18.º do Regulamento da CCI tem como epígrafe para
além dos «termos de referência», «calendarização processual»
(procedural timetable). Nos termos da norma, os termos de
referência consistem num documento assinado pelas partes e pelo
tribunal que contém, para além da identificação das partes, dos
árbitros e do local da arbitragem, um sumário das suas
pretensões, uma lista de questões a tratar e as regras
processuais aplicáveis. Este documento tem como anexo uma
calendarização, feita pelo tribunal arbitral, do processo
arbitral. Aqui se determina qual a duração prevista para cada
fase seguinte e se fixam, por exemplo, as datas das sessões do
julgamento.
Em relação à prova, partes ou árbitros devem ponderar questões
como as seguintes: existência ou não de uma fase autónoma de
preparação da prova; grau de autonomia das partes na preparação
da prova; questões operacionais a ter em conta, tais como
localização das testemunhas e dos peritos, necessidade de
inspecções judiciais; criação de limites a determinados meios de
provas, por exemplo, número máximo de testemunhas; possibilidade
ou necessidade de ouvir as partes e seu efeito probatório;
admissibilidade de depoimentos escritos das testemunhas e das
partes; revisão das regras de prova previamente definidas, por
quem e quando. Questões laterais, mas que se podem revelar
determinantes devem também ser pensadas, tais como o custo das
despesas relativas à prova.
Ainda no âmbito da produção de prova, mas agora quanto ao
julgamento, pode interessar regular a sua duração e estilo, o que
se refere a aspectos como os seguintes: ordem dos depoimentos, se
existe algum ou se os árbitros podem determinar produções de
prova por matérias ou por outro critério; possibilidade de os
77
advogados inquirirem as testemunhas por si oferecidas;
necessidade de gravação ou reprodução em acta, existência de
alegações e se orais ou escritas, etc., etc..
No que diz respeito à prova, a LAV estabelece no seu artigo 18.º
a admissibilidade de produção perante o tribunal arbitral de
qualquer prova admitida pela lei de processo. A intenção não é
restringir aos meios de prova reconhecidos pela nossa legislação
processual, sendo portanto admissíveis meios de prova estranhos
ao nosso processo civil.134 A regra é, por isso, de pouca ou
nenhuma utilidade.
A LAV refere a possibilidade de recurso aos tribunais judiciais
em situações em que a produção de prova dependa de terceiro que
não colabore voluntariamente. Nestes casos, a prova é produzida
junto do tribunal judicial que depois envia os seus resultados
para o tribunal arbitral (artigo 18.º n.º2 LAV). Para que as
partes possam deduzir este pedido junto dos tribunais judiciais
têm de requerer autorização prévia ao tribunal arbitral.
Por último no que diz respeito à decisão arbitral, há que decidir
se há separação entre decisão de matéria de facto e de direito,
se é dita oralmente ou enviada às partes posteriormente. Sendo
obrigatória na lei portuguesa a fundamentação da decisão, pode
ser ainda importante pensar que tipo de fundamentação será
exigida.
Estes são apenas exemplos, algumas notas e sugestões que pecam em
simultâneo por excesso e por defeito daquilo que pode ser objecto
de ponderação no momento de elaborar as regras processuais na
arbitragem ad hoc, quer o seja pelas partes, quer pelos árbitros.
É evidente que quanto maior for o conhecimento e, sobretudo, a
experiência melhor serão elaboradas estas regras. Poderá, ainda,
depender do estilo dos árbitros e da sua compreensão do litígio e
da melhor forma de o abordar.
134 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 147.
78
c. As limitações às regras processuais escolhidas são apenas os
princípios fundamentais do processo justo. Esses princípios estão
genericamente referidos no artigo 16.º LAV. As regras aí
referidas são o princípio da igualdade entre as partes, a
obrigatoriedade de citação, o princípio do contraditório e a
audição das partes antes de ser proferida a decisão final.
A violação destes princípios é causa de anulação da sentença
arbitral apenas se esse incumprimento tiver influência decisiva
na resolução do litígio – artigo 27.º n.º1 c) LAV. Voltarei a
este critério a propósito dos fundamentos da anulação da sentença
arbitral.
Todos estes princípios tendem a assegurar os direitos de defesa
das partes e a imparcialidade de julgamento pelo tribunal
arbitral.135 São princípios essenciais que se relacionam com a
validação pública de um processo privado. Isto é, o Estado só
pode reconhecer que decisões de tribunais privados vinculem as
partes se se cumprirem regras mínimas de justiça processual. Na
arbitragem o Estado de Direito demonstra-se precisamente através
das imposições processuais que estabelece. São princípios básicos
que têm de ser cumpridos para que uma decisão possa ser
reconhecida judicialmente.136
Estes princípios são, assim, a tradução legal do normativo
constitucional do processo equitativo – artigo 20.º n.º2 CRP.
Trata-se da necessidade de observar um conjunto de regras
fundamentais ao longo de todo o processo, nos vários planos em
que este se desenvolve.137
O tratamento dogmático destes princípios é já antigo no processo
civil e deve ser aproveitado para a arbitragem. É, porém,
necessário ter algumas cautelas na transposição das regras que
135 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 934.136 No nosso ordenamento jurídico, para que possa não ser anulada.137 Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 107.
79
actualmente substanciam estes princípios no nosso processo civil.
O seu não cumprimento no processo arbitral não corresponde
inevitavelmente a violação dos princípios no processo arbitral.
Os casos devem ser analisados casuisticamente, em função,
portanto, do caso concreto e das regras processuais específicas
que o regulam.
O que quero dizer é o seguinte: ao lermos a doutrina
processualista e as normas do Código de Processo Civil veremos
diversas concretizações dos princípios fundamentais em regras
legais. Os facto de essas pequenas regras não existirem na
arbitragem em concreto não implica automaticamente a violação do
princípio geral. Daí o cuidado a ter na transposição.
O princípio do contraditório consiste, essencialmente, na
garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento
de todo o litígio. O que importa é que ambas as partes tenham a
possibilidade de influenciar a decisão, quer em matéria de facto,
quer em matéria de prova, quer ainda em matéria de direito.138
O princípio da igualdade de armas, como é chamado pela doutrina
civilística, impõe o equilíbrio entre as partes. Esta igualdade
tem de ser interpretada materialmente e não formalmente, o que
significa que não é exigível identidade absoluta entre meios
processuais, mas equilíbrio global entre as partes.139-140
O artigo 16.º, na sua alínea b), estabelece a obrigatoriedade de
citação do demandando na arbitragem. Do que se fala agora é do
direito de defesa, mais uma vez um princípio básico do processo
equitativo. O direito de defesa é, antes de mais, a oportunidade
de defesa, pelo que é essencial que o demandando tenha
conhecimento do processo.141 138 Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 109 e seguintes.139 Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 118-9.140 Teixeira de Sousa unifica contraditório e igualdade de armas no mesmo princípio da igualdade das partes – Teixeira de Sousa, Introdução ao processo civil, 2000, p. 29.141 Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 92.
80
Mais interessante a este propósito é saber quais os efeitos da
revelia do demandado regularmente citado. A LAV nada diz e pode
colocar-se a dúvida da aplicação do efeito cominatório semi-pleno
do processo civil – artigo 484.º n.º1 CPC. Julgo que se devem
distinguir duas situações diferentes. Uma primeira em que há
aplicação das regras do Código de Processo Civil ou outros
diplomas processuais (por exemplo o Código de Processo de
Trabalho) e situações em que tal remissão não existe. Nos casos
em que a remissão não existe, vigorando as regras escolhidas
pelas partes ou pelos árbitros, não se pode aplicar o efeito
cominatório semi-pleno. Não havendo base legal que o permita e
tratando-se de um meio de prova de âmbito processual, violaria o
princípio do processo justo considerá-lo. Nas outras situações,
se as partes escolhem essa regra, ainda que indirectamente
(através de remissão), julgo que é possível aplicar esse efeito
cominatório.142
No Acórdão STJ de 24 de Junho de 2004143, discutiu-se precisamente
um caso de revelia numa arbitragem institucionalizada cujo
regulamento remetia para o processo sumário de trabalho. O
Acórdão tratou o problema apenas no âmbito da eventual violação
da regra da audição das partes (alínea d) do artigo 16.º LAV),
embora pelo seu relatório pareça que os árbitros aplicaram um
efeito cominatório pleno. Tal não foi porém objecto de crítica
pelo recorrente, nem de nota pelos juízes.
Por último, o artigo 16.º LAV estabelece o princípio da prévia
audição das partes antes da decisão final. Não é fácil encontrar
um sentido autónomo para este normativo. De acordo, aliás, com
Lebre de Freitas ele integra ainda o direito de defesa, já
referido na alínea b) deste preceito.144
142 É esta a regra da Lei Modelo da UNCITRAL – artigo 25.ºb).143 Processo n.º 04B2190, Caso Comissão Paritária.144 Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2004, p. 181, nota 28.
81
No Acórdão já referido, proferido em 24 de Junho de 2004145, o
caso Comissão Paritária, o fundamento de anulação invocado pelo
recorrente foi precisamente a violação deste direito de audição
num processo em que o réu era revel e foi condenado por aplicação
do efeito cominatório (pleno ou semi-pleno, não se percebe bem).
O Supremo Tribunal de Justiça entende que não houve realmente
esta audição, mas que a violação não foi essencial e nessa medida
não há fundamento de anulação.
5.6. Decisão arbitral
a. Entramos agora na matéria de decisão arbitral, assunto a que a
Lei da Arbitragem Voluntária dedica algumas normas.
O prazo para decisão é fixado livremente pelas partes, sendo de 6
meses na falta de estipulação. Conta-se a partir da data de
designação do último árbitro, podendo ser prorrogado até ao dobro
da sua duração inicial por acordo escrito das partes. Todas estas
regras constam do artigo 19.º LAV.
Tem sido considerada imperativa a regra que limita a prorrogação
de prazo até ao limite do dobro inicialmente previsto. Esta
imperatividade tem sido objecto de crítica146, pois é algo
incompreensível face à autonomia privada das partes. Se elas
pretendem continuar com o processo, qual a razão para as impedir?
Ultrapassado o prazo com ou sem prorrogação, a lei determina a
caducidade da convenção arbitral – artigo 4.º n.º1 c) LAV. A
anulação da decisão arbitral com este fundamento implica, porém,
a alegação do vício no próprio processo arbitral. Isto porque a
caducidade de convenção arbitral implica incompetência do
145 Processo n.º 04B2190.146 Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, 1986, p. 407.
82
tribunal, fundamento de anulação previsto na alínea b) do n.º1 do
artigo 27.º LAV, cuja eficácia está limitada pelo n.º 2 desse
mesmo artigo.
Já foi decidido que a invocação da caducidade constitui abuso de
direito em situações em que a atitude processual das partes nada
faria indicar a invocação dessa caducidade.147 A circunstância de
tal norma não estar prevista na lei não implica que não se possa
aplicar, na medida em que estamos no âmbito da paralisação de
direito consagrados positivamente precisamente por o seu
exercício violar a boa fé. A questão deve ser colocada no âmbito
da ratio da necessidade de existência de um prazo.
b. Nos termos do artigo 22.º LAV as partes podem autorizar os
árbitros a julgar segunda a equidade.
A questão da equidade não é mais do que um problema ou um dos
maiores problemas da metodologia do Direito. O que está em causa
é simplesmente uma visão sobre o modo de conceber e aplicar o
Direito. Se entendermos o Direito numa postura positivista,
circunscrito à lei, a equidade terá necessariamente de estar fora
do seu âmbito. Já se tivermos do Direito uma posição pluralista,
de acordo com a qual as suas fontes são várias e de diversa
importância, a equidade poderá estar dentro do Direito. Estas
concepções reflectem-se, depois, no método de aplicação do
Direito. Se adoptarmos uma perspectiva legalista, à equidade
nenhum papel será atribuído na descoberta da solução jurídica do
caso. Já se seguirmos uma posição pluralista, à equidade poderá
ser atribuído um papel moderador na aplicação do direito estrito.
Nesta última opção decide-se sempre segundo a equidade, não
representando o artigo 22.º LAV qualquer inovação.
As referências à equidade são muito antigas, remontando as mais
conhecidas a Aristóteles, no livro Ética a Nicómaco. É aí, mais
147 Acórdão STJ de 17 de Junho de 1998, Processo n.º 98B217, só disponível em sumário.
83
precisamente no seu Livro V, que se funda ainda hoje a ideia de
equidade. É útil retomar as suas palavras, de uma actualidade e
clareza espantosas.
Para Aristóteles, a equidade tem uma função rectificadora da
justiça legal. “O fundamento para tal função rectificadora
resulta de, embora toda a lei seja universal, haver, contudo,
casos a respeito dos quais não é possível enunciar de modo
correcto um princípio universal.”148
Esta função rectificadora não se torna necessária por falha do
legislador, mas pela própria natureza da lei: “O erro não reside
na lei nem no legislador, mas na natureza da coisa: isso é
simplesmente a matéria do que está exposto às acções humanas.
Quando a lei enuncia um princípio universal, e se verifiquem
resultarem casos que vão contra essa universalidade, nessa altura
está certo que se rectifique o defeito, isto é, que se rectifique
o que o legislador deixou escapar e a respeito do que, por se
pronunciar de modo absoluto, terá errado. É isso o que o próprio
legislador determinaria, se presenciasse o caso ou viesse a tomar
conhecimento da situação, rectificando, assim, a lei, a partir
das situações concretas que de cada vez se constituem. (...) A
natureza da equidade é, então, ser rectificadora do defeito da
lei, defeito que resulta da sua característica universal.”149
As palavras claras do filósofo antigo têm, como não podia deixar
de ser sido objecto de interpretação e alguma polémica. Uma
leitura seca dos textos remete-nos para lá do direito positivo,
para uma conformação casuística do direito para além ou até
contra o direito legislado.150 Há, porém, quem sustente que
falamos ainda de direito legislado, na medida em que a equidade
actua dentro do espírito do legislador – a ultrapassagem do
148 Aristóteles, Ética a Nicómaco, 2006, p. 129.149 Aristóteles, Ética a Nicómaco, 2006, p. 130.150 Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 1997, p. 122.
84
enunciado da regra é feita em nome do respeito mais profundo pela
regra.151
A equidade passou para o direito romano, embora de forma mais
complexa e sem uma exacta correspondência. O aspecto a salientar
são os mecanismos, de cariz mais ou menos jurídicos, postos à
disposição do pretor para a conformação do direito ao caso
concreto (Bona fides e bonum et aequuumi, por exemplo) que se
traduziam num poder próximo do legislativo na resolução do caso
concreto. Mas tal perdeu-se também com o avançar do império e
consequente concentração de poderes no imperador.152
A influência do direito canónico na formação do direito comum
trouxe um retomar da perspectiva casuística do direito, através
da valorização das soluções de equidade contra as decisões de
direito estrito.153
Esta flexibilidade na aplicação do direito seria posta em causa
pelo advento das teorias científicas que conduziram ao
positivismo e que ainda hoje dominam a prática jurídica.154
Adoptando as palavras de Hespanha, “A evolução das ciências
naturais e a sua elevação a modelo epistemológico lançaram a
convicção de que todo o saber válido se devia basear na
observação das coisas, da realidade empírica («posta»,
«positiva»). De que a observação e a experiência deviam
substituir a autoridade e a especulação filosofante como fontes
de saber. Este espírito atingiu o saber jurídico a partir das
primeiras décadas do século XIX.”155 O Direito foi erigido a
ciência (a ciência jurídica), dele devendo ser expurgados todos e
quaisquer elementos não científicos ou não comprováveis 151 Machado Fontes, Súmula de uma Leitura do Conceito de Justiça no Livro V da Ética Nicomaqueia de Aristóteles, 1998, p. 173.152 Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 1997, p. 113 e seguintes.153 António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 86.154 Jonh Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, 1995, p. 417.155 António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 174.
85
cientificamente. As várias formas de positivismo caracterizam-se
pelo seu empenho em banir toda a «metafísica» do mundo da
ciência.156 Assim, todas as considerações valorativas, desde a
moral à política, não poderiam ter qualquer intervenção
metodológica. É evidente que este espírito implicou também a
expurgação da equidade do discurso e da prática jurídica.
A partir de finais do século XIX e durante o século XX o
positivismo jurídico foi combatido e paulatinamente abandonado.
Foram diversas as escolas de pensamento que contribuíram para
este resultado, podendo destacar-se a escola do direito livre e a
jurisprudência dos valores. Os diversos movimentos não são
coincidentes nas suas propostas e métodos, mas para o que agora
nos interessa, implicaram de algum modo a reentrada da equidade
enquanto passo metodológico do direito. Isto é, permitiram a
defesa, como em Portugal tem sido feita pela escola de Coimbra,
da justiça do caso concreto enquanto momento obrigatório na
trajectória de aplicação da norma ao caso. Fala-se até de um
retorno ao paradigma aristotélico.157
E se este é o estádio actual do pensamento jurídico, o certo é
que as fontes, designadamente o Código Civil, e os práticos
partilham ainda uma visão positivista do Direito, colocando a
equidade fora do sistema jurídico. Por essa razão as remissões
legais para a equidade (desde o artigo 4.º CC ao artigo 22.º LAV,
passando pelo artigo 509.º CPC) são ainda hoje objecto de
discussão.
São defendidas duas noções de equidade: uma noção forte e uma
noção fraca.
A noção fraca, mais propriamente referida como integrativa,
caracteriza-se pela correcção de injustiças da lei aquando da sua
156 Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 45.157 Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 113 e seguintes e 493. Sobre a escola de Coimbra cfr., por todos, Alexandre Dias Pereira, Da Equidade (Fragmentos), 2004, p. 365.
86
aplicação ao caso concreto, isto é, a equidade funciona como
elemento de conformação do direito estrito na sua concretização.
É, ao fim e ao cabo, a noção milenar de Aristóteles, de acordo
com quem a própria natureza universal e abstracta das regras
legais implica a existência de um mecanismo corrector para se
encontrar a solução justa. A equidade funciona, assim e ainda,
intra legem, movimentando-se nos seus conceitos e valores,
desistindo da sua aplicação apenas quando a solução encontrada
não se ajusta, em concreto, precisamente a esses conceitos e
valores.
Na acepção ampla, mais correctamente referida como substitutiva,
a equidade prescinde em absoluto do direito estrito, tornando-se,
portanto, o único critério de decisão. Não há qualquer vinculação
ao direito legislado, baseando-se a decisão exclusivamente na
justiça do caso concreto. Nesta acepção o julgamento segundo a
equidade é não jurídico.158
A doutrina e a jurisprudência têm-se dividido na defesa de uma e
outra teoria. A maioria da doutrina portuguesa prefere a acepção
fraca, entendendo, então, que a decisão segundo equidade não
prescinde de considerar as soluções jurídicas em vigor. Pode é,
depois, afastá-las por não permitirem a justiça no caso
concreto.159
É difícil saber qual a noção de equidade que o Direito Português
adoptou. Sabe-se que o tempo do Código Civil foi ainda marcado
por uma visão positivista do Direito. Ainda assim há diversas
158 Freitas do Amaral, Fausto de Quadros e Vieira de Andrade, Aspectos Jurídicos da Empreitada de Obras Públicas, 2002, p. 33-35; Menezes Cordeiro, A Decisão segundo a Equidade, 1990, p. 267; Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 159.159 Freitas do Amaral, Fausto de Quadros e Vieira de Andrade, Aspectos Jurídicos da Empreitada de Obras Públicas, 2002, p. 35; Menezes Cordeiro, A Decisão segundo a Equidade, 1990, p. 271; José Luís Esquível, Os Contratos Administrativos e a Arbitragem, 2004, p. 277 e 286. Defendem, porém, a acepção forte: Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 162 e Lebre de Freitas, Algumas Implicações da Natureza da Convenção de Arbitragem, 2002, p. 636.
87
referências à equidade, ligada a diversos preceitos, em número,
aliás, bastante razoável.
Podemos dividir essas referências em dois grupos. Um primeiro em
que a equidade surge como um critério de decisão no âmbito de um
concreto problema substantivo, inserido, portanto, na aplicação
do direito estrito. Um segundo, em que a equidade surge como
critério único de decisão.
Da análise dos preceitos que inserimos no primeiro grupo,
podemos, porém, distinguir ainda utilizações diversas da
equidade.
Na utilização mais frequente a equidade tem como função superar a
determinação em abstracto de uma consequência jurídica.
Encontramos a equidade na estatuição da norma, em casos de
determinação concreta da prestação, da indemnização, da parte de
cada sujeito activo ou passivo.
Fazem esta utilização os seguintes artigos: 283.º (negócio
usurário), 400.º (determinação da prestação), 437.º (modificação
do contrato por alteração das circunstâncias), 462.º (cooperação
de várias pessoas na promessa unilateral), 494.º (medida da
indemnização em caso de mera culpa), 496.º (medida da
indemnização por danos não patrimoniais), 566.º (valor da
indemnização), 883.º (determinação do preço na compra e venda),
992.º (determinação do quinhão do sócio de indústria), 1158.º
(remuneração do mandatário) e 1215.º (indemnização do
empreiteiro).
São situações em que o legislador reconhece que quaisquer
critérios abstractos são insuficientes para uma determinação
justa dos montantes a condenar. Daí a remissão para a justiça do
caso concreto como forma de solucionar, da forma mais razoável
possível, o problema.
Igual utilização se encontra nas regras estabelecidas nos artigos
72.º (providências a tomar em situações de nome idêntico) e
88
1407.º (administração da coisa comum), em ambos os casos já,
porém, com um âmbito maior. Agora não falamos apenas da
determinação de montantes, remunerações ou indemnizações, mas da
administração da coisa em compropriedade e de providências (no
que isso tem de genérico) a adoptar quando haja nome idêntico.160
Para lá destes preceitos, mas ainda no primeiro grupo, em que a
equidade surge da decisão no âmbito de um concreto problema
substantivo, há a salientar utilizações da equidade na própria
previsão da norma, sendo, portanto, elemento constitutivo da
posição jurídica, do direito. Estas situações são muito raras no
nosso direito legislado, encontrando-se no Código Civil apenas
duas: nos artigos 339.º e 812.º, em que a equidade participa já
na atribuição da compensação por danos provocados em estado de
necessidade e na redução da clausula penal.
Por último, é importante referir o artigo 2016.º n.º2 CC, norma
que permite a concessão de alimentos ao cônjuge que a ele não
teria direito por motivos de equidade. A equidade faz aqui parte
da previsão da norma, mas mais, permite alcançar um efeito
contrário ao obtido pela regra de direito estrito. É, sem dúvida,
a situação em que o Código Civil mais longe leva a função
conformadora da equidade, mas é também – note-se – caso único.
Parece evidente que neste primeiro grupo de situações, a equidade
aparece sempre na sua função conformadora ou integrativa. É
critério de ajuste do direito estrito ao caso concreto, em
situações em que é este próprio que se demite de encontrar
critérios universais e abstractos. Ou porque os não conhece ou
porque entende mais adequado procurarem-se no caso concreto.
O segundo grupo de utilização da equidade contém já as remissões
genéricas para a equidade enquanto fonte da decisão. Neste grupo
insere-se o artigo 4.º do Código Civil, o artigo 509.º CPC e o
artigo 22.º da Lei da Arbitragem Voluntária e o artigo 258.º n.º2
160 Filipe Vaz Pinto, A Equidade, 2007, p. 16.
89
do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, o Regime Jurídico da
Empreitada de Obras Públicas.161 Destes preceitos nenhuma
indicação clara se retira sobre a noção de equidade que adopta.
E, como se referiu acima, a doutrina divide-se na sua
interpretação, embora seja maioritária a defesa da acepção
integrativa.
José Luís Esquível estudou a noção de equidade acolhida pelo
Regime Jurídico da Empreitada das Obras Públicas. A diferença
para preceitos idênticos, designadamente o artigo 4.º do Código
Civil, é que agora falamos de Direito Administrativo, ramo de
Direito em que é determinante o princípio da legalidade. Por
isso, o Autor defende uma combinação entre as funções que a
equidade pode desempenhar e as exigências decorrentes da
legalidade administrativa. Posição que impõe, desde logo, a
adopção de um conceito integrativo de equidade. Assim, a equidade
permite uma focalização mais intensa do caso concreto, estando
essencialmente relacionada com questões de natureza técnica ou de
apuramento de quantias monetárias devidas entre as partes.162 Mas
– atenção - não prescinde da análise e aplicação do direito
estrito. Só após a sua análise se pode operar a conformação com o
caso concreto.
Este aspecto - saber se o artigo 258.º n.º2 RJEOP permite a
adopção da noção substitutiva da equidade - é relevante, mesmo
após a sua revogação. Porque a norma ainda se aplica aos
contratos celebrado antes da sua entrada em vigor e para se saber
quais os limites da remissão para a decisão segundo a equidade já
no âmbito do novo Código de Contratação Pública. Estando a
administração pública vinculada à legalidade enquanto princípio
basilar do direito público, não é admissível – por razões de
161 Esta norma deixará de vigorar com a entrada em vigor em 30 de Julho deste ano do novo Código de Contratação Pública (Decreto-Lei 18/2008, de 29 de Janeiro), que não contém nenhuma regra idêntica.162 José Luís Esquível, Os Contratos Administrativos e a Arbitragem, 2004, p. 282 e seguintes.
90
segurança e de transparência – que a eventual ilegalidade do seu
comportamento seja sancionada. Assim como é impensável que seja
condenada a praticar condutas ilegais. Pelo que não me parece
aceitável em direito administrativo a utilização da equidade para
decisões que contrariem directamente esta vinculação da
administração ao direito estrito. O que significa, portanto, que
o artigo 229.º RJEOP só pode ser interpretado no sentido de
consagrar uma noção integrativa de equidade. Pretender acolher aí
uma concepção substitutiva de equidade seria contraditório com os
princípios gerais do direito público.
Já nos artigos 4.º CC, 509.º CPC e 22.º LAV estes argumentos não
colhem. É defensável ver aí a consagração da acepção forte de
equidade. Numa perspectiva moderna de metodologia do Direito é a
única, aliás, que se justifica.
c. Nos termos do artigo 20ª LAV, a decisão é tomada por maioria
em deliberação em que todos os árbitros têm de participar.
Entende-se que o necessário não é a presença efectiva de todos os
árbitros, mas a sua regular convocação.163
É interessante referir a este propósito o Acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de 7 de Novembro de 2002.164 A reunião dos
árbitros para a deliberação final foi marcada para o último dia
do prazo. Um dos árbitros invocar estar impossibilitado de
comparecer nesse dia e hora, sendo a decisão tomada apenas pelos
outros dois árbitros. Invocada a sua anulabilidade, o Tribunal da
Relação de Lisboa entendeu que não havia qualquer fundamento de
invalidade, na medida em que o árbitro havia sido convocado, não
tinha era podido ou querido comparecer.
A lei manda que os árbitros assinem, embora admita que nem todos
o façam. Se tal acontecer e de acordo com a alínea g) do n.º1 do
artigo 23.º LAV deve constar da sentença a indicação dos árbitros
que não puderam ou não quiseram assinar. Desde que o número de 163 Mário Raposo, A sentença arbitral, 2005, p. 2.164 Colectânea de Jurisprudência, 2002-Tomo V, p. 69-71.
91
assinaturas seja pelo menos igual ao da maioria dos árbitros (n.º
2 do artigo 23.º LAV) está garantida a regularidade da sentença.
Têm sido colocadas dúvidas quanto à compatibilização destas
normas com o fundamento de anulação previsto no artigo 27.º n.º 1
d). Isto porque esta norma determina a nulidade da sentença
quando falte a assinatura de um dos árbitros.165
O problema coloca-se quando falte a assinatura de um dos árbitros
e não haja qualquer menção da sentença à razão dessa falta. Tal
questão colocou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
24 de Junho de 2004166 que decidiu a acção de anulação de uma
sentença arbitral da Comissão Arbitral Paritária em que faltava a
assinatura de um dos seis árbitros. Entendeu o Tribunal que não
havia fundamento de anulação na medida em que constavam as
assinatura da maioria dos árbitros.167
A decisão parece ser sensata, na medida em que é realmente
excessivo168 operar a anulação da sentença e de todo o processo
arbitral quando a maioria está assegurada.169 Por outro lado, o
que é importante, estando a maioria assegurada, é a identificação
dos árbitros, isto é, a exigência de assinatura relaciona-se com
a identificação dos árbitros e não com a sua adesão à sentença.
Ora, tal identificação pode obter-se por diferente meio,
designadamente através de outros elementos do processo arbitral.
Fora estes casos, os problemas que podem surgir são já de
irregularidade de constituição do tribunal arbitral (como o
Acórdão referido indica) ou de genuinidade da sentença.170
165 Mário Raposo, A sentença arbitral, 2005, p. 3; Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 937.166 Proc. n.º 04B2190.167 É interessante que não tenha também reparado no número par de árbitros, em violação do artigo 6.º LAV.168 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 937169 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 152.170 Seja como for é necessário fazer aqui um reparo sobre a seriedade da arbitragem. O Estado não pode validar exercícios jurisdicionais pouco ou nada transparentes e de legalidade muito duvidosa. Este caso Comissão
92
d. A lei manda que a decisão seja depositada na secretaria do
tribunal judicial do lugar da arbitragem. Este depósito é
notificado às partes e implica a extinção do poder jurisdicional
dos árbitros. Pode o depósito ser dispensado através de convenção
das partes ou em regulamento de arbitragem institucionalizada. As
regras estão previstas nos artigos 24.º e 25.º LAV.
A caracterização jurídica do depósito depende das consequências
que lhe estão associadas em caso de não cumprimento da norma. O
artigo 26.º LAV faz depender a força de caso julgado desse
depósito, pelo que ele tem sido considerado como condição de
eficácia da sentença arbitral.171 Tal foi o entendimento do
Acórdão da Relação do Porto de 8 de Maio de 1995172, que apreciou
o mérito da acção por entender que não se verificava caso
julgado. Esta decisão é seguramente discutível, na medida em que,
se não havia caso julgado, haveria, então uma convenção arbitral
eficaz que implicaria a excepção dilatória de preterição de
tribunal arbitral. É certo que tal excepção parece não ter sido
directamente alegada na acção (até porque já tinha decorrido todo
o processo arbitral), mas foi seguramente tacitamente invocada. É
um caso interessante, sem dúvida, e que permite no mínimo
questionar a utilidade deste depósito.
5.7. Impugnação da decisão arbitral
A impugnação da decisão arbitral é a condição necessária da sua
equiparação pública à sentença judicial. O Estado só reconhece
decisões vinculativas de privados se puder controlar a sua
validade, designadamente se puder verificar que foram respeitadas
Paritária já foi tratado por causa do efeito cominatório; tem o problema do número par de árbitros e para piorar um deles não assina a decisão, nem há qualquer explicação sobre essa falta. É necessário ter muita cautela com este tipo de arbitragens, porque põe em causa a sua credibilidade do instituto.171 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 153.172 Colectânea de Jurisprudência, 1995, Tomo III, p. 206.
93
as regras mínimas do processo justo.173 É esta ainda a razão que
justifica que seja irrenunciável o direito de requerer a anulação
da decisão arbitral (artigo 28.º n.º1 LAV), o que não se verifica
no recurso (artigo 29.º LAV).
Só é admissível a impugnação das decisões finais. Com isto quer-
se abarcar não só a sentença final como as decisões que impliquem
a extinção da instância com fundamento de forma e ainda as
decisões de mérito parciais. Adoptando a terminologia de Lima
Pinheiro, são impugnáveis as decisões definitivas.174
A impugnação da sentença arbitral pode ser feita por três vias:
acção de anulação, recurso e oposição à execução. A possibilidade
de impugnação com fundamento em simultâneo, no mérito e na forma
é algo original no panorama europeu e tem sido objecto de
críticas.175 No essencial a questão está em saber se deveria
admitir apenas acção de anulação, eliminando-se o recurso. Sendo
o recurso renunciável, julgo que a crítica não é relevante. Está
na disponibilidade das partes o maior ou menor grau de vinculação
à arbitragem.
Os fundamentos de anulação devem ser invocados no recurso se a
ele houver lugar (artigo 27.º n.º3 LAV). A acção de anulação é,
assim subsidiária, só ganhando autonomia se não houver recurso.
Isto verifica-se tanto nas situações em que a decisão é
irrecorrível, como nos casos em que não houve interposição de
recurso. Assim, a parte pode escolher entre propor acção de
anulação ou interpor recurso.176 Havendo, porém, acordo das partes
em atribuir a uma instância arbitral a competência para apreciar
o recurso, mantém-se a possibilidade de propositura de acção de
173 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1.174 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 5.175 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1.176 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 993.
94
anulação nos tribunais judiciais. Isto porque esta clausula
implica a renúncia ao recurso junto dos tribunais judiciais.177
5.7.1. Acção de anulação
a. O prazo de interposição da acção de anulação é de um mês, nos
termos do artigo 28.º LAV.
A LAV nada diz sobre a competência para apreciar a acção de
anulação, mas essa determinação não está isenta de dúvidas. É
necessário analisar separadamente cada um dos índices de
competência.
Em relação à competência internacional, os tribunais portugueses
serão competentes se a arbitragem se tiver realizado em Portugal,
na medida em que a causa de pedir ocorreu em território português
(alínea c) do n.º1 do artigo 65.º CPC).178
Quanto à competência interna, há que começar por distinguir as
arbitragens abrangidas pelo Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e as restantes. Quanto às primeiras determina o
artigo 186.º CPTA que a competência é do Tribunal Central
Administrativo, tribunal de 2ª instância na jurisdição
administrativa.179 Quanto às restantes arbitragens, não se
levantam dúvidas em relação à competência em razão da hierarquia
– tribunal de 1ª instância – e à competência em razão do valor –
determinada em função do valor da causa arbitral. Os problemas
surgem com a competência material e com a competência
territorial.
Quanto à competência material, a dúvida está em escolher entre os
tribunais de competência genérica e os tribunais de competência
177 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 5.178 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 956.179 Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 2004, p. 396.
95
especializada. Poderia entender-se que a competência seria
daquele tribunal ou jurisdição que tivesse competência para o
litígio materialmente considerado, para o litígio discutido na
acção arbitral.180 No entanto, a legislação nenhuma norma contém
e, na medida em que os tribunais de competência genérica têm
competência residual, parece não subsistir dúvidas de que são
esses os tribunais competentes.181
b. Os fundamentos da acção de anulação estão previstos no artigo
27.º LAV. A primeira questão a tratar é a da taxatividade do
elenco contido na norma. A letra parece indicar precisamente a
exclusão de quaisquer outros fundamentos182, mas alguma doutrina
tem vindo a defender a inclusão de outras causas, ainda que com
muitas cautelas.183 Assim, Lima Pinheiro aponta quatro motivos
adicionais de anulação: desrespeito das regras processuais
fixadas pelas partes, decisão de equidade não autorizada,
manifesta não aplicação do Direito material escolhido pelas
partes (na arbitragem internacional) e violação da ordem pública
nacional. O argumento para a inclusão destes fundamentos é de
maioria de razão com base na Convenção de Nova Iorque,
instrumento internacional que vigora em Portugal. Segundo Lima
Pinheiro, se estas são causas que impedem o reconhecimento de uma
decisão arbitral estrangeira em Portugal, por maioria de razão
devem ser considerados causa de anulação de uma sentença arbitral
nacional.184
180 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1.181 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 957. Contra: Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1. Assim decidiu o Acórdão STJ de 11/10/2001, Proc. n.º 01B2417.182 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p.183 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 3.184 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 3.
96
Paula Costa e Silva defende a taxatividade da norma185, embora
admita que a violação de uma regra de ordem pública implique a
nulidade da sentença arbitral. Perante a não consagração deste
fundamento como causa de anulação na LAV, distingue três
situações: se a violação está na convenção arbitral, a invalidade
reconduz-se à não arbitrabilidade do litígio ou à incompetência
do tribunal; se a violação está no processo arbitral, há
desrespeito dos princípios fundamentais do processo; se a
contrariedade se encontra na própria sentença arbitral, temos de
paralisar os efeitos desta última por recursos aos critérios
gerais de direito.186
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de
2006187 a recorrente alegou como fundamentos de anulação, entre
outros, a decisão segundo critérios de equidade quando havia sido
escolhido o direito constituído e a violação de ordem pública na
decisão material. O tribunal entende que são vícios que não podem
ser objecto de acção de anulação, não chegando sequer a analisar
a sua ocorrência.
Dos motivos referidos por Lima Pinheiro e Paula Costa e Silva
parece-me adequado consagrar uma clausula geral relativa à ordem
pública nacional. É novamente o tema dos requisitos mínimos para
o reconhecimento de decisões de privados vinculativas das partes.
Há questões que não podem de todo ser objecto de validação
pública. Imagine-se uma decisão que discrimine em função da raça
ou do sexo. Não pode evidentemente ser admitida.
c. A LAV estabelece sete fundamentos de anulação: não
arbitrabilidade do litígio; incompetência do tribunal;
irregularidade de constituição do tribunal arbitral; violação de
185 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 921.186 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 945.187 Processo n.º1465/2006-2, Caso Golf das Amoreiras.
97
princípios processuais fundamentais; falta de assinatura dos
árbitros; falta de fundamentação; excesso e omissão de pronúncia.
É comum a doutrina e a jurisprudência equipararem alguns destes
vícios aos previstos no artigo 668.º b) CPC.188 Esta equiparação
não é, porém, correcta. O artigo 668.º CPC estabelece vícios
processuais tão graves que não permitem a produção de efeitos
pela sentença. São, ao fim e ao cabo, o mínimo formal que uma
sentença tem de conter para que o seja. Já o artigo 27.º LAV
contém o mínimo para que se possa atribuir validade ao processo
arbitral – o que está em causa é o respeito pelo due process,
pelo processo justo numa tramitação privada. No artigo 27.º LAV
trata-se do reconhecimento de um processo inteiro como
jurisdicional, do mínimo para que possa ser ratificado enquanto
tal. Já no artigo 668.º CPC falamos só de sentença, de um acto (o
mais importante, claro, mas apenas um) de um processo judicial.
Os vícios previstos no artigo 27.º LAV, ainda sendo processuais,
vão muito além do estipulado no artigo 668.º CPC. Dizem respeito
a questões tão importantes e amplas como a convenção de
arbitragem, a constituição do tribunal, as regras de tramitação
processual, a validade da sentença arbitral e o princípio
dispositivo. A equiparação dos dois preceitos não é, assim,
acertada. Como não é acertada a utilização para a arbitragem da
doutrina e jurisprudência que dessa norma tratam.
O primeiro fundamento de anulação previsto no artigo 27.º LAV é o
da arbitrabilidade do litígio. Há aqui uma remissão para o artigo
1.º LAV, norma já tratada a propósito da convenção arbitral. A
verificação a fazer é, precisamente, a de saber se é ou não
admissível clausula arbitral em determinada litígio.
O segundo fundamento de anulação diz respeito à incompetência do
tribunal e está previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 27.º. A
188 Ver Caso Golf das Amoreiras (Acórdão STJ 2-10-2006 - Proc. n.º 1465/2006-2), com abundante citação de jurisprudência. Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 938-9.
98
incompetência do tribunal arbitral ocorre quando a convenção de
arbitragem não é, por qualquer razão, eficaz. Seja porque é
inexistente (pense-se numa falsificação de uma convenção
arbitral), seja porque é inválida (pense-se na celebração em
coacção), seja porque já caducou (nos termos do artigo 4.º LAV).
Também há incompetência do tribunal arbitral nas situações em que
o tribunal arbitral julga um litígio não abrangido pela convenção
(o que, afinal, se reconduz à inexistência de convenção).
O tribunal arbitral tem competência para apreciar a sua própria
competência, conforme está estipulado no artigo 21.º n.º1 LAV.
Está nesta norma consagrado o princípio da kompetenz-kompetenz
alemão, embora de forma mitigada, na medida em que a decisão do
tribunal arbitral é, ao contrário da regra alemã, sindicável
pelos tribunais judiciais e, logo, não definitiva.189 Esta
sindicância só é, porém, admitida a final, ou seja, enquanto
fundamento de acção de anulação (artigo 21.º n.º4 LAV).
Há, porém, uma excepção: nos termos do artigo 12.º n.º4 o
presidente do tribunal da relação a quem foi pedida a designação
de um árbitro pode apreciar a nulidade da convenção se resultar
de vício manifesto. Por exemplo, a inexistência de forma escrita
da convenção. Nestes casos, então, é decidida a incompetência do
tribunal arbitral ainda antes da sua constituição. Percebe-se a
razão de ser desta regra – não faz sentido constituir um tribunal
se o seu trabalho for inútil. Esta mesma ratio determina que em
alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros a decisão sobre
competência do tribunal arbitral seja impugnável imediatamente.190
Problema diverso e de mais difícil solução é colocado nas
situações em que é proposta primeiro uma acção judicial e
invocada a excepção de preterição de tribunal arbitral. Nestes
casos opera o efeito negativo do princípio da competência da
189 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 926.190 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 136 e seguintes.
99
competência, que impede que os tribunais judiciais apreciem a
competência do tribunal arbitral. A exacta amplitude deste efeito
negativo é, porém, difícil de determinar. Nem a Lei da Arbitragem
Voluntária, nem o Código de Processo Civil resolvem o problema.
O problema pode ser colocado nos seguintes termos: perante a
alegação da excepção de preterição do tribunal arbitral, que deve
o tribunal judicial fazer? Pura e simplesmente declarar a
excepção e absolver da instância ou deve averiguar da existência
e validade da convenção?
Há aqui três níveis possíveis de apreciação. Em primeiro lugar,
pode defender-se que os tribunais judiciais não devem analisar
qualquer questão que possa implicar a incompetência do tribunal
arbitral, suspendendo a instância judicial e remetendo o processo
para o tribunal arbitral que tomará a sua decisão. Em segundo
lugar, pode defender-se que o tribunal judicial apenas pode
decidir-se pela incompetência do tribunal arbitral nos casos de
manifesta nulidade da convenção arbitral, utilizando aqui
analogamente o critério do artigo 12.º n.º4 LAV. Por fim, pode
ainda atentar-se no artigo 290.º CPC que impõe ao tribunal
judicial que analise a validade (e não apenas a manifesta
invalidade) do compromisso arbitral celebrado na pendência da
acção. Nesta última hipótese, o tribunal judicial averigua com a
máxima amplitude os requisitos de existência e validade da
convenção arbitral.
Não é fácil encontrar aqui a melhor opção. Parece-me, porém, que
no meio estará a virtude. É a solução que permite menores perdas
de tempo e em simultâneo respeita melhor a autonomia da
arbitragem. Ainda assim, pode não ser de fácil concretização.
Atentemos no caso decidido pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 5
de Junho de 2007191, o Caso Trespasse. Tratava-se de uma acção de
despejo em que era discutido se haveria competência dos tribunais
191 Processo n.º 1380/2007-1.
100
arbitrais. O problema não era de existência da convenção, mas da
arbitrabilidade do litígio em face da norma do revogado RAU que
determinava que a acção de despejo tinha de ser proposta em
tribunal. Esta fórmula legal implica competência exclusiva do
tribunal judicial? A Relação de Lisboa entende que é questão
discutível e, logo, não há manifesta nulidade da convenção.
Remete, então, as partes para os tribunais arbitrais.
O terceiro fundamento de anulação, previsto na mesma alínea b) do
n.º1 do artigo 27.º LAV, consiste na irregularidade de
constituição de tribunal arbitral. Há irregularidade de
constituição sempre que se violem as regras dos artigos 11.º e
12.º LAV.
A incompetência do tribunal e a irregularidade da sua
constituição só são considerados fundamentos de anulação da
sentença arbitral se forem alegados no processo arbitral. Quanto
à incompetência do tribunal, essa alegação terá, em regra, de ser
feita até à apresentação da defesa (artigo 21.º n.º3).
Este mesmo prazo deve ser aplicado analogicamente à
irregularidade de constituição do tribunal.192 Haverá, porém, que
tomar em consideração a ocorrência de factos supervenientes que
impliquem também eles a incompetência do tribunal. E também,
ainda que mais dificilmente, a irregularidade de constituição, na
medida em que a superveniência engloba a objectiva e a
subjectiva. Um exemplo de um facto posterior à apresentação de
defesa que gera incompetência do tribunal é a caducidade da
convenção arbitral por decurso do prazo para decidir (alínea c)
do n.º 1 do artigo 4.º LAV). Na maioria dos casos o decurso desse
prazo terá lugar já depois da apresentação da contestação.193
192 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 932.193 Cfr. considerações feitas no ponto relativo à convenção arbitral sobre eventualidade do abuso de direito se a alegação desta caducidade for contraditória com a postura da alegante no tribunal.
101
A alínea c) do artigo 27.º determina que é anulável a sentença
arbitral que tenha sido proferida em processo que haja violado
princípios processuais fundamentais. São esses princípios o da
igualdade das partes, da citação do réu, do contraditório, da
audição das partes.194
A norma impõe um requisito para que haja causa de anulação: além
da violação da regra processual, é necessário que essa violação
tenha tido influência na decisão final. A determinação deste
requisito não é fácil, sendo necessário elaborar um juízo de
prognose casuístico. No caso julgado pelo Supremo Tribunal de
Justiça em 24 de Junho de 2004 (o Caso Comissão Paritária já
referido a propósito de vários temas) não houve audição da parte
passiva previamente à tomada de decisão (porque ela era revel). O
tribunal entendeu, porém, que tal violação não teve consequências
ao nível da decisão final, pelo que não acarreta nulidade. O
tribunal limita-se a dizer: “Na realidade, os factos provados não
revelam a essencialidade para o desfecho do litígio da omissão
pela comissão arbitral da do recorrente previamente à prolação do
acórdão arbitral, sendo certo que aquele não cumpriu o respectivo
ónus de alegação e de prova.” Não se compreende o critério
utilizado.
O quinto fundamento de anulação, relativo às assinaturas dos
árbitros já foi supra tratado, pelo que para lá se remete.195
O sexto fundamento de anulação da sentença arbitral é a falta de
fundamentação da sentença arbitral – artigo 27.º n.º1 d) LAV.
O dever de fundamentação da sentença arbitral está previsto no
artigo 23.º n.º3 LAV, sendo corolário directo do dever de
fundamentação das decisões judiciais constitucionalmente previsto
no artigo 205.º CRP.
194 Segundo Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2004, p. 181, nota 28, o princípio da audição prévia das partes integra o direito de defesa.195 Cfr. supra p. 91.
102
O exacto âmbito deste dever de fundamentação tem sido matéria
discutida pela doutrina. De acordo com alguma, a decisão
considera-se fundamentada quando houver justificação de facto e
de direito, ainda que sumária, sobre cada uma das pretensões
deduzidas.196 Já outros autores defendem que só haverá violação do
dever de fundamentação geradora de nulidade quando haja falta
absoluta de motivação.197
É evidente que a existência ou inexistência de fundamentação
impõe uma sua análise, não bastando a mera constatação de que
estão escritas algumas frases. É que se assim fosse poderia
chegar-se a resultados aberrantes, como o de entender-se que há
fundamentação se se escrevesse qualquer coisa, designadamente
algo que nada tem a ver com o processo em discussão. Pelo que o
dever de fundamentação só se cumpre quando houver uma
justificação sumária sobre cada uma das pretensões, como defende
a primeira das teses referidas. É necessário apreciar
concretamente os fundamentos e as excepções aduzidas em relação a
cada uma das pretensões. Assim como é necessário explicar as
razões que levam a que a decisão seja aquela e não outra.
Não é inútil ressaltar a importância da fundamentação num
processo civil justo. Aliás, a consagração constitucional dessa
exigência é prova desta essencialidade. Nas palavras de Correia
de Mendonça e Mouraz Lopes, a obrigação de fundamentar é um dado
civilizacional adquirido.198
O padrão da fundamentação deve ser, num processo actual, o da
inteligibilidade da decisão para as partes, isto é, o que
interessa é que o tribunal (judicial ou arbitral ou outro)
consiga explicar às partes porque decidiu assim. Mesmo que estas
não concordem com a decisão, devem perceber porque decidiu o
196 Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, p. 153 e 172. 197 Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 939.198 Correia de Mendonça e José Mouraz-Lopes, Julgar: Contributo para uma análise estrutural da sentença civil e penal, 2004, p. 205.
103
tribunal nesses termos.199 É que a ratio da fundamentação -
impedir o arbítrio através da verificação racional – só é
cumprida se se puder perceber a decisão. Só percebendo se pode
controlar.
Assim, só há cumprimento do dever de fundamentação quando resulte
claro, para uma pessoa média, o caminho e a razão da decisão. E
isto, quer se queria quer não, faz parte das garantias mínimas de
um processo justo para que possa ser considerado vinculativo para
as partes. Se não for cumprido, implica anulação nos termos da
lei. O que está em causa é a seriedade da arbitragem, a segurança
das pessoas que a ela recorrem, o respeito pelos direitos dos
cidadãos, designadamente o direito a uma justiça própria de um
Estado de Direito. A dureza da sanção é assim justificada – e não
há que ter dela qualquer receio.
Se uma sentença não é inteligível não pode, pura e simplesmente,
ser validada como decisão jurisdicional. Seja ela proferida por
um tribunal judicial ou por um tribunal arbitral. Falta-lhe, numa
palavra, o que um Estado de Direito garante aos seus cidadãos.
A circunstância de num processo se ter decidido com fundamento em
equidade poderia, de alguma forma, alterar a conclusão a que
acabámos de chegar a propósito da fundamentação. Isto é, sendo a
fonte da decisão a equidade poderia não se exigir o mesmo em
termos de justificação da sentença.
A doutrina não tem, porém, assim entendido – pelo contrário,
porque a decisão segundo a equidade não é uma decisão arbitrária,
a justificação racional e inteligível é tão ou mais necessária
que a da resolução segundo o direito estrito. De acordo com Paula
Costa e Silva “Só através da fundamentação é possível afastar o
arbítrio da solução do caso concreto, sendo de afastar qualquer
199 Mariana França Gouveia, Os poderes do juiz cível na acção declarativa 2007, p. 55.
104
caminho que permita que a arbitragem em equidade se transforme em
arbitragem-arbítrio.”200
Assim, na decisão segundo a equidade o dever de fundamentação é
ainda acrescido. Isto é, estando em causa critérios que não estão
publicamente escritos, torna-se ainda mais importante, ao nível
das garantias das partes e da justiça do processo, a sua
explanação e explicação.
A Lei da Arbitragem Voluntária nada diz em situações em que haja
contradição entre fundamentos e decisão. Por ser fundamento não
previsto directamente no artigo 27.º LAV e, com este argumento,
foi defendido que não é causa de anulação da sentença.201 Parece-
me porém que este vício é equiparável à falta de fundamentação.
Pelas mesmíssimas razões que o dever de fundamentação exige uma
apreciação material. A questão coloca-se mo mesmo nível da
anterior: inteligibilidade.
De acordo com o artigo 27.º n.º1 e) da Lei da Arbitragem
Voluntária, constitui vício da sentença arbitral “ter o tribunal
conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, ou ter
deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.”
Refere-se este preceito aos vícios de excesso e de omissão de
pronúncia, vícios que decorrem de violações do princípio
dispositivo. Este é o sétimo e último fundamento de anulação da
decisão arbitral.
O princípio dispositivo é um dos pilares do direito processual
civil, tanto no impulso processual inicial, como na delimitação
objectiva e subjectiva da instância. A definição do objecto da
acção e do número e posição das partes cabe apenas a estas.202
200 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 941.201 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 939. Acórdão STJ de 2 de Outubro de 2006, Processo n.º 1465/2006-2.202 Mariana França Gouveia, Os poderes do juiz cível na acção declarativa, 2007, p. 52.
105
Como é referido pela doutrina, num processo dominado pela vontade
das partes como a arbitragem a vinculação ao princípio
dispositivo é ainda mais relevante.203
Para o vício em análise interessa a vertente objectiva do
princípio dispositivo, isto é, a delimitação dos poderes e
competências do tribunal ao objecto do processo tal como alegado
pelas partes. O objecto do processo é constituído pelo pedido e
pela causa de pedir, limitando ambos as possibilidades de
actuação do tribunal.
Digno de nota a este propósito é o Acórdão STJ de 21 de Outubro
de 2003204, em que o tribunal arbitral condena não com fundamento
nos danos alegados pelo requerente da acção arbitral mas com base
numa clausula penal que nenhuma das partes havia invocado. Com
razão, o Supremo Tribunal de Justiça mandou anular a decisão.205
d. A anulação da sentença arbitral implica um juízo puramente
cassatório: o tribunal judicial não pode substituir a decisão
arbitral por outra.206 Perante a anulação é necessário então
determinar como poderão as partes resolver o seu litígio –
através de nova acção arbitral ou através de acção judicial?
Segundo Lima Pinheiro, a anulação da decisão não implica
caducidade da convenção arbitral (na medida em que tal causa não
consta do artigo 4.º LAV). Por outro lado, se se esgota com a
decisão o poder jurisdicional dos árbitros, tem de haver novo
processo de constituição e tribunal arbitral e novo prazo para a
decisão. Só assim não acontecerá quando o tribunal judicial anule
a sentença com fundamento em invalidade da própria convenção de
arbitragem. Nesta situação e porque a sentença judicial
203 Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 943.204 Processo n.º 03A2318 (Caso Clausula Penal).205 Mais discutível é a opção da anulação parcial e da não ressurreição da parte do pedido principal em que tinha havido prova.206 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 961.
106
transitada vincula as partes, já é admissível a propositura de
acção judicial.207
Já na opinião de Paula Costa e Silva, a decisão arbitral de
mérito esgota a finalidade da convenção de arbitragem (que é a
resolução do litígio). Já o mesmo se não passa com a decisão
final de forma. Assim, na primeira situação não é possível propor
nova acção arbitral, cabendo aos tribunais judiciais a
competência para dirimir o litígio. Resultado a que e as partes
poderão sempre obviar celebrando nova convenção arbitral. Se, ao
contrário, a decisão anulada é uma decisão de forma, de
absolvição da instância, então a convenção de arbitragem não está
esgotada pelo que se pode, de novo, iniciar um processo
arbitral.208
Qualquer um dos autores não admite, porém, que a sentença baixe
ao tribunal arbitral para eventual correcção de erros.209 Tal
consequência parece ser contrária quer à autonomia do tribunal
arbitral perante os tribunais judiciais, quer face à extinção do
poder jurisdicional dos árbitros com a sentença. Este último
argumento não tem, porém, força decisiva, na medida em que a
mesma regra existe para os tribunais judiciais e a baixa do
processo é possível.
No Acórdão da Relação do Porto de 11 de Novembro de 2003210,
julgou-se verificado o vício de falta de fundamentação por ter
sido feita a motivação da matéria de facto através da análise
crítica das provas. A consequência da decisão não foi, porém, a
anulação pura e simples da sentença arbitral, mas o reenvio do
processo para o tribunal arbitral para que procedesse a essa
fundamentação. Deve dizer-se, porém, que este Acórdão foi
207 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 4.208 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 964-5.209 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 1001.210 Processo n.º 0324038.
107
proferido em recurso de decisão arbitral, embora a decisão tenha
com fundamento um vício gerador de anulação.
Esta não é uma questão fácil de resolver. Se numa interpretação
literal parece evidente que ou há anulação ou não há anulação,
este resultado do tudo ou nada é manifestamente contrário aos
princípios de economia processual e de eficiência. Nesta óptica
faz sentido que o tribunal arbitral, que viu a sua sentença
anulada por razões formais, possa refazê-la corrigindo o vício.
Não deixa, porém, de ser uma solução algo inconfortável por jogar
mal com a autonomia da arbitragem.
Um problema diferente é o da possibilidade de anulação parcial da
sentença arbitral. Desde que a sentença seja cindível e o vício
não implique a nulidade de toda a decisão, é admissível a
anulação parcial.211 Tal situação colocou-se no Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2003212 em que o tribunal
decidiu-se pela anulação parcial, mantendo a condenação no pedido
reconvencional e anulando o restante. Sustentou a sua opção, face
à lacuna da LAV, na maioria dos ordenamentos jurídicos
estrangeiros.
5.7.2. Recurso
A LAV estabelece no artigo 29.º o princípio da equiparação da
sentença arbitral à judicial para efeitos de recurso.
A renúncia aos recurso não abrange os recursos extraordinários.213
A competência hierárquica para conhecer os recursos da sentença
arbitral está estabelecida no artigo 29.º LAV: tribunais da
Relação. Surgem, porém, dúvidas na forma de determinação da
211 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 962.212 Processo n.º 03A2318. 213 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 5; Carvalho Fernandes, Dos recursos em Processo Arbitral, 2003, p. 148
108
competência territorial para a apresentação desse recurso. Os
critérios apresentados são o tribunal de primeira instância onde
ocorreu o depósito da decisão (nos termos do artigo 24.º LAV)214
ou o lugar onde o tribunal arbitral funciona, menção que tem de
constar da sentença arbitral (artigo 23.º n.º1 e)).215 Em regra o
lugar será o mesmo.
Em qualquer caso podem sempre as partes celebrar pacto de
competência, escolhendo a Relação competente para a apreciação do
recurso, na medida em que estamos perante um critério de
competência territorial.
No que diz respeito ao regime dos recursos, a recente reforma
veio simplificar alguns aspectos de compatibilização, mantendo as
dúvidas no que a outros diz respeito.
Assim, o prazo para interposição de recurso é de 30 dias, nos
termos do artigo 685.º, sendo agora apresentadas com o
requerimento de interposição as alegações de recurso (n.º 2 do
artigo 684.º-A).
Quando o modo de interposição, a lei não resolve as dúvidas: deve
ser apresentado o recurso perante o tribunal arbitral ou perante
o tribunal da relação? A doutrina tem centrado a discussão no
artigo 25.º LAV que estabelece a extinção do poder dos árbitros.
Esta extinção teria como consequência a impossibilidade de os
árbitros se pronunciarem sobre o que quer que fosse após a
prolação da sentença arbitral. Certo é, porém, que a mesma norma
existe para os tribunais judiciais (artigo 66.º CPC) e que não há
quaisquer dúvidas de que é sua a competência para receber e
apreciar o pedido de interposição de recurso. Assim, parece ser
mais consentâneo com o sistema positivo de recursos e ainda com o
princípio da equiparação da sentença arbitral à sentença
214 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 998.215 Carvalho Fernandes, Dos recursos em Processo Arbitral, 2003, p. 158.
109
judicial, a solução da interposição do recurso junto do tribunal
arbitral.216
5.7.3. Oposição à execução
O terceiro meio de impugnação da decisão arbitral é a oposição à
execução. Nos termos do artigo 815.º CPC, são fundamentos de
oposição à execução baseada em sentença arbitral todos os
fundamentos de oposição à execução de sentença judicial e, ainda,
aqueles em que pode basear-se a anulação judicial da mesma
decisão. Há aqui uma remissão para o artigo 27.º LAV, pelo que
são alegáveis nesta sede todos os fundamentos da acção de
anulação anteriormente referidos.
De acordo com o artigo 31.º LAV mesmo não tendo sido proposta
acção de anulação dentro do prazo fixado de um mês, podem os
fundamentos de anulação ser alegados na oposição à execução.
Se for proposta acção de anulação e, em simultâneo, execução de
sentença arbitral, coloca-se o problema de saber se em oposição
podem ser alegados os mesmo fundamentos de anulação. A doutrina
divide-se, defendendo Paula Costa e Silva217 a inadmissibilidade
dos mesmo fundamentos nas duas acções e Lebre Freitas218 a posição
contrária. Argumenta a primeira com a possibilidade de
contradição de julgados e o segundo coma imediata exequibilidade
da sentença arbitral. Nesta a consequência é a da suspensão de
uma das instâncias, por regra a de anulação. Impede-se, assim, a
contradição de julgados e garante-se a defesa legítima do
executado. No entanto, no rigor do princípios o que se verifica é
litispendência, já que fundamentos e pedido (de anulação da
216 Carvalho Fernandes, Dos recursos em Processo Arbitral, 2003, p. 158.217 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 960.218 Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2004, p. 182.
110
sentença arbitral) são idênticos.219 Assim, o remédio da suspensão
é inútil, na medida em que decididos os embargos a acção de
anulação em que foram alegados os mesmos fundamentos não poderá
continuar sob pena de ofensa de caso julgado. Por outro lado, não
se pode impedir o executado de se defender no processo executivo,
impedindo, no mínimo, o pagamento aos credores – artigo 818.º
n.º4 CPC.
Uma questão diferente é a da liquidação da decisão arbitral. A
dificuldade surge apenas no caso em que a liquidação se não possa
fazer por simples cálculo aritmético. Isto porque a reforma da
acção executiva, operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de
Março, veio alterar a competência para a liquidação da sentença
judicial. Tal liquidação deixou de ser feita numa fase preliminar
da acção executiva, mas na acção declarativa, renovando-se para
esse efeito a instância (artigo 378.º n.º2 CPC).
Aplicar esta solução à sentença arbitral que condene em obrigação
genérica não parece a melhor. Implica a renovação de um tribunal
arbitral de composição tópica e existência efémera. É preferível
integrar a lacuna através do mecanismo dos títulos extra-
judiciais de obrigações não liquidadas, isto é, a liquidação no
próprio processo executivo.220
219 Paula Costa e Silva, Os meios de impugnação, 1996, p. 205.220 Paula Costa e Silva, A Execução em Portugal de decisões arbitrais nacionais e estrangeiras, 2007, ponto 33.
111
V
JULGADOS DE PAZ
4.1. Noção
O Julgados de Paz, criados em 2001, pela Lei 78/2001, de 13 de
Julho, iniciaram a sua actividade no ano 2002. Nesta altura eram
apenas quatro (Lisboa, Seixal, Vila Nova de Gaia e Oliveira do
Bairro) e a título experimental. Hoje, em 2008, são 16221,
distribuindo-se irregularmente pelo país. Aliás, uma das críticas
apontadas ao sistema é precisamente não haver uma lógica
compreensível na expansão da rede dos Julgados de Paz.222 Tendo
221 Agrupamento dos Concelhos de Aguiar da Beira e Trancoso, Agrupamento dos Concelhos de Cantanhede, Mira e Montemor-o-Velho, Agrupamento dos Concelhos de Oliveira do Bairro, Águeda, Anadia e Mealhada, Agrupamento dos Concelhos de Santa Marta de Penaguião, Alijó, Murça, Peso da Régua, Sabrosa e Vila Real, Agrupamento dos Concelhos de Tarouca, Armamar, Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira e Resende, Coimbra, Lisboa, Miranda do Corvo, Porto, Santa Maria da Feira, Seixal, Sintra, Terras de Bouro, Trofa, Vila Nova de Gaia, Vila Nova de Poiares. Segundo informação do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, serão criados até ao final do ano de 2007, e instalados em 2008, o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Palmela e Setúbal, o Julgado de Paz de Odivelas, o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Aljustrel, Castro Verde, Ourique, Almodôvar e Mértola e o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Sátão, Vila Nova de Paiva, Penalva do Castelo, Aguiar da Beira e Trancoso, passando a rede nacional a ter 20 Julgados de Paz. Para uma cronologia da instalação, cfr. Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, 2005, p. 52.222 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006 p. 204.
112
como objectivo o desenvolvimento sustentado da rede, foi
recentemente divulgado um estudo encomendado pelo Governo ao
ISCTE223. Através de uma análise cuidada dos fins destes tribunais
e da realidade social portuguesa, a investigação conclui que
devem existir 120 julgados de paz em Portugal (incluindo os já
existentes). Os Julgados de Paz a criar devem sê-lo em 12 fases
de acordo com a prioridade de instalação, entendendo-se como
ideal a criação de 8 Julgados de Paz por biénio.
Os Julgados de Paz são verdadeiros tribunais inseridos na oferta
da Justiça pública portuguesa. São órgãos de soberania de
exercício do poder judicial224, previstos na Constituição da
República Portuguesa (artigo 209.º n.º2). A sua distinção em
relação aos tribunais comuns decorre de diversos aspectos,
devendo realçar-se a sua teleologia, o que tem depois repercussão
na sua forma de actuação e regime. Isto é, os Julgados de Paz
praticam uma justiça alternativa, muito marcada pela proximidade
e pela tentativa de alcançar uma solução por acordo, através das
fase de mediação e de conciliação.
Os Julgados de Paz são, então, tribunais não judiciais225 ou
mistos226, tendo em conta a sua natureza obrigatória (e não
voluntária como os outros meios de resolução alternativa de
litígios) e os métodos que utiliza na resolução do conflito
(procurando sempre o acordo e afastando a concepção adversarial
de litígio).
A questão da competência assume aqui papel importante. Desde a
publicação da lei dos Julgados de Paz que se coloca a dúvida
sobre se a competência dos Julgados de Paz é ou não obrigatória,
223 Disponível em www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt 224 Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 46.225 Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, 2005, p. 51.226 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006 p. 115.
113
isto é, se o autor é obrigado a propor acção no Julgado de Paz
quando ele exista no concelho e tenha competência na matéria.227
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 24 de Maio de
2007228, decidiu no sentido da alternatividade da competência dos
Julgados de Paz. Os argumentos são vários desde a análise
puramente normativa das regras aplicáveis, até aos trabalhos
preparatórios da Lei dos Julgados de Paz, passando pela
possibilidade de a acção inicialmente proposta no Julgado de Paz
ser posteriormente remetida aos tribunais judiciais. Este, aliás,
parece ser um argumento decisivo. Não faz sentido, de acordo com
o Acórdão, afirmar que os tribunais judiciais não têm competência
para aquelas acções se podem vir a tê-la posteriormente, bastando
aliás que uma das partes deduza um incidente (por exemplo,
intervenção de terceiros) ou requeira a prova pericial.229
O Acórdão não foi tirado por unanimidade, tendo havido três votos
contra. Um deles, da Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, deu
lugar a voto de vencido. Nessa declaração Beleza rebate os
argumentos da posição vencedora, acrescentando uma ideia
importante (e que aliás não foi tocada pelo Acórdão). Trata-se da
circunstância de a alternatividade ser unilateral, isto é, de
caber ao autor escolher o Julgado de Paz ou o tribunal comum,
sendo o réu obrigado a segui-lo. Esta alternatividade unilateral
é estranha a qualquer meio de resolução alternativa de litígios,
na medida em que estes procedimentos são integralmente
voluntários, é exigida a adesão de ambas as partes. A solução
consagrada pelo Acórdão de uniformização é difícil de entender,
enquadrando-se mal no princípio da igualdade das partes.
Já antes tomei posição sobre esta questão. Disse então: “Na minha
opinião, os textos normativos não oferecem grandes dúvidas sobre
esta questão – a competência é exclusiva. Tendo em conta a
227 A competência dos Julgados de Paz está prevista nos artigos 8.º e 9.º LJP.228 Acórdão 11/2007, publicado no Diário da República de 25 de Julho.229 Conforme está previsto nos artigos 41.º e 59.º n.º3 LJP.
114
competência residual dos tribunais comuns (artigo 18.º LOFTJ) e
os artigos 8.º e seguintes da Lei dos Julgados de Paz (Lei
78/2001, de 13 de Julho) é difícil compreender as posições que
sustentam ser a competência destes meramente facultativa.”230
Julgo, actualmente, que é possível ler a lei de várias maneiras e
que provavelmente a opção do legislador, ao não se pronunciar
sobre um problema que sabia existir, era no sentido da
alternatividade. Penso, ainda, que do ponto de vista da coerência
do sistema, a solução mais adequada é a da exclusividade. Vejo
com alguma dificuldade (e resistência) a criação de tribunais
pelo Estado numa lógica concorrencial. Por outro lado, o
argumento da violação do princípio da igualdade – ao obrigar-se o
réu a sujeitar-se à vontade do autor – não pode ser ignorado. Há
aqui um desequilíbrio que não tem qualquer justificação.
Diria, portanto, que a competência dos Julgados de Paz é
exclusiva e que tal conclusão se retira facilmente da letra da
lei, da coerência do sistema, da solução mais adequada à lacuna
legal (se se entender que há lacuna). Por outro lado, porém, num
exercício puramente alternativo é interessante colocar os
Julgados de Paz como uma opção ao lado dos restantes meios de
resolução alternativa de litígios. Até porque o seu modelo de
resolução se adequa a certos tipos de disputas – os litígios de
proximidade -, mas não a outros.
Há alguma dificuldade na inserção destes tribunais na organização
judiciária portuguesa. Dadas as suas características especiais,
tais como um corpo de magistrados autónomos e com diferente
formação, um órgão de gestão independente (o Conselho de
Acompanhamento dos Julgados de Paz), a diferente forma de
abordagem do litígio e de processo, diria que estes tribunais
estão fora da jurisdição comum. Tal entendimento parece ter
reflexo na disposição constitucional – os tribunais comuns no n.º
230 Mariana França Gouveia, Prefácio, in Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 6.
115
1 do artigo 209.º CRP e os Julgados de Paz no n.º2. E foi
expressamente referida no Acórdão de Uniformização de
Jurisprudência.
Há, porém, uma regra que joga contra esta autonomia – a da
recorribilidade das decisões dos Julgados de Paz para os
tribunais judiciais, quando o valor da acção seja superior a
metade da alçada da 1ª instância – artigo 62.º LJP. Acresce que
este recurso é para os tribunais de 1ª instância e não para a
relação, o que não permite sequer uma equiparação dos Julgados de
Paz aos tribunais de 1ª instância. Ao invés faz parecer que eles
são qualquer coisa como uma sub-instância.231
Terão, provavelmente, sido razões de cautela que terão levado o
legislador a consagrar esta solução. Legislando quando ainda não
existia qualquer Julgado de Paz em Portugal, terá pensado ser
mais sensato permitir um recurso das decisões ou, pelo menos, de
parte delas. Neste momento, porém, em que experiência já leva
alguns anos é de repensar a solução. Das duas uma: ou se
estabelece a regra de irrecorribilidade (que é o que acontece
neste tipo de acções propostas em tribunal judicial e até joga
bem com o entendimento da competência alternativa) ou se
estabelece a regra da recorribilidade para a Relação, equiparando
os Julgados de Paz a tribunais de primeira instância. É difícil
dizer qual a melhor solução: do ponto de vista do sistema, a
solução da irrecorribilidade parece ser a mais coerente; do ponto
de vista do controlo da actividade porque falamos de tribunais
autónomos, faz sentido a existência de recurso. É ainda pensável
uma terceira via equiparada, agora, à arbitragem: consagrar
apenas a possibilidade de invocar a anulação da decisão com
fundamentos de forma ou de violação da ordem pública.
4.2. Princípios
231 Cardona Ferreira, Julgados de Paz, 2001, p. 81.
116
Os princípios que regem os Julgados de Paz estão inscritos no
artigo 1.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho. Este artigo é o mais
importante deste diploma, devendo ser padrão de interpretação de
todas as suas regras.232 Os princípios estabelecidos são o da
participação, do estímulo ao acordo, da simplicidade, da
adequação, da informalidade, da oralidade e da economia
processual.
O princípio da participação cívica dos interessados pretende
trazer o cidadão para os Julgados de Paz, tornando-o parte activa
do processo. Ao invés do procedimento judicial, onde a parte
nunca ou raramente fala, nos Julgados de Paz a presença das
partes é essencial ao desenvolvimento da sua filosofia. Só pode
haver justiça de proximidade se os litigantes estiverem
presentes. O afastamento dos utentes da sistema de Justiça
tradicional é uma das marcas da crise da justiça. O processo,
criado para dar garantias de igualdade e de imparcialidade233,
tornou-se num ritual gasto, opaco, labiríntico, numa palavra,
incompreensível para quem nele não trabalha.234 A excessiva
formalidade, aliada a uma tecnicidade apurada, não permite que as
pessoas entendam o que se passa. Por outro lado, este afastamento
é propositado, é consciente, já que se entende que as partes não
são as pessoas mais indicadas para tratar do seu litígio. A
intermediação por um advogado, profissional deontologicamente
marcado por uma certa distância das partes e das suas posições
pessoais, é explicada precisamente por esta teleologia. Não é
sequer suposto que as partes comuniquem directamente com o juiz –
as limitações aos depoimentos de parte são grandes.235-236
232 Cardona Ferreira, Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento, 2001, p. 19.233 Mariana França Gouveia, Os Poderes do Juiz Cível na Acção Declarativa, 2007, p. 63.234 Mesmo um jurista, recém-licenciado ou não, que não esteja habituado aos tribunais, neles não se sente plenamente à vontade.235 Artigos 552.º e 553.º CPC.236 Para uma comparação pormenorizada, João Chumbinho, Julgados de Paz na Prática Processual Civil, 2007, p. 54-58.
117
Ora os Julgados de Paz – como aliás em geral os meios de
resolução alternativa de litígios – partem precisamente da opção
oposta, do entendimento que são as partes as pessoas melhor
colocadas para resolver os seus problemas. Esta discussão não é
jurídica – embora tenha aì reflexos. Não vou, pois, entrar nela.
Posso apenas dizer que me parece que qualquer uma das teses
estará correcta: haverá situações em que as partes estarão melhor
sem intermediários e haverá casos em que o oposto é verdade. Nos
Julgados de Paz é o primeiro entendimento que predomina, sem
prejuízo de, se as partes não forem realmente as melhor colocadas
para encontrar a solução, tal lhes ser imposto por sentença
proferida pelo juiz de paz.
O princípio da participação cívica está directamente relacionado
com o estímulo ao acordo, à auto-composição dos litígios.
Significa que a parte não é mera espectadora do desenrolar do seu
caso, mas participante informado da sua resolução. Em
concretização a tramitação dos Julgados de Paz contém dois
momentos para a obtenção deste acordo: a mediação extra-judicial
e a conciliação judicial. A mediação é feita por um mediador,
escolhido pelas partes ou (o que é a regra) indicado pelos
serviços do Julgado de Paz. A conciliação é tentada pelo juiz, no
início da sessão de julgamento. Nos processo podem as partes
passar por ambas as tentativas de acordo ou só por uma – a
conciliação judicial – se prescindirem da fase de mediação. Fase
que é, sempre, de adesão voluntária.
Nota-se nos Julgados de Paz a forte motivação para o acordo,
muito maior, parece-me (embora não o possa confirmar
objectivamente) que nos tribunais judiciais. Criou-se de alguma
forma uma dinâmica de acordo, na medida em que se sabe que o juiz
vai mesmo, mas mesmo, esgotar todas as possibilidade de obtenção
do acordo. No entanto, também é necessário ter alguma cautela
nessa procura do acordo, de forma a não incomodar
intoleravelmente as partes, nem as comprometer em relação a algo
118
que, afinal, não querem. É importante que os juízes tenham a
sensibilidade para perceber quando é e quando não é alcançável a
transacção e, por outro lado, que não utilizem o seu poder
judicial para forçar esse consenso. Seria útil que os juízes de
paz fossem ensinados nas técnicas da mediação stricto sensu.
Assim como já assisti à realização sucessiva de acordos em
virtude dessa dinâmica do estímulo ao ajuste, também já
presenciei tentativas de conciliação excessivamente arrastadas
(quando era evidente a impossibilidade de consenso). Também há
notícia de celebração de acordos que depois as partes negam ter
celebrado.237
Os restantes princípios dizem já respeito especificadamente ao
procedimento nos julgados de paz. São princípios comuns ao
processo civil, com excepção da regra da informalidade, mas que
assumem singular importância nos Julgados de Paz. Há desde logo
uma diferença sistemática para o Código de Processo Civil – na
Lei 78/2001 os princípios constam do artigo 2.º, logo na abertura
do diploma; no Código estas regras essenciais encontram-se
espalhadas, muitas vezes sem sequer estarem expressamente
consagradas.238 Esta diferença de arrumação é importante, mais
importante do que à primeira vista se possa pensar. Impõe
claramente uma interpretação dos restantes preceitos conforme a
estes princípios: como se fossem parâmetros de
constitucionalidade.
237 Razão pela qual, aliás, o Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz recomendou a assinatura pelas partes dos acordos feitos em audiência.238 O princípio da simplicidade está nos artigos 137.º e 138.º; o da adequação no artigo 265.º-A; o da oralidade está disperso por várias normas, desde as que prevêem a audiência preliminar e o julgamento (artigos 508.º e 652.º), até às normas que impedem, salvo casos excepcionais, o depoimento escrito (artigo 621.º e 639.º); o princípio da economia processual está disperso por diversos mecanismos processuais, que passam pela adequação, pluralidades objectivas e subjectivas, incidentes com elas relacionados (reconvenção, intervenção de terceiros) e, novamente, com a simplicidade dos actos, prevista nos artigos 137.º e 138.º. Ver, por todos, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 169 e seguintes.
119
O princípio da adequação deve ser aproximado do dever de gestão
processual previsto no artigo 2.º do Regime Processual Civil
Experimental (Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho), nos termos do
qual o juiz tem de promover a adequação, a eficiência processual
e a agilização.239 Estes deveres são mais fáceis de executar
quando as regras processuais são pouco pormenorizadas e quando
não há uma tradição prática associada aos procedimentos. É
precisamente o que se passa nos Julgados de Paz, pelo que é
recorrente a aplicação destes princípios na resolução de
problemas concretos.
4.3. Competência
Para além da questão da competência alternativa ou obrigatória, é
importante referir os critérios de atribuição de competência
territorial e material dos Julgados de Paz.
Tal matéria está regulada nos artigos 8.º e seguintes da Lei dos
Julgados de Paz. Em razão do valor, os Julgados de Paz têm
competência para acções cujo valor não exceda a alçada do
tribunal de 1ª instância.
O artigo 9.º contém as matérias que são da competência dos
Julgados de Paz. As matérias estão descritas individualmente
através da sua caracterização jurídica, pelo que o que não se
encontra aqui especificamente previsto não cabe na competência
destes tribunais.
Podemos agrupar estas matérias em dois grandes grupos: matéria
civil e matéria criminal. Na matéria civil estão previstas
algumas matérias tratadas nos direitos reais (entrega de coisas
móveis, direitos e deveres de condóminos, certos litígios entre
proprietários de prédios, acções possessórias, usucapião e
acessão, entre outras) e no direito das obrigações (cumprimento
239 Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 33-36.
120
das obrigações, arrendamento urbano, responsabilidade civil,
incumprimento contratual, garantia geral das obrigações).
É importante tomar em consideração a restrição prevista na alínea
a) do n.º 1 do artigo 9.º LJP: não há competência do Julgado para
apreciar e decidir acções destinadas a efectivar o cumprimento de
obrigações pecuniárias de que seja ou tenha sido credor uma
pessoa colectiva. Quis-se com esta restrição impedir a invasão
dos Julgados de Paz pelos chamados litigantes de massa.
Em relação à matéria penal, a competência está prevista no n.º 2
do artigo 9.º LJP, incluindo apenas os pedidos de indemnização
cível dos crimes aí previstos (ofensas corporais simples,
difamação, injúrias, furto simples, dano simples, alteração de
marcos e burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços).
O Julgado de Paz só tem competência para apreciar este pedido de
indemnização cível quando não haja sido apresentada participação
criminal ou após desistência da mesma.
As matérias procuram claramente um determinado tipo de
litigância: conflitos entre pessoas singulares, disputas de
proximidade, problemas entre cidadãos. São estas, realmente, as
áreas de litigância a que os Julgados de Paz melhor se adequam.
4.4. Tramitação processual
A tramitação nos Julgados de Paz é simples, aproximando-se das
formas de processo sumária ou sumaríssima. O processo inicia-se
com um requerimento inicial que pode ser apresentado oralmente ou
por escrito (artigo 43.º). Segue-se, depois, a citação do
demandado, que nunca pode ser edital (artigo 46.º). Assim, caso
se não consiga citar pessoalmente o demandado, o processo segue à
revelia, sendo prática nos Julgados de Paz pedir-se à Ordem dos
Advogados a nomeação de um representante oficioso do revel.240
240 Cardona Ferreira, Julgados de Paz, 2001, p. 64. Esta prática pode, mesmo assim, colocar problemas ao nível do direito de defesa, na medida
121
Na citação do demandado é hábito marcar-se a data da pré-mediação
como a lei manda (artigo 45.º n.º 2 LJP) ou, se o demandante
tiver prescindido dessa fase, do julgamento. Simplifica e acelera
o procedimento, sem prejuízo de serem alteradas se a citação se
atrasar ou se as partes não tiverem disponibilidade para os dias
marcados.
Entramos, então, na fase da mediação que se inicia com a pré-
mediação, sessão destinada a explicar às partes em que consiste a
mediação e a verificar a sua predisposição para resolver o caso
através da celebração de um acordo (artigo 49.º). Se as partes
aderirem, passa-se à mediação propriamente dita, que pode ter
lugar no mesmo dia. A lei determina que deva ser feita com
mediador diferente, mas a prática nos Julgados de Paz tem sido de
se manter o mesmo mediador, desde que autorizado pelas partes. É
justificada pela inadequação da lei à realidade – não faz
sentido, segundo dizem mediadores e juízes, remarcar a sessão
para outro dia e outro mediador, obrigando as partes a nova
deslocação ao Julgado. Esta razão não colhe, porém, nos casos em
que está no Julgado mais do que um mediador em simultâneo, o que
se verifica nos Julgados de Paz com mais movimento. A mudança de
mediador garante a independência do primeiro face ao resultado da
sua diligência. Embora não me pareça dramático, julgo que faz
sentido tentar, salvo forte inconveniente, seguir o esquema
legal.
Se as partes alcançarem o acordo na mediação, o acordo é
homologado pelo juiz na presença das partes (artigo 56.º LJP). A
sentença homologatória tem, naturalmente, força executiva.
Se a mediação não tiver sucesso, o processo é encaminhado para
marcação do julgamento. Entretanto, corre o prazo para contestar
(10 dias a contar da citação, nos termos do artigo 47.º). Na
contestação o demandado pode deduzir reconvenção, mas em termos
em que há falta de citação, fundamento de nulidade de todo o processo – artigo 195.º e 771.º.
122
bastante limitados. Se esta existir, o demandante responde no
mesmo prazo de 10 dias (artigo 48.º).
Uma das dificuldades do regime processual dos Julgados de Paz é o
efeito da revelia. Isto porque, nos termos do artigo 58.º n.º2,
tal efeito (o da confissão dos factos) apenas se verifica quando
o demandado para além de não ter contestado, não tenha
comparecido ao julgamento e não tenha justificado essa falta.
Isto é, para que se dêem como provados os factos não basta a não
contestação, é ainda necessário a falta não justificada do
demandado à audiência final. Esta norma tem conduzido ao
entendimento de que o demandado não contestante pode impugnar os
factos na audiência final. Aliás pode apresentar prova, na medida
em que os meios probatórios são oferecidos na audiência.241 A
grande dificuldade reside na possibilidade de deduzir, apenas na
audiência, excepções ao pedido.
Presenciei, certo dia, uma situação em que a demandada não
contestante compareceu à audiência transportando consigo os bens
cujo pagamento a demandante exigia. Exibiu esses bens, ficando
claro para todos os presentes que eles eram defeituosos. Alegou –
embora o não soubesse - uma excepção de cumprimento defeituoso.
Outra vez, numa acção proposta pela administração do condomínio
contra um condómino em que era exigido o pagamento de quotas de
condomínio em atraso, o condómino – que não havia contestado –
afirmou na audiência que tinha acordado com o anterior
administrador a dedução às quotas do valor de umas obras urgentes
que tinha feito nas partes comuns do edifício. Tratava-se, assim,
de uma compensação que, sendo de valor inferior ao pedido,
constituía uma excepção peremptória.242
241 Uma outra dificuldade relaciona-se com a impossibilidade de notificação de testemunhas pelo Julgado de Paz – artigo 59.º n.º2. No entanto, tal regra tem sido casuisticamente derrogada: quando haja razões ponderosas que imponham a notificação (designadamente por ser a única forma de a testemunha comparecer no Julgado), o Julgado de Paz notifica a testemunha para a audiência de julgamento.242 Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado – Volume 1.º, 1999, p. 489.
123
Nestes casos, que fazer? Ignorar aquilo que as partes dizem
parece violento e contrário à filosofia dos Julgados de Paz. Mas,
por outro lado... Há aqui dois valores conflituantes que produzem
resultados contraditórios. Tendo em conta o princípio da verdade
material, deveria permitir-se a alegação de factos novos na
audiência. Ao contrário, se atentarmos no princípio do
contraditório, não é legítimo sujeitar o demandante à alegação de
factos surpresa, sem lhe conceder hipóteses de defesa,
nomeadamente de apresentação de prova. Acresce que a
possibilidade de alegar factos novos (como aliás a oportunidade
de impugnar os factos apenas em audiência) esvazia de sentido a
regra da contestação e do seu prazo.
Se uma solução formalista – ligada às garantias do processo –
parece mais adequada, faz alguma impressão postergar por essa
razão a verdade material. E, mais, como estamos num processo de
proximidade, em que as pessoas envolvidas estão ali, em frente ao
juiz, é muito complicado fazer-lhes compreender esta distinção
técnica entre impugnação e excepção.243 Explicar-lhes que pode
dizer umas coisas, mas não pode dizer outras.
A solução para esta situação tem de passar pela conciliação dos
dois valores. Parece-me que em situações que o justifiquem, se
deve permitir que o juiz admita os novos factos e, em simultâneo,
convide o demandante a apresentar prova em audiência posterior,
suspendendo-se aquela sessão. Com esta possibilidade se respeita
o princípio do contraditório e a verdade material, sacrificando-
se a economia processual e a regra da concentração da defesa,
prevista no artigo 489.º n.º CPC. Regra consequente do princípio
da preclusão, princípio que aliás não está previsto na Lei dos
Julgados de Paz.
Na audiência de julgamento, o juiz faz uma nova tentativa de
resolução do litígio por consenso, através da conciliação. Não
243 Distinção que, aliás, nem do ponto de vista técnico é fácil ou isenta de críticas – cfr. Mariana França Gouveia, A Prova, 2008, p. 334.
124
sendo tal possível, produz-se a prova e, por fim, é proferida a
sentença (artigo 60.º). A lei manda que a sentença seja oral –
proferida em audiência de julgamento. Pressupõe a lei, assim, que
a sentença seja imediata, o que na maioria das vezes não é
observado. Esta sentença imediata é, porém, importante na lógica
da participação cívica e da justiça de proximidade, valores
justificantes da criação dos Julgados de Paz.244
As sentenças que excedam metade da alçada da primeira instância
são recorríveis para estes tribunais – artigo 62.º LJP. O recurso
tem efeito meramente devolutivo e segue o regime geral, na medida
em que deixou, com a reforma operada pelo Decreto-Lei n.º
303/2007, de 24 de Agosto, de haver recurso de agravo.
244 Aplicam-se aqui as mesmas razões de regra idêntica prevista no Regime Processual Experimental - Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 144-146.
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ÍNDICE
AbreviaturasNota sobre jurisprudência
Resolução Alternativa de Litígios1. Uma disciplina marcante na formação de um jurista
1. Introdução1.1. Noção1.2. Antecedentes1.3. Em Portugal1.4. Critérios de selecção
2. Negociação2.1. Noção2.2. Modelos de negociação
3. Mediação3.1. Noção. Distinção de conciliação.3.2. Princípios3.3. Modelos3.4. Fases 3.5. Áreas 3.6. O Mediador
4. Julgados de Paz4.1. Noção4.2. Princípios4.3. Competência4.4. Tramitação processual
5. Arbitragem5.1. Noção e natureza jurídica5.2. Espécies5.3. Convenção arbitral 5.3.1. Noção e natureza jurídica 5.3.2. Modalidade e efeitos
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5.3.3. Validade da convenção5.4. Constituição do tribunal. O árbitro5.5. Processo arbitral5.6. Decisão arbitral5.7. Impugnação da decisão arbitral 5.7.1. Acção de anulação 5.7.2. Recurso 5.7.3. Oposição à execução
Bibliografia
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