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  • Rev.latinoam.cienc.soc.niez juv 10 (1): 289-300, 2012http://www.umanizales.edu.co/publicaciones/campos/cinde/index.html

    os sentidos da escoLa pbLica paRa Jovens pobRes da cidade do Recife

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    Referencia para citar este artculo: Dos Santos, R. M., Nascimento, M. A. & Menezes, J. de A. (2012). Os sentidos da escola pblica para jovens pobres da cidade do recife. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niez y Juventud. 10 (1), pp. 289-300.

    Os sentidos da escola pblica para jovens pobres da cidade do Recife*

    rubenize maria Dos sanTos**Grupo do Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Prticas Coletivas (GEPCOL/UFPE). Recife, Brasil.

    maria apareCiDa nasCimenTo***Grupo do Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Prticas Coletivas (GEPCOL/UFPE). Recife, Brasil.

    Jaileila De araJo menezes****Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

    Artculo recibido en noviembre 28 de 2011; artculo aceptado en marzo 7 de 2012 (Eds.)

    Resumo: O presente artigo reflete sobre os sentidos da escola para jovens pobres no contexto da educao pblica no nordeste do Brasil. A literatura sobre juventude comumente relata um encontro tenso entre os jovens e a escola. Em uma perspectiva qualitativa, observamos uma sala de aula do Ensino Mdio e convidamos os/as estudantes para produo de narrativas sobre a escola real, ideal e possvel. A anlise desdobra-se a partir de cinco eixos: Organizao e disciplina; Infraestrutura; Qualidade de ensino e profissionalismo dos professores; Interaes sociais; e Escola e projeto de vida. Apesar das dificuldades que vivenciam os jovens consideram o processo de escolarizao importante para a realizao de seus projetos de vida e valorizam a escola pela sociabilidade que l experimentam.

    Palavras-chave: jovens pobres, escola pblica, projetos de vida.

    El sentido de la escuela pblica para nios pobres de Recife

    Resumen: En este artculo se reflexiona sobre el significado de la escuela para nios pobres en el contexto de la educacin pblica en el noreste de Brasil. La literatura sobre la juventud comnmente reporta una tensa relacin entre los jvenes y la escuela. Desde un punto de vista cualitativo, se observ un grupo de un aula de escuela secundaria y se invito a los estudiantes para la produccin de narrativas sobre la escuela ideal. El anlisis se desarrolla a partir de cinco reas: organizacin y disciplina, infraestructura, calidad de la educacin y la profesionalidad de los docentes, las interacciones sociales, y la escuela y el proyecto de vida. A pesar de las dificultades que los jvenes encuentran el proceso de la experiencia educativa es importante para la realizacin de sus proyectos de vida y por la sociabilidad que experimentan all.

    * Artigo de reflexo produto de pesquisa de Concluso de Curso de Graduao em Pedagogia das duas primeiras autoras sob orientao da terceira autora. Pesquisa realizada no perodo de agosto de 2010 a junho de 2011.

    ** Graduada em Pedagogia - Centro de Educao - UFPE. [email protected]

    *** Graduada em Pedagogia- Centro de Educao - UFPE. [email protected]

    **** Mestre e Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora do Programa de Ps-graduao em Psicologia do CFCH e do Departamento de Psicologia e Orientaes Educacionais do Centro de Educao da UFPE. [email protected]

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    Palabras clave: jvenes pobres, escuela pblica, proyectos de vida.

    The meaning of public school for poor children from Recife

    Abstract: This article reflects on the meaning of school for poor children in the context of public education in northeastern Brazil. The literature on youth commonly reports a tense relationship between the young and the school. From within a qualitative perspective, we observed a high school classroom and invited students to produce narratives about an actual school, as real as possible. The analysis unfolds in five areas: organization and discipline, infrastructure, quality of education and professionalism of teachers, social interactions, and school and life project. Despite the difficulties experienced by young people, they find the educational process important for the realization of their life projects and value the school by its sociability experience.

    Key words: young poor, public school, life projects.

    -Introduo. -1. Referencial teorico. -2. Metodologia. -3. Resultados. -4. Consideraes finais. Lista de Referncias.

    Introduo

    O interesse pelo tema juventude pobre e escola pblica surgiu de uma experincia das duas primeiras autoras do artigo com a educao de jovens na rede de ensino da Prefeitura do Recife, no Projeto Alfa Letramento. O propsito do projeto era sanar o alto ndice de defasagem em que se encontravam os alunos do 3. e 4. ciclos, e voltava-se para pr-adolescentes e adolescentes com dificuldade na aquisio da leitura e escrita. Na ocasio chamou-nos a ateno o quo discrepante a relao entre o jovem e a escola, e a falta de comunicao entre ambos.

    Mediante isso, mobilizou-nos a necessidade de conhecer as demandas da juventude contempornea, particularmente, da juventude das camadas populares, imersas em redes especficas de simbolizaes, bem como o desejo de verificar o que a Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB) assegura acerca da juventude circunscrita na condio de pobreza e o que ocorre na prtica, na realidade dos jovens alunos. Consideramos importante conhecer como esses jovens encaram a escola; os sentidos que lhe atribuem; e os instrumentos, mecanismos, de que a escola dispe para atender s demandas juvenis.

    O presente artigo objetiva refletir sobre os sentidos da escola para jovens das camadas populares, a partir da investigao dos aspectos positivos e negativos de suas vivncias em

    contexto escolar; conhecer e analisar o lugar atribudo escola para a realizao de seus projetos de vida; identificar espaos e situaes que existem para a participao do/a jovem na vida escolar; e como eles/elas entendem que poderiam participar da escola, de modo a contribuir para sua transformao.

    1. Referencial teorico

    1.1. O processo de escolarizao dos jovens das camadas populares

    A escolarizao de grande parte dos jovens das camadas populares passa por entraves e dificuldades, conforme expem Corbucci, Cassiolato, Codes e Chaves (2009), de modo que esses jovens so marcados por baixos nveis de escolaridade, motivados por falta de condies de acesso e permanncia no ensino infantil e fundamental, o que resulta em sucessivas reprovaes e evaso escolar, temporria ou definitiva. O capital cultural, conceito abordado por Bourdieu (1998), representa um divisor de guas entre a juventude rica e abastada, que consegue retardar a entrada no mercado de trabalho muito frequentemente chega faculdade e a juventude pobre e excluda, que mal consegue concluir o ensino mdio, por conta de sua entrada cada vez mais precoce no mercado de trabalho.

    Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Anlise Sociais e Econmicas (Ibase, 2005)

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    intitulada Juventude Brasileira e Democracia mostra que, de fato, dos oito mil participantes, cujas maiores concentraes se do nas regies metropolitanas de Belm, Rio de Janeiro e Recife, o maior nmero de jovens das classes populares tm nvel educacional aqum do que se esperava, e ndice de defasagem na aquisio do ensino-aprendizagem altssimo. A maior parte dos entrevistados (42,5%) tm o ensino mdio incompleto, 33,2%, ensino mdio completo e 24,3% nem concluram o ensino fundamental.

    Segundo o relatrio de monitoramento global da Educao para Todos da Unesco (2005), a taxa de alfabetizao entre jovens de 15 a 24 anos varivel e representa, por mais nfima que seja, um progresso na educao para todos. Ainda assim, preciso avanar mais, pois se estima que existam no mundo 137 milhes de analfabetos, e 85 milhes (63% deles) so do sexo feminino. Alm das desigualdades de gnero, interessante destacar as disparidades existentes entre a zona urbana e rural, como tambm das diferentes regies do planeta.

    A escolarizao um espao de significados, com mltiplos sentidos, que evidencia as desigualdades e oportunidades limitadas, que marcam profundamente os grupos de jovens brasileiros, e, ao mesmo tempo, constitui espao de reflexo e lutas por direitos. A famlia, de modo geral, ocupa importante papel na vida do jovem e na maneira como ele passa a ver a escola e seu processo de escolarizao.

    Segundo Leo (2006), nas famlias pobres os pais almejam que seus filhos cumpram todas as etapas da escolarizao oficial, pois querem para eles um futuro melhor, diferente do que tiveram, embora esse desejo concorra com condies concretas e imediatas que exigem a entrada de crianas e adolescentes na economia domstica. Muitos pais e mes valorizam a escola em razo da ampliao do repertrio de sociabilidade que esse contexto oferece (Dayrell, 1996; Marques, 1997), pois por vezes figura inclusive como uma das poucas opes em meio a territrios/bairros/comunidades marcadas pela precariedade de equipamentos de cultura e lazer.

    A escola tem assim diversos sentidos para os jovens pobres: lugar de lazer, ambiente onde vrias atividades podem ser feitas, lugar da obrigao e lugar da salvao ou meio de ascenso social, esperana de futuro melhor. Existem aqueles, porm, para quem a escola impessoal, desvinculada de sua realidade a escola concebida como puro acontecimento em estado bruto, impessoal e neutro, sem afetao (Pelbart, 2003).

    No entanto, a escola, como construo histrico-cultural e poltico-econmica, est longe de ser uma esfera neutra no processo formativo da juventude. O sistema de seletividade em seu interior perverso, como bem explana Bourdieu (1998), e poucos so os que conseguem sobreviver a ele. Desse modo, preciso repensar as bases polticas da escola pblica brasileira, no sentido de dialogar com a juventude que consegue chegar embora nem sempre se mantenha em seus bancos escolares. Afinal, o que querem os jovens da escola e o que esta pode lhes ofertar?

    1.2. Culturas juvenis: possibilidades de encontro entre o jovem e a escola

    Entender as culturas juvenis e o que elas representam imprescindvel para ultrapassar as barreiras do discurso retrico e verticalizado do que vem a ser a juventude. Os professores possuem uma ideia ou concepo de juventude que norteia sua prtica pedaggica, e, segundo Silva (2005), ainda predomina uma viso negativizada sobre a juventude pobre. Ocorre que, ao chegar escola, o jovem pobre se depara com um cenrio de outras tantas dificuldades que desafiam seu desenvolvimento cognitivo, humanstico e cultural. Problemas de ordem estrutural das escolas, formao deficitria dos professores, currculo desatualizado e descontextualizado vo compondo um cenrio de distanciamento entre juventude e escola.

    Um estudo de Gilroy (2001), na contramo da descontextualizao, demonstra, a partir do hip hop (movimento esttico caracterizado pela combinao verbal e musical e pelo break dana de rua, e o grafite pinturas de muros), possibilidades de considerar a cultura juvenil e dialogar com ela. Essa manifestao, a exemplo de tantas outras, aparece na vida

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    de alguns desses jovens estudantes como motor de mobilizao social e notoriedade, principalmente para os jovens pobres e negros das camadas populares, e representa esperana, emancipao e ganhos econmicos (Zeni, 2004). Esse movimento cultural, dentre outros, destaca-se pela facilidade com que envolve os jovens e pelo uso da linguagem aproximada da realidade de que fazem parte.

    Segundo Maia (2008), que trabalhou com um grupo de capoeira, a relao arte-cincia fundamental para uma significao positiva da escola e do processo de escolarizao, pela via da valorizao do universo cultural dos/das estudantes. Nessas situaes de aprendizagem, os jovens sentem-se laborativos. A cultura cientfica importante, mas no suficiente, necessrio relacion-la com o conhecimento de cunho popular, com os saberes que os jovens trazem para as salas. Os alunos participantes da pesquisa disseram no encontrar no bairro onde residem muitos espaos pblicos para o lazer e tambm quase nenhuma opo educativa de arte ou esporte, ento, tinham na escola a expectativa de um espao para estas prticas.

    Os professores atentos a isso, de maneira sistmica e holstica, podem trabalhar interdisciplinarmente em suas matrias de ensino, valendo-se da cultura do jovem estudante. Os alunos, por meio de suas diversas formas de compreenso de mundo e expresses culturais (reggae, rock, hip hop, funk, pop, capoeira, maracatu), esto falando em poltica, crtica social, histria, geografia, lngua portuguesa, sexualidade, violncia, negritude, preconceito e discriminao, custo de vida, gravidez na adolescncia. Mesmo conhecimentos matemticos podem ser construdos a partir da realidade deles, de suas lnguas e rede de simbolizaes.

    Weller (2000), que estudou o hip hop e sua repercusso na vida da juventude paulistana, constatou que a influncia do gnero musical foi decisiva na formao da conscincia social e poltica dos jovens, bem como no desenvolvimento da prpria histria e cultura afro-descendente.

    Considerando a realidade de jovens pobres de uma escola pblica da cidade do Recife, quais os aspectos que se colocam como mais

    desafiadores s significaes positivas para a escola e o seu processo de escolarizao?

    2. Metodologia

    A pesquisa em tela foi realizada em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental e Mdio, localizada em Recife, em um bairro da regio oeste da cidade, que atende a 11 turmas, nos turnos da manh, tarde e noite. O trabalho foi desenvolvido em uma turma de 3. ano do Ensino Mdio, composta por 27 estudantes, na faixa etria entre 17 e 20 anos, de ambos os sexos. O corpo docente que trabalhava com essa turma era composto por: um professor de Lngua Portuguesa, um docente para as disciplinas de Histria e Geografia, outro de Matemtica, um de Ingls e um docente para ministrar Biologia e Qumica. Mesmo constando na grade de horrio as disciplinas de Fsica, Sociologia e Filosofia, durante nossas visitas escola, no nos deparamos com esses professores.

    Embora no tenhamos perguntado explicitamente sobre a renda familiar, a percepo e escuta de conversas informais ao longo das observaes permitem afirmar o pertencimento dos jovens s camadas populares. Os estudantes fazem zoao de sua condio social, por exemplo, quando afirmam ter de vender muito doce e picols na praia para ir a shows de bandas de rock. A inferncia da condio socioeconmica dos jovens tambm tem por base comentrios dos professores, que registramos em dirio de observao, sobre a comunidade na qual os jovens esto inseridos. A comunidade do entorno da escola considerada de risco social ou, conforme dito por um professor, comunidade necessitada. A insuficincia de polticas pblicas efetivas comprometidas com a revitalizao das reas pobres da cidade colabora para a situao de vulnerabilidade da juventude desses territrios.

    Nossa aproximao do universo escolar e da turma especifica ocorreu por meio do procedimento de observao devidamente registrado em dirio de campo das aulas de Lngua Portuguesa, Histria, Geografia, Matemtica, Ingls, Biologia e Qumica. De acordo com Morin (1997), esse procedimento possibilita ao pesquisador dar significado

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    ao contexto integral em que acontecem as tramas e relaes sociais. Nos quatro ltimos dias de nossa presena na escola, solicitamos aos estudantes a escrita das cartas, que foi o procedimento escolhido para registro das vozes juvenis sobre suas experincias no contexto escolar.

    Foi proposta a produo de trs cartas pelos jovens estudantes acerca de suas prprias impresses e sentidos, a respeito da escola real, da escola que gostariam de ter (ideal) e da escola possvel. A preferncia por esse instrumento metodolgico teve por base a experincia de Esteves (2005), registrada no Livro Estar no Papel, sobre a maneira como os jovens retratavam e valoravam o ambiente escolar em que estavam inseridos.

    As situaes de escrita das cartas a ser elaboradas compreenderam o uso de estmulos artsticos. Para a carta 1, sobre a escola real, aquela que os alunos tinham como realidade imediata, utilizamos o filme Escritores da Liberdade, que conta a histria de jovens em condio de risco psicossocial, que viviam no limite da vida, com seus problemas de ordem social e econmica, seus conflitos tnicos e raciais, mas que superaram suas dificuldades, quando receberam ateno diferenciada de uma docente que atentou para suas necessidades, deu-lhes voz e ateno, alm de trabalhar sua disciplina de maneira mais significativa, inovando em sua abordagem didtica, dialogando com a realidade dos jovens. Para esse momento, utilizamos a sala de vdeo da escola, onde a princpio tivemos um pouco de dificuldade, devido s condies precrias do espao, pois nem pilhas havia no controle remoto, e tivemos de providenci-las. A sala estava suja e mal arejada, situao que levou os alunos a reclamar bastante. Todos assistiram ao filme at o fim, e essa atividade foi acompanhada pela docente de Lngua Portuguesa, que nos cedeu o tempo de sua aula.

    Na ocasio de produo da carta 2, no nono dia de visita, sobre a escola ideal procedemos leitura do poema de Clarice Lispector1 sobre sonho. Os jovens demonstraram grande

    1 Escritora e jornalista, nascida na Ucrnia (em 1920) e naturalizada brasileira. Faleceu em 1977 deixando uma vasta e reconhecida obra, tanto nacional quanto internacionalmente.

    interesse e gosto pelo poema, pediram para que o lssemos duas vezes, e no final ficaram com cpia dele para si.

    Para a escrita da carta 3 sobre a escola possvel, j no dcimo primeiro dia de observao, levamos a cano S depende de mim, um rap de um grupo de jovens da cidade do Recife. Os estudantes ficaram surpresos por levarmos um estilo musical que comumente no utilizado para atividades de sala de aula. Eles participaram cantando a msica, acompanhando a letra com a cpia dela na mo e seguindo a cadncia da batida. Mais uma vez, recorremos a um recurso da escola, o som, para a leitura do CD. Nessa carta, a mobilizao para sua escrita, apesar da empolgao com a msica, foi menor, muitos desistiram da produo. Acreditamos que o fato em si esteja associado natureza da questo suscitada na carta, escrita sobre a escola possvel, a relatar como sua contribuio pode ser dada no sentido da transformao da realidade de que tanto reclamam. Pensamos que o sentimento de impotncia e de incapacidade por parte de alguns jovens possa explicar essa desistncia, por acreditar que como alunos e jovens no podem fazer nada para mudar a sua realidade.

    Os alunos e alunas foram orientados a escrever as cartas e entreg-las a ns pesquisadoras, de modo que ficamos com esse registro para anlise. Vale ressaltar que a identificao do/a autor/a era voluntria, e os orientamos para que direcionassem o texto a um/a amigo/a imaginrio/a. Tivemos a seguinte produo por carta: 25 da escola real (carta1), 25 da escola ideal (carta 2) e 17 produes sobre a escola possvel (carta 3)

    Procedemos anlise de contedo, na qual o foco a mensagem, e devem ser considerados os aspectos contextuais de seus produtores, assim, o pesquisador deve estar atento no apenas etimologia e semntica da lngua, mas interpretao, hermenutica do texto, ou seja, so importantes os significados e sentidos que os atores da pesquisa atribuem escrita.

    3. Resultados

    Considerando-se os objetivos da pesquisa e os aspectos orientadores da anlise de contedo,

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    estabelecemos cinco eixos para a abordagem dos principais aspectos presentes nas narrativas dos/as jovens. So eles: organizao e disciplina, infraestrutura, qualidade de ensino e profissionalismo dos professores, interaes sociais, escola e projeto de vida. Refletiremos sobre cada um desses eixos, conforme aparecem em cada uma das trs modalidades de carta.

    3.1. Eixo 1 Organizao e disciplina

    Est presente nas cartas sobre a escola real o anseio dos jovens de ter uma escola organizada e mais bem preparada em termos de disciplina, em que o respeito mtuo seja constante entre professores, alunos e direo, como exemplificam os extratos: A escola (...) se tornou uma escola sem equilbrio, no h organizao...; Tentamos estudar, mas no conseguimos, pois h uma diretora muito desorganizada; [H] falta de organizao nos horrios....

    Os alunos denunciam uma escola permissiva, em que rola de tudo, inclusive drogas, e onde as turbulncias esto presentes cotidianamente:

    Mas realmente a escola se chama cabar, porque rola de tudo; s vezes escondido da diretora, drogas, confuso diria (...); Os alunos dominam a escola o que no deve acontecer alunos fazendo outros brigarem, pratos, copos, talheres voam pelas nossas cabeas.

    Os alunos solicitam limites que deveriam ser impostos a eles mesmos. Suas falas sugerem uma situao de abandono do espao escolar, onde se encontram entregues prpria sorte. Uma possvel explicao para a falta de gerncia efetiva nas instituies pblicas de ensino pode ser encontrada na reflexo de Aquino (1996) sobre o despreparo para lidar com essa clientela. A escola idealiza um tipo de sujeito e ocupada por outro, com carncias muito concretas. A indisciplina encenada pelos alunos vem justamente denunciar a indisciplina da escola, sua omisso, sua indiferena para com o futuro dessa juventude pobre: Eu queria que a escola fosse melhor em termos de disciplina. Que na escola entrassem os alunos mais selecionados, com bom desempenho, porque assim no teramos mais barulho.

    Os alunos atribuem a disciplina ao interesse pelos estudos, expresso no desempenho cognitivo dos colegas. O que eles deixam de considerar justamente o fato de que a falta de disciplina pode estar ocorrendo justamente porque eles no conseguem aprender, e aqui haveriam de ser considerados aspectos como a proposta pedaggica e as reais condies de ensino nesse contexto. Como aponta Silva (2005), os professores que trabalham com a juventude pobre costumam ter uma concepo negativa dela, associada marginalidade, o que desmotiva os jovens na prtica pedaggica.

    Enquanto essa concepo acerca da juventude pobre estiver contaminando as formas de pensar a educao mesmo que o discurso diga outra coisa, em pautas de polticas pblicas, projetos diversos e na construo do currculo, na formulao do Projeto Poltico Pedaggico a educao no melhorar, porque continuamente as vozes juvenis sero silenciadas, e tudo o que for adotado e produzido ser numa viso profiltica e sanitarista, higienizante, e no pelos jovens ou com a participao deles, num processo dinmico, dialogal e interativo de produo.

    Os alunos participantes tambm cobraram, nas cartas da escola ideal, rigidez por parte das autoridades, para enquadrar os alunos indisciplinados no regimento da escola, criticaram o hbito dos colegas de ficar nos corredores na maior parte do tempo e as brigas constantes, a mistura com os alunos da Fundao da Criana e do Adolescente (Fundac)2 como claro sinal de descontrole, portanto, forte evidncia de desordem, falta de organizao e disciplina. Os alunos exigem regularidade, rigor e maior severidade na implantao das normas da escola, mesmo sob pena da austeridade, qual ficariam assim submetidos, mas que se torna prefervel

    2 A Fundao da Criana e do Adolescente (Fundac), integrante da Administrao Indireta do Poder Executivo Estadual, vinculada Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, tem por finalidade promover, no mbito estadual, a poltica de atendimento criana e ao adolescente abandonados na forma da lei, bem como aos envolvidos e aos autores de ato infracional, visando a sua proteo integral e garantia de seus direitos fundamentais, mediante aes articuladas com outras instituies pblicas e a sociedade civil organizada, nos termos de o que dispe o Estatuto da Criana e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Pernambuco, 2007).

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    liberdade absoluta, licenciosidade, que denota falta de compromisso com a proposta educativa, com o fazer pedaggico. interessante observar a ausncia de reflexo por parte dos alunos no que tange participao que eles poderiam ter na elaborao das regras da escola. Em nenhum momento eles se colocam como capazes de empreender uma ao transformadora dessa realidade.

    O incmodo causado pelos assim denominados alunos da Fundac tambm evidencia o quanto os jovens esto despreparados para lidar com o campo dos direitos, assim, acabam segregando ainda mais quem j est em situao de discriminao social. A prpria denominao de alunos da Fundac demonstra o quanto a escola mantm um apartheid, aumentando o estigma dos jovens que se envolveram em situao de infrao. Nesses termos, uma poltica de incluso, nos moldes de sua operacionalizao, no consegue ser efetiva. Os jovens no esto preparados para essa convivncia, e durante a realizao do trabalho no observamos iniciativa da escola para promover a incluso, de fato, dos alunos da Fundac entre os demais.

    Na narrativa da carta sobre a escola possvel, os jovens evidenciam alguns acontecimentos em que a preocupao com a organizao e disciplina levantada como importante para o bom funcionamento das atividades escolares, melhor desempenho das obrigaes e responsabilidades dirias dos atores presentes na escola, de maneira que seja efetiva a promoo da educao, sem os impedimentos que a m organizao e indisciplina possam provocar. Ainda, na linha de argumentao de que o foco da interveno deve incidir sobre os prprios alunos, eles sugerem aumento da vigilncia: Pois sabemos que muitos alunos s vm para bagunar e no respeitam os professores na sala de aula (...) A diretora poderia colocar um inspetor para sempre estar de olho nos alunos (...).

    Chamamos ateno para o fato de que o contedo da carta da escola possvel tem como referncia a implicao dos jovens na resoluo dos problemas escolares. Nesse momento, mostrou-se significativa a convocao da figura do inspetor e a no-referncia a algo que os

    prprios jovens pudessem fazer, para ajudar a resolver a situao. O chamamento a uma figura de autoridade externa remete a um estado de heteronomia preocupante, como se os jovens estivessem impossibilitados de agir em favor prprio, de convocar as prprias foras. Parece que o estado de caos e desagregao to severo e que os alunos esto to acostumados situao de subjugados que, mesmo quando podem, no conseguem se envolver na resoluo dos problemas que vivenciam.

    3.2. Eixo 2 Infraestrutura escolar

    Em relao infraestrutura da escola foco de pesquisa, as queixas reveladas nas cartas da escola real se concentram na inadequao dos equipamentos e recursos oferecidos e na falta de instrumentos que por certo elevariam as condies de ensino e aprendizagem. notrio o descaso no tocante aos aspectos estruturais das salas, pois h m ventilao, poucas entradas de ar, as salas so compactas, h cadeiras quebradas e j desgastadas, o prdio est em ms condies de uso.

    Os jovens estudantes reclamam, de modo geral, das condies fsicas da escola, evocam, por meio de seus relatos, a questo da merenda de qualidade, que no h, alm da quantidade insuficiente de cadeiras, pois alguns alunos se chegam tarde, ficam em p. Os banheiros so sujos e ftidos; os alunos no tm acesso sala de informtica; a gua no boa; o acesso biblioteca ruim e dificultoso e o espao dela no lhes oferece conforto; as lousas das salas de aula so pequenas, o que obriga os professores a escrever rpido. Os alunos exigem mais espao de lazer e esportes, com uma quadra maior, conforme escrevem:

    No podemos pegar livros na biblioteca, pois vive fechada; O banheiro no tem papel higinico e est faltando torneiras no banheiro para lavar as mos e fede, amigo, e no tem descarga; No temos direito a merenda e bebemos gua da Compesa; No temos direito a internet.

    De acordo com a teoria Broken Windows (teoria das janelas quebradas), elaborada por James Q. Wilson e George Kelling e citada em Andrade (2011), diante de ambientes

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    depredados, que no oferecem as devidas condies de uso, h maior tendncia para os que ali circulam de continuar o ciclo de depredao. Isso demonstra certa reprovao e revolta em relao aos recursos desvalidos que so oferecidos, associam o valor que lhes atribudo pelo tipo de recurso, atendimento e ateno que lhes dispensam os responsveis pela administrao e alocao dos investimentos e verbas dirigidos educao.

    A escola dos sonhos seria perfeita, (...) com boa estrutura... limpa e sem pichaes. Os jovens enfatizam por vezes a necessidade de um espao fsico melhor e maior, com banheiros limpos e com armrios. Os estudantes tambm sonham com uma quadra maior, uma biblioteca em boas condies de uso e acessvel, sala de computao que possam usufruir sem ter de concorrer com professores e funcionrios. Quando os jovens reivindicam com tanto fervor a sala de informtica, em tlima instncia, esto reivindicando o direito de participar da sociedade contempornea e, uma vez que estamos falando de uma juventude pobre, o lugar hipoteticamente de mais fcil acesso a esse meio justamente a escola.

    Ainda sobre a escola dos sonhos, chama ateno o desejo de uma escola de tempo integral, onde houvesse todas estas coisas:

    Queria que ela fosse assim, maior com 1., 2., 3., andar e fosse integral, com banheiros maiores como daqueles filmes que tm vestirio... Que tivesse trs quadras enormes, uma de futebol, vlei e basquete, natao, biblioteca, sala para computao e um espao para dormir na escola... Porque assim no ia nem pra casa.

    Os alunos querem estar na escola, valorizam-na, isso se manifesta de forma patente em suas narrativas, quando dizem que querem uma escola bem preparada para acolh-los, o que contraria a opinio corrente de repulsa escola. Conforme afirma Leo (2006), a escola para o jovem e seus familiares um importante pilar, seja porque tem um valor em si, seja por conta das sociabilidades ou por capacit-los, em seu entender, para ascenso ao mercado de trabalho.

    Em relao aos aspectos fsico-estruturais, nas cartas da escola possvel predomina a culpabilizao das autoridades competentes, por ser omissas quanto s demandas juvenis. Atentemos para uma fala que demonstra essa inquietao ou insatisfao por parte do jovem estudante em relao a sua escola:

    Uma escola tem que ter uma merenda melhor, ter gua para a gente beber, precisa ter uma cadeira nova para a gente se sentar, ventilador novo, o que tem j t quebrado, um banheiro limpo porque o banheiro (...) muito sujo, ter uma sala de filme maior pra caber mais gente, ter porta na sala porque s tem grade, parece que a gente t no presdio e ter uma diretora que prometa e cumpra a palavra.

    Um ambiente desestruturado pouco estimulante e atrativo. Ento, prdio em decadncia, cadeiras quebradas, espaos com grades por todos os lados e muros muito altos denotam que esse espao mais parece que remonta privao e tortura do que a um lugar que prima pela educao, o prazer e o lazer, a satisfao de ser feliz no ambiente em que se estuda: O que ns alunos podemos fazer zelar pelas nossas cadeiras, quadros, livros, paredes, pelo que nela est, vim sempre com fardamentos (...).

    A fala acima sugere o que est ao alcance dos alunos como implicao com o ambiente escolar. Os alunos querem educao de qualidade, e o que eles mais pontuam de forma predominantemente negativa so as ms condies fsico-estruturais da escola. A desvalia no em relao escola em si, mas por conta das condies deficitrias e pouco adequadas para se desenvolver a educao e do meio pouco estimulante e atrativo.

    3.3. Eixo 3 Qualidade do ensino e profissionalismo dos professores

    Os alunos, nas cartas sobre a escola real, fazem aluses m qualidade do ensino, ao descompromisso dos professores e falta de aulas de algumas disciplinas em certos horrios, que faz com que eles voltem para casa mais cedo, ao invs de estarem na sala de aula. Aulas vagas

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    e ensino fraco no os motiva nem os engaja no processo de aprendizagem. Reivindicam ensino de qualidade para poderem competir em base real de igualdade com os alunos da rede particular, por estudos posteriores e ascenso financeira e profissional, Pois essa [escola] aqui no d nenhuma oportunidade para melhorar nossos conhecimentos... Eu quero ser conhecida profissionalmente e fazer faculdade pblica e melhorar de vida....

    Os jovens enfocam a questo da qualidade de ensino em relao ao contedo que no se baste somente aula, que englobe outros aportes e recursos didticos que despertem seu interesse e que haja relao com seu cotidiano. Os alunos sonham com uma escola de referncia, com o ensino bom, de qualidade, e que oferea, alm das disciplinas comumente dadas, outras que faam da escola um espao mais significativo e atraente. Nesses termos, os jovens apelam para uma escola de tempo integral, no sentido mais amplo do termo: Ela possui aulas que j existem, como Portugus e Matemtica e etc. Mas possui muitas outras coisas para aprender como aulas de dana, aula de canto, ensino religioso puxado....

    Na escola ideal, eles requerem ensino de qualidade, que prime pela excelncia, e cujos professores sejam dedicados e exemplveis: Com professores mais qualificados e preocupados com a situao do aluno.

    Ainda, mais uma vez, destacam a necessidade de um ensino mais afeito, com aplicao prtica, com usos no cotidiano: Ela uma escola em que todas as disciplinas tm laboratrios, pois no h coisa to chata quanto ficar somente na teoria. Iramos ter aulas prticas.

    Percebemos nas cartas da escola possvel que os jovens querem aulas de qualidade, que no fiquem s na teoria, mas que sejam associadas a suas vivncias e tenham ligao com a prtica. Durante as observaes, notamos que as aulas de Histria, Geografia, Biologia e Ingls eram convencionais, desmotivantes e no promoviam a criatividade nem o desenvolvimento da autonomia. Para quebrar com o ciclo vicioso de um ensino excessivamente conteudista preciso, explorar outras potencialidades em que podem se desenvolver as aptides e habilidades

    humanas, para alm do aspecto cognitivo e do puramente racionalista. possvel aproveitar esse potencial dos jovens, e fazer ligaes com suas culturas, como o Hip Hop, o Maracatu, o Brega, a capoeira, assim, abre-se a possibilidade de mobilizar o jovem e engaj-lo no processo educativo (Giroy, 2001).

    3.4. Eixo 4 Interaes sociais Um dos mais importantes aspectos

    levantados nas cartas da escola real em relao importncia atribuda s interaes sociais no mbito da instituio. Para os alunos, a escola um ambiente valorado, tendo em vista a ampliao de seu repertrio de sociabilidades, em que os vnculos socioafetivos com seus pares e demais membros da escola encontram espao para ser desenvolvidos. Apesar de todas as dificuldades acima descritas, os jovens consideram que existe clima favorvel, espao e atividades que estimulam as relaes interpessoais.

    (...) A escola sempre me deu apoio e meus professores tambm e vou sentir muita falta dos meus amigos, da diretora e de todos que eu conheci nesses 9 anos; A escola boa, eu fao amizade, os professores so timos, e a diretora tambm...; Eu no sa ainda porque gosto dos meus professores e tambm dos meus amigos (...) Sendo que esta escola e os alunos tm que ajudar para essa escola ser melhor um dia.

    Na escola ideal, os alunos ressaltam a importncia das interaes para a construo de um trabalho efetivo, para a realizao dos fazeres pedaggicos e da gesto escolar, sob uma tica democrtica, assim como uma boa relao com todos os segmentos envolvidos, de modo a formar uma rede de interaes sociais numa viso sistmica, em que haja a ligao da escola e de toda sua comunidade, interaes no sentido da melhoria, da mudana, da colaborao e do esprito de coletividade: A escola onde eu estudo diferente, um lugar que pode ser at chamado de casa, como uma famlia, todos ns somos unidos e amigos.

    A importncia das interaes sociais foi bem destacada nas cartas da escola possvel, na qual

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    as mudanas a ser operadas precisam envolver os amigos. Sabemos da importncia do grupo de amigos para os jovens, o esprito gregrio, o valor das turmas com suas particularidades, seus prprios cdigos e rituais. Eles interagem, criam redes, teias de socializao e buscam firmar identidade e demarcar territrio (Menezes, Arcoverde & Libardi, 2008). Dessa forma, inteligvel que desejem estabelecer relaes, principalmente com seus semelhantes, ou seja, para simples descontrao, conversas casuais, para reflexo ou para reivindicar direitos: Para melhorar minha escola, primeiramente, no iria conseguir um resultado to bom, teria de ter ajuda dos meus amigos, pois se ns batalharmos juntos conseguiremos.

    A ideia de interaes aqui trabalhada segundo a concepo vygotskiana, ou seja, aquela em que a produo do conhecimento depende do outro, do grupo, da coletividade, Martins (1997) ressalta que a escola disciplinada, onde todos devem ouvir uma s pessoa, o professor exigindo silncio absoluto e sem sentido, transmitindo informaes que so reservadas em caderno, mortifica um processo mais rico de produo de conhecimento, que seria um processo interativo.

    Sem dvida, isso fica aqum de o que de fato ocorre na escola. Os alunos so, na maioria das vezes, violados em sua autonomia e em seu direito de usar a fala para alcanar suas metas e planos. Mesmo assim, conseguem entre pares forjar momentos de sociabilidade e convivncia, como nos intervalos entre aulas e no recreio, da gostarem tanto do espao dos corredores, que acaba sendo o espao de liberdade.

    3.5. Eixo 5 Escola e projeto de Vida

    Em relao ao projeto de vida dos jovens estudantes, os anseios por uma escola apta e capaz aparecem preponderantemente na escrita da escola dos sonhos. Na escola real, no aparecem menes nessa vertente.

    Eu sonho com a vida estabilizada onde eu ganhe meu dinheiro com o suor do meu rosto e satisfao do meu trabalho... E para que tudo isso acontea tenho que comear agora! Aqui na minha escola... Isso acontecendo agora futuramente eu poderei realizar alguns

    dos meus sonhos, que ser enfermeira, ser professora de Biologia e escrever um livro; Cursos profissionalizantes para os alunos se formarem para o mercado de trabalho; (...) sabendo que a escola tem um papel fundamental na nossa formao acadmica e em nosso crescimento intelectual, sem contar que precisamos dela para ter um bom emprego.

    A maioria dos jovens tem um projeto de vida, que tambm destacado nas cartas da escola possvel, trata-se de um parmetro que norteia sua existncia e seu modo de ser, um referencial para o futuro, e inerentemente a isso a escola, apesar de todas as dificuldades que os jovens vivenciam nesse contexto, vista como um dos instrumentos que podem tornar realidade esse projeto. Conforme destaca Dayrell (1996), a escola essa esfera poltica, social e econmica validada pelo jovem como meio termo entre a vida adulta e a juventude vivenciada. No nterim, constroem seus projetos, dando flego e impulso a suas expectativas de uma vida melhor, em que seus planos e anseios possam ser assegurados.

    muito significativo o fato de o projeto de vida no aparecer nas cartas da escola real. Isso pode ser entendido como uma denncia de que a escola, como se apresenta atualmente, no consegue sustentar um sonho, um projeto para os jovens. Eles trazem entendimento de que, para as coisas mudarem, precisam eles mesmos fazer o melhor que podem, mas tambm preciso acionar outros atores sociais: Essa escola vai ser uma escola possvel, porque eu vou fazer o melhor, no s eu, mas o governo, diretores, professores e alunos.

    Sobre esse mesmo tema da mudana, surge uma fala contrria, em que se destaca a desmotivao ou sentimento de impotncia e incapacidade para contribuir, colaborar com a melhoria das condies: Para melhorar a escola, eu no posso fazer nada.

    O jovem sente-se inerte e desmobilizado. Nesse sentido, fala Freire (1987) sobre a fora da interiorizao da opinio dos opressores pelos oprimidos, ou seja, os jovens j esto de tal forma acostumados a ouvir que so incapazes e inoperantes, que terminam por incorporar isso como verdade e passam a acreditar que

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    so incapazes, que efetivamente no podem fazer nada para mudar sua realidade. No geral os alunos tm cincia de seus problemas e das necessidades suas e da escola, porm, no sabem como mudar tal realidade, e sentem que no dispem dos instrumentos para tal, sentem que esse feito, esse empreendimento, no s depende da fora de vontade e do desejo deles, pois mais do que isso necessrio que o poder constituinte e constitudo, relacionado escola e a educao, assuma a causa, disponha-se a ouvir seus clamores, suas vozes, que faa com que seus requerimentos sejam acolhidos, cumpra seu dever, e no se omita da responsabilidade para com o ato educativo em seu sentido mais amplo.

    4. Consideraes finais

    Os jovens, apesar de apontar as deficincias e fragilidades presentes na escola, no parecem desvaloriz-la, apenas querem um ambiente mais bem estruturado, em condies de uso, com mais espao, qualidade de ensino, com recursos pedaggicos, financeiros e tcnicos, para garantir o bom funcionamento da instituio. Ao destacar essas questes, no esto denegrindo a imagem da escola ou o ambiente em que passam boa parte de seu tempo, mas trazendo tona o que os inquieta e o que gostariam de que melhorasse, no sentido do atendimento de suas necessidades e seus interesses.

    Os jovens revelam vivncias ambivalentes na instituio escolar, pois, ao tempo em que valorizam as experincias prazerosas e o engajamento em atividades que lhes so significativas, tambm demarcam o desprazer e o descontentamento, por conta das dificuldades que l vivenciam. Efetivamente, desejam uma escola melhorada, com a qual possam se identificar e na qual sejam reconhecidos. Apesar de tudo, consideram a escola um suporte para enfrentar os embates e obstculos da vida e do mundo do trabalho, e nela depositam confiana, expectativas, sonhos e esperanas, com relao execuo de seus projetos de vida.

    Eles esto na escola todos os dias, s vezes otimistas, outras vezes nem tanto, mesmo numa situao pouco estimulante, em condies precrias, que denotam descaso para com as

    juventudes. Ainda assim, eles arranjam formas de ressignificar e valorizar esse territrio de aprendizagens. Os jovens marcam em seus relatos a ineficincia da instituio para promover aproximao entre a cultura jovem e a da escola, para construir mecanismos eficazes para essa interlocuo.

    O veculo institucional mobilizador das culturais juvenis na instituio escolar a rdio, porm, ela parcamente aproveitada. No notamos na escola manifestao cultural (movimentos culturais) de origem alguma, nem nas comunidades no entorno. A instituio oferta o programa Escola Aberta, mas ele no suficiente para estreitar e fortalecer os laos da escola com a comunidade, em geral, e com os jovens estudantes, em particular. Os alunos sequer citam o programa Escola Aberta em suas cartas, por que ser? A ausncia de iniciativas que colaborem para constituir uma cultura poltica nos moldes almejados por uma sociedade democrtica se destaca como lacuna significativa no processo de formao da nossa juventude, e repercute na execuo de seus projetos de vida.

    interessante criar e oportunizar maneiras para insero do jovem estudante na cultura escolar, como meio de transformao e mobilizao social. No resgate da autoestima e da prpria identidade, os movimentos culturais so mecanismos que buscam aperfeioar e aprofundar a paz, a tolerncia, a harmonia, o conhecimento e vnculo de famlia e de grupo. Tambm so timos meios de ampliar o crculo de amizades e de lidar com conflitos, por vezes, transformam o que seria motivo para confuso e violncia em elementos a ser trabalhados e canalizados para produo artstica. So maneiras tambm de ligar as vivncias da sala de aula, o saber fazer, o saber ser e o saber saber, a partir das produes e conhecimentos do jovem estudante, de relacionar o conhecimento de cunho prprio e o popular com o conhecimento cientfico da escola, a fim de estabelecer pontes, e assim contribuir para o enriquecimento do processo de ensino-aprendizagem. Nesses termos consideramos que a juventude pobre conseguiria vincular-se por mais tempo com a escola pblica elaborando roteiros alternativos profecia auto realizadora do fracasso e evaso escolar.

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