UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN …...Graduação em Direito - PPGD da...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - PPGD CURSO DE MESTRADO EM DIREITO HÉLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JÚNIOR DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE: PARÂMETROS E ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZAÇÃO NO BRASIL NATAL 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DIREITO - PPGD

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR

DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E

ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL

NATAL

2013

HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR

DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E

ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Direito - PPGD da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte como requisito

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Direito

(Aacuterea de Concentraccedilatildeo Constituiccedilatildeo e Garantia

de Direitos)

Orientadora Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios

Fontes Silva

NATAL

2013

HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR

DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E

ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL

Dissertaccedilatildeo aprovada em 17122013 pela banca examinadora formada por

Presidente ________________________________________________

Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva

(Orientadora ndash UFRN)

Membro ________________________________________________

Prof Doutor Artur Cortez Bonifaacutecio

Membro ________________________________________________

Prof Doutor Paulo Roberto Lyrio Pimenta

Dedico este trabalho a minha amada matildee e meu

eterno pai

ldquoEm geral nove deacutecimos da nossa felicidade

baseiam-se exclusivamente na sauacutede Com ela

tudo se transforma em fonte de prazerrdquo

Arthur Schopenhauer

AGRADECIMENTOS

A Deus por toda proteccedilatildeo e por presentear a mim e a minha famiacutelia com uma vida

saudaacutevel

Ao meu eterno pai e meu maior orgulho por todo amor educaccedilatildeo e valores

transmitidos

A minha matildee Mariacutegia minha irmatilde Beth e especialmente minha noiva Steacutephanie as

mulheres da minha vida e pilares que formam meu porto seguro por toda paciecircncia

compreensatildeo carinho ajuda incentivo e muito amor

A todos os colegas da minha turma no Mestrado em particular ao amigo Rochester

Arauacutejo Garanto-lhe que suas sugestotildees e criacuteticas durante nossos ldquoaccedilaiacutes juriacutedicosrdquo e conversas

na biblioteca foram essenciais para a finalizaccedilatildeo deste trabalho

Aos meus amigos do peito que durante todo este periacuteodo compreenderam as minhas

ausecircncias nas diversas reuniotildees que natildeo pude comparecer e me transmitiram palavras de

incentivo essenciais para que eu seguisse firme nessa jornada

A Professora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva minha orientadora pelo apoio

singular prestatividade incentivo e liberdade intelectual proporcionados durante toda a

pesquisa

A todos os professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito que direta ou

indiretamente contribuiacuteram para a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo Sem duacutevidas a dedicaccedilatildeo de

cada um de vocecircs eacute o que torna o Mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte um dos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de destaque no Nordeste

Aos colegas de trabalho do Nuacutecleo Estadual do Ministeacuterio da Sauacutede no Rio Grande do

Norte sobretudo pelo auxiacutelio na obtenccedilatildeo de dados relacionados agrave conjectura da sauacutede

puacuteblica no paiacutes que muito contribuiu para a presente pesquisa

RESUMO

Se por um lado apenas com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede veio a receber

tratamento de autecircntico direito fundamental social por outro eacute certo que desde entatildeo o niacutevel

de concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a tal direito retrata um descompasso entre a vontade

constitucional e a vontade dos governantes Isso porque em que pese a inerente gradualidade

do processo de efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais a realidade brasileira marcada

por um quadro de verdadeiro caos na sauacutede puacuteblica noticiado rotineiramente nos telejornais

desnatura o status prioritaacuterio desenhando constitucionalmente para o direito agrave sauacutede

demonstrando desta maneira que haacute um claro deacuteficit neste processo o qual precisa ser

corrigido Essa preocupaccedilatildeo quanto agrave problemaacutetica da efetivaccedilatildeo dos direitos sociais por sua

vez eacute reforccedilada quando se fala em direito agrave sauacutede pois tal direito frente sua iacutentima ligaccedilatildeo

com o direito agrave vida e agrave dignidade da pessoa humana acaba assumindo uma posiccedilatildeo de

primazia dentre os direitos sociais apresentando-se como um direito impreteriacutevel visto que

sua perfeita fruiccedilatildeo torna-se condiccedilatildeo preciacutepua para o potencial gozo dos demais direitos

sociais Partindo dessas premissas o presente trabalho tem o intuito de fornecer uma proposta

para a correccedilatildeo desta problemaacutetica sobretudo a partir da defesa de um papel ativo do

Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos e

soacutelidos que venham a corrigir com seguranccedila juriacutedica o deacuteficit apontado e a evitar os efeitos

colaterais e distorccedilotildees que satildeo hodiernamente vislumbrados quando o Judiciaacuterio se propotildee a

intervir no tema Para tanto desponta como aspecto principal desta medida a proposiccedilatildeo de

um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave sauacutede que levando em consideraccedilatildeo tanto

os pontos constitucionalmente prioritaacuterios referentes a este relevante direito quanto agrave proacutepria

loacutegica da estruturaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS inserta no seio das poliacuteticas puacuteblicas

em sauacutede desenvolvidas no paiacutes venha a contribuir para uma judicializaccedilatildeo do tema mais

consentacircnea com os ideais traccedilados na Constituiccedilatildeo de 1988 No igual intuito de se buscar

uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede harmocircnica com a prioridade constitucional iacutensita a este

relevante bem a pesquisa alerta tambeacutem para a necessidade de se empreender uma

reestruturaccedilatildeo na forma de organizaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede de modo a se fazer valer a

diretriz constitucional do SUS da participaccedilatildeo da comunidade bem como para a importacircncia

da instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no paiacutes que tendo a Constituiccedilatildeo como

buacutessola passe a retratar fielmente a especial priorizaccedilatildeo constitucional direcionada aos

direitos sociais especialmente o direito agrave sauacutede

Palavras-chave Direito agrave sauacutede Concretizaccedilatildeo Poder Judiciaacuterio

ABSTRACT

If on one hand only with the 1988 Federal Constitution the right to health began to receive

the treatment of authentic fundamental social right on the other it is certain since then the

level of concretization reached as to such right depicts a mismatch between the constitutional

will and the will of the rulers That is because despite the inherent gradualness of the process

of concretization of the fundamental social rights the Brazilian reality marked by a picture of

true chaos on public health routinely reported on the evening news denatures the priority

status constitutionally drew for the right to health demonstrating thus that there is a clear

deficit in this process which must be corrected This concern regarding the problem of the

concretization of the social rights in turn is underlined when one speaks of the right to

health since such right due to its intimate connection with the right to life and human

dignity ends up assuming a position of primacy among the social rights presenting itself as

an imperative right since its perfect fruition becomes an essential condition for the potential

enjoyment of the remaining social rights From such premises this paper aims to provide a

proposal for the correction of this problem based upon the defense of an active role of the

Judiciary in the concretization of the right to health as long as grounded to objective and solid

parameters that come to correct with legal certainty the named deficit and to avoid the side

effects and distortions that are currently beheld when the Judiciary intends to intervene in the

matter For that effect emerges as flagship of this measure a proposition of an existential

minimum specific to the right to health that taking into account both the constitutionally

priority points relating to this relevant right as well as the very logic of the structuring of the

Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS inserted within the core of the public health policies developed

in the country comes to contribute to a judicialization of the subject more in alignment with

the ideals outlined in the 1988 Constitution Furthermore in the same intent to seek a

concretization of the right to health in harmony with the constitutional priority inherent to this

material right the research alerts to the need to undertake a restructuring in the form of

organization of the Boards of Health in order to enforce the constitutional guideline of SUS

community participation as well as the importance of establishing a new culture budget in the

country with the Constitution as a compass pass accurately portray a special prioritization

directed constitutional social rights especially the right to health

Keywords Right to health Concretization Judiciary Branch

LISTA DE SIGLAS

ACP ndash Accedilatildeo Civil Puacuteblica

ADCT ndash Atos das disposiccedilotildees constitucionais transitoacuterias

ANVISA ndash Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria

CAPS ndash Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo

CF ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988

CIT ndash Comissatildeo Intergestores Tripartite

CLT ndash Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas

CNJ ndash Conselho Nacional de Justiccedila

CPMF ndash Contribuiccedilatildeo Provisoacuteria sobre a Movimentaccedilatildeo Financeira

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos

EC ndash Emenda Constitucional

EUA ndash Estados Unidos da Ameacuterica

FNS ndash Fundo Nacional de Sauacutede

FTN ndash Formulaacuterio Terapecircutico Nacional

IAP ndash Institutos de Aposentadoria e Pensatildeo

INESC ndash Instituto de estudos socioeconocircmicos

INPS ndash Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INAMPS ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social

IPEA ndash Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

LC ndash Lei Complementar

LDO ndash Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias

LOA ndash Lei Orccedilamentaacuteria Anual

LRF ndash Lei de Responsabilidade Fiscal

MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico

MS ndash Ministeacuterio da Sauacutede

NOAS ndash Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede

NOB ndash Normas Operacionais Baacutesicas

OAB ndash Ordem dos Advogados do Brasil

OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

PIB ndash Produto Interno Bruto

PIDCP ndash Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos

PIDESC ndash Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais

PNPS ndash Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede

PPA ndash Plano Plurianual

PPI ndash Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede

PRD ndash Plano Diretor de Regionalizaccedilatildeo

PSF ndash Programa de Sauacutede da Famiacutelia

RENAME- Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais

RENASES ndash Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede

STF ndash Supremo Tribunal Federal

STJ ndash Superior Tribunal de Justiccedila

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

TAC ndash Termo de Ajustamento de Conduta

TCG ndash Termo de Compromisso de Gestatildeo

TJ ndash Tribunal de Justiccedila

UBS ndash Unidades baacutesicas de sauacutede

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 14

2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL19

21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES

DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 198819

22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA

CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 24

23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAacuteUDE ndash SUS 26

231 Princiacutepios informadores do SUS 27

232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS 29

233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do

SUS29

234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem

aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede 30

24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E OS DESAFIOS ATUAIS DO

SUS33

25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO

ORDENAMENTO PAacuteTRIO 35

3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL44

31 A EVOLUCcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 44

32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO

DIREITO Agrave SAUacuteDE 53

321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de

prestaccedilatildeo 54

322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla

fundamentalidade (formal e material) 56

323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e

princiacutepios59

324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio 61

4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE 67

41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS70

42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO

POSSIacuteVEL 73

43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O

DIREITO Agrave SAUacuteDE 81

44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 86

45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA 89

451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio 93

452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana96

5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE102

51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA

ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtilde DO DIREITO Agrave SAUacuteDE103

511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes106

512 Os efeitos colaterais de uma desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede114

52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL

RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE119

53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS

PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO RELATIVO A

ESSE DIREITO131

531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 75082011 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees

miacutenimas em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico135

532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a

delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede141

54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NO BRASIL148

6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO

DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL159

61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE

NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO159

611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica160

612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil163

613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de

sauacutede172

62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE

UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES

CONSTITUCIONAIS176

621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico178

622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede181

623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede193

7 CONCLUSAtildeO200

REFEREcircNCIAS207

14

1 INTRODUCcedilAtildeO

Ainda que ultrapassadas mais de duas deacutecadas desde a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 pode-se afirmar que a busca pela efetividade dos direitos fundamentais

sociais especialmente o direito agrave sauacutede em sua acepccedilatildeo prestacional ainda eacute mateacuteria que

caminha a passos cadenciados representando um dos grandes desafios para o Estado e para a

sociedade

O estabelecimento por parte do constituinte de 1988 de um lugar de destaque para a

sauacutede ndash encarada natildeo somente como a ausecircncia de doenccedilas mas como o completo bem estar

fiacutesico mental e espiritual do homem conforme conceitua a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

(OMS) ndash em que pese ter significado um glorioso avanccedilo no sentido de proporcionar uma

ampliaccedilatildeo formal e material da forccedila normativa de tal direito consistiu apenas no primeiro

passo da luta pela sua materializaccedilatildeo em efetivos benefiacutecios agrave sociedade

Desta maneira notadamente quanto ao direito agrave sauacutede se haacute no plano teoacuterico uma

evidente dificuldade de se conferir tal efetividade por meio da perfeita implementaccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas a problemaacutetica no campo praacutetico eacute bem mais complexa sendo

hodiernamente refletida na tormentosa realidade de milhotildees de brasileiros que dependem do

sistema puacuteblico de sauacutede e vivenciam situaccedilotildees calamitosas frequentemente noticiadas nos

telejornais como algo jaacute natural e trivial no paiacutes

Se a vivecircncia diaacuteria de episoacutedios no caoacutetico cenaacuterio da sauacutede puacuteblica conduz por um

lado a um sentimento de necessidade de mudanccedila e indignaccedilatildeo por outro pelo menos um

aspecto positivo tal divulgaccedilatildeo acaba gerando a constataccedilatildeo de que o debate acerca dos

direitos fundamentais ganha a cada dia mais espaccedilo nas rodas de conversa da populaccedilatildeo e

isso acarreta uma maior tomada de consciecircncia por parte dos cidadatildeos do alcance dos seus

direitos e da forma com que estes poderatildeo ser buscados

Nesse contexto a judicializaccedilatildeo cada vez mais crescente das mais diversas demandas

ligadas agrave concretizaccedilatildeo do direito fundamental social agrave sauacutede abastece a discussatildeo acerca da

legitimidade da intervenccedilatildeo judicial nesta seara cujo cenaacuterio atual frente agrave inevitabilidade

dessa atuaccedilatildeo eacute mercado pela penosa tentativa de se estabelecer criteacuterios objetivos e

adequados para a construccedilatildeo de um processo decisoacuterio legiacutetimo justo e consentacircneo com os

ideais dirigentes do sistema constitucional brasileiro

Quem haacute 20 anos imaginava o Estado como fornecedor de medicamentos muitos

deles de alto custo ou compelido a realizar um exame ou um procedimento ciruacutergico para um

cidadatildeo A verdade poucos Avanccedilou-se na concretizaccedilatildeo de tal direito principalmente pelos

15

esforccedilos da provocaccedilatildeo e atuaccedilatildeo do judiciaacuterio e hoje o miacutenimo que o Estado deve ou pelo

menos deveria proporcionar em mateacuteria de direito agrave sauacutede no Brasil acoplou novos

benefiacutecios

Eacute importante ter-se em mente por sua vez que a problemaacutetica em tela apresenta uma

abrangecircncia de difiacutecil delimitaccedilatildeo pois engloba diversas facetas do direito agrave sauacutede que

encarado de maneira macro compreende variadas nuances tanto sob o prisma individual

quanto sob o coletivo Melhor explicando o trabalho de aferir se certo pleito estaria ou natildeo

enquadrado no campo protetivo do direito agrave sauacutede passa por uma anaacutelise que envolve

diferentes aspectos como os de cunho social poliacutetico econocircmico cultural ou geograacutefico de

determinada coletividade ndash por exemplo a prioridade de tratamento preventivo na regiatildeo

norte eacute totalmente diferente da de outra regiatildeo do paiacutes ndash sendo portanto a determinaccedilatildeo de

quais seriam as prestaccedilotildees miacutenimas em sauacutede um aacuterduo trabalho para o inteacuterprete

Posto o problema o presente estudo partiraacute das premissas de que na discussatildeo acerca

da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede eacute essencial se observar primeiro que tal direito

social assume um papel de extrema relevacircncia frente agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida

e agrave dignidade da pessoa humana segundo que o quadro atual da sauacutede puacuteblica nacional

evidencia um desequiliacutebrio entre o niacutevel de gradual concretizaccedilatildeo esperado apoacutes os mais de

vinte anos da Constituiccedilatildeo de 1988 e o que foi realmente alcanccedilado mediante poliacuteticas

puacuteblicas quanto a esse importante direito

Com relaccedilatildeo agrave primeira premissa seraacute defendido o destacamento do direito agrave sauacutede

para uma posiccedilatildeo de primazia quando comparado com os demais direitos fundamentais

sociais O desenvolvimento de tal raciociacutenio aproxima-se de certo modo da doutrina

americana dos ldquopreferred freedomsrdquo que estabelece uma ideia de posiccedilotildees preferenciais entre

os direitos fundamentais sem implicar entretanto necessariamente em uma mecacircnica

hierarquizaccedilatildeo das normas constitucionais que venha a ser lesiva agrave sua unidade

Desta maneira natildeo se buscaraacute refutar a noccedilatildeo consagrada na doutrina paacutetria de que

todos direitos fundamentais possuem a mesma hierarquia mas sim consistiraacute na defesa de

que o direito agrave sauacutede possui um niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica mais elevada que

os demais direitos fundamentais sociais por apresentar uma ascendecircncia axioloacutegica mais

dilatada devido ao seu forte laccedilo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e agrave dignidade da

pessoa humana e isto termina por ser refletido no proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a

Constituiccedilatildeo confere a tal direito conforme seraacute visto

16

Quanto agrave segunda premissa esta seria a constataccedilatildeo de que ocorre em mateacuteria de

direito agrave sauacutede no Brasil um certo descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos

governantes

Apesar de tal pensamento soar de certo modo um pouco pretensioso ele eacute fruto de

uma construccedilatildeo de raciociacutenio simples e de duas etapas a primeira abrange a conscientizaccedilatildeo

de que o direito agrave sauacutede como direito social que eacute tem seu processo de concretizaccedilatildeo

marcado por uma ideia de gradualidade no sentido de que frente as limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias

de sua implementaccedilatildeo o Estado deve contar com uma certa paciecircncia da sociedade em

entender que a efetividade do mesmo seraacute alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a

passo conforme a capacidade financeira do Estado e a segunda de ordem faacutetica arremata a

conclusatildeo de que esse passo gradual encontra-se hoje deficitaacuterio ou atrasado se comparado

com a evoluccedilatildeo aguardada pela sociedade a qual jaacute chegou no seu limite de paciecircncia

Em termos mais diretos a realidade paacutetria marcada por exemplo pela falta de leitos

meacutedicos e equipamentos de infraestrutura no quadro geral da sauacutede puacuteblica nacional natildeo eacute o

que a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica planejou para sua fase adulta sendo necessaacuteria portanto

uma aceleraccedilatildeo nesse processo gradual

Feitas tais observaccedilotildees eacute relevante mencionar que corrigir esta distorccedilatildeo gerada

sobretudo pela ineficiecircncia dos Poderes Executivo e Legislativo (seja pela maacute formulaccedilatildeo e

execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas seja pela deficiecircncia do amparo legal do tema) natildeo eacute mateacuteria

faacutecil pois o balanceamento entre o caraacuteter essencial do direito fundamental agrave sauacutede e sua

natureza de direito prestacional passa antes de tudo pela questatildeo financeira de anaacutelise dos

custos envolvidos exigindo uma estruturaccedilatildeo focada em um modelo de gestatildeo organizada e

isento de maacuteculas por parte do Estado

Eacute nesse contexto que o presente estudo tem por intuito principal traccedilar alguns

delineamentos sobre a primazia do direito social em anaacutelise buscando apontar sugestotildees para

os problemas correlatos agrave sua clara falta de efetividade as quais vatildeo desde a perquiriccedilatildeo de

criteacuterios objetivos legitimadores da atuaccedilatildeo judicial no seu resguardo contribuindo para a

consequente construccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial em direito agrave sauacutede ateacute o

aprimoramento das medidas de controle dos gastos puacuteblicas em sauacutede

Para melhor compreensatildeo do que este trabalho se propotildee optar-se-aacute por uma

estruturaccedilatildeo didaacutetica cuja preocupaccedilatildeo primordial eacute deixar claro ao leitor desde as linhas

iniciais a raiz doutrinaacuteria que o norteia Nesse ponto filiando-se agraves vigas da nova

interpretaccedilatildeo constitucional que prestigia a forccedila normativa da constituiccedilatildeo mas sem que isso

signifique um menosprezo aos elementos claacutessicos hermenecircuticos seratildeo examinados temas

17

essenciais que circundam a temaacutetica da construccedilatildeo e aprimoramento de um miacutenimo

existencial especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede

Dessa maneira tendo como fio condutor o reconhecimento de que a atuaccedilatildeo

jurisdicional em mateacuteria de sauacutede respeitados certos limites e criteacuterios objetivos consiste em

praacutetica natildeo soacute legiacutetima mas tambeacutem primordial para a efetividade desse direito seratildeo

examinados temais centrais como o Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e sua correta (re)

leitura no estaacutegio atual do constitucionalismo a primazia da Dignidade da Pessoa Humana

como fonte irradiante de todo o ordenamento constitucional paacutetrio a necessidade da Teoria

do Miacutenimo Existencial encontrar-se em constante adaptaccedilatildeo com os avanccedilos da sociedade e o

possiacutevel embate desta questatildeo com o Postulado da Reserva do Possiacutevel

Para tanto incialmente seraacute traccedilado um esboccedilo do regime juriacutedico-constitucional do

direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio partindo da evoluccedilatildeo histoacuterica da proteccedilatildeo da sauacutede

puacuteblica ao longo das constituiccedilotildees nacionais passando pelo exame das implicaccedilotildees da

proteccedilatildeo internacional nessa seara e desembocando no estudo das caracteriacutesticas gerais desse

direito fundamental sob o enfoque das previsotildees constitucionais e da legislaccedilatildeo ordinaacuteria

sobre tema (com ecircnfase nos dispositivos que tratam do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS)

Na sequecircncia seraacute discutida a temaacutetica da efetividade e eficaacutecia dos direitos

fundamentais sociais momento no qual seraacute examinado sob um vieacutes orccedilamentaacuterio o embate

entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ganhando evidecircncia o exame dos custos dos

direitos Nesse ponto ainda abordar-se-aacute a questatildeo do deacuteficit evolutivo do direito agrave sauacutede no

que se refere agrave sua gradual concretizaccedilatildeo almejada pela atual Constituiccedilatildeo apontando-se o

relevante papel que a Dignidade da Pessoa Humana somada agrave umbilical ligaccedilatildeo do

impreteriacutevel direito agrave sauacutede com o direito agrave vida assume no enfrentamento dessa mateacuteria

Posteriormente seraacute tratado o tema da judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede cujo debate

alertaraacute para a necessidade de se privilegiar as tutelas coletivas como forma de se conferir

isonomia e o maacuteximo alcance das conquistas judiciais nessa seara sem deixar de lado

contudo o exame do aacuterido campo das tutelas individuais Nesse ponto a noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo

constitucional no contexto poacutes-positivista seraacute primordial para se compreender a latente

necessidade da busca pelo estabelecimento de paracircmetros e criteacuterios objetivos que visem a

uma sindicabilidade do direito em xeque natildeo soacute consentacircnea com a ordem constitucional

vigente mas tambeacutem compromissada com a seguranccedila juriacutedica e a igualdade entre os

cidadatildeos

Ao final seraacute empreendido um debate complementar mas natildeo menos interligado agrave

judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que ressaltar-se-aacute a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede

18

na construccedilatildeo de uma democracia participativa apta a auxiliar a realizaccedilatildeo de tal direito bem

como seraacute proposta uma reestruturaccedilatildeo na forma que se desenvolve o ciclo orccedilamentaacuterio no

paiacutes de modo a que os campos de atenccedilatildeo direcionados no corpo da peccedila do orccedilamento

puacuteblico terminem espelhando o mais fiel possiacutevel as prioridades constitucionais

Dito isto eacute relevante deixar claro que a presente pesquisa natildeo intenta exaurir toda a

problemaacutetica envolvendo a efetividade do direito agrave sauacutede apresentando uma foacutermula maacutegica e

solucionadora o que seria impossiacutevel frente agrave dinamicidade das relaccedilotildees sociais e a

consequente multiplicidade de casuiacutesticas nesse campo Ao contraacuterio o que se pretende aqui eacute

investigar o assunto visando agrave sistematizaccedilatildeo de uma loacutegica de pensamento ndash calcada em uma

engrenagem arraigada no papel protagonista do Poder Judiciaacuterio auxiliado pelas funccedilotildees

essenciais agrave justiccedila e pela sociedade ndash que venha a contribuir para a ampliaccedilatildeo de alternativas

postas ao aplicador do direito no momento de concretizar o direito agrave sauacutede corrigindo-se em

uacuteltima anaacutelise a desarmonia entre o dever ser normativo e o ser da realidade social marcante

no tema

19

2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL

Falar em sauacutede como direito fundamental dos cidadatildeos brasileiros eacute algo recente na

histoacuteria do paiacutes visto que somente com a atual Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica esse bem juriacutedico

veio a ser alccedilado a tal categoria Desta maneira para o estudo do direito agrave sauacutede e os aspectos

quanto agrave sua eficaacutecia faz-se imprescindiacutevel antes de tudo compreender natildeo soacute a evoluccedilatildeo do

arcabouccedilo protetivo da mateacuteria ao longo das constituiccedilotildees nacionais como tambeacutem a

conjuntura histoacuterico-social que contribuiu para a feiccedilatildeo desse direito fundamental no

ordenamento contemporacircneo destacando-se tambeacutem a especial influecircncia da proteccedilatildeo

internacional na temaacutetica

21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES

DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988

De iniacutecio eacute importante se ter em mente a premissa de que a evoluccedilatildeo histoacuterica das

poliacuteticas de sauacutede no paiacutes caminha lado a lado com o progresso poliacutetico-social e econocircmico

da sociedade brasileira em um contexto em que a loacutegica desse processo evolutivo obedeceu agrave

oacutetica do avanccedilo do capitalismo na sociedade paacutetria

Por tal motivo o cenaacuterio preacute 1988 revela que a sauacutede natildeo ocupava lugar central dentro

da poliacutetica nacional1 jaacute que somente nos momentos em que determinadas endemias ou

epidemias tinham repercussatildeo na esfera econocircmica ou social do modelo capitalista eacute que o

governo atuava com mais ecircnfase no setor razatildeo pela qual eacute apontado na doutrina que devido a

falta de clareza e definiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave poliacutetica de sauacutede a histoacuteria desta confunde-se em

determinados momentos com a histoacuteria da previdecircncia social no paiacutes2

Dito isto tem-se que os passos embrionaacuterios de uma miacutenima preocupaccedilatildeo com a sauacutede

puacuteblica no Brasil podem ser identificados a partir das primeiras accedilotildees de combate agrave lepra e de

um miacutenimo controle sanitaacuterio existente sobre os portos e ruas ainda durante a eacutepoca da Corte

Portuguesa jaacute que a vinda da famiacutelia real gerou a necessidade da organizaccedilatildeo de uma miacutenima

estrutura sanitaacuteria panorama que perdurou ateacute meados de 1850

Com o passar dos tempos o quadro de organizaccedilatildeo poliacutetica marcadamente unitaacuterio e

centralizado foi dando lugar a um conjunto de accedilotildees um pouco mais efetivas no periacuteodo entre

1 Dispotildee Suelli Gandolfi Dallari que ldquonenhum texto constitucional se refere explicitamente agrave sauacutede como

integrante do interesse puacuteblico fundante do pacto social ateacute a promulgaccedilatildeo da Carta de 1988rdquo DALLARI Suelli

Gandolfi Os Estados Brasileiros e o Direito agrave Sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1995 p 133 2 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p2 Disponiacutevel em

wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 21122012

20

1870 e 1930 merecendo destaque o modelo ldquocampanhistardquo marcado pelo uso de forccedila policial

que apesar das arbitrariedades e abusos cometidos alcanccedilou importantes vitoacuterias no controle

de doenccedilas epidecircmicas como a febre amarela sob o comando de Oswaldo Cruz entatildeo Diretor

do Departamento Federal de Sauacutede Puacuteblica3

Em 1923 por sua vez nascia o marco inicial da previdecircncia social no Brasil (a

chamada ldquoLei Eloy Chavesrdquo4) mediante a instituiccedilatildeo de Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo

(CAPS) que abarcavam socorros meacutedicos em caso de doenccedila bem como a obtenccedilatildeo de

medicamentos obtidos com preccedilos especiais para as categorias profissionais a eles vinculadas

Paralelo a isso a partir de 1930 as accedilotildees curativas ateacute entatildeo esquecidas pelo modelo antes

mencionado passaram a ser realizadas timidamente com a estruturaccedilatildeo baacutesica de um sistema

puacuteblico de sauacutede a partir da criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede Puacuteblica5 restando

evidenciado portanto um cenaacuterio de natildeo universalizaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica vez que imperava

uma sistemaacutetica excludente em favor apenas das profissotildees reconhecidas pela lei

A previdecircncia social evoluiu e as CAPacuteS foram substituiacutedas pelos Institutos de

Aposentadoria e Pensatildeo (IAPacuteS) visando a estender a todas as categorias do operariado

urbano organizado os benefiacutecios da previdecircncia desembocando esse processo de unificaccedilatildeo

na promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (Lei 380760) a qual estabeleceu um

regime geral da previdecircncia destinado a abranger todos os trabalhadores sujeitos ao regime da

Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas (CLT)6

Tal panorama apresentou seu aacutepice durante o regime ditatorial com a implantaccedilatildeo do

Instituto Nacional de Previdecircncia Social (INPS) em 1967 e a consequente unificaccedilatildeo do

sistema previdenciaacuterio em um contexto em que todos trabalhadores com carteira assinada

contribuiacuteam e se beneficiavam da assistecircncia meacutedica existente no plano de benefiacutecios Isso

gerou um aumento substancial da demanda do sistema meacutedico previdenciaacuterio o qual

impossibilitado em atender a todos direcionou agrave iniciativa privada a execuccedilatildeo dos benefiacutecios

por meio de convecircnios com meacutedicos e hospitais mediante pagamento de uma espeacutecie de pro-

labore acarretando na formaccedilatildeo de um complexo sistema meacutedico-industrial que gerou a

3 PICADO Fernanda de Siqueira A dignidade da pessoa humana e a efetividade do direito social agrave sauacutede

sob a oacuteptica jurisprudencial Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito PUC-SP 2010 p 101 4 Decreto ndeg 4682 1923 que ldquo Crea em cada uma das emprezas de estradas de ferro existente no paiz uma caixa

de aposentadoria e pensotildees para os respectivos empregadosrdquo 5 O Ministeacuterio da Sauacutede foi criado em 1953 contudo tal fato significou um mero desmembramento do antigo

Ministeacuterio da Sauacutede e Educaccedilatildeo sem que significasse uma nova postura do governo com efetiva preocupaccedilatildeo em

atender os problemas da sauacutede puacuteblica de sua competecircncia 6 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p 12 Disponiacutevel em

wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 11012013

21

necessidade da criaccedilatildeo de uma estrutura proacutepria administrativa em 1978 o Instituto Nacional

de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS)

Instituiu-se assim uma divisatildeo de responsabilidades em que ao Estado eram

reservadas as medidas coletivas sobretudo o controle das endemias enquanto a assistecircncia

meacutedica individual ficou a cargo do seguro social financiado pelo sistema contributivo

modelagem esta que contribuiu para a concepccedilatildeo arraigada no paiacutes de se enxergar o direito a

sauacutede natildeo como um direito do cidadatildeo e dever do Estado mas como uma assistecircncia ligada agrave

esfera privada restrita a quem contribuiacutea cenaacuterio acentuado com a instituiccedilatildeo do Sistema

Nacional de Sauacutede em 1975 o qual reconhecia essa dicotomia7

Esse modelo de gestatildeo centralizada marcado pela multiplicidade e descoordenaccedilatildeo

entre as instituiccedilotildees atuantes no setor e pela desorganizaccedilatildeo dos recursos empregados nas

accedilotildees de sauacutede curativa e preventiva8 caiu no descreacutedito social ao natildeo resolver a agenda da

sauacutede e frente agrave escassez de recursos para sua manutenccedilatildeo somada ao aumento dos custos

operacionais veio a entrar em crise

Por sua vez o contraste dos dados a respeito da sauacutede mortalidade infantil e

infraestrutura urbana com os iacutendices favoraacuteveis do Produto Interno Bruto (PIB) que

aumentou em meacutedia 10 entre 1968 e 1973 contribuiu para a constataccedilatildeo de que a

desigualdade social e concentraccedilatildeo de riqueza se acentuavam cada vez mais no paiacutes e que era

necessaacuteria uma mudanccedila desse quadro9

Esse modelo restritivo na prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede passou a ser entatildeo

questionado frente a grande quantidade de brasileiros agrave margem do mercado de trabalho

formal intensificando-se o debate acerca da universalizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede

com destaque para o papel desempenhado pelo Movimento de Reforma Sanitaacuteria no processo

de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e o consequente fim do regime militar

Desta forma o marco do processo de formulaccedilatildeo de um novo modelo de sauacutede puacuteblica

universal foi a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede cujo lema era ldquoSauacutede Direito de Todos

Dever do Estadordquo realizada em marccedilo de 1986 pelo Ministeacuterio da Sauacutede que contou pela

primeira vez com a participaccedilatildeo de entidades da sociedade civil organizada de todo paiacutes

ligadas agrave temaacutetica sendo debatida a necessidade de reorganizaccedilatildeo do sistema em voga com a

instituiccedilatildeo da sauacutede como direito de cidadania e dever do Estado concluindo-se que uma

7 CORREcircA Darciacutesio MASSAFRA Cristiane Quadrado O Direito agrave Sauacutede e o papel do Judiciaacuterio para sua

efetividade no Brasil In Revista Desenvolvimento em questatildeo v2 nordm 3 2004 p 57 8 CRUZ Marly Marques da Histoacuterico do sistema de sauacutede proteccedilatildeo social e direito agrave sauacutede Disponiacutevel em

wwwsaudemtgovbr arquivo 2164 Acessado em 20012013 9 LUCA Tacircnia Regina de Direitos sociais no Brasil In PINSKY Carla Bassanezi (Org) Histoacuteria da

Cidadania Satildeo Paulo Contexto 2003 p 484

22

simples reforma administrativa e financeira natildeo seria suficiente mas sim seria necessaacuteria

uma verdadeira mudanccedila em todo o arcabouccedilo juriacutedico tendente agrave unificaccedilatildeo democratizaccedilatildeo

e descentralizaccedilatildeo do sistema de sauacutede

Delimitado sucintamente o contexto histoacuterico-social da proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede ateacute

a Constituiccedilatildeo de 1988 seratildeo apontados a seguir os principais dispositivos constantes nas

constituiccedilotildees preteacuteritas que amparavam o direito agrave sauacutede de modo a facilitar a compreensatildeo

do tema

A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio pouco tratou do tema do direito agrave sauacutede vez que fora o fato

de abarcar a garantia de ldquosocorros puacuteblicosrdquo a uacutenica menccedilatildeo a tal direito em seu texto deixa

claro que a preocupaccedilatildeo do constituinte agrave eacutepoca ainda era tiacutemida e relacionada agrave atividade

mercantil como se depreende da redaccedilatildeo do dispositivo a seguir

Art 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadatildeos

Brazileiros que tem por base a liberdade a seguranccedila individual e a

propriedade eacute garantida pela Constituiccedilatildeo do Imperio pela maneira

seguinte

()

XXIV Nenhum genero de trabalho de cultura industria ou commercio

poacutede ser prohibido uma vez que natildeo se opponha aos costumes publicos aacute

seguranccedila e saude dos Cidadatildeos

Aleacutem disso eacute importante enfatizar que os direitos acima elencados eram restritos a

uma elite aristocraacutetica visto que os ideais da revoluccedilatildeo liberal conquanto visassem a alterar a

estrutura e reorganizar a sociedade apresentavam o anseio maior de tatildeo somente romper

com os laccedilos do colonialismo sendo mantidos os interesses e os favores das classes

privilegiadas enquanto grande parte da populaccedilatildeo ainda continuava submetida a tratamentos

desumanos

A Constituiccedilatildeo de 1891 por sua vez conseguiu ser ainda mais acanhada e natildeo faz

qualquer referecircncia expressa ao direito agrave sauacutede Contudo merece atenccedilatildeo o fato de que havia

uma abstrata menccedilatildeo em seu artigo 78 agrave proteccedilatildeo das garantias e direitos nela natildeo

enumerados que resultassem da forma de governo e dos princiacutepios que a mesma consignasse

o que poderia ser utilizado para defesa da sauacutede em uacuteltima anaacutelise jaacute que funcionava como

uma tiacutemida claacuteusula de abertura10

10

OLIVEIRA Maacutercio dias de Sauacutede possiacutevel e judicializaccedilatildeo excepcional a efetivaccedilatildeo do direito

fundamental agrave sauacutede e a necessaacuteria racionalizaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito Instituto Toledo de

Ensino Bauro 2008 p 35

23

Impulsionada pelas revoluccedilotildees de 1930 e 1932 a Constituiccedilatildeo de 1934 que buscou

inspiraccedilatildeo formal na Constituiccedilatildeo de Weimar (grande marco do Constitucionalismo social) e

na Constituiccedilatildeo Espanhola de 1931 pretendeu implantar no sistema juriacutedico paacutetrio um

arcabouccedilo protetivo dos chamados direitos sociais sendo a primeira constituiccedilatildeo brasileira a

fazer referecircncia ao direito agrave sauacutede prevendo em seu art 10 inciso II ser o cuidado com a

sauacutede competecircncia concorrente da Uniatildeo e dos Estados denotando assim uma preocupaccedilatildeo

de cunho organizacional distanciada de uma feiccedilatildeo de direito subjetivo

Em que pese os esforccedilos da Carta de 34 no sentido de proteger os direitos sociais a

Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada por Getuacutelio Vargas tratou de tolher a efetividade dos direitos

fundamentais cuidando sobretudo de concentrar o poder no acircmbito do Executivo Na linha

dessa concentraccedilatildeo o inciso XXVII do art 16 previu ser competecircncia privativa da Uniatildeo

legislar sobre normas fundamentais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede especialmente a sauacutede da

crianccedila merecendo destaque ainda a previsatildeo do art 18 no sentido de poderem os estados

legislar para suprir as deficiecircncias da Lei Federal ou atenderem agraves peculiaridades locais sobre

a assistecircncia puacuteblica obras de higiene popular casas de sauacutede cliacutenicas estaccedilotildees de clima e

fontes medicinais11

A Constituiccedilatildeo de 1946 por sua vez por ter sido moldada no periacuteodo de 1937 a 1945

buscou restringir a forccedila do Poder Executivo e reforccedilar o Poder Legislativo retomando a

estrutura da Constituiccedilatildeo de 1891 e reintroduzindo os direitos econocircmicos sociais e culturais

da Carta de 1934 em um cenaacuterio em que o direito agrave sauacutede apesar de natildeo elencado de forma

expressa recebia menccedilatildeo no inciso XV do art 5deg da referida Carta ao ser repetida a previsatildeo

de ser competecircncia da Uniatildeo legislar sobre normais gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede

Apoacutes o golpe militar de 1964 foi outorgada a Carta Constitucional de 1967 que

alterou o regime de liberalidade buscado pela Constituiccedilatildeo de 1946 instalando-se o regime

totalitaacuterio conclamado pela doutrina da seguranccedila nacional A nova Constituiccedilatildeo apresentava

um rol de direitos e garantias fundamentais com valor meramente formal e sem nenhuma

efetividade Quanto ao direito agrave sauacutede repetiu-se a norma de cunho organizatoacuterio das

constituiccedilotildees anteriores no sentido de conferir agrave Uniatildeo a competecircncia para legislar sobre

normas gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede acrescentando-se todavia a competecircncia para

estabelecer planos nacionais de sauacutede e educaccedilatildeo

Em 1969 na tentativa de preservar o regime totalitaacuterio vigente foi outorgada a EC ndeg

0169 que embora repetisse as disposiccedilotildees da Carta de 67 trouxe uma inovaccedilatildeo no sect 4deg do

11

JULIO Renata Siqueira Wesllay Carlos Ribeiro Direito e sistemas puacuteblicos de sauacutede nas constituiccedilotildees

brasileiras In Novos Estudos Juriacutedicos v15 n3 2010 p 450

24

art 25 ao determinar que os municiacutepios aplicassem seis por cento do repasse da Uniatildeo a tiacutetulo

de fundo de participaccedilatildeo dos municiacutepios na Sauacutede

22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA

CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 resultado final de todo um

processo de luta incessante do povo brasileiro para a conquista da democracia consiste em

um documento alicerccedilado na proteccedilatildeo de direitos fundamentais e na dignidade da pessoa

humana de modelagem jamais vista no ordenamento paacutetrio Essa nova feiccedilatildeo sem duacutevida

contribuiu para a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede com contornos proacuteprios

visto que uma ordem constitucional que protege o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e o meio

ambiente sadio e equilibrado inevitavelmente deve salvaguardar a sauacutede sob pena de

esvaziar substancialmente tais direitos12

Desta forma o modelo centralizado do sistema de sauacutede vigente antes de 1988 bem

como as tiacutemidas previsotildees nas constituiccedilotildees anteriores ligadas agrave sauacutede que se preocupavam

em fixar competecircncias legislativas e administrativas para a mateacuteria denotando uma

preocupaccedilatildeo meramente organizatoacuteria deram lugar a um arcabouccedilo protetivo diametralmente

oposto com a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede amplamente tratado13

sobretudo nos artigos 6deg e 196 da Constituiccedilatildeo de 1988

Pode-se afirmar portanto que a Constituiccedilatildeo Cidadatilde atual ao alccedilar a sauacutede a direito

fundamental e sintonizar sua proteccedilatildeo com as principais declaraccedilotildees de direitos humanos foi

a primeira constituiccedilatildeo a levar a sauacutede realmente a seacuterio14

Com efeito observa-se a existecircncia

de diversos dispositivos que fazem menccedilatildeo expressa a este direito consistindo tais previsotildees

12

SARLET Ingo Wolfgang amp FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p5 13

FALEIROS Ialecirc amp LIMA Juacutelio Ceacutesar Franccedila Sauacutede como direito de todos e dever do Estado p 9

Disponiacutevel em httpepsjvfiocruzbruploaddcap_8pdf Acessado em 12012013 14

Sobre essa questatildeo Joseacute Afonso da Silva considera ser ldquoespantoso como um bem extraordinariamente

relevante agrave vida humana soacute agora eacute elevado agrave condiccedilatildeo de direito fundamental do homem E haacute de informar-se

pelo princiacutepio de que igual agrave vida de todos os seres humanos significa tambeacutem que nos casos de doenccedila cada

um tem o direito de um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciecircncia meacutedica

independentemente de sua situaccedilatildeo econocircmica sob pena de natildeo ter muito valor sua consignaccedilatildeo em normas

constitucionaisrdquo SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros

1999 p 871

25

em frutos diretos da reforma sanitaacuteria brasileira a qual foi conduzida pela sociedade civil e

por profissionais de sauacutede e natildeo por accedilotildees especiacuteficas do governo15

Em que pese o risco de cansar a leitura do presente estudo com observaccedilotildees

notadamente descritivas eacute inevitaacutevel destacar pontualmente os dispositivos constitucionais

que informam a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede proporcionando uma ideia do alcance dessa

mudanccedila radical do tratamento constitucional da sauacutede no Brasil

Nesse sentido o artigo 6deg elenca expressamente a sauacutede como um direito fundamental

social o que acarreta implicaccedilotildees praacuteticas quanto agrave eficaacutecia e efetividade de tal direito cuja

abordagem seraacute feita no capiacutetulo seguinte Ainda o artigo 7deg ligado a regulamentaccedilatildeo dos

direitos trabalhistas trata da temaacutetica tanto em seu inciso IV ao mencionar a sauacutede como

necessidade vital baacutesica a ser abarcada pelo salaacuterio-miacutenimo bem como no inciso XXII ao

impor a reduccedilatildeo dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de sauacutede higiene e

seguranccedila

Os artigos 23 (inc II) 24 (inc XII) e 30 (inc I e inc VII) tratam de mateacuterias de

competecircncias dos entes federativos informando que os mesmos possuem competecircncia

comum para cuidar da sauacutede bem como concorrentemente aptos a legislar sobre a defesa da

sauacutede em um cenaacuterio em que aos Municiacutepios cabem a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atendimento agrave

sauacutede da populaccedilatildeo com a cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira da Uniatildeo e do Estado

Os artigos 34 (inc VII aliacutenea bdquoe‟) e 35 (inc III) por forccedila da EC 292000

possibilitam por sua vez a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e no Distrito Federal bem como

dos Estados nos respectivos Municiacutepios em caso de natildeo aplicaccedilatildeo do miacutenimo exigido da

receita resultante de impostos na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino e das accedilotildees e

serviccedilos de sauacutede o que como seraacute visto no capiacutetulo seguinte ressalta a preocupaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo com tais direitos de modo a estes assumirem um grau de fundamentalidade mais

aquilatada no ordenamento paacutetrio

Jaacute no art 196 a sauacutede eacute encarada como direito de todos e dever do Estado garantido

mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo denotando uma preocupaccedilatildeo macro para os problemas de sauacutede nas diversas

etapas de tratamento para todos os cidadatildeos

O art 197 trouxe o reconhecimento de que as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede satildeo de

relevacircncia puacuteblica cabendo ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre sua

15

PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p2 Disponiacutevel em

httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 12012013

26

regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle consolidando os anseios de superaccedilatildeo do modelo

desestatizante curante e centralizador vigente na ordem constitucional anterior Tal

reconhecimento possui uma importacircncia central na busca pela efetividade do direito agrave sauacutede

pois garante extensivamente a proteccedilatildeo da sauacutede pelo Ministeacuterio Puacuteblico ao passo que o art

129 II da CF atribui ao mesmo a funccedilatildeo de zelar pelo efetivo respeito aos serviccedilos de

relevacircncia puacuteblica

No art 198 encontra-se a estrutura geral do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) definindo-

o a partir de uma rede regionalizada e hierarquizada organizada a partir de diretrizes que

primam pela descentralizaccedilatildeo atendimento integral com prioridade para atividades

preventivas e participaccedilatildeo da comunidade mediante financiamento de recursos da seguridade

social e outras fontes

O art 200 enumera atribuiccedilotildees exemplificativas desse sistema as quais englobam

dentre outras o controle e fiscalizaccedilatildeo dos procedimentos produtos e substacircncias de interesse

para a sauacutede a execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica a formaccedilatildeo de

recursos humanos na aacuterea de sauacutede a fiscalizaccedilatildeo e inspeccedilatildeo dos alimentos etc

Aleacutem disso constam dispositivos especiacuteficos que relacionam a sauacutede com o meio

ambiente com a educaccedilatildeo e com os direitos da crianccedila os quais enfatizam a preocupaccedilatildeo

ineacutedita da CF de 1988 em dar plena efetividade agraves accedilotildees e programas na aacuterea

23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE ndash SUS

Conforme jaacute explicitado o SUS eacute fruto das reivindicaccedilotildees feitas pela sociedade civil

organizada no cenaacuterio poliacutetico preacute 1988 e sua previsatildeo constitucional especialmente pela

estipulaccedilatildeo dos seus princiacutepios e objetivos o fez assumir a condiccedilatildeo de verdadeira garantia

institucional fundamental do direito agrave sauacutede superando-se as sucessivas tentativas frustradas

anteriores Significando em uacuteltima instacircncia que a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede deve

conformar-se com seus princiacutepios e diretrizes instituidoras em um cenaacuterio em que natildeo soacute o

direito agrave sauacutede resta protegido mas tambeacutem o proacuteprio SUS na condiccedilatildeo de instituiccedilatildeo

puacuteblica16

A conceituaccedilatildeo do SUS apresentada no jaacute mencionado artigo 198 da CF demonstra

que a visatildeo central desse sistema foi calcada na consagraccedilatildeo de um modelo de sauacutede voltado

16

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 12

27

para as necessidades da populaccedilatildeo no intuito de resgatar o compromisso do Estado para com o

bem-estar social especialmente com relaccedilatildeo agrave sauacutede coletiva Contudo apesar da previsatildeo

constitucional o SUS soacute veio a ser regulamentado em 19 de setembro de 1990 por meio da

Lei Federal 808090 a qual definiu seu modelo operacional e a forma de organizaccedilatildeo e de

funcionamento a partir de uma definiccedilatildeo abrangente de sauacutede que leva em consideraccedilatildeo

especiacuteficos fatores determinantes e condicionantes ganhando destaque a previsatildeo dos

princiacutepios e objetivos do sistema

231 Princiacutepios informadores do SUS

O estudo dos princiacutepios informadores do SUS eacute de suma importacircncia visto que frente

ao caraacuteter de autecircntica garantia institucional fundamental17

na proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede sua

matriz principioloacutegica e diretiva serve de base para se interpretar o alcance da eficaacutecia e

efetividade de tal direito Nesse sentido podem ser destacados os princiacutepios da

universalidade equidade unidade descentralizaccedilatildeo regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo

integralidade e participaccedilatildeo da comunidade

Universalidade18

e equidade podem ser lidos conjuntamente no sentido de que o

acesso agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede devem ser indistintamente garantidos a todo e qualquer

cidadatildeo buscando-se sempre a diminuiccedilatildeo das desigualdades a partir da consagraccedilatildeo e defesa

da garantia da igualdade material investindo-se onde a carecircncia seja maior jaacute que apesar de

todos terem direito agrave sauacutede as necessidades de cada um e de cada regiatildeo satildeo diferentes

Consoante jaacute visto o modelo de proteccedilatildeo agrave sauacutede anterior a 1988 era marcado por

distorccedilotildees limitativas visto que a assistecircncia agrave sauacutede somente era conferida aos trabalhadores

com viacutenculo formal e respectivos dependentes por meio do INPS Para a superaccedilatildeo eficiente

dessa estrutura o novel sistema precisou ser desenvolvido a partir da ideia de unidade

significando que os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede devem ser desenvolvidos a partir de poliacuteticas e

17

Consoante aponta Pieroth e Schlink ldquoalguns direitos fundamentais garantem natildeo soacute direitos subjetivos mas

tambeacutem objetivamente instituiccedilotildees Enquanto garantias de instituto (Institutsgarantien) na terminologia

geralmente aceita de C Schmitt garantem instituiccedilotildees de direito privado e enquanto garantias institucionais

(institutionelle Garantien) garantem instituiccedilotildees de direito puacuteblico retirando-as assim do poder dispositivo do

legisladorrdquo PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de

Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 54 18

Reforccedilando tal conceito Carlos Botazzo defende que a universalidade ldquosignifica que todo cidadatildeo

independente de sua inserccedilatildeo social no processo produtivo niacutevel de ingresso financeiro filiaccedilatildeo poliacutetico-

partidaacuteria crenccedila religiosa sexo idade ou etnia teraacute seu direito agrave sauacutede garantido e preservado pelo Estado

BOTAZZO Carlos Democracia participaccedilatildeo popular e programas comunitaacuterios In FLEURY Sonia

AMARANTE Paulo BAHIA Ligia (orgs) Sauacutede em debate fundamentos da reforma sanitaacuteria Rio de

Janeiro Cebes 2008 p 144

28

diretrizes uniformes englobando um soacute sistema abrangido e sujeito a uma direccedilatildeo uacutenica e um

soacute planejamento em que pese a estratificaccedilatildeo em niacuteveis federativos

Apesar de unificado19

a necessidade de se quebrar com a ordem centralizada anterior

que engessava a engrenagem do sistema de sauacutede fez surgir um SUS arquitetado a partir de

uma rede regionalizada e hierarquizada que preservada a direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de

governo atua segundo o raciociacutenio de descentralizaccedilatildeo permitindo desta maneira a

adaptaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede ao perfil epidemioloacutegico local o que se alinha as orientaccedilotildees da

OMS

Essa descentralizaccedilatildeo nasce pois do raciociacutenio de que cada esfera de governo eacute

autocircnoma e soberana nas suas decisotildees e devem respeitar os princiacutepios gerais e a participaccedilatildeo

da sociedade havendo gestores do SUS desde o Ministeacuterio da Sauacutede ateacute as Secretarias de

Sauacutede municipais Contudo eacute inegaacutevel que a decisatildeo daquele que estaacute mais perto do

problema tem mais chance de ser eficiente e por isso a modelagem descentralizada do SUS

que quebrou com o passado marcado por uma Uniatildeo centralizadora pressupotildee que os

municiacutepios sejam dotados de condiccedilotildees gerenciais teacutecnicas administrativas e financeiras

suficientes para execuccedilatildeo de suas poliacuteticas e serviccedilos

A hierarquizaccedilatildeo liga-se agrave ideia de execuccedilatildeo da assistecircncia a sauacutede com niacuteveis

crescentes de complexidade assinalando que o acesso aos serviccedilos deve ocorrer a partir dos

niacuteveis mais simples em direccedilatildeo aos mais altos de complexidade o que se coaduna com ideais

de eficiecircncia e subsidiariedade em um contexto em que as accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica satildeo

comuns a todos municiacutepios a assistecircncia de meacutedia e alta complexidade centraliza-se em

municiacutepios de maior porte e os serviccedilos de grande especializaccedilatildeo satildeo disponibilizados apenas

em alguns grandes centros do paiacutes

O princiacutepio da integralidade do atendimento determina que a cobertura proporcionada

pelo SUS deva ser a mais ampla possiacutevel refletindo tambeacutem a ideia de que as accedilotildees e

serviccedilos de sauacutede devem ser tomados como um todo harmocircnico e contiacutenuo de modo que

19

Quanto ao fato de ser o SUS unificado o STF analisando demanda em que era questionada a instituiccedilatildeo de

programa de sauacutede especiacutefico para atender somente servidores de empresas puacuteblicas de Satildeo Paulo ponderou

ldquo() se a Constituiccedilatildeo preconiza um sistema unificado de sauacutede eacute justificaacutevel ao menos do ponto de vista

constitucional que se criem programas puacuteblicos de sauacutede restritos a servidores Salvo casos de demonstrada

adequaccedilatildeo isso natildeo ofenderia tambeacutem a isonomia constitucional e a proacutepria concepccedilatildeo de serviccedilo de sauacutede

puacuteblica na Constituiccedilatildeo de 1988 De qualquer sorte nem eacute preciso responder a essas duacutevidas para a soluccedilatildeo do

casordquo (Grifos acrescidos) (ADI 3403 voto do Rel Min Joaquim Barbosa julgamento em 18-6-2007

Plenaacuterio DJ de 24-8-2007)

29

sejam ao mesmo tempo articulados e integrados em todos os aspectos e niacuteveis de

complexidade do sistema20

Ainda o SUS tem a importante caracteriacutestica da participaccedilatildeo direta e indireta da

comunidade tanto relacionada agrave definiccedilatildeo quanto ao controle social das accedilotildees e poliacuteticas de

sauacutede participaccedilatildeo realizada seja por meio dos representantes da sociedade civil junto agraves

Conferecircncias de Sauacutede as quais possuem competecircncia para fazer proposiccedilotildees na formulaccedilatildeo

das poliacuteticas de sauacutede nos diferentes niacuteveis da federaccedilatildeo ou seja atraveacutes dos Conselhos de

Sauacutede que atuam diretamente no planejamento e controle do SUS

232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS

Como visto o amparo constitucional do tema alicerccedilado sob a premissa de que a

sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado natildeo tem o condatildeo por si soacute de suficientemente

abranger as condicionantes econocircmico-sociais da sauacutede tampouco envolver de forma ampla

e irrestrita todas as possiacuteveis accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ateacute mesmo porque haveraacute sempre um

limite orccedilamentaacuterio variaacutevel contrastado com o surgimentos de novas necessidades a cada

periacuteodo Desta forma a Lei do SUS assume o relevante papel de tentar traccedilar um pontapeacute de

partida ao apresentar de modo geral os objetivos e atribuiccedilotildees inerentes ao SUS os quais

buscam concretizar os princiacutepios que regem tal sistema bem como delinear na medida do

possiacutevel as prioridades abarcadas pelo mesmo

Nesse contexto destaque-se que cabe ao SUS identificar e divulgar os fatores

condicionantes e determinantes da sauacutede formular as poliacuteticas de sauacutede o fornecimento de

assistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede

executar accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica bem como accedilotildees visando agrave sauacutede do

trabalhador formular poliacuteticas referentes a medicamentos equipamentos imunobioloacutegicos e

outros insumos de interesse para a sauacutede dentre outras atribuiccedilotildees que denotam a abrangecircncia

e complexidade na implementaccedilatildeo completa do mesmo

233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS

20

Sobre o tema dispotildee Ione Maria Domingues de Castro que ldquoa integralidade eacute essencial para a eficiecircncia do

sistema e para dar ao cidadatildeo o miacutenimo de condiccedilotildees dignas () Nessa perspectiva o cuidado com a sauacutede eacute

entendido natildeo apenas como um dos niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede ou um simples procedimento mas eacute visto como

uma accedilatildeo integrada que significa o direito de ter uma existecircncia digna com respeito agraves diferenccedilas individuaisrdquo

CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao miacutenimo existencial

garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 248

30

Consoante exposto um dos princiacutepios que regem o SUS eacute a participaccedilatildeo da

comunidade Nesse contexto a Lei ndeg 814290 merece destaque pois estabelece que o SUS

contaraacute em cada esfera de governo com as Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede oacutergatildeos de

instacircncia colegiada que cuidam da avaliaccedilatildeo proposiccedilatildeo de diretrizes e formulaccedilatildeo de

estrateacutegias para as poliacuteticas de sauacutede Aleacutem disso contam com a participaccedilatildeo de

representantes de vaacuterios segmentos sociais englobando natildeo soacute representantes do governo

como tambeacutem profissionais de sauacutede e usuaacuterios

Por outro lado aleacutem de viabilizarem a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS

tais conselhos representativos funcionam como verdadeiros espaccedilos de negociaccedilatildeo que

terminam por reduzir a possibilidade de o Ministeacuterio da Sauacutede estabelecer de maneira

unilateral as regras de funcionamento do SUS contrabalanceando dessa maneira a

concentraccedilatildeo de autoridade conferida ao Executivo Federal

A referida lei ainda trata da alocaccedilatildeo dos recursos do Fundo Nacional de Sauacutede

(FNS) ganhando relevo o destaque dado agraves obrigaccedilotildees a serem cumpridas pelos Municiacutepios

Estados e Distrito Federal como a elaboraccedilatildeo de relatoacuterios de gestatildeo que permitam o controle

dos recursos para o recebimento do repasse automaacutetico dos valores ligados agrave cobertura das

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede a serem implementados pelos mesmos

Nessa temaacutetica com supedacircneo no art 5deg da lei em comento destacaram-se as

chamadas Normas Operacionais Baacutesicas (NOB) e Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede (NOAS)

editadas por meio de portarias do Ministeacuterio da Sauacutede as quais tentaram estabelecer criteacuterios

para a transferecircncia de recursos aos demais entes federados desembocando no conhecido

Pacto pela Sauacutede (PortariaGMMS ndeg 6982006) Tal pacto alterou a forma de financiamento

do SUS reduzindo as mais de cem diversas modalidades entatildeo existentes para apenas cinco

blocos (atenccedilatildeo baacutesica atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade hospitalar e ambulatorial

vigilacircncia em sauacutede assistecircncia farmacecircutica e gestatildeo do SUS)

234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem

aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede

Por forccedila da Emenda Constitucional ndeg 292000 foi estabelecida a participaccedilatildeo miacutenima

de recursos financeiros para cada ente federado no financiamento das accedilotildees e serviccedilos

puacuteblicos de sauacutede para o periacuteodo entre 2000 e 2004 mediante regramento constante no artigo

77 do ADCT Foi prevista tambeacutem a ediccedilatildeo de uma Lei Complementar consoante dispotildee osect

31

3deg do art 198 da CF de 1988 com a missatildeo de revisar os percentuais estabelecer criteacuterios de

rateio e fiscalizar e controlar os recursos referidos

Ocorre que a despeito da autoaplicabilidade inerente aos dispositivos da EC ndeg

292000 ficou evidenciada a necessidade de ser esclarecido conceitual e operacionalmente o

alcance dessas previsotildees constitucionais sobretudo o que estaria abrangido materialmente

como accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede de modo a garantir eficaacutecia e perfeita aplicaccedilatildeo das

mesmas pelos agentes puacuteblicos Nesse sentido surgiram diversas iniciativas buscando

harmonizar as interpretaccedilotildees quanto agraves regras impostas pela EC ndeg 292000 ateacute que a

recalcitracircncia na elaboraccedilatildeo da Lei Complementar referida fosse suprida

Destacaram-se nesse cenaacuterio tanto a Resoluccedilatildeo ndeg 322200321

elaborada pelo

Conselho Nacional de Sauacutede que buscou uniformizar em todo territoacuterio nacional a aplicaccedilatildeo

dos ditames trazidos pela EC ndeg 292000 fixando diretrizes sobre a base de caacutelculo para a

definiccedilatildeo dos recursos miacutenimos a serem aplicados em sauacutede a definiccedilatildeo das regras para a

apuraccedilatildeo de tais recursos bem como a definiccedilatildeo do que exatamente seria considerado accedilotildees e

serviccedilos puacuteblicos de sauacutede como tambeacutem as Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias surgidas apoacutes a

EC 292000 que trataram de definir o que compreenderia em acircmbito federal o conjunto das

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede desempenhando o papel da almejada Lei Complementar

A definiccedilatildeo trazida pelas Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias se calcou na ideia de que a

totalidade da dotaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede deduzidos os encargos previdenciaacuterios da

Uniatildeo os serviccedilos da diacutevida e a parcela das despesas do Ministeacuterio financiada com recursos

do Fundo de Combate e Erradicaccedilatildeo da Pobreza compreenderia os recursos para as accedilotildees e

serviccedilos puacuteblicos de sauacutede na esfera federal obedecendo assim a uma loacutegica meramente

institucional levando em conta apenas o oacutergatildeo executor da accedilatildeo bastando que a despesa

estivesse na programaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede para que em tese integrasse o referido piso

de aplicaccedilatildeo

Tal precariedade levou a subjetivismos e duacutevidas na realizaccedilatildeo dos gastos em sauacutede jaacute

tendo sido alocado por exemplo parte dos recursos destinados ao Bolsa Famiacutelia (programa

marcadamente assistencialista) como constantes do orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede bem

como computado no piso da sauacutede os gastos com a regulaccedilatildeo das operadoras de planos

21

De se destacar que tal Resoluccedilatildeo foi alvo de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2999RJ) entendendo

o Supremo Tribunal Federal pelo natildeo conhecimento da referida accedilatildeo sob o argumento de que a Resoluccedilatildeo foi

expedida com fundamento em regras de competecircncias previstas em um complexo normativo infraconstitucional

abarcado pelas jaacute mencionadas Lei 808090 e 814290

32

privados de sauacutede e suas relaccedilotildees com prestadores e consumidores accedilotildees tipicamente

fiscalizatoacuterias e ligadas a sauacutede suplementar que natildeo atende a universalidade e equidade22

Em acircmbito estadual o quadro tambeacutem foi de grande divergecircncia quanto agrave aplicaccedilatildeo da

Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 do Conselho Nacional de Sauacutede instaurando-se um cenaacuterio de

inseguranccedila juriacutedica em que alguns Estados por exemplo incluiacuteram absurdamente como

constantes do orccedilamento da sauacutede despesas com pagamento de planos meacutedicos privados para

servidores puacuteblicos saneamento alimentaccedilatildeo e assistecircncia social desvirtuando as diretrizes

da mencionada Resoluccedilatildeo

Tais situaccedilotildees em que pese denotarem a proacutepria dificuldade que haacute em se delimitar

um conceito fechado de sauacutede puacuteblica a qual ora liga-se a ideia de uma realidade

epidemioloacutegica (o estado geral de sauacutede de um dado povo) ora vincula-se a noccedilatildeo de

atividade estatal para a administraccedilatildeo da sauacutede e ora serve para designar uma aacuterea da

atividade humana caracterizada pela especializaccedilatildeo profissional e institucional (um campo do

conhecimento humano organizado em uma disciplina)23

terminam por transparecer um

desvirtuamento das verbas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede que sacrifica a concretizaccedilatildeo de tal

direito

Natildeo resta duacutevida desta maneira que a omissatildeo legislativa em se criar a Lei

Complementar prevista pela EC ndeg 292000 contribuiu para a difiacutecil tarefa de se aferir o que

exatamente seria obrigaccedilatildeo do Estado na realizaccedilatildeo do direito fundamental a sauacutede tema que

assume importantiacutessima relevacircncia quando do estudo da efetividade de tal direito bem como

sua proteccedilatildeo judicial conforme se veraacute nos capiacutetulos seguintes

Pois bem em 13 de janeiro de 2012 foi sancionada a Lei Complementar ndeg 141 que

sanando uma omissatildeo que jaacute durava cerca de doze anos veio a instituir nos termos do sect 3deg do

art 198 da Constituiccedilatildeo Federal

i o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante miacutenimo a ser aplicado anualmente

pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede

ii percentuais miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados

anualmente pelos Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de

sauacutede

22

Nota Teacutecnica ndeg 10 de 2011 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos

Deputados - CONOFCD A Sauacutede no Brasil Histoacuteria do Sistema Uacutenico de Sauacutede arcabouccedilo legal

organizaccedilatildeo funcionamento financiamento do SUS e as principais propostas de regulamentaccedilatildeo da

Emenda Constitucional ndeg29 de 2000 p 23 23

AITH Fernando Curso de direito sanitaacuterio a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Satildeo Paulo Quartier

Latin 2007 p 50-51

33

iii criteacuterios de rateio dos recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados

ao Distrito Federal e aos Municiacutepios bem como dos Estados para os seus respectivos

Municiacutepios visando agrave progressiva reduccedilatildeo das disparidades regionais

iv normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferase

v definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em accedilotildees e serviccedilos

puacuteblicos de sauacutede

A tiacutetulo de exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o pagamento de

aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros

programas de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS passaram a

expressamente natildeo constituir despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de

apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos de que trata a referida LC 1412012 representando um

passo significativo para uma uniformizaccedilatildeo miacutenima dos gastos em sauacutede no paiacutes corrigindo

distorccedilotildees e contribuindo para a otimizaccedilatildeo do planejamento do SUS por meio da canalizaccedilatildeo

de investimentos para accedilotildees efetivamente pertinentes ao campo da sauacutede

Desta maneira a LC ndeg 1412012 aleacutem de trazer mais seguranccedila juriacutedica e

uniformidade na correta aplicaccedilatildeo de recursos na aacuterea de sauacutede assume papel chave na

temaacutetica da efetividade do direito agrave sauacutede visto que suas disposiccedilotildees terminam por contribuir

consideravelmente tanto para a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para tal

direito jaacute que satildeo arroladas as accedilotildees e serviccedilos que os recursos estatais devem minimamente

abranger como tambeacutem auxiliam na construccedilatildeo de paracircmetros relevantes agrave proteccedilatildeo judicial

do mesmo consoante seraacute analisado mais a frente em toacutepico oportuno

24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E ALGUNS DESAFIOS

ATUAIS DO SUS

A implantaccedilatildeo do SUS no iniacutecio da deacutecada de noventa ocorreu em um periacuteodo

desfavoraacutevel notadamente influenciado pela ideologia neoliberal no cenaacuterio econocircmico

brasileiro tendo tal fato contribuiacutedo para a alocaccedilatildeo da reforma sanitaacuteria a um niacutevel de

prioridade secundaacuteria na agenda poliacutetica do paiacutes visto que a conjuntura inicial era marcada

pelo apoio estatal ao setor privado e pela concentraccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede nas regiotildees mais

desenvolvidas do paiacutes

Apesar disso eacute inegaacutevel que nos uacuteltimos vinte anos o SUS avanccedilou a partir de

inovaccedilotildees institucionais calcadas sobretudo em um intenso processo de descentralizaccedilatildeo que

outorgou maior responsabilidade aos municiacutepios na gestatildeo e serviccedilo de sauacutede aleacutem de

34

possibilitar meios para promoccedilatildeo da participaccedilatildeo social na criaccedilatildeo de sauacutede e controle do

desempenho do sistema destacando-se os esforccedilos na fabricaccedilatildeo de produtos farmacecircuticos e

a cobertura da vacinaccedilatildeo24

Ocorre que o SUS em que pese jaacute possuir bases legais estabelecidas e amadurecidas a

partir de uma consideraacutevel experiecircncia operacional ainda precisa ser melhor desenvolvido na

busca pela garantia da cobertura universal e equitativa abraccedilada por nosso ordenamento

Nesse ponto faz-se imprescindiacutevel uma reestruturaccedilatildeo financeira e uma revisatildeo profunda das

relaccedilotildees puacuteblico-privadas atinentes ao sistema de modo a diminuir as desigualdades

persistentes e garantir uma sustentabilidade poliacutetica econocircmica e teacutecnica do SUS

Para se ter uma ideia seja na atenccedilatildeo baacutesica secundaacuteria ou terciaacuteria as diversas

estrateacutegias de repasse de recursos bem como a implantaccedilatildeo de programas como o Programa

de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) apesar de diminuir o problema estrutural natildeo foram

suficientemente satisfatoacuterios sobretudo pela baixa integraccedilatildeo e deficiecircncia dos prestadores

em niacuteveis municipal e estadual

Nesse raciociacutenio notadamente para os procedimentos de meacutedio e alto custo haacute um

inegaacutevel quadro de deficitaacuterio controle dos custos e da eficiecircncia das accedilotildees envolvidas visto

que quem os realiza predominantemente satildeo os atores privados contratados e hospitais

puacuteblicos de ensino pagos com recursos puacuteblicos a preccedilos proacuteximos do valor de mercado

contribuindo para a potencializaccedilatildeo dos obstaacuteculos estruturais procedimentais e poliacuteticos do

SUS25

De se destacar ainda que aleacutem de claros problemas estruturais como eacute o caso do jaacute

citado desequiliacutebrio de poder entre integrantes da rede de sauacutede da falta de responsabilizaccedilatildeo

dos atores envolvidos aliada agraves descontinuidades administrativas e da alta rotatividade dos

gestores por motivos poliacuteticos a carecircncia em infraestrutura eacute um grave fator que compromete

a efetividade das iniciativas puacuteblicas para o setor

Em que pese natildeo ser objeto do presente trabalho o exame apurado dos problemas do

SUS agrave tiacutetulo de ilustraccedilatildeo faz-se imperioso destacar que da leitura de dados da OMS

extraiacutedos em 2011 depreende-se que26

24

PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p 28 Disponiacutevel em

httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 11022013 25

SOLLA J Chioro A Atenccedilatildeo ambulatorial especializada In GIOVANELLA Liacutevia (Org) Poliacuteticas e

sistema de sauacutede no Brasil Rio de Janeiro FioCruz 2008 p 672 e 673 26

Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201304130402_saude_gastos_publicos_lgdsht

Acesso em 04032013

35

a) no Brasil os gastos privados com sauacutede correspondem a 54 das despesas totais do

setor enquanto que os gastos puacuteblicos financiam os 46 restantes (para se ter um

ideia na Colocircmbia o financiamento puacuteblico na aacuterea eacute de 74 e no Chile 68)

b) a parcela do orccedilamento federal destinada agrave sauacutede gira em torno de 87 enquanto a

meacutedia dos paiacuteses africanos eacute 106 e a meacutedia mundial 117

c) o gasto anual do governo com a sauacutede de cada habitante corresponde a cerca de

US$ 477 doacutelares bem abaixo da meacutedia mundial (US$ 716 doacutelares) e dos nuacutemeros de

paiacuteses vizinhos como Argentina (US$ 866 doacutelares) e Chile (US$ 607 doacutelares)

Ainda conforme dados do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) haacute um

claro descompasso na execuccedilatildeo do orccedilamento em relaccedilatildeo ao crescimento do Produto Interno

Bruto (PIB) vez que no periacuteodo de 1995 a 2010 a meacutedia de investimento em sauacutede foi de

168 do PIB enquanto a OMS recomenda a aplicaccedilatildeo de pelo menos 5 do PIB para a

obtenccedilatildeo de padrotildees eficientes de atendimento27

Contudo se por um lado os dados acima levam a crer que ainda falta investimento em

recursos para a sauacutede eacute inegaacutevel que esta natildeo eacute a uacutenica dificuldade da sauacutede puacuteblica no

Brasil visto que haacute uma verdadeira multicausalidade no tema que engloba tambeacutem a crise de

gestatildeo pela qual passa o SUS os problemas relacionados agrave corrupccedilatildeo somados agrave impunidade

quanto aos desvios de verbas da sauacutede e a necessidade de uma delimitaccedilatildeo mais clara dos

investimentos em sauacutede com a melhoria da fiscalizaccedilatildeo dos mesmos

Vislumbra-se portanto que o maior desafio enfrentado pelo SUS eacute poliacutetico sendo

necessaacuteria uma uniatildeo de esforccedilos tanto dos governantes como da sociedade aliada aos oacutergatildeos

de fiscalizaccedilatildeo da gestatildeo puacuteblica para se alcanccedilar uma melhoria estrutural em seu

funcionamento capaz de fazer valer na praacutetica as disposiccedilotildees normativas previstas

contribuindo assim para uma maior concretizaccedilatildeo do direito fundamental agrave sauacutede a partir do

agir comunicativo da sociedade28

25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO

ORDENAMENTO PAacuteTRIO

27

CASTRO Jorge Abrahatildeo Gasto Social Federal uma anaacutelise da prioridade macroeconocircmica no periacuteodo

1995-2010 Nota Teacutecnica do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) disponiacutevel em

httpwwwipeagovbragenciaimagesstoriesPDFsnota_tecnica120904_notatecnicadisoc09_apresentacaopdf

Acessado em 06032013 28

PAIM Jairnilson Silva Bases conceituais da reforma sanitaacuteria brasileira In FLEURY Socircnia (Org) Sauacutede e

democracia a luta do CEBES Satildeo Paulo Lemos 1997 p 20-22

36

Para o exame da sauacutede como direito humano e a exata noccedilatildeo de sua abrangecircncia

protetiva em acircmbito internacional faz-se necessaacuterio analisar os principais documentos que

tratam dos direitos humanos tanto em niacutevel universal como regional (especialmente no

continente americano) de modo a se extrair dos mesmos as disposiccedilotildees correlatas com a

temaacutetica da sauacutede

No que se refere ao sistema universal tem-se que a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos (DUDH) adotada pela III Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas sob a forma de

resoluccedilatildeo em 10 de dezembro de 1948 consolidou a afirmaccedilatildeo de uma eacutetica universal ao

consagrar um consenso de caraacuteter vinculante sobre valores a serem seguidos pelos Estados a

partir da conjugaccedilatildeo do valor liberdade com o da igualdade impondo-se como um coacutedigo de

conduta voltado ao reconhecimento universal dos direitos humanos29

Nesse contexto apesar de indiretamente diversos dispositivos deste diploma se

correlacionarem com o direito humano a sauacutede (por exemplo art 3deg trata do direito agrave vida

art 5deg da proibiccedilatildeo da tortura art 22 direitos sociais indispensaacuteveis agrave dignidade e garantidos

pela cooperaccedilatildeo internacional) a menccedilatildeo expressa a tal direito social encontra-se no art 25 o

qual faz alusatildeo ao acesso agraves condiccedilotildees miacutenimas de sauacutede e bem-estar inclusive a cuidados

meacutedicos e serviccedilos sociais indispensaacutevel abrangendo desta maneira uma percepccedilatildeo da sauacutede

de maneira ampla e aproximada da concepccedilatildeo propagada pela OMS30

Dispotildee o art 25 da

Declaraccedilatildeo que

Todo homem tem direito a um padratildeo de vida capaz de assegurar a si e a sua

famiacutelia sauacutede e bem-estar inclusive alimentaccedilatildeo vestuaacuterio habitaccedilatildeo

cuidados meacutedicos e os serviccedilos sociais indispensaacuteveis e direito agrave seguranccedila

em caso de desemprego doenccedila invalidez viuvez velhice ou outros casos

de perda dos meios de subsistecircncia em circunstacircncias fora de seu controle

2 A maternidade e a infacircncia tecircm direito a cuidados e assistecircncia especiais

Todas as crianccedilas nascidas dentro ou fora do matrimocircnio gozaratildeo da mesma

proteccedilatildeo social (Grifos acrescidos)

Aleacutem da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos31

um importante avanccedilo foi dado

em 1966 com o intuito de explicitar melhor os direitos jaacute consagrados na DUDH bem como

29

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva

2006 p 133 30

TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo

por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 83 31

Conforme as liccedilotildees de Maria Helena Rodriguez a DUDH consolidou-se como um verdadeiro coacutedigo de

princiacutepios e valores universais ocasionando uma chamada globalizaccedilatildeo dos direitos humanos ldquopor baixordquo (ao

contraacuterio da globalizaccedilatildeo por cima tiacutepica das estruturas de comunicaccedilatildeo comeacutercio e poliacutetica) calcada no

desenvolvimento e emancipaccedilatildeo do ser humano mediante a conquista concreta de um rol de direitos por todas as

37

de fortalecer os mecanismos de controle da efetivaccedilatildeo desses direitos pela comunidade

internacional Tal fato consistiu na celebraccedilatildeo do Pacto Internacional de Direitos Civis e

Poliacuteticos (PIDCP) e do Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais

(PIDESC) os quais reforccedilaram a positivaccedilatildeo dos direitos humanos em acircmbito internacional e

trouxeram aspectos relevantes quanto ao direito agrave sauacutede

O PIDCP apresenta diversos dispositivos com ligaccedilatildeo indireta com o direito humano agrave

sauacutede ora por externarem um reforccedilo do direito agrave vida e agrave integridade humana (como eacute o caso

da proibiccedilatildeo da tortura e da vedaccedilatildeo do uso da pessoa em experimentos meacutedicos ou

cientiacuteficos sem livre e legiacutetimo consentimento) ora como uma limitaccedilatildeo de ordem puacuteblica

ao exerciacutecio de outros direitos humanos como o direito de entrar e sair do paiacutes e a nele

circular livremente o qual pode ser restringido em defesa da sauacutede puacuteblica

Jaacute no PIDESC haacute uma proteccedilatildeo mais enfaacutetica quanto ao direito agrave sauacutede especialmente

nos artigos 11 e 12 os quais refletem a noccedilatildeo construiacuteda de que a dignidade eacute inerente agrave

pessoa humana por meio tanto da previsatildeo de aspectos materiais promovedores da sauacutede (art

11) como do proacuteprio direito a sauacutede em sentido estrito (art 12)

Artigo 11

1 Os Estados Signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda

pessoa a um niacutevel de vida adequado para si e sua famiacutelia inclusive

alimentaccedilatildeo vestimenta e moradia adequadas e ao melhoramento contiacutenuo

das condiccedilotildees de existecircncia ()

Artigo 12

1 Os Estados signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda

pessoa de desfrutar o mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede fiacutesica e mental

2 Entre as medidas que deveratildeo ser adotadas pelos Estados Signataacuterios do

Pacto a fim de assegurar a plena efetividade deste direito figuraratildeo as

necessaacuterias para

a) A reduccedilatildeo da mortalidade infantil e do iacutendice de natimortos bem

como o desenvolvimento sadio das crianccedilas

b) O aprimoramento em todos os seus aspectos da higiene do trabalho e

do meio ambiente

c) A prevenccedilatildeo e o tratamento das doenccedilas epidecircmicas endecircmicas

profissionais e de outro tipo e a luta contra elas

d) A criaccedilatildeo de condiccedilotildees que garantam a todos assistecircncia meacutedica e

serviccedilos meacutedicos em caso de doenccedila

A abertura de um dispositivo especiacutefico sobre sauacutede significou antes de tudo um

importante avanccedilo na proteccedilatildeo desse direito jaacute que ateacute entatildeo a grande maioria das referecircncias

ao mesmo era feita de forma indireta Contudo a principal contribuiccedilatildeo do mencionado

pessoas RODRIGUEZ Maria Helena Os direitos econocircmico sociais e culturais uma realidade inadiaacutevel In

Revista Trimestral de Debate FASE v31 ndeg 92 p 18-38 marmaio 2002 p 19

38

artigo 12 foi a listagem de accedilotildees estatais essenciais para a garantia da plena efetividade do

direito agrave sauacutede com a apresentaccedilatildeo das balizas centrais ou frentes prioritaacuterias as quais os

Estados Membros devem se preocupar quando tratam da temaacutetica da sauacutede puacuteblica

consistindo tal contributo assim em importante paracircmetro para a construccedilatildeo de um miacutenimo

existencial quanto a este direito fundamental

Antes de avanccedilar impende destacar um aspecto concernente aos citados Pactos que

seraacute relevante no estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais (em especial o direito agrave

sauacutede) tratado mais a frente Tal aspecto diz respeito agrave complementaridade iacutensita aos dois

pactos no sentido de que o fato de o PIDCP asseverar que os direitos civis e poliacuteticos satildeo

autoaplicaacuteveis (art 2deg) e o PIDESC por sua vez estabelecer uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo

progressiva nos limites dos recursos disponiacuteveis visando agrave mais completa realizaccedilatildeo dos

direitos elencados (art 2deg) natildeo significa que exista uma dualidade excludente entre as duas

categorias de direitos previstas Havendo em verdade uma autecircntica pluralidade combinada e

formadora de um conjunto indivisiacutevel perfeitamente imbricado no qual a ausecircncia de

medidas concretizadoras de um direito inevitavelmente repercute na fruiccedilatildeo plena do conjunto

restante32

Para monitorar o cumprimento pelos Estados Membros das prioridades elencadas

acima haacute um intercacircmbio de informaccedilotildees dos mesmos com o Comitecirc de Direitos Econocircmicos

Sociais e Culturais instituiacutedo pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU cuja principal

funccedilatildeo eacute exatamente a de monitorar a implementaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e

culturais por meio do exame dos relatoacuterios perioacutedicos apresentados pelos Estados Nessa

conjuntura a Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 do referido comitecirc eacute de suma importacircncia pois

esclarece quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas dos Estados as quais o cumprimento deve ser

imediato

O documento mencionado acima eacute calcado em quatro elementos essenciais e

interligados disponibilidade acessibilidade fiacutesica e econocircmica sem discriminaccedilatildeo

aceitabilidade e qualidade Nesse sentido cada Estado-Parte deve contar com um nuacutemero

suficiente de estabelecimentos bens e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os quais sejam acessiacuteveis a

todos sem qualquer discriminaccedilatildeo respeitem a eacutetica meacutedica sendo culturalmente apropriados

32

Realccedila essa visatildeo o fato de o art 5deg de ambos os Pactos criarem uma regra de inteligecircncia proacutepria dos direitos

humanos que se sobrepotildee aos demais criteacuterios hermenecircuticos tradicionais no sentido de que a interpretaccedilatildeo nos

Pactos deve ser a mais ampliativa possiacutevel voltada agrave maacutexima eficaacutecia dos preceitos que contecircm em um cenaacuterio

de busca pela maximizaccedilatildeo dos direitos humanos FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave

Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 29

39

e finalmente sejam providos de um miacutenimo de qualidade com profissionais qualificados e

condiccedilotildees sanitaacuterias adequadas33

Pode-se observar desta forma que a Observaccedilatildeo Geral ndeg 1434

funciona como um

verdadeiro instrumento de regulamentaccedilatildeo do artigo 12 do PIDESC e consequentemente de

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede visto que busca esclarecer quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas

dos Estados cujo cumprimento deve ser imediato35

e fora do espectro de discussatildeo da

disponibilidade de recursos como as seguintes a garantia de acesso a uma alimentaccedilatildeo

essencial miacutenima agrave moradia e abastecimento de aacutegua a adoccedilatildeo de estrateacutegias e accedilotildees

nacionais de sauacutede puacuteblica relacionadas com as preocupaccedilotildees mais claras da populaccedilatildeo a

facilitaccedilatildeo ao acesso de medicamentos36

essenciais etc

A Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 demonstra-se pois primordial para a compreensatildeo das

distintas dimensotildees normativas do direito a sauacutede pois busca oferecer respostas concretas e

ateacute certo ponto praacuteticas ao questionamento acerca do que deve ser cumprido pelos Estado

Membros do PIDESC na mateacuteria do direito agrave sauacutede apontando tanto obrigaccedilotildees gerais como

especiacuteficas de cunho positivo ou negativo37

Tambeacutem no acircmbito universal de proteccedilatildeo pode ser destacada a Declaraccedilatildeo de Viena38

de 1993 que ao legitimar a universalidade dos direitos humanos propagada desde 1948

33

MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a

concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN

Natal 2007 p 41 34

A Observaccedilatildeo Geral ndeg14 foi expedida durante o 22deg periacuteodo de sessotildees do Comitecirc de Direitos Econocircmicos

Sociais e Culturais celebrado no ano 2000 e seu texto pode ser consultado por exemplo em CARBONELL

Miguel MOGUEL Sandra amp PORTILLA Karla Peacuterez (compiladores) Derecho Internacional de los

Derechos Humanos Textos Baacutesicos 2deg Ediccedilatildeo Meacutexico Porruacutea 2003 pp 594- 621 35

No que refere-se agrave supervisatildeo do cumprimento das obrigaccedilotildees referidas tem-se que os Estados ndash partes devem

apresentar informaccedilotildees sobre as medidas que estejam sendo tomadas e os progressos alcanccedilados submetendo tais

dados ao Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Eacute nesse cenaacuterio que com o fito de avaliar o grau

de eficiecircncia dos serviccedilos de sauacutede em acircmbito internacional foi criada em 7 de abril de 1948 a Organizaccedilatildeo

Mundial de Sauacutede cujo objetivo eacute decidir as principais questotildees relativas agraves poliacuteticas de sauacutede com o fim de que

todos os povos possam gozar do grau maacuteximo de sauacutede possiacutevel 36

Medida salutar para se alcanccedilar tal facilitaccedilatildeo eacute a questatildeo que envolve a possibilidade da quebra de patentes

Sobre o tema conferir BARRETO Ana Cristina Costa Direito agrave sauacutede e patentes farmacecircuticas ndash O acesso a

medicamentos como preocupaccedilatildeo global para o desenvolvimento In Revista Aurora v 5 n7 jan 2011 37

Nesse sentido dispotildee Miguel Carbonell ao destacar os paraacutegrafos 35 e 36 do documento em exame que

ldquo()sobre la obligacioacuten de proteger el Comiteacute apunta que los Estados deberaacuten adoptar leyes u otras medidas para

velar por el acceso igual a la atencioacuten de la salud y los servicios relacionados con la salud proporcionados por

terceros velar por que la privatizacioacuten del sector de la salud no represente una amenaza para la disponibilidad

accesibilidad aceptabilidad y calidad de los servicios de atencioacuten de la salud controlar la comercializacioacuten de

equipo meacutedico y medicamentos por terceros y asegurar que los facultativos y otros profesionales de la salud

reuacutenan las condiciones necesarias de educacioacuten experiencia y deontologiacutea Los Estados tambieacuten tienen la

obligacioacuten de velar por que las praacutecticas sociales o tradicionales nocivas no afecten al acceso a la atencioacuten

anterior y posterior al parto ni a la planificacioacuten de la famiacutelia()rdquo CARBONELL Miguel El derecho a la salud

em el derecho internacional de los derechos humanos las observaciones generales de la ONU In Revista da

Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 pp 80-83 38

A Conferecircncia de Viena consolidou o aacutepice de um processo de consagraccedilatildeo dos direitos humanos como tema

da comunidade internacional que teve por carro-chefe a prevalecircncia de uma concepccedilatildeo universalizante a exceder

40

ponderou com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que os Estados devem promover a maternidade

segura e a assistecircncia de sauacutede consideradas elementos importantes para a diminuiccedilatildeo das

desigualdades de gecircnero reconheceu a importacircncia do usufruto de elevados padrotildees de sauacutede

fiacutesica e mental por parte da mulher durante todo o seu ciclo de vida sendo seu direito a

assistecircncia de sauacutede acessiacutevel e adequada estabeleceu ser dever dos estados natildeo impedir a

plena realizaccedilatildeo dos direitos humanos como eacute o caso do direito das pessoas a um niacutevel de

vida adequado agrave sauacutede e bem-estar e asseverou que os estados tecircm a obrigaccedilatildeo de prover

sauacutede agraves pessoas pertencentes a grupos vulneraacuteveis

A Declaraccedilatildeo de Viena desta feita natildeo soacute consolidou os direitos humanos como um

tema global a partir da afirmaccedilatildeo de sua universalidade interdependecircncia e

complementariedade solidaacuteria pregando pelo direito agrave diferenccedila e o dever de respeitar as

particularidades nacionais e regionais como tambeacutem significou um importante reforccedilo agrave

International Bill of Rights39

apresentando importantes disposiccedilotildees concernentes agrave temaacutetica

do direito agrave sauacutede40

Aleacutem dos textos jaacute citados existem alguns documentos mais especiacuteficos na esfera de

proteccedilatildeo universal dos quais podem ser extraiacutedos aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede

como a Convenccedilatildeo contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Crueacuteis Desumanos ou

Degradantes que embora natildeo aborde diretamente o direito em exame defende a natureza

absoluta da vedaccedilatildeo da praacutetica de tortura o que em uacuteltima anaacutelise consubstancia-se em

praacutetica protetiva da sauacutede e integridade fiacutesica a Convenccedilatildeo Internacional sobre a Eliminaccedilatildeo

de todas as formas de Discriminaccedilatildeo Racial que expressamente elenca em seu artigo 5deg o

dever de garantia pelo Estado do direito agrave sauacutede a cuidados meacutedicos e agrave previdecircncia social a

Convenccedilatildeo sobre todas as formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher que reconhece

especialmente em seu artigo 12 o direito da mulher agrave sauacutede e agrave assistecircncia apropriada em

relaccedilatildeo agrave gravidez bem como a Convenccedilatildeo sobre os Direitos da Crianccedila que menciona o

direito humano agrave sauacutede para todas as crianccedilas (arts 24 e 25) bem como para as crianccedilas

deficientes (art 23) extraindo-se de todo este arcabouccedilo protetivo que a sauacutede se situa como

relativismos e etnocentrismos culturais FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede

paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 31 39

Conforme aduz Piovesan o conjunto formado da soma entre os Pactos de 1966 e a Declaraccedilatildeo de 1948

formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o

Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 152 40

Nesse sentido se a DUDH veio a consolidar o pensamento de que natildeo haacute liberdade sem igualdade nem

igualdade sem liberdade preenchendo a lacuna que distanciava a visatildeo liberal e social a Declaraccedilatildeo de Viena foi

relevante pois solidificou a consagraccedilatildeo da indivisibilidade interdependecircncia e inter-relaccedilatildeo entre os direitos

humanos PIOVESAN Flaacutevia Proteccedilatildeo internacional dos direitos econocircmicos sociais e culturais In SARLET

Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais sociais estudos de direito constitucional internacional e

comparado Rio de Janeiro Renovar 2003 p 247

41

um tema transversal41

no processo de especificaccedilatildeo dos direitos humanos devido a sua

essencialidade e estreita relaccedilatildeo com o proacuteprio direito agrave vida

Em niacutevel regional42

podem ser mencionados os sistemas europeu africano e o

interamericano43

merecendo maior destaque este uacuteltimo para os anseios do presente trabalho

Nesse contexto na temaacutetica da proteccedilatildeo do direito humano agrave sauacutede no sistema

interamericano ganham relevo a Declaraccedilatildeo Americana dos Direitos e Deveres do Homem

de 1948 o subsistema da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash Pacto de Satildeo Joseacute

da Costa Rica de 1969 e o Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos

Humanos em mateacuteria de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais denominado de Protocolo

de Satildeo Salvador de 1988

A Declaraccedilatildeo Americana de maneira expressa aborda o direito agrave preservaccedilatildeo da

sauacutede e ao bem-estar em seu artigo 11 ao afirmar que toda pessoa tem direito a que sua sauacutede

seja resguardada por medidas sanitaacuterias e sociais relativas agrave alimentaccedilatildeo roupas habitaccedilatildeo e

cuidados meacutedicos correspondentes ao niacutevel permitido pelos recursos puacuteblicos e os da

coletividade deixando clara a importacircncia da efetivaccedilatildeo das prestaccedilotildees materiais do direito agrave

sauacutede em si mas tambeacutem dos seus fatores condicionantes mais relevantes alimentaccedilatildeo e

habitaccedilatildeo

A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos de 1969 por sua vez tratou de

prestigiar os direitos humanos de dimensatildeo individual e por tal razatildeo o direito agrave sauacutede eacute

tratado de maneira indireta ou subentendida visto que em seu artigo 5deg sect 1deg a aludida

Convenccedilatildeo afirma que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade fiacutesica

psiacutequica e moral Noutro poacutertico sob um vieacutes de direito de defesa diversos dispositivos ao

tratarem de determinados direitos individuais (como a liberdade de religiatildeo de pensamento

de reuniatildeo por exemplo) fazem alusatildeo a possibilidade de limitaccedilatildeo excepcional dos mesmos

justificada em razatildeo da defesa da sauacutede puacuteblica revelando o caraacuteter prioritaacuterio desse direito

social

41

TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo

por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 95 42

Assevera Flaacutevia Piovesan que ldquoos sistemas global e regional natildeo satildeo dicotocircmicos mas complementares ()

O propoacutesito da coexistecircncia de distintos instrumentos juriacutedicos ndash garantindo os mesmos direitos ndash eacute pois no

sentido de ampliar e fortalecer a proteccedilatildeo dos direitos humanos O que importa eacute o grau de eficaacutecia da proteccedilatildeo

e por isso deve ser aplicada a norma que no caso concreto melhor proteja a viacutetimardquo PIOVESAN Flaacutevia

Desenvolvimento histoacuterico dos direitos humanos e a Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 In Retrospectiva dos 20

anos da Constituiccedilatildeo Federal Walber de Moura Agra (coord) Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 24 43

Para um aprofundamento no exame desses trecircs sistemas PIOVESAN Flaacutevia Direito Humanos e Justiccedila

Internacional um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu interamericano e africano Satildeo

Paulo Saraiva 2006

42

Como explicado a proteccedilatildeo em 1969 limitou-se aos direitos de primeira dimensatildeo

contudo em 1988 foi assinado em San Salvador um Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo o

qual tratou de contemplar os direitos econocircmicos sociais e culturais Desta forma o artigo 10

do mencionado Protocolo trata de maneira expressa e enfaacutetica do tema do direito agrave sauacutede

reconhecendo algumas premissas baacutesicas e relevantes que devem ser levadas em consideraccedilatildeo

pelos Estados quais sejam

1 Toda pessoa tem direito agrave sauacutede entendida como o gozo do mais alto

niacutevel de bem-estar fiacutesico mental e social

()

3 A fim de tornar efetivo o direito agrave sauacutede os Estados Partes

comprometem-se a reconhecer a sauacutede como bem puacuteblico e

especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito

a Atendimento primaacuterio de sauacutede entendendo-se como tal a

assistecircncia meacutedica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas

e famiacutelias da comunidade

b Extensatildeo dos benefiacutecios dos serviccedilos de sauacutede a todas as pessoas

sujeitas agrave jurisdiccedilatildeo do Estado

c Total imunizaccedilatildeo contra as principais doenccedilas infecciosas

d Prevenccedilatildeo e tratamento das doenccedilas endecircmicas profissionais e de

outra natureza

e Educaccedilatildeo da populaccedilatildeo sob prevenccedilatildeo e tratamento dos problemas

de sauacutede e

f Satisfaccedilatildeo das necessidades de sauacutede dos grupos de mais alto risco e

que por sua situaccedilatildeo de pobreza sejam mais vulneraacuteveis

Eacute relevante notar que as disposiccedilotildees acima arroladas se coadunam e se somam com as

jaacute vistas previsotildees no direito paacutetrio quanto ao direito agrave sauacutede notadamente com os princiacutepios

informadores do SUS e terminam por compor o vasto arcabouccedilo juriacutedico de proteccedilatildeo do

direito agrave sauacutede constante no direito paacutetrio que poderaacute ser invocado pela sociedade para se ter

garantido respeitado e concretizado tal direito social

Merece destaque ainda a Declaraccedilatildeo de Alma-Ata de 1978 resultado da Conferecircncia

Internacional sobre Cuidados Primaacuterios de Sauacutede que em seu item I dispotildee que a realizaccedilatildeo

do mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede depende da atuaccedilatildeo de diversos setores sociais e

econocircmicos para aleacutem do setor da sauacutede propriamente dito o que termina por reforccedilar a

noccedilatildeo (seguida tanto pela ldquoLei do SUSrdquo) de ldquointersetorialidaderdquo desse direito Explicando

melhor na medida em que tal direito eacute compreendido como garantia de qualidade miacutenima de

vida sua efetivaccedilatildeo natildeo incumbe de modo exclusivo ao ldquosetor sauacutederdquo mas sim depende da

consecuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mais amplas direcionadas agrave superaccedilatildeo das desigualdades

43

sociais e ao pleno desenvolvimento da personalidade inclusive pelo compromisso com as

futuras geraccedilotildees44

Finalmente na temaacutetica da proteccedilatildeo internacional do direito agrave sauacutede eacute digna de

referecircncia a Carta de Intenccedilotildees formulada na 1deg Conferecircncia Internacional sobre Promoccedilatildeo

da Sauacutede ocorrida em Otawa no Canadaacute no ano de 1986 Tal Carta aleacutem de fixar novas

diretrizes e princiacutepios voltados agrave organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede em diversos paiacuteses

influenciando na criaccedilatildeo do SUS no Brasil procurou empreender uma leitura da promoccedilatildeo da

sauacutede centrada na procura da equidade e na busca pela reduccedilatildeo das desigualdades existentes

estabelecendo que a sauacutede seria um recurso da maior importacircncia para o desenvolvimento

social econocircmico e pessoal consistindo em uma dimensatildeo importante da qualidade de vida

de cada um45

44

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 4

45

MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a

concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN

Natal 2007 p 42

44

3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL

Em que pese ter se apresentado marcadamente descritivo devido a apresentaccedilatildeo de

disposiccedilotildees legislativas bem como de nuacutemeros percentuais que refletem o atual quadro da

sauacutede puacuteblica no Brasil o capiacutetulo anterior teve sua importacircncia pois contribuiu com uma

visatildeo geral acerca de como a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute esmiuccedilada e estruturada no

ordenamento paacutetrio O conhecimento do exato alcance deste complexo normativo eacute ponto de

suma relevacircncia para o estudo do presente toacutepico bem como da temaacutetica da proteccedilatildeo judicial

do direito agrave sauacutede tratado no capiacutetulo quarto

Dito isto seraacute examinado a seguir o tratamento que eacute dado no ordenamento paacutetrio agrave

questatildeo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais notadamente do direito agrave sauacutede e para a

exata compreensatildeo do tema faz-se primordial estudar como se deu a evoluccedilatildeo dos direitos

fundamentais e a influecircncia desse processo histoacuterico na construccedilatildeo do conteuacutedo baacutesico do

direito a sauacutede calcado em sua dupla fundamentalidade (formal e material)

31 A EVOLUCcedilAtildeO HISTOacuteRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana como valor essencial do ser humano (o valor

do homem como um fim em si mesmo) forma a matriz embrionaacuteria dos direitos fundamentais

e sempre esteve presente nas sociedades ainda que mais primitivas sendo apontada como um

dos poucos consensos teoacutericos do mundo contemporacircneo verdadeiro axioma da civilizaccedilatildeo

ocidental e talvez a uacutenica ideologia remanescente46

Posta tal premissa eacute certo que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais sua estratificaccedilatildeo

em geraccedilotildees e a abrangecircncia conceitual do que viria a ser direitos humanos encontra-se

perfeitamente atrelada agrave identificaccedilatildeo do percurso histoacuterico da noccedilatildeo de dignidade da pessoa

humana que como afirmado no tiacutetulo do presente toacutepico funciona como verdadeira buacutessola e

ponto de partida para a compreensatildeo desse processo47

46

MELLO Celso D de Albuquerque Direitos Humanos e Conflitos Armados Rio de Janeiro Renovar 1997

p 3 47

Nesse contexto importante as liccedilotildees Pieroth e Schlink de no sentido de que ldquoos direitos fundamentais satildeo

enquanto parte do direito puacuteblico e do direito constitucional direitos poliacuteticos e estatildeo sujeitos agrave mudanccedila das

ordens poliacutetica Mas os direitos fundamentais satildeo tambeacutem simultaneamente uma resposto agrave questatildeo

fundamental invariaacutevel da relaccedilatildeo entre liberdade individual e a ordem poliacuteticardquo PIEROTH Bodo SCHLINK

Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo

Saraiva 2012 p 33

45

Nesse contexto desvencilhando-se do propoacutesito de percorrer detalhadamente o

caminho histoacuterico do tema quatro momentos fundamentais podem ser apontados

cronologicamente como fases constitutivas da noccedilatildeo de dignidade humana o Cristianismo o

Iluminismo- Humanista a obra de Immanuel Kant e as barbaacuteries ocorridas na Segunda Guerra

Mundial48

Os valores pregados por Jesus Cristo e seus seguidores representaram a primeira

contribuiccedilatildeo na valorizaccedilatildeo individual do homem ao passo que a salvaccedilatildeo anunciada era

individual e dependente de uma decisatildeo pessoal sendo enfatizado tambeacutem o respeito ao

proacuteximo o que despertou para um sentimento de solidariedade iacutensito agrave noccedilatildeo de condiccedilotildees

miacutenimas de existecircncia que eacute tiacutepica da construccedilatildeo dos direitos sociais

Nesse contexto merece atenccedilatildeo os ensinamentos de Jorge Miranda ao afirmar que49

Eacute com o cristianismo que todos os seres humanos soacute por o serem e sem

acepccedilatildeo de condiccedilotildees satildeo considerados pessoas dotadas de um eminente

valor Criados a imagem e semelhanccedila de Deus todos os homens e mulheres

satildeo chamados agrave salvaccedilatildeo atraveacutes de Jesus que por eles verteu o seu sangue

Criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus todos tecircm uma liberdade

irrenunciaacutevel que nenhuma sujeiccedilatildeo poliacutetica ou social pode destruir

Posteriormente o Iluminismo contribuiu para o desenvolvimento da ideia de

dignidade humana a partir de sua crenccedila na razatildeo humana e a busca pela substituiccedilatildeo da

religiosidade pelo proacuteprio homem no centro do sistema de pensamento mediante o

desenvolvimento teoacuterico do humanismo que por sua vez se preocupava com os direitos

individuais do homem e o exerciacutecio democraacutetico do poder

Na sequecircncia ganhou destaque a formulaccedilatildeo do pensamento de Kant acerca da

natureza do homem e de suas relaccedilotildees consigo proacuteprio com o proacuteximo e com as suas criaccedilotildees

da natureza cuja premissa central era a de que o homem consiste em um fim em si mesmo e

natildeo em funccedilatildeo do Estado da sociedade ou da naccedilatildeo possuindo uma dignidade ontoloacutegica

Finalmente as chocantes agressotildees aos direitos humanos ocorridas na Segunda Guerra

Mundial pelo regime nazista realizadas sobre o manto da legalidade levaram agrave reflexatildeo no

cenaacuterio poacutes-guerra acerca da necessidade de superaccedilatildeo do modelo positivista com a

reaproximaccedilatildeo do direito da moral e o carro-chefe dessa virada Kantiana50

foi exatamente a

48

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 126 49

MIRANDA Jorge Manual de Direito Constitucional Tomo IV 3deg ed Coimbra Coimbra Editora 2000 p

17 50

ldquoDe uns trinta anos para caacute assiste-se ao retorno aos valores como caminho para a superaccedilatildeo dos positivismos

A partir do que se convencionou chamar de bdquovirada kantiana‟(kantische Wende) isto eacute a volta agrave influecircncia da

46

consagraccedilatildeo da dignidade da pessoa humana no plano internacional e a propagaccedilatildeo da mesma

nos direitos internos nacionais como valor maacuteximo e vetor de atuaccedilatildeo

Diante desses apontamentos nota-se que as contribuiccedilotildees para a construccedilatildeo da ideia

de dignidade da pessoa humana51

acima descritas foram cruciais para a evoluccedilatildeo dos direitos

fundamentais e a noccedilatildeo de direitos humanos difundida apoacutes a Segunda Guerra podendo-se

afirmar que o conteuacutedo juriacutedico da dignidade da pessoa humana se interliga harmonicamente

com os direitos fundamentais ou humanos52

ao passo que o respeito agrave dignidade de um

indiviacuteduo pressupotildee a observaccedilatildeo e realizaccedilatildeo dos seus direitos fundamentais53

Firmada essa importante observaccedilatildeo (referente a correlaccedilatildeo entre dignidade e direitos

fundamentais) seraacute feita a seguir uma anaacutelise da evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais natildeo

preocupada somente com uma abordagem descritivamente histoacuterico-enumerativa mas sim

com a perquiriccedilatildeo da razatildeo de serem necessaacuterias declaraccedilotildees de direitos fundamentais ao

longo da histoacuteria e a exato alcance dos direitos inclusos nas diferentes geraccedilotildees54

Eacute inegaacutevel que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais guarda pontos de similitude com

as etapas de formaccedilatildeo do Estado bem como a necessidade de limitaccedilatildeo do mesmo por meio

da garantia de direitos Nesse contexto o raciociacutenio de contraposiccedilatildeo ao Absolutismo por

filosofia de Kant deu-se a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos

e com a busca da justiccedila fundada no imperativo categoacuterico O livro A Theory of Justice de John Rawls publicado

em 1971 constitui a certidatildeo do renascimento dessas ideiasrdquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de Direito

Constitucional Financeiro e Tributaacuterio Valores e Princiacutepios Constitucionais Tributaacuterios v 2 Rio de

Janeiro Renovar 2005 p 41 51

Nesse presente momento a preocupaccedilatildeo foi somente a de deixar clara a interligaccedilatildeo entre a evoluccedilatildeo

construtiva da ideia de dignidade humana e a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Em momento oportuno seraacute

trabalhado o conceito dessa dignidade e seus aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede 52

Alguns autores apontam significaccedilatildeo diversa entre direitos fundamentais e direitos humanos no sentido destes

serem expressatildeo direcionada ao conjunto de direitos ideais metafiacutesicos derivados da natureza do homem

enquanto aqueles seriam apenas aqueles reconhecidos por uma ordem puacuteblica positiva Jaacute outros partindo de um

criteacuterio temporal e espacial apontam que direitos humanos seria uma expressatildeo utilizada para designar a

proteccedilatildeo juriacutedica outorgada a direitos no acircmbito do Direito Internacional ou seja sem limitaccedilatildeo de tempo e

espaccedilo e com pretensotildees de validade universal enquanto direitos fundamentais seria a dimensatildeo interna e

nacional desses direitos contemplados formal e materialmente pelo direito interno de algum ordenamento Nesse

sentido consultar FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave sauacutede paracircmetros para sua

eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 19 53

Realccedilando a ligaccedilatildeo loacutegica entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais o doutrinador

Canccedilado Trindade assevera que a ideia de direitos humanos e sua manifestaccedilatildeo satildeo tatildeo antigas quanto as

civilizaccedilotildees e a luta pela garantia dos mesmos surgiu em diferentes culturas e em movimentos histoacutericos

sucessivos na busca pela afirmaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana bem como na luta contra as formas de

dominaccedilatildeo despotismo e arbitrariedade TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Tratado de Direito

Internacional dos Direitos Humanos Porto Alegre Safe 1997 p 485 54

Desde jaacute esclarece-se que o presente trabalho trataraacute indistintamente como sinocircnimos os termos dimensotildees e

geraccedilotildees sem entrar na discussatildeo de pouca razatildeo praacutetica sobre a melhor terminologia a ser utilizada para

identificar a divisatildeo compartimentada da evoluccedilatildeo dos direito fundamentais Alguns respeitados autores

sustentam que a ideia de geraccedilotildees de direitos poderia ser equivocadamente compreendida mediante o raciociacutenio

de que uma geraccedilatildeo supera a anterior jaacute outros natildeo vislumbram tal problema apontando que as geraccedilotildees a

despeito de potenciais colisotildees satildeo complementares Nesse sentido confira-se SILVA Virgiacutelio Afonso da A

evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais ndeg6 2005 p

546

47

meio da limitaccedilatildeo do poder do Estado atraveacutes da garantia de direitos alicerccedilada na separaccedilatildeo

dos poderes55

empreendido pelo que se denominou de Constitucionalismo a partir das

revoluccedilotildees liberais do final do Seacuteculo XVII pode ser identificado como o autecircntico

nascedouro da formaccedilatildeo dos direitos fundamentais contudo ao longo da histoacuteria desde os

tempos mais antigos se vislumbrou embriotildees desse processo56

ganhando contornos mais

relevantes a experiecircncia inglesa com as precursoras declaraccedilotildees de direitos (Magna Carta de

1215 o Petition of Rights de 1629 o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689)

Ocorre que os documentos ingleses acima elencados natildeo possuiacuteam a essecircncia de

declaraccedilotildees de direitos no sentido atual do termo (sentido este que pressupotildee a vinculaccedilatildeo de

todos os poderes estatais aos direitos por elas estabelecidos) visto que consistiam em

declaraccedilotildees destinadas a garantir privileacutegios e prerrogativas a uma classe especiacutefica somado a

uma eventual presenccedila de direitos um pouco mais amplos (como o direito de peticcedilatildeo) Devido

a tal caracteriacutestica a doutrina aponta que as primeiras grandes e autecircnticas declaraccedilotildees de

direitos surgiram somente com os movimentos revolucionaacuterios nos Estados Unidos em 1776 e

na Franccedila em 1789 na conjuntura do surgimento do Estado Liberal57

Importante deixar claro nesse ponto que natildeo haacute uma perfeita equivalecircncia de

justificaccedilatildeo entre os dois movimentos citados Enquanto nos EUA a promulgaccedilatildeo de

declaraccedilotildees como a da Virgiacutenia ou a proacutepria declaraccedilatildeo de independecircncia dos Estados Unidos

apresentavam o escopo principal de verdadeiramente declarar os direitos que todos os seres

humanos congenitamente possuiriam e que jaacute era em grande parte realidade em uma

sociedade natildeo-estamental no contexto de formaccedilatildeo de uma naccedilatildeo proacutepria na Franccedila anos

mais tarde o objetivo principal era o de superaccedilatildeo da ordem absolutista anterior cujo embate

central pairava sobre a luta pelos direitos de liberdade e propriedade do povo e da burguesia

55

Como a doutrina liberal nascente tinha por intuito a limitaccedilatildeo do poder estatal em prol da liberdade de

comercializaccedilatildeo por parte da classe burguesa ascendente tambeacutem foi necessaacuteria a adoccedilatildeo de um mecanismo de

controle desse poder estatal Daiacute a importacircncia da Teoria da Separaccedilatildeo dos Poderes cujo maior expoente foi

Montesquieu que pregava uma seacuterie de contrapesos entre os poderes estatais de modo a garantir a liberdade

individual BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p

45 56

Para a anaacutelise proposta adotar-se-aacute como ponto de partida para o estudo dos direitos fundamentais os

documentos provenientes da Revoluccedilatildeo Americana e Francesa contudo eacute de bom alvitre ponderar que ainda na

antiguidade bem como na idade meacutedia surgiram textos escritos que formavam alguns conjuntos de regras e

cenaacuterios poliacuteticos de defesa da liberdade do homem ganhando destaque a Lei das XII Taacutebuas o Coacutedigo de

Hamurabi as disposiccedilotildees do Estado Teocraacutetico Hebreu as experiecircncias de participaccedilatildeo popular na Greacutecia

Antiga o Coacutedigo de Manu dentre outros Ocorre todavia que tais conjuntos de regras estabeleciam em sua

essecircncia mais obrigaccedilotildees aos indiviacuteduos e natildeo direitos jaacute que a figura deocircntica originaacuteria dos mesmos era o

dever e natildeo o direito 57

SILVA Virgiacutelio Afonso da A evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de

Estudos Constitucionais Ndeg 6 2005 p 544

48

ascendente58

e eacute nesse cenaacuterio que surge a primeira geraccedilatildeo59

(ou dimensatildeo) dos direitos

fundamentais

Como visto a primeira declaraccedilatildeo de direitos da modernidade que veio a estruturar o

regime democraacutetico e a limitaccedilatildeo do poder estatal foi a Declaraccedilatildeo de Direitos da Virgiacutenia60

nos EUA em 1776 Em seguida decorrente da Revoluccedilatildeo Francesa nasceu a Declaraccedilatildeo dos

Direitos do Homem e do Cidadatildeo em 1789 propagando os ideais de liberdade igualdade e

fraternidade61

O momento histoacuterico era o de formaccedilatildeo do Estado Liberal cujo anseio

maacuteximo era o de assegurar as liberdades dos indiviacuteduos contra os atos do Estado o qual

estaria obrigado a adotar um comportamento omissivo tanto no vieacutes poliacutetico quanto no

econocircmico62

Surgiram pois os chamados ldquodireitos de primeira dimensatildeordquo os quais englobam os

chamados direitos civis e poliacuteticos ligados ao valor liberdade consistindo em direitos

assegurados em face do Estado (ou seja oponiacuteveis ao Estado em uma relaccedilatildeo tipicamente

vertical Estado ndash indiviacuteduo) e portanto de caraacuteter eminentemente negativo jaacute que exigiam

uma abstenccedilatildeo por parte do Estado e em princiacutepio independiam de accedilotildees concretizadoras ou

densificadoras estatais sendo considerados self executing63

58

De se esclarecer que no contexto norte-americano a busca por limitaccedilatildeo se dirigia principalmente contra a

atuaccedilatildeo do legislativo prevenidos que estavam os founding fathers com a praacutetica do parlamento britacircnico nos

anos que precederam a independecircncia enquanto que nos paiacuteses europeus o limite se dirigiu basicamente agrave

atuaccedilatildeo dos monarcas absolutos BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 26 59

Terminologia propugnada por Karel Vazak e difundida por Bobbio ALVES Joseacute Augusto Lindgren Os

direitos humanos como tema global 2deg ed Satildeo Paulo Perspectiva 2003 p 42 60

Bobbio ao comentar tal declaraccedilatildeo afirma que ldquo() nasceu naquele momento uma nova e quero dizer aqui

literalmente sem precedentes forma de regime poliacutetico que natildeo eacute mais apenas o governo das leis contraposto ao

dos homens jaacute louvado por Aristoacuteteles mas o governo que eacute ao mesmo tempo dos homens e das leis dos

homens que fazem as leis e das leis que encontram um limite em direitos preexistentes dos indiviacuteduos que as

proacuteprias leis natildeo podem ultrapassar ()rdquo BOBBIO Norberto A era dos direitos Rio de Janeiro Elsevier

2004 p 224 61

Relevante a observaccedilatildeo feita por Barroso no sentido de que existiu uma verdadeira retroalimentaccedilatildeo entre as

revoluccedilotildees francesas e americanas visto que os ideais franceses expoentes agrave eacutepoca influenciaram os EUA em seu

processo de independecircncia e posteriormente foram reincorporados quando da Revoluccedilatildeo Francesa que terminou

por seguir os moldes normativos construiacutedos pelos americanos BARROSO Luiacutes Roberto

Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) In

Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 62

Importante esclarecer que ao longo do tempo apoacutes a concretizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo a burguesia francesa natildeo

buscou manter a universalidade das liberdades individuais entatildeo propostas as quais apenas por generalizaccedilatildeo

nominal estendiam-se agraves outras classes Nesse contexto instaurou-se um cenaacuterio em que a burguesia possuiacutea a

legitimidade para agir em nome da sociedade francesa contudo as liberdades individuais natildeo eram de fato

usufruiacutedas por todos o que refletia em um quadro de clara falta de igualdade material entre todos os cidadatildeos

aumentando-se as desigualdades entre os indiviacuteduos Logo na praacutetica os direitos fundamentais correspondiam

aos direitos da burguesia jaacute que para as classes inferiores eram direitos somente sob o aspecto formal Nesse

sentido BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 42 63

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra

Almedina 2003 p 376

49

Aqui merece destaque uma advertecircncia que seraacute retomada quando do estudo da

eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais Tal questatildeo diz respeito exatamente ao

esclarecimento de que ao contraacuterio do que muitos propotildeem o fato de os direitos de primeira

dimensatildeo terem por sua essecircncia a busca por uma liberdade do indiviacuteduo em face do Estado

natildeo significa necessariamente que sempre o Estado teraacute que se abster para a garantia de tais

direitos Explicando melhor quando o Estado atua visando a garantir certos direitos de

primeira geraccedilatildeo como o direito a seguranccedila bem como os direitos poliacuteticos tal atuaccedilatildeo

tambeacutem demanda accedilotildees do Estado accedilotildees essas que exigem um aporte financeiro do mesmo

para sua perfeita execuccedilatildeo bastando lembrar os custos relacionados ao recrutamento e

formaccedilatildeo de policiais bem como os ligados ao processo eleitoral64

Feita essa ressalva pode- se afirmar que os direitos individuais englobam um conjunto

de direitos cuja missatildeo fundamental eacute assegurar agrave pessoa uma esfera livre de intervenccedilatildeo da

autoridade poliacutetica ou do Estado65

e nessa linha foram gradualmente conquistados os direitos

agrave liberdade religiosa agrave liberdade civil e profissional agrave liberdade de expressatildeo reuniatildeo dentre

outros

Os direitos poliacuteticos por sua vez apresentam o escopo de instrumentalizar a

participaccedilatildeo dos indiviacuteduos na deliberaccedilatildeo puacuteblica e hodiernamente satildeo identificados como

corolaacuterio da igualdade de todo ser humano e da consequente necessidade de que as decisotildees

poliacuteticas sejam tomadas mediante uma estruturaccedilatildeo majoritaacuteria66

Tais direitos desta maneira

a despeito de terem uma configuraccedilatildeo distinta das liberdades puacuteblicas se amoldam agrave ideia de

direitos de liberdade em sua concepccedilatildeo positiva ou republicana jaacute que ligam-se agrave defesa da

participaccedilatildeo popular na tomada de decisotildees o que em uacuteltima instacircncia ao menos

indiretamente proporcionam liberdade

Portanto pode-se afirmar que os direitos protegidos nessa primeira etapa possuiacuteam

uma acepccedilatildeo eminentemente individualista baseada na doutrina do laissez-faire laissez-

passer cuja funccedilatildeo estatal primordial residia em permitir que as relaccedilotildees sociais e

econocircmicas (grande trunfo da burguesia) se desenvolvessem livremente livre de

64

HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights New York ndash LondonWW Norton amp

Company 1999 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O

princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 134 65

FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 1999

p 280 66

Nesse sentido Canotilho assevera que ldquoas raiacutezes do princiacutepio majoritaacuterio reconduzem-se aos princiacutepios da

igualdade democraacutetica da liberdade e da autodeterminaccedilatildeo Se a liberdade de participaccedilatildeo democraacutetica eacute igual e

vale para todos os cidadatildeos entatildeo o estabelecimento vinculativo e uma determinada ordenaccedilatildeo juriacutedica

pressupotildee pelo menos a concordacircncia da maioriardquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito

Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 311

50

interferecircncia cabendo ao Estado apenas proteger a propriedade e a seguranccedila dos

indiviacuteduos67

Com o passar dos tempos o quadro de liberdade apenas formal propagado pela

doutrina do Liberalismo somou-se agrave piora das condiccedilotildees de vida da classe operaacuteria durante a

Revoluccedilatildeo Industrial em um cenaacuterio que privilegiava um capitalismo (jaacute em crise) sem eacutetica e

alheio agraves desigualdades sociais Tal conjuntura passou a ser atacada68

pela classe operaacuteria que

jaacute se organizava em grupos fortemente politizados culminando no colapso do Estado Liberal

que frente a insustentabilidade da situaccedilatildeo viu-se obrigado a dar espaccedilo para o Estado Social

passando o Estado a comportar-se como um provedor e prestador de serviccedilos para a

populaccedilatildeo

Viu-se pois que natildeo era suficiente somente garantir a liberdade formal dos

indiviacuteduos havendo a necessidade de se reconhecer certos direitos sociais culturais e

econocircmicos derivados das reivindicaccedilotildees sociais relacionadas com os graves problemas da

eacutepoca Foi entatildeo que em meados de 1917 ganhou corpo a necessidade de intervenccedilatildeo do

Estado de modo a se conferir igualdade surgindo um novo cataacutelogo de direitos ligados agraves

prestaccedilotildees materiais por parte do Estado os chamados direitos fundamentais de segunda

dimensatildeo

Conforme jaacute adiantado frente a crise instaurada tais direitos passaram a exigir do

Estado natildeo mais uma abstenccedilatildeo mas sim um fazer uma postura positiva de atuaccedilatildeo se

transformando o mesmo em um verdadeiro prestador de serviccedilos de feiccedilatildeo intervencionista

nos acircmbitos econocircmicos sociais e laborais

Tais novos direitos surgiram pois natildeo somente como consequecircncia da necessidade de

maior participaccedilatildeo dos cidadatildeos nas decisotildees poliacuteticas mas tambeacutem devido agrave pressatildeo dos

movimentos sociais (e socialistas69

) que defendiam de maneira geral que as liberdades

puacuteblicas alcanccediladas na primeira geraccedilatildeo estavam obstadas de ser exercidas por aqueles que

67

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho

Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura

Federal UnB 2003 p7 68

Pertinente aqui a observaccedilatildeo de Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho no sentido de que foi com o exerciacutecio cada

vez mais intenso dos direitos poliacuteticos que se iniciou tambeacutem a pressatildeo por outros direitos que superassem a

ideia das meras liberdades negativas da primeira dimensatildeo FERREIRA FILHO Manuel Gonccedilalves Direitos

humanos fundamentais 2deg ed Satildeo Paulo Saraiva 1998 p 43 69

Aqui eacute importante esclarecer que os direitos sociais natildeo podem ser considerados como direitos socialistas

visto que na verdade satildeo formas de garantir a estabilidade e manutenccedilatildeo do capitalismo se natildeo liberal pelo

menos daquele de cunho social Nesse sentido tem-se que o Estado social natildeo se confunde com o Socialista O

primeiro pode ser caracterizado como um meio termo entre o modelo liberal e o socialista Para ficar mais claro

quando o estado estende sua influecircncia para a seara que antes era de atuaccedilatildeo exclusiva da atividade privada

tem-se ai o social por sua vez quando o estado faz mais que isso quando passa a concorrer imediatamente com

a esfera privada tem-se a socializaccedilatildeo BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo

Paulo Malheiros 2004 p 186

51

natildeo tinham condiccedilotildees materiais para tanto havendo a necessidade de se buscar uma igualdade

material para corrigir tal distorccedilatildeo

Vecirc-se assim que a pretensatildeo ao reconhecimento de direitos sociais pode ser

identificada como uma consequecircncia da luta iniciada pela generalizaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos

para a classe operaacuteria em um contexto em que assegurada a igualdade poliacutetica o objetivo

passou a ser a concretizaccedilatildeo da igualdade real que viesse a garantir as condiccedilotildees de vida

necessaacuterias e as possibilidades de realizaccedilatildeo de cada indiviacuteduo

Passou o Estado assim a assumir uma seacuterie de encargos ateacute entatildeo natildeo vistos como

tipicamente de sua atividade prestando serviccedilos na aacuterea de sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia social

bem como intervindo diretamente na regulaccedilatildeo dos mercados Surge o contexto do Welfare

State ganhando destaque as primeiras previsotildees de direitos socais presentes nas constituiccedilotildees

Mexicana70

e de Weimar71

de 1917 e 1919 respectivamente72

A loacutegica liberal de que a liberdade era suficiente para assegurar uma vida digna jaacute natildeo

mais reinava sendo necessaacuterio conferir ao cidadatildeo direitos que garantissem condiccedilotildees

materiais miacutenimas de desenvolvimento deixando claro que as dimensotildees natildeo se opotildeem mas

sim se complementam ao passo que os direitos sociais viabilizam o exerciacutecio real e

consciente dos direitos individuais e poliacuteticos73

Tais direitos passaram portanto a ser percebidos como uma dimensatildeo especiacutefica dos

direitos fundamentais na medida em que procuraram fornecer os recursos faacuteticos para uma

eficaz fruiccedilatildeo das liberdades inerentes agrave primeira dimensatildeo a partir da garantia de uma

igualdade (liberdade real) que somente poderia ser obtida pela compensaccedilatildeo das latentes

desigualdades sociais

Antes de examinar a proacutexima geraccedilatildeo de direitos eacute importante esclarecer que os

direitos sociais natildeo contemplam apenas posturas positivas do Estado comportando o cidadatildeo

70

Fruto de um movimento revolucionaacuterio iniciado em meados de 1910 contraacuterio ao governo ditatorial de

Porfiacuterio Dias o qual intentava dentre outros anseios a proibiccedilatildeo da reeleiccedilatildeo do presidente a devoluccedilatildeo de

terras aos povos indiacutegenas a nacionalizaccedilatildeo de empresas a consolidaccedilatildeo de direitos trabalhistas e a reforma

agraacuteria tal constituiccedilatildeo natildeo representou o fim da revoluccedilatildeo que perdurou por mais vinte e trecircs anos

COMPARATO Fabio Konder A afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 5deg ed Satildeo Paulo Saraiva

2007 p 177 71

Tal Constituiccedilatildeo possuiacutea um rol de direitos fundamentais mais bem estrutura que a Constituiccedilatildeo Mexicana a

partir de foacutermulas mais universais (por exemplo previsatildeo da funccedilatildeo social da propriedade de um sistema de

previdecircncia social de uma estruturaccedilatildeo quanto ao direito agrave educaccedilatildeo) daiacute sua maior influecircncia sendo seus

dispositivos aplicaacuteveis aos demais paiacuteses que seguiram sua modelagem agrave eacutepoca PINHEIRO Maria Claacuteudia

Bucchianeri A Constituiccedilatildeo de Weimar e os Direitos Fundamentais Sociais In Revista de Informaccedilatildeo

Legislativa v 43 ndeg 169 p 101-126 janmar 2006 p 121 72

SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In

SAMPAIO Joseacute Aeacutercio Leite (Org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo Horizonte

Del Rey 2003 p 252 73

SILVA Joseacute Afonso da Poder Constituinte e poder popular Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 189

52

em uma posiccedilatildeo de creacutedito perante o mesmo Conforme seraacute melhor analisado no toacutepico

referente ao estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais em que pese a conjuntura do

surgimento dos direitos sociais ter brotado a partir da necessidade concretizaccedilatildeo de prestaccedilotildees

materiais ao cidadatildeo pelo Estado eacute certo que essa segunda dimensatildeo apresenta diferentes

dimensotildees dentre elas uma dimensatildeo de cunho meramente defensivo a qual abriga as

chamadas liberdades sociais marcantes especificamente no acircmbito dos direitos dos

trabalhadores como o direito de greve e de liberdade sindical

Feita tal ressalva e voltando para a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais o cenaacuterio

agora eacute o contexto mundial poacutes Segunda Guerra em que a quase dizimaccedilatildeo do povo judeu e as

crueldades realizadas pelos nazistas fascistas e demais regimes totalitaacuterios levaram o mundo

a refletir que o Estado de Direito necessitava urgentemente de uma remodelagem visto que

com base no impeacuterio positivista da lei o nazismo amparado por um fundo de legalidade

cometeu diversos atos de clara afronta a direitos fundamentais dos homens

Fala-se pois em periacuteodo poacutes-positivista uma vez que o contexto no campo filosoacutefico

era o de superaccedilatildeo do positivismo juriacutedico com a reaproximaccedilatildeo do direito agrave moral e a busca

por um equiliacutebrio entre o direito natural e positivo voltando o ideaacuterio de justiccedila para a cena a

partir de uma virada copernicana no Direito principalmente devido a consagraccedilatildeo de forccedila

normativa aos princiacutepios74

Surgem assim os direitos de 3deg dimensatildeo associados agrave noccedilatildeo de solidariedade ou

fraternidade os quais satildeo dotados de um altiacutessimo teor de humanismo e universalidade ao

passo que visam natildeo agrave proteccedilatildeo de interesses particulares de um uacutenico indiviacuteduo ou de apenas

um grupo isolado mas de todo o gecircnero humano

Podem ser citados como inclusos no rol dessa terceira dimensatildeo o direito ao

desenvolvimento75

agrave paz76

ao meio ambiente agrave propriedade sobre o patrimocircnio comum da

humanidade ao progresso direito de comunicaccedilatildeo agrave autodeterminaccedilatildeo dos povos os quais

foram proclamados e difundidos universalmente pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

Humanos de 1948 e depois gradativamente incorporados nas constituiccedilotildees de diversos

paiacuteses

74

PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito

com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo

(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 30 75

Sobre a temaacutetica do direito em desenvolvimento destaca-se a obra ldquodesenvolvimento com liberdaderdquo de

Amartya Sen SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade traduccedilatildeo de Laura Teixeira Motta Satildeo Paulo

Companhia das Letras 2010 76

Importante esclarecer que o direito a paz na original classificaccedilatildeo de Karel Vazak foi incluiacuteda como direito de

terceira dimensatildeo contudo para Bonavides tal direito seria de quinta geraccedilatildeo pois consistia no objetivo a ser

buscado por todos os povos e que ainda natildeo foi alcanccedilado

53

Pela simples anaacutelise do rol de direitos que tal dimensatildeo abrange natildeo eacute muito difiacutecil

constatar que a definiccedilatildeo dos mesmos eacute tatildeo difusa quanto eles proacuteprios Melhor explicando

haacute uma dificuldade em se apontar claramente os contornos dogmaacuteticos que levam um direito a

ser enquadrado como de terceira dimensatildeo visto que a caracteriacutestica comum que une essa

gama de direitos tatildeo diversos eacute o fato de que todos eles aleacutem de natildeo terem titularidade

definiacuteveis destinam-se a realizar o terceiro pilar da Revoluccedilatildeo Francesa a fraternidade

Dessa criacutetica decorre uma certa falta de seguranccedila juriacutedica e ateacute mesmo de consenso

doutrinaacuterio sobre quais direitos estariam inseridos nessa categoria havendo tambeacutem quem

sinalize para a existecircncia de uma quarta geraccedilatildeo de direito e ateacute mesmo uma quinta Nesse

contexto para alguns a quarta geraccedilatildeo dos direitos fundamentais incluiria os direitos de

democracia informaccedilatildeo e pluralismo77

nascentes e aprimorados com a globalizaccedilatildeo poliacutetica

para outros incluiria os direitos contra os abusos da biotecnologia78

Quanto a esses direitos eacute

importante destacar os ensinamentos de Habermas79

que enxerga a democracia natildeo mais

como restrita a seu aspecto formal (vontade da maioria) mas em sua acepccedilatildeo material

Esclarecendo melhor o raciociacutenio eacute o de que o exerciacutecio dos direitos poliacuteticos

deveriam assegurar as liberdades de reuniatildeo de associaccedilatildeo e de expressatildeo do pensamento

para se alcanccedilar uma liberdade real de escolha e soacute assim serem assegurados os direitos

fundamentais baacutesicos A democracia passa assim a ser entendida materialmente ao passo em

que natildeo significaria apenas a vontade da maioria mas tambeacutem e principalmente a justa

fruiccedilatildeo de direitos baacutesicos por todos inclusive as minorias a partir do papel contra majoritaacuterio

efetuado pelo Poder Judiciaacuterio Desta forma no raciociacutenio exposto soacute se poderia falar em

democracia material em uma sociedade que proporcionasse a fruiccedilatildeo por todos de direitos

miacutenimos e a partir do desenvolvimento de tais direitos eacute que seria alcanccedilada uma efetiva

democracia

32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO DIREITO Agrave

SAUacuteDE

77

BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 572 78

Bonavides propotildee que os direitos contra os abusos da biotecnologia satildeo espeacutecies de novas aplicaccedilotildees dos

direitos de defesa SARLET Ingo Wolfgang Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre

Livraria do Advogado 2005 p 57 79

SOUZA NETO Claacuteudio Pereira de Teoria da Constituiccedilatildeo Democracia e Igualdade p 17 Disponiacutevel em

httpwwwmundojuridicoadvbrcgi-binuploadtexto1129(3)pdf Acessado em 01022013

54

Nessa parte do presente estudo seratildeo abordadas certas premissas consolidadas na

teoria dos direitos fundamentais cujo conhecimento faz-se relevante para se compreender a

problemaacutetica existente na concretizaccedilatildeo dos direitos sociais em especial do direito agrave sauacutede

Para tanto a seguir seratildeo abordados dentre outros aspectos referentes agrave exata noccedilatildeo das

dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais agrave dupla fundamentalidade (formal e

material) dos direitos sociais e a importacircncia da distinccedilatildeo entre princiacutepios e regras para o tema

da eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais

321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de

prestaccedilatildeo

Algumas das criacuteticas tecidas quando do exame das geraccedilotildees ou dimensotildees dos direitos

fundamentais seratildeo aqui retomadas e serviratildeo de base para a compreensatildeo da problemaacutetica

existente no atual cenaacuterio de crise na efetividade dos direitos sociais80

prestigiando-se o

afastamento de certas construccedilotildees doutrinaacuterias em prol da prevalecircncia de uma visatildeo mais

alinhada com os paradigmas do direito constitucional moderno

Nesse sentido importantes premissas devem ser postas primeiro a noccedilatildeo de

universalidade e interdependecircncia entre os direitos fundamentais conduz a insuficiecircncia da

tradicional distinccedilatildeo entre direitos positivos e negativos segundo eacute equivocada a afirmaccedilatildeo

de que somente direitos de segunda geraccedilatildeo importam em uma accedilatildeo do Estado que demanda

custos financeiros terceiro o criteacuterio funcional de classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais que

melhor se adeacutequa agrave nova ordem juriacutedica eacute o que divide os direitos em direitos de defesa e

direitos a prestaccedilotildees e finalmente a compreensatildeo de que todas as normas constitucionais ateacute

mesmo as ditas programaacuteticas81

satildeo aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de

integraccedilatildeo normativa

Esmiuccedilando cada um dos pontos acima alinhavados de iniacutecio tem-se que frente aos

pressupostos de universalidade indivisibilidade e interdependecircncia dos direitos fundamentais

eacute vulneraacutevel a classificaccedilatildeo entre direitos negativos e positivos visto que na praacutetica a

80

STRECK Lenio Luiz A crise da hermenecircutica e a hermenecircutica da crise a necessidade de uma nova criacutetica

do direito In SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo

Horizonte Del Rey 2003 p 108 81

Nesse sentido Artur Cortez Bonifaacutecio expotildee que ldquode fato ateacute mesmo as normas de caraacuteter institutivo ou de

natureza programaacutetica desprovidas de eficaacutecia positiva portam eficaacutecia negativa destinando as suas inferecircncias

para obstar o desenvolvimento de accedilotildees dos poderes constituiacutedos em contrariedade ao seu ambiente material

BONIFAacuteCIO Artur Cortez Normatividade e Concretizaccedilatildeo a Legalidade Constitucional In MOURA Lenice

S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo

Paulo Saraiva 2009 p 219

55

positividade ou negatividade natildeo reside no direito em si mas no dever consequentemente

imposto pelo direito correlato

Desta maneira torna-se imprecisa a pura correspondecircncia entre direitos de primeira

dimensatildeo como sendo negativos e de segunda dimensatildeo como sendo positivos visto que natildeo

soacute os direitos sociais econocircmicos e culturais demandam para serem assegurados uma intensa

atividade estatal mas tambeacutem os direitos civis e poliacuteticos pelo menos no que se refere agrave

proteccedilatildeo contra interferecircncia de terceiro bastando lembrar os encargos oriundos da atividade

de poliacutecia seguranccedila defesa justiccedila etc Noutro poacutertico os direitos de segunda dimensatildeo

tambeacutem possuem um vieacutes de natildeo interferecircncia tiacutepico dos direitos de primeira dimensatildeo pois

tanto o Estado quanto a comunidade devem respeitar a fruiccedilatildeo desses direitos pelos

respectivos titulares Ressalte-se ainda que existem direitos sociais de efeitos genuinamente

negativos constituindo as chamadas liberdades sociais (direito de greve e liberdade sindical)

Interligada a essa primeira premissa e reforccedilando a interdependecircncia entre os direitos

de primeira e segunda dimensatildeo estaacute a noccedilatildeo de que todos os direitos reivindicam custos ao

eraacuterio para serem efetivados independente de sua classificaccedilatildeo Assim se natildeo de forma direta

como ocorre com na disponibilizaccedilatildeo do Estado de parcela dos direitos de segunda dimensatildeo

pelo menos indiretamente a garantia da livre fruiccedilatildeo dos direitos civis e poliacuteticos exigem um

alto custo do aparelho estatal administrativo-judicial como satildeo os gastos com seguranccedila

puacuteblica e com as eleiccedilotildees por exemplo demonstrando-se impreciso e ingecircnuo82

portanto o

argumento de que certas naccedilotildees soacute poderiam assegurar os direitos de primeira e natildeo os de

segunda dimensatildeo

Avanccedilando aduz-se que a classificaccedilatildeo que melhor demonstra a natureza dos direitos

fundamentais no contexto do ordenamento paacutetrio eacute a que divide os direitos em de defesa e a

prestaccedilotildees O raciociacutenio eacute simples os direitos de defesa tutelam a esfera de liberdade dos

indiviacuteduos funcionando como limites ao poder estatal jaacute que satildeo outorgados direitos

subjetivos aos respectivos titulares para que esses possam atuar contra a ingerecircncia indevida

do Estado e dos demais particulares enquanto os direitos a prestaccedilotildees atrelam-se a ideia de

direito do cidadatildeo a uma accedilatildeo dos poderes puacuteblicos objetivando assim natildeo somente proteger

o acircmbito individual de liberdade e autonomia do indiviacuteduo frente ao Estado mas tambeacutem

assegurar a liberdade por intermeacutedio do Estado83

82

HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights why liberty depends on taxes New York

WW Norton 2000 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para

sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 35 83

Ressalta Mariana Filchtiner que tal classificaccedilatildeo se reporta agraves liccedilotildees de Alexy depois desenvolvidas por

Canotilho e adaptada ao ordenamento paacutetrio por Ingo Sarlet FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito

56

Eacute importante ressaltar que essa faceta prestacional natildeo engloba somente atos que

importem prestaccedilotildees faacuteticas84

(como eacute a disponibilizaccedilatildeo do serviccedilo de sauacutede puacuteblica) ao

indiviacuteduo mas abrange tambeacutem os atos que atribuem ao indiviacuteduo uma posiccedilatildeo relevante

para a defesa de outros direitos aproximando-se dos direito de participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e

no procedimento bem como atos de proteccedilatildeo perante outros cidadatildeos como por exemplo por

meio das normas penais

Fechando o raciociacutenio proposto relevante trazer agrave baila a visatildeo de que todas as normas

constitucionais incluiacutedas portanto as que dispotildeem sobre os direitos sociais satildeo

perfeitamente aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de integraccedilatildeo normativa

Isso ocorre porque pelo simples fato de existirem tais normas (i) revogam os atos

normativos contraacuterios ao seu comando independentemente de controle bem como serve de

paracircmetro para o controle dos atos posteriores que porventura com ela venham a colidir (ii)

vinculam o legislador agrave obrigaccedilatildeo de concretizar os fins previstos em seu texto sob pena de

flagrante omissatildeo inconstitucional (iii) funcionam como paracircmetro para interpretaccedilatildeo

integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e embora natildeo gerem direitos subjetivos

propriamente ditos (iv) datildeo origem a um direito subjetivo de cunho negativo de exigir que o

Estado se abstenha de atuar em sentido contraacuterio ao seu disposto

Desta maneira desmistificando certos posicionamentos jaacute ultrapassados pode-se

afirmar que todos os direitos fundamentais sejam de garantia ou prestacionais apresentam

um custo financeiro ao Estado e os enunciados normativos que os preveem satildeo aptos a

produzir certos efeitos juriacutedicos formando-se assim um sistema unitaacuterio e aberto dentro da

ordem constitucional paacutetria

322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla

fundamentalidade (formal e material)

A dimensatildeo subjetiva dos direitos fundamentais apresenta sua origem na concepccedilatildeo

claacutessica desenvolvida no periacuteodo das primeiras declaraccedilotildees de direitos no seacuteculo XVIII jaacute

vistas acima e comporta a noccedilatildeo de que os direitos fundamentais datildeo origem a uma seacuterie de

posiccedilotildees juriacutedicas diversas outorgando ao titular do direito pretensotildees de defesa proteccedilatildeo e

Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado

2007 p 40 84

Fala-se aqui em direito a prestaccedilatildeo em sentido estrito

57

prestaccedilatildeo quer perante o Estado ou a particulares85

se relacionando assim com o poder que o

titular de um direito possuir de exigir judicialmente a efetivaccedilatildeo do mesmo86

As primeiras fissuras dessa dimensatildeo subjetivista marcadamente de cunho

individualista surgiram com o Estado Social e se solidificaram ainda mais com o Estado

Democraacutetico de Direito a partir da noccedilatildeo bastante difundida por Rudold Smend de que a

funccedilatildeo primordial da Constituiccedilatildeo estaria em promover a integraccedilatildeo da comunidade o que soacute

seria possiacutevel pela tutela dos valores vividos e socialmente compartilhados O elemento

principal de uma Constituiccedilatildeo seria entatildeo os valores em que esta se apoia sendo a fonte

basilar desses valores exatamente os direitos fundamentais87

Desta forma a partir dessa concepccedilatildeo axioloacutegica difundiu-se a teoria da Constituiccedilatildeo

como funccedilatildeo integradora o que permitiu que os direitos fundamentais passassem a

desempenhar novos papeacuteis na ordem juriacutedica visto que natildeo seriam mais somente direitos de

cunho subjetivo mas sim autecircnticos proclamadores e tradutores do sistema de valores sobre

o qual repousaria a ordem vigente Surge a noccedilatildeo portanto de dimensatildeo objetiva dos direitos

fundamentais que veio a autorizar a extraccedilatildeo de deveres a serem impostos ao Estado e

particulares em decorrecircncia da simples irradiaccedilatildeo do conjunto dos direitos fundamentais e dos

valores por eles priorizados88

Haacute uma guinada na estrutura claacutessica da teoria dos direitos fundamentais89

os quais

passam de simples limitadores do poder estatal a acumular as funccedilotildees de fixadores de

diretivas basilares na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e vetores a serem respeitados nas

85

Importante destacar a contribuiccedilatildeo da teoria dos status de Georg Jellinek que calcada nos pressupostos de

subjetivismo e individualismo da eacutepoca assevera que os indiviacuteduos podem assumir quatro posiccedilotildees diferentes

perante o estado i passivo o indiviacuteduo estaria subordinado aos poderes estatais ii negativo ligada ao ideal de

liberdade jaacute que o indiviacuteduo teria sua esfera individual de liberdade imune agrave intervenccedilatildeo estatal iii positivo

seria a prerrogativa do Estado prestaccedilotildees positivas e iv ativo frente a possibilidade do indiviacuteduo participar

ativamente da formaccedilatildeo da vontade poliacutetica atraveacutes do voto por exemplo 86

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins apontam que a dimensatildeo subjetiva ldquotrata-se da dimensatildeo ou da funccedilatildeo

claacutessica uma vez que o seu conteuacutedo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir agrave intervenccedilatildeo estatal

em sua esfera de liberdade individual Essa dimensatildeo tem um correspondente filosoacutefico-teoacuterico que eacute a teoria

liberal dos direitos fundamentais a qual concebe os direitos fundamentais do indiviacuteduo de resistir agrave intervenccedilatildeo

estatal em seus direitos ()rdquo DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos

fundamentais 3deged Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 117 87

SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In

SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e direitos fundamentais Belo Horizonte Del

Rey 2003 p 270 88

FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e

efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 45 89

Nesse ponto Hesse destaca que os direitos fundamentais natildeo apenas constituem direitos subjetivos dos

indiviacuteduos mas tambeacutem princiacutepios objetivos baacutesicos para o ordenamento constitucional democraacutetico

abrangendo este duplo caraacuteter diferentes niacuteveis de significaccedilatildeo podendo atuar como legitimador criador e

fomentador do consenso apresentando-se assim relevante para processos democraacuteticos HESSE Conrado

Significado de los derechos fundamentales In Manual de Derecho Constitucional Madrid Marcial Pons

Ediciones Juriacutedicas y Sociales SA 1996 p 83-115

58

relaccedilotildees entre particulares norteando o Estado na consecuccedilatildeo dos seus fins Eacute do

reconhecimento dessa dimensatildeo objetiva90

que surgem portanto tanto a noccedilatildeo de eficaacutecia

horizontal dos direitos fundamentais os quais transcendem seu domiacutenio aleacutem da mera relaccedilatildeo

cidadatildeo e Estado atingindo a relaccedilatildeo direta entre os particulares como tambeacutem a importante

noccedilatildeo de garantias institucionais91

Este uacuteltimo efeito (a noccedilatildeo de garantias institucionais) corresponde a ideia de que o

acircmbito de proteccedilatildeo de um direito fundamental vai aleacutem da sua mera esfera subjetiva

alcanccedilando o complexo juriacutedico-normativo na sua essecircncia de modo a vincular o espaccedilo de

conformaccedilatildeo do legislador o qual deveraacute exercer sua funccedilatildeo norteado pelo dever de alargar o

espectro protetivo imediato do direito subjetivo em questatildeo visando agrave sua concretizaccedilatildeo por

meio de garantias institucionais92

Melhor esclarecendo as disposiccedilotildees legislativas a respeito do SUS que regulamentam

o art 196 da CF por exemplo atuam como verdadeiras garantias institucionais jaacute que

densificam o direito agrave sauacutede indo aleacutem do esboccedilo da proteccedilatildeo primitiva conferido na CF para

esse direito fundamental social Desta maneira frente agrave dimensatildeo objetiva do direito

fundamental agrave sauacutede natildeo poderia o legislador ao regulamentar a CF restringir o contorno

baacutesico que nela eacute dado a tal direito nem alterar a regulamentaccedilatildeo jaacute existente com o mesmo

propoacutesito (restriccedilatildeo do direito agrave sauacutede jaacute previsto na CF) sob pena de incorrer em

inconstitucionalidade

Feitas tais observaccedilotildees outro ponto de destaque eacute a noccedilatildeo de fundamentalidade formal

e material iacutensita aos direitos fundamentais A fundamentalidade formal liga-se ao direito

constitucional positivo desdobrando em um trifaacutesico raciociacutenio a) como parte integrante do

corpo constitucional os direitos fundamentais situam-se no aacutepice de todo o ordenamento

90

Podem ser identificados alguns desdobramento dessa dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais i os

direitos fundamentais apresentam objetivamente o caraacuteter de normas de competecircncia negativa no sentido de

que aquilo que estaacute sendo outorgado ao indiviacuteduo em termos de liberdade para accedilatildeo estaacute sendo objetivamente

retirado do Estado portanto independentemente do particular exigir em juiacutezo o respeito de seu direito ii os

direitos fundamentais funcionam como criteacuterio de interpretaccedilatildeo e configuraccedilatildeo do direito infraconstitucional a

partir de seu efeito de irradiaccedilatildeo iii os direitos fundamentais podem ser limitados por esta dimensatildeo objetiva

quando isso estiver no interesse de seus titulares ou seja a partir do raciociacutenio de que o titular estaria mais bem

protegido se natildeo exercesse o direito em certas circunstacircncias e iv haveria um dever estatal de tutela dos direitos

fundamentais no sentido de protegecirc-los ativamente contra ameaccedilas de violecircncia provenientes sobretudo de

particulares DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais 3deged Satildeo

Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 118-120 91

ANDRADE Joseacute Carlos Vieira de Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976 2 ed

Coimbra Almedina 2001 p 110 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede

paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 46 92

Haacute uma remodelagem da noccedilatildeo de conformaccedilatildeo legislativa visto que o legislador passa a ser encarado natildeo

mais como unicamente interessado em restringir os direitos fundamentais mas sim como um concretizador um

harmonizador do sistema a partir de sua atividade de otimizaccedilatildeo dos direitos em atenccedilatildeo agrave maacutexima efetividade

possiacutevel

59

juriacutedico constituindo-se pois em uma norma de superior hierarquia b) na qualidade de

normas fundamentais insculpidas na Constituiccedilatildeo escrita encontram-se submetidos aos

limites formais (procedimento mais dificultoso de modificaccedilatildeo) e materiais (as denominadas

ldquoclaacuteusulas peacutetreasrdquo) de reforma constitucional e c) com base no disposto no art 5deg paraacutegrafo

primeiro da CF as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais satildeo diretamente

aplicaacuteveis e vinculam diretamente o Estado e os particulares93

Quanto ao vieacutes material consoante se demonstraraacute melhor mais adiante este se refere

agrave relevacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional em si o que no caso do

direito fundamental social agrave sauacutede aqui trabalhado consiste em aspecto facilmente

identificaacutevel frente a evidente importacircncia da sauacutede como pressuposto agrave manutenccedilatildeo da vida

digna94

323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios

A partir dos estudos desenvolvidos por Ronald Dworkin e na sequecircncia por Robert

Alexy95

desenvolveu-se a chamada Teoria dos Princiacutepios a qual foi difundida no Brasil ao

final da deacutecada de oitenta e ao longo dos anos noventa do seacuteculo passado Essa Teoria eacute fruto

do pensamento juriacutedico contemporacircneo que reconhecendo o sistema juriacutedico como um

sistema aberto a partir de uma rede axioloacutegica e hierarquizada de normas prima pela

atribuiccedilatildeo de normatividade aos princiacutepios e reconhece uma distinccedilatildeo de grau e qualidade

entre regras e princiacutepios

A compreensatildeo de que os princiacutepios natildeo seriam mais meras linhas gerais de conduta

destituiacutedas de eficaacutecia mas sim autecircnticas espeacutecies do gecircnero ldquonormas juriacutedicasrdquo partiu da

constataccedilatildeo feita por Dworkin de que assim como as regras os princiacutepios tambeacutem possuiriam

um caraacuteter deontoloacutegico jaacute que a soluccedilatildeo dos chamados hard cases na maioria dos casos

somente seria alcanccedilada por meio da ponderaccedilatildeo96

de princiacutepios no caso concreto denotando

93

SARLET Ingo Wolfgang A Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 pp 78 e ss 94

SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave

sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 95

Sobre a noccedilatildeo de princiacutepios de ambos autores conferir DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional

no Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 70 96

Sobre a relaccedilatildeo entre ponderaccedilatildeo e o princiacutepio da proporcionalidade Daniel Sarmento aponta que ldquona

ponderaccedilatildeo de bens assume importacircncia iacutempar o princiacutepio da proporcionalidade sob a eacutegide do qual devem ser

efetivadas todas as restriccedilotildees reciacuteprocas entre os princiacutepios constitucionais () Conforme a doutrina mais

autorizada o princiacutepio da proporcionalidade eacute passiacutevel de divisatildeo em trecircs subprinciacutepios (a) da adequaccedilatildeo que

exige que as medidas adotadas tenham aptidatildeo para conduzir aos resultados almejados pelo legislador (b) da

necessidade que impotildee ao legislador que entre vaacuterios meios aptos ao atingimento de determinados fins opte

60

portanto o caraacuteter normativo dos mesmos97

Desta maneira admitida tal normatividade

passou-se a ser relevante a delimitaccedilatildeo dos traccedilos distintivos entre regras e princiacutepios

Nesse contexto tal distinccedilatildeo tem como ponto de partida a anaacutelise do modo de

aplicaccedilatildeo dos enunciados normativos Condensando as ideias dos doutrinadores acima

citados pode-se afirmar que os enunciados normativos podem se apresentar como regras ou

princiacutepios98

Os com caraacuteter de regras satildeo aplicados conforme a chamada maacutexima do ldquotudo ou

nadardquo mediante subsunccedilatildeo funcionando como ldquomandados ou comandos definitivos ou de

definiccedilatildeordquo jaacute que funcionam de maneira objetiva sem abertura de margem para valoraccedilatildeo por

parte do inteacuterprete ao qual caberaacute apenas aplicar a regra em ocorrendo sua hipoacutetese de

incidecircncia ou natildeo em caso negativo concluindo-se desta maneira que uma regra somente

deixaraacute de ser aplicada quando outra regra a excepcionar ou for invaacutelida99

Por outro lado os enunciado normativos que emanam princiacutepios abrigam um valor

um fim a ser atingido e em uma ordem juriacutedica pluralista como a vigente haacute a possibilidade

de eventuais colisotildees Desta maneira como de iguais hierarquia impossiacutevel a aplicaccedilatildeo na

modalidade ldquotudo ou nadardquo devendo vigorar a ideia de ldquomais ou menosrdquo a partir do emprego

da teacutecnica do sopesamento ou ponderaccedilatildeo a qual avalia a dimensatildeo de peso de cada princiacutepio

na situaccedilatildeo concreta especiacutefica optando pela proeminecircncia de um mas sem eliminar

completamente o outro princiacutepio Nesse panorama os dispositivos que emanam princiacutepios

funcionam como ldquomandados de otimizaccedilatildeordquo visto que devem ser realizados na maior

intensidade possiacutevel Daiacute dizer que os direitos neles fundados satildeo direitos100

prima facie jaacute

que poderatildeo ser exercidos em princiacutepio e na medida do possiacutevel

sempre pelo menos gravoso (c) da proporcionalidade em sentido estrito que preconiza a ponderaccedilatildeo entre os

efeitos positivos da norma e os ocircnus que ela acarreta aos seus destinataacuterios SARMENTO Daniel Os Princiacutepios

Constitucionais e a Ponderaccedilatildeo de Bens In TORRES Ricardo Lobo Teoria dos Direitos Fundamentais 2deg

Ed Rio de Janeiro Renovar 2001 p 57-58 97

Nessa linha citando Alexy Mariana Filchtiner assevera que tanto princiacutepios como regras dizem o que deve

ser podendo ser formulados a partir da ajuda das expressotildees deocircnticas baacutesicas do mandado da permissatildeo e da

proibiccedilatildeo configurando razotildees para juiacutezos concretos de dever ser ALEXY Robert Teoria de los derechos

fundamentales Traducioacuten Ernesto Garzoacuten Valdeacutes Madrid Centro de Estuacutedios Constitucionales 1997 p83

apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e

efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 107 98

Assevera Robert Alexy que ldquotanto regras quanto princiacutepios satildeo normas por que ambos dizem o que deve ser

Ambos podem ser formulados por meio das expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo e da proibiccedilatildeo

Princiacutepios satildeo tanto quanto as regras razotildees para juiacutezos concretos de dever-ser ainda que de espeacutecie muito

diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas

ALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo

Malheiros 2011 p 87 99 BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento

gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15

Uberaba-MG 2008 p 13- 38 100

SILVA Virgiacutelio Afonso da O conteuacutedo essencial dos direitos fundamentais e a eficaacutecia das normas

constitucionais In Revista de Direito do Estado 4 p 23-51 2006 p 27

61

Saindo um pouco do paracircmetro do modo de aplicaccedilatildeo da norma outros traccedilos

distintivos entre regras e princiacutepios podem ser apontados a) os princiacutepios tecircm um grau de

abstraccedilatildeo mais elevado que as regras b) os princiacutepios apresentam um grau de

determinabilidade menor101

que as regras visto que necessitam de mediaccedilotildees concretizadoras

e as regras satildeo aplicaacuteveis diretamente c) somente os princiacutepios possuem um caraacuteter

estruturante na sistemaacutetica das fontes do direito d) os princiacutepios funcionam como

fundamentos das regras juriacutedicas frente a sua natureza normogeneacutetica e) ao passo que as

regras congregam conteuacutedo meramente funcional os princiacutepios se aproximam mais da ideia

de direito ao se estruturarem como standards vinculantes e radicados nas exigecircncias de

justiccedila e f) para o conflito entre regras a hermenecircutica conta com os conhecidos cacircnones da

anterioridade especialidade e hierarquia enquanto aos princiacutepios eacute permitida a colisatildeo que se

resolve pela preponderacircncia de um sobre outro agrave cada caso102

Ultrapassados os toacutepicos anteriores faz-se necessaacuterio fechar o raciociacutenio desenvolvido

sob agrave oacutetica especiacutefica das diferentes facetas que o direito agrave sauacutede pode assumir para soacute entatildeo

analisar a problemaacutetica concernente a eficaacutecia do cunho prestacional dos direitos sociais e

suas implicaccedilotildees no que refere-se ao direito agrave sauacutede

324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio

A partir das bases construiacutedas nos toacutepicos anteriores pode-se afirmar que o direito agrave

sauacutede por consistir em um direito fundamental social apresenta uma dimensatildeo objetiva e

subjetiva bem como uma dupla fundamentalidade (formal e material) enquadrando-se

predominantemente103

na categoria de direito agrave prestaccedilatildeo

A descriccedilatildeo dessas caracteriacutesticas jaacute foi trabalhada acima fazendo-se necessaacuterio

contudo um maior detalhamento com relaccedilatildeo a fundamentalidade material do direito agrave sauacutede

antes de adentrar em alguns aspectos especiacuteficos do direito agrave sauacutede

Pois bem foi dito que o sentido material da fundamentalidade dos direitos

fundamentais liga-se agrave importacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional e nesse

contexto o direito agrave sauacutede pela sua niacutetida interdependecircncia e muacutetua conformaccedilatildeo com o

101

O traccedilo da indeterminabilidade dos princiacutepios eacute uma das grandes marcas distintivas dos mesmos frente agraves

regras na visatildeo de Manuel Atienza e Ruiz Manero DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional no

Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 77 102

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra

Almedina 2003 p 1160 103

Conforme seraacute analisado mais a frente o direito agrave sauacutede abarca diferentes posiccedilotildees juriacutedico-subjetivas quanto

ao particular e tambeacutem pode ser encarado como um dever fundamental

62

direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana apresenta relevacircncia iacutempar no ordenamento

constitucional brasileiro visto que funciona como autecircntico pressuposto agrave fruiccedilatildeo dos demais

direitos

A calhar portanto o seguinte questionamento como falar em vida humana digna se

em diversas situaccedilotildees a ausecircncia de sauacutede acarreta inevitavelmente a morte do indiviacuteduo

Nesse sentido natildeo foi agrave toa que a Constituiccedilatildeo paacutetria cuidou de dar um tratamento especial104

ao direito agrave sauacutede chegando ao ponto de delimitar sob um vieacutes orccedilamentaacuterio que devem ser

disponibilizados e respeitados pelos entes estatais na realizaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos

de sauacutede certos valores miacutenimos sob pena de severas restriccedilotildees ao ente recalcitrante podendo

ensejar ateacute mesmo a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e desses em seus Municiacutepios105

Feito esse reforccedilo eacute importante destacar alguns aspectos referentes ao conteuacutedo do

direito agrave sauacutede em si passando pela anaacutelise de seus titulares e destinataacuterios bem como as

diferentes facetas que esse pode assumir tanto sob o prisma de direito subjetivo como dever

fundamental

Jaacute foi visto no capiacutetulo 2 do presente trabalho que a CF de 1988 alinhou-se agrave

concepccedilatildeo mais abrangente do direito agrave sauacutede (propostas pela OMS) abarcando em seu

conteuacutedo tanto seu caraacuteter eminentemente curativo quanto as dimensotildees preventiva e

promocional106

Noutro poacutertico defende-se que o nuacutecleo central do conceito de sauacutede reside na exata

noccedilatildeo de qualidade de vida que para aleacutem de uma percepccedilatildeo holiacutestica congloba conteuacutedos

proacuteprios agraves teorias poliacutetica e juriacutedica contemporacircneas de modo a vislumbrar a sauacutede como um

verdadeiro direito de cidadania que projeta a pretensatildeo difusa de natildeo apenas curar e evitar

doenccedilas mas de ter uma vida saudaacutevel Isto expressa um anseio de toda a sociedade como

direito a um conjunto de benefiacutecios que fazem parte da vida urbana107

o que em uacuteltima

anaacutelise alinha-se agrave ideia jaacute exposta de ldquointersetorialidaderdquo do direito agrave sauacutede e sua

interdependecircncia com diversos direitos como a vida a moradia a alimentaccedilatildeo e o trabalho

104

De se reiterar que conforme explicita a CF os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede satildeo de relevacircncia puacuteblica fato que

acentua natildeo soacute o caraacuteter indisponiacutevel do direito agrave sauacutede com a possibilidade de sua tutela ser realizada em

termos de direito subjetivo na via individual e coletiva como tambeacutem seu vieacutes objetivo na condiccedilatildeo de

garantia institucional consubstanciado em si mesmo no SUS 105

Tal reforccedilo de fundamentalidade tambeacutem eacute feito com o direito agrave educaccedilatildeo ao passo que tambeacutem deve ser

observado pelos entes estatais um miacutenimo a ser aplicado na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino 106

Nesse sentido facilmente perceptiacutevel que quando a CF em seu artigo 196 usou o termo ldquorecuperaccedilatildeordquo estava

tratando da sauacutede curativa quando utilizou os termos ldquoreduccedilatildeo do risco de doenccedilardquo e ldquoproteccedilatildeordquo reportou-se agrave

sauacutede preventiva e finalmente ao mencionar ldquopromoccedilatildeordquo e ldquomais alto niacutevel possiacutevel de sauacutederdquo atrelou-se agrave

dimensatildeo promocional do direito agrave sauacutede e o dever de progressividade na sua efetivaccedilatildeo 107

MORAIS Joseacute Luis Bolzan de O direito da sauacutede In SCHWARTZ Germano (Org) A sauacutede sob os

cuidados do direito Passo Fundo UPF 2003b p 23

63

Quanto agrave titularidade do direito fundamental agrave sauacutede depreende-se frente ao seu

caraacuteter universal delineado tanto na CF quanto na legislaccedilatildeo que trata do SUS que o mesmo eacute

reconhecido a todos pelo simples fato de serem pessoas afastando-se ultrapassadas teses que

o restringia aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiacutes prevalecendo nas poliacuteticas

puacuteblicas do paiacutes assim o caraacuteter inclusivo de tal direito Noutro poacutertico relevante destacar

que a caracterizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede como direito coletivo ou em certas hipoacuteteses difuso

natildeo afasta a titularidade individual do mesmo em um contexto em que apesar de mais

beneacutefica a priorizaccedilatildeo de sua tutela processual pela via coletiva natildeo pode ser abandonada a

condiccedilatildeo da sauacutede como direito individual interligado agrave vida integridade fiacutesica e dignidade de

cada um108

Delimitado o conteuacutedo do direito agrave sauacutede pelo menos de maneira geneacuterica109

e a

abrangecircncia de seus titulares e destinataacuterios faz-se relevante analisar as diferentes facetas que

este pode assumir no ordenamento paacutetrio Nessa questatildeo o ponto de partida estaacute no iniacutecio do

caput do art 196 da CF o qual afirma que ldquoa sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado ()rdquo

revelando que a tutela da sauacutede efetiva-se tambeacutem como dever fundamental por tratar-se de

tiacutepica hipoacutetese de direito-dever

Nesse contexto resta evidenciado que aleacutem de apresentar diferentes dimensotildees

juriacutedico-subjetivas a sauacutede tambeacutem eacute encarada antes de tudo como dever110

natildeo somente

cogente no campo das relaccedilotildees individuais (dever geral de respeitar a sauacutede dos demais e ateacute

mesmo a proacutepria) mas tambeacutem e principalmente no acircmbito das relaccedilotildees para com o Estado

dando origem a uma seacuterie de deveres de cunho poliacutetico (como o dever de implementar as

poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea de sauacutede e alocar recursos orccedilamentaacuterios conforme os patamares

miacutenimos estabelecidos na CF) bem como de cunho econocircmico social cultural e ambiental

como a intervenccedilatildeo do Estado na esfera dos planos de sauacutede privados a implementaccedilatildeo de

programas sociais de sauacutede e o controle da poluiccedilatildeo111

108

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 10 109

A tentativa de esmiuccedilar quais prestaccedilotildees miacutenimas abrangeriam o direito agrave sauacutede (o que vai aleacutem da simples

constataccedilatildeo de que o mesmo abarca as dimensotildees preventiva curativa e promocional) seraacute objeto de anaacutelise mais

a frente no capiacutetulo que trata da tentativa de construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave

sauacutede 110

Natildeo eacute demais relembrar que norteado pelo princiacutepio da solidariedade a Lei do SUS reforccedila que o dever

fundamental de proteccedilatildeo da sauacutede pelo Estado natildeo exclui o das pessoas da famiacutelia das empresas e da sociedade

podendo-se falar em uma responsabilidade compartilhada cujos efeitos se protejam no presente e sobre as

geraccedilotildees futuras 111

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 06

64

Ponto de suma relevacircncia para a compreensatildeo da problemaacutetica da efetividade do

direito agrave sauacutede eacute a compreensatildeo das diferentes dimensotildees juriacutedico-subjetivas que tal direito

pode assumir Nesse sentido e retomando a classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em

direitos de defesa e prestaccedilatildeo tem-se que o direito agrave sauacutede apresenta ao mesmo tempo traccedilos

de ambas dimensotildees ora ganhando funcionalidade de tiacutepico direito de defesa ora de direito

prestacional seja sob o prisma de direitos a organizaccedilatildeo e procedimento ou a prestaccedilotildees

materiais

A faceta defensiva liga-se ao dever de proteccedilatildeo e respeito agrave sauacutede de algueacutem em um

sentido eminentemente negativo de natildeo agressatildeo e sim preservaccedilatildeo que se revela por

exemplo pela construccedilatildeo normativa penal de proteccedilatildeo agrave vida agrave integridade fiacutesica ao meio

ambiente e agrave sauacutede puacuteblica bem como pelas diversas disposiccedilotildees sobre vigilacircncia e controle

sanitaacuterio marcadamente de cunho administrativo

No vieacutes prestacional por sua vez haacute tanto um dever lato sensu de se garantir a

organizaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos procedimentos o qual eacute concretizado por exemplo pela

elaboraccedilatildeo de normas e poliacuteticas puacuteblicas de organizaccedilatildeo do SUS com suas disposiccedilotildees

atinentes agrave participaccedilatildeo da sociedade nas tomadas de decisotildees como tambeacutem um dever de o

Estado executar medidas reais e concretas no sentido de fomentar a sauacutede da populaccedilatildeo por

meio de especiacuteficas prestaccedilotildees materiais (direito agrave prestaccedilatildeo em sentido estrito)

Merece destaque aqui a analogia entre as dimensotildees mencionadas e as obrigaccedilotildees

delas derivadas no sentido de o direito agrave sauacutede compreender as obrigaccedilotildees de respeitar

proteger e implementar Desta maneira na obrigaccedilatildeo de respeitar o Estado teria por dever o

de natildeo intervir na vida do indiviacuteduo de nenhum modo a reduzir sua sauacutede aproximando-se do

aspecto defensivo na obrigaccedilatildeo de proteger caberia ao Estado o dever de resguardar a sauacutede

do indiviacuteduo contra violaccedilotildees de terceiros por meio da estruturaccedilatildeo de procedimentos de

proteccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo da legislaccedilatildeo pertinente ligando-se agrave prestaccedilatildeo em sentido amplo

e finalmente na obrigaccedilatildeo de implementar o Estado estaria incumbido de fornecer

diretamente bens e serviccedilos para suprir as necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo na aacuterea de

sauacutede consubstanciando o aspecto estrito da dimensatildeo prestacional112

112

MILANEZ Daniela O direito agrave sauacutede uma anaacutelise comparativa da intervenccedilatildeo judicial Revista de Direito

Administrativo Rio de Janeiro v 237 p 197-221 julset 2004 p 198 apud Mariana Filchtiner Direito

Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado

2007 p 89

65

Feitas tais observaccedilotildees conforme aduz Sarlet113

constata-se que no quadro

predominante na doutrina e na jurisprudecircncia nacionais natildeo se vislumbra maiores problemas

quanto ao reconhecimento da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede como direito de defesa

nem quanto a sua dimensatildeo de dever de proteccedilatildeo (essa uacuteltima abrangendo tanto a cominaccedilatildeo

de um dever geral de respeito agrave sauacutede por parte do Estado e particulares quanto a imposiccedilatildeo

de um dever de aplicaccedilatildeo minimamente razoaacutevel dos recursos orccedilamentaacuterios com base na

prescriccedilatildeo constitucional) enquanto que com relaccedilatildeo a efetivaccedilatildeo da dimensatildeo prestacional

lato sensu do direito agrave sauacutede haveria certa discussatildeo sobre a inexistecircncia ou insuficiecircncia de

medidas concretizadoras do direito agrave sauacutede (debate iacutensito ao campo do controle das omissotildees

constitucionais)

O grande problema contudo estaria no vieacutes prestacional em sentido estrito jaacute que natildeo

haacute de maneira segura no ordenamento paacutetrio uma definiccedilatildeo precisa do exato conteuacutedo das

prestaccedilotildees materiais que os particulares teriam direito tendo em vista as referecircncias constantes

na CF (cura prevenccedilatildeo promoccedilatildeo) e ateacute certo ponto no campo infralegal (integralidade do

atendimento) satildeo por demais geneacutericas

Desta forma consoante se veraacute no capiacutetulo quinto do presente estudo as dificuldades

em se delimitar quais prestaccedilotildees materiais estariam abrangidas pelo direito agrave sauacutede no

ordenamento paacutetrio acarretam em uma busca desenfreada por soluccedilotildees judiciais o que frente

agraves dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito gera inevitavelmente tensotildees e

efeitos colaterais dos mais variados trazendo-se agrave pauta discussotildees sobre legitimidade

democraacutetica do Poder Judiciaacuterio Separaccedilatildeo dos Poderes e Igualdade

Tal fato termina por acentuar a importacircncia de uma concretizaccedilatildeo da dimensatildeo

organizatoacuteria e procedimental (aspecto prestacional lato sensu) do direito agrave sauacutede buscando-se

soluccedilotildees para as dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito de modo a que pelo

menos as ldquodicasrdquo acerca de quais prestaccedilotildees materiais minimamente todo e qualquer

indiviacuteduo poderia exigir do Estado como legiacutetimo direito seu na temaacutetica da sauacutede sejam

seguramente reveladas

Eacute nesse contexto que podem ser enxergadas trecircs fases distintas na mateacuteria da

efetivaccedilatildeo dos direitos sociais e especialmente do direito agrave sauacutede (i) se primeiro falou-se em

ausecircncia de normatividade com as mudanccedilas encampadas no direito constitucional

contemporacircneo sobretudo a partir da propagaccedilatildeo dos ideais de maacutexima efetividade o

113

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 20

66

panorama modificou-se para um quadro de judicializaccedilatildeo excessiva (ii) atingindo-se

hodiernamente a fase de busca por paracircmetros e criteacuterios que sejam aptos a guiar os trecircs

poderes (com maior relevo para o Judiciaacuterio) no processo de concretizaccedilatildeo desses direitos

(iii) e nessa etapa ganha forccedila a delimitaccedilatildeo de um miacutenimo existencial na aacuterea de sauacutede

67

4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

Jaacute restou esclarecido que o direito agrave sauacutede consiste primordialmente em um direito

fundamental social que poderaacute assumir diferentes facetas quando posto frente ao Estado agraves

vezes posicionando-se como direito de defesa em outros momentos como direito a prestaccedilatildeo

residindo nessa uacuteltima hipoacutetese a grande celeuma quanto agrave sua efetividade especialmente no

que se refere agrave busca por prestaccedilotildees materiais em sauacutede puacuteblica

Mas o que vem a ser efetividade A resposta para tal questionamento estaacute inserida no

contexto do constitucionalismo contemporacircneo e o consequente reconhecimento da forccedila

normativa agraves normas constitucionais a qual fez nascer no Brasil o movimento juriacutedico-

acadecircmico da doutrina brasileira da efetividade O maior objetivo desta doutrina foi o de

superar o quadro de insinceridade normativa que insistia em natildeo dar cumprimento agrave

Constituiccedilatildeo mediante a elaboraccedilatildeo de categorias dogmaacuteticas da normatividade

constitucional no intuito de tornar as normas constitucionais aplicaacuteveis direta e

imediatamente respeitando a maacutexima extensatildeo de sua densidade normativa114

A essecircncia da ideia de efetividade portanto reside no raciociacutenio de que se tal norma

encontra-se inserida na Constituiccedilatildeo estaacute por algum motivo e por isso deve ter seu comando

cumprido Desta maneira o atributo da imperatividade ao respaldar a noccedilatildeo de que natildeo eacute

tiacutepico de uma norma juriacutedica simplesmente sugerir ou recomendar algo alinha-se agrave defesa

pela maacutexima efetividade das normas constitucionais marcante no cenaacuterio neoconstitucional

vigente

A ideia de maacutexima efetividade contribuiu por sua vez para derrubar no cenaacuterio paacutetrio

certos pensamentos arcaicos ainda atrelados ao contexto positivista Nessa toada no plano

juriacutedico alcanccedilou-se a defesa por uma normatividade plena da Constituiccedilatildeo que passou a ter

aplicabilidade direta e imediata tornando-se autecircntica fonte direta de direitos e obrigaccedilotildees o

que terminou por contribuir para o desenvolvimento da eficaacutecia horizontal dos direitos

fundamentais bem como para a eliminaccedilatildeo da noccedilatildeo de normas programaacuteticas como meros

conselhos ou recomendaccedilotildees a serem seguidas conforme os limites estatais

Ainda no plano dogmaacutetico a maacutexima efetividade colaborou para ao reconhecimento

de maior autonomia ao direito constitucional por melhor esclarecer e reforccedilar seu objeto

proacuteprio afastando-se do vieacutes puramente poliacutetico ou socioloacutegico que enfraquecia as bases de

114

BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento

gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15

Uberaba-MG 2008 p5

68

tal direito E finalmente no plano institucional a doutrina em anaacutelise cooperou para a

ascensatildeo do Judiciaacuterio no paiacutes que terminou ganhando um papel de maior destaque na

concretizaccedilatildeo dos direitos constitucionais ponto que seraacute melhor abordado no capiacutetulo

seguinte do presente estudo

Por tais motivos que Barroso115

destaca a efetividade como o mecanismo que

viabilizou a passagem do velho para o novo direito constitucional e que contribuiu para que a

Constituiccedilatildeo deixasse de ser vista como uma miragem com as honras de uma falsa

supremacia natildeo tradutora de proveito para a cidadania

Feitas tais observaccedilotildees antes de avanccedilar na problemaacutetica faz-se necessaacuterio tambeacutem

alguns esclarecimentos sobre a noccedilatildeo de eficaacutecia juriacutedica dos enunciados normativos

constitucionais e a identificaccedilatildeo das modalidades de eficaacutecia que seratildeo mais pertinentes na

temaacutetica da concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Nesse ponto tem-se que eficaacutecia juriacutedica pode ser considerado um atributo pertinente

aos enunciados normativos consistindo naquilo que se pode exigir (judicialmente caso

necessaacuterio) com fundamento em cada um desses proacuteprios enunciados o que conforme se

veraacute dependendo da situaccedilatildeo em questatildeo natildeo seraacute tarefa faacutecil

Infere-se da noccedilatildeo acima exposta que o exame do grau de eficaacutecia de determinada

norma pressupotildee portanto um trabalho hermenecircutico de identificaccedilatildeo do exato efeito e

alcance que o comando normativo pretende produzir e quais condutas satildeo imperiosas para

tornar real determinado enunciado normativo ou seja quais comportamentos acarretaratildeo

efeitos praacuteticos no mundo dos fatos

Pois bem quanto agraves possiacuteveis modalidades de eficaacutecia juriacutedica o presente trabalho se

filia agraves liccedilotildees de Ana Paula Barcellos que identifica em ordem decrescente de consistecircncia

(ou seja de aptidatildeo a produzir o efeito pretendido pelo dispositivo no acircmbito da realidade) as

seguintes modalidades i simeacutetrica ou positiva ii nulidade iii ineficaacutecia iv anulabilidade

v negativa vi vedativa do retrocesso vi Penalidade vii interpretativa e viii outras116

Na temaacutetica da eficaacutecia do direito agrave sauacutede merece especial atenccedilatildeo as modalidades

simeacutetrica ou positiva negativa vedativa do retrocesso e interpretativa A modalidade

simeacutetrica eacute a mais apta a produzir o efeito original desejado pelo enunciado normativo visto

que utiliza a forma baacutesica em mateacuteria de eficaacutecia juriacutedica calcada no conferimento de um

115

BARROSO Luiacutes Roberto A doutrina brasileira da efetividade In Temas de direito constitucional Rio de

Janeiro Renovar 2005 v 3 p 76 116

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 77

69

direito subjetivo para aquele que seria beneficiado pela realizaccedilatildeo dos efeitos da norma e natildeo

o foi respaldando a exigecircncia judicial pelo mesmo dos referidos efeitos117

Por sua vez as modalidades negativa vedativa do retrocesso e interpretativa

consistem em mecanismos desenvolvidos pela doutrina para garantir uma maior capacidade

normativa para os princiacutepios Nesse passo a negativa refere-se agrave possibilidade de declaraccedilatildeo

da invalidade de normas ou atos que contrariem os efeitos pretendidos por determinado

enunciado normativo o que respaldaria por exemplo que determinada lei viesse a ser

declarada inconstitucional caso suas disposiccedilotildees se apresentassem conflitantes com o acesso

universal agrave sauacutede genericamente citado no art 196 da CF118

De maneira sucinta a modalidade vedativa do retrocesso pressupotildee a ideia de que os

direitos fundamentais devem ser regulamentados infra constitucionalmente sempre se

buscando sua ampliaccedilatildeo progressiva e nesse contexto caso haja uma regulamentaccedilatildeo que

proporcione a aplicaccedilatildeo direta da constituiccedilatildeo no mundo dos fatos uma posterior revogaccedilatildeo

dessa regulamentaccedilatildeo seria considerado um verdadeiro passo pra traacutes significando um

retrocesso do legislador infraconstitucional que colidiria com a proacutepria norma

constitucional119

Jaacute a modalidade interpretativa abrange a possibilidade de se exigir do Judiciaacuterio que os

comandos infraconstitucionais sejam interpretados de acordo com os de hierarquia superior a

que estatildeo vinculados no intuito de verificar qual forma de interpretaccedilatildeo dentre as possiacuteveis

melhor realiza a norma de maior hierarquia120

Depreende-se portanto que a eficaacutecia positiva deveraacute ser a modalidade associada em

regra aos enunciados normativos em geral salvo quando haja razotildees consistentes em

contraacuterio Nesse ponto quando diante de normas que exprimam uma essecircncia principioloacutegica

seratildeo relevantes sobretudo as modalidades negativa vedativa de retrocesso e interpretativa

visto que representam um siacutembolo do consideraacutevel avanccedilo no esforccedilo pela construccedilatildeo da

normatividade dos princiacutepios constitucionais

Feitas tais observaccedilotildees que seratildeo relevantes quando for estudada a intervenccedilatildeo

judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute imperioso deixar claro que os conceitos acima

tratados natildeo se confundem Enquanto a eficaacutecia juriacutedica diz respeito agravequilo que se pode exigir

judicialmente com fundamento na norma ligando-se agrave noccedilatildeo de exigibilidade a efetividade

117

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 78 118

Idem p84 119

Idem p 88 120

Idem p 97

70

pode ser encarada como a eficaacutecia social da norma jaacute que significa a realizaccedilatildeo ou

materializaccedilatildeo no mundo dos fatos dos preceitos legais simbolizando o niacutevel de

aproximaccedilatildeo entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social121

Assentadas as noccedilotildees de eficaacutecia e efetividade faz-se necessaacuterio deixar esclarecidos

alguns aspectos acerca da eficaacutecia e aplicabilidade dos direitos fundamentais especialmente

os sociais

41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Jaacute foi detalhado no presente estudo que a melhor classificaccedilatildeo para os direitos

fundamentais eacute a que divide os mesmos em direitos de defesa e direitos a prestaccedilatildeo vigorando

o entendimento calcado nos ideais de maacutexima efetividade da Constituiccedilatildeo de que toda e

qualquer norma constitucional eacute dotada de certo grau de eficaacutecia juriacutedica e aplicabilidade

concluindo-se nesse passo que em que pese natildeo haver dispositivo constitucional

completamente destituiacutedo de eficaacutecia eacute certo que haacute uma diferente gradaccedilatildeo na carga

eficacial de cada norma a depender da funccedilatildeo que a mesma cumpra no sistema constitucional

e da forma que foram positivadas

Nesse contexto baseando-se na Teoria dos Princiacutepios (jaacute tambeacutem antes detalhada) de

que a Constituiccedilatildeo consiste em um sistema aberto de regras e princiacutepios (como espeacutecies de

norma) pode-se afirmar que haacute na Constituiccedilatildeo um autecircntico complexo heterogecircneo de

normas e dentre elas normas definidoras de direitos fundamentais umas com maior

densidade normativa e maior carga de eficaacutecia outros com menos completude normativa

configurando planos de eficaacutecia imediata mais limitados

Dito isto faz-se primordial para a compreensatildeo do raciociacutenio que aqui estaacute sendo

desenvolvido a exata noccedilatildeo do sentido e alcance da norma contida no sect 1deg do artigo 5deg da

CF de 1988 o qual afirma que ldquoas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tecircm

aplicaccedilatildeo imediatardquo 122

Quanto a essa questatildeo antes de tudo deve ser afastada a ideia de que

tal dispositivo teria sua aplicaccedilatildeo adstrita apenas ao rol de direitos do artigo quinto

defendendo-se a partir de uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que o mesmo abrange

indistintamente todos os direitos fundamentais constantes na CF de 1988 abarcando os

121

BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro

Renovar 2006 p 23

71

direitos poliacuteticos de nacionalidade sociais bem como os individuais espalhados pelo seu

texto

Assentada tal premissa que se coaduna com o caraacuteter materialmente aberto do texto

constitucional brasileiro pode ser defendido que a melhor exegese do dispositivo em anaacutelise eacute

a que o entende como uma norma de cunho principioloacutegico configurando-se desta feita

como um mandado de maximizaccedilatildeo visto que estabelece para os oacutergatildeos estatais o dever de

reconhecerem e implementarem maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais sendo

certo que o grau de aplicabilidade e eficaacutecia (ou seja seu alcance) dependeraacute do exame da

hipoacutetese em concreto ou seja da norma de direito fundamental em pauta123

Daiacute falar-se em presunccedilatildeo em favor da aplicabilidade imediata e eficaacutecia plena das

normas de direitos fundamentais o que outorga agraves mesmas efeitos reforccedilados relativamente agraves

demais normas constitucionais ao passo que tal presunccedilatildeo decorre da jaacute estudada

fundamentalidade formal dos direitos fundamentais no acircmbito da Constituiccedilatildeo Isto induz agrave

premissa de que os direitos e princiacutepios fundamentais norteados pela pedra angular do

ordenamento a dignidade da pessoa humana regem a proacutepria ordem constitucional

Resumindo a construccedilatildeo do entendimento do exposto jaacute foi visto que

i toda norma constitucional possui um miacutenimo de eficaacutecia

ii o sect 1deg do artigo 5degda CF de 1988 aplica-se a todos os direitos fundamentais e

possui natureza marcadamente principioloacutegica significando que cabe ao Estado

reconhecer maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais

iii a depender da norma em pauta haveraacute um escalonamento da carga eficacial de

cada direito em anaacutelise

Aplicando esse raciociacutenio agrave classificaccedilatildeo de direitos fundamentais de defesa e

prestacionais tem-se que para os direitos de defesa a tarefa dada ao Estado de garantir a

maior eficaacutecia possiacutevel eacute de certo modo mais simples jaacute que tais direitos apresentam em

regra funccedilatildeo tipicamente defensiva cuja estrutura normativa reclama uma abstenccedilatildeo sem

necessitar a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo legislativa integradora ostentando suficiente

normatividade para respaldar sua exigibilidade em juiacutezo

Aqui eacute pertinente a ressalva jaacute feita anteriormente de que em que pese a viabilizaccedilatildeo

dos direitos de defesa ser uma tarefa mais faacutecil para o Estado isso natildeo significa que natildeo

importaratildeo em custos ao mesmo jaacute que a maacutexima de que somente os direitos prestacionais

necessitam de aporte financeiro do Estado eacute uma inverdade pois a perfeita fruiccedilatildeo dos

123

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 p 246

72

direitos de defesa carece de uma ampla estruturaccedilatildeo estatal que requer altos custos bastando

como exemplo os gastos com seguranccedila puacuteblica e sistema eleitoral

Quanto aos direitos prestacionais jaacute foi visto que estes se subdividem em direitos a

prestaccedilotildees em sentido amplo (que abarca a proteccedilatildeo e participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e

procedimento voltadas agrave garantia da liberdade e igualdade do Estado) e em sentido estrito

(que abrange os direitos a prestaccedilotildees sociais materiais tiacutepicas do Estado Social ou

Democraacutetico de Direito) sendo inegaacutevel que a mencionada tarefa estatal em conferir a

maacutexima eficaacutecia e aplicabilidade possiacutevel aos direitos fundamentais resta mais dificultada

quanto aos mesmos pelo fato de requererem uma atuaccedilatildeo integradora uma conduta positiva

por parte do Estado

Nessa uacuteltima classificaccedilatildeo encontram-se os direitos sociais cuja problemaacutetica dos

custos envolvidos eacute bem mais severa e incrusta-se na celeuma acerca de sua eficaacutecia sendo

certo que ainda que precisem em princiacutepio de integraccedilatildeo normativa e accedilotildees estatais para

serem concretizados tais direitos apresentam cargas eficaciais no sentido de i revogar os

atos normativos anteriores contraacuterios ao seu conteuacutedo ii vincular o legislador a concretizar

os seus fins nos exatos termos constitucionais iii constituir paracircmetros para interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas iv originar direito subjetivo de cunho negativo no sentido de

exigir que o Estado se abstenha de atuar em contrariamente a norma de direito social e v

impedir que o legislador venha a abolir posiccedilotildees juriacutedicas por ele mesmo jaacute conferidas em um

contexto de aplicaccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso social124

Feitas tais observaccedilotildees jaacute foi esclarecido que o direito agrave sauacutede aleacutem de dever

fundamental apresenta facetas tanto de direito de defesa quanto de prestacional e nesse

ponto a depender da forma que esteja sendo o mesmo analisado concretamente poderaacute

incidir tanto o raciociacutenio acima desenvolvido quanto a eficaacutecia dos direitos de defesa quanto

aos de prestaccedilatildeo

Contudo a grande problemaacutetica com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede reside no seu aspecto

de direito prestacional em sentido estrito e a consequente possibilidade de serem reconhecidos

direitos subjetivos originaacuterios a prestaccedilotildees O ponto nevraacutelgico dessa celeuma estaacute

exatamente na dificuldade de se delimitar o que seria exatamente abrangido pelo direito agrave

sauacutede com base na CF de 1988 tarefa que se desenvolve em meio a condicionamentos

econocircmico-financeiros (como eacute o caso da reserva do possiacutevel) e juriacutedico-poliacuteticos (como eacute a

124

Tais conclusotildees por sua vez coadunam-se com a construccedilatildeo de pensamento de Ana Paula Barcellos quanto

aos niacuteveis de eficaacutecia tiacutepicos das normas de matriz principioloacutegica que abrangem o niacutevel interpretativo vedativo

de retrocesso e negativo

73

questatildeo da legitimidade poliacutetica separaccedilatildeo dos poderes e iniciativa em mateacuteria orccedilamentaacuteria)

que dificultam o consenso na mateacuteria

Da simples leitura dos dispositivos constitucionais que tratam do direito agrave sauacutede natildeo

haacute como afirmar com perfeita clareza quais situaccedilotildees estariam seguramente abarcadas por tal

direito sendo certo poreacutem que uma interpretaccedilatildeo que venha a concluir pela inclusatildeo de toda e

qualquer prestaccedilatildeo material ligada agrave sauacutede com inerente a tal direito acarretaraacute em graves

efeitos colaterais tanto para as demais prioridades do Estado como tambeacutem para a proacutepria

sauacutede dos demais cidadatildeos daiacute porque falar-se na necessidade de delimitaccedilatildeo de um miacutenimo

existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede igualitaacuterio e exigiacutevel por todos

Eacute nesse contexto pois que ganha destaque a discussatildeo sobre o possiacutevel embate entre a

noccedilatildeo de miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel

42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO

POSSIacuteVEL

Na tarefa de se interpretar o direito constitucional eacute preciso ir aleacutem dos elementos

meramente juriacutedicos para se apurar dados da realidade e nessa empreitada a perquiriccedilatildeo

acerca da existecircncia efetiva de condiccedilotildees materiais e financeiras para a realizaccedilatildeo dos

comandos normativos eacute de suma relevacircncia para a constataccedilatildeo do grau de realizaccedilatildeo que cada

um deles poderaacute assumir visto que a inexistecircncia de tais condiccedilotildees ocasiona um quadro de

insinceridade normativa125

que deve ser combatido atraveacutes dos instrumentos de combate agrave

siacutendrome da omissatildeo estatal

Nesse trabalho de apuraccedilatildeo sobre a existecircncia ou natildeo de condiccedilotildees materiais e

financeiras para garantir a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute certa e inevitaacutevel a

loacutegica de que as necessidades seratildeo sempre ilimitadas ao passo que os recursos seratildeo

limitados e por isso em algum momento deveraacute ser enfrentada a circunstacircncia de haver ou

natildeo disponibilidade de recursos para atender as prestaccedilotildees pleiteadas Eacute esse o contexto que

circunda a ideia do instituto popularizado por reserva do possiacutevel

A teoria da reserva do possiacutevel exprime no ordenamento paacutetrio a ideia de que aleacutem

das discussotildees juriacutedicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Poder Puacuteblico os direitos

a prestaccedilotildees materiais estariam sob a reserva da capacidade financeira do Estado dependendo

portanto da efetiva disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado sintetizados

125

BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro

Renovar 2006 p 56

74

no campo do orccedilamento puacuteblico126

Tal teoria abrange duas dimensotildees baacutesicas uma faacutetica

ligada propriamente agrave noccedilatildeo de limitaccedilatildeo dos recursos materiais aproximado da exaustatildeo

orccedilamentaacuteria e uma juriacutedica atrelada ao poder de disposiccedilatildeo e competecircncia para decidir e

determinar sobre a alocaccedilatildeo dos recursos existentes para determinada mateacuteria127

Antes de avanccedilar eacute importante esclarecer que a noccedilatildeo de reserva do possiacutevel teve sua

origem em um julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional alematildeo em que

analisando demanda proposta por estudantes que natildeo haviam sido admitidos em escolas de

medicina de Hamburgo e Munique frente a limitaccedilatildeo de vagas e pleiteavam o aumento do

nuacutemero destas decidiu que o direito agrave prestaccedilatildeo positiva do Estado encontra-se sujeito agrave

reserva do possiacutevel no sentido daquilo que o indiviacuteduo pode razoavelmente esperar de

maneira racional da sociedade atrelando-se a argumentaccedilatildeo portanto agrave razoabilidade da

pretensatildeo128

A teoria da reserva do possiacutevel assim tal qual sua origem diferentemente da

interpretaccedilatildeo transposta para o Brasil129

natildeo se refere unicamente agrave anaacutelise acerca da

existecircncia ou natildeo de recursos suficientes para a concretizaccedilatildeo do direito social em exame

(aliada a previsatildeo orccedilamentaacuteria da respectiva despesa) mas agrave razoabilidade da pretensatildeo

deduzida com vistas a sua efetivaccedilatildeo

126

KRELL Andreas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha os (des)caminhos de um

direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Fabris 2002 p 52 127

Explicando tal distinccedilatildeo Marcos Masseli Gouvecirca assevera que ldquoDiversamente das omissotildees estatais as

prestaccedilotildees positivas demandam um dispecircndio ostensivo de recursos puacuteblicos Ao passo em que estes recursos

satildeo finitos o espectro de interesses que procuram suprir eacute ilimitado razatildeo pela qual nem todos estes interesses

poderatildeo ser erigidos agrave condiccedilatildeo de direitos exigiacuteveis A doutrina denomina reserva do possiacutevel faacutetica a este

contingenciamento financeiro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais Muitas vezes os recursos

financeiros ateacute existem poreacutem natildeo haacute previsatildeo orccedilamentaacuteria que os destine agrave consecuccedilatildeo daquele interesse ou

licitaccedilatildeo que legitime a aquisiccedilatildeo de determinado insumo eacute o que se denomina reserva do possiacutevel juriacutedicardquo In

GOUVEcircA Marcos Masseli O direito ao fornecimento Estatal de Medicamentos Disponiacutevel em

httpwwwnagibnettextovaried_16doc Acessado em 09052013 128

MAcircNICA Fernando Borges Teoria da reserva do possiacutevel direitos fundamentais a prestaccedilotildees e a

intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas In Revista Eletrocircnica sobre a

Reforma do Estado (RERE) ndeg 21 2010 Salvador p 11 129

Sobre a problemaacutetica da importaccedilatildeo descompromissada de institutos do direito comparado Canotilho pondera

que ldquoo cerne do problema estaacute na abertura de uma nova frente de ativismo judicial desencadeada pela utilizaccedilatildeo

de fontes estrangeiras inseridas nos dicta das sentenccedilas como standards de direito comparado ou de direito

internacional A anaacutelise comparada ndash afirma o juiz Scalia o mais veemente e caustico opositor da ldquoimportaccedilatildeo

de normasrdquo pode ser relevante quando se procede agrave redaccedilatildeo do texto de uma constituiccedilatildeo como foi demonstrado

pelos autores de The Federalist amplamente familiarizados com literatura estrangeira mas essa anaacutelise revela-se

desadequada e indesejada quando se trata de interpretar e aplicar a lei nos casos concretos CANOTILHO Joseacute

Joaquim Gomes O ativismo judiciaacuterio entre nacionalismo a globalizaccedilatildeo e a pobreza In MOURA Lenice S

Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo

Paulo Saraiva 2009 p 48

75

Assentada a maneira que ocorre a leitura da teoria da reserva do possiacutevel em solo

paacutetrio130

tem-se que quanto agrave delimitaccedilatildeo conceitual do que vem a ser reserva do possiacutevel

natildeo existe um posicionamento uniacutessono na doutrina ao passo que alguns consagram o

instituto como princiacutepio outros como claacuteusula ou postulado e outros como condiccedilatildeo de

realidade Sem entrar detidamente na discussatildeo apoiando-se no posicionamento defendido

dentre outros por Ana Carolina Lopes Olsen o presente estudo compreende o instituto como

um elemento extra juriacutedico de condiccedilatildeo de realidade que influencia na aplicaccedilatildeo dos direitos

fundamentais131

Esclarecendo melhor tal posicionamento parte da conclusatildeo pela inadequaccedilatildeo de

classificar a reserva do possiacutevel como espeacutecie normativa (princiacutepio) ou postulado (autecircntica

meta-norma) frente a ausecircncia tanto de passividade de otimizaccedilatildeo quanto de natureza

normogeneacutetica132

excluindo-se tambeacutem o raciociacutenio de que poderia ser encarado como uma

regra jaacute que natildeo se apresenta como um norma de efeitos gerais especificada no ordenamento

paacutetrio nem funciona sobre a loacutegica do ldquotudo ou nadardquo

A partir dessa compreensatildeo deve se ter em mente que a advertecircncia propugnada por

essa teoria tem por objetivo primordial natildeo a limitaccedilatildeo de direitos em si mas em verdade a

plena conformaccedilatildeo da realizaccedilatildeo dos mesmos ao que eacute possiacutevel faticamente a partir das

possibilidades econocircmicas do Estado levando-se em consideraccedilatildeo o contexto da gradualidade

de realizaccedilatildeo associada ao natildeo retrocesso social A ideia de um processo gradualiacutestico-

concretizador portanto se coaduna com a questatildeo das disponibilidades orccedilamentaacuterias do

Estado mas ao mesmo tempo dita o passo de como esta disponibilidade deve

progressivamente ser utilizada facilitando o controle acerca da efetiva concretizaccedilatildeo do texto

constitucional

Nesse contexto a reserva do possiacutevel apesar de se inserir na conjuntura macro em que

estatildeo englobados os direitos sociais a prestaccedilotildees materiais (marcada pela gradualidade de

realizaccedilatildeo dependecircncia financeira em relaccedilatildeo ao Estado e tendencial liberdade de

conformaccedilatildeo do legislador quanto agraves poliacuteticas para realizaacute-los) aleacutem de natildeo implicar em grau

130

Nesse ponto eacute relevante defender a necessidade aleacutem do aspecto puramente financeiro de perquiriccedilatildeo da

razoabilidade da reivindicaccedilatildeo levando-se em consideraccedilatildeo elementos como o grau de essencialidade do direito

fundamental em questatildeo as condiccedilotildees pessoais e financeiras dos envolvidos e a eficaacutecia da providecircncia judicial

almejada 131

OLSEN Ana Carolina Lopes A eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais frente agrave reserva do possiacutevel

Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito UFPR Curitiba 2006 p 37 132

Reforccedila-se a ideia de que a reserva do possiacutevel propriamente natildeo eacute ponderada mas sim a situaccedilatildeo de

escassez de recursos apresentada por ela com o comando normativo do direito fundamental social em exame

76

nulo de vinculatividade juriacutedica do direito em questatildeo133

natildeo se limita somente aos direitos

sociais jaacute que estes natildeo satildeo os uacutenicos a custar dinheiro

Mais uma vez retomam-se os ensinamentos referentes aos custos dos direitos no

sentido de desmistificar a maacutexima de que a teoria da reserva do possiacutevel soacute seria aplicada em

casos de sindicabilidade dos direitos sociais sustentando que os direitos individuais e poliacuteticos

tambeacutem demandam gastos por parte do poder puacuteblico bastando imaginar os gastos com

poliacutecia e bombeiros que garantem o direito agrave vida e propriedade bem como os custos com o

aparato judicial que se destina a proteger diversos direitos individuais

Desta maneira por existir um custo inerente a qualquer espeacutecie de direito ainda que

em grau diferenciado deve ser afastada a utilizaccedilatildeo da maacutexima de que por demandarem

accedilotildees estatais que custam dinheiro os direitos sociais devem ser imaginados sempre sobre o

manto de uma ideia de limitaccedilatildeo como se tal afirmaccedilatildeo bastasse como um argumento

maacutegico Como visto a proteccedilatildeo dos direitos individuais e poliacuteticos tambeacutem demandam

recursos poreacutem a distinccedilatildeo eacute que os efeitos da ausecircncia de tais recursos para esses direitos

natildeo satildeo tatildeo sentidos na praacutetica como ocorre nos casos de falta com relaccedilatildeo aos direitos

sociais especialmente o direito agrave sauacutede

Nesse raciociacutenio eacute certo que o exame sobre a vaacutelida utilizaccedilatildeo134

do argumento da

reserva do financeiramente possiacutevel passa pela necessidade de ocorrecircncia da perfeita

comprovaccedilatildeo de efetiva ausecircncia de recursos orccedilamentaacuterios configuradora do quadro de

exaustatildeo orccedilamentaacuteria natildeo sendo suficiente a mera e automaacutetica alegaccedilatildeo de inexistecircncia

destes135

133

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual

dos direitos econocircmicos sociais e culturaisrdquo In Estudos sobre Direitos Fundamentais Coimbra Ed

Coimbra 2004 p 108 134

Corroborando Artur Cortez Bonifaacutecio assevera que ldquoA motivaccedilatildeo requer adequaccedilatildeo agrave legalidade

constitucional ou seja a lei embasadora da escolha administrativa deve-se encontrar respaldada pela

Constituiccedilatildeo Por isso se afasta o acolhimento de alegaccedilatildeo pelo Executivo de natildeo efetivaccedilatildeo dos direitos

subjetivos fundamentais de matiz social pela falta de recursos orccedilamentaacuterios quando natildeo devidamente motivada

a denegaccedilatildeo do administrador BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional internacional e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 115-116 135

Nesse sentido Celso de Mello aponta que ldquo() os condicionamentos impostos pela claacuteusula da bdquoreserva do

possiacutevel‟ ao processo de concretizaccedilatildeo dos direitos de segunda geraccedilatildeo ndash de implantaccedilatildeo sempre onerosa -

traduzem-se em um binocircmio que compreende de um lado (1) a razoabilidade da pretensatildeo individualsocial

deduzida em face do Poder Puacuteblico e de outro (2) a existecircncia de disponibilidade financeira do Estado para

tornar efetivas as prestaccedilotildees dele reclamadas Desnecessaacuterio acentuar-se considerado o encargo governamental

de tornar efetiva a aplicaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais que os elementos componentes do

mencionado binocircmio (razoabilidade da pretensatildeo + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se

de modo afirmativo e em situaccedilatildeo de cumulativa ocorrecircncia pois ausente qualquer desses elementos

descaracterizar-se-aacute a possibilidade estatal de realizaccedilatildeo praacutetica de tais direitos (ADPF 45 MC DF Rel Min

Celso de Mello Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12)

77

Merece destaque tambeacutem o fato de que a limitaccedilatildeo de recursos gera fatalmente uma

inevitaacutevel priorizaccedilatildeo de escolhas visto que se o contingente orccedilamentaacuterio eacute escasso frente a

gama de direitos existentes eacute certo que um ou outro direito ganharaacute maior proeminecircncia na

proteccedilatildeo e garantia de direitos empreendidas pelo Poder Puacuteblico

Mas o que guiaraacute essa priorizaccedilatildeo Sem sombra de duacutevidas o estabelecimento de

metas preferenciais e objetivos fundamentais encartados na Constituiccedilatildeo Federal devendo os

recursos disponiacuteveis serem aplicados no atendimento dos fins tidos por ela como essenciais136

e nesse ponto o direito agrave sauacutede eacute inegavelmente estruturado de maneira prioritaacuteria no

ordenamento paacutetrio sendo apresentados inclusive regramentos especiacuteficos quanto a

vinculaccedilatildeo das receitas dos entes puacuteblicos a um miacutenimo a ser gasto em sauacutede puacuteblica com

graves consequecircncias para o caso de seu descumprimento

Depreende-se portanto que a limitaccedilatildeo de recursos eacute um fato que natildeo pode ser

ignorado contudo a utilizaccedilatildeo desenfreada do argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode ser

enxergada como um dado absoluto que sempre que levantado afastaraacute a possibilidade de se

forccedilar o Estado a gastar com determinado direito137

Nesse sentido natildeo se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos

para depois utilizaacute-los sob as mais diversas formas (obras serviccedilos ou qualquer outra poliacutetica

puacuteblica) eacute exatamente realizar138

os objetivos fundamentais da Constituiccedilatildeo139

136

Nessa questatildeo merece destaque a influecircncia dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil os quais

reforccedilam a obrigaccedilatildeo de se investir o maacuteximo dos recursos disponiacuteveis na promoccedilatildeo dos direitos previstos em

seus textos como eacute o caso dos jaacute tratados PIDESC e Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica Assevera o primeiro

ldquoArt 2 1 Cada Estado Parte do Presente Pacto compromete-se a adotar medidas () ateacute o maacuteximo de seus

recursos disponiacuteveis que visem a assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno

exerciacutecio dos direitos reconhecidos no presente Pacto incluindo em particular a adoccedilatildeo de medidas

legislativasrdquo (Grifos acrescidos) Dispotildee o segundo ldquoArt 26 Desenvolvimento progressivo Os Estados-Partes

comprometem-se a adotar providecircncias () a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos

que decorrem das normas econocircmicas sociais ()rdquo 137

Nesse ponto assevera George Marmelstein que ldquoas alegaccedilotildees de negativa de efetivaccedilatildeo de um direito social

com base no argumento da reserva do possiacutevel deve ser sempre analisada com desconfianccedila Natildeo basta

simplesmente alegar que natildeo haacute possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial eacute preciso demonstraacute-

la O que natildeo se pode eacute deixar que a evocaccedilatildeo da reserva do possiacutevel converta-se em verdadeira razatildeo de Estado

econocircmica em um AI-5 econocircmico que opera na verdade como uma anti-Constituiccedilatildeo contra tudo o que a

Carta consagra em mateacuteria de direitos sociaisrdquo In LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito

Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio

para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura Federal UnB 2003 p50 138

Reforccedila esse argumento a posiccedilatildeo de Ingo Sarlet ao afirmar que ldquo() os recursos puacuteblicos deveratildeo ser

distribuiacutedos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais baacutesicos () se tendo em conta que a

nossa ordem constitucional veda expressamente a pena de morte a tortura e a imposiccedilatildeo de penas desumanas e

degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo razatildeo pela qual natildeo se poderaacute sustentar ndash sob pena de

ofensa aos mais elementares requisitos da razoabilidade e do proacuteprio sendo de justiccedila ndash que com base em uma

alegada (e mesmo comprovada) insuficiecircncia de recursos ndash se acabe virtualmente condenando agrave morte a pessoa

cujo uacutenico crime foi o de ser viacutetima de um dano agrave sauacutede e natildeo ter condiccedilotildees de arcar com o custo do tratamento

SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave

sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 p 13

78

Chega-se ao ponto central da discussatildeo posta A delimitaccedilatildeo de um conjunto de

condiccedilotildees materiais miacutenimas de existecircncia que refletem os elementos basilares da ideia de

dignidade humana e transparecem aquele miacutenimo sobre o qual abaixo dele qualquer um

repousaria em uma situaccedilatildeo de indignidade guarda similitude exatamente ao estabelecimento

dos alvos prioritaacuterios dos gastos puacuteblicos140

A conclusatildeo disto eacute que a associaccedilatildeo do miacutenimo existencial141

ao estabelecimento de

prioridades orccedilamentaacuterias acarreta no conviacutevio produtivo de tal miacutenimo com a reserva do

possiacutevel ao passo que se a prioridade constitucional deve necessariamente refletir a

canalizaccedilatildeo de condiccedilotildees materiais essenciais agrave dignidade humana a discussatildeo sobre reserva

do possiacutevel consistiraacute em uma etapa a posteriori que natildeo deveria ser seque substancialmente

relevante para aquele primeiro momento jaacute que se estaria cuidando de uma prioridade

Isso ocorre porque o miacutenimo existencial142

enquanto direito preacute-constitucional

impliacutecito no art 3deg III da CF de 1988 tem sua garantia e proteccedilatildeo atrelada agrave noccedilatildeo de que o

Estado se comprometeu em assegurar agraves pessoas um padratildeo miacutenimo na esfera dos direitos

sociais tarefa essa plasmada no relacionamento nato existente entre a vinculaccedilatildeo dos direitos

sociais com o direito agrave vida e com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana ambientado no

cenaacuterio de busca pelo reconhecimento de maacutexima eficaacutecia juriacutedica aos direitos fundamentais

Melhor explicando a defesa aqui eacute no sentido de que o nuacutecleo que forma a ideia de

um miacutenimo existencial jaacute levou em consideraccedilatildeo quando da sua formulaccedilatildeo o argumento da

limitaccedilatildeo financeira do Estado presumindo-se que o Poder Puacuteblico dispotildee de recursos para

atender ao menos as necessidades que compotildeem esse miacutenimo e que satildeo tidas

139

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 287 140

Nesse sentido Arcecircnio Brauner dispotildee que ldquoo Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana () natildeo reclama

apenas a garantia da liberdade mas tambeacutem um miacutenimo de seguranccedila social jaacute que sem os recursos materiais

para uma existecircncia digna a proacutepria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada Por esta razatildeo o direito agrave

vida e a integridade corporal natildeo podem ser concebidos meramente como proibiccedilatildeo de destruiccedilatildeo de existecircncia

isto eacute como direito de defesa impondo ao reveacutes tambeacutem uma postura ativa no sentido de garantir a vidardquo

(Grifos acrescidos) BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In

FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces

do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 603-604 141

Sobre a noccedilatildeo de miacutenimo existencial e a contribuiccedilatildeo teoacuterica de inuacutemeros autores (dentre eles John Rawls

Friedrich Hayek Michael Walzer e Carlos Santiago Nino) sobre o tema conferir HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares

sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 142

Atribui-se a Otto Bachof a primazia do reconhecimento de um direito subjetivo a recursos miacutenimos para

existecircncia digna a partir do entendimento de que o direito agrave vida e integridade corporal natildeo envolve apenas

postura defensiva mas tambeacutem prestaccedilotildees Tal formulaccedilatildeo foi entatildeo seguida em paradigmaacutetica decisatildeo do

Tribunal Federal Administrativo da Alemanha em 1954 ao ser reconhecido a um indiviacuteduo o direito subjetivo a

auxiacutelio material por parte do Estado com base na dignidade da pessoa humana Jaacute em 1975 o Tribunal

Constitucional Federal alematildeo reconheceu a partir do princiacutepio da dignidade da pessoa humana do direito agrave

vida e agrave integridade fiacutesica e mediante uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica junto ao princiacutepio do Estado Social um

direito fundamental agrave garantia das condiccedilotildees miacutenimas para uma existecircncia digna HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares

sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 45-47

79

constitucionalmente como prioridades Se assim natildeo fosse caso houvesse a possibilidade de

opor a reserva do possiacutevel em face de tal miacutenimo se estaria diante de uma confessada conduta

inconstitucional anterior por parte da autoridade puacuteblica143

visto que restaria evidenciado que

os recursos existentes foram alocados em desacordo com as prioridades estabelecidas

constitucionalmente144

Aplicando o pensamento desenvolvido acima para a realidade do direito agrave sauacutede

conclui-se ser inegaacutevel o fato de tal direito exigir um aporte financeiro do Estado para ser

protegido e garantido Da mesma maneira depreende-se que a previsatildeo constante na proacutepria

CF de 1988 de que os entes federados devem alocar um miacutenimo de suas arrecadaccedilotildees para os

gastos com sauacutede puacuteblica reforccedila o fato de tal direito ser um alvo de acentuada prioridade no

ordenamento paacutetrio qualificando-se como condiccedilatildeo e consequecircncia constitucional

indissociaacutevel do direito agrave vida

Ora essa sistemaacutetica tem uma razatildeo de ser natildeo faria sentido essa preocupaccedilatildeo iacutempar

e relevante da Constituiccedilatildeo se o seu intuito natildeo fosse que pelo menos um miacutenimo de accedilotildees

em sauacutede fosse posta a disponibilidade da populaccedilatildeo como forma de garantir um grau baacutesico

de concretizaccedilatildeo de tal direito Desta maneira a defesa de um miacutenimo existencial em espeacutecie

com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede abrange um rol de prestaccedilotildees materiais sobre os quais o

argumento da reserva do possiacutevel natildeo poderaacute ser utilizado Saindo-se desse espectro aiacute sim

para as accedilotildees externas a esse miacutenimo eacute que se poderaacute cogitar o enfrentamento do tema da

reserva do possiacutevel

Outro aspecto a ser avaliado eacute que sendo um tiacutepico direito de segunda geraccedilatildeo que

exige do Estado uma prestaccedilatildeo positiva nascente do conceito de igualdade substancial o

amparo agrave sauacutede tem por fundamento comando constitucional que natildeo possibilita um raio de

discricionariedade capaz de conferir maior grau de liberdade de conformaccedilatildeo ao direito do

143

A loacutegica de uma gestatildeo de recursos eacute simples e baseada na obtenccedilatildeo (arrecadaccedilatildeo) e no dispecircndio (despesa)

devendo claramente haver uma congruecircncia entre tais extremos para a sustentaccedilatildeo do sistema Nesse sentido

buscando-se sempre a noccedilatildeo de que as disposiccedilotildees constitucionais formam um todo harmocircnico eacute certo que o

arrecadado deve ser equivalente ao miacutenimo que se exige e nesse contexto o volume crescente de arrecadaccedilatildeo

tributaacuteria dos uacuteltimos anos no paiacutes denota que a sinalizaccedilatildeo do quantum a ser arrecadado natildeo pode fugir da

preacutevia necessidade que estaacute sendo priorizada daiacute concluir-se que ldquoo miacutenimo existencial jaacute estaacute na contardquo da CF e

a aplicaccedilatildeo da ideia de reserva do possiacutevel deve ser utilizada quando diante de prestaccedilotildees que extrapolam esse

miacutenimo 144

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 290

80

qual o exerciacutecio possa ter como consequecircncia como base em simples alegaccedilatildeo de mera

conveniecircncia eou oportunidade a nulificaccedilatildeo da prerrogativa essencial145

Coadunando-se com tal pensamento Ingo Sarlet pontua que se na situaccedilatildeo concreta as

objeccedilotildees habituais ao conferimento de direito subjetivo agraves prestaccedilotildees iacutensitas ao direito social

em exame significarem uma grave agressatildeo agrave vida e a dignidade humana a saiacuteda seraacute a

prevalecircncia do direito social prestacional a partir da construccedilatildeo de um padratildeo de miacutenimo

existencial do mesmo havendo como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestaccedilotildees

admitindo-se onde tal miacutenimo for ultrapassado apenas um direito subjetivo prima facie146

O embate entre reserva do possiacutevel e miacutenimo existencial se demonstra pois como

algo meramente aparente visto que a perfeita delimitaccedilatildeo das accedilotildees inseridas nesse miacutenimo

com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede terminaratildeo por formar um escudo protetivo intransponiacutevel

pelo argumento da reserva do possiacutevel o qual soacute poderaacute ser arguido quando diante de uma

situaccedilatildeo que extrapole tal nuacutecleo baacutesico

Desta maneira o miacutenimo existencial desponta como um limite agrave aplicaccedilatildeo da reserva

do possiacutevel na medida em que garante um conjunto de necessidades baacutesicas do indiviacuteduo a ser

respeitado e obrigatoriamente fornecido pelo Estado e nesse ponto o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana termina assumindo uma importante funccedilatildeo demarcatoacuteria ao estabelecer a

fronteira para o que convenciona denominar de padratildeo miacutenimo da esfera dos direitos

sociais147

Assentado o pensamento acima antes de passar para o exame das premissas que

sustentam a problemaacutetica do presente estudo (o deacuteficit evolutivo da concretizaccedilatildeo do direito agrave

sauacutede nos mais de vinte anos da CF de 1988 bem como a alocaccedilatildeo do direito agrave sauacutede para um

primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais) faz-se necessaacuteria uma breve

explanaccedilatildeo acerca da aplicaccedilatildeo da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso agrave questatildeo da efetividade do

direito agrave sauacutede nuacutecleo do debate ora travado

145

ODON Daniel Ivo amp RODRIGUES Sulien Barbosa O direito agrave sauacutede e a claacuteusula da reserva do

financeiramente possiacutevel In Revista Jurisplan Editora Iesplan v1 n1 Brasiacutelia 2012 105-125 p 123 146

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 p 324 147

BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009

ndash UNIMAR p 314

81

43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O

DIREITO Agrave SAUacuteDE

Foi esclarecido que a reserva do possiacutevel antes de ser vista como oacutebice insuperaacutevel agrave

efetivaccedilatildeo dos direitos sociais deve viger de certa maneira como um mandado de otimizaccedilatildeo

dos direitos fundamentais impondo ao Estado o dever fundamental de tanto quanto possiacutevel

promover as condiccedilotildees oacutetimas de efetivaccedilatildeo da prestaccedilatildeo estatal em causa buscando

preservar aleacutem disso os niacuteveis de realizaccedilatildeo jaacute atingidos Tal observaccedilatildeo aponta por sua vez

para a necessidade do reconhecimento de uma proibiccedilatildeo do retrocesso ainda mais naquilo

que se estaacute a preservar o miacutenimo existencial148

Nesse sentido faz-se relevante analisar brevemente de que maneira o presente estudo

encara a ideia de vedaccedilatildeo do retrocesso social e a partir de tal entendimento qual a sua

repercussatildeo no que tange ao direito agrave sauacutede

Pois bem o princiacutepio149

da proibiccedilatildeo ou vedaccedilatildeo do retrocesso eacute uma construccedilatildeo

doutrinaacuteria que diz respeito agrave possibilidade ou natildeo de se diminuir o campo protetivo de um

direito fundamental jaacute protegido infraconstitucionalmente

Tal anaacutelise parte da premissa de que os direitos fundamentais devem ser concretizados

por meio de regulamentaccedilatildeo infraconstitucional em um cenaacuterio de progressiva ampliaccedilatildeo e

tendo isto em mente enfrenta o questionamento de ser ou natildeo possiacutevel se discutir a validade

de uma eventual revogaccedilatildeo de enunciado (sem posterior substituiccedilatildeo e portanto gerando um

vazio legislativo) que regulamentando o direito fundamental em questatildeo tenha propiciado a

melhor fruiccedilatildeo e ampliaccedilatildeo do direito em questatildeo150

Ou seja o objetivo da vedaccedilatildeo do retrocesso eacute exatamente o de evitar supressotildees

legislativas que venham a regredir o acircmbito de proteccedilatildeo jaacute garantido para o direito

fundamental em exame Contudo o raciociacutenio natildeo eacute tatildeo simplista assim nem pode ser

148

SARLET Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Reserva do Possiacutevel miacutenimo existencial e

direito a sauacutede algumas aproximaccedilotildees In Doutrina Nacional Direitos Fundamentais e Justiccedila nordm 1 out-dez

2007 p 171-213 149

Natildeo eacute alvo do presente estudo a averiguaccedilatildeo acerca da natureza juriacutedica da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso

adotando-se a designaccedilatildeo de princiacutepio apenas de modo a seguir a maioria doutrinaacuteria sobre o tema 150

Alguns autores como Felipe Derbli defendem que eacute possiacutevel reconhecer a existecircncia do princiacutepio da

proibiccedilatildeo do retrocesso social na proacutepria CF de 1988 uma vez que ldquo(i) a Carta Magna vigente determina a

ampliaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais (art 5deg sect2deg e art 7deg caput) com vistas agrave progressiva reduccedilatildeo das

desigualdades regional e sociais e agrave construccedilatildeo de uma sociedade livre e solidaacuteria onde haja justiccedila social (art

3deg incisos I e III e art 170 caput e incisos VII e VIII) (ii) em sendo uma Constituiccedilatildeo dirigente impotildee o

desenvolvimento permanente do grau de concretizaccedilatildeo dos direitos sociais nela previstos com vistas agrave sua

maacutexima efetividade (art 5deg sect 1deg) sendo consequecircncia loacutegica a existecircncia do comando dirigido ao legislador de

natildeo retroceder na densificaccedilatildeo das normas constitucionais que definem tais direitos sociaisrdquo DERBLI Felipe

Proibiccedilatildeo de Retrocesso Social Uma Proposta de Sistematizaccedilatildeo agrave Luz da Constituiccedilatildeo de 1988 In BARROSO

Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007

p 494

82

encarado como uma maacutexima vinculante vez que se insere na discussatildeo acerca da autonomia

da funccedilatildeo legislativa e dos limites agrave liberdade de conformaccedilatildeo do legislador podendo a

utilizaccedilatildeo excessivamente abrangente da vedaccedilatildeo do retrocesso que natildeo leve em

consideraccedilatildeo a conjuntura poliacutetico-econocircmica do momento analisado implicar em distorccedilotildees

natildeo almejadas pelo ordenamento constitucional

De modo a esclarecer melhor o acima afirmado faz-se relevante destacar alguns

pontos que auxiliaratildeo na exata compreensatildeo acerca do posicionamento deste trabalho quanto

ao instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso e sua repercussatildeo quanto ao direito agrave sauacutede O primeiro

ponto eacute que o esvaziamento total de um direito jaacute incorporado e regulamentado no

ordenamento sem uma poliacutetica substitutiva ou uma justificaccedilatildeo de ordem loacutegica que leve em

consideraccedilatildeo um possiacutevel conflito com outro direito antes de ser uma accedilatildeo que colida com a

ideia propugnada pela vedaccedilatildeo do retrocesso consiste em uma autecircntica violaccedilatildeo agrave

Constituiccedilatildeo

Nesse contexto admita-se hipoteticamente que seja revogado integralmente o

Coacutedigo de Defesa do Consumidor esvaziando-se completamente o campo protetivo que tal

diploma confere aos direitos nele abarcados sem se empreender uma substituiccedilatildeo por nova

legislaccedilatildeo sobre o tema Tal situaccedilatildeo seria injustificaacutevel e sem duacutevida significaria um

retrocesso que antes de ser proibido pelo princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso por si soacute jaacute

seria eivado de clara inconstitucionalidade

O segundo ponto para aleacutem da situaccedilatildeo acima de revogaccedilatildeo integral na

regulamentaccedilatildeo de determinado direito fundamental consiste na premissa de que a anaacutelise

sobre um possiacutevel retrocesso na regulamentaccedilatildeo de um direito natildeo deve levar em

consideraccedilatildeo puramente o aspecto textual da norma alterada mas sim o panorama macro no

qual a norma em exame estaacute envolvida e consequentemente as condicionantes de ordem

poliacutetica econocircmica histoacuterica cultural visto que restriccedilotildees a direitos podem em determinados

casos significar razoavelmente a promoccedilatildeo de outros tidos como mais prioritaacuterios pelo

legislador para o contexto do momento em questatildeo151

151

Corroborando com esse pensamento Ana Paula Barcellos pontua que ldquoConsiderando a dignidade da pessoa

humana de forma integral e coletiva ndash isto eacute os vaacuterios aspectos da dignidade de cada indiviacuteduo e de todos eles

em determinada sociedade ndash eacute equivocado imaginar que a proteccedilatildeo ampliada de um especiacutefico direito

fundamental seraacute sempre o meio adequado de promover e proteger a dignidade humana das pessoas Eacute provaacutevel

que em sociedades nas quais haacute mais matildeo de obra que empregos o incremento progressivo dos direitos

trabalhistas tenha como efeito a ampliaccedilatildeo do mercado informal de trabalho (no qual direito algum eacute assegurado)

()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 91

83

Imagine-se entatildeo que em um cenaacuterio de progresso e tranquilidade econocircmica sejam

conferidas certas benesses com relaccedilatildeo a um direito especiacutefico as quais venham a garantir

uma ampliaccedilatildeo do mesmo Vislumbre-se agora um cenaacuterio de grave crise econocircmica em que

algumas dessas benesses sejam suprimidas temporariamente visando a que outros direitos

tidos por mais prioritaacuterios sejam melhor garantidos frente ao quadro de recessatildeo

Caso admitida a vedaccedilatildeo do retrocesso como uma maacutexima capaz de impedir qualquer

tipo de restriccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo vigente ao direito em questatildeo a situaccedilatildeo acima descrita

seria impossiacutevel de ser alcanccedilada o que poderia ocasionar um prejuiacutezo e retrocesso ateacute

mesmo maior para a sociedade e para a concretizaccedilatildeo152

dos direitos fundamentais como um

todo (considerando uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do ordenamento)

Desta forma quando comparados contextos histoacutericos totalmente diferentes a melhor

saiacuteda consiste em natildeo analisar a supressatildeo meramente pontual de cada direito mas sim se o

balanceamento empreendido pelo legislador para ldquosobreviverrdquo ao cenaacuterio de crise entre aacutereas

constitucionalmente prioritaacuterias e natildeo prioritaacuterias significa um avanccedilo ou um retrocesso do

sistema constitucional como um todo

Reforccedila essa visatildeo o posicionamento assentado no paraacutegrafo 9 da Observaccedilatildeo Geral

ndeg3 do Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais da ONU que ao comentar o

dispositivo 21 do PIDESC (aqui jaacute visto e que prevecirc o dever dos Estados considerando o

maacuteximo de recursos de que disponham de adotar medidas para produzir de forma progressiva

a efetividade dos direitos reconhecidos no pacto) pondera que pode ser admitida a adoccedilatildeo de

medidas restritivas dos direitos previstos no pacto desde que justificadas e levando-se em

consideraccedilatildeo a totalidade de tais direitos no contexto do pleno aproveitamento dos recursos

disponiacuteveis

Some-se a isso o aspecto relacionado agrave deliberaccedilatildeo democraacutetica no sentido de que o

raciociacutenio o qual considera que a regulamentaccedilatildeo de um direito formaria com sua previsatildeo

constitucional uma espeacutecie de bloco de constitucionalidade153

funcionando como uma

152

De se destacar as liccedilotildees de Pieroth e Schlink no sentido de que a concretizaccedilatildeo de um direito fundamental eacute

verificada sempre que o seu acircmbito de proteccedilatildeo permanece intacto natildeo limitado e neste caso o Estado natildeo

pretende de modo nenhum impedir uma conduta que esteja abrangida pelo acircmbito de proteccedilatildeo Ao contraacuterio

pretende precisamente abrir possibilidades de conduta para que o particular possa fazer uso do direito

fundamental sendo necessaacuterias conformaccedilotildees nos chamados acircmbitos de proteccedilatildeo marcados pelo direito ou pelas

normas PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de

Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 93-94 153

Sobre a expressatildeo Pablo Luis Manili aponta que ldquoem 1970 el profesor Claude Emeri comentoacute em la Revue

de Droit Public (Revista de Derecho Puacuteblico) una decisioacuten de este Consejo adoptada em 1969 y referida a la

reforma del Reglamento de la Asamblea Nacional En este artiacuteculo el autor advierte que la constitucionalidad de

esse reglamento fue juzgada no soloamente em relacioacuten com la Constitucioacuten sino tambieacuten com referencia a uma

Ordenanza (ndeg 58-1100 del 171158) que regula el funcionamiento de las Asambleas parlamentarias y para

84

claacuteusula peacutetrea ampliada pode significar um engessamento inconstitucional da autonomia da

funccedilatildeo legislativa que ficaria obstada de empreender o balanceamento acima mencionado em

contexto de crises podendo incidir em um maior prejuiacutezo a certos direitos154

Assentados os dois pontos acima uma saiacuteda para a natildeo banalizaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo

desenfreada do instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso que venha a enfraquececirc-lo eacute o

estabelecimento de um limite para as possiacuteveis restriccedilotildees a algum direito de modo que soacute seraacute

considerado um retrocesso de fato as situaccedilotildees em que tal limite fosse ultrapassado e a

decretaccedilatildeo desse limite encontra-se exatamente no texto constitucional e na demarcaccedilatildeo do

nuacutecleo essencial do direito em exame

Dessa maneira o princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso social pode ser enxergado a

partir da seguinte foacutermula o nuacutecleo essencial dos direitos sociais jaacute realizado e efetivado

atraveacutes de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo

inconstitucionais medidas que sem criar esquemas alternativos ou compensatoacuterios se

traduzam na praacutetica em uma anulaccedilatildeo ou aniquilaccedilatildeo pura e simples desse nuacutecleo essencial

que funcionaria como limite para a liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e a inerente

autorreversibilidade155

Conclui-se portanto que i as supressotildees totais de regulamentaccedilotildees bem como

aquelas que ainda que natildeo totais impliquem na aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial do direito

examinado satildeo antes de afronta ao princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso medidas

inconstitucionais ii as supressotildees pontuaisparciais externas ao espectro do nuacutecleo essencial

do direito fundamental em anaacutelise devem ser encaradas levando em conta o momento

histoacuterico em questatildeo e a totalidade dos direitos fundamentais amparados pelo sistema

constitucional como um todo visto que uma accedilatildeo que a princiacutepio possa aparentar ser

describir esse conjunto de normas que eran tenidas em cuenta por el Consejo Constitucional ndash ademaacutes de la

proacutepria constitucioacuten ndash para ejercer su competencia utilizo por primera vez la expresioacuten MANILI Pablo Luis El

Bloque de Constitucionalidad La recepcioacuten del Derecho Internacional de loacutes Derechos Humanos en el

Derecho Constitucional Argentino Buenos Aires La Ley 2003 p 284 154

Sobre a questatildeo da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador na temaacutetica da vedaccedilatildeo do retrocesso social Joseacute

Carlos Vieira de Andrade leciona que ldquoO princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso enquanto determinante

heteroacutenoma vinculativa para o legislador implicaria bem vistas as coisas a eleveccedilatildeo das medidas legais

concretizadoras dos direitos sociais a direito constitucional () Contudo isso natildeo implica a aceitaccedilatildeo de um

princiacutepio geral de proibiccedilatildeo do retrocesso nem uma bdquoeficaacutecia irradiante‟ dos preceitos relativos aos direitos

sociais encarados como um bdquobloco constitucional dirigente‟ A proibiccedilatildeo do retrocesso natildeo pode constituir um

princiacutepio geral nesta mateacuteria sob pena de se destruir a autonomia da funccedilatildeo legislativa()rdquo (grifos no original)

VIEIRA Joseacute Carlos Vieira de Os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976Coimbra

Almedina 1998 p309 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais

O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 86 155

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra

Almedina 2003 p 327

85

restritiva de um direito pode significar em verdade um avanccedilo de outro mais prioritaacuterio (e

caso natildeo signifique seraacute eivada de inconstitucionalidade)

Como se vecirc a questatildeo eacute complexa e buscando sua melhor soluccedilatildeo o presente estudo

se filia ao mecanismo proposto por Ana Paula de Barcellos para se identificar em que

circunstacircncias a vedaccedilatildeo do retrocesso seraacute aplicaacutevel para aleacutem da hipoacutetese de revogaccedilatildeo total

de uma disciplina existente em mateacuteria de direitos fundamentais Tal mecanismo

aproximando-se do pensamento acima mencionado com relaccedilatildeo agrave limitaccedilatildeo da restriccedilatildeo pelo

nuacutecleo essencial do direito constitucional em anaacutelise parte da ideia baacutesica de confrontar (natildeo

apenas quanto ao aspecto linguiacutestico mas tambeacutem considerando o contexto histoacuterico e

cultural) a nova regulamentaccedilatildeo aparentemente restritiva com a garantia miacutenima que decorre

da Constituiccedilatildeo e natildeo propriamente com a disciplina jaacute adotada pelo legislador

constitucional156

Nota-se assim que o paracircmetro de aferibilidade sai do substrato normativo

infraconstitucional e atrela-se unicamente agrave constituiccedilatildeo jaacute que tal investigaccedilatildeo se norteia

pela indagaccedilatildeo se a nova disciplina pretendida compatibiliza-se com a garantia constitucional

do direito em questatildeo ao ponto de realizar de forma minimamente adequada o bem juriacutedico

tutelado garantindo assim a aplicabilidade real e efetiva da fruiccedilatildeo do mesmo por seus

destinataacuterios Em caso afirmativo a nova regulamentaccedilatildeo natildeo afrontaria a vedaccedilatildeo do

retrocesso em caso negativo tal inovaccedilatildeo deveraacute ser encarada como uma supressatildeo

inconstitucional do direito em anaacutelise

Finalmente aplicando tudo que foi dito acima agrave situaccedilatildeo especiacutefica do direito agrave sauacutede

tem-se que frente agrave maior fundamentalidade do direito agrave sauacutede devido a sua iacutentima ligaccedilatildeo

com o direito agrave vida e agrave dignidade humana supressotildees totais quanto a regulamentaccedilatildeo de tal

direito bem como agravequelas que importem em afronta ao seu nuacutecleo essencial157

seratildeo tidas

como inconstitucionais aleacutem de colidirem com a vedaccedilatildeo do retrocesso

Com relaccedilatildeo a supressotildees pontuais sobretudo em momentos de crises econocircmicas

essas somente seratildeo admitidas como uacuteltima alternativa desde que sejam comprovadamente

essenciais para a ldquosobrevivecircnciardquo do paiacutes tenham caraacuteter temporaacuterio natildeo subvertam o niacutevel

de proteccedilatildeo constitucional conferido a esse direito e principalmente sejam realizadas apenas

ao posterior esgotamento de restriccedilotildees em aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias

156

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 92 157

Sem entrar em polecircmica doutrinaacuteria o presente estudo considera a visatildeo de nuacutecleo essencial nesse ponto

abordada consentacircnea com a ideia de miacutenimo existencial em espeacutecie para cada direito fundamental em si

86

constitucionalmente158

Nesse sentido conclui-se ser rara a ocorrecircncia de tal hipoacutetese a qual

demandaria uma conjuntura de extrema instabilidade institucional tanto sob o vieacutes poliacutetico

quanto econocircmico

44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988

Nas primeiras linhas desse trabalho foi asseverado que o mesmo partiria de duas

premissas sendo uma delas exatamente a constataccedilatildeo de que com o tempo percorrido pela

CF de 1988 o niacutevel atingido no processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute deficiente e

natildeo condiz perfeitamente com os anseios constantes nos pactos internacionais assinados pelo

Brasil nem nos dispositivos delineados tanto na Constituiccedilatildeo Federal159

quanto no arcabouccedilo

legislativo infraconstitucional sobre o tema

Para tal conclusatildeo basta acompanhar os casos alarmantes de verdadeiro caos na

realidade da sauacutede puacuteblica vivida no paiacutes retratada diariamente nos telejornais160

para se

chegar a conclusatildeo de que algo estaacute errado ou utilizando-se de um jargatildeo popular de que ldquoa

conta natildeo baterdquo

Eacute nessa conjuntura portanto que surge a indagaccedilatildeo como um paiacutes que se

compromete na ordem internacional a promover a sauacutede na maior medida do possiacutevel que

arquiteta tal bem juriacutedico de maneira iacutempar em seu ordenamento prevendo ateacute mesmo a

vinculaccedilatildeo orccedilamentaacuteria de um miacutenimo a ser gasto com tal direito frente sua relevacircncia pode

ainda assim apresentar problemas estruturais baacutesicos tatildeo gritantes Natildeo resta duacutevida

158

Seria inconstitucional e colidiria com a proibiccedilatildeo do retrocesso portanto a ocorrecircncia em um cenaacuterio de

crise econocircmica de restriccedilatildeo pontual com relaccedilatildeo agrave abrangecircncia do atendimento em sauacutede previsto na legislaccedilatildeo

do SUS sem que antes tenha sido restringida a regulamentaccedilatildeo de todas as aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias pela

Constituiccedilatildeo (propaganda construccedilatildeo de estaacutedios para eventos esportivos participaccedilatildeo de dinheiro puacuteblico por

exemplo) ou ateacute mesmo aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias quanto o direito agrave sauacutede 159

Enfatiza esse ponto o fato da Constituiccedilatildeo de 1988 ser tipicamente dirigente visto que aleacutem da tradicional

funccedilatildeo de estruturar o Estado incorporou-se em seus textos definiccedilotildees valorativas e ideoloacutegicas reconhecendo-

se assim o seu poder de tomar decisotildees poliacuteticas fundamentais e estabelecer prioridades materiais e objetivos

puacuteblicos que terminam por guiar o comportamento futuro do Estado Sobre o tema da Constituiccedilatildeo dirigente

conferir COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda (Org) Canotilho e a Constituiccedilatildeo dirigente 2deg ed Rio de

Janeiro Renovar 2005 160

Agrave tiacutetulo ilustrativo seguem algumas mateacuterias que retratam as peacutessimas condiccedilotildees da sauacutede puacuteblica no Estado

do Rio Grande do Norte as quais tiveram repercussatildeo nacional nos uacuteltimos anos httpglobotvglobocominter-

tv-rnrn-tv-2a-edicaovcaos-toma-conta-da-saude-em-mossoro-rn2494580 Acessado em 02042013

httpg1globocomrnrio-grande-do-nortenoticia201301marcha-do-fio-de-aco-reune-medicos-em-protesto-

ao-caos-na-saude-do-rnhtml Acessado em 02042013 httpgovernadoremfocoblogspotcombr201301caos-

na-saude-do-rn-e-destaque-nohtml Acessado em 02042013

httpbandnewstvbanduolcombrnoticiasconteudoaspID=657505 Acessado em 08042013

87

portanto que haacute um claro descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos

governantes que precisa ser combatido e corrigido

Natildeo obstante para a melhor compreensatildeo do referido descompasso eacute primordial

abstrair um pouco a anaacutelise do plano meramente faacutetico (que eacute o ponto de chegada do

problema) e tentar entender melhor o fundamento juriacutedico que aponta para uma maximizaccedilatildeo

do dever estatal em realizar o direito agrave sauacutede (o ponto de partida) e para isso eacute importante se

ter em mente a noccedilatildeo de gradualidade bem como de dever de progressividade inerente ao

processo de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais

Nesse ponto consoante o jaacute analisado PIDESC tem-se para o Estado o

estabelecimento de uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais a significar o

dever de serem tomadas todas as providecircncias possiacuteveis nos limites dos recursos disponiacuteveis

com o escopo de alcanccedilar gradativamente a mais completa realizaccedilatildeo desses direitos e da

forma mais ampliativa possiacutevel o que revela uma ideia de avanccedilo e otimizaccedilatildeo

Nesse sentido o dever de progressividade implica na alocaccedilatildeo dos recursos existentes

sejam direcionados agrave consecuccedilatildeo dos direitos especificados no PIDESC da melhor forma

possiacutevel significando especialmente quanto ao direito agrave sauacutede que o Brasil possui a

obrigaccedilatildeo concreta e constante de desenvolver o mais eficientemente possiacutevel agrave plena

realizaccedilatildeo do direito ao mais alto niacutevel de sauacutede em respeito ao artigo 12 do referido diploma

anteriormente jaacute estudado161

Alinha-se a essa visatildeo ainda a noccedilatildeo de gradualidade162

de realizaccedilatildeo dos direitos

sociais a prestaccedilotildees materiais no sentido de que como tais direitos demandam direta e

efetivamente do aporte financeiro do Estado e este eacute finito a efetivaccedilatildeo progressiva dos

mesmos deveraacute ser alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a passo conforme a

capacidade financeira do Estado

Desta forma uma poliacutetica de sauacutede eficaz e consentacircnea com a proteccedilatildeo que eacute dada

ldquono papelrdquo a tal direito pressupotildee uma estruturaccedilatildeo tendente a uma crescente e contiacutenua

melhoria163

das condiccedilotildees de sauacutede realizada a passos graduais de acordo com a

161

GIALDINO Rolando E El derecho al disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones

Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 517 162

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual

dos direitos econoacutemicos sociais e culturaisrdquo in Estudos sobre Direitos Fundamentais Ed Coimbra 2004 p

108 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e

efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 132 163

Eacute muito importante a exata compreensatildeo desses ponto natildeo basta simplesmente afirmar que a realizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede deve ser gradual e progressiva frente a limitaccedilatildeo dos recursos como se isso fosse um argumento

automaacutetico e apto a justificar qualquer falha ou omissatildeo estatal Na realidade deve ser acoplado a esse raciociacutenio

(progressividade gradual) a ideia de que tal progressatildeo deve ser movida por um anseio contiacutenuo e crescente de

melhoria de avanccedilo

88

disponibilidade financeira possiacutevel mas sempre guiada para o avanccedilo e nunca para o

retrocesso

A conclusatildeo do acima afirmado (que apesar de simploacuteria eacute bastante relevante) eacute a de

que se o quadro da sauacutede puacuteblica de uma determinada regiatildeo se agrava no plano faacutetico seja

por ausecircncia de meacutedicos pela natildeo disponibilizaccedilatildeo de insumos hospitalares ou pela

insuficiecircncia de vacinas por exemplo e inexiste uma justificativa plausiacutevel para isso164

o que

estaraacute ocorrendo na praacutetica eacute um verdadeiro retrocesso na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o

argumento de que tal situaccedilatildeo eacute justificaacutevel pelo atrelamento da disponibilizaccedilatildeo de

prestaccedilotildees materiais aos limites orccedilamentaacuterio natildeo poderaacute prosperar

Em termos mais diretos a gradualidade relaciona-se sim com a disponibilidade de

recursos mas nunca poderaacute ser utilizada para justificar um retrocesso pois ela funciona como

um motor da progressividade ora acelerando ora diminuindo tal aceleraccedilatildeo mas sempre

avanccedilando nunca retroagindo165

Assentadas as exatas noccedilotildees de gradualidade e progressividade as quais se conectam agrave

temaacutetica jaacute tratada da reserva do possiacutevel e da vedaccedilatildeo do retrocesso social defende-se que o

aparato legislativo (abrangendo tanto os Pactos Internacionais como a CF e a legislaccedilatildeo

ordinaacuteria) construiacutedo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede significa um compromisso firmado pelo

Estado com a sociedade e o atual estaacutegio do quadro da sauacutede puacuteblica no paiacutes demonstra a

ocorrecircncia de um autecircntico ldquocaloterdquo por parte do Estado o qual se encontra recalcitrante em

cumprir exata e perfeitamente o que se comprometeu terminando por frustrar os cidadatildeos

Frente a este desacerto com o intuito de corrigir tal deacuteficit evolutivo a soluccedilatildeo aqui

proposta eacute exatamente a de acelerar esse processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e nessa

jornada assumem papel de destaque a intervenccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do desse direito

a proteccedilatildeo coletiva do mesmo empreendida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e pela Defensoria

Puacuteblica e a participaccedilatildeo e controle social sobretudo na seara orccedilamentaacuteria

164

Apenas uma situaccedilatildeo de excepcionalidade (um surto epidemioloacutegico por exemplo) poderia justificar uma

possiacutevel ldquofaltardquo do Estado para com seu dever de realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Se a verba para tal direito jaacute se

encontra ldquoamarradardquo natildeo faz sentido em um mecircs natildeo se constatar problemas e no seguinte sem nenhuma

mudanccedila no cenaacuterio anterior ocorrer por exemplo uma diminuiccedilatildeo radical no nuacutemero de meacutedicos em

determinado hospital puacuteblico A falta de planejamento (ou ateacute mesmo de vontade) do Poder Puacuteblico bem como a

maacute gestatildeo dos recursos disponiacuteveis satildeo situaccedilotildees totalmente diferentes da comprovada insuficiecircncia de recursos

e natildeo podem ser considerados argumentos vaacutelidos e justificaacuteveis quando utilizados pelo Estado para justificar

suas falhas 165

Expotildeem Abramovich e Courtis que a noccedilatildeo de progressividade apresenta dois sentidos complementares

abarca ao mesmo tempo o reconhecimento de que a satisfaccedilatildeo plena dos direitos sociais supotildee uma certa

gradualidade e a noccedilatildeo de que progresso liga-se agrave obrigaccedilatildeo estatal de melhorar as condiccedilotildees de gozo e

exerciacutecio de tais direitos ABRAMOVICH Viacutectos Ernesto COURTIS Christian Los derechos sociales como

derechos exigibles Madrid Trotta 2002 p 93 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental

agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 138

89

Contudo antes de entender como os citados atores podem efetuar suas contribuiccedilotildees

faz-se relevante examinar a segunda premissa exposta no iniacutecio desse estudo qual seja a

estruturaccedilatildeo prioritaacuteria que eacute dada ao direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio e sua ligaccedilatildeo com

a dignidade da pessoa humana

45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

Em um cenaacuterio hipoteacutetico imagine-se que toda populaccedilatildeo brasileira fosse entrevistada

sobre qual direito social dentre os elencados no artigo sexto da CF de 1988 apresentaria maior

importacircncia Sem sombra de duacutevidas sauacutede e educaccedilatildeo despontariam como os direitos mais

votados e muitos arriscariam dizer que juntamente com o direito agrave seguranccedila (sob um vieacutes de

seguranccedila puacuteblica) tais direitos formariam uma triacuteade essencial a ser prestada eficientemente

pelo Estado

Ocorre que como jaacute visto a apuraccedilatildeo acerca do grau de eficaacutecia de algum direito leva

em consideraccedilatildeo natildeo soacute o sistema normativo que o abraccedila mas tambeacutem a fundamentalidade

social e juriacutedica da circunstacircncia regulada pela norma e partindo disto eacute inegaacutevel que o

direito agrave sauacutede assume um papel de destaque dentre os direitos que necessitam de um ldquofazerrdquo

estatal jaacute que apresenta uma iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida posicionando-se a sauacutede

como um componente primordial e embrionaacuterio agrave fruiccedilatildeo dos demais direitos

Melhor explicando eacute facilmente identificaacutevel uma engrenagem entre os direitos

fundamentais sociais em um contexto em que todos possuem sua importacircncia e ao mesmo

tempo se interdependem Contudo a sauacutede estaria ocupando uma posiccedilatildeo basilar nessa

sistemaacutetica inter-relacional por possuir um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica e social mais

apurada devido a sua maior aproximaccedilatildeo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e a

dignidade da pessoa humana

Entendendo esse ciclo eacute indiscutiacutevel que o direito agrave educaccedilatildeo se mostra fundamental

para a melhoria da qualidade de vida de toda sociedade consistindo em importante passo para

a formaccedilatildeo do intelecto e participaccedilatildeo mais ativa nas decisotildees estatais Partindo dessa noccedilatildeo

eacute tambeacutem irrefutaacutevel que o pleno gozo de tal direito acarreta na fruiccedilatildeo de outros como por

exemplo o direito ao trabalho que por sua vez seraacute essencial para a subsistecircncia de cada um

proporcionando as condiccedilotildees necessaacuterias para a obtenccedilatildeo de alimentaccedilatildeo moradia e lazer

90

entretanto indubitavelmente tudo isso pressupotildee a perfeita condiccedilatildeo de sauacutede do indiviacuteduo e

o seu cuidado constante durante toda vida

Eacute nessa conjuntura portanto que se pode falar tambeacutem em impreteribilidade do

direito agrave sauacutede com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais De que maneira Imagine-se um

cidadatildeo que esteja sem usufruir nenhum dos direitos sociais a ele garantidos

constitucionalmente (por exemplo um sem-teto analfabeto em estado grave de sauacutede) e que

o Estado resolva proporcionar a fruiccedilatildeo mas apenas um de cada vez dos direitos entatildeo

afrontados

Solucionar somente a problemaacutetica do direito agrave educaccedilatildeo ou da mesma forma apenas

o direito agrave moradia166

acabaraacute resolvendo exclusivamente cada um desses problemas em

especiacutefico mas natildeo teraacute o condatildeo de necessariamente implicar na potencial fruiccedilatildeo dos

demais direitos

Por outro lado ao resolver a grave situaccedilatildeo de sauacutede desse cidadatildeo que se encontra

seriamente aviltado em sua dignidade o Estado ao mesmo tempo em que corrige esse

problema invariavelmente estaraacute proporcionando ao cidadatildeo a aptidatildeo elementar ao pleno

usufruto dos demais direitos o que termina por reservar ao elemento sauacutede uma posiccedilatildeo de

direito impreteriacutevel quando posto comparativamente em xeque diante dos demais direitos

sociais

Fechando esse pensamento tem-se que caso seja negada a atenccedilatildeo prioritaacuteria ao

direito agrave sauacutede aleacutem de por oacutebvio natildeo ser solucionado o problema do cidadatildeo no que diz

respeito a este determinante elemento de sua vida estaraacute tambeacutem prejudicada qualquer

possibilidade de soluccedilatildeo aos demais direitos em questatildeo Nesse caso a desatenccedilatildeo ao direito agrave

sauacutede mais do que uma violaccedilatildeo a um direito social objetivamente significaraacute uma

obstacularizaccedilatildeo agrave reparaccedilatildeo dos demais direitos sociais lesados os quais restaratildeo inoacutecuos

Frente ao exposto eacute inevitaacutevel reconhecer que o direito agrave sauacutede deve ser alocado para

uma posiccedilatildeo de primazia quando confrontado com os demais direitos fundamentais sociais

ateacute mesmo pelo fato de que a garantia de diversos outros direitos (vida digna integridade

fiacutesica alimentaccedilatildeo moradia seguranccedila assistecircncia agrave maternidade etc) traduzem ao menos

reflexamente uma densificaccedilatildeo do mesmo Corroborando com tal raciociacutenio a doutrina

aponta que o direito agrave sauacutede ainda que natildeo tivesse sido positivado no PIDESC poderia ser

166

Exemplificando a pontual matricula do cidadatildeo no ensino puacuteblico natildeo facilitaraacute diretamente a soluccedilatildeo do

problema relativo agrave sua moradia muito menos quanto agrave sua sauacutede (da mesma forma a disponibilizaccedilatildeo de uma

casa popular natildeo seraacute pressuposto pra resolver o problema quanto agrave educaccedilatildeo e nem da sauacutede)

91

tutelado na oacuterbita internacional tranquilamente como um direito impliacutecito agrave vida167

(e tambeacutem

agrave integridade fiacutesica)

Reforccedilando mais ainda o caraacuteter prioritaacuterio que foi dado ao direito agrave sauacutede no

ordenamento paacutetrio conforme jaacute foi analisado nos capiacutetulos anteriores eacute consenso168

que a

CF de 1988 aleacutem de conferir um capiacutetulo proacuteprio para tal direito atribuiu ao mesmo por toda

a extensatildeo de seu corpo (atraveacutes de cinquenta e cinco menccedilotildees ao elemento sauacutede) um

tratamento notadamente especial chegando ao ponto de por exemplo

(i) exigir o direcionamento de parte da receita resultante da arrecadaccedilatildeo de

impostos estaduais para as accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede169

considerando

a aplicaccedilatildeo desse miacutenimo um autecircntico princiacutepio constitucional sensiacutevel170

cuja

natildeo observacircncia autoriza a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados (e destes em seus

municiacutepios quando natildeo tiver sido aplicado o miacutenimo exigido da receita

municipal) e no Distrito Federal171

(ii) excepcionar a proibiccedilatildeo de acumulaccedilatildeo de cargos puacuteblicos permitindo172

a

possibilidade de acuacutemulo de dois cargos de profissionais de sauacutede com

profissotildees regulamentadas desde que haja compatibilidade de horaacuterio173

167

Nesse sentido Joseacute Bengoa interpretando o artigo 6deg do PIDCP defende que o direito agrave vida estaria

decomposto em quatro elementos essenciais direito agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave disponibilizaccedilatildeo de aacutegua

potaacutevel e agrave moradia BENGOA Joseacute Pobreza y derechos humanos programa de trabajo Del Grupo ad hoc

para la realizacioacuten tendiente a contribuir a las bases de uma declaracioacuten internacional sobre los derechos

humanos y la extrema pobreza ECN4 Sub2200225-6-2002 p3 apud GIALDINORolando E El derecho al

disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 498 168

Ao justificar a importacircncia da dignidade da pessoa humana no ordenamento paacutetrio Ana Paula de Barcellos

reforccedila a possibilidade de existirem diferenccedilas entre os conteuacutedos dos enunciados constitucionais afirmando que

ldquo () sem que isso produza uma ruptura do princiacutepio da unidade eacute apenas natural que o conteuacutedo material dos

enunciados - e a fortiori das normas ndash funcione como um elemento relevante para a hermenecircutica juriacutedica ()

Ignorar as diferenccedilas que existem entre os enunciados constitucionais no que diz respeito ao seu conteuacutedo natildeo

faria sentido algum diante das escolhas do proacuteprio constituinte originaacuteriordquo BARCELLOS Ana Paula de A

eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio

de Janeiro Renovar 2011 p 164-165 169

Reconhece-se que o tratamento especial dispensado agrave sauacutede sob o vieacutes de vinculaccedilatildeo a receita de impostos eacute

conjugado com a preocupaccedilatildeo relacionada ao desenvolvimento e manutenccedilatildeo do ensino contudo tal fato natildeo

chega a afastar a primazia do direito agrave sauacutede aqui defendida tanto por existir uma maior preocupaccedilatildeo sob o vieacutes

orccedilamentaacuterio com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede na proacutepria Constituiccedilatildeo (como eacute o caso das contribuiccedilotildees para a

seguridade social que engloba a sauacutede) mas principalmente pela maior proximidade com o direito agrave vida e a

dignidade da pessoa humana inerente ao mesmo 170Princiacutepios constitucionais sensiacuteveis (elencados no art 34 VII CF de 1988) satildeo aqueles que caso infringidos

ensejam a mais grave sanccedilatildeo que se pode impor a um Estado Membro da Federaccedilatildeo a intervenccedilatildeo retirando-lhe

a autonomia organizacional que caracteriza a estrutura federativa 171

Art 34 IV e art 35 III da CF de 1988 172

Aqui tambeacutem haacute regramento semelhante com relaccedilatildeo ao direito agrave educaccedilatildeo 173

Art 37 XVI c da CF de 1988

92

(iii) estabelecer contribuiccedilotildees sociais visando ao financiamento da seguridade

social que se destina a assegurar o direito agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia

social174

e

(iv) definir como sendo de relevacircncia puacuteblica175

as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede bem

como que poderatildeo ser adotados requisitos e criteacuterios diferenciados para a

concessatildeo de aposentadoria aos beneficiaacuterios do regime geral de previdecircncia

social nos casos de atividades exercidas sob condiccedilotildees especiais que

prejudiquem a sauacutede ou a integridade fiacutesica176

Conclui-se assim que natildeo somente haacute uma clara maior proximidade do direito agrave

sauacutede com o direito a vida digna como tambeacutem que o proacuteprio ordenamento paacutetrio

vislumbrando tal relevacircncia tratou de conferir um tratamento mais especial ao direito em

exame (tanto na esfera constitucional como infraconstitucional) quando comparado

especificamente com os demais direitos sociais o que eacute reforccedilado pela conclusatildeo de que

funcionando como um requisito de uma vida digna a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede acaba sendo

tambeacutem uma autecircntica questatildeo de cidadania ou seja de conferir aos cidadatildeos a possibilidade

democraacutetica de uma provaacutevel realizaccedilatildeo desse direito177

De se esclarecer que o aqui defendido natildeo significa um abandono da noccedilatildeo consagrada

na doutrina paacutetria de que os direitos fundamentais satildeo indivisiacuteveis e possuem a mesma

hierarquia mas sim consiste na defesa de que o direito agrave sauacutede apresenta em princiacutepio um

niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica178

mais elevada que os demais direitos

fundamentais sociais visto que apresenta uma ascendecircncia axioloacutegica e funcional mais

aproximada ao direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana sendo tal fato refletido no

proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a Constituiccedilatildeo confere a tal direito

De se destacar que o pensamento acima de certa maneira aproxima-se um pouco da

ideia propugnada pela doutrina americana dos ldquopreferred freedomsrdquo ou ldquopreferred positionsrdquo

que sucintamente preza pela possibilidade de ocorrecircncia de posiccedilotildees preferenciais entre os

direitos fundamentais de acordo com o grau de relevacircncia intriacutenseca para o ser humano ou

174

Art 194 e art 195 da CF de 1988 175

Art 197 da CF de 1988 176

Art 201 sect1deg da CF de 1988 177

BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009

ndash UNIMAR p 314 178

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 139-143

93

para a sustentaccedilatildeo das bases democraacuteticas que o mesmo possua desde que tal conferimento

de primazia seja justificado por criteacuterios razoaacuteveis179

Fala-se entatildeo em uma doutrina da posiccedilatildeo preferencial que com fundamento na via

substantiva do devido processo legal defende a inserccedilatildeo de alguns direitos fundamentais em

posiccedilatildeo privilegiada em relaccedilatildeo aos outros sem que isso poreacutem traduza um escalonamento a

priori dos direitos fundamentais lesivo agrave unidade da Constituiccedilatildeo

Outro fator que corrobora com a primazia do direito agrave sauacutede reforccedilando sua iacutentima

ligaccedilatildeo com o direito agrave vida eacute o fato de que a ideia de qualidade de vida inerente ao conceito

de direito agrave sauacutede pregado pela OMS aproxima-se dos ideais de dignidade da pessoa humana

equiparando-se as noccedilotildees de vida digna a de vida saudaacutevel jaacute que o completo bem-estar fiacutesico

mental e social concretiza o princiacutepio da dignidade humana pois natildeo se concebe que

condiccedilotildees insalubres e precaacuterias de vida sejam aceitas como conteuacutedo de uma vida com

dignidade podendo ser identificada portanto uma proteccedilatildeo da dimensatildeo de dignidade

humana integrante do conteuacutedo do direito agrave sauacutede180

Frente a essa relaccedilatildeo embora jaacute tenha sido feitos alguns apontamentos acerca da

contribuiccedilatildeo que a construccedilatildeo conceitual de dignidade da pessoa humana prestou para a

evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais faz-se necessaacuterio neste momento compreender a

abrangecircncia dos aspectos materiais dessa dignidade de modo a estabelecer quais seus efeitos

sobre o direito agrave sauacutede especialmente quanto ao seu vieacutes prestacional

451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio

A dignidade da pessoa humana pode ser conceituada como o atributo inerente e

distintivo de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideraccedilatildeo por

parte do Estado mediante a consagraccedilatildeo de um complexo de direitos e deveres fundamentais

que venham a lhe proteger de atos degradantes bem como a lhe garantir as condiccedilotildees miacutenimas

179

Sobre a doutrina do ldquoPreffered freedomsrdquo conferir MARTEL Letiacutecia de Campos Velho Hierarquizaccedilatildeo de

direitos fundamentais a doutrina da posiccedilatildeo preferencial na jurisprudecircncia da Suprema Corte Norte-Americana

Is there a hierarchy between Fundamental Rights The preferred position constitucional doctrine in the light of

Supreme Court line decision In Revista Sequecircncia ndeg 48 p 91-117 jul 2004 180

Ao comentar a garantia do direito agrave sauacutede na Espanha Guilhermo Escobar explica que existem dois

acircmbitos protetivos distintos a proteccedilatildeo da sauacutede individual que abarca um conjunto de accedilotildees dirigidas a tutelar

a sauacutede como o direito de se conservar vivo e consequente eliminaccedilatildeo de enfermidades e sofrimento a partir da

assistecircncia no caso concreto e o direito a medicamentos e a proteccedilatildeo agrave sauacutede de maneira coletiva a qual abarca

um conjunto de accedilotildees em sua maioria preventivas dirigidas igualmente a tutelar difusamente a sauacutede de todos a

partir de poliacuteticas que indiquem as prioridades na aacuterea ESCOBAR Guilhermo Las garantias del derecho a la

salud en Espantildea In Revista da Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 p

14

94

de existecircncia para uma vida saudaacutevel que termine por propiciar sua participaccedilatildeo ativa nos

destinos da proacutepria existecircncia e da vida em comunhatildeo com os demais seres humanos181

Desta maneira pode-se afirmar que a dignidade natildeo encerra uma criaccedilatildeo

constitucional jaacute que consiste em um dado preexistente a toda experiecircncia especulativa182

havendo em verdade um reconhecimento pela norma da existecircncia de tal qualidade que

acaba gerando um direito ao respeito e promoccedilatildeo dessa relevante qualidade inerente a todo ser

humano

Esclarecendo sob um vieacutes filosoacutefico a dignidade da pessoa humana por ser preacute-

juriacutedica natildeo consiste em um direito ou especificamente em uma pretensatildeo mas sim em um

valor espiritual e moral intriacutenseco agrave pessoa cujo dever geral de respeito e proteccedilatildeo acarreta no

surgimento de pretensotildees juriacutedicas a direitos subjetivos decorrentes desse valor

Nesse contexto a proteccedilatildeo normativa da dignidade da pessoa humana aleacutem de

permitir o reconhecimento do outro no que se refere agraves suas peculiaridades como indiviacuteduos

assume uma feiccedilatildeo tanto defensiva (jaacute que o dever de respeito agrave dignidade atua como limite

aos poderes estatais) quanto protetiva (uma vez que impotildee uma tarefa promocional de caraacuteter

prestacional ao Estado) que aloca o ser humano definitivamente para o papel de finalidade

uacuteltima do Estado funcionando portanto como um pressuposto da igualdade real183

de todos

os homens e da proacutepria democracia

Na conjuntura paacutetria tem-se que a CF de 1988 ao alccedilar agrave dignidade humana ao status

de fundamento184

do Estado Democraacutetico de Direito Brasileiro optou por posicionaacute-la como

um valor central que se impotildee como nuacutecleo baacutesico informador do sistema juriacutedico paacutetrio e

assume uma especial prioridade no sistema normativo jaacute que o unifica e o centraliza

funcionando como um super princiacutepio a orientaacute-lo185

Logo a dignidade apresenta um aspecto

dual visto que atua como elemento que simultaneamente confere unidade de sentido e

legitimidade a ordem constitucional paacutetria186

181

SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 73 182

SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular 2000 Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 146 183

GAVARA DE CARA Juan Carlos Derechos Fundamentales e Desarrollo Legislativondash La Garantiacutea Del

Contenido Esencial de los Derechos Fundamentales em la Ley Fundamental de Bonn Madrid Centro de

Estudios Constitucionales 1994 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 244 184

Art 1deg III da CF de 1988 185

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o princiacutepio da dignidade da pessoa humana In LEITE George

Salomatildeo (org) Dos princiacutepios constitucionais Consideraccedilotildees em torno das normas principioloacutegicas da

Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2003 p 194 186

SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 91

95

Assim no cenaacuterio do constitucionalismo tupiniquim a dignidade da pessoa humana

apresenta-se como um princiacutepio e valor fundamental servindo como buacutessola de toda ordem

juriacutedica apta a conferir unidade de sentido e legitimidade agrave ordem constitucional operando

natildeo soacute como elemento de integraccedilatildeo e criteacuterio hermenecircutico mas tambeacutem (e principalmente)

como um portal que garante a abertura material do sistema juriacutedico dos direitos fundamentais

Pode-se dizer assim que a dignidade enquanto valor fundamental se apresenta como

um componente fundante e informador de todos os direitos fundamentais configurando-se

como fonte eacutetica dos mesmos187

visto que pressupotildee o reconhecimento e proteccedilatildeo de todas as

dimensotildees desses direitos significando a ausecircncia deles uma autecircntica negaccedilatildeo aviltante agrave

proacutepria dignidade

Com efeito por constituiacuterem os direitos fundamentais verdadeiras explicitaccedilotildees da

dignidade da pessoa humana pode-se concluir que a pretensatildeo de eficaacutecia e inviolabilidade

dessa dignidade encontra-se na dependecircncia da sua capacidade de se integrar no contexto da

dogmaacutetica dos direitos fundamentais de todas as dimensotildees em uma perspectiva para aleacutem do

cataacutelogo do Tiacutetulo II da Carta Magna de 1988 jaacute que a dignidade funciona como criteacuterio para

a construccedilatildeo de um conceito materialmente aberto de direito fundamentais no ordenamento

paacutetrio

Logo para aleacutem dos direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo

constituinte existem direitos fundamentais alocados em outras passagens da Constituiccedilatildeo de

1988 bem como nos tratados internacionais em mateacuteria de Direitos Humanos aleacutem de

direitos decorrentes implicitamente do regime e dos princiacutepios consagrados pela CF188

e esse

alargamento da consagraccedilatildeo de direitos fundamentais tem como carro-chefe o aspecto

transcendental da dignidade da pessoa humana

Nesse ponto antes de prosseguir faz-se necessaacuterio alertar que a natureza aberta

marcada por certo grau de indeterminaccedilatildeo da noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana nesse

contexto enfrentado de abertura do cataacutelogo de direitos fundamentais deve ser interpretada

com muito cuidado de modo a natildeo enfraquecer o instituto devido a uma expansatildeo exagerada

do leque de possibilidades materiais a serem enquadrados nessa abertura

Melhor explicando para a preservaccedilatildeo da forccedila normativa e eficaacutecia da dignidade da

pessoa humana o reconhecimento de direitos fundamentais para aleacutem dos jaacute expressos

constitucionalmente deve ser encarado de modo a natildeo se banalizar esse valor fundamental da

dignidade da pessoa humana o qual natildeo deve ser tratado como um espelho no qual todos

187

MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2deg ed Coimbra Coimbra 1998 v 4 p 167 188

Por forccedila do sect 2deg do art 5deg da CF de 1988

96

veem o que desejam ver189

mas sim interpretado a partir de criteacuterios hermenecircuticos seguros e

respaldados na sistemaacutetica iacutensita ao ordenamento paacutetrio evitando desta forma o seu

esvaziamento

Conclui-se portanto que ao passo que os direitos fundamentais funcionam como

exigecircncia e concretizaccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana esse atua como

elemento ampliativo de tais direitos e serve de limite agrave restriccedilatildeo dos mesmos Nesse contexto

especialmente quanto agrave feiccedilatildeo promocional da dignidade da pessoa humana de impor uma

tarefa de cunho prestacional ao Estado haacute uma clara relevacircncia do instituto para os direitos

sociais (especialmente o direito agrave sauacutede) jaacute que a dignidade impotildee a satisfaccedilatildeo das condiccedilotildees

para uma vida saudaacutevel exigindo portanto um conjunto de direito a prestaccedilotildees por parte do

Estado e da comunidade

452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana

Atrelando o raciociacutenio desenvolvido quanto agrave primazia do direito agrave sauacutede dentre os

demais direitos sociais no ordenamento paacutetrio com o pensamento desenvolvido acima quanto

agrave relevacircncia do princiacutepio dignidade da pessoa humana especialmente quanto ao seu vieacutes

promocional tem-se que o direito agrave sauacutede pode ser enxergado como um dos elementos

centrais de uma vida digna e portanto um Estado Democraacutetico que elenca a dignidade como

seu fundamento deve ter uma atenccedilatildeo especial com o mesmo190

Entendido isto eacute certo que se o efeito pretendido pelo princiacutepio da dignidade da

pessoa humana consiste em uacuteltima anaacutelise em que as pessoas tenham uma vida digna podem

ser identificados alguns aspectos materiais dessa dignidade e nesse ponto eacute mais acertada

ainda a defesa de que a disponibilizaccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais que protejam e promovam o

direito agrave sauacutede eacute o primeiro e elementar aspecto a ser traccedilado191

Mas qual seria entatildeo o conteuacutedo material baacutesico da dignidade da pessoa humana O

exame de tal conteuacutedo parte da noccedilatildeo de miacutenimo existencial que consiste exatamente no

189

TRIBE Laurence H DORF Michael C On Reading the Constitucion Cambridge Massachussets Harvard

University Press 1991 p 7 apud SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos

fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 121 190

Aleacutem disso o papel a contribuiccedilatildeo da dignidade da pessoa humana para a eficaz abertura do cataacutelogo

constitucional dos direitos fundamentais assume funccedilatildeo relevante para o direito agrave sauacutede visto que solidifica a

imposiccedilatildeo dos tratados e pactos internacionais nos quais o Brasil se compromete a promoccedilatildeo de tal direito 191

Reforccedilando esse entendimento defende-se que natildeo haacute como desconsiderar ou mesmo negar a conexatildeo entre a

fundamentalidade dos direitos sociais e a dignidade da pessoa humana conexatildeo essa que se torna mais intensa

quanto maior for a importacircncia do direito social em exame para a efetiva fruiccedilatildeo de uma vida com dignidade

BITENCOURT NETO Eurico O Direito ao Miacutenimo para uma Existecircncia Digna Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010 p 117

97

conjunto de prestaccedilotildees materiais miacutenimas sem as quais se pode asseverar que o indiviacuteduo

posiciona-se em situaccedilatildeo de indignidade A compreensatildeo exata do que estaria incluiacutedo no

miacutenimo existencial por sua vez passa pelo ponto jaacute defendido de que os enunciados

normativos podem ganhar a roupagem de regras ou de princiacutepios e nesse contexto tem-se

que o miacutenimo existencial seria o elemento interno do princiacutepio da dignidade da pessoa

humana sem o qual se pode afirmar que tal princiacutepio foi violado assumindo esse elemento

portanto um caraacuteter de regra e natildeo mais de princiacutepio

Desta maneira esse estudo filia-se agrave defesa de que haacute um conteuacutedo miacutenimo que pode

ser identificado no princiacutepio da dignidade da pessoa humana a respeito do qual ningueacutem

tergiversaraacute e que compotildee um nuacutecleo de condiccedilotildees materiais tatildeo fundamental que sua

existecircncia impotildee-se como uma regra e natildeo como um princiacutepio visto que caso tais condiccedilotildees

natildeo existissem natildeo haveria a possibilidade (clara nos princiacutepios) de se graduar ou otimizar

logo a violaccedilatildeo da dignidade quando direcionada a esse nuacutecleo funciona da mesma forma

como nas regras Por outro lado para aleacutem desse nuacutecleo haveria a manutenccedilatildeo da natureza

principioloacutegica da dignidade jaacute que nesse ponto residiriam fins relativamente indeterminados

que poderiam ser atingidos a depender das opccedilotildees do Legislativo e Executivo em cada

momento histoacuterico192

Explicando melhor o raciociacutenio desenvolvido o miacutenimo existencial consistiria no

nuacutecleo material do princiacutepio da dignidade da pessoa humana o qual engloba um conjunto de

situaccedilotildees materiais indispensaacuteveis agrave existecircncia humana digna cuja violaccedilatildeo importa

necessariamente em desrespeito a dignidade sob o aspecto material tornando-se o conteuacutedo

de tal miacutenimo um espectro indisputaacutevel que solidifica consensualmente o baacutesico de condiccedilotildees

que cada indiviacuteduo necessita para viver dignamente193

Tem-se pois que o miacutenimo existencial corresponde a uma fraccedilatildeo nuclear da

dignidade da pessoa humana eivada de um caraacuteter de regra em um contexto em que a natildeo

realizaccedilatildeo dos efeitos abrangidos por esse miacutenimo apontaraacute para uma automaacutetica violaccedilatildeo do

192

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 243 193

Corroborando para a conexatildeo entre dignidade da pessoa humana e miacutenimo existencial Caacutermen Luacutecia

Antunes Rocha pontua que ldquopelo acolhimento do conceito de miacutenimo existencial a ser garantido como direito

para a efetivaccedilatildeo desse princiacutepio [dignidade da pessoa humana] tem-se por estabelecido um espaccedilo

juridicamente assegurado e posto a cumprimento obrigatoacuterio de tal modo que o seu natildeo acatamento pode ser

objeto de responsabilizaccedilatildeo do Estado () o conceito de miacutenimo existencial dotou de conteuacutedo objetivo o

quanto compete aos Estado e agrave sociedade garantir a todos o cumprimento do princiacutepio da dignidade humanardquo

ROCHA Caacutermen Luacutecia Antunes O miacutenimo existencial e o princiacutepio da reserva do possiacutevel In Revista latino-

americana de estudos constitucionais n5 janjun Belo Horizonte 2005 p 445

98

mencionado princiacutepio constitucional194

Por outro lado eacute certo que a parcela remanescente do

conteuacutedo da dignidade da pessoa humana a qual natildeo faz parte desse consenso miacutenimo e

apresenta o vieacutes de princiacutepio pode vir a ser incorporada a esse nuacutecleo essencial a depender da

conjuntura histoacuterica e poliacutetica195

Nesse contexto se por um lado natildeo existe consenso sobre a possibilidade de uma

delimitaccedilatildeo pontual196

de tudo que realmente viria a abranger esse miacutenimo existencial197

por

outro natildeo pode ser negado o fato de que o direito agrave sauacutede natildeo soacute estaria incluiacutedo em seu

conteuacutedo como em verdade seria o seu componente elementar jaacute que (repisando a noccedilatildeo de

direito agrave sauacutede como um direito social impreteriacutevel) natildeo se cogita uma vida digna que natildeo

abranja uma vida saudaacutevel198

De toda forma uma pergunta jaacute desponta o que finalmente estaria incluiacutedo de

maneira concreta no miacutenimo existencial e qual seria portanto esse conjunto de situaccedilotildees

materiais imprescindiacuteveis agrave existecircncia humana digna Antes de responder tal questionamento

faz-se imperioso o alerta de que qualquer proposta que tente especificar as prestaccedilotildees

materiais incluiacutedas na noccedilatildeo de miacutenimo existencial deve ter em mente que esse nuacutecleo natildeo

consiste em um elemento hermeacutetico e cerrado mas sim configura-se de modo expansiacutevel

194

Conforme preceitua Mariana Filchtiner podem ser identificadas duas dimensotildees distintas do miacutenimo

existencial de um lado o direito de natildeo ser privado do que se considera essencial agrave conservaccedilatildeo de um

rendimento indispensaacutevel a uma existecircncia minimamente dina e de outro o direito a exigir do Estado as

prestaccedilotildees que traduzem esse miacutenimo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede

paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 194 195

Com perfeiccedilatildeo Ana Paula de Barcellos tenta elucidar a temaacutetica em exame da seguinte maneira ldquoRecorra-se

aqui a uma imagem capaz de ilustrar o que se afirma a de dois ciacuterculos concecircntricos O ciacuterculo interior cuida

afinal do miacutenimo de dignidade decisatildeo fundamental do poder constituinte originaacuterio que qualquer maioria teraacute

de respeitar e que afinal representa o efeito concreto miacutenimo pretendido pela norma e exigiacutevel O espaccedilo entre o

ciacuterculo interno e o externo seraacute ocupado pela deliberaccedilatildeo poliacutetica a quem caberaacute para aleacutem do miacutenimo

existencial desenvolver a concepccedilatildeo de dignidade prevalente ()rdquoBARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia

juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de

Janeiro Renovar 2011 p 296 196

Para Ricardo Locircbo Torres por exemplo o miacutenimo existencial seria ldquoindefiniacutevel aparecendo sob a forma de

claacuteusulas gerais e tipos indeterminadosrdquo TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos

direitos In TORRES Ricardo Locircbo (Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999

p 151 197

Merece nota o posicionamento reforccedilador da unidade dos direitos fundamentais de Ingo Sarlet no sentido de

ser o miacutenimo existencial propriamente uma espeacutecie de direito fundamental composto por um conjunto de direitos

fundamentais a prestaccedilotildees os quais por sua essencialidade agrave garantia de condiccedilotildees miacutenimas (e aiacute o autor cita a

sauacutede a educaccedilatildeo a alimentaccedilatildeo e a informaccedilatildeo) possibilitam o real exerciacutecio dos direitos individuais e

poliacuteticos SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 198

Aqui faz-se relevante a distinccedilatildeo entre miacutenimo vital e miacutenimo existencial e a inter-relaccedilatildeo que a sauacutede

apresenta com ambos os conceitos Miacutenimo vital refere-se agraves prestaccedilotildees materiais imperiosas agrave subsistecircncia do

indiviacuteduo enquanto miacutenimo existencial abarcaria todas prestaccedilotildees necessaacuterias ao gozo de uma vida digna indo

aleacutem da mera sobrevivecircncia Nota-se assim que o direito agrave sauacutede tanto por sua primazia atrelada ao seu caraacuteter

elementar quanto pelo fato de sua salvaguarda acompanhar o indiviacuteduo por toda sua existecircncia termina por

figurar como carro-chefe de ambos os conceitos

99

podendo (e devendo199

) serem acoplados novos elementos ao mesmo conforme a evoluccedilatildeo de

cada ordenamento importando sua supressatildeo200

em grave violaccedilatildeo agrave dignidade

Dito isto tem-se que o presente estudo se filia agrave ambiciosa201

proposta de

concretizaccedilatildeo juriacutedica da ideia de miacutenimo existencial formulada por Ana Paula Barcellos de

que o Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humanardquo a qual identifica quatro elementos (trecircs

materiais e um de caraacuteter instrumental) na composiccedilatildeo do miacutenimo existencial e portanto

concretizadores do nuacutecleo da dignidade da pessoa humana a sauacutede baacutesica a educaccedilatildeo baacutesica

a assistecircncia aos desamparados e o acesso agrave justiccedila202

Sem partir de uma escolha aleatoacuteria tais elementos integram uma estrutura loacutegica que

aloca a educaccedilatildeo e a sauacutede como formadores de um primeiro momento da dignidade humana

jaacute que satildeo as peccedilas responsaacuteveis por assegurar as condiccedilotildees iniciais para que o indiviacuteduo

construa sua proacutepria dignidade de modo autocircnomo Ainda tal estrutura posiciona a assistecircncia

aos desamparados como uma espeacutecie de pilar uacuteltimo na base que evita a situaccedilatildeo de

indignidade em termos absolutos abrangendo aspectos inerentes agrave alimentaccedilatildeo vestuaacuterio e

abrigo e finalmente o acesso agrave justiccedila desponta como o elemento instrumental apto e

indispensaacutevel ao reconhecimento de eficaacutecia dos elementos materiais expostos

Avanccedilando nesse raciociacutenio defende-se aqui amparado por tudo que jaacute foi exposto

nesse capiacutetulo que dentre os trecircs elementos materiais apontados ainda que o direito agrave sauacutede

conforme a visatildeo da autora apresente-se conjugada com o direito agrave educaccedilatildeo em um primeiro

plano da dignidade humana por sua umbilical ligaccedilatildeo com o direito agrave vida seu caraacuteter de

direito impreteriacutevel e finalmente sua necessidade de perene garantia203

ao longo de toda a

vida do indiviacuteduo deve ser posicionado na base deste primeiro plano consistindo em preacute-

199

Para Ricardo Locircbo Torres novamente o miacutenimo existencial estende-se para aleacutem dos direitos elencados no

art 5deg da CF sendo dotados de historicidade comportando elasticidade suficiente para adaptar-se ao contexto

social TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos direitos In TORRES Ricardo Locircbo

(Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999 p 262 200

Nesse ponto dos ensinamentos de Canotilho depreende-se que com base no princiacutepio da vedaccedilatildeo do

retrocesso social ou da evoluccedilatildeo reacionaacuteria uma vez obtido certo grau de realizaccedilatildeo de um direito social por

meio de uma nova prestaccedilatildeo material especiacutefica tal acreacutescimo passa a compor a esfera dimensional do direito

agraciado passando a ser exigiacutevel pelos cidadatildeos CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional

e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 339 201

Adjetivaccedilatildeo empreendida pela proacutepria autora BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos

Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar

2011 p 247 202

Em que pese a referida autora se preocupar em sua obra em delimitar o que na visatildeo da mesma estaria

abrangido por cada um desses elementos tal especificaccedilatildeo natildeo seraacute objeto do presente estudo sendo apenas em

momento oportuno apresentada o posicionamento particular do que seria um miacutenimo existencial em espeacutecie

para o direito agrave sauacutede 203

Enquanto a educaccedilatildeo poderaacute vir a ser prestada em qualquer fase da vida a preocupaccedilatildeo com a sauacutede

acompanha a pessoa humana desde antes sua concepccedilatildeo percorrendo por toda sua existecircncia

100

requisito baacutesico a fruiccedilatildeo dos demais direitos fundamentais para aleacutem do proacuteprio miacutenimo

existencial

Quanto a esse ponto (fundamentalidade da sauacutede e educaccedilatildeo) sem querer travar um

embate entre tais bens mas apenas constatar uma situaccedilatildeo faacutetica faz-se imperioso admitir

que embora a obrigaccedilatildeo estatal para com a educaccedilatildeo do cidadatildeo necessite de uma estrutura

perene uma vez usufruiacutedo tal direito seja em qual fase da vida for pode-se dizer que o

Estado quitou sua ldquodiacutevidardquo com a formaccedilatildeo educacional daquele indiviacuteduo em especiacutefico que

estaria apto a trilhar seu proacuteprio caminho Noutro vieacutes a obrigaccedilatildeo estatal com relaccedilatildeo a

sauacutede atravessa toda a vida do indiviacuteduo natildeo importando sua idade nem grau de instruccedilatildeo

educacional

Em outras palavras enquanto que com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo o Estado pode em algum

momento se posicionar como fiel cumpridor do que se comprometeu livrando-se para cada

indiviacuteduo especificamente de sua obrigaccedilatildeo quanto agrave sauacutede o Estado continuamente estaraacute

ldquopagando sua diacutevida com o cidadatildeordquo sempre que o indiviacuteduo necessitar dos serviccedilos de sauacutede

puacuteblica

Corroborando com o raciociacutenio acima construiacutedo tem-se que a CF de 1988

vislumbrou ser possiacutevel estratificar (sem comprometer) o direito agrave educaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis a partir de criteacuterios etaacuterios importando em distintos graus de obrigatoriedade do Estado

quanto agrave concretizaccedilatildeo de tal direito204

enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede tal teacutecnica natildeo

pocircde ser aplicada pois enxergou-se que como o direito agrave sauacutede pode ser lesado de maneira

atemporal e inesgotaacutevel e o Estado chamado a reparar tal violaccedilatildeo uma proteccedilatildeo a tal direito

soacute estaria consentacircnea com a dignidade da pessoa humana caso abrangesse o acesso universal

e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede o que

acabou sendo previsto pela CF

Feitas tais digressotildees transborda aos interesses desse estudo a exata noccedilatildeo do que

cada elemento citado como integrante do miacutenimo existencial estaria abrangendo contudo

merece ser esboccedilada ainda que sucintamente a noccedilatildeo particular trazida pela referida autora

de qual seria o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede integrantes desse elemento do miacutenimo

existencial para posterior contraste com a visatildeo empreendida por esse estudo no capiacutetulo

seguinte Nesse contexto a concretizaccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial com

relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede205

deve necessariamente abranger a prestaccedilatildeo de serviccedilo de

204

Conforme art 208 da CF de 1988 205

Sob um vieacutes dialoacutegico pode-se afirmar que se de um lado a sauacutede consubstancia-se como elemento do

miacutenimo existencial (que seria o nuacutecleo essencial da dignidade humana) natildeo se pode esquecer que no acircmbito

101

saneamento o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo

epidemioloacutegicas206

Chega-se finalmente a um dos pontos centrais do presente estudo que eacute o alerta para

o fato de que natildeo se faz suficiente somente afirmar o que estaria englobado no miacutenimo

existencial Eacute essencial compreender qual o alcance em termos de exigibilidade e eficaacutecia de

se afirmar que prestaccedilatildeo ldquoardquo ou ldquobrdquo insere-se no conteuacutedo do miacutenimo existencial e quais as

consequecircncias em caso de afronta ao mesmo

Mergulha-se entatildeo na relevante temaacutetica da sindicabilidade dos direitos sociais

especialmente do direito agrave sauacutede perante o Poder Judiciaacuterio e a premissa que antes mesmo de

adentrar no toacutepico especiacutefico do tema jaacute deve ser assentada eacute a de que (a partir do resgate do

pensamento jaacute esposado de que o miacutenimo existencial ganha roupagem de regra e portanto sua

natildeo garantia importaraacute em violaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana) quando o Judiciaacuterio

emprega o conceito de miacutenimo existencial ele estaacute automaticamente dispensando o exame da

reserve do possiacutevel

Isto porque a possiacutevel utilizaccedilatildeo do argumento econocircmico-orccedilamentaacuterio do Estado soacute

pode ser invocada quando estiver sendo discutido um aspecto que transborde o conteuacutedo

desse miacutenimo

Portanto a celeuma envolvendo a judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede reside exatamente

na tentativa de se construir criteacuterios objetivos e razoaacuteveis que respaldem um controle judicial

consentacircneo com o ordenamento constitucional paacutetrio de modo a evitar abusos e efeitos

colaterais que ao inveacutes de fortalecer venha a enfraquecer a relaccedilatildeo entre os Poderes e as

bases constitucionais de tal direito E nesse ponto a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial

especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede por contribuir para uma maior seguranccedila juriacutedica dessa

intervenccedilatildeo judicial no tema assume papel de suma relevacircncia conforme se veraacute a seguir

desse proacuteprio direito agrave sauacutede existe um espectro de situaccedilotildees materiais cuja garantia iraacute importar na

concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial formando um consenso miacutenimo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que

retroalimenta essa sistemaacutetica dialoacutegica Pode-se falar portanto em miacutenimos existenciais em espeacutecie para cada

um dos elementos (sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) do nuacutecleo da dignidade da

pessoa humana consistindo a tentativa doutrinaacuteria e jurisprudencial de elucidaccedilatildeo da abrangecircncia de cada um

desses miacutenimos em espeacutecie uma importante tarefa apta a proporcionar seguranccedila juriacutedica no terreno da

problemaacutetica da efetividade dos direitos fundamentais sociais 206

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 321

102

5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

De modo a facilitar a organizaccedilatildeo do raciociacutenio ateacute aqui desenvolvido e situar o leitor

na busca pela compreensatildeo do presente capiacutetulo faz-se pertinente rememorar que o estudo

ora proposto tem como ponto de partida as constataccedilotildees de que o niacutevel de concretizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede alcanccedilado no panorama constitucional paacutetrio natildeo corresponde ao patamar de

gradual e progressiva realizaccedilatildeo imaginado e reconstruiacutedo pela Constituiccedilatildeo de 1988 bem

como que o direito agrave sauacutede frente sua maior proximidade com o direito agrave vida e seu caraacuteter de

direito impreteriacutevel apresenta um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica mais acentuado que os

demais direitos sociais alocando-se assim para uma posiccedilatildeo de primazia dentre estes

Admitidas tais premissas concluiu-se que no exame acerca da problemaacutetica da

eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede em que pese o fato de sua realizaccedilatildeo demandar um

aporte de recursos do Estado existem certas prestaccedilotildees materiais que podem ser pleiteadas

judicialmente sem que o argumento da reserva do possiacutevel possa prosperar jaacute que seriam

prestaccedilotildees incluiacutedas em uma espeacutecie de nuacutecleo do direito a sauacutede compondo um miacutenimo

existencial em espeacutecie para tal direito Da mesma forma assentou-se que a depender das

previsotildees legais e poliacuteticas puacuteblicas na temaacutetica outras prestaccedilotildees poderiam ser exigidas

judicialmente jaacute que os compromissos firmados devem ser cumpridos sob pena de se frustrar

a concretizaccedilatildeo do direito ora examinado

Eacute nessa conjuntura que surge a problemaacutetica discussatildeo acerca dos limites da atuaccedilatildeo

do Poder Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede tema que envolve de forma complexa

aleacutem de aspectos de natureza primordialmente constitucional como a correta leitura da

Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e o alcance do Princiacutepio da Igualdade nuances

relacionadas agrave seara orccedilamentaacuteria ao controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas e agrave hermenecircutica

juriacutedica sobretudo quando da aplicaccedilatildeo do Princiacutepio da Proporcionalidade

O presente capiacutetulo se propotildee a analisar exatamente as questotildees acima mencionadas

com o fito de defender fique claro desde jaacute que o papel do Poder Judiciaacuterio no

enfrentamento de casos que envolvam a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que vinculado

a criteacuterios razoaacuteveis e objetivos que natildeo desvirtuem a organizaccedilatildeo dos poderes estruturada

constitucionalmente consiste em um importante instrumento de aceleraccedilatildeo do jaacute

mencionado deacuteficit evolutivo pelo qual passa o processo de gradual realizaccedilatildeo de tal direito

no Brasil

Partindo do exposto e levando em consideraccedilatildeo a interpretaccedilatildeo da legislaccedilatildeo

infraconstitucional paacutetria regulamentadora do direito agrave sauacutede o mote principal deste capiacutetulo

103

seraacute o seguinte tentar delimitar quais prestaccedilotildees materiais incluem-se no miacutenimo existencial

do direito agrave sauacutede aleacutem de propor razoaacuteveis criteacuterios a serem empregados pelo Judiciaacuterio ao

julgar demandas que envolvam o tema

Feito essa espeacutecie de resumo elucidativo seraacute examinado a seguir o ponto inicial da

discussatildeo proposta a contribuiccedilatildeo da noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional207

no contexto do

constitucionalismo contemporacircneo para a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais

51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA

ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

A hodierna visatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional estaacute inserida no contexto das

transformaccedilotildees contemporacircneas do chamado neoconstitucionalismo208

fenocircmeno que apesar

da dificuldade de se chegar a um conceito uniforme209

pode ser caracterizado pela

identificaccedilatildeo de trecircs marcos (um histoacuterico um filosoacutefico e outro teoacuterico) condensadores das

mudanccedilas de paradigma que mobilizaram a criaccedilatildeo de uma nova percepccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

O marco histoacuterico no contexto mundial pode ser identificado pelo constitucionalismo

do poacutes 2deg Guerra Mundial marcado pela tentativa de se redefinir o lugar da Constituiccedilatildeo e sua

influecircncia sobre as instituiccedilotildees contemporacircneas a partir da aproximaccedilatildeo das ideias de

constitucionalismo e democracia com o surgimento do Estado Democraacutetico de Direito No

Brasil tal renascimento se deu tardiamente mediante a atual Carta de 1988 a qual vem

propiciando o mais longo periacuteodo de estabilidade institucional da histoacuteria republicana

paacutetria210

207

Sobre a temaacutetica conferir dentre outros NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira Jurisdiccedilatildeo Constitucional ndash

Aspectos controvertidos Curitiba Juruaacute 2011 254 p 208

Natildeo eacute objeto do presente estudo o enfrentamento da discussatildeo acerca da conceituaccedilatildeo de

neoconstitucionalismo sendo certo contudo que natildeo haacute uma completa uniformidade doutrinaacuteria acerca do tema

Sobre o assunto v dentre outros Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das

poliacuteticas puacutebicas Revista de Direito Administrativo ndeg 240 2005 COMANDUCCI Paolo Formas de (neo)

constitucionalismo um anaacutelisis metateoacuterica Isonomiacutea n 16 p 89 abr2002 CARBONELL Miguel

Neoconstitucionalismo(s) Madrid Trotta 2003 209

Nesse sentido adverte Humberto Aacutevila que natildeo haacute apenas um conceito de ldquoneoconstitucionalismordquo sendo a

diversidade de autores concepccedilotildees elementos e perspectivas tatildeo marcante que torna-se inviaacutevel o esboccedilo de

uma teoria uacutenica Contudo na visatildeo do autor podem ser identificados quatro fundamentos inseparaacuteveis do

instituto ldquoo normativo (da regra ao princiacutepio) o metodoloacutegico (da subsunccedilatildeo agrave ponderaccedilatildeo) o axioloacutegico (da

justiccedila geral agrave justiccedila particular) e o organizacional (do Poder Legislativo ao Poder Judiciaacuterio)rdquo AacuteVILA

Humberto ldquoNeoconstitucionaismordquo entre a ldquociecircncia do direitordquo e o ldquodireito da ciecircnciardquo In Revista Eletrocircnica

de Direito do Estado (REDE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico ndeg 17 janeirofevereiromarccedilo

2009 210

BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02

104

No campo filosoacutefico o debate travado pelas correntes de pensamento jusnaturalista

(desenvolvido a partir do seacuteculo XVI e marcado pela aproximaccedilatildeo da lei e razatildeo) e positivista

(ascendente no final do seacuteculo XIX em lugar do jusnaturalismo e caracterizado pelo

afastamento do direito da filosofia) eacute superado com a adoccedilatildeo da prevalecircncia de um conjunto

difuso e abrangente de ideias agrupadas sob o roacutetulo de poacutes-positivismo que sem desprezar o

direito posto busca empreender uma leitura moral do direito perquirindo sua funccedilatildeo social e

desenvolvendo instrumentos para sua interpretaccedilatildeo211

Daiacute ser consistente a criacutetica212

de que a adesatildeo ao neoconstitucionalismo natildeo significa

a automaacutetica aceitaccedilatildeo das famosas premissas (mais princiacutepios que regras mais ponderaccedilatildeo

que subsunccedilatildeo) pregadas por Luiacutes Pietro Sanchiacutes213

como caracterizadoras de tal movimento

mas sim a adoccedilatildeo de uma teoria constitucional que sem descartar a relevacircncia das regras e da

subsunccedilatildeo abraccedila os princiacutepios e a ponderaccedilatildeo tentando racionalizar seu uso

Tal cenaacuterio mergulhado na reaproximaccedilatildeo entre o direito e a filosofia eacute marcado por

um conjunto de novas ideias que tentam justificar esse novel posicionamento da Constituiccedilatildeo

no ordenamento214

destacando-se o desenvolvimento de uma teoria dos direitos

fundamentais calcada na dignidade humana o conferimento de normatividade aos princiacutepios e

a reabilitaccedilatildeo da razatildeo praacutetica e da argumentaccedilatildeo juriacutedica na formaccedilatildeo de uma nova

hermenecircutica constitucional baseada na maior amplitude do espaccedilo de atuaccedilatildeo do

inteacuterprete215

Eacute no campo teoacuterico contudo que estaacute inserida a expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

que juntamente com o reconhecimento de forccedila normativa agrave Constituiccedilatildeo e o

desenvolvimento de uma nova dogmaacutetica da interpretaccedilatildeo constitucional formam as trecircs

grandes transformaccedilotildees do neoconstitucionalismo essenciais para a superaccedilatildeo da arcaica

noccedilatildeo de Constituiccedilatildeo como um mero documento poliacutetico cuja concretizaccedilatildeo das propostas

211

Tal movimento ficou conhecido como virada kantiana e buscou sepultar a ideia de uma separaccedilatildeo riacutegida

entre a descriccedilatildeo e prescriccedilatildeo na ciecircncia juriacutedica associando o debate moral ao direito TORRES Ricardo Lobo

A jurisprudecircncia dos valores In SARMENTO Daniel (Coord) Filosofia e teoria constitucional

contemporacircnea Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 509 212

SARMENTO Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 81 213

SANCHIS Luis Pietro Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales Madrid Trotta 2000 p 132 214

Reforce-se que a superaccedilatildeo do positivismo natildeo deve ser compreendida nem como o completo abandono do

instrumental teoacuterico desenvolvido pela doutrina positivista nem como o regresso automaacutetico ao jusnaturalismo

mas sim como uma mescla e agrupamento de tais modelos resultante na combinaccedilatildeo dos acertos de ambos

BUSTAMANTE Thomas da Rosa de Em busca de uma filosofia do Direito natildeo-positivista revisitando o

debate com o professor Alfonso Garciacutea Figueroa In Teoria do direito e decisatildeo racional temas de teoria da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Rio de JANEIRO Renovar 2008 p 232 215

PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito

com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo

(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 34

105

nela inseridas dependia completamente da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e da

discricionariedade do administrador216

Desta maneira o modelo de supremacia da lei entatildeo reinante foi cedendo espaccedilo para

um novo padratildeo inspirado pela experiecircncia americana de supremacia da constituiccedilatildeo217

marcado pela constitucionalizaccedilatildeo dos direitos fundamentais cuja proteccedilatildeo passou a caber ao

Judiciaacuterio Essa conjuntura por sua vez foi marcada pelo desenvolvimento do controle de

constitucionalidade das leis que no Brasil acoplou reflexos significativos da referida

expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional com o advento da Carta de 1988 sobretudo com a

criaccedilatildeo de novos mecanismos de controle concentrado e ampliaccedilatildeo dos legitimados agrave

propositura das accedilotildees de controle

Eacute nesse panorama de constitucionalizaccedilatildeo do direito em que a Constituiccedilatildeo aliou agrave

sua supremacia formal uma supremacia axioloacutegica alimentada pela abertura do sistema

juriacutedico e pela normatividade dos princiacutepios que surge o polecircmico debate doutrinaacuterio acerca

da legitimidade e dos limites da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo dos valores substantivos

basilares na Constituiccedilatildeo e na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sobretudo os sociais

de cunho prestacional em sentido estrito218

A polecircmica reside no fato de que se por um lado eacute paciacutefico existir um consenso com

relaccedilatildeo ao fato da Constituiccedilatildeo posicionar-se no centro do sistema juriacutedico irradiando sua

forccedila normativa e funcionando tanto como paracircmetro de validade para a ordem

infraconstitucional quanto vetor primordial de interpretaccedilatildeo do sistema juriacutedico por outro

estaacute longe de ser paciacutefica a delimitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio em demandas que envolvem

216

BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 05 217

Sobre o tema Artur Cortez Bonifaacutecio aponta a importacircncia da supremacia da Constituiccedilatildeo realccedilando os

seguintes aspectos ldquoi) o princiacutepio disciplina a existecircncia e o funcionamento dos oacutergatildeos e agentes que compotildeem

a estrutura do Estado suas accedilotildees ou omissotildees e a sua atuaccedilatildeo de conformidade com a Constituiccedilatildeo ii) eacute tambeacutem

modelador das relaccedilotildees juriacutedicas do direito iii) dele se defere uma conformaccedilatildeo dos demais ramos do direito iv)

eacute um princiacutepio que direciona a interpretaccedilatildeo do direito e possibilita a defesa da Constituiccedilatildeo por meio do

exerciacutecio do controle de constitucionalidaderdquo BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional

internacional e a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 31 218

Eduardo Garciacutea de Enterriacutea aponta que ldquo la supremaciacutea de la Constitucioacuten sobre todas las hormas y su

caraacutecter central en la construccioacuten y em la validez del ordenamiento em su conjunto obligan a interpretar eacuteste

em cualquier momento de su aplicacioacuten ndash por operadores puacuteblicos o por operadores privados por Tribunales o

por oacuterganos legislativos o administrativos ndash em el sentido que resulta de los princiacutepios y reglas constitucionales

tanto los generales como los especiacuteficos referentes a la mateacuteria de que se trate ENTERRIacuteA Eduardo Garciacutea

Hermeneutica e Supremacia Constitucional In CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs)

Direito Constitucional teoria geral da constituiccedilatildeo Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 1 Satildeo Paulo Editora

Revista dos Tribunais 2011 829

106

direitos fundamentais sob o argumento de que estaria aplicando e fazendo valer a Constituiccedilatildeo

ao realizar tais direitos219

Aleacutem dessa justificativa juriacutedico-sistecircmica de que o judiciaacuterio quando julga tais

questotildees estaacute simplesmente cumprindo seu papel de defesa da Constituiccedilatildeo alguns aspectos

de caraacuteter social e poliacutetico podem ser apontados para a acentuaccedilatildeo do debate primeiro o fato

de que aumentou significativamente a demanda por justiccedila no Brasil tanto pela proacutepria

inserccedilatildeo de novos direitos e accedilotildees na tutela de interesses coletivos quanto pela redescoberta

da cidadania marcada pela conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto aos seus direitos220

e

segundo a constataccedilatildeo de que o quadro poliacutetico nacional reflete claramente uma carecircncia

tanto do Legislativo quanto do Executivo221

em cumprir com eficiecircncia suas respectivas

funccedilotildees222

Surge portanto nesse cenaacuterio de tensatildeo entre os poderes a necessidade de se

examinar o que se entende por ativismo judicial e qual seria a correta leitura do Princiacutepio da

Separaccedilatildeo dos Poderes especialmente no que se refere ao enfrentamento da temaacutetica da

atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos poderes

O aludido modelo poacutes-positivista ao fazer reverecircncia agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos

fundamentais terminou por contribuir para o fortalecimento daquela e a consequente elevaccedilatildeo

219

Nesta linha de raciociacutenio Daniel Giotti de Paula assevera que ldquoNatildeo se pode esperar que apenas a

Administraccedilatildeo Puacuteblica e os oacutergatildeos legislativos concretizem os direitos fundamentais Pode ser que na defesa de

um chamado interesse puacuteblico bdquosecundaacuterio‟ ou de interesses meramente pessoais e egoiacutesticos deixem eles de

cumprir deveres constitucionais de concretizaccedilatildeo de direitos da coletividade surgindo o Judiciaacuterio como a

instacircncia concretizadora de direitos fundamentais em situaccedilatildeo de niacutetida persecuccedilatildeo do interesse puacuteblico DE

PAULA Daniel Giotti Uma leitura criacutetica sobre o ativismo e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 22 220 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02 221

Importante esclarecer que em que pese a ineficiecircncia do Legislativo e Executivo em cumprir as promessas do

Estado de Bem-Estar Social eacute certo que o recurso aos canais judiciais para solucionar esse problema se deu em

um contexto de enfraquecimento do Legislativo e agigantamento do papel do Executivo ocasionado sobretudo

pela adoccedilatildeo de um presidencialismo de coalizatildeo em que a sustentaccedilatildeo parlamentar do Presidente natildeo se forma

com base somente no eixo partidaacuterio-eleitoral mas tambeacutem regional constatando-se que a agenda legislativa

passou a ser controlada pelo Executivo LIMONGI Fernando A democracia no Brasil presidencialismo

coalizaccedilatildeo partidaacuteria e processo decisoacuterio In Revista Novos Estudos ndeg 76 Nov 2006 p 19 222

Apesar de transbordar o objeto da presente pesquisa eacute inegaacutevel e natildeo pode ser desconsiderado o fato de que

o cenaacuterio poliacutetico brasileiro reflete uma constante e crescente desconfianccedila da sociedade com o Legislativo e

Executivo quadro recentemente reforccedilado pelos graves casos de corrupccedilatildeo ocorridos dentro do diaacutelogo entre

Executivo e Legislativo cunhado popularmente de ldquoescacircndalo do mensalatildeordquo

107

destes ao topo do ordenamento juriacutedico223

A pulsante expansatildeo da Jurisdiccedilatildeo Constitucional

e consequente ascensatildeo institucional do Judiciaacuterio224

acarretaram por sua vez em uma

expressiva judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais as quais passaram a ter nos tribunais

a sua instacircncia decisoacuteria final o que resgatou a discussatildeo sobre os limites da

comunicabilidade entre o sistema poliacutetico e juriacutedico

Desse modo somente para ilustrar seja no campo das poliacuteticas puacuteblicas da relaccedilatildeo

entre os poderes dos direitos fundamentais ou ateacute mesmo em questotildees cotidianas o

Judiciaacuterio especialmente o STF foi chamado a se pronunciar por exemplo sobre poder

investigativo do Ministeacuterio Puacuteblico possibilidade de greve do funcionalismo puacuteblico

legitimidade da interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo em casos de inviabilidade fetal aspectos centrais da

reforma da previdecircncia e do judiciaacuterio limites de atuaccedilatildeo das Comissotildees Parlamentares de

Inqueacuterito legalidade de cobranccedila de assinaturas telefocircnicas majoraccedilatildeo de valor das passagens

de transporte coletivo dentre inuacutemeros outros casos em que restou assentado o caraacuteter proacute-

ativo de tal poder225

Essa nova postura tem se estruturado de maneira bastante complexa no ordenamento

paacutetrio vez que a tentativa de se alcanccedilar um saudaacutevel meio termo entre a visatildeo que enxerga

essa atuaccedilatildeo com maus olhos (fala-se por exemplo em judiocracia e ldquooba-oba

constitucionalrdquo 226

) e a que defende a possibilidade do papel ativista do Judiciaacuterio como canal

seguro e legiacutetimo para solucionar os conflitos poliacutetico-juriacutedicos vem consistindo em uma

tarefa difiacutecil de ser alcanccedilada

223

MAIA Christianny Dioacutegenes Paradigmas do Neoconstitucionalismo brasileiro In SALES Gabrielle

Bezerra JUCAacute Roberta Laena Costa (Orgs) Constituiccedilatildeo em foco 20 anos de um novo Brasil Fortaleza

LCR 2008 p 52 224

Lenio Streck destaca o deslocamento do centro das decisotildees do Legislativo e Executivo para o plano da

Justiccedila Constitucional como um fato consequente e indissociaacutevel do proacuteprio Estado Democraacutetico de Direito ao

afirmar que ldquono Estado Democraacutetico de Direito o foco de tensatildeo se volta para o Judiciaacuterio Ineacutercias do

Executivo e a falta de atuaccedilatildeo do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciaacuterio justamente mediante a

utilizaccedilatildeo dos mecanismos juriacutedicos previstos na Constituiccedilatildeo que estabeleceu o Estado Democraacutetico de Direito

A Constituiccedilatildeo natildeo estaacute sendo cumprida As normas-programas da Lei Maior natildeo estatildeo sendo implementadas

Por isso na falta de poliacuteticas puacuteblicas cumpridoras dos ditames do Estado Democraacutetico de Direito surge o

Judiciaacuterio como instrumento para o resgate dos direitos natildeo realizadosrdquo STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica

juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica da construccedilatildeo do Direito 7deg ed Porto Alegre Livraria

do Advogado 2007 p 54-55 225 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 08 226

Tais termos foram cunhados por Daniel Sarmento no intuito de embasar em estudo desconstrutivo do

neoconstitucionalismo encarado como movimento de inspiraccedilatildeo italiana e espanhola ausente nos debates

americano e alematildeo sua preocupaccedilatildeo com a existecircncia de mais decisotildees e menos espaccedilo para o povo se

autogovernarem por meio das instacircncias democraacuteticas por ele escolhidas Sobre o assunto v SARMENTO

Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE

PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador

Juspodivm 2011 p 73

108

No seio desse embate eacute que nasce o fenocircmeno denominado pela doutrina de ativismo

judicial cuja ideia associa-se a uma participaccedilatildeo mais ampla e intensa do Judiciaacuterio na

concretizaccedilatildeo dos valores e fins constitucionais com interferecircncia no espaccedilo de atuaccedilatildeo dos

outros poderes a partir dentre outras medidas da aplicaccedilatildeo direta da Constituiccedilatildeo a situaccedilotildees

natildeo expressamente abarcadas em seu texto e independente de apoio do legislador ordinaacuterio

do aperfeiccediloamento do controle de constitucionalidade das leis com base em criteacuterios menos

riacutegidos que os de patente violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo bem como da imposiccedilatildeo de condutas e

abstenccedilotildees ao Poder Puacuteblico notadamente em mateacuteria de poliacuteticas puacuteblicas227

Ocorre que a identificaccedilatildeo das accedilotildees que materializam a ideia do ativismo judicial por

si soacute natildeo reflete especificamente um consenso absoluto sobre o seu conceito e dependendo

da maneira que tal fenocircmeno eacute enxergado podem ser sustentadas defesas de pensamentos

totalmente antagocircnicos tanto a favor como contra o tema

Explica-se haacute quem vislumbre o ativismo como uma espeacutecie de mau comportamento

ou maacute consciecircncia do Judiciaacuterio acerca dos limites normativos substanciais do seu papel no

sistema de separaccedilatildeo dos poderes228

e ao reveacutes haacute quem dissocie o termo da ideia de

desrespeito agrave separaccedilatildeo dos poderes defendendo que podem existir decisotildees enquadradas

como ativistas por envolverem opccedilotildees valorativas mas que materialmente estariam

consentacircneas com a noccedilatildeo de freios e contrapesos229

Constata-se portanto que o exame sobre ser ou natildeo determinada postura intriacutenseca a

uma visatildeo ativista vai variar de como cada inteacuterprete encara o instituto230

levando-se em

consideraccedilatildeo que o conceito de ativismo se mostra fugidio e soacute tem razatildeo de ser quando

pensado com base na realidade constitucional de cada ordenamento juriacutedico abstraiacutedo de

paracircmetros universais231

227

BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista

Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 08 228

COELHO Inocecircncio Maacutertires Ativismo judicial ou criaccedilatildeo judicial do direito In FERNANDES FELLET

Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial

Salvador Juspodivm 2011 p 475 229

SAMPAIO JUacuteNIOR Joseacute Herval Ativismo judicial autoritarismo ou cumprimento dos deveres

constitucionais In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo

(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 403 230

O mais recente Ministro do STF Luiacutes Roberto Barroso ao ser questionado em entrevista sobre o ativismo

judicial (tema que por sinal deu o tom de sua sabatina) realccedilou a questatildeo da divergecircncia conceitual do instituto

ao opinar que ldquoNatildeo acho que o Brasil viva um problema que se possa denominar de ativismo judicial se a essa

expressatildeo se quer emprestar um conteuacutedo negativordquo (Grifos acrescidos) Disponiacutevel em

httpwwwconjurcombr2013-jun-07entrevista-luis-roberto-barroso-ministro-supremo-tribunal-federal

Acessado em 07062013 231

BRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 387

109

Desta maneira caso admitido o raciociacutenio de que na ideia de ativismo judicial jaacute se

insere a peculiaridade pejorativa de accedilatildeo transbordativa dos limites impostos

constitucionalmente por razotildees oacutebvias seraacute afastada a possibilidade de classificar como

ativista determinado posicionamento judicial que respeite a loacutegica da separaccedilatildeo dos poderes e

se alinhe ao sistema constitucional

Por outro lado se o instituto for compreendido sob um vieacutes etimoloacutegico e neutro232

no

sentido de significar puramente uma accedilatildeo ativa ou seja de iniacutecio ou intensificaccedilatildeo de uma

operacionalidade jaacute vigorante poderatildeo ser identificados tanto um ativismo judicial beneacutefico e

legiacutetimo quanto um ativismo maleacutefico e ilegiacutetimo sendo a anaacutelise sobre a extrapolaccedilatildeo ou natildeo

dos limites preacutevia e constitucionalmente programados exatamente a tecircnue linha que demarca

o limite entre esses dois extremos

A partir desse segundo pensamento pode ser proposta uma defesa por um ativismo

judicial beneacutefico cuja legitimidade e congruecircncia com o sistema constitucional estaratildeo

atreladas ao fato de ser a atitude judicial empreendida limitada fundamentada e justificada na

proacutepria Constituiccedilatildeo Pode-se concluir assim que certas decisotildees do Judiciaacuterio em que pese

passarem a impressatildeo a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo desbordante do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos

Poderes ou das exigecircncias de democracia representativa natildeo podem ser enquadradas como

ilegiacutetimas jaacute que no fundo prestigiam soluccedilotildees impostas pelos direitos fundamentais

justificadas no Estado Democraacutetico de Direito

Ocorre que se por um lado emprestar automaacutetica e descompromissadamente a uma

decisatildeo um roacutetulo pejorativo de ativista eacute algo repreensiacutevel por outro tambeacutem eacute digno de

criacuteticas a utilizaccedilatildeo do argumento de que sempre que o Judiciaacuterio julga uma demanda

concretizando um direito fundamental ele o faz em prol da Constituiccedilatildeo como uma regra

geral e aprioriacutestica Tal argumento empregado isoladamente eacute simploacuterio e fatalmente

conduziria a um esvaziamento da noccedilatildeo de Separaccedilatildeo dos Poderes

Nesse sentido eacute que o presente trabalho propotildee a defesa por uma postura do Judiciaacuterio

atuante na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que e somente quando respeitados limites

soacutelidos e objetivos previamente estabelecidos postura essa que pode ser tranquilamente

enquadrada como um ativismo beneacutefico e constitucionalmente legiacutetimo

232

Stephen Smith alerta jaacute ser intuitiva a percepccedilatildeo de que o ativismo ganhou um contorno simplista atrelado a

indicaccedilatildeo de exerciacutecio ilegiacutetimo da revisatildeo judicial e defende a necessidade de se superar tal visatildeo de puro vieacutes

ideoloacutegico a partir do esboccedilo de uma visatildeo neutra de ativismo SMITH Stephen F Takin Lessons from the Left

Judicial activismo on the right The Georgetown Journal of Law $ Public Policy Vol 57 2002 apud DE

PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do

ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel

Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 285

110

Contudo o debate eacute complexo jaacute que caminha por discussotildees que envolvem pontos

constitucionais relevantes como o Princiacutepio da Igualdade Princiacutepio Democraacutetico e Seguranccedila

Juriacutedica sendo primordial portanto especificar melhor como essa postura ativista beneacutefica se

apresenta no quadro da Separaccedilatildeo dos Poderes no ordenamento paacutetrio para soacute a partir daiacute

avanccedilar para a proposiccedilatildeo de quais seriam os limites com relaccedilatildeo agrave concretizaccedilatildeo judicial do

direito agrave sauacutede e de que forma os mesmos poderatildeo contribuir para a aniquilaccedilatildeo ou ao menos

diminuiccedilatildeo dos efeitos colaterais de decisotildees desenfreadas na temaacutetica

Dito isto eacute certo que o cenaacuterio estaacute arquitetado da seguinte maneira de um lado

critica-se a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais basicamente

com dois argumentos centrais233

ndash a afronta agrave separaccedilatildeo dos poderes e a ausecircncia de

legitimidade democraacutetica de outro defende-se tal atuaccedilatildeo quando realizada de modo a

resguardar o processo democraacutetico promover os valores constitucionais e assegurar a

estabilidade institucional

Com relaccedilatildeo agrave primeira ideia contraacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais pelo

Judiciaacuterio deve ser esclarecido que o modelo claacutessico de separaccedilatildeo dos poderes calcado nas

propostas de Montesquieu234

e Madison235

foi alicerccedilado em outro contexto em que reinava o

paradigma liberal do direito no qual cabia ao Judiciaacuterio o papel de mero revelador e que por

isso com a virada neoconstitucional (marcada como jaacute visto pela valorizaccedilatildeo dos direitos

fundamentais nas modernas Constituiccedilotildees associados agrave noccedilatildeo de maacutexima aplicaccedilatildeo dos

mesmos) faz-se necessaacuteria uma nova concepccedilatildeo de separaccedilatildeo dos poderes236

233

O rompimento desse equiliacutebrio entre os poderes centra-se no argumento da falta de legitimidade democraacutetica

do Judiciaacuterio bem como da afronta a separaccedilatildeo dos poderes contudo outros argumentos (em verdade

desdobramentos desses maiores) tambeacutem satildeo apontados como a ideia de que o Judiciaacuterio natildeo tem condiccedilotildees de

avaliar o impacto de suas decisotildees sobre a estrutura do Estado como um todo bem como que a decisatildeo sobre por

exemplo onde investir ou que bem priorizar eacute eminentemente poliacutetica e o espaccedilo do Judiciaacuterio deve ser juriacutedico 234

De se destacar que a preocupaccedilatildeo inicial se contenta em analisar as relaccedilotildees entre os poderes sob o princiacutepio

da incompatibilidade buscando impedir que uma mesma pessoa ou grupo ocupasse mais de um poder e natildeo

propriamente a pretensatildeo contemporacircnea de separaccedilatildeo entre as diversas funccedilotildees estatais MAUS Ingeborg

Separaccedilatildeo dos poderes e funccedilatildeo judiciaacuteria uma perspectiva teoacuterico democraacutetica In BIGONA Antocircnio Carlos

Alpino MOREIRA Luiz (orgs) Legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional Rio de Janeiro Lumen Juris

2010 p 27 235

Madison aperfeiccediloou a teoria de Montesquieu ao sugerir o sistema de freis e contrapesos calcado no

estabelecimento de funccedilotildees tiacutepicas e atiacutepicas aos poderes visando o controle muacutetuo sem que qualquer um deles

pudesse chegar a uma posiccedilatildeo de hegemonia dentro do Estado DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe

separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da

poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As

novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 275 236

Corroborando com a noccedilatildeo de aperfeiccediloamento da separaccedilatildeo dos poderes Bruce Ackerman afirma que ldquoa

separaccedilatildeo de poderes eacute uma ideia mas natildeo haacute nenhuma razatildeo para supor que os escritores claacutessicos esgotaram a

sua excelecircnciardquo ACKERMAN Bruce A nova separaccedilatildeo de poderes Trad por Isabelli Maria Campos

Vasconcelos e Eliana Valadares Santos Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 113

111

A construccedilatildeo dessa nova concepccedilatildeo que no contexto hodierno eacute alimentada pela crise

da representaccedilatildeo parlamentar e a percepccedilatildeo da justiccedila como um canal aberto ao debate

poliacutetico eacute acompanhada de perto pela tentativa de se reconhecer ateacute que ponto estatildeo

legitimados os tribunais para resolver questotildees morais e poliacuteticas na sociedade avaliando-se a

profundidade que a tensatildeo entre constitucionalismo e democracia atinge no cenaacuterio atual de

abrandamento da rigorosa separaccedilatildeo entre os espaccedilos do direito e da justiccedila cada vez menos

demarcados237

Tentando-se construir um raciociacutenio loacutegico de faacutecil assimilaccedilatildeo pode ser defendido

que se a noccedilatildeo de freios e contrapesos pressupotildee que os oacutergatildeos estatais sejam representativos

da sociedade eacute apropriado se admitir que o descreacutedito com o sistema representativo termina

por colocar em xeque o proacuteprio funcionamento do sistema poliacutetico238

sendo inevitaacutevel a

convocaccedilatildeo do Judiciaacuterio para tentar corrigir esse problema desde que tal correccedilatildeo seja

realizada no limite dos ditames constitucionais239

Desta maneira no contexto de crise da representaccedilatildeo popular agravado pelo caraacuteter

altamente compromissoacuterio da prolixa Carta de 1988 a saiacuteda para a celeuma sobre como

seguramente limitar a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio estaacute exatamente na compreensatildeo de que o real

papel do mesmo eacute o de se portar respeitador agraves escolhas das instacircncias representativas mas

prioritariamente intolerante agrave posturas majoritaacuterias que transbordem os limites

constitucionais240

Noutro poacutertico pode ser defendido que o concerto sistemaacutetico da soma vetorial das

disposiccedilotildees constitucionais natildeo implica que o vetor final desse arranjo aponte

necessariamente para uma total preponderacircncia da separaccedilatildeo dos poderes e das prerrogativas

do Legislativo e Executivo com o consequente afastamento da possibilidade do Judiciaacuterio

237

BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista

Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 10 238

Sobre a crise do sistema de freios e contrapesos Daniel Giotti de Paula defende o fato de que tal sistema natildeo

reforccedila por si soacute a democracia jaacute que partiria de uma visatildeo homogecircnea da sociedade que transportada para os

dias atuais esbarraria na complexidade da sociedade hodierna e natildeo atingiria agrave representaccedilatildeo total almejada

sendo destacada a necessidade de se abandonar a ideia de separaccedilatildeo dos poderes como um modelo puro de

foacutermula universal aprioriacutestica e completa DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A

invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 281 239

RAMOS Elival da Silva Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos Satildeo Paulo Saraiva 2010 p 116 240

Corroborando Andreacute Ramos Tavares pontua que ldquoa crise da democracia parlamentar eacute apresentada como

uma das principais problemaacuteticas contemporacircneas Para resolver essa dificuldade eacute preciso registrar

preliminarmente que natildeo existe um modelo final de democracia que se possa utilizar como paracircmetro absoluto

Ademais o modelo inicial de Estado Legislativo (legalista) estava alicerccedilardo na ideia de democracia tendo

sido contudo possiacutevel verificar sua incapacidade democraacutetica Sua substituiccedilatildeo por um Estado Constitucional

de Direito implicou a consideraccedilatildeo de uma democracia constitucionalrdquo TAVARES Andreacute Ramos Teoria da

Justiccedila Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 494

112

sindicar algum efeito de um direito fundamental em seu aspecto material241

o que corrobora

com o fato de que o momento eacute de crise do modelo tradicional de separaccedilatildeo dos poderes cujas

concepccedilotildees consagradas natildeo acompanharam a construccedilatildeo das novas necessidades do direito

A incompatibilidade acima apontada e a necessidade de releitura da separaccedilatildeo dos

poderes satildeo reforccediladas pela proacutepria incapacidade reconhecida do Legislativo e Executivo em

solucionarem questotildees polecircmicas surgidas no contexto contemporacircneo (como as discussotildees

sobre uniatildeo homoafetiva e bebecircs aneceacutefalos) acarretando em um estado de socorro ao

Judiciaacuterio como saiacuteda mais segura e cocircmoda para o problema natildeo se discutindo sobre as

criacuteticas apontadas

Coadunando com o pensamento de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo dos direitos

fundamentais se faz legiacutetima quando consentacircnea com os ideais do Estado Democraacutetico de

Direito Ana Paula de Barcellos242

pondera que

Em um Estado democraacutetico natildeo se pode pretender que a Constituiccedilatildeo

invada o espaccedilo da poliacutetica em uma versatildeo de substancialismo radical e

elitista em que as decisotildees poliacuteticas satildeo transferidas do povo e seus

representantes apara os reis filoacutesofos da atualidade os juristas e operadores

do direito em geral () Se contudo a Constituiccedilatildeo conteacutem normas nas

quais estabeleceu fins puacuteblicos prioritaacuterios e se tais disposiccedilotildees satildeo normas

juriacutedicas dotadas de superioridade hieraacuterquica e de centralidade no sistema

natildeo haveria sentido em concluir que a atividade de definiccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas ndash que iraacute ou natildeo realizar esses fins ndash deve estar totalmente infensa

ao controle juriacutedico Em suma natildeo se trata de absorccedilatildeo do poliacutetico pelo

juriacutedico mas apenas da limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo (Grifos

acrescidos)

No que se refere ao segundo fator contraacuterio agrave possibilidade de atuaccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais eacute importante se ter em mente que a ideia de

democracia natildeo se resume simplesmente ao princiacutepio majoritaacuterio243

que cidadatildeo eacute diferente

de eleitor que governo do povo distingue-se de governo do eleitorado244

e portanto possiacuteveis

241

BARCELLOS Ana Paula de Ponderaccedilatildeo racionalidade e atividade jurisdicional Rio de Janeiro

Renovar 2005 p 133 242

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico Nordm 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 243

Na defesa do argumento de que o deacuteficit democraacutetico do Judiciaacuterio natildeo eacute necessariamente maior que o do

Legislativo jaacute que a composiccedilatildeo deste pode ser afetado por diferentes disfunccedilotildees como o abuso econocircmico e a

manipulaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo Vital Moreira pondera que ldquo Na foacutermula constitucional primordial

bdquotodo poder reside no povo‟ Mas a verdade eacute que na reformulaccedilatildeo de Sternberger bdquonem todo o poder vem do

povo‟ Haacute o poder econocircmico o poder mediaacutetico o poder das corporaccedilotildees sectoriais E por vezes estes poderes

sobrepotildee-se ao poder do povordquo MOREIRA Vital O futuro da Constituiccedilatildeo In GRAU Eros Roberto

GUERRA FILHO Willis Santiago Direito Constitucional ndash Estudos em homenagem a Paulo Bonavides

Satildeo Paulo Malheiros 2001 p 323 244

BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 27

113

ineacutercias ou accedilotildees realizadas pelo Legislativo e Executivo que dissonantes agrave loacutegica

constitucional vulnerem os direitos fundamentais da minoria ou aviltem o proacuteprio

procedimento democraacutetico em si natildeo soacute podem como devem ser combatidas pelo Judiciaacuterio

Desta maneira democracia natildeo deve ser compreendida somente em sua acepccedilatildeo

formal (simples possibilidade de escolher os representantes) mas tambeacutem deve ser encarada

sob o vieacutes material representando um processo de concretizaccedilatildeo de direitos e garantias

fundamentais pelos poderes constituiacutedos que antes de ser rotulado de autoritaacuterio consiste em

autecircntico cumprimento de deveres constitucionais245

Assim sendo fica claro que democracia natildeo eacute simples sinocircnimo de regra majoritaacuteria e

exige muito mais que a simples aplicaccedilatildeo desta jaacute que pressupotildee antes de tudo e

primordialmente o respeito aos direitos fundamentais de todos os indiviacuteduos para o perfeito

funcionamento de qualquer processo deliberativo tido como democraacutetico

De se afirmar assim que o cenaacuterio constitucional atual jaacute natildeo mais comporta a ideia

de que a implementaccedilatildeo de direitos fundamentais esteja restrita somente ao Executivo e

Legislativo prevalecendo ao contraacuterio a defesa de que tal tarefa jaacute se encontra arraigada

como uma funccedilatildeo do Estado como um todo devendo ser buscada tambeacutem a partir da

performance de outros atores destacando-se o Judiciaacuterio as funccedilotildees essenciais agrave justiccedila e a

proacutepria sociedade

Pelo exposto pode-se concluir que apesar dos argumentos centrais contraacuterios ao

enfrentamento pelo Judiciaacuterio de questotildees envolvendo a sindicabilidade dos direitos

fundamentais poderem ser superados pela releitura da separaccedilatildeo dos poderes e pelo vieacutes

material do princiacutepio democraacutetico o ponto chave desse debate estaacute exatamente na construccedilatildeo

segura de paracircmetros objetivos que respaldem e limitem246

essa atuaccedilatildeo dizendo ateacute onde o

Judiciaacuterio pode atuar sem ferir o ordenamento constitucional Nesse iacutenterim no que refere-se

aos direitos sociais a construccedilatildeo de miacutenimos existenciais em espeacutecies para os mesmos

desponta como verdadeiro carro-chefe dessa empreitada

245

Realccedilando o papel central da jurisdiccedilatildeo constitucional no desenvolvimento democraacutetico eacute pertinente a

observaccedilatildeo de Paulo Gonet ao afirmar que ldquo() a histoacuteria prova que quando a luz da democracia se apaga eacute para

a jurisdiccedilatildeo que o povo normalmente recorrerdquoBRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito

fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO

Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 399 246

No mesmo sentido Canotilho aponta que ldquo()sempre se coloca o problema de saber se haveraacute um nuacutecleo

essencial caracterizador do princiacutepio da separaccedilatildeo e absolutamente protegido pela Constituiccedilatildeo Em geral

afirma-se que a nenhum oacutergatildeo podem ser atribuiacutedas funccedilotildees das quais resulte o esvaziamento das funccedilotildees

materiais especialmente atribuiacutedas a outros () Todavia permanece aberto o problema de saber onde comeccedila e

onde acaba o nuacutecleo essencial de determinada funccedilatildeordquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito

Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 502

114

Corroborando com essa visatildeo Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Nascimento247

observa

que

Quando se diz que os poderes constituiacutedos formam o espaccedilo institucional

(conjunto de oacutergatildeos funccedilotildees e agentes) de traduccedilatildeo do processo poliacutetico que

tem origem no poder popular isto inclui o judiciaacuterio A vontade sintetizada

no compromisso constitucional e a capacidade integradora da constituiccedilatildeo

estariam anuladas se a sua concretizaccedilatildeo ficasse reduzida e dependente das

decisotildees do executivo Como defender a constituiccedilatildeo quando as poliacuteticas

preventivas ou as diretrizes satildeo negligenciadas pela urgecircncia de gerir a rotina

de governo quando a gestatildeo for mais teacutecnica do que eacutetica e as poliacuteticas

forem dispersas e meramente reativas Cabe ao judiciaacuterio trazer para a arena

puacuteblica a loacutegica juriacutedica dos valores e da busca do entendimento em

confronto com a loacutegica utilitarista e competitiva do mercado econocircmico e da

burocracia administrativa Natildeo se pode eacute aceitar que a judicializaccedilatildeo da

demanda por sauacutede assuma contornos de irracionalidade A teoria da

constituiccedilatildeo serve de auxiacutelio na racionalizaccedilatildeo da tarefa de assegurar em

juiacutezo o direito agrave sauacutede

Apesar de tudo que foi dito ateacute aqui possa ser suficiente para justificar a legitimidade

do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do especial direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio

tornam-se imperiosas algumas ponderaccedilotildees sobre possiacuteveis efeitos colaterais de uma ilimitada

intervenccedilatildeo judicial no tema antes de se analisar que parcela do miacutenimo existencial estaria

abrangida por tal direito

512 Os efeitos colaterais de um desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Jaacute foi apontado que o direito agrave sauacutede apesar de tipicamente enquadrado como direito

de segunda dimensatildeo apresenta um desenho constitucional peculiar uma vez que parte de sua

essecircncia tanto se desloca para a primeira dimensatildeo (aproximando-se de uma ideia de

manutenccedilatildeo da vida248

) como para a terceira dimensatildeo (sob o prisma de uma sauacutede

transindividualmente considerada) Daiacute a importante conclusatildeo de que o direito agrave sauacutede eacute

antes de tudo um elemento de cidadania o que respalda sua qualificaccedilatildeo como um direito

247

NASCIMENTO Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Concretizando a Utopia Problemas na Efetivaccedilatildeo do Direito

a uma Vida Saudaacutevel In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel (coords) Direitos sociais

Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 p 920 248

Reforccedilando essa visatildeo conforme entendimento esposado em diversas decisotildees do TJES (dentre outros o

Mandado de Seguranccedila nordm 100070014129 julgado em 110908 pelo Pleno do TJES Relator Des Alemer

Ferraz Moulin) o direito a sauacutede tambeacutem pode ser encarado como um ldquodireito social que se transmuda em

direito fundamental de primeira geraccedilatildeo pela condiccedilatildeo do miacutenimo existencialrdquo HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares

sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 216

115

humano essencial polifaceacutetico (eacute direito social eacute alicerccedilador da vida e de fruiccedilatildeo

transidividual)249

Decorre dessa qualidade a ideia de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo desse

direito assume um niacutevel de complexidade maior do que com relaccedilatildeo aos demais direitos

sociais especialmente quando discutido o acesso agrave prestaccedilotildees materiais decorrentes do direito

agrave sauacutede e nesse ponto natildeo se pode fugir de algumas observaccedilotildees que circundam o princiacutepio da

igualdade e sua relaccedilatildeo com os direitos sociais

Se com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais as demandas sejam individuais ou

coletivas possuem um raio de abrangecircncia mais limitado no que se refere ao direito agrave sauacutede a

situaccedilatildeo eacute diametralmente oposta podendo ser encontradas demandas que tratam de

diferentes submateacuterias como por exemplo fornecimento de medicamentos cirurgias de

urgecircncia tratamentos de doenccedilas raras transplantes concessotildees de aparelhos auditivos

tratamentos odontoloacutegicos realizaccedilatildeo de exames dentre outros

O enfrentamento judicial de tais situaccedilotildees eacute portanto inegavelmente complexo Desta

maneira eacute certo que ao decidir o magistrado natildeo consegue fugir completamente de suas

impressotildees particulares e em determinados casos em que o natildeo acatamento do pedido pode

significar a morte de um indiviacuteduo a tarefa de vislumbrar a situaccedilatildeo como um todo levando

em consideraccedilatildeo aspectos orccedilamentaacuterios e o restante da populaccedilatildeo resta dificultada250

Da mesma forma ao se filiar a um posicionamento garantista despreocupado com os

limites e consequecircncias das decisotildees e afastado dessa percepccedilatildeo macro que leva em conta o

resto da populaccedilatildeo o Judiciaacuterio contribui para a formaccedilatildeo e um ciacuterculo vicioso alarmante e

cada vez mais recorrente as autoridades puacuteblicas acabam se eximindo de executar as opccedilotildees

constitucionais iacutensitas ao direito agrave sauacutede sob o argumento de que tal valor jaacute estaacute reservado

para as possiacuteveis decisotildees judiciais no assunto ou ateacute mesmo apontando para um estado de

ineacutercia no sentido de soacute cumprir as medidas planejadas em suas poliacuteticas puacuteblicas depois de

demandadas judicialmente

Tal situaccedilatildeo consiste em efeito colateral grave e inconstitucional que aliado a questatildeo

do custo envolvendo certas demandas concretas estatildeo inseridas na discussatildeo sobre igualdade

249

BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In FERNANDES FELLET

Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial

Salvador Juspodivm 2011 p 600 250

Nesse sentido pondera Ana Paula de Barcellos que ldquoUm doente com rosto identidade presenccedila fiacutesica e

histoacuteria pessoal solicitando ao Juiacutezo uma prestaccedilatildeo de sauacutede eacute percebido de forma inteiramente diversa da

abstraccedilatildeo eteacuterea do orccedilamento e das necessidades do restante da populaccedilatildeo que natildeo satildeo visiacuteveis naquele

momento e tecircm sua percepccedilatildeo distorcida ()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 322

116

jaacute que em princiacutepio a concessatildeo pleiteada deve ser concedida da mesma maneira a todas as

pessoas que se encontrem na mesma situaccedilatildeo

Mas seraacute que tais pessoas possuem ciecircncia disso Seraacute que tais pessoas apresentam

condiccedilotildees de contratar um advogado ou possuem ciecircncia que eacute plausiacutevel buscar o auxiacutelio da

defensoria puacuteblica para isso251

Vecirc-se que a situaccedilatildeo eacute complexa e caminha para o reforccedilo da

necessidade de que apesar de legiacutetima a sindicabilidade judicial do direito agrave sauacutede deve ser

programada a partir de criteacuterios objetivos sob pena de ferir a proacutepria sauacutede dos demais

indiviacuteduos e o princiacutepio da igualdade distorcendo a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo deu a esse

importante direito

Nesse contexto se todos contribuem para os cofres puacuteblicos eacute difiacutecil admitir que seja

equitativa a situaccedilatildeo de alguns indiviacuteduos por terem acesso agrave justiccedila alcanccedilarem um direito

relevante e outros que ou nem sabem que podem se socorrer ao Judiciaacuterio ou natildeo possuem

meios para o tal em igual situaccedilatildeo natildeo sejam abrangidos

Contudo a complexidade para o Judiciaacuterio ao enfrentar tais situaccedilotildees eacute imensa e seus

representantes ficam presos ao problemaacutetico dilema de que se acatado o pedido contribui-se

para que algueacutem que possui advogado bdquofure uma fila‟ e outros milhares na mesma situaccedilatildeo

fiquem a mercecirc do SUS por outro lado jaacute se natildeo acatado o pedido estar-se-aacute chancelando

uma conivecircncia com a omissatildeo estatal especiacutefica pleiteada e isso poderaacute acarretar na morte ou

prejuiacutezo irreparaacutevel para o indiviacuteduo natildeo evitados quando o Judiciaacuterio poderia

Eacute preciso deixar claro entretanto que a utilizaccedilatildeo de exemplos extremos natildeo pode

servir para esconder problemas claros da sauacutede baacutesica da populaccedilatildeo Por isso deve ser

assentado desde jaacute que existem duas situaccedilotildees uma ligada agrave escolhas extremas em que o

limite entre vida e sauacutede eacute miacutenimo e ateacute mesmo confundiacutevel como os casos em que um

indiviacuteduo ou grupo necessita de algo (medicamento oacutergatildeo procedimento) com urgecircncia que

em princiacutepio pode ou natildeo ser obrigaccedilatildeo do Estado a depender de suas poliacuteticas puacuteblicas

outra referente agrave situaccedilotildees que o Estado se comprometeu a deveria realizar e natildeo o fez como

eacute o caso por exemplo da sauacutede baacutesica sua estruturaccedilatildeo e o rol de prestaccedilotildees nela disponiacuteveis

bem como o fornecimento de medicamentos previamente listados pelo SUS

251

Corroborando com o raciociacutenio Andreacute Luiz Fellet aponta que ldquoao evitar a perda da vida de um paciente com

foto nuacutemero de identidade e atestado meacutedico nos autos o julgador em sua dificiacutelima missatildeo pode contribuir

para o decesso de um paciente anocircnimo E seraacute justo quanto agrave virtual ineacutercia do uacuteltimo em buscar a tutela

jurisdicional invocar o brocardo latino dormientibus non sucurrit jus (o direito natildeo socorre os que dormem)rdquo

FELLET Andreacute Luiz Fernandes As normas de direitos fundamentais sociais e a implementaccedilatildeo do direito agrave

sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio In Revista da Procuradoria Geral do Municiacutepio de Juiz de Fora v2 jandez

Belo Horizonte 2012 p 110

117

O foco do presente estudo eacute exatamente esse segundo grupo de situaccedilotildees sendo certo

que as circunstacircncias extremas natildeo podem ser abandonadas mas frente agrave complexidade e

peculiaridade dos inuacutemeros eventos possiacuteveis devem ser analisadas caso a caso sob o prisma

da proporcionalidade balanceando-se os elementos que estatildeo em jogo niacutevel de agressatildeo a

igualdade considerando o conflito entre o direito agrave sauacutede individual do demandante e o

direito agrave sauacutede da coletividade bem como o elemento da reserva do possiacutevel e a proximidade

do pleito ao nuacutecleo do miacutenimo existencial em sauacutede

Isso ocorre porque eacute praticamente impossiacutevel se chegar a um comando aprioriacutestico de

como lidar com tais problemas extremos sendo certo que caso seja adotado o criteacuterio da

necessidade de evitar a morte dor ou sofrimento fiacutesico na definiccedilatildeo do que pode ser exigiacutevel

do Estado com relaccedilatildeo ao direito em xeque praticamente toda e qualquer prestaccedilatildeo de sauacutede

estaria enquadrada nesse criteacuterio o que acarretaria aleacutem de possiacuteveis situaccedilotildees de afronta agrave

igualdade em um caoacutetico quadro de inseguranccedila juriacutedica e total desvirtuamento da essecircncia

do direito agrave sauacutede

Em que pese a situaccedilatildeo ser complexa do ponto de vista humano jaacute que eacute

extremamente delicado para um magistrado negar um pleito cujo objeto envolve o

restabelecimento ou manutenccedilatildeo da vida do demandante (como no caso de um transplante ou

medicamento de alto valor a ser comprado no exterior) o enxergar do problema deve

necessariamente passar pelo exame da igualdade252

e principalmente da possiacutevel afronta agrave

sauacutede do resto da populaccedilatildeo que se enquadre no mesmo problema daquele que estaacute em uma

fila de espera por oacutergatildeos haacute anos ou ateacute mesmo daquele cidadatildeo que depende de prestaccedilotildees

252

Com relaccedilatildeo a problemaacutetica da igualdade Mariana Filchtiner Figueiredo posiciona-se no sentido de a

concepccedilatildeo de igualdade ser diferente de universalidade e que esta uacuteltima natildeo apresenta como corolaacuterio

indispensaacutevel a gratuidade das prestaccedilotildees materiais e partindo dessa ideia defende a adoccedilatildeo no Brasil de um

sistema ldquotendencialmente gratuitordquo com a cobranccedila dos serviccedilos de sauacutede de quem possua recursos e na justa

medida da sua condiccedilatildeo econocircmica como possiacutevel alternativa agrave escassez de recursos financeiros e meacutedicos Para

sustentar esse raciociacutenio pondera a autora que ldquoa fraternidade oriunda da triacuteade francesa implica uma nova

concepccedilatildeo dos direitos sociais em que natildeo se atribuam a todos os cidadatildeos indistintamente mas sim agravequeles

todos que deles necessitem e na medida dessa necessidade uma vez que a abstraccedilatildeo e a universalidade natildeo se

adaptam agraves distinccedilotildees faacuteticas existentes dentro do proacuteprio grupo de beneficiaacuterios dos direitos sociais () Natildeo

corresponde agrave noccedilatildeo de paternalismo porquanto as prestaccedilotildees materiais de auxiacutelio devem ser conferidas somente

aos necessitados e na medida dessas carecircnciasrdquo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave

Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 172 A

proposta em questatildeo apesar de ter uma preocupaccedilatildeo justa (emprestar mais igualdade no acesso ao direito agrave

sauacutede e driblar a escassez de recursos) esbarra em uma questatildeo loacutegica a sauacutede como se sabe eacute aberta ao setor

privado e portanto quem tem condiccedilotildees financeiras muito provavelmente frente ao quadro estrutural

deficitaacuterio do SUS buscaraacute socorrer-se em planos de sauacutede privados sendo difiacutecil imaginar que algueacutem que

possua condiccedilotildees financeiras venha a optar por um tratamento no SUS pago do que no setor privado Some-se a

isso o fato de que tal situaccedilatildeo poderia gerar distorccedilotildees ainda maiores e mais desiguais frente a possibilidade de

concretamente ser dada preferecircncia a quem desembolsou alguma importacircncia financeira do que quem natildeo

118

materiais inseridas em um miacutenimo existencial de sauacutede que o Estado natildeo prestou ou que jaacute

faleceu no triste aguardo destas

Conclui-se portanto que a melhor forma de analisar o problema percorre a seguinte

linha de raciociacutenio i o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas

envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a

accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais gerem afronta ao

direito em questatildeo ii essa atuaccedilatildeo contudo se realizada de forma ilimitada pode gerar

anacrocircnicos efeitos colaterais que devem ser combatidos por potencialmente poderem afrontar

o princiacutepio da igualdade da reserva do possiacutevel da separaccedilatildeo dos poderes e da seguranccedila

juriacutedica iii a melhor maneira de se evitar ou pelo menos diminuir tais efeitos indesejados

passa por algumas medidas chaves como iii1 a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial para o

direito em questatildeo que natildeo soacute legitima a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio como tambeacutem empresta maior

seguranccedila ao magistrado ao decidir253

iii2 a consagraccedilatildeo de paracircmetros objetivos que

guardem harmonia com as poliacuteticas puacuteblicas em andamento para a fundamentaccedilatildeo das

decisotildees e iii3 a preferecircncia por demandas coletivas cujo raio de abrangecircncia dos seus

efeitos teraacute o condatildeo de suprimir ou diminuir situaccedilotildees de desigualdade254

253

Interessante notar que a exata e segura noccedilatildeo dos limites de sua atuaccedilatildeo propicia ao magistrado natildeo soacute mais

seguranccedila ao julgar mas tambeacutem uma tranquilidade apta a retirar a carga de responsabilidade inevitavelmente

existente quando da anaacutelise dos citados casos extremos Explica-se sem paracircmetros o juiz ao ser provocado a

decidir muitas vezes no seu iacutentimo entende que a concessatildeo do pleito eacute transbordante agrave sua esfera de

atribuiccedilotildees contudo o concede pela pressatildeo psicoloacutegica e humanista do caso a qual incute na mente do

magistrado o receio de por exemplo estar sentenciando a morte do demandante quando o podia evitar (ainda

que admitisse extrapolar suas funccedilotildees) Em existindo um paracircmetro aprioriacutestico que jaacute elimine de pronto ou

sustente objetivamente o natildeo acolhimento do pleito o magistrado se sentiraacute menos responsaacutevel pelas possiacuteveis

consequecircncias da negativa do pedido 254

Sobre a questatildeo da preferecircncia da defesa do direito agrave sauacutede pela via coletiva Ingo Sarlet faz uma importante

ressalva ao perfilhar que ldquose eacute possiacutevel afirmar a correccedilatildeo do entendimento de que a tutela coletiva

(especialmente em niacutevel preventivo) deva assumir caraacuteter preferencial jaacute que possui a incensuraacutevel virtude de

minimizar uma seacuterie de efeitos colaterais mais problemaacuteticos da tutela jurisdicional individual na esfera dos

direitos a prestaccedilotildees sociais tambeacutem eacute certo que a eliminaccedilatildeo da possibilidade de demandas individuais poderaacute

por si soacute representar uma violaccedilatildeo de direitos fundamentais notadamente quando em causa o direito a uma vida

digna e quando natildeo assegurado o patamar suficiente de proteccedilatildeo social () Da mesma forma se as objeccedilotildees em

relaccedilatildeo agrave tutela judicial individual natildeo podem ter o condatildeo de afastar tal via de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais

tabeacutem eacute certo que eacute preciso empreender ajustes e minimizar os efeitos negativos da litigacircncia individual seja

mediante um controle mais rigoroso no que diz com a necessidade da prestaccedilatildeo pleiteada seja no respeitante a

outros aspectos parte dos quais referidos como possibilidades aptas a propiciar maior racionalidade e eficaacutecia no

plano das estrateacutegias de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais em geral e o direito agrave sauacutede em particularrdquo SARLET

Ingo Wolfgang A titularidade Simultaneamente Individual e Transindividual dos Direitos Sociais Analisada agrave

Luz do Exemplo do Direito agrave Proteccedilatildeo e Promoccedilatildeo da Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de Brito SILVA

Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p

143-144

119

52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL

RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE

Quando estudado o embate entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ficou

assentado que o miacutenimo existencial englobaria um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado

natildeo poderia se furtar de disponibilizar aos cidadatildeos sob pena de afronta aos valores

constitucionais ligados agrave dignidade da pessoa humana concluindo-se assim que o argumento

da reserva do possiacutevel nesses casos natildeo poderia ser sequer trazido agrave discussatildeo jaacute que o

nuacutecleo de condiccedilotildees materiais formadoras desse miacutenimo existencial se impotildee como regra

mantendo-se a natureza de princiacutepio apenas para aleacutem desse nuacutecleo

Na mesma linha abraccedilou-se a tese encampada por Ana Paula de Barcellos de que esse

miacutenimo existencial cujo substrato adviria diretamente da Constituiccedilatildeo seria formado pelo

acesso agrave justiccedila como elemento instrumental e de trecircs elementos materiais a sauacutede baacutesica a

educaccedilatildeo baacutesica e a assistecircncia aos desamparados

A presente pesquisa contudo busca avanccedilar no tema de modo a incluir mais um

elemento dentre os que estariam incluiacutedos no miacutenimo255

em sauacutede arrolados pela referida

autora (que relembrando satildeo prestaccedilatildeo de serviccedilo de saneamento o atendimento materno-

infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas) e tendo em vista a

ideia de que os mesmos natildeo foram escolhidos de maneira aleatoacuteria antes de compreender a

abrangecircncia de cada um deles faz-se relevante explicar as razotildees apontadas para a seleccedilatildeo

dos mesmos

Desta maneira o raciociacutenio eacute o de que inicialmente o efeito isolado das normas

atinentes ao direito em exame (especialmente o constante nos arts 196 e 198 da CF) eacute o de

que todas as pessoas devem ter acesso agrave totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis aptas a

promover proteger ou recuperar as condiccedilotildees de sauacutede Contudo para aleacutem desse efeito

isolado teoacuterico e ideal outra questatildeo eacute a anaacutelise sobre se tal efeito pode ser na praacutetica

integralmente exigido do Poder Puacuteblico de modo que este positivamente atue na

concretizaccedilatildeo da sauacutede256

Nesse ponto quando o mencionado efeito ideal sai de um exame isolado e eacute

confrontado com os demais subsistemas constitucionais (sobretudo os campos ligados a

255

Aqui uma observaccedilatildeo se faz relevante no intuito de evitar uma confusatildeo terminoloacutegica a sauacutede baacutesica como

visto eacute um elemento do miacutenimo existencial e haacute dentro desse elemento um nuacutecleo de eficaacutecia positiva que

representa o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede exigiacuteveis do Judiciaacuterio A esse nuacutecleo parcela do direito agrave sauacutede

incluiacuteda no conceito de miacutenimo existencial eacute dado na presente pesquisa o tratamento de miacutenimo existencial em

espeacutecie relativo ao direito agrave sauacutede De maneira mais direta eacute como se a soma dos miacutenimos em espeacutecie (da sauacutede

educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) formasse o miacutenimo existencial geral 256

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 223

120

separaccedilatildeo dos poderes a deliberaccedilatildeo majoritaacuteria e a reserva orccedilamentaacuteria) por razotildees

juriacutedicas e ateacute mesmo faacuteticas torna-se forccediloso concluir que o atual panorama histoacuterico da

ordem constitucional paacutetria natildeo eacute suficiente para assegurar eficaacutecia juriacutedica positiva a toda

extensatildeo desse efeito ideal mas somente dos marcos constitucionalmente priorizados para a

partir dos mesmos alargar de maneira progressiva o efeito final mais abrangente de todas as

prestaccedilotildees de sauacutede257

A seguinte passagem resume bem o pensamento de Ana Paula de Barcellos acima

descrito258

O efeito isolado portanto pretendido pelos comandos em questatildeo eacute em

primeiro lugar que as pessoas tenham acesso a todas as prestaccedilotildees de sauacutede

possiacuteveis e prioritariamente que esses quatro objetivos sejam realizados a

saber que todas as localidades onde haja habitaccedilotildees disponham de serviccedilos

de saneamento baacutesico que todas as gestantes matildees e crianccedilas tenham

atendimento de sauacutede especiacutefico preacute e poacutes-natal que todas as pessoas

possam dispor de um acompanhamento meacutedico preventivo e por fim que o

Poder Puacuteblico implemente accedilotildees gerais destinadas a evitar epidemias (Grifos

acrescidos)

Em suma a proposta do miacutenimo existencial que aqui se pretende ampliar tem o

processo de especificaccedilatildeo de seus elementos calcado primeiro na ideia de priorizaccedilatildeo

aplicando-se a loacutegica de que se a atual conjuntura do constitucionalismo paacutetrio natildeo permite a

maacutexima extensatildeo do efeito ideal das normas que dispotildeem sobre a sauacutede que pelo menos

onde a Constituiccedilatildeo sinalizou com uma priorizaccedilatildeo seja dada eficaacutecia suficiente para

respaldar uma cobranccedila de prestaccedilotildees em sauacutede diretamente do Poder Puacuteblico

Segundo tal proposta jaacute admite em sua essecircncia que essa priorizaccedilatildeo consubstancia-se

no passo inicial do processo de construccedilatildeo do miacutenimo existencial o qual poderaacute e deveraacute ser

ampliado progressiva e tendencialmente ao efeito ideal de que todas as pessoas tenham acesso

a totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis

A conclusatildeo eacute a seguinte partindo do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)

podem ser extraiacutedas diretamente do texto constitucional certas prestaccedilotildees relacionadas ao

direito agrave sauacutede de que todos necessitam as quais trabalham como autecircnticas regras e cuja natildeo

realizaccedilatildeo importaraacute em violaccedilatildeo ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana no esquema

ldquotudo ou nadardquo respaldando a exigecircncia judicial da prestaccedilatildeo equivalente

257

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 224 258

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 225

121

Desta maneira concretizando um pouco mais tais prioridades a autora aponta que259

o

atendimento materno-infantil engloba o acompanhamento preacute e poacutes natal da gestante e da

crianccedila e tem por escopo a prevenccedilatildeo ou tratamento de doenccedilas que possam afetar a sauacutede

materna ou da crianccedila abrangendo tambeacutem um parto saudaacutevel as accedilotildees de medicina

preventiva abrangem um conjunto amplo de accedilotildees que incluindo a prevenccedilatildeo epidemioloacutegica

envolvem natildeo soacute o tratamento de epidemias mas tambeacutem formas especiacuteficas de prevenccedilatildeo

como a aplicaccedilatildeo de vacinas pulverizaccedilatildeo de substacircncias para o combate de transmissores de

moleacutestias (como a dengue) dentre outras260

e o saneamento consiste em uma das medidas de

sauacutede baacutesica mais relevantes atualmente e eacute considerado pela OMS como a medida prioritaacuteria

em termos de sauacutede puacuteblica mundial jaacute que cerca de 80 das doenccedilas decorrem da maacute

qualidade da aacutegua utilizada ou falta de esgotamento adequado

A partir das balizas postas o presente trabalho busca aperfeiccediloar a noccedilatildeo de miacutenimo

existencial construiacuteda pela autora de modo a incluir dentre os elementos que o compotildeem

mais um componente o qual funcionaraacute concomitantemente tanto como um elemento basilar

desse miacutenimo existencial quanto como interface de abertura que garantiraacute sua almejada

ampliaccedilatildeo progressiva

Sendo mais claro e indo direto ao ponto defende-se a inserccedilatildeo do respeito agrave previsatildeo

de infraestrutura miacutenima a ser disponibilizada para as accedilotildees e serviccedilos compromissados pelo

Poder Puacuteblico (que engloba a construccedilatildeo de hospitais minimamente estruturados a formaccedilatildeo

de pessoal qualificado e a disponibilizaccedilatildeo suficiente de material e equipamentos para a

realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer) no rol jaacute referenciado dos

componentes do miacutenimo existencial em sauacutede como um elemento instrumental desse

miacutenimo

O raciociacutenio eacute o de que sem tal elemento instrumental tanto as referidas prestaccedilotildees

inclusas no miacutenimo quanto as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede constantes das poliacuteticas puacuteblicas em

andamento natildeo se materializam jaacute que tal elemento instrumental consiste em verdadeiro

pressuposto faacutetico e loacutegico para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede que compotildeem o referido

miacutenimo

259

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 329-335 260

Nesse ponto especiacutefico a autora denotando a dificuldade de se delimitar a abrangecircncia de tais accedilotildees sugere a

utilizaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio do elenco das condiccedilotildees miacutenimas obrigatoacuterias para os planos de sauacutede privados (art

12 da Lei ndeg 965398) como paracircmetro apto a auxiliar a decisatildeo sobre estar determinado pleito incluso dentro

desse conjunto de accedilotildees preventivas BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 330-

331

122

Se o raciociacutenio para a construccedilatildeo do miacutenimo existencial em sauacutede proposto pela

referida autora partiu da prevalecircncia do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)

propotildee-se o acreacutescimo do paracircmetro da coerecircncia loacutegica para defender que a estruturaccedilatildeo

miacutenima do SUS essencial para a consecuccedilatildeo dos seus fins e consequente execuccedilatildeo das accedilotildees

e serviccedilos de sauacutede compromissados pelo Poder Puacuteblico eacute parte integrante basilar do miacutenimo

existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse ponto

baacutesico

O fundamento para tal inclusatildeo nasce da ideia de que se a proacutepria CF de 1988

claramente delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se materializa a partir de poliacuteticas que

visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) accedilotildees e serviccedilos estes qualificados como de relevacircncia puacuteblica e

cuja execuccedilatildeo eacute responsabilidade estatal (art 197 da CF) seria iloacutegico e incoerente imaginar a

realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e especialmente do seu miacutenimo existencial sem uma miacutenima

estruturaccedilatildeo necessaacuteria

A partir da noccedilatildeo acima portanto deve ser incluiacutedo como elemento fundamental do

miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede a existecircncia eficiente e regular de

infraestrutura minimamente suficiente no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas do SUS de modo a se

respeitar a coerecircncia dos artigos 196 197 e 198 da CF e o compromisso constitucional com

esse importante direito fundamental

A omissatildeo estatal em disponibilizar a miacutenima infraestrutura necessaacuteria para a

execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede que se propotildee a realizar seja pelas priorizaccedilotildees

constitucionais ou pelas poliacuteticas puacuteblicas idealizadas e em andamento apresenta-se portanto

como o ponto nevraacutelgico da celeuma com relaccedilatildeo a falta de efetividade do direito agrave sauacutede

visto que o oferecimento desse miacutenimo aparato eacute o ponto de partida imprescindiacutevel para a

fruiccedilatildeo desse direito social pelos cidadatildeos

Explicando melhor imagine-se por exemplo o direito agrave educaccedilatildeo cujo miacutenimo

existencial eacute mais facilmente delimitado na Constituiccedilatildeo261

Natildeo faz sentido especificar quais

prestaccedilotildees estatildeo incluiacutedas em tal miacutenimo sem observar que alguns instrumentos satildeo condiccedilotildees

imprescindiacuteveis para a proacutepria existecircncia das respectivas prestaccedilotildees Nesse contexto

questiona-se do que adianta a Constituiccedilatildeo (art 208 sect1deg) dispor que o acesso ao ensino

obrigatoacuterio e gratuito eacute direito puacuteblico subjetivo se natildeo forem construiacutedas escolas Se natildeo

261

Enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute somente na legislaccedilatildeo infraconstitucional (art 2deg sect1deg da Lei do SUS) que

seraacute encontrado o comando normativo que especifica ainda que de maneira geral qual o dever estatal quanto a

esse direito no que se refere agrave educaccedilatildeo o proacuteprio texto constitucional delimita tal dever no art 208 facilitando

a construccedilatildeo do miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave educaccedilatildeo

123

forem contratados professores capacitados Se natildeo for disponibilizado o aporte necessaacuterio

para a fruiccedilatildeo desse direito (quadro giz computadores material didaacutetico transporte por

exemplo)

A resposta em que pese parecer oacutebvia circunda sobre uma das grandes problemaacuteticas

do direito em questatildeo que eacute a falta de uma primaacuteria estruturaccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo Os

instrumentos citados satildeo desta maneira elementares para a construccedilatildeo e maximizaccedilatildeo do

miacutenimo para a educaccedilatildeo

Aplicando o raciociacutenio acima para o direito agrave sauacutede a situaccedilatildeo natildeo eacute muito diferente

Do que adianta interpretar a Constituiccedilatildeo de modo a incluir o atendimento materno-infantil

que engloba o acompanhamento preacute e poacutes-natal da gestante e da crianccedila como prestaccedilatildeo

iacutensita ao miacutenimo existencial em sauacutede se natildeo existirem maternidades puacuteblicas minimamente

estruturadas com profissionais especializados bem como equipamentos e medicamentos

imprescindiacuteveis para tal262

A outra conclusatildeo natildeo se pode chegar eacute inoacutecuo se falar em miacutenimo existencial se o

primeiro passo nem sequer foi dado de maneira eficiente Desta maneira pode-se afirmar ser

verdadeira conditio sine qua non e elemento fundamental de um miacutenimo existencial do direito

agrave sauacutede a preacutevia existecircncia de infraestrutura baacutesica apta a disponibilizar de maneira eficiente

para uma determinada localidade tanto as prestaccedilotildees fundamentais incluiacutedas em tal miacutenimo

como as objetivamente previstas e compromissadas nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento

tudo isso de maneira igualitaacuteria e eficaz263

Assim a mora do Poder Puacuteblico em disponibilizar o aparato faacutetico suficiente para a

fruiccedilatildeo do miacutenimo relativo ao direito agrave sauacutede mais do que qualquer outra forma de agressatildeo a

tal direito consiste em flagrante aviltamento a dignidade da pessoa humana vez que a

omissatildeo em questatildeo tem o condatildeo de cortar a raiz do nuacutecleo que foi compromissado

constitucionalmente

262

Veja-se por exemplo o teor das seguintes mateacuterias jornalistas as quais demonstram clara afronta ao miacutenimo

existencial do direito agrave sauacutede afronta esta cristalizada em grave omissatildeo do Poder Puacuteblico que natildeo pode ser

tolerada devendo ser corrigida pelo Poder judiciaacuterio httpwwwriograndedonortenet20120914unico-

hospital-municipal-de-natal-fecha-portas-e-nao-admite-pacientes e

httptvuoluolcombrassistirhtmvideo=falta-de-maternidades-gera-caos-na-saude-publica-no-rn-

04024D193272E4A10326 Acessado em 14062013 263

Eacute importante deixar clara a abrangecircncia desse elemento instrumental do miacutenimo existencial especiacutefico para a

sauacutede Veja soacute o raciociacutenio natildeo eacute o de que o Estado deve ter sempre a infraestrutura necessaacuteria para

invariavelmente atender toda a populaccedilatildeo de determinada regiatildeo Na verdade a ideia eacute a de que quando as

poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de afericcedilatildeo de sua eficiecircncia que se

baseiam em estimativas acerca do que minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente

apta a atingir seus objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de

leitos a cada tantos bdquoy‟ habitantes) que inclui-se no miacutenimo instrumental

124

Contudo alguns esclarecimentos satildeo importantes para se entender melhor a

abrangecircncia dessa proposta de inclusatildeo de uma eficiente miacutenima estruturaccedilatildeo como integrante

do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede Como foi dito anteriormente tal componente

funciona natildeo soacute como item basilar desse miacutenimo existencial mas tambeacutem como interface de

abertura apta a possibilitar a progressiva ampliaccedilatildeo desse miacutenimo e a percepccedilatildeo desse caraacuteter

dual exige a compreensatildeo de algumas premissas

Como visto a ideia de miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede propugnada por Ana

Paula de Barcellos (que aqui se tenta aperfeiccediloar) fundamentou-se na identificaccedilatildeo dos pontos

prioritaacuterios constitucionalmente traccedilados para esse direito para daiacute concluir que os serviccedilo de

saneamento atendimento materno-infantil accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo

epidemioloacutegicas formariam um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado natildeo pode se negar a

prestar e que o argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode sequer ser levantado jaacute que tal

miacutenimo funciona como regra e natildeo pode ser ponderado com outros aspectos (especialmente

os de cunho orccedilamentaacuterio)

Pois bem da mesma maneira o efeito principal da inclusatildeo desse elemento

instrumental aqui defendida eacute exatamente a impossibilidade de poder ser levada em

consideraccedilatildeo a alegaccedilatildeo estatal da reserva do possiacutevel jaacute que como incluso no miacutenimo

existencial tal elemento funciona como regra que deve ser cumprida pelo Estado Contudo

existe um aspecto primordial na investigaccedilatildeo desse elemento que eacute a necessidade de se dividir

o mesmo em dois grupos i infraestrutura necessaacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos demais elementos

materiais do miacutenimo existencial e ii infraestrutura necessaacuteria para a concretizaccedilatildeo de accedilotildees e

serviccedilos de sauacutede natildeo ligados diretamente agraves prioridades constitucionais mas iacutensitas agraves

poliacuteticas puacuteblicas compromissadas no acircmbito do SUS

Nesse ponto a atenccedilatildeo precisa ser redobrada e a utilizaccedilatildeo de exemplos facilita a

elucidaccedilatildeo da proposiccedilatildeo Imagine-se que uma mulher graacutevida procure um posto de sauacutede

para fazer seu acompanhamento preacute-natal e chegando ao local natildeo lhe seja oportunizado

atendimento sendo informado que natildeo existe nem mesmo previsatildeo para a mesma ser atendida

jaacute que faltam meacutedicos pessoal de apoio e equipamentos baacutesicos para a realizaccedilatildeo dos

procedimentos necessaacuterios

Se vislumbra em tal situaccedilatildeo que a garantia deste elemento material (atendimento

materno-infantil) do miacutenimo existencial em sauacutede natildeo se concretizou primordialmente pela

inexistecircncia de um dever baacutesico do Estado que eacute exatamente a disponibilizaccedilatildeo do elemento

instrumental do miacutenimo existencial Nesse caso o Judiciaacuterio constatando tal omissatildeo deve

condenar o Poder Puacuteblico a realizar os procedimentos necessaacuterios nem que para isso o

125

mesmo tenha que utilizar aos seus custos instituiccedilotildees privadas equivalentes na regiatildeo ateacute que

o problema seja solucionado com a devida disponibilizaccedilatildeo na referida aacuterea da miacutenima

estrutura projetada pelo Estado para abranger a populaccedilatildeo da localidade em questatildeo

Noutro poacutertico caso seja alcanccedilada empiricamente a comprovaccedilatildeo da recalcitracircncia do

Poder Puacuteblico em cumprir o elemento instrumental do miacutenimo em sauacutede264

poderaacute o

Ministeacuterio Puacuteblico pela via coletiva pleitear judicialmente que essa falha seja suprida a partir

da seguinte alternativa a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a

cumprir esse miacutenimo instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal

omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental

da maneira que o mesmo encontrar como por exemplo a partir da formaccedilatildeo de convecircnios265

com hospitais privados equivalentes que pagos pelo Poder Puacuteblico disponibilizaratildeo o aparato

suficiente para se alcanccedilar o miacutenimo em infraestrutura previamente estimado

Ocorre que pelo fato de a situaccedilatildeo acima explicitada envolver uma prestaccedilatildeo

prioritaacuteria e inclusa materialmente no miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede o

raciociacutenio para a soluccedilatildeo deste problema deve ser estratificado da seguinte maneira as

prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial (material) do direito agrave sauacutede satildeo prioridades

constitucionais que devem ser prestadas sempre pelo Estado como autecircnticos direitos dos

cidadatildeos e portanto o cumprimento do elemento instrumental (disponibilizaccedilatildeo de

infraestrutura miacutenima para a realizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos tanto incluiacutedas nas poliacuteticas

puacuteblicas como no miacutenimo existencial material em sauacutede) por si soacute natildeo seria suficiente para

afastar a obrigaccedilatildeo estatal de prestar tal accedilatildeo ou serviccedilo da maneira que fosse possiacutevel

Desta forma ainda que no exemplo apontado o Estado estivesse quite com a miacutenima

infraestrutura compromissada para a prestaccedilatildeo em questatildeo ou seja que existissem meacutedicos

leitos e equipamentos em nuacutemero que respeite o miacutenimo pactuado para o atendimento

materno-infantil e ainda assim tal atendimento natildeo fosse prestado (pelo motivo que seja

superlotaccedilatildeo imprevista desiacutedia dos profissionais contratados equipamentos danificados e

ainda natildeo repostos por exemplo) em que pese o elemento instrumental ter sido cumprido a

natildeo garantia praacutetica do elemento material em questatildeo por si soacute eacute suficiente para respaldar a

determinaccedilatildeo da obrigaccedilatildeo estatal em cumprir com o atendimento

264

Seja pela proacutepria fiscalizaccedilatildeo do cumprimento dos paracircmetros e metas preacute-estabelecidas nas poliacuteticas que

norteiam as accedilotildees e serviccedilos a serem prestados seja pela constataccedilatildeo de grande nuacutemero de condenaccedilotildees

individuais que atestem tal omissatildeo estatal 265

A Lei do SUS dispotildee que ldquoquando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura

assistencial agrave populaccedilatildeo de uma determinada aacuterea o Sistema uacutenico de Sauacutede (SUS) poderaacute recorrer aos serviccedilos

ofertados pela iniciativa privadardquo (art 24 caput) e que ldquoa participaccedilatildeo complementar dos serviccedilos privados seraacute

formalizada mediante contrato ou convecircnio observadas a respeito as normas de direito puacuteblicordquo (art 24

paraacutegrafo uacutenico)

126

Diferente contudo eacute a situaccedilatildeo de um cidadatildeo se dirigir a um posto de sauacutede visando

ao tratamento de doenccedilas ou cuidados com atenccedilatildeo baacutesica em princiacutepio externos ao miacutenimo

existencial em sauacutede mas inclusos nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento ndash autecircnticos

compromissos firmados pelo Poder Puacuteblico em fazer cumprir o direito agrave sauacutede previsto na CF

e no arcabouccedilo legislativo infraconstitucional

Nessas situaccedilotildees em caso de ser impossibilitado o referido atendimento no

enfrentamento judicial da questatildeo o magistrado deve inicialmente investigar se o miacutenimo em

infraestrutura previsto para a realizaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em andamento estaacute sendo

efetivamente cumprido de maneira eficiente e regular e a partir da conclusatildeo dessa

perquiriccedilatildeo dois caminhos podem ser trilhados

Caso identificado o desrespeito a esse miacutenimo estrutural haveraacute uma consequente

afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede e nesse caso o Estado natildeo poderaacute alegar o postulado

da reserva do possiacutevel Isso acontece pois como visto por um criteacuterio de coerecircncia loacutegica

em que pese o Estado natildeo ser um garantidor universal de sauacutede puacuteblica quando o mesmo se

propotildee a cumprir determinada poliacutetica puacuteblica em sauacutede tal poliacutetica nasce a partir de uma

instrumentalizaccedilatildeo que elenca obrigaccedilotildees estruturais miacutenimas para o cumprimento eficiente

do que o Estado estaacute se comprometendo a disponibilizar para o cidadatildeo

Daiacute ser coerente concluir que a omissatildeo estatal em propiciar sequer esse miacutenimo aleacutem

de comprometer a proacutepria concretude da poliacutetica puacuteblica em si e evidenciar o desvirtuamento

das verbas previstas para a consecuccedilatildeo dos seus fins termina por gerar falsas expectativas

para os cidadatildeos instaurando um quadro de frustraccedilatildeo apto a ser enquadrado como autecircntica

afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede pela falha em seu elemento instrumental

Nesse caso defende-se que o Judiciaacuterio diante de uma demanda individual poderaacute i

reconhecer a afronta ao aspecto instrumental do miacutenimo existencial alertando para o fato de

que natildeo eacute cabiacutevel a alegaccedilatildeo da reserva do possiacutevel quanto a essa grave falha jaacute que quando

se idealizou a poliacutetica em questatildeo previu-se orccedilamento para o aparelhamento miacutenimo

suficiente para sua concretizaccedilatildeo ii assentar que frente a esta grave falha surge uma espeacutecie

de presunccedilatildeo em favor do demandante o qual deveraacute ter seu pleito concedido e iii alertar

que eacute dever do Estado corrigir tal omissatildeo quanto a essa estruturaccedilatildeo miacutenima advertindo que

enquanto natildeo for feita tal correccedilatildeo o direito da sauacutede da coletividade da regiatildeo em questatildeo

estaraacute sendo afrontado

Por outro lado caso constatado que o Estado encontra-se quite com os padrotildees

miacutenimos estruturais previstos para a execuccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica que se propocircs o magistrado

deveraacute considerar os possiacuteveis argumentos levantados em juiacutezo e aplicando a teacutecnica da

127

ponderaccedilatildeo iraacute analisar os aspectos inerentes sobretudo agrave isonomia razoabilidade do pedido

e reserva do possiacutevel para emitir sua decisatildeo

Ainda no mesmo exemplo (pleito de uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial da

sauacutede mas inserido em uma poliacutetica puacuteblica do governo em andamento) faz-se relevante

analisar os desdobramentos no caso das demandas coletivas

Nesse ponto defende-se que sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e as respectivas

associaccedilotildees devem fiscalizar se os serviccedilos disponibilizados para a populaccedilatildeo de determinada

localidade estatildeo sendo oferecidos de forma perene e na quantidade e qualidade consentacircneas

com o previsto nas poliacuteticas puacuteblicas que o os projetaram fiscalizaccedilatildeo esta portanto que

passa inevitavelmente pela perquiriccedilatildeo acerca da proporcionalidade entre a demanda estimada

da populaccedilatildeo por sauacutede e a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para a execuccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas compromissadas

Sendo constatada qualquer disparidade entre a realidade faacutetica e os pilares miacutenimos

firmados em tais poliacuteticas poderaacute ser pleiteada coletivamente a correccedilatildeo de tal distorccedilatildeo a

partir da soluccedilatildeo apresentada anteriormente266

como forma de ser garantido o elemento

instrumental do miacutenimo existencial da sauacutede

Finalmente uma uacuteltima hipoacutetese seria o caso de um cidadatildeo pleitear uma prestaccedilatildeo de

sauacutede natildeo inclusa no miacutenimo existencial nem mesmo constante nas poliacuteticas puacuteblicas em

vigor no paiacutes como satildeo por exemplo os casos extremos de doenccedilas raras em que se pleiteia a

concessatildeo de medicamentos de alto custo importados e ainda natildeo constantes nas listas do

SUS

Em tais casos defende-se que em princiacutepio deve ser afastada a possibilidade de

intervenccedilatildeo judicial sendo certo contudo que a depender das circunstacircncias do caso

concreto aplicando-se a ponderaccedilatildeo entre os bens em conflito possa ser alcanccedilada

excepcionalmente uma soluccedilatildeo harmocircnica que garanta a sauacutede do indiviacuteduo e ao mesmo

tempo natildeo comprometa as poliacuteticas puacuteblicas em andamento que visam resguardar a sauacutede do

resto da populaccedilatildeo267

266

Relembrando a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a cumprir esse miacutenimo

instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do

dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental a partir da formaccedilatildeo de convecircnios com hospitais privados

equivalentes e pagos pelo Poder Puacuteblico 267

Na mesma linha de pensamento no julgamento da Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 408480 realizado pela 8deg Turma

Especializada do TRF 2deg Regiatildeo relatoria do Des Marcelo Pereira (DJU de 110808 p 176) assentou-se que

ldquoa melhor doutrina orienta que em se tratando de direito agrave sauacutede apenas as prestaccedilotildees que compotildeem o assim

denominado bdquomiacutenimo existencial‟ e aquelas que configurem opccedilotildees poliacuteticas juridicizadas dos poderes

constituiacutedos poderiam ser objeto de condenaccedilatildeo dos entes puacuteblicos a implementaacute-las em prazo determinadordquo

128

Nessas situaccedilotildees extremas em que pese a dificuldade do magistrado ndash jaacute abordada ndash

em lidar com a carga de responsabilidade humanitaacuteria que sua decisatildeo pode representar eacute

certo que o exame de proporcionalidade a ser empregado natildeo deve ser calcado na

interpretaccedilatildeo automaacutetica de sauacutede como sinocircnimo de direito agrave vida visto que tal estrateacutegia

natildeo soacute tem o condatildeo de comprometer o proacuteprio funcionamento da rede do SUS como tambeacutem

acaba tendendo para o posicionamento do Estado como um garantidor universal e esvaziando

a problemaacutetica

Desta forma deve o magistrado empreender a difiacutecil tarefa de levantar os olhos para a

sauacutede como um todo considerando os reflexos que essa decisatildeo poderaacute acarretar para a sauacutede

e dignidade do resto da populaccedilatildeo O enfretamento da situaccedilatildeo deve portanto se preocupar

com a macro-justiccedila levando em consideraccedilatildeo a possibilidade de o Estado poder

eventualmente incluir tal demanda em suas poliacuteticas puacuteblicas e poder proporcionaacute-la

igualmente a todos que se encontrem naquela situaccedilatildeo sem que reste comprometida a garantia

de proteccedilatildeo da sauacutede das demais pessoas ndash isso tudo visando a afastar os efeitos colaterais

possiacuteveis jaacute anteriormente tratados268

A partir das situaccedilotildees assentadas vislumbra-se que a inclusatildeo do denominado

elemento instrumental (respeito agrave previsatildeo de aparato de infraestrutura miacutenimo a ser

disponibilizado para as accedilotildees e serviccedilos compromissados) no miacutenimo existencial do direito agrave

sauacutede se por um lado natildeo soluciona definitivamente a problemaacutetica da efetividade do direito

agrave sauacutede por outro consiste em importante mecanismo para o avanccedilo da concretizaccedilatildeo desse

direito visto que atua diretamente na raiz do principal problema da sauacutede puacuteblica no paiacutes que

eacute exatamente as peacutessimas condiccedilotildees de infraestrutura baacutesica condiccedilotildees estas que conforme

se veraacute adiante na maioria das vezes refletem uma realidade totalmente dissonante da

projetada e compromissada nas poliacuteticas puacuteblicas

Eacute exatamente na noccedilatildeo acima aclarada que reside a outra faceta desse elemento

instrumental como espeacutecie de portal de abertura que proporcionaraacute a almejada ampliaccedilatildeo

progressiva desse miacutenimo Isso porque o cumprimento desse elemento instrumental eacute calcado

268

Corroborando com esse raciociacutenio nas decisotildees mais recentes sobre direito agrave sauacutede no STF (SL 228 STA

238 268 e 277) todas de lavra do Ministro Gilmar Mendes caminhou-se no sentido de que a garantia judicial da

prestaccedilatildeo individual de sauacutede prima facie estaria condicionada ao natildeo comprometimento do funcionamento do

SUS natildeo havendo interferecircncia indevida quando a ordem judicial termina por deferir prestaccedilatildeo de sauacutede jaacute

prevista no SUS Por outro lado quando o pedido estivesse fora das poliacuteticas puacuteblicas seria possiacutevel ponderar o

objeto do pedido com a capacidade do SUS de arcar com as despesas da parte mas tambeacutem com as despesas de

todos os outros cidadatildeo que se encontrem em situaccedilatildeo idecircntica WANG Daniel Wei Liang Escassez de

recursos custos dos direitos e reserva do possiacutevel na jurisprudecircncia do STF In SARLET Ingo Wolfgang e

TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre

Livraria do Advogado 2010 358

129

por um dinamismo que garante a elasticidade do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede jaacute que

pontualmente novas prestaccedilotildees em sauacutede podem acabar se revestindo da proteccedilatildeo dada agraves

prestaccedilotildees materiais prioritaacuterias incluiacutedas no miacutenimo em sauacutede antes elencados

Explicando melhor jaacute foi visto que toda vez que o Judiciaacuterio enfrentando uma

situaccedilatildeo em que se exige uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial em sauacutede poreacutem inclusa

em uma poliacutetica puacuteblica acabar constatando o descumprimento do miacutenimo de infraestrutura

previsto para a realizaccedilatildeo da referida poliacutetica nasceraacute uma presunccedilatildeo em favor cidadatildeo no

sentido de ter a prestaccedilatildeo daquela poliacutetica realizada natildeo sendo possiacutevel o Estado alegar

reserva do possiacutevel nesses casos

Pois bem infere-se desse raciociacutenio que a partir da necessidade de se respeitar esse

elemento instrumental diversas prestaccedilotildees materiais poderatildeo ser alcanccediladas judicialmente

sem que se discuta reserva do possiacutevel frente agrave presunccedilatildeo que nasce em favor do cidadatildeo de

ter direito agrave prestaccedilatildeo pleiteada jaacute que o Estado natildeo cumpre nem o que minimamente foi

planejado e projetado quando da elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em questatildeo

Desta maneira em que pese natildeo significar o automaacutetico acoplamento dessas novas e

indefinidas prestaccedilotildees (variaacuteveis conforme o caso concreto) ao grupo dos elementos materiais

do miacutenimo existencial em sauacutede o dever de corrigir o descumprimento do elemento

instrumental tem o condatildeo de conferir um tratamento de miacutenimo existencial a novas

prestaccedilotildees pelo menos de forma indireta jaacute que na praacutetica a falha estatal nesse ponto

funciona como uma espeacutecie de confissatildeo de sua ineficiecircncia daiacute se falar em dinamismo desse

elemento instrumental apto a contribuir para uma ampliaccedilatildeo progressiva do miacutenimo

existencial material

Nesse sentido aleacutem de elasticamente permitir uma ampliaccedilatildeo indireta das prestaccedilotildees

materiais tratadas como miacutenimo existencial em sauacutede a sistemaacutetica acima funciona como

importante ferramenta para a identificaccedilatildeo das prioridades em sauacutede da populaccedilatildeo jaacute que o

exame das diversas demandas judiciais na temaacutetica do direito agrave sauacutede poderaacute identificar onde

exatamente o Estado mais falha com a populaccedilatildeo podendo-se conferir assim uma roupagem

de prioridade em sauacutede a novas prestaccedilotildees natildeo advinda diretamente da Constituiccedilatildeo mas da

realidade faacutetica

Do afirmado acima jaacute se pode alcanccedilar uma importante constataccedilatildeo qual seja a noccedilatildeo

de que o manto da discricionariedade na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas natildeo pode ser

tido como uma maacutexima absoluta jaacute que quando tais poliacuteticas satildeo elaboradas o proacuteprio Poder

Puacuteblico estratifica documentalmente o que minimamente deve ser disponibilizado e quais

metas se incluem naquela poliacutetica sendo assim de suma importacircncia o controle fiscalizaccedilatildeo

130

e acompanhamento do fiel cumprimento dos compromissos sinalizados em tais poliacuteticas como

forma de averiguar a eficiecircncia das mesmas e o respeito agrave concretizaccedilatildeo praacutetica do direito agrave

sauacutede

Dito isto eacute relevante se ter em mente que satildeo situaccedilotildees completamente distintas a

hipoacutetese de intromissatildeo judicial em poliacuteticas puacuteblicas a partir da invasatildeo do campo de

discricionariedade que eacute iacutensito ao Executivo com a imposiccedilatildeo de modificaccedilotildees em tais

poliacuteticas ndash ou ateacute mesmo a ocorrecircncia de implementaccedilatildeo de poliacuteticas pelo proacuteprio Judiciaacuterio ndash

da hipoacutetese de o Judiciaacuterio poder aferir se os compromissos miacutenimos firmados estatildeo sendo

cumpridos especialmente relacionados agrave infraestrutura miacutenima pactuada e

consequentemente se os valores direcionados para tais fins estatildeo sendo corretamente

aplicados

Conclui-se que o escopo chave da inclusatildeo desse elemento instrumental no miacutenimo

existencial do direito agrave sauacutede eacute o de sugerir uma linha de orientaccedilatildeo concreta que

funcionando como um criteacuterio valioso para o Judiciaacuterio facilite o enfrentamento da

problemaacutetica da falta de efetividade desse relevante direito social amenizando assim os

possiacuteveis efeitos colaterais (jaacute tratados) marcantes em decisotildees que preocupadas apenas com

a micro-justiccedila do caso concreto terminam por comprometer o direito agrave sauacutede quando

pensado de maneira coletiva

Nesse sentido em que pese agrave proposta acima delineada parecer complexa eacute certo que

sua viabilidade poderaacute ser alcanccedilada a partir da consolidaccedilatildeo de uma cultura calcada no

conhecimento preacutevio das metas que satildeo estimadas no acircmbito da legislaccedilatildeo do SUS e nesse

contexto conforme se veraacute melhor a seguir eacute inequiacutevoco que existem previsotildees que

especificam a obrigaccedilatildeo de se disponibilizar infraestrutura miacutenima a partir de paracircmetros

objetivos como por exemplo a quantidade miacutenima de meacutedicos leitos em hospitais

equipamentos etc

Importante reforccedilar ainda que as determinaccedilotildees judiciais que comprovadamente

apontarem para a ineficiecircncia e aplicaccedilatildeo inconstitucional da verba destinada para a sauacutede

puacuteblica devem ser acompanhadas da consequente apuraccedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo das

autoridades e gestores envolvidos em tais atos de negligecircncia e afronta ao direito agrave sauacutede269

Concluindo se por um lado admite-se que a concretizaccedilatildeo praacutetica de tal medida eacute

algo complexo por outro natildeo haacute duacutevida de que a mesma aleacutem de funcionar como importante

269

Corroborando com esse pensamento o art 52 da Lei do SUS leciona que ldquosem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees

cabiacuteveis constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas puacuteblicas (Coacutedigo Penal art 315) a utilizaccedilatildeo

de recursos financeiros do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta leirdquo

131

instrumento no combate da ineficiecircncia do direito agrave sauacutede carrega em sua essecircncia um

importante efeito moralizador dirigido aos Poderes Executivo e Legislativo no sentido de que

os mesmos corrijam as distorccedilotildees geradas por suas accedilotildees (ou inaccedilotildees) evitando-se que os

seguidos erros se tornem recorrentes

Para fechar a contribuiccedilatildeo da presente pesquisa na construccedilatildeo do miacutenimo existencial

em espeacutecie para o direito agrave sauacutede natildeo se pode avanccedilar sem abordar o ponto central da

argumentaccedilatildeo levantada que eacute exatamente a existecircncia de paracircmetros para se aferir a

eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede especialmente o respeito ao miacutenimo estimado para

a viabilizaccedilatildeo das mesmas A identificaccedilatildeo dos documentos que veiculam tais paracircmetros eacute

portanto o objeto do toacutepico que se segue

53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS

PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO EXISTENCIAL

RELATIVO A ESSE DIREITO

Conforme jaacute adiantado no capiacutetulo segundo a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil

estaacute assentada em diversos dispositivos da CF de 1988 bem como na regulamentaccedilatildeo trazida

tanto pela Lei Federal nordm 808090 quanto pela Lei Federal 814290 destacando-se tambeacutem

a recente Lei Complementar Federal nordm 1412012

Todavia tais normas por serem gerais e abstratas natildeo constituem instrumentos haacutebeis

a especificar tatildeo detalhadamente como seraacute estruturada a garantia do direito agrave sauacutede uma vez

que diversos fatores podem influenciar a forma com que essa garantia se procederaacute e

portanto pela dinamicidade inerente a esse processo satildeo algumas normas de menor

hierarquia que melhor apresentam as minuacutecias das poliacuteticas que buscaratildeo efetivar tanto a

legislaccedilatildeo acima apontada como a proacutepria Constituiccedilatildeo

Desta maneira haacute um caminho loacutegico a ser seguido e respeitado o qual engloba

diferentes niacuteveis do raio de abrangecircncia da proteccedilatildeo e garantia do direito agrave sauacutede Veja-se

i em primeiro lugar a Carta Maior prevecirc

i1 que o direito agrave sauacutede deveraacute ser garantido mediante poliacuteticas sociais e

econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedilas e de outros agravos e ao

acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo

132

i2 que cabe ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre a

regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede as quais

integram uma rede regionalizada e hierarquizada constituindo um sistema

uacutenico

ii em segundo lugar a Lei Federal nordm 808090 dispotildee de maneira geral sobre

as condiccedilotildees para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo

e o funcionamento dos serviccedilos correspondentes trazendo diretrizes e

principais objetivos a serem seguidos pelo SUS e

ii em terceiro lugar a Lei Federal nordm 814290 e a Lei Complementar Federal nordm

1412012 apresentam respectivamente disposiccedilotildees de suma relevacircncia sobre

a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS e as transferecircncias

intergovernamentais de recursos na aacuterea de sauacutede bem como sobre os criteacuterios

de rateio dos recursos para a sauacutede e normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e

controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferas de governo

Esse terceiro momento trata de situaccedilotildees especiacuteficas (e natildeo menos relevantes) cuja

anaacutelise se daraacute mais a frente Contudo no que se refere aos dois primeiros eacute certo que nasce

do exame dos mesmos a difiacutecil missatildeo de se extrair de maneira segura os paracircmetros que

delimitam quais as prestaccedilotildees em sauacutede que se cristalizam efetivamente como dever do

Poder Puacuteblico

A complexidade inerente a esse processo reside em dois aspectos jaacute pincelados ao

longo da presente pesquisa a dificuldade praacutetica de uma norma geral e abstrata apresentar

nuances de uma situaccedilatildeo que envolve inuacutemeras condicionantes e que necessita de alteraccedilotildees e

adaptaccedilotildees com grande frequecircncia bem como o fato de que a teacutecnica legislativa utilizada na

elaboraccedilatildeo dos dispositivos ligados agrave sauacutede constantes nesses dois niacuteveis (CF de 1988 e ldquoLei

do SUSrdquo) privilegia uma linha mais programaacutetica abraccedilando-se em diretrizes e princiacutepios

sem comprometer o Poder Puacuteblico de maneira muito especiacutefica Em suma prestigiam-se fins

a serem alcanccedilados mas natildeo satildeo dadas muitas pistas de como se chegar eficientemente aos

mesmos

Partindo das premissas postas defende-se o aprofundamento e maior divulgaccedilatildeo do

por assim dizer quarto niacutevel de normas protetivas do direito agrave sauacutede niacutevel este que se inicia

pelo conhecimento do quadro geral das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede abarcadas no acircmbito do

SUS e dos instrumentos legislativos sobretudo decretos e portarias do Ministeacuterio da Sauacutede

que as norteiam

133

Nesse contexto a exata compreensatildeo da organizaccedilatildeo e funcionamento do SUS eacute

primordial para a delimitaccedilatildeo desse niacutevel o que exige primeiro um maior detalhamento

quanto algumas especificidades da denominada ldquoLei do SUSrdquo

Segundo a Lei Federal nordm 808090 o dever do Estado de garantir a sauacutede se

materializa pela formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e pelo estabelecimento de

condiccedilotildees que assegurem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos constantes em

tais poliacuteticas constituindo o que se chama de SUS exatamente o conjunto dessas accedilotildees e

serviccedilos

Mais adiante satildeo elencados os objetivos e atribuiccedilotildees do SUS e nesse momento as

ldquodicasrdquo sobre o que pode ser exigido em sauacutede apesar de ainda natildeo tatildeo claras satildeo mais

palpaacuteveis jaacute que haacute previsatildeo no sentido de encontrar-se no campo de atuaccedilatildeo do SUS a

execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica de sauacutede do trabalhador e de

assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica

Quanto a este uacuteltimo elemento algumas observaccedilotildees natildeo podem deixar de serem

feitas Nesse contexto eacute imperioso ressaltar que recente e importante alteraccedilatildeo na Lei do

SUS instituiacuteda pela Lei Federal nordm 124012011 veio a incluir o capiacutetulo VIII (Da assistecircncia

terapecircutica e da incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede) que especifica a abrangecircncia do termo

assistecircncia terapecircutica e arrola paracircmetros para os casos de concessatildeo de medicamentos270

Nesse ponto resta esclarecido pela proacutepria ldquoLei do SUSrdquo (art 19-M) que a assistecircncia

terapecircutica integral abrange a disponibilizaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para

a sauacutede e a oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar ambulatorial e

hospitalar mas tudo isso conforme as diretrizes previamente definidas em protocolos cliacutenicos

e tabelas elaboradas no acircmbito do SUS271

270

Sobre a questatildeo da disponibilizaccedilatildeo de medicamentos por parte do Estado merece destaque a pesquisa

desenvolvida por Paul Hunt e Rajat Khosla que encara o acesso a medicamentos como um autecircntico direito

humano ao passo que ldquoos estados devem fazer todo o possiacutevel para assegurar que os medicamentos existentes

sejam disponibilizados em quantidade suficientes dentro do acircmbito de suas jurisdiccedilotildees Por exemplo eles

provavelmente teratildeo que utilizar alguns dos mecanismos de flexibilidaccedilatildeo da propriedade intelectual previstos

no Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comeacutercio (conhecido como

TRIPS) promulgando e aplicando leis internas que permitam a licenccedila compulsoacuteria Dessa maneira os Estados

assegurariam a disponibilidade de medicamentos em quantidade adequadas dentro de suas jurisdiccedilotildeesrdquo HUNT

Paul KHOSLA Rajat Acesso a medicamentos como um direito humano (trad Thiago Amparo) In Revista

Internacional de Direitos Humanos v5 n8 Satildeo Pulo jun 2008 p 104 271

Neste ponto depreende-se da leitura dos arts 19-N 19-O e 19-P que os protocolos cliacutenicos (documento que

estabelece criteacuterios para o diagnoacutestico de doenccedilas o tratamento medicamento posologia e mecanismo de

controle cliacutenico) e as diretrizes terapecircuticas devem estabelecer os medicamentos necessaacuterios nas diferentes fases

evolutivas da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede e na falta dos mesmos a dispensaccedilatildeo de medicamentos deve ser

realizada com base nas relaccedilotildees de medicamentos instituiacutedas pelo gestor federal do SUS observada a

responsabilidade pelo fornecimento pactuada na Comissatildeo Intergestores Tripartite

134

Avanccedilou-se ainda na soluccedilatildeo referente agrave celeuma quanto a dificuldade de se

estabelecer a responsabilidade financeira do fornecimento de tais medicamentos produtos

para a sauacutede ou procedimentos ao passo que no art 19-U esclareceu-se que tal

responsabilidade seraacute pactuada no acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite que envolve os

gestores dos trecircs niacuteveis federativos o que denota a importacircncia da ampla publicidade e

conhecimento dos atos dessa comissatildeo

Desta maneira constata-se que a recente alteraccedilatildeo legislativa significou um importante

passo para a soluccedilatildeo da problemaacutetica enfrentada nas demandas judiciais em que se pleiteia

medicamentos jaacute que haacute um maior esclarecimento em lei de paracircmetros a serem seguidos

pelo magistrado na busca pela soluccedilatildeo dos referidos casos tanto com relaccedilatildeo a

responsabilidade de cada ente quanto aos medicamentos que especificamente podem ser

pleiteados judicialmente

Fechando este parecircntese quanto aos medicamentos e seguindo na perquiriccedilatildeo dos

destaques da Lei do SUS que auxiliam na delimitaccedilatildeo das obrigaccedilotildees estatais em sauacutede tem-

se que no capiacutetulo referente aos princiacutepios do SUS elencados no art 7deg surgem as

importantes noccedilotildees de universalidade de acesso aos serviccedilos em todos os niacuteveis de assistecircncia

e de integralidade compreendida como conjunto articulado e contiacutenuo de accedilotildees e serviccedilos

preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de

complexidade do sistema noccedilotildees estas que funcionam como norte na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas

especiacuteficas em sauacutede puacuteblica

Mais a frente no rol das competecircncias da direccedilatildeo nacional e estadual do SUS (art 16

XI e art 17 IX) identifica-se a importante atribuiccedilatildeo de serem especificados os serviccedilos

estaduais e municipais de referecircncia nacional para o estabelecimento de padrotildees teacutecnicos de

assistecircncia agrave sauacutede aleacutem do dever da direccedilatildeo municipal de dar execuccedilatildeo agrave poliacutetica de insumos

e equipamentos para a sauacutede deixando claro o teor de tais disposiccedilotildees que ao proacuteprio SUS

cabe a tarefa de especificar certos padrotildees e metas a serem atingidas as quais serviratildeo para

atestar a viabilidade e eficiecircncia das poliacuteticas que vierem a ser executadas

Finalmente no capiacutetulo referente ao planejamento e orccedilamento do SUS eacute destacado

(arts 36 e 37) que os planos de sauacutede constituem os instrumentos-base das atividades e

programaccedilotildees de cada niacutevel de direccedilatildeo do SUS com financiamento previsto na respectiva

proposta orccedilamentaacuteria devendo as accedilotildees neles previstas passar necessariamente pelo crivo

oacutergatildeos deliberativos compatibilizando-se as necessidades da poliacutetica de sauacutede com a

disponibilidade de recursos

135

Da anaacutelise da Lei do SUS portanto se conclui que em que pese a referida lei ser clara

em apresentar um dever estatal para com a sauacutede este natildeo se encontra perfeitamente

delimitado jaacute que as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico em sua

maioria iratildeo depender de documentos que especifiquem o planejamento da sauacutede que estaacute em

andamento e quais accedilotildees e serviccedilos estatildeo abrangidas em tal plano

Nesse ponto importantiacutessimo passo foi dado com a promulgaccedilatildeo do Decreto nordm

750811 que regulamentando a Lei do SUS trouxe contribuiccedilotildees chaves sobre a organizaccedilatildeo

do SUS o planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa na

mateacuteria Eacute exatamente a anaacutelise desse importante instrumento que se faraacute a seguir

531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 750811 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees miacutenimas

em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico

Com vistas a fazer valer a necessidade de regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo da rede de

serviccedilos de sauacutede previstos na Lei do SUS o decreto em exame apresenta importantes

disposiccedilotildees que devem ser familiares ao dia a dia da sociedade (especialmente dos

representantes dos usuaacuterios nos Conselhos de Sauacutede) do Poder Judiciaacuterio e dos entes de

fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e os Tribunais de Contas)

Da anaacutelise dos diversos conceitos encontrados no aludido decreto depreende-se que a

loacutegica estrutural do SUS incentiva a formaccedilatildeo de regiotildees de sauacutede (espaccedilos geograacuteficos

contiacutenuos constituiacutedos por agrupamentos de municiacutepios limiacutetrofes272

) como forma de melhor

organizar o planejamento das accedilotildees e serviccedilos disponibilizados

Nesse contexto surgem dois instrumentos que satildeo de essencial valia o Contrato

Organizativo da Accedilatildeo Puacuteblica da Sauacutede e o Mapa de Sauacutede273

O primeiro consiste no acordo de colaboraccedilatildeo firmado entre os entes federativos com

a finalidade de organizar e integrar as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede na rede regionalizada e

hierarquizada apresentando importantes paracircmetros aos quais deve ser dada ampla

publicidade e que poderatildeo ser analisados pelo Judiciaacuterio no enfretamento de pleitos ligados ao

direito agrave sauacutede quais sejam a definiccedilatildeo de responsabilidades indicadores e metas de sauacutede

criteacuterios de avaliaccedilatildeo de desempenho recursos financeiros que seratildeo disponibilizados forma

272

Art 2deg I do Decreto nordm 750811 273

Art 2deg II e V do Decreto nordm 750811

136

de controle e fiscalizaccedilatildeo de sua execuccedilatildeo bem como outros elementos necessaacuterios agrave

implementaccedilatildeo do acordado

Ou seja sempre que existir accedilotildees integradas entre esferas de governo caracteriacutestica

que eacute a proacutepria tocircnica da estruturaccedilatildeo do SUS existiraacute um instrumento que estabeleceraacute

relevantes paracircmetros aptos a aferir a eficiecircncia do cumprimento do acordado sendo

imprescindiacutevel desta maneira a disponibilizaccedilatildeo de tal documento nas anaacutelises judiciais que

envolvam pleitos relativos a accedilotildees e serviccedilos de sauacutede

O Mapa de Sauacutede por sua vez consiste na descriccedilatildeo geograacutefica da distribuiccedilatildeo de

recursos humanos e de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ofertados pelo SUS que considera a

capacidade instalada existente os investimentos e o desempenho aferido a partir dos

indicadores de sauacutede do sistema consolidando-se tambeacutem como outro importante

instrumento a ser considerado no exame da eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em andamento jaacute

que contribuem para o estabelecimento de metas de sauacutede274

Assentados tais conceitos de se destacar novamente o relevante papel da Comissatildeo

Intergestores Tripartite (CIT) que dispotildee sobre as diretrizes gerais das regiotildees de sauacutede as

quais compreendem as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede (conjunto de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede

articulados em niacuteveis de complexidade crescente) e servem de referecircncia para as

transferecircncias de recursos entre os entes federativos

Sobre as regiotildees de sauacutede o referido decreto assevera que as mesmas deveratildeo conter

no miacutenimo accedilotildees e serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria urgecircncia e emergecircncia atenccedilatildeo

psicossocial atenccedilatildeo ambulatorial especializada e hospitalar e vigilacircncia em sauacutede275

Ainda

fica asseverado que as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede que estatildeo compreendidas nestas regiotildees

deveratildeo ter definidas em seu acircmbito pelos entes federativos que a englobam paracircmetros

importantes como os limites geograacuteficos a populaccedilatildeo usuaacuteria das accedilotildees e serviccedilos o rol das

accedilotildees que seratildeo ofertadas e as respectivas responsabilidades criteacuterios de acessibilidade e

escala para a conformaccedilatildeo dos serviccedilos

Pode-se observar que tais indicadores satildeo de suma relevacircncia para a afericcedilatildeo judicial

do enquadramento de determinada accedilatildeo ou serviccedilo como constante em determinada poliacutetica

puacuteblica visto que munido dos documentos que formalizam as regiotildees de sauacutede e as

respectivas redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede o magistrado poderaacute identificar se os requisitos miacutenimos

a serem instituiacutedos estatildeo sendo cumpridos bem como se o rol de accedilotildees estaacute sendo

274

Art 17 do Decreto nordm 750811 275

Art 5deg do Decreto nordm 750811

137

disponibilizados respeitando os criteacuterios de acessibilidade e escala da projeccedilatildeo de tais

serviccedilos

Mais adiante eacute ressaltada a importacircncia de ser assegurado aos usuaacuterios um acesso que

seja universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos do SUS impondo-se aos entes

federativos o dever de garantir a transparecircncia integralidade e equidade no acesso o qual

deveraacute ser monitorado bem como de orientar e ordenar os fluxos das accedilotildees e dos serviccedilos

que regionalmente ofertados satildeo guiados pelo garantia da continuidade do cuidado em sauacutede

em todas as modalidades276

Importantes diretrizes tambeacutem satildeo fixadas nos capiacutetulos referentes ao planejamento e

agrave assistecircncia em sauacutede Nesse ponto tem-se que o processo de planejamento da sauacutede

caracterizado por ser ascendente e integrado do niacutevel local ateacute o federal deveraacute

necessariamente passar pelos Conselhos de Sauacutede e buscaraacute a harmonia entre as necessidades

das poliacuteticas de sauacutede e a disponibilidade dos recursos financeiros devendo esta

compatibilizaccedilatildeo ser efetuada no acircmbito dos planos de sauacutede que satildeo exatamente o

resultado do planejamento integrado dos entes planejamento este que deveraacute conter metas a

serem atingidas277

Jaacute quanto agrave assistecircncia em sauacutede esta tem sua integralidade iniciada e completada na

rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede mediante referenciamento do usuaacuterio na rede regional e interestadual

conforme o pactuado nas Comissotildees Intergestores278

e a delimitaccedilatildeo de sua abrangecircncia se

baseia em dois importantiacutessimos paracircmetros a Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de

Sauacutede (RENASES) e a Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)

A RENASES279

compreende todas as accedilotildees e serviccedilos que o SUS oferece ao usuaacuterio

para atendimento da integralidade da assistecircncia agrave sauacutede cabendo ao Ministeacuterio da Sauacutede

observadas as diretrizes pactuadas pela CIT dispor sobre essa relaccedilatildeo e atualizaacute-la a cada dois

anos Para efeito de responsabilizaccedilatildeo deveratildeo os entes pactuar nas respectivas Comissotildees

Intergestores as suas responsabilidades em relaccedilatildeo ao rol de accedilotildees e serviccedilos constantes da

RENASES sem prejuiacutezo de os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios poderem adotar

relaccedilotildees especiacuteficas e complementares280

276

Arts 12 e 13 do Decreto nordm 750811 277

Art 15 do Decreto nordm 750811 278

Art 20 do Decreto nordm 750811 279

A mais recente atualizaccedilatildeo da RENASES foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 841 de 2

de maio de 2012 disponiacutevel em httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesrelacao_nacional_acoes_saudepdf

Acesso em 15062013 280

Arts 21 a 24 do Decreto nordm 750811

138

A RENAME281

por sua vez engloba a seleccedilatildeo e padronizaccedilatildeo de medicamentos

indicados para o atendimento de doenccedilas ou agravos no acircmbito do SUS282

e seraacute

acompanhada do Formulaacuterio Terapecircutico Nacional (FTN) o qual subsidiaraacute a prescriccedilatildeo

dispensaccedilatildeo e o uso dos seus medicamentos cabendo tambeacutem ao Ministeacuterio da Sauacutede

dispor sobre a mesma e atualizaacute-la a cada dois anos283

De igual maneira poderatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios adotar

relaccedilotildees especiacuteficas e complementares de medicamentos as quais sintonizadas com a loacutegica

da RENAME devem respeitar as responsabilidades dos entes pelo financiamento de

medicamentos de acordo com o pactuado nas Comissotildees Intergestores sendo certo que tanto

a RENAME quanto tais relaccedilotildees complementares somente poderatildeo conter produtos com

registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA284

)

Outra questatildeo relevante e que deve ser levada em consideraccedilatildeo pelo magistrado ao

enfrentar uma demanda envolvendo a disponibilizaccedilatildeo de um medicamento eacute a contribuiccedilatildeo

do decreto em exame no que se refere agrave especificaccedilatildeo dos requisitos imprescindiacuteveis para que

seja garantido o acesso universal e igualitaacuterio agrave assistecircncia farmacecircutica com base no

RENAME

Nesse contexto cumulativamente devem estar o usuaacuterio assistido por accedilotildees e

serviccedilos abrangidos pelo SUS ter o medicamento sido prescrito por profissional de sauacutede no

exerciacutecio regular de suas funccedilotildees no SUS estar a prescriccedilatildeo em conformidade com a

RENAME e os Protocolos Cliacutenicos e Diretrizes Terapecircuticas e ter a dispensaccedilatildeo ocorrido

necessariamente em unidades indicadas pela direccedilatildeo do SUS285

Tais requisitos reforccedilam a necessidade de que o elemento instrumental do miacutenimo

existencial em sauacutede proposto deve necessariamente abranger natildeo somente a infraestrutura

fiacutesica suficiente (hospitais equipados com leitos suficientes e equipamentos) para atender as

demandas da regiatildeo em questatildeo mas tambeacutem a disponibilidade miacutenima de meacutedicos e

remeacutedios estimados

281

A mais recente atualizaccedilatildeo da RENAME foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 533 de 28

de marccedilo de 2012 disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfCONITECPORTARIAMS5332012pdf Acesso em 15062013 282

A RENAME nasce da identificaccedilatildeo com base na situaccedilatildeo epidemioloacutegica dos maiores problemas de sauacutede e

os medicamentos baacutesicos indispensaacuteveis para seu tratamento os quais devem estar continuamente disponiacuteveis

para a populaccedilatildeo que deles necessita DALLARI Sueli Gandolfi Poliacuteticas de Estado e poliacuteticas de governo o

caso da sauacutede puacuteblica In Poliacuteticas Puacuteblicas Reflexotildees sobre o conceito juriacutedico Maria Paula Dallari Bucci

(org) Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 259 283

Arts 25 e 26 do Decreto nordm 750811 284

Art 27 e 29 do Decreto nordm 750811 285

Art 28 do Decreto nordm 750811

139

Finalmente importantes contribuiccedilotildees referentes agrave articulaccedilatildeo entre os entes federados

satildeo apresentadas pelo decreto em anaacutelise sobretudo no que diz respeito agraves atribuiccedilotildees das

comissotildees intergestores e a elaboraccedilatildeo do jaacute mencionado contrato organizativo de accedilatildeo

puacuteblica da sauacutede

Nesse sentido essas comissotildees exercem um papel de suma importacircncia na

funcionalidade geral do SUS jaacute que a partir delas satildeo pactuados os aspectos operacionais

financeiros e administrativos da gestatildeo compartilhada do sistema de acordo com a definiccedilatildeo

da poliacutetica de sauacutede dos entes federativos balizada nos planos de sauacutede e aprovadas pelos

respectivos conselhos de sauacutede286

Cabe a tais comissotildees dessa forma a elaboraccedilatildeo das diretrizes gerais sobre as regiotildees

de sauacutede e sobre a organizaccedilatildeo das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede com o correspondente

estabelecimento das responsabilidades dos entes federativos287

a partir do contrato

organizativo instrumento que consubstancia o acordo de colaboraccedilatildeo entre os entes sobre a

organizaccedilatildeo da rede interfederativa de atenccedilatildeo agrave sauacutede

O referido instrumento eacute bastante relevante para o exame judicial dos pleitos na

temaacutetica do direito agrave sauacutede sendo indispensaacutevel sua apresentaccedilatildeo em juiacutezo jaacute que o mesmo

funciona como um elemento delimitativo das diversas circunstacircncias que envolvem as

poliacuteticas puacuteblicas principalmente quanto agrave parcela de responsabilizaccedilatildeo de cada esfera

federativa e quanto agrave fiscalizaccedilatildeo da execuccedilatildeo das mesmas aleacutem de apresentar enorme valia

tanto para a delimitaccedilatildeo do elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede quanto

para perquiriccedilatildeo acerca do enquadramento de determinado pleito em alguma poliacutetica em

andamento

Desta feita prevecirc o Decreto nordm 750811 que eacute no mencionado contrato organizativo

que deveratildeo constar as responsabilidades individuais e solidaacuterias dos entes federativos com

relaccedilatildeo agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede os indicadores e as metas de sauacutede os criteacuterios de

avaliaccedilatildeo de desempenho a discriminaccedilatildeo dos recursos financeiros que estatildeo sendo

disponibilizados por cada um dos partiacutecipes bem como a forma de controle e fiscalizaccedilatildeo da

sua execuccedilatildeo e demais elementos necessaacuterios agrave implementaccedilatildeo integrada das accedilotildees e serviccedilos

de sauacutede288

Quanto agrave importacircncia do preacutevio conhecimento do Judiciaacuterio acerca das

responsabilidades de cada ente bem como da contribuiccedilatildeo financeira que cada um

286

Art 32 I do Decreto nordm 750811 287

Art 32 II III e IV do Decreto nordm 750811 288

Art 35 do Decreto nordm 750811

140

disponibiliza para as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede serem implementados algumas observaccedilotildees

merecem maior ecircnfase sobretudo no que se refere ao elemento instrumental jaacute defendido

anteriormente

Quando uma decisatildeo judicial natildeo se preocupa em averiguar o que foi pactuado

previamente entre os entes e simplesmente reconhece uma responsabilidade solidaacuteria ou

meramente responsabiliza um dos entes a partir de um criteacuterio aleatoacuterio que natildeo se coaduna

com o que foi previamente pactuado conforme as disposiccedilotildees da Lei do SUS e do decreto que

a regulamenta isso acaba gerando uma grave desorganizaccedilatildeo do proacuteprio sistema gerando

severos efeitos colaterais

Isso porque como jaacute eacute definido previamente qual prestaccedilatildeo material caberaacute a cada

ente ou quais seratildeo solidaacuterias haveraacute tambeacutem de maneira preacutevia uma estipulaccedilatildeo acerca dos

dispecircndios de cada ente (seja que seratildeo repassados ou diretamente utilizados) bem como uma

imprescindiacutevel organizaccedilatildeo estrutural antecedente para que cada um realize suas

responsabilidades

Desta maneira quando uma decisatildeo judicial decide contrariamente a tal conteuacutedo jaacute

pactuado a loacutegica do sistema se desorganiza levando primeiro a ocorrecircncia de dispecircndios

em duplicidade uma vez que em muitos casos um ente jaacute repassou os valores legais para o

ente responsaacutevel pela execuccedilatildeo da accedilatildeo ou serviccedilo e termina sendo condenado a pagar de

novo e segundo ao relaxamento dos gestores em sauacutede jaacute que alguns ficam inertes agrave espera

de decisotildees judiciais para agir gerando um ciacuterculo vicioso

Por sua vez quando o Judiciaacuterio se preocupa em fazer valer o previamente definido

haacute uma contribuiccedilatildeo para o proacuteprio SUS jaacute que natildeo soacute restam evitados os efeitos colaterais

acima mencionados como tambeacutem se coopera para a formaccedilatildeo de dados estatiacutesticos sobre as

possiacuteveis falhas na prestaccedilatildeo o que termina por forccedilar uma melhor programaccedilatildeo do gestor

condenado visando agrave correccedilatildeo dos problemas mais recorrentes

Conclui-se assim que ao inveacutes de contribuir com a concretizaccedilatildeo do direito em

exame o Judiciaacuterio quando decide sem esse compromisso investigativo de buscar condenar

quem eacute o responsaacutevel com base nas previsotildees da poliacutetica puacuteblica em vigor acaba

prejudicando a macrojusticcedila circundante ao direito agrave sauacutede jaacute que a proacutepria organizaccedilatildeo do

SUS restaraacute prejudicada289

289

Corroborando com o posicionamento acima a Advogada da Uniatildeo Gabriela Moreira Castro assevera que ldquoEacute

preciso estudar racionalmente como se organiza o SUS nessa mateacuteria a fim de se impor a obrigaccedilatildeo a quem eacute

diretamente responsaacutevel pelo seu atendimento e dessa forma possibilitar o tratamento da melhor maneira a

quem dele necessita () Em geral os juiacutezes se satisfazem ao fundamentar suas decisotildees com base nas garantias

constitucionais agrave sauacutede e agrave vida ou com base na solidariedade entre as pessoas poliacuteticas em mateacuteria sanitaacuteria

141

Nesse contexto defende-se que sempre tais contratos organizativos firmados entre os

entes sejam previamente consultados e respeitados somente se decretando a

responsabilizaccedilatildeo solidaacuteria como uacuteltimo artifiacutecio necessaacuterio a se evitar a lesatildeo do direito

Feitas tais digressotildees destaca-se finalmente na sequecircncia da anaacutelise dos principais

pontos do Decreto nordm 750811 que partindo da ideia de humanizaccedilatildeo do atendimento do

usuaacuterio como fator determinante para o estabelecimento das metas de sauacutede deve o jaacute antes

referido contrato organizativo observar algumas diretrizes para fins de garantia da gestatildeo

participativa destacando-se a incorporaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do usuaacuterio das accedilotildees e serviccedilos como

ferramenta de melhoria das estrateacutegias em sauacutede a permanente apuraccedilatildeo das necessidades e

interesses do usuaacuterio e a necessidade de ser dada publicidade aos direitos e deveres dos

usuaacuterios em todas as unidades de sauacutede do SUS inclusive nas unidades privadas que dele

participem complementarmente290

532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a

delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede

Em meados de marccedilo de 2006 atraveacutes da Portaria nordm 687 do Ministeacuterio da Sauacutede foi

aprovada a Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede (PNPS) considerada a matildee291

de todas as

poliacuteticas de sauacutede do paiacutes A partir desse momento intensificou-se a busca por uma maior

articulaccedilatildeo entre as trecircs esferas federativas com vistas a possibilitar uma maior eficiecircncia e

qualidade nas accedilotildees e serviccedilos disponibilizadas pelo SUS

Foi nesse contexto que em 2006 nasceu o Pacto pela Sauacutede por forccedila da Portaria nordm

399 do Ministeacuterio da Sauacutede o qual aprovado no Conselho Nacional de Sauacutede e pactuado no

acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite jaacute mencionada teve o propoacutesito de facilitar

muitas vezes meramente citando o artigo 196 da Constituiccedilatildeo para alegar que a sauacutede eacute dever do Estado No

entanto os magistrados comumente falham em analisar a fundo a diretriz constitucional da descentralizaccedilatildeo do

Sistema que faz parte da poliacutetica puacuteblica do SUS Esquecem-se de que o artigo 196estatui que a sauacutede eacute

realmente dever do Estado poreacutem bdquogarantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas‟ dentre as quais se

encontra a poliacutetica da descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo () Os julgadores carecem tambeacutem em considerar a

legislaccedilatildeo ordinaacuteria e as diversas normas que regulam especificamente o bloco de financiamento do SUSrdquo

CASTRO Gabriela Moreira Consideraccedilotildees sobre as decisotildees judiciais que tratam de atos referentes ao

bloco de financiamento do Sistema Uacutenico de Sauacutede chamado de Atenccedilatildeo de Meacutedia e Alta Complexidade

Ambulatorial e Hospitalar

Disponiacutevel em httpportalsaudesaudegovbrportalsaudearquivospdf2012Jan18decisoesjudiciaispdf

Acessado em 18062013 290

Arts 37 e 38 do Decreto nordm 750811 291

Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 56 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013

142

acordos entre as esferas de governo mediante a redefiniccedilatildeo de responsabilidades coletivas e a

promoccedilatildeo de novos processos e instrumentos de gestatildeo do SUS

O mencionado pacto surge assim atraveacutes de um compromisso puacuteblico assumido pelos

gestores do SUS apresentando trecircs componentes o Pacto Pela Vida o Pacto em Defesa do

SUS e o Pacto de Gestatildeo devendo a formalizaccedilatildeo do mesmo ocorrer com a assinatura do

Termo de Compromisso de Gestatildeo (TCG) entre os entes federativos momento em que satildeo

firmados os objetivos metas atribuiccedilotildees e responsabilidades dos gestores

O Pacto pela Vida292

engloba um conjunto de compromissos sanitaacuterios elencados com

base em anaacutelises da situaccedilatildeo da sauacutede do Paiacutes e das prioridades definidas pelos governos das

trecircs esferas federativas significando uma accedilatildeo prioritaacuteria no campo de sauacutede que deveraacute ser

executada com foco em resultados e com a explicitaccedilatildeo inequiacutevoca dos compromissos

orccedilamentaacuterios e financeiros para o alcance desses resultados293

Dentre as prioridades do Pacto pela Vida estaacute a consolidaccedilatildeo da estrateacutegia Sauacutede da

Famiacutelia como modelo de atenccedilatildeo baacutesica e centro ordenador das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede no

SUS bem como o fortalecimento da atenccedilatildeo baacutesica que engloba dentre outros objetivos a

necessidade de se garantir a infraestrutura necessaacuteria ao funcionamento das Unidades Baacutesicas

de Sauacutede dotando-as de recursos materiais equipamentos e insumos suficientes para se

realizar o conjunto de accedilotildees e serviccedilos propostos ponto que se harmoniza com o elemento

instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede defendido294

Partindo disso a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica295

se estrutura por meio de um

processo que leva em consideraccedilatildeo certos indicadores da atenccedilatildeo baacutesica estabelecendo-se

metas anuais a serem alcanccediladas a partir de tais indicadores visando a garantir a

resolutividade desse setor

Nesse sentido haacute previsatildeo especiacutefica (ldquoda infraestrutura e dos recursos necessaacuteriosrdquo)

no instrumento legal que estrutura a poliacutetica em questatildeo sobre os itens que satildeo elementares

para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica destacando-se que a existecircncia de unidades

baacutesicas de sauacutede (UBS) que disponibilizem equipe multiprofissional consultoacuterio meacutedico

odontoloacutegico e de enfermagem aacuterea de recepccedilatildeo sala de vacina sala de cuidados baacutesicos

292

Cabe agrave Portaria MS nordm 6992006 do Ministeacuterio da Sauacutede a regulamentaccedilatildeo das diretrizes operacionais dos

Pactos pela Vida e de Gestatildeo 293

Anexo I inciso I da Portaria MS nordm 3992006 294

Anexo II inciso I F da Portaria MS nordm 3992006 295

Aprovada pela Portaria MS nordm 6482006

143

equipamentos e materiais adequados ao elenco das accedilotildees propostas manutenccedilatildeo regular de

estoque dos insumos necessaacuterios296

No mesmo dispositivo eacute ressaltado um importantiacutessimo paracircmetro para a atenccedilatildeo

baacutesica que eacute a quantidade de UBS que devem existir nos grandes centros urbanos sendo

apontado que UBS sem o programa Sauacutede da Famiacutelia devem englobar ateacute 30 (trinta) mil

habitantes e as que possuem tal programa devem abranger apenas 12 (doze) mil habitantes

Seguindo tem-se que o Pacto em Defesa do SUS297

por sua vez busca reforccedilar o SUS

como poliacutetica de Estado mais do que uma poliacutetica de governo visando a defender seus

princiacutepios constitucionais basilares a partir de uma repolitizaccedilatildeo da sauacutede que passa a ser

encarada como um direito de cidadania e apresenta dentre suas prioridades por exemplo o

incremento a longo prazo dos recursos orccedilamentaacuterios e financeiros para a sauacutede e a

elaboraccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Carta dos Direitos dos Usuaacuterios do SUS298

Antes de avanccedilar para o proacuteximo componente do Pacto pela Sauacutede faz-se relevante

destacar alguns aspectos da referida carta jaacute que seu conteuacutedo eacute rico em disposiccedilotildees que

podem figurar como paracircmetros para a apreciaccedilatildeo judicial das demandas em sauacutede

Nesse contexto a cartilha se estrutura a partir de seis princiacutepios baacutesicos dos quais

decorrem disposiccedilotildees especiacuteficas quais sejam i todo cidadatildeo tem direito ao acesso ordenado

e organizado aos sistemas de sauacutede ii todo cidadatildeo tem direito a tratamento adequado e

efetivo para seu problema iii todo cidadatildeo tem direito ao atendimento humanizado

acolhedor e livre de qualquer discriminaccedilatildeo iv todo cidadatildeo tem direito a atendimento que

respeite a sua pessoa seus valores e seus direitos v todo cidadatildeo tambeacutem tem

responsabilidades para que seu tratamento aconteccedila de forma adequada e vi todo cidadatildeo

tem direito ao comprometimento dos gestores da sauacutede para que os princiacutepios anteriores

sejam cumpridos

Em que pese tais balizas natildeo exprimirem por si soacute obrigaccedilotildees diretas ao Poder

Puacuteblico quando satildeo elencados os desdobramentos de cada uma dessas diretrizes vislumbram-

se importantes disposiccedilotildees que contribuem profundamente para o enfretamento de pleitos

judiciais em mateacuteria de direito agrave sauacutede jaacute que como o Poder Puacuteblico por meio de ato oficial

encara certas situaccedilotildees como autecircnticos direitos do usuaacuterio nada mais correto que seja

cobrado o respeito pelos gestores puacuteblicos de tais disposiccedilotildees

296

Anexo capiacutetulo I 3 (Da infraestrutura e dos Recursos Necessaacuterios) da Portaria MS ndeg 6482006 297

Anexo I inciso II da Portaria MS nordm 3992006 298

Aprovada pela Portaria MS nordm 6752006 Disponiacutevel em

httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoescarta_direito_usuarios_2ed2007pdf Acesso em 17062013

144

Quanto agraves disposiccedilotildees do primeiro princiacutepio pode ser destacado o tratamento dado agraves

situaccedilotildees de emergecircncia cujo atendimento deveraacute ser prestado de maneira incondicional e em

qualquer unidade devendo-se em caso de risco de vida ser garantida a remoccedilatildeo segura do

usuaacuterio para um estabelecimento em condiccedilotildees de recebecirc-lo Ainda eacute imposta como

responsabilidade do gestor local em caso de limitaccedilatildeo circunstancial na capacidade de

atendimento do serviccedilo de sauacutede a pronta soluccedilatildeo das condiccedilotildees para o acolhimento do

usuaacuterio admitindo-se priorizaccedilotildees apenas com base em criteacuterios de vulnerabilidade cliacutenica e

social299

No que se refere ao segundo princiacutepio desdobram-se importantes responsabilidades ao

Poder Puacuteblico jaacute que eacute conferido aos usuaacuterios do SUS o direito de ter atendimento resolutivo

com qualidade com garantia de continuidade de atenccedilatildeo mediante tecnologia apropriada e

condiccedilotildees de trabalho adequadas para os profissionais da sauacutede300

Da mesma forma eacute

expressamente previsto o direito ao acesso agrave anestesia em todas as situaccedilotildees em que for

indicada bem como medicaccedilotildees e procedimentos que possam aliviar a dor e o sofrimento301

Com relaccedilatildeo ao terceiro princiacutepio pode-se destacar o direito do usuaacuterio de nas

consultas internaccedilotildees e procedimentos ter assegurados sua integridade fiacutesica seu bem-estar

fiacutesico e mental e notadamente sua privacidade e conforto o que corrobora com a necessidade

de ser disponibilizada a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para tais direitos serem

garantidos302

No que tange ao quarto princiacutepio as disposiccedilotildees satildeo mais voltadas agrave possibilidade do

usuaacuterio ter sua opiniatildeo valorizada no acircmbito do SUS merecendo atenccedilatildeo a garantia de

comunicabilidade com os gestores de sauacutede para apresentaccedilatildeo de sugestotildees e denuacutencias

atraveacutes dos serviccedilos de ouvidoria bem como o direito dos usuaacuterios participarem do processo

de eleiccedilatildeo de seus representantes nas conferecircncias de sauacutede realizadas pelos conselhos303

Jaacute o foco do paraacutegrafo quinto como jaacute afirmado eacute apontar as responsabilidades que

cabem ao proacuteprio usuaacuterio compreendendo dentre outras atribuiccedilotildees o dever de informar de

maneira apropriada os indicadores de sua condiccedilatildeo de sauacutede bem como de seguir o plano de

tratamento recomendado pelo profissional304

299

Princiacutepio 1 II III e V da Portaria MS nordm 6752006 300

Tal direito aproxima-se da ideia de elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede o qual

como defendido engloba a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos previstas nas

poliacuteticas puacuteblicas 301

Princiacutepio 2 caput I IV e V da Portaria MS nordm 6752006 302

Princiacutepio 3 III da Portaria MS nordm 6752006 303

Princiacutepio 4 XII e XIII da Portaria MS nordm 6752006 304

Princiacutepio 5 I e III da Portaria MS nordm 6752006

145

O paraacutegrafo sexto por sua vez arrola os deveres que competem a cada esfera

federativa no acircmbito da gestatildeo do SUS cabendo especialmente i aos Municiacutepios a

celebraccedilatildeo de contratos e convecircnios com entidades prestadoras de serviccedilos privados de sauacutede

e a garantia do fornecimento de medicamentos ii aos Estados a coordenaccedilatildeo da rede

estadual de laboratoacuterios de sauacutede puacuteblica e hemocentros e iii agrave Uniatildeo a prestaccedilatildeo de

cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira aos Estados e Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo das

coordenadas dos sistemas de rede integradas de alta complexidade305

Finalmente o Pacto de Gestatildeo do SUS visa a estabelecer as responsabilidades de cada

ente federado de forma a diminuir as competecircncias concorrentes e a tornar mais claro as

atribuiccedilotildees de cada um aleacutem de buscar explicitar as diretrizes para o sistema de financiamento

puacuteblico tripartite e reiterar a importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social como o

compromisso de apoio agrave sua qualificaccedilatildeo o que em uacuteltima anaacutelise termina fortalecendo a

gestatildeo compartilhada e solidaacuteria do SUS306

No acircmbito do Pacto de Gestatildeo satildeo ressaltadas as diretrizes constitucionais de

descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo do SUS ganhando relevo dois importantes instrumentos de

planejamento da regionalizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede o Plano Diretor de

Regionalizaccedilatildeo (PDR) e a Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede (PPI)

O PDR exprime o desenho final do processo de identificaccedilatildeo e reconhecimento das

regiotildees de sauacutede em suas diferentes formas com o intuito de garantir sobretudo a

integralidade da atenccedilatildeo aliada agrave racionalizaccedilatildeo de gastos e otimizaccedilatildeo de recursos O PDI

por sua vez deve expressar os recursos de investimentos para acolher as necessidades

acordadas no processo de planejamento regional e estadual devendo tal instrumento refletir

no acircmbito regional especialmente as carecircncias a serem corrigidas visando a suficiecircncia na

atenccedilatildeo baacutesica307

Quanto ao aspecto orccedilamentaacuterio eacute certo que o Pacto pela Sauacutede representou um

significativo avanccedilo para a organizaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos recursos jaacute que antes dele existiam

mais de cem formas de repasses e agora os estados e municiacutepios passaram a receber os

recursos federais concentrados em cinco blocos de financiamento i atenccedilatildeo baacutesica ii

atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade iii vigilacircncia em sauacutede iv assistecircncia farmacecircutica e

v gestatildeo do SUS308

305

Princiacutepio 6 II da Portaria MS nordm 6752006 306

Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 307

Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 308

Ministeacuterio da Sauacutede Entendendo o SUS p 6 2006 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfcartilha_entendendo_o_sus_2007pdf Acesso em 14062013

146

No que tange agrave atenccedilatildeo baacutesica por exemplo haacute importante previsatildeo no sentido de que

conforme os creacuteditos constantes no piso de atenccedilatildeo baacutesica sejam transferidos ldquofundo a fundordquo

o aviso de tais lanccedilamentos deveraacute ser enviado ao Secretaacuterio de Sauacutede ao Fundo de Sauacutede ao

Conselho de Sauacutede ao Poder Legislativo e ao Ministeacuterio Puacuteblico dos respectivos niacuteveis de

governo mecanismo que contribui bastante para a fiscalizaccedilatildeo do emprego dos recursos

repassados309

Outro ponto relevante do Pacto Pela Sauacutede no que tange ao elemento instrumental jaacute

mencionado eacute que consta no pacto um campo referente agraves responsabilidades gerais da gestatildeo

do SUS havendo previsatildeo expressa no sentido de os Municiacutepios serem responsaacuteveis pela

garantia da estrutura fiacutesica necessaacuteria para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica de acordo

com as normas teacutecnicas vigentes contando com apoio teacutecnico e financeiro dos Estados e da

Uniatildeo310

Aleacutem das regras que dispotildeem sobre o Plano pela Sauacutede e seus desdobramentos outras

portarias exaradas pelo Ministeacuterio da Sauacutede se afiguram como instrumentos essenciais para a

investigaccedilatildeo judicial acerca do cumprimento pelo Poder Puacuteblico do defendido elemento

instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede

Nesse sentido por exemplo a Portaria MS nordm 42792010 estabelece as diretrizes para

a organizaccedilatildeo das Redes de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede (arranjos organizativos de accedilotildees e serviccedilos de

sauacutede no intuito de garantir a integralidade do cuidado) apresentando os fundamentos

conceituais e operativos essenciais ao processo de organizaccedilatildeo de tais redes a partir do

arcabouccedilo normativo do SUS destacando-se por exemplo a noccedilatildeo de suficiecircncia como vetor

para as accedilotildees e serviccedilos disponiacuteveis significando que estas devem ser prestadas em

quantidade e qualidade necessaacuterias para atender as demandas de sauacutede incluindo cuidados

primaacuterios secundaacuterios terciaacuterios reabilitaccedilatildeo preventivos e paliativos todos realizados com

qualidade311

Na mesma linha a Portaria MS nordm 23952011 organiza o componente hospitalar da

rede de atenccedilatildeo agraves urgecircncias no acircmbito do SUS e dentre os objetivos de tal componente estaacute a

organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agraves urgecircncias nos hospitais de modo a atender tanto demandas

309

Da mesma maneira de acordo com o artigo 6deg do Decreto ndeg 165195 a comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos

recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede para os fundos estaduais e municipais deve ser apresentada

ao Ministeacuterio da Sauacutede e ao Estado por meio de relatoacuterio de gestatildeo aprovado pelo respectivo Conselho de

Sauacutede 310

Anexo II 91 b da Portaria MS nordm 3992006 311

Item 31 da Portaria em questatildeo

147

espontacircneas como as referenciadas proporcionando o funcionamento de retaguardas para

outros pontos de atenccedilatildeo agraves urgecircncias de menor complexidade312

Contudo eacute a Portaria MS nordm 11012002 que mais eficientemente contribui para a

identificaccedilatildeo do cumprimento do elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave

sauacutede vez que nela satildeo estabelecidos os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do

SUS os quais representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias

aptas a orientar os gestores do SUS dos trecircs niacuteveis de governo

A partir dos paracircmetros estabelecidos na Portaria em comento satildeo oferecidos subsiacutedios

para a anaacutelise do grau de necessidade da oferta de serviccedilos assistenciais agrave populaccedilatildeo o que

termina auxiliando tanto na elaboraccedilatildeo do planejamento e da Programaccedilatildeo Pactuada e

Integrada da assistecircncia agrave sauacutede (PPI) quanto no acompanhamento e controle de tais serviccedilos

Tais paracircmetros que se dividem em dois grupos (paracircmetros de cobertura e de

produtividade) natildeo foram elaborados de maneira aleatoacuteria e baseiam-se nas estatiacutesticas gerais

de atendimento prestado aos usuaacuterios dos SUS bem como em criteacuterios internacionalmente

difundidos para a cobertura e produtividade assistencial nos paiacuteses em desenvolvimento

No primeiro grupo encontram-se aqueles voltados a estimar as necessidades de

atendimento de uma populaccedilatildeo para um determinado periacuteodo previamente estabelecido sendo

apresentados meacutetodos de caacutelculos baseados na populaccedilatildeo bem como em estimativas pontuais

(como eacute o caso do nuacutemero de exames e terapias por exemplo que se basearaacute na estimativa do

total de consultas) Jaacute no segundo grupo podem ser identificados criteacuterios destinados a

estipular a capacidade de produccedilatildeo de recursos equipamentos e serviccedilos de sauacutede humanos

materiais ou fiacutesicos calculados sobretudo com base na expectativa esperada de internaccedilotildees

habitanteano

Somente para se ter uma ideia da importacircncia deste instrumento na tarefa de afericcedilatildeo do

que minimamente deve ser prestado pelo Poder Puacuteblico na implementaccedilatildeo de suas poliacuteticas de

sauacutede dentre os diversos campos que explicitam foacutermulas de caacutelculo dos aludidos

paracircmetros podem ser destacados os seguintes a) paracircmetros para o caacutelculo das consultas

meacutedicas com a correspondente foacutermula da necessidade consultas por ano b) paracircmetros para

o caacutelculo da necessidade produtividade ou cobertura de alguns equipamentos de diagnose e

terapia c) paracircmetros para o caacutelculo da cobertura de internaccedilatildeo hospitalar com a respectiva

foacutermula do caacutelculo do nuacutemero de internaccedilotildees por especialidade para determinada populaccedilatildeo

no periacuteodo anual d) nuacutemero de internaccedilotildeesleitosano por especialidade variando por taxa de

312

Capiacutetulo I art 3deg da referida Portaria

148

ocupaccedilatildeo hospitalar e foacutermula para o caacutelculo da necessidade leitos em determinada regiatildeo

para determinada populaccedilatildeo313

e e) nuacutemero de bolsas de sangue necessaacuterias para terapia

transfusional em unidades hospitalares anualmente dentre outros paracircmetros especialmente

razotildees de alguns recursos humanos por habitantes como meacutedicos e enfermeiros

Constata-se a partir das premissas postas que o preacutevio conhecimento pelo cidadatildeo

pelos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico) e principalmente pelo

Judiciaacuterio acerca das diretrizes gerais a serem seguidas nas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

especialmente as coordenadas do Pacto pela Sauacutede e das portarias do Ministeacuterio da Sauacutede

destacadas consiste em elemento primordial agrave garantia de uma maior seguranccedila juriacutedica das

decisotildees judiciais nessa seara alcanccedilando-se assim uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

mais eficiente

Desta maneira ao se discutir judicialmente a possibilidade de internaccedilatildeo em uma UTI

de realizaccedilatildeo de um exame especiacutefico ou de um procedimento ciruacutergico os magistrados

devem se preocupar inicialmente com a comprovaccedilatildeo de que a estruturaccedilatildeo fiacutesica e os

recursos humanos minimamente projetados estatildeo sendo cumpridos e efetivados de acordo

com os paracircmetros exarados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede especialmente a Portaria

nordm 1101 2002 de modo a identificar o respeito ao elemento instrumental do miacutenimo

existencial em sauacutede

54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NO BRASIL

Conforme delineado acima o Judiciaacuterio poderaacute ser provocado na temaacutetica da

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em diversas situaccedilotildees destacando-se os i casos em torno de

prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial cujo fundamento seraacute extraiacutedo diretamente da

Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente da dignidade da pessoa humana ii casos em que

a legislaccedilatildeo infraconstitucional bem como as poliacuteticas puacuteblicas em vigor garantem o acesso a

certas prestaccedilotildees materiais e iii casos em que a prestaccedilatildeo pleiteada natildeo se encontra abrangida

por poliacuteticas puacuteblicas em andamento

313

Conforme a referida Portaria em linhas gerais a estimativa da necessidade de leitos hospitalares se baseia

nos seguintes dados a) leitos hospitalares totais 25 a 3 leitos para cada 1000 (mil) habitantes b) leitos de UTI

calcula-se em meacutedia a necessidade de 4 a 10 do total de leitos hospitalares c) leitos em Unidades de

Recuperaccedilatildeo (poacutes-ciruacutergico) calcula-se em meacutedia de 2 a 3 leitos por sala ciruacutergica d) leitos para preacute parto

calcula-se no miacutenimo 2 leitos por sala de parto

149

Ocorre que as situaccedilotildees acima estatildeo inseridas especificamente na discussatildeo sobre a

obtenccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais em sauacutede ou seja a realizaccedilatildeo efetiva de algo em prol do

indiviacuteduo como o acesso a um medicamento uma vacina a realizaccedilatildeo de um procedimento

dentre outros jaacute vistos em passant

Aleacutem dessas ocorrecircncias que satildeo de fato as mais problemaacuteticas existem outras nas

quais o direito agrave sauacutede pode ser discutido judicialmente como casos em que a conduta estatal

eacute diretamente lesiva agrave sauacutede a ediccedilatildeo de normas dificulta o exerciacutecio do direito em xeque a

ediccedilatildeo de normas protege de maneira insuficiente agrave sauacutede o Estado eacute omisso quanto a

elaboraccedilatildeo de leis na temaacutetica da proteccedilatildeo agrave sauacutede bem como quanto a disponibilizaccedilatildeo de

infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo dos serviccedilos correlatos a tal direito situaccedilatildeo esta que

como visto fere o elemento instrumental do miacutenimo existencial proposto para o direito agrave

sauacutede

Entrando em uma parte mais exemplificativa da presente pesquisa seratildeo abordados a

seguir alguns julgados envolvendo algumas das situaccedilotildees acima atendo-se contudo a uma

anaacutelise mais detida com relaccedilatildeo aos que envolvem a busca por prestaccedilotildees materiais bem

como a omissatildeo quanto agrave infraestrutura necessaacuteria para o direito agrave sauacutede

Pois bem a situaccedilatildeo em que a proacutepria conduta estatal agride diretamente o direito agrave

sauacutede eacute a mais faacutecil de ser lidada judicialmente e eacute combatida sobretudo pelo Ministeacuterio

Puacuteblico na busca pelo respeito agrave sauacutede sobre seu vieacutes transindividual Faacutecil pois aleacutem da

loacutegica conclusatildeo de que o Estado mais do que ningueacutem natildeo pode lesar um direito de

tamanha essencialidade o qual se propocircs a proteger eacute sabido que a mais elementar

consequecircncia da eficaacutecia das normas constitucionais eacute a de impedir a praacutetica de atos estatais

que violem tal direito seja por accedilotildees materiais propriamente ditas ou pela elaboraccedilatildeo de leis

que tenham tal condatildeo (modalidade de eficaacutecia negativa)

Podem ser citados por exemplo314

casos em que o Poder Puacuteblico por accedilatildeo de seus

agentes contaminam determinados produtos consumiacuteveis315

localidades316

ou pessoas317

314

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio

Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da

Magistratura Federal UnB 2003 p 55 315

Nesse sentido o TJMG determinou na AC 000229455-100 publicada no DJ em 06022002 a interdiccedilatildeo de

abatedouro puacuteblico municipal por natildeo reunir condiccedilotildees miacutenimas de funcionamento e por em risco agrave sauacutede das

pessoas que consomem seus produtos 316

No Municiacutepio de Serra (ES) por exemplo foi utilizado um inseticida em um Posto de Sauacutede que contaminou

inuacutemeras pessoas que trabalhavam no local resultando em ACP proposta pelo MPF

150

devendo ser buscada a imediata cessaccedilatildeo da atividade nociva bem como a devida reparaccedilatildeo

dos danos causados agraves viacutetimas

Existem casos por sua vez em que a ediccedilatildeo de determinada norma venha a dificultar

o exerciacutecio do direito agrave sauacutede sendo tambeacutem indiscutiacutevel a possibilidade de atuaccedilatildeo do

Judiciaacuterio em tais casos Foi o que ocorreu por exemplo com o bloqueio das contas de

caderneta de poupanccedila durante o governo Collor em que muitos se socorreram no Judiciaacuterio

buscando a liberaccedilatildeo de tais contas para custear tratamento de sauacutede tese que foi acolhida nos

tribunais exatamente pela aplicaccedilatildeo da modalidade de eficaacutecia negativa do direito

fundamental agrave sauacutede e agrave vida318

No mesmo sentido pode ser citado o caso da Resoluccedilatildeo nordm 2831998 do extinto

INAMPS que proibia a complementaccedilatildeo com dinheiro do SUS das despesas decorrentes da

internaccedilatildeo conhecida como ldquodiferenccedila de classerdquo e o STF enfrentando o tema entendeu que

tal limitaccedilatildeo seria injustificaacutevel319

juridicamente

Entrando nos casos que suscitam mais polecircmicas tem-se a situaccedilatildeo em que o Estado eacute

omisso a qual abrange a omissatildeo quanto ao dever de editar normas de proteccedilatildeo agrave sauacutede

quanto ao dever de satisfazer o direito agrave sauacutede mediante prestaccedilotildees materiais e quanto agrave

disponibilizaccedilatildeo de infraestrutura necessaacuteria agrave prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede

Nesse ponto eacute emblemaacutetica a decisatildeo de lavra do Ministro do STF Celso de Mello na

ADPF nordm 45 (jaacute citada anteriormente) verdadeiro divisor de aacuteguas no tema da intervenccedilatildeo do

Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas Tal accedilatildeo constitucional em que pese a

prejudicalidade de seu objeto320

apresentou em seu julgamento uma detida anaacutelise acerca da

317

Eacute o que ocorre por exemplo em caso de contaminaccedilatildeo por alguma doenccedila em transfusatildeo sanguiacutenea realizada

em hospital puacuteblico Situaccedilatildeo que geraraacute a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados agrave viacutetima

Vide por exemplo o Resp 140158SC 1deg Turma rel Milton Luis Pereira DJU de 17111997 p 59458 STJ 318

Nesse sentido pode ser citado o MS 9005066091AL TRF 5deg Rel Hugo de Brito Machado DJU de

1241991 319

Destaca-se o seguinte trecho ldquoO art 196 da CF estabelece como dever do Estado a prestaccedilatildeo de assistecircncia agrave

sauacutede e garante o acesso universal e igualitaacuterio do cidadatildeo aos serviccedilos e accedilotildees para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo O direito agrave sauacutede como estaacute assegurado na Carta natildeo deve sofrer embaraccedilos impostos por

autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele O acoacuterdatildeo recorrido ao

afastar a limitaccedilatildeo da citada Resoluccedilatildeo 2831991 do Inamps que veda a complementariedade a qualquer tiacutetulo

atentou para o objetivo maior do proacuteprio Estado ou seja o de assistecircncia agrave sauacutederdquo (RE 226835 Rel Min Ilmar

Galvatildeo julgamento em 14-12-1999 Primeira Turma DJ de 10-3-2000) 320

Explica-se A ADPF em questatildeo foi promovida contra um veto parcial emanado pelo Presidente da Repuacuteblica

ao sect 2deg do art 55 da LDO (107072003) dispositivo este que tratava de paracircmetro acerca da totalidade da

dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Ministeacuterio da Sauacutede a ser considerado na elaboraccedilatildeo da LOA de 2004 e almejava a

declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de tal medida presidencial Ocorre que o Presidente da Repuacuteblica antes do

enfrentamento da ADPF remeteu ao Congresso Nacional um projeto de lei constando o exato termo do

dispositivo vetado o qual convertido em lei restaurou integralmente o mesmo o que prejudicou o objeto

perseguido mas natildeo evitou que a temaacutetica da intervenccedilatildeo judicial nas poliacuteticas puacuteblicas fosse enfrentada

151

possibilidade de a viabilizaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas serem alcanccediladas judicialmente nos

casos em que previsto seu norte no texto constitucional essas venham a ser descumpridas ou

sequer implementadas pelas instacircncias governamentais destinataacuterias do comando inscrito na

Constituiccedilatildeo

Nesse contexto alguns pontos referentes agrave situaccedilatildeo de o Estado ser omisso em seu

dever constitucional merecem ser destacados

ARGUumlICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL A

QUESTAtildeO DALEGITIMIDADE CONTITUCIONAL DO CONTROLE E

DAINTERVENCcedilAtildeO DO PODERJUDICIAacuteRIO EM TEMA DE

IMPLEMENTACcedilAtildeO DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS QUANDOCONFIGURADA

HIPOacuteTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL DIMENSAtildeO POLIacuteTICA

DAJURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL ATRIBUIacuteDA AO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL INOPONIBILIDADE DO ARBIacuteTRIO ESTATAL Agrave EFETIVACcedilAtildeO

DOS DIREITOS SOCIAIS ECONOcircMICOS E CULTURAIS CARAacuteTER

RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMACcedilAtildeO DOLEGISLADOR

CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DA CLAacuteUSULA DA ldquoRESERVA

DOPOSSIacuteVELrdquo NECESSIDADE DE PRESERVACcedilAtildeO EM FAVOR DOS

INDIVIacuteDUOS DAINTEGRIDADE E DAINTANGIBILIDADE DO NUacuteCLEO

CONSUBSTANCIADOR DO ldquoMIacuteNIMO EXISTENCIALrdquo VIABILIDADE

INSTRUMENTAL DA ARGUumlICcedilAtildeO DEDESCUMPRIMENTONO PROCESSO

DE CONCRETIZACcedilAtildeO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS

CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERACcedilAtildeO)

()

- A omissatildeo do Estado - que deixa de cumprir em maior ou em menor extensatildeo a

imposiccedilatildeo ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento

revestido da maior gravidade poliacutetico-juriacutedica eis que mediante ineacutercia o Poder

Puacuteblico tambeacutem desrespeita a Constituiccedilatildeo tambeacutem ofende direitos que nela se

fundam e tambeacutem impede por ausecircncia de medidas concretizadoras a proacutepria

aplicabilidade dos postulados e princiacutepios da Lei Fundamental(RTJ 185794-796

Rel Min CELSO DE MELLO Pleno)

Eacute certo que natildeo se inclui ordinariamente no acircmbito das funccedilotildees institucionais do

Poder Judiciaacuterio - e nas desta Suprema Corte em especial - a atribuiccedilatildeo de formular

e de implementar poliacuteticas puacuteblicas pois nesse domiacutenio o encargo reside

primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo Tal incumbecircncia no entanto

embora em bases excepcionais poderaacute atribuir-se ao Poder Judiciaacuterio se e quando

os oacutergatildeos estatais competentes por descumprirem os encargos poliacutetico-juriacutedicos

que sobre eles incidem vierem a comprometer com tal comportamento a eficaacutecia e

a integridade de direitos individuais eou coletivos impregnados de estatura

constitucional ainda que derivados de claacuteusulas revestidas de conteuacutedo

programaacutetico (Grifos acrescidos) (ADPF 45 MC DF Rel Min Celso de Mello

Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12) (Destaques apostos)

Tal julgado reflete a preocupaccedilatildeo do STF em fazer valer a maacutexima efetividade dos

dispositivos constitucionais sobretudo nos casos em que a recalcitracircncia tanto do Executivo

quanto do Legislativo em realizar seu compromisso constitucionalmente pactuado resta

configurada concretamente

Com relaccedilatildeo especificamente a omissatildeo em editar normas pode ser citado o grave

caso da jaacute mencionada LC ndeg 1412012 que somente foi promulgada dez anos depois da

previsatildeo de sua necessidade por forccedila da EC ndeg 292000 Durante esse periacuteodo de mora

152

legislativa em que pese natildeo ter havido accedilotildees constitucionais visando ao suprimento dessa

omissatildeo existiram accedilotildees contra outras espeacutecies normativas nascidas com o intuito de

suprindo a omissatildeo mencionada uniformizar a aplicaccedilatildeo da referida emenda em territoacuterio

nacional321

No que se refere agrave omissatildeo quanto a prestaccedilotildees materiais e agrave construccedilatildeo de

infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede o leque de situaccedilotildees enfrentadas

judicialmente eacute mais variado sendo certo que nem todos os casos recebem paracircmetros

seguros e uniformes o que acentua o quadro de inseguranccedila juriacutedica na mateacuteria

Agrave tiacutetulo exemplificativo o STF jaacute se manifestou acerca da possibilidade de

fornecimento gratuito de remeacutedios a portadores de HIV reconhecendo a validade de tais

programas e considerando-os legiacutetimos gestos de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede concretizadores dos

deveres constitucionais extraiacutedos do art 196 da Constituiccedilatildeo Federal322

O problema eacute que partindo do mesmo fundamento diversas decisotildees323

jaacute obrigaram

o Estado a custear tratamentos e exames especiacuteficos como ressonacircncia magneacutetica

fornecimento de aparelhos auditivos implante de proacutetese internaccedilatildeo em UTI neo-natal em

hospital particular internaccedilatildeo meacutedica em hospital particular diante da ausecircncia de vaga em

hospital conveniado do SUS dentre outros casos A qualificaccedilatildeo dessa conjuntura como um

problema se deve ao fato de que como visto nos toacutepicos anteriores nem sempre tais decisotildees

enfrentam detidamente o exame das diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede em vigor e natildeo

se preocupam com a repercussatildeo macro de seu dispositivo abrindo margem para que os jaacute

mencionados efeitos colaterais se proliferam nessas situaccedilotildees

Tais efeitos colaterais comprometem principalmente o princiacutepio da seguranccedila

juriacutedica pois satildeo constatados casos em que o enfrentamento da mesma mateacuteria apresenta

posicionamentos diferentes324

entre tribunais diversos Isso contribui para a afronta agrave

321

Foi o caso por exemplo da ADI ndeg 2999-RJ que atacou a Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 baixada pelo Conselho

Nacional de Sauacutede 322

No referido julgado ponderou-se que ldquo() o reconhecimento judicial da validade juriacutedica de programas de

distribuiccedilatildeo gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive agravequelas portadoras do viacuterus HIVAIDS daacute

efetividade a preceitos fundamentais da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica (arts 5deg caput e 196) e representa na

concreccedilatildeo do seu alcance um gesto reverente e solidaacuterio de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede das pessoas especialmente

daqueles que nada tecircm e nada possuem a natildeo ser a consciecircncia de sua proacutepria humanidade e de sua essencial

dignidaderdquo (STF RE 271286-AgR rel min Celso de Mello Segunda Turma DJE de 24112000 p 101)

Nesse mesmo sentido AI 550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda

Turma DJE de 16-8-2012 323

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho

Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura

Federal UnB 2003 p 67-68 324

Veja-se o caso do fornecimento de aparelhos auditivos Ao reveacutes do julgado citado o TJRJ ao considerar em

sua decisatildeo que a prestaccedilatildeo deve ser indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo da sauacutede excluiu os aparelhos auditivos do rol

de prestaccedilotildees exigiacuteveis judicialmente Afirmou-se que ldquoEmbora o aparelho auditivo possa assegurar agrave agravada

153

igualdade em tais demandas tendo em vista que se a sauacutede eacute direito de todos a totalidade de

cidadatildeos enquadrados em determinada situaccedilatildeo deveraacute ter o mesmo tratamento na

concretizaccedilatildeo de seu direito325

Quanto agrave omissatildeo referente agrave infraestrutura baacutesica a situaccedilatildeo eacute ainda mais complexa e

passa pela problemaacutetica jaacute enfrentada acerca da necessidade de se cotejar concretamente se a

ausecircncia de infraestrutura compromete o espectro de prestaccedilotildees que o Estado se obriga a

adimplir seja em decorrecircncia do miacutenimo existencial ou da legislaccedilatildeo e poliacuteticas puacuteblicas em

vigor

De toda maneira em que pese o posicionamento tradicional326

ser o de que a

construccedilatildeo de infraestrutura estaria no campo da conveniecircncia e oportunidade

administrativa327

jaacute existem julgados328

que tecircm obrigado o Poder Puacuteblico a construir

infraestrutura baacutesica necessaacuteria agrave proteccedilatildeo da sauacutede da coletividade sobretudo em accedilotildees que

tomam por base os paracircmetros miacutenimos pactuados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede que

datildeo as diretrizes para as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede accedilotildees essas que contribuem para a

concretizaccedilatildeo do vieacutes instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede

Merece ecircnfase nesse sentido a ementa do julgado a seguir que trata exatamente

acerca da condenaccedilatildeo do Poder Puacuteblico em disponibilizar leitos na rede privada para garantir

o direito agrave sauacutede e cumprir os paracircmetros miacutenimos pactuados nas poliacuteticas puacuteblicas

melhoria na sua qualidade de vida inexiste prova inequiacutevoca de que o mesmo eacute indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo de

sua sauacutede ou que esta se encontre em riscordquo (TJRJ AI 200600227573 Rel Des Caacutessia Medeiros DJ de

13022007) 325

Nesse sentido pondera Ricardo Perlingeiro que ldquoo Judiciaacuterio deve ser destinataacuterio do princiacutepio da isonomia

buscando tratar igualmente os jurisdicionados que se encontrarem na mesma situaccedilatildeo faacutetica Com base nessa

orientaccedilatildeo justificam-se determinados instrumentos processuais tais como as accedilotildees coletivas as suacutemulas

vinculantes e o processo exemplar que tambeacutem servem agrave ideia de um amplo acesso agrave justiccedila e agrave reduccedilatildeo dos

processos judiciais repetitivos ou das causas de massa PERLINGEIRO Ricardo O Princiacutepio da Isonomia na

Tutela Judicial Individual e Coletiva e em Outros Meios de Soluccedilotildees de Conflitos Junto ao SUS e aos Planos

Privados de Sauacutede In BRITO Milton Augusto de SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da

efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 431-432 326

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho

Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura

Federal UnB 2003 p 76 327

Nesse sentido destaca-se o seguinte trecho constante no Resp 2520083 RJ DJU de 23 03 2002 ldquo() o juiz

natildeo pode substituir a Administraccedilatildeo Puacuteblica no exerciacutecio do poder discricionaacuterio Assim fica a cargo do

Executivo a verificaccedilatildeo da conveniecircncia e da oportunidade de serem realizados os atos de administraccedilatildeo tais

como a compra de ambulacircncias e de obras de reforma de hospital puacuteblicordquo 328

Por exemplo o TJRS no AI 70004224770 (DJ de 26062002) confirmou liminar em accedilatildeo civil puacuteblica no

sentido de obrigar o Municiacutepio de Passo Fundo a adquirir autoclaves para esterilizaccedilatildeo de instrumentos meacutedicos

No mesmo sentido o STJ no Resp 177883PE (Dje de 01072002) determinou a reintegraccedilatildeo de agentes

sanitaacuterios responsaacuteveis por campanhas de prevenccedilatildeo e combate a epidemias sob o argumento de que a demissatildeo

em massa decretada pelo Poder Puacuteblico poderia gerar danos irreparaacuteveis agrave sauacutede da coletividade

154

EMENTA ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DIREITO Agrave SAUacuteDE

DISPONIBILIZACcedilAtildeO DE LEITOS DE UTI AUSEcircNCIA DE VAGAS NO

SUS FORMACcedilAtildeO DE FILA DE ESPERA DISPONIBILIZACcedilAtildeO

DE LEITOS NA REDE PRIVADA GARANTIA CONSTITUCIONAL

CONDENACcedilAtildeO GENEacuteRICA

()

- O Poder Judiciaacuterio ao determinar que o Estado adquira leitos de UTI junto

agrave rede privada para pacientes internados em pronto socorro com risco de

morte ou dano irreparaacutevel agrave sauacutede no caso de esgotamento dos leitos na rede

conveniada do SUS natildeo estaacute criando uma nova obrigaccedilatildeo para o Ente mas

tatildeo somente exigindo que ele cumpra a legislaccedilatildeo pertinente

- Natildeo se deve permitir que as normas orccedilamentaacuterias apesar de seu

relevante papel na Administraccedilatildeo Puacuteblica seja um entrave para a

efetivaccedilatildeo de um direito fundamental considerado prioritaacuterio pela

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988

(TJMG Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 0060157-2920118130223 rel des Daacutercio

Lopardi Mendes Dj de 29-11-2012)

A Accedilatildeo Civil Puacuteblica que iniciou o processo acima por sua vez seguiu as diretrizes

apontadas anteriormente nas Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede com relaccedilatildeo agrave identificaccedilatildeo do

sugerido elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede destacando-se os seguintes

trechos da mesma

()

De acordo com a Portaria GM 1101 de 12062002 o nuacutemero de leitos

para cada 1000 habitantes deve ser de 25 a 3 leitos sendo que para leitos

UTI a necessidade eacute de 4 a 10 do total de leitos hospitalares

()

Analisando a situaccedilatildeo do Municiacutepio de Divinoacutepolis que possui 206867

habitantes (de acordo com o censo IBGE de 2010) haveria necessidade de

acordo com a Portaria GM 1101 de um miacutenimo de 540 leitos sendo 22 de

UTI No entanto o total de leitos SUS no Hospital Satildeo Joatildeo de Deus (uacutenico

credenciado ao SUS no Municiacutepio) eacute de 193 bem inferior ao preconizado

pelo Ministeacuterio da Sauacutede (doc 11)

()

Com tudo isto diante do desrespeito aos direitos mais comezinhos dessa

coletividade que necessita de uma vaga em leito de UTI e atendimento de

urgecircnciaemergecircncia em ambiente hospitalar e que se veem a cada minuto

sem a devida assistecircncia suas chances de vida se reduzem drasticamente eacute

que se pleiteia a tutela jurisdicional no sentido de determinar ao Poder

Puacuteblico a obediecircncia agraves portarias nordm 11012002 e 343298 no que concerne

agrave disponibilizaccedilatildeo de nuacutemero suficiente de leitos UTI para atender agrave

demanda populacional impedindo mais mortes na mencionada ldquofila de

esperardquo em respeito aos direitos fundamentais do cidadatildeo encartados na

Carta Federal

() (Grifos acrescidos)

A saiacuteda para ambos os casos (omissatildeo de prestaccedilotildees materiais e disponibilizaccedilatildeo de

infraestrutura) encontra-se como antes defendido na consolidaccedilatildeo de um procedimento

155

decisoacuterio preacute-definido que leve em consideraccedilatildeo natildeo soacute os efeitos particulares da decisatildeo a ser

proferida mas tambeacutem os efeitos gerais para a sauacutede de todos e que na linha do jaacute exposto

caminhe trilhado ordenadamente pelos seguintes questionamentos i o pleito se enquadra

dentro do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede ii existe ato normativo ou poliacutetica puacuteblica

em vigor que garanta a disponibilizaccedilatildeo do pleito e iii ainda que natildeo apresente amparo legal

direto o pleito aplicado o juiacutezo de proporcionalidade pode ser atendido natildeo soacute para o

demandante mas para todos que se encontram em situaccedilatildeo semelhante

Finalmente antes de passar para o proacuteximo capiacutetulo a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo e reforccedilando

a vasta gama de situaccedilotildees judiciais que podem envolver o direito agrave sauacutede podem ser citados

alguns julgamentos relevantes do STF em que o referido direito foi tratado ainda que de

forma indireta e cuja discussatildeo acerca da invasatildeo do Judiciaacuterio em temas iacutensitos ao campo

poliacutetico veio agrave tona como por exemplo o do debate acerca da proibiccedilatildeo de importaccedilatildeo de

pneus usados329

da comercializaccedilatildeo de amianto330

e da interrupccedilatildeo da gravidez no caso dos

anenceacutefalos331

Feitas tais ponderaccedilotildees pode-se concluir a partir da anaacutelise conjuntural do

enfretamento judicial da mateacuteria que a despeito de o Poder Judiciaacuterio (incluindo o STF) ter

329

ldquoConstitucionalidade de atos normativos proibitivos da importaccedilatildeo de pneus usados Reciclagem de pneus

usados ausecircncia de eliminaccedilatildeo total dos seus efeitos nocivos agrave sauacutede e ao meio ambiente equilibrado Afrontas

aos princiacutepios constitucionais da sauacutede e do meio ambiente ecologicamente equilibrado () Direito agrave sauacutede o

depoacutesito de pneus ao ar livre inexoraacutevel com a falta de utilizaccedilatildeo dos pneus inserviacuteveis fomentado pela

importaccedilatildeo eacute fator de disseminaccedilatildeo de doenccedilas tropicais Legitimidade e razoabilidade da atuaccedilatildeo estatal

preventiva prudente e precavida na adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que evitem causas do aumento de doenccedilas

graves ou contagiosas Direito agrave sauacutede bem natildeo patrimonial cuja tutela se impotildee de forma inibitoacuteria preventiva

impedindo-se atos de importaccedilatildeo de pneus usados idecircntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos

que deles se livram () Ponderaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais demonstraccedilatildeo de que a importaccedilatildeo de pneus

usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de sauacutede e do meio ambiente ecologicamente

equilibrado (arts 170 I e VI e seu paraacutegrafo uacutenico 196 e 225 da CB) ()rdquo (ADPF 101 Rel Min Caacutermen

Luacutecia julgamento em 24-6-2009 Plenaacuterio DJE de 4-6-2012) 330

ldquo() De maneira que retomando o discurso do Min Joaquim Barbosa a norma estadual no caso cumpre

muito mais a CF nesse plano da proteccedilatildeo agrave sauacutede ou de evitar riscos agrave sauacutede humana agrave sauacutede da populaccedilatildeo em

geral dos trabalhadores em particular e do meio ambiente A legislaccedilatildeo estadual estaacute muito mais proacutexima dos

desiacutegnios constitucionais e portanto realiza melhor esse sumo princiacutepio da eficacidade maacutexima da Constituiccedilatildeo

em mateacuteria de direitos fundamentais e muito mais proacutexima da OIT tambeacutem do que a legislaccedilatildeo federal ()rdquo

(Grifos acrescidos) (ADI 3937-MC Rel Min Marco Aureacutelio voto do Min Ayres Britto julgamento em 4-6-

2008 Plenaacuterio DJE de 10-10-2008) 331

ldquoArguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental ndash Adequaccedilatildeo ndash Interrupccedilatildeo da gravidez ndash Feto

anenceacutefalo ndash Poliacutetica judiciaacuteria ndash Macroprocesso Tanto quanto possiacutevel haacute de ser dada sequecircncia a processo

objetivo chegando-se de imediato a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal Em jogo valores

consagrados na Lei Fundamental ndash como o satildeo os da dignidade da pessoa humana da sauacutede da liberdade e

autonomia da manifestaccedilatildeo da vontade e da legalidade ndash considerados a interrupccedilatildeo da gravidez de feto

anenceacutefalo e os enfoques diversificados sobre a configuraccedilatildeo do crime de aborto adequada surge a arguiccedilatildeo de

descumprimento de preceito fundamental () Na dicccedilatildeo da ilustrada maioria entendimento em relaccedilatildeo ao qual

guardo reserva natildeo prevalece em arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental liminar no sentido de

afastar a glosa penal relativamente agravequeles que venham a participar da interrupccedilatildeo da gravidez no caso de

anencefaliardquo (Grifos acrescidos) (ADPF 54-QO Rel Min Marco Aureacutelio julgamento em 27-4-05

Plenaacuterio DJ de 31-8-2007)

156

se demonstrado preocupado com a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e na maioria das vezes

ter se posicionado de maneira favoraacutevel agrave sua interferecircncia no tema332

natildeo existe uma

uniformidade no trato do assunto especialmente pela ausecircncia de uma linha de raciociacutenio

procedimental soacutelida que sem tolher a liberdade de atuaccedilatildeo dos magistrados contribua para

que seja incutida na mente dos mesmos uma conscientizaccedilatildeo preacutevia de como estes devem

proceder para que suas decisotildees sejam eivadas da maacutexima razoabilidade possiacutevel e portanto

consentacircneas com os comandos constitucionais333

Com efeito conforme defendido na presente pesquisa o passo inicial desse caminho a

ser trilhado estaacute na consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede compreendidas no acircmbito da regulamentaccedilatildeo do SUS diretrizes essas que

devem ser mais difundidas e melhor simplificadas para a clara compreensatildeo tanto do

Judiciaacuterio como da sociedade e sobretudo dos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo no acompanhamento

do cumprimento das metas estabelecidas em tais poliacuteticas334

Nesse sentido uma importante medida na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute a

formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar compostas tanto por profissionais de

sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS encarregadas de prestar assistecircncia

332

ldquoConsolidou-se a jurisprudecircncia desta Corte no sentido de que embora o art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988

traga norma de caraacuteter programaacutetico o Municiacutepio natildeo pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessaacuterios

ao gozo do direito agrave sauacutede por todos os cidadatildeos Se uma pessoa necessita para garantir o seu direito agrave sauacutede de

tratamento meacutedico adequado eacute dever solidaacuterio da Uniatildeo do Estado e do Municiacutepio providenciaacute-lordquo (AI

550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda Turma DJE de 16-8-2012) No

mesmo sentido ldquoO recebimento de medicamentos pelo Estado eacute direito fundamental podendo o requerente

pleiteaacute-los de qualquer um dos entes federativos desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de

custeaacute-los com recursos proacuteprios Isso por que uma vez satisfeitos tais requisitos o ente federativo deve se

pautar no espiacuterito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituiccedilatildeo e natildeo criar

entraves juriacutedicos para postergar a devida prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo (RE 607381-AgR Rel Min Luiz Fux

julgamento em 31-5-2011 Primeira Turma DJE de 17-6-2011) 333

Sobre essa questatildeo Gustavo Amaral em estudo sobre o direito agrave sauacutede no Brasil destaca a importacircncia dos

institutos da repercussatildeo geral e dos recursos repetitivos asseverando que ldquoparece adequado esperar que o

Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiccedila busquem proferir decisotildees que transcendam a

adjudicaccedilatildeo para aleacutem dos casos entre as partes diretamente envolvidas Haacute instrumentos para isto

nomeadamente a repercussatildeo geral e os recursos repetitivosrdquo AMARAL Gustavo Sauacutede Direito de Todos

Sauacutede Direito de Cada Um Reflexotildees para a Transiccedilatildeo da Praacutexis Judiciaacuteria In NOBRE Milton Augusto de

Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte

Foacuterum 2011 p 111 334

No mesmo sentido Milton Augusto de Brito Nobre ao comentar o papel do CNJ na busca pela eficiecircncia das

demandas que envolvem o direito a sauacutede aponta entre as carecircncias e disfunccedilotildees constatadas iacutensitas a tais

demandas ldquoa necessidade de maior difusatildeo de conhecimentos entre os magistrados a respeito das questotildees

teacutecnicas que se originam ou satildeo refletidas nas demandas por prestaccedilotildees de sauacutederdquo NOBRE Milton Augusto de

Brito Da Denominada ldquoJudicializaccedilatildeo da Sauacutederdquo Pontos e Contrapontos In NOBRE Milton Augusto de Brito

SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum

2011 p 354

157

aos magistrados sobretudo com relaccedilatildeo agraves demandas coletivas que exigem a correccedilatildeo de

omissotildees estatais como o deacuteficit de leitos hospitalares remeacutedios meacutedicos etc335

Quanto a esta medida destacam-se as disposiccedilotildees da Recomendaccedilatildeo ndeg 31 do

Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ)336

que visa a adoccedilatildeo de medidas que melhor subsidiem os

magistrados e demais operadores do direito para assegurar maior eficiecircncia na soluccedilatildeo das

demandas judiciais envolvendo a assistecircncia agrave sauacutede337

Dentre as recomendaccedilotildees pode ser ressaltada a incorporaccedilatildeo do estudo sobre direito

sanitaacuterio nos programas de formaccedilatildeo vitaliciamento e aperfeiccediloamento de magistrados bem

como a celebraccedilatildeo de convecircnios que objetivem disponibilizar equipes de apoio teacutecnico

compostas por meacutedicos e farmacecircuticos para auxiliar os magistrados na formaccedilatildeo de um juiacutezo

de valor quanto agrave apreciaccedilatildeo das questotildees cliacutenicas apresentadas pelas partes nas accedilotildees

relativas agrave sauacutede observadas as peculiaridades regionais338

Outra medida interessante eacute a possibilidade de se criar varas especializadas em

processar e julgar accedilotildees judiciais que tenham como tema pleitos envolvendo sauacutede puacuteblica de

modo a proporcionar uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito

fundamental pelo Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a isonomia

entre os usuaacuterios do SUS

Quanto a este ponto eacute relevante destacar que atualmente tramita no acircmbito do CNJ

um pedido de providecircncias339

o qual conta com o apoio do Conselho Federal da OAB340

no

335

No Tribunal de Justiccedila da Paraiacuteba por exemplo jaacute foram emitidos diversos pareceres pela equipe teacutecnica

formada para subsidiar decisotildees envolvendo o direito agrave sauacutede Disponiacutevel em httpwwwtjpbjusbrcamara-

tecnica-de-saude-emite-162-pareceres-para-subsidiar-decisoes-judiciais-na-paraiba Acesso em 14062013 336

Publicado no DJe nordm 612010 em 07042010 p 4-6 Disponiacutevel em httpwwwcnjjusbratos-

administrativosatos-da-presidencia322-recomendacoes-do-conselho12113-recomendacao-no-31-de-30-de-

marco-de-2010 Acesso em 14062013 337

A recomendaccedilatildeo em exame veio a ser complementada pela Recomendaccedilatildeo nordm 36 de 12 de julho de 2011que

dentre outras medidas alertou para a necessidade de os magistrados oficiarem quando cabiacutevel e possiacutevel oacutergatildeos

como a ANVISA e ANS para se manifestarem acerca da mateacuteria debatida em sauacutede 338

Corroborando Bruno Espintildeeira Lemos assevera que ldquoo Judiciaacuterio como insistentemente tem se sustentado

na esfera dos profissionais da sauacutede puacuteblica brasileira necessita com urgecircncia criar assessorias teacutecnicas que lhe

deem suporte nas decisotildees que envolvam o direito agrave sauacutede LEMOS Bruno Espintildeeira Sobre o direito puacuteblico agrave

sauacutede simboacutelica anaacutelise criacutetica de precedente com potencial irradiador em busca do ldquocaminho do meiordquo

(afastamento das absolutizaccedilotildees natildeo razoaacuteveis) In GABURRI Fernando DUARTE Bento Herculano (coords)

A Fazenda Puacuteblica agrave luz da atual jurisprudecircncia dos Tribunais brasileiros Curitiba Juruaacute 2011 p 61 339

O conteuacutedo na iacutentegra de tal pedido encontra-se no siacutetio eletrocircnico a seguir httpsconjurcombrdlflavio-

dino-propoe-criacao-varas-julgarpdf 340

Nesse contexto o Secretaacuterio Geral da OAB Sr Claudio Souza Neto ressaltou ser ldquofundamental que os

magistrados conheccedilam o sistema de sauacutede em profundidade possam dialogar com os administradores que atuam

nesse sistema com meacutedicos usuaacuterios e com os secretaacuterios de sauacutede para que se perpetue esse aspecto virtuoso

de garantia do direito agrave sauacutede e as disfunccedilotildees possam ser superadas a partir da especializaccedilatildeordquo Disponiacutevel em

httpwwwoaborgbrnoticia25689oab-apoia-criacao-de-varas-especializadas-em-direito-a-saude Acesso em

24062013

158

sentido de que seja editada uma resoluccedilatildeo determinando aos tribunais brasileiros a criaccedilatildeo de

varas especializadas no processamento e julgamento de accedilotildees ciacuteveis e criminais que tenham

por objeto o direito agrave sauacutede

Tal pedido de providecircncia fundamenta-se em diversas frentes argumentativas

destacando-se a apresentaccedilatildeo de exemplos de especializaccedilotildees que tiveram sucesso no paiacutes

(como as varas da infacircncia e juventude violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher idosos

etc) a exposiccedilatildeo de dados sobre accedilotildees judiciais no tema (apontando-se que tramitam cerca de

240 mil accedilotildees na aacuterea de sauacutede a maioria delas envolvendo requerimento de medicamentos e

procedimentos no acircmbito do SUS) bem como a demonstraccedilatildeo de importantes avanccedilos

alcanccedilados graccedilas agrave atuaccedilatildeo judicial (como foi o caso dos coqueteacuteis do viacuterus HIV)

Pois bem tudo que foi dito no presente capiacutetulo voltou-se agrave defesa da possibilidade da

atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que norteada por criteacuterios objetivos

que garantam maior seguranccedila aos julgados e uniformidade na mateacuteria destacando-se dentre

as proposiccedilotildees defendidas a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede e da

importacircncia de seu elemento instrumental na delimitaccedilatildeo da objetividade almejada

No capiacutetulo a seguir seratildeo analisados341

alguns temas especiacuteficos que apesar de (ateacute

certo ponto) externos agrave discussatildeo sobre o enfrentamento judicial na mateacuteria se apresentam

como relevantes reforccedilos para a correccedilatildeo do deacuteficit de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no

paiacutes

341

O capiacutetulo que se segue natildeo tem pretensotildees de exaustivamente exaurir as temaacuteticas que seratildeo nele tratadas

Ao contraacuterio busca examinar de maneira concisa temas pontuais e relevantes para a problemaacutetica da

efetividade do direito agrave sauacutede os quais poderatildeo ser mais bem debatidos em uma pesquisa posterior mais

aprofundada

159

6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO

DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

No capiacutetulo terceiro da presente pesquisa esclareceu-se que apesar de o processo de

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede ser atrelado a ideia de gradualidade a conjuntura atual do

quadro sanitaacuterio do paiacutes denota um verdadeiro deacuteficit desse processo jaacute que a realizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede encontra-se bem longe de ser harmocircnica com a estruturaccedilatildeo prevista ldquono

papelrdquo para o SUS sendo vivenciadas dia a dia autecircnticas situaccedilotildees de desrespeito a esse

relevante direito do cidadatildeo

Defendeu-se nessa linha de raciociacutenio que frente a ineficiecircncia do Executivo e do

Legislativo natildeo soacute era possiacutevel como tambeacutem necessaacuterio para a correccedilatildeo do deacuteficit de

gradualidade apontado um papel ativo do Judiciaacuterio na questatildeo da efetividade do direito agrave

sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos que trouxessem seguranccedila juriacutedica e nesse

contexto buscou-se delimitar tais paracircmetros sobretudo a partir da construccedilatildeo de um miacutenimo

existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede calcado na importacircncia do conhecimento acerca

das especificidades estruturais do SUS

Contudo aleacutem da contribuiccedilatildeo de um Judiciaacuterio atuante a partir de criteacuterios preacute-

definidos e objetivos fator que pode ser enquadrado como o carro-chefe da tarefa de se

empreender uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consentacircnea com os ditames

constitucionais outras iniciativas podem se enquadrar como mecanismos que contribuem para

essa empreitada Ganha destaque nesse contexto a necessidade de se reestruturar os

Conselhos de Sauacutede com vistas a intensificar a participaccedilatildeo popular na gestatildeo do SUS bem

como de se empreender uma harmonizaccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio com a prioridade

constitucional direcionada agrave sauacutede puacuteblica

61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE

NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO

A atual crise da democracia representativa brasileira marcada pela adoccedilatildeo cada vez

mais recorrente de medidas em niacutetido descompasso com os desiacutegnios do povo342

(e ateacute

342

Corroborando com esse pensamento Friedrich Muumlller aponta que o direito de voto apesar de standard

miacutenimo inarredaacutevel da democracia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para esta jaacute que o povo se

encontra antes e apoacutes as eleiccedilotildees apenas relativamente livre frente ao aumento alarmante da possibilidade de

manipulaccedilatildeo sobretudo pela miacutedia dos menos esclarecidos MUumlLLER Friedrich O novo paradigma do

direito introduccedilatildeo agrave teoria e metoacutedica estruturantes 3deg ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 257

160

mesmo com os proacuteprios princiacutepios constitucionais) tem distanciado os governantes dos

governados e alertado para a necessidade de se consolidar instrumentos que garantam a

implementaccedilatildeo de uma verdadeira democracia participativa cuja estruturaccedilatildeo se funda

primordialmente no princiacutepio da soberania popular343

Vislumbra-se pois a necessidade de se dinamizar a democracia344

por meio de

instrumentos de controle e participaccedilatildeo popular que oportunizem o exerciacutecio direto da

vontade geral sendo o elemento ldquoparticipaccedilatildeordquo exatamente a faceta dinacircmica da democracia

que conduz o processo poliacutetico e permite concretizar de maneira legiacutetima uma poliacutetica de

superaccedilatildeo dos eventuais conflitos345

Antes de adentrar no exame da funcionalidade dos Conselhos de Sauacutede como um

desses instrumentos acima referidos (mesma situaccedilatildeo da figura do orccedilamento participativo a

ser analisada no toacutepico seguinte) faz-se relevante um breve esboccedilo acerca das noccedilotildees baacutesicas

da teorizaccedilatildeo de uma democracia participativa e suas implicaccedilotildees na realidade constitucional

brasileira346

611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica

A noccedilatildeo de uma democracia participativa liga-se ao proacuteprio processo evolutivo da

democracia ao longo da histoacuteria o qual eacute marcado pela passagem de uma soberania popular

meramente formal calcada na busca pela sustentabilidade e justificaccedilatildeo dos governos para

uma visatildeo material em que se verifica a real preservaccedilatildeo do exerciacutecio do poder poliacutetico

343

BONAVIDES Paulo Teoria Constitucional da Democracia Participativa 3deg ed Satildeo Paulo Malheiros

2008 p 51 344

Sobre a questatildeo democraacutetica Dworkin aponta que atualmente existe um debate acerca do tema que natildeo se

traduz num conceito uacutenico mas em profunda controveacutersia sobre a melhor versatildeo possiacutevel da democracia Na

visatildeo do referido autor o debate circunda em torno da premissa majoritaacuteria como um ponto central no sentido

de que esta premissa indica que os procedimentos poliacuteticos devem se conduzir de tal forma que a decisatildeo

alcanccedilada seja a resoluccedilatildeo que favorece a uma maioria ou pluralidade de cidadatildeos ou favoreceria se tivesse

informaccedilotildees adequadas e tempo suficiente para esta reflexatildeo ao menos que esta direccedilatildeo valha para questotildees

importantes DWORKIN Ronald La lectura moral de la constituicioacuten y la premisa mayoritaria Instituto de

Investigaciones Juriacutedicas Universidade Nacional Autoacutenoma de Meacutexico 2002 pp 03-29 345

BONAVIDES Paulo Poliacutetica e Constituiccedilatildeo os caminhos da democracia Rio de Janeiro Forense 1985

p 509 apud CARNEIRO Rommel Madeiro de Macedo Teoria da Democracia Participativa anaacutelise agrave luz do

princiacutepio da soberania popular In Revista Juriacutedica da Presidecircncia da Repuacuteblica v 9 ndeg 87 outnov 2007

p 29 346

A pretensatildeo deste toacutepico eacute apenas alertar para a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede como instrumentos de

aperfeiccediloamento de uma democracia participativa natildeo se pretendendo assim desenvolver um exame a fundo

das diferentes teorias acerca da democracia Contudo para o aprofundamento da questatildeo sobretudo acerca das

diferenciaccedilotildees entre as correntes democraacuteticas do liberalismo e comunitarismo e o consequente desenvolvimento

de democracias procedimentais ou substantivas conferir BIELSCHOWSKY Raoni Macedo Democracia

Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2013

161

voltado aos fins coletivos em um quadro de maior participaccedilatildeo e responsabilidade dos

governados

Corrobora com esta visatildeo o raciociacutenio desenvolvido por Paulo Bonavides no sentido

de que no processo de releitura da democracia esta deixa de ser simplesmente uma espeacutecie

de regime poliacutetico e passa a ser encarada como um autecircntico direito (de quarta geraccedilatildeo) que

juntamente com o direito agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo formam a triacuteade necessaacuteria para a

concretizaccedilatildeo da sociedade aberta compreendendo o futuro da cidadania e o porvir da

liberdade dos povos347

Nesse contexto as concepccedilotildees democraacuteticas contemporacircneas tidas como contra-

hegemocircnicas acabam rompendo com a ideologia claacutessica de que o regime democraacutetico seria

uma elaboraccedilatildeo teoacuterica empregada pelos governantes para legitimar o poder e passam a

defender uma leitura da democracia como uma gramaacutetica de organizaccedilatildeo social e da relaccedilatildeo

entre estado e sociedade348

Dentre essas concepccedilotildees destaca-se as construccedilotildees teoacutericas de

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo como elemento de uma sociedade aberta (Peter Haumlberle) e de

democracia deliberativa (Juumlrgen Habermas)

De maneira sucinta a concepccedilatildeo procedimental de democracia desenvolvida por

Habermas buscou abrir espaccedilo para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como

praacutetica da sociedade e natildeo apenas como meacutetodo de constituiccedilatildeo de governos e a partir da

noccedilatildeo de esfera puacuteblica (tido como o local em que os indiviacuteduos pudessem discutir os

problemas em busca de consensos) o referido autor propocircs uma sistemaacutetica de superaccedilatildeo dos

limites da democracia representativa baseada na capacidade da sociedade influenciar o

processo poliacutetico de tomada de decisatildeo a partir de uma aberta discussatildeo349

A ideia de democracia deliberativa eacute desta maneira o ponto de partida para a

compreensatildeo dos arranjos participativos que buscam viabilizar formas diretas de participaccedilatildeo

poliacutetica como eacute o caso dos canais de participaccedilatildeo que satildeo abertos a partir dos Conselhos de

Sauacutede e suas relevantes funccedilotildees350

347

BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 571 348

SANTOS Boaventura de Sousa amp AVRITZER Leonardo Democratizar a democracia os caminhos da

democracia participativa Porto Ediccedilotildees Afrontamento 2002 p 15 Disponiacutevel em

httpptscribdcomdoc52853920Boaventura-de-Sousa-Santos-Democratizar-a-democracia-Os-caminhos-da-

democracia-participativa Acesso em 14062013 349

SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia

deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica

Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 146 350

Sobre a noccedilatildeo de democracia deliberativa Claacuteudio Pereira de Souza Neto aponta que ldquoa democracia

deliberativa surge nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX como alternativa agraves teorias da democracia entatildeo

predominantes as quais a reduziam a um processo de agregaccedilatildeo de interesses particulares cujo objetivo seria a

escolha de elites governantes () A democracia deve envolver aleacutem da escolha de representantes tambeacutem a

162

Conforme se veraacute mais adiante uma das grandes problemaacuteticas com relaccedilatildeo aos

Conselhos de Sauacutede eacute exatamente a dificuldade em se fazer valer os consensos construiacutedos a

partir dos debates realizados e quanto a esta questatildeo eacute pertinente o pensamento de Joshua

Cohen com relaccedilatildeo a potencialidade de os membros da sociedade efetivamente participarem

das decisotildees poliacuteticas

O referido autor tambeacutem tem seu eixo de pensamento desenvolvido a partir da ideia de

democracia deliberativa contudo a preocupaccedilatildeo do seu raciociacutenio eacute a operacionalizaccedilatildeo

dessa deliberaccedilatildeo a partir da institucionalizaccedilatildeo de arranjos de modo a efetivar natildeo somente a

participaccedilatildeo mas tambeacutem as decisotildees dos cidadatildeos Pugna portanto pela ampliaccedilatildeo do

pensamento habermasiano ao defender que os debates travados na esfera puacuteblica natildeo devem

soacute meramente influenciar as decisotildees poliacuteticas uma vez que a legitimidade da democracia

encontra-se exatamente na possibilidade das decisotildees serem tomadas conjuntamente entre

Estado e membros da sociedade351

Noutro poacutertico tambeacutem merece atenccedilatildeo as liccedilotildees de Haumlberle cuja construccedilatildeo teoacuterica

tem suas balizas nos ideais de democracia participativa e se desdobra no alargamento do

ciacuterculo de inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo e na noccedilatildeo de interpretaccedilatildeo como um processo aberto e

puacuteblico iacutensito a sociedade plural352

Desta maneira ao trazer para a ciecircncia hermenecircutica a importacircncia de uma

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo a partir de uma sociedade plural elevando o povo agrave condiccedilatildeo de

inteacuterprete e democratizando o processo de interpretaccedilatildeo das normas constitucionais referido

autor defende ser na realidade social o local onde se encontram os criteacuterios determinantes do

processo interpretativo e por isso o papel do povo nesse processo deve ser valorizado353

Para tanto faz-se necessaacuterio de modo a se alcanccedilar a viabilidade praacutetica da aludida

teoria a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo aberta que garanta o pluralismo e instrumentos de

democracia participativa podendo-se defender nesse contexto que a atual Constituiccedilatildeo de

1988 se enquadra nessa moldura e a previsatildeo da participaccedilatildeo da comunidade no acircmbito do

SUS eacute um dos vaacuterios exemplos que respaldam esse enquadramento

possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questotildees a serem decididas () mas para que essa

funccedilatildeo se realize a deliberaccedilatildeo deve se dar em um contexto aberto livre e igualitaacuterio SOUZA NETO Claacuteudio

Pereira de Deliberaccedilatildeo Puacuteblica Constitucionalismo e Cooperaccedilatildeo Democraacutetica In BARROSO Luiacutes Roberto

(org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 43-44 351

SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia

deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica

Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 152 352

BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 465-466 353

HAumlBERLE Peter Hermenecircutica Constitucional a sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo

Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Fabris 1997 p 13

163

Pois bem feitas tais consideraccedilotildees tem-se que jaacute foi visto na presente pesquisa que o

reconhecimento do direito agrave sauacutede como questatildeo intriacutenseca agrave democracia e agrave participaccedilatildeo

social decorre diretamente de diretriz do SUS encampada na proacutepria Constituiccedilatildeo Federal

(fruto dos esforccedilos da base poliacutetico-ideoloacutegica da Reforma Sanitaacuteria Brasileira) ganhando

vida a partir dos Conselhos e Conferecircncias de Sauacutede institucionalizadas como autecircnticos

espaccedilos de participaccedilatildeo e controle social na sauacutede354

Tal caracteriacutestica iacutempar entre os direitos sociais aleacutem de corroborar com a ideia jaacute

defendida de estar o direito agrave sauacutede posicionado em uma espeacutecie de primeiro plano dentre os

direitos fundamentais sociais frente a sua natureza de direito impreteriacutevel e polifaceacutetico

significa a adoccedilatildeo no ordenamento brasileiro da ideia de que as bases das poliacuteticas puacuteblicas

em sauacutede devem ser ditadas e priorizadas a partir das necessidades mais latentes do povo

reforccedilando a importacircncia da democracia participativa na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Desta maneira satildeo os Conselhos de Sauacutede e as Conferecircncias as instacircncias colegiadas

que materializam a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS funcionando como

relevantes instrumentos para a correccedilatildeo das problemaacuteticas encontradas na efetividade do

direito agrave sauacutede no cenaacuterio hodierno paacutetrio jaacute que possuem responsabilidades tanto na

elaboraccedilatildeo das diretrizes das poliacuteticas em sauacutede como tambeacutem no controle e fiscalizaccedilatildeo do

atingimento das metas pactuadas

Daiacute se dizer que tais Conselhos constituem instacircncias de cogestatildeo puacuteblica integrantes

de um novo tecido social descentralizado e participativo o qual possibilita o reconhecimento

da subjetividade e da diversidade como parte da cidadania e aproxima o direito agrave sauacutede dos

ideais democraacuteticos355

devendo-se portanto serem buscadas medidas que garantam o

eficiente funcionamento dos mesmos

612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil

354

Antes da instituiccedilatildeo do SUS e dos conselhos de sauacutede jaacute existia o embriatildeo da participaccedilatildeo popular no

controle dos recursos descentralizados para estados e municiacutepios Com o Plano Nacional de Reorientaccedilatildeo da

Assistecircncia agrave Sauacutede pela Previdecircncia Social (1981) foi instituiacutedo o programa de Accedilotildees Integradas de Sauacutede ndash

AIS (1983) que era a grosso modo a transferecircncia de recursos para o custeio de serviccedilos Na esteira da criaccedilatildeo

das AIS surgiram nos estados as Comissotildees Interinstitucionais de Sauacutede ndashCIS e nos municiacutepios as Comissotildees

Interinstitucionais Municipais de Sauacutede ndashCIMS Essas comissotildees foram precursoras dos atuais conselhos de

sauacutede pois jaacute contavam com representantes da sociedade civil organizada ZELENOVSKY Maria Antonia

Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees

de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso

em 14062013 355

FLEURY Sonia A questatildeo democraacutetica na sauacutede In FLEURY Sonia (org) Sauacutede e democracia a luta

do CEBES Satildeo Paulo Lemos Editorial 1997 p 40

164

Como visto os Conselhos de Sauacutede foram institucionalizados pela Lei 814290 e as

diretrizes para sua criaccedilatildeo e funcionamento estatildeo reguladas pela Resoluccedilatildeo nordm 33303 do

Ministeacuterio da Sauacutede Tais foacuteruns colegiados atuam em caraacuteter permanente e deliberativo e satildeo

compostos por representantes do governo prestadores de serviccedilo profissionais e usuaacuterios

(cuja representaccedilatildeo eacute paritaacuteria com relaccedilatildeo ao conjunto dos demais segmentos356

) atuando na

formulaccedilatildeo de estrateacutegias e no controle da execuccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede inclusive nos

aspectos econocircmicos e financeiros

As Conferecircncias de Sauacutede por sua vez satildeo instacircncias temporaacuterias que se reuacutenem a

cada quatro anos e possuem a importante funccedilatildeo de avaliar a situaccedilatildeo de sauacutede do paiacutes aleacutem

de propor as diretrizes para a formulaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede nos niacuteveis correspondentes

podendo ser convocada pelo Poder Executivo ou extraordinariamente pelo proacuteprio Conselho

de Sauacutede

A partir da VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede de 1986 tida como marco histoacuterico da

luta democraacutetica no campo da sauacutede tem sido constatada uma crescente participaccedilatildeo da

sociedade nas conferecircncias subsequentes as quais continuamente aprovam inuacutemeras

resoluccedilotildees sobre variados subtemas em sauacutede o que se por um lado demonstra uma maior

preocupaccedilatildeo social em contribuir para a mudanccedila da situaccedilatildeo da sauacutede no paiacutes tambeacutem

denota que a diversidade e complexidade dos problemas enfrentados tendem a uma

pulverizaccedilatildeo das deliberaccedilotildees o que acaba dificultando a identificaccedilatildeo das prioridades de

cada localidade357

Assim em que pese praticamente todos os municiacutepios brasileiros358

possuiacuterem

Conselhos de Sauacutede e realizarem as respectivas Conferecircncias nem sempre tais oacutergatildeos

conseguem contribuir de maneira eficaz para o planejamento da sauacutede puacuteblica jaacute que alguns

fatores impossibilitam a perfeita realizaccedilatildeo de todas as funccedilotildees inerentes aos mesmos

Nesse sentido a Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa do Ministeacuterio da

Sauacutede vem promovendo avaliaccedilotildees sobre a inserccedilatildeo das deliberaccedilotildees de tais foacuteruns nos

processos decisoacuterios e nos modos de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas locais de

sauacutede no intuito de aferir o niacutevel de eficaacutecia democraacutetica dos mesmos e propor inovaccedilotildees

356

A representaccedilatildeo paritaacuteria (25 de trabalhadores de sauacutede 25 de prestadores de serviccedilos (puacuteblicos e

privados) 50 de usuaacuterios) foi estabelecida como forma da comunidade ter efetiva participaccedilatildeo 357

Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 12 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013 358

Como jaacute visto a normatizaccedilatildeo do SUS estipulou a criaccedilatildeo de Conselhos como exigecircncia para o repasse de

verbas fundo a fundo assim a maior parte dos municiacutepios e todos os estados da federaccedilatildeo o fizeram

165

metodoloacutegicas visando agrave ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo social sobretudo a partir da alocaccedilatildeo de

recursos para a capacitaccedilatildeo no campo da educaccedilatildeo em sauacutede359

Contudo antes de partir para uma anaacutelise dos principais problemas enfrentados no

acircmbito dos Conselhos e apresentar hipoacuteteses de soluccedilatildeo para os mesmos faz-se imperioso

reforccedilar as funccedilotildees mais relevantes de tais foacuteruns deliberativos espalhadas nos principais

instrumentos legislativos relacionados agrave sauacutede puacuteblica

A Constituiccedilatildeo Federal no art 77 III sect 3deg do ADCT jaacute deixa claro que os recursos

das dos Estados do DF e dos Municiacutepios destinados agrave sauacutede e os transferidos pela Uniatildeo para

a mesma finalidade seratildeo aplicados por meio do Fundo de Sauacutede cuja fiscalizaccedilatildeo e

acompanhamento cabem aos respectivos Conselhos de Sauacutede Tal incumbecircncia eacute reforccedilada no

art 33 da Lei do SUS a qual tambeacutem deixa clara a necessidade de serem tais oacutergatildeos

deliberativos ouvidos no processo de planejamento e orccedilamento do SUS (art 36) cabendo ao

Conselho Nacional de Sauacutede estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboraccedilatildeo dos

planos de sauacutede (art 37)

Na jaacute mencionada Lei nordm 814290 aleacutem das disposiccedilotildees jaacute informadas eacute de se

destacar a regra constante no inciso II do art 4deg o qual inclui entre os requisitos para que os

Estados e Municiacutepios recebam os repasses de verbas automaacuteticos fundo a fundo a preacutevia

existecircncia de Conselho de Sauacutede que respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios o que

reforccedila a importante funccedilatildeo fiscalizatoacuteria de tais conselhos

Em acircmbito infralegal a Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede nordm 3992006 que divulga o

Pacto pela Sauacutede ao tratar da importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social enumera

dentre outras accedilotildees relevantes como a necessidade de serem apoiados os conselhos de sauacutede

as conferecircncias e os movimentos sociais que atuam no campo de sauacutede o processo de

formaccedilatildeo dos conselheiros a participaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos cidadatildeos nos serviccedilos de sauacutede o

processo de educaccedilatildeo popular em sauacutede visando agrave qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo

social no SUS

Aleacutem disso o mesmo instrumento ao tratar da responsabilidade dos Municiacutepios no

planejamento e programaccedilatildeo do plano de sauacutede termina reforccedilando a necessidade de ser tal

plano submetido ao crivo do Conselho de Sauacutede correspondente para aprovaccedilatildeo bem como

dispotildee que as decisotildees pactuadas a partir das negociaccedilotildees das Comissotildees Intergestores que

versarem sobre mateacuteria da esfera de competecircncia dos conselhos deveratildeo ser tambeacutem

submetidas agrave apreciaccedilatildeo destes

359

Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 18 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013

166

Na Portaria nordm 6482006 que aprova a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica por sua

vez ao tratar do financiamento da atenccedilatildeo baacutesica eacute estabelecido que os repasses referentes

aos pisos de atenccedilatildeo baacutesico aos municiacutepios devem ser efetuados em conta aberta

especificamente para essa finalidade objetivando facilitar o acompanhamento dos respectivos

Conselhos os quais juntamente com o Poder Legislativo e o Ministeacuterio Puacuteblico deveratildeo ser

notificados quanto aos avisos de creacutedito lanccedilados juntamente medida de suma relevacircncia para

a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos em sauacutede

Aleacutem disso tal Portaria reforccedila a necessidade da comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos

recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede ser apresentada ao Ministeacuterio da Sauacutede e

ao Estado atraveacutes de relatoacuterio de gestatildeo o qual tambeacutem deveraacute ser aprovado pelo respectivo

Conselho

Finalmente a aludida Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede eacute o instrumento

mais especiacutefico quanto ao tema e apresenta importantes regras relacionadas agrave estruturaccedilatildeo e

funcionamento dos Conselhos destacando-se o seguinte

i o dever360

de o Executivo respeitar os princiacutepios democraacuteticos a partir do

consequente acolhimento das demandas da populaccedilatildeo consubstanciadas nas

Conferecircncias de Sauacutede

ii a natureza de funccedilatildeo de relevacircncia puacuteblica361

dos respectivos conselheiros

os quais ficam dispensados do seu trabalho durante as accedilotildees especiacuteficas no

respectivo Conselho

iii o dever de o governo362

garantir autonomia para o pleno funcionamento dos

Conselhos dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria (com gerenciamento do orccedilamento pelo

proacuteprio Conselho) Secretaria Executiva e estrutura administrativa

iv a necessidade de a cada trecircs meses363

o gestor de sauacutede local se pronunciar

perante o Conselho acerca do andamento da agenda de sauacutede pactuada

apresentando o relatoacuterio de gestatildeo com a respectiva prestaccedilatildeo de contas

sobre o montante e a forma de aplicaccedilatildeo dos recursos repassados bem como

a descriccedilatildeo da produccedilatildeo e ofertas de serviccedilos na rede assistencial proacutepria ou

contratada com a respectiva comprovaccedilatildeo de congruecircncia com os princiacutepios

e diretrizes do SUS

360

Paraacutegrafo uacutenico da segunda diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 361

Inciso X da terceira diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 362

Caput da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 363

Inciso X da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede

167

v oitiva do Ministeacuterio Puacuteblico em caso de necessidade de auditorias externas e

independentes feitas pelos Conselhos sobre as contas e atividades do gestor

do SUS bem como recurso para o Parquet em caso de natildeo homologaccedilatildeo dos

atos deliberativos dos Conselhos pelo chefe do poder constituiacutedo em cada

esfera de governo no prazo de trinta dias364

e

vi a competecircncia dos Conselhos para especialmente365

vi1 definir as

diretrizes para elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e sobre eles deliberar

conforme as diversas situaccedilotildees epidemioloacutegicas e a capacidade

organizacional dos serviccedilos vi2 aprovar a proposta orccedilamentaacuteria anual da

sauacutede tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de

Diretrizes Orccedilamentaacuterias observado o princiacutepio do processo de

planejamento e orccedilamentaccedilatildeo ascendentes vi3 propor criteacuterios para a

programaccedilatildeo e execuccedilatildeo financeira e orccedilamentaacuteria dos Fundos de Sauacutede

acompanhando a movimentaccedilatildeo e destinaccedilatildeo dos recursos fiscalizando e

controlando os gastos e finalmente deliberando sobre os criteacuterios de

movimentaccedilatildeo de tais recursos fundo a fundo

Do exame das atribuiccedilotildees acima citadas depreende-se que os Conselhos e as

respectivas Conferecircncias de Sauacutede se apresentam como os instrumentos basilares para a

concretizaccedilatildeo da diretriz constitucional do SUS referente agrave participaccedilatildeo da comunidade

funcionando como um catalizador do processo de construccedilatildeo de uma democracia participativa

em mateacuteria de sauacutede no ordenamento paacutetrio jaacute que tais foacuteruns representativos possuem

funccedilotildees tanto relacionadas com a fiscalizaccedilatildeo e acompanhamento da aplicaccedilatildeo dos recursos

como tambeacutem com a proacutepria elaboraccedilatildeo e participaccedilatildeo das diretrizes que embasaratildeo o

planejamento em sauacutede

De se destacar desde jaacute outro importante aspecto dos Conselhos que seraacute pertinente

para o exame do toacutepico seguinte que eacute o fato de tais foacuteruns funcionarem como mitigadores da

proacutepria discricionariedade do administrador no processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas em sauacutede jaacute que as escolhas e prioridades a serem empreendidas devem estar

amoldadas agraves diretrizes expostas pelos Conselhos na elaboraccedilatildeo do plano de sauacutede e por estes

aprovadas366

364

Incisos XI e XII da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 365

Incisos X XII XIII e XIV da quinta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 366

No mesmo sentido aponta Faacutetima Vieira Henriques que ldquose uma poliacutetica sanitaacuteria tiver sido objeto de lei ou

de resoluccedilatildeo emanada dos Conselhos de Sauacutede bem como se tiver o proacuteprio administrador a elaborado e

168

Nesse sentido tais Conselhos consubstanciam um importante canal de abertura para

um controle popular na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o papel dos mesmos termina se

estendendo por toda a cadeia da poliacutetica puacuteblica de sauacutede jaacute que atuam tanto na fase anterior

(elaboraccedilatildeo) quanto na concomitante (acompanhamento) e na posterior (aprovaccedilatildeo das

prestaccedilotildees de conta quanto agraves metas pactuadas) o que soacute sobreleva a necessidade de tais

foacuteruns serem melhor estruturados eficientemente capacitados e principalmente cobrados

quanto ao pleno exerciacutecio de suas atribuiccedilotildees Ou seja a realizaccedilatildeo praacutetica e de maneira

eficaz das atribuiccedilotildees previstas para tais oacutergatildeos deliberativos eacute um objetivo que deve ser

buscado e cada vez mais aperfeiccediloado significando sua concretizaccedilatildeo um importante

mecanismo para a efetividade do direito agrave sauacutede

Ocorre que infelizmente a realidade de tais Conselhos eacute bastante diferente da

previsatildeo arquitetada no papel e diversos problemas organizacionais dificultam a perfeita

estruturaccedilatildeo praacutetica dos mesmos conforme se veraacute adiante

Em primeiro lugar pode ser destacada a falta de infraestrutura minimamente

organizada aleacutem de apoio administrativo operacional econocircmico e financeiro para o seu

pleno e regular funcionamento o que acaba dificultando a anaacutelise dos assuntos colocados em

pauta e desestimulando a atuaccedilatildeo dos conselheiros

Nesse sentido frente agrave natureza de relevacircncia puacuteblica dos conselheiros e a importacircncia

das atribuiccedilotildees dos respectivos Conselhos de Sauacutede a estruturaccedilatildeo miacutenima que garanta a

potencialidade de eficiecircncia dos mesmos deve ser mais levada a seacuterio pelo Poder Puacuteblico

como verdadeira prioridade devendo o cumprimento das disposiccedilotildees acima referenciadas

serem fiscalizadas tanto pela populaccedilatildeo como pelo Ministeacuterio Puacuteblico sendo quando

necessaacuterio pleiteado judicialmente o respeito a tais determinaccedilotildees

A soluccedilatildeo para este problema eacute simples Por forccedila da Lei nordm 814290 como jaacute

mencionado dentre os requisitos para que os Estados e Municiacutepios possam receber os repasse

fundo a fundo encontra-se a necessidade de preacutevia existecircncia de Conselho de Sauacutede que

respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios

Defende-se que a leitura dessa previsatildeo deve ser no sentido de que ldquopreacutevia existecircnciardquo

natildeo diz respeito unicamente a existecircncia de uma estrutura fiacutesica em si (meramente um preacutedio

implementado passa a ser dever praticar os atos concretos necessaacuterios agrave sua execuccedilatildeo inclusive fazer constar do

orccedilamento creacutedito correspondente dotaacute-lo de recursos bastantes e liberaacute-los oportunamente Igualmente caso o

administrador tenha decidido colocar em funcionamento determinado serviccedilo de sauacutede teraacute se comprometido

logicamente a prestaacute-lo com eficiecircncia ateacute porque adstrito que estaacute pela Constituiccedilatildeo natildeo lhe eacute dado agir

diferentemente Tambeacutem aqui por oacutebvio natildeo haacute discricionariedade possiacutevelrdquo HENRIQUES Faacutetima Vieira

Direito Prestacional agrave sauacutede e Atuaccedilatildeo Jurisdicional In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel

(coords) Direitos sociais Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro

Lumen Juris 2010 p 858

169

do Conselho ou uma sala) mas mais do que isso o respeito agrave todas as disposiccedilotildees quanto ao

funcionamento e estruturaccedilatildeo dos Conselhos previstas na jaacute referida Resoluccedilatildeo nordm 3332003

do Ministeacuterio da Sauacutede podendo e devendo desta maneira o Judiciaacuterio ao ser provocado

(especialmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico) determinar a suspensatildeo dos repasses de valores dos

fundos de sauacutede ateacute que sejam respeitadas e cumpridas as determinaccedilotildees quanto ao

funcionamento regular e eficiente de tais Conselhos por parte do Poder Puacuteblico

Outro relevante problema estrutural que claramente compromete a proacutepria essecircncia

democraacutetica de tais Conselhos eacute o fato de em alguns casos a presidecircncia dos mesmos acabar

sendo exercida pelos proacuteprios gestores dos recursos do SUS o que termina subvertendo

completamente a loacutegica de funcionamento de tais Conselhos jaacute que os gestores acabam se

tornando fiscais de si proacuteprio prejudicando assim a ideia de participaccedilatildeo paritaacuteria dos

usuaacuterios aleacutem de ofender os nortes constitucionais da democracia participativa moralidade

administrativa e participaccedilatildeo da comunidade no SUS

Desta maneira os regimentos internos dos Conselhos de Sauacutede pelo Brasil afora que

estabelecem gestores de sauacutede como seus presidentes natos ofendem os artigos 1deg II e

paraacutegrafo uacutenico art 37 caput e art 198 III da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildee

respectivamente sobre democracia participativa princiacutepio da moralidade e participaccedilatildeo da

comunidade como diretriz do SUS367

jaacute que em tais circunstacircncias resta confundida a figura

de controlador com a de controlado o que em uacuteltima instacircncia fulmina o relevante papel

fiscalizador e controlador de tais Conselhos Daiacute por que ser medida mais aconselhaacutevel agrave

resoluccedilatildeo deste problema a alteraccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede no

sentido de acrescentar a proibiccedilatildeo do gestor ocupar a respectiva presidecircncia dos Conselhos

Seguindo outro entrave ao pleno funcionamento dos Conselhos eacute o recorrente retardo

prolongado ou ateacute mesmo a proacutepria falta de homologaccedilatildeo por parte do gestor das

deliberaccedilotildees do Conselho o que leva ao risco de tornar sem efeito tais decisotildees e termina

prejudicando a realizaccedilatildeo dos anseios acordados no acircmbito desses oacutergatildeos deliberativos jaacute que

a implementaccedilatildeo efetiva das decisotildees empreendidas nas reuniotildees depende de homologaccedilatildeo

parar surtir efeitos praacuteticos368

Como natildeo haacute institutos juriacutedicos que obriguem diretamente o Executivo a acatar as

decisotildees dos conselhos (decisotildees essas que muitas vezes contrariam os interesses

367

GAVRONSKI Alexandre Amaral Conselhos de Sauacutede Democracia Participativa e a inconstitucionalidade

da Presidecircncia Nata In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 4 nordm 2 Satildeo Paulo 2003 p 87 368

ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede

possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013

170

dominantes) a saiacuteda para os mesmos como jaacute visto anteriormente (inciso XII da quarta

diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede) eacute recorrer ao Ministeacuterio Puacuteblico

nos casos em que natildeo haacute homologaccedilatildeo dos seus atos deliberativos pelo Poder Puacuteblico no

prazo de trinta dias devendo o Parquet diligenciar de modo a serem cumpridas as

determinaccedilotildees pactuadas nas deliberaccedilotildees dos Conselhos fazendo valer assim tanto a

referida Resoluccedilatildeo quanto a Lei nordm 814290 podendo se utilizar para isso do importante

mecanismo extrajudicial do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)

De se destacar tambeacutem a dificuldade em se manter os Conselhos como espaccedilos

voltados para os interesses da populaccedilatildeo visto que eacute recorrente no paiacutes o risco de

desvirtuamento da representaccedilatildeo popular dos integrantes dos Conselhos os quais na maioria

das vezes por natildeo passarem por capacitaccedilatildeo alguma natildeo possuem o conhecimento necessaacuterio

quanto agraves possibilidades de sua atuaccedilatildeo e os instrumentos legais a eles disponiacuteveis cenaacuterio

este que contribui para a caracterizaccedilatildeo dos Conselhos como espaccedilos paralelos ao dos oacutergatildeos

estatais aproximando-o dos interesses locais dominantes em detrimento do interesse

coletivo369

Por isso que na maioria dos Conselhos eacute normal se identificar um verdadeiro (e de

certo modo inerente) quadro de desigualdade de informaccedilotildees entre seus membros os quais

representando segmentos diversos acabam natildeo se entendendo da melhor maneira nos assuntos

a serem debatidos o que enfraquece o papel desses oacutergatildeos deliberativos e em especial a

influecircncia do papel da participaccedilatildeo dos usuaacuterios

Nesse contexto eacute medida salutar agrave concretizaccedilatildeo do poder conferido aos usuaacuterios

reforccedilando agrave previsatildeo da representaccedilatildeo paritaacuteria dos mesmos uma capacitaccedilatildeo progressiva

dos conselheiros representantes dos anseios do povo de modo que a falta de informaccedilatildeo destes

com relaccedilatildeo a assuntos especiacuteficos dos prestadores e profissionais de sauacutede bem como dos

gestores natildeo termine esvaziando a importante funccedilatildeo dos mesmos perante os Conselhos nem

acabe os desestimulando pela precaacuteria contribuiccedilatildeo por eles proporcionada

A escolha por uma representaccedilatildeo paritaacuteria (50 de conselheiros usuaacuterios 25

gestores e 25 profissionais de sauacutede) que privilegie a participaccedilatildeo do povo portanto deve

ser acompanhada de uma sistematizada capacitaccedilatildeo de modo que os anseios da populaccedilatildeo

sejam compreendidos e acatados nos importantes debates travados nas reuniotildees dos

369

LOPES Joseacute Reinaldo de Lima Os Conselhos de Participaccedilatildeo Popular ndash Validade Juriacutedica de suas Decisotildees

In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 1 nordm 1 Satildeo Paulo 2000 p 24

171

Conselhos e nas Conferecircncias de Sauacutede o que vem a corroborar com a realizaccedilatildeo da

democracia participativa iacutensita a tais oacutergatildeos370

Desta forma em que pese essa paridade significar um importante mecanismo

democraacutetico na estruturaccedilatildeo dos conselhos a mesma natildeo se reduz simplesmente a uma

questatildeo numeacuterica de metade-metade mas sim a uma estruturaccedilatildeo que implique em uma

correlaccedilatildeo de forccedilas tendente a garantir a equidade nas condiccedilotildees de participaccedilatildeo e tomada de

decisatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as assimetrias existentes entre as representaccedilotildees

governamentais e natildeo governamentais371

Reforccedilando este raciociacutenio tem-se que a estruturaccedilatildeo arquitetada para tais oacutergatildeos

deliberativos eacute guiada pela diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da comunidade e

desta maneira o papel dos conselheiros que representam os profissionais de sauacutede e os

gestores deve ser interpretado agrave luz de tal diretriz com vistas a priorizar as necessidades

apontadas pelos usuaacuterios

Desta maneira as funccedilotildees inerentes aos conselheiros representantes dos profissionais

de sauacutede devem se aproximar muito mais de uma tarefa informativa e esclarecedora quanto

aos problemas apontados pelos usuaacuterios do que um desempenho voltado a fazer valer

interesses privados das classes ali representadas Da mesma forma o papel da parcela de

conselheiros representantes dos gestores deve ser voltado a uma atuaccedilatildeo comunicadora como

um canal de abertura que repasse os anseios apontados pelos usuaacuterios para o Poder Puacuteblico e

natildeo como um meio de se impor as determinaccedilotildees preacute-definidas do Poder Puacuteblico com relaccedilatildeo

as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede

Outro ponto problemaacutetico eacute a falta de transparecircncia e de divulgaccedilatildeo tanto da existecircncia

quanto das proacuteprias atividades de tais Conselhos sendo constatado que a populaccedilatildeo raramente

eacute informada pelos principais canais (televisatildeo raacutedio internet por exemplo) acerca de dados

relativos agrave proacutepria sede dos mesmos (endereccedilo telefone de contato horaacuterio de funcionamento

e atendimento agrave populaccedilatildeo) bem como quanto agrave realizaccedilatildeo das eleiccedilotildees dos conselheiros das

370

Questionando o real acesso da populaccedilatildeo a esses espaccedilos de construccedilatildeo de uma democracia participativa

frente agrave tecnicidade imposta pelo Estado no trato dos desafios da vida cotidiana o psicoacutelogo social Dario

Schezzi aponta para a importacircncia de se instituir Conselhos Territoriais de Cidadania como espeacutecies de ldquobraccedilosrdquo

dos Conselhos de Sauacutede onde a comunidade possa participar mais facilmente e retratar as principais

dificuldades vivenciadas sendo tais dados repassados nas respectivas reuniotildees SCHEZZI Dario Henrique

Teoacutefilo Implantaccedilatildeo de Conselhos Locais de Sauacutede desafios agrave efetivaccedilatildeo da democracia participativa In

Sauacutede e transformaccedilatildeo socialv3 nordm 2 UFSC Florianoacutepolis 2012 p 03 371

RAICHELIS Raquel Os Conselhos de gestatildeo no contexto internacional In Conselhos Gestores de Poliacuteticas

Puacuteblicas Revista Poacutelis nordm 37 Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2000 p 44

172

reuniotildees os resultados das deliberaccedilotildees os contatos dos conselheiros representantes dos

usuaacuterios etc372

613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de

sauacutede no paiacutes

As dificuldades conjunturais delineadas (especialmente a assimetria existente entre os

diversos segmentos da sociedade civil e os agentes governamentais com relaccedilatildeo agraves

informaccedilotildees e conhecimentos necessaacuterios a uma efetiva participaccedilatildeo nas deliberaccedilotildees)

interferem diretamente na qualidade do processo decisoacuterio empreendido no acircmbito dos

Conselhos sendo primordial a busca por mecanismos que proporcionem condiccedilotildees

equitativas entre os atores envolvidos visando a um melhor diaacutelogo e a um aperfeiccediloamento

do grau de legitimidade dos processos de deliberaccedilatildeo373

Para tanto eacute fundamental se examinar as variaacuteveis inerentes agrave qualidade desse

processo decisoacuterio as quais envolve dentre outros pontos relevantes para se aferir o niacutevel de

efetividade do controle social sobre as poliacuteticas de sauacutede como a existecircncia ou natildeo de debates

preacutevios agraves decisotildees a pluralidade dos interesses envolvidos o niacutevel de autonomia dos sujeitos

para sustentar suas posiccedilotildees e o maior ou menor poder de cada membro ou segmento na

construccedilatildeo da agenda dos assuntos a serem enfrentados374

Quanto a essas nuances identifica-se ser rotineiro o engessamento do poder dos

Conselhos nas tomadas de decisatildeo especialmente da parcela de conselheiros representante

372

Considerado conselho-referecircncia no ano de 2009 por apresentar um alto niacutevel de amadurecimento e realizar

um bom trabalho no controle da sauacutede municipal o Conselho Municipal de Sauacutede de Paraacute de MinasMG por

exemplo divulga na imprensa local todas as suas accedilotildees sendo seu trabalho reconhecido por grande parte da

comunidade da regiatildeo Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo ndash Brasiacutelia TCU

4ordf Secretaria de Controle Externo 2010 p54 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF Acessado em 15062013 373

Pertinente agrave celeuma do deacuteficit democraacutetico dos Conselhos de Sauacutede eacute a criacutetica de Diego Valadeacutes

perfeitamente tambeacutem adequada a estes espaccedilos democraacuteticos acerca da crise de qualidade representativa dos

partidos poliacuteticos e o consequente enfraquecimento da participaccedilatildeo popular no acircmbito dos mesmos Na visatildeo do

referido autor sob um prisma de democracia constitucional eacute necessaacuteria uma regulaccedilatildeo juriacutedica mais eficaz dos

partidos que ao exercerem um quase monopoacutelio das vias de participaccedilatildeo precisam ter internamente garantidos

um miacutenimo de qualidade democraacutetica evitando que se convertam em uma casta profissional privilegiada e

dedicada a defesa de interesses diversos dos desejos do eleitor Neste vieacutes aponta o mesmo que a participaccedilatildeo

popular e soberania do povo natildeo eacute contraacuteria a governabilidade ou contra a legitimidade dos partidos e eleiccedilotildees

como instrumentos baacutesicos de divisatildeo do poder Contudo na democracia constitucional se exige algo a mais que

a mera adesatildeo as propostas programaacuteticas e listas eleitorais se tratando de uma cumulaccedilatildeo de direitos com a

possibilidade de se exigir contas avaliar rendimentos e outras formas de se sentir cidadatildeo propostas que se

enquadram perfeitamente as necessidades da participaccedilatildeo nos Conselho de Sauacutede VALADEacuteS Diego Cinco

grandes retos (y otras tantas amenazas) para la democracia constitucional em el siglo XXI In Revista Latino-

Americana de Estudos Constitucionais Fortaleza Ediccedilotildees Demoacutecrito Rocha 2010 p 598-612 374

TATAGIBA Luciana amp TEXEIRA Ana Claudia Chaves O papel do CMS na Poliacutetica de Sauacutede em Satildeo

Paulo In Caderno ndeg 29 do Observatoacuterio dos Direitos do Cidadatildeo Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2007 p 10

173

dos usuaacuterios visto que quando o governo propotildee a inclusatildeo de determinado tema na pauta

dos mesmos os programas e poliacuteticas quanto a esta temaacutetica jaacute satildeo quase sempre preacute-

definidas ocasionando certo esvaziamento do papel preacutevio dos Conselhos os quais ficam

com suas atividades restritas agrave questotildees meramente formais acerca da execuccedilatildeo e

implementaccedilatildeo da poliacutetica jaacute previamente elaborada sendo raro a oportunizaccedilatildeo de se discutir

no acircmbito dos Conselhos os aspectos referentes agrave etapa de elaboraccedilatildeo375

Vislumbra-se desta forma que o governo na maioria das vezes apenas cumpre o rito

de apresentaccedilatildeo e informaccedilatildeo acerca da implementaccedilatildeo de uma poliacutetica elaborada havendo

uma clara dissociaccedilatildeo entre a agenda das poliacuteticas e a dos Conselhos praacutetica que atenta contra

a proacutepria natureza de tais oacutergatildeos de deliberaccedilatildeo e enfraquece sua essecircncia democraacutetica uma

vez que quando satildeo convocados para a discussatildeo do que jaacute foi previamente elaborado aos

mesmos acaba sendo afastada a possibilidade de interferirem no espectro de incidecircncia sobre

o nuacutecleo duro das poliacuteticas de sauacutede376

Desta maneira vecirc-se que a configuraccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como efetivos

espaccedilos de deliberaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede depende diretamente do comprometimento do

Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos um niacutevel simeacutetrico de capacidade tanto de

elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo a agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem

seguidas

Nesse sentido a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si soacute natildeo significa

garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual somente poderaacute

ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados na organizaccedilatildeo

dos Conselhos e o consequente respeito e cumprimento das previsotildees constantes na Resoluccedilatildeo

nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 jaacute examinadas377

375

Nesse sentido os conselheiros representantes dos usuaacuterios muitas vezes natildeo possuem papel relevante na

discussatildeo a qual acaba se convertendo em mero ritual para aprovaccedilatildeo dos anseios dos gestores ESCOREL

Sarah amp MOREIRA Marcelo Rasga Desafios da participaccedilatildeo social em sauacutede na nova agenda da reforma

sanitaacuteria democracia deliberativa e efetividade In Participaccedilatildeo Democracia e Sauacutede Rio de Janeiro

CEBES 2009 p 240 Disponiacutevel em httpwwwcebesorgbrmediaFilelivro_particioacaopdf Acesso em

15062013 376

PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa no Brasil a praacutetica dos conselhos

de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 11 Disponiacutevel em httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso

em 16062013 377

Reforccedilando esse raciociacutenio Pedro Pontual pondera que ldquoapesar do avanccedilo que representaram os conselhos

em muitos aspectos no sentido da democratizaccedilatildeo e maior controle social das poliacuteticas puacuteblicas tal experiecircncia

natildeo teve ainda a forccedila e as qualidades necessaacuterias para produzir os impactos poliacuteticos necessaacuterios para alterar a

loacutegica clientelista que marcou historicamente a relaccedilatildeo do Estado com o sistema poliacutetico-partidaacuterio que daacute

sustentaccedilatildeo aacute eleiccedilatildeo dos representantes pelo voto universal Tal loacutegica eacute a matriz de velhos e conhecidos

mecanismos de corrupccedilatildeo fisiologismo e apropriaccedilotildees privadas de recursos puacuteblicos que de haacute muito satildeo

praticadas em relaccedilatildeo ao Estado e aos recursos puacuteblicos Esta loacutegica adquiriu tal forccedila que ateacute mesmo as forccedilas

sociais e poliacuteticas que lutam pela sua alteraccedilatildeo radical natildeo estatildeo imunes a mesma e em alguns casos tornaram-se

presas do clientelismo tatildeo combatido PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa

174

Corroborando com a visatildeo acima diversos estudos e pesquisas pelo Brasil378

comprovam a ineficiecircncia dos Conselhos de Sauacutede e retratam os problemas conjunturais supra

mencionados o que faz ligar o sinal de alerta para a necessidade de uma imediata

reestruturaccedilatildeo de tais instrumentos379

sobretudo a partir da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na

fiscalizaccedilatildeo do implemento das obrigaccedilotildees legais dos mesmos vislumbrando-se possiacutevel a

atuaccedilatildeo judicial no sentido de que a legislaccedilatildeo mencionada do tema seja respeitada e

eficientemente cumprida na praacutetica

Aleacutem do apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo quanto ao respeito das diretrizes

funcionais de tais Conselhos eacute certo que outros atores podem ajudar na tarefa de se garantir

uma melhor abertura desses espaccedilos democraacuteticos como eacute o caso das Organizaccedilotildees Natildeo

Governamentais ligadas agrave aacuterea de sauacutede e as comissotildees de sauacutede tanto da Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB) quanto das defensorias puacuteblicas que podem mediante accedilotildees

especiacuteficas incentivar (sobretudo pelas redes sociais na internet) a maior participaccedilatildeo da

sociedade380

a partir da divulgaccedilatildeo de detalhes quanto as reuniotildees eleiccedilotildees e estruturaccedilatildeo dos

Conselhos

Os Tribunais de Conta por sua vez tambeacutem exercem papel relevante nessa jornada Jaacute

foi visto que devido agraves previsotildees constantes no art 77 III sect 3deg do ADCT e no art 33 da Lei

do SUS foi conferido aos Conselhos de Sauacutede o importante poder de fiscalizar os recursos

destinados agraves accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede ldquosem prejuiacutezo do disposto no art 74rdquo da CF

ficando impliacutecito com tal ressalva que esse controle deve ocorrer de forma paralela ao

no Brasil a praacutetica dos conselhos de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 17 Disponiacutevel em

httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso em 16062013 378

Variadas pesquisas realizadas demonstram que a intensidade da democracia nos conselhos eacute baixa e na

maioria das vezes suas atividades satildeo focadas em procedimentos burocraacuteticos constataccedilotildees refletidas na falta e

capacitaccedilatildeo dos conselheiros os quais na maioria das vezes natildeo foram instruiacutedos de modo a ter a exata noccedilatildeo

acerca de suas relevantes atribuiccedilotildees Nesse sentido confiram-se dentre outras

httpwwwunbcienciaunbbrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=165conselhos-de-saude-sao-

ineficientes-e-nao-representam-a-populacaoampcatid=34ciencias-da-saude

httpwwwsociologiaufscbrnpmsines_pelizzaro_raquellen_milbratzpdf

httpwwwscielobrpdfrapv43n607pdf Acessadas em 15062013 379

Muitas vezes a proacutepria autonomia que eacute concedida aos Conselhos gera um efeito colateral indesejaacutevel que eacute o

fato de as disposiccedilotildees constantes nos respectivos regimentos internos dos mesmos nem sempre terminar

seguindo fielmente as diretrizes da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 ou ateacute mesmo subvertendo-as quadro que termina

engessando a atuaccedilatildeo desses oacutergatildeos deliberativos e enfraquecendo a proacutepria efetividade democraacutetica dos

mesmos 380

Dados do relatoacuterio final da 14deg Conferecircncia Nacional de Sauacutede ocorrida em 2012 respaldam a importacircncia da

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo nesses foacuteruns deliberativos sendo destacado que para a realizaccedilatildeo da mesma

ocorreram previamente 4374 conferecircncias municipais e estaduais nos 27 estados brasileiros o que significa cerca

de 78 do total das conferecircncias esperadas marca que pode ser considerada como histoacuterica no quadro de lutas

pela sauacutede puacuteblica no paiacutes Relatoacuterio final da 14ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede Todos usam o SUS SUS na

seguridade social Poliacutetica puacuteblica patrimocircnio do povo brasileiro Ministeacuterio da Sauacutede Conselho Nacional de

Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012 p 9

Disponiacutevel em httpconselhosaudegovbrbibliotecaRelatoriosimg14_cns20relatorio_finalpdf Acessado

em 17062013

175

controle interno do proacuteprio Executivo o qual por sua vez tem a finalidade de apoiar o

controle externo no exerciacutecio de sua missatildeo institucional sendo este exercido com o apoio

dos Tribunais de Contas

Depreende-se desse raciociacutenio que os Conselhos de Sauacutede podem atuar em parceria

com os Tribunais de Contas e essa relaccedilatildeo torna-se beneacutefica para uma maior eficiecircncia no

desenvolvimento das funccedilotildees de ambos381

o que contribui para a ampliaccedilatildeo na sociedade

civil da possibilidade de uma cultura participativa no controle da efetividade das poliacuteticas

puacuteblicas382

Nesse raciociacutenio os Tribunais de Contas ganham jaacute que suas accedilotildees satildeo

reforccediladas pela cooperaccedilatildeo das comunidades diretamente envolvidas os Conselhos de Sauacutede

tambeacutem uma vez que passa a existir um incremento na qualidade do controle do gasto

puacuteblico e na identificaccedilatildeo dos recursos transferidos e finalmente a populaccedilatildeo que fica

respaldada por uma fiscalizaccedilatildeo mais incisiva contra a maacute utilizaccedilatildeo dos recursos e corrupccedilatildeo

A ideia defendida nesse toacutepico portanto eacute a de que os Conselhos de Sauacutede autecircnticos

canais para que a sociedade participe e dite o ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em

sauacutede satildeo importantes mecanismos de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no ordenamento

paacutetrio e como natildeo eacute dada a atenccedilatildeo necessaacuteria aos mesmos (uma vez que a configuraccedilatildeo legal

prevista para o mesmo eacute subvertida na praacutetica por inuacutemeros viacutecios383

) o apoio de outros

atores (incluindo-se o papel do Judiciaacuterio ao primar pelo cumprimento do arcabouccedilo

legislativo que rege tais Conselhos) eacute medida salutar para a melhoria da eficiecircncia

democraacutetica desses espaccedilos384

Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede a ser estudado a seguir diz

respeito aos gastos em sauacutede e a consequente necessidade de que o caraacuteter prioritaacuterio desse

381

O Tribunal de Contas da Uniatildeo jaacute realizou inuacutemeros projetos ligados ao estiacutemulo do controle social

sobretudo com relaccedilatildeo aos Conselhos de Sauacutede destacando-se por exemplo a elaboraccedilatildeo do documento

Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo elaborado pela 4ordf Secretaria de Controle

Externo do TCU no ano de 2010 o qual pode ser consultado no siacutetio eletrocircnico a seguir

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF 382

ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede

possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 15 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013 383

Alguns viacutecios jaacute apontados como a burocratizaccedilatildeo dos conselhos o corporativismo a partidarizaccedilatildeo a falta

de representatividade satildeo indicativos claros para essa reflexatildeo e eventuais mudanccedilas de enfoque ou mesmo

adoccedilatildeo de novas iniciativas BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa A

construccedilatildeo do SUS histoacuterias da Reforma Sanitaacuteria e do Processo Participativo Ministeacuterio da Sauacutede

Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2006 p 237 384

Corroborando com esse posicionamento Eduardo Ribeiro Moreira pondera que essa posiccedilatildeo renovada de

controle com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute marcada natildeo soacute pela criaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como tambeacutem pelo

fortalecimento das accedilotildees do Poder Legislativo atraveacutes das Comissotildees de Sauacutede das Assembleias Legislativas e

das Cacircmaras Municipais pela maior participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico e pela nova posiccedilatildeo do Judiciaacuterio agindo

energicamente no combate aos maus gestores MOREIRA Eduardo Ribeiro Direito Constitucional atual Rio

de Janeiro Elsevier 2012 p 345

176

direito seja garantido desde a fase orccedilamentaacuteria destacando-se nesse ponto temas

importantes como a possibilidade de se criar em todas as esferas de governo mecanismos de

participaccedilatildeo e controle social do ciclo orccedilamentaacuterio

62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE

UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES

CONSTITUCIONAIS

Um dos grandes entraves agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil eacute a problemaacutetica

que envolve a questatildeo dos gastos puacuteblicos nesse setor A dificuldade natildeo estaacute restrita agrave

simples constataccedilatildeo de ser preciso ou natildeo disponibilizar mais recursos financeiros para a

sauacutede na verdade engloba diversos aspectos que vatildeo desde a necessidade de um ciclo

orccedilamentaacuterio que respeite as prioridades constitucionais ateacute o exame da correta aplicaccedilatildeo dos

recursos existentes

O objetivo desse capiacutetulo por conseguinte natildeo eacute aprofundar em questotildees

orccedilamentaacuterias e financeiras especiacuteficas mas sim alertar para a necessidade de o instrumento

do orccedilamento puacuteblico refletir tanto na sua fase de elaboraccedilatildeo quanto em sua execuccedilatildeo as

prioridades assentadas na Constituiccedilatildeo de modo a evitar situaccedilotildees praacuteticas desvirtuadoras da

loacutegica pensada para a realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mormente do direito agrave sauacutede

Eacute pertinente portanto a noccedilatildeo de se buscar o esgotamento de prioridades mais

relevantes em detrimento de alvos menos essenciais raciociacutenio este intriacutenseco por exemplo

ao seguinte questionamento eacute possiacutevel suscitar a falta de recursos para a sauacutede quando

existem no mesmo orccedilamento recursos com propaganda de governo

Nessa temaacutetica em que pese ter sido proferida em sede de liminar merece destaque o

teor da decisatildeo empreendida pelo Juiz de Direito da Comarca de Currais NovosRN Dr

Marcus Viniacutecius Pereira Juacutenior que frente agrave recalcitracircncia do Estado do Rio Grande do Norte

em realizar certas accedilotildees e serviccedilos de sauacutede determinou que a Governadora daquele estado a

Sra Rosalba Ciarlini suspendesse todas as propagandas pagas pelo Estado sob pena de

multa ateacute a correccedilatildeo do problema Destaca-se o seguinte trecho385

385

A presente decisatildeo liminar foi emitida em 30072013 no processo ndeg 0101509-7020138200103 que

tramita na vara ciacutevel da Comarca de Currais NovosRN e pode ser conferida no seguinte endereccedilo eletrocircnico

httpesajtjrnjusbrcpopgsearchdojsessionid=27196AEB9C77D224D12F6B3C4CC76113appsWeb1pagin

aConsulta=1amplocalPesquisacdLocal=103ampcbPesquisa=NUMPROCamptipoNuProcesso=UNIFICADOampnumeroD

igitoAnoUnificado=0101509-702013ampforoNumeroUnificado=0103ampdePesquisaNuUnificado=0101509-

7020138200103ampdePesquisa= Acessado em 01082013

177

() No mesmo mandado deve ser determinado que a referida gestora

SUSPENDA todas as propagandas pagas pelo ESTADO DO RIO GRANDE

DO NORTE nos termos dos itens 17 e 18 ateacute que sejam garantidos os

direitos agrave sauacutede por parte do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em

relaccedilatildeo aos processos referidos agraves fls 5154 FIXO nos termos do art 461

sect5ordm CPC multa pessoal por descumprimento em R$ 100000000 (um

milhatildeo de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede

ou seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede

caso haja descumprimento da presente decisatildeo por parte da Governadora do

Estado do RN b) expeccedilam-se tambeacutem MANDADOS agrave InterTV Cabugi

TV Ponta Negra TV Bandeirantes Natal TV Tropical TV Uniatildeo TV

Universitaacuteria Sidys TV a Cabo Jornal Tribuna do Norte Raacutedios (96 98

1047 e Cabugi) determinando a SUSPENSAtildeO IMEDIATA de todos os

serviccedilos de propagandapublicidade pagos pelo ESTADO DO RIO

GRANDE DO NORTE Caso sejam descumpridas as determinaccedilotildees da

presente decisatildeo por parte das empresas intimadas FIXO nos termos do art

461 sect5ordm CPC multa por descumprimento em R$ 100000000 (um milhatildeo

de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede ou

seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede

caso haja descumprimento da presente decisatildeo

() (Grifos acrescidos)

Ademais de se destacar que a decisatildeo em questatildeo considerou em sua fundamentaccedilatildeo o

fato de que (conforme relatoacuterio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte que

aprovou com ressalvas as contas do governo do RN) no ano de 2011 o referido estado gastou

mais com diaacuterias e publicidade governamental do que com sauacutede puacuteblica386

o que soacute acentua

o quadro de calamidade da sauacutede no RN387

e na linha dos argumentos que se seguem

configura-se completamente inconstitucional por afronta ao desenho constitucional prioritaacuterio

que eacute delineado para o direito agrave sauacutede na CF de 1988

Pelo exposto a defesa aqui proposta eacute no sentido de que a alegaccedilatildeo da jaacute estudada

reserva do possiacutevel deve passar por uma releitura de modo a priorizar o raciociacutenio de que

antes de os finitos recursos do Estado acabarem para os direitos fundamentais precisam os

mesmos necessariamente estar esgotados para aacutereas natildeo prioritaacuterias do ponto de vista

constitucional e natildeo do detentor do poder jaacute que a negativa de realizaccedilatildeo de um direito

386ldquo

Quanto agrave sauacutede puacuteblica destaca-se o baixo niacutevel de investimentos realizados nessa aacuterea com aplicaccedilatildeo de

recursos da ordem de R$ 1107683492 valor este inferior agravequele aplicado no exerciacutecio financeiro de 2010 (R$

1738652839) configurando um decreacutescimo de 3629 Ainda tal montante situou-se em patamar inferior

agravequeles relativos a despesas menos prioritaacuterias como diaacuterias (R$ 2367871614) e publicidade governamental

(R$ 1685159051)rdquo In Relatoacuterio e Projeto de Parecer Preacutevio do TCE RN Agosto 2012 p 126-127

Disponiacutevel em httpwwwtcerngovbr2009downloadREL_GOV2011pdf Acessado em 01082013 387

Merece aqui ser ressaltado o importante trabalho do TCE-RN que por meio do Relatoacuterio Preliminar sobre a

Rede Hospitalar da SESAPRN de maio de 2013 tratou de esmiuccedilar a situaccedilatildeo da rede de hospital puacuteblico do

RN emitindo ao seu final cerca de noventa e nove recomendaccedilotildees a serem seguidas pelo Governo daquele

Estado Disponiacutevel em httpwwwcorenrngovbrdownloadrelatoriotcepdf Acessado em 01082013

178

fundamental enquanto ainda existe verba disponiacutevel para uma aacuterea natildeo prioritaacuteria termina

por afrontar a priorizaccedilatildeo dada aos direitos fundamentais pela Constituiccedilatildeo388

Explicando melhor sugere-se o fim da cultura instaurada e aceita na realidade

brasileira de que basta se atingir o respeito aos valores e percentuais miacutenimos a serem

empregados em sauacutede puacuteblica para os gestores puacuteblicos estarem de certo modo quites com

os anseios da populaccedilatildeo e isso passa por dois pontos chaves a necessidade de reestruturaccedilatildeo

da forma como se desenvolve a proacutepria execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico no paiacutes389

e o

incremento da fiscalizaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos atrelado a padrotildees miacutenimos de eficiecircncia390

Ilustrada a problemaacutetica o presente toacutepico inicialmente examinaraacute a questatildeo dos

gastos puacuteblicos em sauacutede ressaltando a importante contribuiccedilatildeo da recente e jaacute brevemente

pincelada Lei Complementar nordm 1412012 para posteriormente tratar da questatildeo

orccedilamentaacuteria em si alertando para a necessidade de medidas que assegurem a priorizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede tanto no momento da elaboraccedilatildeo quanto na execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria

621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico

Conforme jaacute analisado por forccedila da Lei Complementar nordm 1412012 foram instituiacutedos

nos termos do sect 3deg do art 198 da Constituiccedilatildeo Federal alguns aspectos relevantes agrave

problemaacutetica dos gastos puacuteblicos como o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante a ser

aplicado anualmente pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede os percentuais

miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados anualmente pelos Estados

Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os criteacuterios de rateio dos

recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados ao Distrito Federal e aos

388

FREIRE JUacuteNIOR Ameacuterico Bedecirc Controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2005 p 74 apud GUERRA Gustavo Rabay A concretizaccedilatildeo judicial dos direitos sociais seus abismos

gnoseoloacutegicos e a reserva do possiacutevel por uma dinacircmica teoacuterico-dogmaacutetica do constitucionalismo social

Disponiacutevel em httpwwwmpgogovbrportalwebhp2docsconcretizacaodosdireitossociaispdf Acessado

em 12052013 389

De se destacar as liccedilotildees de Celso Ribeiro Bastos no sentido de que a inspiraccedilatildeo uacuteltima do orccedilamento eacute ldquode se

tornar um instrumento de exerciacutecio da democracia pelo qual os particulares exercem o direito por intermeacutedio de

seus mandataacuterios de soacute verem efetivadas as despesas e permitidas as arrecadaccedilotildees tributaacuterias que estiverem

autorizadas na lei orccedilamentaacuteriardquo BASTOS Celso Ribeiro Curso de Direito Financeiro e Tributaacuterio Satildeo

Paulo Celso Bastos Editor 2002 p 127-128 390

Corroborando com essa visatildeo Louisianne Paskalle pondera que ldquode fato o orccedilamento natildeo eacute abundante e

posto isto eacute que se deve trabalhar com mais eficiecircncia na administraccedilatildeo puacuteblica O que se constata eacute que aleacutem

da escassez orccedilamentaacuteria haacute um mau uso dos recursos puacuteblicos que satildeo registrados pelos escacircndalos sucessivos

de corrupccedilatildeo desvio de dinheiro fraude em licitaccedilotildees e compra de votosrdquo MAIA Louisianne Paskalle Solano

Direitos fundamentais efetividade e limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias uma perspectiva poacutes-positivista In MOURA

Lenice S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo

Bonavides Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 423

179

Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em

accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede

Nesse contexto restou confirmado que os Municiacutepios devem destinar no miacutenimo

15 de seus recursos proacuteprios para a sauacutede os Estados no miacutenimo 12 e que a Uniatildeo deve

aplicar desde 2000 em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os recursos miacutenimos

correspondentes ao valor apurado no ano anterior aplicada a variaccedilatildeo nominal do PIB tudo

isso respeitando-se as disposiccedilotildees da referida Lei Complementar no sentido de soacute serem

direcionados recursos para accedilotildees e serviccedilos que legitimamente estejam inseridas como

despesas em sauacutede391

Tais disposiccedilotildees legais satildeo salutares agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede pois

funcionam como paracircmetros objetivos aptos a corrigirem certas disparidades iacutensitas ao

descaso das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede no Brasil durante os 12 anos agrave espera da referida Lei

Complementar392

periacuteodo marcado por inuacutemeras distorccedilotildees frente a falta de clareza sobre o

caacutelculo do aporte de recursos federais para a sauacutede e os tipos de situaccedilotildees que poderiam ser

computadas como despesas nesta seara

Para se ter uma ideia em 2007 16 estados natildeo atingiram o percentual miacutenimo

necessaacuterio e deixaram de investir cerca de R$ 36 bilhotildees no setor a Uniatildeo por sua vez entre

2001 e 2008 deixou de aplicar cerca de R$ 548 bilhotildees para a sauacutede ao incluir em seu

orccedilamento como verba da sauacutede os gastos com o Programa Bolsa Famiacutelia e a incorporaccedilatildeo de

valores do Fundo para Erradicaccedilatildeo da pobreza393

Antes do norte dado pela LC 141 2012 tambeacutem foram contabilizados na ldquocontardquo do

dinheiro da sauacutede tanto por gestores estaduais como municipais diversas accedilotildees que natildeo

possuiacuteam ligaccedilatildeo direta com a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede nem com a estruturaccedilatildeo do SUS

como eacute o caso por exemplo de gastos com saneamento aposentadoria dos servidores

391

Conforme o art 4deg da referida LC 1412012 por exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o

pagamento de aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros programas

de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS satildeo situaccedilotildees que natildeo podem ser enquadradas como

despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos 392

Frente agrave omissatildeo legislativa em criar a lei complementar ora analisada alguns instrumentos foram utilizados

para tentar delimitar o campo de aplicaccedilatildeo dos recursos para a sauacutede (como foi o caso da jaacute mencionada

Resoluccedilatildeo nordm 32203 do Conselho Nacional de Sauacutede) contudo natildeo obtiveram sucesso pela falta de clareza e

coercibilidade dos mesmos o que acabou gerando diversas distorccedilotildees na aplicaccedilatildeo das verbas com sauacutede 393

KASEKER Camila Para onde estaacute sendo desviado o dinheiro da sauacutede Revista da APM nordm 605 Satildeo Paulo

2009 p 14-15 apud CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao

miacutenimo existencial garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 157

180

bombeiros merenda escolar alimentaccedilatildeo de presidiaacuterios cestas baacutesicas manutenccedilatildeo de

restaurantes populares etc394

Constata-se desta maneira que a Lei Complementar em questatildeo importou em

consideraacutevel avanccedilo tanto para a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos miacutenimos a serem expendidos

pelas esferas de governo quanto indiretamente para a construccedilatildeo do miacutenimo em sauacutede uma

vez que quando satildeo arroladas as accedilotildees que podem e que natildeo podem se enquadrar como

despesas em sauacutede se contribui para focalizar os gastos nas prioridades e afastar desperdiacutecios

gerando maior eficiecircncia na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas sanitaacuterias

Defende-se nesse contexto que o Poder Judiciaacuterio tem legitimidade tanto para

assegurar o fiel cumprimento da Lei Complementar em exame nas demandas que tenham tal

pleito como objeto principal como para considerar os paracircmetros objetivos por ela fornecidos

ao enfrentar demandas que envolvam a anaacutelise dos custos e a questatildeo da reserva do possiacutevel

Explicando melhor diante de um pleito ligado ao direito agrave sauacutede o magistrado natildeo

pode aceitar passivamente a alegaccedilatildeo de que faltam recursos mas sim deve averiguar antes

de tudo se quem alega tal falta estaacute gerindo o sistema de maneira consentacircnea com a

legislaccedilatildeo pertinente levando-se em conta por exemplo se o ente estaacute cumprindo os

percentuais miacutenimos para o orccedilamento da sauacutede bem como se haacute indiacutecios de tentativa de

ldquomaquiarrdquo os gastos com sauacutede atraveacutes da inclusatildeo de itens alheios a aacuterea sanitaacuteria

constatando desta maneira se a falta de verbas alegada eacute de fato real ou decorre do

descumprimento da LC nordm 1412012

Todavia em que pese tais avanccedilos trazidos pela LC nordm 1412012 existem muitas

criacuteticas com relaccedilatildeo ao valor que eacute gasto pela Uniatildeo com sauacutede anualmente e ao consequente

deacuteficit de aportes financeiros para o setor o que termina evidenciando a necessidade de mais

recursos para a sauacutede Para se ter uma ideia com relaccedilatildeo a Uniatildeo o percentual do total de

sua receita destinado agrave sauacutede vem caindo desde 1995 (em 1995 tal percentual foi de 1172 e

em 2011 foi de 73) e jaacute no que se refere agrave necessidade de mais recursos para a sauacutede a

porcentagem do PIB anual que eacute direcionada para a sauacutede no Brasil eacute aqueacutem da meacutedia

mundial segundo dados da OMS (em 2010 por exemplo o Brasil direcionou apenas 38 do

seu PIB para a sauacutede enquanto o percentual meacutedio no mundo foi de 55395

)

394

Nota Teacutecnica ndeg 14 de 2012 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos

Deputados - CONOFCD Anaacutelise das principais inovaccedilotildees trazidas pela Lei Complementar nordm 141 de 13 de

janeiro de 2012 que regulamentou a Emenda Constitucional nordm 29 de 2000 p 07 Disponiacutevel em

httpbdcamaragovbrbdbitstreamhandlebdcamara12536regulamentacao_emendapdfsequence=1Acessado

em 14062013 395

Tais dados podem ser encontrados no siacutetio eletrocircnico do Movimento Nacional em Defesa da Sauacutede Puacuteblica

SAUacuteDE + 10 o qual tem o objetivo de coletar assinaturas visando agrave formaccedilatildeo de um Projeto de Lei de iniciativa

181

Contudo o intuito do presente capiacutetulo natildeo eacute enfrentar a discussatildeo acerca da falta de

recursos para a sauacutede (este deacuteficit assim como diversos problemas estruturais no acircmbito do

SUS eacute evidente) mas sim defender a correta aplicaccedilatildeo dos recursos existentes a partir do

eficiente cumprimento da LC 1412012 bem como a necessidade de se buscar a vinculaccedilatildeo

das prioridades constitucionais sobretudo com sauacutede durante todo o ciclo orccedilamentaacuterio e

quanto a este segundo ponto algumas observaccedilotildees importantes merecem destaque

622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Partindo para a questatildeo orccedilamentaacuteria em si como eacute sabido na loacutegica orccedilamentaacuteria

paacutetria natildeo existe despesa que natildeo esteja autorizada na lei orccedilamentaacuteria nem eacute permitido ao

Poder Puacuteblico buscar receitas de maneira indefinida sem o devido atrelamento agraves

necessidades de financiamento O orccedilamento puacuteblico portanto eacute exatamente o instrumento

que espelha a organizaccedilatildeo em prol da justa equaccedilatildeo entre receitas e despesas e informa o

tracejo dos planos de atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico

Desta maneira assim como cada cidadatildeo organiza e projeta suas accedilotildees na vida

cotidiana a partir de sua disponibilidade financeira o Estado arquiteta seu plano de accedilotildees com

base no contraste entre suas arrecadaccedilotildees e as despesas projetando para um determinado

periacuteodo o que poderaacute ou natildeo ser realizado396

sendo essa projeccedilatildeo retratada exatamente

atraveacutes do instrumento do orccedilamento puacuteblico com o consequente estabelecimento do Plano

Plurianual da Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias e da Lei Orccedilamentaacuteria Anual (art 165 I II

III da CF de 1988)

O orccedilamento puacuteblico pode ser visto desta forma como o resultado de um processo

decisoacuterio fundamental que consolida a alocaccedilatildeo de recursos a eleiccedilatildeo das prioridades de accedilatildeo

estatal e se estruturam as poliacuteticas puacuteblicas em busca da efetivaccedilatildeo de direitos397

e o seu

almejado equiliacutebrio no contexto hodierno deve ser encarado natildeo apenas como uma harmonia

popular que buscando alterar a recente LC 1412012 estipula a destinaccedilatildeo de no miacutenimo 10 da Receita

Corrente Bruta da Uniatildeo para a sauacutede de modo a recuperar os recursos federais decrescentes nos uacuteltimos anos

para a sauacutede Disponiacutevel em httpwwwsaudemaisdezorgbr Acesso em 19062013 396

Nesse sentido Antocircnio de Oliveira Leite pontua que ldquoo orccedilamento na eacutepoca atual tem caraacuteter dinacircmico e

natildeo estaacutetico por isso mesmo os tradicionais princiacutepios (unidade equiliacutebrio contaacutebil financeiro etc) longe de

facultarem o seu aperfeiccediloamento impotildeem-lhe garrote dificultando a nobre e jaacute oportuna tarefa de avanccedilo no

sentido de obediecircncia agraves mais modernas ideias desde que coerentes com a finalidade a que visa o orccedilamento

()rdquo LEITE Antocircnio de Oliveira Orccedilamento Puacuteblico em sua feiccedilatildeo poliacutetica e juriacutedica In CLEacuteVE Cleacutemerson

Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs) Direito Constitucional constituiccedilatildeo financeira econocircmica e social

Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 6 Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 81 397

VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In

Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326

182

entre receita e despesa mas sim como uma equivalecircncia qualitativa entre a receita e despesa

puacuteblica de um lado e a realidade econocircmico-social de outro398

Da mesma maneira jaacute que a medida de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute

assegurada em grande parte pelo montante de recursos orccedilamentaacuterios investidos em sua

promoccedilatildeo e garantia o orccedilamento puacuteblico acaba assumindo uma funccedilatildeo de suma relevacircncia

para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais daiacute ser o mesmo compreendido para alguns

autores como um siacutembolo da cidadania e expressatildeo maacutexima dos direitos e deveres gerados na

relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo399

Frente a estas colocaccedilotildees pode-se concluir um ponto chave para os argumentos que se

seguiratildeo o instrumento do orccedilamento puacuteblico deve ser levado a seacuterio400

de modo a natildeo soacute

respeitar mas tambeacutem efetivar a priorizaccedilatildeo e expansatildeo dos direitos fundamentais delineada

na CF de 1988 tanto em sua elaboraccedilatildeo quanto durante sua execuccedilatildeo sob pena de restar

subvertida a proacutepria loacutegica do papel do Estado401

Contudo a maacutexima acima defendida distancia-se da realidade brasileira por uma seacuterie

de fatores como por exemplo

i o fato de o orccedilamento ser considerado assunto de poucos e para poucos frente

agrave tradiccedilatildeo excludente da cena poliacutetica paacutetria que marcada pelo

patrimonialismo e clientelismo acaba restringindo as deliberaccedilotildees referentes agrave

poliacutetica orccedilamentaacuteria a determinados grupos com maior poderio econocircmico e

proximidade dos negoacutecios do Estado402

ii a grande dificuldade ndash em que pese os esforccedilos traccedilados sobretudo na LRF e

na recente Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo ndash do cidadatildeo leigo tanto em obter

398

BECKER Alfredo Augusto Teoria Geral do Direito Tributaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 1963 p 217 apud

SOUZA Luciane Moessa Reserva do possiacutevel x miacutenimo existencial o controle de constitucionalidade em

mateacuteria financeira e orccedilamentaacuteria como instrumento de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais p 10

Disponiacutevel em httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbhluciane_moessa_de_souza2pdf Acesso

em 17062013 399

AMARAL Gustavo amp MELO Danielle Haacute direito acima do orccedilamento In SARLET Ingo Wolfgang e

TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre

Livraria do Advogado 2010 p 108 400

Corroborando com esse raciociacutenio Luciano Benetti Timm pontua que ldquoa realidade orccedilamentaacuteria natildeo pode ser

compreendida como peccedila de ficccedilatildeo O desperdiacutecio de recursos puacuteblicos em um universo de escassez gera

injusticcedila com aqueles potenciais destinataacuterios a que deles deveriam atenderrdquo TIMM Luciano Benetti Qual a

maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais uma perspectiva de direito e economia In SARLET

Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo

Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 60 401

A razatildeo da proacutepria existecircncia do Estado eacute empreender sua mais elementar missatildeo constitucionalmente

estabelecida de efetivamente universalizar os direitos fundamentais portanto nada mais correto que o

instrumento que expotildee o planejamento dessa missatildeo seja concatenado com as diretrizes da proacutepria Carta Maior 402

VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In

Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326

183

informaccedilotildees quanto em compreender os dados orccedilamentaacuterios disponiacuteveis os

quais se mostram complexos frente a marcada fragmentaccedilatildeo caracteriacutestica do

ciclo orccedilamentaacuterio o que acaba de certa maneira desestimulando o controle

da poliacutetica orccedilamentaacuteria pela populaccedilatildeo403

iii o marcante desequiliacutebrio de poderes entre Executivo e Legislativo no curso da

execuccedilatildeo do orccedilamento sendo a realidade marcada por uma hipertrofia do

Executivo que frente a alta discricionariedade natildeo controlada acaba gerando

alguns efeitos colaterais graves agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Tudo isso reforccedila a necessidade de mudanccedilas pontuais na cultura de se proceder a

elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria no intuito de trazer benefiacutecios para a efetividade do

prioritaacuterio e impreteriacutevel direito fundamental agrave sauacutede

Explicando melhor primeiramente no que se refere agrave elaboraccedilatildeo do orccedilamento eacute

certo que as escolhas em mateacuteria de gastos puacuteblicos natildeo constituem um tema totalmente

reservado agrave deliberaccedilatildeo poliacutetica pois nesse momento haacute uma importante incidecircncia de

normas constitucionais que norteiam as prioridades a serem seguidas e o produto conjugado

dos gastos do Estado reflete exatamente o momento e a medida no qual a realizaccedilatildeo dos fins

constitucionais deveraacute ocorrer404

Assim natildeo soacute as regras constantes no capiacutetulo especiacutefico sobre orccedilamento puacuteblico

nem os percentuais miacutenimos especificados para determinados direitos devem nortear a

elaboraccedilatildeo do orccedilamento mas tambeacutem o proacuteprio esqueleto valorativo da Carta de 1988

calcado na Dignidade da Pessoa Humana irradiada pelos direitos fundamentais e nos

objetivos fundamentais expostos no art 3deg

Propotildee-se assim que seja repensada a maneira de se trilhar o orccedilamento puacuteblico no

paiacutes no intuito de as prioridades nele assentadas sejam reflexos harmocircnicos da proacutepria

priorizaccedilatildeo delineada na Constituiccedilatildeo e isso exige uma mudanccedila de cultura que considere

inadmissiacuteveis diversas situaccedilotildees que hoje satildeo vistas como comuns e ateacute mesmo legalmente

corretas405

403

MENDONCcedilA Eduardo Bastos Furtado de A constitucionalizaccedilatildeo das Financcedilas Puacuteblicas no Brasil ndash Devido

Processo Orccedilamentaacuterio e Democracia Rio de Janeiro Renovar 2010 p 92 404

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 405

Na linha do defendido por Luntildeo a escolha do elenco dos direitos fundamentais reflete uma decisatildeo baacutesica do

constituinte no sentido de apontar as metas sociais a serem atingidas pela sociedade e esta caracteriacutestica reflete

no processo interpretativo dos proacuteprios direitos de modo a se evitar contradiccedilotildees e antiacuteteses aleacutem de conferir aos

mesmos a funccedilatildeo de unidade e integraccedilatildeo do ordenamento aos fins e valores que estes informam Desta maneira

eacute certo que o tracejo constitucional arquitetado para o direito agrave sauacutede denota um caraacuteter prioritaacuterio do mesmo

entre os direitos sociais o que deve ser seguido desde a proacutepria elaboraccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico sob pena de se

184

Nesse sentido Andreas J Krell alerta para a gravidade desses casos ao retratar406

que

Ateacute hoje existem municiacutepios onde se gasta ndash legalmente ndash mais dinheiro em

divertimentos populares (contrataccedilatildeo de bdquotrios eleacutetricos‟) ou na manutenccedilatildeo

da Cacircmara do que em toda aacuterea de sauacutede puacuteblica () Um orccedilamento

puacuteblico quando natildeo atende aos preceitos da Constituiccedilatildeo pode e deve ser

corrigido mediante alteraccedilatildeo do orccedilamento consecutivo logicamente com a

devida cautela Em casos individuais pode ocorrer a condenaccedilatildeo do Poder

Puacuteblico para a prestaccedilatildeo de determinado serviccedilo puacuteblico baacutesico ou o

pagamento de serviccedilo privado (exemplo reembolso de despesas de

atendimento em hospital particular) (Grifos acrescidos)

Partindo deste raciociacutenio todos os argumentos jaacute apontados referentes agrave alocaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede para um primeiro plano dentre os direitos sociais agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o

direito agrave vida digna e sua feiccedilatildeo de direito impreteriacutevel satildeo aqui retomados para sustentar que

a priorizaccedilatildeo encontrada na CF de 1988 com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede deve ser

necessariamente refletida na fase de elaboraccedilatildeo (e durante a execuccedilatildeo) do orccedilamento puacuteblico

e isso natildeo significa simplesmente que os percentuais miacutenimos407

apontados

constitucionalmente devem ser respeitados mas sim que o aparato principioloacutegico que irradia

a proteccedilatildeo da sauacutede na Constituiccedilatildeo tenha reflexos equivalentes no proacuteprio orccedilamento

Daiacute ser risiacutevel a ocorrecircncia de situaccedilotildees como as antes exemplificadas bem como o

niacutevel de atenccedilatildeo que anualmente eacute dada a sauacutede puacuteblica em termos de percentuais de valores

do PIB408

(como jaacute visto em 2010 por exemplo somente 38 do PIB foi destinado para a

sauacutede) o que inevitavelmente eacute refletido na realidade precaacuteria da maioria dos hospitais

puacuteblicos do paiacutes409

vislumbrar contradiccedilotildees no mundo concreto a partir da priorizaccedilatildeo de bens juriacutedicos de expressatildeo constitucional

bem menos acentuada ou ateacute mesmo nula como eacute o caso da propaganda institucional PEREZ LUNtildeO Antonio

Enrique Derechos Humanos Estado de Derecho y Constitucioacuten Octava Edicioacuten Madrid Tecnos 2003 p

227 406

KRELL Andreas J Controle judicial dos serviccedilos puacuteblicos baacutesicos na base dos direitos fundamentais sociais

In SARLET Ingo Wolfgang (org) A constituiccedilatildeo concretizada ndash Construindo pontes com o puacuteblico e o

privado Porto Alegre Livraria do Advogado 2000 p 57 407

O cumprimento de tais percentuais natildeo deve ser encarado como uma ldquocarta de alforriardquo pelo Poder Puacuteblico

como uma meta que uma vez atingida gera a sensaccedilatildeo de quitaccedilatildeo com o direito agrave sauacutede como se aquilo fosse

suficiente para a efetivaccedilatildeo desse direito Tais percentuais devem ser enxergados em verdade como um limite

miacutenimo sobre o qual o Estado deve trilhar suas accedilotildees sempre para aleacutem do mesmo e cujo descumprimento revela

uma das grandes ofensas ao Estado Democraacutetico de Direito desenhado na CF de 1988 408

Sobre a noccedilatildeo de quanto uma naccedilatildeo deve gastar com sauacutede puacuteblica e as implicaccedilotildees de justiccedila e igualdade

frente ao alto custo da sauacutede na realidade norte-americana conferir DWORKIN Ronald A virtude soberana a

teoria e a praacutetica da igualdade Jussara Simotildees (trad) Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p 431 409

Nesse sentido Joseacute Renato Nalini pondera que ldquoembora a proclamaccedilatildeo de intenccedilotildees seja provida de saudaacutevel

pretensatildeo a realidade eacute bem diferente Entre o sistema uacutenico propiciador de sauacutede integral para todos e a

situaccedilatildeo verificada nos hospitais prontos-socorros e centros de atendimento agrave sauacutede em todo o Brasil haacute um

fosso intransponiacutevelrdquo NALINI Joseacute Renato O Judiciaacuterio e a Eacutetica na Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de

185

Essa necessaacuteria mudanccedila na realizaccedilatildeo do orccedilamento por sua vez passa tambeacutem pela

necessidade de a proacutepria Constituiccedilatildeo empreender mais atenccedilatildeo ao controle das decisotildees

envolvendo as despesas puacuteblicas uma vez que apesar de ser constatado um acurado cuidado

com a imposiccedilatildeo de limites ao poder de tributar natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo com relaccedilatildeo ao

passo posterior que eacute disciplina da despesa puacuteblica e seus desdobramentos

Eacute que hodiernamente ainda impera a ideia de que a influecircncia da Constituiccedilatildeo com

relaccedilatildeo aos gastos puacuteblicos estaria limitada ao aspecto formal de sua previsatildeo orccedilamentaacuteria

deixando de lado os fins materiais por ela estabelecidos Ana Paula de Barcellos reforccedila essa

ideia ao afirmar que410

Mas o que deveraacute constar no orccedilamento Em que se deveraacute investir Em que

os recursos puacuteblicos devem ser aplicados Com muita maior razatildeo tambeacutem

o conteuacutedo das despesas haveraacute de estar vinculado juridicamente agraves

prioridades eleitas pelo constituinte originaacuterio () A Constituiccedilatildeo

estabelece metas prioritaacuterias objetivos fundamentais dentre os quais

sobreleva a promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e aos

quais estatildeo obrigadas as autoridades puacuteblicas A despesa puacuteblica eacute o meio

haacutebil para atingir essas metas Logo por bastante natural as prioridades

em mateacuteria de gastos puacuteblicos satildeo aquelas fixadas pela Constituiccedilatildeo de

modo que tambeacutem a ponta da despesa que encerra o ciclo da atividade

financeira esteja submetida agrave norma constitucionalrdquo (Grifos acrescidos)

Robustecendo a disparidade entre a preocupaccedilatildeo com a limitaccedilatildeo do poder de tributar

e os limites quanto agraves despesas puacuteblicas tem-se que a atenccedilatildeo tanto dos juristas como dos

contribuintes em geral se concentra mais na tributaccedilatildeo (o dinheiro que entra) enquanto que a

disciplina legal da despesa puacuteblica termina ficando em segundo plano como se as pessoas

apoacutes reclamarem de pagar os altos tributos acabassem esquecendo que o que foi arrecadado

ainda seria delas e desta forma deveria ser alocado para o benefiacutecio da coletividade Fala-se

entatildeo em fortalecimento da cultura orccedilamentaacuteria no sentido de que a cidadania fiscal natildeo

termina no dever de pagar tributos mas se estende tambeacutem pelo ciclo orccedilamentaacuterio411

A defesa do raciociacutenio acima explicitado acarreta em repercussotildees praacuteticas relevantes

para o cumprimento dos objetivos fundamentais expostos na CF de 1988 Nesse sentido a

Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte

Foacuterum 2011 p 172 410

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 283 411

Aponta Ricardo Lobo Torres que ldquoa cidadania fiscal em seu sentido amplo abrange aleacutem das problemaacutetica

da receita os aspectos mais largos da cidadania financeira que compreendendo a vertente da despesa puacuteblica

envolve as prestaccedilotildees positivas de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais e aos direitos sociais e as escolhas

orccedilamentaacuterias questotildees que apresentam o maior deacuteficit de reflexatildeo teoacuterica no campo da cidadania Cidadania

fiscal eacute sobretudo cidadania orccedilamentaacuteriardquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de direito constitucional

financeiro e tributaacuterio ndash O orccedilamento na Constituiccedilatildeo v 5 Rio de Janeiro Renovar 2000 p 148

186

defesa pela vinculaccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico agraves prioridades constitucionais como um norte

em sua elaboraccedilatildeo acarreta consequecircncias inevitaacuteveis para certos componentes do orccedilamento

que passariam a ldquoir para o fim da fila412

rdquo e teriam sua realizaccedilatildeo condicionada ao

cumprimento das prioridades constitucionais413

A Constituiccedilatildeo por exemplo natildeo ldquofalardquo em propaganda414

como algo tatildeo relevante ao

ponto de merecer lugar cativo nas rubricas orccedilamentaacuterias da mesma forma ldquosussurrardquo sobre

a questatildeo do lazer e os divertimentos populares a serem proporcionados pelo Estado contudo

ldquogritardquo com relaccedilatildeo agrave sauacutede e educaccedilatildeo ao longo do seu corpo com mais de sessenta menccedilotildees

a cada um desses direitos sociais logo natildeo faz sentido algum que a canalizaccedilatildeo de recursos na

elaboraccedilatildeo do orccedilamento inverta essa loacutegica natildeo refletindo as prioridades constitucionais

Reforccedilando tal visatildeo Edilson Pereira Nobre Juacutenior ao analisar a possibilidade de o

Executivo no curso da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria suspender a liberaccedilatildeo de recursos inerentes

aos direitos fundamentais sociais para custear outros fins pondera que415

() nessa aacuterea natildeo incide manifestaccedilatildeo discricionaacuteria nenhuma Isso porque

haveraacute de reconhecer-se uma priorizaccedilatildeo no manuseio dos recursos

disponiacuteveis aos dispecircndios com direitos fundamentais sociais tendo em

vista o expresso desejo do Constituinte de 1988 em erigir a dignidade da

pessoa humana a fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm

III) bem como serem objetivos fundamentais desta a construccedilatildeo duma

sociedade livre justa e solidaacuteria a erradicaccedilatildeo da pobreza e a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais e regionais (art 3ordm I e III) Dessas normas insertas

no Tiacutetulo I (Dos Princiacutepios Fundamentais) decorre a primazia dos direitos

sociais

()A concretizaccedilatildeo dos novos direitos fundamentais eacute de ser reputada sem

sombra de duacutevida obrigaccedilatildeo constitucional dos entes poliacuteticos

No particular merece realce pelo seu elevado caraacuteter meritoacuterio e de

vanguarda decisatildeo lavrada pelo Des Federal Francisco Wildo Lacerda

412

Nesse sentido confira-se o seguinte entendimento do STJ ldquo() o escudo da reserva do possiacutevel natildeo imuniza

o administrador de adimplir promessas que tais vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais quanto mais

considerando a notoacuteria destinaccedilatildeo de preciosos recursos puacuteblicos para aacutereas que embora tambeacutem inseridas na

zona de accedilatildeo puacuteblica satildeo menos prioritaacuterias e de relevacircncia muito inferior aos valores baacutesicos da sociedade

representados pelos direitos fundamentaisrdquo (Grifos acrescidos) (Resp ndeg 811698RS julgado em 150507 pela

1deg Turma do STJ Rel Min Luiz Fux DJU de 040607 p 314) 413

Novamente Ana Paula de Barcellos corrobora com essa visatildeo ao ponderar que ldquo() se os meios financeiros

natildeo satildeo ilimitados os recursos disponiacuteveis deveratildeo ser aplicados prioritariamente no atendimento dos fins

considerados essenciais pela Constituiccedilatildeo ateacute que eles sejam realizados Os recursos remanescentes haveratildeo de

ser destinados de acordo com as opccedilotildees poliacuteticas que a deliberaccedilatildeo democraacutetica apurar em cada momento

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade

da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284 414

O art 37 sect 1deg somente ressalva que a publicidade dos atos programas obras serviccedilos e campanhas dos

oacutergatildeos puacuteblicos deveraacute ter caraacuteter educativo informativo ou de orientaccedilatildeo social dela natildeo podendo constar

nomes siacutembolos ou imagens que caracterizem promoccedilatildeo pessoal de autoridades ou servidores puacuteblicos 415

NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira O controle de poliacuteticas puacuteblica um desafio agrave jurisdiccedilatildeo constitucional In

Revista de Doutrina do TRF 4deg 19deg ed 2007 Disponiacutevel em

httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrindexhtmhttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrartigosedicao019Edilso

n_Juniorhtm Acessado em 19062013

187

Dantas do E Tribunal Regional Federal da 5ordf Regiatildeo nos autos do Agravo

de Instrumento 67336 ndash PB manejado pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal

contra o Estado da Paraiacuteba

S Exa na oportunidade determinara sob pena de multa pecuniaacuteria que

referido ente poliacutetico remanejasse 1760 da verba destinada agrave publicidade

institucional com vistas a normalizar o fornecimento de remeacutedios

destinados ao tratamento de pacientes portadores de mal de Parkinson

Restou ponderado que o deferimento da medida far-se-ia pelo fato do Estado

haver-se mantido recalcitrante em cumprir anterior decisatildeo judicial a qual

determinava que regularizasse a distribuiccedilatildeo dos medicamentos necessaacuterios

ao atendimento de mencionada enfermidade bem como porque se destinava

atender bem juriacutedico mais importante qual seja a vida dos cidadatildeos

paraibanos devendo assim preponderar sobre outra atividade puacuteblica

reputada de menor relevacircncia como eacute o caso da publicidade

governamental() (Grifos acrescidos)

Desta maneira defende-se a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido

de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a

destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade sob pena de

clara afronta agrave vontade da Constituiccedilatildeo416

Aplicando o pensamento acima para a realidade atual brasileira considera-se

inadmissiacutevel que no atual estaacutegio do Estado Democraacutetico de Direito conquistado no paiacutes seja

enxergado com naturalidade o fato de serem destinados bilhotildees para a construccedilatildeo de estaacutedios

de futebol (para realizaccedilatildeo da copa do mundo) por meio de parcerias puacuteblico-privadas417

enquanto a sauacutede puacuteblica atravessa um quadro de caos por falta de meacutedicos e ateacute mesmo

utensiacutelios baacutesicos nos hospitais puacuteblicos o que corrobora para a necessidade de mudanccedila

apontada

Contudo a problemaacutetica com relaccedilatildeo ao orccedilamento natildeo ocorre somente na sua fase de

elaboraccedilatildeo Satildeo rotineiras durante o processo de execuccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio algumas

situaccedilotildees que comprometem fortemente a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

(especialmente agrave sauacutede) mas antes de analisaacute-las eacute preciso compreender algumas

caracteriacutesticas dessa fase

416

Ana Paula de Barcellos sustentando ser plausiacutevel a defesa de que os gastos com publicidade governamental

devam ser necessariamente menores que os investimentos com sauacutede ou educaccedilatildeo exemplifica um caso no Rio

de Janeiro em que o MP ajuizou uma accedilatildeo de improbidade administrativa (Processo ndeg 2003014016724-4 4deg

Vara Ciacutevel da Comarca de Campos dos Goytacazes) em face de autoridades municipais do Municiacutepio de

Campos dos Goytacazes devido ao excesso de gastos com eventos culturais em que alegou-se sobretudo que os

gastos milionaacuterios nessas aacutereas natildeo eram repetidos em aacutereas mais relevantes e de atuaccedilatildeo obrigatoacuteria e prioritaacuteria

do poder puacuteblico o que feria a razoabilidade BARCELLOS Ana Paula de Constitucionalizaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas em mateacuteria de direitos fundamentais o controle poliacutetico-social e o controle juriacutedico no espaccedilo

democraacutetico In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 119 417

Acerca da aplicaccedilatildeo do instituto na aacuterea de sauacutede conferir GOMES Ana Maria Viccedilosa As parcerias

puacuteblico-privadas na gestatildeo hospitalar no Brasil In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 269-293 2009

ndash UNIMAR

188

Em que pese existir certa controveacutersia sobre a natureza juriacutedica do orccedilamento (satildeo

vaacuterias posiccedilotildees uns defendem a natureza de ato administrativo outros de lei conjunccedilatildeo entre

lei e ato administrativo ato-condiccedilatildeo etc) consolidou-se no Brasil o entendimento de que tal

instrumento se trata de lei em sentido meramente formal natildeo criando portanto direitos e

obrigaccedilotildees mas apenas orientando pautas para a legitimaccedilatildeo financeira da atividade

puacuteblica418

O objetivo dessa visatildeo eacute retirar da lei orccedilamentaacuteria sua conotaccedilatildeo substantiva de gerar

uma vinculaccedilatildeo imediata419

jaacute que se assim fosse haveria um inevitaacutevel engessamento do

ciclo orccedilamentaacuterio ao passo que nada poderia ser feito quanto agraves eventuais externalidades

ocorridas no transcorrer de sua execuccedilatildeo o que traria imensa inseguranccedila juriacutedica para a

realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Desta maneira o orccedilamento inegavelmente precisa de uma natural flexibilidade e

discricionariedade em sua execuccedilatildeo para que os fins nele previamente projetados possam ser

atingidos em conformidade com o cenaacuterio externo encontraacutevel isso tudo corre por uma

questatildeo proacutepria de racionalidade administrativa uma vez que seria impossiacutevel prever

normativa e previamente todas as hipoacuteteses de revisatildeo do orccedilamento como o satildeo a anulaccedilatildeo

de rubricas a natildeo realizaccedilatildeo de certas despesas e o contingenciamento de empenhos iacutensitos agrave

dinamicidade orccedilamentaacuteria420

Contudo essa inerente flexibilidade caracteriacutestica do caraacuteter autorizativo da peccedila

orccedilamentaacuteria se justifica exatamente pela necessidade de melhor atender aos fins puacuteblicos

priorizados na Constituiccedilatildeo e por isso natildeo pode ser transformada em arbitrariedade421

por

parte do Poder Puacuteblico sob pena dos desvirtuamentos ocasionados gerarem impactos sobre os

direitos fundamentais como eacute o prioritaacuterio direito agrave sauacutede

Ocorre que a realidade brasileira estaacute enquadrada nesse temeroso cenaacuterio de

arbitrariedade Atraveacutes de praacuteticas que recorrentemente frustram a agenda orccedilamentaacuteria e

418

OLIVEIRA Reacutegis Fernandes de Curso de Direito Financeiro Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006 p

309 419

OLIVEIRA Fernando Froacutees Financcedilas puacuteblicas economia e legitimaccedilatildeo alguns argumentos em defesa do

orccedilamento autorizativo In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO

Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 692 420

PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo

e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 4 421

Quanto a este ponto Germaacuten J Bidart Campos pondera que ldquo() Es verdad que no se puede marcar

riacutegidamente com uma cifra inamovible el maacuteximo de recursos disponibles Lo que si se puede y se debe ES

resuponer que el maacuteximo bdquodisponible‟ ES el maacuteximo que razonablemente surge de uma evaluacioacuten objetiva com

la que al distribuir los ingresos y los gastos de la hacienda puacuteblica se prioriza lo maacutes valioso y se escalona a

partir de alliacute lo mesno valiosordquo BIDART CAMPOS Germaacuten J El Orden Socioeconomico em la Constitucioacuten

Buenos Aires EDIAR 1999 p 343 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284

189

prejudicam a realizaccedilatildeo das metas pactuadas quando da elaboraccedilatildeo do orccedilamento a equaccedilatildeo

receita-despesa acaba passando longe das prioridades definidas legalmente

No contexto da arbitrariedade um dos mecanismos utilizado (e fortemente criticado) eacute

contingenciamento de empenhos procedimento formal de limitaccedilatildeo tanto das despesas

autorizadas na lei orccedilamentaacuteria anual quanto da movimentaccedilatildeo financeira a elas interligada

que tem o intuito de vedar que os ordenadores de despesa emanem atos de assunccedilatildeo de

obrigaccedilatildeo de pagamento para o Estado422

Essa hipoacutetese de limitaccedilatildeo de despesa eacute uma espeacutecie de contenccedilatildeo de gasto puacuteblico

pela possibilidade de natildeo existir garantia de receita que lhe promova o custeio e tem

supedacircneo no art 9deg da LRF que afirma ser possiacutevel se restringir a geraccedilatildeo de despesas

quando restar averiguado mediante relatoacuterio resumido de execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria que haacute

risco de frustraccedilatildeo das metas de resultado primaacuterio ou nominal previstas na LDO pelo fato de

a geraccedilatildeo receitas natildeo seguirem o planejado inicialmente

Ou seja a utilizaccedilatildeo do contingenciamento soacute seraacute legiacutetima quando comprovado

motivadamente que haacute uma reduccedilatildeo da arrecadaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave despesa antes estimada na

fixaccedilatildeo das metas fiscais da LDO e na proacutepria LOA O uso desta teacutecnica de modo a

transbordar esse limite ou seja a praacutetica da simples inexecuccedilatildeo das despesas previstas sem

qualquer motivaccedilatildeo ligada ao cumprimento das metas fiscais desnatura a proacutepria finalidade

programatoacuteria das peccedilas orccedilamentaacuteria e subverte as prioridades alocadas quando da

elaboraccedilatildeo do plano para o exerciacutecio financeiro

Nessa conjuntura eacute de se constatar que haacute no Brasil um quadro de contracionismo

orccedilamentaacuterio caracterizado pelo manejo abusivo e arbitraacuterio da figura do contingenciamento

de empenhos que contribui para a inefetividade dos direitos sociais visto que as poliacuteticas

puacuteblicas que foram idealizadas acabam sendo parcial ou integralmente inexecutadas e

consequentemente as prioridades definidas no processo deliberativo do orccedilamento acabam

sendo redesenhadas por ato unilateral do Poder Puacuteblico423

Frente a ampla discricionariedade conferida ao Poder Executivo eacute recorrente a

seguinte situaccedilatildeo que caracteriza uma espeacutecie de contingenciamento preventivo poucos dias

apoacutes o orccedilamento ser aprovado edita-se um decreto limitando a liberaccedilatildeo de certos recursos

422

PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo

e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 9 423

MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de

poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 380

190

de dotaccedilotildees inicialmente previstas sem qualquer motivaccedilatildeo ficando essa parcela da receita

em uma espeacutecie de limbo ofendendo-se assim a previsatildeo jaacute visto no art 9deg da LRF424

Para se ter uma ideia dentre os Programas de Trabalho da Uniatildeo previstos na LOA de

2005 cerca de trinta e seis programas ou natildeo foram sequer executados ou tiveram dotaccedilatildeo

inicialmente autorizada inferior a 10 do inicialmente (dentre eles programa de saneamento

ambiental urbano425

e de atenccedilatildeo integral agrave sauacutede da mulher) configurando o que Eacutelida

Graziane Pinto denomina de ldquofrustraccedilatildeo reiterada de agendas orccedilamentaacuterias discutidas

aprovadas em lei mas apenas minimamente executadasrdquo426

A grande parte desses recursos contingenciados satildeo utilizados para assegurar as metas

de superaacutevit primaacuterio e acordos firmados para pagamento da diacutevida puacuteblica vislumbrando-se

desta maneira que o governo federal acaba adotando o contingenciamento como um

mecanismo de poliacutetica econocircmica a partir da priorizaccedilatildeo do pagamento de juros e

amortizaccedilotildees de diacutevidas em detrimento do cumprimento de programas que garantem a

realizaccedilatildeo de inuacutemeros direitos fundamentais

Corroborando com essa visatildeo o Instituto de estudos soacutecio-econocircmicos (INESC)427

em

estudo sobre o tema posicionou-se no sentido de que

() essa necessidade de geraccedilatildeo de superaacutevits primaacuterios maiores ateacute do que

os especificados na LDO e a priorizaccedilatildeo de pagamento de juros da diacutevida em

detrimento da execuccedilatildeo das poliacuteticas sociais tecircm levado o governo a adotar o

contingenciamento preventivo

() as consequecircncias desse contingenciamento preventivo foram observadas

no ano de 2003 quando foram executados R$ 1202 bilhotildees em 19 dias e

em 2004 quando foram executados R$ 900 bilhotildees em apenas 15 dias

sempre no final do exerciacutecio fiscal Todo comeccedilo de ano haacute interrupccedilatildeo na

execuccedilatildeo das poliacuteticas para nos uacuteltimos dias do mecircs de dezembro haver

liberaccedilotildees exorbitantes de recursos

424

MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de

poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 381 425

Sobre essa situaccedilatildeo Eduardo Mendonccedila pontua que ldquo o saneamento baacutesico eacute uma necessidade primaacuteria de

sauacutede puacuteblica mas ainda natildeo eacute fornecido agrave parte consideraacutevel das residecircncias brasileiras Nada obstante o

programa correspondente do Ministeacuterio da Sauacutede foi reduzido em cerca de 21 (corte superior a 882 milhotildees de

reais) MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de

poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 383 426

PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo

e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 7 427

Nota Teacutecnica nordm 98 do INESC ndash Contingenciamento necessidade tributaacuteria ou instrumento da poliacutetica

econocircmica 2011 Disponiacutevel em httpwwwinescorgbrbibliotecapublicacoesnotas-tecnicasnts-

anterioresnts-2005NT209820-2020OR_AMENTO20-20CONTIGENCIAMENTOpdfview

Acessado em 12062013

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A praacutetica do contingenciamento preventivo acaba negando o que faticamente foi

projetado para o orccedilamento como finalidade prioritaacuteria a ser concretizada redesenhando o

orccedilamento puacuteblico jaacute que inexiste motivaccedilatildeo quanto agrave frustraccedilatildeo de receitas e o risco de

afetaccedilatildeo das metas de resultado nominal e primaacuterio conforme o art 9deg da LRF Como

consequecircncias negativas dessa praacutetica podem ser destacadas o prejuiacutezo para a continuidade

das poliacuteticas puacuteblicas a reduccedilatildeo da transparecircncia e a dificuldade se realizar o controle social

desses gastos428

Em suma defende-se que a praacutetica do contingenciamento preventivo eacute

inconstitucional uma vez que acaba possibilitando que a programaccedilatildeo orccedilamentaacuteria prevista

na LOA seja reprojetada desvirtuando as prioridades delineadas na CF seguidas na

elaboraccedilatildeo do orccedilamento Faz-se necessaacuterio portanto mecanismos eficientes de controle do

desenvolvimento do ciclo orccedilamentaacuterio429

especialmente quanto a possibilidade encampada

no art 9deg LRF de modo a garantir que a discricionariedade necessaacuteria do Poder Puacuteblico no

desenrolar orccedilamentaacuterio natildeo se transforme em arbitrariedade e abusos subversivos da loacutegica

do ciclo orccedilamentaacuterio430

Dito isto entra-se na discussatildeo acerca do controle de constitucionalidade da lei

orccedilamentaacuteria bem como na possibilidade de o Judiciaacuterio controlar e garantir o fiel

cumprimento do orccedilamento e sua adequaccedilatildeo agraves prioridades constitucionais Quanto a

possibilidade de controle de constitucionalidade o STF durante muito tempo encampou a

428

Corroborando Eduardo Mendonccedila expotildee que ldquonatildeo por acaso todos os anos eacute noticiado que o Poder

Executivo decide rever as metas para maior agrave custa do corte nos investimentos previstos Tambeacutem aqui se

verifica a superaccedilatildeo da decisatildeo orccedilamentaacuteria inicial e de forma ainda mais grave (uma autecircntica decisatildeo de natildeo

gastar) As prioridades definidas no processo deliberativo orccedilamentaacuterio ndash que jaacute levara em conta a questatildeo das

metas fiscais ndash satildeo redesenhadas por ato unilateral da Administraccedilatildeo MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de

gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e

TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre

Livraria do Advogado 2010 p 377-378 429

Nessa questatildeo Ricardo Lobo Torres sugere a importaccedilatildeo de certos institutos do direito estrangeiro ao afirmar

por exemplo que ldquoainda falta no direito positivo brasileiro instrumento semelhante ao do mandado de injunccedilatildeo

americano que permita ao Judiciaacuterio vincular o Legislativo na feitura do orccedilamento do ano seguinte em

homenagem a direitos fundamentais sociais (miacutenimo existencial) que necessitam do controle jurisdicional

contramajoritaacuterio tiacutepico dos direito essencialmente constitucionaisrdquo TORRES Ricardo Lobo O miacutenimo

existencial os direitos sociais e os desafios de natureza orccedilamentaacuteria In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM

Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010 p 76 430

Nesse sentido Eduardo Mendonccedila pondera que ldquoum orccedilamento realista e efetivo seraacute antes de tudo um

instrumento de concretizaccedilatildeo e harmonizaccedilatildeo das escolhas poliacuteticas aleacutem de constituir foacuterum privilegiado para a

fiscalizaccedilatildeo social do Estado () Natildeo eacute preciso subordinar a poliacutetica ao direito para reconhecer que a liberdade

de conformaccedilatildeo dos agentes eleitos natildeo se estende ao ponto de lhes conceder a prerrogativa de tomar decisotildees

absolutamente irrealizaacuteveis incoerentes entre si ou mesmo de ocultar as decisotildees reais por meio de um sistema

orccedilamentaacuterio incompreensiacutevel e iloacutegicordquo MENDONCcedilA Eduardo Alguns Pressupostos para um Orccedilamento

Puacuteblico Conforme a Constituiccedilatildeo In BARROSO Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito

puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 640-641

192

orientaccedilatildeo de que como as leis orccedilamentaacuterias seriam lei apenas em sentido formal natildeo seria

possiacutevel o controle abstrato de suas constitucionalidades431

Contudo desde 2003432

foram dados alguns passos em sentido inverso vindo a mudar

a orientaccedilatildeo da Corte em 2008433

quando o STF concluiu pelo cabimento do controle abstrato

de constitucionalidade em relaccedilatildeo agraves leis orccedilamentaacuterias em que pese seu aspecto meramente

formal principalmente quanto a questatildeo da abertura de creacuteditos extraordinaacuterios por medidas

provisoacuterias que deveriam ficar restritos somente agraves hipoacuteteses autorizadas no sect 3deg do art 167

da CF434

A defesa aqui proposta eacute pela inevitabilidade do controle de constitucionalidade da

legislaccedilatildeo orccedilamentaacuteria em decorrecircncia da proacutepria forccedila imperativa da Constituiccedilatildeo visando a

que natildeo somente suas determinaccedilotildees referentes agraves diretrizes orccedilamentaacuterias mas tambeacutem ao

princiacutepio da eficiecircncia agrave dignidade da pessoa humana e agrave priorizaccedilatildeo dos direitos

fundamentais sejam fielmente seguidas e que a estruturaccedilatildeo tanto da elaboraccedilatildeo quanto da

execuccedilatildeo do orccedilamento fique livre das mazelas (como eacute o caso do corte de verbas em aacutereas

prioritaacuterias frente ao contingenciamento preventivo) que acabam subvertendo os valores

acima dificultando a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais especialmente o direito agrave

sauacutede435

Reforccedilando essa necessidade de controle Ana Paula de Barcellos alerta para o

interessante fato de que enquanto haacute uma acentuada preocupaccedilatildeo em limitar o iacutempeto

arrecadatoacuterio do Estado natildeo existe uma atenccedilatildeo equivalente com o que o Estado faraacute com os

recursos arrecadados destacando-se a seguinte passagem436

431

ADI 2057MC - AP 1999 Rel Min Mauriacutecio Correcirca Publicado em 31032000 p 50 432

ADI 2925- DF 2003 Rel Min Ellen Gracie Publicado em 04032005 p 10 433

ADI 4048 MC - DF 2008 Rel Min Gilmar Mendes Publicado em 21082008 p 55 434

Conforme se extrai do Informativo ndeg 502 do STF ao mencionar a ADI 4048 MCndashDF pode ser destacada a

seguinte passagem ldquo() Aduziu-se ademais natildeo haver razotildees de iacutendole loacutegica ou juriacutedica contra a afericcedilatildeo da

legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas e que estudos e anaacutelises no plano da teoria do

direito apontariam a possibilidade tanto de se formular uma lei de efeito concreto de forma geneacuterica e abstrata

quanto de se apresentar como lei de efeito concreto regulaccedilatildeo abrangente de um complexo mais ou menos amplo

de situaccedilotildees Concluiu-se que em razatildeo disso o Supremo natildeo teria andado bem ao reputar as leis de efeito

concreto como inidocircneas para o controle abstrato de normas ()rdquo (Grifos acrescidos) 435

No que se refere agrave possibilidade de controle concentrado do orccedilamento de se destacar as liccedilotildees de Harrison

Leite no sentido de que ldquoindependente da feiccedilatildeo que queira dar ao orccedilamento o certo eacute que a Constituiccedilatildeo

reconheceu o seu caraacuteter legal dotando-lhe de um ciclo legislativo especial E mais submeteu a sua mateacuteria a

controle jurisdicional na medida em que claramente previu regras de alocaccedilatildeo de recursos vinculantes aos

fautores da lei que natildeo tecircm argumentos para se desobrigarem do mandamento constitucionalrdquo LEITE Harrison

Ferreira O orccedilamento e a possibilidade de controle de Constitucionalidade Revista Tributaacuteria e de Financcedilas

Puacuteblicas v 70 p 162-185 2006 p 172 436

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 16

193

A realidade das despesas puacuteblicas entretanto deveria despertar interesse

semelhante desperdiacutecio e ineficiecircncia prioridades incompatiacuteveis com a

Constituiccedilatildeo precariedade de serviccedilos indispensaacuteveis agrave promoccedilatildeo de

direitos fundamentais baacutesicos como educaccedilatildeo e sauacutede e sua convivecircncia

com vultosos gastos em rubricas como publicidade governamental e

comunicaccedilatildeo social natildeo satildeo propriamente fenocircmenos pontuais e isolados na

Administraccedilatildeo Puacuteblica brasileira (Grifos acrescidos)

O raciociacutenio desta maneira eacute no sentido de que a ideia de legalidade orccedilamentaacuteria natildeo

deve ser encarada como um fim em si mesmo como se fosse um dogma absoluto jaacute que sofre

limitaccedilotildees constitucionais e cede agrave efetividade da Constituiccedilatildeo devendo o orccedilamento assim

natildeo soacute respeitar as regras constitucionais e legais quanto a sua elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo como

tambeacutem guardar similitude com o compromisso do Poder Puacuteblico na concretizaccedilatildeo dos

direitos fundamentais

Nesse sentido haacute uma premente necessidade de se repensar a teoria juriacutedica que

prevalece ateacute hoje no paiacutes acerca do orccedilamento de modo a ser mais recorrente e enfaacutetico o seu

controle com vistas a que sejam cumpridas as metas prioritaacuterias inseridas na Constituiccedilatildeo em

detrimento a situaccedilotildees menos relevantes Sobre este ponto merece destaque a liccedilatildeo de Tecircmis

Limberger437

Passaram-se quase 20 anos para que comeccedilasse a se amadurecer no sentido

de que os direitos sociais fossem relacionados com os dispositivos

orccedilamentaacuterios Eacute o que Canotilho e Moreira denominam de ldquoConstituiccedilatildeo

orccedilamentalrdquo As medidas de gestatildeo orccedilamentaacuteria satildeo importantes quando se

pretende a realizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos Questotildees vitais como sauacutede

educaccedilatildeo seguranccedila e moradia reclamam para sua implementaccedilatildeo

dispecircndios por parte do poder puacuteblico que precisa contar com disposiccedilotildees

orccedilamentaacuterias

623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Quanto agrave questatildeo do controle orccedilamentaacuterio Ana Paula de Barcellos contribui para a

temaacutetica com a apresentaccedilatildeo de alguns paracircmetros relevantes438

O primeiro paracircmetro baacutesico

no controle judicial dos orccedilamentos eacute a fiscalizaccedilatildeo acerca do respeito aos percentuais

miacutenimos de gastos que a CF estabelece para aacutereas prioritaacuterias como eacute o caso da sauacutede sendo

essencial o amplo acesso a informaccedilotildees do ciclo orccedilamentaacuterio o exemplar rigor na aplicaccedilatildeo

437

LIMBERGER Tecircmis Direito agrave sauacutede e poliacuteticas puacuteblicas a necessidade de criteacuterios judiciais a partir dos

preceitos constitucionais In Revista de Direito Administrativo v 251 FGV Rio de Janeiro maiago 2009

p 182 438

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 19-25

194

das consequecircncias quanto o eventual descumprimento dos mesmos bem como a efetivaccedilatildeo do

respeito desses percentuais a partir da realocaccedilatildeo de valores direcionados para aacutereas menos

prioritaacuterias

Em segundo lugar destaca-se a necessidade de se consolidar a partir do texto da CF

um esqueleto do resultado final esperado da atuaccedilatildeo estatal a partir da extraccedilatildeo de efeitos

especiacuteficos que funcionariam como metas concretas a serem atingidas em caraacuteter prioritaacuterio

pelo Pode Puacuteblico ficando outros gastos menos importantes ou natildeo importantes agrave espera do

cumprimento das prioridades

Finalmente aponta para a necessidade de existir um controle da proacutepria definiccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas a serem realizadas ou seja dos meios e instrumentos usados para se

concretizar as metas constitucionais e nesse ponto o princiacutepio da eficiecircncia439

assume papel

relevante como paracircmetro chave de tal controle de modo a respaldar o afastamento de

praacuteticas comprovadamente ineficientes as quais atrapalham a fruiccedilatildeo dos direitos

fundamentais pela sociedade

Importante ressaltar tambeacutem a utilizaccedilatildeo de accedilotildees coletivas com a finalidade de

concretamente acabar empreendendo o controle de constitucionalidade da execuccedilatildeo

orccedilamentaacuteria exigindo o cumprimento da mesma conforme as regras constitucionais Nesse

sentido Cleacutemerson Merlin Cleacuteve aponta que440

Desse modo tratar-se-ia de compelir o Poder Puacuteblico a cumprir a lei

orccedilamentaacuteria que contenha as dotaccedilotildees necessaacuterias (evitando assim os

remanejamentos de recursos para outras finalidades) assim como de obrigar

o Estado a prever na lei orccedilamentaacuteria os recursos necessaacuterios para de forma

progressiva realizar os direitos sociais E aqui eacute preciso desmistificar a ideia

de que o orccedilamento eacute meramente autorizativo Se o orccedilamento eacute programa

sendo programa natildeo pode ser autorizativo O orccedilamento eacute lei que precisa ser

cumprida pelo Executivo

A possibilidade supracitada se concretiza sobretudo mediante o importante papel

desempenhado pelo Ministeacuterio Puacuteblico que atento agrave efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em todos os

seus niacuteveis deve buscar judicialmente tambeacutem o controle concreto do ciclo orccedilamentaacuterio

atraveacutes do importante instrumento da accedilatildeo civil puacuteblica

439

Sobre a importacircncia do princiacutepio da eficiecircncia e o controle da discricionariedade na Administraccedilatildeo Puacuteblica

conferir MORAES Alexandre Princiacutepio da eficiecircncia e a evoluccedilatildeo do controle jurisdicional dos atos

administrativos discricionaacuterios In LEITE George Salomatildeo SARLET Ingo Wolfgang Direitos Fundamentais

e Estado Constitucional Estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho Satildeo Paulo Editora Revista dos

Tribunais Coimbra Coimbra Editora 2009 p 417 440

CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais In Revista da

Academia Brasileira de Direito Constitucional v 3 Curitiba 2003 p 299

195

Exemplo interessante dessa atuaccedilatildeo aconteceu no Rio Grande do Norte quando o

Ministeacuterio Puacuteblico daquele Estado ao constatar ausecircncia do repasse de valores para o Fundo

Estadual da Sauacutede previstos no orccedilamento da sauacutede do ano de 2008 bem como

contingenciamento de valores da sauacutede para reserva teacutecnica pleiteou por meio de ACP que

tal situaccedilatildeo fosse revertida com o consequente repasse e o descontingenciamento dos valores

da sauacutede

Ao empreender o exame da referida ACP o Judiciaacuterio levou em conta a jurisprudecircncia

do STF e chamou atenccedilatildeo quanto ao caos da sauacutede puacuteblica no referido estado para apesar de

reconhecer a perda do objeto da accedilatildeo determinar cautelarmente que o Poder Puacuteblico a partir

daquele momento natildeo realizasse qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias

direcionadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem a preacutevia aprovaccedilatildeo do Conselho Estadual de

Sauacutede o que reforccedila o papel desses oacutergatildeos jaacute trabalhado anteriormente estipulando multa em

caso de descumprimento

Alguns trechos relevantes da presente decisatildeo441

merecem ser transcritos

Natildeo obstante a formulaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas dependam de

opccedilotildees poliacuteticas a cargo daqueles que por delegaccedilatildeo popular receberam

investidura em mandato eletivo cumpre reconhecer que natildeo se revela

absoluta nesse domiacutenio a liberdade de liberdade de conformaccedilatildeo do

legislador nem a de atuaccedilatildeo do Poder Executivo A par das consideraccedilotildees

acima considerando o poder geral de cautela deferido ao juiz pelo art 798

do Coacutedigo de Processo Civil e A) agrave evidecircncia da ampla documentaccedilatildeo

acostada a qual demonstra que natildeo soacute em 2008 mas tambeacutem em 2009 e

2010 ocorreram contingenciamentos de verbas do orccedilamento da sauacutede

bem como os repasses a conta-gotas das verbas orccedilamentaacuterias da Sauacutede as

quais ultima ratio tolheram (e tolhem) a efetiva aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

orccedilamentaacuteria dos recursos vinculados a accedilotildees e serviccedilo de sauacutede B) que

com tal conduta a Administraccedilatildeo tem descumprido os preceitos do art 198

I e II da Constituiccedilatildeo art 77 da ADCT com redaccedilatildeo dada pela Emenda

292000 e ainda escamoteia a interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos art 33 e

34 da Lei 808090 C) que aleacutem de notoacuterio conforme diuturnamente

veiculado na imprensa o caos na sauacutede puacuteblica estadual resta evidenciada

pela prova documental a situaccedilatildeo emergencial de desabastecimento dos

hospitais da rede estadual Por tudo isto entendo ser hipoacutetese de

intervenccedilatildeo excepcional do Judiciaacuterio no trato e execuccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede () CAUTELARMENTE determino ao Estado do RN

em especial ao Sr Secretaacuterio Estadual de Planejamento que doravante 1deg)

NAtildeO PROCEDA qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias

destinadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem preacutevia anuecircncia escrita do

Conselho Estadual de Sauacutede deliberada pelo respectivo colegiado sob pena

de multa no valor de R$ 5000000 (cinquenta mil reais) aplicada

pessoalmente contra o Secretaacuterio de Planejamento por cada

contingenciamento que ocorra em desobediecircncia a presente decisatildeo 2)

441

ACP ndeg 0035742-762008200001 Juiz de Direito Airton Pinheiro 5deg Vara da Fazenda Puacuteblica de Natal-RN

Publicado em 07022011

196

que o Sr Secretaacuterio de Planejamento ateacute o 20 dia do mecircs subsequente a

cada mecircs vencido PROCEDA em favor do Fundo Estadual da Sauacutede o

repasse integral das verbas orccedilamentaacuterias vinculadas agraves accedilotildees e serviccedilos de

Sauacutede em valor natildeo inferior ao equivalente a 112 (um doze avos) do

orccedilamento previsto para a pasta da Sauacuted ()rdquo (Grifos acrescidos)

Corroborando com a demonstraccedilatildeo da repercussatildeo negativa que os analisados

problemas orccedilamentaacuterios acarretam ao direito agrave sauacutede tem-se que no contexto brasileiro natildeo

satildeo raros os casos em que cortes no orccedilamento puacuteblico terminam prejudicando diretamente o

andamento de poliacuteticas puacuteblicas ligadas a esse prioritaacuterio direito fundamental Reforccedilando o

ponto de vista jaacute afirmado natildeo se pode admitir que o respeito aos percentuais miacutenimos

estabelecidos na CF seja por si soacute suficiente para que o Estado se desvincule do seu perene

dever de garantir a sauacutede sendo inafastaacutevel a conclusatildeo de que a praacutetica de cortes de gastos

direcionados agrave sauacutede ainda que se continue respeitando o miacutenimo de aporte financeiro

estabelecido constitucionalmente eacute flagrantemente inconstitucional ainda mais quando os

valores satildeo direcionados para aacutereas natildeo prioritaacuterias

No ano de 2012 por exemplo houve um corte de R$ 55 bilhotildees no orccedilamento geral da

Uniatildeo que acarretou no contingenciamento de recursos do Ministeacuterio da Sauacutede (na casa de R$

54 bilhotildees) Tal situaccedilatildeo gerou indignaccedilatildeo do Conselho Nacional de Sauacutede que teceu fortes

criacuteticas ao governo em carta aberta agrave presidenta Dilma Roussef destacando-se os seguintes

trechos442

A equipe econocircmica do governo federal propotildee agora um

contingenciamento da ordem de R$ 54 bilhotildees no jaacute restrito orccedilamento do

Ministeacuterio da Sauacutede O mais curioso eacute o argumento de que o

contingenciamento visa a favorecer o crescimento econocircmico do paiacutes Ora a

sauacutede eacute um importante setor econocircmico representando cerca de 9 do PIB

[Produto Interno Bruto] e muito tem contribuiacutedo para o desenvolvimento

nacional ao movimentar um potente mercado de bens e serviccedilos e a

assegurar milhotildees de empregos

() O que mais provoca indignaccedilatildeo na proposiccedilatildeo do contingenciamento

dos recursos da sauacutede eacute a verificaccedilatildeo de que a LOA 2012 [Lei

Orccedilamentaacuteria Anual] prevecirc destinar R$ 655 bilhotildees ou 30 do Orccedilamento

federal de 2012 ao refinanciamento e ao pagamento de juros e amortizaccedilotildees

da diacutevida puacuteblica mais de nove vezes o valor previsto para a sauacutede (Grifos

acrescidos)

Frente a todo o exposto conclui-se que a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio e a partir da

provocaccedilatildeo sobretudo do Ministeacuterio Puacuteblico eacute muito importante em todas as fases das accedilotildees

estatais trilhadas para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e estaacute calcada na busca pelo

442

O referido documento pode ser conferido na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico

httpconselhosaudegovbrultimas_noticias2012docs17_fev_ASSEGURAR_RECURSOS_LOA_20PARA

_SAUDEpdf

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respeito agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e aos valores por ela norteados o que termina superando

qualquer argumento contraacuterio ligado agrave separaccedilatildeo dos poderes ou ao respeito da estrita

legalidade orccedilamentaacuteria443

Ocorre que o Judiciaacuterio natildeo deve ser sobrecarregado como a uacutenica esperanccedila possiacutevel

para o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede devendo ser criadas condiccedilotildees para um

efetivo controle social e nesse ponto complementando o jaacute relevante papel dos Conselhos de

Sauacutede podem ser destacadas medidas como o orccedilamento participativo e a atuaccedilatildeo direta da

populaccedilatildeo por meio de manifestaccedilotildees populares e ateacute mesmo atraveacutes da iniciativa popular na

busca pela melhor garantia do direito agrave sauacutede444

Em linhas gerais os orccedilamentos participativos satildeo modelos em que a proacutepria

comunidade participa conjuntamente com o pode puacuteblico na elaboraccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio

e as experiecircncias brasileiras (as quais satildeo restritas ao acircmbito municipal) apesar de denotarem

certa ausecircncia de uniformidade na formataccedilatildeo de tais processos apontam para benefiacutecios

relevantes para a eficiecircncia e cumprimento da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria445

O principal exemplo ocorreu em Porto Alegre onde desde 1989 implementou-se o

orccedilamento participativo possibilitando um amplo acesso da populaccedilatildeo agrave tomada de decisotildees

orccedilamentaacuterias que geraram novas prioridades agrave gestatildeo de recursos da cidade constatando-se

443

Nesse sentido aponta Marcelo Harger que ldquoas metas valores e procedimentos devem ser concomitantemente

observados para que uma poliacutetica puacuteblica possa ser considerada constitucional Natildeo se pode com o objetivo de

assegurar o desenvolvimento nacional ofender a dignidade da pessoa humana ou acabar com o pluralismo

poliacuteticordquo HARGER Marcelo Os princiacutepios constitucionais e o controle das poliacuteticas puacuteblicas pelo Poder

Judiciaacuterio In CRUZ Paulo Maacutercio GOMES Rogeacuterio Zuel (coords) Princiacutepios Constitucionais e Direitos

Fundamentais Curitiba Juruaacute 2008 p 136 444

Para Eduardo Mendonccedila ldquoa modificaccedilatildeo desse sistema jaacute produziria consideraacutevel avanccedilo institucional

inclusive elevando o niacutevel da discussatildeo poliacutetica travada no paiacutes Um sistema orccedilamentaacuterio racional e

verdadeiramente transparente seria um instrumento a serviccedilo dos trecircs Poderes notadamente do Legislativo e do

Executivo encarregados das decisotildees discricionaacuterias O proacuteprio Judiciaacuterio teria agrave disposiccedilatildeo um diagnoacutestico

mais preciso das poliacuteticas puacuteblicas Mem curso que poderaacute recomendar um maior ou menor ativismo

Adicionalmente o controle social ficaria potencializado uma vez que um conjunto importante de decisotildees

poliacuteticas ganharia concreccedilatildeo ao ingressar no orccedilamento MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao

dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM

Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010 p 380 445

Contribuindo para essa visatildeo pode ser destacado o seguinte trecho esposado pela 4deg Cacircmara Ciacutevel do TJPR

relatoria do Des Abraham Lincoln Calixto no julgamento do Mandado de Seguranccedila ndeg 476084-9 em

24 06 08 ldquo() III Se por um lado eacute correto reconhecer que o dinheiro puacuteblico eacute limitado e deve ser gasto de

forma adequada e racionalizada por outro tambeacutem eacute certo dizer que a razatildeo de ser do Estado eacute atender os

direitos fundamentais do Homem de forma a resguardar-lhe um miacutenimo de dignidade IV O Estado tem o dever

de proteger e garantir um miacutenimo existencial agrave populaccedilatildeo devendo adotar mecanismos de gestatildeo democraacutetica

do orccedilamento puacuteblico como forma de assegurar os direitos fundamentais como a sauacutede e a proacutepria vidardquo

(Grifos acrescidos)

198

melhorias no acesso a aacutegua potaacutevel no sistema de esgoto e no nuacutemero de matriacuteculas de

crianccedilas nas escolas446

Ocorre que apesar de significar um importante mecanismo de revitalizaccedilatildeo da

cidadania e construccedilatildeo de uma esfera puacuteblica no Brasil o exame da realidade conjuntural da

totalidade das experiecircncias de orccedilamento participativo demonstra que grande parte dos

problemas estruturais encontrados no acircmbito dos Conselhos de Sauacutede satildeo aqui repetidos jaacute

que o sucesso dessa gestatildeo participativa no orccedilamento depende exatamente do niacutevel de poder

que eacute compartilhado para a populaccedilatildeo o que nem sempre atinge os niacuteveis ideais para uma

necessaacuteria mudanccedila447

Devem ser buscadas portanto medidas concretas que venham a potencializar o uso do

instrumento do orccedilamento participativo448

e a consequente construccedilatildeo de espaccedilos

deliberativos a comeccedilar pela regulamentaccedilatildeo e uniformizaccedilatildeo do mesmo como procedimento

obrigatoacuterio no ciclo orccedilamentaacuterio em acircmbito local em todo paiacutes bem como pela previsatildeo de

intercacircmbios institucionais de tais espaccedilos com os Conselhos de Sauacutede visando a melhor

compatibilizaccedilatildeo do orccedilamento local com as prioridades inerentes agrave sauacutede puacuteblica da regiatildeo

Da mesma maneira vislumbra-se no contexto hodierno brasileiro um positivo quadro

de crescente participaccedilatildeo popular atraveacutes de manifestaccedilotildees que oxigenando a democracia

representativa449

tendem a pressionar o Poder Puacuteblico por mudanccedilas em prol da

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mais imprescindiacuteveis e acabam norteando a

populaccedilatildeo para sua importante funccedilatildeo no manejo de proposiccedilotildees legislativas Tais

consequecircncias com relaccedilatildeo agrave sauacutede pocircde ter sido vislumbrada por exemplo pela

aceleraccedilatildeo450

da aprovaccedilatildeo de programas do Governo Federal (como eacute o caso do ldquoMais

446

KLIKSBERG Bernardo Como por em praacutetica a participaccedilatildeo Algumas questotildees estrateacutegicas In Gestatildeo

puacuteblica e participaccedilatildeo Salvador Fundaccedilatildeo Luiacutes Eduardo Magalhatildees 2005 p 74 447

AZEVEDO FERES Anaximandro Lourenccedilo REISSINGER Simone amp ARAUacuteJO Marinella Machado

Conselhos Municipais de Sauacutede e a construccedilatildeo dialoacutegica do orccedilamento puacuteblico p 14 Disponiacutevel em

httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaiscamposanaximandro_simone_marinella_araujopdf Acesso

em 21062013 448

Euzineia Carlos destaca que ldquo() a natildeo partilha do processo decisoacuterio entre o poder puacuteblico e cidadatildeo

interessado confere ao orccedilamento participativo uma descaracterizaccedilatildeo de seu potencial sentido poliacutetico e

emancipador consubstanciando-se em um vazio comunicacional dado pela inexistecircncia de interaccedilotildees sociais

cooperativas na formaccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo coletiva e na definiccedilatildeo do bem puacuteblicordquo CARLOS Euzineia

Orccedilamento participativo em Vitoacuteria sob o signo de diferentes visotildees ideoloacutegico-normativas In Participaccedilatildeo

Social na Gestatildeo Puacuteblica Olhares sobre as Experiecircncias de Vitoacuteria-ES Marta Zorzal e Silva (org) Satildeo

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MARTINS Leonardo Manifestaccedilotildees populares entre normalidade democraacutetica e insurreiccedilatildeo

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democratica-e-insurreicao11502 Acessado em 03072013 450

Corroborando conferir a presente notiacutecia httpglobotvglobocomrede-globojornal-nacionalvcongresso-

nacional-acelera-votacao-de-projetos-cobrados-por-manifestacoes2657714 Acessado em 27062013

199

Meacutedicosrdquo451

) pelo anuacutencio de uma seacuterie de investimentos para a situaccedilatildeo da sauacutede municipal

bem como destinaccedilatildeo de recursos dos royalties do petroacuteleo para a sauacutede e educaccedilatildeo452

e

finalmente pela potencializaccedilatildeo gerada no andamento de programas de iniciativa popular

como eacute o caso do Movimento Sauacutede + 10 jaacute tratado anteriormente

Constata-se assim que para se alcanccedilar uma maior concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute

primordial a implementaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo conjunto ndash que abranja desde o controle da

elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico ateacute a avaliaccedilatildeo do cumprimento das metas das

poliacuteticas puacuteblicas que reflita o exato grau de priorizaccedilatildeo constitucional conferido este

relevante bem ndash em que o Judiciaacuterio atua auxiliado tanto pela provocaccedilatildeo do Ministeacuterio

Puacuteblico especialmente na acepccedilatildeo coletiva como principalmente pela atuaccedilatildeo da

populaccedilatildeo453

que de forma organizada deve buscar as mudanccedilas necessaacuterias pelos meios

juridicamente cabiacuteveis a partir de uma ampla participaccedilatildeo

451

Aprovado pela Medida Provisoacuteria nordm 621 de 8 de Julho de 2013 452

Nesse sentido conferir httpwwwestadaocombrnoticiasvidaedilma-diz-que-investira-r-55-bi-para-

ampliar-infraestrutura-do-sus10519850htm e httpwwwestadaocombrnoticiasnacionaldilma-aceita-

divisao-de-royalties-entre-educacao-e-saude10495370htm Acessados em 05072013 453

Reforccedila essa ideia a observaccedilatildeo de Paulo Bonavides de que ldquo() na escalada da legitimidade constitucional

o seacuteculo XIX foi o seacuteculo do legislador o seacuteculo XX o seacuteculo do juiz e da justiccedila constitucional universalizada

enquanto o seacuteculo XXI estaacute fadado a ser o seacuteculo do cidadatildeo governante do cidadatildeo povo do cidadatildeo soberano

do cidadatildeo sujeito de direito internacional conforme jaacute consta da jurisprudecircncia do direito das gentes Ou ainda

do cidadatildeo titular de direitos fundamentais de todas as dimensotildees seacuteculo por fim que haacute de presenciar nos

ordenamentos poliacuteticos do Terceiro Mundo o ocaso do atual modelo de representaccedilatildeo e de partidos Eacute o fim que

aguarda as formas representativas decadentes Mas eacute tambeacutem a alvorada que faz nascer o sol da democracia

participativa nas regiotildees da periferiardquo BONAVIDES Paulo Constitucionalismo social e democracia

participativa In Congresso Internacional de Derecho Constitucional do Instituto de Investigaciones

Juridicas ndashUNAM p 17 Disponiacutevel em httpwwwjuridicasunammxsisjurconstitpdf6-234spdf

Acessado em 15062012

200

7 CONCLUSAtildeO

Somente com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede recebeu tratamento de

direito fundamental social fato alcanccedilado sobretudo pelo importante papel do Movimento

em favor da Reforma Sanitaacuteria nascente durante o processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e

consequente superaccedilatildeo do regime militar

A acolhida do direito agrave sauacutede no seio constitucional como autecircntico direito

fundamental natildeo significou contudo apenas uma previsatildeo meramente formal mas sim

denotou a ascendecircncia do mesmo como uma das prioridades sociais do Estado Constitucional

Democraacutetico que estava nascendo

Tal priorizaccedilatildeo eacute expressa por uma seacuterie de fatores Em primeiro lugar a estruturaccedilatildeo

do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio tem o condatildeo de qualificaacute-lo como um autecircntico

direito de cidadania e direito humano de caraacuteter polifaceacutetico jaacute que caminha pelas trecircs

chamadas ldquodimensotildees de direitos fundamentaisrdquo sendo a um soacute tempo alicerce chave do

direito agrave vida direito social e de fruiccedilatildeo transindividual

Da mesma maneira o direito agrave sauacutede pode ser qualificado como um direito

impreteriacutevel quando comparado aos demais direitos sociais pois sua perfeita garantia para

com o cidadatildeo tem o poder natildeo soacute de corrigir um problema cliacutenico no caso concreto mas

tambeacutem invariavelmente proporcionar ao mesmo a aptidatildeo elementar necessaacuteria para o pleno

usufruto dos demais direitos sociais atributo que natildeo eacute enxergado de maneira tatildeo

determinante nos demais direitos arrolados no art 6deg da CF de 1988

Noutro poacutertico diferentemente por exemplo do que ocorre com o tambeacutem relevante

direito agrave educaccedilatildeo (direito social em que para cada indiviacuteduo o Estado encerra seu dever

constitucional ao disponibilizar os trecircs niacuteveis constitucionais de atenccedilatildeo) tem-se que o

comportamento do Poder Puacuteblico na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute marcado por uma situaccedilatildeo

de perene e renovaacutevel deacutebito para com o cidadatildeo jaacute que todas as vezes em que este necessitar

de um serviccedilo de sauacutede inserido numa poliacutetica puacuteblica surge para o Estado o dever de

disponibilizaacute-lo sem caber a alegaccedilatildeo de que o mesmo jaacute se encontra quite com aquele

cidadatildeo

Tais caracteriacutesticas somadas agrave iacutentima ligaccedilatildeo do direito agrave sauacutede com o direito agrave vida agrave

integridade fiacutesica e agrave dignidade da pessoa humana acarretam no destacamento de tal direito

para um primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais situaccedilatildeo que eacute refletida no

tratamento notadamente especial conferido ao mesmo na CF de 1988 marcado dentre outras

caracteriacutesticas pelo expresso direcionamento de parte da receita de impostos para a sauacutede

201

com a estipulaccedilatildeo de percentuais miacutenimos a serem cumpridos pelo enquadramento das accedilotildees

e serviccedilos de sauacutede como sendo de relevacircncia puacuteblica e pela previsatildeo da direta participaccedilatildeo da

comunidade na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ordenadas para o direito em tela

Em que pese este notaacutevel avanccedilo constata-se na conjuntura da adulta CF de 1988 a

realidade do quadro de sauacutede puacuteblica no paiacutes retrata que infelizmente o niacutevel de

concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a este direito natildeo eacute congruente com sua priorizaccedilatildeo

arquitetada constitucionalmente o que denota a necessidade de se corrigir tal desarmonia

Os principais atores nessa tarefa corretiva satildeo sem duacutevida os Poderes Executivo e

Legislativo dos quais se espera que no acircmbito de atribuiccedilotildees de cada um sejam

empreendidas accedilotildees que visem aos ajustes necessaacuterios mediante sobretudo a elaboraccedilatildeo de

leis que aprimorem a estruturaccedilatildeo do SUS e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que

realizem o amparo agrave sauacutede com mais eficiecircncia e transparecircncia

Ocorre que a atuaccedilatildeo exclusiva de tais poderes na funccedilatildeo de agentes corretores do

baixo grau de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede configura-se uma medida insuficiente jaacute que o

problema a ser corrigido eacute gerado justamente pela siacutendrome da ineficiecircncia constatada na

atuaccedilatildeo dos mesmos Daiacute se concluir ser inoacutecuo e conflitante com os ideais de um Estado

Democraacutetico Constitucional simplesmente aguardar de que tais poderes corrijam sozinhos os

recorrentes erros vivenciados no planejamento da sauacutede puacuteblica paacutetria e por eles proacuteprios

ocasionados (erros estes que subvertem os valores constitucionais idealizados para a sauacutede)

Desponta nesse contexto o relevante papel de novos atores na missatildeo de se fazer

valer quanto ao direito agrave sauacutede o previsto natildeo soacute na Constituiccedilatildeo Federal mas tambeacutem na

legislaccedilatildeo sobre o tema (especialmente na intitulada ldquoLei do SUSrdquo) e nos atos infralegais que

especificam a estruturaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas em vigor no paiacutes (sobretudo as diversas

portarias do Ministeacuterio da Sauacutede na temaacutetica)

Este novo cenaacuterio portanto centrado na noccedilatildeo de Jurisdiccedilatildeo Constitucional iacutensita ao

modelo neoconstitucional vigente eacute marcado pelo predomiacutenio da ideia de que a efetivaccedilatildeo

dos direitos fundamentais natildeo se encontra mais restrita exclusivamente agrave atuaccedilatildeo do

Executivo e do Legislativo destacando-se dentre os referidos novos atores o relevante papel

do Poder Judiciaacuterio no acircmbito da sindicabilidade dos direitos fundamentais cujas principais

criacuteticas quanto a sua atuaccedilatildeo satildeo superadas pelo despontamento da acepccedilatildeo material de

democracia e pela releitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes

Nesse raciociacutenio a democracia deixa de ser enxergada como simples sinocircnimo de

aplicaccedilatildeo da regra majoritaacuteria (acepccedilatildeo formal) frente agrave exigecircncia de os poderes constituiacutedos

primordialmente respeitarem e realizarem os direitos fundamentais dos cidadatildeos como forma

202

de alcanccedilar o perfeito funcionamento do processo deliberativo democraacutetico (acepccedilatildeo

material)

A Separaccedilatildeo dos Poderes por sua vez passa a conviver com um controle inerente agrave

noccedilatildeo de ldquofreios e contrapesosrdquo norteado pela centralidade da Constituiccedilatildeo e prevalecircncia dos

direitos fundamentais consistindo portanto em tarefa idocircnea a atuaccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais desde que fundamentada e limitada pela sistemaacutetica

valorativa da CF de 1988 significando desta forma natildeo uma absorccedilatildeo do sistema poliacutetico

pelo juriacutedico mas sim uma legiacutetima limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo com vistas a se fazer

valer os anseios constitucionais

Desta maneira o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas

envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a

accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais sobre o tema

desconfigurem o desenho protetivo de tal direito no ordenamento paacutetrio e terminem o

afrontando

Contudo eacute preciso se ter muito cuidado com a questatildeo da definiccedilatildeo dos limites dessa

atuaccedilatildeo judicial visto que quando esta tarefa eacute realizada de forma desenfreada e indefinida

surgem invariavelmente anacrocircnicos efeitos colaterais que potencialmente tendem a

afrontar ideais de igualdade e seguranccedila juriacutedica destacando-se nesse contexto a importacircncia

de se buscar paracircmetros objetivos aptos a respaldar uma limitaccedilatildeo harmocircnica com a

Constituiccedilatildeo

Nesse iacutenterim a saiacuteda para esta celeuma dentre outras medidas tem como medida

primordial a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede (a ser

buscado preferencialmente mediante demandas coletivas) o qual por envolver um conjunto

de prestaccedilotildees que o Estado natildeo pode se furtar a disponibilizar sob pena de afronta ao

Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana acaba preponderando como regra com relaccedilatildeo ao

argumento estatal da reserva do possiacutevel aleacutem de emprestar maior seguranccedila e uniformidade

aos magistrados na hora de decidir demandas nessa temaacutetica

Por assumirem uma posiccedilatildeo prioritaacuteria no desenho constitucionalmente esboccedilado para

o direito agrave sauacutede podem ser identificados como elementos materiais do miacutenimo existencial

em sauacutede o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva as accedilotildees de

prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas e o saneamento baacutesico

Sob o prisma da coerecircncia loacutegica do sistema uacutenico arquitetado para o direito agrave sauacutede

na CF de 1988 faz-se relevante o acoplamento de um componente instrumental a estes

elementos materiais traduzido no respeito e garantia pelo Poder Puacuteblico da previsatildeo de

203

infraestrutura miacutenima a ser aparelhada para os serviccedilos de sauacutede abarcados nas poliacuteticas por

ele elaboradas englobando pois a necessidade de disponibilizaccedilatildeo do nuacutemero miacutenimo

necessaacuterio de hospitais eficientemente estruturados pessoal qualificado e equipamentos

suficientes para a realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer sob pena de se

mergulhar em um quadro de insinceridade suscetiacutevel de frustrar os cidadatildeos de determinada

localidade

Nesse sentido tem-se que a estruturaccedilatildeo miacutenima do SUS eacute parte integrante basilar do

miacutenimo existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse

ponto baacutesico jaacute que se a proacutepria CF de 1988 delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se

materializa a partir de poliacuteticas que visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos

para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) eacute iloacutegico e incoerente imaginar a

realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede (e especialmente do seu miacutenimo existencial) sem o respeito agrave

miacutenima estruturaccedilatildeo necessaacuteria

Quando as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de

afericcedilatildeo de sua proacutepria eficiecircncia que se baseiam em estimativas e metas acerca do que

minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente apta a atingir seus

objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de

leitos para cada nuacutemero bdquoy‟ de habitantes) que se inclui neste elemento instrumental sendo de

suma relevacircncia o conhecimento e divulgaccedilatildeo das diversas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede

que delimitam as poliacuteticas em sauacutede existentes destacando-se a Portaria MS nordm 11012002

que estabelece os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do SUS os quais

representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias aptas a

orientar os gestores nos trecircs niacuteveis de governo

Defende-se assim que o processo de amadurecimento da judicializaccedilatildeo do direito agrave

sauacutede seja incrustado por uma cultura de se valorizar uma argumentaccedilatildeo juriacutedica que leve em

consideraccedilatildeo a proacutepria estrutura e funcionamento do SUS analisando-se as metas e

paracircmetros estabelecidos nos planos de sauacutede das trecircs esferas federativas de modo a

identificar as possiacuteveis omissotildees estatais com relaccedilatildeo ao que minimamente o Poder Puacuteblico se

prontificou previamente a oferecer com relaccedilatildeo a este importante direito

Nesse sentido faz-se imperiosa uma maior divulgaccedilatildeo dos paracircmetros traccedilados nas

poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede os quais aleacutem de mais facilmente acessiacuteveis devem ser

simplificados no intuito de a noccedilatildeo exata dos mesmos fazer parte do cotidiano tanto da

populaccedilatildeo que poderaacute participar de maneira mais eficiente nas Conferecircncias de Sauacutede e nos

demais canais de deliberaccedilatildeo quanto do Judiciaacuterio que ao enfrentar os complexos pleitos em

204

sauacutede poderaacute com maior tranquilidade fundamentar suas decisotildees a partir de criteacuterios mais

concretos e objetivos

Com efeito destaca-se como medida apta a garantir a consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio

familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede abrangidas no acircmbito da

regulamentaccedilatildeo do SUS a formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar constituiacutedas

tanto por profissionais de sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS

incumbidas de prestar assistecircncia aos magistrados com relaccedilatildeo sobretudo agraves demandas que

envolvem a correccedilatildeo do deacuteficit de leitos hospitalares de medicamentos e de equipe meacutedica

Na mesma linha destaca-se a possibilidade de serem criadas varas especializadas no

julgamento de accedilotildees que envolvam pleitos na aacuterea de sauacutede puacuteblica de modo a proporcionar

uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito fundamental pelo

Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a igualdade de tratamento entre

os usuaacuterios

Ocorre contudo que o Poder Judiciaacuterio natildeo se encontra sozinho na tarefa de garantir a

realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede No que tange agrave participaccedilatildeo popular nessa tarefa destaca-se a

singular funccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como autecircnticos canais para que a sociedade dite o

ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede e materialize a noccedilatildeo de sauacutede como

elemento intriacutenseco agrave democracia concretizando desta forma a diretriz constitucional do

SUS de participaccedilatildeo da comunidade

Sobre este ponto defende-se que a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si

soacute natildeo constitui garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual

somente poderaacute ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados

na organizaccedilatildeo dos Conselhos como eacute o caso da burocratizaccedilatildeo dos procedimentos do

corporativismo da partidarizaccedilatildeo e notadamente da clara falta de representatividade

ocasionada pelo fraco comprometimento do Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos

um niacutevel equitativo de capacidade tanto de elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo agrave

agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem seguidas

Faz-se necessaacuteria portanto a fiscalizaccedilatildeo mais enfaacutetica do Ministeacuterio Puacuteblico com

vistas a buscar judicialmente a garantia e respeito do fiel cumprimento das previsotildees

constantes na Resoluccedilatildeo nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 que tratam

da mateacuteria de modo a ser garantida a eficiecircncia destes importantes espaccedilos e em uacuteltima

instacircncia ser efetivamente observada a diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da

comunidade

205

Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consiste na necessidade de

que o caraacuteter prioritaacuterio e impreteriacutevel desse direito seja observado durante a fase de

elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico

Como a realizaccedilatildeo do vieacutes prestacional do direito agrave sauacutede eacute assegurada pelo montante

de recursos em sua promoccedilatildeo e garantia indubitavelmente o orccedilamento puacuteblico assume um

papel chave em sua concretizaccedilatildeo devendo este portanto natildeo apenas respeitar o aporte de

valores miacutenimos previstos para a sauacutede mas tambeacutem consolidar a priorizaccedilatildeo tracejada na

CF de 1988 com relaccedilatildeo a este direito bem como quanto aos demais direitos fundamentais

Desponta assim a defesa de que a indicaccedilatildeo dos itens incluiacutedos no planejamento

orccedilamentaacuterio (como sauacutede seguranccedila educaccedilatildeo lazer cultura propaganda institucional

serviccedilos da diacutevida dentre outros) deve seguir um escalonamento ao serem rubricados nos

orccedilamentos puacuteblicos que se harmonize e espelhe a priorizaccedilatildeo constitucional dos mesmos

(pode-se falar aqui em Constituiccedilatildeo Orccedilamental) sob pena de subverter a proacutepria vontade

constitucional

Desta maneira a realidade constatada no planejamento de diversos orccedilamentos

puacuteblicos pelo paiacutes em que se vislumbra o direcionamento de verbas para divertimentos

populares manutenccedilatildeo de regalias ultrapassadas para membros do Legislativo diaacuterias de

servidores e propaganda de governo em maior escala do que para aacutereas de gritante prioridade

como sauacutede educaccedilatildeo e seguranccedila puacuteblica consiste em claro aviltamento da dignidade da

pessoa humana e da prevalecircncia dos direitos fundamentais arquitetados na CF de 1988

Inevitaacutevel defender-se portanto que este desvirtuamento ao alccedilar o orccedilamento

puacuteblico agrave condiccedilatildeo de autecircntica arma de faacutecil manuseio apta a subverter as prioridades

constitucionalmente prestigiadas deve ser imediatamente corrigido seja atraveacutes da

modificaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo passando esta a prever expressamente a impossibilidade

de tais situaccedilotildees ou do arcabouccedilo legislativo que dita o ciclo orccedilamentaacuterio no paiacutes

(notadamente a denominada LRF)

Da mesma maneira enxerga-se como de suma relevacircncia o papel do Ministeacuterio

Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo de tais ocasiotildees o qual pela via coletiva pode provocar o Judiciaacuterio a

corrigir tais distorccedilotildees e promover a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido

de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a

destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade

Nessa linha de raciociacutenio frente agrave defendida primazia do direito agrave sauacutede dentre os

direitos sociais o desenvolvimento dessa nova cultura deve ser alicerccedilado na priorizaccedilatildeo

deste impreteriacutevel direito fundamental durante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria de modo

206

a que natildeo apenas os percentuais miacutenimos especificados para tal direito sejam respeitados

mas sim o aparato principioloacutegico que irradia a proteccedilatildeo da sauacutede na CF de 1988 tenha

reflexos anaacutelogos no proacuteprio orccedilamento puacuteblico de modo a evitar que o aporte de recursos

para a sauacutede seja menor que aacutereas menos prioritaacuterias como propaganda puacuteblica diaacuterias de

servidores shows para a populaccedilatildeo etc

Reforccedilando a ideia acima se no plano abstrato essas situaccedilotildees subversoras do

prioritaacuterio posicionamento do direito agrave sauacutede traccedilado na Constituiccedilatildeo geram um sentimento de

revolta agrave coletividade o que dizer agora no plano concreto e individual do cidadatildeo que

aguarda haacute meses um atendimento baacutesico no acircmbito do SUS e eacute surpreendido com uma

propaganda institucional em sua TV que expotildee um quadro de perfeiccedilatildeo da sauacutede puacuteblica

apontando melhorias que o mesmo nunca viu ou usufruiu ou ateacute mesmo com uma

divulgaccedilatildeo da realizaccedilatildeo de um show ou construccedilatildeo de um estaacutedio de futebol a ser ldquobancadordquo

com o dinheiro puacuteblico

A resposta para a indagaccedilatildeo acima natildeo eacute outra senatildeo a de que tal cidadatildeo se sentiraacute

indignado devendo esta sensaccedilatildeo por aviltar natildeo soacute sua dignidade mas tambeacutem a de toda

coletividade ser corrigida com urgecircncia atraveacutes da atribuiccedilatildeo do papel de buacutessola do ciclo

orccedilamentaacuterio agrave Constituiccedilatildeo e do aperfeiccediloamento de praacuteticas democraacuteticas como o

orccedilamento participativo e o maior envolvimento popular na defesa do tema

Desta forma conclui-se que o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que

pese primordialmente depender da tarefa desempenhada pelos Poderes Executivo e

Legislativo necessita frente agrave realidade da sauacutede puacuteblica do paiacutes de um plano de accedilatildeo

conjunto que deve aleacutem de ter como ponto de partida a elaboraccedilatildeo de um orccedilamento puacuteblico

consentacircneo com as prioridades constitucionais contar com a atuaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio

familiarizado com as especificaccedilotildees das poliacuteticas sanitaacuterias vigentes e amparado de um lado

pelo apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na defesa coletiva da sauacutede e de outro pela maior

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo com vistas a fazer valer a integral proteccedilatildeo constitucional

conferida a este singular impreteriacutevel e mais relevante direito social

207

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SOUZA NETO Claacuteudio Pereira de Teoria da Constituiccedilatildeo Democracia e Igualdade

Disponiacutevel em httpwwwmundojuridicoadvbrcgi-binuploadtexto1129(3)pdf Acessado

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da construccedilatildeo do Direito 7deg ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2007

__________________ Jurisdiccedilatildeo constitucional e hermenecircutica Uma nova criacutetica do

Direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2004

__________________ A crise da hermenecircutica e a hermenecircutica da crise a necessidade de

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Constitucional e Direitos Fundamentais Belo Horizonte Del Rey 2003

TATAGIBA Luciana amp TEXEIRA Ana Claudia Chaves O papel do CMS na Poliacutetica de

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Paulo PoacutelisPUC-SP 2007

TAVARES Andreacute Ramos Teoria da Justiccedila Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2005

TIMM Luciano Benetti Qual a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais uma

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do Advogado 2010

TORRES Ricardo Lobo A cidadania multidimensional da era dos direitos In TORRES

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__________________Tratado de direito constitucional financeiro e tributaacuterio ndash O

orccedilamento na Constituiccedilatildeo v 5 Rio de Janeiro Renovar 2000

__________________Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributaacuterio

Valores e Princiacutepios Constitucionais Tributaacuterios v 2 Rio de Janeiro Renovar 2005

__________________A jurisprudecircncia dos valores In SARMENTO Daniel (Coord)

Filosofia e teoria constitucional contemporacircnea Rio de Janeiro Lumen Juris 2009

__________________O miacutenimo existencial os direitos sociais e os desafios de natureza

orccedilamentaacuteria In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos

Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado

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TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito

Internacional Efetivaccedilatildeo por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo

Paulo 2010

TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Tratado de Direito Internacional dos Direitos

Humanos Porto Alegre Safe 1997

VALADEacuteS Diego Cinco grandes retos (y otras tantas amenazas) para la democracia

constitucional em el siglo XXI In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais

Fortaleza Ediccedilotildees Demoacutecrito Rocha 2010

220

VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento

participativo In Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012

WANG Daniel Wei Liang Escassez de recursos custos dos direitos e reserva do possiacutevel na

jurisprudecircncia do STF In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org)

Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010

ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de

Sauacutede possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013

Legislaccedilatildeo consultada

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_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de

1981)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de

1937)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de

1946)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1967

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988

_______ Decreto nordm 591 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional

sobre Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Promulgaccedilatildeo

_______ Decreto nordm 592 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Poliacuteticos Promulgaccedilatildeo

_______ Decreto nordm 7508 de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei no 8080 de 19 de

setembro de 1990 para dispor sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS o

planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa e daacute outras

providecircncias

_______ Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 Dispotildee sobre as condiccedilotildees para a

promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo e o funcionamento dos serviccedilos

correspondentes e daacute outras providecircncias

_______ Lei nordm 8142 de 28 de dezembro de 1990 Dispotildee sobre a participaccedilatildeo da

comunidade na gestatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e sobre as transferecircncias

intergovernamentais de recursos financeiros na aacuterea da sauacutede e daacute outras providecircncias

221

_______ Lei nordm 12401 de 28 de abril de 2011 Altera a Lei no 8080 de 19 de setembro de

1990 para dispor sobre a assistecircncia terapecircutica e a incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede no

acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS

_______ Lei Complementar nordm 101 de 04 de maio de 2000 Estabelece normas de financcedilas

puacuteblicas voltadas para a responsabilidade na gestatildeo fiscal e daacute outras providecircncias

_______ Lei Complementar nordm 141 de 13 de janeiro de 2012 Regulamenta o sect 3o do art

198 da Constituiccedilatildeo Federal para dispor sobre os valores miacutenimos a serem aplicados

anualmente pela Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos

de sauacutede estabelece os criteacuterios de rateio dos recursos de transferecircncias para a sauacutede e as

normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas 3 (trecircs) esferas de

governo revoga dispositivos das Leis nos 8080 de 19 de setembro de 1990 e 8689 de 27

de julho de 1993 e daacute outras providecircncias

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 533 de 28 de marccedilo de 2012 Estabelece o elenco

de medicamentos e insumos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)

no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 841 de 02 de maio de 2012 Publica a Relaccedilatildeo

Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede (RENASES) no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS) e daacute outras providecircncias

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 2395 de 13 de outubro de 2011 Organiza o

Componente Hospitalar da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do Sistema Uacutenico de

Sauacutede

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 4279 de 30 de dezembro de 2010 Estabelece

diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede no acircmbito do Sistema Uacutenico de

Sauacutede (SUS)

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 399 de 22 de fevereiro de 2006 Divulga o Pacto

pela Sauacutede 2006 ndash Consolidaccedilatildeo do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido

Pacto

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 648 de 28 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica estabelecendo a revisatildeo de diretrizes e normas para a

organizaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica para o Programa Sauacutede da Famiacutelia (PSF) e o Programa

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS)

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 674 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Carta dos

Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede que consolida os direitos e deveres do exerciacutecio da cidadania

na sauacutede em todo o Paiacutes

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 698 de 30 de marccedilo de 2006 Define que o

custeio das accedilotildees de sauacutede eacute de responsabilidade das trecircs esferas de gestatildeo do SUS observado

o disposto na Constituiccedilatildeo Federal e na Lei Orgacircnica do SUS

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 687 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica

de Promoccedilatildeo da Sauacutede

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 1101 de 12 de junho de 2002

222

Siacutetios eletrocircnicos

BIBLIOTECA DIGITAL DA CAcircMARA DOS DEPUTADOS lthttpbdcamaragovbrgt

BIBLIOTECA DIGITAL DE TESES E DISSERTACcedilOtildeES DA USP

lthttpwwwtesesuspbrgt

BIBLIOTECA DIGITAL DO SENADO FEDERAL lt httpwww2senadolegbrbdsfgt

CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAUacuteDE lt httpwwwcebesorgbrgt

CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DIREITO

lthttpwwwconpediorgbrgt

ESCOLA POLITEacuteCNICA DE SAUacuteDE JOAQUIM VENAcircNCIO DA FUNDACcedilAtildeO

OSWALDO CRUZ lthttpwwwepsjvfiocruzbrgt

INSTITUTO DE ESTUDOS SOacuteCIOECONOcircMICOS lt httpwwwinescorgbrgt

INSTITUTO DE INVESTIGACIONES JURIacuteDICAS lt httpwwwjuridicasunammxgt

INSTITUTO DE PESQUISA ECONOcircMICA APLICADA lt httpwwwipeagovbrportalgt

PORTAL DE REVISTAS ELETROcircNICAS ndash FFC ndash UNESP MARIacuteLIA

lthttpwww2mariliaunespbrrevistasgt

INSTITUTO POacuteLIS DE ESTUDOS FORMACcedilAtildeO E ASSESSORIA EM POLIacuteTICAS

SOCIAIS lt httpwwwpolisorgbrgt

JORNAL CARTA FORENSE lt httpwwwcartaforensecombrgt

MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE lthttpwwwsaudegovbrgt

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO

lthttpwwwplanejamentogovbrgt

MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO DO ESTADO DE GOIAacuteS lthttpwwwmpgogovbrgt

MOVIMENTO NACIONAL SAUacuteDE MAIS DEZ lthttpwwwsaudemaisdezorgbrgt

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL lt httpwwwoaborgbrgt

PORTAL DOMIacuteNIO PUacuteBLICO ndash BIBLIOTECA DIGITAL DO MINISTEacuteRIO DA

EDUCACcedilAtildeO lthttpwwwdominiopublicogovbrgt

PORTAL JURIacuteDICO DIREITO DO ESTADO lt httpwwwdireitodoestadocombrgt

PORTAL PERIOacuteDICOS CAPES lthttpwwwperiodicoscapesgovbrgt

223

PORTAL UNBCIEcircNCIA DA UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA

lthttpwwwunbcienciaunbbrgt

PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

lthttpwwwplanaltogovbrgt

PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADAtildeO

lthttppfdcpgrmpfmpbramppanel1-2amppanel2-4amppanel3-5gt

REVISTA DE DOUTRINA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4deg REGIAtildeO

lthttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrgt

REVISTA ldquoDIREITOS FUNDAMENTAIS amp JUSTICcedilArdquo DO PROGRAMA DE POacuteS-

GRADUACcedilAtildeO MESTRADO E DOUTOURADO EM DIREITO DA PUCRS

lthttpwwwdfjinfbrgt

REVISTA ELETROcircNICA DA FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA

lthttpwwwrevistadireitofrancabrindexphprefdfgt

REVISTA GESTAtildeO amp TECNOLOGIA DA FUNDACcedilAtildeO PEDRO LEOPOLDO

lthttprevistagtfpledubrgetgt

SCIENTIFIC ELETRONIC LIBRARY ONLINE (SCIELO BRAZIL)

lthttpwwwscielobrgt

SECRETARIA DE ESTADO DE SAUacuteDE DO GOVERNO DO MATO GROSSO

lthttpwwwsaudemtgovbrgt

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA lthttpwwwstjjusbrgt

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL lthttpwwwstfjusbrgt

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIAtildeO lthttpportal2tcugovbrgt

TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO NORTE lthttptcerngovbrgt

TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DA PARAIacuteBA lt httpwwwtjpbjusbrgt

TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

lthttpwwwtjrnjusbrgt

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN …...Graduação em Direito - PPGD da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de

HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR

DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E

ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Direito - PPGD da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte como requisito

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Direito

(Aacuterea de Concentraccedilatildeo Constituiccedilatildeo e Garantia

de Direitos)

Orientadora Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios

Fontes Silva

NATAL

2013

HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR

DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E

ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL

Dissertaccedilatildeo aprovada em 17122013 pela banca examinadora formada por

Presidente ________________________________________________

Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva

(Orientadora ndash UFRN)

Membro ________________________________________________

Prof Doutor Artur Cortez Bonifaacutecio

Membro ________________________________________________

Prof Doutor Paulo Roberto Lyrio Pimenta

Dedico este trabalho a minha amada matildee e meu

eterno pai

ldquoEm geral nove deacutecimos da nossa felicidade

baseiam-se exclusivamente na sauacutede Com ela

tudo se transforma em fonte de prazerrdquo

Arthur Schopenhauer

AGRADECIMENTOS

A Deus por toda proteccedilatildeo e por presentear a mim e a minha famiacutelia com uma vida

saudaacutevel

Ao meu eterno pai e meu maior orgulho por todo amor educaccedilatildeo e valores

transmitidos

A minha matildee Mariacutegia minha irmatilde Beth e especialmente minha noiva Steacutephanie as

mulheres da minha vida e pilares que formam meu porto seguro por toda paciecircncia

compreensatildeo carinho ajuda incentivo e muito amor

A todos os colegas da minha turma no Mestrado em particular ao amigo Rochester

Arauacutejo Garanto-lhe que suas sugestotildees e criacuteticas durante nossos ldquoaccedilaiacutes juriacutedicosrdquo e conversas

na biblioteca foram essenciais para a finalizaccedilatildeo deste trabalho

Aos meus amigos do peito que durante todo este periacuteodo compreenderam as minhas

ausecircncias nas diversas reuniotildees que natildeo pude comparecer e me transmitiram palavras de

incentivo essenciais para que eu seguisse firme nessa jornada

A Professora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva minha orientadora pelo apoio

singular prestatividade incentivo e liberdade intelectual proporcionados durante toda a

pesquisa

A todos os professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito que direta ou

indiretamente contribuiacuteram para a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo Sem duacutevidas a dedicaccedilatildeo de

cada um de vocecircs eacute o que torna o Mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte um dos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de destaque no Nordeste

Aos colegas de trabalho do Nuacutecleo Estadual do Ministeacuterio da Sauacutede no Rio Grande do

Norte sobretudo pelo auxiacutelio na obtenccedilatildeo de dados relacionados agrave conjectura da sauacutede

puacuteblica no paiacutes que muito contribuiu para a presente pesquisa

RESUMO

Se por um lado apenas com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede veio a receber

tratamento de autecircntico direito fundamental social por outro eacute certo que desde entatildeo o niacutevel

de concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a tal direito retrata um descompasso entre a vontade

constitucional e a vontade dos governantes Isso porque em que pese a inerente gradualidade

do processo de efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais a realidade brasileira marcada

por um quadro de verdadeiro caos na sauacutede puacuteblica noticiado rotineiramente nos telejornais

desnatura o status prioritaacuterio desenhando constitucionalmente para o direito agrave sauacutede

demonstrando desta maneira que haacute um claro deacuteficit neste processo o qual precisa ser

corrigido Essa preocupaccedilatildeo quanto agrave problemaacutetica da efetivaccedilatildeo dos direitos sociais por sua

vez eacute reforccedilada quando se fala em direito agrave sauacutede pois tal direito frente sua iacutentima ligaccedilatildeo

com o direito agrave vida e agrave dignidade da pessoa humana acaba assumindo uma posiccedilatildeo de

primazia dentre os direitos sociais apresentando-se como um direito impreteriacutevel visto que

sua perfeita fruiccedilatildeo torna-se condiccedilatildeo preciacutepua para o potencial gozo dos demais direitos

sociais Partindo dessas premissas o presente trabalho tem o intuito de fornecer uma proposta

para a correccedilatildeo desta problemaacutetica sobretudo a partir da defesa de um papel ativo do

Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos e

soacutelidos que venham a corrigir com seguranccedila juriacutedica o deacuteficit apontado e a evitar os efeitos

colaterais e distorccedilotildees que satildeo hodiernamente vislumbrados quando o Judiciaacuterio se propotildee a

intervir no tema Para tanto desponta como aspecto principal desta medida a proposiccedilatildeo de

um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave sauacutede que levando em consideraccedilatildeo tanto

os pontos constitucionalmente prioritaacuterios referentes a este relevante direito quanto agrave proacutepria

loacutegica da estruturaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS inserta no seio das poliacuteticas puacuteblicas

em sauacutede desenvolvidas no paiacutes venha a contribuir para uma judicializaccedilatildeo do tema mais

consentacircnea com os ideais traccedilados na Constituiccedilatildeo de 1988 No igual intuito de se buscar

uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede harmocircnica com a prioridade constitucional iacutensita a este

relevante bem a pesquisa alerta tambeacutem para a necessidade de se empreender uma

reestruturaccedilatildeo na forma de organizaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede de modo a se fazer valer a

diretriz constitucional do SUS da participaccedilatildeo da comunidade bem como para a importacircncia

da instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no paiacutes que tendo a Constituiccedilatildeo como

buacutessola passe a retratar fielmente a especial priorizaccedilatildeo constitucional direcionada aos

direitos sociais especialmente o direito agrave sauacutede

Palavras-chave Direito agrave sauacutede Concretizaccedilatildeo Poder Judiciaacuterio

ABSTRACT

If on one hand only with the 1988 Federal Constitution the right to health began to receive

the treatment of authentic fundamental social right on the other it is certain since then the

level of concretization reached as to such right depicts a mismatch between the constitutional

will and the will of the rulers That is because despite the inherent gradualness of the process

of concretization of the fundamental social rights the Brazilian reality marked by a picture of

true chaos on public health routinely reported on the evening news denatures the priority

status constitutionally drew for the right to health demonstrating thus that there is a clear

deficit in this process which must be corrected This concern regarding the problem of the

concretization of the social rights in turn is underlined when one speaks of the right to

health since such right due to its intimate connection with the right to life and human

dignity ends up assuming a position of primacy among the social rights presenting itself as

an imperative right since its perfect fruition becomes an essential condition for the potential

enjoyment of the remaining social rights From such premises this paper aims to provide a

proposal for the correction of this problem based upon the defense of an active role of the

Judiciary in the concretization of the right to health as long as grounded to objective and solid

parameters that come to correct with legal certainty the named deficit and to avoid the side

effects and distortions that are currently beheld when the Judiciary intends to intervene in the

matter For that effect emerges as flagship of this measure a proposition of an existential

minimum specific to the right to health that taking into account both the constitutionally

priority points relating to this relevant right as well as the very logic of the structuring of the

Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS inserted within the core of the public health policies developed

in the country comes to contribute to a judicialization of the subject more in alignment with

the ideals outlined in the 1988 Constitution Furthermore in the same intent to seek a

concretization of the right to health in harmony with the constitutional priority inherent to this

material right the research alerts to the need to undertake a restructuring in the form of

organization of the Boards of Health in order to enforce the constitutional guideline of SUS

community participation as well as the importance of establishing a new culture budget in the

country with the Constitution as a compass pass accurately portray a special prioritization

directed constitutional social rights especially the right to health

Keywords Right to health Concretization Judiciary Branch

LISTA DE SIGLAS

ACP ndash Accedilatildeo Civil Puacuteblica

ADCT ndash Atos das disposiccedilotildees constitucionais transitoacuterias

ANVISA ndash Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria

CAPS ndash Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo

CF ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988

CIT ndash Comissatildeo Intergestores Tripartite

CLT ndash Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas

CNJ ndash Conselho Nacional de Justiccedila

CPMF ndash Contribuiccedilatildeo Provisoacuteria sobre a Movimentaccedilatildeo Financeira

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos

EC ndash Emenda Constitucional

EUA ndash Estados Unidos da Ameacuterica

FNS ndash Fundo Nacional de Sauacutede

FTN ndash Formulaacuterio Terapecircutico Nacional

IAP ndash Institutos de Aposentadoria e Pensatildeo

INESC ndash Instituto de estudos socioeconocircmicos

INPS ndash Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INAMPS ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social

IPEA ndash Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

LC ndash Lei Complementar

LDO ndash Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias

LOA ndash Lei Orccedilamentaacuteria Anual

LRF ndash Lei de Responsabilidade Fiscal

MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico

MS ndash Ministeacuterio da Sauacutede

NOAS ndash Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede

NOB ndash Normas Operacionais Baacutesicas

OAB ndash Ordem dos Advogados do Brasil

OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

PIB ndash Produto Interno Bruto

PIDCP ndash Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos

PIDESC ndash Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais

PNPS ndash Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede

PPA ndash Plano Plurianual

PPI ndash Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede

PRD ndash Plano Diretor de Regionalizaccedilatildeo

PSF ndash Programa de Sauacutede da Famiacutelia

RENAME- Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais

RENASES ndash Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede

STF ndash Supremo Tribunal Federal

STJ ndash Superior Tribunal de Justiccedila

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

TAC ndash Termo de Ajustamento de Conduta

TCG ndash Termo de Compromisso de Gestatildeo

TJ ndash Tribunal de Justiccedila

UBS ndash Unidades baacutesicas de sauacutede

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 14

2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL19

21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES

DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 198819

22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA

CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 24

23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAacuteUDE ndash SUS 26

231 Princiacutepios informadores do SUS 27

232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS 29

233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do

SUS29

234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem

aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede 30

24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E OS DESAFIOS ATUAIS DO

SUS33

25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO

ORDENAMENTO PAacuteTRIO 35

3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL44

31 A EVOLUCcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 44

32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO

DIREITO Agrave SAUacuteDE 53

321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de

prestaccedilatildeo 54

322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla

fundamentalidade (formal e material) 56

323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e

princiacutepios59

324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio 61

4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE 67

41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS70

42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO

POSSIacuteVEL 73

43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O

DIREITO Agrave SAUacuteDE 81

44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 86

45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA 89

451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio 93

452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana96

5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE102

51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA

ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtilde DO DIREITO Agrave SAUacuteDE103

511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes106

512 Os efeitos colaterais de uma desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede114

52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL

RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE119

53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS

PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO RELATIVO A

ESSE DIREITO131

531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 75082011 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees

miacutenimas em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico135

532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a

delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede141

54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NO BRASIL148

6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO

DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL159

61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE

NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO159

611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica160

612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil163

613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de

sauacutede172

62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE

UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES

CONSTITUCIONAIS176

621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico178

622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede181

623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede193

7 CONCLUSAtildeO200

REFEREcircNCIAS207

14

1 INTRODUCcedilAtildeO

Ainda que ultrapassadas mais de duas deacutecadas desde a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 pode-se afirmar que a busca pela efetividade dos direitos fundamentais

sociais especialmente o direito agrave sauacutede em sua acepccedilatildeo prestacional ainda eacute mateacuteria que

caminha a passos cadenciados representando um dos grandes desafios para o Estado e para a

sociedade

O estabelecimento por parte do constituinte de 1988 de um lugar de destaque para a

sauacutede ndash encarada natildeo somente como a ausecircncia de doenccedilas mas como o completo bem estar

fiacutesico mental e espiritual do homem conforme conceitua a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

(OMS) ndash em que pese ter significado um glorioso avanccedilo no sentido de proporcionar uma

ampliaccedilatildeo formal e material da forccedila normativa de tal direito consistiu apenas no primeiro

passo da luta pela sua materializaccedilatildeo em efetivos benefiacutecios agrave sociedade

Desta maneira notadamente quanto ao direito agrave sauacutede se haacute no plano teoacuterico uma

evidente dificuldade de se conferir tal efetividade por meio da perfeita implementaccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas a problemaacutetica no campo praacutetico eacute bem mais complexa sendo

hodiernamente refletida na tormentosa realidade de milhotildees de brasileiros que dependem do

sistema puacuteblico de sauacutede e vivenciam situaccedilotildees calamitosas frequentemente noticiadas nos

telejornais como algo jaacute natural e trivial no paiacutes

Se a vivecircncia diaacuteria de episoacutedios no caoacutetico cenaacuterio da sauacutede puacuteblica conduz por um

lado a um sentimento de necessidade de mudanccedila e indignaccedilatildeo por outro pelo menos um

aspecto positivo tal divulgaccedilatildeo acaba gerando a constataccedilatildeo de que o debate acerca dos

direitos fundamentais ganha a cada dia mais espaccedilo nas rodas de conversa da populaccedilatildeo e

isso acarreta uma maior tomada de consciecircncia por parte dos cidadatildeos do alcance dos seus

direitos e da forma com que estes poderatildeo ser buscados

Nesse contexto a judicializaccedilatildeo cada vez mais crescente das mais diversas demandas

ligadas agrave concretizaccedilatildeo do direito fundamental social agrave sauacutede abastece a discussatildeo acerca da

legitimidade da intervenccedilatildeo judicial nesta seara cujo cenaacuterio atual frente agrave inevitabilidade

dessa atuaccedilatildeo eacute mercado pela penosa tentativa de se estabelecer criteacuterios objetivos e

adequados para a construccedilatildeo de um processo decisoacuterio legiacutetimo justo e consentacircneo com os

ideais dirigentes do sistema constitucional brasileiro

Quem haacute 20 anos imaginava o Estado como fornecedor de medicamentos muitos

deles de alto custo ou compelido a realizar um exame ou um procedimento ciruacutergico para um

cidadatildeo A verdade poucos Avanccedilou-se na concretizaccedilatildeo de tal direito principalmente pelos

15

esforccedilos da provocaccedilatildeo e atuaccedilatildeo do judiciaacuterio e hoje o miacutenimo que o Estado deve ou pelo

menos deveria proporcionar em mateacuteria de direito agrave sauacutede no Brasil acoplou novos

benefiacutecios

Eacute importante ter-se em mente por sua vez que a problemaacutetica em tela apresenta uma

abrangecircncia de difiacutecil delimitaccedilatildeo pois engloba diversas facetas do direito agrave sauacutede que

encarado de maneira macro compreende variadas nuances tanto sob o prisma individual

quanto sob o coletivo Melhor explicando o trabalho de aferir se certo pleito estaria ou natildeo

enquadrado no campo protetivo do direito agrave sauacutede passa por uma anaacutelise que envolve

diferentes aspectos como os de cunho social poliacutetico econocircmico cultural ou geograacutefico de

determinada coletividade ndash por exemplo a prioridade de tratamento preventivo na regiatildeo

norte eacute totalmente diferente da de outra regiatildeo do paiacutes ndash sendo portanto a determinaccedilatildeo de

quais seriam as prestaccedilotildees miacutenimas em sauacutede um aacuterduo trabalho para o inteacuterprete

Posto o problema o presente estudo partiraacute das premissas de que na discussatildeo acerca

da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede eacute essencial se observar primeiro que tal direito

social assume um papel de extrema relevacircncia frente agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida

e agrave dignidade da pessoa humana segundo que o quadro atual da sauacutede puacuteblica nacional

evidencia um desequiliacutebrio entre o niacutevel de gradual concretizaccedilatildeo esperado apoacutes os mais de

vinte anos da Constituiccedilatildeo de 1988 e o que foi realmente alcanccedilado mediante poliacuteticas

puacuteblicas quanto a esse importante direito

Com relaccedilatildeo agrave primeira premissa seraacute defendido o destacamento do direito agrave sauacutede

para uma posiccedilatildeo de primazia quando comparado com os demais direitos fundamentais

sociais O desenvolvimento de tal raciociacutenio aproxima-se de certo modo da doutrina

americana dos ldquopreferred freedomsrdquo que estabelece uma ideia de posiccedilotildees preferenciais entre

os direitos fundamentais sem implicar entretanto necessariamente em uma mecacircnica

hierarquizaccedilatildeo das normas constitucionais que venha a ser lesiva agrave sua unidade

Desta maneira natildeo se buscaraacute refutar a noccedilatildeo consagrada na doutrina paacutetria de que

todos direitos fundamentais possuem a mesma hierarquia mas sim consistiraacute na defesa de

que o direito agrave sauacutede possui um niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica mais elevada que

os demais direitos fundamentais sociais por apresentar uma ascendecircncia axioloacutegica mais

dilatada devido ao seu forte laccedilo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e agrave dignidade da

pessoa humana e isto termina por ser refletido no proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a

Constituiccedilatildeo confere a tal direito conforme seraacute visto

16

Quanto agrave segunda premissa esta seria a constataccedilatildeo de que ocorre em mateacuteria de

direito agrave sauacutede no Brasil um certo descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos

governantes

Apesar de tal pensamento soar de certo modo um pouco pretensioso ele eacute fruto de

uma construccedilatildeo de raciociacutenio simples e de duas etapas a primeira abrange a conscientizaccedilatildeo

de que o direito agrave sauacutede como direito social que eacute tem seu processo de concretizaccedilatildeo

marcado por uma ideia de gradualidade no sentido de que frente as limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias

de sua implementaccedilatildeo o Estado deve contar com uma certa paciecircncia da sociedade em

entender que a efetividade do mesmo seraacute alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a

passo conforme a capacidade financeira do Estado e a segunda de ordem faacutetica arremata a

conclusatildeo de que esse passo gradual encontra-se hoje deficitaacuterio ou atrasado se comparado

com a evoluccedilatildeo aguardada pela sociedade a qual jaacute chegou no seu limite de paciecircncia

Em termos mais diretos a realidade paacutetria marcada por exemplo pela falta de leitos

meacutedicos e equipamentos de infraestrutura no quadro geral da sauacutede puacuteblica nacional natildeo eacute o

que a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica planejou para sua fase adulta sendo necessaacuteria portanto

uma aceleraccedilatildeo nesse processo gradual

Feitas tais observaccedilotildees eacute relevante mencionar que corrigir esta distorccedilatildeo gerada

sobretudo pela ineficiecircncia dos Poderes Executivo e Legislativo (seja pela maacute formulaccedilatildeo e

execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas seja pela deficiecircncia do amparo legal do tema) natildeo eacute mateacuteria

faacutecil pois o balanceamento entre o caraacuteter essencial do direito fundamental agrave sauacutede e sua

natureza de direito prestacional passa antes de tudo pela questatildeo financeira de anaacutelise dos

custos envolvidos exigindo uma estruturaccedilatildeo focada em um modelo de gestatildeo organizada e

isento de maacuteculas por parte do Estado

Eacute nesse contexto que o presente estudo tem por intuito principal traccedilar alguns

delineamentos sobre a primazia do direito social em anaacutelise buscando apontar sugestotildees para

os problemas correlatos agrave sua clara falta de efetividade as quais vatildeo desde a perquiriccedilatildeo de

criteacuterios objetivos legitimadores da atuaccedilatildeo judicial no seu resguardo contribuindo para a

consequente construccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial em direito agrave sauacutede ateacute o

aprimoramento das medidas de controle dos gastos puacuteblicas em sauacutede

Para melhor compreensatildeo do que este trabalho se propotildee optar-se-aacute por uma

estruturaccedilatildeo didaacutetica cuja preocupaccedilatildeo primordial eacute deixar claro ao leitor desde as linhas

iniciais a raiz doutrinaacuteria que o norteia Nesse ponto filiando-se agraves vigas da nova

interpretaccedilatildeo constitucional que prestigia a forccedila normativa da constituiccedilatildeo mas sem que isso

signifique um menosprezo aos elementos claacutessicos hermenecircuticos seratildeo examinados temas

17

essenciais que circundam a temaacutetica da construccedilatildeo e aprimoramento de um miacutenimo

existencial especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede

Dessa maneira tendo como fio condutor o reconhecimento de que a atuaccedilatildeo

jurisdicional em mateacuteria de sauacutede respeitados certos limites e criteacuterios objetivos consiste em

praacutetica natildeo soacute legiacutetima mas tambeacutem primordial para a efetividade desse direito seratildeo

examinados temais centrais como o Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e sua correta (re)

leitura no estaacutegio atual do constitucionalismo a primazia da Dignidade da Pessoa Humana

como fonte irradiante de todo o ordenamento constitucional paacutetrio a necessidade da Teoria

do Miacutenimo Existencial encontrar-se em constante adaptaccedilatildeo com os avanccedilos da sociedade e o

possiacutevel embate desta questatildeo com o Postulado da Reserva do Possiacutevel

Para tanto incialmente seraacute traccedilado um esboccedilo do regime juriacutedico-constitucional do

direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio partindo da evoluccedilatildeo histoacuterica da proteccedilatildeo da sauacutede

puacuteblica ao longo das constituiccedilotildees nacionais passando pelo exame das implicaccedilotildees da

proteccedilatildeo internacional nessa seara e desembocando no estudo das caracteriacutesticas gerais desse

direito fundamental sob o enfoque das previsotildees constitucionais e da legislaccedilatildeo ordinaacuteria

sobre tema (com ecircnfase nos dispositivos que tratam do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS)

Na sequecircncia seraacute discutida a temaacutetica da efetividade e eficaacutecia dos direitos

fundamentais sociais momento no qual seraacute examinado sob um vieacutes orccedilamentaacuterio o embate

entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ganhando evidecircncia o exame dos custos dos

direitos Nesse ponto ainda abordar-se-aacute a questatildeo do deacuteficit evolutivo do direito agrave sauacutede no

que se refere agrave sua gradual concretizaccedilatildeo almejada pela atual Constituiccedilatildeo apontando-se o

relevante papel que a Dignidade da Pessoa Humana somada agrave umbilical ligaccedilatildeo do

impreteriacutevel direito agrave sauacutede com o direito agrave vida assume no enfrentamento dessa mateacuteria

Posteriormente seraacute tratado o tema da judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede cujo debate

alertaraacute para a necessidade de se privilegiar as tutelas coletivas como forma de se conferir

isonomia e o maacuteximo alcance das conquistas judiciais nessa seara sem deixar de lado

contudo o exame do aacuterido campo das tutelas individuais Nesse ponto a noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo

constitucional no contexto poacutes-positivista seraacute primordial para se compreender a latente

necessidade da busca pelo estabelecimento de paracircmetros e criteacuterios objetivos que visem a

uma sindicabilidade do direito em xeque natildeo soacute consentacircnea com a ordem constitucional

vigente mas tambeacutem compromissada com a seguranccedila juriacutedica e a igualdade entre os

cidadatildeos

Ao final seraacute empreendido um debate complementar mas natildeo menos interligado agrave

judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que ressaltar-se-aacute a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede

18

na construccedilatildeo de uma democracia participativa apta a auxiliar a realizaccedilatildeo de tal direito bem

como seraacute proposta uma reestruturaccedilatildeo na forma que se desenvolve o ciclo orccedilamentaacuterio no

paiacutes de modo a que os campos de atenccedilatildeo direcionados no corpo da peccedila do orccedilamento

puacuteblico terminem espelhando o mais fiel possiacutevel as prioridades constitucionais

Dito isto eacute relevante deixar claro que a presente pesquisa natildeo intenta exaurir toda a

problemaacutetica envolvendo a efetividade do direito agrave sauacutede apresentando uma foacutermula maacutegica e

solucionadora o que seria impossiacutevel frente agrave dinamicidade das relaccedilotildees sociais e a

consequente multiplicidade de casuiacutesticas nesse campo Ao contraacuterio o que se pretende aqui eacute

investigar o assunto visando agrave sistematizaccedilatildeo de uma loacutegica de pensamento ndash calcada em uma

engrenagem arraigada no papel protagonista do Poder Judiciaacuterio auxiliado pelas funccedilotildees

essenciais agrave justiccedila e pela sociedade ndash que venha a contribuir para a ampliaccedilatildeo de alternativas

postas ao aplicador do direito no momento de concretizar o direito agrave sauacutede corrigindo-se em

uacuteltima anaacutelise a desarmonia entre o dever ser normativo e o ser da realidade social marcante

no tema

19

2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL

Falar em sauacutede como direito fundamental dos cidadatildeos brasileiros eacute algo recente na

histoacuteria do paiacutes visto que somente com a atual Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica esse bem juriacutedico

veio a ser alccedilado a tal categoria Desta maneira para o estudo do direito agrave sauacutede e os aspectos

quanto agrave sua eficaacutecia faz-se imprescindiacutevel antes de tudo compreender natildeo soacute a evoluccedilatildeo do

arcabouccedilo protetivo da mateacuteria ao longo das constituiccedilotildees nacionais como tambeacutem a

conjuntura histoacuterico-social que contribuiu para a feiccedilatildeo desse direito fundamental no

ordenamento contemporacircneo destacando-se tambeacutem a especial influecircncia da proteccedilatildeo

internacional na temaacutetica

21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES

DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988

De iniacutecio eacute importante se ter em mente a premissa de que a evoluccedilatildeo histoacuterica das

poliacuteticas de sauacutede no paiacutes caminha lado a lado com o progresso poliacutetico-social e econocircmico

da sociedade brasileira em um contexto em que a loacutegica desse processo evolutivo obedeceu agrave

oacutetica do avanccedilo do capitalismo na sociedade paacutetria

Por tal motivo o cenaacuterio preacute 1988 revela que a sauacutede natildeo ocupava lugar central dentro

da poliacutetica nacional1 jaacute que somente nos momentos em que determinadas endemias ou

epidemias tinham repercussatildeo na esfera econocircmica ou social do modelo capitalista eacute que o

governo atuava com mais ecircnfase no setor razatildeo pela qual eacute apontado na doutrina que devido a

falta de clareza e definiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave poliacutetica de sauacutede a histoacuteria desta confunde-se em

determinados momentos com a histoacuteria da previdecircncia social no paiacutes2

Dito isto tem-se que os passos embrionaacuterios de uma miacutenima preocupaccedilatildeo com a sauacutede

puacuteblica no Brasil podem ser identificados a partir das primeiras accedilotildees de combate agrave lepra e de

um miacutenimo controle sanitaacuterio existente sobre os portos e ruas ainda durante a eacutepoca da Corte

Portuguesa jaacute que a vinda da famiacutelia real gerou a necessidade da organizaccedilatildeo de uma miacutenima

estrutura sanitaacuteria panorama que perdurou ateacute meados de 1850

Com o passar dos tempos o quadro de organizaccedilatildeo poliacutetica marcadamente unitaacuterio e

centralizado foi dando lugar a um conjunto de accedilotildees um pouco mais efetivas no periacuteodo entre

1 Dispotildee Suelli Gandolfi Dallari que ldquonenhum texto constitucional se refere explicitamente agrave sauacutede como

integrante do interesse puacuteblico fundante do pacto social ateacute a promulgaccedilatildeo da Carta de 1988rdquo DALLARI Suelli

Gandolfi Os Estados Brasileiros e o Direito agrave Sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1995 p 133 2 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p2 Disponiacutevel em

wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 21122012

20

1870 e 1930 merecendo destaque o modelo ldquocampanhistardquo marcado pelo uso de forccedila policial

que apesar das arbitrariedades e abusos cometidos alcanccedilou importantes vitoacuterias no controle

de doenccedilas epidecircmicas como a febre amarela sob o comando de Oswaldo Cruz entatildeo Diretor

do Departamento Federal de Sauacutede Puacuteblica3

Em 1923 por sua vez nascia o marco inicial da previdecircncia social no Brasil (a

chamada ldquoLei Eloy Chavesrdquo4) mediante a instituiccedilatildeo de Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo

(CAPS) que abarcavam socorros meacutedicos em caso de doenccedila bem como a obtenccedilatildeo de

medicamentos obtidos com preccedilos especiais para as categorias profissionais a eles vinculadas

Paralelo a isso a partir de 1930 as accedilotildees curativas ateacute entatildeo esquecidas pelo modelo antes

mencionado passaram a ser realizadas timidamente com a estruturaccedilatildeo baacutesica de um sistema

puacuteblico de sauacutede a partir da criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede Puacuteblica5 restando

evidenciado portanto um cenaacuterio de natildeo universalizaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica vez que imperava

uma sistemaacutetica excludente em favor apenas das profissotildees reconhecidas pela lei

A previdecircncia social evoluiu e as CAPacuteS foram substituiacutedas pelos Institutos de

Aposentadoria e Pensatildeo (IAPacuteS) visando a estender a todas as categorias do operariado

urbano organizado os benefiacutecios da previdecircncia desembocando esse processo de unificaccedilatildeo

na promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (Lei 380760) a qual estabeleceu um

regime geral da previdecircncia destinado a abranger todos os trabalhadores sujeitos ao regime da

Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas (CLT)6

Tal panorama apresentou seu aacutepice durante o regime ditatorial com a implantaccedilatildeo do

Instituto Nacional de Previdecircncia Social (INPS) em 1967 e a consequente unificaccedilatildeo do

sistema previdenciaacuterio em um contexto em que todos trabalhadores com carteira assinada

contribuiacuteam e se beneficiavam da assistecircncia meacutedica existente no plano de benefiacutecios Isso

gerou um aumento substancial da demanda do sistema meacutedico previdenciaacuterio o qual

impossibilitado em atender a todos direcionou agrave iniciativa privada a execuccedilatildeo dos benefiacutecios

por meio de convecircnios com meacutedicos e hospitais mediante pagamento de uma espeacutecie de pro-

labore acarretando na formaccedilatildeo de um complexo sistema meacutedico-industrial que gerou a

3 PICADO Fernanda de Siqueira A dignidade da pessoa humana e a efetividade do direito social agrave sauacutede

sob a oacuteptica jurisprudencial Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito PUC-SP 2010 p 101 4 Decreto ndeg 4682 1923 que ldquo Crea em cada uma das emprezas de estradas de ferro existente no paiz uma caixa

de aposentadoria e pensotildees para os respectivos empregadosrdquo 5 O Ministeacuterio da Sauacutede foi criado em 1953 contudo tal fato significou um mero desmembramento do antigo

Ministeacuterio da Sauacutede e Educaccedilatildeo sem que significasse uma nova postura do governo com efetiva preocupaccedilatildeo em

atender os problemas da sauacutede puacuteblica de sua competecircncia 6 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p 12 Disponiacutevel em

wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 11012013

21

necessidade da criaccedilatildeo de uma estrutura proacutepria administrativa em 1978 o Instituto Nacional

de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS)

Instituiu-se assim uma divisatildeo de responsabilidades em que ao Estado eram

reservadas as medidas coletivas sobretudo o controle das endemias enquanto a assistecircncia

meacutedica individual ficou a cargo do seguro social financiado pelo sistema contributivo

modelagem esta que contribuiu para a concepccedilatildeo arraigada no paiacutes de se enxergar o direito a

sauacutede natildeo como um direito do cidadatildeo e dever do Estado mas como uma assistecircncia ligada agrave

esfera privada restrita a quem contribuiacutea cenaacuterio acentuado com a instituiccedilatildeo do Sistema

Nacional de Sauacutede em 1975 o qual reconhecia essa dicotomia7

Esse modelo de gestatildeo centralizada marcado pela multiplicidade e descoordenaccedilatildeo

entre as instituiccedilotildees atuantes no setor e pela desorganizaccedilatildeo dos recursos empregados nas

accedilotildees de sauacutede curativa e preventiva8 caiu no descreacutedito social ao natildeo resolver a agenda da

sauacutede e frente agrave escassez de recursos para sua manutenccedilatildeo somada ao aumento dos custos

operacionais veio a entrar em crise

Por sua vez o contraste dos dados a respeito da sauacutede mortalidade infantil e

infraestrutura urbana com os iacutendices favoraacuteveis do Produto Interno Bruto (PIB) que

aumentou em meacutedia 10 entre 1968 e 1973 contribuiu para a constataccedilatildeo de que a

desigualdade social e concentraccedilatildeo de riqueza se acentuavam cada vez mais no paiacutes e que era

necessaacuteria uma mudanccedila desse quadro9

Esse modelo restritivo na prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede passou a ser entatildeo

questionado frente a grande quantidade de brasileiros agrave margem do mercado de trabalho

formal intensificando-se o debate acerca da universalizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede

com destaque para o papel desempenhado pelo Movimento de Reforma Sanitaacuteria no processo

de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e o consequente fim do regime militar

Desta forma o marco do processo de formulaccedilatildeo de um novo modelo de sauacutede puacuteblica

universal foi a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede cujo lema era ldquoSauacutede Direito de Todos

Dever do Estadordquo realizada em marccedilo de 1986 pelo Ministeacuterio da Sauacutede que contou pela

primeira vez com a participaccedilatildeo de entidades da sociedade civil organizada de todo paiacutes

ligadas agrave temaacutetica sendo debatida a necessidade de reorganizaccedilatildeo do sistema em voga com a

instituiccedilatildeo da sauacutede como direito de cidadania e dever do Estado concluindo-se que uma

7 CORREcircA Darciacutesio MASSAFRA Cristiane Quadrado O Direito agrave Sauacutede e o papel do Judiciaacuterio para sua

efetividade no Brasil In Revista Desenvolvimento em questatildeo v2 nordm 3 2004 p 57 8 CRUZ Marly Marques da Histoacuterico do sistema de sauacutede proteccedilatildeo social e direito agrave sauacutede Disponiacutevel em

wwwsaudemtgovbr arquivo 2164 Acessado em 20012013 9 LUCA Tacircnia Regina de Direitos sociais no Brasil In PINSKY Carla Bassanezi (Org) Histoacuteria da

Cidadania Satildeo Paulo Contexto 2003 p 484

22

simples reforma administrativa e financeira natildeo seria suficiente mas sim seria necessaacuteria

uma verdadeira mudanccedila em todo o arcabouccedilo juriacutedico tendente agrave unificaccedilatildeo democratizaccedilatildeo

e descentralizaccedilatildeo do sistema de sauacutede

Delimitado sucintamente o contexto histoacuterico-social da proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede ateacute

a Constituiccedilatildeo de 1988 seratildeo apontados a seguir os principais dispositivos constantes nas

constituiccedilotildees preteacuteritas que amparavam o direito agrave sauacutede de modo a facilitar a compreensatildeo

do tema

A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio pouco tratou do tema do direito agrave sauacutede vez que fora o fato

de abarcar a garantia de ldquosocorros puacuteblicosrdquo a uacutenica menccedilatildeo a tal direito em seu texto deixa

claro que a preocupaccedilatildeo do constituinte agrave eacutepoca ainda era tiacutemida e relacionada agrave atividade

mercantil como se depreende da redaccedilatildeo do dispositivo a seguir

Art 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadatildeos

Brazileiros que tem por base a liberdade a seguranccedila individual e a

propriedade eacute garantida pela Constituiccedilatildeo do Imperio pela maneira

seguinte

()

XXIV Nenhum genero de trabalho de cultura industria ou commercio

poacutede ser prohibido uma vez que natildeo se opponha aos costumes publicos aacute

seguranccedila e saude dos Cidadatildeos

Aleacutem disso eacute importante enfatizar que os direitos acima elencados eram restritos a

uma elite aristocraacutetica visto que os ideais da revoluccedilatildeo liberal conquanto visassem a alterar a

estrutura e reorganizar a sociedade apresentavam o anseio maior de tatildeo somente romper

com os laccedilos do colonialismo sendo mantidos os interesses e os favores das classes

privilegiadas enquanto grande parte da populaccedilatildeo ainda continuava submetida a tratamentos

desumanos

A Constituiccedilatildeo de 1891 por sua vez conseguiu ser ainda mais acanhada e natildeo faz

qualquer referecircncia expressa ao direito agrave sauacutede Contudo merece atenccedilatildeo o fato de que havia

uma abstrata menccedilatildeo em seu artigo 78 agrave proteccedilatildeo das garantias e direitos nela natildeo

enumerados que resultassem da forma de governo e dos princiacutepios que a mesma consignasse

o que poderia ser utilizado para defesa da sauacutede em uacuteltima anaacutelise jaacute que funcionava como

uma tiacutemida claacuteusula de abertura10

10

OLIVEIRA Maacutercio dias de Sauacutede possiacutevel e judicializaccedilatildeo excepcional a efetivaccedilatildeo do direito

fundamental agrave sauacutede e a necessaacuteria racionalizaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito Instituto Toledo de

Ensino Bauro 2008 p 35

23

Impulsionada pelas revoluccedilotildees de 1930 e 1932 a Constituiccedilatildeo de 1934 que buscou

inspiraccedilatildeo formal na Constituiccedilatildeo de Weimar (grande marco do Constitucionalismo social) e

na Constituiccedilatildeo Espanhola de 1931 pretendeu implantar no sistema juriacutedico paacutetrio um

arcabouccedilo protetivo dos chamados direitos sociais sendo a primeira constituiccedilatildeo brasileira a

fazer referecircncia ao direito agrave sauacutede prevendo em seu art 10 inciso II ser o cuidado com a

sauacutede competecircncia concorrente da Uniatildeo e dos Estados denotando assim uma preocupaccedilatildeo

de cunho organizacional distanciada de uma feiccedilatildeo de direito subjetivo

Em que pese os esforccedilos da Carta de 34 no sentido de proteger os direitos sociais a

Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada por Getuacutelio Vargas tratou de tolher a efetividade dos direitos

fundamentais cuidando sobretudo de concentrar o poder no acircmbito do Executivo Na linha

dessa concentraccedilatildeo o inciso XXVII do art 16 previu ser competecircncia privativa da Uniatildeo

legislar sobre normas fundamentais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede especialmente a sauacutede da

crianccedila merecendo destaque ainda a previsatildeo do art 18 no sentido de poderem os estados

legislar para suprir as deficiecircncias da Lei Federal ou atenderem agraves peculiaridades locais sobre

a assistecircncia puacuteblica obras de higiene popular casas de sauacutede cliacutenicas estaccedilotildees de clima e

fontes medicinais11

A Constituiccedilatildeo de 1946 por sua vez por ter sido moldada no periacuteodo de 1937 a 1945

buscou restringir a forccedila do Poder Executivo e reforccedilar o Poder Legislativo retomando a

estrutura da Constituiccedilatildeo de 1891 e reintroduzindo os direitos econocircmicos sociais e culturais

da Carta de 1934 em um cenaacuterio em que o direito agrave sauacutede apesar de natildeo elencado de forma

expressa recebia menccedilatildeo no inciso XV do art 5deg da referida Carta ao ser repetida a previsatildeo

de ser competecircncia da Uniatildeo legislar sobre normais gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede

Apoacutes o golpe militar de 1964 foi outorgada a Carta Constitucional de 1967 que

alterou o regime de liberalidade buscado pela Constituiccedilatildeo de 1946 instalando-se o regime

totalitaacuterio conclamado pela doutrina da seguranccedila nacional A nova Constituiccedilatildeo apresentava

um rol de direitos e garantias fundamentais com valor meramente formal e sem nenhuma

efetividade Quanto ao direito agrave sauacutede repetiu-se a norma de cunho organizatoacuterio das

constituiccedilotildees anteriores no sentido de conferir agrave Uniatildeo a competecircncia para legislar sobre

normas gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede acrescentando-se todavia a competecircncia para

estabelecer planos nacionais de sauacutede e educaccedilatildeo

Em 1969 na tentativa de preservar o regime totalitaacuterio vigente foi outorgada a EC ndeg

0169 que embora repetisse as disposiccedilotildees da Carta de 67 trouxe uma inovaccedilatildeo no sect 4deg do

11

JULIO Renata Siqueira Wesllay Carlos Ribeiro Direito e sistemas puacuteblicos de sauacutede nas constituiccedilotildees

brasileiras In Novos Estudos Juriacutedicos v15 n3 2010 p 450

24

art 25 ao determinar que os municiacutepios aplicassem seis por cento do repasse da Uniatildeo a tiacutetulo

de fundo de participaccedilatildeo dos municiacutepios na Sauacutede

22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA

CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 resultado final de todo um

processo de luta incessante do povo brasileiro para a conquista da democracia consiste em

um documento alicerccedilado na proteccedilatildeo de direitos fundamentais e na dignidade da pessoa

humana de modelagem jamais vista no ordenamento paacutetrio Essa nova feiccedilatildeo sem duacutevida

contribuiu para a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede com contornos proacuteprios

visto que uma ordem constitucional que protege o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e o meio

ambiente sadio e equilibrado inevitavelmente deve salvaguardar a sauacutede sob pena de

esvaziar substancialmente tais direitos12

Desta forma o modelo centralizado do sistema de sauacutede vigente antes de 1988 bem

como as tiacutemidas previsotildees nas constituiccedilotildees anteriores ligadas agrave sauacutede que se preocupavam

em fixar competecircncias legislativas e administrativas para a mateacuteria denotando uma

preocupaccedilatildeo meramente organizatoacuteria deram lugar a um arcabouccedilo protetivo diametralmente

oposto com a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede amplamente tratado13

sobretudo nos artigos 6deg e 196 da Constituiccedilatildeo de 1988

Pode-se afirmar portanto que a Constituiccedilatildeo Cidadatilde atual ao alccedilar a sauacutede a direito

fundamental e sintonizar sua proteccedilatildeo com as principais declaraccedilotildees de direitos humanos foi

a primeira constituiccedilatildeo a levar a sauacutede realmente a seacuterio14

Com efeito observa-se a existecircncia

de diversos dispositivos que fazem menccedilatildeo expressa a este direito consistindo tais previsotildees

12

SARLET Ingo Wolfgang amp FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p5 13

FALEIROS Ialecirc amp LIMA Juacutelio Ceacutesar Franccedila Sauacutede como direito de todos e dever do Estado p 9

Disponiacutevel em httpepsjvfiocruzbruploaddcap_8pdf Acessado em 12012013 14

Sobre essa questatildeo Joseacute Afonso da Silva considera ser ldquoespantoso como um bem extraordinariamente

relevante agrave vida humana soacute agora eacute elevado agrave condiccedilatildeo de direito fundamental do homem E haacute de informar-se

pelo princiacutepio de que igual agrave vida de todos os seres humanos significa tambeacutem que nos casos de doenccedila cada

um tem o direito de um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciecircncia meacutedica

independentemente de sua situaccedilatildeo econocircmica sob pena de natildeo ter muito valor sua consignaccedilatildeo em normas

constitucionaisrdquo SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros

1999 p 871

25

em frutos diretos da reforma sanitaacuteria brasileira a qual foi conduzida pela sociedade civil e

por profissionais de sauacutede e natildeo por accedilotildees especiacuteficas do governo15

Em que pese o risco de cansar a leitura do presente estudo com observaccedilotildees

notadamente descritivas eacute inevitaacutevel destacar pontualmente os dispositivos constitucionais

que informam a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede proporcionando uma ideia do alcance dessa

mudanccedila radical do tratamento constitucional da sauacutede no Brasil

Nesse sentido o artigo 6deg elenca expressamente a sauacutede como um direito fundamental

social o que acarreta implicaccedilotildees praacuteticas quanto agrave eficaacutecia e efetividade de tal direito cuja

abordagem seraacute feita no capiacutetulo seguinte Ainda o artigo 7deg ligado a regulamentaccedilatildeo dos

direitos trabalhistas trata da temaacutetica tanto em seu inciso IV ao mencionar a sauacutede como

necessidade vital baacutesica a ser abarcada pelo salaacuterio-miacutenimo bem como no inciso XXII ao

impor a reduccedilatildeo dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de sauacutede higiene e

seguranccedila

Os artigos 23 (inc II) 24 (inc XII) e 30 (inc I e inc VII) tratam de mateacuterias de

competecircncias dos entes federativos informando que os mesmos possuem competecircncia

comum para cuidar da sauacutede bem como concorrentemente aptos a legislar sobre a defesa da

sauacutede em um cenaacuterio em que aos Municiacutepios cabem a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atendimento agrave

sauacutede da populaccedilatildeo com a cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira da Uniatildeo e do Estado

Os artigos 34 (inc VII aliacutenea bdquoe‟) e 35 (inc III) por forccedila da EC 292000

possibilitam por sua vez a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e no Distrito Federal bem como

dos Estados nos respectivos Municiacutepios em caso de natildeo aplicaccedilatildeo do miacutenimo exigido da

receita resultante de impostos na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino e das accedilotildees e

serviccedilos de sauacutede o que como seraacute visto no capiacutetulo seguinte ressalta a preocupaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo com tais direitos de modo a estes assumirem um grau de fundamentalidade mais

aquilatada no ordenamento paacutetrio

Jaacute no art 196 a sauacutede eacute encarada como direito de todos e dever do Estado garantido

mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo denotando uma preocupaccedilatildeo macro para os problemas de sauacutede nas diversas

etapas de tratamento para todos os cidadatildeos

O art 197 trouxe o reconhecimento de que as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede satildeo de

relevacircncia puacuteblica cabendo ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre sua

15

PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p2 Disponiacutevel em

httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 12012013

26

regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle consolidando os anseios de superaccedilatildeo do modelo

desestatizante curante e centralizador vigente na ordem constitucional anterior Tal

reconhecimento possui uma importacircncia central na busca pela efetividade do direito agrave sauacutede

pois garante extensivamente a proteccedilatildeo da sauacutede pelo Ministeacuterio Puacuteblico ao passo que o art

129 II da CF atribui ao mesmo a funccedilatildeo de zelar pelo efetivo respeito aos serviccedilos de

relevacircncia puacuteblica

No art 198 encontra-se a estrutura geral do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) definindo-

o a partir de uma rede regionalizada e hierarquizada organizada a partir de diretrizes que

primam pela descentralizaccedilatildeo atendimento integral com prioridade para atividades

preventivas e participaccedilatildeo da comunidade mediante financiamento de recursos da seguridade

social e outras fontes

O art 200 enumera atribuiccedilotildees exemplificativas desse sistema as quais englobam

dentre outras o controle e fiscalizaccedilatildeo dos procedimentos produtos e substacircncias de interesse

para a sauacutede a execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica a formaccedilatildeo de

recursos humanos na aacuterea de sauacutede a fiscalizaccedilatildeo e inspeccedilatildeo dos alimentos etc

Aleacutem disso constam dispositivos especiacuteficos que relacionam a sauacutede com o meio

ambiente com a educaccedilatildeo e com os direitos da crianccedila os quais enfatizam a preocupaccedilatildeo

ineacutedita da CF de 1988 em dar plena efetividade agraves accedilotildees e programas na aacuterea

23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE ndash SUS

Conforme jaacute explicitado o SUS eacute fruto das reivindicaccedilotildees feitas pela sociedade civil

organizada no cenaacuterio poliacutetico preacute 1988 e sua previsatildeo constitucional especialmente pela

estipulaccedilatildeo dos seus princiacutepios e objetivos o fez assumir a condiccedilatildeo de verdadeira garantia

institucional fundamental do direito agrave sauacutede superando-se as sucessivas tentativas frustradas

anteriores Significando em uacuteltima instacircncia que a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede deve

conformar-se com seus princiacutepios e diretrizes instituidoras em um cenaacuterio em que natildeo soacute o

direito agrave sauacutede resta protegido mas tambeacutem o proacuteprio SUS na condiccedilatildeo de instituiccedilatildeo

puacuteblica16

A conceituaccedilatildeo do SUS apresentada no jaacute mencionado artigo 198 da CF demonstra

que a visatildeo central desse sistema foi calcada na consagraccedilatildeo de um modelo de sauacutede voltado

16

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 12

27

para as necessidades da populaccedilatildeo no intuito de resgatar o compromisso do Estado para com o

bem-estar social especialmente com relaccedilatildeo agrave sauacutede coletiva Contudo apesar da previsatildeo

constitucional o SUS soacute veio a ser regulamentado em 19 de setembro de 1990 por meio da

Lei Federal 808090 a qual definiu seu modelo operacional e a forma de organizaccedilatildeo e de

funcionamento a partir de uma definiccedilatildeo abrangente de sauacutede que leva em consideraccedilatildeo

especiacuteficos fatores determinantes e condicionantes ganhando destaque a previsatildeo dos

princiacutepios e objetivos do sistema

231 Princiacutepios informadores do SUS

O estudo dos princiacutepios informadores do SUS eacute de suma importacircncia visto que frente

ao caraacuteter de autecircntica garantia institucional fundamental17

na proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede sua

matriz principioloacutegica e diretiva serve de base para se interpretar o alcance da eficaacutecia e

efetividade de tal direito Nesse sentido podem ser destacados os princiacutepios da

universalidade equidade unidade descentralizaccedilatildeo regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo

integralidade e participaccedilatildeo da comunidade

Universalidade18

e equidade podem ser lidos conjuntamente no sentido de que o

acesso agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede devem ser indistintamente garantidos a todo e qualquer

cidadatildeo buscando-se sempre a diminuiccedilatildeo das desigualdades a partir da consagraccedilatildeo e defesa

da garantia da igualdade material investindo-se onde a carecircncia seja maior jaacute que apesar de

todos terem direito agrave sauacutede as necessidades de cada um e de cada regiatildeo satildeo diferentes

Consoante jaacute visto o modelo de proteccedilatildeo agrave sauacutede anterior a 1988 era marcado por

distorccedilotildees limitativas visto que a assistecircncia agrave sauacutede somente era conferida aos trabalhadores

com viacutenculo formal e respectivos dependentes por meio do INPS Para a superaccedilatildeo eficiente

dessa estrutura o novel sistema precisou ser desenvolvido a partir da ideia de unidade

significando que os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede devem ser desenvolvidos a partir de poliacuteticas e

17

Consoante aponta Pieroth e Schlink ldquoalguns direitos fundamentais garantem natildeo soacute direitos subjetivos mas

tambeacutem objetivamente instituiccedilotildees Enquanto garantias de instituto (Institutsgarantien) na terminologia

geralmente aceita de C Schmitt garantem instituiccedilotildees de direito privado e enquanto garantias institucionais

(institutionelle Garantien) garantem instituiccedilotildees de direito puacuteblico retirando-as assim do poder dispositivo do

legisladorrdquo PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de

Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 54 18

Reforccedilando tal conceito Carlos Botazzo defende que a universalidade ldquosignifica que todo cidadatildeo

independente de sua inserccedilatildeo social no processo produtivo niacutevel de ingresso financeiro filiaccedilatildeo poliacutetico-

partidaacuteria crenccedila religiosa sexo idade ou etnia teraacute seu direito agrave sauacutede garantido e preservado pelo Estado

BOTAZZO Carlos Democracia participaccedilatildeo popular e programas comunitaacuterios In FLEURY Sonia

AMARANTE Paulo BAHIA Ligia (orgs) Sauacutede em debate fundamentos da reforma sanitaacuteria Rio de

Janeiro Cebes 2008 p 144

28

diretrizes uniformes englobando um soacute sistema abrangido e sujeito a uma direccedilatildeo uacutenica e um

soacute planejamento em que pese a estratificaccedilatildeo em niacuteveis federativos

Apesar de unificado19

a necessidade de se quebrar com a ordem centralizada anterior

que engessava a engrenagem do sistema de sauacutede fez surgir um SUS arquitetado a partir de

uma rede regionalizada e hierarquizada que preservada a direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de

governo atua segundo o raciociacutenio de descentralizaccedilatildeo permitindo desta maneira a

adaptaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede ao perfil epidemioloacutegico local o que se alinha as orientaccedilotildees da

OMS

Essa descentralizaccedilatildeo nasce pois do raciociacutenio de que cada esfera de governo eacute

autocircnoma e soberana nas suas decisotildees e devem respeitar os princiacutepios gerais e a participaccedilatildeo

da sociedade havendo gestores do SUS desde o Ministeacuterio da Sauacutede ateacute as Secretarias de

Sauacutede municipais Contudo eacute inegaacutevel que a decisatildeo daquele que estaacute mais perto do

problema tem mais chance de ser eficiente e por isso a modelagem descentralizada do SUS

que quebrou com o passado marcado por uma Uniatildeo centralizadora pressupotildee que os

municiacutepios sejam dotados de condiccedilotildees gerenciais teacutecnicas administrativas e financeiras

suficientes para execuccedilatildeo de suas poliacuteticas e serviccedilos

A hierarquizaccedilatildeo liga-se agrave ideia de execuccedilatildeo da assistecircncia a sauacutede com niacuteveis

crescentes de complexidade assinalando que o acesso aos serviccedilos deve ocorrer a partir dos

niacuteveis mais simples em direccedilatildeo aos mais altos de complexidade o que se coaduna com ideais

de eficiecircncia e subsidiariedade em um contexto em que as accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica satildeo

comuns a todos municiacutepios a assistecircncia de meacutedia e alta complexidade centraliza-se em

municiacutepios de maior porte e os serviccedilos de grande especializaccedilatildeo satildeo disponibilizados apenas

em alguns grandes centros do paiacutes

O princiacutepio da integralidade do atendimento determina que a cobertura proporcionada

pelo SUS deva ser a mais ampla possiacutevel refletindo tambeacutem a ideia de que as accedilotildees e

serviccedilos de sauacutede devem ser tomados como um todo harmocircnico e contiacutenuo de modo que

19

Quanto ao fato de ser o SUS unificado o STF analisando demanda em que era questionada a instituiccedilatildeo de

programa de sauacutede especiacutefico para atender somente servidores de empresas puacuteblicas de Satildeo Paulo ponderou

ldquo() se a Constituiccedilatildeo preconiza um sistema unificado de sauacutede eacute justificaacutevel ao menos do ponto de vista

constitucional que se criem programas puacuteblicos de sauacutede restritos a servidores Salvo casos de demonstrada

adequaccedilatildeo isso natildeo ofenderia tambeacutem a isonomia constitucional e a proacutepria concepccedilatildeo de serviccedilo de sauacutede

puacuteblica na Constituiccedilatildeo de 1988 De qualquer sorte nem eacute preciso responder a essas duacutevidas para a soluccedilatildeo do

casordquo (Grifos acrescidos) (ADI 3403 voto do Rel Min Joaquim Barbosa julgamento em 18-6-2007

Plenaacuterio DJ de 24-8-2007)

29

sejam ao mesmo tempo articulados e integrados em todos os aspectos e niacuteveis de

complexidade do sistema20

Ainda o SUS tem a importante caracteriacutestica da participaccedilatildeo direta e indireta da

comunidade tanto relacionada agrave definiccedilatildeo quanto ao controle social das accedilotildees e poliacuteticas de

sauacutede participaccedilatildeo realizada seja por meio dos representantes da sociedade civil junto agraves

Conferecircncias de Sauacutede as quais possuem competecircncia para fazer proposiccedilotildees na formulaccedilatildeo

das poliacuteticas de sauacutede nos diferentes niacuteveis da federaccedilatildeo ou seja atraveacutes dos Conselhos de

Sauacutede que atuam diretamente no planejamento e controle do SUS

232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS

Como visto o amparo constitucional do tema alicerccedilado sob a premissa de que a

sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado natildeo tem o condatildeo por si soacute de suficientemente

abranger as condicionantes econocircmico-sociais da sauacutede tampouco envolver de forma ampla

e irrestrita todas as possiacuteveis accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ateacute mesmo porque haveraacute sempre um

limite orccedilamentaacuterio variaacutevel contrastado com o surgimentos de novas necessidades a cada

periacuteodo Desta forma a Lei do SUS assume o relevante papel de tentar traccedilar um pontapeacute de

partida ao apresentar de modo geral os objetivos e atribuiccedilotildees inerentes ao SUS os quais

buscam concretizar os princiacutepios que regem tal sistema bem como delinear na medida do

possiacutevel as prioridades abarcadas pelo mesmo

Nesse contexto destaque-se que cabe ao SUS identificar e divulgar os fatores

condicionantes e determinantes da sauacutede formular as poliacuteticas de sauacutede o fornecimento de

assistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede

executar accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica bem como accedilotildees visando agrave sauacutede do

trabalhador formular poliacuteticas referentes a medicamentos equipamentos imunobioloacutegicos e

outros insumos de interesse para a sauacutede dentre outras atribuiccedilotildees que denotam a abrangecircncia

e complexidade na implementaccedilatildeo completa do mesmo

233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS

20

Sobre o tema dispotildee Ione Maria Domingues de Castro que ldquoa integralidade eacute essencial para a eficiecircncia do

sistema e para dar ao cidadatildeo o miacutenimo de condiccedilotildees dignas () Nessa perspectiva o cuidado com a sauacutede eacute

entendido natildeo apenas como um dos niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede ou um simples procedimento mas eacute visto como

uma accedilatildeo integrada que significa o direito de ter uma existecircncia digna com respeito agraves diferenccedilas individuaisrdquo

CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao miacutenimo existencial

garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 248

30

Consoante exposto um dos princiacutepios que regem o SUS eacute a participaccedilatildeo da

comunidade Nesse contexto a Lei ndeg 814290 merece destaque pois estabelece que o SUS

contaraacute em cada esfera de governo com as Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede oacutergatildeos de

instacircncia colegiada que cuidam da avaliaccedilatildeo proposiccedilatildeo de diretrizes e formulaccedilatildeo de

estrateacutegias para as poliacuteticas de sauacutede Aleacutem disso contam com a participaccedilatildeo de

representantes de vaacuterios segmentos sociais englobando natildeo soacute representantes do governo

como tambeacutem profissionais de sauacutede e usuaacuterios

Por outro lado aleacutem de viabilizarem a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS

tais conselhos representativos funcionam como verdadeiros espaccedilos de negociaccedilatildeo que

terminam por reduzir a possibilidade de o Ministeacuterio da Sauacutede estabelecer de maneira

unilateral as regras de funcionamento do SUS contrabalanceando dessa maneira a

concentraccedilatildeo de autoridade conferida ao Executivo Federal

A referida lei ainda trata da alocaccedilatildeo dos recursos do Fundo Nacional de Sauacutede

(FNS) ganhando relevo o destaque dado agraves obrigaccedilotildees a serem cumpridas pelos Municiacutepios

Estados e Distrito Federal como a elaboraccedilatildeo de relatoacuterios de gestatildeo que permitam o controle

dos recursos para o recebimento do repasse automaacutetico dos valores ligados agrave cobertura das

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede a serem implementados pelos mesmos

Nessa temaacutetica com supedacircneo no art 5deg da lei em comento destacaram-se as

chamadas Normas Operacionais Baacutesicas (NOB) e Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede (NOAS)

editadas por meio de portarias do Ministeacuterio da Sauacutede as quais tentaram estabelecer criteacuterios

para a transferecircncia de recursos aos demais entes federados desembocando no conhecido

Pacto pela Sauacutede (PortariaGMMS ndeg 6982006) Tal pacto alterou a forma de financiamento

do SUS reduzindo as mais de cem diversas modalidades entatildeo existentes para apenas cinco

blocos (atenccedilatildeo baacutesica atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade hospitalar e ambulatorial

vigilacircncia em sauacutede assistecircncia farmacecircutica e gestatildeo do SUS)

234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem

aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede

Por forccedila da Emenda Constitucional ndeg 292000 foi estabelecida a participaccedilatildeo miacutenima

de recursos financeiros para cada ente federado no financiamento das accedilotildees e serviccedilos

puacuteblicos de sauacutede para o periacuteodo entre 2000 e 2004 mediante regramento constante no artigo

77 do ADCT Foi prevista tambeacutem a ediccedilatildeo de uma Lei Complementar consoante dispotildee osect

31

3deg do art 198 da CF de 1988 com a missatildeo de revisar os percentuais estabelecer criteacuterios de

rateio e fiscalizar e controlar os recursos referidos

Ocorre que a despeito da autoaplicabilidade inerente aos dispositivos da EC ndeg

292000 ficou evidenciada a necessidade de ser esclarecido conceitual e operacionalmente o

alcance dessas previsotildees constitucionais sobretudo o que estaria abrangido materialmente

como accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede de modo a garantir eficaacutecia e perfeita aplicaccedilatildeo das

mesmas pelos agentes puacuteblicos Nesse sentido surgiram diversas iniciativas buscando

harmonizar as interpretaccedilotildees quanto agraves regras impostas pela EC ndeg 292000 ateacute que a

recalcitracircncia na elaboraccedilatildeo da Lei Complementar referida fosse suprida

Destacaram-se nesse cenaacuterio tanto a Resoluccedilatildeo ndeg 322200321

elaborada pelo

Conselho Nacional de Sauacutede que buscou uniformizar em todo territoacuterio nacional a aplicaccedilatildeo

dos ditames trazidos pela EC ndeg 292000 fixando diretrizes sobre a base de caacutelculo para a

definiccedilatildeo dos recursos miacutenimos a serem aplicados em sauacutede a definiccedilatildeo das regras para a

apuraccedilatildeo de tais recursos bem como a definiccedilatildeo do que exatamente seria considerado accedilotildees e

serviccedilos puacuteblicos de sauacutede como tambeacutem as Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias surgidas apoacutes a

EC 292000 que trataram de definir o que compreenderia em acircmbito federal o conjunto das

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede desempenhando o papel da almejada Lei Complementar

A definiccedilatildeo trazida pelas Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias se calcou na ideia de que a

totalidade da dotaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede deduzidos os encargos previdenciaacuterios da

Uniatildeo os serviccedilos da diacutevida e a parcela das despesas do Ministeacuterio financiada com recursos

do Fundo de Combate e Erradicaccedilatildeo da Pobreza compreenderia os recursos para as accedilotildees e

serviccedilos puacuteblicos de sauacutede na esfera federal obedecendo assim a uma loacutegica meramente

institucional levando em conta apenas o oacutergatildeo executor da accedilatildeo bastando que a despesa

estivesse na programaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede para que em tese integrasse o referido piso

de aplicaccedilatildeo

Tal precariedade levou a subjetivismos e duacutevidas na realizaccedilatildeo dos gastos em sauacutede jaacute

tendo sido alocado por exemplo parte dos recursos destinados ao Bolsa Famiacutelia (programa

marcadamente assistencialista) como constantes do orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede bem

como computado no piso da sauacutede os gastos com a regulaccedilatildeo das operadoras de planos

21

De se destacar que tal Resoluccedilatildeo foi alvo de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2999RJ) entendendo

o Supremo Tribunal Federal pelo natildeo conhecimento da referida accedilatildeo sob o argumento de que a Resoluccedilatildeo foi

expedida com fundamento em regras de competecircncias previstas em um complexo normativo infraconstitucional

abarcado pelas jaacute mencionadas Lei 808090 e 814290

32

privados de sauacutede e suas relaccedilotildees com prestadores e consumidores accedilotildees tipicamente

fiscalizatoacuterias e ligadas a sauacutede suplementar que natildeo atende a universalidade e equidade22

Em acircmbito estadual o quadro tambeacutem foi de grande divergecircncia quanto agrave aplicaccedilatildeo da

Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 do Conselho Nacional de Sauacutede instaurando-se um cenaacuterio de

inseguranccedila juriacutedica em que alguns Estados por exemplo incluiacuteram absurdamente como

constantes do orccedilamento da sauacutede despesas com pagamento de planos meacutedicos privados para

servidores puacuteblicos saneamento alimentaccedilatildeo e assistecircncia social desvirtuando as diretrizes

da mencionada Resoluccedilatildeo

Tais situaccedilotildees em que pese denotarem a proacutepria dificuldade que haacute em se delimitar

um conceito fechado de sauacutede puacuteblica a qual ora liga-se a ideia de uma realidade

epidemioloacutegica (o estado geral de sauacutede de um dado povo) ora vincula-se a noccedilatildeo de

atividade estatal para a administraccedilatildeo da sauacutede e ora serve para designar uma aacuterea da

atividade humana caracterizada pela especializaccedilatildeo profissional e institucional (um campo do

conhecimento humano organizado em uma disciplina)23

terminam por transparecer um

desvirtuamento das verbas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede que sacrifica a concretizaccedilatildeo de tal

direito

Natildeo resta duacutevida desta maneira que a omissatildeo legislativa em se criar a Lei

Complementar prevista pela EC ndeg 292000 contribuiu para a difiacutecil tarefa de se aferir o que

exatamente seria obrigaccedilatildeo do Estado na realizaccedilatildeo do direito fundamental a sauacutede tema que

assume importantiacutessima relevacircncia quando do estudo da efetividade de tal direito bem como

sua proteccedilatildeo judicial conforme se veraacute nos capiacutetulos seguintes

Pois bem em 13 de janeiro de 2012 foi sancionada a Lei Complementar ndeg 141 que

sanando uma omissatildeo que jaacute durava cerca de doze anos veio a instituir nos termos do sect 3deg do

art 198 da Constituiccedilatildeo Federal

i o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante miacutenimo a ser aplicado anualmente

pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede

ii percentuais miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados

anualmente pelos Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de

sauacutede

22

Nota Teacutecnica ndeg 10 de 2011 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos

Deputados - CONOFCD A Sauacutede no Brasil Histoacuteria do Sistema Uacutenico de Sauacutede arcabouccedilo legal

organizaccedilatildeo funcionamento financiamento do SUS e as principais propostas de regulamentaccedilatildeo da

Emenda Constitucional ndeg29 de 2000 p 23 23

AITH Fernando Curso de direito sanitaacuterio a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Satildeo Paulo Quartier

Latin 2007 p 50-51

33

iii criteacuterios de rateio dos recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados

ao Distrito Federal e aos Municiacutepios bem como dos Estados para os seus respectivos

Municiacutepios visando agrave progressiva reduccedilatildeo das disparidades regionais

iv normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferase

v definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em accedilotildees e serviccedilos

puacuteblicos de sauacutede

A tiacutetulo de exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o pagamento de

aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros

programas de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS passaram a

expressamente natildeo constituir despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de

apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos de que trata a referida LC 1412012 representando um

passo significativo para uma uniformizaccedilatildeo miacutenima dos gastos em sauacutede no paiacutes corrigindo

distorccedilotildees e contribuindo para a otimizaccedilatildeo do planejamento do SUS por meio da canalizaccedilatildeo

de investimentos para accedilotildees efetivamente pertinentes ao campo da sauacutede

Desta maneira a LC ndeg 1412012 aleacutem de trazer mais seguranccedila juriacutedica e

uniformidade na correta aplicaccedilatildeo de recursos na aacuterea de sauacutede assume papel chave na

temaacutetica da efetividade do direito agrave sauacutede visto que suas disposiccedilotildees terminam por contribuir

consideravelmente tanto para a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para tal

direito jaacute que satildeo arroladas as accedilotildees e serviccedilos que os recursos estatais devem minimamente

abranger como tambeacutem auxiliam na construccedilatildeo de paracircmetros relevantes agrave proteccedilatildeo judicial

do mesmo consoante seraacute analisado mais a frente em toacutepico oportuno

24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E ALGUNS DESAFIOS

ATUAIS DO SUS

A implantaccedilatildeo do SUS no iniacutecio da deacutecada de noventa ocorreu em um periacuteodo

desfavoraacutevel notadamente influenciado pela ideologia neoliberal no cenaacuterio econocircmico

brasileiro tendo tal fato contribuiacutedo para a alocaccedilatildeo da reforma sanitaacuteria a um niacutevel de

prioridade secundaacuteria na agenda poliacutetica do paiacutes visto que a conjuntura inicial era marcada

pelo apoio estatal ao setor privado e pela concentraccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede nas regiotildees mais

desenvolvidas do paiacutes

Apesar disso eacute inegaacutevel que nos uacuteltimos vinte anos o SUS avanccedilou a partir de

inovaccedilotildees institucionais calcadas sobretudo em um intenso processo de descentralizaccedilatildeo que

outorgou maior responsabilidade aos municiacutepios na gestatildeo e serviccedilo de sauacutede aleacutem de

34

possibilitar meios para promoccedilatildeo da participaccedilatildeo social na criaccedilatildeo de sauacutede e controle do

desempenho do sistema destacando-se os esforccedilos na fabricaccedilatildeo de produtos farmacecircuticos e

a cobertura da vacinaccedilatildeo24

Ocorre que o SUS em que pese jaacute possuir bases legais estabelecidas e amadurecidas a

partir de uma consideraacutevel experiecircncia operacional ainda precisa ser melhor desenvolvido na

busca pela garantia da cobertura universal e equitativa abraccedilada por nosso ordenamento

Nesse ponto faz-se imprescindiacutevel uma reestruturaccedilatildeo financeira e uma revisatildeo profunda das

relaccedilotildees puacuteblico-privadas atinentes ao sistema de modo a diminuir as desigualdades

persistentes e garantir uma sustentabilidade poliacutetica econocircmica e teacutecnica do SUS

Para se ter uma ideia seja na atenccedilatildeo baacutesica secundaacuteria ou terciaacuteria as diversas

estrateacutegias de repasse de recursos bem como a implantaccedilatildeo de programas como o Programa

de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) apesar de diminuir o problema estrutural natildeo foram

suficientemente satisfatoacuterios sobretudo pela baixa integraccedilatildeo e deficiecircncia dos prestadores

em niacuteveis municipal e estadual

Nesse raciociacutenio notadamente para os procedimentos de meacutedio e alto custo haacute um

inegaacutevel quadro de deficitaacuterio controle dos custos e da eficiecircncia das accedilotildees envolvidas visto

que quem os realiza predominantemente satildeo os atores privados contratados e hospitais

puacuteblicos de ensino pagos com recursos puacuteblicos a preccedilos proacuteximos do valor de mercado

contribuindo para a potencializaccedilatildeo dos obstaacuteculos estruturais procedimentais e poliacuteticos do

SUS25

De se destacar ainda que aleacutem de claros problemas estruturais como eacute o caso do jaacute

citado desequiliacutebrio de poder entre integrantes da rede de sauacutede da falta de responsabilizaccedilatildeo

dos atores envolvidos aliada agraves descontinuidades administrativas e da alta rotatividade dos

gestores por motivos poliacuteticos a carecircncia em infraestrutura eacute um grave fator que compromete

a efetividade das iniciativas puacuteblicas para o setor

Em que pese natildeo ser objeto do presente trabalho o exame apurado dos problemas do

SUS agrave tiacutetulo de ilustraccedilatildeo faz-se imperioso destacar que da leitura de dados da OMS

extraiacutedos em 2011 depreende-se que26

24

PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p 28 Disponiacutevel em

httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 11022013 25

SOLLA J Chioro A Atenccedilatildeo ambulatorial especializada In GIOVANELLA Liacutevia (Org) Poliacuteticas e

sistema de sauacutede no Brasil Rio de Janeiro FioCruz 2008 p 672 e 673 26

Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201304130402_saude_gastos_publicos_lgdsht

Acesso em 04032013

35

a) no Brasil os gastos privados com sauacutede correspondem a 54 das despesas totais do

setor enquanto que os gastos puacuteblicos financiam os 46 restantes (para se ter um

ideia na Colocircmbia o financiamento puacuteblico na aacuterea eacute de 74 e no Chile 68)

b) a parcela do orccedilamento federal destinada agrave sauacutede gira em torno de 87 enquanto a

meacutedia dos paiacuteses africanos eacute 106 e a meacutedia mundial 117

c) o gasto anual do governo com a sauacutede de cada habitante corresponde a cerca de

US$ 477 doacutelares bem abaixo da meacutedia mundial (US$ 716 doacutelares) e dos nuacutemeros de

paiacuteses vizinhos como Argentina (US$ 866 doacutelares) e Chile (US$ 607 doacutelares)

Ainda conforme dados do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) haacute um

claro descompasso na execuccedilatildeo do orccedilamento em relaccedilatildeo ao crescimento do Produto Interno

Bruto (PIB) vez que no periacuteodo de 1995 a 2010 a meacutedia de investimento em sauacutede foi de

168 do PIB enquanto a OMS recomenda a aplicaccedilatildeo de pelo menos 5 do PIB para a

obtenccedilatildeo de padrotildees eficientes de atendimento27

Contudo se por um lado os dados acima levam a crer que ainda falta investimento em

recursos para a sauacutede eacute inegaacutevel que esta natildeo eacute a uacutenica dificuldade da sauacutede puacuteblica no

Brasil visto que haacute uma verdadeira multicausalidade no tema que engloba tambeacutem a crise de

gestatildeo pela qual passa o SUS os problemas relacionados agrave corrupccedilatildeo somados agrave impunidade

quanto aos desvios de verbas da sauacutede e a necessidade de uma delimitaccedilatildeo mais clara dos

investimentos em sauacutede com a melhoria da fiscalizaccedilatildeo dos mesmos

Vislumbra-se portanto que o maior desafio enfrentado pelo SUS eacute poliacutetico sendo

necessaacuteria uma uniatildeo de esforccedilos tanto dos governantes como da sociedade aliada aos oacutergatildeos

de fiscalizaccedilatildeo da gestatildeo puacuteblica para se alcanccedilar uma melhoria estrutural em seu

funcionamento capaz de fazer valer na praacutetica as disposiccedilotildees normativas previstas

contribuindo assim para uma maior concretizaccedilatildeo do direito fundamental agrave sauacutede a partir do

agir comunicativo da sociedade28

25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO

ORDENAMENTO PAacuteTRIO

27

CASTRO Jorge Abrahatildeo Gasto Social Federal uma anaacutelise da prioridade macroeconocircmica no periacuteodo

1995-2010 Nota Teacutecnica do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) disponiacutevel em

httpwwwipeagovbragenciaimagesstoriesPDFsnota_tecnica120904_notatecnicadisoc09_apresentacaopdf

Acessado em 06032013 28

PAIM Jairnilson Silva Bases conceituais da reforma sanitaacuteria brasileira In FLEURY Socircnia (Org) Sauacutede e

democracia a luta do CEBES Satildeo Paulo Lemos 1997 p 20-22

36

Para o exame da sauacutede como direito humano e a exata noccedilatildeo de sua abrangecircncia

protetiva em acircmbito internacional faz-se necessaacuterio analisar os principais documentos que

tratam dos direitos humanos tanto em niacutevel universal como regional (especialmente no

continente americano) de modo a se extrair dos mesmos as disposiccedilotildees correlatas com a

temaacutetica da sauacutede

No que se refere ao sistema universal tem-se que a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos (DUDH) adotada pela III Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas sob a forma de

resoluccedilatildeo em 10 de dezembro de 1948 consolidou a afirmaccedilatildeo de uma eacutetica universal ao

consagrar um consenso de caraacuteter vinculante sobre valores a serem seguidos pelos Estados a

partir da conjugaccedilatildeo do valor liberdade com o da igualdade impondo-se como um coacutedigo de

conduta voltado ao reconhecimento universal dos direitos humanos29

Nesse contexto apesar de indiretamente diversos dispositivos deste diploma se

correlacionarem com o direito humano a sauacutede (por exemplo art 3deg trata do direito agrave vida

art 5deg da proibiccedilatildeo da tortura art 22 direitos sociais indispensaacuteveis agrave dignidade e garantidos

pela cooperaccedilatildeo internacional) a menccedilatildeo expressa a tal direito social encontra-se no art 25 o

qual faz alusatildeo ao acesso agraves condiccedilotildees miacutenimas de sauacutede e bem-estar inclusive a cuidados

meacutedicos e serviccedilos sociais indispensaacutevel abrangendo desta maneira uma percepccedilatildeo da sauacutede

de maneira ampla e aproximada da concepccedilatildeo propagada pela OMS30

Dispotildee o art 25 da

Declaraccedilatildeo que

Todo homem tem direito a um padratildeo de vida capaz de assegurar a si e a sua

famiacutelia sauacutede e bem-estar inclusive alimentaccedilatildeo vestuaacuterio habitaccedilatildeo

cuidados meacutedicos e os serviccedilos sociais indispensaacuteveis e direito agrave seguranccedila

em caso de desemprego doenccedila invalidez viuvez velhice ou outros casos

de perda dos meios de subsistecircncia em circunstacircncias fora de seu controle

2 A maternidade e a infacircncia tecircm direito a cuidados e assistecircncia especiais

Todas as crianccedilas nascidas dentro ou fora do matrimocircnio gozaratildeo da mesma

proteccedilatildeo social (Grifos acrescidos)

Aleacutem da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos31

um importante avanccedilo foi dado

em 1966 com o intuito de explicitar melhor os direitos jaacute consagrados na DUDH bem como

29

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva

2006 p 133 30

TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo

por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 83 31

Conforme as liccedilotildees de Maria Helena Rodriguez a DUDH consolidou-se como um verdadeiro coacutedigo de

princiacutepios e valores universais ocasionando uma chamada globalizaccedilatildeo dos direitos humanos ldquopor baixordquo (ao

contraacuterio da globalizaccedilatildeo por cima tiacutepica das estruturas de comunicaccedilatildeo comeacutercio e poliacutetica) calcada no

desenvolvimento e emancipaccedilatildeo do ser humano mediante a conquista concreta de um rol de direitos por todas as

37

de fortalecer os mecanismos de controle da efetivaccedilatildeo desses direitos pela comunidade

internacional Tal fato consistiu na celebraccedilatildeo do Pacto Internacional de Direitos Civis e

Poliacuteticos (PIDCP) e do Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais

(PIDESC) os quais reforccedilaram a positivaccedilatildeo dos direitos humanos em acircmbito internacional e

trouxeram aspectos relevantes quanto ao direito agrave sauacutede

O PIDCP apresenta diversos dispositivos com ligaccedilatildeo indireta com o direito humano agrave

sauacutede ora por externarem um reforccedilo do direito agrave vida e agrave integridade humana (como eacute o caso

da proibiccedilatildeo da tortura e da vedaccedilatildeo do uso da pessoa em experimentos meacutedicos ou

cientiacuteficos sem livre e legiacutetimo consentimento) ora como uma limitaccedilatildeo de ordem puacuteblica

ao exerciacutecio de outros direitos humanos como o direito de entrar e sair do paiacutes e a nele

circular livremente o qual pode ser restringido em defesa da sauacutede puacuteblica

Jaacute no PIDESC haacute uma proteccedilatildeo mais enfaacutetica quanto ao direito agrave sauacutede especialmente

nos artigos 11 e 12 os quais refletem a noccedilatildeo construiacuteda de que a dignidade eacute inerente agrave

pessoa humana por meio tanto da previsatildeo de aspectos materiais promovedores da sauacutede (art

11) como do proacuteprio direito a sauacutede em sentido estrito (art 12)

Artigo 11

1 Os Estados Signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda

pessoa a um niacutevel de vida adequado para si e sua famiacutelia inclusive

alimentaccedilatildeo vestimenta e moradia adequadas e ao melhoramento contiacutenuo

das condiccedilotildees de existecircncia ()

Artigo 12

1 Os Estados signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda

pessoa de desfrutar o mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede fiacutesica e mental

2 Entre as medidas que deveratildeo ser adotadas pelos Estados Signataacuterios do

Pacto a fim de assegurar a plena efetividade deste direito figuraratildeo as

necessaacuterias para

a) A reduccedilatildeo da mortalidade infantil e do iacutendice de natimortos bem

como o desenvolvimento sadio das crianccedilas

b) O aprimoramento em todos os seus aspectos da higiene do trabalho e

do meio ambiente

c) A prevenccedilatildeo e o tratamento das doenccedilas epidecircmicas endecircmicas

profissionais e de outro tipo e a luta contra elas

d) A criaccedilatildeo de condiccedilotildees que garantam a todos assistecircncia meacutedica e

serviccedilos meacutedicos em caso de doenccedila

A abertura de um dispositivo especiacutefico sobre sauacutede significou antes de tudo um

importante avanccedilo na proteccedilatildeo desse direito jaacute que ateacute entatildeo a grande maioria das referecircncias

ao mesmo era feita de forma indireta Contudo a principal contribuiccedilatildeo do mencionado

pessoas RODRIGUEZ Maria Helena Os direitos econocircmico sociais e culturais uma realidade inadiaacutevel In

Revista Trimestral de Debate FASE v31 ndeg 92 p 18-38 marmaio 2002 p 19

38

artigo 12 foi a listagem de accedilotildees estatais essenciais para a garantia da plena efetividade do

direito agrave sauacutede com a apresentaccedilatildeo das balizas centrais ou frentes prioritaacuterias as quais os

Estados Membros devem se preocupar quando tratam da temaacutetica da sauacutede puacuteblica

consistindo tal contributo assim em importante paracircmetro para a construccedilatildeo de um miacutenimo

existencial quanto a este direito fundamental

Antes de avanccedilar impende destacar um aspecto concernente aos citados Pactos que

seraacute relevante no estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais (em especial o direito agrave

sauacutede) tratado mais a frente Tal aspecto diz respeito agrave complementaridade iacutensita aos dois

pactos no sentido de que o fato de o PIDCP asseverar que os direitos civis e poliacuteticos satildeo

autoaplicaacuteveis (art 2deg) e o PIDESC por sua vez estabelecer uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo

progressiva nos limites dos recursos disponiacuteveis visando agrave mais completa realizaccedilatildeo dos

direitos elencados (art 2deg) natildeo significa que exista uma dualidade excludente entre as duas

categorias de direitos previstas Havendo em verdade uma autecircntica pluralidade combinada e

formadora de um conjunto indivisiacutevel perfeitamente imbricado no qual a ausecircncia de

medidas concretizadoras de um direito inevitavelmente repercute na fruiccedilatildeo plena do conjunto

restante32

Para monitorar o cumprimento pelos Estados Membros das prioridades elencadas

acima haacute um intercacircmbio de informaccedilotildees dos mesmos com o Comitecirc de Direitos Econocircmicos

Sociais e Culturais instituiacutedo pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU cuja principal

funccedilatildeo eacute exatamente a de monitorar a implementaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e

culturais por meio do exame dos relatoacuterios perioacutedicos apresentados pelos Estados Nessa

conjuntura a Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 do referido comitecirc eacute de suma importacircncia pois

esclarece quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas dos Estados as quais o cumprimento deve ser

imediato

O documento mencionado acima eacute calcado em quatro elementos essenciais e

interligados disponibilidade acessibilidade fiacutesica e econocircmica sem discriminaccedilatildeo

aceitabilidade e qualidade Nesse sentido cada Estado-Parte deve contar com um nuacutemero

suficiente de estabelecimentos bens e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os quais sejam acessiacuteveis a

todos sem qualquer discriminaccedilatildeo respeitem a eacutetica meacutedica sendo culturalmente apropriados

32

Realccedila essa visatildeo o fato de o art 5deg de ambos os Pactos criarem uma regra de inteligecircncia proacutepria dos direitos

humanos que se sobrepotildee aos demais criteacuterios hermenecircuticos tradicionais no sentido de que a interpretaccedilatildeo nos

Pactos deve ser a mais ampliativa possiacutevel voltada agrave maacutexima eficaacutecia dos preceitos que contecircm em um cenaacuterio

de busca pela maximizaccedilatildeo dos direitos humanos FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave

Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 29

39

e finalmente sejam providos de um miacutenimo de qualidade com profissionais qualificados e

condiccedilotildees sanitaacuterias adequadas33

Pode-se observar desta forma que a Observaccedilatildeo Geral ndeg 1434

funciona como um

verdadeiro instrumento de regulamentaccedilatildeo do artigo 12 do PIDESC e consequentemente de

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede visto que busca esclarecer quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas

dos Estados cujo cumprimento deve ser imediato35

e fora do espectro de discussatildeo da

disponibilidade de recursos como as seguintes a garantia de acesso a uma alimentaccedilatildeo

essencial miacutenima agrave moradia e abastecimento de aacutegua a adoccedilatildeo de estrateacutegias e accedilotildees

nacionais de sauacutede puacuteblica relacionadas com as preocupaccedilotildees mais claras da populaccedilatildeo a

facilitaccedilatildeo ao acesso de medicamentos36

essenciais etc

A Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 demonstra-se pois primordial para a compreensatildeo das

distintas dimensotildees normativas do direito a sauacutede pois busca oferecer respostas concretas e

ateacute certo ponto praacuteticas ao questionamento acerca do que deve ser cumprido pelos Estado

Membros do PIDESC na mateacuteria do direito agrave sauacutede apontando tanto obrigaccedilotildees gerais como

especiacuteficas de cunho positivo ou negativo37

Tambeacutem no acircmbito universal de proteccedilatildeo pode ser destacada a Declaraccedilatildeo de Viena38

de 1993 que ao legitimar a universalidade dos direitos humanos propagada desde 1948

33

MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a

concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN

Natal 2007 p 41 34

A Observaccedilatildeo Geral ndeg14 foi expedida durante o 22deg periacuteodo de sessotildees do Comitecirc de Direitos Econocircmicos

Sociais e Culturais celebrado no ano 2000 e seu texto pode ser consultado por exemplo em CARBONELL

Miguel MOGUEL Sandra amp PORTILLA Karla Peacuterez (compiladores) Derecho Internacional de los

Derechos Humanos Textos Baacutesicos 2deg Ediccedilatildeo Meacutexico Porruacutea 2003 pp 594- 621 35

No que refere-se agrave supervisatildeo do cumprimento das obrigaccedilotildees referidas tem-se que os Estados ndash partes devem

apresentar informaccedilotildees sobre as medidas que estejam sendo tomadas e os progressos alcanccedilados submetendo tais

dados ao Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Eacute nesse cenaacuterio que com o fito de avaliar o grau

de eficiecircncia dos serviccedilos de sauacutede em acircmbito internacional foi criada em 7 de abril de 1948 a Organizaccedilatildeo

Mundial de Sauacutede cujo objetivo eacute decidir as principais questotildees relativas agraves poliacuteticas de sauacutede com o fim de que

todos os povos possam gozar do grau maacuteximo de sauacutede possiacutevel 36

Medida salutar para se alcanccedilar tal facilitaccedilatildeo eacute a questatildeo que envolve a possibilidade da quebra de patentes

Sobre o tema conferir BARRETO Ana Cristina Costa Direito agrave sauacutede e patentes farmacecircuticas ndash O acesso a

medicamentos como preocupaccedilatildeo global para o desenvolvimento In Revista Aurora v 5 n7 jan 2011 37

Nesse sentido dispotildee Miguel Carbonell ao destacar os paraacutegrafos 35 e 36 do documento em exame que

ldquo()sobre la obligacioacuten de proteger el Comiteacute apunta que los Estados deberaacuten adoptar leyes u otras medidas para

velar por el acceso igual a la atencioacuten de la salud y los servicios relacionados con la salud proporcionados por

terceros velar por que la privatizacioacuten del sector de la salud no represente una amenaza para la disponibilidad

accesibilidad aceptabilidad y calidad de los servicios de atencioacuten de la salud controlar la comercializacioacuten de

equipo meacutedico y medicamentos por terceros y asegurar que los facultativos y otros profesionales de la salud

reuacutenan las condiciones necesarias de educacioacuten experiencia y deontologiacutea Los Estados tambieacuten tienen la

obligacioacuten de velar por que las praacutecticas sociales o tradicionales nocivas no afecten al acceso a la atencioacuten

anterior y posterior al parto ni a la planificacioacuten de la famiacutelia()rdquo CARBONELL Miguel El derecho a la salud

em el derecho internacional de los derechos humanos las observaciones generales de la ONU In Revista da

Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 pp 80-83 38

A Conferecircncia de Viena consolidou o aacutepice de um processo de consagraccedilatildeo dos direitos humanos como tema

da comunidade internacional que teve por carro-chefe a prevalecircncia de uma concepccedilatildeo universalizante a exceder

40

ponderou com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que os Estados devem promover a maternidade

segura e a assistecircncia de sauacutede consideradas elementos importantes para a diminuiccedilatildeo das

desigualdades de gecircnero reconheceu a importacircncia do usufruto de elevados padrotildees de sauacutede

fiacutesica e mental por parte da mulher durante todo o seu ciclo de vida sendo seu direito a

assistecircncia de sauacutede acessiacutevel e adequada estabeleceu ser dever dos estados natildeo impedir a

plena realizaccedilatildeo dos direitos humanos como eacute o caso do direito das pessoas a um niacutevel de

vida adequado agrave sauacutede e bem-estar e asseverou que os estados tecircm a obrigaccedilatildeo de prover

sauacutede agraves pessoas pertencentes a grupos vulneraacuteveis

A Declaraccedilatildeo de Viena desta feita natildeo soacute consolidou os direitos humanos como um

tema global a partir da afirmaccedilatildeo de sua universalidade interdependecircncia e

complementariedade solidaacuteria pregando pelo direito agrave diferenccedila e o dever de respeitar as

particularidades nacionais e regionais como tambeacutem significou um importante reforccedilo agrave

International Bill of Rights39

apresentando importantes disposiccedilotildees concernentes agrave temaacutetica

do direito agrave sauacutede40

Aleacutem dos textos jaacute citados existem alguns documentos mais especiacuteficos na esfera de

proteccedilatildeo universal dos quais podem ser extraiacutedos aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede

como a Convenccedilatildeo contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Crueacuteis Desumanos ou

Degradantes que embora natildeo aborde diretamente o direito em exame defende a natureza

absoluta da vedaccedilatildeo da praacutetica de tortura o que em uacuteltima anaacutelise consubstancia-se em

praacutetica protetiva da sauacutede e integridade fiacutesica a Convenccedilatildeo Internacional sobre a Eliminaccedilatildeo

de todas as formas de Discriminaccedilatildeo Racial que expressamente elenca em seu artigo 5deg o

dever de garantia pelo Estado do direito agrave sauacutede a cuidados meacutedicos e agrave previdecircncia social a

Convenccedilatildeo sobre todas as formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher que reconhece

especialmente em seu artigo 12 o direito da mulher agrave sauacutede e agrave assistecircncia apropriada em

relaccedilatildeo agrave gravidez bem como a Convenccedilatildeo sobre os Direitos da Crianccedila que menciona o

direito humano agrave sauacutede para todas as crianccedilas (arts 24 e 25) bem como para as crianccedilas

deficientes (art 23) extraindo-se de todo este arcabouccedilo protetivo que a sauacutede se situa como

relativismos e etnocentrismos culturais FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede

paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 31 39

Conforme aduz Piovesan o conjunto formado da soma entre os Pactos de 1966 e a Declaraccedilatildeo de 1948

formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o

Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 152 40

Nesse sentido se a DUDH veio a consolidar o pensamento de que natildeo haacute liberdade sem igualdade nem

igualdade sem liberdade preenchendo a lacuna que distanciava a visatildeo liberal e social a Declaraccedilatildeo de Viena foi

relevante pois solidificou a consagraccedilatildeo da indivisibilidade interdependecircncia e inter-relaccedilatildeo entre os direitos

humanos PIOVESAN Flaacutevia Proteccedilatildeo internacional dos direitos econocircmicos sociais e culturais In SARLET

Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais sociais estudos de direito constitucional internacional e

comparado Rio de Janeiro Renovar 2003 p 247

41

um tema transversal41

no processo de especificaccedilatildeo dos direitos humanos devido a sua

essencialidade e estreita relaccedilatildeo com o proacuteprio direito agrave vida

Em niacutevel regional42

podem ser mencionados os sistemas europeu africano e o

interamericano43

merecendo maior destaque este uacuteltimo para os anseios do presente trabalho

Nesse contexto na temaacutetica da proteccedilatildeo do direito humano agrave sauacutede no sistema

interamericano ganham relevo a Declaraccedilatildeo Americana dos Direitos e Deveres do Homem

de 1948 o subsistema da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash Pacto de Satildeo Joseacute

da Costa Rica de 1969 e o Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos

Humanos em mateacuteria de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais denominado de Protocolo

de Satildeo Salvador de 1988

A Declaraccedilatildeo Americana de maneira expressa aborda o direito agrave preservaccedilatildeo da

sauacutede e ao bem-estar em seu artigo 11 ao afirmar que toda pessoa tem direito a que sua sauacutede

seja resguardada por medidas sanitaacuterias e sociais relativas agrave alimentaccedilatildeo roupas habitaccedilatildeo e

cuidados meacutedicos correspondentes ao niacutevel permitido pelos recursos puacuteblicos e os da

coletividade deixando clara a importacircncia da efetivaccedilatildeo das prestaccedilotildees materiais do direito agrave

sauacutede em si mas tambeacutem dos seus fatores condicionantes mais relevantes alimentaccedilatildeo e

habitaccedilatildeo

A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos de 1969 por sua vez tratou de

prestigiar os direitos humanos de dimensatildeo individual e por tal razatildeo o direito agrave sauacutede eacute

tratado de maneira indireta ou subentendida visto que em seu artigo 5deg sect 1deg a aludida

Convenccedilatildeo afirma que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade fiacutesica

psiacutequica e moral Noutro poacutertico sob um vieacutes de direito de defesa diversos dispositivos ao

tratarem de determinados direitos individuais (como a liberdade de religiatildeo de pensamento

de reuniatildeo por exemplo) fazem alusatildeo a possibilidade de limitaccedilatildeo excepcional dos mesmos

justificada em razatildeo da defesa da sauacutede puacuteblica revelando o caraacuteter prioritaacuterio desse direito

social

41

TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo

por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 95 42

Assevera Flaacutevia Piovesan que ldquoos sistemas global e regional natildeo satildeo dicotocircmicos mas complementares ()

O propoacutesito da coexistecircncia de distintos instrumentos juriacutedicos ndash garantindo os mesmos direitos ndash eacute pois no

sentido de ampliar e fortalecer a proteccedilatildeo dos direitos humanos O que importa eacute o grau de eficaacutecia da proteccedilatildeo

e por isso deve ser aplicada a norma que no caso concreto melhor proteja a viacutetimardquo PIOVESAN Flaacutevia

Desenvolvimento histoacuterico dos direitos humanos e a Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 In Retrospectiva dos 20

anos da Constituiccedilatildeo Federal Walber de Moura Agra (coord) Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 24 43

Para um aprofundamento no exame desses trecircs sistemas PIOVESAN Flaacutevia Direito Humanos e Justiccedila

Internacional um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu interamericano e africano Satildeo

Paulo Saraiva 2006

42

Como explicado a proteccedilatildeo em 1969 limitou-se aos direitos de primeira dimensatildeo

contudo em 1988 foi assinado em San Salvador um Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo o

qual tratou de contemplar os direitos econocircmicos sociais e culturais Desta forma o artigo 10

do mencionado Protocolo trata de maneira expressa e enfaacutetica do tema do direito agrave sauacutede

reconhecendo algumas premissas baacutesicas e relevantes que devem ser levadas em consideraccedilatildeo

pelos Estados quais sejam

1 Toda pessoa tem direito agrave sauacutede entendida como o gozo do mais alto

niacutevel de bem-estar fiacutesico mental e social

()

3 A fim de tornar efetivo o direito agrave sauacutede os Estados Partes

comprometem-se a reconhecer a sauacutede como bem puacuteblico e

especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito

a Atendimento primaacuterio de sauacutede entendendo-se como tal a

assistecircncia meacutedica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas

e famiacutelias da comunidade

b Extensatildeo dos benefiacutecios dos serviccedilos de sauacutede a todas as pessoas

sujeitas agrave jurisdiccedilatildeo do Estado

c Total imunizaccedilatildeo contra as principais doenccedilas infecciosas

d Prevenccedilatildeo e tratamento das doenccedilas endecircmicas profissionais e de

outra natureza

e Educaccedilatildeo da populaccedilatildeo sob prevenccedilatildeo e tratamento dos problemas

de sauacutede e

f Satisfaccedilatildeo das necessidades de sauacutede dos grupos de mais alto risco e

que por sua situaccedilatildeo de pobreza sejam mais vulneraacuteveis

Eacute relevante notar que as disposiccedilotildees acima arroladas se coadunam e se somam com as

jaacute vistas previsotildees no direito paacutetrio quanto ao direito agrave sauacutede notadamente com os princiacutepios

informadores do SUS e terminam por compor o vasto arcabouccedilo juriacutedico de proteccedilatildeo do

direito agrave sauacutede constante no direito paacutetrio que poderaacute ser invocado pela sociedade para se ter

garantido respeitado e concretizado tal direito social

Merece destaque ainda a Declaraccedilatildeo de Alma-Ata de 1978 resultado da Conferecircncia

Internacional sobre Cuidados Primaacuterios de Sauacutede que em seu item I dispotildee que a realizaccedilatildeo

do mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede depende da atuaccedilatildeo de diversos setores sociais e

econocircmicos para aleacutem do setor da sauacutede propriamente dito o que termina por reforccedilar a

noccedilatildeo (seguida tanto pela ldquoLei do SUSrdquo) de ldquointersetorialidaderdquo desse direito Explicando

melhor na medida em que tal direito eacute compreendido como garantia de qualidade miacutenima de

vida sua efetivaccedilatildeo natildeo incumbe de modo exclusivo ao ldquosetor sauacutederdquo mas sim depende da

consecuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mais amplas direcionadas agrave superaccedilatildeo das desigualdades

43

sociais e ao pleno desenvolvimento da personalidade inclusive pelo compromisso com as

futuras geraccedilotildees44

Finalmente na temaacutetica da proteccedilatildeo internacional do direito agrave sauacutede eacute digna de

referecircncia a Carta de Intenccedilotildees formulada na 1deg Conferecircncia Internacional sobre Promoccedilatildeo

da Sauacutede ocorrida em Otawa no Canadaacute no ano de 1986 Tal Carta aleacutem de fixar novas

diretrizes e princiacutepios voltados agrave organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede em diversos paiacuteses

influenciando na criaccedilatildeo do SUS no Brasil procurou empreender uma leitura da promoccedilatildeo da

sauacutede centrada na procura da equidade e na busca pela reduccedilatildeo das desigualdades existentes

estabelecendo que a sauacutede seria um recurso da maior importacircncia para o desenvolvimento

social econocircmico e pessoal consistindo em uma dimensatildeo importante da qualidade de vida

de cada um45

44

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 4

45

MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a

concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN

Natal 2007 p 42

44

3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL

Em que pese ter se apresentado marcadamente descritivo devido a apresentaccedilatildeo de

disposiccedilotildees legislativas bem como de nuacutemeros percentuais que refletem o atual quadro da

sauacutede puacuteblica no Brasil o capiacutetulo anterior teve sua importacircncia pois contribuiu com uma

visatildeo geral acerca de como a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute esmiuccedilada e estruturada no

ordenamento paacutetrio O conhecimento do exato alcance deste complexo normativo eacute ponto de

suma relevacircncia para o estudo do presente toacutepico bem como da temaacutetica da proteccedilatildeo judicial

do direito agrave sauacutede tratado no capiacutetulo quarto

Dito isto seraacute examinado a seguir o tratamento que eacute dado no ordenamento paacutetrio agrave

questatildeo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais notadamente do direito agrave sauacutede e para a

exata compreensatildeo do tema faz-se primordial estudar como se deu a evoluccedilatildeo dos direitos

fundamentais e a influecircncia desse processo histoacuterico na construccedilatildeo do conteuacutedo baacutesico do

direito a sauacutede calcado em sua dupla fundamentalidade (formal e material)

31 A EVOLUCcedilAtildeO HISTOacuteRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana como valor essencial do ser humano (o valor

do homem como um fim em si mesmo) forma a matriz embrionaacuteria dos direitos fundamentais

e sempre esteve presente nas sociedades ainda que mais primitivas sendo apontada como um

dos poucos consensos teoacutericos do mundo contemporacircneo verdadeiro axioma da civilizaccedilatildeo

ocidental e talvez a uacutenica ideologia remanescente46

Posta tal premissa eacute certo que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais sua estratificaccedilatildeo

em geraccedilotildees e a abrangecircncia conceitual do que viria a ser direitos humanos encontra-se

perfeitamente atrelada agrave identificaccedilatildeo do percurso histoacuterico da noccedilatildeo de dignidade da pessoa

humana que como afirmado no tiacutetulo do presente toacutepico funciona como verdadeira buacutessola e

ponto de partida para a compreensatildeo desse processo47

46

MELLO Celso D de Albuquerque Direitos Humanos e Conflitos Armados Rio de Janeiro Renovar 1997

p 3 47

Nesse contexto importante as liccedilotildees Pieroth e Schlink de no sentido de que ldquoos direitos fundamentais satildeo

enquanto parte do direito puacuteblico e do direito constitucional direitos poliacuteticos e estatildeo sujeitos agrave mudanccedila das

ordens poliacutetica Mas os direitos fundamentais satildeo tambeacutem simultaneamente uma resposto agrave questatildeo

fundamental invariaacutevel da relaccedilatildeo entre liberdade individual e a ordem poliacuteticardquo PIEROTH Bodo SCHLINK

Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo

Saraiva 2012 p 33

45

Nesse contexto desvencilhando-se do propoacutesito de percorrer detalhadamente o

caminho histoacuterico do tema quatro momentos fundamentais podem ser apontados

cronologicamente como fases constitutivas da noccedilatildeo de dignidade humana o Cristianismo o

Iluminismo- Humanista a obra de Immanuel Kant e as barbaacuteries ocorridas na Segunda Guerra

Mundial48

Os valores pregados por Jesus Cristo e seus seguidores representaram a primeira

contribuiccedilatildeo na valorizaccedilatildeo individual do homem ao passo que a salvaccedilatildeo anunciada era

individual e dependente de uma decisatildeo pessoal sendo enfatizado tambeacutem o respeito ao

proacuteximo o que despertou para um sentimento de solidariedade iacutensito agrave noccedilatildeo de condiccedilotildees

miacutenimas de existecircncia que eacute tiacutepica da construccedilatildeo dos direitos sociais

Nesse contexto merece atenccedilatildeo os ensinamentos de Jorge Miranda ao afirmar que49

Eacute com o cristianismo que todos os seres humanos soacute por o serem e sem

acepccedilatildeo de condiccedilotildees satildeo considerados pessoas dotadas de um eminente

valor Criados a imagem e semelhanccedila de Deus todos os homens e mulheres

satildeo chamados agrave salvaccedilatildeo atraveacutes de Jesus que por eles verteu o seu sangue

Criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus todos tecircm uma liberdade

irrenunciaacutevel que nenhuma sujeiccedilatildeo poliacutetica ou social pode destruir

Posteriormente o Iluminismo contribuiu para o desenvolvimento da ideia de

dignidade humana a partir de sua crenccedila na razatildeo humana e a busca pela substituiccedilatildeo da

religiosidade pelo proacuteprio homem no centro do sistema de pensamento mediante o

desenvolvimento teoacuterico do humanismo que por sua vez se preocupava com os direitos

individuais do homem e o exerciacutecio democraacutetico do poder

Na sequecircncia ganhou destaque a formulaccedilatildeo do pensamento de Kant acerca da

natureza do homem e de suas relaccedilotildees consigo proacuteprio com o proacuteximo e com as suas criaccedilotildees

da natureza cuja premissa central era a de que o homem consiste em um fim em si mesmo e

natildeo em funccedilatildeo do Estado da sociedade ou da naccedilatildeo possuindo uma dignidade ontoloacutegica

Finalmente as chocantes agressotildees aos direitos humanos ocorridas na Segunda Guerra

Mundial pelo regime nazista realizadas sobre o manto da legalidade levaram agrave reflexatildeo no

cenaacuterio poacutes-guerra acerca da necessidade de superaccedilatildeo do modelo positivista com a

reaproximaccedilatildeo do direito da moral e o carro-chefe dessa virada Kantiana50

foi exatamente a

48

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 126 49

MIRANDA Jorge Manual de Direito Constitucional Tomo IV 3deg ed Coimbra Coimbra Editora 2000 p

17 50

ldquoDe uns trinta anos para caacute assiste-se ao retorno aos valores como caminho para a superaccedilatildeo dos positivismos

A partir do que se convencionou chamar de bdquovirada kantiana‟(kantische Wende) isto eacute a volta agrave influecircncia da

46

consagraccedilatildeo da dignidade da pessoa humana no plano internacional e a propagaccedilatildeo da mesma

nos direitos internos nacionais como valor maacuteximo e vetor de atuaccedilatildeo

Diante desses apontamentos nota-se que as contribuiccedilotildees para a construccedilatildeo da ideia

de dignidade da pessoa humana51

acima descritas foram cruciais para a evoluccedilatildeo dos direitos

fundamentais e a noccedilatildeo de direitos humanos difundida apoacutes a Segunda Guerra podendo-se

afirmar que o conteuacutedo juriacutedico da dignidade da pessoa humana se interliga harmonicamente

com os direitos fundamentais ou humanos52

ao passo que o respeito agrave dignidade de um

indiviacuteduo pressupotildee a observaccedilatildeo e realizaccedilatildeo dos seus direitos fundamentais53

Firmada essa importante observaccedilatildeo (referente a correlaccedilatildeo entre dignidade e direitos

fundamentais) seraacute feita a seguir uma anaacutelise da evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais natildeo

preocupada somente com uma abordagem descritivamente histoacuterico-enumerativa mas sim

com a perquiriccedilatildeo da razatildeo de serem necessaacuterias declaraccedilotildees de direitos fundamentais ao

longo da histoacuteria e a exato alcance dos direitos inclusos nas diferentes geraccedilotildees54

Eacute inegaacutevel que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais guarda pontos de similitude com

as etapas de formaccedilatildeo do Estado bem como a necessidade de limitaccedilatildeo do mesmo por meio

da garantia de direitos Nesse contexto o raciociacutenio de contraposiccedilatildeo ao Absolutismo por

filosofia de Kant deu-se a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos

e com a busca da justiccedila fundada no imperativo categoacuterico O livro A Theory of Justice de John Rawls publicado

em 1971 constitui a certidatildeo do renascimento dessas ideiasrdquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de Direito

Constitucional Financeiro e Tributaacuterio Valores e Princiacutepios Constitucionais Tributaacuterios v 2 Rio de

Janeiro Renovar 2005 p 41 51

Nesse presente momento a preocupaccedilatildeo foi somente a de deixar clara a interligaccedilatildeo entre a evoluccedilatildeo

construtiva da ideia de dignidade humana e a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Em momento oportuno seraacute

trabalhado o conceito dessa dignidade e seus aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede 52

Alguns autores apontam significaccedilatildeo diversa entre direitos fundamentais e direitos humanos no sentido destes

serem expressatildeo direcionada ao conjunto de direitos ideais metafiacutesicos derivados da natureza do homem

enquanto aqueles seriam apenas aqueles reconhecidos por uma ordem puacuteblica positiva Jaacute outros partindo de um

criteacuterio temporal e espacial apontam que direitos humanos seria uma expressatildeo utilizada para designar a

proteccedilatildeo juriacutedica outorgada a direitos no acircmbito do Direito Internacional ou seja sem limitaccedilatildeo de tempo e

espaccedilo e com pretensotildees de validade universal enquanto direitos fundamentais seria a dimensatildeo interna e

nacional desses direitos contemplados formal e materialmente pelo direito interno de algum ordenamento Nesse

sentido consultar FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave sauacutede paracircmetros para sua

eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 19 53

Realccedilando a ligaccedilatildeo loacutegica entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais o doutrinador

Canccedilado Trindade assevera que a ideia de direitos humanos e sua manifestaccedilatildeo satildeo tatildeo antigas quanto as

civilizaccedilotildees e a luta pela garantia dos mesmos surgiu em diferentes culturas e em movimentos histoacutericos

sucessivos na busca pela afirmaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana bem como na luta contra as formas de

dominaccedilatildeo despotismo e arbitrariedade TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Tratado de Direito

Internacional dos Direitos Humanos Porto Alegre Safe 1997 p 485 54

Desde jaacute esclarece-se que o presente trabalho trataraacute indistintamente como sinocircnimos os termos dimensotildees e

geraccedilotildees sem entrar na discussatildeo de pouca razatildeo praacutetica sobre a melhor terminologia a ser utilizada para

identificar a divisatildeo compartimentada da evoluccedilatildeo dos direito fundamentais Alguns respeitados autores

sustentam que a ideia de geraccedilotildees de direitos poderia ser equivocadamente compreendida mediante o raciociacutenio

de que uma geraccedilatildeo supera a anterior jaacute outros natildeo vislumbram tal problema apontando que as geraccedilotildees a

despeito de potenciais colisotildees satildeo complementares Nesse sentido confira-se SILVA Virgiacutelio Afonso da A

evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais ndeg6 2005 p

546

47

meio da limitaccedilatildeo do poder do Estado atraveacutes da garantia de direitos alicerccedilada na separaccedilatildeo

dos poderes55

empreendido pelo que se denominou de Constitucionalismo a partir das

revoluccedilotildees liberais do final do Seacuteculo XVII pode ser identificado como o autecircntico

nascedouro da formaccedilatildeo dos direitos fundamentais contudo ao longo da histoacuteria desde os

tempos mais antigos se vislumbrou embriotildees desse processo56

ganhando contornos mais

relevantes a experiecircncia inglesa com as precursoras declaraccedilotildees de direitos (Magna Carta de

1215 o Petition of Rights de 1629 o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689)

Ocorre que os documentos ingleses acima elencados natildeo possuiacuteam a essecircncia de

declaraccedilotildees de direitos no sentido atual do termo (sentido este que pressupotildee a vinculaccedilatildeo de

todos os poderes estatais aos direitos por elas estabelecidos) visto que consistiam em

declaraccedilotildees destinadas a garantir privileacutegios e prerrogativas a uma classe especiacutefica somado a

uma eventual presenccedila de direitos um pouco mais amplos (como o direito de peticcedilatildeo) Devido

a tal caracteriacutestica a doutrina aponta que as primeiras grandes e autecircnticas declaraccedilotildees de

direitos surgiram somente com os movimentos revolucionaacuterios nos Estados Unidos em 1776 e

na Franccedila em 1789 na conjuntura do surgimento do Estado Liberal57

Importante deixar claro nesse ponto que natildeo haacute uma perfeita equivalecircncia de

justificaccedilatildeo entre os dois movimentos citados Enquanto nos EUA a promulgaccedilatildeo de

declaraccedilotildees como a da Virgiacutenia ou a proacutepria declaraccedilatildeo de independecircncia dos Estados Unidos

apresentavam o escopo principal de verdadeiramente declarar os direitos que todos os seres

humanos congenitamente possuiriam e que jaacute era em grande parte realidade em uma

sociedade natildeo-estamental no contexto de formaccedilatildeo de uma naccedilatildeo proacutepria na Franccedila anos

mais tarde o objetivo principal era o de superaccedilatildeo da ordem absolutista anterior cujo embate

central pairava sobre a luta pelos direitos de liberdade e propriedade do povo e da burguesia

55

Como a doutrina liberal nascente tinha por intuito a limitaccedilatildeo do poder estatal em prol da liberdade de

comercializaccedilatildeo por parte da classe burguesa ascendente tambeacutem foi necessaacuteria a adoccedilatildeo de um mecanismo de

controle desse poder estatal Daiacute a importacircncia da Teoria da Separaccedilatildeo dos Poderes cujo maior expoente foi

Montesquieu que pregava uma seacuterie de contrapesos entre os poderes estatais de modo a garantir a liberdade

individual BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p

45 56

Para a anaacutelise proposta adotar-se-aacute como ponto de partida para o estudo dos direitos fundamentais os

documentos provenientes da Revoluccedilatildeo Americana e Francesa contudo eacute de bom alvitre ponderar que ainda na

antiguidade bem como na idade meacutedia surgiram textos escritos que formavam alguns conjuntos de regras e

cenaacuterios poliacuteticos de defesa da liberdade do homem ganhando destaque a Lei das XII Taacutebuas o Coacutedigo de

Hamurabi as disposiccedilotildees do Estado Teocraacutetico Hebreu as experiecircncias de participaccedilatildeo popular na Greacutecia

Antiga o Coacutedigo de Manu dentre outros Ocorre todavia que tais conjuntos de regras estabeleciam em sua

essecircncia mais obrigaccedilotildees aos indiviacuteduos e natildeo direitos jaacute que a figura deocircntica originaacuteria dos mesmos era o

dever e natildeo o direito 57

SILVA Virgiacutelio Afonso da A evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de

Estudos Constitucionais Ndeg 6 2005 p 544

48

ascendente58

e eacute nesse cenaacuterio que surge a primeira geraccedilatildeo59

(ou dimensatildeo) dos direitos

fundamentais

Como visto a primeira declaraccedilatildeo de direitos da modernidade que veio a estruturar o

regime democraacutetico e a limitaccedilatildeo do poder estatal foi a Declaraccedilatildeo de Direitos da Virgiacutenia60

nos EUA em 1776 Em seguida decorrente da Revoluccedilatildeo Francesa nasceu a Declaraccedilatildeo dos

Direitos do Homem e do Cidadatildeo em 1789 propagando os ideais de liberdade igualdade e

fraternidade61

O momento histoacuterico era o de formaccedilatildeo do Estado Liberal cujo anseio

maacuteximo era o de assegurar as liberdades dos indiviacuteduos contra os atos do Estado o qual

estaria obrigado a adotar um comportamento omissivo tanto no vieacutes poliacutetico quanto no

econocircmico62

Surgiram pois os chamados ldquodireitos de primeira dimensatildeordquo os quais englobam os

chamados direitos civis e poliacuteticos ligados ao valor liberdade consistindo em direitos

assegurados em face do Estado (ou seja oponiacuteveis ao Estado em uma relaccedilatildeo tipicamente

vertical Estado ndash indiviacuteduo) e portanto de caraacuteter eminentemente negativo jaacute que exigiam

uma abstenccedilatildeo por parte do Estado e em princiacutepio independiam de accedilotildees concretizadoras ou

densificadoras estatais sendo considerados self executing63

58

De se esclarecer que no contexto norte-americano a busca por limitaccedilatildeo se dirigia principalmente contra a

atuaccedilatildeo do legislativo prevenidos que estavam os founding fathers com a praacutetica do parlamento britacircnico nos

anos que precederam a independecircncia enquanto que nos paiacuteses europeus o limite se dirigiu basicamente agrave

atuaccedilatildeo dos monarcas absolutos BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 26 59

Terminologia propugnada por Karel Vazak e difundida por Bobbio ALVES Joseacute Augusto Lindgren Os

direitos humanos como tema global 2deg ed Satildeo Paulo Perspectiva 2003 p 42 60

Bobbio ao comentar tal declaraccedilatildeo afirma que ldquo() nasceu naquele momento uma nova e quero dizer aqui

literalmente sem precedentes forma de regime poliacutetico que natildeo eacute mais apenas o governo das leis contraposto ao

dos homens jaacute louvado por Aristoacuteteles mas o governo que eacute ao mesmo tempo dos homens e das leis dos

homens que fazem as leis e das leis que encontram um limite em direitos preexistentes dos indiviacuteduos que as

proacuteprias leis natildeo podem ultrapassar ()rdquo BOBBIO Norberto A era dos direitos Rio de Janeiro Elsevier

2004 p 224 61

Relevante a observaccedilatildeo feita por Barroso no sentido de que existiu uma verdadeira retroalimentaccedilatildeo entre as

revoluccedilotildees francesas e americanas visto que os ideais franceses expoentes agrave eacutepoca influenciaram os EUA em seu

processo de independecircncia e posteriormente foram reincorporados quando da Revoluccedilatildeo Francesa que terminou

por seguir os moldes normativos construiacutedos pelos americanos BARROSO Luiacutes Roberto

Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) In

Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 62

Importante esclarecer que ao longo do tempo apoacutes a concretizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo a burguesia francesa natildeo

buscou manter a universalidade das liberdades individuais entatildeo propostas as quais apenas por generalizaccedilatildeo

nominal estendiam-se agraves outras classes Nesse contexto instaurou-se um cenaacuterio em que a burguesia possuiacutea a

legitimidade para agir em nome da sociedade francesa contudo as liberdades individuais natildeo eram de fato

usufruiacutedas por todos o que refletia em um quadro de clara falta de igualdade material entre todos os cidadatildeos

aumentando-se as desigualdades entre os indiviacuteduos Logo na praacutetica os direitos fundamentais correspondiam

aos direitos da burguesia jaacute que para as classes inferiores eram direitos somente sob o aspecto formal Nesse

sentido BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 42 63

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra

Almedina 2003 p 376

49

Aqui merece destaque uma advertecircncia que seraacute retomada quando do estudo da

eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais Tal questatildeo diz respeito exatamente ao

esclarecimento de que ao contraacuterio do que muitos propotildeem o fato de os direitos de primeira

dimensatildeo terem por sua essecircncia a busca por uma liberdade do indiviacuteduo em face do Estado

natildeo significa necessariamente que sempre o Estado teraacute que se abster para a garantia de tais

direitos Explicando melhor quando o Estado atua visando a garantir certos direitos de

primeira geraccedilatildeo como o direito a seguranccedila bem como os direitos poliacuteticos tal atuaccedilatildeo

tambeacutem demanda accedilotildees do Estado accedilotildees essas que exigem um aporte financeiro do mesmo

para sua perfeita execuccedilatildeo bastando lembrar os custos relacionados ao recrutamento e

formaccedilatildeo de policiais bem como os ligados ao processo eleitoral64

Feita essa ressalva pode- se afirmar que os direitos individuais englobam um conjunto

de direitos cuja missatildeo fundamental eacute assegurar agrave pessoa uma esfera livre de intervenccedilatildeo da

autoridade poliacutetica ou do Estado65

e nessa linha foram gradualmente conquistados os direitos

agrave liberdade religiosa agrave liberdade civil e profissional agrave liberdade de expressatildeo reuniatildeo dentre

outros

Os direitos poliacuteticos por sua vez apresentam o escopo de instrumentalizar a

participaccedilatildeo dos indiviacuteduos na deliberaccedilatildeo puacuteblica e hodiernamente satildeo identificados como

corolaacuterio da igualdade de todo ser humano e da consequente necessidade de que as decisotildees

poliacuteticas sejam tomadas mediante uma estruturaccedilatildeo majoritaacuteria66

Tais direitos desta maneira

a despeito de terem uma configuraccedilatildeo distinta das liberdades puacuteblicas se amoldam agrave ideia de

direitos de liberdade em sua concepccedilatildeo positiva ou republicana jaacute que ligam-se agrave defesa da

participaccedilatildeo popular na tomada de decisotildees o que em uacuteltima instacircncia ao menos

indiretamente proporcionam liberdade

Portanto pode-se afirmar que os direitos protegidos nessa primeira etapa possuiacuteam

uma acepccedilatildeo eminentemente individualista baseada na doutrina do laissez-faire laissez-

passer cuja funccedilatildeo estatal primordial residia em permitir que as relaccedilotildees sociais e

econocircmicas (grande trunfo da burguesia) se desenvolvessem livremente livre de

64

HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights New York ndash LondonWW Norton amp

Company 1999 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O

princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 134 65

FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 1999

p 280 66

Nesse sentido Canotilho assevera que ldquoas raiacutezes do princiacutepio majoritaacuterio reconduzem-se aos princiacutepios da

igualdade democraacutetica da liberdade e da autodeterminaccedilatildeo Se a liberdade de participaccedilatildeo democraacutetica eacute igual e

vale para todos os cidadatildeos entatildeo o estabelecimento vinculativo e uma determinada ordenaccedilatildeo juriacutedica

pressupotildee pelo menos a concordacircncia da maioriardquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito

Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 311

50

interferecircncia cabendo ao Estado apenas proteger a propriedade e a seguranccedila dos

indiviacuteduos67

Com o passar dos tempos o quadro de liberdade apenas formal propagado pela

doutrina do Liberalismo somou-se agrave piora das condiccedilotildees de vida da classe operaacuteria durante a

Revoluccedilatildeo Industrial em um cenaacuterio que privilegiava um capitalismo (jaacute em crise) sem eacutetica e

alheio agraves desigualdades sociais Tal conjuntura passou a ser atacada68

pela classe operaacuteria que

jaacute se organizava em grupos fortemente politizados culminando no colapso do Estado Liberal

que frente a insustentabilidade da situaccedilatildeo viu-se obrigado a dar espaccedilo para o Estado Social

passando o Estado a comportar-se como um provedor e prestador de serviccedilos para a

populaccedilatildeo

Viu-se pois que natildeo era suficiente somente garantir a liberdade formal dos

indiviacuteduos havendo a necessidade de se reconhecer certos direitos sociais culturais e

econocircmicos derivados das reivindicaccedilotildees sociais relacionadas com os graves problemas da

eacutepoca Foi entatildeo que em meados de 1917 ganhou corpo a necessidade de intervenccedilatildeo do

Estado de modo a se conferir igualdade surgindo um novo cataacutelogo de direitos ligados agraves

prestaccedilotildees materiais por parte do Estado os chamados direitos fundamentais de segunda

dimensatildeo

Conforme jaacute adiantado frente a crise instaurada tais direitos passaram a exigir do

Estado natildeo mais uma abstenccedilatildeo mas sim um fazer uma postura positiva de atuaccedilatildeo se

transformando o mesmo em um verdadeiro prestador de serviccedilos de feiccedilatildeo intervencionista

nos acircmbitos econocircmicos sociais e laborais

Tais novos direitos surgiram pois natildeo somente como consequecircncia da necessidade de

maior participaccedilatildeo dos cidadatildeos nas decisotildees poliacuteticas mas tambeacutem devido agrave pressatildeo dos

movimentos sociais (e socialistas69

) que defendiam de maneira geral que as liberdades

puacuteblicas alcanccediladas na primeira geraccedilatildeo estavam obstadas de ser exercidas por aqueles que

67

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho

Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura

Federal UnB 2003 p7 68

Pertinente aqui a observaccedilatildeo de Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho no sentido de que foi com o exerciacutecio cada

vez mais intenso dos direitos poliacuteticos que se iniciou tambeacutem a pressatildeo por outros direitos que superassem a

ideia das meras liberdades negativas da primeira dimensatildeo FERREIRA FILHO Manuel Gonccedilalves Direitos

humanos fundamentais 2deg ed Satildeo Paulo Saraiva 1998 p 43 69

Aqui eacute importante esclarecer que os direitos sociais natildeo podem ser considerados como direitos socialistas

visto que na verdade satildeo formas de garantir a estabilidade e manutenccedilatildeo do capitalismo se natildeo liberal pelo

menos daquele de cunho social Nesse sentido tem-se que o Estado social natildeo se confunde com o Socialista O

primeiro pode ser caracterizado como um meio termo entre o modelo liberal e o socialista Para ficar mais claro

quando o estado estende sua influecircncia para a seara que antes era de atuaccedilatildeo exclusiva da atividade privada

tem-se ai o social por sua vez quando o estado faz mais que isso quando passa a concorrer imediatamente com

a esfera privada tem-se a socializaccedilatildeo BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo

Paulo Malheiros 2004 p 186

51

natildeo tinham condiccedilotildees materiais para tanto havendo a necessidade de se buscar uma igualdade

material para corrigir tal distorccedilatildeo

Vecirc-se assim que a pretensatildeo ao reconhecimento de direitos sociais pode ser

identificada como uma consequecircncia da luta iniciada pela generalizaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos

para a classe operaacuteria em um contexto em que assegurada a igualdade poliacutetica o objetivo

passou a ser a concretizaccedilatildeo da igualdade real que viesse a garantir as condiccedilotildees de vida

necessaacuterias e as possibilidades de realizaccedilatildeo de cada indiviacuteduo

Passou o Estado assim a assumir uma seacuterie de encargos ateacute entatildeo natildeo vistos como

tipicamente de sua atividade prestando serviccedilos na aacuterea de sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia social

bem como intervindo diretamente na regulaccedilatildeo dos mercados Surge o contexto do Welfare

State ganhando destaque as primeiras previsotildees de direitos socais presentes nas constituiccedilotildees

Mexicana70

e de Weimar71

de 1917 e 1919 respectivamente72

A loacutegica liberal de que a liberdade era suficiente para assegurar uma vida digna jaacute natildeo

mais reinava sendo necessaacuterio conferir ao cidadatildeo direitos que garantissem condiccedilotildees

materiais miacutenimas de desenvolvimento deixando claro que as dimensotildees natildeo se opotildeem mas

sim se complementam ao passo que os direitos sociais viabilizam o exerciacutecio real e

consciente dos direitos individuais e poliacuteticos73

Tais direitos passaram portanto a ser percebidos como uma dimensatildeo especiacutefica dos

direitos fundamentais na medida em que procuraram fornecer os recursos faacuteticos para uma

eficaz fruiccedilatildeo das liberdades inerentes agrave primeira dimensatildeo a partir da garantia de uma

igualdade (liberdade real) que somente poderia ser obtida pela compensaccedilatildeo das latentes

desigualdades sociais

Antes de examinar a proacutexima geraccedilatildeo de direitos eacute importante esclarecer que os

direitos sociais natildeo contemplam apenas posturas positivas do Estado comportando o cidadatildeo

70

Fruto de um movimento revolucionaacuterio iniciado em meados de 1910 contraacuterio ao governo ditatorial de

Porfiacuterio Dias o qual intentava dentre outros anseios a proibiccedilatildeo da reeleiccedilatildeo do presidente a devoluccedilatildeo de

terras aos povos indiacutegenas a nacionalizaccedilatildeo de empresas a consolidaccedilatildeo de direitos trabalhistas e a reforma

agraacuteria tal constituiccedilatildeo natildeo representou o fim da revoluccedilatildeo que perdurou por mais vinte e trecircs anos

COMPARATO Fabio Konder A afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 5deg ed Satildeo Paulo Saraiva

2007 p 177 71

Tal Constituiccedilatildeo possuiacutea um rol de direitos fundamentais mais bem estrutura que a Constituiccedilatildeo Mexicana a

partir de foacutermulas mais universais (por exemplo previsatildeo da funccedilatildeo social da propriedade de um sistema de

previdecircncia social de uma estruturaccedilatildeo quanto ao direito agrave educaccedilatildeo) daiacute sua maior influecircncia sendo seus

dispositivos aplicaacuteveis aos demais paiacuteses que seguiram sua modelagem agrave eacutepoca PINHEIRO Maria Claacuteudia

Bucchianeri A Constituiccedilatildeo de Weimar e os Direitos Fundamentais Sociais In Revista de Informaccedilatildeo

Legislativa v 43 ndeg 169 p 101-126 janmar 2006 p 121 72

SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In

SAMPAIO Joseacute Aeacutercio Leite (Org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo Horizonte

Del Rey 2003 p 252 73

SILVA Joseacute Afonso da Poder Constituinte e poder popular Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 189

52

em uma posiccedilatildeo de creacutedito perante o mesmo Conforme seraacute melhor analisado no toacutepico

referente ao estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais em que pese a conjuntura do

surgimento dos direitos sociais ter brotado a partir da necessidade concretizaccedilatildeo de prestaccedilotildees

materiais ao cidadatildeo pelo Estado eacute certo que essa segunda dimensatildeo apresenta diferentes

dimensotildees dentre elas uma dimensatildeo de cunho meramente defensivo a qual abriga as

chamadas liberdades sociais marcantes especificamente no acircmbito dos direitos dos

trabalhadores como o direito de greve e de liberdade sindical

Feita tal ressalva e voltando para a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais o cenaacuterio

agora eacute o contexto mundial poacutes Segunda Guerra em que a quase dizimaccedilatildeo do povo judeu e as

crueldades realizadas pelos nazistas fascistas e demais regimes totalitaacuterios levaram o mundo

a refletir que o Estado de Direito necessitava urgentemente de uma remodelagem visto que

com base no impeacuterio positivista da lei o nazismo amparado por um fundo de legalidade

cometeu diversos atos de clara afronta a direitos fundamentais dos homens

Fala-se pois em periacuteodo poacutes-positivista uma vez que o contexto no campo filosoacutefico

era o de superaccedilatildeo do positivismo juriacutedico com a reaproximaccedilatildeo do direito agrave moral e a busca

por um equiliacutebrio entre o direito natural e positivo voltando o ideaacuterio de justiccedila para a cena a

partir de uma virada copernicana no Direito principalmente devido a consagraccedilatildeo de forccedila

normativa aos princiacutepios74

Surgem assim os direitos de 3deg dimensatildeo associados agrave noccedilatildeo de solidariedade ou

fraternidade os quais satildeo dotados de um altiacutessimo teor de humanismo e universalidade ao

passo que visam natildeo agrave proteccedilatildeo de interesses particulares de um uacutenico indiviacuteduo ou de apenas

um grupo isolado mas de todo o gecircnero humano

Podem ser citados como inclusos no rol dessa terceira dimensatildeo o direito ao

desenvolvimento75

agrave paz76

ao meio ambiente agrave propriedade sobre o patrimocircnio comum da

humanidade ao progresso direito de comunicaccedilatildeo agrave autodeterminaccedilatildeo dos povos os quais

foram proclamados e difundidos universalmente pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

Humanos de 1948 e depois gradativamente incorporados nas constituiccedilotildees de diversos

paiacuteses

74

PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito

com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo

(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 30 75

Sobre a temaacutetica do direito em desenvolvimento destaca-se a obra ldquodesenvolvimento com liberdaderdquo de

Amartya Sen SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade traduccedilatildeo de Laura Teixeira Motta Satildeo Paulo

Companhia das Letras 2010 76

Importante esclarecer que o direito a paz na original classificaccedilatildeo de Karel Vazak foi incluiacuteda como direito de

terceira dimensatildeo contudo para Bonavides tal direito seria de quinta geraccedilatildeo pois consistia no objetivo a ser

buscado por todos os povos e que ainda natildeo foi alcanccedilado

53

Pela simples anaacutelise do rol de direitos que tal dimensatildeo abrange natildeo eacute muito difiacutecil

constatar que a definiccedilatildeo dos mesmos eacute tatildeo difusa quanto eles proacuteprios Melhor explicando

haacute uma dificuldade em se apontar claramente os contornos dogmaacuteticos que levam um direito a

ser enquadrado como de terceira dimensatildeo visto que a caracteriacutestica comum que une essa

gama de direitos tatildeo diversos eacute o fato de que todos eles aleacutem de natildeo terem titularidade

definiacuteveis destinam-se a realizar o terceiro pilar da Revoluccedilatildeo Francesa a fraternidade

Dessa criacutetica decorre uma certa falta de seguranccedila juriacutedica e ateacute mesmo de consenso

doutrinaacuterio sobre quais direitos estariam inseridos nessa categoria havendo tambeacutem quem

sinalize para a existecircncia de uma quarta geraccedilatildeo de direito e ateacute mesmo uma quinta Nesse

contexto para alguns a quarta geraccedilatildeo dos direitos fundamentais incluiria os direitos de

democracia informaccedilatildeo e pluralismo77

nascentes e aprimorados com a globalizaccedilatildeo poliacutetica

para outros incluiria os direitos contra os abusos da biotecnologia78

Quanto a esses direitos eacute

importante destacar os ensinamentos de Habermas79

que enxerga a democracia natildeo mais

como restrita a seu aspecto formal (vontade da maioria) mas em sua acepccedilatildeo material

Esclarecendo melhor o raciociacutenio eacute o de que o exerciacutecio dos direitos poliacuteticos

deveriam assegurar as liberdades de reuniatildeo de associaccedilatildeo e de expressatildeo do pensamento

para se alcanccedilar uma liberdade real de escolha e soacute assim serem assegurados os direitos

fundamentais baacutesicos A democracia passa assim a ser entendida materialmente ao passo em

que natildeo significaria apenas a vontade da maioria mas tambeacutem e principalmente a justa

fruiccedilatildeo de direitos baacutesicos por todos inclusive as minorias a partir do papel contra majoritaacuterio

efetuado pelo Poder Judiciaacuterio Desta forma no raciociacutenio exposto soacute se poderia falar em

democracia material em uma sociedade que proporcionasse a fruiccedilatildeo por todos de direitos

miacutenimos e a partir do desenvolvimento de tais direitos eacute que seria alcanccedilada uma efetiva

democracia

32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO DIREITO Agrave

SAUacuteDE

77

BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 572 78

Bonavides propotildee que os direitos contra os abusos da biotecnologia satildeo espeacutecies de novas aplicaccedilotildees dos

direitos de defesa SARLET Ingo Wolfgang Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre

Livraria do Advogado 2005 p 57 79

SOUZA NETO Claacuteudio Pereira de Teoria da Constituiccedilatildeo Democracia e Igualdade p 17 Disponiacutevel em

httpwwwmundojuridicoadvbrcgi-binuploadtexto1129(3)pdf Acessado em 01022013

54

Nessa parte do presente estudo seratildeo abordadas certas premissas consolidadas na

teoria dos direitos fundamentais cujo conhecimento faz-se relevante para se compreender a

problemaacutetica existente na concretizaccedilatildeo dos direitos sociais em especial do direito agrave sauacutede

Para tanto a seguir seratildeo abordados dentre outros aspectos referentes agrave exata noccedilatildeo das

dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais agrave dupla fundamentalidade (formal e

material) dos direitos sociais e a importacircncia da distinccedilatildeo entre princiacutepios e regras para o tema

da eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais

321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de

prestaccedilatildeo

Algumas das criacuteticas tecidas quando do exame das geraccedilotildees ou dimensotildees dos direitos

fundamentais seratildeo aqui retomadas e serviratildeo de base para a compreensatildeo da problemaacutetica

existente no atual cenaacuterio de crise na efetividade dos direitos sociais80

prestigiando-se o

afastamento de certas construccedilotildees doutrinaacuterias em prol da prevalecircncia de uma visatildeo mais

alinhada com os paradigmas do direito constitucional moderno

Nesse sentido importantes premissas devem ser postas primeiro a noccedilatildeo de

universalidade e interdependecircncia entre os direitos fundamentais conduz a insuficiecircncia da

tradicional distinccedilatildeo entre direitos positivos e negativos segundo eacute equivocada a afirmaccedilatildeo

de que somente direitos de segunda geraccedilatildeo importam em uma accedilatildeo do Estado que demanda

custos financeiros terceiro o criteacuterio funcional de classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais que

melhor se adeacutequa agrave nova ordem juriacutedica eacute o que divide os direitos em direitos de defesa e

direitos a prestaccedilotildees e finalmente a compreensatildeo de que todas as normas constitucionais ateacute

mesmo as ditas programaacuteticas81

satildeo aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de

integraccedilatildeo normativa

Esmiuccedilando cada um dos pontos acima alinhavados de iniacutecio tem-se que frente aos

pressupostos de universalidade indivisibilidade e interdependecircncia dos direitos fundamentais

eacute vulneraacutevel a classificaccedilatildeo entre direitos negativos e positivos visto que na praacutetica a

80

STRECK Lenio Luiz A crise da hermenecircutica e a hermenecircutica da crise a necessidade de uma nova criacutetica

do direito In SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo

Horizonte Del Rey 2003 p 108 81

Nesse sentido Artur Cortez Bonifaacutecio expotildee que ldquode fato ateacute mesmo as normas de caraacuteter institutivo ou de

natureza programaacutetica desprovidas de eficaacutecia positiva portam eficaacutecia negativa destinando as suas inferecircncias

para obstar o desenvolvimento de accedilotildees dos poderes constituiacutedos em contrariedade ao seu ambiente material

BONIFAacuteCIO Artur Cortez Normatividade e Concretizaccedilatildeo a Legalidade Constitucional In MOURA Lenice

S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo

Paulo Saraiva 2009 p 219

55

positividade ou negatividade natildeo reside no direito em si mas no dever consequentemente

imposto pelo direito correlato

Desta maneira torna-se imprecisa a pura correspondecircncia entre direitos de primeira

dimensatildeo como sendo negativos e de segunda dimensatildeo como sendo positivos visto que natildeo

soacute os direitos sociais econocircmicos e culturais demandam para serem assegurados uma intensa

atividade estatal mas tambeacutem os direitos civis e poliacuteticos pelo menos no que se refere agrave

proteccedilatildeo contra interferecircncia de terceiro bastando lembrar os encargos oriundos da atividade

de poliacutecia seguranccedila defesa justiccedila etc Noutro poacutertico os direitos de segunda dimensatildeo

tambeacutem possuem um vieacutes de natildeo interferecircncia tiacutepico dos direitos de primeira dimensatildeo pois

tanto o Estado quanto a comunidade devem respeitar a fruiccedilatildeo desses direitos pelos

respectivos titulares Ressalte-se ainda que existem direitos sociais de efeitos genuinamente

negativos constituindo as chamadas liberdades sociais (direito de greve e liberdade sindical)

Interligada a essa primeira premissa e reforccedilando a interdependecircncia entre os direitos

de primeira e segunda dimensatildeo estaacute a noccedilatildeo de que todos os direitos reivindicam custos ao

eraacuterio para serem efetivados independente de sua classificaccedilatildeo Assim se natildeo de forma direta

como ocorre com na disponibilizaccedilatildeo do Estado de parcela dos direitos de segunda dimensatildeo

pelo menos indiretamente a garantia da livre fruiccedilatildeo dos direitos civis e poliacuteticos exigem um

alto custo do aparelho estatal administrativo-judicial como satildeo os gastos com seguranccedila

puacuteblica e com as eleiccedilotildees por exemplo demonstrando-se impreciso e ingecircnuo82

portanto o

argumento de que certas naccedilotildees soacute poderiam assegurar os direitos de primeira e natildeo os de

segunda dimensatildeo

Avanccedilando aduz-se que a classificaccedilatildeo que melhor demonstra a natureza dos direitos

fundamentais no contexto do ordenamento paacutetrio eacute a que divide os direitos em de defesa e a

prestaccedilotildees O raciociacutenio eacute simples os direitos de defesa tutelam a esfera de liberdade dos

indiviacuteduos funcionando como limites ao poder estatal jaacute que satildeo outorgados direitos

subjetivos aos respectivos titulares para que esses possam atuar contra a ingerecircncia indevida

do Estado e dos demais particulares enquanto os direitos a prestaccedilotildees atrelam-se a ideia de

direito do cidadatildeo a uma accedilatildeo dos poderes puacuteblicos objetivando assim natildeo somente proteger

o acircmbito individual de liberdade e autonomia do indiviacuteduo frente ao Estado mas tambeacutem

assegurar a liberdade por intermeacutedio do Estado83

82

HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights why liberty depends on taxes New York

WW Norton 2000 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para

sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 35 83

Ressalta Mariana Filchtiner que tal classificaccedilatildeo se reporta agraves liccedilotildees de Alexy depois desenvolvidas por

Canotilho e adaptada ao ordenamento paacutetrio por Ingo Sarlet FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito

56

Eacute importante ressaltar que essa faceta prestacional natildeo engloba somente atos que

importem prestaccedilotildees faacuteticas84

(como eacute a disponibilizaccedilatildeo do serviccedilo de sauacutede puacuteblica) ao

indiviacuteduo mas abrange tambeacutem os atos que atribuem ao indiviacuteduo uma posiccedilatildeo relevante

para a defesa de outros direitos aproximando-se dos direito de participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e

no procedimento bem como atos de proteccedilatildeo perante outros cidadatildeos como por exemplo por

meio das normas penais

Fechando o raciociacutenio proposto relevante trazer agrave baila a visatildeo de que todas as normas

constitucionais incluiacutedas portanto as que dispotildeem sobre os direitos sociais satildeo

perfeitamente aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de integraccedilatildeo normativa

Isso ocorre porque pelo simples fato de existirem tais normas (i) revogam os atos

normativos contraacuterios ao seu comando independentemente de controle bem como serve de

paracircmetro para o controle dos atos posteriores que porventura com ela venham a colidir (ii)

vinculam o legislador agrave obrigaccedilatildeo de concretizar os fins previstos em seu texto sob pena de

flagrante omissatildeo inconstitucional (iii) funcionam como paracircmetro para interpretaccedilatildeo

integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e embora natildeo gerem direitos subjetivos

propriamente ditos (iv) datildeo origem a um direito subjetivo de cunho negativo de exigir que o

Estado se abstenha de atuar em sentido contraacuterio ao seu disposto

Desta maneira desmistificando certos posicionamentos jaacute ultrapassados pode-se

afirmar que todos os direitos fundamentais sejam de garantia ou prestacionais apresentam

um custo financeiro ao Estado e os enunciados normativos que os preveem satildeo aptos a

produzir certos efeitos juriacutedicos formando-se assim um sistema unitaacuterio e aberto dentro da

ordem constitucional paacutetria

322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla

fundamentalidade (formal e material)

A dimensatildeo subjetiva dos direitos fundamentais apresenta sua origem na concepccedilatildeo

claacutessica desenvolvida no periacuteodo das primeiras declaraccedilotildees de direitos no seacuteculo XVIII jaacute

vistas acima e comporta a noccedilatildeo de que os direitos fundamentais datildeo origem a uma seacuterie de

posiccedilotildees juriacutedicas diversas outorgando ao titular do direito pretensotildees de defesa proteccedilatildeo e

Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado

2007 p 40 84

Fala-se aqui em direito a prestaccedilatildeo em sentido estrito

57

prestaccedilatildeo quer perante o Estado ou a particulares85

se relacionando assim com o poder que o

titular de um direito possuir de exigir judicialmente a efetivaccedilatildeo do mesmo86

As primeiras fissuras dessa dimensatildeo subjetivista marcadamente de cunho

individualista surgiram com o Estado Social e se solidificaram ainda mais com o Estado

Democraacutetico de Direito a partir da noccedilatildeo bastante difundida por Rudold Smend de que a

funccedilatildeo primordial da Constituiccedilatildeo estaria em promover a integraccedilatildeo da comunidade o que soacute

seria possiacutevel pela tutela dos valores vividos e socialmente compartilhados O elemento

principal de uma Constituiccedilatildeo seria entatildeo os valores em que esta se apoia sendo a fonte

basilar desses valores exatamente os direitos fundamentais87

Desta forma a partir dessa concepccedilatildeo axioloacutegica difundiu-se a teoria da Constituiccedilatildeo

como funccedilatildeo integradora o que permitiu que os direitos fundamentais passassem a

desempenhar novos papeacuteis na ordem juriacutedica visto que natildeo seriam mais somente direitos de

cunho subjetivo mas sim autecircnticos proclamadores e tradutores do sistema de valores sobre

o qual repousaria a ordem vigente Surge a noccedilatildeo portanto de dimensatildeo objetiva dos direitos

fundamentais que veio a autorizar a extraccedilatildeo de deveres a serem impostos ao Estado e

particulares em decorrecircncia da simples irradiaccedilatildeo do conjunto dos direitos fundamentais e dos

valores por eles priorizados88

Haacute uma guinada na estrutura claacutessica da teoria dos direitos fundamentais89

os quais

passam de simples limitadores do poder estatal a acumular as funccedilotildees de fixadores de

diretivas basilares na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e vetores a serem respeitados nas

85

Importante destacar a contribuiccedilatildeo da teoria dos status de Georg Jellinek que calcada nos pressupostos de

subjetivismo e individualismo da eacutepoca assevera que os indiviacuteduos podem assumir quatro posiccedilotildees diferentes

perante o estado i passivo o indiviacuteduo estaria subordinado aos poderes estatais ii negativo ligada ao ideal de

liberdade jaacute que o indiviacuteduo teria sua esfera individual de liberdade imune agrave intervenccedilatildeo estatal iii positivo

seria a prerrogativa do Estado prestaccedilotildees positivas e iv ativo frente a possibilidade do indiviacuteduo participar

ativamente da formaccedilatildeo da vontade poliacutetica atraveacutes do voto por exemplo 86

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins apontam que a dimensatildeo subjetiva ldquotrata-se da dimensatildeo ou da funccedilatildeo

claacutessica uma vez que o seu conteuacutedo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir agrave intervenccedilatildeo estatal

em sua esfera de liberdade individual Essa dimensatildeo tem um correspondente filosoacutefico-teoacuterico que eacute a teoria

liberal dos direitos fundamentais a qual concebe os direitos fundamentais do indiviacuteduo de resistir agrave intervenccedilatildeo

estatal em seus direitos ()rdquo DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos

fundamentais 3deged Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 117 87

SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In

SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e direitos fundamentais Belo Horizonte Del

Rey 2003 p 270 88

FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e

efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 45 89

Nesse ponto Hesse destaca que os direitos fundamentais natildeo apenas constituem direitos subjetivos dos

indiviacuteduos mas tambeacutem princiacutepios objetivos baacutesicos para o ordenamento constitucional democraacutetico

abrangendo este duplo caraacuteter diferentes niacuteveis de significaccedilatildeo podendo atuar como legitimador criador e

fomentador do consenso apresentando-se assim relevante para processos democraacuteticos HESSE Conrado

Significado de los derechos fundamentales In Manual de Derecho Constitucional Madrid Marcial Pons

Ediciones Juriacutedicas y Sociales SA 1996 p 83-115

58

relaccedilotildees entre particulares norteando o Estado na consecuccedilatildeo dos seus fins Eacute do

reconhecimento dessa dimensatildeo objetiva90

que surgem portanto tanto a noccedilatildeo de eficaacutecia

horizontal dos direitos fundamentais os quais transcendem seu domiacutenio aleacutem da mera relaccedilatildeo

cidadatildeo e Estado atingindo a relaccedilatildeo direta entre os particulares como tambeacutem a importante

noccedilatildeo de garantias institucionais91

Este uacuteltimo efeito (a noccedilatildeo de garantias institucionais) corresponde a ideia de que o

acircmbito de proteccedilatildeo de um direito fundamental vai aleacutem da sua mera esfera subjetiva

alcanccedilando o complexo juriacutedico-normativo na sua essecircncia de modo a vincular o espaccedilo de

conformaccedilatildeo do legislador o qual deveraacute exercer sua funccedilatildeo norteado pelo dever de alargar o

espectro protetivo imediato do direito subjetivo em questatildeo visando agrave sua concretizaccedilatildeo por

meio de garantias institucionais92

Melhor esclarecendo as disposiccedilotildees legislativas a respeito do SUS que regulamentam

o art 196 da CF por exemplo atuam como verdadeiras garantias institucionais jaacute que

densificam o direito agrave sauacutede indo aleacutem do esboccedilo da proteccedilatildeo primitiva conferido na CF para

esse direito fundamental social Desta maneira frente agrave dimensatildeo objetiva do direito

fundamental agrave sauacutede natildeo poderia o legislador ao regulamentar a CF restringir o contorno

baacutesico que nela eacute dado a tal direito nem alterar a regulamentaccedilatildeo jaacute existente com o mesmo

propoacutesito (restriccedilatildeo do direito agrave sauacutede jaacute previsto na CF) sob pena de incorrer em

inconstitucionalidade

Feitas tais observaccedilotildees outro ponto de destaque eacute a noccedilatildeo de fundamentalidade formal

e material iacutensita aos direitos fundamentais A fundamentalidade formal liga-se ao direito

constitucional positivo desdobrando em um trifaacutesico raciociacutenio a) como parte integrante do

corpo constitucional os direitos fundamentais situam-se no aacutepice de todo o ordenamento

90

Podem ser identificados alguns desdobramento dessa dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais i os

direitos fundamentais apresentam objetivamente o caraacuteter de normas de competecircncia negativa no sentido de

que aquilo que estaacute sendo outorgado ao indiviacuteduo em termos de liberdade para accedilatildeo estaacute sendo objetivamente

retirado do Estado portanto independentemente do particular exigir em juiacutezo o respeito de seu direito ii os

direitos fundamentais funcionam como criteacuterio de interpretaccedilatildeo e configuraccedilatildeo do direito infraconstitucional a

partir de seu efeito de irradiaccedilatildeo iii os direitos fundamentais podem ser limitados por esta dimensatildeo objetiva

quando isso estiver no interesse de seus titulares ou seja a partir do raciociacutenio de que o titular estaria mais bem

protegido se natildeo exercesse o direito em certas circunstacircncias e iv haveria um dever estatal de tutela dos direitos

fundamentais no sentido de protegecirc-los ativamente contra ameaccedilas de violecircncia provenientes sobretudo de

particulares DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais 3deged Satildeo

Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 118-120 91

ANDRADE Joseacute Carlos Vieira de Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976 2 ed

Coimbra Almedina 2001 p 110 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede

paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 46 92

Haacute uma remodelagem da noccedilatildeo de conformaccedilatildeo legislativa visto que o legislador passa a ser encarado natildeo

mais como unicamente interessado em restringir os direitos fundamentais mas sim como um concretizador um

harmonizador do sistema a partir de sua atividade de otimizaccedilatildeo dos direitos em atenccedilatildeo agrave maacutexima efetividade

possiacutevel

59

juriacutedico constituindo-se pois em uma norma de superior hierarquia b) na qualidade de

normas fundamentais insculpidas na Constituiccedilatildeo escrita encontram-se submetidos aos

limites formais (procedimento mais dificultoso de modificaccedilatildeo) e materiais (as denominadas

ldquoclaacuteusulas peacutetreasrdquo) de reforma constitucional e c) com base no disposto no art 5deg paraacutegrafo

primeiro da CF as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais satildeo diretamente

aplicaacuteveis e vinculam diretamente o Estado e os particulares93

Quanto ao vieacutes material consoante se demonstraraacute melhor mais adiante este se refere

agrave relevacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional em si o que no caso do

direito fundamental social agrave sauacutede aqui trabalhado consiste em aspecto facilmente

identificaacutevel frente a evidente importacircncia da sauacutede como pressuposto agrave manutenccedilatildeo da vida

digna94

323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios

A partir dos estudos desenvolvidos por Ronald Dworkin e na sequecircncia por Robert

Alexy95

desenvolveu-se a chamada Teoria dos Princiacutepios a qual foi difundida no Brasil ao

final da deacutecada de oitenta e ao longo dos anos noventa do seacuteculo passado Essa Teoria eacute fruto

do pensamento juriacutedico contemporacircneo que reconhecendo o sistema juriacutedico como um

sistema aberto a partir de uma rede axioloacutegica e hierarquizada de normas prima pela

atribuiccedilatildeo de normatividade aos princiacutepios e reconhece uma distinccedilatildeo de grau e qualidade

entre regras e princiacutepios

A compreensatildeo de que os princiacutepios natildeo seriam mais meras linhas gerais de conduta

destituiacutedas de eficaacutecia mas sim autecircnticas espeacutecies do gecircnero ldquonormas juriacutedicasrdquo partiu da

constataccedilatildeo feita por Dworkin de que assim como as regras os princiacutepios tambeacutem possuiriam

um caraacuteter deontoloacutegico jaacute que a soluccedilatildeo dos chamados hard cases na maioria dos casos

somente seria alcanccedilada por meio da ponderaccedilatildeo96

de princiacutepios no caso concreto denotando

93

SARLET Ingo Wolfgang A Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 pp 78 e ss 94

SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave

sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 95

Sobre a noccedilatildeo de princiacutepios de ambos autores conferir DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional

no Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 70 96

Sobre a relaccedilatildeo entre ponderaccedilatildeo e o princiacutepio da proporcionalidade Daniel Sarmento aponta que ldquona

ponderaccedilatildeo de bens assume importacircncia iacutempar o princiacutepio da proporcionalidade sob a eacutegide do qual devem ser

efetivadas todas as restriccedilotildees reciacuteprocas entre os princiacutepios constitucionais () Conforme a doutrina mais

autorizada o princiacutepio da proporcionalidade eacute passiacutevel de divisatildeo em trecircs subprinciacutepios (a) da adequaccedilatildeo que

exige que as medidas adotadas tenham aptidatildeo para conduzir aos resultados almejados pelo legislador (b) da

necessidade que impotildee ao legislador que entre vaacuterios meios aptos ao atingimento de determinados fins opte

60

portanto o caraacuteter normativo dos mesmos97

Desta maneira admitida tal normatividade

passou-se a ser relevante a delimitaccedilatildeo dos traccedilos distintivos entre regras e princiacutepios

Nesse contexto tal distinccedilatildeo tem como ponto de partida a anaacutelise do modo de

aplicaccedilatildeo dos enunciados normativos Condensando as ideias dos doutrinadores acima

citados pode-se afirmar que os enunciados normativos podem se apresentar como regras ou

princiacutepios98

Os com caraacuteter de regras satildeo aplicados conforme a chamada maacutexima do ldquotudo ou

nadardquo mediante subsunccedilatildeo funcionando como ldquomandados ou comandos definitivos ou de

definiccedilatildeordquo jaacute que funcionam de maneira objetiva sem abertura de margem para valoraccedilatildeo por

parte do inteacuterprete ao qual caberaacute apenas aplicar a regra em ocorrendo sua hipoacutetese de

incidecircncia ou natildeo em caso negativo concluindo-se desta maneira que uma regra somente

deixaraacute de ser aplicada quando outra regra a excepcionar ou for invaacutelida99

Por outro lado os enunciado normativos que emanam princiacutepios abrigam um valor

um fim a ser atingido e em uma ordem juriacutedica pluralista como a vigente haacute a possibilidade

de eventuais colisotildees Desta maneira como de iguais hierarquia impossiacutevel a aplicaccedilatildeo na

modalidade ldquotudo ou nadardquo devendo vigorar a ideia de ldquomais ou menosrdquo a partir do emprego

da teacutecnica do sopesamento ou ponderaccedilatildeo a qual avalia a dimensatildeo de peso de cada princiacutepio

na situaccedilatildeo concreta especiacutefica optando pela proeminecircncia de um mas sem eliminar

completamente o outro princiacutepio Nesse panorama os dispositivos que emanam princiacutepios

funcionam como ldquomandados de otimizaccedilatildeordquo visto que devem ser realizados na maior

intensidade possiacutevel Daiacute dizer que os direitos neles fundados satildeo direitos100

prima facie jaacute

que poderatildeo ser exercidos em princiacutepio e na medida do possiacutevel

sempre pelo menos gravoso (c) da proporcionalidade em sentido estrito que preconiza a ponderaccedilatildeo entre os

efeitos positivos da norma e os ocircnus que ela acarreta aos seus destinataacuterios SARMENTO Daniel Os Princiacutepios

Constitucionais e a Ponderaccedilatildeo de Bens In TORRES Ricardo Lobo Teoria dos Direitos Fundamentais 2deg

Ed Rio de Janeiro Renovar 2001 p 57-58 97

Nessa linha citando Alexy Mariana Filchtiner assevera que tanto princiacutepios como regras dizem o que deve

ser podendo ser formulados a partir da ajuda das expressotildees deocircnticas baacutesicas do mandado da permissatildeo e da

proibiccedilatildeo configurando razotildees para juiacutezos concretos de dever ser ALEXY Robert Teoria de los derechos

fundamentales Traducioacuten Ernesto Garzoacuten Valdeacutes Madrid Centro de Estuacutedios Constitucionales 1997 p83

apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e

efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 107 98

Assevera Robert Alexy que ldquotanto regras quanto princiacutepios satildeo normas por que ambos dizem o que deve ser

Ambos podem ser formulados por meio das expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo e da proibiccedilatildeo

Princiacutepios satildeo tanto quanto as regras razotildees para juiacutezos concretos de dever-ser ainda que de espeacutecie muito

diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas

ALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo

Malheiros 2011 p 87 99 BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento

gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15

Uberaba-MG 2008 p 13- 38 100

SILVA Virgiacutelio Afonso da O conteuacutedo essencial dos direitos fundamentais e a eficaacutecia das normas

constitucionais In Revista de Direito do Estado 4 p 23-51 2006 p 27

61

Saindo um pouco do paracircmetro do modo de aplicaccedilatildeo da norma outros traccedilos

distintivos entre regras e princiacutepios podem ser apontados a) os princiacutepios tecircm um grau de

abstraccedilatildeo mais elevado que as regras b) os princiacutepios apresentam um grau de

determinabilidade menor101

que as regras visto que necessitam de mediaccedilotildees concretizadoras

e as regras satildeo aplicaacuteveis diretamente c) somente os princiacutepios possuem um caraacuteter

estruturante na sistemaacutetica das fontes do direito d) os princiacutepios funcionam como

fundamentos das regras juriacutedicas frente a sua natureza normogeneacutetica e) ao passo que as

regras congregam conteuacutedo meramente funcional os princiacutepios se aproximam mais da ideia

de direito ao se estruturarem como standards vinculantes e radicados nas exigecircncias de

justiccedila e f) para o conflito entre regras a hermenecircutica conta com os conhecidos cacircnones da

anterioridade especialidade e hierarquia enquanto aos princiacutepios eacute permitida a colisatildeo que se

resolve pela preponderacircncia de um sobre outro agrave cada caso102

Ultrapassados os toacutepicos anteriores faz-se necessaacuterio fechar o raciociacutenio desenvolvido

sob agrave oacutetica especiacutefica das diferentes facetas que o direito agrave sauacutede pode assumir para soacute entatildeo

analisar a problemaacutetica concernente a eficaacutecia do cunho prestacional dos direitos sociais e

suas implicaccedilotildees no que refere-se ao direito agrave sauacutede

324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio

A partir das bases construiacutedas nos toacutepicos anteriores pode-se afirmar que o direito agrave

sauacutede por consistir em um direito fundamental social apresenta uma dimensatildeo objetiva e

subjetiva bem como uma dupla fundamentalidade (formal e material) enquadrando-se

predominantemente103

na categoria de direito agrave prestaccedilatildeo

A descriccedilatildeo dessas caracteriacutesticas jaacute foi trabalhada acima fazendo-se necessaacuterio

contudo um maior detalhamento com relaccedilatildeo a fundamentalidade material do direito agrave sauacutede

antes de adentrar em alguns aspectos especiacuteficos do direito agrave sauacutede

Pois bem foi dito que o sentido material da fundamentalidade dos direitos

fundamentais liga-se agrave importacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional e nesse

contexto o direito agrave sauacutede pela sua niacutetida interdependecircncia e muacutetua conformaccedilatildeo com o

101

O traccedilo da indeterminabilidade dos princiacutepios eacute uma das grandes marcas distintivas dos mesmos frente agraves

regras na visatildeo de Manuel Atienza e Ruiz Manero DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional no

Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 77 102

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra

Almedina 2003 p 1160 103

Conforme seraacute analisado mais a frente o direito agrave sauacutede abarca diferentes posiccedilotildees juriacutedico-subjetivas quanto

ao particular e tambeacutem pode ser encarado como um dever fundamental

62

direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana apresenta relevacircncia iacutempar no ordenamento

constitucional brasileiro visto que funciona como autecircntico pressuposto agrave fruiccedilatildeo dos demais

direitos

A calhar portanto o seguinte questionamento como falar em vida humana digna se

em diversas situaccedilotildees a ausecircncia de sauacutede acarreta inevitavelmente a morte do indiviacuteduo

Nesse sentido natildeo foi agrave toa que a Constituiccedilatildeo paacutetria cuidou de dar um tratamento especial104

ao direito agrave sauacutede chegando ao ponto de delimitar sob um vieacutes orccedilamentaacuterio que devem ser

disponibilizados e respeitados pelos entes estatais na realizaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos

de sauacutede certos valores miacutenimos sob pena de severas restriccedilotildees ao ente recalcitrante podendo

ensejar ateacute mesmo a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e desses em seus Municiacutepios105

Feito esse reforccedilo eacute importante destacar alguns aspectos referentes ao conteuacutedo do

direito agrave sauacutede em si passando pela anaacutelise de seus titulares e destinataacuterios bem como as

diferentes facetas que esse pode assumir tanto sob o prisma de direito subjetivo como dever

fundamental

Jaacute foi visto no capiacutetulo 2 do presente trabalho que a CF de 1988 alinhou-se agrave

concepccedilatildeo mais abrangente do direito agrave sauacutede (propostas pela OMS) abarcando em seu

conteuacutedo tanto seu caraacuteter eminentemente curativo quanto as dimensotildees preventiva e

promocional106

Noutro poacutertico defende-se que o nuacutecleo central do conceito de sauacutede reside na exata

noccedilatildeo de qualidade de vida que para aleacutem de uma percepccedilatildeo holiacutestica congloba conteuacutedos

proacuteprios agraves teorias poliacutetica e juriacutedica contemporacircneas de modo a vislumbrar a sauacutede como um

verdadeiro direito de cidadania que projeta a pretensatildeo difusa de natildeo apenas curar e evitar

doenccedilas mas de ter uma vida saudaacutevel Isto expressa um anseio de toda a sociedade como

direito a um conjunto de benefiacutecios que fazem parte da vida urbana107

o que em uacuteltima

anaacutelise alinha-se agrave ideia jaacute exposta de ldquointersetorialidaderdquo do direito agrave sauacutede e sua

interdependecircncia com diversos direitos como a vida a moradia a alimentaccedilatildeo e o trabalho

104

De se reiterar que conforme explicita a CF os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede satildeo de relevacircncia puacuteblica fato que

acentua natildeo soacute o caraacuteter indisponiacutevel do direito agrave sauacutede com a possibilidade de sua tutela ser realizada em

termos de direito subjetivo na via individual e coletiva como tambeacutem seu vieacutes objetivo na condiccedilatildeo de

garantia institucional consubstanciado em si mesmo no SUS 105

Tal reforccedilo de fundamentalidade tambeacutem eacute feito com o direito agrave educaccedilatildeo ao passo que tambeacutem deve ser

observado pelos entes estatais um miacutenimo a ser aplicado na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino 106

Nesse sentido facilmente perceptiacutevel que quando a CF em seu artigo 196 usou o termo ldquorecuperaccedilatildeordquo estava

tratando da sauacutede curativa quando utilizou os termos ldquoreduccedilatildeo do risco de doenccedilardquo e ldquoproteccedilatildeordquo reportou-se agrave

sauacutede preventiva e finalmente ao mencionar ldquopromoccedilatildeordquo e ldquomais alto niacutevel possiacutevel de sauacutederdquo atrelou-se agrave

dimensatildeo promocional do direito agrave sauacutede e o dever de progressividade na sua efetivaccedilatildeo 107

MORAIS Joseacute Luis Bolzan de O direito da sauacutede In SCHWARTZ Germano (Org) A sauacutede sob os

cuidados do direito Passo Fundo UPF 2003b p 23

63

Quanto agrave titularidade do direito fundamental agrave sauacutede depreende-se frente ao seu

caraacuteter universal delineado tanto na CF quanto na legislaccedilatildeo que trata do SUS que o mesmo eacute

reconhecido a todos pelo simples fato de serem pessoas afastando-se ultrapassadas teses que

o restringia aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiacutes prevalecendo nas poliacuteticas

puacuteblicas do paiacutes assim o caraacuteter inclusivo de tal direito Noutro poacutertico relevante destacar

que a caracterizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede como direito coletivo ou em certas hipoacuteteses difuso

natildeo afasta a titularidade individual do mesmo em um contexto em que apesar de mais

beneacutefica a priorizaccedilatildeo de sua tutela processual pela via coletiva natildeo pode ser abandonada a

condiccedilatildeo da sauacutede como direito individual interligado agrave vida integridade fiacutesica e dignidade de

cada um108

Delimitado o conteuacutedo do direito agrave sauacutede pelo menos de maneira geneacuterica109

e a

abrangecircncia de seus titulares e destinataacuterios faz-se relevante analisar as diferentes facetas que

este pode assumir no ordenamento paacutetrio Nessa questatildeo o ponto de partida estaacute no iniacutecio do

caput do art 196 da CF o qual afirma que ldquoa sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado ()rdquo

revelando que a tutela da sauacutede efetiva-se tambeacutem como dever fundamental por tratar-se de

tiacutepica hipoacutetese de direito-dever

Nesse contexto resta evidenciado que aleacutem de apresentar diferentes dimensotildees

juriacutedico-subjetivas a sauacutede tambeacutem eacute encarada antes de tudo como dever110

natildeo somente

cogente no campo das relaccedilotildees individuais (dever geral de respeitar a sauacutede dos demais e ateacute

mesmo a proacutepria) mas tambeacutem e principalmente no acircmbito das relaccedilotildees para com o Estado

dando origem a uma seacuterie de deveres de cunho poliacutetico (como o dever de implementar as

poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea de sauacutede e alocar recursos orccedilamentaacuterios conforme os patamares

miacutenimos estabelecidos na CF) bem como de cunho econocircmico social cultural e ambiental

como a intervenccedilatildeo do Estado na esfera dos planos de sauacutede privados a implementaccedilatildeo de

programas sociais de sauacutede e o controle da poluiccedilatildeo111

108

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 10 109

A tentativa de esmiuccedilar quais prestaccedilotildees miacutenimas abrangeriam o direito agrave sauacutede (o que vai aleacutem da simples

constataccedilatildeo de que o mesmo abarca as dimensotildees preventiva curativa e promocional) seraacute objeto de anaacutelise mais

a frente no capiacutetulo que trata da tentativa de construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave

sauacutede 110

Natildeo eacute demais relembrar que norteado pelo princiacutepio da solidariedade a Lei do SUS reforccedila que o dever

fundamental de proteccedilatildeo da sauacutede pelo Estado natildeo exclui o das pessoas da famiacutelia das empresas e da sociedade

podendo-se falar em uma responsabilidade compartilhada cujos efeitos se protejam no presente e sobre as

geraccedilotildees futuras 111

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 06

64

Ponto de suma relevacircncia para a compreensatildeo da problemaacutetica da efetividade do

direito agrave sauacutede eacute a compreensatildeo das diferentes dimensotildees juriacutedico-subjetivas que tal direito

pode assumir Nesse sentido e retomando a classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em

direitos de defesa e prestaccedilatildeo tem-se que o direito agrave sauacutede apresenta ao mesmo tempo traccedilos

de ambas dimensotildees ora ganhando funcionalidade de tiacutepico direito de defesa ora de direito

prestacional seja sob o prisma de direitos a organizaccedilatildeo e procedimento ou a prestaccedilotildees

materiais

A faceta defensiva liga-se ao dever de proteccedilatildeo e respeito agrave sauacutede de algueacutem em um

sentido eminentemente negativo de natildeo agressatildeo e sim preservaccedilatildeo que se revela por

exemplo pela construccedilatildeo normativa penal de proteccedilatildeo agrave vida agrave integridade fiacutesica ao meio

ambiente e agrave sauacutede puacuteblica bem como pelas diversas disposiccedilotildees sobre vigilacircncia e controle

sanitaacuterio marcadamente de cunho administrativo

No vieacutes prestacional por sua vez haacute tanto um dever lato sensu de se garantir a

organizaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos procedimentos o qual eacute concretizado por exemplo pela

elaboraccedilatildeo de normas e poliacuteticas puacuteblicas de organizaccedilatildeo do SUS com suas disposiccedilotildees

atinentes agrave participaccedilatildeo da sociedade nas tomadas de decisotildees como tambeacutem um dever de o

Estado executar medidas reais e concretas no sentido de fomentar a sauacutede da populaccedilatildeo por

meio de especiacuteficas prestaccedilotildees materiais (direito agrave prestaccedilatildeo em sentido estrito)

Merece destaque aqui a analogia entre as dimensotildees mencionadas e as obrigaccedilotildees

delas derivadas no sentido de o direito agrave sauacutede compreender as obrigaccedilotildees de respeitar

proteger e implementar Desta maneira na obrigaccedilatildeo de respeitar o Estado teria por dever o

de natildeo intervir na vida do indiviacuteduo de nenhum modo a reduzir sua sauacutede aproximando-se do

aspecto defensivo na obrigaccedilatildeo de proteger caberia ao Estado o dever de resguardar a sauacutede

do indiviacuteduo contra violaccedilotildees de terceiros por meio da estruturaccedilatildeo de procedimentos de

proteccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo da legislaccedilatildeo pertinente ligando-se agrave prestaccedilatildeo em sentido amplo

e finalmente na obrigaccedilatildeo de implementar o Estado estaria incumbido de fornecer

diretamente bens e serviccedilos para suprir as necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo na aacuterea de

sauacutede consubstanciando o aspecto estrito da dimensatildeo prestacional112

112

MILANEZ Daniela O direito agrave sauacutede uma anaacutelise comparativa da intervenccedilatildeo judicial Revista de Direito

Administrativo Rio de Janeiro v 237 p 197-221 julset 2004 p 198 apud Mariana Filchtiner Direito

Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado

2007 p 89

65

Feitas tais observaccedilotildees conforme aduz Sarlet113

constata-se que no quadro

predominante na doutrina e na jurisprudecircncia nacionais natildeo se vislumbra maiores problemas

quanto ao reconhecimento da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede como direito de defesa

nem quanto a sua dimensatildeo de dever de proteccedilatildeo (essa uacuteltima abrangendo tanto a cominaccedilatildeo

de um dever geral de respeito agrave sauacutede por parte do Estado e particulares quanto a imposiccedilatildeo

de um dever de aplicaccedilatildeo minimamente razoaacutevel dos recursos orccedilamentaacuterios com base na

prescriccedilatildeo constitucional) enquanto que com relaccedilatildeo a efetivaccedilatildeo da dimensatildeo prestacional

lato sensu do direito agrave sauacutede haveria certa discussatildeo sobre a inexistecircncia ou insuficiecircncia de

medidas concretizadoras do direito agrave sauacutede (debate iacutensito ao campo do controle das omissotildees

constitucionais)

O grande problema contudo estaria no vieacutes prestacional em sentido estrito jaacute que natildeo

haacute de maneira segura no ordenamento paacutetrio uma definiccedilatildeo precisa do exato conteuacutedo das

prestaccedilotildees materiais que os particulares teriam direito tendo em vista as referecircncias constantes

na CF (cura prevenccedilatildeo promoccedilatildeo) e ateacute certo ponto no campo infralegal (integralidade do

atendimento) satildeo por demais geneacutericas

Desta forma consoante se veraacute no capiacutetulo quinto do presente estudo as dificuldades

em se delimitar quais prestaccedilotildees materiais estariam abrangidas pelo direito agrave sauacutede no

ordenamento paacutetrio acarretam em uma busca desenfreada por soluccedilotildees judiciais o que frente

agraves dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito gera inevitavelmente tensotildees e

efeitos colaterais dos mais variados trazendo-se agrave pauta discussotildees sobre legitimidade

democraacutetica do Poder Judiciaacuterio Separaccedilatildeo dos Poderes e Igualdade

Tal fato termina por acentuar a importacircncia de uma concretizaccedilatildeo da dimensatildeo

organizatoacuteria e procedimental (aspecto prestacional lato sensu) do direito agrave sauacutede buscando-se

soluccedilotildees para as dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito de modo a que pelo

menos as ldquodicasrdquo acerca de quais prestaccedilotildees materiais minimamente todo e qualquer

indiviacuteduo poderia exigir do Estado como legiacutetimo direito seu na temaacutetica da sauacutede sejam

seguramente reveladas

Eacute nesse contexto que podem ser enxergadas trecircs fases distintas na mateacuteria da

efetivaccedilatildeo dos direitos sociais e especialmente do direito agrave sauacutede (i) se primeiro falou-se em

ausecircncia de normatividade com as mudanccedilas encampadas no direito constitucional

contemporacircneo sobretudo a partir da propagaccedilatildeo dos ideais de maacutexima efetividade o

113

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 20

66

panorama modificou-se para um quadro de judicializaccedilatildeo excessiva (ii) atingindo-se

hodiernamente a fase de busca por paracircmetros e criteacuterios que sejam aptos a guiar os trecircs

poderes (com maior relevo para o Judiciaacuterio) no processo de concretizaccedilatildeo desses direitos

(iii) e nessa etapa ganha forccedila a delimitaccedilatildeo de um miacutenimo existencial na aacuterea de sauacutede

67

4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

Jaacute restou esclarecido que o direito agrave sauacutede consiste primordialmente em um direito

fundamental social que poderaacute assumir diferentes facetas quando posto frente ao Estado agraves

vezes posicionando-se como direito de defesa em outros momentos como direito a prestaccedilatildeo

residindo nessa uacuteltima hipoacutetese a grande celeuma quanto agrave sua efetividade especialmente no

que se refere agrave busca por prestaccedilotildees materiais em sauacutede puacuteblica

Mas o que vem a ser efetividade A resposta para tal questionamento estaacute inserida no

contexto do constitucionalismo contemporacircneo e o consequente reconhecimento da forccedila

normativa agraves normas constitucionais a qual fez nascer no Brasil o movimento juriacutedico-

acadecircmico da doutrina brasileira da efetividade O maior objetivo desta doutrina foi o de

superar o quadro de insinceridade normativa que insistia em natildeo dar cumprimento agrave

Constituiccedilatildeo mediante a elaboraccedilatildeo de categorias dogmaacuteticas da normatividade

constitucional no intuito de tornar as normas constitucionais aplicaacuteveis direta e

imediatamente respeitando a maacutexima extensatildeo de sua densidade normativa114

A essecircncia da ideia de efetividade portanto reside no raciociacutenio de que se tal norma

encontra-se inserida na Constituiccedilatildeo estaacute por algum motivo e por isso deve ter seu comando

cumprido Desta maneira o atributo da imperatividade ao respaldar a noccedilatildeo de que natildeo eacute

tiacutepico de uma norma juriacutedica simplesmente sugerir ou recomendar algo alinha-se agrave defesa

pela maacutexima efetividade das normas constitucionais marcante no cenaacuterio neoconstitucional

vigente

A ideia de maacutexima efetividade contribuiu por sua vez para derrubar no cenaacuterio paacutetrio

certos pensamentos arcaicos ainda atrelados ao contexto positivista Nessa toada no plano

juriacutedico alcanccedilou-se a defesa por uma normatividade plena da Constituiccedilatildeo que passou a ter

aplicabilidade direta e imediata tornando-se autecircntica fonte direta de direitos e obrigaccedilotildees o

que terminou por contribuir para o desenvolvimento da eficaacutecia horizontal dos direitos

fundamentais bem como para a eliminaccedilatildeo da noccedilatildeo de normas programaacuteticas como meros

conselhos ou recomendaccedilotildees a serem seguidas conforme os limites estatais

Ainda no plano dogmaacutetico a maacutexima efetividade colaborou para ao reconhecimento

de maior autonomia ao direito constitucional por melhor esclarecer e reforccedilar seu objeto

proacuteprio afastando-se do vieacutes puramente poliacutetico ou socioloacutegico que enfraquecia as bases de

114

BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento

gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15

Uberaba-MG 2008 p5

68

tal direito E finalmente no plano institucional a doutrina em anaacutelise cooperou para a

ascensatildeo do Judiciaacuterio no paiacutes que terminou ganhando um papel de maior destaque na

concretizaccedilatildeo dos direitos constitucionais ponto que seraacute melhor abordado no capiacutetulo

seguinte do presente estudo

Por tais motivos que Barroso115

destaca a efetividade como o mecanismo que

viabilizou a passagem do velho para o novo direito constitucional e que contribuiu para que a

Constituiccedilatildeo deixasse de ser vista como uma miragem com as honras de uma falsa

supremacia natildeo tradutora de proveito para a cidadania

Feitas tais observaccedilotildees antes de avanccedilar na problemaacutetica faz-se necessaacuterio tambeacutem

alguns esclarecimentos sobre a noccedilatildeo de eficaacutecia juriacutedica dos enunciados normativos

constitucionais e a identificaccedilatildeo das modalidades de eficaacutecia que seratildeo mais pertinentes na

temaacutetica da concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Nesse ponto tem-se que eficaacutecia juriacutedica pode ser considerado um atributo pertinente

aos enunciados normativos consistindo naquilo que se pode exigir (judicialmente caso

necessaacuterio) com fundamento em cada um desses proacuteprios enunciados o que conforme se

veraacute dependendo da situaccedilatildeo em questatildeo natildeo seraacute tarefa faacutecil

Infere-se da noccedilatildeo acima exposta que o exame do grau de eficaacutecia de determinada

norma pressupotildee portanto um trabalho hermenecircutico de identificaccedilatildeo do exato efeito e

alcance que o comando normativo pretende produzir e quais condutas satildeo imperiosas para

tornar real determinado enunciado normativo ou seja quais comportamentos acarretaratildeo

efeitos praacuteticos no mundo dos fatos

Pois bem quanto agraves possiacuteveis modalidades de eficaacutecia juriacutedica o presente trabalho se

filia agraves liccedilotildees de Ana Paula Barcellos que identifica em ordem decrescente de consistecircncia

(ou seja de aptidatildeo a produzir o efeito pretendido pelo dispositivo no acircmbito da realidade) as

seguintes modalidades i simeacutetrica ou positiva ii nulidade iii ineficaacutecia iv anulabilidade

v negativa vi vedativa do retrocesso vi Penalidade vii interpretativa e viii outras116

Na temaacutetica da eficaacutecia do direito agrave sauacutede merece especial atenccedilatildeo as modalidades

simeacutetrica ou positiva negativa vedativa do retrocesso e interpretativa A modalidade

simeacutetrica eacute a mais apta a produzir o efeito original desejado pelo enunciado normativo visto

que utiliza a forma baacutesica em mateacuteria de eficaacutecia juriacutedica calcada no conferimento de um

115

BARROSO Luiacutes Roberto A doutrina brasileira da efetividade In Temas de direito constitucional Rio de

Janeiro Renovar 2005 v 3 p 76 116

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 77

69

direito subjetivo para aquele que seria beneficiado pela realizaccedilatildeo dos efeitos da norma e natildeo

o foi respaldando a exigecircncia judicial pelo mesmo dos referidos efeitos117

Por sua vez as modalidades negativa vedativa do retrocesso e interpretativa

consistem em mecanismos desenvolvidos pela doutrina para garantir uma maior capacidade

normativa para os princiacutepios Nesse passo a negativa refere-se agrave possibilidade de declaraccedilatildeo

da invalidade de normas ou atos que contrariem os efeitos pretendidos por determinado

enunciado normativo o que respaldaria por exemplo que determinada lei viesse a ser

declarada inconstitucional caso suas disposiccedilotildees se apresentassem conflitantes com o acesso

universal agrave sauacutede genericamente citado no art 196 da CF118

De maneira sucinta a modalidade vedativa do retrocesso pressupotildee a ideia de que os

direitos fundamentais devem ser regulamentados infra constitucionalmente sempre se

buscando sua ampliaccedilatildeo progressiva e nesse contexto caso haja uma regulamentaccedilatildeo que

proporcione a aplicaccedilatildeo direta da constituiccedilatildeo no mundo dos fatos uma posterior revogaccedilatildeo

dessa regulamentaccedilatildeo seria considerado um verdadeiro passo pra traacutes significando um

retrocesso do legislador infraconstitucional que colidiria com a proacutepria norma

constitucional119

Jaacute a modalidade interpretativa abrange a possibilidade de se exigir do Judiciaacuterio que os

comandos infraconstitucionais sejam interpretados de acordo com os de hierarquia superior a

que estatildeo vinculados no intuito de verificar qual forma de interpretaccedilatildeo dentre as possiacuteveis

melhor realiza a norma de maior hierarquia120

Depreende-se portanto que a eficaacutecia positiva deveraacute ser a modalidade associada em

regra aos enunciados normativos em geral salvo quando haja razotildees consistentes em

contraacuterio Nesse ponto quando diante de normas que exprimam uma essecircncia principioloacutegica

seratildeo relevantes sobretudo as modalidades negativa vedativa de retrocesso e interpretativa

visto que representam um siacutembolo do consideraacutevel avanccedilo no esforccedilo pela construccedilatildeo da

normatividade dos princiacutepios constitucionais

Feitas tais observaccedilotildees que seratildeo relevantes quando for estudada a intervenccedilatildeo

judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute imperioso deixar claro que os conceitos acima

tratados natildeo se confundem Enquanto a eficaacutecia juriacutedica diz respeito agravequilo que se pode exigir

judicialmente com fundamento na norma ligando-se agrave noccedilatildeo de exigibilidade a efetividade

117

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 78 118

Idem p84 119

Idem p 88 120

Idem p 97

70

pode ser encarada como a eficaacutecia social da norma jaacute que significa a realizaccedilatildeo ou

materializaccedilatildeo no mundo dos fatos dos preceitos legais simbolizando o niacutevel de

aproximaccedilatildeo entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social121

Assentadas as noccedilotildees de eficaacutecia e efetividade faz-se necessaacuterio deixar esclarecidos

alguns aspectos acerca da eficaacutecia e aplicabilidade dos direitos fundamentais especialmente

os sociais

41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Jaacute foi detalhado no presente estudo que a melhor classificaccedilatildeo para os direitos

fundamentais eacute a que divide os mesmos em direitos de defesa e direitos a prestaccedilatildeo vigorando

o entendimento calcado nos ideais de maacutexima efetividade da Constituiccedilatildeo de que toda e

qualquer norma constitucional eacute dotada de certo grau de eficaacutecia juriacutedica e aplicabilidade

concluindo-se nesse passo que em que pese natildeo haver dispositivo constitucional

completamente destituiacutedo de eficaacutecia eacute certo que haacute uma diferente gradaccedilatildeo na carga

eficacial de cada norma a depender da funccedilatildeo que a mesma cumpra no sistema constitucional

e da forma que foram positivadas

Nesse contexto baseando-se na Teoria dos Princiacutepios (jaacute tambeacutem antes detalhada) de

que a Constituiccedilatildeo consiste em um sistema aberto de regras e princiacutepios (como espeacutecies de

norma) pode-se afirmar que haacute na Constituiccedilatildeo um autecircntico complexo heterogecircneo de

normas e dentre elas normas definidoras de direitos fundamentais umas com maior

densidade normativa e maior carga de eficaacutecia outros com menos completude normativa

configurando planos de eficaacutecia imediata mais limitados

Dito isto faz-se primordial para a compreensatildeo do raciociacutenio que aqui estaacute sendo

desenvolvido a exata noccedilatildeo do sentido e alcance da norma contida no sect 1deg do artigo 5deg da

CF de 1988 o qual afirma que ldquoas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tecircm

aplicaccedilatildeo imediatardquo 122

Quanto a essa questatildeo antes de tudo deve ser afastada a ideia de que

tal dispositivo teria sua aplicaccedilatildeo adstrita apenas ao rol de direitos do artigo quinto

defendendo-se a partir de uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que o mesmo abrange

indistintamente todos os direitos fundamentais constantes na CF de 1988 abarcando os

121

BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro

Renovar 2006 p 23

71

direitos poliacuteticos de nacionalidade sociais bem como os individuais espalhados pelo seu

texto

Assentada tal premissa que se coaduna com o caraacuteter materialmente aberto do texto

constitucional brasileiro pode ser defendido que a melhor exegese do dispositivo em anaacutelise eacute

a que o entende como uma norma de cunho principioloacutegico configurando-se desta feita

como um mandado de maximizaccedilatildeo visto que estabelece para os oacutergatildeos estatais o dever de

reconhecerem e implementarem maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais sendo

certo que o grau de aplicabilidade e eficaacutecia (ou seja seu alcance) dependeraacute do exame da

hipoacutetese em concreto ou seja da norma de direito fundamental em pauta123

Daiacute falar-se em presunccedilatildeo em favor da aplicabilidade imediata e eficaacutecia plena das

normas de direitos fundamentais o que outorga agraves mesmas efeitos reforccedilados relativamente agraves

demais normas constitucionais ao passo que tal presunccedilatildeo decorre da jaacute estudada

fundamentalidade formal dos direitos fundamentais no acircmbito da Constituiccedilatildeo Isto induz agrave

premissa de que os direitos e princiacutepios fundamentais norteados pela pedra angular do

ordenamento a dignidade da pessoa humana regem a proacutepria ordem constitucional

Resumindo a construccedilatildeo do entendimento do exposto jaacute foi visto que

i toda norma constitucional possui um miacutenimo de eficaacutecia

ii o sect 1deg do artigo 5degda CF de 1988 aplica-se a todos os direitos fundamentais e

possui natureza marcadamente principioloacutegica significando que cabe ao Estado

reconhecer maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais

iii a depender da norma em pauta haveraacute um escalonamento da carga eficacial de

cada direito em anaacutelise

Aplicando esse raciociacutenio agrave classificaccedilatildeo de direitos fundamentais de defesa e

prestacionais tem-se que para os direitos de defesa a tarefa dada ao Estado de garantir a

maior eficaacutecia possiacutevel eacute de certo modo mais simples jaacute que tais direitos apresentam em

regra funccedilatildeo tipicamente defensiva cuja estrutura normativa reclama uma abstenccedilatildeo sem

necessitar a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo legislativa integradora ostentando suficiente

normatividade para respaldar sua exigibilidade em juiacutezo

Aqui eacute pertinente a ressalva jaacute feita anteriormente de que em que pese a viabilizaccedilatildeo

dos direitos de defesa ser uma tarefa mais faacutecil para o Estado isso natildeo significa que natildeo

importaratildeo em custos ao mesmo jaacute que a maacutexima de que somente os direitos prestacionais

necessitam de aporte financeiro do Estado eacute uma inverdade pois a perfeita fruiccedilatildeo dos

123

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 p 246

72

direitos de defesa carece de uma ampla estruturaccedilatildeo estatal que requer altos custos bastando

como exemplo os gastos com seguranccedila puacuteblica e sistema eleitoral

Quanto aos direitos prestacionais jaacute foi visto que estes se subdividem em direitos a

prestaccedilotildees em sentido amplo (que abarca a proteccedilatildeo e participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e

procedimento voltadas agrave garantia da liberdade e igualdade do Estado) e em sentido estrito

(que abrange os direitos a prestaccedilotildees sociais materiais tiacutepicas do Estado Social ou

Democraacutetico de Direito) sendo inegaacutevel que a mencionada tarefa estatal em conferir a

maacutexima eficaacutecia e aplicabilidade possiacutevel aos direitos fundamentais resta mais dificultada

quanto aos mesmos pelo fato de requererem uma atuaccedilatildeo integradora uma conduta positiva

por parte do Estado

Nessa uacuteltima classificaccedilatildeo encontram-se os direitos sociais cuja problemaacutetica dos

custos envolvidos eacute bem mais severa e incrusta-se na celeuma acerca de sua eficaacutecia sendo

certo que ainda que precisem em princiacutepio de integraccedilatildeo normativa e accedilotildees estatais para

serem concretizados tais direitos apresentam cargas eficaciais no sentido de i revogar os

atos normativos anteriores contraacuterios ao seu conteuacutedo ii vincular o legislador a concretizar

os seus fins nos exatos termos constitucionais iii constituir paracircmetros para interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas iv originar direito subjetivo de cunho negativo no sentido de

exigir que o Estado se abstenha de atuar em contrariamente a norma de direito social e v

impedir que o legislador venha a abolir posiccedilotildees juriacutedicas por ele mesmo jaacute conferidas em um

contexto de aplicaccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso social124

Feitas tais observaccedilotildees jaacute foi esclarecido que o direito agrave sauacutede aleacutem de dever

fundamental apresenta facetas tanto de direito de defesa quanto de prestacional e nesse

ponto a depender da forma que esteja sendo o mesmo analisado concretamente poderaacute

incidir tanto o raciociacutenio acima desenvolvido quanto a eficaacutecia dos direitos de defesa quanto

aos de prestaccedilatildeo

Contudo a grande problemaacutetica com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede reside no seu aspecto

de direito prestacional em sentido estrito e a consequente possibilidade de serem reconhecidos

direitos subjetivos originaacuterios a prestaccedilotildees O ponto nevraacutelgico dessa celeuma estaacute

exatamente na dificuldade de se delimitar o que seria exatamente abrangido pelo direito agrave

sauacutede com base na CF de 1988 tarefa que se desenvolve em meio a condicionamentos

econocircmico-financeiros (como eacute o caso da reserva do possiacutevel) e juriacutedico-poliacuteticos (como eacute a

124

Tais conclusotildees por sua vez coadunam-se com a construccedilatildeo de pensamento de Ana Paula Barcellos quanto

aos niacuteveis de eficaacutecia tiacutepicos das normas de matriz principioloacutegica que abrangem o niacutevel interpretativo vedativo

de retrocesso e negativo

73

questatildeo da legitimidade poliacutetica separaccedilatildeo dos poderes e iniciativa em mateacuteria orccedilamentaacuteria)

que dificultam o consenso na mateacuteria

Da simples leitura dos dispositivos constitucionais que tratam do direito agrave sauacutede natildeo

haacute como afirmar com perfeita clareza quais situaccedilotildees estariam seguramente abarcadas por tal

direito sendo certo poreacutem que uma interpretaccedilatildeo que venha a concluir pela inclusatildeo de toda e

qualquer prestaccedilatildeo material ligada agrave sauacutede com inerente a tal direito acarretaraacute em graves

efeitos colaterais tanto para as demais prioridades do Estado como tambeacutem para a proacutepria

sauacutede dos demais cidadatildeos daiacute porque falar-se na necessidade de delimitaccedilatildeo de um miacutenimo

existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede igualitaacuterio e exigiacutevel por todos

Eacute nesse contexto pois que ganha destaque a discussatildeo sobre o possiacutevel embate entre a

noccedilatildeo de miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel

42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO

POSSIacuteVEL

Na tarefa de se interpretar o direito constitucional eacute preciso ir aleacutem dos elementos

meramente juriacutedicos para se apurar dados da realidade e nessa empreitada a perquiriccedilatildeo

acerca da existecircncia efetiva de condiccedilotildees materiais e financeiras para a realizaccedilatildeo dos

comandos normativos eacute de suma relevacircncia para a constataccedilatildeo do grau de realizaccedilatildeo que cada

um deles poderaacute assumir visto que a inexistecircncia de tais condiccedilotildees ocasiona um quadro de

insinceridade normativa125

que deve ser combatido atraveacutes dos instrumentos de combate agrave

siacutendrome da omissatildeo estatal

Nesse trabalho de apuraccedilatildeo sobre a existecircncia ou natildeo de condiccedilotildees materiais e

financeiras para garantir a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute certa e inevitaacutevel a

loacutegica de que as necessidades seratildeo sempre ilimitadas ao passo que os recursos seratildeo

limitados e por isso em algum momento deveraacute ser enfrentada a circunstacircncia de haver ou

natildeo disponibilidade de recursos para atender as prestaccedilotildees pleiteadas Eacute esse o contexto que

circunda a ideia do instituto popularizado por reserva do possiacutevel

A teoria da reserva do possiacutevel exprime no ordenamento paacutetrio a ideia de que aleacutem

das discussotildees juriacutedicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Poder Puacuteblico os direitos

a prestaccedilotildees materiais estariam sob a reserva da capacidade financeira do Estado dependendo

portanto da efetiva disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado sintetizados

125

BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro

Renovar 2006 p 56

74

no campo do orccedilamento puacuteblico126

Tal teoria abrange duas dimensotildees baacutesicas uma faacutetica

ligada propriamente agrave noccedilatildeo de limitaccedilatildeo dos recursos materiais aproximado da exaustatildeo

orccedilamentaacuteria e uma juriacutedica atrelada ao poder de disposiccedilatildeo e competecircncia para decidir e

determinar sobre a alocaccedilatildeo dos recursos existentes para determinada mateacuteria127

Antes de avanccedilar eacute importante esclarecer que a noccedilatildeo de reserva do possiacutevel teve sua

origem em um julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional alematildeo em que

analisando demanda proposta por estudantes que natildeo haviam sido admitidos em escolas de

medicina de Hamburgo e Munique frente a limitaccedilatildeo de vagas e pleiteavam o aumento do

nuacutemero destas decidiu que o direito agrave prestaccedilatildeo positiva do Estado encontra-se sujeito agrave

reserva do possiacutevel no sentido daquilo que o indiviacuteduo pode razoavelmente esperar de

maneira racional da sociedade atrelando-se a argumentaccedilatildeo portanto agrave razoabilidade da

pretensatildeo128

A teoria da reserva do possiacutevel assim tal qual sua origem diferentemente da

interpretaccedilatildeo transposta para o Brasil129

natildeo se refere unicamente agrave anaacutelise acerca da

existecircncia ou natildeo de recursos suficientes para a concretizaccedilatildeo do direito social em exame

(aliada a previsatildeo orccedilamentaacuteria da respectiva despesa) mas agrave razoabilidade da pretensatildeo

deduzida com vistas a sua efetivaccedilatildeo

126

KRELL Andreas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha os (des)caminhos de um

direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Fabris 2002 p 52 127

Explicando tal distinccedilatildeo Marcos Masseli Gouvecirca assevera que ldquoDiversamente das omissotildees estatais as

prestaccedilotildees positivas demandam um dispecircndio ostensivo de recursos puacuteblicos Ao passo em que estes recursos

satildeo finitos o espectro de interesses que procuram suprir eacute ilimitado razatildeo pela qual nem todos estes interesses

poderatildeo ser erigidos agrave condiccedilatildeo de direitos exigiacuteveis A doutrina denomina reserva do possiacutevel faacutetica a este

contingenciamento financeiro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais Muitas vezes os recursos

financeiros ateacute existem poreacutem natildeo haacute previsatildeo orccedilamentaacuteria que os destine agrave consecuccedilatildeo daquele interesse ou

licitaccedilatildeo que legitime a aquisiccedilatildeo de determinado insumo eacute o que se denomina reserva do possiacutevel juriacutedicardquo In

GOUVEcircA Marcos Masseli O direito ao fornecimento Estatal de Medicamentos Disponiacutevel em

httpwwwnagibnettextovaried_16doc Acessado em 09052013 128

MAcircNICA Fernando Borges Teoria da reserva do possiacutevel direitos fundamentais a prestaccedilotildees e a

intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas In Revista Eletrocircnica sobre a

Reforma do Estado (RERE) ndeg 21 2010 Salvador p 11 129

Sobre a problemaacutetica da importaccedilatildeo descompromissada de institutos do direito comparado Canotilho pondera

que ldquoo cerne do problema estaacute na abertura de uma nova frente de ativismo judicial desencadeada pela utilizaccedilatildeo

de fontes estrangeiras inseridas nos dicta das sentenccedilas como standards de direito comparado ou de direito

internacional A anaacutelise comparada ndash afirma o juiz Scalia o mais veemente e caustico opositor da ldquoimportaccedilatildeo

de normasrdquo pode ser relevante quando se procede agrave redaccedilatildeo do texto de uma constituiccedilatildeo como foi demonstrado

pelos autores de The Federalist amplamente familiarizados com literatura estrangeira mas essa anaacutelise revela-se

desadequada e indesejada quando se trata de interpretar e aplicar a lei nos casos concretos CANOTILHO Joseacute

Joaquim Gomes O ativismo judiciaacuterio entre nacionalismo a globalizaccedilatildeo e a pobreza In MOURA Lenice S

Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo

Paulo Saraiva 2009 p 48

75

Assentada a maneira que ocorre a leitura da teoria da reserva do possiacutevel em solo

paacutetrio130

tem-se que quanto agrave delimitaccedilatildeo conceitual do que vem a ser reserva do possiacutevel

natildeo existe um posicionamento uniacutessono na doutrina ao passo que alguns consagram o

instituto como princiacutepio outros como claacuteusula ou postulado e outros como condiccedilatildeo de

realidade Sem entrar detidamente na discussatildeo apoiando-se no posicionamento defendido

dentre outros por Ana Carolina Lopes Olsen o presente estudo compreende o instituto como

um elemento extra juriacutedico de condiccedilatildeo de realidade que influencia na aplicaccedilatildeo dos direitos

fundamentais131

Esclarecendo melhor tal posicionamento parte da conclusatildeo pela inadequaccedilatildeo de

classificar a reserva do possiacutevel como espeacutecie normativa (princiacutepio) ou postulado (autecircntica

meta-norma) frente a ausecircncia tanto de passividade de otimizaccedilatildeo quanto de natureza

normogeneacutetica132

excluindo-se tambeacutem o raciociacutenio de que poderia ser encarado como uma

regra jaacute que natildeo se apresenta como um norma de efeitos gerais especificada no ordenamento

paacutetrio nem funciona sobre a loacutegica do ldquotudo ou nadardquo

A partir dessa compreensatildeo deve se ter em mente que a advertecircncia propugnada por

essa teoria tem por objetivo primordial natildeo a limitaccedilatildeo de direitos em si mas em verdade a

plena conformaccedilatildeo da realizaccedilatildeo dos mesmos ao que eacute possiacutevel faticamente a partir das

possibilidades econocircmicas do Estado levando-se em consideraccedilatildeo o contexto da gradualidade

de realizaccedilatildeo associada ao natildeo retrocesso social A ideia de um processo gradualiacutestico-

concretizador portanto se coaduna com a questatildeo das disponibilidades orccedilamentaacuterias do

Estado mas ao mesmo tempo dita o passo de como esta disponibilidade deve

progressivamente ser utilizada facilitando o controle acerca da efetiva concretizaccedilatildeo do texto

constitucional

Nesse contexto a reserva do possiacutevel apesar de se inserir na conjuntura macro em que

estatildeo englobados os direitos sociais a prestaccedilotildees materiais (marcada pela gradualidade de

realizaccedilatildeo dependecircncia financeira em relaccedilatildeo ao Estado e tendencial liberdade de

conformaccedilatildeo do legislador quanto agraves poliacuteticas para realizaacute-los) aleacutem de natildeo implicar em grau

130

Nesse ponto eacute relevante defender a necessidade aleacutem do aspecto puramente financeiro de perquiriccedilatildeo da

razoabilidade da reivindicaccedilatildeo levando-se em consideraccedilatildeo elementos como o grau de essencialidade do direito

fundamental em questatildeo as condiccedilotildees pessoais e financeiras dos envolvidos e a eficaacutecia da providecircncia judicial

almejada 131

OLSEN Ana Carolina Lopes A eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais frente agrave reserva do possiacutevel

Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito UFPR Curitiba 2006 p 37 132

Reforccedila-se a ideia de que a reserva do possiacutevel propriamente natildeo eacute ponderada mas sim a situaccedilatildeo de

escassez de recursos apresentada por ela com o comando normativo do direito fundamental social em exame

76

nulo de vinculatividade juriacutedica do direito em questatildeo133

natildeo se limita somente aos direitos

sociais jaacute que estes natildeo satildeo os uacutenicos a custar dinheiro

Mais uma vez retomam-se os ensinamentos referentes aos custos dos direitos no

sentido de desmistificar a maacutexima de que a teoria da reserva do possiacutevel soacute seria aplicada em

casos de sindicabilidade dos direitos sociais sustentando que os direitos individuais e poliacuteticos

tambeacutem demandam gastos por parte do poder puacuteblico bastando imaginar os gastos com

poliacutecia e bombeiros que garantem o direito agrave vida e propriedade bem como os custos com o

aparato judicial que se destina a proteger diversos direitos individuais

Desta maneira por existir um custo inerente a qualquer espeacutecie de direito ainda que

em grau diferenciado deve ser afastada a utilizaccedilatildeo da maacutexima de que por demandarem

accedilotildees estatais que custam dinheiro os direitos sociais devem ser imaginados sempre sobre o

manto de uma ideia de limitaccedilatildeo como se tal afirmaccedilatildeo bastasse como um argumento

maacutegico Como visto a proteccedilatildeo dos direitos individuais e poliacuteticos tambeacutem demandam

recursos poreacutem a distinccedilatildeo eacute que os efeitos da ausecircncia de tais recursos para esses direitos

natildeo satildeo tatildeo sentidos na praacutetica como ocorre nos casos de falta com relaccedilatildeo aos direitos

sociais especialmente o direito agrave sauacutede

Nesse raciociacutenio eacute certo que o exame sobre a vaacutelida utilizaccedilatildeo134

do argumento da

reserva do financeiramente possiacutevel passa pela necessidade de ocorrecircncia da perfeita

comprovaccedilatildeo de efetiva ausecircncia de recursos orccedilamentaacuterios configuradora do quadro de

exaustatildeo orccedilamentaacuteria natildeo sendo suficiente a mera e automaacutetica alegaccedilatildeo de inexistecircncia

destes135

133

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual

dos direitos econocircmicos sociais e culturaisrdquo In Estudos sobre Direitos Fundamentais Coimbra Ed

Coimbra 2004 p 108 134

Corroborando Artur Cortez Bonifaacutecio assevera que ldquoA motivaccedilatildeo requer adequaccedilatildeo agrave legalidade

constitucional ou seja a lei embasadora da escolha administrativa deve-se encontrar respaldada pela

Constituiccedilatildeo Por isso se afasta o acolhimento de alegaccedilatildeo pelo Executivo de natildeo efetivaccedilatildeo dos direitos

subjetivos fundamentais de matiz social pela falta de recursos orccedilamentaacuterios quando natildeo devidamente motivada

a denegaccedilatildeo do administrador BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional internacional e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 115-116 135

Nesse sentido Celso de Mello aponta que ldquo() os condicionamentos impostos pela claacuteusula da bdquoreserva do

possiacutevel‟ ao processo de concretizaccedilatildeo dos direitos de segunda geraccedilatildeo ndash de implantaccedilatildeo sempre onerosa -

traduzem-se em um binocircmio que compreende de um lado (1) a razoabilidade da pretensatildeo individualsocial

deduzida em face do Poder Puacuteblico e de outro (2) a existecircncia de disponibilidade financeira do Estado para

tornar efetivas as prestaccedilotildees dele reclamadas Desnecessaacuterio acentuar-se considerado o encargo governamental

de tornar efetiva a aplicaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais que os elementos componentes do

mencionado binocircmio (razoabilidade da pretensatildeo + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se

de modo afirmativo e em situaccedilatildeo de cumulativa ocorrecircncia pois ausente qualquer desses elementos

descaracterizar-se-aacute a possibilidade estatal de realizaccedilatildeo praacutetica de tais direitos (ADPF 45 MC DF Rel Min

Celso de Mello Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12)

77

Merece destaque tambeacutem o fato de que a limitaccedilatildeo de recursos gera fatalmente uma

inevitaacutevel priorizaccedilatildeo de escolhas visto que se o contingente orccedilamentaacuterio eacute escasso frente a

gama de direitos existentes eacute certo que um ou outro direito ganharaacute maior proeminecircncia na

proteccedilatildeo e garantia de direitos empreendidas pelo Poder Puacuteblico

Mas o que guiaraacute essa priorizaccedilatildeo Sem sombra de duacutevidas o estabelecimento de

metas preferenciais e objetivos fundamentais encartados na Constituiccedilatildeo Federal devendo os

recursos disponiacuteveis serem aplicados no atendimento dos fins tidos por ela como essenciais136

e nesse ponto o direito agrave sauacutede eacute inegavelmente estruturado de maneira prioritaacuteria no

ordenamento paacutetrio sendo apresentados inclusive regramentos especiacuteficos quanto a

vinculaccedilatildeo das receitas dos entes puacuteblicos a um miacutenimo a ser gasto em sauacutede puacuteblica com

graves consequecircncias para o caso de seu descumprimento

Depreende-se portanto que a limitaccedilatildeo de recursos eacute um fato que natildeo pode ser

ignorado contudo a utilizaccedilatildeo desenfreada do argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode ser

enxergada como um dado absoluto que sempre que levantado afastaraacute a possibilidade de se

forccedilar o Estado a gastar com determinado direito137

Nesse sentido natildeo se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos

para depois utilizaacute-los sob as mais diversas formas (obras serviccedilos ou qualquer outra poliacutetica

puacuteblica) eacute exatamente realizar138

os objetivos fundamentais da Constituiccedilatildeo139

136

Nessa questatildeo merece destaque a influecircncia dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil os quais

reforccedilam a obrigaccedilatildeo de se investir o maacuteximo dos recursos disponiacuteveis na promoccedilatildeo dos direitos previstos em

seus textos como eacute o caso dos jaacute tratados PIDESC e Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica Assevera o primeiro

ldquoArt 2 1 Cada Estado Parte do Presente Pacto compromete-se a adotar medidas () ateacute o maacuteximo de seus

recursos disponiacuteveis que visem a assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno

exerciacutecio dos direitos reconhecidos no presente Pacto incluindo em particular a adoccedilatildeo de medidas

legislativasrdquo (Grifos acrescidos) Dispotildee o segundo ldquoArt 26 Desenvolvimento progressivo Os Estados-Partes

comprometem-se a adotar providecircncias () a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos

que decorrem das normas econocircmicas sociais ()rdquo 137

Nesse ponto assevera George Marmelstein que ldquoas alegaccedilotildees de negativa de efetivaccedilatildeo de um direito social

com base no argumento da reserva do possiacutevel deve ser sempre analisada com desconfianccedila Natildeo basta

simplesmente alegar que natildeo haacute possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial eacute preciso demonstraacute-

la O que natildeo se pode eacute deixar que a evocaccedilatildeo da reserva do possiacutevel converta-se em verdadeira razatildeo de Estado

econocircmica em um AI-5 econocircmico que opera na verdade como uma anti-Constituiccedilatildeo contra tudo o que a

Carta consagra em mateacuteria de direitos sociaisrdquo In LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito

Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio

para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura Federal UnB 2003 p50 138

Reforccedila esse argumento a posiccedilatildeo de Ingo Sarlet ao afirmar que ldquo() os recursos puacuteblicos deveratildeo ser

distribuiacutedos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais baacutesicos () se tendo em conta que a

nossa ordem constitucional veda expressamente a pena de morte a tortura e a imposiccedilatildeo de penas desumanas e

degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo razatildeo pela qual natildeo se poderaacute sustentar ndash sob pena de

ofensa aos mais elementares requisitos da razoabilidade e do proacuteprio sendo de justiccedila ndash que com base em uma

alegada (e mesmo comprovada) insuficiecircncia de recursos ndash se acabe virtualmente condenando agrave morte a pessoa

cujo uacutenico crime foi o de ser viacutetima de um dano agrave sauacutede e natildeo ter condiccedilotildees de arcar com o custo do tratamento

SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave

sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 p 13

78

Chega-se ao ponto central da discussatildeo posta A delimitaccedilatildeo de um conjunto de

condiccedilotildees materiais miacutenimas de existecircncia que refletem os elementos basilares da ideia de

dignidade humana e transparecem aquele miacutenimo sobre o qual abaixo dele qualquer um

repousaria em uma situaccedilatildeo de indignidade guarda similitude exatamente ao estabelecimento

dos alvos prioritaacuterios dos gastos puacuteblicos140

A conclusatildeo disto eacute que a associaccedilatildeo do miacutenimo existencial141

ao estabelecimento de

prioridades orccedilamentaacuterias acarreta no conviacutevio produtivo de tal miacutenimo com a reserva do

possiacutevel ao passo que se a prioridade constitucional deve necessariamente refletir a

canalizaccedilatildeo de condiccedilotildees materiais essenciais agrave dignidade humana a discussatildeo sobre reserva

do possiacutevel consistiraacute em uma etapa a posteriori que natildeo deveria ser seque substancialmente

relevante para aquele primeiro momento jaacute que se estaria cuidando de uma prioridade

Isso ocorre porque o miacutenimo existencial142

enquanto direito preacute-constitucional

impliacutecito no art 3deg III da CF de 1988 tem sua garantia e proteccedilatildeo atrelada agrave noccedilatildeo de que o

Estado se comprometeu em assegurar agraves pessoas um padratildeo miacutenimo na esfera dos direitos

sociais tarefa essa plasmada no relacionamento nato existente entre a vinculaccedilatildeo dos direitos

sociais com o direito agrave vida e com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana ambientado no

cenaacuterio de busca pelo reconhecimento de maacutexima eficaacutecia juriacutedica aos direitos fundamentais

Melhor explicando a defesa aqui eacute no sentido de que o nuacutecleo que forma a ideia de

um miacutenimo existencial jaacute levou em consideraccedilatildeo quando da sua formulaccedilatildeo o argumento da

limitaccedilatildeo financeira do Estado presumindo-se que o Poder Puacuteblico dispotildee de recursos para

atender ao menos as necessidades que compotildeem esse miacutenimo e que satildeo tidas

139

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 287 140

Nesse sentido Arcecircnio Brauner dispotildee que ldquoo Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana () natildeo reclama

apenas a garantia da liberdade mas tambeacutem um miacutenimo de seguranccedila social jaacute que sem os recursos materiais

para uma existecircncia digna a proacutepria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada Por esta razatildeo o direito agrave

vida e a integridade corporal natildeo podem ser concebidos meramente como proibiccedilatildeo de destruiccedilatildeo de existecircncia

isto eacute como direito de defesa impondo ao reveacutes tambeacutem uma postura ativa no sentido de garantir a vidardquo

(Grifos acrescidos) BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In

FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces

do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 603-604 141

Sobre a noccedilatildeo de miacutenimo existencial e a contribuiccedilatildeo teoacuterica de inuacutemeros autores (dentre eles John Rawls

Friedrich Hayek Michael Walzer e Carlos Santiago Nino) sobre o tema conferir HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares

sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 142

Atribui-se a Otto Bachof a primazia do reconhecimento de um direito subjetivo a recursos miacutenimos para

existecircncia digna a partir do entendimento de que o direito agrave vida e integridade corporal natildeo envolve apenas

postura defensiva mas tambeacutem prestaccedilotildees Tal formulaccedilatildeo foi entatildeo seguida em paradigmaacutetica decisatildeo do

Tribunal Federal Administrativo da Alemanha em 1954 ao ser reconhecido a um indiviacuteduo o direito subjetivo a

auxiacutelio material por parte do Estado com base na dignidade da pessoa humana Jaacute em 1975 o Tribunal

Constitucional Federal alematildeo reconheceu a partir do princiacutepio da dignidade da pessoa humana do direito agrave

vida e agrave integridade fiacutesica e mediante uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica junto ao princiacutepio do Estado Social um

direito fundamental agrave garantia das condiccedilotildees miacutenimas para uma existecircncia digna HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares

sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 45-47

79

constitucionalmente como prioridades Se assim natildeo fosse caso houvesse a possibilidade de

opor a reserva do possiacutevel em face de tal miacutenimo se estaria diante de uma confessada conduta

inconstitucional anterior por parte da autoridade puacuteblica143

visto que restaria evidenciado que

os recursos existentes foram alocados em desacordo com as prioridades estabelecidas

constitucionalmente144

Aplicando o pensamento desenvolvido acima para a realidade do direito agrave sauacutede

conclui-se ser inegaacutevel o fato de tal direito exigir um aporte financeiro do Estado para ser

protegido e garantido Da mesma maneira depreende-se que a previsatildeo constante na proacutepria

CF de 1988 de que os entes federados devem alocar um miacutenimo de suas arrecadaccedilotildees para os

gastos com sauacutede puacuteblica reforccedila o fato de tal direito ser um alvo de acentuada prioridade no

ordenamento paacutetrio qualificando-se como condiccedilatildeo e consequecircncia constitucional

indissociaacutevel do direito agrave vida

Ora essa sistemaacutetica tem uma razatildeo de ser natildeo faria sentido essa preocupaccedilatildeo iacutempar

e relevante da Constituiccedilatildeo se o seu intuito natildeo fosse que pelo menos um miacutenimo de accedilotildees

em sauacutede fosse posta a disponibilidade da populaccedilatildeo como forma de garantir um grau baacutesico

de concretizaccedilatildeo de tal direito Desta maneira a defesa de um miacutenimo existencial em espeacutecie

com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede abrange um rol de prestaccedilotildees materiais sobre os quais o

argumento da reserva do possiacutevel natildeo poderaacute ser utilizado Saindo-se desse espectro aiacute sim

para as accedilotildees externas a esse miacutenimo eacute que se poderaacute cogitar o enfrentamento do tema da

reserva do possiacutevel

Outro aspecto a ser avaliado eacute que sendo um tiacutepico direito de segunda geraccedilatildeo que

exige do Estado uma prestaccedilatildeo positiva nascente do conceito de igualdade substancial o

amparo agrave sauacutede tem por fundamento comando constitucional que natildeo possibilita um raio de

discricionariedade capaz de conferir maior grau de liberdade de conformaccedilatildeo ao direito do

143

A loacutegica de uma gestatildeo de recursos eacute simples e baseada na obtenccedilatildeo (arrecadaccedilatildeo) e no dispecircndio (despesa)

devendo claramente haver uma congruecircncia entre tais extremos para a sustentaccedilatildeo do sistema Nesse sentido

buscando-se sempre a noccedilatildeo de que as disposiccedilotildees constitucionais formam um todo harmocircnico eacute certo que o

arrecadado deve ser equivalente ao miacutenimo que se exige e nesse contexto o volume crescente de arrecadaccedilatildeo

tributaacuteria dos uacuteltimos anos no paiacutes denota que a sinalizaccedilatildeo do quantum a ser arrecadado natildeo pode fugir da

preacutevia necessidade que estaacute sendo priorizada daiacute concluir-se que ldquoo miacutenimo existencial jaacute estaacute na contardquo da CF e

a aplicaccedilatildeo da ideia de reserva do possiacutevel deve ser utilizada quando diante de prestaccedilotildees que extrapolam esse

miacutenimo 144

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 290

80

qual o exerciacutecio possa ter como consequecircncia como base em simples alegaccedilatildeo de mera

conveniecircncia eou oportunidade a nulificaccedilatildeo da prerrogativa essencial145

Coadunando-se com tal pensamento Ingo Sarlet pontua que se na situaccedilatildeo concreta as

objeccedilotildees habituais ao conferimento de direito subjetivo agraves prestaccedilotildees iacutensitas ao direito social

em exame significarem uma grave agressatildeo agrave vida e a dignidade humana a saiacuteda seraacute a

prevalecircncia do direito social prestacional a partir da construccedilatildeo de um padratildeo de miacutenimo

existencial do mesmo havendo como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestaccedilotildees

admitindo-se onde tal miacutenimo for ultrapassado apenas um direito subjetivo prima facie146

O embate entre reserva do possiacutevel e miacutenimo existencial se demonstra pois como

algo meramente aparente visto que a perfeita delimitaccedilatildeo das accedilotildees inseridas nesse miacutenimo

com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede terminaratildeo por formar um escudo protetivo intransponiacutevel

pelo argumento da reserva do possiacutevel o qual soacute poderaacute ser arguido quando diante de uma

situaccedilatildeo que extrapole tal nuacutecleo baacutesico

Desta maneira o miacutenimo existencial desponta como um limite agrave aplicaccedilatildeo da reserva

do possiacutevel na medida em que garante um conjunto de necessidades baacutesicas do indiviacuteduo a ser

respeitado e obrigatoriamente fornecido pelo Estado e nesse ponto o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana termina assumindo uma importante funccedilatildeo demarcatoacuteria ao estabelecer a

fronteira para o que convenciona denominar de padratildeo miacutenimo da esfera dos direitos

sociais147

Assentado o pensamento acima antes de passar para o exame das premissas que

sustentam a problemaacutetica do presente estudo (o deacuteficit evolutivo da concretizaccedilatildeo do direito agrave

sauacutede nos mais de vinte anos da CF de 1988 bem como a alocaccedilatildeo do direito agrave sauacutede para um

primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais) faz-se necessaacuteria uma breve

explanaccedilatildeo acerca da aplicaccedilatildeo da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso agrave questatildeo da efetividade do

direito agrave sauacutede nuacutecleo do debate ora travado

145

ODON Daniel Ivo amp RODRIGUES Sulien Barbosa O direito agrave sauacutede e a claacuteusula da reserva do

financeiramente possiacutevel In Revista Jurisplan Editora Iesplan v1 n1 Brasiacutelia 2012 105-125 p 123 146

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 p 324 147

BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009

ndash UNIMAR p 314

81

43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O

DIREITO Agrave SAUacuteDE

Foi esclarecido que a reserva do possiacutevel antes de ser vista como oacutebice insuperaacutevel agrave

efetivaccedilatildeo dos direitos sociais deve viger de certa maneira como um mandado de otimizaccedilatildeo

dos direitos fundamentais impondo ao Estado o dever fundamental de tanto quanto possiacutevel

promover as condiccedilotildees oacutetimas de efetivaccedilatildeo da prestaccedilatildeo estatal em causa buscando

preservar aleacutem disso os niacuteveis de realizaccedilatildeo jaacute atingidos Tal observaccedilatildeo aponta por sua vez

para a necessidade do reconhecimento de uma proibiccedilatildeo do retrocesso ainda mais naquilo

que se estaacute a preservar o miacutenimo existencial148

Nesse sentido faz-se relevante analisar brevemente de que maneira o presente estudo

encara a ideia de vedaccedilatildeo do retrocesso social e a partir de tal entendimento qual a sua

repercussatildeo no que tange ao direito agrave sauacutede

Pois bem o princiacutepio149

da proibiccedilatildeo ou vedaccedilatildeo do retrocesso eacute uma construccedilatildeo

doutrinaacuteria que diz respeito agrave possibilidade ou natildeo de se diminuir o campo protetivo de um

direito fundamental jaacute protegido infraconstitucionalmente

Tal anaacutelise parte da premissa de que os direitos fundamentais devem ser concretizados

por meio de regulamentaccedilatildeo infraconstitucional em um cenaacuterio de progressiva ampliaccedilatildeo e

tendo isto em mente enfrenta o questionamento de ser ou natildeo possiacutevel se discutir a validade

de uma eventual revogaccedilatildeo de enunciado (sem posterior substituiccedilatildeo e portanto gerando um

vazio legislativo) que regulamentando o direito fundamental em questatildeo tenha propiciado a

melhor fruiccedilatildeo e ampliaccedilatildeo do direito em questatildeo150

Ou seja o objetivo da vedaccedilatildeo do retrocesso eacute exatamente o de evitar supressotildees

legislativas que venham a regredir o acircmbito de proteccedilatildeo jaacute garantido para o direito

fundamental em exame Contudo o raciociacutenio natildeo eacute tatildeo simplista assim nem pode ser

148

SARLET Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Reserva do Possiacutevel miacutenimo existencial e

direito a sauacutede algumas aproximaccedilotildees In Doutrina Nacional Direitos Fundamentais e Justiccedila nordm 1 out-dez

2007 p 171-213 149

Natildeo eacute alvo do presente estudo a averiguaccedilatildeo acerca da natureza juriacutedica da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso

adotando-se a designaccedilatildeo de princiacutepio apenas de modo a seguir a maioria doutrinaacuteria sobre o tema 150

Alguns autores como Felipe Derbli defendem que eacute possiacutevel reconhecer a existecircncia do princiacutepio da

proibiccedilatildeo do retrocesso social na proacutepria CF de 1988 uma vez que ldquo(i) a Carta Magna vigente determina a

ampliaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais (art 5deg sect2deg e art 7deg caput) com vistas agrave progressiva reduccedilatildeo das

desigualdades regional e sociais e agrave construccedilatildeo de uma sociedade livre e solidaacuteria onde haja justiccedila social (art

3deg incisos I e III e art 170 caput e incisos VII e VIII) (ii) em sendo uma Constituiccedilatildeo dirigente impotildee o

desenvolvimento permanente do grau de concretizaccedilatildeo dos direitos sociais nela previstos com vistas agrave sua

maacutexima efetividade (art 5deg sect 1deg) sendo consequecircncia loacutegica a existecircncia do comando dirigido ao legislador de

natildeo retroceder na densificaccedilatildeo das normas constitucionais que definem tais direitos sociaisrdquo DERBLI Felipe

Proibiccedilatildeo de Retrocesso Social Uma Proposta de Sistematizaccedilatildeo agrave Luz da Constituiccedilatildeo de 1988 In BARROSO

Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007

p 494

82

encarado como uma maacutexima vinculante vez que se insere na discussatildeo acerca da autonomia

da funccedilatildeo legislativa e dos limites agrave liberdade de conformaccedilatildeo do legislador podendo a

utilizaccedilatildeo excessivamente abrangente da vedaccedilatildeo do retrocesso que natildeo leve em

consideraccedilatildeo a conjuntura poliacutetico-econocircmica do momento analisado implicar em distorccedilotildees

natildeo almejadas pelo ordenamento constitucional

De modo a esclarecer melhor o acima afirmado faz-se relevante destacar alguns

pontos que auxiliaratildeo na exata compreensatildeo acerca do posicionamento deste trabalho quanto

ao instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso e sua repercussatildeo quanto ao direito agrave sauacutede O primeiro

ponto eacute que o esvaziamento total de um direito jaacute incorporado e regulamentado no

ordenamento sem uma poliacutetica substitutiva ou uma justificaccedilatildeo de ordem loacutegica que leve em

consideraccedilatildeo um possiacutevel conflito com outro direito antes de ser uma accedilatildeo que colida com a

ideia propugnada pela vedaccedilatildeo do retrocesso consiste em uma autecircntica violaccedilatildeo agrave

Constituiccedilatildeo

Nesse contexto admita-se hipoteticamente que seja revogado integralmente o

Coacutedigo de Defesa do Consumidor esvaziando-se completamente o campo protetivo que tal

diploma confere aos direitos nele abarcados sem se empreender uma substituiccedilatildeo por nova

legislaccedilatildeo sobre o tema Tal situaccedilatildeo seria injustificaacutevel e sem duacutevida significaria um

retrocesso que antes de ser proibido pelo princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso por si soacute jaacute

seria eivado de clara inconstitucionalidade

O segundo ponto para aleacutem da situaccedilatildeo acima de revogaccedilatildeo integral na

regulamentaccedilatildeo de determinado direito fundamental consiste na premissa de que a anaacutelise

sobre um possiacutevel retrocesso na regulamentaccedilatildeo de um direito natildeo deve levar em

consideraccedilatildeo puramente o aspecto textual da norma alterada mas sim o panorama macro no

qual a norma em exame estaacute envolvida e consequentemente as condicionantes de ordem

poliacutetica econocircmica histoacuterica cultural visto que restriccedilotildees a direitos podem em determinados

casos significar razoavelmente a promoccedilatildeo de outros tidos como mais prioritaacuterios pelo

legislador para o contexto do momento em questatildeo151

151

Corroborando com esse pensamento Ana Paula Barcellos pontua que ldquoConsiderando a dignidade da pessoa

humana de forma integral e coletiva ndash isto eacute os vaacuterios aspectos da dignidade de cada indiviacuteduo e de todos eles

em determinada sociedade ndash eacute equivocado imaginar que a proteccedilatildeo ampliada de um especiacutefico direito

fundamental seraacute sempre o meio adequado de promover e proteger a dignidade humana das pessoas Eacute provaacutevel

que em sociedades nas quais haacute mais matildeo de obra que empregos o incremento progressivo dos direitos

trabalhistas tenha como efeito a ampliaccedilatildeo do mercado informal de trabalho (no qual direito algum eacute assegurado)

()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 91

83

Imagine-se entatildeo que em um cenaacuterio de progresso e tranquilidade econocircmica sejam

conferidas certas benesses com relaccedilatildeo a um direito especiacutefico as quais venham a garantir

uma ampliaccedilatildeo do mesmo Vislumbre-se agora um cenaacuterio de grave crise econocircmica em que

algumas dessas benesses sejam suprimidas temporariamente visando a que outros direitos

tidos por mais prioritaacuterios sejam melhor garantidos frente ao quadro de recessatildeo

Caso admitida a vedaccedilatildeo do retrocesso como uma maacutexima capaz de impedir qualquer

tipo de restriccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo vigente ao direito em questatildeo a situaccedilatildeo acima descrita

seria impossiacutevel de ser alcanccedilada o que poderia ocasionar um prejuiacutezo e retrocesso ateacute

mesmo maior para a sociedade e para a concretizaccedilatildeo152

dos direitos fundamentais como um

todo (considerando uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do ordenamento)

Desta forma quando comparados contextos histoacutericos totalmente diferentes a melhor

saiacuteda consiste em natildeo analisar a supressatildeo meramente pontual de cada direito mas sim se o

balanceamento empreendido pelo legislador para ldquosobreviverrdquo ao cenaacuterio de crise entre aacutereas

constitucionalmente prioritaacuterias e natildeo prioritaacuterias significa um avanccedilo ou um retrocesso do

sistema constitucional como um todo

Reforccedila essa visatildeo o posicionamento assentado no paraacutegrafo 9 da Observaccedilatildeo Geral

ndeg3 do Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais da ONU que ao comentar o

dispositivo 21 do PIDESC (aqui jaacute visto e que prevecirc o dever dos Estados considerando o

maacuteximo de recursos de que disponham de adotar medidas para produzir de forma progressiva

a efetividade dos direitos reconhecidos no pacto) pondera que pode ser admitida a adoccedilatildeo de

medidas restritivas dos direitos previstos no pacto desde que justificadas e levando-se em

consideraccedilatildeo a totalidade de tais direitos no contexto do pleno aproveitamento dos recursos

disponiacuteveis

Some-se a isso o aspecto relacionado agrave deliberaccedilatildeo democraacutetica no sentido de que o

raciociacutenio o qual considera que a regulamentaccedilatildeo de um direito formaria com sua previsatildeo

constitucional uma espeacutecie de bloco de constitucionalidade153

funcionando como uma

152

De se destacar as liccedilotildees de Pieroth e Schlink no sentido de que a concretizaccedilatildeo de um direito fundamental eacute

verificada sempre que o seu acircmbito de proteccedilatildeo permanece intacto natildeo limitado e neste caso o Estado natildeo

pretende de modo nenhum impedir uma conduta que esteja abrangida pelo acircmbito de proteccedilatildeo Ao contraacuterio

pretende precisamente abrir possibilidades de conduta para que o particular possa fazer uso do direito

fundamental sendo necessaacuterias conformaccedilotildees nos chamados acircmbitos de proteccedilatildeo marcados pelo direito ou pelas

normas PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de

Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 93-94 153

Sobre a expressatildeo Pablo Luis Manili aponta que ldquoem 1970 el profesor Claude Emeri comentoacute em la Revue

de Droit Public (Revista de Derecho Puacuteblico) una decisioacuten de este Consejo adoptada em 1969 y referida a la

reforma del Reglamento de la Asamblea Nacional En este artiacuteculo el autor advierte que la constitucionalidad de

esse reglamento fue juzgada no soloamente em relacioacuten com la Constitucioacuten sino tambieacuten com referencia a uma

Ordenanza (ndeg 58-1100 del 171158) que regula el funcionamiento de las Asambleas parlamentarias y para

84

claacuteusula peacutetrea ampliada pode significar um engessamento inconstitucional da autonomia da

funccedilatildeo legislativa que ficaria obstada de empreender o balanceamento acima mencionado em

contexto de crises podendo incidir em um maior prejuiacutezo a certos direitos154

Assentados os dois pontos acima uma saiacuteda para a natildeo banalizaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo

desenfreada do instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso que venha a enfraquececirc-lo eacute o

estabelecimento de um limite para as possiacuteveis restriccedilotildees a algum direito de modo que soacute seraacute

considerado um retrocesso de fato as situaccedilotildees em que tal limite fosse ultrapassado e a

decretaccedilatildeo desse limite encontra-se exatamente no texto constitucional e na demarcaccedilatildeo do

nuacutecleo essencial do direito em exame

Dessa maneira o princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso social pode ser enxergado a

partir da seguinte foacutermula o nuacutecleo essencial dos direitos sociais jaacute realizado e efetivado

atraveacutes de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo

inconstitucionais medidas que sem criar esquemas alternativos ou compensatoacuterios se

traduzam na praacutetica em uma anulaccedilatildeo ou aniquilaccedilatildeo pura e simples desse nuacutecleo essencial

que funcionaria como limite para a liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e a inerente

autorreversibilidade155

Conclui-se portanto que i as supressotildees totais de regulamentaccedilotildees bem como

aquelas que ainda que natildeo totais impliquem na aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial do direito

examinado satildeo antes de afronta ao princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso medidas

inconstitucionais ii as supressotildees pontuaisparciais externas ao espectro do nuacutecleo essencial

do direito fundamental em anaacutelise devem ser encaradas levando em conta o momento

histoacuterico em questatildeo e a totalidade dos direitos fundamentais amparados pelo sistema

constitucional como um todo visto que uma accedilatildeo que a princiacutepio possa aparentar ser

describir esse conjunto de normas que eran tenidas em cuenta por el Consejo Constitucional ndash ademaacutes de la

proacutepria constitucioacuten ndash para ejercer su competencia utilizo por primera vez la expresioacuten MANILI Pablo Luis El

Bloque de Constitucionalidad La recepcioacuten del Derecho Internacional de loacutes Derechos Humanos en el

Derecho Constitucional Argentino Buenos Aires La Ley 2003 p 284 154

Sobre a questatildeo da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador na temaacutetica da vedaccedilatildeo do retrocesso social Joseacute

Carlos Vieira de Andrade leciona que ldquoO princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso enquanto determinante

heteroacutenoma vinculativa para o legislador implicaria bem vistas as coisas a eleveccedilatildeo das medidas legais

concretizadoras dos direitos sociais a direito constitucional () Contudo isso natildeo implica a aceitaccedilatildeo de um

princiacutepio geral de proibiccedilatildeo do retrocesso nem uma bdquoeficaacutecia irradiante‟ dos preceitos relativos aos direitos

sociais encarados como um bdquobloco constitucional dirigente‟ A proibiccedilatildeo do retrocesso natildeo pode constituir um

princiacutepio geral nesta mateacuteria sob pena de se destruir a autonomia da funccedilatildeo legislativa()rdquo (grifos no original)

VIEIRA Joseacute Carlos Vieira de Os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976Coimbra

Almedina 1998 p309 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais

O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 86 155

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra

Almedina 2003 p 327

85

restritiva de um direito pode significar em verdade um avanccedilo de outro mais prioritaacuterio (e

caso natildeo signifique seraacute eivada de inconstitucionalidade)

Como se vecirc a questatildeo eacute complexa e buscando sua melhor soluccedilatildeo o presente estudo

se filia ao mecanismo proposto por Ana Paula de Barcellos para se identificar em que

circunstacircncias a vedaccedilatildeo do retrocesso seraacute aplicaacutevel para aleacutem da hipoacutetese de revogaccedilatildeo total

de uma disciplina existente em mateacuteria de direitos fundamentais Tal mecanismo

aproximando-se do pensamento acima mencionado com relaccedilatildeo agrave limitaccedilatildeo da restriccedilatildeo pelo

nuacutecleo essencial do direito constitucional em anaacutelise parte da ideia baacutesica de confrontar (natildeo

apenas quanto ao aspecto linguiacutestico mas tambeacutem considerando o contexto histoacuterico e

cultural) a nova regulamentaccedilatildeo aparentemente restritiva com a garantia miacutenima que decorre

da Constituiccedilatildeo e natildeo propriamente com a disciplina jaacute adotada pelo legislador

constitucional156

Nota-se assim que o paracircmetro de aferibilidade sai do substrato normativo

infraconstitucional e atrela-se unicamente agrave constituiccedilatildeo jaacute que tal investigaccedilatildeo se norteia

pela indagaccedilatildeo se a nova disciplina pretendida compatibiliza-se com a garantia constitucional

do direito em questatildeo ao ponto de realizar de forma minimamente adequada o bem juriacutedico

tutelado garantindo assim a aplicabilidade real e efetiva da fruiccedilatildeo do mesmo por seus

destinataacuterios Em caso afirmativo a nova regulamentaccedilatildeo natildeo afrontaria a vedaccedilatildeo do

retrocesso em caso negativo tal inovaccedilatildeo deveraacute ser encarada como uma supressatildeo

inconstitucional do direito em anaacutelise

Finalmente aplicando tudo que foi dito acima agrave situaccedilatildeo especiacutefica do direito agrave sauacutede

tem-se que frente agrave maior fundamentalidade do direito agrave sauacutede devido a sua iacutentima ligaccedilatildeo

com o direito agrave vida e agrave dignidade humana supressotildees totais quanto a regulamentaccedilatildeo de tal

direito bem como agravequelas que importem em afronta ao seu nuacutecleo essencial157

seratildeo tidas

como inconstitucionais aleacutem de colidirem com a vedaccedilatildeo do retrocesso

Com relaccedilatildeo a supressotildees pontuais sobretudo em momentos de crises econocircmicas

essas somente seratildeo admitidas como uacuteltima alternativa desde que sejam comprovadamente

essenciais para a ldquosobrevivecircnciardquo do paiacutes tenham caraacuteter temporaacuterio natildeo subvertam o niacutevel

de proteccedilatildeo constitucional conferido a esse direito e principalmente sejam realizadas apenas

ao posterior esgotamento de restriccedilotildees em aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias

156

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 92 157

Sem entrar em polecircmica doutrinaacuteria o presente estudo considera a visatildeo de nuacutecleo essencial nesse ponto

abordada consentacircnea com a ideia de miacutenimo existencial em espeacutecie para cada direito fundamental em si

86

constitucionalmente158

Nesse sentido conclui-se ser rara a ocorrecircncia de tal hipoacutetese a qual

demandaria uma conjuntura de extrema instabilidade institucional tanto sob o vieacutes poliacutetico

quanto econocircmico

44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988

Nas primeiras linhas desse trabalho foi asseverado que o mesmo partiria de duas

premissas sendo uma delas exatamente a constataccedilatildeo de que com o tempo percorrido pela

CF de 1988 o niacutevel atingido no processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute deficiente e

natildeo condiz perfeitamente com os anseios constantes nos pactos internacionais assinados pelo

Brasil nem nos dispositivos delineados tanto na Constituiccedilatildeo Federal159

quanto no arcabouccedilo

legislativo infraconstitucional sobre o tema

Para tal conclusatildeo basta acompanhar os casos alarmantes de verdadeiro caos na

realidade da sauacutede puacuteblica vivida no paiacutes retratada diariamente nos telejornais160

para se

chegar a conclusatildeo de que algo estaacute errado ou utilizando-se de um jargatildeo popular de que ldquoa

conta natildeo baterdquo

Eacute nessa conjuntura portanto que surge a indagaccedilatildeo como um paiacutes que se

compromete na ordem internacional a promover a sauacutede na maior medida do possiacutevel que

arquiteta tal bem juriacutedico de maneira iacutempar em seu ordenamento prevendo ateacute mesmo a

vinculaccedilatildeo orccedilamentaacuteria de um miacutenimo a ser gasto com tal direito frente sua relevacircncia pode

ainda assim apresentar problemas estruturais baacutesicos tatildeo gritantes Natildeo resta duacutevida

158

Seria inconstitucional e colidiria com a proibiccedilatildeo do retrocesso portanto a ocorrecircncia em um cenaacuterio de

crise econocircmica de restriccedilatildeo pontual com relaccedilatildeo agrave abrangecircncia do atendimento em sauacutede previsto na legislaccedilatildeo

do SUS sem que antes tenha sido restringida a regulamentaccedilatildeo de todas as aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias pela

Constituiccedilatildeo (propaganda construccedilatildeo de estaacutedios para eventos esportivos participaccedilatildeo de dinheiro puacuteblico por

exemplo) ou ateacute mesmo aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias quanto o direito agrave sauacutede 159

Enfatiza esse ponto o fato da Constituiccedilatildeo de 1988 ser tipicamente dirigente visto que aleacutem da tradicional

funccedilatildeo de estruturar o Estado incorporou-se em seus textos definiccedilotildees valorativas e ideoloacutegicas reconhecendo-

se assim o seu poder de tomar decisotildees poliacuteticas fundamentais e estabelecer prioridades materiais e objetivos

puacuteblicos que terminam por guiar o comportamento futuro do Estado Sobre o tema da Constituiccedilatildeo dirigente

conferir COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda (Org) Canotilho e a Constituiccedilatildeo dirigente 2deg ed Rio de

Janeiro Renovar 2005 160

Agrave tiacutetulo ilustrativo seguem algumas mateacuterias que retratam as peacutessimas condiccedilotildees da sauacutede puacuteblica no Estado

do Rio Grande do Norte as quais tiveram repercussatildeo nacional nos uacuteltimos anos httpglobotvglobocominter-

tv-rnrn-tv-2a-edicaovcaos-toma-conta-da-saude-em-mossoro-rn2494580 Acessado em 02042013

httpg1globocomrnrio-grande-do-nortenoticia201301marcha-do-fio-de-aco-reune-medicos-em-protesto-

ao-caos-na-saude-do-rnhtml Acessado em 02042013 httpgovernadoremfocoblogspotcombr201301caos-

na-saude-do-rn-e-destaque-nohtml Acessado em 02042013

httpbandnewstvbanduolcombrnoticiasconteudoaspID=657505 Acessado em 08042013

87

portanto que haacute um claro descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos

governantes que precisa ser combatido e corrigido

Natildeo obstante para a melhor compreensatildeo do referido descompasso eacute primordial

abstrair um pouco a anaacutelise do plano meramente faacutetico (que eacute o ponto de chegada do

problema) e tentar entender melhor o fundamento juriacutedico que aponta para uma maximizaccedilatildeo

do dever estatal em realizar o direito agrave sauacutede (o ponto de partida) e para isso eacute importante se

ter em mente a noccedilatildeo de gradualidade bem como de dever de progressividade inerente ao

processo de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais

Nesse ponto consoante o jaacute analisado PIDESC tem-se para o Estado o

estabelecimento de uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais a significar o

dever de serem tomadas todas as providecircncias possiacuteveis nos limites dos recursos disponiacuteveis

com o escopo de alcanccedilar gradativamente a mais completa realizaccedilatildeo desses direitos e da

forma mais ampliativa possiacutevel o que revela uma ideia de avanccedilo e otimizaccedilatildeo

Nesse sentido o dever de progressividade implica na alocaccedilatildeo dos recursos existentes

sejam direcionados agrave consecuccedilatildeo dos direitos especificados no PIDESC da melhor forma

possiacutevel significando especialmente quanto ao direito agrave sauacutede que o Brasil possui a

obrigaccedilatildeo concreta e constante de desenvolver o mais eficientemente possiacutevel agrave plena

realizaccedilatildeo do direito ao mais alto niacutevel de sauacutede em respeito ao artigo 12 do referido diploma

anteriormente jaacute estudado161

Alinha-se a essa visatildeo ainda a noccedilatildeo de gradualidade162

de realizaccedilatildeo dos direitos

sociais a prestaccedilotildees materiais no sentido de que como tais direitos demandam direta e

efetivamente do aporte financeiro do Estado e este eacute finito a efetivaccedilatildeo progressiva dos

mesmos deveraacute ser alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a passo conforme a

capacidade financeira do Estado

Desta forma uma poliacutetica de sauacutede eficaz e consentacircnea com a proteccedilatildeo que eacute dada

ldquono papelrdquo a tal direito pressupotildee uma estruturaccedilatildeo tendente a uma crescente e contiacutenua

melhoria163

das condiccedilotildees de sauacutede realizada a passos graduais de acordo com a

161

GIALDINO Rolando E El derecho al disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones

Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 517 162

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual

dos direitos econoacutemicos sociais e culturaisrdquo in Estudos sobre Direitos Fundamentais Ed Coimbra 2004 p

108 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e

efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 132 163

Eacute muito importante a exata compreensatildeo desses ponto natildeo basta simplesmente afirmar que a realizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede deve ser gradual e progressiva frente a limitaccedilatildeo dos recursos como se isso fosse um argumento

automaacutetico e apto a justificar qualquer falha ou omissatildeo estatal Na realidade deve ser acoplado a esse raciociacutenio

(progressividade gradual) a ideia de que tal progressatildeo deve ser movida por um anseio contiacutenuo e crescente de

melhoria de avanccedilo

88

disponibilidade financeira possiacutevel mas sempre guiada para o avanccedilo e nunca para o

retrocesso

A conclusatildeo do acima afirmado (que apesar de simploacuteria eacute bastante relevante) eacute a de

que se o quadro da sauacutede puacuteblica de uma determinada regiatildeo se agrava no plano faacutetico seja

por ausecircncia de meacutedicos pela natildeo disponibilizaccedilatildeo de insumos hospitalares ou pela

insuficiecircncia de vacinas por exemplo e inexiste uma justificativa plausiacutevel para isso164

o que

estaraacute ocorrendo na praacutetica eacute um verdadeiro retrocesso na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o

argumento de que tal situaccedilatildeo eacute justificaacutevel pelo atrelamento da disponibilizaccedilatildeo de

prestaccedilotildees materiais aos limites orccedilamentaacuterio natildeo poderaacute prosperar

Em termos mais diretos a gradualidade relaciona-se sim com a disponibilidade de

recursos mas nunca poderaacute ser utilizada para justificar um retrocesso pois ela funciona como

um motor da progressividade ora acelerando ora diminuindo tal aceleraccedilatildeo mas sempre

avanccedilando nunca retroagindo165

Assentadas as exatas noccedilotildees de gradualidade e progressividade as quais se conectam agrave

temaacutetica jaacute tratada da reserva do possiacutevel e da vedaccedilatildeo do retrocesso social defende-se que o

aparato legislativo (abrangendo tanto os Pactos Internacionais como a CF e a legislaccedilatildeo

ordinaacuteria) construiacutedo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede significa um compromisso firmado pelo

Estado com a sociedade e o atual estaacutegio do quadro da sauacutede puacuteblica no paiacutes demonstra a

ocorrecircncia de um autecircntico ldquocaloterdquo por parte do Estado o qual se encontra recalcitrante em

cumprir exata e perfeitamente o que se comprometeu terminando por frustrar os cidadatildeos

Frente a este desacerto com o intuito de corrigir tal deacuteficit evolutivo a soluccedilatildeo aqui

proposta eacute exatamente a de acelerar esse processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e nessa

jornada assumem papel de destaque a intervenccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do desse direito

a proteccedilatildeo coletiva do mesmo empreendida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e pela Defensoria

Puacuteblica e a participaccedilatildeo e controle social sobretudo na seara orccedilamentaacuteria

164

Apenas uma situaccedilatildeo de excepcionalidade (um surto epidemioloacutegico por exemplo) poderia justificar uma

possiacutevel ldquofaltardquo do Estado para com seu dever de realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Se a verba para tal direito jaacute se

encontra ldquoamarradardquo natildeo faz sentido em um mecircs natildeo se constatar problemas e no seguinte sem nenhuma

mudanccedila no cenaacuterio anterior ocorrer por exemplo uma diminuiccedilatildeo radical no nuacutemero de meacutedicos em

determinado hospital puacuteblico A falta de planejamento (ou ateacute mesmo de vontade) do Poder Puacuteblico bem como a

maacute gestatildeo dos recursos disponiacuteveis satildeo situaccedilotildees totalmente diferentes da comprovada insuficiecircncia de recursos

e natildeo podem ser considerados argumentos vaacutelidos e justificaacuteveis quando utilizados pelo Estado para justificar

suas falhas 165

Expotildeem Abramovich e Courtis que a noccedilatildeo de progressividade apresenta dois sentidos complementares

abarca ao mesmo tempo o reconhecimento de que a satisfaccedilatildeo plena dos direitos sociais supotildee uma certa

gradualidade e a noccedilatildeo de que progresso liga-se agrave obrigaccedilatildeo estatal de melhorar as condiccedilotildees de gozo e

exerciacutecio de tais direitos ABRAMOVICH Viacutectos Ernesto COURTIS Christian Los derechos sociales como

derechos exigibles Madrid Trotta 2002 p 93 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental

agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 138

89

Contudo antes de entender como os citados atores podem efetuar suas contribuiccedilotildees

faz-se relevante examinar a segunda premissa exposta no iniacutecio desse estudo qual seja a

estruturaccedilatildeo prioritaacuteria que eacute dada ao direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio e sua ligaccedilatildeo com

a dignidade da pessoa humana

45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

Em um cenaacuterio hipoteacutetico imagine-se que toda populaccedilatildeo brasileira fosse entrevistada

sobre qual direito social dentre os elencados no artigo sexto da CF de 1988 apresentaria maior

importacircncia Sem sombra de duacutevidas sauacutede e educaccedilatildeo despontariam como os direitos mais

votados e muitos arriscariam dizer que juntamente com o direito agrave seguranccedila (sob um vieacutes de

seguranccedila puacuteblica) tais direitos formariam uma triacuteade essencial a ser prestada eficientemente

pelo Estado

Ocorre que como jaacute visto a apuraccedilatildeo acerca do grau de eficaacutecia de algum direito leva

em consideraccedilatildeo natildeo soacute o sistema normativo que o abraccedila mas tambeacutem a fundamentalidade

social e juriacutedica da circunstacircncia regulada pela norma e partindo disto eacute inegaacutevel que o

direito agrave sauacutede assume um papel de destaque dentre os direitos que necessitam de um ldquofazerrdquo

estatal jaacute que apresenta uma iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida posicionando-se a sauacutede

como um componente primordial e embrionaacuterio agrave fruiccedilatildeo dos demais direitos

Melhor explicando eacute facilmente identificaacutevel uma engrenagem entre os direitos

fundamentais sociais em um contexto em que todos possuem sua importacircncia e ao mesmo

tempo se interdependem Contudo a sauacutede estaria ocupando uma posiccedilatildeo basilar nessa

sistemaacutetica inter-relacional por possuir um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica e social mais

apurada devido a sua maior aproximaccedilatildeo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e a

dignidade da pessoa humana

Entendendo esse ciclo eacute indiscutiacutevel que o direito agrave educaccedilatildeo se mostra fundamental

para a melhoria da qualidade de vida de toda sociedade consistindo em importante passo para

a formaccedilatildeo do intelecto e participaccedilatildeo mais ativa nas decisotildees estatais Partindo dessa noccedilatildeo

eacute tambeacutem irrefutaacutevel que o pleno gozo de tal direito acarreta na fruiccedilatildeo de outros como por

exemplo o direito ao trabalho que por sua vez seraacute essencial para a subsistecircncia de cada um

proporcionando as condiccedilotildees necessaacuterias para a obtenccedilatildeo de alimentaccedilatildeo moradia e lazer

90

entretanto indubitavelmente tudo isso pressupotildee a perfeita condiccedilatildeo de sauacutede do indiviacuteduo e

o seu cuidado constante durante toda vida

Eacute nessa conjuntura portanto que se pode falar tambeacutem em impreteribilidade do

direito agrave sauacutede com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais De que maneira Imagine-se um

cidadatildeo que esteja sem usufruir nenhum dos direitos sociais a ele garantidos

constitucionalmente (por exemplo um sem-teto analfabeto em estado grave de sauacutede) e que

o Estado resolva proporcionar a fruiccedilatildeo mas apenas um de cada vez dos direitos entatildeo

afrontados

Solucionar somente a problemaacutetica do direito agrave educaccedilatildeo ou da mesma forma apenas

o direito agrave moradia166

acabaraacute resolvendo exclusivamente cada um desses problemas em

especiacutefico mas natildeo teraacute o condatildeo de necessariamente implicar na potencial fruiccedilatildeo dos

demais direitos

Por outro lado ao resolver a grave situaccedilatildeo de sauacutede desse cidadatildeo que se encontra

seriamente aviltado em sua dignidade o Estado ao mesmo tempo em que corrige esse

problema invariavelmente estaraacute proporcionando ao cidadatildeo a aptidatildeo elementar ao pleno

usufruto dos demais direitos o que termina por reservar ao elemento sauacutede uma posiccedilatildeo de

direito impreteriacutevel quando posto comparativamente em xeque diante dos demais direitos

sociais

Fechando esse pensamento tem-se que caso seja negada a atenccedilatildeo prioritaacuteria ao

direito agrave sauacutede aleacutem de por oacutebvio natildeo ser solucionado o problema do cidadatildeo no que diz

respeito a este determinante elemento de sua vida estaraacute tambeacutem prejudicada qualquer

possibilidade de soluccedilatildeo aos demais direitos em questatildeo Nesse caso a desatenccedilatildeo ao direito agrave

sauacutede mais do que uma violaccedilatildeo a um direito social objetivamente significaraacute uma

obstacularizaccedilatildeo agrave reparaccedilatildeo dos demais direitos sociais lesados os quais restaratildeo inoacutecuos

Frente ao exposto eacute inevitaacutevel reconhecer que o direito agrave sauacutede deve ser alocado para

uma posiccedilatildeo de primazia quando confrontado com os demais direitos fundamentais sociais

ateacute mesmo pelo fato de que a garantia de diversos outros direitos (vida digna integridade

fiacutesica alimentaccedilatildeo moradia seguranccedila assistecircncia agrave maternidade etc) traduzem ao menos

reflexamente uma densificaccedilatildeo do mesmo Corroborando com tal raciociacutenio a doutrina

aponta que o direito agrave sauacutede ainda que natildeo tivesse sido positivado no PIDESC poderia ser

166

Exemplificando a pontual matricula do cidadatildeo no ensino puacuteblico natildeo facilitaraacute diretamente a soluccedilatildeo do

problema relativo agrave sua moradia muito menos quanto agrave sua sauacutede (da mesma forma a disponibilizaccedilatildeo de uma

casa popular natildeo seraacute pressuposto pra resolver o problema quanto agrave educaccedilatildeo e nem da sauacutede)

91

tutelado na oacuterbita internacional tranquilamente como um direito impliacutecito agrave vida167

(e tambeacutem

agrave integridade fiacutesica)

Reforccedilando mais ainda o caraacuteter prioritaacuterio que foi dado ao direito agrave sauacutede no

ordenamento paacutetrio conforme jaacute foi analisado nos capiacutetulos anteriores eacute consenso168

que a

CF de 1988 aleacutem de conferir um capiacutetulo proacuteprio para tal direito atribuiu ao mesmo por toda

a extensatildeo de seu corpo (atraveacutes de cinquenta e cinco menccedilotildees ao elemento sauacutede) um

tratamento notadamente especial chegando ao ponto de por exemplo

(i) exigir o direcionamento de parte da receita resultante da arrecadaccedilatildeo de

impostos estaduais para as accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede169

considerando

a aplicaccedilatildeo desse miacutenimo um autecircntico princiacutepio constitucional sensiacutevel170

cuja

natildeo observacircncia autoriza a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados (e destes em seus

municiacutepios quando natildeo tiver sido aplicado o miacutenimo exigido da receita

municipal) e no Distrito Federal171

(ii) excepcionar a proibiccedilatildeo de acumulaccedilatildeo de cargos puacuteblicos permitindo172

a

possibilidade de acuacutemulo de dois cargos de profissionais de sauacutede com

profissotildees regulamentadas desde que haja compatibilidade de horaacuterio173

167

Nesse sentido Joseacute Bengoa interpretando o artigo 6deg do PIDCP defende que o direito agrave vida estaria

decomposto em quatro elementos essenciais direito agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave disponibilizaccedilatildeo de aacutegua

potaacutevel e agrave moradia BENGOA Joseacute Pobreza y derechos humanos programa de trabajo Del Grupo ad hoc

para la realizacioacuten tendiente a contribuir a las bases de uma declaracioacuten internacional sobre los derechos

humanos y la extrema pobreza ECN4 Sub2200225-6-2002 p3 apud GIALDINORolando E El derecho al

disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 498 168

Ao justificar a importacircncia da dignidade da pessoa humana no ordenamento paacutetrio Ana Paula de Barcellos

reforccedila a possibilidade de existirem diferenccedilas entre os conteuacutedos dos enunciados constitucionais afirmando que

ldquo () sem que isso produza uma ruptura do princiacutepio da unidade eacute apenas natural que o conteuacutedo material dos

enunciados - e a fortiori das normas ndash funcione como um elemento relevante para a hermenecircutica juriacutedica ()

Ignorar as diferenccedilas que existem entre os enunciados constitucionais no que diz respeito ao seu conteuacutedo natildeo

faria sentido algum diante das escolhas do proacuteprio constituinte originaacuteriordquo BARCELLOS Ana Paula de A

eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio

de Janeiro Renovar 2011 p 164-165 169

Reconhece-se que o tratamento especial dispensado agrave sauacutede sob o vieacutes de vinculaccedilatildeo a receita de impostos eacute

conjugado com a preocupaccedilatildeo relacionada ao desenvolvimento e manutenccedilatildeo do ensino contudo tal fato natildeo

chega a afastar a primazia do direito agrave sauacutede aqui defendida tanto por existir uma maior preocupaccedilatildeo sob o vieacutes

orccedilamentaacuterio com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede na proacutepria Constituiccedilatildeo (como eacute o caso das contribuiccedilotildees para a

seguridade social que engloba a sauacutede) mas principalmente pela maior proximidade com o direito agrave vida e a

dignidade da pessoa humana inerente ao mesmo 170Princiacutepios constitucionais sensiacuteveis (elencados no art 34 VII CF de 1988) satildeo aqueles que caso infringidos

ensejam a mais grave sanccedilatildeo que se pode impor a um Estado Membro da Federaccedilatildeo a intervenccedilatildeo retirando-lhe

a autonomia organizacional que caracteriza a estrutura federativa 171

Art 34 IV e art 35 III da CF de 1988 172

Aqui tambeacutem haacute regramento semelhante com relaccedilatildeo ao direito agrave educaccedilatildeo 173

Art 37 XVI c da CF de 1988

92

(iii) estabelecer contribuiccedilotildees sociais visando ao financiamento da seguridade

social que se destina a assegurar o direito agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia

social174

e

(iv) definir como sendo de relevacircncia puacuteblica175

as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede bem

como que poderatildeo ser adotados requisitos e criteacuterios diferenciados para a

concessatildeo de aposentadoria aos beneficiaacuterios do regime geral de previdecircncia

social nos casos de atividades exercidas sob condiccedilotildees especiais que

prejudiquem a sauacutede ou a integridade fiacutesica176

Conclui-se assim que natildeo somente haacute uma clara maior proximidade do direito agrave

sauacutede com o direito a vida digna como tambeacutem que o proacuteprio ordenamento paacutetrio

vislumbrando tal relevacircncia tratou de conferir um tratamento mais especial ao direito em

exame (tanto na esfera constitucional como infraconstitucional) quando comparado

especificamente com os demais direitos sociais o que eacute reforccedilado pela conclusatildeo de que

funcionando como um requisito de uma vida digna a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede acaba sendo

tambeacutem uma autecircntica questatildeo de cidadania ou seja de conferir aos cidadatildeos a possibilidade

democraacutetica de uma provaacutevel realizaccedilatildeo desse direito177

De se esclarecer que o aqui defendido natildeo significa um abandono da noccedilatildeo consagrada

na doutrina paacutetria de que os direitos fundamentais satildeo indivisiacuteveis e possuem a mesma

hierarquia mas sim consiste na defesa de que o direito agrave sauacutede apresenta em princiacutepio um

niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica178

mais elevada que os demais direitos

fundamentais sociais visto que apresenta uma ascendecircncia axioloacutegica e funcional mais

aproximada ao direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana sendo tal fato refletido no

proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a Constituiccedilatildeo confere a tal direito

De se destacar que o pensamento acima de certa maneira aproxima-se um pouco da

ideia propugnada pela doutrina americana dos ldquopreferred freedomsrdquo ou ldquopreferred positionsrdquo

que sucintamente preza pela possibilidade de ocorrecircncia de posiccedilotildees preferenciais entre os

direitos fundamentais de acordo com o grau de relevacircncia intriacutenseca para o ser humano ou

174

Art 194 e art 195 da CF de 1988 175

Art 197 da CF de 1988 176

Art 201 sect1deg da CF de 1988 177

BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009

ndash UNIMAR p 314 178

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 139-143

93

para a sustentaccedilatildeo das bases democraacuteticas que o mesmo possua desde que tal conferimento

de primazia seja justificado por criteacuterios razoaacuteveis179

Fala-se entatildeo em uma doutrina da posiccedilatildeo preferencial que com fundamento na via

substantiva do devido processo legal defende a inserccedilatildeo de alguns direitos fundamentais em

posiccedilatildeo privilegiada em relaccedilatildeo aos outros sem que isso poreacutem traduza um escalonamento a

priori dos direitos fundamentais lesivo agrave unidade da Constituiccedilatildeo

Outro fator que corrobora com a primazia do direito agrave sauacutede reforccedilando sua iacutentima

ligaccedilatildeo com o direito agrave vida eacute o fato de que a ideia de qualidade de vida inerente ao conceito

de direito agrave sauacutede pregado pela OMS aproxima-se dos ideais de dignidade da pessoa humana

equiparando-se as noccedilotildees de vida digna a de vida saudaacutevel jaacute que o completo bem-estar fiacutesico

mental e social concretiza o princiacutepio da dignidade humana pois natildeo se concebe que

condiccedilotildees insalubres e precaacuterias de vida sejam aceitas como conteuacutedo de uma vida com

dignidade podendo ser identificada portanto uma proteccedilatildeo da dimensatildeo de dignidade

humana integrante do conteuacutedo do direito agrave sauacutede180

Frente a essa relaccedilatildeo embora jaacute tenha sido feitos alguns apontamentos acerca da

contribuiccedilatildeo que a construccedilatildeo conceitual de dignidade da pessoa humana prestou para a

evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais faz-se necessaacuterio neste momento compreender a

abrangecircncia dos aspectos materiais dessa dignidade de modo a estabelecer quais seus efeitos

sobre o direito agrave sauacutede especialmente quanto ao seu vieacutes prestacional

451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio

A dignidade da pessoa humana pode ser conceituada como o atributo inerente e

distintivo de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideraccedilatildeo por

parte do Estado mediante a consagraccedilatildeo de um complexo de direitos e deveres fundamentais

que venham a lhe proteger de atos degradantes bem como a lhe garantir as condiccedilotildees miacutenimas

179

Sobre a doutrina do ldquoPreffered freedomsrdquo conferir MARTEL Letiacutecia de Campos Velho Hierarquizaccedilatildeo de

direitos fundamentais a doutrina da posiccedilatildeo preferencial na jurisprudecircncia da Suprema Corte Norte-Americana

Is there a hierarchy between Fundamental Rights The preferred position constitucional doctrine in the light of

Supreme Court line decision In Revista Sequecircncia ndeg 48 p 91-117 jul 2004 180

Ao comentar a garantia do direito agrave sauacutede na Espanha Guilhermo Escobar explica que existem dois

acircmbitos protetivos distintos a proteccedilatildeo da sauacutede individual que abarca um conjunto de accedilotildees dirigidas a tutelar

a sauacutede como o direito de se conservar vivo e consequente eliminaccedilatildeo de enfermidades e sofrimento a partir da

assistecircncia no caso concreto e o direito a medicamentos e a proteccedilatildeo agrave sauacutede de maneira coletiva a qual abarca

um conjunto de accedilotildees em sua maioria preventivas dirigidas igualmente a tutelar difusamente a sauacutede de todos a

partir de poliacuteticas que indiquem as prioridades na aacuterea ESCOBAR Guilhermo Las garantias del derecho a la

salud en Espantildea In Revista da Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 p

14

94

de existecircncia para uma vida saudaacutevel que termine por propiciar sua participaccedilatildeo ativa nos

destinos da proacutepria existecircncia e da vida em comunhatildeo com os demais seres humanos181

Desta maneira pode-se afirmar que a dignidade natildeo encerra uma criaccedilatildeo

constitucional jaacute que consiste em um dado preexistente a toda experiecircncia especulativa182

havendo em verdade um reconhecimento pela norma da existecircncia de tal qualidade que

acaba gerando um direito ao respeito e promoccedilatildeo dessa relevante qualidade inerente a todo ser

humano

Esclarecendo sob um vieacutes filosoacutefico a dignidade da pessoa humana por ser preacute-

juriacutedica natildeo consiste em um direito ou especificamente em uma pretensatildeo mas sim em um

valor espiritual e moral intriacutenseco agrave pessoa cujo dever geral de respeito e proteccedilatildeo acarreta no

surgimento de pretensotildees juriacutedicas a direitos subjetivos decorrentes desse valor

Nesse contexto a proteccedilatildeo normativa da dignidade da pessoa humana aleacutem de

permitir o reconhecimento do outro no que se refere agraves suas peculiaridades como indiviacuteduos

assume uma feiccedilatildeo tanto defensiva (jaacute que o dever de respeito agrave dignidade atua como limite

aos poderes estatais) quanto protetiva (uma vez que impotildee uma tarefa promocional de caraacuteter

prestacional ao Estado) que aloca o ser humano definitivamente para o papel de finalidade

uacuteltima do Estado funcionando portanto como um pressuposto da igualdade real183

de todos

os homens e da proacutepria democracia

Na conjuntura paacutetria tem-se que a CF de 1988 ao alccedilar agrave dignidade humana ao status

de fundamento184

do Estado Democraacutetico de Direito Brasileiro optou por posicionaacute-la como

um valor central que se impotildee como nuacutecleo baacutesico informador do sistema juriacutedico paacutetrio e

assume uma especial prioridade no sistema normativo jaacute que o unifica e o centraliza

funcionando como um super princiacutepio a orientaacute-lo185

Logo a dignidade apresenta um aspecto

dual visto que atua como elemento que simultaneamente confere unidade de sentido e

legitimidade a ordem constitucional paacutetria186

181

SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 73 182

SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular 2000 Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 146 183

GAVARA DE CARA Juan Carlos Derechos Fundamentales e Desarrollo Legislativondash La Garantiacutea Del

Contenido Esencial de los Derechos Fundamentales em la Ley Fundamental de Bonn Madrid Centro de

Estudios Constitucionales 1994 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 244 184

Art 1deg III da CF de 1988 185

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o princiacutepio da dignidade da pessoa humana In LEITE George

Salomatildeo (org) Dos princiacutepios constitucionais Consideraccedilotildees em torno das normas principioloacutegicas da

Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2003 p 194 186

SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 91

95

Assim no cenaacuterio do constitucionalismo tupiniquim a dignidade da pessoa humana

apresenta-se como um princiacutepio e valor fundamental servindo como buacutessola de toda ordem

juriacutedica apta a conferir unidade de sentido e legitimidade agrave ordem constitucional operando

natildeo soacute como elemento de integraccedilatildeo e criteacuterio hermenecircutico mas tambeacutem (e principalmente)

como um portal que garante a abertura material do sistema juriacutedico dos direitos fundamentais

Pode-se dizer assim que a dignidade enquanto valor fundamental se apresenta como

um componente fundante e informador de todos os direitos fundamentais configurando-se

como fonte eacutetica dos mesmos187

visto que pressupotildee o reconhecimento e proteccedilatildeo de todas as

dimensotildees desses direitos significando a ausecircncia deles uma autecircntica negaccedilatildeo aviltante agrave

proacutepria dignidade

Com efeito por constituiacuterem os direitos fundamentais verdadeiras explicitaccedilotildees da

dignidade da pessoa humana pode-se concluir que a pretensatildeo de eficaacutecia e inviolabilidade

dessa dignidade encontra-se na dependecircncia da sua capacidade de se integrar no contexto da

dogmaacutetica dos direitos fundamentais de todas as dimensotildees em uma perspectiva para aleacutem do

cataacutelogo do Tiacutetulo II da Carta Magna de 1988 jaacute que a dignidade funciona como criteacuterio para

a construccedilatildeo de um conceito materialmente aberto de direito fundamentais no ordenamento

paacutetrio

Logo para aleacutem dos direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo

constituinte existem direitos fundamentais alocados em outras passagens da Constituiccedilatildeo de

1988 bem como nos tratados internacionais em mateacuteria de Direitos Humanos aleacutem de

direitos decorrentes implicitamente do regime e dos princiacutepios consagrados pela CF188

e esse

alargamento da consagraccedilatildeo de direitos fundamentais tem como carro-chefe o aspecto

transcendental da dignidade da pessoa humana

Nesse ponto antes de prosseguir faz-se necessaacuterio alertar que a natureza aberta

marcada por certo grau de indeterminaccedilatildeo da noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana nesse

contexto enfrentado de abertura do cataacutelogo de direitos fundamentais deve ser interpretada

com muito cuidado de modo a natildeo enfraquecer o instituto devido a uma expansatildeo exagerada

do leque de possibilidades materiais a serem enquadrados nessa abertura

Melhor explicando para a preservaccedilatildeo da forccedila normativa e eficaacutecia da dignidade da

pessoa humana o reconhecimento de direitos fundamentais para aleacutem dos jaacute expressos

constitucionalmente deve ser encarado de modo a natildeo se banalizar esse valor fundamental da

dignidade da pessoa humana o qual natildeo deve ser tratado como um espelho no qual todos

187

MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2deg ed Coimbra Coimbra 1998 v 4 p 167 188

Por forccedila do sect 2deg do art 5deg da CF de 1988

96

veem o que desejam ver189

mas sim interpretado a partir de criteacuterios hermenecircuticos seguros e

respaldados na sistemaacutetica iacutensita ao ordenamento paacutetrio evitando desta forma o seu

esvaziamento

Conclui-se portanto que ao passo que os direitos fundamentais funcionam como

exigecircncia e concretizaccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana esse atua como

elemento ampliativo de tais direitos e serve de limite agrave restriccedilatildeo dos mesmos Nesse contexto

especialmente quanto agrave feiccedilatildeo promocional da dignidade da pessoa humana de impor uma

tarefa de cunho prestacional ao Estado haacute uma clara relevacircncia do instituto para os direitos

sociais (especialmente o direito agrave sauacutede) jaacute que a dignidade impotildee a satisfaccedilatildeo das condiccedilotildees

para uma vida saudaacutevel exigindo portanto um conjunto de direito a prestaccedilotildees por parte do

Estado e da comunidade

452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana

Atrelando o raciociacutenio desenvolvido quanto agrave primazia do direito agrave sauacutede dentre os

demais direitos sociais no ordenamento paacutetrio com o pensamento desenvolvido acima quanto

agrave relevacircncia do princiacutepio dignidade da pessoa humana especialmente quanto ao seu vieacutes

promocional tem-se que o direito agrave sauacutede pode ser enxergado como um dos elementos

centrais de uma vida digna e portanto um Estado Democraacutetico que elenca a dignidade como

seu fundamento deve ter uma atenccedilatildeo especial com o mesmo190

Entendido isto eacute certo que se o efeito pretendido pelo princiacutepio da dignidade da

pessoa humana consiste em uacuteltima anaacutelise em que as pessoas tenham uma vida digna podem

ser identificados alguns aspectos materiais dessa dignidade e nesse ponto eacute mais acertada

ainda a defesa de que a disponibilizaccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais que protejam e promovam o

direito agrave sauacutede eacute o primeiro e elementar aspecto a ser traccedilado191

Mas qual seria entatildeo o conteuacutedo material baacutesico da dignidade da pessoa humana O

exame de tal conteuacutedo parte da noccedilatildeo de miacutenimo existencial que consiste exatamente no

189

TRIBE Laurence H DORF Michael C On Reading the Constitucion Cambridge Massachussets Harvard

University Press 1991 p 7 apud SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos

fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 121 190

Aleacutem disso o papel a contribuiccedilatildeo da dignidade da pessoa humana para a eficaz abertura do cataacutelogo

constitucional dos direitos fundamentais assume funccedilatildeo relevante para o direito agrave sauacutede visto que solidifica a

imposiccedilatildeo dos tratados e pactos internacionais nos quais o Brasil se compromete a promoccedilatildeo de tal direito 191

Reforccedilando esse entendimento defende-se que natildeo haacute como desconsiderar ou mesmo negar a conexatildeo entre a

fundamentalidade dos direitos sociais e a dignidade da pessoa humana conexatildeo essa que se torna mais intensa

quanto maior for a importacircncia do direito social em exame para a efetiva fruiccedilatildeo de uma vida com dignidade

BITENCOURT NETO Eurico O Direito ao Miacutenimo para uma Existecircncia Digna Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010 p 117

97

conjunto de prestaccedilotildees materiais miacutenimas sem as quais se pode asseverar que o indiviacuteduo

posiciona-se em situaccedilatildeo de indignidade A compreensatildeo exata do que estaria incluiacutedo no

miacutenimo existencial por sua vez passa pelo ponto jaacute defendido de que os enunciados

normativos podem ganhar a roupagem de regras ou de princiacutepios e nesse contexto tem-se

que o miacutenimo existencial seria o elemento interno do princiacutepio da dignidade da pessoa

humana sem o qual se pode afirmar que tal princiacutepio foi violado assumindo esse elemento

portanto um caraacuteter de regra e natildeo mais de princiacutepio

Desta maneira esse estudo filia-se agrave defesa de que haacute um conteuacutedo miacutenimo que pode

ser identificado no princiacutepio da dignidade da pessoa humana a respeito do qual ningueacutem

tergiversaraacute e que compotildee um nuacutecleo de condiccedilotildees materiais tatildeo fundamental que sua

existecircncia impotildee-se como uma regra e natildeo como um princiacutepio visto que caso tais condiccedilotildees

natildeo existissem natildeo haveria a possibilidade (clara nos princiacutepios) de se graduar ou otimizar

logo a violaccedilatildeo da dignidade quando direcionada a esse nuacutecleo funciona da mesma forma

como nas regras Por outro lado para aleacutem desse nuacutecleo haveria a manutenccedilatildeo da natureza

principioloacutegica da dignidade jaacute que nesse ponto residiriam fins relativamente indeterminados

que poderiam ser atingidos a depender das opccedilotildees do Legislativo e Executivo em cada

momento histoacuterico192

Explicando melhor o raciociacutenio desenvolvido o miacutenimo existencial consistiria no

nuacutecleo material do princiacutepio da dignidade da pessoa humana o qual engloba um conjunto de

situaccedilotildees materiais indispensaacuteveis agrave existecircncia humana digna cuja violaccedilatildeo importa

necessariamente em desrespeito a dignidade sob o aspecto material tornando-se o conteuacutedo

de tal miacutenimo um espectro indisputaacutevel que solidifica consensualmente o baacutesico de condiccedilotildees

que cada indiviacuteduo necessita para viver dignamente193

Tem-se pois que o miacutenimo existencial corresponde a uma fraccedilatildeo nuclear da

dignidade da pessoa humana eivada de um caraacuteter de regra em um contexto em que a natildeo

realizaccedilatildeo dos efeitos abrangidos por esse miacutenimo apontaraacute para uma automaacutetica violaccedilatildeo do

192

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 243 193

Corroborando para a conexatildeo entre dignidade da pessoa humana e miacutenimo existencial Caacutermen Luacutecia

Antunes Rocha pontua que ldquopelo acolhimento do conceito de miacutenimo existencial a ser garantido como direito

para a efetivaccedilatildeo desse princiacutepio [dignidade da pessoa humana] tem-se por estabelecido um espaccedilo

juridicamente assegurado e posto a cumprimento obrigatoacuterio de tal modo que o seu natildeo acatamento pode ser

objeto de responsabilizaccedilatildeo do Estado () o conceito de miacutenimo existencial dotou de conteuacutedo objetivo o

quanto compete aos Estado e agrave sociedade garantir a todos o cumprimento do princiacutepio da dignidade humanardquo

ROCHA Caacutermen Luacutecia Antunes O miacutenimo existencial e o princiacutepio da reserva do possiacutevel In Revista latino-

americana de estudos constitucionais n5 janjun Belo Horizonte 2005 p 445

98

mencionado princiacutepio constitucional194

Por outro lado eacute certo que a parcela remanescente do

conteuacutedo da dignidade da pessoa humana a qual natildeo faz parte desse consenso miacutenimo e

apresenta o vieacutes de princiacutepio pode vir a ser incorporada a esse nuacutecleo essencial a depender da

conjuntura histoacuterica e poliacutetica195

Nesse contexto se por um lado natildeo existe consenso sobre a possibilidade de uma

delimitaccedilatildeo pontual196

de tudo que realmente viria a abranger esse miacutenimo existencial197

por

outro natildeo pode ser negado o fato de que o direito agrave sauacutede natildeo soacute estaria incluiacutedo em seu

conteuacutedo como em verdade seria o seu componente elementar jaacute que (repisando a noccedilatildeo de

direito agrave sauacutede como um direito social impreteriacutevel) natildeo se cogita uma vida digna que natildeo

abranja uma vida saudaacutevel198

De toda forma uma pergunta jaacute desponta o que finalmente estaria incluiacutedo de

maneira concreta no miacutenimo existencial e qual seria portanto esse conjunto de situaccedilotildees

materiais imprescindiacuteveis agrave existecircncia humana digna Antes de responder tal questionamento

faz-se imperioso o alerta de que qualquer proposta que tente especificar as prestaccedilotildees

materiais incluiacutedas na noccedilatildeo de miacutenimo existencial deve ter em mente que esse nuacutecleo natildeo

consiste em um elemento hermeacutetico e cerrado mas sim configura-se de modo expansiacutevel

194

Conforme preceitua Mariana Filchtiner podem ser identificadas duas dimensotildees distintas do miacutenimo

existencial de um lado o direito de natildeo ser privado do que se considera essencial agrave conservaccedilatildeo de um

rendimento indispensaacutevel a uma existecircncia minimamente dina e de outro o direito a exigir do Estado as

prestaccedilotildees que traduzem esse miacutenimo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede

paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 194 195

Com perfeiccedilatildeo Ana Paula de Barcellos tenta elucidar a temaacutetica em exame da seguinte maneira ldquoRecorra-se

aqui a uma imagem capaz de ilustrar o que se afirma a de dois ciacuterculos concecircntricos O ciacuterculo interior cuida

afinal do miacutenimo de dignidade decisatildeo fundamental do poder constituinte originaacuterio que qualquer maioria teraacute

de respeitar e que afinal representa o efeito concreto miacutenimo pretendido pela norma e exigiacutevel O espaccedilo entre o

ciacuterculo interno e o externo seraacute ocupado pela deliberaccedilatildeo poliacutetica a quem caberaacute para aleacutem do miacutenimo

existencial desenvolver a concepccedilatildeo de dignidade prevalente ()rdquoBARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia

juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de

Janeiro Renovar 2011 p 296 196

Para Ricardo Locircbo Torres por exemplo o miacutenimo existencial seria ldquoindefiniacutevel aparecendo sob a forma de

claacuteusulas gerais e tipos indeterminadosrdquo TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos

direitos In TORRES Ricardo Locircbo (Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999

p 151 197

Merece nota o posicionamento reforccedilador da unidade dos direitos fundamentais de Ingo Sarlet no sentido de

ser o miacutenimo existencial propriamente uma espeacutecie de direito fundamental composto por um conjunto de direitos

fundamentais a prestaccedilotildees os quais por sua essencialidade agrave garantia de condiccedilotildees miacutenimas (e aiacute o autor cita a

sauacutede a educaccedilatildeo a alimentaccedilatildeo e a informaccedilatildeo) possibilitam o real exerciacutecio dos direitos individuais e

poliacuteticos SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 198

Aqui faz-se relevante a distinccedilatildeo entre miacutenimo vital e miacutenimo existencial e a inter-relaccedilatildeo que a sauacutede

apresenta com ambos os conceitos Miacutenimo vital refere-se agraves prestaccedilotildees materiais imperiosas agrave subsistecircncia do

indiviacuteduo enquanto miacutenimo existencial abarcaria todas prestaccedilotildees necessaacuterias ao gozo de uma vida digna indo

aleacutem da mera sobrevivecircncia Nota-se assim que o direito agrave sauacutede tanto por sua primazia atrelada ao seu caraacuteter

elementar quanto pelo fato de sua salvaguarda acompanhar o indiviacuteduo por toda sua existecircncia termina por

figurar como carro-chefe de ambos os conceitos

99

podendo (e devendo199

) serem acoplados novos elementos ao mesmo conforme a evoluccedilatildeo de

cada ordenamento importando sua supressatildeo200

em grave violaccedilatildeo agrave dignidade

Dito isto tem-se que o presente estudo se filia agrave ambiciosa201

proposta de

concretizaccedilatildeo juriacutedica da ideia de miacutenimo existencial formulada por Ana Paula Barcellos de

que o Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humanardquo a qual identifica quatro elementos (trecircs

materiais e um de caraacuteter instrumental) na composiccedilatildeo do miacutenimo existencial e portanto

concretizadores do nuacutecleo da dignidade da pessoa humana a sauacutede baacutesica a educaccedilatildeo baacutesica

a assistecircncia aos desamparados e o acesso agrave justiccedila202

Sem partir de uma escolha aleatoacuteria tais elementos integram uma estrutura loacutegica que

aloca a educaccedilatildeo e a sauacutede como formadores de um primeiro momento da dignidade humana

jaacute que satildeo as peccedilas responsaacuteveis por assegurar as condiccedilotildees iniciais para que o indiviacuteduo

construa sua proacutepria dignidade de modo autocircnomo Ainda tal estrutura posiciona a assistecircncia

aos desamparados como uma espeacutecie de pilar uacuteltimo na base que evita a situaccedilatildeo de

indignidade em termos absolutos abrangendo aspectos inerentes agrave alimentaccedilatildeo vestuaacuterio e

abrigo e finalmente o acesso agrave justiccedila desponta como o elemento instrumental apto e

indispensaacutevel ao reconhecimento de eficaacutecia dos elementos materiais expostos

Avanccedilando nesse raciociacutenio defende-se aqui amparado por tudo que jaacute foi exposto

nesse capiacutetulo que dentre os trecircs elementos materiais apontados ainda que o direito agrave sauacutede

conforme a visatildeo da autora apresente-se conjugada com o direito agrave educaccedilatildeo em um primeiro

plano da dignidade humana por sua umbilical ligaccedilatildeo com o direito agrave vida seu caraacuteter de

direito impreteriacutevel e finalmente sua necessidade de perene garantia203

ao longo de toda a

vida do indiviacuteduo deve ser posicionado na base deste primeiro plano consistindo em preacute-

199

Para Ricardo Locircbo Torres novamente o miacutenimo existencial estende-se para aleacutem dos direitos elencados no

art 5deg da CF sendo dotados de historicidade comportando elasticidade suficiente para adaptar-se ao contexto

social TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos direitos In TORRES Ricardo Locircbo

(Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999 p 262 200

Nesse ponto dos ensinamentos de Canotilho depreende-se que com base no princiacutepio da vedaccedilatildeo do

retrocesso social ou da evoluccedilatildeo reacionaacuteria uma vez obtido certo grau de realizaccedilatildeo de um direito social por

meio de uma nova prestaccedilatildeo material especiacutefica tal acreacutescimo passa a compor a esfera dimensional do direito

agraciado passando a ser exigiacutevel pelos cidadatildeos CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional

e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 339 201

Adjetivaccedilatildeo empreendida pela proacutepria autora BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos

Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar

2011 p 247 202

Em que pese a referida autora se preocupar em sua obra em delimitar o que na visatildeo da mesma estaria

abrangido por cada um desses elementos tal especificaccedilatildeo natildeo seraacute objeto do presente estudo sendo apenas em

momento oportuno apresentada o posicionamento particular do que seria um miacutenimo existencial em espeacutecie

para o direito agrave sauacutede 203

Enquanto a educaccedilatildeo poderaacute vir a ser prestada em qualquer fase da vida a preocupaccedilatildeo com a sauacutede

acompanha a pessoa humana desde antes sua concepccedilatildeo percorrendo por toda sua existecircncia

100

requisito baacutesico a fruiccedilatildeo dos demais direitos fundamentais para aleacutem do proacuteprio miacutenimo

existencial

Quanto a esse ponto (fundamentalidade da sauacutede e educaccedilatildeo) sem querer travar um

embate entre tais bens mas apenas constatar uma situaccedilatildeo faacutetica faz-se imperioso admitir

que embora a obrigaccedilatildeo estatal para com a educaccedilatildeo do cidadatildeo necessite de uma estrutura

perene uma vez usufruiacutedo tal direito seja em qual fase da vida for pode-se dizer que o

Estado quitou sua ldquodiacutevidardquo com a formaccedilatildeo educacional daquele indiviacuteduo em especiacutefico que

estaria apto a trilhar seu proacuteprio caminho Noutro vieacutes a obrigaccedilatildeo estatal com relaccedilatildeo a

sauacutede atravessa toda a vida do indiviacuteduo natildeo importando sua idade nem grau de instruccedilatildeo

educacional

Em outras palavras enquanto que com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo o Estado pode em algum

momento se posicionar como fiel cumpridor do que se comprometeu livrando-se para cada

indiviacuteduo especificamente de sua obrigaccedilatildeo quanto agrave sauacutede o Estado continuamente estaraacute

ldquopagando sua diacutevida com o cidadatildeordquo sempre que o indiviacuteduo necessitar dos serviccedilos de sauacutede

puacuteblica

Corroborando com o raciociacutenio acima construiacutedo tem-se que a CF de 1988

vislumbrou ser possiacutevel estratificar (sem comprometer) o direito agrave educaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis a partir de criteacuterios etaacuterios importando em distintos graus de obrigatoriedade do Estado

quanto agrave concretizaccedilatildeo de tal direito204

enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede tal teacutecnica natildeo

pocircde ser aplicada pois enxergou-se que como o direito agrave sauacutede pode ser lesado de maneira

atemporal e inesgotaacutevel e o Estado chamado a reparar tal violaccedilatildeo uma proteccedilatildeo a tal direito

soacute estaria consentacircnea com a dignidade da pessoa humana caso abrangesse o acesso universal

e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede o que

acabou sendo previsto pela CF

Feitas tais digressotildees transborda aos interesses desse estudo a exata noccedilatildeo do que

cada elemento citado como integrante do miacutenimo existencial estaria abrangendo contudo

merece ser esboccedilada ainda que sucintamente a noccedilatildeo particular trazida pela referida autora

de qual seria o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede integrantes desse elemento do miacutenimo

existencial para posterior contraste com a visatildeo empreendida por esse estudo no capiacutetulo

seguinte Nesse contexto a concretizaccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial com

relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede205

deve necessariamente abranger a prestaccedilatildeo de serviccedilo de

204

Conforme art 208 da CF de 1988 205

Sob um vieacutes dialoacutegico pode-se afirmar que se de um lado a sauacutede consubstancia-se como elemento do

miacutenimo existencial (que seria o nuacutecleo essencial da dignidade humana) natildeo se pode esquecer que no acircmbito

101

saneamento o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo

epidemioloacutegicas206

Chega-se finalmente a um dos pontos centrais do presente estudo que eacute o alerta para

o fato de que natildeo se faz suficiente somente afirmar o que estaria englobado no miacutenimo

existencial Eacute essencial compreender qual o alcance em termos de exigibilidade e eficaacutecia de

se afirmar que prestaccedilatildeo ldquoardquo ou ldquobrdquo insere-se no conteuacutedo do miacutenimo existencial e quais as

consequecircncias em caso de afronta ao mesmo

Mergulha-se entatildeo na relevante temaacutetica da sindicabilidade dos direitos sociais

especialmente do direito agrave sauacutede perante o Poder Judiciaacuterio e a premissa que antes mesmo de

adentrar no toacutepico especiacutefico do tema jaacute deve ser assentada eacute a de que (a partir do resgate do

pensamento jaacute esposado de que o miacutenimo existencial ganha roupagem de regra e portanto sua

natildeo garantia importaraacute em violaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana) quando o Judiciaacuterio

emprega o conceito de miacutenimo existencial ele estaacute automaticamente dispensando o exame da

reserve do possiacutevel

Isto porque a possiacutevel utilizaccedilatildeo do argumento econocircmico-orccedilamentaacuterio do Estado soacute

pode ser invocada quando estiver sendo discutido um aspecto que transborde o conteuacutedo

desse miacutenimo

Portanto a celeuma envolvendo a judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede reside exatamente

na tentativa de se construir criteacuterios objetivos e razoaacuteveis que respaldem um controle judicial

consentacircneo com o ordenamento constitucional paacutetrio de modo a evitar abusos e efeitos

colaterais que ao inveacutes de fortalecer venha a enfraquecer a relaccedilatildeo entre os Poderes e as

bases constitucionais de tal direito E nesse ponto a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial

especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede por contribuir para uma maior seguranccedila juriacutedica dessa

intervenccedilatildeo judicial no tema assume papel de suma relevacircncia conforme se veraacute a seguir

desse proacuteprio direito agrave sauacutede existe um espectro de situaccedilotildees materiais cuja garantia iraacute importar na

concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial formando um consenso miacutenimo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que

retroalimenta essa sistemaacutetica dialoacutegica Pode-se falar portanto em miacutenimos existenciais em espeacutecie para cada

um dos elementos (sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) do nuacutecleo da dignidade da

pessoa humana consistindo a tentativa doutrinaacuteria e jurisprudencial de elucidaccedilatildeo da abrangecircncia de cada um

desses miacutenimos em espeacutecie uma importante tarefa apta a proporcionar seguranccedila juriacutedica no terreno da

problemaacutetica da efetividade dos direitos fundamentais sociais 206

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 321

102

5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

De modo a facilitar a organizaccedilatildeo do raciociacutenio ateacute aqui desenvolvido e situar o leitor

na busca pela compreensatildeo do presente capiacutetulo faz-se pertinente rememorar que o estudo

ora proposto tem como ponto de partida as constataccedilotildees de que o niacutevel de concretizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede alcanccedilado no panorama constitucional paacutetrio natildeo corresponde ao patamar de

gradual e progressiva realizaccedilatildeo imaginado e reconstruiacutedo pela Constituiccedilatildeo de 1988 bem

como que o direito agrave sauacutede frente sua maior proximidade com o direito agrave vida e seu caraacuteter de

direito impreteriacutevel apresenta um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica mais acentuado que os

demais direitos sociais alocando-se assim para uma posiccedilatildeo de primazia dentre estes

Admitidas tais premissas concluiu-se que no exame acerca da problemaacutetica da

eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede em que pese o fato de sua realizaccedilatildeo demandar um

aporte de recursos do Estado existem certas prestaccedilotildees materiais que podem ser pleiteadas

judicialmente sem que o argumento da reserva do possiacutevel possa prosperar jaacute que seriam

prestaccedilotildees incluiacutedas em uma espeacutecie de nuacutecleo do direito a sauacutede compondo um miacutenimo

existencial em espeacutecie para tal direito Da mesma forma assentou-se que a depender das

previsotildees legais e poliacuteticas puacuteblicas na temaacutetica outras prestaccedilotildees poderiam ser exigidas

judicialmente jaacute que os compromissos firmados devem ser cumpridos sob pena de se frustrar

a concretizaccedilatildeo do direito ora examinado

Eacute nessa conjuntura que surge a problemaacutetica discussatildeo acerca dos limites da atuaccedilatildeo

do Poder Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede tema que envolve de forma complexa

aleacutem de aspectos de natureza primordialmente constitucional como a correta leitura da

Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e o alcance do Princiacutepio da Igualdade nuances

relacionadas agrave seara orccedilamentaacuteria ao controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas e agrave hermenecircutica

juriacutedica sobretudo quando da aplicaccedilatildeo do Princiacutepio da Proporcionalidade

O presente capiacutetulo se propotildee a analisar exatamente as questotildees acima mencionadas

com o fito de defender fique claro desde jaacute que o papel do Poder Judiciaacuterio no

enfrentamento de casos que envolvam a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que vinculado

a criteacuterios razoaacuteveis e objetivos que natildeo desvirtuem a organizaccedilatildeo dos poderes estruturada

constitucionalmente consiste em um importante instrumento de aceleraccedilatildeo do jaacute

mencionado deacuteficit evolutivo pelo qual passa o processo de gradual realizaccedilatildeo de tal direito

no Brasil

Partindo do exposto e levando em consideraccedilatildeo a interpretaccedilatildeo da legislaccedilatildeo

infraconstitucional paacutetria regulamentadora do direito agrave sauacutede o mote principal deste capiacutetulo

103

seraacute o seguinte tentar delimitar quais prestaccedilotildees materiais incluem-se no miacutenimo existencial

do direito agrave sauacutede aleacutem de propor razoaacuteveis criteacuterios a serem empregados pelo Judiciaacuterio ao

julgar demandas que envolvam o tema

Feito essa espeacutecie de resumo elucidativo seraacute examinado a seguir o ponto inicial da

discussatildeo proposta a contribuiccedilatildeo da noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional207

no contexto do

constitucionalismo contemporacircneo para a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais

51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA

ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

A hodierna visatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional estaacute inserida no contexto das

transformaccedilotildees contemporacircneas do chamado neoconstitucionalismo208

fenocircmeno que apesar

da dificuldade de se chegar a um conceito uniforme209

pode ser caracterizado pela

identificaccedilatildeo de trecircs marcos (um histoacuterico um filosoacutefico e outro teoacuterico) condensadores das

mudanccedilas de paradigma que mobilizaram a criaccedilatildeo de uma nova percepccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

O marco histoacuterico no contexto mundial pode ser identificado pelo constitucionalismo

do poacutes 2deg Guerra Mundial marcado pela tentativa de se redefinir o lugar da Constituiccedilatildeo e sua

influecircncia sobre as instituiccedilotildees contemporacircneas a partir da aproximaccedilatildeo das ideias de

constitucionalismo e democracia com o surgimento do Estado Democraacutetico de Direito No

Brasil tal renascimento se deu tardiamente mediante a atual Carta de 1988 a qual vem

propiciando o mais longo periacuteodo de estabilidade institucional da histoacuteria republicana

paacutetria210

207

Sobre a temaacutetica conferir dentre outros NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira Jurisdiccedilatildeo Constitucional ndash

Aspectos controvertidos Curitiba Juruaacute 2011 254 p 208

Natildeo eacute objeto do presente estudo o enfrentamento da discussatildeo acerca da conceituaccedilatildeo de

neoconstitucionalismo sendo certo contudo que natildeo haacute uma completa uniformidade doutrinaacuteria acerca do tema

Sobre o assunto v dentre outros Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das

poliacuteticas puacutebicas Revista de Direito Administrativo ndeg 240 2005 COMANDUCCI Paolo Formas de (neo)

constitucionalismo um anaacutelisis metateoacuterica Isonomiacutea n 16 p 89 abr2002 CARBONELL Miguel

Neoconstitucionalismo(s) Madrid Trotta 2003 209

Nesse sentido adverte Humberto Aacutevila que natildeo haacute apenas um conceito de ldquoneoconstitucionalismordquo sendo a

diversidade de autores concepccedilotildees elementos e perspectivas tatildeo marcante que torna-se inviaacutevel o esboccedilo de

uma teoria uacutenica Contudo na visatildeo do autor podem ser identificados quatro fundamentos inseparaacuteveis do

instituto ldquoo normativo (da regra ao princiacutepio) o metodoloacutegico (da subsunccedilatildeo agrave ponderaccedilatildeo) o axioloacutegico (da

justiccedila geral agrave justiccedila particular) e o organizacional (do Poder Legislativo ao Poder Judiciaacuterio)rdquo AacuteVILA

Humberto ldquoNeoconstitucionaismordquo entre a ldquociecircncia do direitordquo e o ldquodireito da ciecircnciardquo In Revista Eletrocircnica

de Direito do Estado (REDE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico ndeg 17 janeirofevereiromarccedilo

2009 210

BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02

104

No campo filosoacutefico o debate travado pelas correntes de pensamento jusnaturalista

(desenvolvido a partir do seacuteculo XVI e marcado pela aproximaccedilatildeo da lei e razatildeo) e positivista

(ascendente no final do seacuteculo XIX em lugar do jusnaturalismo e caracterizado pelo

afastamento do direito da filosofia) eacute superado com a adoccedilatildeo da prevalecircncia de um conjunto

difuso e abrangente de ideias agrupadas sob o roacutetulo de poacutes-positivismo que sem desprezar o

direito posto busca empreender uma leitura moral do direito perquirindo sua funccedilatildeo social e

desenvolvendo instrumentos para sua interpretaccedilatildeo211

Daiacute ser consistente a criacutetica212

de que a adesatildeo ao neoconstitucionalismo natildeo significa

a automaacutetica aceitaccedilatildeo das famosas premissas (mais princiacutepios que regras mais ponderaccedilatildeo

que subsunccedilatildeo) pregadas por Luiacutes Pietro Sanchiacutes213

como caracterizadoras de tal movimento

mas sim a adoccedilatildeo de uma teoria constitucional que sem descartar a relevacircncia das regras e da

subsunccedilatildeo abraccedila os princiacutepios e a ponderaccedilatildeo tentando racionalizar seu uso

Tal cenaacuterio mergulhado na reaproximaccedilatildeo entre o direito e a filosofia eacute marcado por

um conjunto de novas ideias que tentam justificar esse novel posicionamento da Constituiccedilatildeo

no ordenamento214

destacando-se o desenvolvimento de uma teoria dos direitos

fundamentais calcada na dignidade humana o conferimento de normatividade aos princiacutepios e

a reabilitaccedilatildeo da razatildeo praacutetica e da argumentaccedilatildeo juriacutedica na formaccedilatildeo de uma nova

hermenecircutica constitucional baseada na maior amplitude do espaccedilo de atuaccedilatildeo do

inteacuterprete215

Eacute no campo teoacuterico contudo que estaacute inserida a expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

que juntamente com o reconhecimento de forccedila normativa agrave Constituiccedilatildeo e o

desenvolvimento de uma nova dogmaacutetica da interpretaccedilatildeo constitucional formam as trecircs

grandes transformaccedilotildees do neoconstitucionalismo essenciais para a superaccedilatildeo da arcaica

noccedilatildeo de Constituiccedilatildeo como um mero documento poliacutetico cuja concretizaccedilatildeo das propostas

211

Tal movimento ficou conhecido como virada kantiana e buscou sepultar a ideia de uma separaccedilatildeo riacutegida

entre a descriccedilatildeo e prescriccedilatildeo na ciecircncia juriacutedica associando o debate moral ao direito TORRES Ricardo Lobo

A jurisprudecircncia dos valores In SARMENTO Daniel (Coord) Filosofia e teoria constitucional

contemporacircnea Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 509 212

SARMENTO Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 81 213

SANCHIS Luis Pietro Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales Madrid Trotta 2000 p 132 214

Reforce-se que a superaccedilatildeo do positivismo natildeo deve ser compreendida nem como o completo abandono do

instrumental teoacuterico desenvolvido pela doutrina positivista nem como o regresso automaacutetico ao jusnaturalismo

mas sim como uma mescla e agrupamento de tais modelos resultante na combinaccedilatildeo dos acertos de ambos

BUSTAMANTE Thomas da Rosa de Em busca de uma filosofia do Direito natildeo-positivista revisitando o

debate com o professor Alfonso Garciacutea Figueroa In Teoria do direito e decisatildeo racional temas de teoria da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Rio de JANEIRO Renovar 2008 p 232 215

PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito

com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo

(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 34

105

nela inseridas dependia completamente da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e da

discricionariedade do administrador216

Desta maneira o modelo de supremacia da lei entatildeo reinante foi cedendo espaccedilo para

um novo padratildeo inspirado pela experiecircncia americana de supremacia da constituiccedilatildeo217

marcado pela constitucionalizaccedilatildeo dos direitos fundamentais cuja proteccedilatildeo passou a caber ao

Judiciaacuterio Essa conjuntura por sua vez foi marcada pelo desenvolvimento do controle de

constitucionalidade das leis que no Brasil acoplou reflexos significativos da referida

expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional com o advento da Carta de 1988 sobretudo com a

criaccedilatildeo de novos mecanismos de controle concentrado e ampliaccedilatildeo dos legitimados agrave

propositura das accedilotildees de controle

Eacute nesse panorama de constitucionalizaccedilatildeo do direito em que a Constituiccedilatildeo aliou agrave

sua supremacia formal uma supremacia axioloacutegica alimentada pela abertura do sistema

juriacutedico e pela normatividade dos princiacutepios que surge o polecircmico debate doutrinaacuterio acerca

da legitimidade e dos limites da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo dos valores substantivos

basilares na Constituiccedilatildeo e na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sobretudo os sociais

de cunho prestacional em sentido estrito218

A polecircmica reside no fato de que se por um lado eacute paciacutefico existir um consenso com

relaccedilatildeo ao fato da Constituiccedilatildeo posicionar-se no centro do sistema juriacutedico irradiando sua

forccedila normativa e funcionando tanto como paracircmetro de validade para a ordem

infraconstitucional quanto vetor primordial de interpretaccedilatildeo do sistema juriacutedico por outro

estaacute longe de ser paciacutefica a delimitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio em demandas que envolvem

216

BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 05 217

Sobre o tema Artur Cortez Bonifaacutecio aponta a importacircncia da supremacia da Constituiccedilatildeo realccedilando os

seguintes aspectos ldquoi) o princiacutepio disciplina a existecircncia e o funcionamento dos oacutergatildeos e agentes que compotildeem

a estrutura do Estado suas accedilotildees ou omissotildees e a sua atuaccedilatildeo de conformidade com a Constituiccedilatildeo ii) eacute tambeacutem

modelador das relaccedilotildees juriacutedicas do direito iii) dele se defere uma conformaccedilatildeo dos demais ramos do direito iv)

eacute um princiacutepio que direciona a interpretaccedilatildeo do direito e possibilita a defesa da Constituiccedilatildeo por meio do

exerciacutecio do controle de constitucionalidaderdquo BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional

internacional e a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 31 218

Eduardo Garciacutea de Enterriacutea aponta que ldquo la supremaciacutea de la Constitucioacuten sobre todas las hormas y su

caraacutecter central en la construccioacuten y em la validez del ordenamiento em su conjunto obligan a interpretar eacuteste

em cualquier momento de su aplicacioacuten ndash por operadores puacuteblicos o por operadores privados por Tribunales o

por oacuterganos legislativos o administrativos ndash em el sentido que resulta de los princiacutepios y reglas constitucionales

tanto los generales como los especiacuteficos referentes a la mateacuteria de que se trate ENTERRIacuteA Eduardo Garciacutea

Hermeneutica e Supremacia Constitucional In CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs)

Direito Constitucional teoria geral da constituiccedilatildeo Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 1 Satildeo Paulo Editora

Revista dos Tribunais 2011 829

106

direitos fundamentais sob o argumento de que estaria aplicando e fazendo valer a Constituiccedilatildeo

ao realizar tais direitos219

Aleacutem dessa justificativa juriacutedico-sistecircmica de que o judiciaacuterio quando julga tais

questotildees estaacute simplesmente cumprindo seu papel de defesa da Constituiccedilatildeo alguns aspectos

de caraacuteter social e poliacutetico podem ser apontados para a acentuaccedilatildeo do debate primeiro o fato

de que aumentou significativamente a demanda por justiccedila no Brasil tanto pela proacutepria

inserccedilatildeo de novos direitos e accedilotildees na tutela de interesses coletivos quanto pela redescoberta

da cidadania marcada pela conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto aos seus direitos220

e

segundo a constataccedilatildeo de que o quadro poliacutetico nacional reflete claramente uma carecircncia

tanto do Legislativo quanto do Executivo221

em cumprir com eficiecircncia suas respectivas

funccedilotildees222

Surge portanto nesse cenaacuterio de tensatildeo entre os poderes a necessidade de se

examinar o que se entende por ativismo judicial e qual seria a correta leitura do Princiacutepio da

Separaccedilatildeo dos Poderes especialmente no que se refere ao enfrentamento da temaacutetica da

atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos poderes

O aludido modelo poacutes-positivista ao fazer reverecircncia agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos

fundamentais terminou por contribuir para o fortalecimento daquela e a consequente elevaccedilatildeo

219

Nesta linha de raciociacutenio Daniel Giotti de Paula assevera que ldquoNatildeo se pode esperar que apenas a

Administraccedilatildeo Puacuteblica e os oacutergatildeos legislativos concretizem os direitos fundamentais Pode ser que na defesa de

um chamado interesse puacuteblico bdquosecundaacuterio‟ ou de interesses meramente pessoais e egoiacutesticos deixem eles de

cumprir deveres constitucionais de concretizaccedilatildeo de direitos da coletividade surgindo o Judiciaacuterio como a

instacircncia concretizadora de direitos fundamentais em situaccedilatildeo de niacutetida persecuccedilatildeo do interesse puacuteblico DE

PAULA Daniel Giotti Uma leitura criacutetica sobre o ativismo e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 22 220 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02 221

Importante esclarecer que em que pese a ineficiecircncia do Legislativo e Executivo em cumprir as promessas do

Estado de Bem-Estar Social eacute certo que o recurso aos canais judiciais para solucionar esse problema se deu em

um contexto de enfraquecimento do Legislativo e agigantamento do papel do Executivo ocasionado sobretudo

pela adoccedilatildeo de um presidencialismo de coalizatildeo em que a sustentaccedilatildeo parlamentar do Presidente natildeo se forma

com base somente no eixo partidaacuterio-eleitoral mas tambeacutem regional constatando-se que a agenda legislativa

passou a ser controlada pelo Executivo LIMONGI Fernando A democracia no Brasil presidencialismo

coalizaccedilatildeo partidaacuteria e processo decisoacuterio In Revista Novos Estudos ndeg 76 Nov 2006 p 19 222

Apesar de transbordar o objeto da presente pesquisa eacute inegaacutevel e natildeo pode ser desconsiderado o fato de que

o cenaacuterio poliacutetico brasileiro reflete uma constante e crescente desconfianccedila da sociedade com o Legislativo e

Executivo quadro recentemente reforccedilado pelos graves casos de corrupccedilatildeo ocorridos dentro do diaacutelogo entre

Executivo e Legislativo cunhado popularmente de ldquoescacircndalo do mensalatildeordquo

107

destes ao topo do ordenamento juriacutedico223

A pulsante expansatildeo da Jurisdiccedilatildeo Constitucional

e consequente ascensatildeo institucional do Judiciaacuterio224

acarretaram por sua vez em uma

expressiva judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais as quais passaram a ter nos tribunais

a sua instacircncia decisoacuteria final o que resgatou a discussatildeo sobre os limites da

comunicabilidade entre o sistema poliacutetico e juriacutedico

Desse modo somente para ilustrar seja no campo das poliacuteticas puacuteblicas da relaccedilatildeo

entre os poderes dos direitos fundamentais ou ateacute mesmo em questotildees cotidianas o

Judiciaacuterio especialmente o STF foi chamado a se pronunciar por exemplo sobre poder

investigativo do Ministeacuterio Puacuteblico possibilidade de greve do funcionalismo puacuteblico

legitimidade da interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo em casos de inviabilidade fetal aspectos centrais da

reforma da previdecircncia e do judiciaacuterio limites de atuaccedilatildeo das Comissotildees Parlamentares de

Inqueacuterito legalidade de cobranccedila de assinaturas telefocircnicas majoraccedilatildeo de valor das passagens

de transporte coletivo dentre inuacutemeros outros casos em que restou assentado o caraacuteter proacute-

ativo de tal poder225

Essa nova postura tem se estruturado de maneira bastante complexa no ordenamento

paacutetrio vez que a tentativa de se alcanccedilar um saudaacutevel meio termo entre a visatildeo que enxerga

essa atuaccedilatildeo com maus olhos (fala-se por exemplo em judiocracia e ldquooba-oba

constitucionalrdquo 226

) e a que defende a possibilidade do papel ativista do Judiciaacuterio como canal

seguro e legiacutetimo para solucionar os conflitos poliacutetico-juriacutedicos vem consistindo em uma

tarefa difiacutecil de ser alcanccedilada

223

MAIA Christianny Dioacutegenes Paradigmas do Neoconstitucionalismo brasileiro In SALES Gabrielle

Bezerra JUCAacute Roberta Laena Costa (Orgs) Constituiccedilatildeo em foco 20 anos de um novo Brasil Fortaleza

LCR 2008 p 52 224

Lenio Streck destaca o deslocamento do centro das decisotildees do Legislativo e Executivo para o plano da

Justiccedila Constitucional como um fato consequente e indissociaacutevel do proacuteprio Estado Democraacutetico de Direito ao

afirmar que ldquono Estado Democraacutetico de Direito o foco de tensatildeo se volta para o Judiciaacuterio Ineacutercias do

Executivo e a falta de atuaccedilatildeo do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciaacuterio justamente mediante a

utilizaccedilatildeo dos mecanismos juriacutedicos previstos na Constituiccedilatildeo que estabeleceu o Estado Democraacutetico de Direito

A Constituiccedilatildeo natildeo estaacute sendo cumprida As normas-programas da Lei Maior natildeo estatildeo sendo implementadas

Por isso na falta de poliacuteticas puacuteblicas cumpridoras dos ditames do Estado Democraacutetico de Direito surge o

Judiciaacuterio como instrumento para o resgate dos direitos natildeo realizadosrdquo STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica

juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica da construccedilatildeo do Direito 7deg ed Porto Alegre Livraria

do Advogado 2007 p 54-55 225 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 08 226

Tais termos foram cunhados por Daniel Sarmento no intuito de embasar em estudo desconstrutivo do

neoconstitucionalismo encarado como movimento de inspiraccedilatildeo italiana e espanhola ausente nos debates

americano e alematildeo sua preocupaccedilatildeo com a existecircncia de mais decisotildees e menos espaccedilo para o povo se

autogovernarem por meio das instacircncias democraacuteticas por ele escolhidas Sobre o assunto v SARMENTO

Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE

PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador

Juspodivm 2011 p 73

108

No seio desse embate eacute que nasce o fenocircmeno denominado pela doutrina de ativismo

judicial cuja ideia associa-se a uma participaccedilatildeo mais ampla e intensa do Judiciaacuterio na

concretizaccedilatildeo dos valores e fins constitucionais com interferecircncia no espaccedilo de atuaccedilatildeo dos

outros poderes a partir dentre outras medidas da aplicaccedilatildeo direta da Constituiccedilatildeo a situaccedilotildees

natildeo expressamente abarcadas em seu texto e independente de apoio do legislador ordinaacuterio

do aperfeiccediloamento do controle de constitucionalidade das leis com base em criteacuterios menos

riacutegidos que os de patente violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo bem como da imposiccedilatildeo de condutas e

abstenccedilotildees ao Poder Puacuteblico notadamente em mateacuteria de poliacuteticas puacuteblicas227

Ocorre que a identificaccedilatildeo das accedilotildees que materializam a ideia do ativismo judicial por

si soacute natildeo reflete especificamente um consenso absoluto sobre o seu conceito e dependendo

da maneira que tal fenocircmeno eacute enxergado podem ser sustentadas defesas de pensamentos

totalmente antagocircnicos tanto a favor como contra o tema

Explica-se haacute quem vislumbre o ativismo como uma espeacutecie de mau comportamento

ou maacute consciecircncia do Judiciaacuterio acerca dos limites normativos substanciais do seu papel no

sistema de separaccedilatildeo dos poderes228

e ao reveacutes haacute quem dissocie o termo da ideia de

desrespeito agrave separaccedilatildeo dos poderes defendendo que podem existir decisotildees enquadradas

como ativistas por envolverem opccedilotildees valorativas mas que materialmente estariam

consentacircneas com a noccedilatildeo de freios e contrapesos229

Constata-se portanto que o exame sobre ser ou natildeo determinada postura intriacutenseca a

uma visatildeo ativista vai variar de como cada inteacuterprete encara o instituto230

levando-se em

consideraccedilatildeo que o conceito de ativismo se mostra fugidio e soacute tem razatildeo de ser quando

pensado com base na realidade constitucional de cada ordenamento juriacutedico abstraiacutedo de

paracircmetros universais231

227

BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista

Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 08 228

COELHO Inocecircncio Maacutertires Ativismo judicial ou criaccedilatildeo judicial do direito In FERNANDES FELLET

Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial

Salvador Juspodivm 2011 p 475 229

SAMPAIO JUacuteNIOR Joseacute Herval Ativismo judicial autoritarismo ou cumprimento dos deveres

constitucionais In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo

(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 403 230

O mais recente Ministro do STF Luiacutes Roberto Barroso ao ser questionado em entrevista sobre o ativismo

judicial (tema que por sinal deu o tom de sua sabatina) realccedilou a questatildeo da divergecircncia conceitual do instituto

ao opinar que ldquoNatildeo acho que o Brasil viva um problema que se possa denominar de ativismo judicial se a essa

expressatildeo se quer emprestar um conteuacutedo negativordquo (Grifos acrescidos) Disponiacutevel em

httpwwwconjurcombr2013-jun-07entrevista-luis-roberto-barroso-ministro-supremo-tribunal-federal

Acessado em 07062013 231

BRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 387

109

Desta maneira caso admitido o raciociacutenio de que na ideia de ativismo judicial jaacute se

insere a peculiaridade pejorativa de accedilatildeo transbordativa dos limites impostos

constitucionalmente por razotildees oacutebvias seraacute afastada a possibilidade de classificar como

ativista determinado posicionamento judicial que respeite a loacutegica da separaccedilatildeo dos poderes e

se alinhe ao sistema constitucional

Por outro lado se o instituto for compreendido sob um vieacutes etimoloacutegico e neutro232

no

sentido de significar puramente uma accedilatildeo ativa ou seja de iniacutecio ou intensificaccedilatildeo de uma

operacionalidade jaacute vigorante poderatildeo ser identificados tanto um ativismo judicial beneacutefico e

legiacutetimo quanto um ativismo maleacutefico e ilegiacutetimo sendo a anaacutelise sobre a extrapolaccedilatildeo ou natildeo

dos limites preacutevia e constitucionalmente programados exatamente a tecircnue linha que demarca

o limite entre esses dois extremos

A partir desse segundo pensamento pode ser proposta uma defesa por um ativismo

judicial beneacutefico cuja legitimidade e congruecircncia com o sistema constitucional estaratildeo

atreladas ao fato de ser a atitude judicial empreendida limitada fundamentada e justificada na

proacutepria Constituiccedilatildeo Pode-se concluir assim que certas decisotildees do Judiciaacuterio em que pese

passarem a impressatildeo a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo desbordante do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos

Poderes ou das exigecircncias de democracia representativa natildeo podem ser enquadradas como

ilegiacutetimas jaacute que no fundo prestigiam soluccedilotildees impostas pelos direitos fundamentais

justificadas no Estado Democraacutetico de Direito

Ocorre que se por um lado emprestar automaacutetica e descompromissadamente a uma

decisatildeo um roacutetulo pejorativo de ativista eacute algo repreensiacutevel por outro tambeacutem eacute digno de

criacuteticas a utilizaccedilatildeo do argumento de que sempre que o Judiciaacuterio julga uma demanda

concretizando um direito fundamental ele o faz em prol da Constituiccedilatildeo como uma regra

geral e aprioriacutestica Tal argumento empregado isoladamente eacute simploacuterio e fatalmente

conduziria a um esvaziamento da noccedilatildeo de Separaccedilatildeo dos Poderes

Nesse sentido eacute que o presente trabalho propotildee a defesa por uma postura do Judiciaacuterio

atuante na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que e somente quando respeitados limites

soacutelidos e objetivos previamente estabelecidos postura essa que pode ser tranquilamente

enquadrada como um ativismo beneacutefico e constitucionalmente legiacutetimo

232

Stephen Smith alerta jaacute ser intuitiva a percepccedilatildeo de que o ativismo ganhou um contorno simplista atrelado a

indicaccedilatildeo de exerciacutecio ilegiacutetimo da revisatildeo judicial e defende a necessidade de se superar tal visatildeo de puro vieacutes

ideoloacutegico a partir do esboccedilo de uma visatildeo neutra de ativismo SMITH Stephen F Takin Lessons from the Left

Judicial activismo on the right The Georgetown Journal of Law $ Public Policy Vol 57 2002 apud DE

PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do

ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel

Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 285

110

Contudo o debate eacute complexo jaacute que caminha por discussotildees que envolvem pontos

constitucionais relevantes como o Princiacutepio da Igualdade Princiacutepio Democraacutetico e Seguranccedila

Juriacutedica sendo primordial portanto especificar melhor como essa postura ativista beneacutefica se

apresenta no quadro da Separaccedilatildeo dos Poderes no ordenamento paacutetrio para soacute a partir daiacute

avanccedilar para a proposiccedilatildeo de quais seriam os limites com relaccedilatildeo agrave concretizaccedilatildeo judicial do

direito agrave sauacutede e de que forma os mesmos poderatildeo contribuir para a aniquilaccedilatildeo ou ao menos

diminuiccedilatildeo dos efeitos colaterais de decisotildees desenfreadas na temaacutetica

Dito isto eacute certo que o cenaacuterio estaacute arquitetado da seguinte maneira de um lado

critica-se a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais basicamente

com dois argumentos centrais233

ndash a afronta agrave separaccedilatildeo dos poderes e a ausecircncia de

legitimidade democraacutetica de outro defende-se tal atuaccedilatildeo quando realizada de modo a

resguardar o processo democraacutetico promover os valores constitucionais e assegurar a

estabilidade institucional

Com relaccedilatildeo agrave primeira ideia contraacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais pelo

Judiciaacuterio deve ser esclarecido que o modelo claacutessico de separaccedilatildeo dos poderes calcado nas

propostas de Montesquieu234

e Madison235

foi alicerccedilado em outro contexto em que reinava o

paradigma liberal do direito no qual cabia ao Judiciaacuterio o papel de mero revelador e que por

isso com a virada neoconstitucional (marcada como jaacute visto pela valorizaccedilatildeo dos direitos

fundamentais nas modernas Constituiccedilotildees associados agrave noccedilatildeo de maacutexima aplicaccedilatildeo dos

mesmos) faz-se necessaacuteria uma nova concepccedilatildeo de separaccedilatildeo dos poderes236

233

O rompimento desse equiliacutebrio entre os poderes centra-se no argumento da falta de legitimidade democraacutetica

do Judiciaacuterio bem como da afronta a separaccedilatildeo dos poderes contudo outros argumentos (em verdade

desdobramentos desses maiores) tambeacutem satildeo apontados como a ideia de que o Judiciaacuterio natildeo tem condiccedilotildees de

avaliar o impacto de suas decisotildees sobre a estrutura do Estado como um todo bem como que a decisatildeo sobre por

exemplo onde investir ou que bem priorizar eacute eminentemente poliacutetica e o espaccedilo do Judiciaacuterio deve ser juriacutedico 234

De se destacar que a preocupaccedilatildeo inicial se contenta em analisar as relaccedilotildees entre os poderes sob o princiacutepio

da incompatibilidade buscando impedir que uma mesma pessoa ou grupo ocupasse mais de um poder e natildeo

propriamente a pretensatildeo contemporacircnea de separaccedilatildeo entre as diversas funccedilotildees estatais MAUS Ingeborg

Separaccedilatildeo dos poderes e funccedilatildeo judiciaacuteria uma perspectiva teoacuterico democraacutetica In BIGONA Antocircnio Carlos

Alpino MOREIRA Luiz (orgs) Legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional Rio de Janeiro Lumen Juris

2010 p 27 235

Madison aperfeiccediloou a teoria de Montesquieu ao sugerir o sistema de freis e contrapesos calcado no

estabelecimento de funccedilotildees tiacutepicas e atiacutepicas aos poderes visando o controle muacutetuo sem que qualquer um deles

pudesse chegar a uma posiccedilatildeo de hegemonia dentro do Estado DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe

separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da

poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As

novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 275 236

Corroborando com a noccedilatildeo de aperfeiccediloamento da separaccedilatildeo dos poderes Bruce Ackerman afirma que ldquoa

separaccedilatildeo de poderes eacute uma ideia mas natildeo haacute nenhuma razatildeo para supor que os escritores claacutessicos esgotaram a

sua excelecircnciardquo ACKERMAN Bruce A nova separaccedilatildeo de poderes Trad por Isabelli Maria Campos

Vasconcelos e Eliana Valadares Santos Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 113

111

A construccedilatildeo dessa nova concepccedilatildeo que no contexto hodierno eacute alimentada pela crise

da representaccedilatildeo parlamentar e a percepccedilatildeo da justiccedila como um canal aberto ao debate

poliacutetico eacute acompanhada de perto pela tentativa de se reconhecer ateacute que ponto estatildeo

legitimados os tribunais para resolver questotildees morais e poliacuteticas na sociedade avaliando-se a

profundidade que a tensatildeo entre constitucionalismo e democracia atinge no cenaacuterio atual de

abrandamento da rigorosa separaccedilatildeo entre os espaccedilos do direito e da justiccedila cada vez menos

demarcados237

Tentando-se construir um raciociacutenio loacutegico de faacutecil assimilaccedilatildeo pode ser defendido

que se a noccedilatildeo de freios e contrapesos pressupotildee que os oacutergatildeos estatais sejam representativos

da sociedade eacute apropriado se admitir que o descreacutedito com o sistema representativo termina

por colocar em xeque o proacuteprio funcionamento do sistema poliacutetico238

sendo inevitaacutevel a

convocaccedilatildeo do Judiciaacuterio para tentar corrigir esse problema desde que tal correccedilatildeo seja

realizada no limite dos ditames constitucionais239

Desta maneira no contexto de crise da representaccedilatildeo popular agravado pelo caraacuteter

altamente compromissoacuterio da prolixa Carta de 1988 a saiacuteda para a celeuma sobre como

seguramente limitar a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio estaacute exatamente na compreensatildeo de que o real

papel do mesmo eacute o de se portar respeitador agraves escolhas das instacircncias representativas mas

prioritariamente intolerante agrave posturas majoritaacuterias que transbordem os limites

constitucionais240

Noutro poacutertico pode ser defendido que o concerto sistemaacutetico da soma vetorial das

disposiccedilotildees constitucionais natildeo implica que o vetor final desse arranjo aponte

necessariamente para uma total preponderacircncia da separaccedilatildeo dos poderes e das prerrogativas

do Legislativo e Executivo com o consequente afastamento da possibilidade do Judiciaacuterio

237

BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista

Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 10 238

Sobre a crise do sistema de freios e contrapesos Daniel Giotti de Paula defende o fato de que tal sistema natildeo

reforccedila por si soacute a democracia jaacute que partiria de uma visatildeo homogecircnea da sociedade que transportada para os

dias atuais esbarraria na complexidade da sociedade hodierna e natildeo atingiria agrave representaccedilatildeo total almejada

sendo destacada a necessidade de se abandonar a ideia de separaccedilatildeo dos poderes como um modelo puro de

foacutermula universal aprioriacutestica e completa DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A

invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 281 239

RAMOS Elival da Silva Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos Satildeo Paulo Saraiva 2010 p 116 240

Corroborando Andreacute Ramos Tavares pontua que ldquoa crise da democracia parlamentar eacute apresentada como

uma das principais problemaacuteticas contemporacircneas Para resolver essa dificuldade eacute preciso registrar

preliminarmente que natildeo existe um modelo final de democracia que se possa utilizar como paracircmetro absoluto

Ademais o modelo inicial de Estado Legislativo (legalista) estava alicerccedilardo na ideia de democracia tendo

sido contudo possiacutevel verificar sua incapacidade democraacutetica Sua substituiccedilatildeo por um Estado Constitucional

de Direito implicou a consideraccedilatildeo de uma democracia constitucionalrdquo TAVARES Andreacute Ramos Teoria da

Justiccedila Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 494

112

sindicar algum efeito de um direito fundamental em seu aspecto material241

o que corrobora

com o fato de que o momento eacute de crise do modelo tradicional de separaccedilatildeo dos poderes cujas

concepccedilotildees consagradas natildeo acompanharam a construccedilatildeo das novas necessidades do direito

A incompatibilidade acima apontada e a necessidade de releitura da separaccedilatildeo dos

poderes satildeo reforccediladas pela proacutepria incapacidade reconhecida do Legislativo e Executivo em

solucionarem questotildees polecircmicas surgidas no contexto contemporacircneo (como as discussotildees

sobre uniatildeo homoafetiva e bebecircs aneceacutefalos) acarretando em um estado de socorro ao

Judiciaacuterio como saiacuteda mais segura e cocircmoda para o problema natildeo se discutindo sobre as

criacuteticas apontadas

Coadunando com o pensamento de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo dos direitos

fundamentais se faz legiacutetima quando consentacircnea com os ideais do Estado Democraacutetico de

Direito Ana Paula de Barcellos242

pondera que

Em um Estado democraacutetico natildeo se pode pretender que a Constituiccedilatildeo

invada o espaccedilo da poliacutetica em uma versatildeo de substancialismo radical e

elitista em que as decisotildees poliacuteticas satildeo transferidas do povo e seus

representantes apara os reis filoacutesofos da atualidade os juristas e operadores

do direito em geral () Se contudo a Constituiccedilatildeo conteacutem normas nas

quais estabeleceu fins puacuteblicos prioritaacuterios e se tais disposiccedilotildees satildeo normas

juriacutedicas dotadas de superioridade hieraacuterquica e de centralidade no sistema

natildeo haveria sentido em concluir que a atividade de definiccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas ndash que iraacute ou natildeo realizar esses fins ndash deve estar totalmente infensa

ao controle juriacutedico Em suma natildeo se trata de absorccedilatildeo do poliacutetico pelo

juriacutedico mas apenas da limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo (Grifos

acrescidos)

No que se refere ao segundo fator contraacuterio agrave possibilidade de atuaccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais eacute importante se ter em mente que a ideia de

democracia natildeo se resume simplesmente ao princiacutepio majoritaacuterio243

que cidadatildeo eacute diferente

de eleitor que governo do povo distingue-se de governo do eleitorado244

e portanto possiacuteveis

241

BARCELLOS Ana Paula de Ponderaccedilatildeo racionalidade e atividade jurisdicional Rio de Janeiro

Renovar 2005 p 133 242

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico Nordm 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 243

Na defesa do argumento de que o deacuteficit democraacutetico do Judiciaacuterio natildeo eacute necessariamente maior que o do

Legislativo jaacute que a composiccedilatildeo deste pode ser afetado por diferentes disfunccedilotildees como o abuso econocircmico e a

manipulaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo Vital Moreira pondera que ldquo Na foacutermula constitucional primordial

bdquotodo poder reside no povo‟ Mas a verdade eacute que na reformulaccedilatildeo de Sternberger bdquonem todo o poder vem do

povo‟ Haacute o poder econocircmico o poder mediaacutetico o poder das corporaccedilotildees sectoriais E por vezes estes poderes

sobrepotildee-se ao poder do povordquo MOREIRA Vital O futuro da Constituiccedilatildeo In GRAU Eros Roberto

GUERRA FILHO Willis Santiago Direito Constitucional ndash Estudos em homenagem a Paulo Bonavides

Satildeo Paulo Malheiros 2001 p 323 244

BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 27

113

ineacutercias ou accedilotildees realizadas pelo Legislativo e Executivo que dissonantes agrave loacutegica

constitucional vulnerem os direitos fundamentais da minoria ou aviltem o proacuteprio

procedimento democraacutetico em si natildeo soacute podem como devem ser combatidas pelo Judiciaacuterio

Desta maneira democracia natildeo deve ser compreendida somente em sua acepccedilatildeo

formal (simples possibilidade de escolher os representantes) mas tambeacutem deve ser encarada

sob o vieacutes material representando um processo de concretizaccedilatildeo de direitos e garantias

fundamentais pelos poderes constituiacutedos que antes de ser rotulado de autoritaacuterio consiste em

autecircntico cumprimento de deveres constitucionais245

Assim sendo fica claro que democracia natildeo eacute simples sinocircnimo de regra majoritaacuteria e

exige muito mais que a simples aplicaccedilatildeo desta jaacute que pressupotildee antes de tudo e

primordialmente o respeito aos direitos fundamentais de todos os indiviacuteduos para o perfeito

funcionamento de qualquer processo deliberativo tido como democraacutetico

De se afirmar assim que o cenaacuterio constitucional atual jaacute natildeo mais comporta a ideia

de que a implementaccedilatildeo de direitos fundamentais esteja restrita somente ao Executivo e

Legislativo prevalecendo ao contraacuterio a defesa de que tal tarefa jaacute se encontra arraigada

como uma funccedilatildeo do Estado como um todo devendo ser buscada tambeacutem a partir da

performance de outros atores destacando-se o Judiciaacuterio as funccedilotildees essenciais agrave justiccedila e a

proacutepria sociedade

Pelo exposto pode-se concluir que apesar dos argumentos centrais contraacuterios ao

enfrentamento pelo Judiciaacuterio de questotildees envolvendo a sindicabilidade dos direitos

fundamentais poderem ser superados pela releitura da separaccedilatildeo dos poderes e pelo vieacutes

material do princiacutepio democraacutetico o ponto chave desse debate estaacute exatamente na construccedilatildeo

segura de paracircmetros objetivos que respaldem e limitem246

essa atuaccedilatildeo dizendo ateacute onde o

Judiciaacuterio pode atuar sem ferir o ordenamento constitucional Nesse iacutenterim no que refere-se

aos direitos sociais a construccedilatildeo de miacutenimos existenciais em espeacutecies para os mesmos

desponta como verdadeiro carro-chefe dessa empreitada

245

Realccedilando o papel central da jurisdiccedilatildeo constitucional no desenvolvimento democraacutetico eacute pertinente a

observaccedilatildeo de Paulo Gonet ao afirmar que ldquo() a histoacuteria prova que quando a luz da democracia se apaga eacute para

a jurisdiccedilatildeo que o povo normalmente recorrerdquoBRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito

fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO

Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 399 246

No mesmo sentido Canotilho aponta que ldquo()sempre se coloca o problema de saber se haveraacute um nuacutecleo

essencial caracterizador do princiacutepio da separaccedilatildeo e absolutamente protegido pela Constituiccedilatildeo Em geral

afirma-se que a nenhum oacutergatildeo podem ser atribuiacutedas funccedilotildees das quais resulte o esvaziamento das funccedilotildees

materiais especialmente atribuiacutedas a outros () Todavia permanece aberto o problema de saber onde comeccedila e

onde acaba o nuacutecleo essencial de determinada funccedilatildeordquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito

Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 502

114

Corroborando com essa visatildeo Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Nascimento247

observa

que

Quando se diz que os poderes constituiacutedos formam o espaccedilo institucional

(conjunto de oacutergatildeos funccedilotildees e agentes) de traduccedilatildeo do processo poliacutetico que

tem origem no poder popular isto inclui o judiciaacuterio A vontade sintetizada

no compromisso constitucional e a capacidade integradora da constituiccedilatildeo

estariam anuladas se a sua concretizaccedilatildeo ficasse reduzida e dependente das

decisotildees do executivo Como defender a constituiccedilatildeo quando as poliacuteticas

preventivas ou as diretrizes satildeo negligenciadas pela urgecircncia de gerir a rotina

de governo quando a gestatildeo for mais teacutecnica do que eacutetica e as poliacuteticas

forem dispersas e meramente reativas Cabe ao judiciaacuterio trazer para a arena

puacuteblica a loacutegica juriacutedica dos valores e da busca do entendimento em

confronto com a loacutegica utilitarista e competitiva do mercado econocircmico e da

burocracia administrativa Natildeo se pode eacute aceitar que a judicializaccedilatildeo da

demanda por sauacutede assuma contornos de irracionalidade A teoria da

constituiccedilatildeo serve de auxiacutelio na racionalizaccedilatildeo da tarefa de assegurar em

juiacutezo o direito agrave sauacutede

Apesar de tudo que foi dito ateacute aqui possa ser suficiente para justificar a legitimidade

do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do especial direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio

tornam-se imperiosas algumas ponderaccedilotildees sobre possiacuteveis efeitos colaterais de uma ilimitada

intervenccedilatildeo judicial no tema antes de se analisar que parcela do miacutenimo existencial estaria

abrangida por tal direito

512 Os efeitos colaterais de um desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Jaacute foi apontado que o direito agrave sauacutede apesar de tipicamente enquadrado como direito

de segunda dimensatildeo apresenta um desenho constitucional peculiar uma vez que parte de sua

essecircncia tanto se desloca para a primeira dimensatildeo (aproximando-se de uma ideia de

manutenccedilatildeo da vida248

) como para a terceira dimensatildeo (sob o prisma de uma sauacutede

transindividualmente considerada) Daiacute a importante conclusatildeo de que o direito agrave sauacutede eacute

antes de tudo um elemento de cidadania o que respalda sua qualificaccedilatildeo como um direito

247

NASCIMENTO Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Concretizando a Utopia Problemas na Efetivaccedilatildeo do Direito

a uma Vida Saudaacutevel In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel (coords) Direitos sociais

Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 p 920 248

Reforccedilando essa visatildeo conforme entendimento esposado em diversas decisotildees do TJES (dentre outros o

Mandado de Seguranccedila nordm 100070014129 julgado em 110908 pelo Pleno do TJES Relator Des Alemer

Ferraz Moulin) o direito a sauacutede tambeacutem pode ser encarado como um ldquodireito social que se transmuda em

direito fundamental de primeira geraccedilatildeo pela condiccedilatildeo do miacutenimo existencialrdquo HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares

sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 216

115

humano essencial polifaceacutetico (eacute direito social eacute alicerccedilador da vida e de fruiccedilatildeo

transidividual)249

Decorre dessa qualidade a ideia de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo desse

direito assume um niacutevel de complexidade maior do que com relaccedilatildeo aos demais direitos

sociais especialmente quando discutido o acesso agrave prestaccedilotildees materiais decorrentes do direito

agrave sauacutede e nesse ponto natildeo se pode fugir de algumas observaccedilotildees que circundam o princiacutepio da

igualdade e sua relaccedilatildeo com os direitos sociais

Se com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais as demandas sejam individuais ou

coletivas possuem um raio de abrangecircncia mais limitado no que se refere ao direito agrave sauacutede a

situaccedilatildeo eacute diametralmente oposta podendo ser encontradas demandas que tratam de

diferentes submateacuterias como por exemplo fornecimento de medicamentos cirurgias de

urgecircncia tratamentos de doenccedilas raras transplantes concessotildees de aparelhos auditivos

tratamentos odontoloacutegicos realizaccedilatildeo de exames dentre outros

O enfrentamento judicial de tais situaccedilotildees eacute portanto inegavelmente complexo Desta

maneira eacute certo que ao decidir o magistrado natildeo consegue fugir completamente de suas

impressotildees particulares e em determinados casos em que o natildeo acatamento do pedido pode

significar a morte de um indiviacuteduo a tarefa de vislumbrar a situaccedilatildeo como um todo levando

em consideraccedilatildeo aspectos orccedilamentaacuterios e o restante da populaccedilatildeo resta dificultada250

Da mesma forma ao se filiar a um posicionamento garantista despreocupado com os

limites e consequecircncias das decisotildees e afastado dessa percepccedilatildeo macro que leva em conta o

resto da populaccedilatildeo o Judiciaacuterio contribui para a formaccedilatildeo e um ciacuterculo vicioso alarmante e

cada vez mais recorrente as autoridades puacuteblicas acabam se eximindo de executar as opccedilotildees

constitucionais iacutensitas ao direito agrave sauacutede sob o argumento de que tal valor jaacute estaacute reservado

para as possiacuteveis decisotildees judiciais no assunto ou ateacute mesmo apontando para um estado de

ineacutercia no sentido de soacute cumprir as medidas planejadas em suas poliacuteticas puacuteblicas depois de

demandadas judicialmente

Tal situaccedilatildeo consiste em efeito colateral grave e inconstitucional que aliado a questatildeo

do custo envolvendo certas demandas concretas estatildeo inseridas na discussatildeo sobre igualdade

249

BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In FERNANDES FELLET

Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial

Salvador Juspodivm 2011 p 600 250

Nesse sentido pondera Ana Paula de Barcellos que ldquoUm doente com rosto identidade presenccedila fiacutesica e

histoacuteria pessoal solicitando ao Juiacutezo uma prestaccedilatildeo de sauacutede eacute percebido de forma inteiramente diversa da

abstraccedilatildeo eteacuterea do orccedilamento e das necessidades do restante da populaccedilatildeo que natildeo satildeo visiacuteveis naquele

momento e tecircm sua percepccedilatildeo distorcida ()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 322

116

jaacute que em princiacutepio a concessatildeo pleiteada deve ser concedida da mesma maneira a todas as

pessoas que se encontrem na mesma situaccedilatildeo

Mas seraacute que tais pessoas possuem ciecircncia disso Seraacute que tais pessoas apresentam

condiccedilotildees de contratar um advogado ou possuem ciecircncia que eacute plausiacutevel buscar o auxiacutelio da

defensoria puacuteblica para isso251

Vecirc-se que a situaccedilatildeo eacute complexa e caminha para o reforccedilo da

necessidade de que apesar de legiacutetima a sindicabilidade judicial do direito agrave sauacutede deve ser

programada a partir de criteacuterios objetivos sob pena de ferir a proacutepria sauacutede dos demais

indiviacuteduos e o princiacutepio da igualdade distorcendo a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo deu a esse

importante direito

Nesse contexto se todos contribuem para os cofres puacuteblicos eacute difiacutecil admitir que seja

equitativa a situaccedilatildeo de alguns indiviacuteduos por terem acesso agrave justiccedila alcanccedilarem um direito

relevante e outros que ou nem sabem que podem se socorrer ao Judiciaacuterio ou natildeo possuem

meios para o tal em igual situaccedilatildeo natildeo sejam abrangidos

Contudo a complexidade para o Judiciaacuterio ao enfrentar tais situaccedilotildees eacute imensa e seus

representantes ficam presos ao problemaacutetico dilema de que se acatado o pedido contribui-se

para que algueacutem que possui advogado bdquofure uma fila‟ e outros milhares na mesma situaccedilatildeo

fiquem a mercecirc do SUS por outro lado jaacute se natildeo acatado o pedido estar-se-aacute chancelando

uma conivecircncia com a omissatildeo estatal especiacutefica pleiteada e isso poderaacute acarretar na morte ou

prejuiacutezo irreparaacutevel para o indiviacuteduo natildeo evitados quando o Judiciaacuterio poderia

Eacute preciso deixar claro entretanto que a utilizaccedilatildeo de exemplos extremos natildeo pode

servir para esconder problemas claros da sauacutede baacutesica da populaccedilatildeo Por isso deve ser

assentado desde jaacute que existem duas situaccedilotildees uma ligada agrave escolhas extremas em que o

limite entre vida e sauacutede eacute miacutenimo e ateacute mesmo confundiacutevel como os casos em que um

indiviacuteduo ou grupo necessita de algo (medicamento oacutergatildeo procedimento) com urgecircncia que

em princiacutepio pode ou natildeo ser obrigaccedilatildeo do Estado a depender de suas poliacuteticas puacuteblicas

outra referente agrave situaccedilotildees que o Estado se comprometeu a deveria realizar e natildeo o fez como

eacute o caso por exemplo da sauacutede baacutesica sua estruturaccedilatildeo e o rol de prestaccedilotildees nela disponiacuteveis

bem como o fornecimento de medicamentos previamente listados pelo SUS

251

Corroborando com o raciociacutenio Andreacute Luiz Fellet aponta que ldquoao evitar a perda da vida de um paciente com

foto nuacutemero de identidade e atestado meacutedico nos autos o julgador em sua dificiacutelima missatildeo pode contribuir

para o decesso de um paciente anocircnimo E seraacute justo quanto agrave virtual ineacutercia do uacuteltimo em buscar a tutela

jurisdicional invocar o brocardo latino dormientibus non sucurrit jus (o direito natildeo socorre os que dormem)rdquo

FELLET Andreacute Luiz Fernandes As normas de direitos fundamentais sociais e a implementaccedilatildeo do direito agrave

sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio In Revista da Procuradoria Geral do Municiacutepio de Juiz de Fora v2 jandez

Belo Horizonte 2012 p 110

117

O foco do presente estudo eacute exatamente esse segundo grupo de situaccedilotildees sendo certo

que as circunstacircncias extremas natildeo podem ser abandonadas mas frente agrave complexidade e

peculiaridade dos inuacutemeros eventos possiacuteveis devem ser analisadas caso a caso sob o prisma

da proporcionalidade balanceando-se os elementos que estatildeo em jogo niacutevel de agressatildeo a

igualdade considerando o conflito entre o direito agrave sauacutede individual do demandante e o

direito agrave sauacutede da coletividade bem como o elemento da reserva do possiacutevel e a proximidade

do pleito ao nuacutecleo do miacutenimo existencial em sauacutede

Isso ocorre porque eacute praticamente impossiacutevel se chegar a um comando aprioriacutestico de

como lidar com tais problemas extremos sendo certo que caso seja adotado o criteacuterio da

necessidade de evitar a morte dor ou sofrimento fiacutesico na definiccedilatildeo do que pode ser exigiacutevel

do Estado com relaccedilatildeo ao direito em xeque praticamente toda e qualquer prestaccedilatildeo de sauacutede

estaria enquadrada nesse criteacuterio o que acarretaria aleacutem de possiacuteveis situaccedilotildees de afronta agrave

igualdade em um caoacutetico quadro de inseguranccedila juriacutedica e total desvirtuamento da essecircncia

do direito agrave sauacutede

Em que pese a situaccedilatildeo ser complexa do ponto de vista humano jaacute que eacute

extremamente delicado para um magistrado negar um pleito cujo objeto envolve o

restabelecimento ou manutenccedilatildeo da vida do demandante (como no caso de um transplante ou

medicamento de alto valor a ser comprado no exterior) o enxergar do problema deve

necessariamente passar pelo exame da igualdade252

e principalmente da possiacutevel afronta agrave

sauacutede do resto da populaccedilatildeo que se enquadre no mesmo problema daquele que estaacute em uma

fila de espera por oacutergatildeos haacute anos ou ateacute mesmo daquele cidadatildeo que depende de prestaccedilotildees

252

Com relaccedilatildeo a problemaacutetica da igualdade Mariana Filchtiner Figueiredo posiciona-se no sentido de a

concepccedilatildeo de igualdade ser diferente de universalidade e que esta uacuteltima natildeo apresenta como corolaacuterio

indispensaacutevel a gratuidade das prestaccedilotildees materiais e partindo dessa ideia defende a adoccedilatildeo no Brasil de um

sistema ldquotendencialmente gratuitordquo com a cobranccedila dos serviccedilos de sauacutede de quem possua recursos e na justa

medida da sua condiccedilatildeo econocircmica como possiacutevel alternativa agrave escassez de recursos financeiros e meacutedicos Para

sustentar esse raciociacutenio pondera a autora que ldquoa fraternidade oriunda da triacuteade francesa implica uma nova

concepccedilatildeo dos direitos sociais em que natildeo se atribuam a todos os cidadatildeos indistintamente mas sim agravequeles

todos que deles necessitem e na medida dessa necessidade uma vez que a abstraccedilatildeo e a universalidade natildeo se

adaptam agraves distinccedilotildees faacuteticas existentes dentro do proacuteprio grupo de beneficiaacuterios dos direitos sociais () Natildeo

corresponde agrave noccedilatildeo de paternalismo porquanto as prestaccedilotildees materiais de auxiacutelio devem ser conferidas somente

aos necessitados e na medida dessas carecircnciasrdquo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave

Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 172 A

proposta em questatildeo apesar de ter uma preocupaccedilatildeo justa (emprestar mais igualdade no acesso ao direito agrave

sauacutede e driblar a escassez de recursos) esbarra em uma questatildeo loacutegica a sauacutede como se sabe eacute aberta ao setor

privado e portanto quem tem condiccedilotildees financeiras muito provavelmente frente ao quadro estrutural

deficitaacuterio do SUS buscaraacute socorrer-se em planos de sauacutede privados sendo difiacutecil imaginar que algueacutem que

possua condiccedilotildees financeiras venha a optar por um tratamento no SUS pago do que no setor privado Some-se a

isso o fato de que tal situaccedilatildeo poderia gerar distorccedilotildees ainda maiores e mais desiguais frente a possibilidade de

concretamente ser dada preferecircncia a quem desembolsou alguma importacircncia financeira do que quem natildeo

118

materiais inseridas em um miacutenimo existencial de sauacutede que o Estado natildeo prestou ou que jaacute

faleceu no triste aguardo destas

Conclui-se portanto que a melhor forma de analisar o problema percorre a seguinte

linha de raciociacutenio i o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas

envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a

accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais gerem afronta ao

direito em questatildeo ii essa atuaccedilatildeo contudo se realizada de forma ilimitada pode gerar

anacrocircnicos efeitos colaterais que devem ser combatidos por potencialmente poderem afrontar

o princiacutepio da igualdade da reserva do possiacutevel da separaccedilatildeo dos poderes e da seguranccedila

juriacutedica iii a melhor maneira de se evitar ou pelo menos diminuir tais efeitos indesejados

passa por algumas medidas chaves como iii1 a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial para o

direito em questatildeo que natildeo soacute legitima a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio como tambeacutem empresta maior

seguranccedila ao magistrado ao decidir253

iii2 a consagraccedilatildeo de paracircmetros objetivos que

guardem harmonia com as poliacuteticas puacuteblicas em andamento para a fundamentaccedilatildeo das

decisotildees e iii3 a preferecircncia por demandas coletivas cujo raio de abrangecircncia dos seus

efeitos teraacute o condatildeo de suprimir ou diminuir situaccedilotildees de desigualdade254

253

Interessante notar que a exata e segura noccedilatildeo dos limites de sua atuaccedilatildeo propicia ao magistrado natildeo soacute mais

seguranccedila ao julgar mas tambeacutem uma tranquilidade apta a retirar a carga de responsabilidade inevitavelmente

existente quando da anaacutelise dos citados casos extremos Explica-se sem paracircmetros o juiz ao ser provocado a

decidir muitas vezes no seu iacutentimo entende que a concessatildeo do pleito eacute transbordante agrave sua esfera de

atribuiccedilotildees contudo o concede pela pressatildeo psicoloacutegica e humanista do caso a qual incute na mente do

magistrado o receio de por exemplo estar sentenciando a morte do demandante quando o podia evitar (ainda

que admitisse extrapolar suas funccedilotildees) Em existindo um paracircmetro aprioriacutestico que jaacute elimine de pronto ou

sustente objetivamente o natildeo acolhimento do pleito o magistrado se sentiraacute menos responsaacutevel pelas possiacuteveis

consequecircncias da negativa do pedido 254

Sobre a questatildeo da preferecircncia da defesa do direito agrave sauacutede pela via coletiva Ingo Sarlet faz uma importante

ressalva ao perfilhar que ldquose eacute possiacutevel afirmar a correccedilatildeo do entendimento de que a tutela coletiva

(especialmente em niacutevel preventivo) deva assumir caraacuteter preferencial jaacute que possui a incensuraacutevel virtude de

minimizar uma seacuterie de efeitos colaterais mais problemaacuteticos da tutela jurisdicional individual na esfera dos

direitos a prestaccedilotildees sociais tambeacutem eacute certo que a eliminaccedilatildeo da possibilidade de demandas individuais poderaacute

por si soacute representar uma violaccedilatildeo de direitos fundamentais notadamente quando em causa o direito a uma vida

digna e quando natildeo assegurado o patamar suficiente de proteccedilatildeo social () Da mesma forma se as objeccedilotildees em

relaccedilatildeo agrave tutela judicial individual natildeo podem ter o condatildeo de afastar tal via de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais

tabeacutem eacute certo que eacute preciso empreender ajustes e minimizar os efeitos negativos da litigacircncia individual seja

mediante um controle mais rigoroso no que diz com a necessidade da prestaccedilatildeo pleiteada seja no respeitante a

outros aspectos parte dos quais referidos como possibilidades aptas a propiciar maior racionalidade e eficaacutecia no

plano das estrateacutegias de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais em geral e o direito agrave sauacutede em particularrdquo SARLET

Ingo Wolfgang A titularidade Simultaneamente Individual e Transindividual dos Direitos Sociais Analisada agrave

Luz do Exemplo do Direito agrave Proteccedilatildeo e Promoccedilatildeo da Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de Brito SILVA

Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p

143-144

119

52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL

RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE

Quando estudado o embate entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ficou

assentado que o miacutenimo existencial englobaria um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado

natildeo poderia se furtar de disponibilizar aos cidadatildeos sob pena de afronta aos valores

constitucionais ligados agrave dignidade da pessoa humana concluindo-se assim que o argumento

da reserva do possiacutevel nesses casos natildeo poderia ser sequer trazido agrave discussatildeo jaacute que o

nuacutecleo de condiccedilotildees materiais formadoras desse miacutenimo existencial se impotildee como regra

mantendo-se a natureza de princiacutepio apenas para aleacutem desse nuacutecleo

Na mesma linha abraccedilou-se a tese encampada por Ana Paula de Barcellos de que esse

miacutenimo existencial cujo substrato adviria diretamente da Constituiccedilatildeo seria formado pelo

acesso agrave justiccedila como elemento instrumental e de trecircs elementos materiais a sauacutede baacutesica a

educaccedilatildeo baacutesica e a assistecircncia aos desamparados

A presente pesquisa contudo busca avanccedilar no tema de modo a incluir mais um

elemento dentre os que estariam incluiacutedos no miacutenimo255

em sauacutede arrolados pela referida

autora (que relembrando satildeo prestaccedilatildeo de serviccedilo de saneamento o atendimento materno-

infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas) e tendo em vista a

ideia de que os mesmos natildeo foram escolhidos de maneira aleatoacuteria antes de compreender a

abrangecircncia de cada um deles faz-se relevante explicar as razotildees apontadas para a seleccedilatildeo

dos mesmos

Desta maneira o raciociacutenio eacute o de que inicialmente o efeito isolado das normas

atinentes ao direito em exame (especialmente o constante nos arts 196 e 198 da CF) eacute o de

que todas as pessoas devem ter acesso agrave totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis aptas a

promover proteger ou recuperar as condiccedilotildees de sauacutede Contudo para aleacutem desse efeito

isolado teoacuterico e ideal outra questatildeo eacute a anaacutelise sobre se tal efeito pode ser na praacutetica

integralmente exigido do Poder Puacuteblico de modo que este positivamente atue na

concretizaccedilatildeo da sauacutede256

Nesse ponto quando o mencionado efeito ideal sai de um exame isolado e eacute

confrontado com os demais subsistemas constitucionais (sobretudo os campos ligados a

255

Aqui uma observaccedilatildeo se faz relevante no intuito de evitar uma confusatildeo terminoloacutegica a sauacutede baacutesica como

visto eacute um elemento do miacutenimo existencial e haacute dentro desse elemento um nuacutecleo de eficaacutecia positiva que

representa o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede exigiacuteveis do Judiciaacuterio A esse nuacutecleo parcela do direito agrave sauacutede

incluiacuteda no conceito de miacutenimo existencial eacute dado na presente pesquisa o tratamento de miacutenimo existencial em

espeacutecie relativo ao direito agrave sauacutede De maneira mais direta eacute como se a soma dos miacutenimos em espeacutecie (da sauacutede

educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) formasse o miacutenimo existencial geral 256

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 223

120

separaccedilatildeo dos poderes a deliberaccedilatildeo majoritaacuteria e a reserva orccedilamentaacuteria) por razotildees

juriacutedicas e ateacute mesmo faacuteticas torna-se forccediloso concluir que o atual panorama histoacuterico da

ordem constitucional paacutetria natildeo eacute suficiente para assegurar eficaacutecia juriacutedica positiva a toda

extensatildeo desse efeito ideal mas somente dos marcos constitucionalmente priorizados para a

partir dos mesmos alargar de maneira progressiva o efeito final mais abrangente de todas as

prestaccedilotildees de sauacutede257

A seguinte passagem resume bem o pensamento de Ana Paula de Barcellos acima

descrito258

O efeito isolado portanto pretendido pelos comandos em questatildeo eacute em

primeiro lugar que as pessoas tenham acesso a todas as prestaccedilotildees de sauacutede

possiacuteveis e prioritariamente que esses quatro objetivos sejam realizados a

saber que todas as localidades onde haja habitaccedilotildees disponham de serviccedilos

de saneamento baacutesico que todas as gestantes matildees e crianccedilas tenham

atendimento de sauacutede especiacutefico preacute e poacutes-natal que todas as pessoas

possam dispor de um acompanhamento meacutedico preventivo e por fim que o

Poder Puacuteblico implemente accedilotildees gerais destinadas a evitar epidemias (Grifos

acrescidos)

Em suma a proposta do miacutenimo existencial que aqui se pretende ampliar tem o

processo de especificaccedilatildeo de seus elementos calcado primeiro na ideia de priorizaccedilatildeo

aplicando-se a loacutegica de que se a atual conjuntura do constitucionalismo paacutetrio natildeo permite a

maacutexima extensatildeo do efeito ideal das normas que dispotildeem sobre a sauacutede que pelo menos

onde a Constituiccedilatildeo sinalizou com uma priorizaccedilatildeo seja dada eficaacutecia suficiente para

respaldar uma cobranccedila de prestaccedilotildees em sauacutede diretamente do Poder Puacuteblico

Segundo tal proposta jaacute admite em sua essecircncia que essa priorizaccedilatildeo consubstancia-se

no passo inicial do processo de construccedilatildeo do miacutenimo existencial o qual poderaacute e deveraacute ser

ampliado progressiva e tendencialmente ao efeito ideal de que todas as pessoas tenham acesso

a totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis

A conclusatildeo eacute a seguinte partindo do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)

podem ser extraiacutedas diretamente do texto constitucional certas prestaccedilotildees relacionadas ao

direito agrave sauacutede de que todos necessitam as quais trabalham como autecircnticas regras e cuja natildeo

realizaccedilatildeo importaraacute em violaccedilatildeo ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana no esquema

ldquotudo ou nadardquo respaldando a exigecircncia judicial da prestaccedilatildeo equivalente

257

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 224 258

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 225

121

Desta maneira concretizando um pouco mais tais prioridades a autora aponta que259

o

atendimento materno-infantil engloba o acompanhamento preacute e poacutes natal da gestante e da

crianccedila e tem por escopo a prevenccedilatildeo ou tratamento de doenccedilas que possam afetar a sauacutede

materna ou da crianccedila abrangendo tambeacutem um parto saudaacutevel as accedilotildees de medicina

preventiva abrangem um conjunto amplo de accedilotildees que incluindo a prevenccedilatildeo epidemioloacutegica

envolvem natildeo soacute o tratamento de epidemias mas tambeacutem formas especiacuteficas de prevenccedilatildeo

como a aplicaccedilatildeo de vacinas pulverizaccedilatildeo de substacircncias para o combate de transmissores de

moleacutestias (como a dengue) dentre outras260

e o saneamento consiste em uma das medidas de

sauacutede baacutesica mais relevantes atualmente e eacute considerado pela OMS como a medida prioritaacuteria

em termos de sauacutede puacuteblica mundial jaacute que cerca de 80 das doenccedilas decorrem da maacute

qualidade da aacutegua utilizada ou falta de esgotamento adequado

A partir das balizas postas o presente trabalho busca aperfeiccediloar a noccedilatildeo de miacutenimo

existencial construiacuteda pela autora de modo a incluir dentre os elementos que o compotildeem

mais um componente o qual funcionaraacute concomitantemente tanto como um elemento basilar

desse miacutenimo existencial quanto como interface de abertura que garantiraacute sua almejada

ampliaccedilatildeo progressiva

Sendo mais claro e indo direto ao ponto defende-se a inserccedilatildeo do respeito agrave previsatildeo

de infraestrutura miacutenima a ser disponibilizada para as accedilotildees e serviccedilos compromissados pelo

Poder Puacuteblico (que engloba a construccedilatildeo de hospitais minimamente estruturados a formaccedilatildeo

de pessoal qualificado e a disponibilizaccedilatildeo suficiente de material e equipamentos para a

realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer) no rol jaacute referenciado dos

componentes do miacutenimo existencial em sauacutede como um elemento instrumental desse

miacutenimo

O raciociacutenio eacute o de que sem tal elemento instrumental tanto as referidas prestaccedilotildees

inclusas no miacutenimo quanto as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede constantes das poliacuteticas puacuteblicas em

andamento natildeo se materializam jaacute que tal elemento instrumental consiste em verdadeiro

pressuposto faacutetico e loacutegico para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede que compotildeem o referido

miacutenimo

259

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 329-335 260

Nesse ponto especiacutefico a autora denotando a dificuldade de se delimitar a abrangecircncia de tais accedilotildees sugere a

utilizaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio do elenco das condiccedilotildees miacutenimas obrigatoacuterias para os planos de sauacutede privados (art

12 da Lei ndeg 965398) como paracircmetro apto a auxiliar a decisatildeo sobre estar determinado pleito incluso dentro

desse conjunto de accedilotildees preventivas BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 330-

331

122

Se o raciociacutenio para a construccedilatildeo do miacutenimo existencial em sauacutede proposto pela

referida autora partiu da prevalecircncia do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)

propotildee-se o acreacutescimo do paracircmetro da coerecircncia loacutegica para defender que a estruturaccedilatildeo

miacutenima do SUS essencial para a consecuccedilatildeo dos seus fins e consequente execuccedilatildeo das accedilotildees

e serviccedilos de sauacutede compromissados pelo Poder Puacuteblico eacute parte integrante basilar do miacutenimo

existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse ponto

baacutesico

O fundamento para tal inclusatildeo nasce da ideia de que se a proacutepria CF de 1988

claramente delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se materializa a partir de poliacuteticas que

visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) accedilotildees e serviccedilos estes qualificados como de relevacircncia puacuteblica e

cuja execuccedilatildeo eacute responsabilidade estatal (art 197 da CF) seria iloacutegico e incoerente imaginar a

realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e especialmente do seu miacutenimo existencial sem uma miacutenima

estruturaccedilatildeo necessaacuteria

A partir da noccedilatildeo acima portanto deve ser incluiacutedo como elemento fundamental do

miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede a existecircncia eficiente e regular de

infraestrutura minimamente suficiente no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas do SUS de modo a se

respeitar a coerecircncia dos artigos 196 197 e 198 da CF e o compromisso constitucional com

esse importante direito fundamental

A omissatildeo estatal em disponibilizar a miacutenima infraestrutura necessaacuteria para a

execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede que se propotildee a realizar seja pelas priorizaccedilotildees

constitucionais ou pelas poliacuteticas puacuteblicas idealizadas e em andamento apresenta-se portanto

como o ponto nevraacutelgico da celeuma com relaccedilatildeo a falta de efetividade do direito agrave sauacutede

visto que o oferecimento desse miacutenimo aparato eacute o ponto de partida imprescindiacutevel para a

fruiccedilatildeo desse direito social pelos cidadatildeos

Explicando melhor imagine-se por exemplo o direito agrave educaccedilatildeo cujo miacutenimo

existencial eacute mais facilmente delimitado na Constituiccedilatildeo261

Natildeo faz sentido especificar quais

prestaccedilotildees estatildeo incluiacutedas em tal miacutenimo sem observar que alguns instrumentos satildeo condiccedilotildees

imprescindiacuteveis para a proacutepria existecircncia das respectivas prestaccedilotildees Nesse contexto

questiona-se do que adianta a Constituiccedilatildeo (art 208 sect1deg) dispor que o acesso ao ensino

obrigatoacuterio e gratuito eacute direito puacuteblico subjetivo se natildeo forem construiacutedas escolas Se natildeo

261

Enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute somente na legislaccedilatildeo infraconstitucional (art 2deg sect1deg da Lei do SUS) que

seraacute encontrado o comando normativo que especifica ainda que de maneira geral qual o dever estatal quanto a

esse direito no que se refere agrave educaccedilatildeo o proacuteprio texto constitucional delimita tal dever no art 208 facilitando

a construccedilatildeo do miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave educaccedilatildeo

123

forem contratados professores capacitados Se natildeo for disponibilizado o aporte necessaacuterio

para a fruiccedilatildeo desse direito (quadro giz computadores material didaacutetico transporte por

exemplo)

A resposta em que pese parecer oacutebvia circunda sobre uma das grandes problemaacuteticas

do direito em questatildeo que eacute a falta de uma primaacuteria estruturaccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo Os

instrumentos citados satildeo desta maneira elementares para a construccedilatildeo e maximizaccedilatildeo do

miacutenimo para a educaccedilatildeo

Aplicando o raciociacutenio acima para o direito agrave sauacutede a situaccedilatildeo natildeo eacute muito diferente

Do que adianta interpretar a Constituiccedilatildeo de modo a incluir o atendimento materno-infantil

que engloba o acompanhamento preacute e poacutes-natal da gestante e da crianccedila como prestaccedilatildeo

iacutensita ao miacutenimo existencial em sauacutede se natildeo existirem maternidades puacuteblicas minimamente

estruturadas com profissionais especializados bem como equipamentos e medicamentos

imprescindiacuteveis para tal262

A outra conclusatildeo natildeo se pode chegar eacute inoacutecuo se falar em miacutenimo existencial se o

primeiro passo nem sequer foi dado de maneira eficiente Desta maneira pode-se afirmar ser

verdadeira conditio sine qua non e elemento fundamental de um miacutenimo existencial do direito

agrave sauacutede a preacutevia existecircncia de infraestrutura baacutesica apta a disponibilizar de maneira eficiente

para uma determinada localidade tanto as prestaccedilotildees fundamentais incluiacutedas em tal miacutenimo

como as objetivamente previstas e compromissadas nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento

tudo isso de maneira igualitaacuteria e eficaz263

Assim a mora do Poder Puacuteblico em disponibilizar o aparato faacutetico suficiente para a

fruiccedilatildeo do miacutenimo relativo ao direito agrave sauacutede mais do que qualquer outra forma de agressatildeo a

tal direito consiste em flagrante aviltamento a dignidade da pessoa humana vez que a

omissatildeo em questatildeo tem o condatildeo de cortar a raiz do nuacutecleo que foi compromissado

constitucionalmente

262

Veja-se por exemplo o teor das seguintes mateacuterias jornalistas as quais demonstram clara afronta ao miacutenimo

existencial do direito agrave sauacutede afronta esta cristalizada em grave omissatildeo do Poder Puacuteblico que natildeo pode ser

tolerada devendo ser corrigida pelo Poder judiciaacuterio httpwwwriograndedonortenet20120914unico-

hospital-municipal-de-natal-fecha-portas-e-nao-admite-pacientes e

httptvuoluolcombrassistirhtmvideo=falta-de-maternidades-gera-caos-na-saude-publica-no-rn-

04024D193272E4A10326 Acessado em 14062013 263

Eacute importante deixar clara a abrangecircncia desse elemento instrumental do miacutenimo existencial especiacutefico para a

sauacutede Veja soacute o raciociacutenio natildeo eacute o de que o Estado deve ter sempre a infraestrutura necessaacuteria para

invariavelmente atender toda a populaccedilatildeo de determinada regiatildeo Na verdade a ideia eacute a de que quando as

poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de afericcedilatildeo de sua eficiecircncia que se

baseiam em estimativas acerca do que minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente

apta a atingir seus objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de

leitos a cada tantos bdquoy‟ habitantes) que inclui-se no miacutenimo instrumental

124

Contudo alguns esclarecimentos satildeo importantes para se entender melhor a

abrangecircncia dessa proposta de inclusatildeo de uma eficiente miacutenima estruturaccedilatildeo como integrante

do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede Como foi dito anteriormente tal componente

funciona natildeo soacute como item basilar desse miacutenimo existencial mas tambeacutem como interface de

abertura apta a possibilitar a progressiva ampliaccedilatildeo desse miacutenimo e a percepccedilatildeo desse caraacuteter

dual exige a compreensatildeo de algumas premissas

Como visto a ideia de miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede propugnada por Ana

Paula de Barcellos (que aqui se tenta aperfeiccediloar) fundamentou-se na identificaccedilatildeo dos pontos

prioritaacuterios constitucionalmente traccedilados para esse direito para daiacute concluir que os serviccedilo de

saneamento atendimento materno-infantil accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo

epidemioloacutegicas formariam um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado natildeo pode se negar a

prestar e que o argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode sequer ser levantado jaacute que tal

miacutenimo funciona como regra e natildeo pode ser ponderado com outros aspectos (especialmente

os de cunho orccedilamentaacuterio)

Pois bem da mesma maneira o efeito principal da inclusatildeo desse elemento

instrumental aqui defendida eacute exatamente a impossibilidade de poder ser levada em

consideraccedilatildeo a alegaccedilatildeo estatal da reserva do possiacutevel jaacute que como incluso no miacutenimo

existencial tal elemento funciona como regra que deve ser cumprida pelo Estado Contudo

existe um aspecto primordial na investigaccedilatildeo desse elemento que eacute a necessidade de se dividir

o mesmo em dois grupos i infraestrutura necessaacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos demais elementos

materiais do miacutenimo existencial e ii infraestrutura necessaacuteria para a concretizaccedilatildeo de accedilotildees e

serviccedilos de sauacutede natildeo ligados diretamente agraves prioridades constitucionais mas iacutensitas agraves

poliacuteticas puacuteblicas compromissadas no acircmbito do SUS

Nesse ponto a atenccedilatildeo precisa ser redobrada e a utilizaccedilatildeo de exemplos facilita a

elucidaccedilatildeo da proposiccedilatildeo Imagine-se que uma mulher graacutevida procure um posto de sauacutede

para fazer seu acompanhamento preacute-natal e chegando ao local natildeo lhe seja oportunizado

atendimento sendo informado que natildeo existe nem mesmo previsatildeo para a mesma ser atendida

jaacute que faltam meacutedicos pessoal de apoio e equipamentos baacutesicos para a realizaccedilatildeo dos

procedimentos necessaacuterios

Se vislumbra em tal situaccedilatildeo que a garantia deste elemento material (atendimento

materno-infantil) do miacutenimo existencial em sauacutede natildeo se concretizou primordialmente pela

inexistecircncia de um dever baacutesico do Estado que eacute exatamente a disponibilizaccedilatildeo do elemento

instrumental do miacutenimo existencial Nesse caso o Judiciaacuterio constatando tal omissatildeo deve

condenar o Poder Puacuteblico a realizar os procedimentos necessaacuterios nem que para isso o

125

mesmo tenha que utilizar aos seus custos instituiccedilotildees privadas equivalentes na regiatildeo ateacute que

o problema seja solucionado com a devida disponibilizaccedilatildeo na referida aacuterea da miacutenima

estrutura projetada pelo Estado para abranger a populaccedilatildeo da localidade em questatildeo

Noutro poacutertico caso seja alcanccedilada empiricamente a comprovaccedilatildeo da recalcitracircncia do

Poder Puacuteblico em cumprir o elemento instrumental do miacutenimo em sauacutede264

poderaacute o

Ministeacuterio Puacuteblico pela via coletiva pleitear judicialmente que essa falha seja suprida a partir

da seguinte alternativa a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a

cumprir esse miacutenimo instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal

omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental

da maneira que o mesmo encontrar como por exemplo a partir da formaccedilatildeo de convecircnios265

com hospitais privados equivalentes que pagos pelo Poder Puacuteblico disponibilizaratildeo o aparato

suficiente para se alcanccedilar o miacutenimo em infraestrutura previamente estimado

Ocorre que pelo fato de a situaccedilatildeo acima explicitada envolver uma prestaccedilatildeo

prioritaacuteria e inclusa materialmente no miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede o

raciociacutenio para a soluccedilatildeo deste problema deve ser estratificado da seguinte maneira as

prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial (material) do direito agrave sauacutede satildeo prioridades

constitucionais que devem ser prestadas sempre pelo Estado como autecircnticos direitos dos

cidadatildeos e portanto o cumprimento do elemento instrumental (disponibilizaccedilatildeo de

infraestrutura miacutenima para a realizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos tanto incluiacutedas nas poliacuteticas

puacuteblicas como no miacutenimo existencial material em sauacutede) por si soacute natildeo seria suficiente para

afastar a obrigaccedilatildeo estatal de prestar tal accedilatildeo ou serviccedilo da maneira que fosse possiacutevel

Desta forma ainda que no exemplo apontado o Estado estivesse quite com a miacutenima

infraestrutura compromissada para a prestaccedilatildeo em questatildeo ou seja que existissem meacutedicos

leitos e equipamentos em nuacutemero que respeite o miacutenimo pactuado para o atendimento

materno-infantil e ainda assim tal atendimento natildeo fosse prestado (pelo motivo que seja

superlotaccedilatildeo imprevista desiacutedia dos profissionais contratados equipamentos danificados e

ainda natildeo repostos por exemplo) em que pese o elemento instrumental ter sido cumprido a

natildeo garantia praacutetica do elemento material em questatildeo por si soacute eacute suficiente para respaldar a

determinaccedilatildeo da obrigaccedilatildeo estatal em cumprir com o atendimento

264

Seja pela proacutepria fiscalizaccedilatildeo do cumprimento dos paracircmetros e metas preacute-estabelecidas nas poliacuteticas que

norteiam as accedilotildees e serviccedilos a serem prestados seja pela constataccedilatildeo de grande nuacutemero de condenaccedilotildees

individuais que atestem tal omissatildeo estatal 265

A Lei do SUS dispotildee que ldquoquando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura

assistencial agrave populaccedilatildeo de uma determinada aacuterea o Sistema uacutenico de Sauacutede (SUS) poderaacute recorrer aos serviccedilos

ofertados pela iniciativa privadardquo (art 24 caput) e que ldquoa participaccedilatildeo complementar dos serviccedilos privados seraacute

formalizada mediante contrato ou convecircnio observadas a respeito as normas de direito puacuteblicordquo (art 24

paraacutegrafo uacutenico)

126

Diferente contudo eacute a situaccedilatildeo de um cidadatildeo se dirigir a um posto de sauacutede visando

ao tratamento de doenccedilas ou cuidados com atenccedilatildeo baacutesica em princiacutepio externos ao miacutenimo

existencial em sauacutede mas inclusos nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento ndash autecircnticos

compromissos firmados pelo Poder Puacuteblico em fazer cumprir o direito agrave sauacutede previsto na CF

e no arcabouccedilo legislativo infraconstitucional

Nessas situaccedilotildees em caso de ser impossibilitado o referido atendimento no

enfrentamento judicial da questatildeo o magistrado deve inicialmente investigar se o miacutenimo em

infraestrutura previsto para a realizaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em andamento estaacute sendo

efetivamente cumprido de maneira eficiente e regular e a partir da conclusatildeo dessa

perquiriccedilatildeo dois caminhos podem ser trilhados

Caso identificado o desrespeito a esse miacutenimo estrutural haveraacute uma consequente

afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede e nesse caso o Estado natildeo poderaacute alegar o postulado

da reserva do possiacutevel Isso acontece pois como visto por um criteacuterio de coerecircncia loacutegica

em que pese o Estado natildeo ser um garantidor universal de sauacutede puacuteblica quando o mesmo se

propotildee a cumprir determinada poliacutetica puacuteblica em sauacutede tal poliacutetica nasce a partir de uma

instrumentalizaccedilatildeo que elenca obrigaccedilotildees estruturais miacutenimas para o cumprimento eficiente

do que o Estado estaacute se comprometendo a disponibilizar para o cidadatildeo

Daiacute ser coerente concluir que a omissatildeo estatal em propiciar sequer esse miacutenimo aleacutem

de comprometer a proacutepria concretude da poliacutetica puacuteblica em si e evidenciar o desvirtuamento

das verbas previstas para a consecuccedilatildeo dos seus fins termina por gerar falsas expectativas

para os cidadatildeos instaurando um quadro de frustraccedilatildeo apto a ser enquadrado como autecircntica

afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede pela falha em seu elemento instrumental

Nesse caso defende-se que o Judiciaacuterio diante de uma demanda individual poderaacute i

reconhecer a afronta ao aspecto instrumental do miacutenimo existencial alertando para o fato de

que natildeo eacute cabiacutevel a alegaccedilatildeo da reserva do possiacutevel quanto a essa grave falha jaacute que quando

se idealizou a poliacutetica em questatildeo previu-se orccedilamento para o aparelhamento miacutenimo

suficiente para sua concretizaccedilatildeo ii assentar que frente a esta grave falha surge uma espeacutecie

de presunccedilatildeo em favor do demandante o qual deveraacute ter seu pleito concedido e iii alertar

que eacute dever do Estado corrigir tal omissatildeo quanto a essa estruturaccedilatildeo miacutenima advertindo que

enquanto natildeo for feita tal correccedilatildeo o direito da sauacutede da coletividade da regiatildeo em questatildeo

estaraacute sendo afrontado

Por outro lado caso constatado que o Estado encontra-se quite com os padrotildees

miacutenimos estruturais previstos para a execuccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica que se propocircs o magistrado

deveraacute considerar os possiacuteveis argumentos levantados em juiacutezo e aplicando a teacutecnica da

127

ponderaccedilatildeo iraacute analisar os aspectos inerentes sobretudo agrave isonomia razoabilidade do pedido

e reserva do possiacutevel para emitir sua decisatildeo

Ainda no mesmo exemplo (pleito de uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial da

sauacutede mas inserido em uma poliacutetica puacuteblica do governo em andamento) faz-se relevante

analisar os desdobramentos no caso das demandas coletivas

Nesse ponto defende-se que sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e as respectivas

associaccedilotildees devem fiscalizar se os serviccedilos disponibilizados para a populaccedilatildeo de determinada

localidade estatildeo sendo oferecidos de forma perene e na quantidade e qualidade consentacircneas

com o previsto nas poliacuteticas puacuteblicas que o os projetaram fiscalizaccedilatildeo esta portanto que

passa inevitavelmente pela perquiriccedilatildeo acerca da proporcionalidade entre a demanda estimada

da populaccedilatildeo por sauacutede e a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para a execuccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas compromissadas

Sendo constatada qualquer disparidade entre a realidade faacutetica e os pilares miacutenimos

firmados em tais poliacuteticas poderaacute ser pleiteada coletivamente a correccedilatildeo de tal distorccedilatildeo a

partir da soluccedilatildeo apresentada anteriormente266

como forma de ser garantido o elemento

instrumental do miacutenimo existencial da sauacutede

Finalmente uma uacuteltima hipoacutetese seria o caso de um cidadatildeo pleitear uma prestaccedilatildeo de

sauacutede natildeo inclusa no miacutenimo existencial nem mesmo constante nas poliacuteticas puacuteblicas em

vigor no paiacutes como satildeo por exemplo os casos extremos de doenccedilas raras em que se pleiteia a

concessatildeo de medicamentos de alto custo importados e ainda natildeo constantes nas listas do

SUS

Em tais casos defende-se que em princiacutepio deve ser afastada a possibilidade de

intervenccedilatildeo judicial sendo certo contudo que a depender das circunstacircncias do caso

concreto aplicando-se a ponderaccedilatildeo entre os bens em conflito possa ser alcanccedilada

excepcionalmente uma soluccedilatildeo harmocircnica que garanta a sauacutede do indiviacuteduo e ao mesmo

tempo natildeo comprometa as poliacuteticas puacuteblicas em andamento que visam resguardar a sauacutede do

resto da populaccedilatildeo267

266

Relembrando a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a cumprir esse miacutenimo

instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do

dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental a partir da formaccedilatildeo de convecircnios com hospitais privados

equivalentes e pagos pelo Poder Puacuteblico 267

Na mesma linha de pensamento no julgamento da Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 408480 realizado pela 8deg Turma

Especializada do TRF 2deg Regiatildeo relatoria do Des Marcelo Pereira (DJU de 110808 p 176) assentou-se que

ldquoa melhor doutrina orienta que em se tratando de direito agrave sauacutede apenas as prestaccedilotildees que compotildeem o assim

denominado bdquomiacutenimo existencial‟ e aquelas que configurem opccedilotildees poliacuteticas juridicizadas dos poderes

constituiacutedos poderiam ser objeto de condenaccedilatildeo dos entes puacuteblicos a implementaacute-las em prazo determinadordquo

128

Nessas situaccedilotildees extremas em que pese a dificuldade do magistrado ndash jaacute abordada ndash

em lidar com a carga de responsabilidade humanitaacuteria que sua decisatildeo pode representar eacute

certo que o exame de proporcionalidade a ser empregado natildeo deve ser calcado na

interpretaccedilatildeo automaacutetica de sauacutede como sinocircnimo de direito agrave vida visto que tal estrateacutegia

natildeo soacute tem o condatildeo de comprometer o proacuteprio funcionamento da rede do SUS como tambeacutem

acaba tendendo para o posicionamento do Estado como um garantidor universal e esvaziando

a problemaacutetica

Desta forma deve o magistrado empreender a difiacutecil tarefa de levantar os olhos para a

sauacutede como um todo considerando os reflexos que essa decisatildeo poderaacute acarretar para a sauacutede

e dignidade do resto da populaccedilatildeo O enfretamento da situaccedilatildeo deve portanto se preocupar

com a macro-justiccedila levando em consideraccedilatildeo a possibilidade de o Estado poder

eventualmente incluir tal demanda em suas poliacuteticas puacuteblicas e poder proporcionaacute-la

igualmente a todos que se encontrem naquela situaccedilatildeo sem que reste comprometida a garantia

de proteccedilatildeo da sauacutede das demais pessoas ndash isso tudo visando a afastar os efeitos colaterais

possiacuteveis jaacute anteriormente tratados268

A partir das situaccedilotildees assentadas vislumbra-se que a inclusatildeo do denominado

elemento instrumental (respeito agrave previsatildeo de aparato de infraestrutura miacutenimo a ser

disponibilizado para as accedilotildees e serviccedilos compromissados) no miacutenimo existencial do direito agrave

sauacutede se por um lado natildeo soluciona definitivamente a problemaacutetica da efetividade do direito

agrave sauacutede por outro consiste em importante mecanismo para o avanccedilo da concretizaccedilatildeo desse

direito visto que atua diretamente na raiz do principal problema da sauacutede puacuteblica no paiacutes que

eacute exatamente as peacutessimas condiccedilotildees de infraestrutura baacutesica condiccedilotildees estas que conforme

se veraacute adiante na maioria das vezes refletem uma realidade totalmente dissonante da

projetada e compromissada nas poliacuteticas puacuteblicas

Eacute exatamente na noccedilatildeo acima aclarada que reside a outra faceta desse elemento

instrumental como espeacutecie de portal de abertura que proporcionaraacute a almejada ampliaccedilatildeo

progressiva desse miacutenimo Isso porque o cumprimento desse elemento instrumental eacute calcado

268

Corroborando com esse raciociacutenio nas decisotildees mais recentes sobre direito agrave sauacutede no STF (SL 228 STA

238 268 e 277) todas de lavra do Ministro Gilmar Mendes caminhou-se no sentido de que a garantia judicial da

prestaccedilatildeo individual de sauacutede prima facie estaria condicionada ao natildeo comprometimento do funcionamento do

SUS natildeo havendo interferecircncia indevida quando a ordem judicial termina por deferir prestaccedilatildeo de sauacutede jaacute

prevista no SUS Por outro lado quando o pedido estivesse fora das poliacuteticas puacuteblicas seria possiacutevel ponderar o

objeto do pedido com a capacidade do SUS de arcar com as despesas da parte mas tambeacutem com as despesas de

todos os outros cidadatildeo que se encontrem em situaccedilatildeo idecircntica WANG Daniel Wei Liang Escassez de

recursos custos dos direitos e reserva do possiacutevel na jurisprudecircncia do STF In SARLET Ingo Wolfgang e

TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre

Livraria do Advogado 2010 358

129

por um dinamismo que garante a elasticidade do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede jaacute que

pontualmente novas prestaccedilotildees em sauacutede podem acabar se revestindo da proteccedilatildeo dada agraves

prestaccedilotildees materiais prioritaacuterias incluiacutedas no miacutenimo em sauacutede antes elencados

Explicando melhor jaacute foi visto que toda vez que o Judiciaacuterio enfrentando uma

situaccedilatildeo em que se exige uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial em sauacutede poreacutem inclusa

em uma poliacutetica puacuteblica acabar constatando o descumprimento do miacutenimo de infraestrutura

previsto para a realizaccedilatildeo da referida poliacutetica nasceraacute uma presunccedilatildeo em favor cidadatildeo no

sentido de ter a prestaccedilatildeo daquela poliacutetica realizada natildeo sendo possiacutevel o Estado alegar

reserva do possiacutevel nesses casos

Pois bem infere-se desse raciociacutenio que a partir da necessidade de se respeitar esse

elemento instrumental diversas prestaccedilotildees materiais poderatildeo ser alcanccediladas judicialmente

sem que se discuta reserva do possiacutevel frente agrave presunccedilatildeo que nasce em favor do cidadatildeo de

ter direito agrave prestaccedilatildeo pleiteada jaacute que o Estado natildeo cumpre nem o que minimamente foi

planejado e projetado quando da elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em questatildeo

Desta maneira em que pese natildeo significar o automaacutetico acoplamento dessas novas e

indefinidas prestaccedilotildees (variaacuteveis conforme o caso concreto) ao grupo dos elementos materiais

do miacutenimo existencial em sauacutede o dever de corrigir o descumprimento do elemento

instrumental tem o condatildeo de conferir um tratamento de miacutenimo existencial a novas

prestaccedilotildees pelo menos de forma indireta jaacute que na praacutetica a falha estatal nesse ponto

funciona como uma espeacutecie de confissatildeo de sua ineficiecircncia daiacute se falar em dinamismo desse

elemento instrumental apto a contribuir para uma ampliaccedilatildeo progressiva do miacutenimo

existencial material

Nesse sentido aleacutem de elasticamente permitir uma ampliaccedilatildeo indireta das prestaccedilotildees

materiais tratadas como miacutenimo existencial em sauacutede a sistemaacutetica acima funciona como

importante ferramenta para a identificaccedilatildeo das prioridades em sauacutede da populaccedilatildeo jaacute que o

exame das diversas demandas judiciais na temaacutetica do direito agrave sauacutede poderaacute identificar onde

exatamente o Estado mais falha com a populaccedilatildeo podendo-se conferir assim uma roupagem

de prioridade em sauacutede a novas prestaccedilotildees natildeo advinda diretamente da Constituiccedilatildeo mas da

realidade faacutetica

Do afirmado acima jaacute se pode alcanccedilar uma importante constataccedilatildeo qual seja a noccedilatildeo

de que o manto da discricionariedade na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas natildeo pode ser

tido como uma maacutexima absoluta jaacute que quando tais poliacuteticas satildeo elaboradas o proacuteprio Poder

Puacuteblico estratifica documentalmente o que minimamente deve ser disponibilizado e quais

metas se incluem naquela poliacutetica sendo assim de suma importacircncia o controle fiscalizaccedilatildeo

130

e acompanhamento do fiel cumprimento dos compromissos sinalizados em tais poliacuteticas como

forma de averiguar a eficiecircncia das mesmas e o respeito agrave concretizaccedilatildeo praacutetica do direito agrave

sauacutede

Dito isto eacute relevante se ter em mente que satildeo situaccedilotildees completamente distintas a

hipoacutetese de intromissatildeo judicial em poliacuteticas puacuteblicas a partir da invasatildeo do campo de

discricionariedade que eacute iacutensito ao Executivo com a imposiccedilatildeo de modificaccedilotildees em tais

poliacuteticas ndash ou ateacute mesmo a ocorrecircncia de implementaccedilatildeo de poliacuteticas pelo proacuteprio Judiciaacuterio ndash

da hipoacutetese de o Judiciaacuterio poder aferir se os compromissos miacutenimos firmados estatildeo sendo

cumpridos especialmente relacionados agrave infraestrutura miacutenima pactuada e

consequentemente se os valores direcionados para tais fins estatildeo sendo corretamente

aplicados

Conclui-se que o escopo chave da inclusatildeo desse elemento instrumental no miacutenimo

existencial do direito agrave sauacutede eacute o de sugerir uma linha de orientaccedilatildeo concreta que

funcionando como um criteacuterio valioso para o Judiciaacuterio facilite o enfrentamento da

problemaacutetica da falta de efetividade desse relevante direito social amenizando assim os

possiacuteveis efeitos colaterais (jaacute tratados) marcantes em decisotildees que preocupadas apenas com

a micro-justiccedila do caso concreto terminam por comprometer o direito agrave sauacutede quando

pensado de maneira coletiva

Nesse sentido em que pese agrave proposta acima delineada parecer complexa eacute certo que

sua viabilidade poderaacute ser alcanccedilada a partir da consolidaccedilatildeo de uma cultura calcada no

conhecimento preacutevio das metas que satildeo estimadas no acircmbito da legislaccedilatildeo do SUS e nesse

contexto conforme se veraacute melhor a seguir eacute inequiacutevoco que existem previsotildees que

especificam a obrigaccedilatildeo de se disponibilizar infraestrutura miacutenima a partir de paracircmetros

objetivos como por exemplo a quantidade miacutenima de meacutedicos leitos em hospitais

equipamentos etc

Importante reforccedilar ainda que as determinaccedilotildees judiciais que comprovadamente

apontarem para a ineficiecircncia e aplicaccedilatildeo inconstitucional da verba destinada para a sauacutede

puacuteblica devem ser acompanhadas da consequente apuraccedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo das

autoridades e gestores envolvidos em tais atos de negligecircncia e afronta ao direito agrave sauacutede269

Concluindo se por um lado admite-se que a concretizaccedilatildeo praacutetica de tal medida eacute

algo complexo por outro natildeo haacute duacutevida de que a mesma aleacutem de funcionar como importante

269

Corroborando com esse pensamento o art 52 da Lei do SUS leciona que ldquosem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees

cabiacuteveis constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas puacuteblicas (Coacutedigo Penal art 315) a utilizaccedilatildeo

de recursos financeiros do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta leirdquo

131

instrumento no combate da ineficiecircncia do direito agrave sauacutede carrega em sua essecircncia um

importante efeito moralizador dirigido aos Poderes Executivo e Legislativo no sentido de que

os mesmos corrijam as distorccedilotildees geradas por suas accedilotildees (ou inaccedilotildees) evitando-se que os

seguidos erros se tornem recorrentes

Para fechar a contribuiccedilatildeo da presente pesquisa na construccedilatildeo do miacutenimo existencial

em espeacutecie para o direito agrave sauacutede natildeo se pode avanccedilar sem abordar o ponto central da

argumentaccedilatildeo levantada que eacute exatamente a existecircncia de paracircmetros para se aferir a

eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede especialmente o respeito ao miacutenimo estimado para

a viabilizaccedilatildeo das mesmas A identificaccedilatildeo dos documentos que veiculam tais paracircmetros eacute

portanto o objeto do toacutepico que se segue

53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS

PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO EXISTENCIAL

RELATIVO A ESSE DIREITO

Conforme jaacute adiantado no capiacutetulo segundo a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil

estaacute assentada em diversos dispositivos da CF de 1988 bem como na regulamentaccedilatildeo trazida

tanto pela Lei Federal nordm 808090 quanto pela Lei Federal 814290 destacando-se tambeacutem

a recente Lei Complementar Federal nordm 1412012

Todavia tais normas por serem gerais e abstratas natildeo constituem instrumentos haacutebeis

a especificar tatildeo detalhadamente como seraacute estruturada a garantia do direito agrave sauacutede uma vez

que diversos fatores podem influenciar a forma com que essa garantia se procederaacute e

portanto pela dinamicidade inerente a esse processo satildeo algumas normas de menor

hierarquia que melhor apresentam as minuacutecias das poliacuteticas que buscaratildeo efetivar tanto a

legislaccedilatildeo acima apontada como a proacutepria Constituiccedilatildeo

Desta maneira haacute um caminho loacutegico a ser seguido e respeitado o qual engloba

diferentes niacuteveis do raio de abrangecircncia da proteccedilatildeo e garantia do direito agrave sauacutede Veja-se

i em primeiro lugar a Carta Maior prevecirc

i1 que o direito agrave sauacutede deveraacute ser garantido mediante poliacuteticas sociais e

econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedilas e de outros agravos e ao

acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo

132

i2 que cabe ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre a

regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede as quais

integram uma rede regionalizada e hierarquizada constituindo um sistema

uacutenico

ii em segundo lugar a Lei Federal nordm 808090 dispotildee de maneira geral sobre

as condiccedilotildees para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo

e o funcionamento dos serviccedilos correspondentes trazendo diretrizes e

principais objetivos a serem seguidos pelo SUS e

ii em terceiro lugar a Lei Federal nordm 814290 e a Lei Complementar Federal nordm

1412012 apresentam respectivamente disposiccedilotildees de suma relevacircncia sobre

a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS e as transferecircncias

intergovernamentais de recursos na aacuterea de sauacutede bem como sobre os criteacuterios

de rateio dos recursos para a sauacutede e normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e

controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferas de governo

Esse terceiro momento trata de situaccedilotildees especiacuteficas (e natildeo menos relevantes) cuja

anaacutelise se daraacute mais a frente Contudo no que se refere aos dois primeiros eacute certo que nasce

do exame dos mesmos a difiacutecil missatildeo de se extrair de maneira segura os paracircmetros que

delimitam quais as prestaccedilotildees em sauacutede que se cristalizam efetivamente como dever do

Poder Puacuteblico

A complexidade inerente a esse processo reside em dois aspectos jaacute pincelados ao

longo da presente pesquisa a dificuldade praacutetica de uma norma geral e abstrata apresentar

nuances de uma situaccedilatildeo que envolve inuacutemeras condicionantes e que necessita de alteraccedilotildees e

adaptaccedilotildees com grande frequecircncia bem como o fato de que a teacutecnica legislativa utilizada na

elaboraccedilatildeo dos dispositivos ligados agrave sauacutede constantes nesses dois niacuteveis (CF de 1988 e ldquoLei

do SUSrdquo) privilegia uma linha mais programaacutetica abraccedilando-se em diretrizes e princiacutepios

sem comprometer o Poder Puacuteblico de maneira muito especiacutefica Em suma prestigiam-se fins

a serem alcanccedilados mas natildeo satildeo dadas muitas pistas de como se chegar eficientemente aos

mesmos

Partindo das premissas postas defende-se o aprofundamento e maior divulgaccedilatildeo do

por assim dizer quarto niacutevel de normas protetivas do direito agrave sauacutede niacutevel este que se inicia

pelo conhecimento do quadro geral das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede abarcadas no acircmbito do

SUS e dos instrumentos legislativos sobretudo decretos e portarias do Ministeacuterio da Sauacutede

que as norteiam

133

Nesse contexto a exata compreensatildeo da organizaccedilatildeo e funcionamento do SUS eacute

primordial para a delimitaccedilatildeo desse niacutevel o que exige primeiro um maior detalhamento

quanto algumas especificidades da denominada ldquoLei do SUSrdquo

Segundo a Lei Federal nordm 808090 o dever do Estado de garantir a sauacutede se

materializa pela formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e pelo estabelecimento de

condiccedilotildees que assegurem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos constantes em

tais poliacuteticas constituindo o que se chama de SUS exatamente o conjunto dessas accedilotildees e

serviccedilos

Mais adiante satildeo elencados os objetivos e atribuiccedilotildees do SUS e nesse momento as

ldquodicasrdquo sobre o que pode ser exigido em sauacutede apesar de ainda natildeo tatildeo claras satildeo mais

palpaacuteveis jaacute que haacute previsatildeo no sentido de encontrar-se no campo de atuaccedilatildeo do SUS a

execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica de sauacutede do trabalhador e de

assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica

Quanto a este uacuteltimo elemento algumas observaccedilotildees natildeo podem deixar de serem

feitas Nesse contexto eacute imperioso ressaltar que recente e importante alteraccedilatildeo na Lei do

SUS instituiacuteda pela Lei Federal nordm 124012011 veio a incluir o capiacutetulo VIII (Da assistecircncia

terapecircutica e da incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede) que especifica a abrangecircncia do termo

assistecircncia terapecircutica e arrola paracircmetros para os casos de concessatildeo de medicamentos270

Nesse ponto resta esclarecido pela proacutepria ldquoLei do SUSrdquo (art 19-M) que a assistecircncia

terapecircutica integral abrange a disponibilizaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para

a sauacutede e a oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar ambulatorial e

hospitalar mas tudo isso conforme as diretrizes previamente definidas em protocolos cliacutenicos

e tabelas elaboradas no acircmbito do SUS271

270

Sobre a questatildeo da disponibilizaccedilatildeo de medicamentos por parte do Estado merece destaque a pesquisa

desenvolvida por Paul Hunt e Rajat Khosla que encara o acesso a medicamentos como um autecircntico direito

humano ao passo que ldquoos estados devem fazer todo o possiacutevel para assegurar que os medicamentos existentes

sejam disponibilizados em quantidade suficientes dentro do acircmbito de suas jurisdiccedilotildees Por exemplo eles

provavelmente teratildeo que utilizar alguns dos mecanismos de flexibilidaccedilatildeo da propriedade intelectual previstos

no Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comeacutercio (conhecido como

TRIPS) promulgando e aplicando leis internas que permitam a licenccedila compulsoacuteria Dessa maneira os Estados

assegurariam a disponibilidade de medicamentos em quantidade adequadas dentro de suas jurisdiccedilotildeesrdquo HUNT

Paul KHOSLA Rajat Acesso a medicamentos como um direito humano (trad Thiago Amparo) In Revista

Internacional de Direitos Humanos v5 n8 Satildeo Pulo jun 2008 p 104 271

Neste ponto depreende-se da leitura dos arts 19-N 19-O e 19-P que os protocolos cliacutenicos (documento que

estabelece criteacuterios para o diagnoacutestico de doenccedilas o tratamento medicamento posologia e mecanismo de

controle cliacutenico) e as diretrizes terapecircuticas devem estabelecer os medicamentos necessaacuterios nas diferentes fases

evolutivas da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede e na falta dos mesmos a dispensaccedilatildeo de medicamentos deve ser

realizada com base nas relaccedilotildees de medicamentos instituiacutedas pelo gestor federal do SUS observada a

responsabilidade pelo fornecimento pactuada na Comissatildeo Intergestores Tripartite

134

Avanccedilou-se ainda na soluccedilatildeo referente agrave celeuma quanto a dificuldade de se

estabelecer a responsabilidade financeira do fornecimento de tais medicamentos produtos

para a sauacutede ou procedimentos ao passo que no art 19-U esclareceu-se que tal

responsabilidade seraacute pactuada no acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite que envolve os

gestores dos trecircs niacuteveis federativos o que denota a importacircncia da ampla publicidade e

conhecimento dos atos dessa comissatildeo

Desta maneira constata-se que a recente alteraccedilatildeo legislativa significou um importante

passo para a soluccedilatildeo da problemaacutetica enfrentada nas demandas judiciais em que se pleiteia

medicamentos jaacute que haacute um maior esclarecimento em lei de paracircmetros a serem seguidos

pelo magistrado na busca pela soluccedilatildeo dos referidos casos tanto com relaccedilatildeo a

responsabilidade de cada ente quanto aos medicamentos que especificamente podem ser

pleiteados judicialmente

Fechando este parecircntese quanto aos medicamentos e seguindo na perquiriccedilatildeo dos

destaques da Lei do SUS que auxiliam na delimitaccedilatildeo das obrigaccedilotildees estatais em sauacutede tem-

se que no capiacutetulo referente aos princiacutepios do SUS elencados no art 7deg surgem as

importantes noccedilotildees de universalidade de acesso aos serviccedilos em todos os niacuteveis de assistecircncia

e de integralidade compreendida como conjunto articulado e contiacutenuo de accedilotildees e serviccedilos

preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de

complexidade do sistema noccedilotildees estas que funcionam como norte na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas

especiacuteficas em sauacutede puacuteblica

Mais a frente no rol das competecircncias da direccedilatildeo nacional e estadual do SUS (art 16

XI e art 17 IX) identifica-se a importante atribuiccedilatildeo de serem especificados os serviccedilos

estaduais e municipais de referecircncia nacional para o estabelecimento de padrotildees teacutecnicos de

assistecircncia agrave sauacutede aleacutem do dever da direccedilatildeo municipal de dar execuccedilatildeo agrave poliacutetica de insumos

e equipamentos para a sauacutede deixando claro o teor de tais disposiccedilotildees que ao proacuteprio SUS

cabe a tarefa de especificar certos padrotildees e metas a serem atingidas as quais serviratildeo para

atestar a viabilidade e eficiecircncia das poliacuteticas que vierem a ser executadas

Finalmente no capiacutetulo referente ao planejamento e orccedilamento do SUS eacute destacado

(arts 36 e 37) que os planos de sauacutede constituem os instrumentos-base das atividades e

programaccedilotildees de cada niacutevel de direccedilatildeo do SUS com financiamento previsto na respectiva

proposta orccedilamentaacuteria devendo as accedilotildees neles previstas passar necessariamente pelo crivo

oacutergatildeos deliberativos compatibilizando-se as necessidades da poliacutetica de sauacutede com a

disponibilidade de recursos

135

Da anaacutelise da Lei do SUS portanto se conclui que em que pese a referida lei ser clara

em apresentar um dever estatal para com a sauacutede este natildeo se encontra perfeitamente

delimitado jaacute que as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico em sua

maioria iratildeo depender de documentos que especifiquem o planejamento da sauacutede que estaacute em

andamento e quais accedilotildees e serviccedilos estatildeo abrangidas em tal plano

Nesse ponto importantiacutessimo passo foi dado com a promulgaccedilatildeo do Decreto nordm

750811 que regulamentando a Lei do SUS trouxe contribuiccedilotildees chaves sobre a organizaccedilatildeo

do SUS o planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa na

mateacuteria Eacute exatamente a anaacutelise desse importante instrumento que se faraacute a seguir

531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 750811 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees miacutenimas

em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico

Com vistas a fazer valer a necessidade de regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo da rede de

serviccedilos de sauacutede previstos na Lei do SUS o decreto em exame apresenta importantes

disposiccedilotildees que devem ser familiares ao dia a dia da sociedade (especialmente dos

representantes dos usuaacuterios nos Conselhos de Sauacutede) do Poder Judiciaacuterio e dos entes de

fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e os Tribunais de Contas)

Da anaacutelise dos diversos conceitos encontrados no aludido decreto depreende-se que a

loacutegica estrutural do SUS incentiva a formaccedilatildeo de regiotildees de sauacutede (espaccedilos geograacuteficos

contiacutenuos constituiacutedos por agrupamentos de municiacutepios limiacutetrofes272

) como forma de melhor

organizar o planejamento das accedilotildees e serviccedilos disponibilizados

Nesse contexto surgem dois instrumentos que satildeo de essencial valia o Contrato

Organizativo da Accedilatildeo Puacuteblica da Sauacutede e o Mapa de Sauacutede273

O primeiro consiste no acordo de colaboraccedilatildeo firmado entre os entes federativos com

a finalidade de organizar e integrar as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede na rede regionalizada e

hierarquizada apresentando importantes paracircmetros aos quais deve ser dada ampla

publicidade e que poderatildeo ser analisados pelo Judiciaacuterio no enfretamento de pleitos ligados ao

direito agrave sauacutede quais sejam a definiccedilatildeo de responsabilidades indicadores e metas de sauacutede

criteacuterios de avaliaccedilatildeo de desempenho recursos financeiros que seratildeo disponibilizados forma

272

Art 2deg I do Decreto nordm 750811 273

Art 2deg II e V do Decreto nordm 750811

136

de controle e fiscalizaccedilatildeo de sua execuccedilatildeo bem como outros elementos necessaacuterios agrave

implementaccedilatildeo do acordado

Ou seja sempre que existir accedilotildees integradas entre esferas de governo caracteriacutestica

que eacute a proacutepria tocircnica da estruturaccedilatildeo do SUS existiraacute um instrumento que estabeleceraacute

relevantes paracircmetros aptos a aferir a eficiecircncia do cumprimento do acordado sendo

imprescindiacutevel desta maneira a disponibilizaccedilatildeo de tal documento nas anaacutelises judiciais que

envolvam pleitos relativos a accedilotildees e serviccedilos de sauacutede

O Mapa de Sauacutede por sua vez consiste na descriccedilatildeo geograacutefica da distribuiccedilatildeo de

recursos humanos e de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ofertados pelo SUS que considera a

capacidade instalada existente os investimentos e o desempenho aferido a partir dos

indicadores de sauacutede do sistema consolidando-se tambeacutem como outro importante

instrumento a ser considerado no exame da eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em andamento jaacute

que contribuem para o estabelecimento de metas de sauacutede274

Assentados tais conceitos de se destacar novamente o relevante papel da Comissatildeo

Intergestores Tripartite (CIT) que dispotildee sobre as diretrizes gerais das regiotildees de sauacutede as

quais compreendem as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede (conjunto de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede

articulados em niacuteveis de complexidade crescente) e servem de referecircncia para as

transferecircncias de recursos entre os entes federativos

Sobre as regiotildees de sauacutede o referido decreto assevera que as mesmas deveratildeo conter

no miacutenimo accedilotildees e serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria urgecircncia e emergecircncia atenccedilatildeo

psicossocial atenccedilatildeo ambulatorial especializada e hospitalar e vigilacircncia em sauacutede275

Ainda

fica asseverado que as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede que estatildeo compreendidas nestas regiotildees

deveratildeo ter definidas em seu acircmbito pelos entes federativos que a englobam paracircmetros

importantes como os limites geograacuteficos a populaccedilatildeo usuaacuteria das accedilotildees e serviccedilos o rol das

accedilotildees que seratildeo ofertadas e as respectivas responsabilidades criteacuterios de acessibilidade e

escala para a conformaccedilatildeo dos serviccedilos

Pode-se observar que tais indicadores satildeo de suma relevacircncia para a afericcedilatildeo judicial

do enquadramento de determinada accedilatildeo ou serviccedilo como constante em determinada poliacutetica

puacuteblica visto que munido dos documentos que formalizam as regiotildees de sauacutede e as

respectivas redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede o magistrado poderaacute identificar se os requisitos miacutenimos

a serem instituiacutedos estatildeo sendo cumpridos bem como se o rol de accedilotildees estaacute sendo

274

Art 17 do Decreto nordm 750811 275

Art 5deg do Decreto nordm 750811

137

disponibilizados respeitando os criteacuterios de acessibilidade e escala da projeccedilatildeo de tais

serviccedilos

Mais adiante eacute ressaltada a importacircncia de ser assegurado aos usuaacuterios um acesso que

seja universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos do SUS impondo-se aos entes

federativos o dever de garantir a transparecircncia integralidade e equidade no acesso o qual

deveraacute ser monitorado bem como de orientar e ordenar os fluxos das accedilotildees e dos serviccedilos

que regionalmente ofertados satildeo guiados pelo garantia da continuidade do cuidado em sauacutede

em todas as modalidades276

Importantes diretrizes tambeacutem satildeo fixadas nos capiacutetulos referentes ao planejamento e

agrave assistecircncia em sauacutede Nesse ponto tem-se que o processo de planejamento da sauacutede

caracterizado por ser ascendente e integrado do niacutevel local ateacute o federal deveraacute

necessariamente passar pelos Conselhos de Sauacutede e buscaraacute a harmonia entre as necessidades

das poliacuteticas de sauacutede e a disponibilidade dos recursos financeiros devendo esta

compatibilizaccedilatildeo ser efetuada no acircmbito dos planos de sauacutede que satildeo exatamente o

resultado do planejamento integrado dos entes planejamento este que deveraacute conter metas a

serem atingidas277

Jaacute quanto agrave assistecircncia em sauacutede esta tem sua integralidade iniciada e completada na

rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede mediante referenciamento do usuaacuterio na rede regional e interestadual

conforme o pactuado nas Comissotildees Intergestores278

e a delimitaccedilatildeo de sua abrangecircncia se

baseia em dois importantiacutessimos paracircmetros a Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de

Sauacutede (RENASES) e a Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)

A RENASES279

compreende todas as accedilotildees e serviccedilos que o SUS oferece ao usuaacuterio

para atendimento da integralidade da assistecircncia agrave sauacutede cabendo ao Ministeacuterio da Sauacutede

observadas as diretrizes pactuadas pela CIT dispor sobre essa relaccedilatildeo e atualizaacute-la a cada dois

anos Para efeito de responsabilizaccedilatildeo deveratildeo os entes pactuar nas respectivas Comissotildees

Intergestores as suas responsabilidades em relaccedilatildeo ao rol de accedilotildees e serviccedilos constantes da

RENASES sem prejuiacutezo de os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios poderem adotar

relaccedilotildees especiacuteficas e complementares280

276

Arts 12 e 13 do Decreto nordm 750811 277

Art 15 do Decreto nordm 750811 278

Art 20 do Decreto nordm 750811 279

A mais recente atualizaccedilatildeo da RENASES foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 841 de 2

de maio de 2012 disponiacutevel em httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesrelacao_nacional_acoes_saudepdf

Acesso em 15062013 280

Arts 21 a 24 do Decreto nordm 750811

138

A RENAME281

por sua vez engloba a seleccedilatildeo e padronizaccedilatildeo de medicamentos

indicados para o atendimento de doenccedilas ou agravos no acircmbito do SUS282

e seraacute

acompanhada do Formulaacuterio Terapecircutico Nacional (FTN) o qual subsidiaraacute a prescriccedilatildeo

dispensaccedilatildeo e o uso dos seus medicamentos cabendo tambeacutem ao Ministeacuterio da Sauacutede

dispor sobre a mesma e atualizaacute-la a cada dois anos283

De igual maneira poderatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios adotar

relaccedilotildees especiacuteficas e complementares de medicamentos as quais sintonizadas com a loacutegica

da RENAME devem respeitar as responsabilidades dos entes pelo financiamento de

medicamentos de acordo com o pactuado nas Comissotildees Intergestores sendo certo que tanto

a RENAME quanto tais relaccedilotildees complementares somente poderatildeo conter produtos com

registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA284

)

Outra questatildeo relevante e que deve ser levada em consideraccedilatildeo pelo magistrado ao

enfrentar uma demanda envolvendo a disponibilizaccedilatildeo de um medicamento eacute a contribuiccedilatildeo

do decreto em exame no que se refere agrave especificaccedilatildeo dos requisitos imprescindiacuteveis para que

seja garantido o acesso universal e igualitaacuterio agrave assistecircncia farmacecircutica com base no

RENAME

Nesse contexto cumulativamente devem estar o usuaacuterio assistido por accedilotildees e

serviccedilos abrangidos pelo SUS ter o medicamento sido prescrito por profissional de sauacutede no

exerciacutecio regular de suas funccedilotildees no SUS estar a prescriccedilatildeo em conformidade com a

RENAME e os Protocolos Cliacutenicos e Diretrizes Terapecircuticas e ter a dispensaccedilatildeo ocorrido

necessariamente em unidades indicadas pela direccedilatildeo do SUS285

Tais requisitos reforccedilam a necessidade de que o elemento instrumental do miacutenimo

existencial em sauacutede proposto deve necessariamente abranger natildeo somente a infraestrutura

fiacutesica suficiente (hospitais equipados com leitos suficientes e equipamentos) para atender as

demandas da regiatildeo em questatildeo mas tambeacutem a disponibilidade miacutenima de meacutedicos e

remeacutedios estimados

281

A mais recente atualizaccedilatildeo da RENAME foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 533 de 28

de marccedilo de 2012 disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfCONITECPORTARIAMS5332012pdf Acesso em 15062013 282

A RENAME nasce da identificaccedilatildeo com base na situaccedilatildeo epidemioloacutegica dos maiores problemas de sauacutede e

os medicamentos baacutesicos indispensaacuteveis para seu tratamento os quais devem estar continuamente disponiacuteveis

para a populaccedilatildeo que deles necessita DALLARI Sueli Gandolfi Poliacuteticas de Estado e poliacuteticas de governo o

caso da sauacutede puacuteblica In Poliacuteticas Puacuteblicas Reflexotildees sobre o conceito juriacutedico Maria Paula Dallari Bucci

(org) Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 259 283

Arts 25 e 26 do Decreto nordm 750811 284

Art 27 e 29 do Decreto nordm 750811 285

Art 28 do Decreto nordm 750811

139

Finalmente importantes contribuiccedilotildees referentes agrave articulaccedilatildeo entre os entes federados

satildeo apresentadas pelo decreto em anaacutelise sobretudo no que diz respeito agraves atribuiccedilotildees das

comissotildees intergestores e a elaboraccedilatildeo do jaacute mencionado contrato organizativo de accedilatildeo

puacuteblica da sauacutede

Nesse sentido essas comissotildees exercem um papel de suma importacircncia na

funcionalidade geral do SUS jaacute que a partir delas satildeo pactuados os aspectos operacionais

financeiros e administrativos da gestatildeo compartilhada do sistema de acordo com a definiccedilatildeo

da poliacutetica de sauacutede dos entes federativos balizada nos planos de sauacutede e aprovadas pelos

respectivos conselhos de sauacutede286

Cabe a tais comissotildees dessa forma a elaboraccedilatildeo das diretrizes gerais sobre as regiotildees

de sauacutede e sobre a organizaccedilatildeo das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede com o correspondente

estabelecimento das responsabilidades dos entes federativos287

a partir do contrato

organizativo instrumento que consubstancia o acordo de colaboraccedilatildeo entre os entes sobre a

organizaccedilatildeo da rede interfederativa de atenccedilatildeo agrave sauacutede

O referido instrumento eacute bastante relevante para o exame judicial dos pleitos na

temaacutetica do direito agrave sauacutede sendo indispensaacutevel sua apresentaccedilatildeo em juiacutezo jaacute que o mesmo

funciona como um elemento delimitativo das diversas circunstacircncias que envolvem as

poliacuteticas puacuteblicas principalmente quanto agrave parcela de responsabilizaccedilatildeo de cada esfera

federativa e quanto agrave fiscalizaccedilatildeo da execuccedilatildeo das mesmas aleacutem de apresentar enorme valia

tanto para a delimitaccedilatildeo do elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede quanto

para perquiriccedilatildeo acerca do enquadramento de determinado pleito em alguma poliacutetica em

andamento

Desta feita prevecirc o Decreto nordm 750811 que eacute no mencionado contrato organizativo

que deveratildeo constar as responsabilidades individuais e solidaacuterias dos entes federativos com

relaccedilatildeo agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede os indicadores e as metas de sauacutede os criteacuterios de

avaliaccedilatildeo de desempenho a discriminaccedilatildeo dos recursos financeiros que estatildeo sendo

disponibilizados por cada um dos partiacutecipes bem como a forma de controle e fiscalizaccedilatildeo da

sua execuccedilatildeo e demais elementos necessaacuterios agrave implementaccedilatildeo integrada das accedilotildees e serviccedilos

de sauacutede288

Quanto agrave importacircncia do preacutevio conhecimento do Judiciaacuterio acerca das

responsabilidades de cada ente bem como da contribuiccedilatildeo financeira que cada um

286

Art 32 I do Decreto nordm 750811 287

Art 32 II III e IV do Decreto nordm 750811 288

Art 35 do Decreto nordm 750811

140

disponibiliza para as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede serem implementados algumas observaccedilotildees

merecem maior ecircnfase sobretudo no que se refere ao elemento instrumental jaacute defendido

anteriormente

Quando uma decisatildeo judicial natildeo se preocupa em averiguar o que foi pactuado

previamente entre os entes e simplesmente reconhece uma responsabilidade solidaacuteria ou

meramente responsabiliza um dos entes a partir de um criteacuterio aleatoacuterio que natildeo se coaduna

com o que foi previamente pactuado conforme as disposiccedilotildees da Lei do SUS e do decreto que

a regulamenta isso acaba gerando uma grave desorganizaccedilatildeo do proacuteprio sistema gerando

severos efeitos colaterais

Isso porque como jaacute eacute definido previamente qual prestaccedilatildeo material caberaacute a cada

ente ou quais seratildeo solidaacuterias haveraacute tambeacutem de maneira preacutevia uma estipulaccedilatildeo acerca dos

dispecircndios de cada ente (seja que seratildeo repassados ou diretamente utilizados) bem como uma

imprescindiacutevel organizaccedilatildeo estrutural antecedente para que cada um realize suas

responsabilidades

Desta maneira quando uma decisatildeo judicial decide contrariamente a tal conteuacutedo jaacute

pactuado a loacutegica do sistema se desorganiza levando primeiro a ocorrecircncia de dispecircndios

em duplicidade uma vez que em muitos casos um ente jaacute repassou os valores legais para o

ente responsaacutevel pela execuccedilatildeo da accedilatildeo ou serviccedilo e termina sendo condenado a pagar de

novo e segundo ao relaxamento dos gestores em sauacutede jaacute que alguns ficam inertes agrave espera

de decisotildees judiciais para agir gerando um ciacuterculo vicioso

Por sua vez quando o Judiciaacuterio se preocupa em fazer valer o previamente definido

haacute uma contribuiccedilatildeo para o proacuteprio SUS jaacute que natildeo soacute restam evitados os efeitos colaterais

acima mencionados como tambeacutem se coopera para a formaccedilatildeo de dados estatiacutesticos sobre as

possiacuteveis falhas na prestaccedilatildeo o que termina por forccedilar uma melhor programaccedilatildeo do gestor

condenado visando agrave correccedilatildeo dos problemas mais recorrentes

Conclui-se assim que ao inveacutes de contribuir com a concretizaccedilatildeo do direito em

exame o Judiciaacuterio quando decide sem esse compromisso investigativo de buscar condenar

quem eacute o responsaacutevel com base nas previsotildees da poliacutetica puacuteblica em vigor acaba

prejudicando a macrojusticcedila circundante ao direito agrave sauacutede jaacute que a proacutepria organizaccedilatildeo do

SUS restaraacute prejudicada289

289

Corroborando com o posicionamento acima a Advogada da Uniatildeo Gabriela Moreira Castro assevera que ldquoEacute

preciso estudar racionalmente como se organiza o SUS nessa mateacuteria a fim de se impor a obrigaccedilatildeo a quem eacute

diretamente responsaacutevel pelo seu atendimento e dessa forma possibilitar o tratamento da melhor maneira a

quem dele necessita () Em geral os juiacutezes se satisfazem ao fundamentar suas decisotildees com base nas garantias

constitucionais agrave sauacutede e agrave vida ou com base na solidariedade entre as pessoas poliacuteticas em mateacuteria sanitaacuteria

141

Nesse contexto defende-se que sempre tais contratos organizativos firmados entre os

entes sejam previamente consultados e respeitados somente se decretando a

responsabilizaccedilatildeo solidaacuteria como uacuteltimo artifiacutecio necessaacuterio a se evitar a lesatildeo do direito

Feitas tais digressotildees destaca-se finalmente na sequecircncia da anaacutelise dos principais

pontos do Decreto nordm 750811 que partindo da ideia de humanizaccedilatildeo do atendimento do

usuaacuterio como fator determinante para o estabelecimento das metas de sauacutede deve o jaacute antes

referido contrato organizativo observar algumas diretrizes para fins de garantia da gestatildeo

participativa destacando-se a incorporaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do usuaacuterio das accedilotildees e serviccedilos como

ferramenta de melhoria das estrateacutegias em sauacutede a permanente apuraccedilatildeo das necessidades e

interesses do usuaacuterio e a necessidade de ser dada publicidade aos direitos e deveres dos

usuaacuterios em todas as unidades de sauacutede do SUS inclusive nas unidades privadas que dele

participem complementarmente290

532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a

delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede

Em meados de marccedilo de 2006 atraveacutes da Portaria nordm 687 do Ministeacuterio da Sauacutede foi

aprovada a Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede (PNPS) considerada a matildee291

de todas as

poliacuteticas de sauacutede do paiacutes A partir desse momento intensificou-se a busca por uma maior

articulaccedilatildeo entre as trecircs esferas federativas com vistas a possibilitar uma maior eficiecircncia e

qualidade nas accedilotildees e serviccedilos disponibilizadas pelo SUS

Foi nesse contexto que em 2006 nasceu o Pacto pela Sauacutede por forccedila da Portaria nordm

399 do Ministeacuterio da Sauacutede o qual aprovado no Conselho Nacional de Sauacutede e pactuado no

acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite jaacute mencionada teve o propoacutesito de facilitar

muitas vezes meramente citando o artigo 196 da Constituiccedilatildeo para alegar que a sauacutede eacute dever do Estado No

entanto os magistrados comumente falham em analisar a fundo a diretriz constitucional da descentralizaccedilatildeo do

Sistema que faz parte da poliacutetica puacuteblica do SUS Esquecem-se de que o artigo 196estatui que a sauacutede eacute

realmente dever do Estado poreacutem bdquogarantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas‟ dentre as quais se

encontra a poliacutetica da descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo () Os julgadores carecem tambeacutem em considerar a

legislaccedilatildeo ordinaacuteria e as diversas normas que regulam especificamente o bloco de financiamento do SUSrdquo

CASTRO Gabriela Moreira Consideraccedilotildees sobre as decisotildees judiciais que tratam de atos referentes ao

bloco de financiamento do Sistema Uacutenico de Sauacutede chamado de Atenccedilatildeo de Meacutedia e Alta Complexidade

Ambulatorial e Hospitalar

Disponiacutevel em httpportalsaudesaudegovbrportalsaudearquivospdf2012Jan18decisoesjudiciaispdf

Acessado em 18062013 290

Arts 37 e 38 do Decreto nordm 750811 291

Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 56 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013

142

acordos entre as esferas de governo mediante a redefiniccedilatildeo de responsabilidades coletivas e a

promoccedilatildeo de novos processos e instrumentos de gestatildeo do SUS

O mencionado pacto surge assim atraveacutes de um compromisso puacuteblico assumido pelos

gestores do SUS apresentando trecircs componentes o Pacto Pela Vida o Pacto em Defesa do

SUS e o Pacto de Gestatildeo devendo a formalizaccedilatildeo do mesmo ocorrer com a assinatura do

Termo de Compromisso de Gestatildeo (TCG) entre os entes federativos momento em que satildeo

firmados os objetivos metas atribuiccedilotildees e responsabilidades dos gestores

O Pacto pela Vida292

engloba um conjunto de compromissos sanitaacuterios elencados com

base em anaacutelises da situaccedilatildeo da sauacutede do Paiacutes e das prioridades definidas pelos governos das

trecircs esferas federativas significando uma accedilatildeo prioritaacuteria no campo de sauacutede que deveraacute ser

executada com foco em resultados e com a explicitaccedilatildeo inequiacutevoca dos compromissos

orccedilamentaacuterios e financeiros para o alcance desses resultados293

Dentre as prioridades do Pacto pela Vida estaacute a consolidaccedilatildeo da estrateacutegia Sauacutede da

Famiacutelia como modelo de atenccedilatildeo baacutesica e centro ordenador das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede no

SUS bem como o fortalecimento da atenccedilatildeo baacutesica que engloba dentre outros objetivos a

necessidade de se garantir a infraestrutura necessaacuteria ao funcionamento das Unidades Baacutesicas

de Sauacutede dotando-as de recursos materiais equipamentos e insumos suficientes para se

realizar o conjunto de accedilotildees e serviccedilos propostos ponto que se harmoniza com o elemento

instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede defendido294

Partindo disso a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica295

se estrutura por meio de um

processo que leva em consideraccedilatildeo certos indicadores da atenccedilatildeo baacutesica estabelecendo-se

metas anuais a serem alcanccediladas a partir de tais indicadores visando a garantir a

resolutividade desse setor

Nesse sentido haacute previsatildeo especiacutefica (ldquoda infraestrutura e dos recursos necessaacuteriosrdquo)

no instrumento legal que estrutura a poliacutetica em questatildeo sobre os itens que satildeo elementares

para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica destacando-se que a existecircncia de unidades

baacutesicas de sauacutede (UBS) que disponibilizem equipe multiprofissional consultoacuterio meacutedico

odontoloacutegico e de enfermagem aacuterea de recepccedilatildeo sala de vacina sala de cuidados baacutesicos

292

Cabe agrave Portaria MS nordm 6992006 do Ministeacuterio da Sauacutede a regulamentaccedilatildeo das diretrizes operacionais dos

Pactos pela Vida e de Gestatildeo 293

Anexo I inciso I da Portaria MS nordm 3992006 294

Anexo II inciso I F da Portaria MS nordm 3992006 295

Aprovada pela Portaria MS nordm 6482006

143

equipamentos e materiais adequados ao elenco das accedilotildees propostas manutenccedilatildeo regular de

estoque dos insumos necessaacuterios296

No mesmo dispositivo eacute ressaltado um importantiacutessimo paracircmetro para a atenccedilatildeo

baacutesica que eacute a quantidade de UBS que devem existir nos grandes centros urbanos sendo

apontado que UBS sem o programa Sauacutede da Famiacutelia devem englobar ateacute 30 (trinta) mil

habitantes e as que possuem tal programa devem abranger apenas 12 (doze) mil habitantes

Seguindo tem-se que o Pacto em Defesa do SUS297

por sua vez busca reforccedilar o SUS

como poliacutetica de Estado mais do que uma poliacutetica de governo visando a defender seus

princiacutepios constitucionais basilares a partir de uma repolitizaccedilatildeo da sauacutede que passa a ser

encarada como um direito de cidadania e apresenta dentre suas prioridades por exemplo o

incremento a longo prazo dos recursos orccedilamentaacuterios e financeiros para a sauacutede e a

elaboraccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Carta dos Direitos dos Usuaacuterios do SUS298

Antes de avanccedilar para o proacuteximo componente do Pacto pela Sauacutede faz-se relevante

destacar alguns aspectos da referida carta jaacute que seu conteuacutedo eacute rico em disposiccedilotildees que

podem figurar como paracircmetros para a apreciaccedilatildeo judicial das demandas em sauacutede

Nesse contexto a cartilha se estrutura a partir de seis princiacutepios baacutesicos dos quais

decorrem disposiccedilotildees especiacuteficas quais sejam i todo cidadatildeo tem direito ao acesso ordenado

e organizado aos sistemas de sauacutede ii todo cidadatildeo tem direito a tratamento adequado e

efetivo para seu problema iii todo cidadatildeo tem direito ao atendimento humanizado

acolhedor e livre de qualquer discriminaccedilatildeo iv todo cidadatildeo tem direito a atendimento que

respeite a sua pessoa seus valores e seus direitos v todo cidadatildeo tambeacutem tem

responsabilidades para que seu tratamento aconteccedila de forma adequada e vi todo cidadatildeo

tem direito ao comprometimento dos gestores da sauacutede para que os princiacutepios anteriores

sejam cumpridos

Em que pese tais balizas natildeo exprimirem por si soacute obrigaccedilotildees diretas ao Poder

Puacuteblico quando satildeo elencados os desdobramentos de cada uma dessas diretrizes vislumbram-

se importantes disposiccedilotildees que contribuem profundamente para o enfretamento de pleitos

judiciais em mateacuteria de direito agrave sauacutede jaacute que como o Poder Puacuteblico por meio de ato oficial

encara certas situaccedilotildees como autecircnticos direitos do usuaacuterio nada mais correto que seja

cobrado o respeito pelos gestores puacuteblicos de tais disposiccedilotildees

296

Anexo capiacutetulo I 3 (Da infraestrutura e dos Recursos Necessaacuterios) da Portaria MS ndeg 6482006 297

Anexo I inciso II da Portaria MS nordm 3992006 298

Aprovada pela Portaria MS nordm 6752006 Disponiacutevel em

httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoescarta_direito_usuarios_2ed2007pdf Acesso em 17062013

144

Quanto agraves disposiccedilotildees do primeiro princiacutepio pode ser destacado o tratamento dado agraves

situaccedilotildees de emergecircncia cujo atendimento deveraacute ser prestado de maneira incondicional e em

qualquer unidade devendo-se em caso de risco de vida ser garantida a remoccedilatildeo segura do

usuaacuterio para um estabelecimento em condiccedilotildees de recebecirc-lo Ainda eacute imposta como

responsabilidade do gestor local em caso de limitaccedilatildeo circunstancial na capacidade de

atendimento do serviccedilo de sauacutede a pronta soluccedilatildeo das condiccedilotildees para o acolhimento do

usuaacuterio admitindo-se priorizaccedilotildees apenas com base em criteacuterios de vulnerabilidade cliacutenica e

social299

No que se refere ao segundo princiacutepio desdobram-se importantes responsabilidades ao

Poder Puacuteblico jaacute que eacute conferido aos usuaacuterios do SUS o direito de ter atendimento resolutivo

com qualidade com garantia de continuidade de atenccedilatildeo mediante tecnologia apropriada e

condiccedilotildees de trabalho adequadas para os profissionais da sauacutede300

Da mesma forma eacute

expressamente previsto o direito ao acesso agrave anestesia em todas as situaccedilotildees em que for

indicada bem como medicaccedilotildees e procedimentos que possam aliviar a dor e o sofrimento301

Com relaccedilatildeo ao terceiro princiacutepio pode-se destacar o direito do usuaacuterio de nas

consultas internaccedilotildees e procedimentos ter assegurados sua integridade fiacutesica seu bem-estar

fiacutesico e mental e notadamente sua privacidade e conforto o que corrobora com a necessidade

de ser disponibilizada a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para tais direitos serem

garantidos302

No que tange ao quarto princiacutepio as disposiccedilotildees satildeo mais voltadas agrave possibilidade do

usuaacuterio ter sua opiniatildeo valorizada no acircmbito do SUS merecendo atenccedilatildeo a garantia de

comunicabilidade com os gestores de sauacutede para apresentaccedilatildeo de sugestotildees e denuacutencias

atraveacutes dos serviccedilos de ouvidoria bem como o direito dos usuaacuterios participarem do processo

de eleiccedilatildeo de seus representantes nas conferecircncias de sauacutede realizadas pelos conselhos303

Jaacute o foco do paraacutegrafo quinto como jaacute afirmado eacute apontar as responsabilidades que

cabem ao proacuteprio usuaacuterio compreendendo dentre outras atribuiccedilotildees o dever de informar de

maneira apropriada os indicadores de sua condiccedilatildeo de sauacutede bem como de seguir o plano de

tratamento recomendado pelo profissional304

299

Princiacutepio 1 II III e V da Portaria MS nordm 6752006 300

Tal direito aproxima-se da ideia de elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede o qual

como defendido engloba a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos previstas nas

poliacuteticas puacuteblicas 301

Princiacutepio 2 caput I IV e V da Portaria MS nordm 6752006 302

Princiacutepio 3 III da Portaria MS nordm 6752006 303

Princiacutepio 4 XII e XIII da Portaria MS nordm 6752006 304

Princiacutepio 5 I e III da Portaria MS nordm 6752006

145

O paraacutegrafo sexto por sua vez arrola os deveres que competem a cada esfera

federativa no acircmbito da gestatildeo do SUS cabendo especialmente i aos Municiacutepios a

celebraccedilatildeo de contratos e convecircnios com entidades prestadoras de serviccedilos privados de sauacutede

e a garantia do fornecimento de medicamentos ii aos Estados a coordenaccedilatildeo da rede

estadual de laboratoacuterios de sauacutede puacuteblica e hemocentros e iii agrave Uniatildeo a prestaccedilatildeo de

cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira aos Estados e Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo das

coordenadas dos sistemas de rede integradas de alta complexidade305

Finalmente o Pacto de Gestatildeo do SUS visa a estabelecer as responsabilidades de cada

ente federado de forma a diminuir as competecircncias concorrentes e a tornar mais claro as

atribuiccedilotildees de cada um aleacutem de buscar explicitar as diretrizes para o sistema de financiamento

puacuteblico tripartite e reiterar a importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social como o

compromisso de apoio agrave sua qualificaccedilatildeo o que em uacuteltima anaacutelise termina fortalecendo a

gestatildeo compartilhada e solidaacuteria do SUS306

No acircmbito do Pacto de Gestatildeo satildeo ressaltadas as diretrizes constitucionais de

descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo do SUS ganhando relevo dois importantes instrumentos de

planejamento da regionalizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede o Plano Diretor de

Regionalizaccedilatildeo (PDR) e a Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede (PPI)

O PDR exprime o desenho final do processo de identificaccedilatildeo e reconhecimento das

regiotildees de sauacutede em suas diferentes formas com o intuito de garantir sobretudo a

integralidade da atenccedilatildeo aliada agrave racionalizaccedilatildeo de gastos e otimizaccedilatildeo de recursos O PDI

por sua vez deve expressar os recursos de investimentos para acolher as necessidades

acordadas no processo de planejamento regional e estadual devendo tal instrumento refletir

no acircmbito regional especialmente as carecircncias a serem corrigidas visando a suficiecircncia na

atenccedilatildeo baacutesica307

Quanto ao aspecto orccedilamentaacuterio eacute certo que o Pacto pela Sauacutede representou um

significativo avanccedilo para a organizaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos recursos jaacute que antes dele existiam

mais de cem formas de repasses e agora os estados e municiacutepios passaram a receber os

recursos federais concentrados em cinco blocos de financiamento i atenccedilatildeo baacutesica ii

atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade iii vigilacircncia em sauacutede iv assistecircncia farmacecircutica e

v gestatildeo do SUS308

305

Princiacutepio 6 II da Portaria MS nordm 6752006 306

Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 307

Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 308

Ministeacuterio da Sauacutede Entendendo o SUS p 6 2006 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfcartilha_entendendo_o_sus_2007pdf Acesso em 14062013

146

No que tange agrave atenccedilatildeo baacutesica por exemplo haacute importante previsatildeo no sentido de que

conforme os creacuteditos constantes no piso de atenccedilatildeo baacutesica sejam transferidos ldquofundo a fundordquo

o aviso de tais lanccedilamentos deveraacute ser enviado ao Secretaacuterio de Sauacutede ao Fundo de Sauacutede ao

Conselho de Sauacutede ao Poder Legislativo e ao Ministeacuterio Puacuteblico dos respectivos niacuteveis de

governo mecanismo que contribui bastante para a fiscalizaccedilatildeo do emprego dos recursos

repassados309

Outro ponto relevante do Pacto Pela Sauacutede no que tange ao elemento instrumental jaacute

mencionado eacute que consta no pacto um campo referente agraves responsabilidades gerais da gestatildeo

do SUS havendo previsatildeo expressa no sentido de os Municiacutepios serem responsaacuteveis pela

garantia da estrutura fiacutesica necessaacuteria para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica de acordo

com as normas teacutecnicas vigentes contando com apoio teacutecnico e financeiro dos Estados e da

Uniatildeo310

Aleacutem das regras que dispotildeem sobre o Plano pela Sauacutede e seus desdobramentos outras

portarias exaradas pelo Ministeacuterio da Sauacutede se afiguram como instrumentos essenciais para a

investigaccedilatildeo judicial acerca do cumprimento pelo Poder Puacuteblico do defendido elemento

instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede

Nesse sentido por exemplo a Portaria MS nordm 42792010 estabelece as diretrizes para

a organizaccedilatildeo das Redes de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede (arranjos organizativos de accedilotildees e serviccedilos de

sauacutede no intuito de garantir a integralidade do cuidado) apresentando os fundamentos

conceituais e operativos essenciais ao processo de organizaccedilatildeo de tais redes a partir do

arcabouccedilo normativo do SUS destacando-se por exemplo a noccedilatildeo de suficiecircncia como vetor

para as accedilotildees e serviccedilos disponiacuteveis significando que estas devem ser prestadas em

quantidade e qualidade necessaacuterias para atender as demandas de sauacutede incluindo cuidados

primaacuterios secundaacuterios terciaacuterios reabilitaccedilatildeo preventivos e paliativos todos realizados com

qualidade311

Na mesma linha a Portaria MS nordm 23952011 organiza o componente hospitalar da

rede de atenccedilatildeo agraves urgecircncias no acircmbito do SUS e dentre os objetivos de tal componente estaacute a

organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agraves urgecircncias nos hospitais de modo a atender tanto demandas

309

Da mesma maneira de acordo com o artigo 6deg do Decreto ndeg 165195 a comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos

recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede para os fundos estaduais e municipais deve ser apresentada

ao Ministeacuterio da Sauacutede e ao Estado por meio de relatoacuterio de gestatildeo aprovado pelo respectivo Conselho de

Sauacutede 310

Anexo II 91 b da Portaria MS nordm 3992006 311

Item 31 da Portaria em questatildeo

147

espontacircneas como as referenciadas proporcionando o funcionamento de retaguardas para

outros pontos de atenccedilatildeo agraves urgecircncias de menor complexidade312

Contudo eacute a Portaria MS nordm 11012002 que mais eficientemente contribui para a

identificaccedilatildeo do cumprimento do elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave

sauacutede vez que nela satildeo estabelecidos os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do

SUS os quais representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias

aptas a orientar os gestores do SUS dos trecircs niacuteveis de governo

A partir dos paracircmetros estabelecidos na Portaria em comento satildeo oferecidos subsiacutedios

para a anaacutelise do grau de necessidade da oferta de serviccedilos assistenciais agrave populaccedilatildeo o que

termina auxiliando tanto na elaboraccedilatildeo do planejamento e da Programaccedilatildeo Pactuada e

Integrada da assistecircncia agrave sauacutede (PPI) quanto no acompanhamento e controle de tais serviccedilos

Tais paracircmetros que se dividem em dois grupos (paracircmetros de cobertura e de

produtividade) natildeo foram elaborados de maneira aleatoacuteria e baseiam-se nas estatiacutesticas gerais

de atendimento prestado aos usuaacuterios dos SUS bem como em criteacuterios internacionalmente

difundidos para a cobertura e produtividade assistencial nos paiacuteses em desenvolvimento

No primeiro grupo encontram-se aqueles voltados a estimar as necessidades de

atendimento de uma populaccedilatildeo para um determinado periacuteodo previamente estabelecido sendo

apresentados meacutetodos de caacutelculos baseados na populaccedilatildeo bem como em estimativas pontuais

(como eacute o caso do nuacutemero de exames e terapias por exemplo que se basearaacute na estimativa do

total de consultas) Jaacute no segundo grupo podem ser identificados criteacuterios destinados a

estipular a capacidade de produccedilatildeo de recursos equipamentos e serviccedilos de sauacutede humanos

materiais ou fiacutesicos calculados sobretudo com base na expectativa esperada de internaccedilotildees

habitanteano

Somente para se ter uma ideia da importacircncia deste instrumento na tarefa de afericcedilatildeo do

que minimamente deve ser prestado pelo Poder Puacuteblico na implementaccedilatildeo de suas poliacuteticas de

sauacutede dentre os diversos campos que explicitam foacutermulas de caacutelculo dos aludidos

paracircmetros podem ser destacados os seguintes a) paracircmetros para o caacutelculo das consultas

meacutedicas com a correspondente foacutermula da necessidade consultas por ano b) paracircmetros para

o caacutelculo da necessidade produtividade ou cobertura de alguns equipamentos de diagnose e

terapia c) paracircmetros para o caacutelculo da cobertura de internaccedilatildeo hospitalar com a respectiva

foacutermula do caacutelculo do nuacutemero de internaccedilotildees por especialidade para determinada populaccedilatildeo

no periacuteodo anual d) nuacutemero de internaccedilotildeesleitosano por especialidade variando por taxa de

312

Capiacutetulo I art 3deg da referida Portaria

148

ocupaccedilatildeo hospitalar e foacutermula para o caacutelculo da necessidade leitos em determinada regiatildeo

para determinada populaccedilatildeo313

e e) nuacutemero de bolsas de sangue necessaacuterias para terapia

transfusional em unidades hospitalares anualmente dentre outros paracircmetros especialmente

razotildees de alguns recursos humanos por habitantes como meacutedicos e enfermeiros

Constata-se a partir das premissas postas que o preacutevio conhecimento pelo cidadatildeo

pelos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico) e principalmente pelo

Judiciaacuterio acerca das diretrizes gerais a serem seguidas nas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

especialmente as coordenadas do Pacto pela Sauacutede e das portarias do Ministeacuterio da Sauacutede

destacadas consiste em elemento primordial agrave garantia de uma maior seguranccedila juriacutedica das

decisotildees judiciais nessa seara alcanccedilando-se assim uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

mais eficiente

Desta maneira ao se discutir judicialmente a possibilidade de internaccedilatildeo em uma UTI

de realizaccedilatildeo de um exame especiacutefico ou de um procedimento ciruacutergico os magistrados

devem se preocupar inicialmente com a comprovaccedilatildeo de que a estruturaccedilatildeo fiacutesica e os

recursos humanos minimamente projetados estatildeo sendo cumpridos e efetivados de acordo

com os paracircmetros exarados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede especialmente a Portaria

nordm 1101 2002 de modo a identificar o respeito ao elemento instrumental do miacutenimo

existencial em sauacutede

54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NO BRASIL

Conforme delineado acima o Judiciaacuterio poderaacute ser provocado na temaacutetica da

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em diversas situaccedilotildees destacando-se os i casos em torno de

prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial cujo fundamento seraacute extraiacutedo diretamente da

Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente da dignidade da pessoa humana ii casos em que

a legislaccedilatildeo infraconstitucional bem como as poliacuteticas puacuteblicas em vigor garantem o acesso a

certas prestaccedilotildees materiais e iii casos em que a prestaccedilatildeo pleiteada natildeo se encontra abrangida

por poliacuteticas puacuteblicas em andamento

313

Conforme a referida Portaria em linhas gerais a estimativa da necessidade de leitos hospitalares se baseia

nos seguintes dados a) leitos hospitalares totais 25 a 3 leitos para cada 1000 (mil) habitantes b) leitos de UTI

calcula-se em meacutedia a necessidade de 4 a 10 do total de leitos hospitalares c) leitos em Unidades de

Recuperaccedilatildeo (poacutes-ciruacutergico) calcula-se em meacutedia de 2 a 3 leitos por sala ciruacutergica d) leitos para preacute parto

calcula-se no miacutenimo 2 leitos por sala de parto

149

Ocorre que as situaccedilotildees acima estatildeo inseridas especificamente na discussatildeo sobre a

obtenccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais em sauacutede ou seja a realizaccedilatildeo efetiva de algo em prol do

indiviacuteduo como o acesso a um medicamento uma vacina a realizaccedilatildeo de um procedimento

dentre outros jaacute vistos em passant

Aleacutem dessas ocorrecircncias que satildeo de fato as mais problemaacuteticas existem outras nas

quais o direito agrave sauacutede pode ser discutido judicialmente como casos em que a conduta estatal

eacute diretamente lesiva agrave sauacutede a ediccedilatildeo de normas dificulta o exerciacutecio do direito em xeque a

ediccedilatildeo de normas protege de maneira insuficiente agrave sauacutede o Estado eacute omisso quanto a

elaboraccedilatildeo de leis na temaacutetica da proteccedilatildeo agrave sauacutede bem como quanto a disponibilizaccedilatildeo de

infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo dos serviccedilos correlatos a tal direito situaccedilatildeo esta que

como visto fere o elemento instrumental do miacutenimo existencial proposto para o direito agrave

sauacutede

Entrando em uma parte mais exemplificativa da presente pesquisa seratildeo abordados a

seguir alguns julgados envolvendo algumas das situaccedilotildees acima atendo-se contudo a uma

anaacutelise mais detida com relaccedilatildeo aos que envolvem a busca por prestaccedilotildees materiais bem

como a omissatildeo quanto agrave infraestrutura necessaacuteria para o direito agrave sauacutede

Pois bem a situaccedilatildeo em que a proacutepria conduta estatal agride diretamente o direito agrave

sauacutede eacute a mais faacutecil de ser lidada judicialmente e eacute combatida sobretudo pelo Ministeacuterio

Puacuteblico na busca pelo respeito agrave sauacutede sobre seu vieacutes transindividual Faacutecil pois aleacutem da

loacutegica conclusatildeo de que o Estado mais do que ningueacutem natildeo pode lesar um direito de

tamanha essencialidade o qual se propocircs a proteger eacute sabido que a mais elementar

consequecircncia da eficaacutecia das normas constitucionais eacute a de impedir a praacutetica de atos estatais

que violem tal direito seja por accedilotildees materiais propriamente ditas ou pela elaboraccedilatildeo de leis

que tenham tal condatildeo (modalidade de eficaacutecia negativa)

Podem ser citados por exemplo314

casos em que o Poder Puacuteblico por accedilatildeo de seus

agentes contaminam determinados produtos consumiacuteveis315

localidades316

ou pessoas317

314

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio

Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da

Magistratura Federal UnB 2003 p 55 315

Nesse sentido o TJMG determinou na AC 000229455-100 publicada no DJ em 06022002 a interdiccedilatildeo de

abatedouro puacuteblico municipal por natildeo reunir condiccedilotildees miacutenimas de funcionamento e por em risco agrave sauacutede das

pessoas que consomem seus produtos 316

No Municiacutepio de Serra (ES) por exemplo foi utilizado um inseticida em um Posto de Sauacutede que contaminou

inuacutemeras pessoas que trabalhavam no local resultando em ACP proposta pelo MPF

150

devendo ser buscada a imediata cessaccedilatildeo da atividade nociva bem como a devida reparaccedilatildeo

dos danos causados agraves viacutetimas

Existem casos por sua vez em que a ediccedilatildeo de determinada norma venha a dificultar

o exerciacutecio do direito agrave sauacutede sendo tambeacutem indiscutiacutevel a possibilidade de atuaccedilatildeo do

Judiciaacuterio em tais casos Foi o que ocorreu por exemplo com o bloqueio das contas de

caderneta de poupanccedila durante o governo Collor em que muitos se socorreram no Judiciaacuterio

buscando a liberaccedilatildeo de tais contas para custear tratamento de sauacutede tese que foi acolhida nos

tribunais exatamente pela aplicaccedilatildeo da modalidade de eficaacutecia negativa do direito

fundamental agrave sauacutede e agrave vida318

No mesmo sentido pode ser citado o caso da Resoluccedilatildeo nordm 2831998 do extinto

INAMPS que proibia a complementaccedilatildeo com dinheiro do SUS das despesas decorrentes da

internaccedilatildeo conhecida como ldquodiferenccedila de classerdquo e o STF enfrentando o tema entendeu que

tal limitaccedilatildeo seria injustificaacutevel319

juridicamente

Entrando nos casos que suscitam mais polecircmicas tem-se a situaccedilatildeo em que o Estado eacute

omisso a qual abrange a omissatildeo quanto ao dever de editar normas de proteccedilatildeo agrave sauacutede

quanto ao dever de satisfazer o direito agrave sauacutede mediante prestaccedilotildees materiais e quanto agrave

disponibilizaccedilatildeo de infraestrutura necessaacuteria agrave prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede

Nesse ponto eacute emblemaacutetica a decisatildeo de lavra do Ministro do STF Celso de Mello na

ADPF nordm 45 (jaacute citada anteriormente) verdadeiro divisor de aacuteguas no tema da intervenccedilatildeo do

Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas Tal accedilatildeo constitucional em que pese a

prejudicalidade de seu objeto320

apresentou em seu julgamento uma detida anaacutelise acerca da

317

Eacute o que ocorre por exemplo em caso de contaminaccedilatildeo por alguma doenccedila em transfusatildeo sanguiacutenea realizada

em hospital puacuteblico Situaccedilatildeo que geraraacute a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados agrave viacutetima

Vide por exemplo o Resp 140158SC 1deg Turma rel Milton Luis Pereira DJU de 17111997 p 59458 STJ 318

Nesse sentido pode ser citado o MS 9005066091AL TRF 5deg Rel Hugo de Brito Machado DJU de

1241991 319

Destaca-se o seguinte trecho ldquoO art 196 da CF estabelece como dever do Estado a prestaccedilatildeo de assistecircncia agrave

sauacutede e garante o acesso universal e igualitaacuterio do cidadatildeo aos serviccedilos e accedilotildees para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo O direito agrave sauacutede como estaacute assegurado na Carta natildeo deve sofrer embaraccedilos impostos por

autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele O acoacuterdatildeo recorrido ao

afastar a limitaccedilatildeo da citada Resoluccedilatildeo 2831991 do Inamps que veda a complementariedade a qualquer tiacutetulo

atentou para o objetivo maior do proacuteprio Estado ou seja o de assistecircncia agrave sauacutederdquo (RE 226835 Rel Min Ilmar

Galvatildeo julgamento em 14-12-1999 Primeira Turma DJ de 10-3-2000) 320

Explica-se A ADPF em questatildeo foi promovida contra um veto parcial emanado pelo Presidente da Repuacuteblica

ao sect 2deg do art 55 da LDO (107072003) dispositivo este que tratava de paracircmetro acerca da totalidade da

dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Ministeacuterio da Sauacutede a ser considerado na elaboraccedilatildeo da LOA de 2004 e almejava a

declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de tal medida presidencial Ocorre que o Presidente da Repuacuteblica antes do

enfrentamento da ADPF remeteu ao Congresso Nacional um projeto de lei constando o exato termo do

dispositivo vetado o qual convertido em lei restaurou integralmente o mesmo o que prejudicou o objeto

perseguido mas natildeo evitou que a temaacutetica da intervenccedilatildeo judicial nas poliacuteticas puacuteblicas fosse enfrentada

151

possibilidade de a viabilizaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas serem alcanccediladas judicialmente nos

casos em que previsto seu norte no texto constitucional essas venham a ser descumpridas ou

sequer implementadas pelas instacircncias governamentais destinataacuterias do comando inscrito na

Constituiccedilatildeo

Nesse contexto alguns pontos referentes agrave situaccedilatildeo de o Estado ser omisso em seu

dever constitucional merecem ser destacados

ARGUumlICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL A

QUESTAtildeO DALEGITIMIDADE CONTITUCIONAL DO CONTROLE E

DAINTERVENCcedilAtildeO DO PODERJUDICIAacuteRIO EM TEMA DE

IMPLEMENTACcedilAtildeO DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS QUANDOCONFIGURADA

HIPOacuteTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL DIMENSAtildeO POLIacuteTICA

DAJURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL ATRIBUIacuteDA AO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL INOPONIBILIDADE DO ARBIacuteTRIO ESTATAL Agrave EFETIVACcedilAtildeO

DOS DIREITOS SOCIAIS ECONOcircMICOS E CULTURAIS CARAacuteTER

RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMACcedilAtildeO DOLEGISLADOR

CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DA CLAacuteUSULA DA ldquoRESERVA

DOPOSSIacuteVELrdquo NECESSIDADE DE PRESERVACcedilAtildeO EM FAVOR DOS

INDIVIacuteDUOS DAINTEGRIDADE E DAINTANGIBILIDADE DO NUacuteCLEO

CONSUBSTANCIADOR DO ldquoMIacuteNIMO EXISTENCIALrdquo VIABILIDADE

INSTRUMENTAL DA ARGUumlICcedilAtildeO DEDESCUMPRIMENTONO PROCESSO

DE CONCRETIZACcedilAtildeO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS

CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERACcedilAtildeO)

()

- A omissatildeo do Estado - que deixa de cumprir em maior ou em menor extensatildeo a

imposiccedilatildeo ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento

revestido da maior gravidade poliacutetico-juriacutedica eis que mediante ineacutercia o Poder

Puacuteblico tambeacutem desrespeita a Constituiccedilatildeo tambeacutem ofende direitos que nela se

fundam e tambeacutem impede por ausecircncia de medidas concretizadoras a proacutepria

aplicabilidade dos postulados e princiacutepios da Lei Fundamental(RTJ 185794-796

Rel Min CELSO DE MELLO Pleno)

Eacute certo que natildeo se inclui ordinariamente no acircmbito das funccedilotildees institucionais do

Poder Judiciaacuterio - e nas desta Suprema Corte em especial - a atribuiccedilatildeo de formular

e de implementar poliacuteticas puacuteblicas pois nesse domiacutenio o encargo reside

primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo Tal incumbecircncia no entanto

embora em bases excepcionais poderaacute atribuir-se ao Poder Judiciaacuterio se e quando

os oacutergatildeos estatais competentes por descumprirem os encargos poliacutetico-juriacutedicos

que sobre eles incidem vierem a comprometer com tal comportamento a eficaacutecia e

a integridade de direitos individuais eou coletivos impregnados de estatura

constitucional ainda que derivados de claacuteusulas revestidas de conteuacutedo

programaacutetico (Grifos acrescidos) (ADPF 45 MC DF Rel Min Celso de Mello

Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12) (Destaques apostos)

Tal julgado reflete a preocupaccedilatildeo do STF em fazer valer a maacutexima efetividade dos

dispositivos constitucionais sobretudo nos casos em que a recalcitracircncia tanto do Executivo

quanto do Legislativo em realizar seu compromisso constitucionalmente pactuado resta

configurada concretamente

Com relaccedilatildeo especificamente a omissatildeo em editar normas pode ser citado o grave

caso da jaacute mencionada LC ndeg 1412012 que somente foi promulgada dez anos depois da

previsatildeo de sua necessidade por forccedila da EC ndeg 292000 Durante esse periacuteodo de mora

152

legislativa em que pese natildeo ter havido accedilotildees constitucionais visando ao suprimento dessa

omissatildeo existiram accedilotildees contra outras espeacutecies normativas nascidas com o intuito de

suprindo a omissatildeo mencionada uniformizar a aplicaccedilatildeo da referida emenda em territoacuterio

nacional321

No que se refere agrave omissatildeo quanto a prestaccedilotildees materiais e agrave construccedilatildeo de

infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede o leque de situaccedilotildees enfrentadas

judicialmente eacute mais variado sendo certo que nem todos os casos recebem paracircmetros

seguros e uniformes o que acentua o quadro de inseguranccedila juriacutedica na mateacuteria

Agrave tiacutetulo exemplificativo o STF jaacute se manifestou acerca da possibilidade de

fornecimento gratuito de remeacutedios a portadores de HIV reconhecendo a validade de tais

programas e considerando-os legiacutetimos gestos de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede concretizadores dos

deveres constitucionais extraiacutedos do art 196 da Constituiccedilatildeo Federal322

O problema eacute que partindo do mesmo fundamento diversas decisotildees323

jaacute obrigaram

o Estado a custear tratamentos e exames especiacuteficos como ressonacircncia magneacutetica

fornecimento de aparelhos auditivos implante de proacutetese internaccedilatildeo em UTI neo-natal em

hospital particular internaccedilatildeo meacutedica em hospital particular diante da ausecircncia de vaga em

hospital conveniado do SUS dentre outros casos A qualificaccedilatildeo dessa conjuntura como um

problema se deve ao fato de que como visto nos toacutepicos anteriores nem sempre tais decisotildees

enfrentam detidamente o exame das diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede em vigor e natildeo

se preocupam com a repercussatildeo macro de seu dispositivo abrindo margem para que os jaacute

mencionados efeitos colaterais se proliferam nessas situaccedilotildees

Tais efeitos colaterais comprometem principalmente o princiacutepio da seguranccedila

juriacutedica pois satildeo constatados casos em que o enfrentamento da mesma mateacuteria apresenta

posicionamentos diferentes324

entre tribunais diversos Isso contribui para a afronta agrave

321

Foi o caso por exemplo da ADI ndeg 2999-RJ que atacou a Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 baixada pelo Conselho

Nacional de Sauacutede 322

No referido julgado ponderou-se que ldquo() o reconhecimento judicial da validade juriacutedica de programas de

distribuiccedilatildeo gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive agravequelas portadoras do viacuterus HIVAIDS daacute

efetividade a preceitos fundamentais da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica (arts 5deg caput e 196) e representa na

concreccedilatildeo do seu alcance um gesto reverente e solidaacuterio de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede das pessoas especialmente

daqueles que nada tecircm e nada possuem a natildeo ser a consciecircncia de sua proacutepria humanidade e de sua essencial

dignidaderdquo (STF RE 271286-AgR rel min Celso de Mello Segunda Turma DJE de 24112000 p 101)

Nesse mesmo sentido AI 550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda

Turma DJE de 16-8-2012 323

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho

Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura

Federal UnB 2003 p 67-68 324

Veja-se o caso do fornecimento de aparelhos auditivos Ao reveacutes do julgado citado o TJRJ ao considerar em

sua decisatildeo que a prestaccedilatildeo deve ser indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo da sauacutede excluiu os aparelhos auditivos do rol

de prestaccedilotildees exigiacuteveis judicialmente Afirmou-se que ldquoEmbora o aparelho auditivo possa assegurar agrave agravada

153

igualdade em tais demandas tendo em vista que se a sauacutede eacute direito de todos a totalidade de

cidadatildeos enquadrados em determinada situaccedilatildeo deveraacute ter o mesmo tratamento na

concretizaccedilatildeo de seu direito325

Quanto agrave omissatildeo referente agrave infraestrutura baacutesica a situaccedilatildeo eacute ainda mais complexa e

passa pela problemaacutetica jaacute enfrentada acerca da necessidade de se cotejar concretamente se a

ausecircncia de infraestrutura compromete o espectro de prestaccedilotildees que o Estado se obriga a

adimplir seja em decorrecircncia do miacutenimo existencial ou da legislaccedilatildeo e poliacuteticas puacuteblicas em

vigor

De toda maneira em que pese o posicionamento tradicional326

ser o de que a

construccedilatildeo de infraestrutura estaria no campo da conveniecircncia e oportunidade

administrativa327

jaacute existem julgados328

que tecircm obrigado o Poder Puacuteblico a construir

infraestrutura baacutesica necessaacuteria agrave proteccedilatildeo da sauacutede da coletividade sobretudo em accedilotildees que

tomam por base os paracircmetros miacutenimos pactuados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede que

datildeo as diretrizes para as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede accedilotildees essas que contribuem para a

concretizaccedilatildeo do vieacutes instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede

Merece ecircnfase nesse sentido a ementa do julgado a seguir que trata exatamente

acerca da condenaccedilatildeo do Poder Puacuteblico em disponibilizar leitos na rede privada para garantir

o direito agrave sauacutede e cumprir os paracircmetros miacutenimos pactuados nas poliacuteticas puacuteblicas

melhoria na sua qualidade de vida inexiste prova inequiacutevoca de que o mesmo eacute indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo de

sua sauacutede ou que esta se encontre em riscordquo (TJRJ AI 200600227573 Rel Des Caacutessia Medeiros DJ de

13022007) 325

Nesse sentido pondera Ricardo Perlingeiro que ldquoo Judiciaacuterio deve ser destinataacuterio do princiacutepio da isonomia

buscando tratar igualmente os jurisdicionados que se encontrarem na mesma situaccedilatildeo faacutetica Com base nessa

orientaccedilatildeo justificam-se determinados instrumentos processuais tais como as accedilotildees coletivas as suacutemulas

vinculantes e o processo exemplar que tambeacutem servem agrave ideia de um amplo acesso agrave justiccedila e agrave reduccedilatildeo dos

processos judiciais repetitivos ou das causas de massa PERLINGEIRO Ricardo O Princiacutepio da Isonomia na

Tutela Judicial Individual e Coletiva e em Outros Meios de Soluccedilotildees de Conflitos Junto ao SUS e aos Planos

Privados de Sauacutede In BRITO Milton Augusto de SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da

efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 431-432 326

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho

Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura

Federal UnB 2003 p 76 327

Nesse sentido destaca-se o seguinte trecho constante no Resp 2520083 RJ DJU de 23 03 2002 ldquo() o juiz

natildeo pode substituir a Administraccedilatildeo Puacuteblica no exerciacutecio do poder discricionaacuterio Assim fica a cargo do

Executivo a verificaccedilatildeo da conveniecircncia e da oportunidade de serem realizados os atos de administraccedilatildeo tais

como a compra de ambulacircncias e de obras de reforma de hospital puacuteblicordquo 328

Por exemplo o TJRS no AI 70004224770 (DJ de 26062002) confirmou liminar em accedilatildeo civil puacuteblica no

sentido de obrigar o Municiacutepio de Passo Fundo a adquirir autoclaves para esterilizaccedilatildeo de instrumentos meacutedicos

No mesmo sentido o STJ no Resp 177883PE (Dje de 01072002) determinou a reintegraccedilatildeo de agentes

sanitaacuterios responsaacuteveis por campanhas de prevenccedilatildeo e combate a epidemias sob o argumento de que a demissatildeo

em massa decretada pelo Poder Puacuteblico poderia gerar danos irreparaacuteveis agrave sauacutede da coletividade

154

EMENTA ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DIREITO Agrave SAUacuteDE

DISPONIBILIZACcedilAtildeO DE LEITOS DE UTI AUSEcircNCIA DE VAGAS NO

SUS FORMACcedilAtildeO DE FILA DE ESPERA DISPONIBILIZACcedilAtildeO

DE LEITOS NA REDE PRIVADA GARANTIA CONSTITUCIONAL

CONDENACcedilAtildeO GENEacuteRICA

()

- O Poder Judiciaacuterio ao determinar que o Estado adquira leitos de UTI junto

agrave rede privada para pacientes internados em pronto socorro com risco de

morte ou dano irreparaacutevel agrave sauacutede no caso de esgotamento dos leitos na rede

conveniada do SUS natildeo estaacute criando uma nova obrigaccedilatildeo para o Ente mas

tatildeo somente exigindo que ele cumpra a legislaccedilatildeo pertinente

- Natildeo se deve permitir que as normas orccedilamentaacuterias apesar de seu

relevante papel na Administraccedilatildeo Puacuteblica seja um entrave para a

efetivaccedilatildeo de um direito fundamental considerado prioritaacuterio pela

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988

(TJMG Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 0060157-2920118130223 rel des Daacutercio

Lopardi Mendes Dj de 29-11-2012)

A Accedilatildeo Civil Puacuteblica que iniciou o processo acima por sua vez seguiu as diretrizes

apontadas anteriormente nas Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede com relaccedilatildeo agrave identificaccedilatildeo do

sugerido elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede destacando-se os seguintes

trechos da mesma

()

De acordo com a Portaria GM 1101 de 12062002 o nuacutemero de leitos

para cada 1000 habitantes deve ser de 25 a 3 leitos sendo que para leitos

UTI a necessidade eacute de 4 a 10 do total de leitos hospitalares

()

Analisando a situaccedilatildeo do Municiacutepio de Divinoacutepolis que possui 206867

habitantes (de acordo com o censo IBGE de 2010) haveria necessidade de

acordo com a Portaria GM 1101 de um miacutenimo de 540 leitos sendo 22 de

UTI No entanto o total de leitos SUS no Hospital Satildeo Joatildeo de Deus (uacutenico

credenciado ao SUS no Municiacutepio) eacute de 193 bem inferior ao preconizado

pelo Ministeacuterio da Sauacutede (doc 11)

()

Com tudo isto diante do desrespeito aos direitos mais comezinhos dessa

coletividade que necessita de uma vaga em leito de UTI e atendimento de

urgecircnciaemergecircncia em ambiente hospitalar e que se veem a cada minuto

sem a devida assistecircncia suas chances de vida se reduzem drasticamente eacute

que se pleiteia a tutela jurisdicional no sentido de determinar ao Poder

Puacuteblico a obediecircncia agraves portarias nordm 11012002 e 343298 no que concerne

agrave disponibilizaccedilatildeo de nuacutemero suficiente de leitos UTI para atender agrave

demanda populacional impedindo mais mortes na mencionada ldquofila de

esperardquo em respeito aos direitos fundamentais do cidadatildeo encartados na

Carta Federal

() (Grifos acrescidos)

A saiacuteda para ambos os casos (omissatildeo de prestaccedilotildees materiais e disponibilizaccedilatildeo de

infraestrutura) encontra-se como antes defendido na consolidaccedilatildeo de um procedimento

155

decisoacuterio preacute-definido que leve em consideraccedilatildeo natildeo soacute os efeitos particulares da decisatildeo a ser

proferida mas tambeacutem os efeitos gerais para a sauacutede de todos e que na linha do jaacute exposto

caminhe trilhado ordenadamente pelos seguintes questionamentos i o pleito se enquadra

dentro do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede ii existe ato normativo ou poliacutetica puacuteblica

em vigor que garanta a disponibilizaccedilatildeo do pleito e iii ainda que natildeo apresente amparo legal

direto o pleito aplicado o juiacutezo de proporcionalidade pode ser atendido natildeo soacute para o

demandante mas para todos que se encontram em situaccedilatildeo semelhante

Finalmente antes de passar para o proacuteximo capiacutetulo a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo e reforccedilando

a vasta gama de situaccedilotildees judiciais que podem envolver o direito agrave sauacutede podem ser citados

alguns julgamentos relevantes do STF em que o referido direito foi tratado ainda que de

forma indireta e cuja discussatildeo acerca da invasatildeo do Judiciaacuterio em temas iacutensitos ao campo

poliacutetico veio agrave tona como por exemplo o do debate acerca da proibiccedilatildeo de importaccedilatildeo de

pneus usados329

da comercializaccedilatildeo de amianto330

e da interrupccedilatildeo da gravidez no caso dos

anenceacutefalos331

Feitas tais ponderaccedilotildees pode-se concluir a partir da anaacutelise conjuntural do

enfretamento judicial da mateacuteria que a despeito de o Poder Judiciaacuterio (incluindo o STF) ter

329

ldquoConstitucionalidade de atos normativos proibitivos da importaccedilatildeo de pneus usados Reciclagem de pneus

usados ausecircncia de eliminaccedilatildeo total dos seus efeitos nocivos agrave sauacutede e ao meio ambiente equilibrado Afrontas

aos princiacutepios constitucionais da sauacutede e do meio ambiente ecologicamente equilibrado () Direito agrave sauacutede o

depoacutesito de pneus ao ar livre inexoraacutevel com a falta de utilizaccedilatildeo dos pneus inserviacuteveis fomentado pela

importaccedilatildeo eacute fator de disseminaccedilatildeo de doenccedilas tropicais Legitimidade e razoabilidade da atuaccedilatildeo estatal

preventiva prudente e precavida na adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que evitem causas do aumento de doenccedilas

graves ou contagiosas Direito agrave sauacutede bem natildeo patrimonial cuja tutela se impotildee de forma inibitoacuteria preventiva

impedindo-se atos de importaccedilatildeo de pneus usados idecircntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos

que deles se livram () Ponderaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais demonstraccedilatildeo de que a importaccedilatildeo de pneus

usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de sauacutede e do meio ambiente ecologicamente

equilibrado (arts 170 I e VI e seu paraacutegrafo uacutenico 196 e 225 da CB) ()rdquo (ADPF 101 Rel Min Caacutermen

Luacutecia julgamento em 24-6-2009 Plenaacuterio DJE de 4-6-2012) 330

ldquo() De maneira que retomando o discurso do Min Joaquim Barbosa a norma estadual no caso cumpre

muito mais a CF nesse plano da proteccedilatildeo agrave sauacutede ou de evitar riscos agrave sauacutede humana agrave sauacutede da populaccedilatildeo em

geral dos trabalhadores em particular e do meio ambiente A legislaccedilatildeo estadual estaacute muito mais proacutexima dos

desiacutegnios constitucionais e portanto realiza melhor esse sumo princiacutepio da eficacidade maacutexima da Constituiccedilatildeo

em mateacuteria de direitos fundamentais e muito mais proacutexima da OIT tambeacutem do que a legislaccedilatildeo federal ()rdquo

(Grifos acrescidos) (ADI 3937-MC Rel Min Marco Aureacutelio voto do Min Ayres Britto julgamento em 4-6-

2008 Plenaacuterio DJE de 10-10-2008) 331

ldquoArguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental ndash Adequaccedilatildeo ndash Interrupccedilatildeo da gravidez ndash Feto

anenceacutefalo ndash Poliacutetica judiciaacuteria ndash Macroprocesso Tanto quanto possiacutevel haacute de ser dada sequecircncia a processo

objetivo chegando-se de imediato a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal Em jogo valores

consagrados na Lei Fundamental ndash como o satildeo os da dignidade da pessoa humana da sauacutede da liberdade e

autonomia da manifestaccedilatildeo da vontade e da legalidade ndash considerados a interrupccedilatildeo da gravidez de feto

anenceacutefalo e os enfoques diversificados sobre a configuraccedilatildeo do crime de aborto adequada surge a arguiccedilatildeo de

descumprimento de preceito fundamental () Na dicccedilatildeo da ilustrada maioria entendimento em relaccedilatildeo ao qual

guardo reserva natildeo prevalece em arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental liminar no sentido de

afastar a glosa penal relativamente agravequeles que venham a participar da interrupccedilatildeo da gravidez no caso de

anencefaliardquo (Grifos acrescidos) (ADPF 54-QO Rel Min Marco Aureacutelio julgamento em 27-4-05

Plenaacuterio DJ de 31-8-2007)

156

se demonstrado preocupado com a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e na maioria das vezes

ter se posicionado de maneira favoraacutevel agrave sua interferecircncia no tema332

natildeo existe uma

uniformidade no trato do assunto especialmente pela ausecircncia de uma linha de raciociacutenio

procedimental soacutelida que sem tolher a liberdade de atuaccedilatildeo dos magistrados contribua para

que seja incutida na mente dos mesmos uma conscientizaccedilatildeo preacutevia de como estes devem

proceder para que suas decisotildees sejam eivadas da maacutexima razoabilidade possiacutevel e portanto

consentacircneas com os comandos constitucionais333

Com efeito conforme defendido na presente pesquisa o passo inicial desse caminho a

ser trilhado estaacute na consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede compreendidas no acircmbito da regulamentaccedilatildeo do SUS diretrizes essas que

devem ser mais difundidas e melhor simplificadas para a clara compreensatildeo tanto do

Judiciaacuterio como da sociedade e sobretudo dos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo no acompanhamento

do cumprimento das metas estabelecidas em tais poliacuteticas334

Nesse sentido uma importante medida na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute a

formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar compostas tanto por profissionais de

sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS encarregadas de prestar assistecircncia

332

ldquoConsolidou-se a jurisprudecircncia desta Corte no sentido de que embora o art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988

traga norma de caraacuteter programaacutetico o Municiacutepio natildeo pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessaacuterios

ao gozo do direito agrave sauacutede por todos os cidadatildeos Se uma pessoa necessita para garantir o seu direito agrave sauacutede de

tratamento meacutedico adequado eacute dever solidaacuterio da Uniatildeo do Estado e do Municiacutepio providenciaacute-lordquo (AI

550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda Turma DJE de 16-8-2012) No

mesmo sentido ldquoO recebimento de medicamentos pelo Estado eacute direito fundamental podendo o requerente

pleiteaacute-los de qualquer um dos entes federativos desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de

custeaacute-los com recursos proacuteprios Isso por que uma vez satisfeitos tais requisitos o ente federativo deve se

pautar no espiacuterito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituiccedilatildeo e natildeo criar

entraves juriacutedicos para postergar a devida prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo (RE 607381-AgR Rel Min Luiz Fux

julgamento em 31-5-2011 Primeira Turma DJE de 17-6-2011) 333

Sobre essa questatildeo Gustavo Amaral em estudo sobre o direito agrave sauacutede no Brasil destaca a importacircncia dos

institutos da repercussatildeo geral e dos recursos repetitivos asseverando que ldquoparece adequado esperar que o

Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiccedila busquem proferir decisotildees que transcendam a

adjudicaccedilatildeo para aleacutem dos casos entre as partes diretamente envolvidas Haacute instrumentos para isto

nomeadamente a repercussatildeo geral e os recursos repetitivosrdquo AMARAL Gustavo Sauacutede Direito de Todos

Sauacutede Direito de Cada Um Reflexotildees para a Transiccedilatildeo da Praacutexis Judiciaacuteria In NOBRE Milton Augusto de

Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte

Foacuterum 2011 p 111 334

No mesmo sentido Milton Augusto de Brito Nobre ao comentar o papel do CNJ na busca pela eficiecircncia das

demandas que envolvem o direito a sauacutede aponta entre as carecircncias e disfunccedilotildees constatadas iacutensitas a tais

demandas ldquoa necessidade de maior difusatildeo de conhecimentos entre os magistrados a respeito das questotildees

teacutecnicas que se originam ou satildeo refletidas nas demandas por prestaccedilotildees de sauacutederdquo NOBRE Milton Augusto de

Brito Da Denominada ldquoJudicializaccedilatildeo da Sauacutederdquo Pontos e Contrapontos In NOBRE Milton Augusto de Brito

SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum

2011 p 354

157

aos magistrados sobretudo com relaccedilatildeo agraves demandas coletivas que exigem a correccedilatildeo de

omissotildees estatais como o deacuteficit de leitos hospitalares remeacutedios meacutedicos etc335

Quanto a esta medida destacam-se as disposiccedilotildees da Recomendaccedilatildeo ndeg 31 do

Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ)336

que visa a adoccedilatildeo de medidas que melhor subsidiem os

magistrados e demais operadores do direito para assegurar maior eficiecircncia na soluccedilatildeo das

demandas judiciais envolvendo a assistecircncia agrave sauacutede337

Dentre as recomendaccedilotildees pode ser ressaltada a incorporaccedilatildeo do estudo sobre direito

sanitaacuterio nos programas de formaccedilatildeo vitaliciamento e aperfeiccediloamento de magistrados bem

como a celebraccedilatildeo de convecircnios que objetivem disponibilizar equipes de apoio teacutecnico

compostas por meacutedicos e farmacecircuticos para auxiliar os magistrados na formaccedilatildeo de um juiacutezo

de valor quanto agrave apreciaccedilatildeo das questotildees cliacutenicas apresentadas pelas partes nas accedilotildees

relativas agrave sauacutede observadas as peculiaridades regionais338

Outra medida interessante eacute a possibilidade de se criar varas especializadas em

processar e julgar accedilotildees judiciais que tenham como tema pleitos envolvendo sauacutede puacuteblica de

modo a proporcionar uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito

fundamental pelo Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a isonomia

entre os usuaacuterios do SUS

Quanto a este ponto eacute relevante destacar que atualmente tramita no acircmbito do CNJ

um pedido de providecircncias339

o qual conta com o apoio do Conselho Federal da OAB340

no

335

No Tribunal de Justiccedila da Paraiacuteba por exemplo jaacute foram emitidos diversos pareceres pela equipe teacutecnica

formada para subsidiar decisotildees envolvendo o direito agrave sauacutede Disponiacutevel em httpwwwtjpbjusbrcamara-

tecnica-de-saude-emite-162-pareceres-para-subsidiar-decisoes-judiciais-na-paraiba Acesso em 14062013 336

Publicado no DJe nordm 612010 em 07042010 p 4-6 Disponiacutevel em httpwwwcnjjusbratos-

administrativosatos-da-presidencia322-recomendacoes-do-conselho12113-recomendacao-no-31-de-30-de-

marco-de-2010 Acesso em 14062013 337

A recomendaccedilatildeo em exame veio a ser complementada pela Recomendaccedilatildeo nordm 36 de 12 de julho de 2011que

dentre outras medidas alertou para a necessidade de os magistrados oficiarem quando cabiacutevel e possiacutevel oacutergatildeos

como a ANVISA e ANS para se manifestarem acerca da mateacuteria debatida em sauacutede 338

Corroborando Bruno Espintildeeira Lemos assevera que ldquoo Judiciaacuterio como insistentemente tem se sustentado

na esfera dos profissionais da sauacutede puacuteblica brasileira necessita com urgecircncia criar assessorias teacutecnicas que lhe

deem suporte nas decisotildees que envolvam o direito agrave sauacutede LEMOS Bruno Espintildeeira Sobre o direito puacuteblico agrave

sauacutede simboacutelica anaacutelise criacutetica de precedente com potencial irradiador em busca do ldquocaminho do meiordquo

(afastamento das absolutizaccedilotildees natildeo razoaacuteveis) In GABURRI Fernando DUARTE Bento Herculano (coords)

A Fazenda Puacuteblica agrave luz da atual jurisprudecircncia dos Tribunais brasileiros Curitiba Juruaacute 2011 p 61 339

O conteuacutedo na iacutentegra de tal pedido encontra-se no siacutetio eletrocircnico a seguir httpsconjurcombrdlflavio-

dino-propoe-criacao-varas-julgarpdf 340

Nesse contexto o Secretaacuterio Geral da OAB Sr Claudio Souza Neto ressaltou ser ldquofundamental que os

magistrados conheccedilam o sistema de sauacutede em profundidade possam dialogar com os administradores que atuam

nesse sistema com meacutedicos usuaacuterios e com os secretaacuterios de sauacutede para que se perpetue esse aspecto virtuoso

de garantia do direito agrave sauacutede e as disfunccedilotildees possam ser superadas a partir da especializaccedilatildeordquo Disponiacutevel em

httpwwwoaborgbrnoticia25689oab-apoia-criacao-de-varas-especializadas-em-direito-a-saude Acesso em

24062013

158

sentido de que seja editada uma resoluccedilatildeo determinando aos tribunais brasileiros a criaccedilatildeo de

varas especializadas no processamento e julgamento de accedilotildees ciacuteveis e criminais que tenham

por objeto o direito agrave sauacutede

Tal pedido de providecircncia fundamenta-se em diversas frentes argumentativas

destacando-se a apresentaccedilatildeo de exemplos de especializaccedilotildees que tiveram sucesso no paiacutes

(como as varas da infacircncia e juventude violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher idosos

etc) a exposiccedilatildeo de dados sobre accedilotildees judiciais no tema (apontando-se que tramitam cerca de

240 mil accedilotildees na aacuterea de sauacutede a maioria delas envolvendo requerimento de medicamentos e

procedimentos no acircmbito do SUS) bem como a demonstraccedilatildeo de importantes avanccedilos

alcanccedilados graccedilas agrave atuaccedilatildeo judicial (como foi o caso dos coqueteacuteis do viacuterus HIV)

Pois bem tudo que foi dito no presente capiacutetulo voltou-se agrave defesa da possibilidade da

atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que norteada por criteacuterios objetivos

que garantam maior seguranccedila aos julgados e uniformidade na mateacuteria destacando-se dentre

as proposiccedilotildees defendidas a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede e da

importacircncia de seu elemento instrumental na delimitaccedilatildeo da objetividade almejada

No capiacutetulo a seguir seratildeo analisados341

alguns temas especiacuteficos que apesar de (ateacute

certo ponto) externos agrave discussatildeo sobre o enfrentamento judicial na mateacuteria se apresentam

como relevantes reforccedilos para a correccedilatildeo do deacuteficit de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no

paiacutes

341

O capiacutetulo que se segue natildeo tem pretensotildees de exaustivamente exaurir as temaacuteticas que seratildeo nele tratadas

Ao contraacuterio busca examinar de maneira concisa temas pontuais e relevantes para a problemaacutetica da

efetividade do direito agrave sauacutede os quais poderatildeo ser mais bem debatidos em uma pesquisa posterior mais

aprofundada

159

6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO

DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

No capiacutetulo terceiro da presente pesquisa esclareceu-se que apesar de o processo de

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede ser atrelado a ideia de gradualidade a conjuntura atual do

quadro sanitaacuterio do paiacutes denota um verdadeiro deacuteficit desse processo jaacute que a realizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede encontra-se bem longe de ser harmocircnica com a estruturaccedilatildeo prevista ldquono

papelrdquo para o SUS sendo vivenciadas dia a dia autecircnticas situaccedilotildees de desrespeito a esse

relevante direito do cidadatildeo

Defendeu-se nessa linha de raciociacutenio que frente a ineficiecircncia do Executivo e do

Legislativo natildeo soacute era possiacutevel como tambeacutem necessaacuterio para a correccedilatildeo do deacuteficit de

gradualidade apontado um papel ativo do Judiciaacuterio na questatildeo da efetividade do direito agrave

sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos que trouxessem seguranccedila juriacutedica e nesse

contexto buscou-se delimitar tais paracircmetros sobretudo a partir da construccedilatildeo de um miacutenimo

existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede calcado na importacircncia do conhecimento acerca

das especificidades estruturais do SUS

Contudo aleacutem da contribuiccedilatildeo de um Judiciaacuterio atuante a partir de criteacuterios preacute-

definidos e objetivos fator que pode ser enquadrado como o carro-chefe da tarefa de se

empreender uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consentacircnea com os ditames

constitucionais outras iniciativas podem se enquadrar como mecanismos que contribuem para

essa empreitada Ganha destaque nesse contexto a necessidade de se reestruturar os

Conselhos de Sauacutede com vistas a intensificar a participaccedilatildeo popular na gestatildeo do SUS bem

como de se empreender uma harmonizaccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio com a prioridade

constitucional direcionada agrave sauacutede puacuteblica

61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE

NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO

A atual crise da democracia representativa brasileira marcada pela adoccedilatildeo cada vez

mais recorrente de medidas em niacutetido descompasso com os desiacutegnios do povo342

(e ateacute

342

Corroborando com esse pensamento Friedrich Muumlller aponta que o direito de voto apesar de standard

miacutenimo inarredaacutevel da democracia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para esta jaacute que o povo se

encontra antes e apoacutes as eleiccedilotildees apenas relativamente livre frente ao aumento alarmante da possibilidade de

manipulaccedilatildeo sobretudo pela miacutedia dos menos esclarecidos MUumlLLER Friedrich O novo paradigma do

direito introduccedilatildeo agrave teoria e metoacutedica estruturantes 3deg ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 257

160

mesmo com os proacuteprios princiacutepios constitucionais) tem distanciado os governantes dos

governados e alertado para a necessidade de se consolidar instrumentos que garantam a

implementaccedilatildeo de uma verdadeira democracia participativa cuja estruturaccedilatildeo se funda

primordialmente no princiacutepio da soberania popular343

Vislumbra-se pois a necessidade de se dinamizar a democracia344

por meio de

instrumentos de controle e participaccedilatildeo popular que oportunizem o exerciacutecio direto da

vontade geral sendo o elemento ldquoparticipaccedilatildeordquo exatamente a faceta dinacircmica da democracia

que conduz o processo poliacutetico e permite concretizar de maneira legiacutetima uma poliacutetica de

superaccedilatildeo dos eventuais conflitos345

Antes de adentrar no exame da funcionalidade dos Conselhos de Sauacutede como um

desses instrumentos acima referidos (mesma situaccedilatildeo da figura do orccedilamento participativo a

ser analisada no toacutepico seguinte) faz-se relevante um breve esboccedilo acerca das noccedilotildees baacutesicas

da teorizaccedilatildeo de uma democracia participativa e suas implicaccedilotildees na realidade constitucional

brasileira346

611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica

A noccedilatildeo de uma democracia participativa liga-se ao proacuteprio processo evolutivo da

democracia ao longo da histoacuteria o qual eacute marcado pela passagem de uma soberania popular

meramente formal calcada na busca pela sustentabilidade e justificaccedilatildeo dos governos para

uma visatildeo material em que se verifica a real preservaccedilatildeo do exerciacutecio do poder poliacutetico

343

BONAVIDES Paulo Teoria Constitucional da Democracia Participativa 3deg ed Satildeo Paulo Malheiros

2008 p 51 344

Sobre a questatildeo democraacutetica Dworkin aponta que atualmente existe um debate acerca do tema que natildeo se

traduz num conceito uacutenico mas em profunda controveacutersia sobre a melhor versatildeo possiacutevel da democracia Na

visatildeo do referido autor o debate circunda em torno da premissa majoritaacuteria como um ponto central no sentido

de que esta premissa indica que os procedimentos poliacuteticos devem se conduzir de tal forma que a decisatildeo

alcanccedilada seja a resoluccedilatildeo que favorece a uma maioria ou pluralidade de cidadatildeos ou favoreceria se tivesse

informaccedilotildees adequadas e tempo suficiente para esta reflexatildeo ao menos que esta direccedilatildeo valha para questotildees

importantes DWORKIN Ronald La lectura moral de la constituicioacuten y la premisa mayoritaria Instituto de

Investigaciones Juriacutedicas Universidade Nacional Autoacutenoma de Meacutexico 2002 pp 03-29 345

BONAVIDES Paulo Poliacutetica e Constituiccedilatildeo os caminhos da democracia Rio de Janeiro Forense 1985

p 509 apud CARNEIRO Rommel Madeiro de Macedo Teoria da Democracia Participativa anaacutelise agrave luz do

princiacutepio da soberania popular In Revista Juriacutedica da Presidecircncia da Repuacuteblica v 9 ndeg 87 outnov 2007

p 29 346

A pretensatildeo deste toacutepico eacute apenas alertar para a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede como instrumentos de

aperfeiccediloamento de uma democracia participativa natildeo se pretendendo assim desenvolver um exame a fundo

das diferentes teorias acerca da democracia Contudo para o aprofundamento da questatildeo sobretudo acerca das

diferenciaccedilotildees entre as correntes democraacuteticas do liberalismo e comunitarismo e o consequente desenvolvimento

de democracias procedimentais ou substantivas conferir BIELSCHOWSKY Raoni Macedo Democracia

Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2013

161

voltado aos fins coletivos em um quadro de maior participaccedilatildeo e responsabilidade dos

governados

Corrobora com esta visatildeo o raciociacutenio desenvolvido por Paulo Bonavides no sentido

de que no processo de releitura da democracia esta deixa de ser simplesmente uma espeacutecie

de regime poliacutetico e passa a ser encarada como um autecircntico direito (de quarta geraccedilatildeo) que

juntamente com o direito agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo formam a triacuteade necessaacuteria para a

concretizaccedilatildeo da sociedade aberta compreendendo o futuro da cidadania e o porvir da

liberdade dos povos347

Nesse contexto as concepccedilotildees democraacuteticas contemporacircneas tidas como contra-

hegemocircnicas acabam rompendo com a ideologia claacutessica de que o regime democraacutetico seria

uma elaboraccedilatildeo teoacuterica empregada pelos governantes para legitimar o poder e passam a

defender uma leitura da democracia como uma gramaacutetica de organizaccedilatildeo social e da relaccedilatildeo

entre estado e sociedade348

Dentre essas concepccedilotildees destaca-se as construccedilotildees teoacutericas de

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo como elemento de uma sociedade aberta (Peter Haumlberle) e de

democracia deliberativa (Juumlrgen Habermas)

De maneira sucinta a concepccedilatildeo procedimental de democracia desenvolvida por

Habermas buscou abrir espaccedilo para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como

praacutetica da sociedade e natildeo apenas como meacutetodo de constituiccedilatildeo de governos e a partir da

noccedilatildeo de esfera puacuteblica (tido como o local em que os indiviacuteduos pudessem discutir os

problemas em busca de consensos) o referido autor propocircs uma sistemaacutetica de superaccedilatildeo dos

limites da democracia representativa baseada na capacidade da sociedade influenciar o

processo poliacutetico de tomada de decisatildeo a partir de uma aberta discussatildeo349

A ideia de democracia deliberativa eacute desta maneira o ponto de partida para a

compreensatildeo dos arranjos participativos que buscam viabilizar formas diretas de participaccedilatildeo

poliacutetica como eacute o caso dos canais de participaccedilatildeo que satildeo abertos a partir dos Conselhos de

Sauacutede e suas relevantes funccedilotildees350

347

BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 571 348

SANTOS Boaventura de Sousa amp AVRITZER Leonardo Democratizar a democracia os caminhos da

democracia participativa Porto Ediccedilotildees Afrontamento 2002 p 15 Disponiacutevel em

httpptscribdcomdoc52853920Boaventura-de-Sousa-Santos-Democratizar-a-democracia-Os-caminhos-da-

democracia-participativa Acesso em 14062013 349

SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia

deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica

Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 146 350

Sobre a noccedilatildeo de democracia deliberativa Claacuteudio Pereira de Souza Neto aponta que ldquoa democracia

deliberativa surge nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX como alternativa agraves teorias da democracia entatildeo

predominantes as quais a reduziam a um processo de agregaccedilatildeo de interesses particulares cujo objetivo seria a

escolha de elites governantes () A democracia deve envolver aleacutem da escolha de representantes tambeacutem a

162

Conforme se veraacute mais adiante uma das grandes problemaacuteticas com relaccedilatildeo aos

Conselhos de Sauacutede eacute exatamente a dificuldade em se fazer valer os consensos construiacutedos a

partir dos debates realizados e quanto a esta questatildeo eacute pertinente o pensamento de Joshua

Cohen com relaccedilatildeo a potencialidade de os membros da sociedade efetivamente participarem

das decisotildees poliacuteticas

O referido autor tambeacutem tem seu eixo de pensamento desenvolvido a partir da ideia de

democracia deliberativa contudo a preocupaccedilatildeo do seu raciociacutenio eacute a operacionalizaccedilatildeo

dessa deliberaccedilatildeo a partir da institucionalizaccedilatildeo de arranjos de modo a efetivar natildeo somente a

participaccedilatildeo mas tambeacutem as decisotildees dos cidadatildeos Pugna portanto pela ampliaccedilatildeo do

pensamento habermasiano ao defender que os debates travados na esfera puacuteblica natildeo devem

soacute meramente influenciar as decisotildees poliacuteticas uma vez que a legitimidade da democracia

encontra-se exatamente na possibilidade das decisotildees serem tomadas conjuntamente entre

Estado e membros da sociedade351

Noutro poacutertico tambeacutem merece atenccedilatildeo as liccedilotildees de Haumlberle cuja construccedilatildeo teoacuterica

tem suas balizas nos ideais de democracia participativa e se desdobra no alargamento do

ciacuterculo de inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo e na noccedilatildeo de interpretaccedilatildeo como um processo aberto e

puacuteblico iacutensito a sociedade plural352

Desta maneira ao trazer para a ciecircncia hermenecircutica a importacircncia de uma

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo a partir de uma sociedade plural elevando o povo agrave condiccedilatildeo de

inteacuterprete e democratizando o processo de interpretaccedilatildeo das normas constitucionais referido

autor defende ser na realidade social o local onde se encontram os criteacuterios determinantes do

processo interpretativo e por isso o papel do povo nesse processo deve ser valorizado353

Para tanto faz-se necessaacuterio de modo a se alcanccedilar a viabilidade praacutetica da aludida

teoria a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo aberta que garanta o pluralismo e instrumentos de

democracia participativa podendo-se defender nesse contexto que a atual Constituiccedilatildeo de

1988 se enquadra nessa moldura e a previsatildeo da participaccedilatildeo da comunidade no acircmbito do

SUS eacute um dos vaacuterios exemplos que respaldam esse enquadramento

possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questotildees a serem decididas () mas para que essa

funccedilatildeo se realize a deliberaccedilatildeo deve se dar em um contexto aberto livre e igualitaacuterio SOUZA NETO Claacuteudio

Pereira de Deliberaccedilatildeo Puacuteblica Constitucionalismo e Cooperaccedilatildeo Democraacutetica In BARROSO Luiacutes Roberto

(org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 43-44 351

SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia

deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica

Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 152 352

BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 465-466 353

HAumlBERLE Peter Hermenecircutica Constitucional a sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo

Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Fabris 1997 p 13

163

Pois bem feitas tais consideraccedilotildees tem-se que jaacute foi visto na presente pesquisa que o

reconhecimento do direito agrave sauacutede como questatildeo intriacutenseca agrave democracia e agrave participaccedilatildeo

social decorre diretamente de diretriz do SUS encampada na proacutepria Constituiccedilatildeo Federal

(fruto dos esforccedilos da base poliacutetico-ideoloacutegica da Reforma Sanitaacuteria Brasileira) ganhando

vida a partir dos Conselhos e Conferecircncias de Sauacutede institucionalizadas como autecircnticos

espaccedilos de participaccedilatildeo e controle social na sauacutede354

Tal caracteriacutestica iacutempar entre os direitos sociais aleacutem de corroborar com a ideia jaacute

defendida de estar o direito agrave sauacutede posicionado em uma espeacutecie de primeiro plano dentre os

direitos fundamentais sociais frente a sua natureza de direito impreteriacutevel e polifaceacutetico

significa a adoccedilatildeo no ordenamento brasileiro da ideia de que as bases das poliacuteticas puacuteblicas

em sauacutede devem ser ditadas e priorizadas a partir das necessidades mais latentes do povo

reforccedilando a importacircncia da democracia participativa na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Desta maneira satildeo os Conselhos de Sauacutede e as Conferecircncias as instacircncias colegiadas

que materializam a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS funcionando como

relevantes instrumentos para a correccedilatildeo das problemaacuteticas encontradas na efetividade do

direito agrave sauacutede no cenaacuterio hodierno paacutetrio jaacute que possuem responsabilidades tanto na

elaboraccedilatildeo das diretrizes das poliacuteticas em sauacutede como tambeacutem no controle e fiscalizaccedilatildeo do

atingimento das metas pactuadas

Daiacute se dizer que tais Conselhos constituem instacircncias de cogestatildeo puacuteblica integrantes

de um novo tecido social descentralizado e participativo o qual possibilita o reconhecimento

da subjetividade e da diversidade como parte da cidadania e aproxima o direito agrave sauacutede dos

ideais democraacuteticos355

devendo-se portanto serem buscadas medidas que garantam o

eficiente funcionamento dos mesmos

612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil

354

Antes da instituiccedilatildeo do SUS e dos conselhos de sauacutede jaacute existia o embriatildeo da participaccedilatildeo popular no

controle dos recursos descentralizados para estados e municiacutepios Com o Plano Nacional de Reorientaccedilatildeo da

Assistecircncia agrave Sauacutede pela Previdecircncia Social (1981) foi instituiacutedo o programa de Accedilotildees Integradas de Sauacutede ndash

AIS (1983) que era a grosso modo a transferecircncia de recursos para o custeio de serviccedilos Na esteira da criaccedilatildeo

das AIS surgiram nos estados as Comissotildees Interinstitucionais de Sauacutede ndashCIS e nos municiacutepios as Comissotildees

Interinstitucionais Municipais de Sauacutede ndashCIMS Essas comissotildees foram precursoras dos atuais conselhos de

sauacutede pois jaacute contavam com representantes da sociedade civil organizada ZELENOVSKY Maria Antonia

Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees

de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso

em 14062013 355

FLEURY Sonia A questatildeo democraacutetica na sauacutede In FLEURY Sonia (org) Sauacutede e democracia a luta

do CEBES Satildeo Paulo Lemos Editorial 1997 p 40

164

Como visto os Conselhos de Sauacutede foram institucionalizados pela Lei 814290 e as

diretrizes para sua criaccedilatildeo e funcionamento estatildeo reguladas pela Resoluccedilatildeo nordm 33303 do

Ministeacuterio da Sauacutede Tais foacuteruns colegiados atuam em caraacuteter permanente e deliberativo e satildeo

compostos por representantes do governo prestadores de serviccedilo profissionais e usuaacuterios

(cuja representaccedilatildeo eacute paritaacuteria com relaccedilatildeo ao conjunto dos demais segmentos356

) atuando na

formulaccedilatildeo de estrateacutegias e no controle da execuccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede inclusive nos

aspectos econocircmicos e financeiros

As Conferecircncias de Sauacutede por sua vez satildeo instacircncias temporaacuterias que se reuacutenem a

cada quatro anos e possuem a importante funccedilatildeo de avaliar a situaccedilatildeo de sauacutede do paiacutes aleacutem

de propor as diretrizes para a formulaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede nos niacuteveis correspondentes

podendo ser convocada pelo Poder Executivo ou extraordinariamente pelo proacuteprio Conselho

de Sauacutede

A partir da VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede de 1986 tida como marco histoacuterico da

luta democraacutetica no campo da sauacutede tem sido constatada uma crescente participaccedilatildeo da

sociedade nas conferecircncias subsequentes as quais continuamente aprovam inuacutemeras

resoluccedilotildees sobre variados subtemas em sauacutede o que se por um lado demonstra uma maior

preocupaccedilatildeo social em contribuir para a mudanccedila da situaccedilatildeo da sauacutede no paiacutes tambeacutem

denota que a diversidade e complexidade dos problemas enfrentados tendem a uma

pulverizaccedilatildeo das deliberaccedilotildees o que acaba dificultando a identificaccedilatildeo das prioridades de

cada localidade357

Assim em que pese praticamente todos os municiacutepios brasileiros358

possuiacuterem

Conselhos de Sauacutede e realizarem as respectivas Conferecircncias nem sempre tais oacutergatildeos

conseguem contribuir de maneira eficaz para o planejamento da sauacutede puacuteblica jaacute que alguns

fatores impossibilitam a perfeita realizaccedilatildeo de todas as funccedilotildees inerentes aos mesmos

Nesse sentido a Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa do Ministeacuterio da

Sauacutede vem promovendo avaliaccedilotildees sobre a inserccedilatildeo das deliberaccedilotildees de tais foacuteruns nos

processos decisoacuterios e nos modos de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas locais de

sauacutede no intuito de aferir o niacutevel de eficaacutecia democraacutetica dos mesmos e propor inovaccedilotildees

356

A representaccedilatildeo paritaacuteria (25 de trabalhadores de sauacutede 25 de prestadores de serviccedilos (puacuteblicos e

privados) 50 de usuaacuterios) foi estabelecida como forma da comunidade ter efetiva participaccedilatildeo 357

Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 12 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013 358

Como jaacute visto a normatizaccedilatildeo do SUS estipulou a criaccedilatildeo de Conselhos como exigecircncia para o repasse de

verbas fundo a fundo assim a maior parte dos municiacutepios e todos os estados da federaccedilatildeo o fizeram

165

metodoloacutegicas visando agrave ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo social sobretudo a partir da alocaccedilatildeo de

recursos para a capacitaccedilatildeo no campo da educaccedilatildeo em sauacutede359

Contudo antes de partir para uma anaacutelise dos principais problemas enfrentados no

acircmbito dos Conselhos e apresentar hipoacuteteses de soluccedilatildeo para os mesmos faz-se imperioso

reforccedilar as funccedilotildees mais relevantes de tais foacuteruns deliberativos espalhadas nos principais

instrumentos legislativos relacionados agrave sauacutede puacuteblica

A Constituiccedilatildeo Federal no art 77 III sect 3deg do ADCT jaacute deixa claro que os recursos

das dos Estados do DF e dos Municiacutepios destinados agrave sauacutede e os transferidos pela Uniatildeo para

a mesma finalidade seratildeo aplicados por meio do Fundo de Sauacutede cuja fiscalizaccedilatildeo e

acompanhamento cabem aos respectivos Conselhos de Sauacutede Tal incumbecircncia eacute reforccedilada no

art 33 da Lei do SUS a qual tambeacutem deixa clara a necessidade de serem tais oacutergatildeos

deliberativos ouvidos no processo de planejamento e orccedilamento do SUS (art 36) cabendo ao

Conselho Nacional de Sauacutede estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboraccedilatildeo dos

planos de sauacutede (art 37)

Na jaacute mencionada Lei nordm 814290 aleacutem das disposiccedilotildees jaacute informadas eacute de se

destacar a regra constante no inciso II do art 4deg o qual inclui entre os requisitos para que os

Estados e Municiacutepios recebam os repasses de verbas automaacuteticos fundo a fundo a preacutevia

existecircncia de Conselho de Sauacutede que respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios o que

reforccedila a importante funccedilatildeo fiscalizatoacuteria de tais conselhos

Em acircmbito infralegal a Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede nordm 3992006 que divulga o

Pacto pela Sauacutede ao tratar da importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social enumera

dentre outras accedilotildees relevantes como a necessidade de serem apoiados os conselhos de sauacutede

as conferecircncias e os movimentos sociais que atuam no campo de sauacutede o processo de

formaccedilatildeo dos conselheiros a participaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos cidadatildeos nos serviccedilos de sauacutede o

processo de educaccedilatildeo popular em sauacutede visando agrave qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo

social no SUS

Aleacutem disso o mesmo instrumento ao tratar da responsabilidade dos Municiacutepios no

planejamento e programaccedilatildeo do plano de sauacutede termina reforccedilando a necessidade de ser tal

plano submetido ao crivo do Conselho de Sauacutede correspondente para aprovaccedilatildeo bem como

dispotildee que as decisotildees pactuadas a partir das negociaccedilotildees das Comissotildees Intergestores que

versarem sobre mateacuteria da esfera de competecircncia dos conselhos deveratildeo ser tambeacutem

submetidas agrave apreciaccedilatildeo destes

359

Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 18 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013

166

Na Portaria nordm 6482006 que aprova a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica por sua

vez ao tratar do financiamento da atenccedilatildeo baacutesica eacute estabelecido que os repasses referentes

aos pisos de atenccedilatildeo baacutesico aos municiacutepios devem ser efetuados em conta aberta

especificamente para essa finalidade objetivando facilitar o acompanhamento dos respectivos

Conselhos os quais juntamente com o Poder Legislativo e o Ministeacuterio Puacuteblico deveratildeo ser

notificados quanto aos avisos de creacutedito lanccedilados juntamente medida de suma relevacircncia para

a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos em sauacutede

Aleacutem disso tal Portaria reforccedila a necessidade da comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos

recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede ser apresentada ao Ministeacuterio da Sauacutede e

ao Estado atraveacutes de relatoacuterio de gestatildeo o qual tambeacutem deveraacute ser aprovado pelo respectivo

Conselho

Finalmente a aludida Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede eacute o instrumento

mais especiacutefico quanto ao tema e apresenta importantes regras relacionadas agrave estruturaccedilatildeo e

funcionamento dos Conselhos destacando-se o seguinte

i o dever360

de o Executivo respeitar os princiacutepios democraacuteticos a partir do

consequente acolhimento das demandas da populaccedilatildeo consubstanciadas nas

Conferecircncias de Sauacutede

ii a natureza de funccedilatildeo de relevacircncia puacuteblica361

dos respectivos conselheiros

os quais ficam dispensados do seu trabalho durante as accedilotildees especiacuteficas no

respectivo Conselho

iii o dever de o governo362

garantir autonomia para o pleno funcionamento dos

Conselhos dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria (com gerenciamento do orccedilamento pelo

proacuteprio Conselho) Secretaria Executiva e estrutura administrativa

iv a necessidade de a cada trecircs meses363

o gestor de sauacutede local se pronunciar

perante o Conselho acerca do andamento da agenda de sauacutede pactuada

apresentando o relatoacuterio de gestatildeo com a respectiva prestaccedilatildeo de contas

sobre o montante e a forma de aplicaccedilatildeo dos recursos repassados bem como

a descriccedilatildeo da produccedilatildeo e ofertas de serviccedilos na rede assistencial proacutepria ou

contratada com a respectiva comprovaccedilatildeo de congruecircncia com os princiacutepios

e diretrizes do SUS

360

Paraacutegrafo uacutenico da segunda diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 361

Inciso X da terceira diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 362

Caput da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 363

Inciso X da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede

167

v oitiva do Ministeacuterio Puacuteblico em caso de necessidade de auditorias externas e

independentes feitas pelos Conselhos sobre as contas e atividades do gestor

do SUS bem como recurso para o Parquet em caso de natildeo homologaccedilatildeo dos

atos deliberativos dos Conselhos pelo chefe do poder constituiacutedo em cada

esfera de governo no prazo de trinta dias364

e

vi a competecircncia dos Conselhos para especialmente365

vi1 definir as

diretrizes para elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e sobre eles deliberar

conforme as diversas situaccedilotildees epidemioloacutegicas e a capacidade

organizacional dos serviccedilos vi2 aprovar a proposta orccedilamentaacuteria anual da

sauacutede tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de

Diretrizes Orccedilamentaacuterias observado o princiacutepio do processo de

planejamento e orccedilamentaccedilatildeo ascendentes vi3 propor criteacuterios para a

programaccedilatildeo e execuccedilatildeo financeira e orccedilamentaacuteria dos Fundos de Sauacutede

acompanhando a movimentaccedilatildeo e destinaccedilatildeo dos recursos fiscalizando e

controlando os gastos e finalmente deliberando sobre os criteacuterios de

movimentaccedilatildeo de tais recursos fundo a fundo

Do exame das atribuiccedilotildees acima citadas depreende-se que os Conselhos e as

respectivas Conferecircncias de Sauacutede se apresentam como os instrumentos basilares para a

concretizaccedilatildeo da diretriz constitucional do SUS referente agrave participaccedilatildeo da comunidade

funcionando como um catalizador do processo de construccedilatildeo de uma democracia participativa

em mateacuteria de sauacutede no ordenamento paacutetrio jaacute que tais foacuteruns representativos possuem

funccedilotildees tanto relacionadas com a fiscalizaccedilatildeo e acompanhamento da aplicaccedilatildeo dos recursos

como tambeacutem com a proacutepria elaboraccedilatildeo e participaccedilatildeo das diretrizes que embasaratildeo o

planejamento em sauacutede

De se destacar desde jaacute outro importante aspecto dos Conselhos que seraacute pertinente

para o exame do toacutepico seguinte que eacute o fato de tais foacuteruns funcionarem como mitigadores da

proacutepria discricionariedade do administrador no processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas em sauacutede jaacute que as escolhas e prioridades a serem empreendidas devem estar

amoldadas agraves diretrizes expostas pelos Conselhos na elaboraccedilatildeo do plano de sauacutede e por estes

aprovadas366

364

Incisos XI e XII da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 365

Incisos X XII XIII e XIV da quinta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 366

No mesmo sentido aponta Faacutetima Vieira Henriques que ldquose uma poliacutetica sanitaacuteria tiver sido objeto de lei ou

de resoluccedilatildeo emanada dos Conselhos de Sauacutede bem como se tiver o proacuteprio administrador a elaborado e

168

Nesse sentido tais Conselhos consubstanciam um importante canal de abertura para

um controle popular na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o papel dos mesmos termina se

estendendo por toda a cadeia da poliacutetica puacuteblica de sauacutede jaacute que atuam tanto na fase anterior

(elaboraccedilatildeo) quanto na concomitante (acompanhamento) e na posterior (aprovaccedilatildeo das

prestaccedilotildees de conta quanto agraves metas pactuadas) o que soacute sobreleva a necessidade de tais

foacuteruns serem melhor estruturados eficientemente capacitados e principalmente cobrados

quanto ao pleno exerciacutecio de suas atribuiccedilotildees Ou seja a realizaccedilatildeo praacutetica e de maneira

eficaz das atribuiccedilotildees previstas para tais oacutergatildeos deliberativos eacute um objetivo que deve ser

buscado e cada vez mais aperfeiccediloado significando sua concretizaccedilatildeo um importante

mecanismo para a efetividade do direito agrave sauacutede

Ocorre que infelizmente a realidade de tais Conselhos eacute bastante diferente da

previsatildeo arquitetada no papel e diversos problemas organizacionais dificultam a perfeita

estruturaccedilatildeo praacutetica dos mesmos conforme se veraacute adiante

Em primeiro lugar pode ser destacada a falta de infraestrutura minimamente

organizada aleacutem de apoio administrativo operacional econocircmico e financeiro para o seu

pleno e regular funcionamento o que acaba dificultando a anaacutelise dos assuntos colocados em

pauta e desestimulando a atuaccedilatildeo dos conselheiros

Nesse sentido frente agrave natureza de relevacircncia puacuteblica dos conselheiros e a importacircncia

das atribuiccedilotildees dos respectivos Conselhos de Sauacutede a estruturaccedilatildeo miacutenima que garanta a

potencialidade de eficiecircncia dos mesmos deve ser mais levada a seacuterio pelo Poder Puacuteblico

como verdadeira prioridade devendo o cumprimento das disposiccedilotildees acima referenciadas

serem fiscalizadas tanto pela populaccedilatildeo como pelo Ministeacuterio Puacuteblico sendo quando

necessaacuterio pleiteado judicialmente o respeito a tais determinaccedilotildees

A soluccedilatildeo para este problema eacute simples Por forccedila da Lei nordm 814290 como jaacute

mencionado dentre os requisitos para que os Estados e Municiacutepios possam receber os repasse

fundo a fundo encontra-se a necessidade de preacutevia existecircncia de Conselho de Sauacutede que

respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios

Defende-se que a leitura dessa previsatildeo deve ser no sentido de que ldquopreacutevia existecircnciardquo

natildeo diz respeito unicamente a existecircncia de uma estrutura fiacutesica em si (meramente um preacutedio

implementado passa a ser dever praticar os atos concretos necessaacuterios agrave sua execuccedilatildeo inclusive fazer constar do

orccedilamento creacutedito correspondente dotaacute-lo de recursos bastantes e liberaacute-los oportunamente Igualmente caso o

administrador tenha decidido colocar em funcionamento determinado serviccedilo de sauacutede teraacute se comprometido

logicamente a prestaacute-lo com eficiecircncia ateacute porque adstrito que estaacute pela Constituiccedilatildeo natildeo lhe eacute dado agir

diferentemente Tambeacutem aqui por oacutebvio natildeo haacute discricionariedade possiacutevelrdquo HENRIQUES Faacutetima Vieira

Direito Prestacional agrave sauacutede e Atuaccedilatildeo Jurisdicional In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel

(coords) Direitos sociais Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro

Lumen Juris 2010 p 858

169

do Conselho ou uma sala) mas mais do que isso o respeito agrave todas as disposiccedilotildees quanto ao

funcionamento e estruturaccedilatildeo dos Conselhos previstas na jaacute referida Resoluccedilatildeo nordm 3332003

do Ministeacuterio da Sauacutede podendo e devendo desta maneira o Judiciaacuterio ao ser provocado

(especialmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico) determinar a suspensatildeo dos repasses de valores dos

fundos de sauacutede ateacute que sejam respeitadas e cumpridas as determinaccedilotildees quanto ao

funcionamento regular e eficiente de tais Conselhos por parte do Poder Puacuteblico

Outro relevante problema estrutural que claramente compromete a proacutepria essecircncia

democraacutetica de tais Conselhos eacute o fato de em alguns casos a presidecircncia dos mesmos acabar

sendo exercida pelos proacuteprios gestores dos recursos do SUS o que termina subvertendo

completamente a loacutegica de funcionamento de tais Conselhos jaacute que os gestores acabam se

tornando fiscais de si proacuteprio prejudicando assim a ideia de participaccedilatildeo paritaacuteria dos

usuaacuterios aleacutem de ofender os nortes constitucionais da democracia participativa moralidade

administrativa e participaccedilatildeo da comunidade no SUS

Desta maneira os regimentos internos dos Conselhos de Sauacutede pelo Brasil afora que

estabelecem gestores de sauacutede como seus presidentes natos ofendem os artigos 1deg II e

paraacutegrafo uacutenico art 37 caput e art 198 III da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildee

respectivamente sobre democracia participativa princiacutepio da moralidade e participaccedilatildeo da

comunidade como diretriz do SUS367

jaacute que em tais circunstacircncias resta confundida a figura

de controlador com a de controlado o que em uacuteltima instacircncia fulmina o relevante papel

fiscalizador e controlador de tais Conselhos Daiacute por que ser medida mais aconselhaacutevel agrave

resoluccedilatildeo deste problema a alteraccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede no

sentido de acrescentar a proibiccedilatildeo do gestor ocupar a respectiva presidecircncia dos Conselhos

Seguindo outro entrave ao pleno funcionamento dos Conselhos eacute o recorrente retardo

prolongado ou ateacute mesmo a proacutepria falta de homologaccedilatildeo por parte do gestor das

deliberaccedilotildees do Conselho o que leva ao risco de tornar sem efeito tais decisotildees e termina

prejudicando a realizaccedilatildeo dos anseios acordados no acircmbito desses oacutergatildeos deliberativos jaacute que

a implementaccedilatildeo efetiva das decisotildees empreendidas nas reuniotildees depende de homologaccedilatildeo

parar surtir efeitos praacuteticos368

Como natildeo haacute institutos juriacutedicos que obriguem diretamente o Executivo a acatar as

decisotildees dos conselhos (decisotildees essas que muitas vezes contrariam os interesses

367

GAVRONSKI Alexandre Amaral Conselhos de Sauacutede Democracia Participativa e a inconstitucionalidade

da Presidecircncia Nata In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 4 nordm 2 Satildeo Paulo 2003 p 87 368

ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede

possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013

170

dominantes) a saiacuteda para os mesmos como jaacute visto anteriormente (inciso XII da quarta

diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede) eacute recorrer ao Ministeacuterio Puacuteblico

nos casos em que natildeo haacute homologaccedilatildeo dos seus atos deliberativos pelo Poder Puacuteblico no

prazo de trinta dias devendo o Parquet diligenciar de modo a serem cumpridas as

determinaccedilotildees pactuadas nas deliberaccedilotildees dos Conselhos fazendo valer assim tanto a

referida Resoluccedilatildeo quanto a Lei nordm 814290 podendo se utilizar para isso do importante

mecanismo extrajudicial do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)

De se destacar tambeacutem a dificuldade em se manter os Conselhos como espaccedilos

voltados para os interesses da populaccedilatildeo visto que eacute recorrente no paiacutes o risco de

desvirtuamento da representaccedilatildeo popular dos integrantes dos Conselhos os quais na maioria

das vezes por natildeo passarem por capacitaccedilatildeo alguma natildeo possuem o conhecimento necessaacuterio

quanto agraves possibilidades de sua atuaccedilatildeo e os instrumentos legais a eles disponiacuteveis cenaacuterio

este que contribui para a caracterizaccedilatildeo dos Conselhos como espaccedilos paralelos ao dos oacutergatildeos

estatais aproximando-o dos interesses locais dominantes em detrimento do interesse

coletivo369

Por isso que na maioria dos Conselhos eacute normal se identificar um verdadeiro (e de

certo modo inerente) quadro de desigualdade de informaccedilotildees entre seus membros os quais

representando segmentos diversos acabam natildeo se entendendo da melhor maneira nos assuntos

a serem debatidos o que enfraquece o papel desses oacutergatildeos deliberativos e em especial a

influecircncia do papel da participaccedilatildeo dos usuaacuterios

Nesse contexto eacute medida salutar agrave concretizaccedilatildeo do poder conferido aos usuaacuterios

reforccedilando agrave previsatildeo da representaccedilatildeo paritaacuteria dos mesmos uma capacitaccedilatildeo progressiva

dos conselheiros representantes dos anseios do povo de modo que a falta de informaccedilatildeo destes

com relaccedilatildeo a assuntos especiacuteficos dos prestadores e profissionais de sauacutede bem como dos

gestores natildeo termine esvaziando a importante funccedilatildeo dos mesmos perante os Conselhos nem

acabe os desestimulando pela precaacuteria contribuiccedilatildeo por eles proporcionada

A escolha por uma representaccedilatildeo paritaacuteria (50 de conselheiros usuaacuterios 25

gestores e 25 profissionais de sauacutede) que privilegie a participaccedilatildeo do povo portanto deve

ser acompanhada de uma sistematizada capacitaccedilatildeo de modo que os anseios da populaccedilatildeo

sejam compreendidos e acatados nos importantes debates travados nas reuniotildees dos

369

LOPES Joseacute Reinaldo de Lima Os Conselhos de Participaccedilatildeo Popular ndash Validade Juriacutedica de suas Decisotildees

In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 1 nordm 1 Satildeo Paulo 2000 p 24

171

Conselhos e nas Conferecircncias de Sauacutede o que vem a corroborar com a realizaccedilatildeo da

democracia participativa iacutensita a tais oacutergatildeos370

Desta forma em que pese essa paridade significar um importante mecanismo

democraacutetico na estruturaccedilatildeo dos conselhos a mesma natildeo se reduz simplesmente a uma

questatildeo numeacuterica de metade-metade mas sim a uma estruturaccedilatildeo que implique em uma

correlaccedilatildeo de forccedilas tendente a garantir a equidade nas condiccedilotildees de participaccedilatildeo e tomada de

decisatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as assimetrias existentes entre as representaccedilotildees

governamentais e natildeo governamentais371

Reforccedilando este raciociacutenio tem-se que a estruturaccedilatildeo arquitetada para tais oacutergatildeos

deliberativos eacute guiada pela diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da comunidade e

desta maneira o papel dos conselheiros que representam os profissionais de sauacutede e os

gestores deve ser interpretado agrave luz de tal diretriz com vistas a priorizar as necessidades

apontadas pelos usuaacuterios

Desta maneira as funccedilotildees inerentes aos conselheiros representantes dos profissionais

de sauacutede devem se aproximar muito mais de uma tarefa informativa e esclarecedora quanto

aos problemas apontados pelos usuaacuterios do que um desempenho voltado a fazer valer

interesses privados das classes ali representadas Da mesma forma o papel da parcela de

conselheiros representantes dos gestores deve ser voltado a uma atuaccedilatildeo comunicadora como

um canal de abertura que repasse os anseios apontados pelos usuaacuterios para o Poder Puacuteblico e

natildeo como um meio de se impor as determinaccedilotildees preacute-definidas do Poder Puacuteblico com relaccedilatildeo

as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede

Outro ponto problemaacutetico eacute a falta de transparecircncia e de divulgaccedilatildeo tanto da existecircncia

quanto das proacuteprias atividades de tais Conselhos sendo constatado que a populaccedilatildeo raramente

eacute informada pelos principais canais (televisatildeo raacutedio internet por exemplo) acerca de dados

relativos agrave proacutepria sede dos mesmos (endereccedilo telefone de contato horaacuterio de funcionamento

e atendimento agrave populaccedilatildeo) bem como quanto agrave realizaccedilatildeo das eleiccedilotildees dos conselheiros das

370

Questionando o real acesso da populaccedilatildeo a esses espaccedilos de construccedilatildeo de uma democracia participativa

frente agrave tecnicidade imposta pelo Estado no trato dos desafios da vida cotidiana o psicoacutelogo social Dario

Schezzi aponta para a importacircncia de se instituir Conselhos Territoriais de Cidadania como espeacutecies de ldquobraccedilosrdquo

dos Conselhos de Sauacutede onde a comunidade possa participar mais facilmente e retratar as principais

dificuldades vivenciadas sendo tais dados repassados nas respectivas reuniotildees SCHEZZI Dario Henrique

Teoacutefilo Implantaccedilatildeo de Conselhos Locais de Sauacutede desafios agrave efetivaccedilatildeo da democracia participativa In

Sauacutede e transformaccedilatildeo socialv3 nordm 2 UFSC Florianoacutepolis 2012 p 03 371

RAICHELIS Raquel Os Conselhos de gestatildeo no contexto internacional In Conselhos Gestores de Poliacuteticas

Puacuteblicas Revista Poacutelis nordm 37 Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2000 p 44

172

reuniotildees os resultados das deliberaccedilotildees os contatos dos conselheiros representantes dos

usuaacuterios etc372

613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de

sauacutede no paiacutes

As dificuldades conjunturais delineadas (especialmente a assimetria existente entre os

diversos segmentos da sociedade civil e os agentes governamentais com relaccedilatildeo agraves

informaccedilotildees e conhecimentos necessaacuterios a uma efetiva participaccedilatildeo nas deliberaccedilotildees)

interferem diretamente na qualidade do processo decisoacuterio empreendido no acircmbito dos

Conselhos sendo primordial a busca por mecanismos que proporcionem condiccedilotildees

equitativas entre os atores envolvidos visando a um melhor diaacutelogo e a um aperfeiccediloamento

do grau de legitimidade dos processos de deliberaccedilatildeo373

Para tanto eacute fundamental se examinar as variaacuteveis inerentes agrave qualidade desse

processo decisoacuterio as quais envolve dentre outros pontos relevantes para se aferir o niacutevel de

efetividade do controle social sobre as poliacuteticas de sauacutede como a existecircncia ou natildeo de debates

preacutevios agraves decisotildees a pluralidade dos interesses envolvidos o niacutevel de autonomia dos sujeitos

para sustentar suas posiccedilotildees e o maior ou menor poder de cada membro ou segmento na

construccedilatildeo da agenda dos assuntos a serem enfrentados374

Quanto a essas nuances identifica-se ser rotineiro o engessamento do poder dos

Conselhos nas tomadas de decisatildeo especialmente da parcela de conselheiros representante

372

Considerado conselho-referecircncia no ano de 2009 por apresentar um alto niacutevel de amadurecimento e realizar

um bom trabalho no controle da sauacutede municipal o Conselho Municipal de Sauacutede de Paraacute de MinasMG por

exemplo divulga na imprensa local todas as suas accedilotildees sendo seu trabalho reconhecido por grande parte da

comunidade da regiatildeo Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo ndash Brasiacutelia TCU

4ordf Secretaria de Controle Externo 2010 p54 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF Acessado em 15062013 373

Pertinente agrave celeuma do deacuteficit democraacutetico dos Conselhos de Sauacutede eacute a criacutetica de Diego Valadeacutes

perfeitamente tambeacutem adequada a estes espaccedilos democraacuteticos acerca da crise de qualidade representativa dos

partidos poliacuteticos e o consequente enfraquecimento da participaccedilatildeo popular no acircmbito dos mesmos Na visatildeo do

referido autor sob um prisma de democracia constitucional eacute necessaacuteria uma regulaccedilatildeo juriacutedica mais eficaz dos

partidos que ao exercerem um quase monopoacutelio das vias de participaccedilatildeo precisam ter internamente garantidos

um miacutenimo de qualidade democraacutetica evitando que se convertam em uma casta profissional privilegiada e

dedicada a defesa de interesses diversos dos desejos do eleitor Neste vieacutes aponta o mesmo que a participaccedilatildeo

popular e soberania do povo natildeo eacute contraacuteria a governabilidade ou contra a legitimidade dos partidos e eleiccedilotildees

como instrumentos baacutesicos de divisatildeo do poder Contudo na democracia constitucional se exige algo a mais que

a mera adesatildeo as propostas programaacuteticas e listas eleitorais se tratando de uma cumulaccedilatildeo de direitos com a

possibilidade de se exigir contas avaliar rendimentos e outras formas de se sentir cidadatildeo propostas que se

enquadram perfeitamente as necessidades da participaccedilatildeo nos Conselho de Sauacutede VALADEacuteS Diego Cinco

grandes retos (y otras tantas amenazas) para la democracia constitucional em el siglo XXI In Revista Latino-

Americana de Estudos Constitucionais Fortaleza Ediccedilotildees Demoacutecrito Rocha 2010 p 598-612 374

TATAGIBA Luciana amp TEXEIRA Ana Claudia Chaves O papel do CMS na Poliacutetica de Sauacutede em Satildeo

Paulo In Caderno ndeg 29 do Observatoacuterio dos Direitos do Cidadatildeo Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2007 p 10

173

dos usuaacuterios visto que quando o governo propotildee a inclusatildeo de determinado tema na pauta

dos mesmos os programas e poliacuteticas quanto a esta temaacutetica jaacute satildeo quase sempre preacute-

definidas ocasionando certo esvaziamento do papel preacutevio dos Conselhos os quais ficam

com suas atividades restritas agrave questotildees meramente formais acerca da execuccedilatildeo e

implementaccedilatildeo da poliacutetica jaacute previamente elaborada sendo raro a oportunizaccedilatildeo de se discutir

no acircmbito dos Conselhos os aspectos referentes agrave etapa de elaboraccedilatildeo375

Vislumbra-se desta forma que o governo na maioria das vezes apenas cumpre o rito

de apresentaccedilatildeo e informaccedilatildeo acerca da implementaccedilatildeo de uma poliacutetica elaborada havendo

uma clara dissociaccedilatildeo entre a agenda das poliacuteticas e a dos Conselhos praacutetica que atenta contra

a proacutepria natureza de tais oacutergatildeos de deliberaccedilatildeo e enfraquece sua essecircncia democraacutetica uma

vez que quando satildeo convocados para a discussatildeo do que jaacute foi previamente elaborado aos

mesmos acaba sendo afastada a possibilidade de interferirem no espectro de incidecircncia sobre

o nuacutecleo duro das poliacuteticas de sauacutede376

Desta maneira vecirc-se que a configuraccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como efetivos

espaccedilos de deliberaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede depende diretamente do comprometimento do

Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos um niacutevel simeacutetrico de capacidade tanto de

elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo a agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem

seguidas

Nesse sentido a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si soacute natildeo significa

garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual somente poderaacute

ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados na organizaccedilatildeo

dos Conselhos e o consequente respeito e cumprimento das previsotildees constantes na Resoluccedilatildeo

nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 jaacute examinadas377

375

Nesse sentido os conselheiros representantes dos usuaacuterios muitas vezes natildeo possuem papel relevante na

discussatildeo a qual acaba se convertendo em mero ritual para aprovaccedilatildeo dos anseios dos gestores ESCOREL

Sarah amp MOREIRA Marcelo Rasga Desafios da participaccedilatildeo social em sauacutede na nova agenda da reforma

sanitaacuteria democracia deliberativa e efetividade In Participaccedilatildeo Democracia e Sauacutede Rio de Janeiro

CEBES 2009 p 240 Disponiacutevel em httpwwwcebesorgbrmediaFilelivro_particioacaopdf Acesso em

15062013 376

PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa no Brasil a praacutetica dos conselhos

de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 11 Disponiacutevel em httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso

em 16062013 377

Reforccedilando esse raciociacutenio Pedro Pontual pondera que ldquoapesar do avanccedilo que representaram os conselhos

em muitos aspectos no sentido da democratizaccedilatildeo e maior controle social das poliacuteticas puacuteblicas tal experiecircncia

natildeo teve ainda a forccedila e as qualidades necessaacuterias para produzir os impactos poliacuteticos necessaacuterios para alterar a

loacutegica clientelista que marcou historicamente a relaccedilatildeo do Estado com o sistema poliacutetico-partidaacuterio que daacute

sustentaccedilatildeo aacute eleiccedilatildeo dos representantes pelo voto universal Tal loacutegica eacute a matriz de velhos e conhecidos

mecanismos de corrupccedilatildeo fisiologismo e apropriaccedilotildees privadas de recursos puacuteblicos que de haacute muito satildeo

praticadas em relaccedilatildeo ao Estado e aos recursos puacuteblicos Esta loacutegica adquiriu tal forccedila que ateacute mesmo as forccedilas

sociais e poliacuteticas que lutam pela sua alteraccedilatildeo radical natildeo estatildeo imunes a mesma e em alguns casos tornaram-se

presas do clientelismo tatildeo combatido PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa

174

Corroborando com a visatildeo acima diversos estudos e pesquisas pelo Brasil378

comprovam a ineficiecircncia dos Conselhos de Sauacutede e retratam os problemas conjunturais supra

mencionados o que faz ligar o sinal de alerta para a necessidade de uma imediata

reestruturaccedilatildeo de tais instrumentos379

sobretudo a partir da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na

fiscalizaccedilatildeo do implemento das obrigaccedilotildees legais dos mesmos vislumbrando-se possiacutevel a

atuaccedilatildeo judicial no sentido de que a legislaccedilatildeo mencionada do tema seja respeitada e

eficientemente cumprida na praacutetica

Aleacutem do apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo quanto ao respeito das diretrizes

funcionais de tais Conselhos eacute certo que outros atores podem ajudar na tarefa de se garantir

uma melhor abertura desses espaccedilos democraacuteticos como eacute o caso das Organizaccedilotildees Natildeo

Governamentais ligadas agrave aacuterea de sauacutede e as comissotildees de sauacutede tanto da Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB) quanto das defensorias puacuteblicas que podem mediante accedilotildees

especiacuteficas incentivar (sobretudo pelas redes sociais na internet) a maior participaccedilatildeo da

sociedade380

a partir da divulgaccedilatildeo de detalhes quanto as reuniotildees eleiccedilotildees e estruturaccedilatildeo dos

Conselhos

Os Tribunais de Conta por sua vez tambeacutem exercem papel relevante nessa jornada Jaacute

foi visto que devido agraves previsotildees constantes no art 77 III sect 3deg do ADCT e no art 33 da Lei

do SUS foi conferido aos Conselhos de Sauacutede o importante poder de fiscalizar os recursos

destinados agraves accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede ldquosem prejuiacutezo do disposto no art 74rdquo da CF

ficando impliacutecito com tal ressalva que esse controle deve ocorrer de forma paralela ao

no Brasil a praacutetica dos conselhos de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 17 Disponiacutevel em

httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso em 16062013 378

Variadas pesquisas realizadas demonstram que a intensidade da democracia nos conselhos eacute baixa e na

maioria das vezes suas atividades satildeo focadas em procedimentos burocraacuteticos constataccedilotildees refletidas na falta e

capacitaccedilatildeo dos conselheiros os quais na maioria das vezes natildeo foram instruiacutedos de modo a ter a exata noccedilatildeo

acerca de suas relevantes atribuiccedilotildees Nesse sentido confiram-se dentre outras

httpwwwunbcienciaunbbrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=165conselhos-de-saude-sao-

ineficientes-e-nao-representam-a-populacaoampcatid=34ciencias-da-saude

httpwwwsociologiaufscbrnpmsines_pelizzaro_raquellen_milbratzpdf

httpwwwscielobrpdfrapv43n607pdf Acessadas em 15062013 379

Muitas vezes a proacutepria autonomia que eacute concedida aos Conselhos gera um efeito colateral indesejaacutevel que eacute o

fato de as disposiccedilotildees constantes nos respectivos regimentos internos dos mesmos nem sempre terminar

seguindo fielmente as diretrizes da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 ou ateacute mesmo subvertendo-as quadro que termina

engessando a atuaccedilatildeo desses oacutergatildeos deliberativos e enfraquecendo a proacutepria efetividade democraacutetica dos

mesmos 380

Dados do relatoacuterio final da 14deg Conferecircncia Nacional de Sauacutede ocorrida em 2012 respaldam a importacircncia da

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo nesses foacuteruns deliberativos sendo destacado que para a realizaccedilatildeo da mesma

ocorreram previamente 4374 conferecircncias municipais e estaduais nos 27 estados brasileiros o que significa cerca

de 78 do total das conferecircncias esperadas marca que pode ser considerada como histoacuterica no quadro de lutas

pela sauacutede puacuteblica no paiacutes Relatoacuterio final da 14ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede Todos usam o SUS SUS na

seguridade social Poliacutetica puacuteblica patrimocircnio do povo brasileiro Ministeacuterio da Sauacutede Conselho Nacional de

Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012 p 9

Disponiacutevel em httpconselhosaudegovbrbibliotecaRelatoriosimg14_cns20relatorio_finalpdf Acessado

em 17062013

175

controle interno do proacuteprio Executivo o qual por sua vez tem a finalidade de apoiar o

controle externo no exerciacutecio de sua missatildeo institucional sendo este exercido com o apoio

dos Tribunais de Contas

Depreende-se desse raciociacutenio que os Conselhos de Sauacutede podem atuar em parceria

com os Tribunais de Contas e essa relaccedilatildeo torna-se beneacutefica para uma maior eficiecircncia no

desenvolvimento das funccedilotildees de ambos381

o que contribui para a ampliaccedilatildeo na sociedade

civil da possibilidade de uma cultura participativa no controle da efetividade das poliacuteticas

puacuteblicas382

Nesse raciociacutenio os Tribunais de Contas ganham jaacute que suas accedilotildees satildeo

reforccediladas pela cooperaccedilatildeo das comunidades diretamente envolvidas os Conselhos de Sauacutede

tambeacutem uma vez que passa a existir um incremento na qualidade do controle do gasto

puacuteblico e na identificaccedilatildeo dos recursos transferidos e finalmente a populaccedilatildeo que fica

respaldada por uma fiscalizaccedilatildeo mais incisiva contra a maacute utilizaccedilatildeo dos recursos e corrupccedilatildeo

A ideia defendida nesse toacutepico portanto eacute a de que os Conselhos de Sauacutede autecircnticos

canais para que a sociedade participe e dite o ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em

sauacutede satildeo importantes mecanismos de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no ordenamento

paacutetrio e como natildeo eacute dada a atenccedilatildeo necessaacuteria aos mesmos (uma vez que a configuraccedilatildeo legal

prevista para o mesmo eacute subvertida na praacutetica por inuacutemeros viacutecios383

) o apoio de outros

atores (incluindo-se o papel do Judiciaacuterio ao primar pelo cumprimento do arcabouccedilo

legislativo que rege tais Conselhos) eacute medida salutar para a melhoria da eficiecircncia

democraacutetica desses espaccedilos384

Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede a ser estudado a seguir diz

respeito aos gastos em sauacutede e a consequente necessidade de que o caraacuteter prioritaacuterio desse

381

O Tribunal de Contas da Uniatildeo jaacute realizou inuacutemeros projetos ligados ao estiacutemulo do controle social

sobretudo com relaccedilatildeo aos Conselhos de Sauacutede destacando-se por exemplo a elaboraccedilatildeo do documento

Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo elaborado pela 4ordf Secretaria de Controle

Externo do TCU no ano de 2010 o qual pode ser consultado no siacutetio eletrocircnico a seguir

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF 382

ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede

possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 15 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013 383

Alguns viacutecios jaacute apontados como a burocratizaccedilatildeo dos conselhos o corporativismo a partidarizaccedilatildeo a falta

de representatividade satildeo indicativos claros para essa reflexatildeo e eventuais mudanccedilas de enfoque ou mesmo

adoccedilatildeo de novas iniciativas BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa A

construccedilatildeo do SUS histoacuterias da Reforma Sanitaacuteria e do Processo Participativo Ministeacuterio da Sauacutede

Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2006 p 237 384

Corroborando com esse posicionamento Eduardo Ribeiro Moreira pondera que essa posiccedilatildeo renovada de

controle com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute marcada natildeo soacute pela criaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como tambeacutem pelo

fortalecimento das accedilotildees do Poder Legislativo atraveacutes das Comissotildees de Sauacutede das Assembleias Legislativas e

das Cacircmaras Municipais pela maior participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico e pela nova posiccedilatildeo do Judiciaacuterio agindo

energicamente no combate aos maus gestores MOREIRA Eduardo Ribeiro Direito Constitucional atual Rio

de Janeiro Elsevier 2012 p 345

176

direito seja garantido desde a fase orccedilamentaacuteria destacando-se nesse ponto temas

importantes como a possibilidade de se criar em todas as esferas de governo mecanismos de

participaccedilatildeo e controle social do ciclo orccedilamentaacuterio

62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE

UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES

CONSTITUCIONAIS

Um dos grandes entraves agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil eacute a problemaacutetica

que envolve a questatildeo dos gastos puacuteblicos nesse setor A dificuldade natildeo estaacute restrita agrave

simples constataccedilatildeo de ser preciso ou natildeo disponibilizar mais recursos financeiros para a

sauacutede na verdade engloba diversos aspectos que vatildeo desde a necessidade de um ciclo

orccedilamentaacuterio que respeite as prioridades constitucionais ateacute o exame da correta aplicaccedilatildeo dos

recursos existentes

O objetivo desse capiacutetulo por conseguinte natildeo eacute aprofundar em questotildees

orccedilamentaacuterias e financeiras especiacuteficas mas sim alertar para a necessidade de o instrumento

do orccedilamento puacuteblico refletir tanto na sua fase de elaboraccedilatildeo quanto em sua execuccedilatildeo as

prioridades assentadas na Constituiccedilatildeo de modo a evitar situaccedilotildees praacuteticas desvirtuadoras da

loacutegica pensada para a realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mormente do direito agrave sauacutede

Eacute pertinente portanto a noccedilatildeo de se buscar o esgotamento de prioridades mais

relevantes em detrimento de alvos menos essenciais raciociacutenio este intriacutenseco por exemplo

ao seguinte questionamento eacute possiacutevel suscitar a falta de recursos para a sauacutede quando

existem no mesmo orccedilamento recursos com propaganda de governo

Nessa temaacutetica em que pese ter sido proferida em sede de liminar merece destaque o

teor da decisatildeo empreendida pelo Juiz de Direito da Comarca de Currais NovosRN Dr

Marcus Viniacutecius Pereira Juacutenior que frente agrave recalcitracircncia do Estado do Rio Grande do Norte

em realizar certas accedilotildees e serviccedilos de sauacutede determinou que a Governadora daquele estado a

Sra Rosalba Ciarlini suspendesse todas as propagandas pagas pelo Estado sob pena de

multa ateacute a correccedilatildeo do problema Destaca-se o seguinte trecho385

385

A presente decisatildeo liminar foi emitida em 30072013 no processo ndeg 0101509-7020138200103 que

tramita na vara ciacutevel da Comarca de Currais NovosRN e pode ser conferida no seguinte endereccedilo eletrocircnico

httpesajtjrnjusbrcpopgsearchdojsessionid=27196AEB9C77D224D12F6B3C4CC76113appsWeb1pagin

aConsulta=1amplocalPesquisacdLocal=103ampcbPesquisa=NUMPROCamptipoNuProcesso=UNIFICADOampnumeroD

igitoAnoUnificado=0101509-702013ampforoNumeroUnificado=0103ampdePesquisaNuUnificado=0101509-

7020138200103ampdePesquisa= Acessado em 01082013

177

() No mesmo mandado deve ser determinado que a referida gestora

SUSPENDA todas as propagandas pagas pelo ESTADO DO RIO GRANDE

DO NORTE nos termos dos itens 17 e 18 ateacute que sejam garantidos os

direitos agrave sauacutede por parte do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em

relaccedilatildeo aos processos referidos agraves fls 5154 FIXO nos termos do art 461

sect5ordm CPC multa pessoal por descumprimento em R$ 100000000 (um

milhatildeo de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede

ou seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede

caso haja descumprimento da presente decisatildeo por parte da Governadora do

Estado do RN b) expeccedilam-se tambeacutem MANDADOS agrave InterTV Cabugi

TV Ponta Negra TV Bandeirantes Natal TV Tropical TV Uniatildeo TV

Universitaacuteria Sidys TV a Cabo Jornal Tribuna do Norte Raacutedios (96 98

1047 e Cabugi) determinando a SUSPENSAtildeO IMEDIATA de todos os

serviccedilos de propagandapublicidade pagos pelo ESTADO DO RIO

GRANDE DO NORTE Caso sejam descumpridas as determinaccedilotildees da

presente decisatildeo por parte das empresas intimadas FIXO nos termos do art

461 sect5ordm CPC multa por descumprimento em R$ 100000000 (um milhatildeo

de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede ou

seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede

caso haja descumprimento da presente decisatildeo

() (Grifos acrescidos)

Ademais de se destacar que a decisatildeo em questatildeo considerou em sua fundamentaccedilatildeo o

fato de que (conforme relatoacuterio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte que

aprovou com ressalvas as contas do governo do RN) no ano de 2011 o referido estado gastou

mais com diaacuterias e publicidade governamental do que com sauacutede puacuteblica386

o que soacute acentua

o quadro de calamidade da sauacutede no RN387

e na linha dos argumentos que se seguem

configura-se completamente inconstitucional por afronta ao desenho constitucional prioritaacuterio

que eacute delineado para o direito agrave sauacutede na CF de 1988

Pelo exposto a defesa aqui proposta eacute no sentido de que a alegaccedilatildeo da jaacute estudada

reserva do possiacutevel deve passar por uma releitura de modo a priorizar o raciociacutenio de que

antes de os finitos recursos do Estado acabarem para os direitos fundamentais precisam os

mesmos necessariamente estar esgotados para aacutereas natildeo prioritaacuterias do ponto de vista

constitucional e natildeo do detentor do poder jaacute que a negativa de realizaccedilatildeo de um direito

386ldquo

Quanto agrave sauacutede puacuteblica destaca-se o baixo niacutevel de investimentos realizados nessa aacuterea com aplicaccedilatildeo de

recursos da ordem de R$ 1107683492 valor este inferior agravequele aplicado no exerciacutecio financeiro de 2010 (R$

1738652839) configurando um decreacutescimo de 3629 Ainda tal montante situou-se em patamar inferior

agravequeles relativos a despesas menos prioritaacuterias como diaacuterias (R$ 2367871614) e publicidade governamental

(R$ 1685159051)rdquo In Relatoacuterio e Projeto de Parecer Preacutevio do TCE RN Agosto 2012 p 126-127

Disponiacutevel em httpwwwtcerngovbr2009downloadREL_GOV2011pdf Acessado em 01082013 387

Merece aqui ser ressaltado o importante trabalho do TCE-RN que por meio do Relatoacuterio Preliminar sobre a

Rede Hospitalar da SESAPRN de maio de 2013 tratou de esmiuccedilar a situaccedilatildeo da rede de hospital puacuteblico do

RN emitindo ao seu final cerca de noventa e nove recomendaccedilotildees a serem seguidas pelo Governo daquele

Estado Disponiacutevel em httpwwwcorenrngovbrdownloadrelatoriotcepdf Acessado em 01082013

178

fundamental enquanto ainda existe verba disponiacutevel para uma aacuterea natildeo prioritaacuteria termina

por afrontar a priorizaccedilatildeo dada aos direitos fundamentais pela Constituiccedilatildeo388

Explicando melhor sugere-se o fim da cultura instaurada e aceita na realidade

brasileira de que basta se atingir o respeito aos valores e percentuais miacutenimos a serem

empregados em sauacutede puacuteblica para os gestores puacuteblicos estarem de certo modo quites com

os anseios da populaccedilatildeo e isso passa por dois pontos chaves a necessidade de reestruturaccedilatildeo

da forma como se desenvolve a proacutepria execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico no paiacutes389

e o

incremento da fiscalizaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos atrelado a padrotildees miacutenimos de eficiecircncia390

Ilustrada a problemaacutetica o presente toacutepico inicialmente examinaraacute a questatildeo dos

gastos puacuteblicos em sauacutede ressaltando a importante contribuiccedilatildeo da recente e jaacute brevemente

pincelada Lei Complementar nordm 1412012 para posteriormente tratar da questatildeo

orccedilamentaacuteria em si alertando para a necessidade de medidas que assegurem a priorizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede tanto no momento da elaboraccedilatildeo quanto na execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria

621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico

Conforme jaacute analisado por forccedila da Lei Complementar nordm 1412012 foram instituiacutedos

nos termos do sect 3deg do art 198 da Constituiccedilatildeo Federal alguns aspectos relevantes agrave

problemaacutetica dos gastos puacuteblicos como o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante a ser

aplicado anualmente pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede os percentuais

miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados anualmente pelos Estados

Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os criteacuterios de rateio dos

recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados ao Distrito Federal e aos

388

FREIRE JUacuteNIOR Ameacuterico Bedecirc Controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2005 p 74 apud GUERRA Gustavo Rabay A concretizaccedilatildeo judicial dos direitos sociais seus abismos

gnoseoloacutegicos e a reserva do possiacutevel por uma dinacircmica teoacuterico-dogmaacutetica do constitucionalismo social

Disponiacutevel em httpwwwmpgogovbrportalwebhp2docsconcretizacaodosdireitossociaispdf Acessado

em 12052013 389

De se destacar as liccedilotildees de Celso Ribeiro Bastos no sentido de que a inspiraccedilatildeo uacuteltima do orccedilamento eacute ldquode se

tornar um instrumento de exerciacutecio da democracia pelo qual os particulares exercem o direito por intermeacutedio de

seus mandataacuterios de soacute verem efetivadas as despesas e permitidas as arrecadaccedilotildees tributaacuterias que estiverem

autorizadas na lei orccedilamentaacuteriardquo BASTOS Celso Ribeiro Curso de Direito Financeiro e Tributaacuterio Satildeo

Paulo Celso Bastos Editor 2002 p 127-128 390

Corroborando com essa visatildeo Louisianne Paskalle pondera que ldquode fato o orccedilamento natildeo eacute abundante e

posto isto eacute que se deve trabalhar com mais eficiecircncia na administraccedilatildeo puacuteblica O que se constata eacute que aleacutem

da escassez orccedilamentaacuteria haacute um mau uso dos recursos puacuteblicos que satildeo registrados pelos escacircndalos sucessivos

de corrupccedilatildeo desvio de dinheiro fraude em licitaccedilotildees e compra de votosrdquo MAIA Louisianne Paskalle Solano

Direitos fundamentais efetividade e limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias uma perspectiva poacutes-positivista In MOURA

Lenice S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo

Bonavides Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 423

179

Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em

accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede

Nesse contexto restou confirmado que os Municiacutepios devem destinar no miacutenimo

15 de seus recursos proacuteprios para a sauacutede os Estados no miacutenimo 12 e que a Uniatildeo deve

aplicar desde 2000 em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os recursos miacutenimos

correspondentes ao valor apurado no ano anterior aplicada a variaccedilatildeo nominal do PIB tudo

isso respeitando-se as disposiccedilotildees da referida Lei Complementar no sentido de soacute serem

direcionados recursos para accedilotildees e serviccedilos que legitimamente estejam inseridas como

despesas em sauacutede391

Tais disposiccedilotildees legais satildeo salutares agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede pois

funcionam como paracircmetros objetivos aptos a corrigirem certas disparidades iacutensitas ao

descaso das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede no Brasil durante os 12 anos agrave espera da referida Lei

Complementar392

periacuteodo marcado por inuacutemeras distorccedilotildees frente a falta de clareza sobre o

caacutelculo do aporte de recursos federais para a sauacutede e os tipos de situaccedilotildees que poderiam ser

computadas como despesas nesta seara

Para se ter uma ideia em 2007 16 estados natildeo atingiram o percentual miacutenimo

necessaacuterio e deixaram de investir cerca de R$ 36 bilhotildees no setor a Uniatildeo por sua vez entre

2001 e 2008 deixou de aplicar cerca de R$ 548 bilhotildees para a sauacutede ao incluir em seu

orccedilamento como verba da sauacutede os gastos com o Programa Bolsa Famiacutelia e a incorporaccedilatildeo de

valores do Fundo para Erradicaccedilatildeo da pobreza393

Antes do norte dado pela LC 141 2012 tambeacutem foram contabilizados na ldquocontardquo do

dinheiro da sauacutede tanto por gestores estaduais como municipais diversas accedilotildees que natildeo

possuiacuteam ligaccedilatildeo direta com a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede nem com a estruturaccedilatildeo do SUS

como eacute o caso por exemplo de gastos com saneamento aposentadoria dos servidores

391

Conforme o art 4deg da referida LC 1412012 por exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o

pagamento de aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros programas

de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS satildeo situaccedilotildees que natildeo podem ser enquadradas como

despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos 392

Frente agrave omissatildeo legislativa em criar a lei complementar ora analisada alguns instrumentos foram utilizados

para tentar delimitar o campo de aplicaccedilatildeo dos recursos para a sauacutede (como foi o caso da jaacute mencionada

Resoluccedilatildeo nordm 32203 do Conselho Nacional de Sauacutede) contudo natildeo obtiveram sucesso pela falta de clareza e

coercibilidade dos mesmos o que acabou gerando diversas distorccedilotildees na aplicaccedilatildeo das verbas com sauacutede 393

KASEKER Camila Para onde estaacute sendo desviado o dinheiro da sauacutede Revista da APM nordm 605 Satildeo Paulo

2009 p 14-15 apud CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao

miacutenimo existencial garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 157

180

bombeiros merenda escolar alimentaccedilatildeo de presidiaacuterios cestas baacutesicas manutenccedilatildeo de

restaurantes populares etc394

Constata-se desta maneira que a Lei Complementar em questatildeo importou em

consideraacutevel avanccedilo tanto para a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos miacutenimos a serem expendidos

pelas esferas de governo quanto indiretamente para a construccedilatildeo do miacutenimo em sauacutede uma

vez que quando satildeo arroladas as accedilotildees que podem e que natildeo podem se enquadrar como

despesas em sauacutede se contribui para focalizar os gastos nas prioridades e afastar desperdiacutecios

gerando maior eficiecircncia na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas sanitaacuterias

Defende-se nesse contexto que o Poder Judiciaacuterio tem legitimidade tanto para

assegurar o fiel cumprimento da Lei Complementar em exame nas demandas que tenham tal

pleito como objeto principal como para considerar os paracircmetros objetivos por ela fornecidos

ao enfrentar demandas que envolvam a anaacutelise dos custos e a questatildeo da reserva do possiacutevel

Explicando melhor diante de um pleito ligado ao direito agrave sauacutede o magistrado natildeo

pode aceitar passivamente a alegaccedilatildeo de que faltam recursos mas sim deve averiguar antes

de tudo se quem alega tal falta estaacute gerindo o sistema de maneira consentacircnea com a

legislaccedilatildeo pertinente levando-se em conta por exemplo se o ente estaacute cumprindo os

percentuais miacutenimos para o orccedilamento da sauacutede bem como se haacute indiacutecios de tentativa de

ldquomaquiarrdquo os gastos com sauacutede atraveacutes da inclusatildeo de itens alheios a aacuterea sanitaacuteria

constatando desta maneira se a falta de verbas alegada eacute de fato real ou decorre do

descumprimento da LC nordm 1412012

Todavia em que pese tais avanccedilos trazidos pela LC nordm 1412012 existem muitas

criacuteticas com relaccedilatildeo ao valor que eacute gasto pela Uniatildeo com sauacutede anualmente e ao consequente

deacuteficit de aportes financeiros para o setor o que termina evidenciando a necessidade de mais

recursos para a sauacutede Para se ter uma ideia com relaccedilatildeo a Uniatildeo o percentual do total de

sua receita destinado agrave sauacutede vem caindo desde 1995 (em 1995 tal percentual foi de 1172 e

em 2011 foi de 73) e jaacute no que se refere agrave necessidade de mais recursos para a sauacutede a

porcentagem do PIB anual que eacute direcionada para a sauacutede no Brasil eacute aqueacutem da meacutedia

mundial segundo dados da OMS (em 2010 por exemplo o Brasil direcionou apenas 38 do

seu PIB para a sauacutede enquanto o percentual meacutedio no mundo foi de 55395

)

394

Nota Teacutecnica ndeg 14 de 2012 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos

Deputados - CONOFCD Anaacutelise das principais inovaccedilotildees trazidas pela Lei Complementar nordm 141 de 13 de

janeiro de 2012 que regulamentou a Emenda Constitucional nordm 29 de 2000 p 07 Disponiacutevel em

httpbdcamaragovbrbdbitstreamhandlebdcamara12536regulamentacao_emendapdfsequence=1Acessado

em 14062013 395

Tais dados podem ser encontrados no siacutetio eletrocircnico do Movimento Nacional em Defesa da Sauacutede Puacuteblica

SAUacuteDE + 10 o qual tem o objetivo de coletar assinaturas visando agrave formaccedilatildeo de um Projeto de Lei de iniciativa

181

Contudo o intuito do presente capiacutetulo natildeo eacute enfrentar a discussatildeo acerca da falta de

recursos para a sauacutede (este deacuteficit assim como diversos problemas estruturais no acircmbito do

SUS eacute evidente) mas sim defender a correta aplicaccedilatildeo dos recursos existentes a partir do

eficiente cumprimento da LC 1412012 bem como a necessidade de se buscar a vinculaccedilatildeo

das prioridades constitucionais sobretudo com sauacutede durante todo o ciclo orccedilamentaacuterio e

quanto a este segundo ponto algumas observaccedilotildees importantes merecem destaque

622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Partindo para a questatildeo orccedilamentaacuteria em si como eacute sabido na loacutegica orccedilamentaacuteria

paacutetria natildeo existe despesa que natildeo esteja autorizada na lei orccedilamentaacuteria nem eacute permitido ao

Poder Puacuteblico buscar receitas de maneira indefinida sem o devido atrelamento agraves

necessidades de financiamento O orccedilamento puacuteblico portanto eacute exatamente o instrumento

que espelha a organizaccedilatildeo em prol da justa equaccedilatildeo entre receitas e despesas e informa o

tracejo dos planos de atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico

Desta maneira assim como cada cidadatildeo organiza e projeta suas accedilotildees na vida

cotidiana a partir de sua disponibilidade financeira o Estado arquiteta seu plano de accedilotildees com

base no contraste entre suas arrecadaccedilotildees e as despesas projetando para um determinado

periacuteodo o que poderaacute ou natildeo ser realizado396

sendo essa projeccedilatildeo retratada exatamente

atraveacutes do instrumento do orccedilamento puacuteblico com o consequente estabelecimento do Plano

Plurianual da Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias e da Lei Orccedilamentaacuteria Anual (art 165 I II

III da CF de 1988)

O orccedilamento puacuteblico pode ser visto desta forma como o resultado de um processo

decisoacuterio fundamental que consolida a alocaccedilatildeo de recursos a eleiccedilatildeo das prioridades de accedilatildeo

estatal e se estruturam as poliacuteticas puacuteblicas em busca da efetivaccedilatildeo de direitos397

e o seu

almejado equiliacutebrio no contexto hodierno deve ser encarado natildeo apenas como uma harmonia

popular que buscando alterar a recente LC 1412012 estipula a destinaccedilatildeo de no miacutenimo 10 da Receita

Corrente Bruta da Uniatildeo para a sauacutede de modo a recuperar os recursos federais decrescentes nos uacuteltimos anos

para a sauacutede Disponiacutevel em httpwwwsaudemaisdezorgbr Acesso em 19062013 396

Nesse sentido Antocircnio de Oliveira Leite pontua que ldquoo orccedilamento na eacutepoca atual tem caraacuteter dinacircmico e

natildeo estaacutetico por isso mesmo os tradicionais princiacutepios (unidade equiliacutebrio contaacutebil financeiro etc) longe de

facultarem o seu aperfeiccediloamento impotildeem-lhe garrote dificultando a nobre e jaacute oportuna tarefa de avanccedilo no

sentido de obediecircncia agraves mais modernas ideias desde que coerentes com a finalidade a que visa o orccedilamento

()rdquo LEITE Antocircnio de Oliveira Orccedilamento Puacuteblico em sua feiccedilatildeo poliacutetica e juriacutedica In CLEacuteVE Cleacutemerson

Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs) Direito Constitucional constituiccedilatildeo financeira econocircmica e social

Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 6 Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 81 397

VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In

Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326

182

entre receita e despesa mas sim como uma equivalecircncia qualitativa entre a receita e despesa

puacuteblica de um lado e a realidade econocircmico-social de outro398

Da mesma maneira jaacute que a medida de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute

assegurada em grande parte pelo montante de recursos orccedilamentaacuterios investidos em sua

promoccedilatildeo e garantia o orccedilamento puacuteblico acaba assumindo uma funccedilatildeo de suma relevacircncia

para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais daiacute ser o mesmo compreendido para alguns

autores como um siacutembolo da cidadania e expressatildeo maacutexima dos direitos e deveres gerados na

relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo399

Frente a estas colocaccedilotildees pode-se concluir um ponto chave para os argumentos que se

seguiratildeo o instrumento do orccedilamento puacuteblico deve ser levado a seacuterio400

de modo a natildeo soacute

respeitar mas tambeacutem efetivar a priorizaccedilatildeo e expansatildeo dos direitos fundamentais delineada

na CF de 1988 tanto em sua elaboraccedilatildeo quanto durante sua execuccedilatildeo sob pena de restar

subvertida a proacutepria loacutegica do papel do Estado401

Contudo a maacutexima acima defendida distancia-se da realidade brasileira por uma seacuterie

de fatores como por exemplo

i o fato de o orccedilamento ser considerado assunto de poucos e para poucos frente

agrave tradiccedilatildeo excludente da cena poliacutetica paacutetria que marcada pelo

patrimonialismo e clientelismo acaba restringindo as deliberaccedilotildees referentes agrave

poliacutetica orccedilamentaacuteria a determinados grupos com maior poderio econocircmico e

proximidade dos negoacutecios do Estado402

ii a grande dificuldade ndash em que pese os esforccedilos traccedilados sobretudo na LRF e

na recente Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo ndash do cidadatildeo leigo tanto em obter

398

BECKER Alfredo Augusto Teoria Geral do Direito Tributaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 1963 p 217 apud

SOUZA Luciane Moessa Reserva do possiacutevel x miacutenimo existencial o controle de constitucionalidade em

mateacuteria financeira e orccedilamentaacuteria como instrumento de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais p 10

Disponiacutevel em httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbhluciane_moessa_de_souza2pdf Acesso

em 17062013 399

AMARAL Gustavo amp MELO Danielle Haacute direito acima do orccedilamento In SARLET Ingo Wolfgang e

TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre

Livraria do Advogado 2010 p 108 400

Corroborando com esse raciociacutenio Luciano Benetti Timm pontua que ldquoa realidade orccedilamentaacuteria natildeo pode ser

compreendida como peccedila de ficccedilatildeo O desperdiacutecio de recursos puacuteblicos em um universo de escassez gera

injusticcedila com aqueles potenciais destinataacuterios a que deles deveriam atenderrdquo TIMM Luciano Benetti Qual a

maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais uma perspectiva de direito e economia In SARLET

Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo

Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 60 401

A razatildeo da proacutepria existecircncia do Estado eacute empreender sua mais elementar missatildeo constitucionalmente

estabelecida de efetivamente universalizar os direitos fundamentais portanto nada mais correto que o

instrumento que expotildee o planejamento dessa missatildeo seja concatenado com as diretrizes da proacutepria Carta Maior 402

VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In

Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326

183

informaccedilotildees quanto em compreender os dados orccedilamentaacuterios disponiacuteveis os

quais se mostram complexos frente a marcada fragmentaccedilatildeo caracteriacutestica do

ciclo orccedilamentaacuterio o que acaba de certa maneira desestimulando o controle

da poliacutetica orccedilamentaacuteria pela populaccedilatildeo403

iii o marcante desequiliacutebrio de poderes entre Executivo e Legislativo no curso da

execuccedilatildeo do orccedilamento sendo a realidade marcada por uma hipertrofia do

Executivo que frente a alta discricionariedade natildeo controlada acaba gerando

alguns efeitos colaterais graves agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Tudo isso reforccedila a necessidade de mudanccedilas pontuais na cultura de se proceder a

elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria no intuito de trazer benefiacutecios para a efetividade do

prioritaacuterio e impreteriacutevel direito fundamental agrave sauacutede

Explicando melhor primeiramente no que se refere agrave elaboraccedilatildeo do orccedilamento eacute

certo que as escolhas em mateacuteria de gastos puacuteblicos natildeo constituem um tema totalmente

reservado agrave deliberaccedilatildeo poliacutetica pois nesse momento haacute uma importante incidecircncia de

normas constitucionais que norteiam as prioridades a serem seguidas e o produto conjugado

dos gastos do Estado reflete exatamente o momento e a medida no qual a realizaccedilatildeo dos fins

constitucionais deveraacute ocorrer404

Assim natildeo soacute as regras constantes no capiacutetulo especiacutefico sobre orccedilamento puacuteblico

nem os percentuais miacutenimos especificados para determinados direitos devem nortear a

elaboraccedilatildeo do orccedilamento mas tambeacutem o proacuteprio esqueleto valorativo da Carta de 1988

calcado na Dignidade da Pessoa Humana irradiada pelos direitos fundamentais e nos

objetivos fundamentais expostos no art 3deg

Propotildee-se assim que seja repensada a maneira de se trilhar o orccedilamento puacuteblico no

paiacutes no intuito de as prioridades nele assentadas sejam reflexos harmocircnicos da proacutepria

priorizaccedilatildeo delineada na Constituiccedilatildeo e isso exige uma mudanccedila de cultura que considere

inadmissiacuteveis diversas situaccedilotildees que hoje satildeo vistas como comuns e ateacute mesmo legalmente

corretas405

403

MENDONCcedilA Eduardo Bastos Furtado de A constitucionalizaccedilatildeo das Financcedilas Puacuteblicas no Brasil ndash Devido

Processo Orccedilamentaacuterio e Democracia Rio de Janeiro Renovar 2010 p 92 404

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 405

Na linha do defendido por Luntildeo a escolha do elenco dos direitos fundamentais reflete uma decisatildeo baacutesica do

constituinte no sentido de apontar as metas sociais a serem atingidas pela sociedade e esta caracteriacutestica reflete

no processo interpretativo dos proacuteprios direitos de modo a se evitar contradiccedilotildees e antiacuteteses aleacutem de conferir aos

mesmos a funccedilatildeo de unidade e integraccedilatildeo do ordenamento aos fins e valores que estes informam Desta maneira

eacute certo que o tracejo constitucional arquitetado para o direito agrave sauacutede denota um caraacuteter prioritaacuterio do mesmo

entre os direitos sociais o que deve ser seguido desde a proacutepria elaboraccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico sob pena de se

184

Nesse sentido Andreas J Krell alerta para a gravidade desses casos ao retratar406

que

Ateacute hoje existem municiacutepios onde se gasta ndash legalmente ndash mais dinheiro em

divertimentos populares (contrataccedilatildeo de bdquotrios eleacutetricos‟) ou na manutenccedilatildeo

da Cacircmara do que em toda aacuterea de sauacutede puacuteblica () Um orccedilamento

puacuteblico quando natildeo atende aos preceitos da Constituiccedilatildeo pode e deve ser

corrigido mediante alteraccedilatildeo do orccedilamento consecutivo logicamente com a

devida cautela Em casos individuais pode ocorrer a condenaccedilatildeo do Poder

Puacuteblico para a prestaccedilatildeo de determinado serviccedilo puacuteblico baacutesico ou o

pagamento de serviccedilo privado (exemplo reembolso de despesas de

atendimento em hospital particular) (Grifos acrescidos)

Partindo deste raciociacutenio todos os argumentos jaacute apontados referentes agrave alocaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede para um primeiro plano dentre os direitos sociais agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o

direito agrave vida digna e sua feiccedilatildeo de direito impreteriacutevel satildeo aqui retomados para sustentar que

a priorizaccedilatildeo encontrada na CF de 1988 com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede deve ser

necessariamente refletida na fase de elaboraccedilatildeo (e durante a execuccedilatildeo) do orccedilamento puacuteblico

e isso natildeo significa simplesmente que os percentuais miacutenimos407

apontados

constitucionalmente devem ser respeitados mas sim que o aparato principioloacutegico que irradia

a proteccedilatildeo da sauacutede na Constituiccedilatildeo tenha reflexos equivalentes no proacuteprio orccedilamento

Daiacute ser risiacutevel a ocorrecircncia de situaccedilotildees como as antes exemplificadas bem como o

niacutevel de atenccedilatildeo que anualmente eacute dada a sauacutede puacuteblica em termos de percentuais de valores

do PIB408

(como jaacute visto em 2010 por exemplo somente 38 do PIB foi destinado para a

sauacutede) o que inevitavelmente eacute refletido na realidade precaacuteria da maioria dos hospitais

puacuteblicos do paiacutes409

vislumbrar contradiccedilotildees no mundo concreto a partir da priorizaccedilatildeo de bens juriacutedicos de expressatildeo constitucional

bem menos acentuada ou ateacute mesmo nula como eacute o caso da propaganda institucional PEREZ LUNtildeO Antonio

Enrique Derechos Humanos Estado de Derecho y Constitucioacuten Octava Edicioacuten Madrid Tecnos 2003 p

227 406

KRELL Andreas J Controle judicial dos serviccedilos puacuteblicos baacutesicos na base dos direitos fundamentais sociais

In SARLET Ingo Wolfgang (org) A constituiccedilatildeo concretizada ndash Construindo pontes com o puacuteblico e o

privado Porto Alegre Livraria do Advogado 2000 p 57 407

O cumprimento de tais percentuais natildeo deve ser encarado como uma ldquocarta de alforriardquo pelo Poder Puacuteblico

como uma meta que uma vez atingida gera a sensaccedilatildeo de quitaccedilatildeo com o direito agrave sauacutede como se aquilo fosse

suficiente para a efetivaccedilatildeo desse direito Tais percentuais devem ser enxergados em verdade como um limite

miacutenimo sobre o qual o Estado deve trilhar suas accedilotildees sempre para aleacutem do mesmo e cujo descumprimento revela

uma das grandes ofensas ao Estado Democraacutetico de Direito desenhado na CF de 1988 408

Sobre a noccedilatildeo de quanto uma naccedilatildeo deve gastar com sauacutede puacuteblica e as implicaccedilotildees de justiccedila e igualdade

frente ao alto custo da sauacutede na realidade norte-americana conferir DWORKIN Ronald A virtude soberana a

teoria e a praacutetica da igualdade Jussara Simotildees (trad) Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p 431 409

Nesse sentido Joseacute Renato Nalini pondera que ldquoembora a proclamaccedilatildeo de intenccedilotildees seja provida de saudaacutevel

pretensatildeo a realidade eacute bem diferente Entre o sistema uacutenico propiciador de sauacutede integral para todos e a

situaccedilatildeo verificada nos hospitais prontos-socorros e centros de atendimento agrave sauacutede em todo o Brasil haacute um

fosso intransponiacutevelrdquo NALINI Joseacute Renato O Judiciaacuterio e a Eacutetica na Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de

185

Essa necessaacuteria mudanccedila na realizaccedilatildeo do orccedilamento por sua vez passa tambeacutem pela

necessidade de a proacutepria Constituiccedilatildeo empreender mais atenccedilatildeo ao controle das decisotildees

envolvendo as despesas puacuteblicas uma vez que apesar de ser constatado um acurado cuidado

com a imposiccedilatildeo de limites ao poder de tributar natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo com relaccedilatildeo ao

passo posterior que eacute disciplina da despesa puacuteblica e seus desdobramentos

Eacute que hodiernamente ainda impera a ideia de que a influecircncia da Constituiccedilatildeo com

relaccedilatildeo aos gastos puacuteblicos estaria limitada ao aspecto formal de sua previsatildeo orccedilamentaacuteria

deixando de lado os fins materiais por ela estabelecidos Ana Paula de Barcellos reforccedila essa

ideia ao afirmar que410

Mas o que deveraacute constar no orccedilamento Em que se deveraacute investir Em que

os recursos puacuteblicos devem ser aplicados Com muita maior razatildeo tambeacutem

o conteuacutedo das despesas haveraacute de estar vinculado juridicamente agraves

prioridades eleitas pelo constituinte originaacuterio () A Constituiccedilatildeo

estabelece metas prioritaacuterias objetivos fundamentais dentre os quais

sobreleva a promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e aos

quais estatildeo obrigadas as autoridades puacuteblicas A despesa puacuteblica eacute o meio

haacutebil para atingir essas metas Logo por bastante natural as prioridades

em mateacuteria de gastos puacuteblicos satildeo aquelas fixadas pela Constituiccedilatildeo de

modo que tambeacutem a ponta da despesa que encerra o ciclo da atividade

financeira esteja submetida agrave norma constitucionalrdquo (Grifos acrescidos)

Robustecendo a disparidade entre a preocupaccedilatildeo com a limitaccedilatildeo do poder de tributar

e os limites quanto agraves despesas puacuteblicas tem-se que a atenccedilatildeo tanto dos juristas como dos

contribuintes em geral se concentra mais na tributaccedilatildeo (o dinheiro que entra) enquanto que a

disciplina legal da despesa puacuteblica termina ficando em segundo plano como se as pessoas

apoacutes reclamarem de pagar os altos tributos acabassem esquecendo que o que foi arrecadado

ainda seria delas e desta forma deveria ser alocado para o benefiacutecio da coletividade Fala-se

entatildeo em fortalecimento da cultura orccedilamentaacuteria no sentido de que a cidadania fiscal natildeo

termina no dever de pagar tributos mas se estende tambeacutem pelo ciclo orccedilamentaacuterio411

A defesa do raciociacutenio acima explicitado acarreta em repercussotildees praacuteticas relevantes

para o cumprimento dos objetivos fundamentais expostos na CF de 1988 Nesse sentido a

Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte

Foacuterum 2011 p 172 410

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 283 411

Aponta Ricardo Lobo Torres que ldquoa cidadania fiscal em seu sentido amplo abrange aleacutem das problemaacutetica

da receita os aspectos mais largos da cidadania financeira que compreendendo a vertente da despesa puacuteblica

envolve as prestaccedilotildees positivas de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais e aos direitos sociais e as escolhas

orccedilamentaacuterias questotildees que apresentam o maior deacuteficit de reflexatildeo teoacuterica no campo da cidadania Cidadania

fiscal eacute sobretudo cidadania orccedilamentaacuteriardquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de direito constitucional

financeiro e tributaacuterio ndash O orccedilamento na Constituiccedilatildeo v 5 Rio de Janeiro Renovar 2000 p 148

186

defesa pela vinculaccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico agraves prioridades constitucionais como um norte

em sua elaboraccedilatildeo acarreta consequecircncias inevitaacuteveis para certos componentes do orccedilamento

que passariam a ldquoir para o fim da fila412

rdquo e teriam sua realizaccedilatildeo condicionada ao

cumprimento das prioridades constitucionais413

A Constituiccedilatildeo por exemplo natildeo ldquofalardquo em propaganda414

como algo tatildeo relevante ao

ponto de merecer lugar cativo nas rubricas orccedilamentaacuterias da mesma forma ldquosussurrardquo sobre

a questatildeo do lazer e os divertimentos populares a serem proporcionados pelo Estado contudo

ldquogritardquo com relaccedilatildeo agrave sauacutede e educaccedilatildeo ao longo do seu corpo com mais de sessenta menccedilotildees

a cada um desses direitos sociais logo natildeo faz sentido algum que a canalizaccedilatildeo de recursos na

elaboraccedilatildeo do orccedilamento inverta essa loacutegica natildeo refletindo as prioridades constitucionais

Reforccedilando tal visatildeo Edilson Pereira Nobre Juacutenior ao analisar a possibilidade de o

Executivo no curso da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria suspender a liberaccedilatildeo de recursos inerentes

aos direitos fundamentais sociais para custear outros fins pondera que415

() nessa aacuterea natildeo incide manifestaccedilatildeo discricionaacuteria nenhuma Isso porque

haveraacute de reconhecer-se uma priorizaccedilatildeo no manuseio dos recursos

disponiacuteveis aos dispecircndios com direitos fundamentais sociais tendo em

vista o expresso desejo do Constituinte de 1988 em erigir a dignidade da

pessoa humana a fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm

III) bem como serem objetivos fundamentais desta a construccedilatildeo duma

sociedade livre justa e solidaacuteria a erradicaccedilatildeo da pobreza e a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais e regionais (art 3ordm I e III) Dessas normas insertas

no Tiacutetulo I (Dos Princiacutepios Fundamentais) decorre a primazia dos direitos

sociais

()A concretizaccedilatildeo dos novos direitos fundamentais eacute de ser reputada sem

sombra de duacutevida obrigaccedilatildeo constitucional dos entes poliacuteticos

No particular merece realce pelo seu elevado caraacuteter meritoacuterio e de

vanguarda decisatildeo lavrada pelo Des Federal Francisco Wildo Lacerda

412

Nesse sentido confira-se o seguinte entendimento do STJ ldquo() o escudo da reserva do possiacutevel natildeo imuniza

o administrador de adimplir promessas que tais vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais quanto mais

considerando a notoacuteria destinaccedilatildeo de preciosos recursos puacuteblicos para aacutereas que embora tambeacutem inseridas na

zona de accedilatildeo puacuteblica satildeo menos prioritaacuterias e de relevacircncia muito inferior aos valores baacutesicos da sociedade

representados pelos direitos fundamentaisrdquo (Grifos acrescidos) (Resp ndeg 811698RS julgado em 150507 pela

1deg Turma do STJ Rel Min Luiz Fux DJU de 040607 p 314) 413

Novamente Ana Paula de Barcellos corrobora com essa visatildeo ao ponderar que ldquo() se os meios financeiros

natildeo satildeo ilimitados os recursos disponiacuteveis deveratildeo ser aplicados prioritariamente no atendimento dos fins

considerados essenciais pela Constituiccedilatildeo ateacute que eles sejam realizados Os recursos remanescentes haveratildeo de

ser destinados de acordo com as opccedilotildees poliacuteticas que a deliberaccedilatildeo democraacutetica apurar em cada momento

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade

da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284 414

O art 37 sect 1deg somente ressalva que a publicidade dos atos programas obras serviccedilos e campanhas dos

oacutergatildeos puacuteblicos deveraacute ter caraacuteter educativo informativo ou de orientaccedilatildeo social dela natildeo podendo constar

nomes siacutembolos ou imagens que caracterizem promoccedilatildeo pessoal de autoridades ou servidores puacuteblicos 415

NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira O controle de poliacuteticas puacuteblica um desafio agrave jurisdiccedilatildeo constitucional In

Revista de Doutrina do TRF 4deg 19deg ed 2007 Disponiacutevel em

httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrindexhtmhttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrartigosedicao019Edilso

n_Juniorhtm Acessado em 19062013

187

Dantas do E Tribunal Regional Federal da 5ordf Regiatildeo nos autos do Agravo

de Instrumento 67336 ndash PB manejado pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal

contra o Estado da Paraiacuteba

S Exa na oportunidade determinara sob pena de multa pecuniaacuteria que

referido ente poliacutetico remanejasse 1760 da verba destinada agrave publicidade

institucional com vistas a normalizar o fornecimento de remeacutedios

destinados ao tratamento de pacientes portadores de mal de Parkinson

Restou ponderado que o deferimento da medida far-se-ia pelo fato do Estado

haver-se mantido recalcitrante em cumprir anterior decisatildeo judicial a qual

determinava que regularizasse a distribuiccedilatildeo dos medicamentos necessaacuterios

ao atendimento de mencionada enfermidade bem como porque se destinava

atender bem juriacutedico mais importante qual seja a vida dos cidadatildeos

paraibanos devendo assim preponderar sobre outra atividade puacuteblica

reputada de menor relevacircncia como eacute o caso da publicidade

governamental() (Grifos acrescidos)

Desta maneira defende-se a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido

de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a

destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade sob pena de

clara afronta agrave vontade da Constituiccedilatildeo416

Aplicando o pensamento acima para a realidade atual brasileira considera-se

inadmissiacutevel que no atual estaacutegio do Estado Democraacutetico de Direito conquistado no paiacutes seja

enxergado com naturalidade o fato de serem destinados bilhotildees para a construccedilatildeo de estaacutedios

de futebol (para realizaccedilatildeo da copa do mundo) por meio de parcerias puacuteblico-privadas417

enquanto a sauacutede puacuteblica atravessa um quadro de caos por falta de meacutedicos e ateacute mesmo

utensiacutelios baacutesicos nos hospitais puacuteblicos o que corrobora para a necessidade de mudanccedila

apontada

Contudo a problemaacutetica com relaccedilatildeo ao orccedilamento natildeo ocorre somente na sua fase de

elaboraccedilatildeo Satildeo rotineiras durante o processo de execuccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio algumas

situaccedilotildees que comprometem fortemente a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

(especialmente agrave sauacutede) mas antes de analisaacute-las eacute preciso compreender algumas

caracteriacutesticas dessa fase

416

Ana Paula de Barcellos sustentando ser plausiacutevel a defesa de que os gastos com publicidade governamental

devam ser necessariamente menores que os investimentos com sauacutede ou educaccedilatildeo exemplifica um caso no Rio

de Janeiro em que o MP ajuizou uma accedilatildeo de improbidade administrativa (Processo ndeg 2003014016724-4 4deg

Vara Ciacutevel da Comarca de Campos dos Goytacazes) em face de autoridades municipais do Municiacutepio de

Campos dos Goytacazes devido ao excesso de gastos com eventos culturais em que alegou-se sobretudo que os

gastos milionaacuterios nessas aacutereas natildeo eram repetidos em aacutereas mais relevantes e de atuaccedilatildeo obrigatoacuteria e prioritaacuteria

do poder puacuteblico o que feria a razoabilidade BARCELLOS Ana Paula de Constitucionalizaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas em mateacuteria de direitos fundamentais o controle poliacutetico-social e o controle juriacutedico no espaccedilo

democraacutetico In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 119 417

Acerca da aplicaccedilatildeo do instituto na aacuterea de sauacutede conferir GOMES Ana Maria Viccedilosa As parcerias

puacuteblico-privadas na gestatildeo hospitalar no Brasil In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 269-293 2009

ndash UNIMAR

188

Em que pese existir certa controveacutersia sobre a natureza juriacutedica do orccedilamento (satildeo

vaacuterias posiccedilotildees uns defendem a natureza de ato administrativo outros de lei conjunccedilatildeo entre

lei e ato administrativo ato-condiccedilatildeo etc) consolidou-se no Brasil o entendimento de que tal

instrumento se trata de lei em sentido meramente formal natildeo criando portanto direitos e

obrigaccedilotildees mas apenas orientando pautas para a legitimaccedilatildeo financeira da atividade

puacuteblica418

O objetivo dessa visatildeo eacute retirar da lei orccedilamentaacuteria sua conotaccedilatildeo substantiva de gerar

uma vinculaccedilatildeo imediata419

jaacute que se assim fosse haveria um inevitaacutevel engessamento do

ciclo orccedilamentaacuterio ao passo que nada poderia ser feito quanto agraves eventuais externalidades

ocorridas no transcorrer de sua execuccedilatildeo o que traria imensa inseguranccedila juriacutedica para a

realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Desta maneira o orccedilamento inegavelmente precisa de uma natural flexibilidade e

discricionariedade em sua execuccedilatildeo para que os fins nele previamente projetados possam ser

atingidos em conformidade com o cenaacuterio externo encontraacutevel isso tudo corre por uma

questatildeo proacutepria de racionalidade administrativa uma vez que seria impossiacutevel prever

normativa e previamente todas as hipoacuteteses de revisatildeo do orccedilamento como o satildeo a anulaccedilatildeo

de rubricas a natildeo realizaccedilatildeo de certas despesas e o contingenciamento de empenhos iacutensitos agrave

dinamicidade orccedilamentaacuteria420

Contudo essa inerente flexibilidade caracteriacutestica do caraacuteter autorizativo da peccedila

orccedilamentaacuteria se justifica exatamente pela necessidade de melhor atender aos fins puacuteblicos

priorizados na Constituiccedilatildeo e por isso natildeo pode ser transformada em arbitrariedade421

por

parte do Poder Puacuteblico sob pena dos desvirtuamentos ocasionados gerarem impactos sobre os

direitos fundamentais como eacute o prioritaacuterio direito agrave sauacutede

Ocorre que a realidade brasileira estaacute enquadrada nesse temeroso cenaacuterio de

arbitrariedade Atraveacutes de praacuteticas que recorrentemente frustram a agenda orccedilamentaacuteria e

418

OLIVEIRA Reacutegis Fernandes de Curso de Direito Financeiro Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006 p

309 419

OLIVEIRA Fernando Froacutees Financcedilas puacuteblicas economia e legitimaccedilatildeo alguns argumentos em defesa do

orccedilamento autorizativo In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO

Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 692 420

PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo

e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 4 421

Quanto a este ponto Germaacuten J Bidart Campos pondera que ldquo() Es verdad que no se puede marcar

riacutegidamente com uma cifra inamovible el maacuteximo de recursos disponibles Lo que si se puede y se debe ES

resuponer que el maacuteximo bdquodisponible‟ ES el maacuteximo que razonablemente surge de uma evaluacioacuten objetiva com

la que al distribuir los ingresos y los gastos de la hacienda puacuteblica se prioriza lo maacutes valioso y se escalona a

partir de alliacute lo mesno valiosordquo BIDART CAMPOS Germaacuten J El Orden Socioeconomico em la Constitucioacuten

Buenos Aires EDIAR 1999 p 343 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284

189

prejudicam a realizaccedilatildeo das metas pactuadas quando da elaboraccedilatildeo do orccedilamento a equaccedilatildeo

receita-despesa acaba passando longe das prioridades definidas legalmente

No contexto da arbitrariedade um dos mecanismos utilizado (e fortemente criticado) eacute

contingenciamento de empenhos procedimento formal de limitaccedilatildeo tanto das despesas

autorizadas na lei orccedilamentaacuteria anual quanto da movimentaccedilatildeo financeira a elas interligada

que tem o intuito de vedar que os ordenadores de despesa emanem atos de assunccedilatildeo de

obrigaccedilatildeo de pagamento para o Estado422

Essa hipoacutetese de limitaccedilatildeo de despesa eacute uma espeacutecie de contenccedilatildeo de gasto puacuteblico

pela possibilidade de natildeo existir garantia de receita que lhe promova o custeio e tem

supedacircneo no art 9deg da LRF que afirma ser possiacutevel se restringir a geraccedilatildeo de despesas

quando restar averiguado mediante relatoacuterio resumido de execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria que haacute

risco de frustraccedilatildeo das metas de resultado primaacuterio ou nominal previstas na LDO pelo fato de

a geraccedilatildeo receitas natildeo seguirem o planejado inicialmente

Ou seja a utilizaccedilatildeo do contingenciamento soacute seraacute legiacutetima quando comprovado

motivadamente que haacute uma reduccedilatildeo da arrecadaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave despesa antes estimada na

fixaccedilatildeo das metas fiscais da LDO e na proacutepria LOA O uso desta teacutecnica de modo a

transbordar esse limite ou seja a praacutetica da simples inexecuccedilatildeo das despesas previstas sem

qualquer motivaccedilatildeo ligada ao cumprimento das metas fiscais desnatura a proacutepria finalidade

programatoacuteria das peccedilas orccedilamentaacuteria e subverte as prioridades alocadas quando da

elaboraccedilatildeo do plano para o exerciacutecio financeiro

Nessa conjuntura eacute de se constatar que haacute no Brasil um quadro de contracionismo

orccedilamentaacuterio caracterizado pelo manejo abusivo e arbitraacuterio da figura do contingenciamento

de empenhos que contribui para a inefetividade dos direitos sociais visto que as poliacuteticas

puacuteblicas que foram idealizadas acabam sendo parcial ou integralmente inexecutadas e

consequentemente as prioridades definidas no processo deliberativo do orccedilamento acabam

sendo redesenhadas por ato unilateral do Poder Puacuteblico423

Frente a ampla discricionariedade conferida ao Poder Executivo eacute recorrente a

seguinte situaccedilatildeo que caracteriza uma espeacutecie de contingenciamento preventivo poucos dias

apoacutes o orccedilamento ser aprovado edita-se um decreto limitando a liberaccedilatildeo de certos recursos

422

PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo

e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 9 423

MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de

poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 380

190

de dotaccedilotildees inicialmente previstas sem qualquer motivaccedilatildeo ficando essa parcela da receita

em uma espeacutecie de limbo ofendendo-se assim a previsatildeo jaacute visto no art 9deg da LRF424

Para se ter uma ideia dentre os Programas de Trabalho da Uniatildeo previstos na LOA de

2005 cerca de trinta e seis programas ou natildeo foram sequer executados ou tiveram dotaccedilatildeo

inicialmente autorizada inferior a 10 do inicialmente (dentre eles programa de saneamento

ambiental urbano425

e de atenccedilatildeo integral agrave sauacutede da mulher) configurando o que Eacutelida

Graziane Pinto denomina de ldquofrustraccedilatildeo reiterada de agendas orccedilamentaacuterias discutidas

aprovadas em lei mas apenas minimamente executadasrdquo426

A grande parte desses recursos contingenciados satildeo utilizados para assegurar as metas

de superaacutevit primaacuterio e acordos firmados para pagamento da diacutevida puacuteblica vislumbrando-se

desta maneira que o governo federal acaba adotando o contingenciamento como um

mecanismo de poliacutetica econocircmica a partir da priorizaccedilatildeo do pagamento de juros e

amortizaccedilotildees de diacutevidas em detrimento do cumprimento de programas que garantem a

realizaccedilatildeo de inuacutemeros direitos fundamentais

Corroborando com essa visatildeo o Instituto de estudos soacutecio-econocircmicos (INESC)427

em

estudo sobre o tema posicionou-se no sentido de que

() essa necessidade de geraccedilatildeo de superaacutevits primaacuterios maiores ateacute do que

os especificados na LDO e a priorizaccedilatildeo de pagamento de juros da diacutevida em

detrimento da execuccedilatildeo das poliacuteticas sociais tecircm levado o governo a adotar o

contingenciamento preventivo

() as consequecircncias desse contingenciamento preventivo foram observadas

no ano de 2003 quando foram executados R$ 1202 bilhotildees em 19 dias e

em 2004 quando foram executados R$ 900 bilhotildees em apenas 15 dias

sempre no final do exerciacutecio fiscal Todo comeccedilo de ano haacute interrupccedilatildeo na

execuccedilatildeo das poliacuteticas para nos uacuteltimos dias do mecircs de dezembro haver

liberaccedilotildees exorbitantes de recursos

424

MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de

poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 381 425

Sobre essa situaccedilatildeo Eduardo Mendonccedila pontua que ldquo o saneamento baacutesico eacute uma necessidade primaacuteria de

sauacutede puacuteblica mas ainda natildeo eacute fornecido agrave parte consideraacutevel das residecircncias brasileiras Nada obstante o

programa correspondente do Ministeacuterio da Sauacutede foi reduzido em cerca de 21 (corte superior a 882 milhotildees de

reais) MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de

poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 383 426

PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo

e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 7 427

Nota Teacutecnica nordm 98 do INESC ndash Contingenciamento necessidade tributaacuteria ou instrumento da poliacutetica

econocircmica 2011 Disponiacutevel em httpwwwinescorgbrbibliotecapublicacoesnotas-tecnicasnts-

anterioresnts-2005NT209820-2020OR_AMENTO20-20CONTIGENCIAMENTOpdfview

Acessado em 12062013

191

A praacutetica do contingenciamento preventivo acaba negando o que faticamente foi

projetado para o orccedilamento como finalidade prioritaacuteria a ser concretizada redesenhando o

orccedilamento puacuteblico jaacute que inexiste motivaccedilatildeo quanto agrave frustraccedilatildeo de receitas e o risco de

afetaccedilatildeo das metas de resultado nominal e primaacuterio conforme o art 9deg da LRF Como

consequecircncias negativas dessa praacutetica podem ser destacadas o prejuiacutezo para a continuidade

das poliacuteticas puacuteblicas a reduccedilatildeo da transparecircncia e a dificuldade se realizar o controle social

desses gastos428

Em suma defende-se que a praacutetica do contingenciamento preventivo eacute

inconstitucional uma vez que acaba possibilitando que a programaccedilatildeo orccedilamentaacuteria prevista

na LOA seja reprojetada desvirtuando as prioridades delineadas na CF seguidas na

elaboraccedilatildeo do orccedilamento Faz-se necessaacuterio portanto mecanismos eficientes de controle do

desenvolvimento do ciclo orccedilamentaacuterio429

especialmente quanto a possibilidade encampada

no art 9deg LRF de modo a garantir que a discricionariedade necessaacuteria do Poder Puacuteblico no

desenrolar orccedilamentaacuterio natildeo se transforme em arbitrariedade e abusos subversivos da loacutegica

do ciclo orccedilamentaacuterio430

Dito isto entra-se na discussatildeo acerca do controle de constitucionalidade da lei

orccedilamentaacuteria bem como na possibilidade de o Judiciaacuterio controlar e garantir o fiel

cumprimento do orccedilamento e sua adequaccedilatildeo agraves prioridades constitucionais Quanto a

possibilidade de controle de constitucionalidade o STF durante muito tempo encampou a

428

Corroborando Eduardo Mendonccedila expotildee que ldquonatildeo por acaso todos os anos eacute noticiado que o Poder

Executivo decide rever as metas para maior agrave custa do corte nos investimentos previstos Tambeacutem aqui se

verifica a superaccedilatildeo da decisatildeo orccedilamentaacuteria inicial e de forma ainda mais grave (uma autecircntica decisatildeo de natildeo

gastar) As prioridades definidas no processo deliberativo orccedilamentaacuterio ndash que jaacute levara em conta a questatildeo das

metas fiscais ndash satildeo redesenhadas por ato unilateral da Administraccedilatildeo MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de

gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e

TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre

Livraria do Advogado 2010 p 377-378 429

Nessa questatildeo Ricardo Lobo Torres sugere a importaccedilatildeo de certos institutos do direito estrangeiro ao afirmar

por exemplo que ldquoainda falta no direito positivo brasileiro instrumento semelhante ao do mandado de injunccedilatildeo

americano que permita ao Judiciaacuterio vincular o Legislativo na feitura do orccedilamento do ano seguinte em

homenagem a direitos fundamentais sociais (miacutenimo existencial) que necessitam do controle jurisdicional

contramajoritaacuterio tiacutepico dos direito essencialmente constitucionaisrdquo TORRES Ricardo Lobo O miacutenimo

existencial os direitos sociais e os desafios de natureza orccedilamentaacuteria In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM

Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010 p 76 430

Nesse sentido Eduardo Mendonccedila pondera que ldquoum orccedilamento realista e efetivo seraacute antes de tudo um

instrumento de concretizaccedilatildeo e harmonizaccedilatildeo das escolhas poliacuteticas aleacutem de constituir foacuterum privilegiado para a

fiscalizaccedilatildeo social do Estado () Natildeo eacute preciso subordinar a poliacutetica ao direito para reconhecer que a liberdade

de conformaccedilatildeo dos agentes eleitos natildeo se estende ao ponto de lhes conceder a prerrogativa de tomar decisotildees

absolutamente irrealizaacuteveis incoerentes entre si ou mesmo de ocultar as decisotildees reais por meio de um sistema

orccedilamentaacuterio incompreensiacutevel e iloacutegicordquo MENDONCcedilA Eduardo Alguns Pressupostos para um Orccedilamento

Puacuteblico Conforme a Constituiccedilatildeo In BARROSO Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito

puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 640-641

192

orientaccedilatildeo de que como as leis orccedilamentaacuterias seriam lei apenas em sentido formal natildeo seria

possiacutevel o controle abstrato de suas constitucionalidades431

Contudo desde 2003432

foram dados alguns passos em sentido inverso vindo a mudar

a orientaccedilatildeo da Corte em 2008433

quando o STF concluiu pelo cabimento do controle abstrato

de constitucionalidade em relaccedilatildeo agraves leis orccedilamentaacuterias em que pese seu aspecto meramente

formal principalmente quanto a questatildeo da abertura de creacuteditos extraordinaacuterios por medidas

provisoacuterias que deveriam ficar restritos somente agraves hipoacuteteses autorizadas no sect 3deg do art 167

da CF434

A defesa aqui proposta eacute pela inevitabilidade do controle de constitucionalidade da

legislaccedilatildeo orccedilamentaacuteria em decorrecircncia da proacutepria forccedila imperativa da Constituiccedilatildeo visando a

que natildeo somente suas determinaccedilotildees referentes agraves diretrizes orccedilamentaacuterias mas tambeacutem ao

princiacutepio da eficiecircncia agrave dignidade da pessoa humana e agrave priorizaccedilatildeo dos direitos

fundamentais sejam fielmente seguidas e que a estruturaccedilatildeo tanto da elaboraccedilatildeo quanto da

execuccedilatildeo do orccedilamento fique livre das mazelas (como eacute o caso do corte de verbas em aacutereas

prioritaacuterias frente ao contingenciamento preventivo) que acabam subvertendo os valores

acima dificultando a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais especialmente o direito agrave

sauacutede435

Reforccedilando essa necessidade de controle Ana Paula de Barcellos alerta para o

interessante fato de que enquanto haacute uma acentuada preocupaccedilatildeo em limitar o iacutempeto

arrecadatoacuterio do Estado natildeo existe uma atenccedilatildeo equivalente com o que o Estado faraacute com os

recursos arrecadados destacando-se a seguinte passagem436

431

ADI 2057MC - AP 1999 Rel Min Mauriacutecio Correcirca Publicado em 31032000 p 50 432

ADI 2925- DF 2003 Rel Min Ellen Gracie Publicado em 04032005 p 10 433

ADI 4048 MC - DF 2008 Rel Min Gilmar Mendes Publicado em 21082008 p 55 434

Conforme se extrai do Informativo ndeg 502 do STF ao mencionar a ADI 4048 MCndashDF pode ser destacada a

seguinte passagem ldquo() Aduziu-se ademais natildeo haver razotildees de iacutendole loacutegica ou juriacutedica contra a afericcedilatildeo da

legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas e que estudos e anaacutelises no plano da teoria do

direito apontariam a possibilidade tanto de se formular uma lei de efeito concreto de forma geneacuterica e abstrata

quanto de se apresentar como lei de efeito concreto regulaccedilatildeo abrangente de um complexo mais ou menos amplo

de situaccedilotildees Concluiu-se que em razatildeo disso o Supremo natildeo teria andado bem ao reputar as leis de efeito

concreto como inidocircneas para o controle abstrato de normas ()rdquo (Grifos acrescidos) 435

No que se refere agrave possibilidade de controle concentrado do orccedilamento de se destacar as liccedilotildees de Harrison

Leite no sentido de que ldquoindependente da feiccedilatildeo que queira dar ao orccedilamento o certo eacute que a Constituiccedilatildeo

reconheceu o seu caraacuteter legal dotando-lhe de um ciclo legislativo especial E mais submeteu a sua mateacuteria a

controle jurisdicional na medida em que claramente previu regras de alocaccedilatildeo de recursos vinculantes aos

fautores da lei que natildeo tecircm argumentos para se desobrigarem do mandamento constitucionalrdquo LEITE Harrison

Ferreira O orccedilamento e a possibilidade de controle de Constitucionalidade Revista Tributaacuteria e de Financcedilas

Puacuteblicas v 70 p 162-185 2006 p 172 436

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 16

193

A realidade das despesas puacuteblicas entretanto deveria despertar interesse

semelhante desperdiacutecio e ineficiecircncia prioridades incompatiacuteveis com a

Constituiccedilatildeo precariedade de serviccedilos indispensaacuteveis agrave promoccedilatildeo de

direitos fundamentais baacutesicos como educaccedilatildeo e sauacutede e sua convivecircncia

com vultosos gastos em rubricas como publicidade governamental e

comunicaccedilatildeo social natildeo satildeo propriamente fenocircmenos pontuais e isolados na

Administraccedilatildeo Puacuteblica brasileira (Grifos acrescidos)

O raciociacutenio desta maneira eacute no sentido de que a ideia de legalidade orccedilamentaacuteria natildeo

deve ser encarada como um fim em si mesmo como se fosse um dogma absoluto jaacute que sofre

limitaccedilotildees constitucionais e cede agrave efetividade da Constituiccedilatildeo devendo o orccedilamento assim

natildeo soacute respeitar as regras constitucionais e legais quanto a sua elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo como

tambeacutem guardar similitude com o compromisso do Poder Puacuteblico na concretizaccedilatildeo dos

direitos fundamentais

Nesse sentido haacute uma premente necessidade de se repensar a teoria juriacutedica que

prevalece ateacute hoje no paiacutes acerca do orccedilamento de modo a ser mais recorrente e enfaacutetico o seu

controle com vistas a que sejam cumpridas as metas prioritaacuterias inseridas na Constituiccedilatildeo em

detrimento a situaccedilotildees menos relevantes Sobre este ponto merece destaque a liccedilatildeo de Tecircmis

Limberger437

Passaram-se quase 20 anos para que comeccedilasse a se amadurecer no sentido

de que os direitos sociais fossem relacionados com os dispositivos

orccedilamentaacuterios Eacute o que Canotilho e Moreira denominam de ldquoConstituiccedilatildeo

orccedilamentalrdquo As medidas de gestatildeo orccedilamentaacuteria satildeo importantes quando se

pretende a realizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos Questotildees vitais como sauacutede

educaccedilatildeo seguranccedila e moradia reclamam para sua implementaccedilatildeo

dispecircndios por parte do poder puacuteblico que precisa contar com disposiccedilotildees

orccedilamentaacuterias

623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Quanto agrave questatildeo do controle orccedilamentaacuterio Ana Paula de Barcellos contribui para a

temaacutetica com a apresentaccedilatildeo de alguns paracircmetros relevantes438

O primeiro paracircmetro baacutesico

no controle judicial dos orccedilamentos eacute a fiscalizaccedilatildeo acerca do respeito aos percentuais

miacutenimos de gastos que a CF estabelece para aacutereas prioritaacuterias como eacute o caso da sauacutede sendo

essencial o amplo acesso a informaccedilotildees do ciclo orccedilamentaacuterio o exemplar rigor na aplicaccedilatildeo

437

LIMBERGER Tecircmis Direito agrave sauacutede e poliacuteticas puacuteblicas a necessidade de criteacuterios judiciais a partir dos

preceitos constitucionais In Revista de Direito Administrativo v 251 FGV Rio de Janeiro maiago 2009

p 182 438

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 19-25

194

das consequecircncias quanto o eventual descumprimento dos mesmos bem como a efetivaccedilatildeo do

respeito desses percentuais a partir da realocaccedilatildeo de valores direcionados para aacutereas menos

prioritaacuterias

Em segundo lugar destaca-se a necessidade de se consolidar a partir do texto da CF

um esqueleto do resultado final esperado da atuaccedilatildeo estatal a partir da extraccedilatildeo de efeitos

especiacuteficos que funcionariam como metas concretas a serem atingidas em caraacuteter prioritaacuterio

pelo Pode Puacuteblico ficando outros gastos menos importantes ou natildeo importantes agrave espera do

cumprimento das prioridades

Finalmente aponta para a necessidade de existir um controle da proacutepria definiccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas a serem realizadas ou seja dos meios e instrumentos usados para se

concretizar as metas constitucionais e nesse ponto o princiacutepio da eficiecircncia439

assume papel

relevante como paracircmetro chave de tal controle de modo a respaldar o afastamento de

praacuteticas comprovadamente ineficientes as quais atrapalham a fruiccedilatildeo dos direitos

fundamentais pela sociedade

Importante ressaltar tambeacutem a utilizaccedilatildeo de accedilotildees coletivas com a finalidade de

concretamente acabar empreendendo o controle de constitucionalidade da execuccedilatildeo

orccedilamentaacuteria exigindo o cumprimento da mesma conforme as regras constitucionais Nesse

sentido Cleacutemerson Merlin Cleacuteve aponta que440

Desse modo tratar-se-ia de compelir o Poder Puacuteblico a cumprir a lei

orccedilamentaacuteria que contenha as dotaccedilotildees necessaacuterias (evitando assim os

remanejamentos de recursos para outras finalidades) assim como de obrigar

o Estado a prever na lei orccedilamentaacuteria os recursos necessaacuterios para de forma

progressiva realizar os direitos sociais E aqui eacute preciso desmistificar a ideia

de que o orccedilamento eacute meramente autorizativo Se o orccedilamento eacute programa

sendo programa natildeo pode ser autorizativo O orccedilamento eacute lei que precisa ser

cumprida pelo Executivo

A possibilidade supracitada se concretiza sobretudo mediante o importante papel

desempenhado pelo Ministeacuterio Puacuteblico que atento agrave efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em todos os

seus niacuteveis deve buscar judicialmente tambeacutem o controle concreto do ciclo orccedilamentaacuterio

atraveacutes do importante instrumento da accedilatildeo civil puacuteblica

439

Sobre a importacircncia do princiacutepio da eficiecircncia e o controle da discricionariedade na Administraccedilatildeo Puacuteblica

conferir MORAES Alexandre Princiacutepio da eficiecircncia e a evoluccedilatildeo do controle jurisdicional dos atos

administrativos discricionaacuterios In LEITE George Salomatildeo SARLET Ingo Wolfgang Direitos Fundamentais

e Estado Constitucional Estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho Satildeo Paulo Editora Revista dos

Tribunais Coimbra Coimbra Editora 2009 p 417 440

CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais In Revista da

Academia Brasileira de Direito Constitucional v 3 Curitiba 2003 p 299

195

Exemplo interessante dessa atuaccedilatildeo aconteceu no Rio Grande do Norte quando o

Ministeacuterio Puacuteblico daquele Estado ao constatar ausecircncia do repasse de valores para o Fundo

Estadual da Sauacutede previstos no orccedilamento da sauacutede do ano de 2008 bem como

contingenciamento de valores da sauacutede para reserva teacutecnica pleiteou por meio de ACP que

tal situaccedilatildeo fosse revertida com o consequente repasse e o descontingenciamento dos valores

da sauacutede

Ao empreender o exame da referida ACP o Judiciaacuterio levou em conta a jurisprudecircncia

do STF e chamou atenccedilatildeo quanto ao caos da sauacutede puacuteblica no referido estado para apesar de

reconhecer a perda do objeto da accedilatildeo determinar cautelarmente que o Poder Puacuteblico a partir

daquele momento natildeo realizasse qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias

direcionadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem a preacutevia aprovaccedilatildeo do Conselho Estadual de

Sauacutede o que reforccedila o papel desses oacutergatildeos jaacute trabalhado anteriormente estipulando multa em

caso de descumprimento

Alguns trechos relevantes da presente decisatildeo441

merecem ser transcritos

Natildeo obstante a formulaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas dependam de

opccedilotildees poliacuteticas a cargo daqueles que por delegaccedilatildeo popular receberam

investidura em mandato eletivo cumpre reconhecer que natildeo se revela

absoluta nesse domiacutenio a liberdade de liberdade de conformaccedilatildeo do

legislador nem a de atuaccedilatildeo do Poder Executivo A par das consideraccedilotildees

acima considerando o poder geral de cautela deferido ao juiz pelo art 798

do Coacutedigo de Processo Civil e A) agrave evidecircncia da ampla documentaccedilatildeo

acostada a qual demonstra que natildeo soacute em 2008 mas tambeacutem em 2009 e

2010 ocorreram contingenciamentos de verbas do orccedilamento da sauacutede

bem como os repasses a conta-gotas das verbas orccedilamentaacuterias da Sauacutede as

quais ultima ratio tolheram (e tolhem) a efetiva aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

orccedilamentaacuteria dos recursos vinculados a accedilotildees e serviccedilo de sauacutede B) que

com tal conduta a Administraccedilatildeo tem descumprido os preceitos do art 198

I e II da Constituiccedilatildeo art 77 da ADCT com redaccedilatildeo dada pela Emenda

292000 e ainda escamoteia a interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos art 33 e

34 da Lei 808090 C) que aleacutem de notoacuterio conforme diuturnamente

veiculado na imprensa o caos na sauacutede puacuteblica estadual resta evidenciada

pela prova documental a situaccedilatildeo emergencial de desabastecimento dos

hospitais da rede estadual Por tudo isto entendo ser hipoacutetese de

intervenccedilatildeo excepcional do Judiciaacuterio no trato e execuccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede () CAUTELARMENTE determino ao Estado do RN

em especial ao Sr Secretaacuterio Estadual de Planejamento que doravante 1deg)

NAtildeO PROCEDA qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias

destinadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem preacutevia anuecircncia escrita do

Conselho Estadual de Sauacutede deliberada pelo respectivo colegiado sob pena

de multa no valor de R$ 5000000 (cinquenta mil reais) aplicada

pessoalmente contra o Secretaacuterio de Planejamento por cada

contingenciamento que ocorra em desobediecircncia a presente decisatildeo 2)

441

ACP ndeg 0035742-762008200001 Juiz de Direito Airton Pinheiro 5deg Vara da Fazenda Puacuteblica de Natal-RN

Publicado em 07022011

196

que o Sr Secretaacuterio de Planejamento ateacute o 20 dia do mecircs subsequente a

cada mecircs vencido PROCEDA em favor do Fundo Estadual da Sauacutede o

repasse integral das verbas orccedilamentaacuterias vinculadas agraves accedilotildees e serviccedilos de

Sauacutede em valor natildeo inferior ao equivalente a 112 (um doze avos) do

orccedilamento previsto para a pasta da Sauacuted ()rdquo (Grifos acrescidos)

Corroborando com a demonstraccedilatildeo da repercussatildeo negativa que os analisados

problemas orccedilamentaacuterios acarretam ao direito agrave sauacutede tem-se que no contexto brasileiro natildeo

satildeo raros os casos em que cortes no orccedilamento puacuteblico terminam prejudicando diretamente o

andamento de poliacuteticas puacuteblicas ligadas a esse prioritaacuterio direito fundamental Reforccedilando o

ponto de vista jaacute afirmado natildeo se pode admitir que o respeito aos percentuais miacutenimos

estabelecidos na CF seja por si soacute suficiente para que o Estado se desvincule do seu perene

dever de garantir a sauacutede sendo inafastaacutevel a conclusatildeo de que a praacutetica de cortes de gastos

direcionados agrave sauacutede ainda que se continue respeitando o miacutenimo de aporte financeiro

estabelecido constitucionalmente eacute flagrantemente inconstitucional ainda mais quando os

valores satildeo direcionados para aacutereas natildeo prioritaacuterias

No ano de 2012 por exemplo houve um corte de R$ 55 bilhotildees no orccedilamento geral da

Uniatildeo que acarretou no contingenciamento de recursos do Ministeacuterio da Sauacutede (na casa de R$

54 bilhotildees) Tal situaccedilatildeo gerou indignaccedilatildeo do Conselho Nacional de Sauacutede que teceu fortes

criacuteticas ao governo em carta aberta agrave presidenta Dilma Roussef destacando-se os seguintes

trechos442

A equipe econocircmica do governo federal propotildee agora um

contingenciamento da ordem de R$ 54 bilhotildees no jaacute restrito orccedilamento do

Ministeacuterio da Sauacutede O mais curioso eacute o argumento de que o

contingenciamento visa a favorecer o crescimento econocircmico do paiacutes Ora a

sauacutede eacute um importante setor econocircmico representando cerca de 9 do PIB

[Produto Interno Bruto] e muito tem contribuiacutedo para o desenvolvimento

nacional ao movimentar um potente mercado de bens e serviccedilos e a

assegurar milhotildees de empregos

() O que mais provoca indignaccedilatildeo na proposiccedilatildeo do contingenciamento

dos recursos da sauacutede eacute a verificaccedilatildeo de que a LOA 2012 [Lei

Orccedilamentaacuteria Anual] prevecirc destinar R$ 655 bilhotildees ou 30 do Orccedilamento

federal de 2012 ao refinanciamento e ao pagamento de juros e amortizaccedilotildees

da diacutevida puacuteblica mais de nove vezes o valor previsto para a sauacutede (Grifos

acrescidos)

Frente a todo o exposto conclui-se que a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio e a partir da

provocaccedilatildeo sobretudo do Ministeacuterio Puacuteblico eacute muito importante em todas as fases das accedilotildees

estatais trilhadas para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e estaacute calcada na busca pelo

442

O referido documento pode ser conferido na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico

httpconselhosaudegovbrultimas_noticias2012docs17_fev_ASSEGURAR_RECURSOS_LOA_20PARA

_SAUDEpdf

197

respeito agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e aos valores por ela norteados o que termina superando

qualquer argumento contraacuterio ligado agrave separaccedilatildeo dos poderes ou ao respeito da estrita

legalidade orccedilamentaacuteria443

Ocorre que o Judiciaacuterio natildeo deve ser sobrecarregado como a uacutenica esperanccedila possiacutevel

para o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede devendo ser criadas condiccedilotildees para um

efetivo controle social e nesse ponto complementando o jaacute relevante papel dos Conselhos de

Sauacutede podem ser destacadas medidas como o orccedilamento participativo e a atuaccedilatildeo direta da

populaccedilatildeo por meio de manifestaccedilotildees populares e ateacute mesmo atraveacutes da iniciativa popular na

busca pela melhor garantia do direito agrave sauacutede444

Em linhas gerais os orccedilamentos participativos satildeo modelos em que a proacutepria

comunidade participa conjuntamente com o pode puacuteblico na elaboraccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio

e as experiecircncias brasileiras (as quais satildeo restritas ao acircmbito municipal) apesar de denotarem

certa ausecircncia de uniformidade na formataccedilatildeo de tais processos apontam para benefiacutecios

relevantes para a eficiecircncia e cumprimento da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria445

O principal exemplo ocorreu em Porto Alegre onde desde 1989 implementou-se o

orccedilamento participativo possibilitando um amplo acesso da populaccedilatildeo agrave tomada de decisotildees

orccedilamentaacuterias que geraram novas prioridades agrave gestatildeo de recursos da cidade constatando-se

443

Nesse sentido aponta Marcelo Harger que ldquoas metas valores e procedimentos devem ser concomitantemente

observados para que uma poliacutetica puacuteblica possa ser considerada constitucional Natildeo se pode com o objetivo de

assegurar o desenvolvimento nacional ofender a dignidade da pessoa humana ou acabar com o pluralismo

poliacuteticordquo HARGER Marcelo Os princiacutepios constitucionais e o controle das poliacuteticas puacuteblicas pelo Poder

Judiciaacuterio In CRUZ Paulo Maacutercio GOMES Rogeacuterio Zuel (coords) Princiacutepios Constitucionais e Direitos

Fundamentais Curitiba Juruaacute 2008 p 136 444

Para Eduardo Mendonccedila ldquoa modificaccedilatildeo desse sistema jaacute produziria consideraacutevel avanccedilo institucional

inclusive elevando o niacutevel da discussatildeo poliacutetica travada no paiacutes Um sistema orccedilamentaacuterio racional e

verdadeiramente transparente seria um instrumento a serviccedilo dos trecircs Poderes notadamente do Legislativo e do

Executivo encarregados das decisotildees discricionaacuterias O proacuteprio Judiciaacuterio teria agrave disposiccedilatildeo um diagnoacutestico

mais preciso das poliacuteticas puacuteblicas Mem curso que poderaacute recomendar um maior ou menor ativismo

Adicionalmente o controle social ficaria potencializado uma vez que um conjunto importante de decisotildees

poliacuteticas ganharia concreccedilatildeo ao ingressar no orccedilamento MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao

dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM

Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010 p 380 445

Contribuindo para essa visatildeo pode ser destacado o seguinte trecho esposado pela 4deg Cacircmara Ciacutevel do TJPR

relatoria do Des Abraham Lincoln Calixto no julgamento do Mandado de Seguranccedila ndeg 476084-9 em

24 06 08 ldquo() III Se por um lado eacute correto reconhecer que o dinheiro puacuteblico eacute limitado e deve ser gasto de

forma adequada e racionalizada por outro tambeacutem eacute certo dizer que a razatildeo de ser do Estado eacute atender os

direitos fundamentais do Homem de forma a resguardar-lhe um miacutenimo de dignidade IV O Estado tem o dever

de proteger e garantir um miacutenimo existencial agrave populaccedilatildeo devendo adotar mecanismos de gestatildeo democraacutetica

do orccedilamento puacuteblico como forma de assegurar os direitos fundamentais como a sauacutede e a proacutepria vidardquo

(Grifos acrescidos)

198

melhorias no acesso a aacutegua potaacutevel no sistema de esgoto e no nuacutemero de matriacuteculas de

crianccedilas nas escolas446

Ocorre que apesar de significar um importante mecanismo de revitalizaccedilatildeo da

cidadania e construccedilatildeo de uma esfera puacuteblica no Brasil o exame da realidade conjuntural da

totalidade das experiecircncias de orccedilamento participativo demonstra que grande parte dos

problemas estruturais encontrados no acircmbito dos Conselhos de Sauacutede satildeo aqui repetidos jaacute

que o sucesso dessa gestatildeo participativa no orccedilamento depende exatamente do niacutevel de poder

que eacute compartilhado para a populaccedilatildeo o que nem sempre atinge os niacuteveis ideais para uma

necessaacuteria mudanccedila447

Devem ser buscadas portanto medidas concretas que venham a potencializar o uso do

instrumento do orccedilamento participativo448

e a consequente construccedilatildeo de espaccedilos

deliberativos a comeccedilar pela regulamentaccedilatildeo e uniformizaccedilatildeo do mesmo como procedimento

obrigatoacuterio no ciclo orccedilamentaacuterio em acircmbito local em todo paiacutes bem como pela previsatildeo de

intercacircmbios institucionais de tais espaccedilos com os Conselhos de Sauacutede visando a melhor

compatibilizaccedilatildeo do orccedilamento local com as prioridades inerentes agrave sauacutede puacuteblica da regiatildeo

Da mesma maneira vislumbra-se no contexto hodierno brasileiro um positivo quadro

de crescente participaccedilatildeo popular atraveacutes de manifestaccedilotildees que oxigenando a democracia

representativa449

tendem a pressionar o Poder Puacuteblico por mudanccedilas em prol da

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mais imprescindiacuteveis e acabam norteando a

populaccedilatildeo para sua importante funccedilatildeo no manejo de proposiccedilotildees legislativas Tais

consequecircncias com relaccedilatildeo agrave sauacutede pocircde ter sido vislumbrada por exemplo pela

aceleraccedilatildeo450

da aprovaccedilatildeo de programas do Governo Federal (como eacute o caso do ldquoMais

446

KLIKSBERG Bernardo Como por em praacutetica a participaccedilatildeo Algumas questotildees estrateacutegicas In Gestatildeo

puacuteblica e participaccedilatildeo Salvador Fundaccedilatildeo Luiacutes Eduardo Magalhatildees 2005 p 74 447

AZEVEDO FERES Anaximandro Lourenccedilo REISSINGER Simone amp ARAUacuteJO Marinella Machado

Conselhos Municipais de Sauacutede e a construccedilatildeo dialoacutegica do orccedilamento puacuteblico p 14 Disponiacutevel em

httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaiscamposanaximandro_simone_marinella_araujopdf Acesso

em 21062013 448

Euzineia Carlos destaca que ldquo() a natildeo partilha do processo decisoacuterio entre o poder puacuteblico e cidadatildeo

interessado confere ao orccedilamento participativo uma descaracterizaccedilatildeo de seu potencial sentido poliacutetico e

emancipador consubstanciando-se em um vazio comunicacional dado pela inexistecircncia de interaccedilotildees sociais

cooperativas na formaccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo coletiva e na definiccedilatildeo do bem puacuteblicordquo CARLOS Euzineia

Orccedilamento participativo em Vitoacuteria sob o signo de diferentes visotildees ideoloacutegico-normativas In Participaccedilatildeo

Social na Gestatildeo Puacuteblica Olhares sobre as Experiecircncias de Vitoacuteria-ES Marta Zorzal e Silva (org) Satildeo

Paulo Annablume 2009 p 230 449

MARTINS Leonardo Manifestaccedilotildees populares entre normalidade democraacutetica e insurreiccedilatildeo

Disponiacutevel em httpwwwcartaforensecombrconteudoartigosmanifestacoes-populares-entre-normalidade-

democratica-e-insurreicao11502 Acessado em 03072013 450

Corroborando conferir a presente notiacutecia httpglobotvglobocomrede-globojornal-nacionalvcongresso-

nacional-acelera-votacao-de-projetos-cobrados-por-manifestacoes2657714 Acessado em 27062013

199

Meacutedicosrdquo451

) pelo anuacutencio de uma seacuterie de investimentos para a situaccedilatildeo da sauacutede municipal

bem como destinaccedilatildeo de recursos dos royalties do petroacuteleo para a sauacutede e educaccedilatildeo452

e

finalmente pela potencializaccedilatildeo gerada no andamento de programas de iniciativa popular

como eacute o caso do Movimento Sauacutede + 10 jaacute tratado anteriormente

Constata-se assim que para se alcanccedilar uma maior concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute

primordial a implementaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo conjunto ndash que abranja desde o controle da

elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico ateacute a avaliaccedilatildeo do cumprimento das metas das

poliacuteticas puacuteblicas que reflita o exato grau de priorizaccedilatildeo constitucional conferido este

relevante bem ndash em que o Judiciaacuterio atua auxiliado tanto pela provocaccedilatildeo do Ministeacuterio

Puacuteblico especialmente na acepccedilatildeo coletiva como principalmente pela atuaccedilatildeo da

populaccedilatildeo453

que de forma organizada deve buscar as mudanccedilas necessaacuterias pelos meios

juridicamente cabiacuteveis a partir de uma ampla participaccedilatildeo

451

Aprovado pela Medida Provisoacuteria nordm 621 de 8 de Julho de 2013 452

Nesse sentido conferir httpwwwestadaocombrnoticiasvidaedilma-diz-que-investira-r-55-bi-para-

ampliar-infraestrutura-do-sus10519850htm e httpwwwestadaocombrnoticiasnacionaldilma-aceita-

divisao-de-royalties-entre-educacao-e-saude10495370htm Acessados em 05072013 453

Reforccedila essa ideia a observaccedilatildeo de Paulo Bonavides de que ldquo() na escalada da legitimidade constitucional

o seacuteculo XIX foi o seacuteculo do legislador o seacuteculo XX o seacuteculo do juiz e da justiccedila constitucional universalizada

enquanto o seacuteculo XXI estaacute fadado a ser o seacuteculo do cidadatildeo governante do cidadatildeo povo do cidadatildeo soberano

do cidadatildeo sujeito de direito internacional conforme jaacute consta da jurisprudecircncia do direito das gentes Ou ainda

do cidadatildeo titular de direitos fundamentais de todas as dimensotildees seacuteculo por fim que haacute de presenciar nos

ordenamentos poliacuteticos do Terceiro Mundo o ocaso do atual modelo de representaccedilatildeo e de partidos Eacute o fim que

aguarda as formas representativas decadentes Mas eacute tambeacutem a alvorada que faz nascer o sol da democracia

participativa nas regiotildees da periferiardquo BONAVIDES Paulo Constitucionalismo social e democracia

participativa In Congresso Internacional de Derecho Constitucional do Instituto de Investigaciones

Juridicas ndashUNAM p 17 Disponiacutevel em httpwwwjuridicasunammxsisjurconstitpdf6-234spdf

Acessado em 15062012

200

7 CONCLUSAtildeO

Somente com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede recebeu tratamento de

direito fundamental social fato alcanccedilado sobretudo pelo importante papel do Movimento

em favor da Reforma Sanitaacuteria nascente durante o processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e

consequente superaccedilatildeo do regime militar

A acolhida do direito agrave sauacutede no seio constitucional como autecircntico direito

fundamental natildeo significou contudo apenas uma previsatildeo meramente formal mas sim

denotou a ascendecircncia do mesmo como uma das prioridades sociais do Estado Constitucional

Democraacutetico que estava nascendo

Tal priorizaccedilatildeo eacute expressa por uma seacuterie de fatores Em primeiro lugar a estruturaccedilatildeo

do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio tem o condatildeo de qualificaacute-lo como um autecircntico

direito de cidadania e direito humano de caraacuteter polifaceacutetico jaacute que caminha pelas trecircs

chamadas ldquodimensotildees de direitos fundamentaisrdquo sendo a um soacute tempo alicerce chave do

direito agrave vida direito social e de fruiccedilatildeo transindividual

Da mesma maneira o direito agrave sauacutede pode ser qualificado como um direito

impreteriacutevel quando comparado aos demais direitos sociais pois sua perfeita garantia para

com o cidadatildeo tem o poder natildeo soacute de corrigir um problema cliacutenico no caso concreto mas

tambeacutem invariavelmente proporcionar ao mesmo a aptidatildeo elementar necessaacuteria para o pleno

usufruto dos demais direitos sociais atributo que natildeo eacute enxergado de maneira tatildeo

determinante nos demais direitos arrolados no art 6deg da CF de 1988

Noutro poacutertico diferentemente por exemplo do que ocorre com o tambeacutem relevante

direito agrave educaccedilatildeo (direito social em que para cada indiviacuteduo o Estado encerra seu dever

constitucional ao disponibilizar os trecircs niacuteveis constitucionais de atenccedilatildeo) tem-se que o

comportamento do Poder Puacuteblico na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute marcado por uma situaccedilatildeo

de perene e renovaacutevel deacutebito para com o cidadatildeo jaacute que todas as vezes em que este necessitar

de um serviccedilo de sauacutede inserido numa poliacutetica puacuteblica surge para o Estado o dever de

disponibilizaacute-lo sem caber a alegaccedilatildeo de que o mesmo jaacute se encontra quite com aquele

cidadatildeo

Tais caracteriacutesticas somadas agrave iacutentima ligaccedilatildeo do direito agrave sauacutede com o direito agrave vida agrave

integridade fiacutesica e agrave dignidade da pessoa humana acarretam no destacamento de tal direito

para um primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais situaccedilatildeo que eacute refletida no

tratamento notadamente especial conferido ao mesmo na CF de 1988 marcado dentre outras

caracteriacutesticas pelo expresso direcionamento de parte da receita de impostos para a sauacutede

201

com a estipulaccedilatildeo de percentuais miacutenimos a serem cumpridos pelo enquadramento das accedilotildees

e serviccedilos de sauacutede como sendo de relevacircncia puacuteblica e pela previsatildeo da direta participaccedilatildeo da

comunidade na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ordenadas para o direito em tela

Em que pese este notaacutevel avanccedilo constata-se na conjuntura da adulta CF de 1988 a

realidade do quadro de sauacutede puacuteblica no paiacutes retrata que infelizmente o niacutevel de

concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a este direito natildeo eacute congruente com sua priorizaccedilatildeo

arquitetada constitucionalmente o que denota a necessidade de se corrigir tal desarmonia

Os principais atores nessa tarefa corretiva satildeo sem duacutevida os Poderes Executivo e

Legislativo dos quais se espera que no acircmbito de atribuiccedilotildees de cada um sejam

empreendidas accedilotildees que visem aos ajustes necessaacuterios mediante sobretudo a elaboraccedilatildeo de

leis que aprimorem a estruturaccedilatildeo do SUS e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que

realizem o amparo agrave sauacutede com mais eficiecircncia e transparecircncia

Ocorre que a atuaccedilatildeo exclusiva de tais poderes na funccedilatildeo de agentes corretores do

baixo grau de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede configura-se uma medida insuficiente jaacute que o

problema a ser corrigido eacute gerado justamente pela siacutendrome da ineficiecircncia constatada na

atuaccedilatildeo dos mesmos Daiacute se concluir ser inoacutecuo e conflitante com os ideais de um Estado

Democraacutetico Constitucional simplesmente aguardar de que tais poderes corrijam sozinhos os

recorrentes erros vivenciados no planejamento da sauacutede puacuteblica paacutetria e por eles proacuteprios

ocasionados (erros estes que subvertem os valores constitucionais idealizados para a sauacutede)

Desponta nesse contexto o relevante papel de novos atores na missatildeo de se fazer

valer quanto ao direito agrave sauacutede o previsto natildeo soacute na Constituiccedilatildeo Federal mas tambeacutem na

legislaccedilatildeo sobre o tema (especialmente na intitulada ldquoLei do SUSrdquo) e nos atos infralegais que

especificam a estruturaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas em vigor no paiacutes (sobretudo as diversas

portarias do Ministeacuterio da Sauacutede na temaacutetica)

Este novo cenaacuterio portanto centrado na noccedilatildeo de Jurisdiccedilatildeo Constitucional iacutensita ao

modelo neoconstitucional vigente eacute marcado pelo predomiacutenio da ideia de que a efetivaccedilatildeo

dos direitos fundamentais natildeo se encontra mais restrita exclusivamente agrave atuaccedilatildeo do

Executivo e do Legislativo destacando-se dentre os referidos novos atores o relevante papel

do Poder Judiciaacuterio no acircmbito da sindicabilidade dos direitos fundamentais cujas principais

criacuteticas quanto a sua atuaccedilatildeo satildeo superadas pelo despontamento da acepccedilatildeo material de

democracia e pela releitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes

Nesse raciociacutenio a democracia deixa de ser enxergada como simples sinocircnimo de

aplicaccedilatildeo da regra majoritaacuteria (acepccedilatildeo formal) frente agrave exigecircncia de os poderes constituiacutedos

primordialmente respeitarem e realizarem os direitos fundamentais dos cidadatildeos como forma

202

de alcanccedilar o perfeito funcionamento do processo deliberativo democraacutetico (acepccedilatildeo

material)

A Separaccedilatildeo dos Poderes por sua vez passa a conviver com um controle inerente agrave

noccedilatildeo de ldquofreios e contrapesosrdquo norteado pela centralidade da Constituiccedilatildeo e prevalecircncia dos

direitos fundamentais consistindo portanto em tarefa idocircnea a atuaccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais desde que fundamentada e limitada pela sistemaacutetica

valorativa da CF de 1988 significando desta forma natildeo uma absorccedilatildeo do sistema poliacutetico

pelo juriacutedico mas sim uma legiacutetima limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo com vistas a se fazer

valer os anseios constitucionais

Desta maneira o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas

envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a

accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais sobre o tema

desconfigurem o desenho protetivo de tal direito no ordenamento paacutetrio e terminem o

afrontando

Contudo eacute preciso se ter muito cuidado com a questatildeo da definiccedilatildeo dos limites dessa

atuaccedilatildeo judicial visto que quando esta tarefa eacute realizada de forma desenfreada e indefinida

surgem invariavelmente anacrocircnicos efeitos colaterais que potencialmente tendem a

afrontar ideais de igualdade e seguranccedila juriacutedica destacando-se nesse contexto a importacircncia

de se buscar paracircmetros objetivos aptos a respaldar uma limitaccedilatildeo harmocircnica com a

Constituiccedilatildeo

Nesse iacutenterim a saiacuteda para esta celeuma dentre outras medidas tem como medida

primordial a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede (a ser

buscado preferencialmente mediante demandas coletivas) o qual por envolver um conjunto

de prestaccedilotildees que o Estado natildeo pode se furtar a disponibilizar sob pena de afronta ao

Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana acaba preponderando como regra com relaccedilatildeo ao

argumento estatal da reserva do possiacutevel aleacutem de emprestar maior seguranccedila e uniformidade

aos magistrados na hora de decidir demandas nessa temaacutetica

Por assumirem uma posiccedilatildeo prioritaacuteria no desenho constitucionalmente esboccedilado para

o direito agrave sauacutede podem ser identificados como elementos materiais do miacutenimo existencial

em sauacutede o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva as accedilotildees de

prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas e o saneamento baacutesico

Sob o prisma da coerecircncia loacutegica do sistema uacutenico arquitetado para o direito agrave sauacutede

na CF de 1988 faz-se relevante o acoplamento de um componente instrumental a estes

elementos materiais traduzido no respeito e garantia pelo Poder Puacuteblico da previsatildeo de

203

infraestrutura miacutenima a ser aparelhada para os serviccedilos de sauacutede abarcados nas poliacuteticas por

ele elaboradas englobando pois a necessidade de disponibilizaccedilatildeo do nuacutemero miacutenimo

necessaacuterio de hospitais eficientemente estruturados pessoal qualificado e equipamentos

suficientes para a realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer sob pena de se

mergulhar em um quadro de insinceridade suscetiacutevel de frustrar os cidadatildeos de determinada

localidade

Nesse sentido tem-se que a estruturaccedilatildeo miacutenima do SUS eacute parte integrante basilar do

miacutenimo existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse

ponto baacutesico jaacute que se a proacutepria CF de 1988 delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se

materializa a partir de poliacuteticas que visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos

para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) eacute iloacutegico e incoerente imaginar a

realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede (e especialmente do seu miacutenimo existencial) sem o respeito agrave

miacutenima estruturaccedilatildeo necessaacuteria

Quando as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de

afericcedilatildeo de sua proacutepria eficiecircncia que se baseiam em estimativas e metas acerca do que

minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente apta a atingir seus

objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de

leitos para cada nuacutemero bdquoy‟ de habitantes) que se inclui neste elemento instrumental sendo de

suma relevacircncia o conhecimento e divulgaccedilatildeo das diversas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede

que delimitam as poliacuteticas em sauacutede existentes destacando-se a Portaria MS nordm 11012002

que estabelece os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do SUS os quais

representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias aptas a

orientar os gestores nos trecircs niacuteveis de governo

Defende-se assim que o processo de amadurecimento da judicializaccedilatildeo do direito agrave

sauacutede seja incrustado por uma cultura de se valorizar uma argumentaccedilatildeo juriacutedica que leve em

consideraccedilatildeo a proacutepria estrutura e funcionamento do SUS analisando-se as metas e

paracircmetros estabelecidos nos planos de sauacutede das trecircs esferas federativas de modo a

identificar as possiacuteveis omissotildees estatais com relaccedilatildeo ao que minimamente o Poder Puacuteblico se

prontificou previamente a oferecer com relaccedilatildeo a este importante direito

Nesse sentido faz-se imperiosa uma maior divulgaccedilatildeo dos paracircmetros traccedilados nas

poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede os quais aleacutem de mais facilmente acessiacuteveis devem ser

simplificados no intuito de a noccedilatildeo exata dos mesmos fazer parte do cotidiano tanto da

populaccedilatildeo que poderaacute participar de maneira mais eficiente nas Conferecircncias de Sauacutede e nos

demais canais de deliberaccedilatildeo quanto do Judiciaacuterio que ao enfrentar os complexos pleitos em

204

sauacutede poderaacute com maior tranquilidade fundamentar suas decisotildees a partir de criteacuterios mais

concretos e objetivos

Com efeito destaca-se como medida apta a garantir a consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio

familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede abrangidas no acircmbito da

regulamentaccedilatildeo do SUS a formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar constituiacutedas

tanto por profissionais de sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS

incumbidas de prestar assistecircncia aos magistrados com relaccedilatildeo sobretudo agraves demandas que

envolvem a correccedilatildeo do deacuteficit de leitos hospitalares de medicamentos e de equipe meacutedica

Na mesma linha destaca-se a possibilidade de serem criadas varas especializadas no

julgamento de accedilotildees que envolvam pleitos na aacuterea de sauacutede puacuteblica de modo a proporcionar

uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito fundamental pelo

Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a igualdade de tratamento entre

os usuaacuterios

Ocorre contudo que o Poder Judiciaacuterio natildeo se encontra sozinho na tarefa de garantir a

realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede No que tange agrave participaccedilatildeo popular nessa tarefa destaca-se a

singular funccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como autecircnticos canais para que a sociedade dite o

ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede e materialize a noccedilatildeo de sauacutede como

elemento intriacutenseco agrave democracia concretizando desta forma a diretriz constitucional do

SUS de participaccedilatildeo da comunidade

Sobre este ponto defende-se que a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si

soacute natildeo constitui garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual

somente poderaacute ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados

na organizaccedilatildeo dos Conselhos como eacute o caso da burocratizaccedilatildeo dos procedimentos do

corporativismo da partidarizaccedilatildeo e notadamente da clara falta de representatividade

ocasionada pelo fraco comprometimento do Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos

um niacutevel equitativo de capacidade tanto de elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo agrave

agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem seguidas

Faz-se necessaacuteria portanto a fiscalizaccedilatildeo mais enfaacutetica do Ministeacuterio Puacuteblico com

vistas a buscar judicialmente a garantia e respeito do fiel cumprimento das previsotildees

constantes na Resoluccedilatildeo nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 que tratam

da mateacuteria de modo a ser garantida a eficiecircncia destes importantes espaccedilos e em uacuteltima

instacircncia ser efetivamente observada a diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da

comunidade

205

Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consiste na necessidade de

que o caraacuteter prioritaacuterio e impreteriacutevel desse direito seja observado durante a fase de

elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico

Como a realizaccedilatildeo do vieacutes prestacional do direito agrave sauacutede eacute assegurada pelo montante

de recursos em sua promoccedilatildeo e garantia indubitavelmente o orccedilamento puacuteblico assume um

papel chave em sua concretizaccedilatildeo devendo este portanto natildeo apenas respeitar o aporte de

valores miacutenimos previstos para a sauacutede mas tambeacutem consolidar a priorizaccedilatildeo tracejada na

CF de 1988 com relaccedilatildeo a este direito bem como quanto aos demais direitos fundamentais

Desponta assim a defesa de que a indicaccedilatildeo dos itens incluiacutedos no planejamento

orccedilamentaacuterio (como sauacutede seguranccedila educaccedilatildeo lazer cultura propaganda institucional

serviccedilos da diacutevida dentre outros) deve seguir um escalonamento ao serem rubricados nos

orccedilamentos puacuteblicos que se harmonize e espelhe a priorizaccedilatildeo constitucional dos mesmos

(pode-se falar aqui em Constituiccedilatildeo Orccedilamental) sob pena de subverter a proacutepria vontade

constitucional

Desta maneira a realidade constatada no planejamento de diversos orccedilamentos

puacuteblicos pelo paiacutes em que se vislumbra o direcionamento de verbas para divertimentos

populares manutenccedilatildeo de regalias ultrapassadas para membros do Legislativo diaacuterias de

servidores e propaganda de governo em maior escala do que para aacutereas de gritante prioridade

como sauacutede educaccedilatildeo e seguranccedila puacuteblica consiste em claro aviltamento da dignidade da

pessoa humana e da prevalecircncia dos direitos fundamentais arquitetados na CF de 1988

Inevitaacutevel defender-se portanto que este desvirtuamento ao alccedilar o orccedilamento

puacuteblico agrave condiccedilatildeo de autecircntica arma de faacutecil manuseio apta a subverter as prioridades

constitucionalmente prestigiadas deve ser imediatamente corrigido seja atraveacutes da

modificaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo passando esta a prever expressamente a impossibilidade

de tais situaccedilotildees ou do arcabouccedilo legislativo que dita o ciclo orccedilamentaacuterio no paiacutes

(notadamente a denominada LRF)

Da mesma maneira enxerga-se como de suma relevacircncia o papel do Ministeacuterio

Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo de tais ocasiotildees o qual pela via coletiva pode provocar o Judiciaacuterio a

corrigir tais distorccedilotildees e promover a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido

de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a

destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade

Nessa linha de raciociacutenio frente agrave defendida primazia do direito agrave sauacutede dentre os

direitos sociais o desenvolvimento dessa nova cultura deve ser alicerccedilado na priorizaccedilatildeo

deste impreteriacutevel direito fundamental durante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria de modo

206

a que natildeo apenas os percentuais miacutenimos especificados para tal direito sejam respeitados

mas sim o aparato principioloacutegico que irradia a proteccedilatildeo da sauacutede na CF de 1988 tenha

reflexos anaacutelogos no proacuteprio orccedilamento puacuteblico de modo a evitar que o aporte de recursos

para a sauacutede seja menor que aacutereas menos prioritaacuterias como propaganda puacuteblica diaacuterias de

servidores shows para a populaccedilatildeo etc

Reforccedilando a ideia acima se no plano abstrato essas situaccedilotildees subversoras do

prioritaacuterio posicionamento do direito agrave sauacutede traccedilado na Constituiccedilatildeo geram um sentimento de

revolta agrave coletividade o que dizer agora no plano concreto e individual do cidadatildeo que

aguarda haacute meses um atendimento baacutesico no acircmbito do SUS e eacute surpreendido com uma

propaganda institucional em sua TV que expotildee um quadro de perfeiccedilatildeo da sauacutede puacuteblica

apontando melhorias que o mesmo nunca viu ou usufruiu ou ateacute mesmo com uma

divulgaccedilatildeo da realizaccedilatildeo de um show ou construccedilatildeo de um estaacutedio de futebol a ser ldquobancadordquo

com o dinheiro puacuteblico

A resposta para a indagaccedilatildeo acima natildeo eacute outra senatildeo a de que tal cidadatildeo se sentiraacute

indignado devendo esta sensaccedilatildeo por aviltar natildeo soacute sua dignidade mas tambeacutem a de toda

coletividade ser corrigida com urgecircncia atraveacutes da atribuiccedilatildeo do papel de buacutessola do ciclo

orccedilamentaacuterio agrave Constituiccedilatildeo e do aperfeiccediloamento de praacuteticas democraacuteticas como o

orccedilamento participativo e o maior envolvimento popular na defesa do tema

Desta forma conclui-se que o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que

pese primordialmente depender da tarefa desempenhada pelos Poderes Executivo e

Legislativo necessita frente agrave realidade da sauacutede puacuteblica do paiacutes de um plano de accedilatildeo

conjunto que deve aleacutem de ter como ponto de partida a elaboraccedilatildeo de um orccedilamento puacuteblico

consentacircneo com as prioridades constitucionais contar com a atuaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio

familiarizado com as especificaccedilotildees das poliacuteticas sanitaacuterias vigentes e amparado de um lado

pelo apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na defesa coletiva da sauacutede e de outro pela maior

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo com vistas a fazer valer a integral proteccedilatildeo constitucional

conferida a este singular impreteriacutevel e mais relevante direito social

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_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de

1937)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de

1946)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1967

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988

_______ Decreto nordm 591 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional

sobre Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Promulgaccedilatildeo

_______ Decreto nordm 592 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Poliacuteticos Promulgaccedilatildeo

_______ Decreto nordm 7508 de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei no 8080 de 19 de

setembro de 1990 para dispor sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS o

planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa e daacute outras

providecircncias

_______ Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 Dispotildee sobre as condiccedilotildees para a

promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo e o funcionamento dos serviccedilos

correspondentes e daacute outras providecircncias

_______ Lei nordm 8142 de 28 de dezembro de 1990 Dispotildee sobre a participaccedilatildeo da

comunidade na gestatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e sobre as transferecircncias

intergovernamentais de recursos financeiros na aacuterea da sauacutede e daacute outras providecircncias

221

_______ Lei nordm 12401 de 28 de abril de 2011 Altera a Lei no 8080 de 19 de setembro de

1990 para dispor sobre a assistecircncia terapecircutica e a incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede no

acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS

_______ Lei Complementar nordm 101 de 04 de maio de 2000 Estabelece normas de financcedilas

puacuteblicas voltadas para a responsabilidade na gestatildeo fiscal e daacute outras providecircncias

_______ Lei Complementar nordm 141 de 13 de janeiro de 2012 Regulamenta o sect 3o do art

198 da Constituiccedilatildeo Federal para dispor sobre os valores miacutenimos a serem aplicados

anualmente pela Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos

de sauacutede estabelece os criteacuterios de rateio dos recursos de transferecircncias para a sauacutede e as

normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas 3 (trecircs) esferas de

governo revoga dispositivos das Leis nos 8080 de 19 de setembro de 1990 e 8689 de 27

de julho de 1993 e daacute outras providecircncias

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 533 de 28 de marccedilo de 2012 Estabelece o elenco

de medicamentos e insumos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)

no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 841 de 02 de maio de 2012 Publica a Relaccedilatildeo

Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede (RENASES) no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS) e daacute outras providecircncias

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 2395 de 13 de outubro de 2011 Organiza o

Componente Hospitalar da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do Sistema Uacutenico de

Sauacutede

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 4279 de 30 de dezembro de 2010 Estabelece

diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede no acircmbito do Sistema Uacutenico de

Sauacutede (SUS)

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 399 de 22 de fevereiro de 2006 Divulga o Pacto

pela Sauacutede 2006 ndash Consolidaccedilatildeo do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido

Pacto

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 648 de 28 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica estabelecendo a revisatildeo de diretrizes e normas para a

organizaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica para o Programa Sauacutede da Famiacutelia (PSF) e o Programa

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS)

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 674 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Carta dos

Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede que consolida os direitos e deveres do exerciacutecio da cidadania

na sauacutede em todo o Paiacutes

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 698 de 30 de marccedilo de 2006 Define que o

custeio das accedilotildees de sauacutede eacute de responsabilidade das trecircs esferas de gestatildeo do SUS observado

o disposto na Constituiccedilatildeo Federal e na Lei Orgacircnica do SUS

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 687 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica

de Promoccedilatildeo da Sauacutede

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 1101 de 12 de junho de 2002

222

Siacutetios eletrocircnicos

BIBLIOTECA DIGITAL DA CAcircMARA DOS DEPUTADOS lthttpbdcamaragovbrgt

BIBLIOTECA DIGITAL DE TESES E DISSERTACcedilOtildeES DA USP

lthttpwwwtesesuspbrgt

BIBLIOTECA DIGITAL DO SENADO FEDERAL lt httpwww2senadolegbrbdsfgt

CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAUacuteDE lt httpwwwcebesorgbrgt

CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DIREITO

lthttpwwwconpediorgbrgt

ESCOLA POLITEacuteCNICA DE SAUacuteDE JOAQUIM VENAcircNCIO DA FUNDACcedilAtildeO

OSWALDO CRUZ lthttpwwwepsjvfiocruzbrgt

INSTITUTO DE ESTUDOS SOacuteCIOECONOcircMICOS lt httpwwwinescorgbrgt

INSTITUTO DE INVESTIGACIONES JURIacuteDICAS lt httpwwwjuridicasunammxgt

INSTITUTO DE PESQUISA ECONOcircMICA APLICADA lt httpwwwipeagovbrportalgt

PORTAL DE REVISTAS ELETROcircNICAS ndash FFC ndash UNESP MARIacuteLIA

lthttpwww2mariliaunespbrrevistasgt

INSTITUTO POacuteLIS DE ESTUDOS FORMACcedilAtildeO E ASSESSORIA EM POLIacuteTICAS

SOCIAIS lt httpwwwpolisorgbrgt

JORNAL CARTA FORENSE lt httpwwwcartaforensecombrgt

MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE lthttpwwwsaudegovbrgt

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO

lthttpwwwplanejamentogovbrgt

MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO DO ESTADO DE GOIAacuteS lthttpwwwmpgogovbrgt

MOVIMENTO NACIONAL SAUacuteDE MAIS DEZ lthttpwwwsaudemaisdezorgbrgt

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL lt httpwwwoaborgbrgt

PORTAL DOMIacuteNIO PUacuteBLICO ndash BIBLIOTECA DIGITAL DO MINISTEacuteRIO DA

EDUCACcedilAtildeO lthttpwwwdominiopublicogovbrgt

PORTAL JURIacuteDICO DIREITO DO ESTADO lt httpwwwdireitodoestadocombrgt

PORTAL PERIOacuteDICOS CAPES lthttpwwwperiodicoscapesgovbrgt

223

PORTAL UNBCIEcircNCIA DA UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA

lthttpwwwunbcienciaunbbrgt

PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

lthttpwwwplanaltogovbrgt

PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADAtildeO

lthttppfdcpgrmpfmpbramppanel1-2amppanel2-4amppanel3-5gt

REVISTA DE DOUTRINA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4deg REGIAtildeO

lthttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrgt

REVISTA ldquoDIREITOS FUNDAMENTAIS amp JUSTICcedilArdquo DO PROGRAMA DE POacuteS-

GRADUACcedilAtildeO MESTRADO E DOUTOURADO EM DIREITO DA PUCRS

lthttpwwwdfjinfbrgt

REVISTA ELETROcircNICA DA FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA

lthttpwwwrevistadireitofrancabrindexphprefdfgt

REVISTA GESTAtildeO amp TECNOLOGIA DA FUNDACcedilAtildeO PEDRO LEOPOLDO

lthttprevistagtfpledubrgetgt

SCIENTIFIC ELETRONIC LIBRARY ONLINE (SCIELO BRAZIL)

lthttpwwwscielobrgt

SECRETARIA DE ESTADO DE SAUacuteDE DO GOVERNO DO MATO GROSSO

lthttpwwwsaudemtgovbrgt

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA lthttpwwwstjjusbrgt

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL lthttpwwwstfjusbrgt

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIAtildeO lthttpportal2tcugovbrgt

TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO NORTE lthttptcerngovbrgt

TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DA PARAIacuteBA lt httpwwwtjpbjusbrgt

TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

lthttpwwwtjrnjusbrgt

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN …...Graduação em Direito - PPGD da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de

HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR

DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E

ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL

Dissertaccedilatildeo aprovada em 17122013 pela banca examinadora formada por

Presidente ________________________________________________

Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva

(Orientadora ndash UFRN)

Membro ________________________________________________

Prof Doutor Artur Cortez Bonifaacutecio

Membro ________________________________________________

Prof Doutor Paulo Roberto Lyrio Pimenta

Dedico este trabalho a minha amada matildee e meu

eterno pai

ldquoEm geral nove deacutecimos da nossa felicidade

baseiam-se exclusivamente na sauacutede Com ela

tudo se transforma em fonte de prazerrdquo

Arthur Schopenhauer

AGRADECIMENTOS

A Deus por toda proteccedilatildeo e por presentear a mim e a minha famiacutelia com uma vida

saudaacutevel

Ao meu eterno pai e meu maior orgulho por todo amor educaccedilatildeo e valores

transmitidos

A minha matildee Mariacutegia minha irmatilde Beth e especialmente minha noiva Steacutephanie as

mulheres da minha vida e pilares que formam meu porto seguro por toda paciecircncia

compreensatildeo carinho ajuda incentivo e muito amor

A todos os colegas da minha turma no Mestrado em particular ao amigo Rochester

Arauacutejo Garanto-lhe que suas sugestotildees e criacuteticas durante nossos ldquoaccedilaiacutes juriacutedicosrdquo e conversas

na biblioteca foram essenciais para a finalizaccedilatildeo deste trabalho

Aos meus amigos do peito que durante todo este periacuteodo compreenderam as minhas

ausecircncias nas diversas reuniotildees que natildeo pude comparecer e me transmitiram palavras de

incentivo essenciais para que eu seguisse firme nessa jornada

A Professora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva minha orientadora pelo apoio

singular prestatividade incentivo e liberdade intelectual proporcionados durante toda a

pesquisa

A todos os professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito que direta ou

indiretamente contribuiacuteram para a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo Sem duacutevidas a dedicaccedilatildeo de

cada um de vocecircs eacute o que torna o Mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte um dos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de destaque no Nordeste

Aos colegas de trabalho do Nuacutecleo Estadual do Ministeacuterio da Sauacutede no Rio Grande do

Norte sobretudo pelo auxiacutelio na obtenccedilatildeo de dados relacionados agrave conjectura da sauacutede

puacuteblica no paiacutes que muito contribuiu para a presente pesquisa

RESUMO

Se por um lado apenas com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede veio a receber

tratamento de autecircntico direito fundamental social por outro eacute certo que desde entatildeo o niacutevel

de concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a tal direito retrata um descompasso entre a vontade

constitucional e a vontade dos governantes Isso porque em que pese a inerente gradualidade

do processo de efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais a realidade brasileira marcada

por um quadro de verdadeiro caos na sauacutede puacuteblica noticiado rotineiramente nos telejornais

desnatura o status prioritaacuterio desenhando constitucionalmente para o direito agrave sauacutede

demonstrando desta maneira que haacute um claro deacuteficit neste processo o qual precisa ser

corrigido Essa preocupaccedilatildeo quanto agrave problemaacutetica da efetivaccedilatildeo dos direitos sociais por sua

vez eacute reforccedilada quando se fala em direito agrave sauacutede pois tal direito frente sua iacutentima ligaccedilatildeo

com o direito agrave vida e agrave dignidade da pessoa humana acaba assumindo uma posiccedilatildeo de

primazia dentre os direitos sociais apresentando-se como um direito impreteriacutevel visto que

sua perfeita fruiccedilatildeo torna-se condiccedilatildeo preciacutepua para o potencial gozo dos demais direitos

sociais Partindo dessas premissas o presente trabalho tem o intuito de fornecer uma proposta

para a correccedilatildeo desta problemaacutetica sobretudo a partir da defesa de um papel ativo do

Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos e

soacutelidos que venham a corrigir com seguranccedila juriacutedica o deacuteficit apontado e a evitar os efeitos

colaterais e distorccedilotildees que satildeo hodiernamente vislumbrados quando o Judiciaacuterio se propotildee a

intervir no tema Para tanto desponta como aspecto principal desta medida a proposiccedilatildeo de

um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave sauacutede que levando em consideraccedilatildeo tanto

os pontos constitucionalmente prioritaacuterios referentes a este relevante direito quanto agrave proacutepria

loacutegica da estruturaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS inserta no seio das poliacuteticas puacuteblicas

em sauacutede desenvolvidas no paiacutes venha a contribuir para uma judicializaccedilatildeo do tema mais

consentacircnea com os ideais traccedilados na Constituiccedilatildeo de 1988 No igual intuito de se buscar

uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede harmocircnica com a prioridade constitucional iacutensita a este

relevante bem a pesquisa alerta tambeacutem para a necessidade de se empreender uma

reestruturaccedilatildeo na forma de organizaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede de modo a se fazer valer a

diretriz constitucional do SUS da participaccedilatildeo da comunidade bem como para a importacircncia

da instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no paiacutes que tendo a Constituiccedilatildeo como

buacutessola passe a retratar fielmente a especial priorizaccedilatildeo constitucional direcionada aos

direitos sociais especialmente o direito agrave sauacutede

Palavras-chave Direito agrave sauacutede Concretizaccedilatildeo Poder Judiciaacuterio

ABSTRACT

If on one hand only with the 1988 Federal Constitution the right to health began to receive

the treatment of authentic fundamental social right on the other it is certain since then the

level of concretization reached as to such right depicts a mismatch between the constitutional

will and the will of the rulers That is because despite the inherent gradualness of the process

of concretization of the fundamental social rights the Brazilian reality marked by a picture of

true chaos on public health routinely reported on the evening news denatures the priority

status constitutionally drew for the right to health demonstrating thus that there is a clear

deficit in this process which must be corrected This concern regarding the problem of the

concretization of the social rights in turn is underlined when one speaks of the right to

health since such right due to its intimate connection with the right to life and human

dignity ends up assuming a position of primacy among the social rights presenting itself as

an imperative right since its perfect fruition becomes an essential condition for the potential

enjoyment of the remaining social rights From such premises this paper aims to provide a

proposal for the correction of this problem based upon the defense of an active role of the

Judiciary in the concretization of the right to health as long as grounded to objective and solid

parameters that come to correct with legal certainty the named deficit and to avoid the side

effects and distortions that are currently beheld when the Judiciary intends to intervene in the

matter For that effect emerges as flagship of this measure a proposition of an existential

minimum specific to the right to health that taking into account both the constitutionally

priority points relating to this relevant right as well as the very logic of the structuring of the

Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS inserted within the core of the public health policies developed

in the country comes to contribute to a judicialization of the subject more in alignment with

the ideals outlined in the 1988 Constitution Furthermore in the same intent to seek a

concretization of the right to health in harmony with the constitutional priority inherent to this

material right the research alerts to the need to undertake a restructuring in the form of

organization of the Boards of Health in order to enforce the constitutional guideline of SUS

community participation as well as the importance of establishing a new culture budget in the

country with the Constitution as a compass pass accurately portray a special prioritization

directed constitutional social rights especially the right to health

Keywords Right to health Concretization Judiciary Branch

LISTA DE SIGLAS

ACP ndash Accedilatildeo Civil Puacuteblica

ADCT ndash Atos das disposiccedilotildees constitucionais transitoacuterias

ANVISA ndash Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria

CAPS ndash Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo

CF ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988

CIT ndash Comissatildeo Intergestores Tripartite

CLT ndash Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas

CNJ ndash Conselho Nacional de Justiccedila

CPMF ndash Contribuiccedilatildeo Provisoacuteria sobre a Movimentaccedilatildeo Financeira

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos

EC ndash Emenda Constitucional

EUA ndash Estados Unidos da Ameacuterica

FNS ndash Fundo Nacional de Sauacutede

FTN ndash Formulaacuterio Terapecircutico Nacional

IAP ndash Institutos de Aposentadoria e Pensatildeo

INESC ndash Instituto de estudos socioeconocircmicos

INPS ndash Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INAMPS ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social

IPEA ndash Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

LC ndash Lei Complementar

LDO ndash Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias

LOA ndash Lei Orccedilamentaacuteria Anual

LRF ndash Lei de Responsabilidade Fiscal

MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico

MS ndash Ministeacuterio da Sauacutede

NOAS ndash Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede

NOB ndash Normas Operacionais Baacutesicas

OAB ndash Ordem dos Advogados do Brasil

OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

PIB ndash Produto Interno Bruto

PIDCP ndash Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos

PIDESC ndash Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais

PNPS ndash Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede

PPA ndash Plano Plurianual

PPI ndash Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede

PRD ndash Plano Diretor de Regionalizaccedilatildeo

PSF ndash Programa de Sauacutede da Famiacutelia

RENAME- Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais

RENASES ndash Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede

STF ndash Supremo Tribunal Federal

STJ ndash Superior Tribunal de Justiccedila

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

TAC ndash Termo de Ajustamento de Conduta

TCG ndash Termo de Compromisso de Gestatildeo

TJ ndash Tribunal de Justiccedila

UBS ndash Unidades baacutesicas de sauacutede

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 14

2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL19

21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES

DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 198819

22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA

CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 24

23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAacuteUDE ndash SUS 26

231 Princiacutepios informadores do SUS 27

232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS 29

233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do

SUS29

234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem

aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede 30

24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E OS DESAFIOS ATUAIS DO

SUS33

25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO

ORDENAMENTO PAacuteTRIO 35

3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL44

31 A EVOLUCcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 44

32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO

DIREITO Agrave SAUacuteDE 53

321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de

prestaccedilatildeo 54

322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla

fundamentalidade (formal e material) 56

323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e

princiacutepios59

324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio 61

4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE 67

41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS70

42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO

POSSIacuteVEL 73

43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O

DIREITO Agrave SAUacuteDE 81

44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 86

45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA 89

451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio 93

452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana96

5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE102

51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA

ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtilde DO DIREITO Agrave SAUacuteDE103

511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes106

512 Os efeitos colaterais de uma desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede114

52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL

RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE119

53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS

PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO RELATIVO A

ESSE DIREITO131

531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 75082011 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees

miacutenimas em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico135

532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a

delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede141

54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NO BRASIL148

6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO

DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL159

61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE

NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO159

611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica160

612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil163

613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de

sauacutede172

62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE

UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES

CONSTITUCIONAIS176

621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico178

622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede181

623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede193

7 CONCLUSAtildeO200

REFEREcircNCIAS207

14

1 INTRODUCcedilAtildeO

Ainda que ultrapassadas mais de duas deacutecadas desde a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 pode-se afirmar que a busca pela efetividade dos direitos fundamentais

sociais especialmente o direito agrave sauacutede em sua acepccedilatildeo prestacional ainda eacute mateacuteria que

caminha a passos cadenciados representando um dos grandes desafios para o Estado e para a

sociedade

O estabelecimento por parte do constituinte de 1988 de um lugar de destaque para a

sauacutede ndash encarada natildeo somente como a ausecircncia de doenccedilas mas como o completo bem estar

fiacutesico mental e espiritual do homem conforme conceitua a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

(OMS) ndash em que pese ter significado um glorioso avanccedilo no sentido de proporcionar uma

ampliaccedilatildeo formal e material da forccedila normativa de tal direito consistiu apenas no primeiro

passo da luta pela sua materializaccedilatildeo em efetivos benefiacutecios agrave sociedade

Desta maneira notadamente quanto ao direito agrave sauacutede se haacute no plano teoacuterico uma

evidente dificuldade de se conferir tal efetividade por meio da perfeita implementaccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas a problemaacutetica no campo praacutetico eacute bem mais complexa sendo

hodiernamente refletida na tormentosa realidade de milhotildees de brasileiros que dependem do

sistema puacuteblico de sauacutede e vivenciam situaccedilotildees calamitosas frequentemente noticiadas nos

telejornais como algo jaacute natural e trivial no paiacutes

Se a vivecircncia diaacuteria de episoacutedios no caoacutetico cenaacuterio da sauacutede puacuteblica conduz por um

lado a um sentimento de necessidade de mudanccedila e indignaccedilatildeo por outro pelo menos um

aspecto positivo tal divulgaccedilatildeo acaba gerando a constataccedilatildeo de que o debate acerca dos

direitos fundamentais ganha a cada dia mais espaccedilo nas rodas de conversa da populaccedilatildeo e

isso acarreta uma maior tomada de consciecircncia por parte dos cidadatildeos do alcance dos seus

direitos e da forma com que estes poderatildeo ser buscados

Nesse contexto a judicializaccedilatildeo cada vez mais crescente das mais diversas demandas

ligadas agrave concretizaccedilatildeo do direito fundamental social agrave sauacutede abastece a discussatildeo acerca da

legitimidade da intervenccedilatildeo judicial nesta seara cujo cenaacuterio atual frente agrave inevitabilidade

dessa atuaccedilatildeo eacute mercado pela penosa tentativa de se estabelecer criteacuterios objetivos e

adequados para a construccedilatildeo de um processo decisoacuterio legiacutetimo justo e consentacircneo com os

ideais dirigentes do sistema constitucional brasileiro

Quem haacute 20 anos imaginava o Estado como fornecedor de medicamentos muitos

deles de alto custo ou compelido a realizar um exame ou um procedimento ciruacutergico para um

cidadatildeo A verdade poucos Avanccedilou-se na concretizaccedilatildeo de tal direito principalmente pelos

15

esforccedilos da provocaccedilatildeo e atuaccedilatildeo do judiciaacuterio e hoje o miacutenimo que o Estado deve ou pelo

menos deveria proporcionar em mateacuteria de direito agrave sauacutede no Brasil acoplou novos

benefiacutecios

Eacute importante ter-se em mente por sua vez que a problemaacutetica em tela apresenta uma

abrangecircncia de difiacutecil delimitaccedilatildeo pois engloba diversas facetas do direito agrave sauacutede que

encarado de maneira macro compreende variadas nuances tanto sob o prisma individual

quanto sob o coletivo Melhor explicando o trabalho de aferir se certo pleito estaria ou natildeo

enquadrado no campo protetivo do direito agrave sauacutede passa por uma anaacutelise que envolve

diferentes aspectos como os de cunho social poliacutetico econocircmico cultural ou geograacutefico de

determinada coletividade ndash por exemplo a prioridade de tratamento preventivo na regiatildeo

norte eacute totalmente diferente da de outra regiatildeo do paiacutes ndash sendo portanto a determinaccedilatildeo de

quais seriam as prestaccedilotildees miacutenimas em sauacutede um aacuterduo trabalho para o inteacuterprete

Posto o problema o presente estudo partiraacute das premissas de que na discussatildeo acerca

da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede eacute essencial se observar primeiro que tal direito

social assume um papel de extrema relevacircncia frente agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida

e agrave dignidade da pessoa humana segundo que o quadro atual da sauacutede puacuteblica nacional

evidencia um desequiliacutebrio entre o niacutevel de gradual concretizaccedilatildeo esperado apoacutes os mais de

vinte anos da Constituiccedilatildeo de 1988 e o que foi realmente alcanccedilado mediante poliacuteticas

puacuteblicas quanto a esse importante direito

Com relaccedilatildeo agrave primeira premissa seraacute defendido o destacamento do direito agrave sauacutede

para uma posiccedilatildeo de primazia quando comparado com os demais direitos fundamentais

sociais O desenvolvimento de tal raciociacutenio aproxima-se de certo modo da doutrina

americana dos ldquopreferred freedomsrdquo que estabelece uma ideia de posiccedilotildees preferenciais entre

os direitos fundamentais sem implicar entretanto necessariamente em uma mecacircnica

hierarquizaccedilatildeo das normas constitucionais que venha a ser lesiva agrave sua unidade

Desta maneira natildeo se buscaraacute refutar a noccedilatildeo consagrada na doutrina paacutetria de que

todos direitos fundamentais possuem a mesma hierarquia mas sim consistiraacute na defesa de

que o direito agrave sauacutede possui um niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica mais elevada que

os demais direitos fundamentais sociais por apresentar uma ascendecircncia axioloacutegica mais

dilatada devido ao seu forte laccedilo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e agrave dignidade da

pessoa humana e isto termina por ser refletido no proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a

Constituiccedilatildeo confere a tal direito conforme seraacute visto

16

Quanto agrave segunda premissa esta seria a constataccedilatildeo de que ocorre em mateacuteria de

direito agrave sauacutede no Brasil um certo descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos

governantes

Apesar de tal pensamento soar de certo modo um pouco pretensioso ele eacute fruto de

uma construccedilatildeo de raciociacutenio simples e de duas etapas a primeira abrange a conscientizaccedilatildeo

de que o direito agrave sauacutede como direito social que eacute tem seu processo de concretizaccedilatildeo

marcado por uma ideia de gradualidade no sentido de que frente as limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias

de sua implementaccedilatildeo o Estado deve contar com uma certa paciecircncia da sociedade em

entender que a efetividade do mesmo seraacute alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a

passo conforme a capacidade financeira do Estado e a segunda de ordem faacutetica arremata a

conclusatildeo de que esse passo gradual encontra-se hoje deficitaacuterio ou atrasado se comparado

com a evoluccedilatildeo aguardada pela sociedade a qual jaacute chegou no seu limite de paciecircncia

Em termos mais diretos a realidade paacutetria marcada por exemplo pela falta de leitos

meacutedicos e equipamentos de infraestrutura no quadro geral da sauacutede puacuteblica nacional natildeo eacute o

que a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica planejou para sua fase adulta sendo necessaacuteria portanto

uma aceleraccedilatildeo nesse processo gradual

Feitas tais observaccedilotildees eacute relevante mencionar que corrigir esta distorccedilatildeo gerada

sobretudo pela ineficiecircncia dos Poderes Executivo e Legislativo (seja pela maacute formulaccedilatildeo e

execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas seja pela deficiecircncia do amparo legal do tema) natildeo eacute mateacuteria

faacutecil pois o balanceamento entre o caraacuteter essencial do direito fundamental agrave sauacutede e sua

natureza de direito prestacional passa antes de tudo pela questatildeo financeira de anaacutelise dos

custos envolvidos exigindo uma estruturaccedilatildeo focada em um modelo de gestatildeo organizada e

isento de maacuteculas por parte do Estado

Eacute nesse contexto que o presente estudo tem por intuito principal traccedilar alguns

delineamentos sobre a primazia do direito social em anaacutelise buscando apontar sugestotildees para

os problemas correlatos agrave sua clara falta de efetividade as quais vatildeo desde a perquiriccedilatildeo de

criteacuterios objetivos legitimadores da atuaccedilatildeo judicial no seu resguardo contribuindo para a

consequente construccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial em direito agrave sauacutede ateacute o

aprimoramento das medidas de controle dos gastos puacuteblicas em sauacutede

Para melhor compreensatildeo do que este trabalho se propotildee optar-se-aacute por uma

estruturaccedilatildeo didaacutetica cuja preocupaccedilatildeo primordial eacute deixar claro ao leitor desde as linhas

iniciais a raiz doutrinaacuteria que o norteia Nesse ponto filiando-se agraves vigas da nova

interpretaccedilatildeo constitucional que prestigia a forccedila normativa da constituiccedilatildeo mas sem que isso

signifique um menosprezo aos elementos claacutessicos hermenecircuticos seratildeo examinados temas

17

essenciais que circundam a temaacutetica da construccedilatildeo e aprimoramento de um miacutenimo

existencial especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede

Dessa maneira tendo como fio condutor o reconhecimento de que a atuaccedilatildeo

jurisdicional em mateacuteria de sauacutede respeitados certos limites e criteacuterios objetivos consiste em

praacutetica natildeo soacute legiacutetima mas tambeacutem primordial para a efetividade desse direito seratildeo

examinados temais centrais como o Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e sua correta (re)

leitura no estaacutegio atual do constitucionalismo a primazia da Dignidade da Pessoa Humana

como fonte irradiante de todo o ordenamento constitucional paacutetrio a necessidade da Teoria

do Miacutenimo Existencial encontrar-se em constante adaptaccedilatildeo com os avanccedilos da sociedade e o

possiacutevel embate desta questatildeo com o Postulado da Reserva do Possiacutevel

Para tanto incialmente seraacute traccedilado um esboccedilo do regime juriacutedico-constitucional do

direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio partindo da evoluccedilatildeo histoacuterica da proteccedilatildeo da sauacutede

puacuteblica ao longo das constituiccedilotildees nacionais passando pelo exame das implicaccedilotildees da

proteccedilatildeo internacional nessa seara e desembocando no estudo das caracteriacutesticas gerais desse

direito fundamental sob o enfoque das previsotildees constitucionais e da legislaccedilatildeo ordinaacuteria

sobre tema (com ecircnfase nos dispositivos que tratam do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS)

Na sequecircncia seraacute discutida a temaacutetica da efetividade e eficaacutecia dos direitos

fundamentais sociais momento no qual seraacute examinado sob um vieacutes orccedilamentaacuterio o embate

entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ganhando evidecircncia o exame dos custos dos

direitos Nesse ponto ainda abordar-se-aacute a questatildeo do deacuteficit evolutivo do direito agrave sauacutede no

que se refere agrave sua gradual concretizaccedilatildeo almejada pela atual Constituiccedilatildeo apontando-se o

relevante papel que a Dignidade da Pessoa Humana somada agrave umbilical ligaccedilatildeo do

impreteriacutevel direito agrave sauacutede com o direito agrave vida assume no enfrentamento dessa mateacuteria

Posteriormente seraacute tratado o tema da judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede cujo debate

alertaraacute para a necessidade de se privilegiar as tutelas coletivas como forma de se conferir

isonomia e o maacuteximo alcance das conquistas judiciais nessa seara sem deixar de lado

contudo o exame do aacuterido campo das tutelas individuais Nesse ponto a noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo

constitucional no contexto poacutes-positivista seraacute primordial para se compreender a latente

necessidade da busca pelo estabelecimento de paracircmetros e criteacuterios objetivos que visem a

uma sindicabilidade do direito em xeque natildeo soacute consentacircnea com a ordem constitucional

vigente mas tambeacutem compromissada com a seguranccedila juriacutedica e a igualdade entre os

cidadatildeos

Ao final seraacute empreendido um debate complementar mas natildeo menos interligado agrave

judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que ressaltar-se-aacute a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede

18

na construccedilatildeo de uma democracia participativa apta a auxiliar a realizaccedilatildeo de tal direito bem

como seraacute proposta uma reestruturaccedilatildeo na forma que se desenvolve o ciclo orccedilamentaacuterio no

paiacutes de modo a que os campos de atenccedilatildeo direcionados no corpo da peccedila do orccedilamento

puacuteblico terminem espelhando o mais fiel possiacutevel as prioridades constitucionais

Dito isto eacute relevante deixar claro que a presente pesquisa natildeo intenta exaurir toda a

problemaacutetica envolvendo a efetividade do direito agrave sauacutede apresentando uma foacutermula maacutegica e

solucionadora o que seria impossiacutevel frente agrave dinamicidade das relaccedilotildees sociais e a

consequente multiplicidade de casuiacutesticas nesse campo Ao contraacuterio o que se pretende aqui eacute

investigar o assunto visando agrave sistematizaccedilatildeo de uma loacutegica de pensamento ndash calcada em uma

engrenagem arraigada no papel protagonista do Poder Judiciaacuterio auxiliado pelas funccedilotildees

essenciais agrave justiccedila e pela sociedade ndash que venha a contribuir para a ampliaccedilatildeo de alternativas

postas ao aplicador do direito no momento de concretizar o direito agrave sauacutede corrigindo-se em

uacuteltima anaacutelise a desarmonia entre o dever ser normativo e o ser da realidade social marcante

no tema

19

2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL

Falar em sauacutede como direito fundamental dos cidadatildeos brasileiros eacute algo recente na

histoacuteria do paiacutes visto que somente com a atual Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica esse bem juriacutedico

veio a ser alccedilado a tal categoria Desta maneira para o estudo do direito agrave sauacutede e os aspectos

quanto agrave sua eficaacutecia faz-se imprescindiacutevel antes de tudo compreender natildeo soacute a evoluccedilatildeo do

arcabouccedilo protetivo da mateacuteria ao longo das constituiccedilotildees nacionais como tambeacutem a

conjuntura histoacuterico-social que contribuiu para a feiccedilatildeo desse direito fundamental no

ordenamento contemporacircneo destacando-se tambeacutem a especial influecircncia da proteccedilatildeo

internacional na temaacutetica

21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES

DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988

De iniacutecio eacute importante se ter em mente a premissa de que a evoluccedilatildeo histoacuterica das

poliacuteticas de sauacutede no paiacutes caminha lado a lado com o progresso poliacutetico-social e econocircmico

da sociedade brasileira em um contexto em que a loacutegica desse processo evolutivo obedeceu agrave

oacutetica do avanccedilo do capitalismo na sociedade paacutetria

Por tal motivo o cenaacuterio preacute 1988 revela que a sauacutede natildeo ocupava lugar central dentro

da poliacutetica nacional1 jaacute que somente nos momentos em que determinadas endemias ou

epidemias tinham repercussatildeo na esfera econocircmica ou social do modelo capitalista eacute que o

governo atuava com mais ecircnfase no setor razatildeo pela qual eacute apontado na doutrina que devido a

falta de clareza e definiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave poliacutetica de sauacutede a histoacuteria desta confunde-se em

determinados momentos com a histoacuteria da previdecircncia social no paiacutes2

Dito isto tem-se que os passos embrionaacuterios de uma miacutenima preocupaccedilatildeo com a sauacutede

puacuteblica no Brasil podem ser identificados a partir das primeiras accedilotildees de combate agrave lepra e de

um miacutenimo controle sanitaacuterio existente sobre os portos e ruas ainda durante a eacutepoca da Corte

Portuguesa jaacute que a vinda da famiacutelia real gerou a necessidade da organizaccedilatildeo de uma miacutenima

estrutura sanitaacuteria panorama que perdurou ateacute meados de 1850

Com o passar dos tempos o quadro de organizaccedilatildeo poliacutetica marcadamente unitaacuterio e

centralizado foi dando lugar a um conjunto de accedilotildees um pouco mais efetivas no periacuteodo entre

1 Dispotildee Suelli Gandolfi Dallari que ldquonenhum texto constitucional se refere explicitamente agrave sauacutede como

integrante do interesse puacuteblico fundante do pacto social ateacute a promulgaccedilatildeo da Carta de 1988rdquo DALLARI Suelli

Gandolfi Os Estados Brasileiros e o Direito agrave Sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1995 p 133 2 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p2 Disponiacutevel em

wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 21122012

20

1870 e 1930 merecendo destaque o modelo ldquocampanhistardquo marcado pelo uso de forccedila policial

que apesar das arbitrariedades e abusos cometidos alcanccedilou importantes vitoacuterias no controle

de doenccedilas epidecircmicas como a febre amarela sob o comando de Oswaldo Cruz entatildeo Diretor

do Departamento Federal de Sauacutede Puacuteblica3

Em 1923 por sua vez nascia o marco inicial da previdecircncia social no Brasil (a

chamada ldquoLei Eloy Chavesrdquo4) mediante a instituiccedilatildeo de Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo

(CAPS) que abarcavam socorros meacutedicos em caso de doenccedila bem como a obtenccedilatildeo de

medicamentos obtidos com preccedilos especiais para as categorias profissionais a eles vinculadas

Paralelo a isso a partir de 1930 as accedilotildees curativas ateacute entatildeo esquecidas pelo modelo antes

mencionado passaram a ser realizadas timidamente com a estruturaccedilatildeo baacutesica de um sistema

puacuteblico de sauacutede a partir da criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede Puacuteblica5 restando

evidenciado portanto um cenaacuterio de natildeo universalizaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica vez que imperava

uma sistemaacutetica excludente em favor apenas das profissotildees reconhecidas pela lei

A previdecircncia social evoluiu e as CAPacuteS foram substituiacutedas pelos Institutos de

Aposentadoria e Pensatildeo (IAPacuteS) visando a estender a todas as categorias do operariado

urbano organizado os benefiacutecios da previdecircncia desembocando esse processo de unificaccedilatildeo

na promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (Lei 380760) a qual estabeleceu um

regime geral da previdecircncia destinado a abranger todos os trabalhadores sujeitos ao regime da

Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas (CLT)6

Tal panorama apresentou seu aacutepice durante o regime ditatorial com a implantaccedilatildeo do

Instituto Nacional de Previdecircncia Social (INPS) em 1967 e a consequente unificaccedilatildeo do

sistema previdenciaacuterio em um contexto em que todos trabalhadores com carteira assinada

contribuiacuteam e se beneficiavam da assistecircncia meacutedica existente no plano de benefiacutecios Isso

gerou um aumento substancial da demanda do sistema meacutedico previdenciaacuterio o qual

impossibilitado em atender a todos direcionou agrave iniciativa privada a execuccedilatildeo dos benefiacutecios

por meio de convecircnios com meacutedicos e hospitais mediante pagamento de uma espeacutecie de pro-

labore acarretando na formaccedilatildeo de um complexo sistema meacutedico-industrial que gerou a

3 PICADO Fernanda de Siqueira A dignidade da pessoa humana e a efetividade do direito social agrave sauacutede

sob a oacuteptica jurisprudencial Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito PUC-SP 2010 p 101 4 Decreto ndeg 4682 1923 que ldquo Crea em cada uma das emprezas de estradas de ferro existente no paiz uma caixa

de aposentadoria e pensotildees para os respectivos empregadosrdquo 5 O Ministeacuterio da Sauacutede foi criado em 1953 contudo tal fato significou um mero desmembramento do antigo

Ministeacuterio da Sauacutede e Educaccedilatildeo sem que significasse uma nova postura do governo com efetiva preocupaccedilatildeo em

atender os problemas da sauacutede puacuteblica de sua competecircncia 6 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p 12 Disponiacutevel em

wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 11012013

21

necessidade da criaccedilatildeo de uma estrutura proacutepria administrativa em 1978 o Instituto Nacional

de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS)

Instituiu-se assim uma divisatildeo de responsabilidades em que ao Estado eram

reservadas as medidas coletivas sobretudo o controle das endemias enquanto a assistecircncia

meacutedica individual ficou a cargo do seguro social financiado pelo sistema contributivo

modelagem esta que contribuiu para a concepccedilatildeo arraigada no paiacutes de se enxergar o direito a

sauacutede natildeo como um direito do cidadatildeo e dever do Estado mas como uma assistecircncia ligada agrave

esfera privada restrita a quem contribuiacutea cenaacuterio acentuado com a instituiccedilatildeo do Sistema

Nacional de Sauacutede em 1975 o qual reconhecia essa dicotomia7

Esse modelo de gestatildeo centralizada marcado pela multiplicidade e descoordenaccedilatildeo

entre as instituiccedilotildees atuantes no setor e pela desorganizaccedilatildeo dos recursos empregados nas

accedilotildees de sauacutede curativa e preventiva8 caiu no descreacutedito social ao natildeo resolver a agenda da

sauacutede e frente agrave escassez de recursos para sua manutenccedilatildeo somada ao aumento dos custos

operacionais veio a entrar em crise

Por sua vez o contraste dos dados a respeito da sauacutede mortalidade infantil e

infraestrutura urbana com os iacutendices favoraacuteveis do Produto Interno Bruto (PIB) que

aumentou em meacutedia 10 entre 1968 e 1973 contribuiu para a constataccedilatildeo de que a

desigualdade social e concentraccedilatildeo de riqueza se acentuavam cada vez mais no paiacutes e que era

necessaacuteria uma mudanccedila desse quadro9

Esse modelo restritivo na prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede passou a ser entatildeo

questionado frente a grande quantidade de brasileiros agrave margem do mercado de trabalho

formal intensificando-se o debate acerca da universalizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede

com destaque para o papel desempenhado pelo Movimento de Reforma Sanitaacuteria no processo

de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e o consequente fim do regime militar

Desta forma o marco do processo de formulaccedilatildeo de um novo modelo de sauacutede puacuteblica

universal foi a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede cujo lema era ldquoSauacutede Direito de Todos

Dever do Estadordquo realizada em marccedilo de 1986 pelo Ministeacuterio da Sauacutede que contou pela

primeira vez com a participaccedilatildeo de entidades da sociedade civil organizada de todo paiacutes

ligadas agrave temaacutetica sendo debatida a necessidade de reorganizaccedilatildeo do sistema em voga com a

instituiccedilatildeo da sauacutede como direito de cidadania e dever do Estado concluindo-se que uma

7 CORREcircA Darciacutesio MASSAFRA Cristiane Quadrado O Direito agrave Sauacutede e o papel do Judiciaacuterio para sua

efetividade no Brasil In Revista Desenvolvimento em questatildeo v2 nordm 3 2004 p 57 8 CRUZ Marly Marques da Histoacuterico do sistema de sauacutede proteccedilatildeo social e direito agrave sauacutede Disponiacutevel em

wwwsaudemtgovbr arquivo 2164 Acessado em 20012013 9 LUCA Tacircnia Regina de Direitos sociais no Brasil In PINSKY Carla Bassanezi (Org) Histoacuteria da

Cidadania Satildeo Paulo Contexto 2003 p 484

22

simples reforma administrativa e financeira natildeo seria suficiente mas sim seria necessaacuteria

uma verdadeira mudanccedila em todo o arcabouccedilo juriacutedico tendente agrave unificaccedilatildeo democratizaccedilatildeo

e descentralizaccedilatildeo do sistema de sauacutede

Delimitado sucintamente o contexto histoacuterico-social da proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede ateacute

a Constituiccedilatildeo de 1988 seratildeo apontados a seguir os principais dispositivos constantes nas

constituiccedilotildees preteacuteritas que amparavam o direito agrave sauacutede de modo a facilitar a compreensatildeo

do tema

A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio pouco tratou do tema do direito agrave sauacutede vez que fora o fato

de abarcar a garantia de ldquosocorros puacuteblicosrdquo a uacutenica menccedilatildeo a tal direito em seu texto deixa

claro que a preocupaccedilatildeo do constituinte agrave eacutepoca ainda era tiacutemida e relacionada agrave atividade

mercantil como se depreende da redaccedilatildeo do dispositivo a seguir

Art 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadatildeos

Brazileiros que tem por base a liberdade a seguranccedila individual e a

propriedade eacute garantida pela Constituiccedilatildeo do Imperio pela maneira

seguinte

()

XXIV Nenhum genero de trabalho de cultura industria ou commercio

poacutede ser prohibido uma vez que natildeo se opponha aos costumes publicos aacute

seguranccedila e saude dos Cidadatildeos

Aleacutem disso eacute importante enfatizar que os direitos acima elencados eram restritos a

uma elite aristocraacutetica visto que os ideais da revoluccedilatildeo liberal conquanto visassem a alterar a

estrutura e reorganizar a sociedade apresentavam o anseio maior de tatildeo somente romper

com os laccedilos do colonialismo sendo mantidos os interesses e os favores das classes

privilegiadas enquanto grande parte da populaccedilatildeo ainda continuava submetida a tratamentos

desumanos

A Constituiccedilatildeo de 1891 por sua vez conseguiu ser ainda mais acanhada e natildeo faz

qualquer referecircncia expressa ao direito agrave sauacutede Contudo merece atenccedilatildeo o fato de que havia

uma abstrata menccedilatildeo em seu artigo 78 agrave proteccedilatildeo das garantias e direitos nela natildeo

enumerados que resultassem da forma de governo e dos princiacutepios que a mesma consignasse

o que poderia ser utilizado para defesa da sauacutede em uacuteltima anaacutelise jaacute que funcionava como

uma tiacutemida claacuteusula de abertura10

10

OLIVEIRA Maacutercio dias de Sauacutede possiacutevel e judicializaccedilatildeo excepcional a efetivaccedilatildeo do direito

fundamental agrave sauacutede e a necessaacuteria racionalizaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito Instituto Toledo de

Ensino Bauro 2008 p 35

23

Impulsionada pelas revoluccedilotildees de 1930 e 1932 a Constituiccedilatildeo de 1934 que buscou

inspiraccedilatildeo formal na Constituiccedilatildeo de Weimar (grande marco do Constitucionalismo social) e

na Constituiccedilatildeo Espanhola de 1931 pretendeu implantar no sistema juriacutedico paacutetrio um

arcabouccedilo protetivo dos chamados direitos sociais sendo a primeira constituiccedilatildeo brasileira a

fazer referecircncia ao direito agrave sauacutede prevendo em seu art 10 inciso II ser o cuidado com a

sauacutede competecircncia concorrente da Uniatildeo e dos Estados denotando assim uma preocupaccedilatildeo

de cunho organizacional distanciada de uma feiccedilatildeo de direito subjetivo

Em que pese os esforccedilos da Carta de 34 no sentido de proteger os direitos sociais a

Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada por Getuacutelio Vargas tratou de tolher a efetividade dos direitos

fundamentais cuidando sobretudo de concentrar o poder no acircmbito do Executivo Na linha

dessa concentraccedilatildeo o inciso XXVII do art 16 previu ser competecircncia privativa da Uniatildeo

legislar sobre normas fundamentais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede especialmente a sauacutede da

crianccedila merecendo destaque ainda a previsatildeo do art 18 no sentido de poderem os estados

legislar para suprir as deficiecircncias da Lei Federal ou atenderem agraves peculiaridades locais sobre

a assistecircncia puacuteblica obras de higiene popular casas de sauacutede cliacutenicas estaccedilotildees de clima e

fontes medicinais11

A Constituiccedilatildeo de 1946 por sua vez por ter sido moldada no periacuteodo de 1937 a 1945

buscou restringir a forccedila do Poder Executivo e reforccedilar o Poder Legislativo retomando a

estrutura da Constituiccedilatildeo de 1891 e reintroduzindo os direitos econocircmicos sociais e culturais

da Carta de 1934 em um cenaacuterio em que o direito agrave sauacutede apesar de natildeo elencado de forma

expressa recebia menccedilatildeo no inciso XV do art 5deg da referida Carta ao ser repetida a previsatildeo

de ser competecircncia da Uniatildeo legislar sobre normais gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede

Apoacutes o golpe militar de 1964 foi outorgada a Carta Constitucional de 1967 que

alterou o regime de liberalidade buscado pela Constituiccedilatildeo de 1946 instalando-se o regime

totalitaacuterio conclamado pela doutrina da seguranccedila nacional A nova Constituiccedilatildeo apresentava

um rol de direitos e garantias fundamentais com valor meramente formal e sem nenhuma

efetividade Quanto ao direito agrave sauacutede repetiu-se a norma de cunho organizatoacuterio das

constituiccedilotildees anteriores no sentido de conferir agrave Uniatildeo a competecircncia para legislar sobre

normas gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede acrescentando-se todavia a competecircncia para

estabelecer planos nacionais de sauacutede e educaccedilatildeo

Em 1969 na tentativa de preservar o regime totalitaacuterio vigente foi outorgada a EC ndeg

0169 que embora repetisse as disposiccedilotildees da Carta de 67 trouxe uma inovaccedilatildeo no sect 4deg do

11

JULIO Renata Siqueira Wesllay Carlos Ribeiro Direito e sistemas puacuteblicos de sauacutede nas constituiccedilotildees

brasileiras In Novos Estudos Juriacutedicos v15 n3 2010 p 450

24

art 25 ao determinar que os municiacutepios aplicassem seis por cento do repasse da Uniatildeo a tiacutetulo

de fundo de participaccedilatildeo dos municiacutepios na Sauacutede

22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA

CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 resultado final de todo um

processo de luta incessante do povo brasileiro para a conquista da democracia consiste em

um documento alicerccedilado na proteccedilatildeo de direitos fundamentais e na dignidade da pessoa

humana de modelagem jamais vista no ordenamento paacutetrio Essa nova feiccedilatildeo sem duacutevida

contribuiu para a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede com contornos proacuteprios

visto que uma ordem constitucional que protege o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e o meio

ambiente sadio e equilibrado inevitavelmente deve salvaguardar a sauacutede sob pena de

esvaziar substancialmente tais direitos12

Desta forma o modelo centralizado do sistema de sauacutede vigente antes de 1988 bem

como as tiacutemidas previsotildees nas constituiccedilotildees anteriores ligadas agrave sauacutede que se preocupavam

em fixar competecircncias legislativas e administrativas para a mateacuteria denotando uma

preocupaccedilatildeo meramente organizatoacuteria deram lugar a um arcabouccedilo protetivo diametralmente

oposto com a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede amplamente tratado13

sobretudo nos artigos 6deg e 196 da Constituiccedilatildeo de 1988

Pode-se afirmar portanto que a Constituiccedilatildeo Cidadatilde atual ao alccedilar a sauacutede a direito

fundamental e sintonizar sua proteccedilatildeo com as principais declaraccedilotildees de direitos humanos foi

a primeira constituiccedilatildeo a levar a sauacutede realmente a seacuterio14

Com efeito observa-se a existecircncia

de diversos dispositivos que fazem menccedilatildeo expressa a este direito consistindo tais previsotildees

12

SARLET Ingo Wolfgang amp FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p5 13

FALEIROS Ialecirc amp LIMA Juacutelio Ceacutesar Franccedila Sauacutede como direito de todos e dever do Estado p 9

Disponiacutevel em httpepsjvfiocruzbruploaddcap_8pdf Acessado em 12012013 14

Sobre essa questatildeo Joseacute Afonso da Silva considera ser ldquoespantoso como um bem extraordinariamente

relevante agrave vida humana soacute agora eacute elevado agrave condiccedilatildeo de direito fundamental do homem E haacute de informar-se

pelo princiacutepio de que igual agrave vida de todos os seres humanos significa tambeacutem que nos casos de doenccedila cada

um tem o direito de um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciecircncia meacutedica

independentemente de sua situaccedilatildeo econocircmica sob pena de natildeo ter muito valor sua consignaccedilatildeo em normas

constitucionaisrdquo SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros

1999 p 871

25

em frutos diretos da reforma sanitaacuteria brasileira a qual foi conduzida pela sociedade civil e

por profissionais de sauacutede e natildeo por accedilotildees especiacuteficas do governo15

Em que pese o risco de cansar a leitura do presente estudo com observaccedilotildees

notadamente descritivas eacute inevitaacutevel destacar pontualmente os dispositivos constitucionais

que informam a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede proporcionando uma ideia do alcance dessa

mudanccedila radical do tratamento constitucional da sauacutede no Brasil

Nesse sentido o artigo 6deg elenca expressamente a sauacutede como um direito fundamental

social o que acarreta implicaccedilotildees praacuteticas quanto agrave eficaacutecia e efetividade de tal direito cuja

abordagem seraacute feita no capiacutetulo seguinte Ainda o artigo 7deg ligado a regulamentaccedilatildeo dos

direitos trabalhistas trata da temaacutetica tanto em seu inciso IV ao mencionar a sauacutede como

necessidade vital baacutesica a ser abarcada pelo salaacuterio-miacutenimo bem como no inciso XXII ao

impor a reduccedilatildeo dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de sauacutede higiene e

seguranccedila

Os artigos 23 (inc II) 24 (inc XII) e 30 (inc I e inc VII) tratam de mateacuterias de

competecircncias dos entes federativos informando que os mesmos possuem competecircncia

comum para cuidar da sauacutede bem como concorrentemente aptos a legislar sobre a defesa da

sauacutede em um cenaacuterio em que aos Municiacutepios cabem a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atendimento agrave

sauacutede da populaccedilatildeo com a cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira da Uniatildeo e do Estado

Os artigos 34 (inc VII aliacutenea bdquoe‟) e 35 (inc III) por forccedila da EC 292000

possibilitam por sua vez a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e no Distrito Federal bem como

dos Estados nos respectivos Municiacutepios em caso de natildeo aplicaccedilatildeo do miacutenimo exigido da

receita resultante de impostos na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino e das accedilotildees e

serviccedilos de sauacutede o que como seraacute visto no capiacutetulo seguinte ressalta a preocupaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo com tais direitos de modo a estes assumirem um grau de fundamentalidade mais

aquilatada no ordenamento paacutetrio

Jaacute no art 196 a sauacutede eacute encarada como direito de todos e dever do Estado garantido

mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo denotando uma preocupaccedilatildeo macro para os problemas de sauacutede nas diversas

etapas de tratamento para todos os cidadatildeos

O art 197 trouxe o reconhecimento de que as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede satildeo de

relevacircncia puacuteblica cabendo ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre sua

15

PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p2 Disponiacutevel em

httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 12012013

26

regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle consolidando os anseios de superaccedilatildeo do modelo

desestatizante curante e centralizador vigente na ordem constitucional anterior Tal

reconhecimento possui uma importacircncia central na busca pela efetividade do direito agrave sauacutede

pois garante extensivamente a proteccedilatildeo da sauacutede pelo Ministeacuterio Puacuteblico ao passo que o art

129 II da CF atribui ao mesmo a funccedilatildeo de zelar pelo efetivo respeito aos serviccedilos de

relevacircncia puacuteblica

No art 198 encontra-se a estrutura geral do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) definindo-

o a partir de uma rede regionalizada e hierarquizada organizada a partir de diretrizes que

primam pela descentralizaccedilatildeo atendimento integral com prioridade para atividades

preventivas e participaccedilatildeo da comunidade mediante financiamento de recursos da seguridade

social e outras fontes

O art 200 enumera atribuiccedilotildees exemplificativas desse sistema as quais englobam

dentre outras o controle e fiscalizaccedilatildeo dos procedimentos produtos e substacircncias de interesse

para a sauacutede a execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica a formaccedilatildeo de

recursos humanos na aacuterea de sauacutede a fiscalizaccedilatildeo e inspeccedilatildeo dos alimentos etc

Aleacutem disso constam dispositivos especiacuteficos que relacionam a sauacutede com o meio

ambiente com a educaccedilatildeo e com os direitos da crianccedila os quais enfatizam a preocupaccedilatildeo

ineacutedita da CF de 1988 em dar plena efetividade agraves accedilotildees e programas na aacuterea

23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE ndash SUS

Conforme jaacute explicitado o SUS eacute fruto das reivindicaccedilotildees feitas pela sociedade civil

organizada no cenaacuterio poliacutetico preacute 1988 e sua previsatildeo constitucional especialmente pela

estipulaccedilatildeo dos seus princiacutepios e objetivos o fez assumir a condiccedilatildeo de verdadeira garantia

institucional fundamental do direito agrave sauacutede superando-se as sucessivas tentativas frustradas

anteriores Significando em uacuteltima instacircncia que a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede deve

conformar-se com seus princiacutepios e diretrizes instituidoras em um cenaacuterio em que natildeo soacute o

direito agrave sauacutede resta protegido mas tambeacutem o proacuteprio SUS na condiccedilatildeo de instituiccedilatildeo

puacuteblica16

A conceituaccedilatildeo do SUS apresentada no jaacute mencionado artigo 198 da CF demonstra

que a visatildeo central desse sistema foi calcada na consagraccedilatildeo de um modelo de sauacutede voltado

16

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 12

27

para as necessidades da populaccedilatildeo no intuito de resgatar o compromisso do Estado para com o

bem-estar social especialmente com relaccedilatildeo agrave sauacutede coletiva Contudo apesar da previsatildeo

constitucional o SUS soacute veio a ser regulamentado em 19 de setembro de 1990 por meio da

Lei Federal 808090 a qual definiu seu modelo operacional e a forma de organizaccedilatildeo e de

funcionamento a partir de uma definiccedilatildeo abrangente de sauacutede que leva em consideraccedilatildeo

especiacuteficos fatores determinantes e condicionantes ganhando destaque a previsatildeo dos

princiacutepios e objetivos do sistema

231 Princiacutepios informadores do SUS

O estudo dos princiacutepios informadores do SUS eacute de suma importacircncia visto que frente

ao caraacuteter de autecircntica garantia institucional fundamental17

na proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede sua

matriz principioloacutegica e diretiva serve de base para se interpretar o alcance da eficaacutecia e

efetividade de tal direito Nesse sentido podem ser destacados os princiacutepios da

universalidade equidade unidade descentralizaccedilatildeo regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo

integralidade e participaccedilatildeo da comunidade

Universalidade18

e equidade podem ser lidos conjuntamente no sentido de que o

acesso agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede devem ser indistintamente garantidos a todo e qualquer

cidadatildeo buscando-se sempre a diminuiccedilatildeo das desigualdades a partir da consagraccedilatildeo e defesa

da garantia da igualdade material investindo-se onde a carecircncia seja maior jaacute que apesar de

todos terem direito agrave sauacutede as necessidades de cada um e de cada regiatildeo satildeo diferentes

Consoante jaacute visto o modelo de proteccedilatildeo agrave sauacutede anterior a 1988 era marcado por

distorccedilotildees limitativas visto que a assistecircncia agrave sauacutede somente era conferida aos trabalhadores

com viacutenculo formal e respectivos dependentes por meio do INPS Para a superaccedilatildeo eficiente

dessa estrutura o novel sistema precisou ser desenvolvido a partir da ideia de unidade

significando que os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede devem ser desenvolvidos a partir de poliacuteticas e

17

Consoante aponta Pieroth e Schlink ldquoalguns direitos fundamentais garantem natildeo soacute direitos subjetivos mas

tambeacutem objetivamente instituiccedilotildees Enquanto garantias de instituto (Institutsgarantien) na terminologia

geralmente aceita de C Schmitt garantem instituiccedilotildees de direito privado e enquanto garantias institucionais

(institutionelle Garantien) garantem instituiccedilotildees de direito puacuteblico retirando-as assim do poder dispositivo do

legisladorrdquo PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de

Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 54 18

Reforccedilando tal conceito Carlos Botazzo defende que a universalidade ldquosignifica que todo cidadatildeo

independente de sua inserccedilatildeo social no processo produtivo niacutevel de ingresso financeiro filiaccedilatildeo poliacutetico-

partidaacuteria crenccedila religiosa sexo idade ou etnia teraacute seu direito agrave sauacutede garantido e preservado pelo Estado

BOTAZZO Carlos Democracia participaccedilatildeo popular e programas comunitaacuterios In FLEURY Sonia

AMARANTE Paulo BAHIA Ligia (orgs) Sauacutede em debate fundamentos da reforma sanitaacuteria Rio de

Janeiro Cebes 2008 p 144

28

diretrizes uniformes englobando um soacute sistema abrangido e sujeito a uma direccedilatildeo uacutenica e um

soacute planejamento em que pese a estratificaccedilatildeo em niacuteveis federativos

Apesar de unificado19

a necessidade de se quebrar com a ordem centralizada anterior

que engessava a engrenagem do sistema de sauacutede fez surgir um SUS arquitetado a partir de

uma rede regionalizada e hierarquizada que preservada a direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de

governo atua segundo o raciociacutenio de descentralizaccedilatildeo permitindo desta maneira a

adaptaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede ao perfil epidemioloacutegico local o que se alinha as orientaccedilotildees da

OMS

Essa descentralizaccedilatildeo nasce pois do raciociacutenio de que cada esfera de governo eacute

autocircnoma e soberana nas suas decisotildees e devem respeitar os princiacutepios gerais e a participaccedilatildeo

da sociedade havendo gestores do SUS desde o Ministeacuterio da Sauacutede ateacute as Secretarias de

Sauacutede municipais Contudo eacute inegaacutevel que a decisatildeo daquele que estaacute mais perto do

problema tem mais chance de ser eficiente e por isso a modelagem descentralizada do SUS

que quebrou com o passado marcado por uma Uniatildeo centralizadora pressupotildee que os

municiacutepios sejam dotados de condiccedilotildees gerenciais teacutecnicas administrativas e financeiras

suficientes para execuccedilatildeo de suas poliacuteticas e serviccedilos

A hierarquizaccedilatildeo liga-se agrave ideia de execuccedilatildeo da assistecircncia a sauacutede com niacuteveis

crescentes de complexidade assinalando que o acesso aos serviccedilos deve ocorrer a partir dos

niacuteveis mais simples em direccedilatildeo aos mais altos de complexidade o que se coaduna com ideais

de eficiecircncia e subsidiariedade em um contexto em que as accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica satildeo

comuns a todos municiacutepios a assistecircncia de meacutedia e alta complexidade centraliza-se em

municiacutepios de maior porte e os serviccedilos de grande especializaccedilatildeo satildeo disponibilizados apenas

em alguns grandes centros do paiacutes

O princiacutepio da integralidade do atendimento determina que a cobertura proporcionada

pelo SUS deva ser a mais ampla possiacutevel refletindo tambeacutem a ideia de que as accedilotildees e

serviccedilos de sauacutede devem ser tomados como um todo harmocircnico e contiacutenuo de modo que

19

Quanto ao fato de ser o SUS unificado o STF analisando demanda em que era questionada a instituiccedilatildeo de

programa de sauacutede especiacutefico para atender somente servidores de empresas puacuteblicas de Satildeo Paulo ponderou

ldquo() se a Constituiccedilatildeo preconiza um sistema unificado de sauacutede eacute justificaacutevel ao menos do ponto de vista

constitucional que se criem programas puacuteblicos de sauacutede restritos a servidores Salvo casos de demonstrada

adequaccedilatildeo isso natildeo ofenderia tambeacutem a isonomia constitucional e a proacutepria concepccedilatildeo de serviccedilo de sauacutede

puacuteblica na Constituiccedilatildeo de 1988 De qualquer sorte nem eacute preciso responder a essas duacutevidas para a soluccedilatildeo do

casordquo (Grifos acrescidos) (ADI 3403 voto do Rel Min Joaquim Barbosa julgamento em 18-6-2007

Plenaacuterio DJ de 24-8-2007)

29

sejam ao mesmo tempo articulados e integrados em todos os aspectos e niacuteveis de

complexidade do sistema20

Ainda o SUS tem a importante caracteriacutestica da participaccedilatildeo direta e indireta da

comunidade tanto relacionada agrave definiccedilatildeo quanto ao controle social das accedilotildees e poliacuteticas de

sauacutede participaccedilatildeo realizada seja por meio dos representantes da sociedade civil junto agraves

Conferecircncias de Sauacutede as quais possuem competecircncia para fazer proposiccedilotildees na formulaccedilatildeo

das poliacuteticas de sauacutede nos diferentes niacuteveis da federaccedilatildeo ou seja atraveacutes dos Conselhos de

Sauacutede que atuam diretamente no planejamento e controle do SUS

232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS

Como visto o amparo constitucional do tema alicerccedilado sob a premissa de que a

sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado natildeo tem o condatildeo por si soacute de suficientemente

abranger as condicionantes econocircmico-sociais da sauacutede tampouco envolver de forma ampla

e irrestrita todas as possiacuteveis accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ateacute mesmo porque haveraacute sempre um

limite orccedilamentaacuterio variaacutevel contrastado com o surgimentos de novas necessidades a cada

periacuteodo Desta forma a Lei do SUS assume o relevante papel de tentar traccedilar um pontapeacute de

partida ao apresentar de modo geral os objetivos e atribuiccedilotildees inerentes ao SUS os quais

buscam concretizar os princiacutepios que regem tal sistema bem como delinear na medida do

possiacutevel as prioridades abarcadas pelo mesmo

Nesse contexto destaque-se que cabe ao SUS identificar e divulgar os fatores

condicionantes e determinantes da sauacutede formular as poliacuteticas de sauacutede o fornecimento de

assistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede

executar accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica bem como accedilotildees visando agrave sauacutede do

trabalhador formular poliacuteticas referentes a medicamentos equipamentos imunobioloacutegicos e

outros insumos de interesse para a sauacutede dentre outras atribuiccedilotildees que denotam a abrangecircncia

e complexidade na implementaccedilatildeo completa do mesmo

233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS

20

Sobre o tema dispotildee Ione Maria Domingues de Castro que ldquoa integralidade eacute essencial para a eficiecircncia do

sistema e para dar ao cidadatildeo o miacutenimo de condiccedilotildees dignas () Nessa perspectiva o cuidado com a sauacutede eacute

entendido natildeo apenas como um dos niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede ou um simples procedimento mas eacute visto como

uma accedilatildeo integrada que significa o direito de ter uma existecircncia digna com respeito agraves diferenccedilas individuaisrdquo

CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao miacutenimo existencial

garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 248

30

Consoante exposto um dos princiacutepios que regem o SUS eacute a participaccedilatildeo da

comunidade Nesse contexto a Lei ndeg 814290 merece destaque pois estabelece que o SUS

contaraacute em cada esfera de governo com as Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede oacutergatildeos de

instacircncia colegiada que cuidam da avaliaccedilatildeo proposiccedilatildeo de diretrizes e formulaccedilatildeo de

estrateacutegias para as poliacuteticas de sauacutede Aleacutem disso contam com a participaccedilatildeo de

representantes de vaacuterios segmentos sociais englobando natildeo soacute representantes do governo

como tambeacutem profissionais de sauacutede e usuaacuterios

Por outro lado aleacutem de viabilizarem a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS

tais conselhos representativos funcionam como verdadeiros espaccedilos de negociaccedilatildeo que

terminam por reduzir a possibilidade de o Ministeacuterio da Sauacutede estabelecer de maneira

unilateral as regras de funcionamento do SUS contrabalanceando dessa maneira a

concentraccedilatildeo de autoridade conferida ao Executivo Federal

A referida lei ainda trata da alocaccedilatildeo dos recursos do Fundo Nacional de Sauacutede

(FNS) ganhando relevo o destaque dado agraves obrigaccedilotildees a serem cumpridas pelos Municiacutepios

Estados e Distrito Federal como a elaboraccedilatildeo de relatoacuterios de gestatildeo que permitam o controle

dos recursos para o recebimento do repasse automaacutetico dos valores ligados agrave cobertura das

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede a serem implementados pelos mesmos

Nessa temaacutetica com supedacircneo no art 5deg da lei em comento destacaram-se as

chamadas Normas Operacionais Baacutesicas (NOB) e Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede (NOAS)

editadas por meio de portarias do Ministeacuterio da Sauacutede as quais tentaram estabelecer criteacuterios

para a transferecircncia de recursos aos demais entes federados desembocando no conhecido

Pacto pela Sauacutede (PortariaGMMS ndeg 6982006) Tal pacto alterou a forma de financiamento

do SUS reduzindo as mais de cem diversas modalidades entatildeo existentes para apenas cinco

blocos (atenccedilatildeo baacutesica atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade hospitalar e ambulatorial

vigilacircncia em sauacutede assistecircncia farmacecircutica e gestatildeo do SUS)

234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem

aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede

Por forccedila da Emenda Constitucional ndeg 292000 foi estabelecida a participaccedilatildeo miacutenima

de recursos financeiros para cada ente federado no financiamento das accedilotildees e serviccedilos

puacuteblicos de sauacutede para o periacuteodo entre 2000 e 2004 mediante regramento constante no artigo

77 do ADCT Foi prevista tambeacutem a ediccedilatildeo de uma Lei Complementar consoante dispotildee osect

31

3deg do art 198 da CF de 1988 com a missatildeo de revisar os percentuais estabelecer criteacuterios de

rateio e fiscalizar e controlar os recursos referidos

Ocorre que a despeito da autoaplicabilidade inerente aos dispositivos da EC ndeg

292000 ficou evidenciada a necessidade de ser esclarecido conceitual e operacionalmente o

alcance dessas previsotildees constitucionais sobretudo o que estaria abrangido materialmente

como accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede de modo a garantir eficaacutecia e perfeita aplicaccedilatildeo das

mesmas pelos agentes puacuteblicos Nesse sentido surgiram diversas iniciativas buscando

harmonizar as interpretaccedilotildees quanto agraves regras impostas pela EC ndeg 292000 ateacute que a

recalcitracircncia na elaboraccedilatildeo da Lei Complementar referida fosse suprida

Destacaram-se nesse cenaacuterio tanto a Resoluccedilatildeo ndeg 322200321

elaborada pelo

Conselho Nacional de Sauacutede que buscou uniformizar em todo territoacuterio nacional a aplicaccedilatildeo

dos ditames trazidos pela EC ndeg 292000 fixando diretrizes sobre a base de caacutelculo para a

definiccedilatildeo dos recursos miacutenimos a serem aplicados em sauacutede a definiccedilatildeo das regras para a

apuraccedilatildeo de tais recursos bem como a definiccedilatildeo do que exatamente seria considerado accedilotildees e

serviccedilos puacuteblicos de sauacutede como tambeacutem as Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias surgidas apoacutes a

EC 292000 que trataram de definir o que compreenderia em acircmbito federal o conjunto das

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede desempenhando o papel da almejada Lei Complementar

A definiccedilatildeo trazida pelas Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias se calcou na ideia de que a

totalidade da dotaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede deduzidos os encargos previdenciaacuterios da

Uniatildeo os serviccedilos da diacutevida e a parcela das despesas do Ministeacuterio financiada com recursos

do Fundo de Combate e Erradicaccedilatildeo da Pobreza compreenderia os recursos para as accedilotildees e

serviccedilos puacuteblicos de sauacutede na esfera federal obedecendo assim a uma loacutegica meramente

institucional levando em conta apenas o oacutergatildeo executor da accedilatildeo bastando que a despesa

estivesse na programaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede para que em tese integrasse o referido piso

de aplicaccedilatildeo

Tal precariedade levou a subjetivismos e duacutevidas na realizaccedilatildeo dos gastos em sauacutede jaacute

tendo sido alocado por exemplo parte dos recursos destinados ao Bolsa Famiacutelia (programa

marcadamente assistencialista) como constantes do orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede bem

como computado no piso da sauacutede os gastos com a regulaccedilatildeo das operadoras de planos

21

De se destacar que tal Resoluccedilatildeo foi alvo de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2999RJ) entendendo

o Supremo Tribunal Federal pelo natildeo conhecimento da referida accedilatildeo sob o argumento de que a Resoluccedilatildeo foi

expedida com fundamento em regras de competecircncias previstas em um complexo normativo infraconstitucional

abarcado pelas jaacute mencionadas Lei 808090 e 814290

32

privados de sauacutede e suas relaccedilotildees com prestadores e consumidores accedilotildees tipicamente

fiscalizatoacuterias e ligadas a sauacutede suplementar que natildeo atende a universalidade e equidade22

Em acircmbito estadual o quadro tambeacutem foi de grande divergecircncia quanto agrave aplicaccedilatildeo da

Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 do Conselho Nacional de Sauacutede instaurando-se um cenaacuterio de

inseguranccedila juriacutedica em que alguns Estados por exemplo incluiacuteram absurdamente como

constantes do orccedilamento da sauacutede despesas com pagamento de planos meacutedicos privados para

servidores puacuteblicos saneamento alimentaccedilatildeo e assistecircncia social desvirtuando as diretrizes

da mencionada Resoluccedilatildeo

Tais situaccedilotildees em que pese denotarem a proacutepria dificuldade que haacute em se delimitar

um conceito fechado de sauacutede puacuteblica a qual ora liga-se a ideia de uma realidade

epidemioloacutegica (o estado geral de sauacutede de um dado povo) ora vincula-se a noccedilatildeo de

atividade estatal para a administraccedilatildeo da sauacutede e ora serve para designar uma aacuterea da

atividade humana caracterizada pela especializaccedilatildeo profissional e institucional (um campo do

conhecimento humano organizado em uma disciplina)23

terminam por transparecer um

desvirtuamento das verbas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede que sacrifica a concretizaccedilatildeo de tal

direito

Natildeo resta duacutevida desta maneira que a omissatildeo legislativa em se criar a Lei

Complementar prevista pela EC ndeg 292000 contribuiu para a difiacutecil tarefa de se aferir o que

exatamente seria obrigaccedilatildeo do Estado na realizaccedilatildeo do direito fundamental a sauacutede tema que

assume importantiacutessima relevacircncia quando do estudo da efetividade de tal direito bem como

sua proteccedilatildeo judicial conforme se veraacute nos capiacutetulos seguintes

Pois bem em 13 de janeiro de 2012 foi sancionada a Lei Complementar ndeg 141 que

sanando uma omissatildeo que jaacute durava cerca de doze anos veio a instituir nos termos do sect 3deg do

art 198 da Constituiccedilatildeo Federal

i o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante miacutenimo a ser aplicado anualmente

pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede

ii percentuais miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados

anualmente pelos Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de

sauacutede

22

Nota Teacutecnica ndeg 10 de 2011 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos

Deputados - CONOFCD A Sauacutede no Brasil Histoacuteria do Sistema Uacutenico de Sauacutede arcabouccedilo legal

organizaccedilatildeo funcionamento financiamento do SUS e as principais propostas de regulamentaccedilatildeo da

Emenda Constitucional ndeg29 de 2000 p 23 23

AITH Fernando Curso de direito sanitaacuterio a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Satildeo Paulo Quartier

Latin 2007 p 50-51

33

iii criteacuterios de rateio dos recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados

ao Distrito Federal e aos Municiacutepios bem como dos Estados para os seus respectivos

Municiacutepios visando agrave progressiva reduccedilatildeo das disparidades regionais

iv normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferase

v definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em accedilotildees e serviccedilos

puacuteblicos de sauacutede

A tiacutetulo de exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o pagamento de

aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros

programas de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS passaram a

expressamente natildeo constituir despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de

apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos de que trata a referida LC 1412012 representando um

passo significativo para uma uniformizaccedilatildeo miacutenima dos gastos em sauacutede no paiacutes corrigindo

distorccedilotildees e contribuindo para a otimizaccedilatildeo do planejamento do SUS por meio da canalizaccedilatildeo

de investimentos para accedilotildees efetivamente pertinentes ao campo da sauacutede

Desta maneira a LC ndeg 1412012 aleacutem de trazer mais seguranccedila juriacutedica e

uniformidade na correta aplicaccedilatildeo de recursos na aacuterea de sauacutede assume papel chave na

temaacutetica da efetividade do direito agrave sauacutede visto que suas disposiccedilotildees terminam por contribuir

consideravelmente tanto para a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para tal

direito jaacute que satildeo arroladas as accedilotildees e serviccedilos que os recursos estatais devem minimamente

abranger como tambeacutem auxiliam na construccedilatildeo de paracircmetros relevantes agrave proteccedilatildeo judicial

do mesmo consoante seraacute analisado mais a frente em toacutepico oportuno

24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E ALGUNS DESAFIOS

ATUAIS DO SUS

A implantaccedilatildeo do SUS no iniacutecio da deacutecada de noventa ocorreu em um periacuteodo

desfavoraacutevel notadamente influenciado pela ideologia neoliberal no cenaacuterio econocircmico

brasileiro tendo tal fato contribuiacutedo para a alocaccedilatildeo da reforma sanitaacuteria a um niacutevel de

prioridade secundaacuteria na agenda poliacutetica do paiacutes visto que a conjuntura inicial era marcada

pelo apoio estatal ao setor privado e pela concentraccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede nas regiotildees mais

desenvolvidas do paiacutes

Apesar disso eacute inegaacutevel que nos uacuteltimos vinte anos o SUS avanccedilou a partir de

inovaccedilotildees institucionais calcadas sobretudo em um intenso processo de descentralizaccedilatildeo que

outorgou maior responsabilidade aos municiacutepios na gestatildeo e serviccedilo de sauacutede aleacutem de

34

possibilitar meios para promoccedilatildeo da participaccedilatildeo social na criaccedilatildeo de sauacutede e controle do

desempenho do sistema destacando-se os esforccedilos na fabricaccedilatildeo de produtos farmacecircuticos e

a cobertura da vacinaccedilatildeo24

Ocorre que o SUS em que pese jaacute possuir bases legais estabelecidas e amadurecidas a

partir de uma consideraacutevel experiecircncia operacional ainda precisa ser melhor desenvolvido na

busca pela garantia da cobertura universal e equitativa abraccedilada por nosso ordenamento

Nesse ponto faz-se imprescindiacutevel uma reestruturaccedilatildeo financeira e uma revisatildeo profunda das

relaccedilotildees puacuteblico-privadas atinentes ao sistema de modo a diminuir as desigualdades

persistentes e garantir uma sustentabilidade poliacutetica econocircmica e teacutecnica do SUS

Para se ter uma ideia seja na atenccedilatildeo baacutesica secundaacuteria ou terciaacuteria as diversas

estrateacutegias de repasse de recursos bem como a implantaccedilatildeo de programas como o Programa

de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) apesar de diminuir o problema estrutural natildeo foram

suficientemente satisfatoacuterios sobretudo pela baixa integraccedilatildeo e deficiecircncia dos prestadores

em niacuteveis municipal e estadual

Nesse raciociacutenio notadamente para os procedimentos de meacutedio e alto custo haacute um

inegaacutevel quadro de deficitaacuterio controle dos custos e da eficiecircncia das accedilotildees envolvidas visto

que quem os realiza predominantemente satildeo os atores privados contratados e hospitais

puacuteblicos de ensino pagos com recursos puacuteblicos a preccedilos proacuteximos do valor de mercado

contribuindo para a potencializaccedilatildeo dos obstaacuteculos estruturais procedimentais e poliacuteticos do

SUS25

De se destacar ainda que aleacutem de claros problemas estruturais como eacute o caso do jaacute

citado desequiliacutebrio de poder entre integrantes da rede de sauacutede da falta de responsabilizaccedilatildeo

dos atores envolvidos aliada agraves descontinuidades administrativas e da alta rotatividade dos

gestores por motivos poliacuteticos a carecircncia em infraestrutura eacute um grave fator que compromete

a efetividade das iniciativas puacuteblicas para o setor

Em que pese natildeo ser objeto do presente trabalho o exame apurado dos problemas do

SUS agrave tiacutetulo de ilustraccedilatildeo faz-se imperioso destacar que da leitura de dados da OMS

extraiacutedos em 2011 depreende-se que26

24

PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p 28 Disponiacutevel em

httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 11022013 25

SOLLA J Chioro A Atenccedilatildeo ambulatorial especializada In GIOVANELLA Liacutevia (Org) Poliacuteticas e

sistema de sauacutede no Brasil Rio de Janeiro FioCruz 2008 p 672 e 673 26

Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201304130402_saude_gastos_publicos_lgdsht

Acesso em 04032013

35

a) no Brasil os gastos privados com sauacutede correspondem a 54 das despesas totais do

setor enquanto que os gastos puacuteblicos financiam os 46 restantes (para se ter um

ideia na Colocircmbia o financiamento puacuteblico na aacuterea eacute de 74 e no Chile 68)

b) a parcela do orccedilamento federal destinada agrave sauacutede gira em torno de 87 enquanto a

meacutedia dos paiacuteses africanos eacute 106 e a meacutedia mundial 117

c) o gasto anual do governo com a sauacutede de cada habitante corresponde a cerca de

US$ 477 doacutelares bem abaixo da meacutedia mundial (US$ 716 doacutelares) e dos nuacutemeros de

paiacuteses vizinhos como Argentina (US$ 866 doacutelares) e Chile (US$ 607 doacutelares)

Ainda conforme dados do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) haacute um

claro descompasso na execuccedilatildeo do orccedilamento em relaccedilatildeo ao crescimento do Produto Interno

Bruto (PIB) vez que no periacuteodo de 1995 a 2010 a meacutedia de investimento em sauacutede foi de

168 do PIB enquanto a OMS recomenda a aplicaccedilatildeo de pelo menos 5 do PIB para a

obtenccedilatildeo de padrotildees eficientes de atendimento27

Contudo se por um lado os dados acima levam a crer que ainda falta investimento em

recursos para a sauacutede eacute inegaacutevel que esta natildeo eacute a uacutenica dificuldade da sauacutede puacuteblica no

Brasil visto que haacute uma verdadeira multicausalidade no tema que engloba tambeacutem a crise de

gestatildeo pela qual passa o SUS os problemas relacionados agrave corrupccedilatildeo somados agrave impunidade

quanto aos desvios de verbas da sauacutede e a necessidade de uma delimitaccedilatildeo mais clara dos

investimentos em sauacutede com a melhoria da fiscalizaccedilatildeo dos mesmos

Vislumbra-se portanto que o maior desafio enfrentado pelo SUS eacute poliacutetico sendo

necessaacuteria uma uniatildeo de esforccedilos tanto dos governantes como da sociedade aliada aos oacutergatildeos

de fiscalizaccedilatildeo da gestatildeo puacuteblica para se alcanccedilar uma melhoria estrutural em seu

funcionamento capaz de fazer valer na praacutetica as disposiccedilotildees normativas previstas

contribuindo assim para uma maior concretizaccedilatildeo do direito fundamental agrave sauacutede a partir do

agir comunicativo da sociedade28

25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO

ORDENAMENTO PAacuteTRIO

27

CASTRO Jorge Abrahatildeo Gasto Social Federal uma anaacutelise da prioridade macroeconocircmica no periacuteodo

1995-2010 Nota Teacutecnica do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) disponiacutevel em

httpwwwipeagovbragenciaimagesstoriesPDFsnota_tecnica120904_notatecnicadisoc09_apresentacaopdf

Acessado em 06032013 28

PAIM Jairnilson Silva Bases conceituais da reforma sanitaacuteria brasileira In FLEURY Socircnia (Org) Sauacutede e

democracia a luta do CEBES Satildeo Paulo Lemos 1997 p 20-22

36

Para o exame da sauacutede como direito humano e a exata noccedilatildeo de sua abrangecircncia

protetiva em acircmbito internacional faz-se necessaacuterio analisar os principais documentos que

tratam dos direitos humanos tanto em niacutevel universal como regional (especialmente no

continente americano) de modo a se extrair dos mesmos as disposiccedilotildees correlatas com a

temaacutetica da sauacutede

No que se refere ao sistema universal tem-se que a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos (DUDH) adotada pela III Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas sob a forma de

resoluccedilatildeo em 10 de dezembro de 1948 consolidou a afirmaccedilatildeo de uma eacutetica universal ao

consagrar um consenso de caraacuteter vinculante sobre valores a serem seguidos pelos Estados a

partir da conjugaccedilatildeo do valor liberdade com o da igualdade impondo-se como um coacutedigo de

conduta voltado ao reconhecimento universal dos direitos humanos29

Nesse contexto apesar de indiretamente diversos dispositivos deste diploma se

correlacionarem com o direito humano a sauacutede (por exemplo art 3deg trata do direito agrave vida

art 5deg da proibiccedilatildeo da tortura art 22 direitos sociais indispensaacuteveis agrave dignidade e garantidos

pela cooperaccedilatildeo internacional) a menccedilatildeo expressa a tal direito social encontra-se no art 25 o

qual faz alusatildeo ao acesso agraves condiccedilotildees miacutenimas de sauacutede e bem-estar inclusive a cuidados

meacutedicos e serviccedilos sociais indispensaacutevel abrangendo desta maneira uma percepccedilatildeo da sauacutede

de maneira ampla e aproximada da concepccedilatildeo propagada pela OMS30

Dispotildee o art 25 da

Declaraccedilatildeo que

Todo homem tem direito a um padratildeo de vida capaz de assegurar a si e a sua

famiacutelia sauacutede e bem-estar inclusive alimentaccedilatildeo vestuaacuterio habitaccedilatildeo

cuidados meacutedicos e os serviccedilos sociais indispensaacuteveis e direito agrave seguranccedila

em caso de desemprego doenccedila invalidez viuvez velhice ou outros casos

de perda dos meios de subsistecircncia em circunstacircncias fora de seu controle

2 A maternidade e a infacircncia tecircm direito a cuidados e assistecircncia especiais

Todas as crianccedilas nascidas dentro ou fora do matrimocircnio gozaratildeo da mesma

proteccedilatildeo social (Grifos acrescidos)

Aleacutem da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos31

um importante avanccedilo foi dado

em 1966 com o intuito de explicitar melhor os direitos jaacute consagrados na DUDH bem como

29

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva

2006 p 133 30

TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo

por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 83 31

Conforme as liccedilotildees de Maria Helena Rodriguez a DUDH consolidou-se como um verdadeiro coacutedigo de

princiacutepios e valores universais ocasionando uma chamada globalizaccedilatildeo dos direitos humanos ldquopor baixordquo (ao

contraacuterio da globalizaccedilatildeo por cima tiacutepica das estruturas de comunicaccedilatildeo comeacutercio e poliacutetica) calcada no

desenvolvimento e emancipaccedilatildeo do ser humano mediante a conquista concreta de um rol de direitos por todas as

37

de fortalecer os mecanismos de controle da efetivaccedilatildeo desses direitos pela comunidade

internacional Tal fato consistiu na celebraccedilatildeo do Pacto Internacional de Direitos Civis e

Poliacuteticos (PIDCP) e do Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais

(PIDESC) os quais reforccedilaram a positivaccedilatildeo dos direitos humanos em acircmbito internacional e

trouxeram aspectos relevantes quanto ao direito agrave sauacutede

O PIDCP apresenta diversos dispositivos com ligaccedilatildeo indireta com o direito humano agrave

sauacutede ora por externarem um reforccedilo do direito agrave vida e agrave integridade humana (como eacute o caso

da proibiccedilatildeo da tortura e da vedaccedilatildeo do uso da pessoa em experimentos meacutedicos ou

cientiacuteficos sem livre e legiacutetimo consentimento) ora como uma limitaccedilatildeo de ordem puacuteblica

ao exerciacutecio de outros direitos humanos como o direito de entrar e sair do paiacutes e a nele

circular livremente o qual pode ser restringido em defesa da sauacutede puacuteblica

Jaacute no PIDESC haacute uma proteccedilatildeo mais enfaacutetica quanto ao direito agrave sauacutede especialmente

nos artigos 11 e 12 os quais refletem a noccedilatildeo construiacuteda de que a dignidade eacute inerente agrave

pessoa humana por meio tanto da previsatildeo de aspectos materiais promovedores da sauacutede (art

11) como do proacuteprio direito a sauacutede em sentido estrito (art 12)

Artigo 11

1 Os Estados Signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda

pessoa a um niacutevel de vida adequado para si e sua famiacutelia inclusive

alimentaccedilatildeo vestimenta e moradia adequadas e ao melhoramento contiacutenuo

das condiccedilotildees de existecircncia ()

Artigo 12

1 Os Estados signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda

pessoa de desfrutar o mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede fiacutesica e mental

2 Entre as medidas que deveratildeo ser adotadas pelos Estados Signataacuterios do

Pacto a fim de assegurar a plena efetividade deste direito figuraratildeo as

necessaacuterias para

a) A reduccedilatildeo da mortalidade infantil e do iacutendice de natimortos bem

como o desenvolvimento sadio das crianccedilas

b) O aprimoramento em todos os seus aspectos da higiene do trabalho e

do meio ambiente

c) A prevenccedilatildeo e o tratamento das doenccedilas epidecircmicas endecircmicas

profissionais e de outro tipo e a luta contra elas

d) A criaccedilatildeo de condiccedilotildees que garantam a todos assistecircncia meacutedica e

serviccedilos meacutedicos em caso de doenccedila

A abertura de um dispositivo especiacutefico sobre sauacutede significou antes de tudo um

importante avanccedilo na proteccedilatildeo desse direito jaacute que ateacute entatildeo a grande maioria das referecircncias

ao mesmo era feita de forma indireta Contudo a principal contribuiccedilatildeo do mencionado

pessoas RODRIGUEZ Maria Helena Os direitos econocircmico sociais e culturais uma realidade inadiaacutevel In

Revista Trimestral de Debate FASE v31 ndeg 92 p 18-38 marmaio 2002 p 19

38

artigo 12 foi a listagem de accedilotildees estatais essenciais para a garantia da plena efetividade do

direito agrave sauacutede com a apresentaccedilatildeo das balizas centrais ou frentes prioritaacuterias as quais os

Estados Membros devem se preocupar quando tratam da temaacutetica da sauacutede puacuteblica

consistindo tal contributo assim em importante paracircmetro para a construccedilatildeo de um miacutenimo

existencial quanto a este direito fundamental

Antes de avanccedilar impende destacar um aspecto concernente aos citados Pactos que

seraacute relevante no estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais (em especial o direito agrave

sauacutede) tratado mais a frente Tal aspecto diz respeito agrave complementaridade iacutensita aos dois

pactos no sentido de que o fato de o PIDCP asseverar que os direitos civis e poliacuteticos satildeo

autoaplicaacuteveis (art 2deg) e o PIDESC por sua vez estabelecer uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo

progressiva nos limites dos recursos disponiacuteveis visando agrave mais completa realizaccedilatildeo dos

direitos elencados (art 2deg) natildeo significa que exista uma dualidade excludente entre as duas

categorias de direitos previstas Havendo em verdade uma autecircntica pluralidade combinada e

formadora de um conjunto indivisiacutevel perfeitamente imbricado no qual a ausecircncia de

medidas concretizadoras de um direito inevitavelmente repercute na fruiccedilatildeo plena do conjunto

restante32

Para monitorar o cumprimento pelos Estados Membros das prioridades elencadas

acima haacute um intercacircmbio de informaccedilotildees dos mesmos com o Comitecirc de Direitos Econocircmicos

Sociais e Culturais instituiacutedo pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU cuja principal

funccedilatildeo eacute exatamente a de monitorar a implementaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e

culturais por meio do exame dos relatoacuterios perioacutedicos apresentados pelos Estados Nessa

conjuntura a Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 do referido comitecirc eacute de suma importacircncia pois

esclarece quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas dos Estados as quais o cumprimento deve ser

imediato

O documento mencionado acima eacute calcado em quatro elementos essenciais e

interligados disponibilidade acessibilidade fiacutesica e econocircmica sem discriminaccedilatildeo

aceitabilidade e qualidade Nesse sentido cada Estado-Parte deve contar com um nuacutemero

suficiente de estabelecimentos bens e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os quais sejam acessiacuteveis a

todos sem qualquer discriminaccedilatildeo respeitem a eacutetica meacutedica sendo culturalmente apropriados

32

Realccedila essa visatildeo o fato de o art 5deg de ambos os Pactos criarem uma regra de inteligecircncia proacutepria dos direitos

humanos que se sobrepotildee aos demais criteacuterios hermenecircuticos tradicionais no sentido de que a interpretaccedilatildeo nos

Pactos deve ser a mais ampliativa possiacutevel voltada agrave maacutexima eficaacutecia dos preceitos que contecircm em um cenaacuterio

de busca pela maximizaccedilatildeo dos direitos humanos FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave

Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 29

39

e finalmente sejam providos de um miacutenimo de qualidade com profissionais qualificados e

condiccedilotildees sanitaacuterias adequadas33

Pode-se observar desta forma que a Observaccedilatildeo Geral ndeg 1434

funciona como um

verdadeiro instrumento de regulamentaccedilatildeo do artigo 12 do PIDESC e consequentemente de

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede visto que busca esclarecer quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas

dos Estados cujo cumprimento deve ser imediato35

e fora do espectro de discussatildeo da

disponibilidade de recursos como as seguintes a garantia de acesso a uma alimentaccedilatildeo

essencial miacutenima agrave moradia e abastecimento de aacutegua a adoccedilatildeo de estrateacutegias e accedilotildees

nacionais de sauacutede puacuteblica relacionadas com as preocupaccedilotildees mais claras da populaccedilatildeo a

facilitaccedilatildeo ao acesso de medicamentos36

essenciais etc

A Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 demonstra-se pois primordial para a compreensatildeo das

distintas dimensotildees normativas do direito a sauacutede pois busca oferecer respostas concretas e

ateacute certo ponto praacuteticas ao questionamento acerca do que deve ser cumprido pelos Estado

Membros do PIDESC na mateacuteria do direito agrave sauacutede apontando tanto obrigaccedilotildees gerais como

especiacuteficas de cunho positivo ou negativo37

Tambeacutem no acircmbito universal de proteccedilatildeo pode ser destacada a Declaraccedilatildeo de Viena38

de 1993 que ao legitimar a universalidade dos direitos humanos propagada desde 1948

33

MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a

concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN

Natal 2007 p 41 34

A Observaccedilatildeo Geral ndeg14 foi expedida durante o 22deg periacuteodo de sessotildees do Comitecirc de Direitos Econocircmicos

Sociais e Culturais celebrado no ano 2000 e seu texto pode ser consultado por exemplo em CARBONELL

Miguel MOGUEL Sandra amp PORTILLA Karla Peacuterez (compiladores) Derecho Internacional de los

Derechos Humanos Textos Baacutesicos 2deg Ediccedilatildeo Meacutexico Porruacutea 2003 pp 594- 621 35

No que refere-se agrave supervisatildeo do cumprimento das obrigaccedilotildees referidas tem-se que os Estados ndash partes devem

apresentar informaccedilotildees sobre as medidas que estejam sendo tomadas e os progressos alcanccedilados submetendo tais

dados ao Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Eacute nesse cenaacuterio que com o fito de avaliar o grau

de eficiecircncia dos serviccedilos de sauacutede em acircmbito internacional foi criada em 7 de abril de 1948 a Organizaccedilatildeo

Mundial de Sauacutede cujo objetivo eacute decidir as principais questotildees relativas agraves poliacuteticas de sauacutede com o fim de que

todos os povos possam gozar do grau maacuteximo de sauacutede possiacutevel 36

Medida salutar para se alcanccedilar tal facilitaccedilatildeo eacute a questatildeo que envolve a possibilidade da quebra de patentes

Sobre o tema conferir BARRETO Ana Cristina Costa Direito agrave sauacutede e patentes farmacecircuticas ndash O acesso a

medicamentos como preocupaccedilatildeo global para o desenvolvimento In Revista Aurora v 5 n7 jan 2011 37

Nesse sentido dispotildee Miguel Carbonell ao destacar os paraacutegrafos 35 e 36 do documento em exame que

ldquo()sobre la obligacioacuten de proteger el Comiteacute apunta que los Estados deberaacuten adoptar leyes u otras medidas para

velar por el acceso igual a la atencioacuten de la salud y los servicios relacionados con la salud proporcionados por

terceros velar por que la privatizacioacuten del sector de la salud no represente una amenaza para la disponibilidad

accesibilidad aceptabilidad y calidad de los servicios de atencioacuten de la salud controlar la comercializacioacuten de

equipo meacutedico y medicamentos por terceros y asegurar que los facultativos y otros profesionales de la salud

reuacutenan las condiciones necesarias de educacioacuten experiencia y deontologiacutea Los Estados tambieacuten tienen la

obligacioacuten de velar por que las praacutecticas sociales o tradicionales nocivas no afecten al acceso a la atencioacuten

anterior y posterior al parto ni a la planificacioacuten de la famiacutelia()rdquo CARBONELL Miguel El derecho a la salud

em el derecho internacional de los derechos humanos las observaciones generales de la ONU In Revista da

Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 pp 80-83 38

A Conferecircncia de Viena consolidou o aacutepice de um processo de consagraccedilatildeo dos direitos humanos como tema

da comunidade internacional que teve por carro-chefe a prevalecircncia de uma concepccedilatildeo universalizante a exceder

40

ponderou com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que os Estados devem promover a maternidade

segura e a assistecircncia de sauacutede consideradas elementos importantes para a diminuiccedilatildeo das

desigualdades de gecircnero reconheceu a importacircncia do usufruto de elevados padrotildees de sauacutede

fiacutesica e mental por parte da mulher durante todo o seu ciclo de vida sendo seu direito a

assistecircncia de sauacutede acessiacutevel e adequada estabeleceu ser dever dos estados natildeo impedir a

plena realizaccedilatildeo dos direitos humanos como eacute o caso do direito das pessoas a um niacutevel de

vida adequado agrave sauacutede e bem-estar e asseverou que os estados tecircm a obrigaccedilatildeo de prover

sauacutede agraves pessoas pertencentes a grupos vulneraacuteveis

A Declaraccedilatildeo de Viena desta feita natildeo soacute consolidou os direitos humanos como um

tema global a partir da afirmaccedilatildeo de sua universalidade interdependecircncia e

complementariedade solidaacuteria pregando pelo direito agrave diferenccedila e o dever de respeitar as

particularidades nacionais e regionais como tambeacutem significou um importante reforccedilo agrave

International Bill of Rights39

apresentando importantes disposiccedilotildees concernentes agrave temaacutetica

do direito agrave sauacutede40

Aleacutem dos textos jaacute citados existem alguns documentos mais especiacuteficos na esfera de

proteccedilatildeo universal dos quais podem ser extraiacutedos aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede

como a Convenccedilatildeo contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Crueacuteis Desumanos ou

Degradantes que embora natildeo aborde diretamente o direito em exame defende a natureza

absoluta da vedaccedilatildeo da praacutetica de tortura o que em uacuteltima anaacutelise consubstancia-se em

praacutetica protetiva da sauacutede e integridade fiacutesica a Convenccedilatildeo Internacional sobre a Eliminaccedilatildeo

de todas as formas de Discriminaccedilatildeo Racial que expressamente elenca em seu artigo 5deg o

dever de garantia pelo Estado do direito agrave sauacutede a cuidados meacutedicos e agrave previdecircncia social a

Convenccedilatildeo sobre todas as formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher que reconhece

especialmente em seu artigo 12 o direito da mulher agrave sauacutede e agrave assistecircncia apropriada em

relaccedilatildeo agrave gravidez bem como a Convenccedilatildeo sobre os Direitos da Crianccedila que menciona o

direito humano agrave sauacutede para todas as crianccedilas (arts 24 e 25) bem como para as crianccedilas

deficientes (art 23) extraindo-se de todo este arcabouccedilo protetivo que a sauacutede se situa como

relativismos e etnocentrismos culturais FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede

paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 31 39

Conforme aduz Piovesan o conjunto formado da soma entre os Pactos de 1966 e a Declaraccedilatildeo de 1948

formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o

Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 152 40

Nesse sentido se a DUDH veio a consolidar o pensamento de que natildeo haacute liberdade sem igualdade nem

igualdade sem liberdade preenchendo a lacuna que distanciava a visatildeo liberal e social a Declaraccedilatildeo de Viena foi

relevante pois solidificou a consagraccedilatildeo da indivisibilidade interdependecircncia e inter-relaccedilatildeo entre os direitos

humanos PIOVESAN Flaacutevia Proteccedilatildeo internacional dos direitos econocircmicos sociais e culturais In SARLET

Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais sociais estudos de direito constitucional internacional e

comparado Rio de Janeiro Renovar 2003 p 247

41

um tema transversal41

no processo de especificaccedilatildeo dos direitos humanos devido a sua

essencialidade e estreita relaccedilatildeo com o proacuteprio direito agrave vida

Em niacutevel regional42

podem ser mencionados os sistemas europeu africano e o

interamericano43

merecendo maior destaque este uacuteltimo para os anseios do presente trabalho

Nesse contexto na temaacutetica da proteccedilatildeo do direito humano agrave sauacutede no sistema

interamericano ganham relevo a Declaraccedilatildeo Americana dos Direitos e Deveres do Homem

de 1948 o subsistema da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash Pacto de Satildeo Joseacute

da Costa Rica de 1969 e o Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos

Humanos em mateacuteria de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais denominado de Protocolo

de Satildeo Salvador de 1988

A Declaraccedilatildeo Americana de maneira expressa aborda o direito agrave preservaccedilatildeo da

sauacutede e ao bem-estar em seu artigo 11 ao afirmar que toda pessoa tem direito a que sua sauacutede

seja resguardada por medidas sanitaacuterias e sociais relativas agrave alimentaccedilatildeo roupas habitaccedilatildeo e

cuidados meacutedicos correspondentes ao niacutevel permitido pelos recursos puacuteblicos e os da

coletividade deixando clara a importacircncia da efetivaccedilatildeo das prestaccedilotildees materiais do direito agrave

sauacutede em si mas tambeacutem dos seus fatores condicionantes mais relevantes alimentaccedilatildeo e

habitaccedilatildeo

A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos de 1969 por sua vez tratou de

prestigiar os direitos humanos de dimensatildeo individual e por tal razatildeo o direito agrave sauacutede eacute

tratado de maneira indireta ou subentendida visto que em seu artigo 5deg sect 1deg a aludida

Convenccedilatildeo afirma que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade fiacutesica

psiacutequica e moral Noutro poacutertico sob um vieacutes de direito de defesa diversos dispositivos ao

tratarem de determinados direitos individuais (como a liberdade de religiatildeo de pensamento

de reuniatildeo por exemplo) fazem alusatildeo a possibilidade de limitaccedilatildeo excepcional dos mesmos

justificada em razatildeo da defesa da sauacutede puacuteblica revelando o caraacuteter prioritaacuterio desse direito

social

41

TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo

por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 95 42

Assevera Flaacutevia Piovesan que ldquoos sistemas global e regional natildeo satildeo dicotocircmicos mas complementares ()

O propoacutesito da coexistecircncia de distintos instrumentos juriacutedicos ndash garantindo os mesmos direitos ndash eacute pois no

sentido de ampliar e fortalecer a proteccedilatildeo dos direitos humanos O que importa eacute o grau de eficaacutecia da proteccedilatildeo

e por isso deve ser aplicada a norma que no caso concreto melhor proteja a viacutetimardquo PIOVESAN Flaacutevia

Desenvolvimento histoacuterico dos direitos humanos e a Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 In Retrospectiva dos 20

anos da Constituiccedilatildeo Federal Walber de Moura Agra (coord) Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 24 43

Para um aprofundamento no exame desses trecircs sistemas PIOVESAN Flaacutevia Direito Humanos e Justiccedila

Internacional um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu interamericano e africano Satildeo

Paulo Saraiva 2006

42

Como explicado a proteccedilatildeo em 1969 limitou-se aos direitos de primeira dimensatildeo

contudo em 1988 foi assinado em San Salvador um Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo o

qual tratou de contemplar os direitos econocircmicos sociais e culturais Desta forma o artigo 10

do mencionado Protocolo trata de maneira expressa e enfaacutetica do tema do direito agrave sauacutede

reconhecendo algumas premissas baacutesicas e relevantes que devem ser levadas em consideraccedilatildeo

pelos Estados quais sejam

1 Toda pessoa tem direito agrave sauacutede entendida como o gozo do mais alto

niacutevel de bem-estar fiacutesico mental e social

()

3 A fim de tornar efetivo o direito agrave sauacutede os Estados Partes

comprometem-se a reconhecer a sauacutede como bem puacuteblico e

especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito

a Atendimento primaacuterio de sauacutede entendendo-se como tal a

assistecircncia meacutedica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas

e famiacutelias da comunidade

b Extensatildeo dos benefiacutecios dos serviccedilos de sauacutede a todas as pessoas

sujeitas agrave jurisdiccedilatildeo do Estado

c Total imunizaccedilatildeo contra as principais doenccedilas infecciosas

d Prevenccedilatildeo e tratamento das doenccedilas endecircmicas profissionais e de

outra natureza

e Educaccedilatildeo da populaccedilatildeo sob prevenccedilatildeo e tratamento dos problemas

de sauacutede e

f Satisfaccedilatildeo das necessidades de sauacutede dos grupos de mais alto risco e

que por sua situaccedilatildeo de pobreza sejam mais vulneraacuteveis

Eacute relevante notar que as disposiccedilotildees acima arroladas se coadunam e se somam com as

jaacute vistas previsotildees no direito paacutetrio quanto ao direito agrave sauacutede notadamente com os princiacutepios

informadores do SUS e terminam por compor o vasto arcabouccedilo juriacutedico de proteccedilatildeo do

direito agrave sauacutede constante no direito paacutetrio que poderaacute ser invocado pela sociedade para se ter

garantido respeitado e concretizado tal direito social

Merece destaque ainda a Declaraccedilatildeo de Alma-Ata de 1978 resultado da Conferecircncia

Internacional sobre Cuidados Primaacuterios de Sauacutede que em seu item I dispotildee que a realizaccedilatildeo

do mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede depende da atuaccedilatildeo de diversos setores sociais e

econocircmicos para aleacutem do setor da sauacutede propriamente dito o que termina por reforccedilar a

noccedilatildeo (seguida tanto pela ldquoLei do SUSrdquo) de ldquointersetorialidaderdquo desse direito Explicando

melhor na medida em que tal direito eacute compreendido como garantia de qualidade miacutenima de

vida sua efetivaccedilatildeo natildeo incumbe de modo exclusivo ao ldquosetor sauacutederdquo mas sim depende da

consecuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mais amplas direcionadas agrave superaccedilatildeo das desigualdades

43

sociais e ao pleno desenvolvimento da personalidade inclusive pelo compromisso com as

futuras geraccedilotildees44

Finalmente na temaacutetica da proteccedilatildeo internacional do direito agrave sauacutede eacute digna de

referecircncia a Carta de Intenccedilotildees formulada na 1deg Conferecircncia Internacional sobre Promoccedilatildeo

da Sauacutede ocorrida em Otawa no Canadaacute no ano de 1986 Tal Carta aleacutem de fixar novas

diretrizes e princiacutepios voltados agrave organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede em diversos paiacuteses

influenciando na criaccedilatildeo do SUS no Brasil procurou empreender uma leitura da promoccedilatildeo da

sauacutede centrada na procura da equidade e na busca pela reduccedilatildeo das desigualdades existentes

estabelecendo que a sauacutede seria um recurso da maior importacircncia para o desenvolvimento

social econocircmico e pessoal consistindo em uma dimensatildeo importante da qualidade de vida

de cada um45

44

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 4

45

MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a

concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN

Natal 2007 p 42

44

3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL

Em que pese ter se apresentado marcadamente descritivo devido a apresentaccedilatildeo de

disposiccedilotildees legislativas bem como de nuacutemeros percentuais que refletem o atual quadro da

sauacutede puacuteblica no Brasil o capiacutetulo anterior teve sua importacircncia pois contribuiu com uma

visatildeo geral acerca de como a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute esmiuccedilada e estruturada no

ordenamento paacutetrio O conhecimento do exato alcance deste complexo normativo eacute ponto de

suma relevacircncia para o estudo do presente toacutepico bem como da temaacutetica da proteccedilatildeo judicial

do direito agrave sauacutede tratado no capiacutetulo quarto

Dito isto seraacute examinado a seguir o tratamento que eacute dado no ordenamento paacutetrio agrave

questatildeo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais notadamente do direito agrave sauacutede e para a

exata compreensatildeo do tema faz-se primordial estudar como se deu a evoluccedilatildeo dos direitos

fundamentais e a influecircncia desse processo histoacuterico na construccedilatildeo do conteuacutedo baacutesico do

direito a sauacutede calcado em sua dupla fundamentalidade (formal e material)

31 A EVOLUCcedilAtildeO HISTOacuteRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana como valor essencial do ser humano (o valor

do homem como um fim em si mesmo) forma a matriz embrionaacuteria dos direitos fundamentais

e sempre esteve presente nas sociedades ainda que mais primitivas sendo apontada como um

dos poucos consensos teoacutericos do mundo contemporacircneo verdadeiro axioma da civilizaccedilatildeo

ocidental e talvez a uacutenica ideologia remanescente46

Posta tal premissa eacute certo que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais sua estratificaccedilatildeo

em geraccedilotildees e a abrangecircncia conceitual do que viria a ser direitos humanos encontra-se

perfeitamente atrelada agrave identificaccedilatildeo do percurso histoacuterico da noccedilatildeo de dignidade da pessoa

humana que como afirmado no tiacutetulo do presente toacutepico funciona como verdadeira buacutessola e

ponto de partida para a compreensatildeo desse processo47

46

MELLO Celso D de Albuquerque Direitos Humanos e Conflitos Armados Rio de Janeiro Renovar 1997

p 3 47

Nesse contexto importante as liccedilotildees Pieroth e Schlink de no sentido de que ldquoos direitos fundamentais satildeo

enquanto parte do direito puacuteblico e do direito constitucional direitos poliacuteticos e estatildeo sujeitos agrave mudanccedila das

ordens poliacutetica Mas os direitos fundamentais satildeo tambeacutem simultaneamente uma resposto agrave questatildeo

fundamental invariaacutevel da relaccedilatildeo entre liberdade individual e a ordem poliacuteticardquo PIEROTH Bodo SCHLINK

Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo

Saraiva 2012 p 33

45

Nesse contexto desvencilhando-se do propoacutesito de percorrer detalhadamente o

caminho histoacuterico do tema quatro momentos fundamentais podem ser apontados

cronologicamente como fases constitutivas da noccedilatildeo de dignidade humana o Cristianismo o

Iluminismo- Humanista a obra de Immanuel Kant e as barbaacuteries ocorridas na Segunda Guerra

Mundial48

Os valores pregados por Jesus Cristo e seus seguidores representaram a primeira

contribuiccedilatildeo na valorizaccedilatildeo individual do homem ao passo que a salvaccedilatildeo anunciada era

individual e dependente de uma decisatildeo pessoal sendo enfatizado tambeacutem o respeito ao

proacuteximo o que despertou para um sentimento de solidariedade iacutensito agrave noccedilatildeo de condiccedilotildees

miacutenimas de existecircncia que eacute tiacutepica da construccedilatildeo dos direitos sociais

Nesse contexto merece atenccedilatildeo os ensinamentos de Jorge Miranda ao afirmar que49

Eacute com o cristianismo que todos os seres humanos soacute por o serem e sem

acepccedilatildeo de condiccedilotildees satildeo considerados pessoas dotadas de um eminente

valor Criados a imagem e semelhanccedila de Deus todos os homens e mulheres

satildeo chamados agrave salvaccedilatildeo atraveacutes de Jesus que por eles verteu o seu sangue

Criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus todos tecircm uma liberdade

irrenunciaacutevel que nenhuma sujeiccedilatildeo poliacutetica ou social pode destruir

Posteriormente o Iluminismo contribuiu para o desenvolvimento da ideia de

dignidade humana a partir de sua crenccedila na razatildeo humana e a busca pela substituiccedilatildeo da

religiosidade pelo proacuteprio homem no centro do sistema de pensamento mediante o

desenvolvimento teoacuterico do humanismo que por sua vez se preocupava com os direitos

individuais do homem e o exerciacutecio democraacutetico do poder

Na sequecircncia ganhou destaque a formulaccedilatildeo do pensamento de Kant acerca da

natureza do homem e de suas relaccedilotildees consigo proacuteprio com o proacuteximo e com as suas criaccedilotildees

da natureza cuja premissa central era a de que o homem consiste em um fim em si mesmo e

natildeo em funccedilatildeo do Estado da sociedade ou da naccedilatildeo possuindo uma dignidade ontoloacutegica

Finalmente as chocantes agressotildees aos direitos humanos ocorridas na Segunda Guerra

Mundial pelo regime nazista realizadas sobre o manto da legalidade levaram agrave reflexatildeo no

cenaacuterio poacutes-guerra acerca da necessidade de superaccedilatildeo do modelo positivista com a

reaproximaccedilatildeo do direito da moral e o carro-chefe dessa virada Kantiana50

foi exatamente a

48

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 126 49

MIRANDA Jorge Manual de Direito Constitucional Tomo IV 3deg ed Coimbra Coimbra Editora 2000 p

17 50

ldquoDe uns trinta anos para caacute assiste-se ao retorno aos valores como caminho para a superaccedilatildeo dos positivismos

A partir do que se convencionou chamar de bdquovirada kantiana‟(kantische Wende) isto eacute a volta agrave influecircncia da

46

consagraccedilatildeo da dignidade da pessoa humana no plano internacional e a propagaccedilatildeo da mesma

nos direitos internos nacionais como valor maacuteximo e vetor de atuaccedilatildeo

Diante desses apontamentos nota-se que as contribuiccedilotildees para a construccedilatildeo da ideia

de dignidade da pessoa humana51

acima descritas foram cruciais para a evoluccedilatildeo dos direitos

fundamentais e a noccedilatildeo de direitos humanos difundida apoacutes a Segunda Guerra podendo-se

afirmar que o conteuacutedo juriacutedico da dignidade da pessoa humana se interliga harmonicamente

com os direitos fundamentais ou humanos52

ao passo que o respeito agrave dignidade de um

indiviacuteduo pressupotildee a observaccedilatildeo e realizaccedilatildeo dos seus direitos fundamentais53

Firmada essa importante observaccedilatildeo (referente a correlaccedilatildeo entre dignidade e direitos

fundamentais) seraacute feita a seguir uma anaacutelise da evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais natildeo

preocupada somente com uma abordagem descritivamente histoacuterico-enumerativa mas sim

com a perquiriccedilatildeo da razatildeo de serem necessaacuterias declaraccedilotildees de direitos fundamentais ao

longo da histoacuteria e a exato alcance dos direitos inclusos nas diferentes geraccedilotildees54

Eacute inegaacutevel que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais guarda pontos de similitude com

as etapas de formaccedilatildeo do Estado bem como a necessidade de limitaccedilatildeo do mesmo por meio

da garantia de direitos Nesse contexto o raciociacutenio de contraposiccedilatildeo ao Absolutismo por

filosofia de Kant deu-se a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos

e com a busca da justiccedila fundada no imperativo categoacuterico O livro A Theory of Justice de John Rawls publicado

em 1971 constitui a certidatildeo do renascimento dessas ideiasrdquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de Direito

Constitucional Financeiro e Tributaacuterio Valores e Princiacutepios Constitucionais Tributaacuterios v 2 Rio de

Janeiro Renovar 2005 p 41 51

Nesse presente momento a preocupaccedilatildeo foi somente a de deixar clara a interligaccedilatildeo entre a evoluccedilatildeo

construtiva da ideia de dignidade humana e a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Em momento oportuno seraacute

trabalhado o conceito dessa dignidade e seus aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede 52

Alguns autores apontam significaccedilatildeo diversa entre direitos fundamentais e direitos humanos no sentido destes

serem expressatildeo direcionada ao conjunto de direitos ideais metafiacutesicos derivados da natureza do homem

enquanto aqueles seriam apenas aqueles reconhecidos por uma ordem puacuteblica positiva Jaacute outros partindo de um

criteacuterio temporal e espacial apontam que direitos humanos seria uma expressatildeo utilizada para designar a

proteccedilatildeo juriacutedica outorgada a direitos no acircmbito do Direito Internacional ou seja sem limitaccedilatildeo de tempo e

espaccedilo e com pretensotildees de validade universal enquanto direitos fundamentais seria a dimensatildeo interna e

nacional desses direitos contemplados formal e materialmente pelo direito interno de algum ordenamento Nesse

sentido consultar FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave sauacutede paracircmetros para sua

eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 19 53

Realccedilando a ligaccedilatildeo loacutegica entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais o doutrinador

Canccedilado Trindade assevera que a ideia de direitos humanos e sua manifestaccedilatildeo satildeo tatildeo antigas quanto as

civilizaccedilotildees e a luta pela garantia dos mesmos surgiu em diferentes culturas e em movimentos histoacutericos

sucessivos na busca pela afirmaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana bem como na luta contra as formas de

dominaccedilatildeo despotismo e arbitrariedade TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Tratado de Direito

Internacional dos Direitos Humanos Porto Alegre Safe 1997 p 485 54

Desde jaacute esclarece-se que o presente trabalho trataraacute indistintamente como sinocircnimos os termos dimensotildees e

geraccedilotildees sem entrar na discussatildeo de pouca razatildeo praacutetica sobre a melhor terminologia a ser utilizada para

identificar a divisatildeo compartimentada da evoluccedilatildeo dos direito fundamentais Alguns respeitados autores

sustentam que a ideia de geraccedilotildees de direitos poderia ser equivocadamente compreendida mediante o raciociacutenio

de que uma geraccedilatildeo supera a anterior jaacute outros natildeo vislumbram tal problema apontando que as geraccedilotildees a

despeito de potenciais colisotildees satildeo complementares Nesse sentido confira-se SILVA Virgiacutelio Afonso da A

evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais ndeg6 2005 p

546

47

meio da limitaccedilatildeo do poder do Estado atraveacutes da garantia de direitos alicerccedilada na separaccedilatildeo

dos poderes55

empreendido pelo que se denominou de Constitucionalismo a partir das

revoluccedilotildees liberais do final do Seacuteculo XVII pode ser identificado como o autecircntico

nascedouro da formaccedilatildeo dos direitos fundamentais contudo ao longo da histoacuteria desde os

tempos mais antigos se vislumbrou embriotildees desse processo56

ganhando contornos mais

relevantes a experiecircncia inglesa com as precursoras declaraccedilotildees de direitos (Magna Carta de

1215 o Petition of Rights de 1629 o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689)

Ocorre que os documentos ingleses acima elencados natildeo possuiacuteam a essecircncia de

declaraccedilotildees de direitos no sentido atual do termo (sentido este que pressupotildee a vinculaccedilatildeo de

todos os poderes estatais aos direitos por elas estabelecidos) visto que consistiam em

declaraccedilotildees destinadas a garantir privileacutegios e prerrogativas a uma classe especiacutefica somado a

uma eventual presenccedila de direitos um pouco mais amplos (como o direito de peticcedilatildeo) Devido

a tal caracteriacutestica a doutrina aponta que as primeiras grandes e autecircnticas declaraccedilotildees de

direitos surgiram somente com os movimentos revolucionaacuterios nos Estados Unidos em 1776 e

na Franccedila em 1789 na conjuntura do surgimento do Estado Liberal57

Importante deixar claro nesse ponto que natildeo haacute uma perfeita equivalecircncia de

justificaccedilatildeo entre os dois movimentos citados Enquanto nos EUA a promulgaccedilatildeo de

declaraccedilotildees como a da Virgiacutenia ou a proacutepria declaraccedilatildeo de independecircncia dos Estados Unidos

apresentavam o escopo principal de verdadeiramente declarar os direitos que todos os seres

humanos congenitamente possuiriam e que jaacute era em grande parte realidade em uma

sociedade natildeo-estamental no contexto de formaccedilatildeo de uma naccedilatildeo proacutepria na Franccedila anos

mais tarde o objetivo principal era o de superaccedilatildeo da ordem absolutista anterior cujo embate

central pairava sobre a luta pelos direitos de liberdade e propriedade do povo e da burguesia

55

Como a doutrina liberal nascente tinha por intuito a limitaccedilatildeo do poder estatal em prol da liberdade de

comercializaccedilatildeo por parte da classe burguesa ascendente tambeacutem foi necessaacuteria a adoccedilatildeo de um mecanismo de

controle desse poder estatal Daiacute a importacircncia da Teoria da Separaccedilatildeo dos Poderes cujo maior expoente foi

Montesquieu que pregava uma seacuterie de contrapesos entre os poderes estatais de modo a garantir a liberdade

individual BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p

45 56

Para a anaacutelise proposta adotar-se-aacute como ponto de partida para o estudo dos direitos fundamentais os

documentos provenientes da Revoluccedilatildeo Americana e Francesa contudo eacute de bom alvitre ponderar que ainda na

antiguidade bem como na idade meacutedia surgiram textos escritos que formavam alguns conjuntos de regras e

cenaacuterios poliacuteticos de defesa da liberdade do homem ganhando destaque a Lei das XII Taacutebuas o Coacutedigo de

Hamurabi as disposiccedilotildees do Estado Teocraacutetico Hebreu as experiecircncias de participaccedilatildeo popular na Greacutecia

Antiga o Coacutedigo de Manu dentre outros Ocorre todavia que tais conjuntos de regras estabeleciam em sua

essecircncia mais obrigaccedilotildees aos indiviacuteduos e natildeo direitos jaacute que a figura deocircntica originaacuteria dos mesmos era o

dever e natildeo o direito 57

SILVA Virgiacutelio Afonso da A evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de

Estudos Constitucionais Ndeg 6 2005 p 544

48

ascendente58

e eacute nesse cenaacuterio que surge a primeira geraccedilatildeo59

(ou dimensatildeo) dos direitos

fundamentais

Como visto a primeira declaraccedilatildeo de direitos da modernidade que veio a estruturar o

regime democraacutetico e a limitaccedilatildeo do poder estatal foi a Declaraccedilatildeo de Direitos da Virgiacutenia60

nos EUA em 1776 Em seguida decorrente da Revoluccedilatildeo Francesa nasceu a Declaraccedilatildeo dos

Direitos do Homem e do Cidadatildeo em 1789 propagando os ideais de liberdade igualdade e

fraternidade61

O momento histoacuterico era o de formaccedilatildeo do Estado Liberal cujo anseio

maacuteximo era o de assegurar as liberdades dos indiviacuteduos contra os atos do Estado o qual

estaria obrigado a adotar um comportamento omissivo tanto no vieacutes poliacutetico quanto no

econocircmico62

Surgiram pois os chamados ldquodireitos de primeira dimensatildeordquo os quais englobam os

chamados direitos civis e poliacuteticos ligados ao valor liberdade consistindo em direitos

assegurados em face do Estado (ou seja oponiacuteveis ao Estado em uma relaccedilatildeo tipicamente

vertical Estado ndash indiviacuteduo) e portanto de caraacuteter eminentemente negativo jaacute que exigiam

uma abstenccedilatildeo por parte do Estado e em princiacutepio independiam de accedilotildees concretizadoras ou

densificadoras estatais sendo considerados self executing63

58

De se esclarecer que no contexto norte-americano a busca por limitaccedilatildeo se dirigia principalmente contra a

atuaccedilatildeo do legislativo prevenidos que estavam os founding fathers com a praacutetica do parlamento britacircnico nos

anos que precederam a independecircncia enquanto que nos paiacuteses europeus o limite se dirigiu basicamente agrave

atuaccedilatildeo dos monarcas absolutos BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 26 59

Terminologia propugnada por Karel Vazak e difundida por Bobbio ALVES Joseacute Augusto Lindgren Os

direitos humanos como tema global 2deg ed Satildeo Paulo Perspectiva 2003 p 42 60

Bobbio ao comentar tal declaraccedilatildeo afirma que ldquo() nasceu naquele momento uma nova e quero dizer aqui

literalmente sem precedentes forma de regime poliacutetico que natildeo eacute mais apenas o governo das leis contraposto ao

dos homens jaacute louvado por Aristoacuteteles mas o governo que eacute ao mesmo tempo dos homens e das leis dos

homens que fazem as leis e das leis que encontram um limite em direitos preexistentes dos indiviacuteduos que as

proacuteprias leis natildeo podem ultrapassar ()rdquo BOBBIO Norberto A era dos direitos Rio de Janeiro Elsevier

2004 p 224 61

Relevante a observaccedilatildeo feita por Barroso no sentido de que existiu uma verdadeira retroalimentaccedilatildeo entre as

revoluccedilotildees francesas e americanas visto que os ideais franceses expoentes agrave eacutepoca influenciaram os EUA em seu

processo de independecircncia e posteriormente foram reincorporados quando da Revoluccedilatildeo Francesa que terminou

por seguir os moldes normativos construiacutedos pelos americanos BARROSO Luiacutes Roberto

Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) In

Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 62

Importante esclarecer que ao longo do tempo apoacutes a concretizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo a burguesia francesa natildeo

buscou manter a universalidade das liberdades individuais entatildeo propostas as quais apenas por generalizaccedilatildeo

nominal estendiam-se agraves outras classes Nesse contexto instaurou-se um cenaacuterio em que a burguesia possuiacutea a

legitimidade para agir em nome da sociedade francesa contudo as liberdades individuais natildeo eram de fato

usufruiacutedas por todos o que refletia em um quadro de clara falta de igualdade material entre todos os cidadatildeos

aumentando-se as desigualdades entre os indiviacuteduos Logo na praacutetica os direitos fundamentais correspondiam

aos direitos da burguesia jaacute que para as classes inferiores eram direitos somente sob o aspecto formal Nesse

sentido BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 42 63

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra

Almedina 2003 p 376

49

Aqui merece destaque uma advertecircncia que seraacute retomada quando do estudo da

eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais Tal questatildeo diz respeito exatamente ao

esclarecimento de que ao contraacuterio do que muitos propotildeem o fato de os direitos de primeira

dimensatildeo terem por sua essecircncia a busca por uma liberdade do indiviacuteduo em face do Estado

natildeo significa necessariamente que sempre o Estado teraacute que se abster para a garantia de tais

direitos Explicando melhor quando o Estado atua visando a garantir certos direitos de

primeira geraccedilatildeo como o direito a seguranccedila bem como os direitos poliacuteticos tal atuaccedilatildeo

tambeacutem demanda accedilotildees do Estado accedilotildees essas que exigem um aporte financeiro do mesmo

para sua perfeita execuccedilatildeo bastando lembrar os custos relacionados ao recrutamento e

formaccedilatildeo de policiais bem como os ligados ao processo eleitoral64

Feita essa ressalva pode- se afirmar que os direitos individuais englobam um conjunto

de direitos cuja missatildeo fundamental eacute assegurar agrave pessoa uma esfera livre de intervenccedilatildeo da

autoridade poliacutetica ou do Estado65

e nessa linha foram gradualmente conquistados os direitos

agrave liberdade religiosa agrave liberdade civil e profissional agrave liberdade de expressatildeo reuniatildeo dentre

outros

Os direitos poliacuteticos por sua vez apresentam o escopo de instrumentalizar a

participaccedilatildeo dos indiviacuteduos na deliberaccedilatildeo puacuteblica e hodiernamente satildeo identificados como

corolaacuterio da igualdade de todo ser humano e da consequente necessidade de que as decisotildees

poliacuteticas sejam tomadas mediante uma estruturaccedilatildeo majoritaacuteria66

Tais direitos desta maneira

a despeito de terem uma configuraccedilatildeo distinta das liberdades puacuteblicas se amoldam agrave ideia de

direitos de liberdade em sua concepccedilatildeo positiva ou republicana jaacute que ligam-se agrave defesa da

participaccedilatildeo popular na tomada de decisotildees o que em uacuteltima instacircncia ao menos

indiretamente proporcionam liberdade

Portanto pode-se afirmar que os direitos protegidos nessa primeira etapa possuiacuteam

uma acepccedilatildeo eminentemente individualista baseada na doutrina do laissez-faire laissez-

passer cuja funccedilatildeo estatal primordial residia em permitir que as relaccedilotildees sociais e

econocircmicas (grande trunfo da burguesia) se desenvolvessem livremente livre de

64

HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights New York ndash LondonWW Norton amp

Company 1999 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O

princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 134 65

FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 1999

p 280 66

Nesse sentido Canotilho assevera que ldquoas raiacutezes do princiacutepio majoritaacuterio reconduzem-se aos princiacutepios da

igualdade democraacutetica da liberdade e da autodeterminaccedilatildeo Se a liberdade de participaccedilatildeo democraacutetica eacute igual e

vale para todos os cidadatildeos entatildeo o estabelecimento vinculativo e uma determinada ordenaccedilatildeo juriacutedica

pressupotildee pelo menos a concordacircncia da maioriardquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito

Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 311

50

interferecircncia cabendo ao Estado apenas proteger a propriedade e a seguranccedila dos

indiviacuteduos67

Com o passar dos tempos o quadro de liberdade apenas formal propagado pela

doutrina do Liberalismo somou-se agrave piora das condiccedilotildees de vida da classe operaacuteria durante a

Revoluccedilatildeo Industrial em um cenaacuterio que privilegiava um capitalismo (jaacute em crise) sem eacutetica e

alheio agraves desigualdades sociais Tal conjuntura passou a ser atacada68

pela classe operaacuteria que

jaacute se organizava em grupos fortemente politizados culminando no colapso do Estado Liberal

que frente a insustentabilidade da situaccedilatildeo viu-se obrigado a dar espaccedilo para o Estado Social

passando o Estado a comportar-se como um provedor e prestador de serviccedilos para a

populaccedilatildeo

Viu-se pois que natildeo era suficiente somente garantir a liberdade formal dos

indiviacuteduos havendo a necessidade de se reconhecer certos direitos sociais culturais e

econocircmicos derivados das reivindicaccedilotildees sociais relacionadas com os graves problemas da

eacutepoca Foi entatildeo que em meados de 1917 ganhou corpo a necessidade de intervenccedilatildeo do

Estado de modo a se conferir igualdade surgindo um novo cataacutelogo de direitos ligados agraves

prestaccedilotildees materiais por parte do Estado os chamados direitos fundamentais de segunda

dimensatildeo

Conforme jaacute adiantado frente a crise instaurada tais direitos passaram a exigir do

Estado natildeo mais uma abstenccedilatildeo mas sim um fazer uma postura positiva de atuaccedilatildeo se

transformando o mesmo em um verdadeiro prestador de serviccedilos de feiccedilatildeo intervencionista

nos acircmbitos econocircmicos sociais e laborais

Tais novos direitos surgiram pois natildeo somente como consequecircncia da necessidade de

maior participaccedilatildeo dos cidadatildeos nas decisotildees poliacuteticas mas tambeacutem devido agrave pressatildeo dos

movimentos sociais (e socialistas69

) que defendiam de maneira geral que as liberdades

puacuteblicas alcanccediladas na primeira geraccedilatildeo estavam obstadas de ser exercidas por aqueles que

67

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho

Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura

Federal UnB 2003 p7 68

Pertinente aqui a observaccedilatildeo de Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho no sentido de que foi com o exerciacutecio cada

vez mais intenso dos direitos poliacuteticos que se iniciou tambeacutem a pressatildeo por outros direitos que superassem a

ideia das meras liberdades negativas da primeira dimensatildeo FERREIRA FILHO Manuel Gonccedilalves Direitos

humanos fundamentais 2deg ed Satildeo Paulo Saraiva 1998 p 43 69

Aqui eacute importante esclarecer que os direitos sociais natildeo podem ser considerados como direitos socialistas

visto que na verdade satildeo formas de garantir a estabilidade e manutenccedilatildeo do capitalismo se natildeo liberal pelo

menos daquele de cunho social Nesse sentido tem-se que o Estado social natildeo se confunde com o Socialista O

primeiro pode ser caracterizado como um meio termo entre o modelo liberal e o socialista Para ficar mais claro

quando o estado estende sua influecircncia para a seara que antes era de atuaccedilatildeo exclusiva da atividade privada

tem-se ai o social por sua vez quando o estado faz mais que isso quando passa a concorrer imediatamente com

a esfera privada tem-se a socializaccedilatildeo BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo

Paulo Malheiros 2004 p 186

51

natildeo tinham condiccedilotildees materiais para tanto havendo a necessidade de se buscar uma igualdade

material para corrigir tal distorccedilatildeo

Vecirc-se assim que a pretensatildeo ao reconhecimento de direitos sociais pode ser

identificada como uma consequecircncia da luta iniciada pela generalizaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos

para a classe operaacuteria em um contexto em que assegurada a igualdade poliacutetica o objetivo

passou a ser a concretizaccedilatildeo da igualdade real que viesse a garantir as condiccedilotildees de vida

necessaacuterias e as possibilidades de realizaccedilatildeo de cada indiviacuteduo

Passou o Estado assim a assumir uma seacuterie de encargos ateacute entatildeo natildeo vistos como

tipicamente de sua atividade prestando serviccedilos na aacuterea de sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia social

bem como intervindo diretamente na regulaccedilatildeo dos mercados Surge o contexto do Welfare

State ganhando destaque as primeiras previsotildees de direitos socais presentes nas constituiccedilotildees

Mexicana70

e de Weimar71

de 1917 e 1919 respectivamente72

A loacutegica liberal de que a liberdade era suficiente para assegurar uma vida digna jaacute natildeo

mais reinava sendo necessaacuterio conferir ao cidadatildeo direitos que garantissem condiccedilotildees

materiais miacutenimas de desenvolvimento deixando claro que as dimensotildees natildeo se opotildeem mas

sim se complementam ao passo que os direitos sociais viabilizam o exerciacutecio real e

consciente dos direitos individuais e poliacuteticos73

Tais direitos passaram portanto a ser percebidos como uma dimensatildeo especiacutefica dos

direitos fundamentais na medida em que procuraram fornecer os recursos faacuteticos para uma

eficaz fruiccedilatildeo das liberdades inerentes agrave primeira dimensatildeo a partir da garantia de uma

igualdade (liberdade real) que somente poderia ser obtida pela compensaccedilatildeo das latentes

desigualdades sociais

Antes de examinar a proacutexima geraccedilatildeo de direitos eacute importante esclarecer que os

direitos sociais natildeo contemplam apenas posturas positivas do Estado comportando o cidadatildeo

70

Fruto de um movimento revolucionaacuterio iniciado em meados de 1910 contraacuterio ao governo ditatorial de

Porfiacuterio Dias o qual intentava dentre outros anseios a proibiccedilatildeo da reeleiccedilatildeo do presidente a devoluccedilatildeo de

terras aos povos indiacutegenas a nacionalizaccedilatildeo de empresas a consolidaccedilatildeo de direitos trabalhistas e a reforma

agraacuteria tal constituiccedilatildeo natildeo representou o fim da revoluccedilatildeo que perdurou por mais vinte e trecircs anos

COMPARATO Fabio Konder A afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 5deg ed Satildeo Paulo Saraiva

2007 p 177 71

Tal Constituiccedilatildeo possuiacutea um rol de direitos fundamentais mais bem estrutura que a Constituiccedilatildeo Mexicana a

partir de foacutermulas mais universais (por exemplo previsatildeo da funccedilatildeo social da propriedade de um sistema de

previdecircncia social de uma estruturaccedilatildeo quanto ao direito agrave educaccedilatildeo) daiacute sua maior influecircncia sendo seus

dispositivos aplicaacuteveis aos demais paiacuteses que seguiram sua modelagem agrave eacutepoca PINHEIRO Maria Claacuteudia

Bucchianeri A Constituiccedilatildeo de Weimar e os Direitos Fundamentais Sociais In Revista de Informaccedilatildeo

Legislativa v 43 ndeg 169 p 101-126 janmar 2006 p 121 72

SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In

SAMPAIO Joseacute Aeacutercio Leite (Org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo Horizonte

Del Rey 2003 p 252 73

SILVA Joseacute Afonso da Poder Constituinte e poder popular Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 189

52

em uma posiccedilatildeo de creacutedito perante o mesmo Conforme seraacute melhor analisado no toacutepico

referente ao estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais em que pese a conjuntura do

surgimento dos direitos sociais ter brotado a partir da necessidade concretizaccedilatildeo de prestaccedilotildees

materiais ao cidadatildeo pelo Estado eacute certo que essa segunda dimensatildeo apresenta diferentes

dimensotildees dentre elas uma dimensatildeo de cunho meramente defensivo a qual abriga as

chamadas liberdades sociais marcantes especificamente no acircmbito dos direitos dos

trabalhadores como o direito de greve e de liberdade sindical

Feita tal ressalva e voltando para a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais o cenaacuterio

agora eacute o contexto mundial poacutes Segunda Guerra em que a quase dizimaccedilatildeo do povo judeu e as

crueldades realizadas pelos nazistas fascistas e demais regimes totalitaacuterios levaram o mundo

a refletir que o Estado de Direito necessitava urgentemente de uma remodelagem visto que

com base no impeacuterio positivista da lei o nazismo amparado por um fundo de legalidade

cometeu diversos atos de clara afronta a direitos fundamentais dos homens

Fala-se pois em periacuteodo poacutes-positivista uma vez que o contexto no campo filosoacutefico

era o de superaccedilatildeo do positivismo juriacutedico com a reaproximaccedilatildeo do direito agrave moral e a busca

por um equiliacutebrio entre o direito natural e positivo voltando o ideaacuterio de justiccedila para a cena a

partir de uma virada copernicana no Direito principalmente devido a consagraccedilatildeo de forccedila

normativa aos princiacutepios74

Surgem assim os direitos de 3deg dimensatildeo associados agrave noccedilatildeo de solidariedade ou

fraternidade os quais satildeo dotados de um altiacutessimo teor de humanismo e universalidade ao

passo que visam natildeo agrave proteccedilatildeo de interesses particulares de um uacutenico indiviacuteduo ou de apenas

um grupo isolado mas de todo o gecircnero humano

Podem ser citados como inclusos no rol dessa terceira dimensatildeo o direito ao

desenvolvimento75

agrave paz76

ao meio ambiente agrave propriedade sobre o patrimocircnio comum da

humanidade ao progresso direito de comunicaccedilatildeo agrave autodeterminaccedilatildeo dos povos os quais

foram proclamados e difundidos universalmente pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

Humanos de 1948 e depois gradativamente incorporados nas constituiccedilotildees de diversos

paiacuteses

74

PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito

com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo

(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 30 75

Sobre a temaacutetica do direito em desenvolvimento destaca-se a obra ldquodesenvolvimento com liberdaderdquo de

Amartya Sen SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade traduccedilatildeo de Laura Teixeira Motta Satildeo Paulo

Companhia das Letras 2010 76

Importante esclarecer que o direito a paz na original classificaccedilatildeo de Karel Vazak foi incluiacuteda como direito de

terceira dimensatildeo contudo para Bonavides tal direito seria de quinta geraccedilatildeo pois consistia no objetivo a ser

buscado por todos os povos e que ainda natildeo foi alcanccedilado

53

Pela simples anaacutelise do rol de direitos que tal dimensatildeo abrange natildeo eacute muito difiacutecil

constatar que a definiccedilatildeo dos mesmos eacute tatildeo difusa quanto eles proacuteprios Melhor explicando

haacute uma dificuldade em se apontar claramente os contornos dogmaacuteticos que levam um direito a

ser enquadrado como de terceira dimensatildeo visto que a caracteriacutestica comum que une essa

gama de direitos tatildeo diversos eacute o fato de que todos eles aleacutem de natildeo terem titularidade

definiacuteveis destinam-se a realizar o terceiro pilar da Revoluccedilatildeo Francesa a fraternidade

Dessa criacutetica decorre uma certa falta de seguranccedila juriacutedica e ateacute mesmo de consenso

doutrinaacuterio sobre quais direitos estariam inseridos nessa categoria havendo tambeacutem quem

sinalize para a existecircncia de uma quarta geraccedilatildeo de direito e ateacute mesmo uma quinta Nesse

contexto para alguns a quarta geraccedilatildeo dos direitos fundamentais incluiria os direitos de

democracia informaccedilatildeo e pluralismo77

nascentes e aprimorados com a globalizaccedilatildeo poliacutetica

para outros incluiria os direitos contra os abusos da biotecnologia78

Quanto a esses direitos eacute

importante destacar os ensinamentos de Habermas79

que enxerga a democracia natildeo mais

como restrita a seu aspecto formal (vontade da maioria) mas em sua acepccedilatildeo material

Esclarecendo melhor o raciociacutenio eacute o de que o exerciacutecio dos direitos poliacuteticos

deveriam assegurar as liberdades de reuniatildeo de associaccedilatildeo e de expressatildeo do pensamento

para se alcanccedilar uma liberdade real de escolha e soacute assim serem assegurados os direitos

fundamentais baacutesicos A democracia passa assim a ser entendida materialmente ao passo em

que natildeo significaria apenas a vontade da maioria mas tambeacutem e principalmente a justa

fruiccedilatildeo de direitos baacutesicos por todos inclusive as minorias a partir do papel contra majoritaacuterio

efetuado pelo Poder Judiciaacuterio Desta forma no raciociacutenio exposto soacute se poderia falar em

democracia material em uma sociedade que proporcionasse a fruiccedilatildeo por todos de direitos

miacutenimos e a partir do desenvolvimento de tais direitos eacute que seria alcanccedilada uma efetiva

democracia

32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO DIREITO Agrave

SAUacuteDE

77

BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 572 78

Bonavides propotildee que os direitos contra os abusos da biotecnologia satildeo espeacutecies de novas aplicaccedilotildees dos

direitos de defesa SARLET Ingo Wolfgang Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre

Livraria do Advogado 2005 p 57 79

SOUZA NETO Claacuteudio Pereira de Teoria da Constituiccedilatildeo Democracia e Igualdade p 17 Disponiacutevel em

httpwwwmundojuridicoadvbrcgi-binuploadtexto1129(3)pdf Acessado em 01022013

54

Nessa parte do presente estudo seratildeo abordadas certas premissas consolidadas na

teoria dos direitos fundamentais cujo conhecimento faz-se relevante para se compreender a

problemaacutetica existente na concretizaccedilatildeo dos direitos sociais em especial do direito agrave sauacutede

Para tanto a seguir seratildeo abordados dentre outros aspectos referentes agrave exata noccedilatildeo das

dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais agrave dupla fundamentalidade (formal e

material) dos direitos sociais e a importacircncia da distinccedilatildeo entre princiacutepios e regras para o tema

da eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais

321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de

prestaccedilatildeo

Algumas das criacuteticas tecidas quando do exame das geraccedilotildees ou dimensotildees dos direitos

fundamentais seratildeo aqui retomadas e serviratildeo de base para a compreensatildeo da problemaacutetica

existente no atual cenaacuterio de crise na efetividade dos direitos sociais80

prestigiando-se o

afastamento de certas construccedilotildees doutrinaacuterias em prol da prevalecircncia de uma visatildeo mais

alinhada com os paradigmas do direito constitucional moderno

Nesse sentido importantes premissas devem ser postas primeiro a noccedilatildeo de

universalidade e interdependecircncia entre os direitos fundamentais conduz a insuficiecircncia da

tradicional distinccedilatildeo entre direitos positivos e negativos segundo eacute equivocada a afirmaccedilatildeo

de que somente direitos de segunda geraccedilatildeo importam em uma accedilatildeo do Estado que demanda

custos financeiros terceiro o criteacuterio funcional de classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais que

melhor se adeacutequa agrave nova ordem juriacutedica eacute o que divide os direitos em direitos de defesa e

direitos a prestaccedilotildees e finalmente a compreensatildeo de que todas as normas constitucionais ateacute

mesmo as ditas programaacuteticas81

satildeo aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de

integraccedilatildeo normativa

Esmiuccedilando cada um dos pontos acima alinhavados de iniacutecio tem-se que frente aos

pressupostos de universalidade indivisibilidade e interdependecircncia dos direitos fundamentais

eacute vulneraacutevel a classificaccedilatildeo entre direitos negativos e positivos visto que na praacutetica a

80

STRECK Lenio Luiz A crise da hermenecircutica e a hermenecircutica da crise a necessidade de uma nova criacutetica

do direito In SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo

Horizonte Del Rey 2003 p 108 81

Nesse sentido Artur Cortez Bonifaacutecio expotildee que ldquode fato ateacute mesmo as normas de caraacuteter institutivo ou de

natureza programaacutetica desprovidas de eficaacutecia positiva portam eficaacutecia negativa destinando as suas inferecircncias

para obstar o desenvolvimento de accedilotildees dos poderes constituiacutedos em contrariedade ao seu ambiente material

BONIFAacuteCIO Artur Cortez Normatividade e Concretizaccedilatildeo a Legalidade Constitucional In MOURA Lenice

S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo

Paulo Saraiva 2009 p 219

55

positividade ou negatividade natildeo reside no direito em si mas no dever consequentemente

imposto pelo direito correlato

Desta maneira torna-se imprecisa a pura correspondecircncia entre direitos de primeira

dimensatildeo como sendo negativos e de segunda dimensatildeo como sendo positivos visto que natildeo

soacute os direitos sociais econocircmicos e culturais demandam para serem assegurados uma intensa

atividade estatal mas tambeacutem os direitos civis e poliacuteticos pelo menos no que se refere agrave

proteccedilatildeo contra interferecircncia de terceiro bastando lembrar os encargos oriundos da atividade

de poliacutecia seguranccedila defesa justiccedila etc Noutro poacutertico os direitos de segunda dimensatildeo

tambeacutem possuem um vieacutes de natildeo interferecircncia tiacutepico dos direitos de primeira dimensatildeo pois

tanto o Estado quanto a comunidade devem respeitar a fruiccedilatildeo desses direitos pelos

respectivos titulares Ressalte-se ainda que existem direitos sociais de efeitos genuinamente

negativos constituindo as chamadas liberdades sociais (direito de greve e liberdade sindical)

Interligada a essa primeira premissa e reforccedilando a interdependecircncia entre os direitos

de primeira e segunda dimensatildeo estaacute a noccedilatildeo de que todos os direitos reivindicam custos ao

eraacuterio para serem efetivados independente de sua classificaccedilatildeo Assim se natildeo de forma direta

como ocorre com na disponibilizaccedilatildeo do Estado de parcela dos direitos de segunda dimensatildeo

pelo menos indiretamente a garantia da livre fruiccedilatildeo dos direitos civis e poliacuteticos exigem um

alto custo do aparelho estatal administrativo-judicial como satildeo os gastos com seguranccedila

puacuteblica e com as eleiccedilotildees por exemplo demonstrando-se impreciso e ingecircnuo82

portanto o

argumento de que certas naccedilotildees soacute poderiam assegurar os direitos de primeira e natildeo os de

segunda dimensatildeo

Avanccedilando aduz-se que a classificaccedilatildeo que melhor demonstra a natureza dos direitos

fundamentais no contexto do ordenamento paacutetrio eacute a que divide os direitos em de defesa e a

prestaccedilotildees O raciociacutenio eacute simples os direitos de defesa tutelam a esfera de liberdade dos

indiviacuteduos funcionando como limites ao poder estatal jaacute que satildeo outorgados direitos

subjetivos aos respectivos titulares para que esses possam atuar contra a ingerecircncia indevida

do Estado e dos demais particulares enquanto os direitos a prestaccedilotildees atrelam-se a ideia de

direito do cidadatildeo a uma accedilatildeo dos poderes puacuteblicos objetivando assim natildeo somente proteger

o acircmbito individual de liberdade e autonomia do indiviacuteduo frente ao Estado mas tambeacutem

assegurar a liberdade por intermeacutedio do Estado83

82

HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights why liberty depends on taxes New York

WW Norton 2000 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para

sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 35 83

Ressalta Mariana Filchtiner que tal classificaccedilatildeo se reporta agraves liccedilotildees de Alexy depois desenvolvidas por

Canotilho e adaptada ao ordenamento paacutetrio por Ingo Sarlet FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito

56

Eacute importante ressaltar que essa faceta prestacional natildeo engloba somente atos que

importem prestaccedilotildees faacuteticas84

(como eacute a disponibilizaccedilatildeo do serviccedilo de sauacutede puacuteblica) ao

indiviacuteduo mas abrange tambeacutem os atos que atribuem ao indiviacuteduo uma posiccedilatildeo relevante

para a defesa de outros direitos aproximando-se dos direito de participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e

no procedimento bem como atos de proteccedilatildeo perante outros cidadatildeos como por exemplo por

meio das normas penais

Fechando o raciociacutenio proposto relevante trazer agrave baila a visatildeo de que todas as normas

constitucionais incluiacutedas portanto as que dispotildeem sobre os direitos sociais satildeo

perfeitamente aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de integraccedilatildeo normativa

Isso ocorre porque pelo simples fato de existirem tais normas (i) revogam os atos

normativos contraacuterios ao seu comando independentemente de controle bem como serve de

paracircmetro para o controle dos atos posteriores que porventura com ela venham a colidir (ii)

vinculam o legislador agrave obrigaccedilatildeo de concretizar os fins previstos em seu texto sob pena de

flagrante omissatildeo inconstitucional (iii) funcionam como paracircmetro para interpretaccedilatildeo

integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e embora natildeo gerem direitos subjetivos

propriamente ditos (iv) datildeo origem a um direito subjetivo de cunho negativo de exigir que o

Estado se abstenha de atuar em sentido contraacuterio ao seu disposto

Desta maneira desmistificando certos posicionamentos jaacute ultrapassados pode-se

afirmar que todos os direitos fundamentais sejam de garantia ou prestacionais apresentam

um custo financeiro ao Estado e os enunciados normativos que os preveem satildeo aptos a

produzir certos efeitos juriacutedicos formando-se assim um sistema unitaacuterio e aberto dentro da

ordem constitucional paacutetria

322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla

fundamentalidade (formal e material)

A dimensatildeo subjetiva dos direitos fundamentais apresenta sua origem na concepccedilatildeo

claacutessica desenvolvida no periacuteodo das primeiras declaraccedilotildees de direitos no seacuteculo XVIII jaacute

vistas acima e comporta a noccedilatildeo de que os direitos fundamentais datildeo origem a uma seacuterie de

posiccedilotildees juriacutedicas diversas outorgando ao titular do direito pretensotildees de defesa proteccedilatildeo e

Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado

2007 p 40 84

Fala-se aqui em direito a prestaccedilatildeo em sentido estrito

57

prestaccedilatildeo quer perante o Estado ou a particulares85

se relacionando assim com o poder que o

titular de um direito possuir de exigir judicialmente a efetivaccedilatildeo do mesmo86

As primeiras fissuras dessa dimensatildeo subjetivista marcadamente de cunho

individualista surgiram com o Estado Social e se solidificaram ainda mais com o Estado

Democraacutetico de Direito a partir da noccedilatildeo bastante difundida por Rudold Smend de que a

funccedilatildeo primordial da Constituiccedilatildeo estaria em promover a integraccedilatildeo da comunidade o que soacute

seria possiacutevel pela tutela dos valores vividos e socialmente compartilhados O elemento

principal de uma Constituiccedilatildeo seria entatildeo os valores em que esta se apoia sendo a fonte

basilar desses valores exatamente os direitos fundamentais87

Desta forma a partir dessa concepccedilatildeo axioloacutegica difundiu-se a teoria da Constituiccedilatildeo

como funccedilatildeo integradora o que permitiu que os direitos fundamentais passassem a

desempenhar novos papeacuteis na ordem juriacutedica visto que natildeo seriam mais somente direitos de

cunho subjetivo mas sim autecircnticos proclamadores e tradutores do sistema de valores sobre

o qual repousaria a ordem vigente Surge a noccedilatildeo portanto de dimensatildeo objetiva dos direitos

fundamentais que veio a autorizar a extraccedilatildeo de deveres a serem impostos ao Estado e

particulares em decorrecircncia da simples irradiaccedilatildeo do conjunto dos direitos fundamentais e dos

valores por eles priorizados88

Haacute uma guinada na estrutura claacutessica da teoria dos direitos fundamentais89

os quais

passam de simples limitadores do poder estatal a acumular as funccedilotildees de fixadores de

diretivas basilares na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e vetores a serem respeitados nas

85

Importante destacar a contribuiccedilatildeo da teoria dos status de Georg Jellinek que calcada nos pressupostos de

subjetivismo e individualismo da eacutepoca assevera que os indiviacuteduos podem assumir quatro posiccedilotildees diferentes

perante o estado i passivo o indiviacuteduo estaria subordinado aos poderes estatais ii negativo ligada ao ideal de

liberdade jaacute que o indiviacuteduo teria sua esfera individual de liberdade imune agrave intervenccedilatildeo estatal iii positivo

seria a prerrogativa do Estado prestaccedilotildees positivas e iv ativo frente a possibilidade do indiviacuteduo participar

ativamente da formaccedilatildeo da vontade poliacutetica atraveacutes do voto por exemplo 86

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins apontam que a dimensatildeo subjetiva ldquotrata-se da dimensatildeo ou da funccedilatildeo

claacutessica uma vez que o seu conteuacutedo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir agrave intervenccedilatildeo estatal

em sua esfera de liberdade individual Essa dimensatildeo tem um correspondente filosoacutefico-teoacuterico que eacute a teoria

liberal dos direitos fundamentais a qual concebe os direitos fundamentais do indiviacuteduo de resistir agrave intervenccedilatildeo

estatal em seus direitos ()rdquo DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos

fundamentais 3deged Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 117 87

SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In

SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e direitos fundamentais Belo Horizonte Del

Rey 2003 p 270 88

FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e

efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 45 89

Nesse ponto Hesse destaca que os direitos fundamentais natildeo apenas constituem direitos subjetivos dos

indiviacuteduos mas tambeacutem princiacutepios objetivos baacutesicos para o ordenamento constitucional democraacutetico

abrangendo este duplo caraacuteter diferentes niacuteveis de significaccedilatildeo podendo atuar como legitimador criador e

fomentador do consenso apresentando-se assim relevante para processos democraacuteticos HESSE Conrado

Significado de los derechos fundamentales In Manual de Derecho Constitucional Madrid Marcial Pons

Ediciones Juriacutedicas y Sociales SA 1996 p 83-115

58

relaccedilotildees entre particulares norteando o Estado na consecuccedilatildeo dos seus fins Eacute do

reconhecimento dessa dimensatildeo objetiva90

que surgem portanto tanto a noccedilatildeo de eficaacutecia

horizontal dos direitos fundamentais os quais transcendem seu domiacutenio aleacutem da mera relaccedilatildeo

cidadatildeo e Estado atingindo a relaccedilatildeo direta entre os particulares como tambeacutem a importante

noccedilatildeo de garantias institucionais91

Este uacuteltimo efeito (a noccedilatildeo de garantias institucionais) corresponde a ideia de que o

acircmbito de proteccedilatildeo de um direito fundamental vai aleacutem da sua mera esfera subjetiva

alcanccedilando o complexo juriacutedico-normativo na sua essecircncia de modo a vincular o espaccedilo de

conformaccedilatildeo do legislador o qual deveraacute exercer sua funccedilatildeo norteado pelo dever de alargar o

espectro protetivo imediato do direito subjetivo em questatildeo visando agrave sua concretizaccedilatildeo por

meio de garantias institucionais92

Melhor esclarecendo as disposiccedilotildees legislativas a respeito do SUS que regulamentam

o art 196 da CF por exemplo atuam como verdadeiras garantias institucionais jaacute que

densificam o direito agrave sauacutede indo aleacutem do esboccedilo da proteccedilatildeo primitiva conferido na CF para

esse direito fundamental social Desta maneira frente agrave dimensatildeo objetiva do direito

fundamental agrave sauacutede natildeo poderia o legislador ao regulamentar a CF restringir o contorno

baacutesico que nela eacute dado a tal direito nem alterar a regulamentaccedilatildeo jaacute existente com o mesmo

propoacutesito (restriccedilatildeo do direito agrave sauacutede jaacute previsto na CF) sob pena de incorrer em

inconstitucionalidade

Feitas tais observaccedilotildees outro ponto de destaque eacute a noccedilatildeo de fundamentalidade formal

e material iacutensita aos direitos fundamentais A fundamentalidade formal liga-se ao direito

constitucional positivo desdobrando em um trifaacutesico raciociacutenio a) como parte integrante do

corpo constitucional os direitos fundamentais situam-se no aacutepice de todo o ordenamento

90

Podem ser identificados alguns desdobramento dessa dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais i os

direitos fundamentais apresentam objetivamente o caraacuteter de normas de competecircncia negativa no sentido de

que aquilo que estaacute sendo outorgado ao indiviacuteduo em termos de liberdade para accedilatildeo estaacute sendo objetivamente

retirado do Estado portanto independentemente do particular exigir em juiacutezo o respeito de seu direito ii os

direitos fundamentais funcionam como criteacuterio de interpretaccedilatildeo e configuraccedilatildeo do direito infraconstitucional a

partir de seu efeito de irradiaccedilatildeo iii os direitos fundamentais podem ser limitados por esta dimensatildeo objetiva

quando isso estiver no interesse de seus titulares ou seja a partir do raciociacutenio de que o titular estaria mais bem

protegido se natildeo exercesse o direito em certas circunstacircncias e iv haveria um dever estatal de tutela dos direitos

fundamentais no sentido de protegecirc-los ativamente contra ameaccedilas de violecircncia provenientes sobretudo de

particulares DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais 3deged Satildeo

Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 118-120 91

ANDRADE Joseacute Carlos Vieira de Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976 2 ed

Coimbra Almedina 2001 p 110 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede

paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 46 92

Haacute uma remodelagem da noccedilatildeo de conformaccedilatildeo legislativa visto que o legislador passa a ser encarado natildeo

mais como unicamente interessado em restringir os direitos fundamentais mas sim como um concretizador um

harmonizador do sistema a partir de sua atividade de otimizaccedilatildeo dos direitos em atenccedilatildeo agrave maacutexima efetividade

possiacutevel

59

juriacutedico constituindo-se pois em uma norma de superior hierarquia b) na qualidade de

normas fundamentais insculpidas na Constituiccedilatildeo escrita encontram-se submetidos aos

limites formais (procedimento mais dificultoso de modificaccedilatildeo) e materiais (as denominadas

ldquoclaacuteusulas peacutetreasrdquo) de reforma constitucional e c) com base no disposto no art 5deg paraacutegrafo

primeiro da CF as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais satildeo diretamente

aplicaacuteveis e vinculam diretamente o Estado e os particulares93

Quanto ao vieacutes material consoante se demonstraraacute melhor mais adiante este se refere

agrave relevacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional em si o que no caso do

direito fundamental social agrave sauacutede aqui trabalhado consiste em aspecto facilmente

identificaacutevel frente a evidente importacircncia da sauacutede como pressuposto agrave manutenccedilatildeo da vida

digna94

323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios

A partir dos estudos desenvolvidos por Ronald Dworkin e na sequecircncia por Robert

Alexy95

desenvolveu-se a chamada Teoria dos Princiacutepios a qual foi difundida no Brasil ao

final da deacutecada de oitenta e ao longo dos anos noventa do seacuteculo passado Essa Teoria eacute fruto

do pensamento juriacutedico contemporacircneo que reconhecendo o sistema juriacutedico como um

sistema aberto a partir de uma rede axioloacutegica e hierarquizada de normas prima pela

atribuiccedilatildeo de normatividade aos princiacutepios e reconhece uma distinccedilatildeo de grau e qualidade

entre regras e princiacutepios

A compreensatildeo de que os princiacutepios natildeo seriam mais meras linhas gerais de conduta

destituiacutedas de eficaacutecia mas sim autecircnticas espeacutecies do gecircnero ldquonormas juriacutedicasrdquo partiu da

constataccedilatildeo feita por Dworkin de que assim como as regras os princiacutepios tambeacutem possuiriam

um caraacuteter deontoloacutegico jaacute que a soluccedilatildeo dos chamados hard cases na maioria dos casos

somente seria alcanccedilada por meio da ponderaccedilatildeo96

de princiacutepios no caso concreto denotando

93

SARLET Ingo Wolfgang A Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 pp 78 e ss 94

SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave

sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 95

Sobre a noccedilatildeo de princiacutepios de ambos autores conferir DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional

no Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 70 96

Sobre a relaccedilatildeo entre ponderaccedilatildeo e o princiacutepio da proporcionalidade Daniel Sarmento aponta que ldquona

ponderaccedilatildeo de bens assume importacircncia iacutempar o princiacutepio da proporcionalidade sob a eacutegide do qual devem ser

efetivadas todas as restriccedilotildees reciacuteprocas entre os princiacutepios constitucionais () Conforme a doutrina mais

autorizada o princiacutepio da proporcionalidade eacute passiacutevel de divisatildeo em trecircs subprinciacutepios (a) da adequaccedilatildeo que

exige que as medidas adotadas tenham aptidatildeo para conduzir aos resultados almejados pelo legislador (b) da

necessidade que impotildee ao legislador que entre vaacuterios meios aptos ao atingimento de determinados fins opte

60

portanto o caraacuteter normativo dos mesmos97

Desta maneira admitida tal normatividade

passou-se a ser relevante a delimitaccedilatildeo dos traccedilos distintivos entre regras e princiacutepios

Nesse contexto tal distinccedilatildeo tem como ponto de partida a anaacutelise do modo de

aplicaccedilatildeo dos enunciados normativos Condensando as ideias dos doutrinadores acima

citados pode-se afirmar que os enunciados normativos podem se apresentar como regras ou

princiacutepios98

Os com caraacuteter de regras satildeo aplicados conforme a chamada maacutexima do ldquotudo ou

nadardquo mediante subsunccedilatildeo funcionando como ldquomandados ou comandos definitivos ou de

definiccedilatildeordquo jaacute que funcionam de maneira objetiva sem abertura de margem para valoraccedilatildeo por

parte do inteacuterprete ao qual caberaacute apenas aplicar a regra em ocorrendo sua hipoacutetese de

incidecircncia ou natildeo em caso negativo concluindo-se desta maneira que uma regra somente

deixaraacute de ser aplicada quando outra regra a excepcionar ou for invaacutelida99

Por outro lado os enunciado normativos que emanam princiacutepios abrigam um valor

um fim a ser atingido e em uma ordem juriacutedica pluralista como a vigente haacute a possibilidade

de eventuais colisotildees Desta maneira como de iguais hierarquia impossiacutevel a aplicaccedilatildeo na

modalidade ldquotudo ou nadardquo devendo vigorar a ideia de ldquomais ou menosrdquo a partir do emprego

da teacutecnica do sopesamento ou ponderaccedilatildeo a qual avalia a dimensatildeo de peso de cada princiacutepio

na situaccedilatildeo concreta especiacutefica optando pela proeminecircncia de um mas sem eliminar

completamente o outro princiacutepio Nesse panorama os dispositivos que emanam princiacutepios

funcionam como ldquomandados de otimizaccedilatildeordquo visto que devem ser realizados na maior

intensidade possiacutevel Daiacute dizer que os direitos neles fundados satildeo direitos100

prima facie jaacute

que poderatildeo ser exercidos em princiacutepio e na medida do possiacutevel

sempre pelo menos gravoso (c) da proporcionalidade em sentido estrito que preconiza a ponderaccedilatildeo entre os

efeitos positivos da norma e os ocircnus que ela acarreta aos seus destinataacuterios SARMENTO Daniel Os Princiacutepios

Constitucionais e a Ponderaccedilatildeo de Bens In TORRES Ricardo Lobo Teoria dos Direitos Fundamentais 2deg

Ed Rio de Janeiro Renovar 2001 p 57-58 97

Nessa linha citando Alexy Mariana Filchtiner assevera que tanto princiacutepios como regras dizem o que deve

ser podendo ser formulados a partir da ajuda das expressotildees deocircnticas baacutesicas do mandado da permissatildeo e da

proibiccedilatildeo configurando razotildees para juiacutezos concretos de dever ser ALEXY Robert Teoria de los derechos

fundamentales Traducioacuten Ernesto Garzoacuten Valdeacutes Madrid Centro de Estuacutedios Constitucionales 1997 p83

apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e

efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 107 98

Assevera Robert Alexy que ldquotanto regras quanto princiacutepios satildeo normas por que ambos dizem o que deve ser

Ambos podem ser formulados por meio das expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo e da proibiccedilatildeo

Princiacutepios satildeo tanto quanto as regras razotildees para juiacutezos concretos de dever-ser ainda que de espeacutecie muito

diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas

ALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo

Malheiros 2011 p 87 99 BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento

gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15

Uberaba-MG 2008 p 13- 38 100

SILVA Virgiacutelio Afonso da O conteuacutedo essencial dos direitos fundamentais e a eficaacutecia das normas

constitucionais In Revista de Direito do Estado 4 p 23-51 2006 p 27

61

Saindo um pouco do paracircmetro do modo de aplicaccedilatildeo da norma outros traccedilos

distintivos entre regras e princiacutepios podem ser apontados a) os princiacutepios tecircm um grau de

abstraccedilatildeo mais elevado que as regras b) os princiacutepios apresentam um grau de

determinabilidade menor101

que as regras visto que necessitam de mediaccedilotildees concretizadoras

e as regras satildeo aplicaacuteveis diretamente c) somente os princiacutepios possuem um caraacuteter

estruturante na sistemaacutetica das fontes do direito d) os princiacutepios funcionam como

fundamentos das regras juriacutedicas frente a sua natureza normogeneacutetica e) ao passo que as

regras congregam conteuacutedo meramente funcional os princiacutepios se aproximam mais da ideia

de direito ao se estruturarem como standards vinculantes e radicados nas exigecircncias de

justiccedila e f) para o conflito entre regras a hermenecircutica conta com os conhecidos cacircnones da

anterioridade especialidade e hierarquia enquanto aos princiacutepios eacute permitida a colisatildeo que se

resolve pela preponderacircncia de um sobre outro agrave cada caso102

Ultrapassados os toacutepicos anteriores faz-se necessaacuterio fechar o raciociacutenio desenvolvido

sob agrave oacutetica especiacutefica das diferentes facetas que o direito agrave sauacutede pode assumir para soacute entatildeo

analisar a problemaacutetica concernente a eficaacutecia do cunho prestacional dos direitos sociais e

suas implicaccedilotildees no que refere-se ao direito agrave sauacutede

324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio

A partir das bases construiacutedas nos toacutepicos anteriores pode-se afirmar que o direito agrave

sauacutede por consistir em um direito fundamental social apresenta uma dimensatildeo objetiva e

subjetiva bem como uma dupla fundamentalidade (formal e material) enquadrando-se

predominantemente103

na categoria de direito agrave prestaccedilatildeo

A descriccedilatildeo dessas caracteriacutesticas jaacute foi trabalhada acima fazendo-se necessaacuterio

contudo um maior detalhamento com relaccedilatildeo a fundamentalidade material do direito agrave sauacutede

antes de adentrar em alguns aspectos especiacuteficos do direito agrave sauacutede

Pois bem foi dito que o sentido material da fundamentalidade dos direitos

fundamentais liga-se agrave importacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional e nesse

contexto o direito agrave sauacutede pela sua niacutetida interdependecircncia e muacutetua conformaccedilatildeo com o

101

O traccedilo da indeterminabilidade dos princiacutepios eacute uma das grandes marcas distintivas dos mesmos frente agraves

regras na visatildeo de Manuel Atienza e Ruiz Manero DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional no

Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 77 102

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra

Almedina 2003 p 1160 103

Conforme seraacute analisado mais a frente o direito agrave sauacutede abarca diferentes posiccedilotildees juriacutedico-subjetivas quanto

ao particular e tambeacutem pode ser encarado como um dever fundamental

62

direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana apresenta relevacircncia iacutempar no ordenamento

constitucional brasileiro visto que funciona como autecircntico pressuposto agrave fruiccedilatildeo dos demais

direitos

A calhar portanto o seguinte questionamento como falar em vida humana digna se

em diversas situaccedilotildees a ausecircncia de sauacutede acarreta inevitavelmente a morte do indiviacuteduo

Nesse sentido natildeo foi agrave toa que a Constituiccedilatildeo paacutetria cuidou de dar um tratamento especial104

ao direito agrave sauacutede chegando ao ponto de delimitar sob um vieacutes orccedilamentaacuterio que devem ser

disponibilizados e respeitados pelos entes estatais na realizaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos

de sauacutede certos valores miacutenimos sob pena de severas restriccedilotildees ao ente recalcitrante podendo

ensejar ateacute mesmo a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e desses em seus Municiacutepios105

Feito esse reforccedilo eacute importante destacar alguns aspectos referentes ao conteuacutedo do

direito agrave sauacutede em si passando pela anaacutelise de seus titulares e destinataacuterios bem como as

diferentes facetas que esse pode assumir tanto sob o prisma de direito subjetivo como dever

fundamental

Jaacute foi visto no capiacutetulo 2 do presente trabalho que a CF de 1988 alinhou-se agrave

concepccedilatildeo mais abrangente do direito agrave sauacutede (propostas pela OMS) abarcando em seu

conteuacutedo tanto seu caraacuteter eminentemente curativo quanto as dimensotildees preventiva e

promocional106

Noutro poacutertico defende-se que o nuacutecleo central do conceito de sauacutede reside na exata

noccedilatildeo de qualidade de vida que para aleacutem de uma percepccedilatildeo holiacutestica congloba conteuacutedos

proacuteprios agraves teorias poliacutetica e juriacutedica contemporacircneas de modo a vislumbrar a sauacutede como um

verdadeiro direito de cidadania que projeta a pretensatildeo difusa de natildeo apenas curar e evitar

doenccedilas mas de ter uma vida saudaacutevel Isto expressa um anseio de toda a sociedade como

direito a um conjunto de benefiacutecios que fazem parte da vida urbana107

o que em uacuteltima

anaacutelise alinha-se agrave ideia jaacute exposta de ldquointersetorialidaderdquo do direito agrave sauacutede e sua

interdependecircncia com diversos direitos como a vida a moradia a alimentaccedilatildeo e o trabalho

104

De se reiterar que conforme explicita a CF os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede satildeo de relevacircncia puacuteblica fato que

acentua natildeo soacute o caraacuteter indisponiacutevel do direito agrave sauacutede com a possibilidade de sua tutela ser realizada em

termos de direito subjetivo na via individual e coletiva como tambeacutem seu vieacutes objetivo na condiccedilatildeo de

garantia institucional consubstanciado em si mesmo no SUS 105

Tal reforccedilo de fundamentalidade tambeacutem eacute feito com o direito agrave educaccedilatildeo ao passo que tambeacutem deve ser

observado pelos entes estatais um miacutenimo a ser aplicado na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino 106

Nesse sentido facilmente perceptiacutevel que quando a CF em seu artigo 196 usou o termo ldquorecuperaccedilatildeordquo estava

tratando da sauacutede curativa quando utilizou os termos ldquoreduccedilatildeo do risco de doenccedilardquo e ldquoproteccedilatildeordquo reportou-se agrave

sauacutede preventiva e finalmente ao mencionar ldquopromoccedilatildeordquo e ldquomais alto niacutevel possiacutevel de sauacutederdquo atrelou-se agrave

dimensatildeo promocional do direito agrave sauacutede e o dever de progressividade na sua efetivaccedilatildeo 107

MORAIS Joseacute Luis Bolzan de O direito da sauacutede In SCHWARTZ Germano (Org) A sauacutede sob os

cuidados do direito Passo Fundo UPF 2003b p 23

63

Quanto agrave titularidade do direito fundamental agrave sauacutede depreende-se frente ao seu

caraacuteter universal delineado tanto na CF quanto na legislaccedilatildeo que trata do SUS que o mesmo eacute

reconhecido a todos pelo simples fato de serem pessoas afastando-se ultrapassadas teses que

o restringia aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiacutes prevalecendo nas poliacuteticas

puacuteblicas do paiacutes assim o caraacuteter inclusivo de tal direito Noutro poacutertico relevante destacar

que a caracterizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede como direito coletivo ou em certas hipoacuteteses difuso

natildeo afasta a titularidade individual do mesmo em um contexto em que apesar de mais

beneacutefica a priorizaccedilatildeo de sua tutela processual pela via coletiva natildeo pode ser abandonada a

condiccedilatildeo da sauacutede como direito individual interligado agrave vida integridade fiacutesica e dignidade de

cada um108

Delimitado o conteuacutedo do direito agrave sauacutede pelo menos de maneira geneacuterica109

e a

abrangecircncia de seus titulares e destinataacuterios faz-se relevante analisar as diferentes facetas que

este pode assumir no ordenamento paacutetrio Nessa questatildeo o ponto de partida estaacute no iniacutecio do

caput do art 196 da CF o qual afirma que ldquoa sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado ()rdquo

revelando que a tutela da sauacutede efetiva-se tambeacutem como dever fundamental por tratar-se de

tiacutepica hipoacutetese de direito-dever

Nesse contexto resta evidenciado que aleacutem de apresentar diferentes dimensotildees

juriacutedico-subjetivas a sauacutede tambeacutem eacute encarada antes de tudo como dever110

natildeo somente

cogente no campo das relaccedilotildees individuais (dever geral de respeitar a sauacutede dos demais e ateacute

mesmo a proacutepria) mas tambeacutem e principalmente no acircmbito das relaccedilotildees para com o Estado

dando origem a uma seacuterie de deveres de cunho poliacutetico (como o dever de implementar as

poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea de sauacutede e alocar recursos orccedilamentaacuterios conforme os patamares

miacutenimos estabelecidos na CF) bem como de cunho econocircmico social cultural e ambiental

como a intervenccedilatildeo do Estado na esfera dos planos de sauacutede privados a implementaccedilatildeo de

programas sociais de sauacutede e o controle da poluiccedilatildeo111

108

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 10 109

A tentativa de esmiuccedilar quais prestaccedilotildees miacutenimas abrangeriam o direito agrave sauacutede (o que vai aleacutem da simples

constataccedilatildeo de que o mesmo abarca as dimensotildees preventiva curativa e promocional) seraacute objeto de anaacutelise mais

a frente no capiacutetulo que trata da tentativa de construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave

sauacutede 110

Natildeo eacute demais relembrar que norteado pelo princiacutepio da solidariedade a Lei do SUS reforccedila que o dever

fundamental de proteccedilatildeo da sauacutede pelo Estado natildeo exclui o das pessoas da famiacutelia das empresas e da sociedade

podendo-se falar em uma responsabilidade compartilhada cujos efeitos se protejam no presente e sobre as

geraccedilotildees futuras 111

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 06

64

Ponto de suma relevacircncia para a compreensatildeo da problemaacutetica da efetividade do

direito agrave sauacutede eacute a compreensatildeo das diferentes dimensotildees juriacutedico-subjetivas que tal direito

pode assumir Nesse sentido e retomando a classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em

direitos de defesa e prestaccedilatildeo tem-se que o direito agrave sauacutede apresenta ao mesmo tempo traccedilos

de ambas dimensotildees ora ganhando funcionalidade de tiacutepico direito de defesa ora de direito

prestacional seja sob o prisma de direitos a organizaccedilatildeo e procedimento ou a prestaccedilotildees

materiais

A faceta defensiva liga-se ao dever de proteccedilatildeo e respeito agrave sauacutede de algueacutem em um

sentido eminentemente negativo de natildeo agressatildeo e sim preservaccedilatildeo que se revela por

exemplo pela construccedilatildeo normativa penal de proteccedilatildeo agrave vida agrave integridade fiacutesica ao meio

ambiente e agrave sauacutede puacuteblica bem como pelas diversas disposiccedilotildees sobre vigilacircncia e controle

sanitaacuterio marcadamente de cunho administrativo

No vieacutes prestacional por sua vez haacute tanto um dever lato sensu de se garantir a

organizaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos procedimentos o qual eacute concretizado por exemplo pela

elaboraccedilatildeo de normas e poliacuteticas puacuteblicas de organizaccedilatildeo do SUS com suas disposiccedilotildees

atinentes agrave participaccedilatildeo da sociedade nas tomadas de decisotildees como tambeacutem um dever de o

Estado executar medidas reais e concretas no sentido de fomentar a sauacutede da populaccedilatildeo por

meio de especiacuteficas prestaccedilotildees materiais (direito agrave prestaccedilatildeo em sentido estrito)

Merece destaque aqui a analogia entre as dimensotildees mencionadas e as obrigaccedilotildees

delas derivadas no sentido de o direito agrave sauacutede compreender as obrigaccedilotildees de respeitar

proteger e implementar Desta maneira na obrigaccedilatildeo de respeitar o Estado teria por dever o

de natildeo intervir na vida do indiviacuteduo de nenhum modo a reduzir sua sauacutede aproximando-se do

aspecto defensivo na obrigaccedilatildeo de proteger caberia ao Estado o dever de resguardar a sauacutede

do indiviacuteduo contra violaccedilotildees de terceiros por meio da estruturaccedilatildeo de procedimentos de

proteccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo da legislaccedilatildeo pertinente ligando-se agrave prestaccedilatildeo em sentido amplo

e finalmente na obrigaccedilatildeo de implementar o Estado estaria incumbido de fornecer

diretamente bens e serviccedilos para suprir as necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo na aacuterea de

sauacutede consubstanciando o aspecto estrito da dimensatildeo prestacional112

112

MILANEZ Daniela O direito agrave sauacutede uma anaacutelise comparativa da intervenccedilatildeo judicial Revista de Direito

Administrativo Rio de Janeiro v 237 p 197-221 julset 2004 p 198 apud Mariana Filchtiner Direito

Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado

2007 p 89

65

Feitas tais observaccedilotildees conforme aduz Sarlet113

constata-se que no quadro

predominante na doutrina e na jurisprudecircncia nacionais natildeo se vislumbra maiores problemas

quanto ao reconhecimento da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede como direito de defesa

nem quanto a sua dimensatildeo de dever de proteccedilatildeo (essa uacuteltima abrangendo tanto a cominaccedilatildeo

de um dever geral de respeito agrave sauacutede por parte do Estado e particulares quanto a imposiccedilatildeo

de um dever de aplicaccedilatildeo minimamente razoaacutevel dos recursos orccedilamentaacuterios com base na

prescriccedilatildeo constitucional) enquanto que com relaccedilatildeo a efetivaccedilatildeo da dimensatildeo prestacional

lato sensu do direito agrave sauacutede haveria certa discussatildeo sobre a inexistecircncia ou insuficiecircncia de

medidas concretizadoras do direito agrave sauacutede (debate iacutensito ao campo do controle das omissotildees

constitucionais)

O grande problema contudo estaria no vieacutes prestacional em sentido estrito jaacute que natildeo

haacute de maneira segura no ordenamento paacutetrio uma definiccedilatildeo precisa do exato conteuacutedo das

prestaccedilotildees materiais que os particulares teriam direito tendo em vista as referecircncias constantes

na CF (cura prevenccedilatildeo promoccedilatildeo) e ateacute certo ponto no campo infralegal (integralidade do

atendimento) satildeo por demais geneacutericas

Desta forma consoante se veraacute no capiacutetulo quinto do presente estudo as dificuldades

em se delimitar quais prestaccedilotildees materiais estariam abrangidas pelo direito agrave sauacutede no

ordenamento paacutetrio acarretam em uma busca desenfreada por soluccedilotildees judiciais o que frente

agraves dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito gera inevitavelmente tensotildees e

efeitos colaterais dos mais variados trazendo-se agrave pauta discussotildees sobre legitimidade

democraacutetica do Poder Judiciaacuterio Separaccedilatildeo dos Poderes e Igualdade

Tal fato termina por acentuar a importacircncia de uma concretizaccedilatildeo da dimensatildeo

organizatoacuteria e procedimental (aspecto prestacional lato sensu) do direito agrave sauacutede buscando-se

soluccedilotildees para as dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito de modo a que pelo

menos as ldquodicasrdquo acerca de quais prestaccedilotildees materiais minimamente todo e qualquer

indiviacuteduo poderia exigir do Estado como legiacutetimo direito seu na temaacutetica da sauacutede sejam

seguramente reveladas

Eacute nesse contexto que podem ser enxergadas trecircs fases distintas na mateacuteria da

efetivaccedilatildeo dos direitos sociais e especialmente do direito agrave sauacutede (i) se primeiro falou-se em

ausecircncia de normatividade com as mudanccedilas encampadas no direito constitucional

contemporacircneo sobretudo a partir da propagaccedilatildeo dos ideais de maacutexima efetividade o

113

SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito

fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de

Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 20

66

panorama modificou-se para um quadro de judicializaccedilatildeo excessiva (ii) atingindo-se

hodiernamente a fase de busca por paracircmetros e criteacuterios que sejam aptos a guiar os trecircs

poderes (com maior relevo para o Judiciaacuterio) no processo de concretizaccedilatildeo desses direitos

(iii) e nessa etapa ganha forccedila a delimitaccedilatildeo de um miacutenimo existencial na aacuterea de sauacutede

67

4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

Jaacute restou esclarecido que o direito agrave sauacutede consiste primordialmente em um direito

fundamental social que poderaacute assumir diferentes facetas quando posto frente ao Estado agraves

vezes posicionando-se como direito de defesa em outros momentos como direito a prestaccedilatildeo

residindo nessa uacuteltima hipoacutetese a grande celeuma quanto agrave sua efetividade especialmente no

que se refere agrave busca por prestaccedilotildees materiais em sauacutede puacuteblica

Mas o que vem a ser efetividade A resposta para tal questionamento estaacute inserida no

contexto do constitucionalismo contemporacircneo e o consequente reconhecimento da forccedila

normativa agraves normas constitucionais a qual fez nascer no Brasil o movimento juriacutedico-

acadecircmico da doutrina brasileira da efetividade O maior objetivo desta doutrina foi o de

superar o quadro de insinceridade normativa que insistia em natildeo dar cumprimento agrave

Constituiccedilatildeo mediante a elaboraccedilatildeo de categorias dogmaacuteticas da normatividade

constitucional no intuito de tornar as normas constitucionais aplicaacuteveis direta e

imediatamente respeitando a maacutexima extensatildeo de sua densidade normativa114

A essecircncia da ideia de efetividade portanto reside no raciociacutenio de que se tal norma

encontra-se inserida na Constituiccedilatildeo estaacute por algum motivo e por isso deve ter seu comando

cumprido Desta maneira o atributo da imperatividade ao respaldar a noccedilatildeo de que natildeo eacute

tiacutepico de uma norma juriacutedica simplesmente sugerir ou recomendar algo alinha-se agrave defesa

pela maacutexima efetividade das normas constitucionais marcante no cenaacuterio neoconstitucional

vigente

A ideia de maacutexima efetividade contribuiu por sua vez para derrubar no cenaacuterio paacutetrio

certos pensamentos arcaicos ainda atrelados ao contexto positivista Nessa toada no plano

juriacutedico alcanccedilou-se a defesa por uma normatividade plena da Constituiccedilatildeo que passou a ter

aplicabilidade direta e imediata tornando-se autecircntica fonte direta de direitos e obrigaccedilotildees o

que terminou por contribuir para o desenvolvimento da eficaacutecia horizontal dos direitos

fundamentais bem como para a eliminaccedilatildeo da noccedilatildeo de normas programaacuteticas como meros

conselhos ou recomendaccedilotildees a serem seguidas conforme os limites estatais

Ainda no plano dogmaacutetico a maacutexima efetividade colaborou para ao reconhecimento

de maior autonomia ao direito constitucional por melhor esclarecer e reforccedilar seu objeto

proacuteprio afastando-se do vieacutes puramente poliacutetico ou socioloacutegico que enfraquecia as bases de

114

BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento

gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15

Uberaba-MG 2008 p5

68

tal direito E finalmente no plano institucional a doutrina em anaacutelise cooperou para a

ascensatildeo do Judiciaacuterio no paiacutes que terminou ganhando um papel de maior destaque na

concretizaccedilatildeo dos direitos constitucionais ponto que seraacute melhor abordado no capiacutetulo

seguinte do presente estudo

Por tais motivos que Barroso115

destaca a efetividade como o mecanismo que

viabilizou a passagem do velho para o novo direito constitucional e que contribuiu para que a

Constituiccedilatildeo deixasse de ser vista como uma miragem com as honras de uma falsa

supremacia natildeo tradutora de proveito para a cidadania

Feitas tais observaccedilotildees antes de avanccedilar na problemaacutetica faz-se necessaacuterio tambeacutem

alguns esclarecimentos sobre a noccedilatildeo de eficaacutecia juriacutedica dos enunciados normativos

constitucionais e a identificaccedilatildeo das modalidades de eficaacutecia que seratildeo mais pertinentes na

temaacutetica da concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Nesse ponto tem-se que eficaacutecia juriacutedica pode ser considerado um atributo pertinente

aos enunciados normativos consistindo naquilo que se pode exigir (judicialmente caso

necessaacuterio) com fundamento em cada um desses proacuteprios enunciados o que conforme se

veraacute dependendo da situaccedilatildeo em questatildeo natildeo seraacute tarefa faacutecil

Infere-se da noccedilatildeo acima exposta que o exame do grau de eficaacutecia de determinada

norma pressupotildee portanto um trabalho hermenecircutico de identificaccedilatildeo do exato efeito e

alcance que o comando normativo pretende produzir e quais condutas satildeo imperiosas para

tornar real determinado enunciado normativo ou seja quais comportamentos acarretaratildeo

efeitos praacuteticos no mundo dos fatos

Pois bem quanto agraves possiacuteveis modalidades de eficaacutecia juriacutedica o presente trabalho se

filia agraves liccedilotildees de Ana Paula Barcellos que identifica em ordem decrescente de consistecircncia

(ou seja de aptidatildeo a produzir o efeito pretendido pelo dispositivo no acircmbito da realidade) as

seguintes modalidades i simeacutetrica ou positiva ii nulidade iii ineficaacutecia iv anulabilidade

v negativa vi vedativa do retrocesso vi Penalidade vii interpretativa e viii outras116

Na temaacutetica da eficaacutecia do direito agrave sauacutede merece especial atenccedilatildeo as modalidades

simeacutetrica ou positiva negativa vedativa do retrocesso e interpretativa A modalidade

simeacutetrica eacute a mais apta a produzir o efeito original desejado pelo enunciado normativo visto

que utiliza a forma baacutesica em mateacuteria de eficaacutecia juriacutedica calcada no conferimento de um

115

BARROSO Luiacutes Roberto A doutrina brasileira da efetividade In Temas de direito constitucional Rio de

Janeiro Renovar 2005 v 3 p 76 116

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 77

69

direito subjetivo para aquele que seria beneficiado pela realizaccedilatildeo dos efeitos da norma e natildeo

o foi respaldando a exigecircncia judicial pelo mesmo dos referidos efeitos117

Por sua vez as modalidades negativa vedativa do retrocesso e interpretativa

consistem em mecanismos desenvolvidos pela doutrina para garantir uma maior capacidade

normativa para os princiacutepios Nesse passo a negativa refere-se agrave possibilidade de declaraccedilatildeo

da invalidade de normas ou atos que contrariem os efeitos pretendidos por determinado

enunciado normativo o que respaldaria por exemplo que determinada lei viesse a ser

declarada inconstitucional caso suas disposiccedilotildees se apresentassem conflitantes com o acesso

universal agrave sauacutede genericamente citado no art 196 da CF118

De maneira sucinta a modalidade vedativa do retrocesso pressupotildee a ideia de que os

direitos fundamentais devem ser regulamentados infra constitucionalmente sempre se

buscando sua ampliaccedilatildeo progressiva e nesse contexto caso haja uma regulamentaccedilatildeo que

proporcione a aplicaccedilatildeo direta da constituiccedilatildeo no mundo dos fatos uma posterior revogaccedilatildeo

dessa regulamentaccedilatildeo seria considerado um verdadeiro passo pra traacutes significando um

retrocesso do legislador infraconstitucional que colidiria com a proacutepria norma

constitucional119

Jaacute a modalidade interpretativa abrange a possibilidade de se exigir do Judiciaacuterio que os

comandos infraconstitucionais sejam interpretados de acordo com os de hierarquia superior a

que estatildeo vinculados no intuito de verificar qual forma de interpretaccedilatildeo dentre as possiacuteveis

melhor realiza a norma de maior hierarquia120

Depreende-se portanto que a eficaacutecia positiva deveraacute ser a modalidade associada em

regra aos enunciados normativos em geral salvo quando haja razotildees consistentes em

contraacuterio Nesse ponto quando diante de normas que exprimam uma essecircncia principioloacutegica

seratildeo relevantes sobretudo as modalidades negativa vedativa de retrocesso e interpretativa

visto que representam um siacutembolo do consideraacutevel avanccedilo no esforccedilo pela construccedilatildeo da

normatividade dos princiacutepios constitucionais

Feitas tais observaccedilotildees que seratildeo relevantes quando for estudada a intervenccedilatildeo

judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute imperioso deixar claro que os conceitos acima

tratados natildeo se confundem Enquanto a eficaacutecia juriacutedica diz respeito agravequilo que se pode exigir

judicialmente com fundamento na norma ligando-se agrave noccedilatildeo de exigibilidade a efetividade

117

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 78 118

Idem p84 119

Idem p 88 120

Idem p 97

70

pode ser encarada como a eficaacutecia social da norma jaacute que significa a realizaccedilatildeo ou

materializaccedilatildeo no mundo dos fatos dos preceitos legais simbolizando o niacutevel de

aproximaccedilatildeo entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social121

Assentadas as noccedilotildees de eficaacutecia e efetividade faz-se necessaacuterio deixar esclarecidos

alguns aspectos acerca da eficaacutecia e aplicabilidade dos direitos fundamentais especialmente

os sociais

41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Jaacute foi detalhado no presente estudo que a melhor classificaccedilatildeo para os direitos

fundamentais eacute a que divide os mesmos em direitos de defesa e direitos a prestaccedilatildeo vigorando

o entendimento calcado nos ideais de maacutexima efetividade da Constituiccedilatildeo de que toda e

qualquer norma constitucional eacute dotada de certo grau de eficaacutecia juriacutedica e aplicabilidade

concluindo-se nesse passo que em que pese natildeo haver dispositivo constitucional

completamente destituiacutedo de eficaacutecia eacute certo que haacute uma diferente gradaccedilatildeo na carga

eficacial de cada norma a depender da funccedilatildeo que a mesma cumpra no sistema constitucional

e da forma que foram positivadas

Nesse contexto baseando-se na Teoria dos Princiacutepios (jaacute tambeacutem antes detalhada) de

que a Constituiccedilatildeo consiste em um sistema aberto de regras e princiacutepios (como espeacutecies de

norma) pode-se afirmar que haacute na Constituiccedilatildeo um autecircntico complexo heterogecircneo de

normas e dentre elas normas definidoras de direitos fundamentais umas com maior

densidade normativa e maior carga de eficaacutecia outros com menos completude normativa

configurando planos de eficaacutecia imediata mais limitados

Dito isto faz-se primordial para a compreensatildeo do raciociacutenio que aqui estaacute sendo

desenvolvido a exata noccedilatildeo do sentido e alcance da norma contida no sect 1deg do artigo 5deg da

CF de 1988 o qual afirma que ldquoas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tecircm

aplicaccedilatildeo imediatardquo 122

Quanto a essa questatildeo antes de tudo deve ser afastada a ideia de que

tal dispositivo teria sua aplicaccedilatildeo adstrita apenas ao rol de direitos do artigo quinto

defendendo-se a partir de uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que o mesmo abrange

indistintamente todos os direitos fundamentais constantes na CF de 1988 abarcando os

121

BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro

Renovar 2006 p 23

71

direitos poliacuteticos de nacionalidade sociais bem como os individuais espalhados pelo seu

texto

Assentada tal premissa que se coaduna com o caraacuteter materialmente aberto do texto

constitucional brasileiro pode ser defendido que a melhor exegese do dispositivo em anaacutelise eacute

a que o entende como uma norma de cunho principioloacutegico configurando-se desta feita

como um mandado de maximizaccedilatildeo visto que estabelece para os oacutergatildeos estatais o dever de

reconhecerem e implementarem maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais sendo

certo que o grau de aplicabilidade e eficaacutecia (ou seja seu alcance) dependeraacute do exame da

hipoacutetese em concreto ou seja da norma de direito fundamental em pauta123

Daiacute falar-se em presunccedilatildeo em favor da aplicabilidade imediata e eficaacutecia plena das

normas de direitos fundamentais o que outorga agraves mesmas efeitos reforccedilados relativamente agraves

demais normas constitucionais ao passo que tal presunccedilatildeo decorre da jaacute estudada

fundamentalidade formal dos direitos fundamentais no acircmbito da Constituiccedilatildeo Isto induz agrave

premissa de que os direitos e princiacutepios fundamentais norteados pela pedra angular do

ordenamento a dignidade da pessoa humana regem a proacutepria ordem constitucional

Resumindo a construccedilatildeo do entendimento do exposto jaacute foi visto que

i toda norma constitucional possui um miacutenimo de eficaacutecia

ii o sect 1deg do artigo 5degda CF de 1988 aplica-se a todos os direitos fundamentais e

possui natureza marcadamente principioloacutegica significando que cabe ao Estado

reconhecer maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais

iii a depender da norma em pauta haveraacute um escalonamento da carga eficacial de

cada direito em anaacutelise

Aplicando esse raciociacutenio agrave classificaccedilatildeo de direitos fundamentais de defesa e

prestacionais tem-se que para os direitos de defesa a tarefa dada ao Estado de garantir a

maior eficaacutecia possiacutevel eacute de certo modo mais simples jaacute que tais direitos apresentam em

regra funccedilatildeo tipicamente defensiva cuja estrutura normativa reclama uma abstenccedilatildeo sem

necessitar a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo legislativa integradora ostentando suficiente

normatividade para respaldar sua exigibilidade em juiacutezo

Aqui eacute pertinente a ressalva jaacute feita anteriormente de que em que pese a viabilizaccedilatildeo

dos direitos de defesa ser uma tarefa mais faacutecil para o Estado isso natildeo significa que natildeo

importaratildeo em custos ao mesmo jaacute que a maacutexima de que somente os direitos prestacionais

necessitam de aporte financeiro do Estado eacute uma inverdade pois a perfeita fruiccedilatildeo dos

123

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 p 246

72

direitos de defesa carece de uma ampla estruturaccedilatildeo estatal que requer altos custos bastando

como exemplo os gastos com seguranccedila puacuteblica e sistema eleitoral

Quanto aos direitos prestacionais jaacute foi visto que estes se subdividem em direitos a

prestaccedilotildees em sentido amplo (que abarca a proteccedilatildeo e participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e

procedimento voltadas agrave garantia da liberdade e igualdade do Estado) e em sentido estrito

(que abrange os direitos a prestaccedilotildees sociais materiais tiacutepicas do Estado Social ou

Democraacutetico de Direito) sendo inegaacutevel que a mencionada tarefa estatal em conferir a

maacutexima eficaacutecia e aplicabilidade possiacutevel aos direitos fundamentais resta mais dificultada

quanto aos mesmos pelo fato de requererem uma atuaccedilatildeo integradora uma conduta positiva

por parte do Estado

Nessa uacuteltima classificaccedilatildeo encontram-se os direitos sociais cuja problemaacutetica dos

custos envolvidos eacute bem mais severa e incrusta-se na celeuma acerca de sua eficaacutecia sendo

certo que ainda que precisem em princiacutepio de integraccedilatildeo normativa e accedilotildees estatais para

serem concretizados tais direitos apresentam cargas eficaciais no sentido de i revogar os

atos normativos anteriores contraacuterios ao seu conteuacutedo ii vincular o legislador a concretizar

os seus fins nos exatos termos constitucionais iii constituir paracircmetros para interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas iv originar direito subjetivo de cunho negativo no sentido de

exigir que o Estado se abstenha de atuar em contrariamente a norma de direito social e v

impedir que o legislador venha a abolir posiccedilotildees juriacutedicas por ele mesmo jaacute conferidas em um

contexto de aplicaccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso social124

Feitas tais observaccedilotildees jaacute foi esclarecido que o direito agrave sauacutede aleacutem de dever

fundamental apresenta facetas tanto de direito de defesa quanto de prestacional e nesse

ponto a depender da forma que esteja sendo o mesmo analisado concretamente poderaacute

incidir tanto o raciociacutenio acima desenvolvido quanto a eficaacutecia dos direitos de defesa quanto

aos de prestaccedilatildeo

Contudo a grande problemaacutetica com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede reside no seu aspecto

de direito prestacional em sentido estrito e a consequente possibilidade de serem reconhecidos

direitos subjetivos originaacuterios a prestaccedilotildees O ponto nevraacutelgico dessa celeuma estaacute

exatamente na dificuldade de se delimitar o que seria exatamente abrangido pelo direito agrave

sauacutede com base na CF de 1988 tarefa que se desenvolve em meio a condicionamentos

econocircmico-financeiros (como eacute o caso da reserva do possiacutevel) e juriacutedico-poliacuteticos (como eacute a

124

Tais conclusotildees por sua vez coadunam-se com a construccedilatildeo de pensamento de Ana Paula Barcellos quanto

aos niacuteveis de eficaacutecia tiacutepicos das normas de matriz principioloacutegica que abrangem o niacutevel interpretativo vedativo

de retrocesso e negativo

73

questatildeo da legitimidade poliacutetica separaccedilatildeo dos poderes e iniciativa em mateacuteria orccedilamentaacuteria)

que dificultam o consenso na mateacuteria

Da simples leitura dos dispositivos constitucionais que tratam do direito agrave sauacutede natildeo

haacute como afirmar com perfeita clareza quais situaccedilotildees estariam seguramente abarcadas por tal

direito sendo certo poreacutem que uma interpretaccedilatildeo que venha a concluir pela inclusatildeo de toda e

qualquer prestaccedilatildeo material ligada agrave sauacutede com inerente a tal direito acarretaraacute em graves

efeitos colaterais tanto para as demais prioridades do Estado como tambeacutem para a proacutepria

sauacutede dos demais cidadatildeos daiacute porque falar-se na necessidade de delimitaccedilatildeo de um miacutenimo

existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede igualitaacuterio e exigiacutevel por todos

Eacute nesse contexto pois que ganha destaque a discussatildeo sobre o possiacutevel embate entre a

noccedilatildeo de miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel

42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO

POSSIacuteVEL

Na tarefa de se interpretar o direito constitucional eacute preciso ir aleacutem dos elementos

meramente juriacutedicos para se apurar dados da realidade e nessa empreitada a perquiriccedilatildeo

acerca da existecircncia efetiva de condiccedilotildees materiais e financeiras para a realizaccedilatildeo dos

comandos normativos eacute de suma relevacircncia para a constataccedilatildeo do grau de realizaccedilatildeo que cada

um deles poderaacute assumir visto que a inexistecircncia de tais condiccedilotildees ocasiona um quadro de

insinceridade normativa125

que deve ser combatido atraveacutes dos instrumentos de combate agrave

siacutendrome da omissatildeo estatal

Nesse trabalho de apuraccedilatildeo sobre a existecircncia ou natildeo de condiccedilotildees materiais e

financeiras para garantir a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute certa e inevitaacutevel a

loacutegica de que as necessidades seratildeo sempre ilimitadas ao passo que os recursos seratildeo

limitados e por isso em algum momento deveraacute ser enfrentada a circunstacircncia de haver ou

natildeo disponibilidade de recursos para atender as prestaccedilotildees pleiteadas Eacute esse o contexto que

circunda a ideia do instituto popularizado por reserva do possiacutevel

A teoria da reserva do possiacutevel exprime no ordenamento paacutetrio a ideia de que aleacutem

das discussotildees juriacutedicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Poder Puacuteblico os direitos

a prestaccedilotildees materiais estariam sob a reserva da capacidade financeira do Estado dependendo

portanto da efetiva disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado sintetizados

125

BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro

Renovar 2006 p 56

74

no campo do orccedilamento puacuteblico126

Tal teoria abrange duas dimensotildees baacutesicas uma faacutetica

ligada propriamente agrave noccedilatildeo de limitaccedilatildeo dos recursos materiais aproximado da exaustatildeo

orccedilamentaacuteria e uma juriacutedica atrelada ao poder de disposiccedilatildeo e competecircncia para decidir e

determinar sobre a alocaccedilatildeo dos recursos existentes para determinada mateacuteria127

Antes de avanccedilar eacute importante esclarecer que a noccedilatildeo de reserva do possiacutevel teve sua

origem em um julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional alematildeo em que

analisando demanda proposta por estudantes que natildeo haviam sido admitidos em escolas de

medicina de Hamburgo e Munique frente a limitaccedilatildeo de vagas e pleiteavam o aumento do

nuacutemero destas decidiu que o direito agrave prestaccedilatildeo positiva do Estado encontra-se sujeito agrave

reserva do possiacutevel no sentido daquilo que o indiviacuteduo pode razoavelmente esperar de

maneira racional da sociedade atrelando-se a argumentaccedilatildeo portanto agrave razoabilidade da

pretensatildeo128

A teoria da reserva do possiacutevel assim tal qual sua origem diferentemente da

interpretaccedilatildeo transposta para o Brasil129

natildeo se refere unicamente agrave anaacutelise acerca da

existecircncia ou natildeo de recursos suficientes para a concretizaccedilatildeo do direito social em exame

(aliada a previsatildeo orccedilamentaacuteria da respectiva despesa) mas agrave razoabilidade da pretensatildeo

deduzida com vistas a sua efetivaccedilatildeo

126

KRELL Andreas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha os (des)caminhos de um

direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Fabris 2002 p 52 127

Explicando tal distinccedilatildeo Marcos Masseli Gouvecirca assevera que ldquoDiversamente das omissotildees estatais as

prestaccedilotildees positivas demandam um dispecircndio ostensivo de recursos puacuteblicos Ao passo em que estes recursos

satildeo finitos o espectro de interesses que procuram suprir eacute ilimitado razatildeo pela qual nem todos estes interesses

poderatildeo ser erigidos agrave condiccedilatildeo de direitos exigiacuteveis A doutrina denomina reserva do possiacutevel faacutetica a este

contingenciamento financeiro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais Muitas vezes os recursos

financeiros ateacute existem poreacutem natildeo haacute previsatildeo orccedilamentaacuteria que os destine agrave consecuccedilatildeo daquele interesse ou

licitaccedilatildeo que legitime a aquisiccedilatildeo de determinado insumo eacute o que se denomina reserva do possiacutevel juriacutedicardquo In

GOUVEcircA Marcos Masseli O direito ao fornecimento Estatal de Medicamentos Disponiacutevel em

httpwwwnagibnettextovaried_16doc Acessado em 09052013 128

MAcircNICA Fernando Borges Teoria da reserva do possiacutevel direitos fundamentais a prestaccedilotildees e a

intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas In Revista Eletrocircnica sobre a

Reforma do Estado (RERE) ndeg 21 2010 Salvador p 11 129

Sobre a problemaacutetica da importaccedilatildeo descompromissada de institutos do direito comparado Canotilho pondera

que ldquoo cerne do problema estaacute na abertura de uma nova frente de ativismo judicial desencadeada pela utilizaccedilatildeo

de fontes estrangeiras inseridas nos dicta das sentenccedilas como standards de direito comparado ou de direito

internacional A anaacutelise comparada ndash afirma o juiz Scalia o mais veemente e caustico opositor da ldquoimportaccedilatildeo

de normasrdquo pode ser relevante quando se procede agrave redaccedilatildeo do texto de uma constituiccedilatildeo como foi demonstrado

pelos autores de The Federalist amplamente familiarizados com literatura estrangeira mas essa anaacutelise revela-se

desadequada e indesejada quando se trata de interpretar e aplicar a lei nos casos concretos CANOTILHO Joseacute

Joaquim Gomes O ativismo judiciaacuterio entre nacionalismo a globalizaccedilatildeo e a pobreza In MOURA Lenice S

Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo

Paulo Saraiva 2009 p 48

75

Assentada a maneira que ocorre a leitura da teoria da reserva do possiacutevel em solo

paacutetrio130

tem-se que quanto agrave delimitaccedilatildeo conceitual do que vem a ser reserva do possiacutevel

natildeo existe um posicionamento uniacutessono na doutrina ao passo que alguns consagram o

instituto como princiacutepio outros como claacuteusula ou postulado e outros como condiccedilatildeo de

realidade Sem entrar detidamente na discussatildeo apoiando-se no posicionamento defendido

dentre outros por Ana Carolina Lopes Olsen o presente estudo compreende o instituto como

um elemento extra juriacutedico de condiccedilatildeo de realidade que influencia na aplicaccedilatildeo dos direitos

fundamentais131

Esclarecendo melhor tal posicionamento parte da conclusatildeo pela inadequaccedilatildeo de

classificar a reserva do possiacutevel como espeacutecie normativa (princiacutepio) ou postulado (autecircntica

meta-norma) frente a ausecircncia tanto de passividade de otimizaccedilatildeo quanto de natureza

normogeneacutetica132

excluindo-se tambeacutem o raciociacutenio de que poderia ser encarado como uma

regra jaacute que natildeo se apresenta como um norma de efeitos gerais especificada no ordenamento

paacutetrio nem funciona sobre a loacutegica do ldquotudo ou nadardquo

A partir dessa compreensatildeo deve se ter em mente que a advertecircncia propugnada por

essa teoria tem por objetivo primordial natildeo a limitaccedilatildeo de direitos em si mas em verdade a

plena conformaccedilatildeo da realizaccedilatildeo dos mesmos ao que eacute possiacutevel faticamente a partir das

possibilidades econocircmicas do Estado levando-se em consideraccedilatildeo o contexto da gradualidade

de realizaccedilatildeo associada ao natildeo retrocesso social A ideia de um processo gradualiacutestico-

concretizador portanto se coaduna com a questatildeo das disponibilidades orccedilamentaacuterias do

Estado mas ao mesmo tempo dita o passo de como esta disponibilidade deve

progressivamente ser utilizada facilitando o controle acerca da efetiva concretizaccedilatildeo do texto

constitucional

Nesse contexto a reserva do possiacutevel apesar de se inserir na conjuntura macro em que

estatildeo englobados os direitos sociais a prestaccedilotildees materiais (marcada pela gradualidade de

realizaccedilatildeo dependecircncia financeira em relaccedilatildeo ao Estado e tendencial liberdade de

conformaccedilatildeo do legislador quanto agraves poliacuteticas para realizaacute-los) aleacutem de natildeo implicar em grau

130

Nesse ponto eacute relevante defender a necessidade aleacutem do aspecto puramente financeiro de perquiriccedilatildeo da

razoabilidade da reivindicaccedilatildeo levando-se em consideraccedilatildeo elementos como o grau de essencialidade do direito

fundamental em questatildeo as condiccedilotildees pessoais e financeiras dos envolvidos e a eficaacutecia da providecircncia judicial

almejada 131

OLSEN Ana Carolina Lopes A eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais frente agrave reserva do possiacutevel

Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito UFPR Curitiba 2006 p 37 132

Reforccedila-se a ideia de que a reserva do possiacutevel propriamente natildeo eacute ponderada mas sim a situaccedilatildeo de

escassez de recursos apresentada por ela com o comando normativo do direito fundamental social em exame

76

nulo de vinculatividade juriacutedica do direito em questatildeo133

natildeo se limita somente aos direitos

sociais jaacute que estes natildeo satildeo os uacutenicos a custar dinheiro

Mais uma vez retomam-se os ensinamentos referentes aos custos dos direitos no

sentido de desmistificar a maacutexima de que a teoria da reserva do possiacutevel soacute seria aplicada em

casos de sindicabilidade dos direitos sociais sustentando que os direitos individuais e poliacuteticos

tambeacutem demandam gastos por parte do poder puacuteblico bastando imaginar os gastos com

poliacutecia e bombeiros que garantem o direito agrave vida e propriedade bem como os custos com o

aparato judicial que se destina a proteger diversos direitos individuais

Desta maneira por existir um custo inerente a qualquer espeacutecie de direito ainda que

em grau diferenciado deve ser afastada a utilizaccedilatildeo da maacutexima de que por demandarem

accedilotildees estatais que custam dinheiro os direitos sociais devem ser imaginados sempre sobre o

manto de uma ideia de limitaccedilatildeo como se tal afirmaccedilatildeo bastasse como um argumento

maacutegico Como visto a proteccedilatildeo dos direitos individuais e poliacuteticos tambeacutem demandam

recursos poreacutem a distinccedilatildeo eacute que os efeitos da ausecircncia de tais recursos para esses direitos

natildeo satildeo tatildeo sentidos na praacutetica como ocorre nos casos de falta com relaccedilatildeo aos direitos

sociais especialmente o direito agrave sauacutede

Nesse raciociacutenio eacute certo que o exame sobre a vaacutelida utilizaccedilatildeo134

do argumento da

reserva do financeiramente possiacutevel passa pela necessidade de ocorrecircncia da perfeita

comprovaccedilatildeo de efetiva ausecircncia de recursos orccedilamentaacuterios configuradora do quadro de

exaustatildeo orccedilamentaacuteria natildeo sendo suficiente a mera e automaacutetica alegaccedilatildeo de inexistecircncia

destes135

133

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual

dos direitos econocircmicos sociais e culturaisrdquo In Estudos sobre Direitos Fundamentais Coimbra Ed

Coimbra 2004 p 108 134

Corroborando Artur Cortez Bonifaacutecio assevera que ldquoA motivaccedilatildeo requer adequaccedilatildeo agrave legalidade

constitucional ou seja a lei embasadora da escolha administrativa deve-se encontrar respaldada pela

Constituiccedilatildeo Por isso se afasta o acolhimento de alegaccedilatildeo pelo Executivo de natildeo efetivaccedilatildeo dos direitos

subjetivos fundamentais de matiz social pela falta de recursos orccedilamentaacuterios quando natildeo devidamente motivada

a denegaccedilatildeo do administrador BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional internacional e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 115-116 135

Nesse sentido Celso de Mello aponta que ldquo() os condicionamentos impostos pela claacuteusula da bdquoreserva do

possiacutevel‟ ao processo de concretizaccedilatildeo dos direitos de segunda geraccedilatildeo ndash de implantaccedilatildeo sempre onerosa -

traduzem-se em um binocircmio que compreende de um lado (1) a razoabilidade da pretensatildeo individualsocial

deduzida em face do Poder Puacuteblico e de outro (2) a existecircncia de disponibilidade financeira do Estado para

tornar efetivas as prestaccedilotildees dele reclamadas Desnecessaacuterio acentuar-se considerado o encargo governamental

de tornar efetiva a aplicaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais que os elementos componentes do

mencionado binocircmio (razoabilidade da pretensatildeo + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se

de modo afirmativo e em situaccedilatildeo de cumulativa ocorrecircncia pois ausente qualquer desses elementos

descaracterizar-se-aacute a possibilidade estatal de realizaccedilatildeo praacutetica de tais direitos (ADPF 45 MC DF Rel Min

Celso de Mello Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12)

77

Merece destaque tambeacutem o fato de que a limitaccedilatildeo de recursos gera fatalmente uma

inevitaacutevel priorizaccedilatildeo de escolhas visto que se o contingente orccedilamentaacuterio eacute escasso frente a

gama de direitos existentes eacute certo que um ou outro direito ganharaacute maior proeminecircncia na

proteccedilatildeo e garantia de direitos empreendidas pelo Poder Puacuteblico

Mas o que guiaraacute essa priorizaccedilatildeo Sem sombra de duacutevidas o estabelecimento de

metas preferenciais e objetivos fundamentais encartados na Constituiccedilatildeo Federal devendo os

recursos disponiacuteveis serem aplicados no atendimento dos fins tidos por ela como essenciais136

e nesse ponto o direito agrave sauacutede eacute inegavelmente estruturado de maneira prioritaacuteria no

ordenamento paacutetrio sendo apresentados inclusive regramentos especiacuteficos quanto a

vinculaccedilatildeo das receitas dos entes puacuteblicos a um miacutenimo a ser gasto em sauacutede puacuteblica com

graves consequecircncias para o caso de seu descumprimento

Depreende-se portanto que a limitaccedilatildeo de recursos eacute um fato que natildeo pode ser

ignorado contudo a utilizaccedilatildeo desenfreada do argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode ser

enxergada como um dado absoluto que sempre que levantado afastaraacute a possibilidade de se

forccedilar o Estado a gastar com determinado direito137

Nesse sentido natildeo se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos

para depois utilizaacute-los sob as mais diversas formas (obras serviccedilos ou qualquer outra poliacutetica

puacuteblica) eacute exatamente realizar138

os objetivos fundamentais da Constituiccedilatildeo139

136

Nessa questatildeo merece destaque a influecircncia dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil os quais

reforccedilam a obrigaccedilatildeo de se investir o maacuteximo dos recursos disponiacuteveis na promoccedilatildeo dos direitos previstos em

seus textos como eacute o caso dos jaacute tratados PIDESC e Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica Assevera o primeiro

ldquoArt 2 1 Cada Estado Parte do Presente Pacto compromete-se a adotar medidas () ateacute o maacuteximo de seus

recursos disponiacuteveis que visem a assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno

exerciacutecio dos direitos reconhecidos no presente Pacto incluindo em particular a adoccedilatildeo de medidas

legislativasrdquo (Grifos acrescidos) Dispotildee o segundo ldquoArt 26 Desenvolvimento progressivo Os Estados-Partes

comprometem-se a adotar providecircncias () a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos

que decorrem das normas econocircmicas sociais ()rdquo 137

Nesse ponto assevera George Marmelstein que ldquoas alegaccedilotildees de negativa de efetivaccedilatildeo de um direito social

com base no argumento da reserva do possiacutevel deve ser sempre analisada com desconfianccedila Natildeo basta

simplesmente alegar que natildeo haacute possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial eacute preciso demonstraacute-

la O que natildeo se pode eacute deixar que a evocaccedilatildeo da reserva do possiacutevel converta-se em verdadeira razatildeo de Estado

econocircmica em um AI-5 econocircmico que opera na verdade como uma anti-Constituiccedilatildeo contra tudo o que a

Carta consagra em mateacuteria de direitos sociaisrdquo In LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito

Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio

para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura Federal UnB 2003 p50 138

Reforccedila esse argumento a posiccedilatildeo de Ingo Sarlet ao afirmar que ldquo() os recursos puacuteblicos deveratildeo ser

distribuiacutedos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais baacutesicos () se tendo em conta que a

nossa ordem constitucional veda expressamente a pena de morte a tortura e a imposiccedilatildeo de penas desumanas e

degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo razatildeo pela qual natildeo se poderaacute sustentar ndash sob pena de

ofensa aos mais elementares requisitos da razoabilidade e do proacuteprio sendo de justiccedila ndash que com base em uma

alegada (e mesmo comprovada) insuficiecircncia de recursos ndash se acabe virtualmente condenando agrave morte a pessoa

cujo uacutenico crime foi o de ser viacutetima de um dano agrave sauacutede e natildeo ter condiccedilotildees de arcar com o custo do tratamento

SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave

sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 p 13

78

Chega-se ao ponto central da discussatildeo posta A delimitaccedilatildeo de um conjunto de

condiccedilotildees materiais miacutenimas de existecircncia que refletem os elementos basilares da ideia de

dignidade humana e transparecem aquele miacutenimo sobre o qual abaixo dele qualquer um

repousaria em uma situaccedilatildeo de indignidade guarda similitude exatamente ao estabelecimento

dos alvos prioritaacuterios dos gastos puacuteblicos140

A conclusatildeo disto eacute que a associaccedilatildeo do miacutenimo existencial141

ao estabelecimento de

prioridades orccedilamentaacuterias acarreta no conviacutevio produtivo de tal miacutenimo com a reserva do

possiacutevel ao passo que se a prioridade constitucional deve necessariamente refletir a

canalizaccedilatildeo de condiccedilotildees materiais essenciais agrave dignidade humana a discussatildeo sobre reserva

do possiacutevel consistiraacute em uma etapa a posteriori que natildeo deveria ser seque substancialmente

relevante para aquele primeiro momento jaacute que se estaria cuidando de uma prioridade

Isso ocorre porque o miacutenimo existencial142

enquanto direito preacute-constitucional

impliacutecito no art 3deg III da CF de 1988 tem sua garantia e proteccedilatildeo atrelada agrave noccedilatildeo de que o

Estado se comprometeu em assegurar agraves pessoas um padratildeo miacutenimo na esfera dos direitos

sociais tarefa essa plasmada no relacionamento nato existente entre a vinculaccedilatildeo dos direitos

sociais com o direito agrave vida e com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana ambientado no

cenaacuterio de busca pelo reconhecimento de maacutexima eficaacutecia juriacutedica aos direitos fundamentais

Melhor explicando a defesa aqui eacute no sentido de que o nuacutecleo que forma a ideia de

um miacutenimo existencial jaacute levou em consideraccedilatildeo quando da sua formulaccedilatildeo o argumento da

limitaccedilatildeo financeira do Estado presumindo-se que o Poder Puacuteblico dispotildee de recursos para

atender ao menos as necessidades que compotildeem esse miacutenimo e que satildeo tidas

139

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 287 140

Nesse sentido Arcecircnio Brauner dispotildee que ldquoo Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana () natildeo reclama

apenas a garantia da liberdade mas tambeacutem um miacutenimo de seguranccedila social jaacute que sem os recursos materiais

para uma existecircncia digna a proacutepria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada Por esta razatildeo o direito agrave

vida e a integridade corporal natildeo podem ser concebidos meramente como proibiccedilatildeo de destruiccedilatildeo de existecircncia

isto eacute como direito de defesa impondo ao reveacutes tambeacutem uma postura ativa no sentido de garantir a vidardquo

(Grifos acrescidos) BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In

FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces

do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 603-604 141

Sobre a noccedilatildeo de miacutenimo existencial e a contribuiccedilatildeo teoacuterica de inuacutemeros autores (dentre eles John Rawls

Friedrich Hayek Michael Walzer e Carlos Santiago Nino) sobre o tema conferir HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares

sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 142

Atribui-se a Otto Bachof a primazia do reconhecimento de um direito subjetivo a recursos miacutenimos para

existecircncia digna a partir do entendimento de que o direito agrave vida e integridade corporal natildeo envolve apenas

postura defensiva mas tambeacutem prestaccedilotildees Tal formulaccedilatildeo foi entatildeo seguida em paradigmaacutetica decisatildeo do

Tribunal Federal Administrativo da Alemanha em 1954 ao ser reconhecido a um indiviacuteduo o direito subjetivo a

auxiacutelio material por parte do Estado com base na dignidade da pessoa humana Jaacute em 1975 o Tribunal

Constitucional Federal alematildeo reconheceu a partir do princiacutepio da dignidade da pessoa humana do direito agrave

vida e agrave integridade fiacutesica e mediante uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica junto ao princiacutepio do Estado Social um

direito fundamental agrave garantia das condiccedilotildees miacutenimas para uma existecircncia digna HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares

sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 45-47

79

constitucionalmente como prioridades Se assim natildeo fosse caso houvesse a possibilidade de

opor a reserva do possiacutevel em face de tal miacutenimo se estaria diante de uma confessada conduta

inconstitucional anterior por parte da autoridade puacuteblica143

visto que restaria evidenciado que

os recursos existentes foram alocados em desacordo com as prioridades estabelecidas

constitucionalmente144

Aplicando o pensamento desenvolvido acima para a realidade do direito agrave sauacutede

conclui-se ser inegaacutevel o fato de tal direito exigir um aporte financeiro do Estado para ser

protegido e garantido Da mesma maneira depreende-se que a previsatildeo constante na proacutepria

CF de 1988 de que os entes federados devem alocar um miacutenimo de suas arrecadaccedilotildees para os

gastos com sauacutede puacuteblica reforccedila o fato de tal direito ser um alvo de acentuada prioridade no

ordenamento paacutetrio qualificando-se como condiccedilatildeo e consequecircncia constitucional

indissociaacutevel do direito agrave vida

Ora essa sistemaacutetica tem uma razatildeo de ser natildeo faria sentido essa preocupaccedilatildeo iacutempar

e relevante da Constituiccedilatildeo se o seu intuito natildeo fosse que pelo menos um miacutenimo de accedilotildees

em sauacutede fosse posta a disponibilidade da populaccedilatildeo como forma de garantir um grau baacutesico

de concretizaccedilatildeo de tal direito Desta maneira a defesa de um miacutenimo existencial em espeacutecie

com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede abrange um rol de prestaccedilotildees materiais sobre os quais o

argumento da reserva do possiacutevel natildeo poderaacute ser utilizado Saindo-se desse espectro aiacute sim

para as accedilotildees externas a esse miacutenimo eacute que se poderaacute cogitar o enfrentamento do tema da

reserva do possiacutevel

Outro aspecto a ser avaliado eacute que sendo um tiacutepico direito de segunda geraccedilatildeo que

exige do Estado uma prestaccedilatildeo positiva nascente do conceito de igualdade substancial o

amparo agrave sauacutede tem por fundamento comando constitucional que natildeo possibilita um raio de

discricionariedade capaz de conferir maior grau de liberdade de conformaccedilatildeo ao direito do

143

A loacutegica de uma gestatildeo de recursos eacute simples e baseada na obtenccedilatildeo (arrecadaccedilatildeo) e no dispecircndio (despesa)

devendo claramente haver uma congruecircncia entre tais extremos para a sustentaccedilatildeo do sistema Nesse sentido

buscando-se sempre a noccedilatildeo de que as disposiccedilotildees constitucionais formam um todo harmocircnico eacute certo que o

arrecadado deve ser equivalente ao miacutenimo que se exige e nesse contexto o volume crescente de arrecadaccedilatildeo

tributaacuteria dos uacuteltimos anos no paiacutes denota que a sinalizaccedilatildeo do quantum a ser arrecadado natildeo pode fugir da

preacutevia necessidade que estaacute sendo priorizada daiacute concluir-se que ldquoo miacutenimo existencial jaacute estaacute na contardquo da CF e

a aplicaccedilatildeo da ideia de reserva do possiacutevel deve ser utilizada quando diante de prestaccedilotildees que extrapolam esse

miacutenimo 144

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 290

80

qual o exerciacutecio possa ter como consequecircncia como base em simples alegaccedilatildeo de mera

conveniecircncia eou oportunidade a nulificaccedilatildeo da prerrogativa essencial145

Coadunando-se com tal pensamento Ingo Sarlet pontua que se na situaccedilatildeo concreta as

objeccedilotildees habituais ao conferimento de direito subjetivo agraves prestaccedilotildees iacutensitas ao direito social

em exame significarem uma grave agressatildeo agrave vida e a dignidade humana a saiacuteda seraacute a

prevalecircncia do direito social prestacional a partir da construccedilatildeo de um padratildeo de miacutenimo

existencial do mesmo havendo como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestaccedilotildees

admitindo-se onde tal miacutenimo for ultrapassado apenas um direito subjetivo prima facie146

O embate entre reserva do possiacutevel e miacutenimo existencial se demonstra pois como

algo meramente aparente visto que a perfeita delimitaccedilatildeo das accedilotildees inseridas nesse miacutenimo

com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede terminaratildeo por formar um escudo protetivo intransponiacutevel

pelo argumento da reserva do possiacutevel o qual soacute poderaacute ser arguido quando diante de uma

situaccedilatildeo que extrapole tal nuacutecleo baacutesico

Desta maneira o miacutenimo existencial desponta como um limite agrave aplicaccedilatildeo da reserva

do possiacutevel na medida em que garante um conjunto de necessidades baacutesicas do indiviacuteduo a ser

respeitado e obrigatoriamente fornecido pelo Estado e nesse ponto o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana termina assumindo uma importante funccedilatildeo demarcatoacuteria ao estabelecer a

fronteira para o que convenciona denominar de padratildeo miacutenimo da esfera dos direitos

sociais147

Assentado o pensamento acima antes de passar para o exame das premissas que

sustentam a problemaacutetica do presente estudo (o deacuteficit evolutivo da concretizaccedilatildeo do direito agrave

sauacutede nos mais de vinte anos da CF de 1988 bem como a alocaccedilatildeo do direito agrave sauacutede para um

primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais) faz-se necessaacuteria uma breve

explanaccedilatildeo acerca da aplicaccedilatildeo da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso agrave questatildeo da efetividade do

direito agrave sauacutede nuacutecleo do debate ora travado

145

ODON Daniel Ivo amp RODRIGUES Sulien Barbosa O direito agrave sauacutede e a claacuteusula da reserva do

financeiramente possiacutevel In Revista Jurisplan Editora Iesplan v1 n1 Brasiacutelia 2012 105-125 p 123 146

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 p 324 147

BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009

ndash UNIMAR p 314

81

43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O

DIREITO Agrave SAUacuteDE

Foi esclarecido que a reserva do possiacutevel antes de ser vista como oacutebice insuperaacutevel agrave

efetivaccedilatildeo dos direitos sociais deve viger de certa maneira como um mandado de otimizaccedilatildeo

dos direitos fundamentais impondo ao Estado o dever fundamental de tanto quanto possiacutevel

promover as condiccedilotildees oacutetimas de efetivaccedilatildeo da prestaccedilatildeo estatal em causa buscando

preservar aleacutem disso os niacuteveis de realizaccedilatildeo jaacute atingidos Tal observaccedilatildeo aponta por sua vez

para a necessidade do reconhecimento de uma proibiccedilatildeo do retrocesso ainda mais naquilo

que se estaacute a preservar o miacutenimo existencial148

Nesse sentido faz-se relevante analisar brevemente de que maneira o presente estudo

encara a ideia de vedaccedilatildeo do retrocesso social e a partir de tal entendimento qual a sua

repercussatildeo no que tange ao direito agrave sauacutede

Pois bem o princiacutepio149

da proibiccedilatildeo ou vedaccedilatildeo do retrocesso eacute uma construccedilatildeo

doutrinaacuteria que diz respeito agrave possibilidade ou natildeo de se diminuir o campo protetivo de um

direito fundamental jaacute protegido infraconstitucionalmente

Tal anaacutelise parte da premissa de que os direitos fundamentais devem ser concretizados

por meio de regulamentaccedilatildeo infraconstitucional em um cenaacuterio de progressiva ampliaccedilatildeo e

tendo isto em mente enfrenta o questionamento de ser ou natildeo possiacutevel se discutir a validade

de uma eventual revogaccedilatildeo de enunciado (sem posterior substituiccedilatildeo e portanto gerando um

vazio legislativo) que regulamentando o direito fundamental em questatildeo tenha propiciado a

melhor fruiccedilatildeo e ampliaccedilatildeo do direito em questatildeo150

Ou seja o objetivo da vedaccedilatildeo do retrocesso eacute exatamente o de evitar supressotildees

legislativas que venham a regredir o acircmbito de proteccedilatildeo jaacute garantido para o direito

fundamental em exame Contudo o raciociacutenio natildeo eacute tatildeo simplista assim nem pode ser

148

SARLET Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Reserva do Possiacutevel miacutenimo existencial e

direito a sauacutede algumas aproximaccedilotildees In Doutrina Nacional Direitos Fundamentais e Justiccedila nordm 1 out-dez

2007 p 171-213 149

Natildeo eacute alvo do presente estudo a averiguaccedilatildeo acerca da natureza juriacutedica da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso

adotando-se a designaccedilatildeo de princiacutepio apenas de modo a seguir a maioria doutrinaacuteria sobre o tema 150

Alguns autores como Felipe Derbli defendem que eacute possiacutevel reconhecer a existecircncia do princiacutepio da

proibiccedilatildeo do retrocesso social na proacutepria CF de 1988 uma vez que ldquo(i) a Carta Magna vigente determina a

ampliaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais (art 5deg sect2deg e art 7deg caput) com vistas agrave progressiva reduccedilatildeo das

desigualdades regional e sociais e agrave construccedilatildeo de uma sociedade livre e solidaacuteria onde haja justiccedila social (art

3deg incisos I e III e art 170 caput e incisos VII e VIII) (ii) em sendo uma Constituiccedilatildeo dirigente impotildee o

desenvolvimento permanente do grau de concretizaccedilatildeo dos direitos sociais nela previstos com vistas agrave sua

maacutexima efetividade (art 5deg sect 1deg) sendo consequecircncia loacutegica a existecircncia do comando dirigido ao legislador de

natildeo retroceder na densificaccedilatildeo das normas constitucionais que definem tais direitos sociaisrdquo DERBLI Felipe

Proibiccedilatildeo de Retrocesso Social Uma Proposta de Sistematizaccedilatildeo agrave Luz da Constituiccedilatildeo de 1988 In BARROSO

Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007

p 494

82

encarado como uma maacutexima vinculante vez que se insere na discussatildeo acerca da autonomia

da funccedilatildeo legislativa e dos limites agrave liberdade de conformaccedilatildeo do legislador podendo a

utilizaccedilatildeo excessivamente abrangente da vedaccedilatildeo do retrocesso que natildeo leve em

consideraccedilatildeo a conjuntura poliacutetico-econocircmica do momento analisado implicar em distorccedilotildees

natildeo almejadas pelo ordenamento constitucional

De modo a esclarecer melhor o acima afirmado faz-se relevante destacar alguns

pontos que auxiliaratildeo na exata compreensatildeo acerca do posicionamento deste trabalho quanto

ao instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso e sua repercussatildeo quanto ao direito agrave sauacutede O primeiro

ponto eacute que o esvaziamento total de um direito jaacute incorporado e regulamentado no

ordenamento sem uma poliacutetica substitutiva ou uma justificaccedilatildeo de ordem loacutegica que leve em

consideraccedilatildeo um possiacutevel conflito com outro direito antes de ser uma accedilatildeo que colida com a

ideia propugnada pela vedaccedilatildeo do retrocesso consiste em uma autecircntica violaccedilatildeo agrave

Constituiccedilatildeo

Nesse contexto admita-se hipoteticamente que seja revogado integralmente o

Coacutedigo de Defesa do Consumidor esvaziando-se completamente o campo protetivo que tal

diploma confere aos direitos nele abarcados sem se empreender uma substituiccedilatildeo por nova

legislaccedilatildeo sobre o tema Tal situaccedilatildeo seria injustificaacutevel e sem duacutevida significaria um

retrocesso que antes de ser proibido pelo princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso por si soacute jaacute

seria eivado de clara inconstitucionalidade

O segundo ponto para aleacutem da situaccedilatildeo acima de revogaccedilatildeo integral na

regulamentaccedilatildeo de determinado direito fundamental consiste na premissa de que a anaacutelise

sobre um possiacutevel retrocesso na regulamentaccedilatildeo de um direito natildeo deve levar em

consideraccedilatildeo puramente o aspecto textual da norma alterada mas sim o panorama macro no

qual a norma em exame estaacute envolvida e consequentemente as condicionantes de ordem

poliacutetica econocircmica histoacuterica cultural visto que restriccedilotildees a direitos podem em determinados

casos significar razoavelmente a promoccedilatildeo de outros tidos como mais prioritaacuterios pelo

legislador para o contexto do momento em questatildeo151

151

Corroborando com esse pensamento Ana Paula Barcellos pontua que ldquoConsiderando a dignidade da pessoa

humana de forma integral e coletiva ndash isto eacute os vaacuterios aspectos da dignidade de cada indiviacuteduo e de todos eles

em determinada sociedade ndash eacute equivocado imaginar que a proteccedilatildeo ampliada de um especiacutefico direito

fundamental seraacute sempre o meio adequado de promover e proteger a dignidade humana das pessoas Eacute provaacutevel

que em sociedades nas quais haacute mais matildeo de obra que empregos o incremento progressivo dos direitos

trabalhistas tenha como efeito a ampliaccedilatildeo do mercado informal de trabalho (no qual direito algum eacute assegurado)

()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 91

83

Imagine-se entatildeo que em um cenaacuterio de progresso e tranquilidade econocircmica sejam

conferidas certas benesses com relaccedilatildeo a um direito especiacutefico as quais venham a garantir

uma ampliaccedilatildeo do mesmo Vislumbre-se agora um cenaacuterio de grave crise econocircmica em que

algumas dessas benesses sejam suprimidas temporariamente visando a que outros direitos

tidos por mais prioritaacuterios sejam melhor garantidos frente ao quadro de recessatildeo

Caso admitida a vedaccedilatildeo do retrocesso como uma maacutexima capaz de impedir qualquer

tipo de restriccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo vigente ao direito em questatildeo a situaccedilatildeo acima descrita

seria impossiacutevel de ser alcanccedilada o que poderia ocasionar um prejuiacutezo e retrocesso ateacute

mesmo maior para a sociedade e para a concretizaccedilatildeo152

dos direitos fundamentais como um

todo (considerando uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do ordenamento)

Desta forma quando comparados contextos histoacutericos totalmente diferentes a melhor

saiacuteda consiste em natildeo analisar a supressatildeo meramente pontual de cada direito mas sim se o

balanceamento empreendido pelo legislador para ldquosobreviverrdquo ao cenaacuterio de crise entre aacutereas

constitucionalmente prioritaacuterias e natildeo prioritaacuterias significa um avanccedilo ou um retrocesso do

sistema constitucional como um todo

Reforccedila essa visatildeo o posicionamento assentado no paraacutegrafo 9 da Observaccedilatildeo Geral

ndeg3 do Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais da ONU que ao comentar o

dispositivo 21 do PIDESC (aqui jaacute visto e que prevecirc o dever dos Estados considerando o

maacuteximo de recursos de que disponham de adotar medidas para produzir de forma progressiva

a efetividade dos direitos reconhecidos no pacto) pondera que pode ser admitida a adoccedilatildeo de

medidas restritivas dos direitos previstos no pacto desde que justificadas e levando-se em

consideraccedilatildeo a totalidade de tais direitos no contexto do pleno aproveitamento dos recursos

disponiacuteveis

Some-se a isso o aspecto relacionado agrave deliberaccedilatildeo democraacutetica no sentido de que o

raciociacutenio o qual considera que a regulamentaccedilatildeo de um direito formaria com sua previsatildeo

constitucional uma espeacutecie de bloco de constitucionalidade153

funcionando como uma

152

De se destacar as liccedilotildees de Pieroth e Schlink no sentido de que a concretizaccedilatildeo de um direito fundamental eacute

verificada sempre que o seu acircmbito de proteccedilatildeo permanece intacto natildeo limitado e neste caso o Estado natildeo

pretende de modo nenhum impedir uma conduta que esteja abrangida pelo acircmbito de proteccedilatildeo Ao contraacuterio

pretende precisamente abrir possibilidades de conduta para que o particular possa fazer uso do direito

fundamental sendo necessaacuterias conformaccedilotildees nos chamados acircmbitos de proteccedilatildeo marcados pelo direito ou pelas

normas PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de

Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 93-94 153

Sobre a expressatildeo Pablo Luis Manili aponta que ldquoem 1970 el profesor Claude Emeri comentoacute em la Revue

de Droit Public (Revista de Derecho Puacuteblico) una decisioacuten de este Consejo adoptada em 1969 y referida a la

reforma del Reglamento de la Asamblea Nacional En este artiacuteculo el autor advierte que la constitucionalidad de

esse reglamento fue juzgada no soloamente em relacioacuten com la Constitucioacuten sino tambieacuten com referencia a uma

Ordenanza (ndeg 58-1100 del 171158) que regula el funcionamiento de las Asambleas parlamentarias y para

84

claacuteusula peacutetrea ampliada pode significar um engessamento inconstitucional da autonomia da

funccedilatildeo legislativa que ficaria obstada de empreender o balanceamento acima mencionado em

contexto de crises podendo incidir em um maior prejuiacutezo a certos direitos154

Assentados os dois pontos acima uma saiacuteda para a natildeo banalizaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo

desenfreada do instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso que venha a enfraquececirc-lo eacute o

estabelecimento de um limite para as possiacuteveis restriccedilotildees a algum direito de modo que soacute seraacute

considerado um retrocesso de fato as situaccedilotildees em que tal limite fosse ultrapassado e a

decretaccedilatildeo desse limite encontra-se exatamente no texto constitucional e na demarcaccedilatildeo do

nuacutecleo essencial do direito em exame

Dessa maneira o princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso social pode ser enxergado a

partir da seguinte foacutermula o nuacutecleo essencial dos direitos sociais jaacute realizado e efetivado

atraveacutes de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo

inconstitucionais medidas que sem criar esquemas alternativos ou compensatoacuterios se

traduzam na praacutetica em uma anulaccedilatildeo ou aniquilaccedilatildeo pura e simples desse nuacutecleo essencial

que funcionaria como limite para a liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e a inerente

autorreversibilidade155

Conclui-se portanto que i as supressotildees totais de regulamentaccedilotildees bem como

aquelas que ainda que natildeo totais impliquem na aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial do direito

examinado satildeo antes de afronta ao princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso medidas

inconstitucionais ii as supressotildees pontuaisparciais externas ao espectro do nuacutecleo essencial

do direito fundamental em anaacutelise devem ser encaradas levando em conta o momento

histoacuterico em questatildeo e a totalidade dos direitos fundamentais amparados pelo sistema

constitucional como um todo visto que uma accedilatildeo que a princiacutepio possa aparentar ser

describir esse conjunto de normas que eran tenidas em cuenta por el Consejo Constitucional ndash ademaacutes de la

proacutepria constitucioacuten ndash para ejercer su competencia utilizo por primera vez la expresioacuten MANILI Pablo Luis El

Bloque de Constitucionalidad La recepcioacuten del Derecho Internacional de loacutes Derechos Humanos en el

Derecho Constitucional Argentino Buenos Aires La Ley 2003 p 284 154

Sobre a questatildeo da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador na temaacutetica da vedaccedilatildeo do retrocesso social Joseacute

Carlos Vieira de Andrade leciona que ldquoO princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso enquanto determinante

heteroacutenoma vinculativa para o legislador implicaria bem vistas as coisas a eleveccedilatildeo das medidas legais

concretizadoras dos direitos sociais a direito constitucional () Contudo isso natildeo implica a aceitaccedilatildeo de um

princiacutepio geral de proibiccedilatildeo do retrocesso nem uma bdquoeficaacutecia irradiante‟ dos preceitos relativos aos direitos

sociais encarados como um bdquobloco constitucional dirigente‟ A proibiccedilatildeo do retrocesso natildeo pode constituir um

princiacutepio geral nesta mateacuteria sob pena de se destruir a autonomia da funccedilatildeo legislativa()rdquo (grifos no original)

VIEIRA Joseacute Carlos Vieira de Os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976Coimbra

Almedina 1998 p309 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais

O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 86 155

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra

Almedina 2003 p 327

85

restritiva de um direito pode significar em verdade um avanccedilo de outro mais prioritaacuterio (e

caso natildeo signifique seraacute eivada de inconstitucionalidade)

Como se vecirc a questatildeo eacute complexa e buscando sua melhor soluccedilatildeo o presente estudo

se filia ao mecanismo proposto por Ana Paula de Barcellos para se identificar em que

circunstacircncias a vedaccedilatildeo do retrocesso seraacute aplicaacutevel para aleacutem da hipoacutetese de revogaccedilatildeo total

de uma disciplina existente em mateacuteria de direitos fundamentais Tal mecanismo

aproximando-se do pensamento acima mencionado com relaccedilatildeo agrave limitaccedilatildeo da restriccedilatildeo pelo

nuacutecleo essencial do direito constitucional em anaacutelise parte da ideia baacutesica de confrontar (natildeo

apenas quanto ao aspecto linguiacutestico mas tambeacutem considerando o contexto histoacuterico e

cultural) a nova regulamentaccedilatildeo aparentemente restritiva com a garantia miacutenima que decorre

da Constituiccedilatildeo e natildeo propriamente com a disciplina jaacute adotada pelo legislador

constitucional156

Nota-se assim que o paracircmetro de aferibilidade sai do substrato normativo

infraconstitucional e atrela-se unicamente agrave constituiccedilatildeo jaacute que tal investigaccedilatildeo se norteia

pela indagaccedilatildeo se a nova disciplina pretendida compatibiliza-se com a garantia constitucional

do direito em questatildeo ao ponto de realizar de forma minimamente adequada o bem juriacutedico

tutelado garantindo assim a aplicabilidade real e efetiva da fruiccedilatildeo do mesmo por seus

destinataacuterios Em caso afirmativo a nova regulamentaccedilatildeo natildeo afrontaria a vedaccedilatildeo do

retrocesso em caso negativo tal inovaccedilatildeo deveraacute ser encarada como uma supressatildeo

inconstitucional do direito em anaacutelise

Finalmente aplicando tudo que foi dito acima agrave situaccedilatildeo especiacutefica do direito agrave sauacutede

tem-se que frente agrave maior fundamentalidade do direito agrave sauacutede devido a sua iacutentima ligaccedilatildeo

com o direito agrave vida e agrave dignidade humana supressotildees totais quanto a regulamentaccedilatildeo de tal

direito bem como agravequelas que importem em afronta ao seu nuacutecleo essencial157

seratildeo tidas

como inconstitucionais aleacutem de colidirem com a vedaccedilatildeo do retrocesso

Com relaccedilatildeo a supressotildees pontuais sobretudo em momentos de crises econocircmicas

essas somente seratildeo admitidas como uacuteltima alternativa desde que sejam comprovadamente

essenciais para a ldquosobrevivecircnciardquo do paiacutes tenham caraacuteter temporaacuterio natildeo subvertam o niacutevel

de proteccedilatildeo constitucional conferido a esse direito e principalmente sejam realizadas apenas

ao posterior esgotamento de restriccedilotildees em aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias

156

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 92 157

Sem entrar em polecircmica doutrinaacuteria o presente estudo considera a visatildeo de nuacutecleo essencial nesse ponto

abordada consentacircnea com a ideia de miacutenimo existencial em espeacutecie para cada direito fundamental em si

86

constitucionalmente158

Nesse sentido conclui-se ser rara a ocorrecircncia de tal hipoacutetese a qual

demandaria uma conjuntura de extrema instabilidade institucional tanto sob o vieacutes poliacutetico

quanto econocircmico

44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988

Nas primeiras linhas desse trabalho foi asseverado que o mesmo partiria de duas

premissas sendo uma delas exatamente a constataccedilatildeo de que com o tempo percorrido pela

CF de 1988 o niacutevel atingido no processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute deficiente e

natildeo condiz perfeitamente com os anseios constantes nos pactos internacionais assinados pelo

Brasil nem nos dispositivos delineados tanto na Constituiccedilatildeo Federal159

quanto no arcabouccedilo

legislativo infraconstitucional sobre o tema

Para tal conclusatildeo basta acompanhar os casos alarmantes de verdadeiro caos na

realidade da sauacutede puacuteblica vivida no paiacutes retratada diariamente nos telejornais160

para se

chegar a conclusatildeo de que algo estaacute errado ou utilizando-se de um jargatildeo popular de que ldquoa

conta natildeo baterdquo

Eacute nessa conjuntura portanto que surge a indagaccedilatildeo como um paiacutes que se

compromete na ordem internacional a promover a sauacutede na maior medida do possiacutevel que

arquiteta tal bem juriacutedico de maneira iacutempar em seu ordenamento prevendo ateacute mesmo a

vinculaccedilatildeo orccedilamentaacuteria de um miacutenimo a ser gasto com tal direito frente sua relevacircncia pode

ainda assim apresentar problemas estruturais baacutesicos tatildeo gritantes Natildeo resta duacutevida

158

Seria inconstitucional e colidiria com a proibiccedilatildeo do retrocesso portanto a ocorrecircncia em um cenaacuterio de

crise econocircmica de restriccedilatildeo pontual com relaccedilatildeo agrave abrangecircncia do atendimento em sauacutede previsto na legislaccedilatildeo

do SUS sem que antes tenha sido restringida a regulamentaccedilatildeo de todas as aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias pela

Constituiccedilatildeo (propaganda construccedilatildeo de estaacutedios para eventos esportivos participaccedilatildeo de dinheiro puacuteblico por

exemplo) ou ateacute mesmo aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias quanto o direito agrave sauacutede 159

Enfatiza esse ponto o fato da Constituiccedilatildeo de 1988 ser tipicamente dirigente visto que aleacutem da tradicional

funccedilatildeo de estruturar o Estado incorporou-se em seus textos definiccedilotildees valorativas e ideoloacutegicas reconhecendo-

se assim o seu poder de tomar decisotildees poliacuteticas fundamentais e estabelecer prioridades materiais e objetivos

puacuteblicos que terminam por guiar o comportamento futuro do Estado Sobre o tema da Constituiccedilatildeo dirigente

conferir COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda (Org) Canotilho e a Constituiccedilatildeo dirigente 2deg ed Rio de

Janeiro Renovar 2005 160

Agrave tiacutetulo ilustrativo seguem algumas mateacuterias que retratam as peacutessimas condiccedilotildees da sauacutede puacuteblica no Estado

do Rio Grande do Norte as quais tiveram repercussatildeo nacional nos uacuteltimos anos httpglobotvglobocominter-

tv-rnrn-tv-2a-edicaovcaos-toma-conta-da-saude-em-mossoro-rn2494580 Acessado em 02042013

httpg1globocomrnrio-grande-do-nortenoticia201301marcha-do-fio-de-aco-reune-medicos-em-protesto-

ao-caos-na-saude-do-rnhtml Acessado em 02042013 httpgovernadoremfocoblogspotcombr201301caos-

na-saude-do-rn-e-destaque-nohtml Acessado em 02042013

httpbandnewstvbanduolcombrnoticiasconteudoaspID=657505 Acessado em 08042013

87

portanto que haacute um claro descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos

governantes que precisa ser combatido e corrigido

Natildeo obstante para a melhor compreensatildeo do referido descompasso eacute primordial

abstrair um pouco a anaacutelise do plano meramente faacutetico (que eacute o ponto de chegada do

problema) e tentar entender melhor o fundamento juriacutedico que aponta para uma maximizaccedilatildeo

do dever estatal em realizar o direito agrave sauacutede (o ponto de partida) e para isso eacute importante se

ter em mente a noccedilatildeo de gradualidade bem como de dever de progressividade inerente ao

processo de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais

Nesse ponto consoante o jaacute analisado PIDESC tem-se para o Estado o

estabelecimento de uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais a significar o

dever de serem tomadas todas as providecircncias possiacuteveis nos limites dos recursos disponiacuteveis

com o escopo de alcanccedilar gradativamente a mais completa realizaccedilatildeo desses direitos e da

forma mais ampliativa possiacutevel o que revela uma ideia de avanccedilo e otimizaccedilatildeo

Nesse sentido o dever de progressividade implica na alocaccedilatildeo dos recursos existentes

sejam direcionados agrave consecuccedilatildeo dos direitos especificados no PIDESC da melhor forma

possiacutevel significando especialmente quanto ao direito agrave sauacutede que o Brasil possui a

obrigaccedilatildeo concreta e constante de desenvolver o mais eficientemente possiacutevel agrave plena

realizaccedilatildeo do direito ao mais alto niacutevel de sauacutede em respeito ao artigo 12 do referido diploma

anteriormente jaacute estudado161

Alinha-se a essa visatildeo ainda a noccedilatildeo de gradualidade162

de realizaccedilatildeo dos direitos

sociais a prestaccedilotildees materiais no sentido de que como tais direitos demandam direta e

efetivamente do aporte financeiro do Estado e este eacute finito a efetivaccedilatildeo progressiva dos

mesmos deveraacute ser alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a passo conforme a

capacidade financeira do Estado

Desta forma uma poliacutetica de sauacutede eficaz e consentacircnea com a proteccedilatildeo que eacute dada

ldquono papelrdquo a tal direito pressupotildee uma estruturaccedilatildeo tendente a uma crescente e contiacutenua

melhoria163

das condiccedilotildees de sauacutede realizada a passos graduais de acordo com a

161

GIALDINO Rolando E El derecho al disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones

Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 517 162

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual

dos direitos econoacutemicos sociais e culturaisrdquo in Estudos sobre Direitos Fundamentais Ed Coimbra 2004 p

108 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e

efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 132 163

Eacute muito importante a exata compreensatildeo desses ponto natildeo basta simplesmente afirmar que a realizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede deve ser gradual e progressiva frente a limitaccedilatildeo dos recursos como se isso fosse um argumento

automaacutetico e apto a justificar qualquer falha ou omissatildeo estatal Na realidade deve ser acoplado a esse raciociacutenio

(progressividade gradual) a ideia de que tal progressatildeo deve ser movida por um anseio contiacutenuo e crescente de

melhoria de avanccedilo

88

disponibilidade financeira possiacutevel mas sempre guiada para o avanccedilo e nunca para o

retrocesso

A conclusatildeo do acima afirmado (que apesar de simploacuteria eacute bastante relevante) eacute a de

que se o quadro da sauacutede puacuteblica de uma determinada regiatildeo se agrava no plano faacutetico seja

por ausecircncia de meacutedicos pela natildeo disponibilizaccedilatildeo de insumos hospitalares ou pela

insuficiecircncia de vacinas por exemplo e inexiste uma justificativa plausiacutevel para isso164

o que

estaraacute ocorrendo na praacutetica eacute um verdadeiro retrocesso na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o

argumento de que tal situaccedilatildeo eacute justificaacutevel pelo atrelamento da disponibilizaccedilatildeo de

prestaccedilotildees materiais aos limites orccedilamentaacuterio natildeo poderaacute prosperar

Em termos mais diretos a gradualidade relaciona-se sim com a disponibilidade de

recursos mas nunca poderaacute ser utilizada para justificar um retrocesso pois ela funciona como

um motor da progressividade ora acelerando ora diminuindo tal aceleraccedilatildeo mas sempre

avanccedilando nunca retroagindo165

Assentadas as exatas noccedilotildees de gradualidade e progressividade as quais se conectam agrave

temaacutetica jaacute tratada da reserva do possiacutevel e da vedaccedilatildeo do retrocesso social defende-se que o

aparato legislativo (abrangendo tanto os Pactos Internacionais como a CF e a legislaccedilatildeo

ordinaacuteria) construiacutedo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede significa um compromisso firmado pelo

Estado com a sociedade e o atual estaacutegio do quadro da sauacutede puacuteblica no paiacutes demonstra a

ocorrecircncia de um autecircntico ldquocaloterdquo por parte do Estado o qual se encontra recalcitrante em

cumprir exata e perfeitamente o que se comprometeu terminando por frustrar os cidadatildeos

Frente a este desacerto com o intuito de corrigir tal deacuteficit evolutivo a soluccedilatildeo aqui

proposta eacute exatamente a de acelerar esse processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e nessa

jornada assumem papel de destaque a intervenccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do desse direito

a proteccedilatildeo coletiva do mesmo empreendida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e pela Defensoria

Puacuteblica e a participaccedilatildeo e controle social sobretudo na seara orccedilamentaacuteria

164

Apenas uma situaccedilatildeo de excepcionalidade (um surto epidemioloacutegico por exemplo) poderia justificar uma

possiacutevel ldquofaltardquo do Estado para com seu dever de realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Se a verba para tal direito jaacute se

encontra ldquoamarradardquo natildeo faz sentido em um mecircs natildeo se constatar problemas e no seguinte sem nenhuma

mudanccedila no cenaacuterio anterior ocorrer por exemplo uma diminuiccedilatildeo radical no nuacutemero de meacutedicos em

determinado hospital puacuteblico A falta de planejamento (ou ateacute mesmo de vontade) do Poder Puacuteblico bem como a

maacute gestatildeo dos recursos disponiacuteveis satildeo situaccedilotildees totalmente diferentes da comprovada insuficiecircncia de recursos

e natildeo podem ser considerados argumentos vaacutelidos e justificaacuteveis quando utilizados pelo Estado para justificar

suas falhas 165

Expotildeem Abramovich e Courtis que a noccedilatildeo de progressividade apresenta dois sentidos complementares

abarca ao mesmo tempo o reconhecimento de que a satisfaccedilatildeo plena dos direitos sociais supotildee uma certa

gradualidade e a noccedilatildeo de que progresso liga-se agrave obrigaccedilatildeo estatal de melhorar as condiccedilotildees de gozo e

exerciacutecio de tais direitos ABRAMOVICH Viacutectos Ernesto COURTIS Christian Los derechos sociales como

derechos exigibles Madrid Trotta 2002 p 93 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental

agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 138

89

Contudo antes de entender como os citados atores podem efetuar suas contribuiccedilotildees

faz-se relevante examinar a segunda premissa exposta no iniacutecio desse estudo qual seja a

estruturaccedilatildeo prioritaacuteria que eacute dada ao direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio e sua ligaccedilatildeo com

a dignidade da pessoa humana

45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

Em um cenaacuterio hipoteacutetico imagine-se que toda populaccedilatildeo brasileira fosse entrevistada

sobre qual direito social dentre os elencados no artigo sexto da CF de 1988 apresentaria maior

importacircncia Sem sombra de duacutevidas sauacutede e educaccedilatildeo despontariam como os direitos mais

votados e muitos arriscariam dizer que juntamente com o direito agrave seguranccedila (sob um vieacutes de

seguranccedila puacuteblica) tais direitos formariam uma triacuteade essencial a ser prestada eficientemente

pelo Estado

Ocorre que como jaacute visto a apuraccedilatildeo acerca do grau de eficaacutecia de algum direito leva

em consideraccedilatildeo natildeo soacute o sistema normativo que o abraccedila mas tambeacutem a fundamentalidade

social e juriacutedica da circunstacircncia regulada pela norma e partindo disto eacute inegaacutevel que o

direito agrave sauacutede assume um papel de destaque dentre os direitos que necessitam de um ldquofazerrdquo

estatal jaacute que apresenta uma iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida posicionando-se a sauacutede

como um componente primordial e embrionaacuterio agrave fruiccedilatildeo dos demais direitos

Melhor explicando eacute facilmente identificaacutevel uma engrenagem entre os direitos

fundamentais sociais em um contexto em que todos possuem sua importacircncia e ao mesmo

tempo se interdependem Contudo a sauacutede estaria ocupando uma posiccedilatildeo basilar nessa

sistemaacutetica inter-relacional por possuir um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica e social mais

apurada devido a sua maior aproximaccedilatildeo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e a

dignidade da pessoa humana

Entendendo esse ciclo eacute indiscutiacutevel que o direito agrave educaccedilatildeo se mostra fundamental

para a melhoria da qualidade de vida de toda sociedade consistindo em importante passo para

a formaccedilatildeo do intelecto e participaccedilatildeo mais ativa nas decisotildees estatais Partindo dessa noccedilatildeo

eacute tambeacutem irrefutaacutevel que o pleno gozo de tal direito acarreta na fruiccedilatildeo de outros como por

exemplo o direito ao trabalho que por sua vez seraacute essencial para a subsistecircncia de cada um

proporcionando as condiccedilotildees necessaacuterias para a obtenccedilatildeo de alimentaccedilatildeo moradia e lazer

90

entretanto indubitavelmente tudo isso pressupotildee a perfeita condiccedilatildeo de sauacutede do indiviacuteduo e

o seu cuidado constante durante toda vida

Eacute nessa conjuntura portanto que se pode falar tambeacutem em impreteribilidade do

direito agrave sauacutede com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais De que maneira Imagine-se um

cidadatildeo que esteja sem usufruir nenhum dos direitos sociais a ele garantidos

constitucionalmente (por exemplo um sem-teto analfabeto em estado grave de sauacutede) e que

o Estado resolva proporcionar a fruiccedilatildeo mas apenas um de cada vez dos direitos entatildeo

afrontados

Solucionar somente a problemaacutetica do direito agrave educaccedilatildeo ou da mesma forma apenas

o direito agrave moradia166

acabaraacute resolvendo exclusivamente cada um desses problemas em

especiacutefico mas natildeo teraacute o condatildeo de necessariamente implicar na potencial fruiccedilatildeo dos

demais direitos

Por outro lado ao resolver a grave situaccedilatildeo de sauacutede desse cidadatildeo que se encontra

seriamente aviltado em sua dignidade o Estado ao mesmo tempo em que corrige esse

problema invariavelmente estaraacute proporcionando ao cidadatildeo a aptidatildeo elementar ao pleno

usufruto dos demais direitos o que termina por reservar ao elemento sauacutede uma posiccedilatildeo de

direito impreteriacutevel quando posto comparativamente em xeque diante dos demais direitos

sociais

Fechando esse pensamento tem-se que caso seja negada a atenccedilatildeo prioritaacuteria ao

direito agrave sauacutede aleacutem de por oacutebvio natildeo ser solucionado o problema do cidadatildeo no que diz

respeito a este determinante elemento de sua vida estaraacute tambeacutem prejudicada qualquer

possibilidade de soluccedilatildeo aos demais direitos em questatildeo Nesse caso a desatenccedilatildeo ao direito agrave

sauacutede mais do que uma violaccedilatildeo a um direito social objetivamente significaraacute uma

obstacularizaccedilatildeo agrave reparaccedilatildeo dos demais direitos sociais lesados os quais restaratildeo inoacutecuos

Frente ao exposto eacute inevitaacutevel reconhecer que o direito agrave sauacutede deve ser alocado para

uma posiccedilatildeo de primazia quando confrontado com os demais direitos fundamentais sociais

ateacute mesmo pelo fato de que a garantia de diversos outros direitos (vida digna integridade

fiacutesica alimentaccedilatildeo moradia seguranccedila assistecircncia agrave maternidade etc) traduzem ao menos

reflexamente uma densificaccedilatildeo do mesmo Corroborando com tal raciociacutenio a doutrina

aponta que o direito agrave sauacutede ainda que natildeo tivesse sido positivado no PIDESC poderia ser

166

Exemplificando a pontual matricula do cidadatildeo no ensino puacuteblico natildeo facilitaraacute diretamente a soluccedilatildeo do

problema relativo agrave sua moradia muito menos quanto agrave sua sauacutede (da mesma forma a disponibilizaccedilatildeo de uma

casa popular natildeo seraacute pressuposto pra resolver o problema quanto agrave educaccedilatildeo e nem da sauacutede)

91

tutelado na oacuterbita internacional tranquilamente como um direito impliacutecito agrave vida167

(e tambeacutem

agrave integridade fiacutesica)

Reforccedilando mais ainda o caraacuteter prioritaacuterio que foi dado ao direito agrave sauacutede no

ordenamento paacutetrio conforme jaacute foi analisado nos capiacutetulos anteriores eacute consenso168

que a

CF de 1988 aleacutem de conferir um capiacutetulo proacuteprio para tal direito atribuiu ao mesmo por toda

a extensatildeo de seu corpo (atraveacutes de cinquenta e cinco menccedilotildees ao elemento sauacutede) um

tratamento notadamente especial chegando ao ponto de por exemplo

(i) exigir o direcionamento de parte da receita resultante da arrecadaccedilatildeo de

impostos estaduais para as accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede169

considerando

a aplicaccedilatildeo desse miacutenimo um autecircntico princiacutepio constitucional sensiacutevel170

cuja

natildeo observacircncia autoriza a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados (e destes em seus

municiacutepios quando natildeo tiver sido aplicado o miacutenimo exigido da receita

municipal) e no Distrito Federal171

(ii) excepcionar a proibiccedilatildeo de acumulaccedilatildeo de cargos puacuteblicos permitindo172

a

possibilidade de acuacutemulo de dois cargos de profissionais de sauacutede com

profissotildees regulamentadas desde que haja compatibilidade de horaacuterio173

167

Nesse sentido Joseacute Bengoa interpretando o artigo 6deg do PIDCP defende que o direito agrave vida estaria

decomposto em quatro elementos essenciais direito agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave disponibilizaccedilatildeo de aacutegua

potaacutevel e agrave moradia BENGOA Joseacute Pobreza y derechos humanos programa de trabajo Del Grupo ad hoc

para la realizacioacuten tendiente a contribuir a las bases de uma declaracioacuten internacional sobre los derechos

humanos y la extrema pobreza ECN4 Sub2200225-6-2002 p3 apud GIALDINORolando E El derecho al

disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 498 168

Ao justificar a importacircncia da dignidade da pessoa humana no ordenamento paacutetrio Ana Paula de Barcellos

reforccedila a possibilidade de existirem diferenccedilas entre os conteuacutedos dos enunciados constitucionais afirmando que

ldquo () sem que isso produza uma ruptura do princiacutepio da unidade eacute apenas natural que o conteuacutedo material dos

enunciados - e a fortiori das normas ndash funcione como um elemento relevante para a hermenecircutica juriacutedica ()

Ignorar as diferenccedilas que existem entre os enunciados constitucionais no que diz respeito ao seu conteuacutedo natildeo

faria sentido algum diante das escolhas do proacuteprio constituinte originaacuteriordquo BARCELLOS Ana Paula de A

eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio

de Janeiro Renovar 2011 p 164-165 169

Reconhece-se que o tratamento especial dispensado agrave sauacutede sob o vieacutes de vinculaccedilatildeo a receita de impostos eacute

conjugado com a preocupaccedilatildeo relacionada ao desenvolvimento e manutenccedilatildeo do ensino contudo tal fato natildeo

chega a afastar a primazia do direito agrave sauacutede aqui defendida tanto por existir uma maior preocupaccedilatildeo sob o vieacutes

orccedilamentaacuterio com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede na proacutepria Constituiccedilatildeo (como eacute o caso das contribuiccedilotildees para a

seguridade social que engloba a sauacutede) mas principalmente pela maior proximidade com o direito agrave vida e a

dignidade da pessoa humana inerente ao mesmo 170Princiacutepios constitucionais sensiacuteveis (elencados no art 34 VII CF de 1988) satildeo aqueles que caso infringidos

ensejam a mais grave sanccedilatildeo que se pode impor a um Estado Membro da Federaccedilatildeo a intervenccedilatildeo retirando-lhe

a autonomia organizacional que caracteriza a estrutura federativa 171

Art 34 IV e art 35 III da CF de 1988 172

Aqui tambeacutem haacute regramento semelhante com relaccedilatildeo ao direito agrave educaccedilatildeo 173

Art 37 XVI c da CF de 1988

92

(iii) estabelecer contribuiccedilotildees sociais visando ao financiamento da seguridade

social que se destina a assegurar o direito agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia

social174

e

(iv) definir como sendo de relevacircncia puacuteblica175

as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede bem

como que poderatildeo ser adotados requisitos e criteacuterios diferenciados para a

concessatildeo de aposentadoria aos beneficiaacuterios do regime geral de previdecircncia

social nos casos de atividades exercidas sob condiccedilotildees especiais que

prejudiquem a sauacutede ou a integridade fiacutesica176

Conclui-se assim que natildeo somente haacute uma clara maior proximidade do direito agrave

sauacutede com o direito a vida digna como tambeacutem que o proacuteprio ordenamento paacutetrio

vislumbrando tal relevacircncia tratou de conferir um tratamento mais especial ao direito em

exame (tanto na esfera constitucional como infraconstitucional) quando comparado

especificamente com os demais direitos sociais o que eacute reforccedilado pela conclusatildeo de que

funcionando como um requisito de uma vida digna a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede acaba sendo

tambeacutem uma autecircntica questatildeo de cidadania ou seja de conferir aos cidadatildeos a possibilidade

democraacutetica de uma provaacutevel realizaccedilatildeo desse direito177

De se esclarecer que o aqui defendido natildeo significa um abandono da noccedilatildeo consagrada

na doutrina paacutetria de que os direitos fundamentais satildeo indivisiacuteveis e possuem a mesma

hierarquia mas sim consiste na defesa de que o direito agrave sauacutede apresenta em princiacutepio um

niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica178

mais elevada que os demais direitos

fundamentais sociais visto que apresenta uma ascendecircncia axioloacutegica e funcional mais

aproximada ao direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana sendo tal fato refletido no

proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a Constituiccedilatildeo confere a tal direito

De se destacar que o pensamento acima de certa maneira aproxima-se um pouco da

ideia propugnada pela doutrina americana dos ldquopreferred freedomsrdquo ou ldquopreferred positionsrdquo

que sucintamente preza pela possibilidade de ocorrecircncia de posiccedilotildees preferenciais entre os

direitos fundamentais de acordo com o grau de relevacircncia intriacutenseca para o ser humano ou

174

Art 194 e art 195 da CF de 1988 175

Art 197 da CF de 1988 176

Art 201 sect1deg da CF de 1988 177

BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009

ndash UNIMAR p 314 178

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 139-143

93

para a sustentaccedilatildeo das bases democraacuteticas que o mesmo possua desde que tal conferimento

de primazia seja justificado por criteacuterios razoaacuteveis179

Fala-se entatildeo em uma doutrina da posiccedilatildeo preferencial que com fundamento na via

substantiva do devido processo legal defende a inserccedilatildeo de alguns direitos fundamentais em

posiccedilatildeo privilegiada em relaccedilatildeo aos outros sem que isso poreacutem traduza um escalonamento a

priori dos direitos fundamentais lesivo agrave unidade da Constituiccedilatildeo

Outro fator que corrobora com a primazia do direito agrave sauacutede reforccedilando sua iacutentima

ligaccedilatildeo com o direito agrave vida eacute o fato de que a ideia de qualidade de vida inerente ao conceito

de direito agrave sauacutede pregado pela OMS aproxima-se dos ideais de dignidade da pessoa humana

equiparando-se as noccedilotildees de vida digna a de vida saudaacutevel jaacute que o completo bem-estar fiacutesico

mental e social concretiza o princiacutepio da dignidade humana pois natildeo se concebe que

condiccedilotildees insalubres e precaacuterias de vida sejam aceitas como conteuacutedo de uma vida com

dignidade podendo ser identificada portanto uma proteccedilatildeo da dimensatildeo de dignidade

humana integrante do conteuacutedo do direito agrave sauacutede180

Frente a essa relaccedilatildeo embora jaacute tenha sido feitos alguns apontamentos acerca da

contribuiccedilatildeo que a construccedilatildeo conceitual de dignidade da pessoa humana prestou para a

evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais faz-se necessaacuterio neste momento compreender a

abrangecircncia dos aspectos materiais dessa dignidade de modo a estabelecer quais seus efeitos

sobre o direito agrave sauacutede especialmente quanto ao seu vieacutes prestacional

451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio

A dignidade da pessoa humana pode ser conceituada como o atributo inerente e

distintivo de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideraccedilatildeo por

parte do Estado mediante a consagraccedilatildeo de um complexo de direitos e deveres fundamentais

que venham a lhe proteger de atos degradantes bem como a lhe garantir as condiccedilotildees miacutenimas

179

Sobre a doutrina do ldquoPreffered freedomsrdquo conferir MARTEL Letiacutecia de Campos Velho Hierarquizaccedilatildeo de

direitos fundamentais a doutrina da posiccedilatildeo preferencial na jurisprudecircncia da Suprema Corte Norte-Americana

Is there a hierarchy between Fundamental Rights The preferred position constitucional doctrine in the light of

Supreme Court line decision In Revista Sequecircncia ndeg 48 p 91-117 jul 2004 180

Ao comentar a garantia do direito agrave sauacutede na Espanha Guilhermo Escobar explica que existem dois

acircmbitos protetivos distintos a proteccedilatildeo da sauacutede individual que abarca um conjunto de accedilotildees dirigidas a tutelar

a sauacutede como o direito de se conservar vivo e consequente eliminaccedilatildeo de enfermidades e sofrimento a partir da

assistecircncia no caso concreto e o direito a medicamentos e a proteccedilatildeo agrave sauacutede de maneira coletiva a qual abarca

um conjunto de accedilotildees em sua maioria preventivas dirigidas igualmente a tutelar difusamente a sauacutede de todos a

partir de poliacuteticas que indiquem as prioridades na aacuterea ESCOBAR Guilhermo Las garantias del derecho a la

salud en Espantildea In Revista da Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 p

14

94

de existecircncia para uma vida saudaacutevel que termine por propiciar sua participaccedilatildeo ativa nos

destinos da proacutepria existecircncia e da vida em comunhatildeo com os demais seres humanos181

Desta maneira pode-se afirmar que a dignidade natildeo encerra uma criaccedilatildeo

constitucional jaacute que consiste em um dado preexistente a toda experiecircncia especulativa182

havendo em verdade um reconhecimento pela norma da existecircncia de tal qualidade que

acaba gerando um direito ao respeito e promoccedilatildeo dessa relevante qualidade inerente a todo ser

humano

Esclarecendo sob um vieacutes filosoacutefico a dignidade da pessoa humana por ser preacute-

juriacutedica natildeo consiste em um direito ou especificamente em uma pretensatildeo mas sim em um

valor espiritual e moral intriacutenseco agrave pessoa cujo dever geral de respeito e proteccedilatildeo acarreta no

surgimento de pretensotildees juriacutedicas a direitos subjetivos decorrentes desse valor

Nesse contexto a proteccedilatildeo normativa da dignidade da pessoa humana aleacutem de

permitir o reconhecimento do outro no que se refere agraves suas peculiaridades como indiviacuteduos

assume uma feiccedilatildeo tanto defensiva (jaacute que o dever de respeito agrave dignidade atua como limite

aos poderes estatais) quanto protetiva (uma vez que impotildee uma tarefa promocional de caraacuteter

prestacional ao Estado) que aloca o ser humano definitivamente para o papel de finalidade

uacuteltima do Estado funcionando portanto como um pressuposto da igualdade real183

de todos

os homens e da proacutepria democracia

Na conjuntura paacutetria tem-se que a CF de 1988 ao alccedilar agrave dignidade humana ao status

de fundamento184

do Estado Democraacutetico de Direito Brasileiro optou por posicionaacute-la como

um valor central que se impotildee como nuacutecleo baacutesico informador do sistema juriacutedico paacutetrio e

assume uma especial prioridade no sistema normativo jaacute que o unifica e o centraliza

funcionando como um super princiacutepio a orientaacute-lo185

Logo a dignidade apresenta um aspecto

dual visto que atua como elemento que simultaneamente confere unidade de sentido e

legitimidade a ordem constitucional paacutetria186

181

SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 73 182

SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular 2000 Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 146 183

GAVARA DE CARA Juan Carlos Derechos Fundamentales e Desarrollo Legislativondash La Garantiacutea Del

Contenido Esencial de los Derechos Fundamentales em la Ley Fundamental de Bonn Madrid Centro de

Estudios Constitucionales 1994 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 244 184

Art 1deg III da CF de 1988 185

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o princiacutepio da dignidade da pessoa humana In LEITE George

Salomatildeo (org) Dos princiacutepios constitucionais Consideraccedilotildees em torno das normas principioloacutegicas da

Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2003 p 194 186

SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 91

95

Assim no cenaacuterio do constitucionalismo tupiniquim a dignidade da pessoa humana

apresenta-se como um princiacutepio e valor fundamental servindo como buacutessola de toda ordem

juriacutedica apta a conferir unidade de sentido e legitimidade agrave ordem constitucional operando

natildeo soacute como elemento de integraccedilatildeo e criteacuterio hermenecircutico mas tambeacutem (e principalmente)

como um portal que garante a abertura material do sistema juriacutedico dos direitos fundamentais

Pode-se dizer assim que a dignidade enquanto valor fundamental se apresenta como

um componente fundante e informador de todos os direitos fundamentais configurando-se

como fonte eacutetica dos mesmos187

visto que pressupotildee o reconhecimento e proteccedilatildeo de todas as

dimensotildees desses direitos significando a ausecircncia deles uma autecircntica negaccedilatildeo aviltante agrave

proacutepria dignidade

Com efeito por constituiacuterem os direitos fundamentais verdadeiras explicitaccedilotildees da

dignidade da pessoa humana pode-se concluir que a pretensatildeo de eficaacutecia e inviolabilidade

dessa dignidade encontra-se na dependecircncia da sua capacidade de se integrar no contexto da

dogmaacutetica dos direitos fundamentais de todas as dimensotildees em uma perspectiva para aleacutem do

cataacutelogo do Tiacutetulo II da Carta Magna de 1988 jaacute que a dignidade funciona como criteacuterio para

a construccedilatildeo de um conceito materialmente aberto de direito fundamentais no ordenamento

paacutetrio

Logo para aleacutem dos direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo

constituinte existem direitos fundamentais alocados em outras passagens da Constituiccedilatildeo de

1988 bem como nos tratados internacionais em mateacuteria de Direitos Humanos aleacutem de

direitos decorrentes implicitamente do regime e dos princiacutepios consagrados pela CF188

e esse

alargamento da consagraccedilatildeo de direitos fundamentais tem como carro-chefe o aspecto

transcendental da dignidade da pessoa humana

Nesse ponto antes de prosseguir faz-se necessaacuterio alertar que a natureza aberta

marcada por certo grau de indeterminaccedilatildeo da noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana nesse

contexto enfrentado de abertura do cataacutelogo de direitos fundamentais deve ser interpretada

com muito cuidado de modo a natildeo enfraquecer o instituto devido a uma expansatildeo exagerada

do leque de possibilidades materiais a serem enquadrados nessa abertura

Melhor explicando para a preservaccedilatildeo da forccedila normativa e eficaacutecia da dignidade da

pessoa humana o reconhecimento de direitos fundamentais para aleacutem dos jaacute expressos

constitucionalmente deve ser encarado de modo a natildeo se banalizar esse valor fundamental da

dignidade da pessoa humana o qual natildeo deve ser tratado como um espelho no qual todos

187

MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2deg ed Coimbra Coimbra 1998 v 4 p 167 188

Por forccedila do sect 2deg do art 5deg da CF de 1988

96

veem o que desejam ver189

mas sim interpretado a partir de criteacuterios hermenecircuticos seguros e

respaldados na sistemaacutetica iacutensita ao ordenamento paacutetrio evitando desta forma o seu

esvaziamento

Conclui-se portanto que ao passo que os direitos fundamentais funcionam como

exigecircncia e concretizaccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana esse atua como

elemento ampliativo de tais direitos e serve de limite agrave restriccedilatildeo dos mesmos Nesse contexto

especialmente quanto agrave feiccedilatildeo promocional da dignidade da pessoa humana de impor uma

tarefa de cunho prestacional ao Estado haacute uma clara relevacircncia do instituto para os direitos

sociais (especialmente o direito agrave sauacutede) jaacute que a dignidade impotildee a satisfaccedilatildeo das condiccedilotildees

para uma vida saudaacutevel exigindo portanto um conjunto de direito a prestaccedilotildees por parte do

Estado e da comunidade

452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana

Atrelando o raciociacutenio desenvolvido quanto agrave primazia do direito agrave sauacutede dentre os

demais direitos sociais no ordenamento paacutetrio com o pensamento desenvolvido acima quanto

agrave relevacircncia do princiacutepio dignidade da pessoa humana especialmente quanto ao seu vieacutes

promocional tem-se que o direito agrave sauacutede pode ser enxergado como um dos elementos

centrais de uma vida digna e portanto um Estado Democraacutetico que elenca a dignidade como

seu fundamento deve ter uma atenccedilatildeo especial com o mesmo190

Entendido isto eacute certo que se o efeito pretendido pelo princiacutepio da dignidade da

pessoa humana consiste em uacuteltima anaacutelise em que as pessoas tenham uma vida digna podem

ser identificados alguns aspectos materiais dessa dignidade e nesse ponto eacute mais acertada

ainda a defesa de que a disponibilizaccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais que protejam e promovam o

direito agrave sauacutede eacute o primeiro e elementar aspecto a ser traccedilado191

Mas qual seria entatildeo o conteuacutedo material baacutesico da dignidade da pessoa humana O

exame de tal conteuacutedo parte da noccedilatildeo de miacutenimo existencial que consiste exatamente no

189

TRIBE Laurence H DORF Michael C On Reading the Constitucion Cambridge Massachussets Harvard

University Press 1991 p 7 apud SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos

fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 121 190

Aleacutem disso o papel a contribuiccedilatildeo da dignidade da pessoa humana para a eficaz abertura do cataacutelogo

constitucional dos direitos fundamentais assume funccedilatildeo relevante para o direito agrave sauacutede visto que solidifica a

imposiccedilatildeo dos tratados e pactos internacionais nos quais o Brasil se compromete a promoccedilatildeo de tal direito 191

Reforccedilando esse entendimento defende-se que natildeo haacute como desconsiderar ou mesmo negar a conexatildeo entre a

fundamentalidade dos direitos sociais e a dignidade da pessoa humana conexatildeo essa que se torna mais intensa

quanto maior for a importacircncia do direito social em exame para a efetiva fruiccedilatildeo de uma vida com dignidade

BITENCOURT NETO Eurico O Direito ao Miacutenimo para uma Existecircncia Digna Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010 p 117

97

conjunto de prestaccedilotildees materiais miacutenimas sem as quais se pode asseverar que o indiviacuteduo

posiciona-se em situaccedilatildeo de indignidade A compreensatildeo exata do que estaria incluiacutedo no

miacutenimo existencial por sua vez passa pelo ponto jaacute defendido de que os enunciados

normativos podem ganhar a roupagem de regras ou de princiacutepios e nesse contexto tem-se

que o miacutenimo existencial seria o elemento interno do princiacutepio da dignidade da pessoa

humana sem o qual se pode afirmar que tal princiacutepio foi violado assumindo esse elemento

portanto um caraacuteter de regra e natildeo mais de princiacutepio

Desta maneira esse estudo filia-se agrave defesa de que haacute um conteuacutedo miacutenimo que pode

ser identificado no princiacutepio da dignidade da pessoa humana a respeito do qual ningueacutem

tergiversaraacute e que compotildee um nuacutecleo de condiccedilotildees materiais tatildeo fundamental que sua

existecircncia impotildee-se como uma regra e natildeo como um princiacutepio visto que caso tais condiccedilotildees

natildeo existissem natildeo haveria a possibilidade (clara nos princiacutepios) de se graduar ou otimizar

logo a violaccedilatildeo da dignidade quando direcionada a esse nuacutecleo funciona da mesma forma

como nas regras Por outro lado para aleacutem desse nuacutecleo haveria a manutenccedilatildeo da natureza

principioloacutegica da dignidade jaacute que nesse ponto residiriam fins relativamente indeterminados

que poderiam ser atingidos a depender das opccedilotildees do Legislativo e Executivo em cada

momento histoacuterico192

Explicando melhor o raciociacutenio desenvolvido o miacutenimo existencial consistiria no

nuacutecleo material do princiacutepio da dignidade da pessoa humana o qual engloba um conjunto de

situaccedilotildees materiais indispensaacuteveis agrave existecircncia humana digna cuja violaccedilatildeo importa

necessariamente em desrespeito a dignidade sob o aspecto material tornando-se o conteuacutedo

de tal miacutenimo um espectro indisputaacutevel que solidifica consensualmente o baacutesico de condiccedilotildees

que cada indiviacuteduo necessita para viver dignamente193

Tem-se pois que o miacutenimo existencial corresponde a uma fraccedilatildeo nuclear da

dignidade da pessoa humana eivada de um caraacuteter de regra em um contexto em que a natildeo

realizaccedilatildeo dos efeitos abrangidos por esse miacutenimo apontaraacute para uma automaacutetica violaccedilatildeo do

192

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 243 193

Corroborando para a conexatildeo entre dignidade da pessoa humana e miacutenimo existencial Caacutermen Luacutecia

Antunes Rocha pontua que ldquopelo acolhimento do conceito de miacutenimo existencial a ser garantido como direito

para a efetivaccedilatildeo desse princiacutepio [dignidade da pessoa humana] tem-se por estabelecido um espaccedilo

juridicamente assegurado e posto a cumprimento obrigatoacuterio de tal modo que o seu natildeo acatamento pode ser

objeto de responsabilizaccedilatildeo do Estado () o conceito de miacutenimo existencial dotou de conteuacutedo objetivo o

quanto compete aos Estado e agrave sociedade garantir a todos o cumprimento do princiacutepio da dignidade humanardquo

ROCHA Caacutermen Luacutecia Antunes O miacutenimo existencial e o princiacutepio da reserva do possiacutevel In Revista latino-

americana de estudos constitucionais n5 janjun Belo Horizonte 2005 p 445

98

mencionado princiacutepio constitucional194

Por outro lado eacute certo que a parcela remanescente do

conteuacutedo da dignidade da pessoa humana a qual natildeo faz parte desse consenso miacutenimo e

apresenta o vieacutes de princiacutepio pode vir a ser incorporada a esse nuacutecleo essencial a depender da

conjuntura histoacuterica e poliacutetica195

Nesse contexto se por um lado natildeo existe consenso sobre a possibilidade de uma

delimitaccedilatildeo pontual196

de tudo que realmente viria a abranger esse miacutenimo existencial197

por

outro natildeo pode ser negado o fato de que o direito agrave sauacutede natildeo soacute estaria incluiacutedo em seu

conteuacutedo como em verdade seria o seu componente elementar jaacute que (repisando a noccedilatildeo de

direito agrave sauacutede como um direito social impreteriacutevel) natildeo se cogita uma vida digna que natildeo

abranja uma vida saudaacutevel198

De toda forma uma pergunta jaacute desponta o que finalmente estaria incluiacutedo de

maneira concreta no miacutenimo existencial e qual seria portanto esse conjunto de situaccedilotildees

materiais imprescindiacuteveis agrave existecircncia humana digna Antes de responder tal questionamento

faz-se imperioso o alerta de que qualquer proposta que tente especificar as prestaccedilotildees

materiais incluiacutedas na noccedilatildeo de miacutenimo existencial deve ter em mente que esse nuacutecleo natildeo

consiste em um elemento hermeacutetico e cerrado mas sim configura-se de modo expansiacutevel

194

Conforme preceitua Mariana Filchtiner podem ser identificadas duas dimensotildees distintas do miacutenimo

existencial de um lado o direito de natildeo ser privado do que se considera essencial agrave conservaccedilatildeo de um

rendimento indispensaacutevel a uma existecircncia minimamente dina e de outro o direito a exigir do Estado as

prestaccedilotildees que traduzem esse miacutenimo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede

paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 194 195

Com perfeiccedilatildeo Ana Paula de Barcellos tenta elucidar a temaacutetica em exame da seguinte maneira ldquoRecorra-se

aqui a uma imagem capaz de ilustrar o que se afirma a de dois ciacuterculos concecircntricos O ciacuterculo interior cuida

afinal do miacutenimo de dignidade decisatildeo fundamental do poder constituinte originaacuterio que qualquer maioria teraacute

de respeitar e que afinal representa o efeito concreto miacutenimo pretendido pela norma e exigiacutevel O espaccedilo entre o

ciacuterculo interno e o externo seraacute ocupado pela deliberaccedilatildeo poliacutetica a quem caberaacute para aleacutem do miacutenimo

existencial desenvolver a concepccedilatildeo de dignidade prevalente ()rdquoBARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia

juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de

Janeiro Renovar 2011 p 296 196

Para Ricardo Locircbo Torres por exemplo o miacutenimo existencial seria ldquoindefiniacutevel aparecendo sob a forma de

claacuteusulas gerais e tipos indeterminadosrdquo TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos

direitos In TORRES Ricardo Locircbo (Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999

p 151 197

Merece nota o posicionamento reforccedilador da unidade dos direitos fundamentais de Ingo Sarlet no sentido de

ser o miacutenimo existencial propriamente uma espeacutecie de direito fundamental composto por um conjunto de direitos

fundamentais a prestaccedilotildees os quais por sua essencialidade agrave garantia de condiccedilotildees miacutenimas (e aiacute o autor cita a

sauacutede a educaccedilatildeo a alimentaccedilatildeo e a informaccedilatildeo) possibilitam o real exerciacutecio dos direitos individuais e

poliacuteticos SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do

Advogado 2005 198

Aqui faz-se relevante a distinccedilatildeo entre miacutenimo vital e miacutenimo existencial e a inter-relaccedilatildeo que a sauacutede

apresenta com ambos os conceitos Miacutenimo vital refere-se agraves prestaccedilotildees materiais imperiosas agrave subsistecircncia do

indiviacuteduo enquanto miacutenimo existencial abarcaria todas prestaccedilotildees necessaacuterias ao gozo de uma vida digna indo

aleacutem da mera sobrevivecircncia Nota-se assim que o direito agrave sauacutede tanto por sua primazia atrelada ao seu caraacuteter

elementar quanto pelo fato de sua salvaguarda acompanhar o indiviacuteduo por toda sua existecircncia termina por

figurar como carro-chefe de ambos os conceitos

99

podendo (e devendo199

) serem acoplados novos elementos ao mesmo conforme a evoluccedilatildeo de

cada ordenamento importando sua supressatildeo200

em grave violaccedilatildeo agrave dignidade

Dito isto tem-se que o presente estudo se filia agrave ambiciosa201

proposta de

concretizaccedilatildeo juriacutedica da ideia de miacutenimo existencial formulada por Ana Paula Barcellos de

que o Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humanardquo a qual identifica quatro elementos (trecircs

materiais e um de caraacuteter instrumental) na composiccedilatildeo do miacutenimo existencial e portanto

concretizadores do nuacutecleo da dignidade da pessoa humana a sauacutede baacutesica a educaccedilatildeo baacutesica

a assistecircncia aos desamparados e o acesso agrave justiccedila202

Sem partir de uma escolha aleatoacuteria tais elementos integram uma estrutura loacutegica que

aloca a educaccedilatildeo e a sauacutede como formadores de um primeiro momento da dignidade humana

jaacute que satildeo as peccedilas responsaacuteveis por assegurar as condiccedilotildees iniciais para que o indiviacuteduo

construa sua proacutepria dignidade de modo autocircnomo Ainda tal estrutura posiciona a assistecircncia

aos desamparados como uma espeacutecie de pilar uacuteltimo na base que evita a situaccedilatildeo de

indignidade em termos absolutos abrangendo aspectos inerentes agrave alimentaccedilatildeo vestuaacuterio e

abrigo e finalmente o acesso agrave justiccedila desponta como o elemento instrumental apto e

indispensaacutevel ao reconhecimento de eficaacutecia dos elementos materiais expostos

Avanccedilando nesse raciociacutenio defende-se aqui amparado por tudo que jaacute foi exposto

nesse capiacutetulo que dentre os trecircs elementos materiais apontados ainda que o direito agrave sauacutede

conforme a visatildeo da autora apresente-se conjugada com o direito agrave educaccedilatildeo em um primeiro

plano da dignidade humana por sua umbilical ligaccedilatildeo com o direito agrave vida seu caraacuteter de

direito impreteriacutevel e finalmente sua necessidade de perene garantia203

ao longo de toda a

vida do indiviacuteduo deve ser posicionado na base deste primeiro plano consistindo em preacute-

199

Para Ricardo Locircbo Torres novamente o miacutenimo existencial estende-se para aleacutem dos direitos elencados no

art 5deg da CF sendo dotados de historicidade comportando elasticidade suficiente para adaptar-se ao contexto

social TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos direitos In TORRES Ricardo Locircbo

(Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999 p 262 200

Nesse ponto dos ensinamentos de Canotilho depreende-se que com base no princiacutepio da vedaccedilatildeo do

retrocesso social ou da evoluccedilatildeo reacionaacuteria uma vez obtido certo grau de realizaccedilatildeo de um direito social por

meio de uma nova prestaccedilatildeo material especiacutefica tal acreacutescimo passa a compor a esfera dimensional do direito

agraciado passando a ser exigiacutevel pelos cidadatildeos CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional

e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 339 201

Adjetivaccedilatildeo empreendida pela proacutepria autora BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos

Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar

2011 p 247 202

Em que pese a referida autora se preocupar em sua obra em delimitar o que na visatildeo da mesma estaria

abrangido por cada um desses elementos tal especificaccedilatildeo natildeo seraacute objeto do presente estudo sendo apenas em

momento oportuno apresentada o posicionamento particular do que seria um miacutenimo existencial em espeacutecie

para o direito agrave sauacutede 203

Enquanto a educaccedilatildeo poderaacute vir a ser prestada em qualquer fase da vida a preocupaccedilatildeo com a sauacutede

acompanha a pessoa humana desde antes sua concepccedilatildeo percorrendo por toda sua existecircncia

100

requisito baacutesico a fruiccedilatildeo dos demais direitos fundamentais para aleacutem do proacuteprio miacutenimo

existencial

Quanto a esse ponto (fundamentalidade da sauacutede e educaccedilatildeo) sem querer travar um

embate entre tais bens mas apenas constatar uma situaccedilatildeo faacutetica faz-se imperioso admitir

que embora a obrigaccedilatildeo estatal para com a educaccedilatildeo do cidadatildeo necessite de uma estrutura

perene uma vez usufruiacutedo tal direito seja em qual fase da vida for pode-se dizer que o

Estado quitou sua ldquodiacutevidardquo com a formaccedilatildeo educacional daquele indiviacuteduo em especiacutefico que

estaria apto a trilhar seu proacuteprio caminho Noutro vieacutes a obrigaccedilatildeo estatal com relaccedilatildeo a

sauacutede atravessa toda a vida do indiviacuteduo natildeo importando sua idade nem grau de instruccedilatildeo

educacional

Em outras palavras enquanto que com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo o Estado pode em algum

momento se posicionar como fiel cumpridor do que se comprometeu livrando-se para cada

indiviacuteduo especificamente de sua obrigaccedilatildeo quanto agrave sauacutede o Estado continuamente estaraacute

ldquopagando sua diacutevida com o cidadatildeordquo sempre que o indiviacuteduo necessitar dos serviccedilos de sauacutede

puacuteblica

Corroborando com o raciociacutenio acima construiacutedo tem-se que a CF de 1988

vislumbrou ser possiacutevel estratificar (sem comprometer) o direito agrave educaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis a partir de criteacuterios etaacuterios importando em distintos graus de obrigatoriedade do Estado

quanto agrave concretizaccedilatildeo de tal direito204

enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede tal teacutecnica natildeo

pocircde ser aplicada pois enxergou-se que como o direito agrave sauacutede pode ser lesado de maneira

atemporal e inesgotaacutevel e o Estado chamado a reparar tal violaccedilatildeo uma proteccedilatildeo a tal direito

soacute estaria consentacircnea com a dignidade da pessoa humana caso abrangesse o acesso universal

e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede o que

acabou sendo previsto pela CF

Feitas tais digressotildees transborda aos interesses desse estudo a exata noccedilatildeo do que

cada elemento citado como integrante do miacutenimo existencial estaria abrangendo contudo

merece ser esboccedilada ainda que sucintamente a noccedilatildeo particular trazida pela referida autora

de qual seria o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede integrantes desse elemento do miacutenimo

existencial para posterior contraste com a visatildeo empreendida por esse estudo no capiacutetulo

seguinte Nesse contexto a concretizaccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial com

relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede205

deve necessariamente abranger a prestaccedilatildeo de serviccedilo de

204

Conforme art 208 da CF de 1988 205

Sob um vieacutes dialoacutegico pode-se afirmar que se de um lado a sauacutede consubstancia-se como elemento do

miacutenimo existencial (que seria o nuacutecleo essencial da dignidade humana) natildeo se pode esquecer que no acircmbito

101

saneamento o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo

epidemioloacutegicas206

Chega-se finalmente a um dos pontos centrais do presente estudo que eacute o alerta para

o fato de que natildeo se faz suficiente somente afirmar o que estaria englobado no miacutenimo

existencial Eacute essencial compreender qual o alcance em termos de exigibilidade e eficaacutecia de

se afirmar que prestaccedilatildeo ldquoardquo ou ldquobrdquo insere-se no conteuacutedo do miacutenimo existencial e quais as

consequecircncias em caso de afronta ao mesmo

Mergulha-se entatildeo na relevante temaacutetica da sindicabilidade dos direitos sociais

especialmente do direito agrave sauacutede perante o Poder Judiciaacuterio e a premissa que antes mesmo de

adentrar no toacutepico especiacutefico do tema jaacute deve ser assentada eacute a de que (a partir do resgate do

pensamento jaacute esposado de que o miacutenimo existencial ganha roupagem de regra e portanto sua

natildeo garantia importaraacute em violaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana) quando o Judiciaacuterio

emprega o conceito de miacutenimo existencial ele estaacute automaticamente dispensando o exame da

reserve do possiacutevel

Isto porque a possiacutevel utilizaccedilatildeo do argumento econocircmico-orccedilamentaacuterio do Estado soacute

pode ser invocada quando estiver sendo discutido um aspecto que transborde o conteuacutedo

desse miacutenimo

Portanto a celeuma envolvendo a judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede reside exatamente

na tentativa de se construir criteacuterios objetivos e razoaacuteveis que respaldem um controle judicial

consentacircneo com o ordenamento constitucional paacutetrio de modo a evitar abusos e efeitos

colaterais que ao inveacutes de fortalecer venha a enfraquecer a relaccedilatildeo entre os Poderes e as

bases constitucionais de tal direito E nesse ponto a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial

especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede por contribuir para uma maior seguranccedila juriacutedica dessa

intervenccedilatildeo judicial no tema assume papel de suma relevacircncia conforme se veraacute a seguir

desse proacuteprio direito agrave sauacutede existe um espectro de situaccedilotildees materiais cuja garantia iraacute importar na

concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial formando um consenso miacutenimo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que

retroalimenta essa sistemaacutetica dialoacutegica Pode-se falar portanto em miacutenimos existenciais em espeacutecie para cada

um dos elementos (sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) do nuacutecleo da dignidade da

pessoa humana consistindo a tentativa doutrinaacuteria e jurisprudencial de elucidaccedilatildeo da abrangecircncia de cada um

desses miacutenimos em espeacutecie uma importante tarefa apta a proporcionar seguranccedila juriacutedica no terreno da

problemaacutetica da efetividade dos direitos fundamentais sociais 206

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 321

102

5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

De modo a facilitar a organizaccedilatildeo do raciociacutenio ateacute aqui desenvolvido e situar o leitor

na busca pela compreensatildeo do presente capiacutetulo faz-se pertinente rememorar que o estudo

ora proposto tem como ponto de partida as constataccedilotildees de que o niacutevel de concretizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede alcanccedilado no panorama constitucional paacutetrio natildeo corresponde ao patamar de

gradual e progressiva realizaccedilatildeo imaginado e reconstruiacutedo pela Constituiccedilatildeo de 1988 bem

como que o direito agrave sauacutede frente sua maior proximidade com o direito agrave vida e seu caraacuteter de

direito impreteriacutevel apresenta um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica mais acentuado que os

demais direitos sociais alocando-se assim para uma posiccedilatildeo de primazia dentre estes

Admitidas tais premissas concluiu-se que no exame acerca da problemaacutetica da

eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede em que pese o fato de sua realizaccedilatildeo demandar um

aporte de recursos do Estado existem certas prestaccedilotildees materiais que podem ser pleiteadas

judicialmente sem que o argumento da reserva do possiacutevel possa prosperar jaacute que seriam

prestaccedilotildees incluiacutedas em uma espeacutecie de nuacutecleo do direito a sauacutede compondo um miacutenimo

existencial em espeacutecie para tal direito Da mesma forma assentou-se que a depender das

previsotildees legais e poliacuteticas puacuteblicas na temaacutetica outras prestaccedilotildees poderiam ser exigidas

judicialmente jaacute que os compromissos firmados devem ser cumpridos sob pena de se frustrar

a concretizaccedilatildeo do direito ora examinado

Eacute nessa conjuntura que surge a problemaacutetica discussatildeo acerca dos limites da atuaccedilatildeo

do Poder Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede tema que envolve de forma complexa

aleacutem de aspectos de natureza primordialmente constitucional como a correta leitura da

Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e o alcance do Princiacutepio da Igualdade nuances

relacionadas agrave seara orccedilamentaacuteria ao controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas e agrave hermenecircutica

juriacutedica sobretudo quando da aplicaccedilatildeo do Princiacutepio da Proporcionalidade

O presente capiacutetulo se propotildee a analisar exatamente as questotildees acima mencionadas

com o fito de defender fique claro desde jaacute que o papel do Poder Judiciaacuterio no

enfrentamento de casos que envolvam a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que vinculado

a criteacuterios razoaacuteveis e objetivos que natildeo desvirtuem a organizaccedilatildeo dos poderes estruturada

constitucionalmente consiste em um importante instrumento de aceleraccedilatildeo do jaacute

mencionado deacuteficit evolutivo pelo qual passa o processo de gradual realizaccedilatildeo de tal direito

no Brasil

Partindo do exposto e levando em consideraccedilatildeo a interpretaccedilatildeo da legislaccedilatildeo

infraconstitucional paacutetria regulamentadora do direito agrave sauacutede o mote principal deste capiacutetulo

103

seraacute o seguinte tentar delimitar quais prestaccedilotildees materiais incluem-se no miacutenimo existencial

do direito agrave sauacutede aleacutem de propor razoaacuteveis criteacuterios a serem empregados pelo Judiciaacuterio ao

julgar demandas que envolvam o tema

Feito essa espeacutecie de resumo elucidativo seraacute examinado a seguir o ponto inicial da

discussatildeo proposta a contribuiccedilatildeo da noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional207

no contexto do

constitucionalismo contemporacircneo para a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais

51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA

ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

A hodierna visatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional estaacute inserida no contexto das

transformaccedilotildees contemporacircneas do chamado neoconstitucionalismo208

fenocircmeno que apesar

da dificuldade de se chegar a um conceito uniforme209

pode ser caracterizado pela

identificaccedilatildeo de trecircs marcos (um histoacuterico um filosoacutefico e outro teoacuterico) condensadores das

mudanccedilas de paradigma que mobilizaram a criaccedilatildeo de uma nova percepccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

O marco histoacuterico no contexto mundial pode ser identificado pelo constitucionalismo

do poacutes 2deg Guerra Mundial marcado pela tentativa de se redefinir o lugar da Constituiccedilatildeo e sua

influecircncia sobre as instituiccedilotildees contemporacircneas a partir da aproximaccedilatildeo das ideias de

constitucionalismo e democracia com o surgimento do Estado Democraacutetico de Direito No

Brasil tal renascimento se deu tardiamente mediante a atual Carta de 1988 a qual vem

propiciando o mais longo periacuteodo de estabilidade institucional da histoacuteria republicana

paacutetria210

207

Sobre a temaacutetica conferir dentre outros NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira Jurisdiccedilatildeo Constitucional ndash

Aspectos controvertidos Curitiba Juruaacute 2011 254 p 208

Natildeo eacute objeto do presente estudo o enfrentamento da discussatildeo acerca da conceituaccedilatildeo de

neoconstitucionalismo sendo certo contudo que natildeo haacute uma completa uniformidade doutrinaacuteria acerca do tema

Sobre o assunto v dentre outros Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das

poliacuteticas puacutebicas Revista de Direito Administrativo ndeg 240 2005 COMANDUCCI Paolo Formas de (neo)

constitucionalismo um anaacutelisis metateoacuterica Isonomiacutea n 16 p 89 abr2002 CARBONELL Miguel

Neoconstitucionalismo(s) Madrid Trotta 2003 209

Nesse sentido adverte Humberto Aacutevila que natildeo haacute apenas um conceito de ldquoneoconstitucionalismordquo sendo a

diversidade de autores concepccedilotildees elementos e perspectivas tatildeo marcante que torna-se inviaacutevel o esboccedilo de

uma teoria uacutenica Contudo na visatildeo do autor podem ser identificados quatro fundamentos inseparaacuteveis do

instituto ldquoo normativo (da regra ao princiacutepio) o metodoloacutegico (da subsunccedilatildeo agrave ponderaccedilatildeo) o axioloacutegico (da

justiccedila geral agrave justiccedila particular) e o organizacional (do Poder Legislativo ao Poder Judiciaacuterio)rdquo AacuteVILA

Humberto ldquoNeoconstitucionaismordquo entre a ldquociecircncia do direitordquo e o ldquodireito da ciecircnciardquo In Revista Eletrocircnica

de Direito do Estado (REDE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico ndeg 17 janeirofevereiromarccedilo

2009 210

BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02

104

No campo filosoacutefico o debate travado pelas correntes de pensamento jusnaturalista

(desenvolvido a partir do seacuteculo XVI e marcado pela aproximaccedilatildeo da lei e razatildeo) e positivista

(ascendente no final do seacuteculo XIX em lugar do jusnaturalismo e caracterizado pelo

afastamento do direito da filosofia) eacute superado com a adoccedilatildeo da prevalecircncia de um conjunto

difuso e abrangente de ideias agrupadas sob o roacutetulo de poacutes-positivismo que sem desprezar o

direito posto busca empreender uma leitura moral do direito perquirindo sua funccedilatildeo social e

desenvolvendo instrumentos para sua interpretaccedilatildeo211

Daiacute ser consistente a criacutetica212

de que a adesatildeo ao neoconstitucionalismo natildeo significa

a automaacutetica aceitaccedilatildeo das famosas premissas (mais princiacutepios que regras mais ponderaccedilatildeo

que subsunccedilatildeo) pregadas por Luiacutes Pietro Sanchiacutes213

como caracterizadoras de tal movimento

mas sim a adoccedilatildeo de uma teoria constitucional que sem descartar a relevacircncia das regras e da

subsunccedilatildeo abraccedila os princiacutepios e a ponderaccedilatildeo tentando racionalizar seu uso

Tal cenaacuterio mergulhado na reaproximaccedilatildeo entre o direito e a filosofia eacute marcado por

um conjunto de novas ideias que tentam justificar esse novel posicionamento da Constituiccedilatildeo

no ordenamento214

destacando-se o desenvolvimento de uma teoria dos direitos

fundamentais calcada na dignidade humana o conferimento de normatividade aos princiacutepios e

a reabilitaccedilatildeo da razatildeo praacutetica e da argumentaccedilatildeo juriacutedica na formaccedilatildeo de uma nova

hermenecircutica constitucional baseada na maior amplitude do espaccedilo de atuaccedilatildeo do

inteacuterprete215

Eacute no campo teoacuterico contudo que estaacute inserida a expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

que juntamente com o reconhecimento de forccedila normativa agrave Constituiccedilatildeo e o

desenvolvimento de uma nova dogmaacutetica da interpretaccedilatildeo constitucional formam as trecircs

grandes transformaccedilotildees do neoconstitucionalismo essenciais para a superaccedilatildeo da arcaica

noccedilatildeo de Constituiccedilatildeo como um mero documento poliacutetico cuja concretizaccedilatildeo das propostas

211

Tal movimento ficou conhecido como virada kantiana e buscou sepultar a ideia de uma separaccedilatildeo riacutegida

entre a descriccedilatildeo e prescriccedilatildeo na ciecircncia juriacutedica associando o debate moral ao direito TORRES Ricardo Lobo

A jurisprudecircncia dos valores In SARMENTO Daniel (Coord) Filosofia e teoria constitucional

contemporacircnea Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 509 212

SARMENTO Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 81 213

SANCHIS Luis Pietro Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales Madrid Trotta 2000 p 132 214

Reforce-se que a superaccedilatildeo do positivismo natildeo deve ser compreendida nem como o completo abandono do

instrumental teoacuterico desenvolvido pela doutrina positivista nem como o regresso automaacutetico ao jusnaturalismo

mas sim como uma mescla e agrupamento de tais modelos resultante na combinaccedilatildeo dos acertos de ambos

BUSTAMANTE Thomas da Rosa de Em busca de uma filosofia do Direito natildeo-positivista revisitando o

debate com o professor Alfonso Garciacutea Figueroa In Teoria do direito e decisatildeo racional temas de teoria da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Rio de JANEIRO Renovar 2008 p 232 215

PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito

com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo

(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 34

105

nela inseridas dependia completamente da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e da

discricionariedade do administrador216

Desta maneira o modelo de supremacia da lei entatildeo reinante foi cedendo espaccedilo para

um novo padratildeo inspirado pela experiecircncia americana de supremacia da constituiccedilatildeo217

marcado pela constitucionalizaccedilatildeo dos direitos fundamentais cuja proteccedilatildeo passou a caber ao

Judiciaacuterio Essa conjuntura por sua vez foi marcada pelo desenvolvimento do controle de

constitucionalidade das leis que no Brasil acoplou reflexos significativos da referida

expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional com o advento da Carta de 1988 sobretudo com a

criaccedilatildeo de novos mecanismos de controle concentrado e ampliaccedilatildeo dos legitimados agrave

propositura das accedilotildees de controle

Eacute nesse panorama de constitucionalizaccedilatildeo do direito em que a Constituiccedilatildeo aliou agrave

sua supremacia formal uma supremacia axioloacutegica alimentada pela abertura do sistema

juriacutedico e pela normatividade dos princiacutepios que surge o polecircmico debate doutrinaacuterio acerca

da legitimidade e dos limites da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo dos valores substantivos

basilares na Constituiccedilatildeo e na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sobretudo os sociais

de cunho prestacional em sentido estrito218

A polecircmica reside no fato de que se por um lado eacute paciacutefico existir um consenso com

relaccedilatildeo ao fato da Constituiccedilatildeo posicionar-se no centro do sistema juriacutedico irradiando sua

forccedila normativa e funcionando tanto como paracircmetro de validade para a ordem

infraconstitucional quanto vetor primordial de interpretaccedilatildeo do sistema juriacutedico por outro

estaacute longe de ser paciacutefica a delimitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio em demandas que envolvem

216

BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 05 217

Sobre o tema Artur Cortez Bonifaacutecio aponta a importacircncia da supremacia da Constituiccedilatildeo realccedilando os

seguintes aspectos ldquoi) o princiacutepio disciplina a existecircncia e o funcionamento dos oacutergatildeos e agentes que compotildeem

a estrutura do Estado suas accedilotildees ou omissotildees e a sua atuaccedilatildeo de conformidade com a Constituiccedilatildeo ii) eacute tambeacutem

modelador das relaccedilotildees juriacutedicas do direito iii) dele se defere uma conformaccedilatildeo dos demais ramos do direito iv)

eacute um princiacutepio que direciona a interpretaccedilatildeo do direito e possibilita a defesa da Constituiccedilatildeo por meio do

exerciacutecio do controle de constitucionalidaderdquo BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional

internacional e a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 31 218

Eduardo Garciacutea de Enterriacutea aponta que ldquo la supremaciacutea de la Constitucioacuten sobre todas las hormas y su

caraacutecter central en la construccioacuten y em la validez del ordenamiento em su conjunto obligan a interpretar eacuteste

em cualquier momento de su aplicacioacuten ndash por operadores puacuteblicos o por operadores privados por Tribunales o

por oacuterganos legislativos o administrativos ndash em el sentido que resulta de los princiacutepios y reglas constitucionales

tanto los generales como los especiacuteficos referentes a la mateacuteria de que se trate ENTERRIacuteA Eduardo Garciacutea

Hermeneutica e Supremacia Constitucional In CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs)

Direito Constitucional teoria geral da constituiccedilatildeo Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 1 Satildeo Paulo Editora

Revista dos Tribunais 2011 829

106

direitos fundamentais sob o argumento de que estaria aplicando e fazendo valer a Constituiccedilatildeo

ao realizar tais direitos219

Aleacutem dessa justificativa juriacutedico-sistecircmica de que o judiciaacuterio quando julga tais

questotildees estaacute simplesmente cumprindo seu papel de defesa da Constituiccedilatildeo alguns aspectos

de caraacuteter social e poliacutetico podem ser apontados para a acentuaccedilatildeo do debate primeiro o fato

de que aumentou significativamente a demanda por justiccedila no Brasil tanto pela proacutepria

inserccedilatildeo de novos direitos e accedilotildees na tutela de interesses coletivos quanto pela redescoberta

da cidadania marcada pela conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto aos seus direitos220

e

segundo a constataccedilatildeo de que o quadro poliacutetico nacional reflete claramente uma carecircncia

tanto do Legislativo quanto do Executivo221

em cumprir com eficiecircncia suas respectivas

funccedilotildees222

Surge portanto nesse cenaacuterio de tensatildeo entre os poderes a necessidade de se

examinar o que se entende por ativismo judicial e qual seria a correta leitura do Princiacutepio da

Separaccedilatildeo dos Poderes especialmente no que se refere ao enfrentamento da temaacutetica da

atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos poderes

O aludido modelo poacutes-positivista ao fazer reverecircncia agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos

fundamentais terminou por contribuir para o fortalecimento daquela e a consequente elevaccedilatildeo

219

Nesta linha de raciociacutenio Daniel Giotti de Paula assevera que ldquoNatildeo se pode esperar que apenas a

Administraccedilatildeo Puacuteblica e os oacutergatildeos legislativos concretizem os direitos fundamentais Pode ser que na defesa de

um chamado interesse puacuteblico bdquosecundaacuterio‟ ou de interesses meramente pessoais e egoiacutesticos deixem eles de

cumprir deveres constitucionais de concretizaccedilatildeo de direitos da coletividade surgindo o Judiciaacuterio como a

instacircncia concretizadora de direitos fundamentais em situaccedilatildeo de niacutetida persecuccedilatildeo do interesse puacuteblico DE

PAULA Daniel Giotti Uma leitura criacutetica sobre o ativismo e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 22 220 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02 221

Importante esclarecer que em que pese a ineficiecircncia do Legislativo e Executivo em cumprir as promessas do

Estado de Bem-Estar Social eacute certo que o recurso aos canais judiciais para solucionar esse problema se deu em

um contexto de enfraquecimento do Legislativo e agigantamento do papel do Executivo ocasionado sobretudo

pela adoccedilatildeo de um presidencialismo de coalizatildeo em que a sustentaccedilatildeo parlamentar do Presidente natildeo se forma

com base somente no eixo partidaacuterio-eleitoral mas tambeacutem regional constatando-se que a agenda legislativa

passou a ser controlada pelo Executivo LIMONGI Fernando A democracia no Brasil presidencialismo

coalizaccedilatildeo partidaacuteria e processo decisoacuterio In Revista Novos Estudos ndeg 76 Nov 2006 p 19 222

Apesar de transbordar o objeto da presente pesquisa eacute inegaacutevel e natildeo pode ser desconsiderado o fato de que

o cenaacuterio poliacutetico brasileiro reflete uma constante e crescente desconfianccedila da sociedade com o Legislativo e

Executivo quadro recentemente reforccedilado pelos graves casos de corrupccedilatildeo ocorridos dentro do diaacutelogo entre

Executivo e Legislativo cunhado popularmente de ldquoescacircndalo do mensalatildeordquo

107

destes ao topo do ordenamento juriacutedico223

A pulsante expansatildeo da Jurisdiccedilatildeo Constitucional

e consequente ascensatildeo institucional do Judiciaacuterio224

acarretaram por sua vez em uma

expressiva judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais as quais passaram a ter nos tribunais

a sua instacircncia decisoacuteria final o que resgatou a discussatildeo sobre os limites da

comunicabilidade entre o sistema poliacutetico e juriacutedico

Desse modo somente para ilustrar seja no campo das poliacuteticas puacuteblicas da relaccedilatildeo

entre os poderes dos direitos fundamentais ou ateacute mesmo em questotildees cotidianas o

Judiciaacuterio especialmente o STF foi chamado a se pronunciar por exemplo sobre poder

investigativo do Ministeacuterio Puacuteblico possibilidade de greve do funcionalismo puacuteblico

legitimidade da interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo em casos de inviabilidade fetal aspectos centrais da

reforma da previdecircncia e do judiciaacuterio limites de atuaccedilatildeo das Comissotildees Parlamentares de

Inqueacuterito legalidade de cobranccedila de assinaturas telefocircnicas majoraccedilatildeo de valor das passagens

de transporte coletivo dentre inuacutemeros outros casos em que restou assentado o caraacuteter proacute-

ativo de tal poder225

Essa nova postura tem se estruturado de maneira bastante complexa no ordenamento

paacutetrio vez que a tentativa de se alcanccedilar um saudaacutevel meio termo entre a visatildeo que enxerga

essa atuaccedilatildeo com maus olhos (fala-se por exemplo em judiocracia e ldquooba-oba

constitucionalrdquo 226

) e a que defende a possibilidade do papel ativista do Judiciaacuterio como canal

seguro e legiacutetimo para solucionar os conflitos poliacutetico-juriacutedicos vem consistindo em uma

tarefa difiacutecil de ser alcanccedilada

223

MAIA Christianny Dioacutegenes Paradigmas do Neoconstitucionalismo brasileiro In SALES Gabrielle

Bezerra JUCAacute Roberta Laena Costa (Orgs) Constituiccedilatildeo em foco 20 anos de um novo Brasil Fortaleza

LCR 2008 p 52 224

Lenio Streck destaca o deslocamento do centro das decisotildees do Legislativo e Executivo para o plano da

Justiccedila Constitucional como um fato consequente e indissociaacutevel do proacuteprio Estado Democraacutetico de Direito ao

afirmar que ldquono Estado Democraacutetico de Direito o foco de tensatildeo se volta para o Judiciaacuterio Ineacutercias do

Executivo e a falta de atuaccedilatildeo do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciaacuterio justamente mediante a

utilizaccedilatildeo dos mecanismos juriacutedicos previstos na Constituiccedilatildeo que estabeleceu o Estado Democraacutetico de Direito

A Constituiccedilatildeo natildeo estaacute sendo cumprida As normas-programas da Lei Maior natildeo estatildeo sendo implementadas

Por isso na falta de poliacuteticas puacuteblicas cumpridoras dos ditames do Estado Democraacutetico de Direito surge o

Judiciaacuterio como instrumento para o resgate dos direitos natildeo realizadosrdquo STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica

juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica da construccedilatildeo do Direito 7deg ed Porto Alegre Livraria

do Advogado 2007 p 54-55 225 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 08 226

Tais termos foram cunhados por Daniel Sarmento no intuito de embasar em estudo desconstrutivo do

neoconstitucionalismo encarado como movimento de inspiraccedilatildeo italiana e espanhola ausente nos debates

americano e alematildeo sua preocupaccedilatildeo com a existecircncia de mais decisotildees e menos espaccedilo para o povo se

autogovernarem por meio das instacircncias democraacuteticas por ele escolhidas Sobre o assunto v SARMENTO

Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE

PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador

Juspodivm 2011 p 73

108

No seio desse embate eacute que nasce o fenocircmeno denominado pela doutrina de ativismo

judicial cuja ideia associa-se a uma participaccedilatildeo mais ampla e intensa do Judiciaacuterio na

concretizaccedilatildeo dos valores e fins constitucionais com interferecircncia no espaccedilo de atuaccedilatildeo dos

outros poderes a partir dentre outras medidas da aplicaccedilatildeo direta da Constituiccedilatildeo a situaccedilotildees

natildeo expressamente abarcadas em seu texto e independente de apoio do legislador ordinaacuterio

do aperfeiccediloamento do controle de constitucionalidade das leis com base em criteacuterios menos

riacutegidos que os de patente violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo bem como da imposiccedilatildeo de condutas e

abstenccedilotildees ao Poder Puacuteblico notadamente em mateacuteria de poliacuteticas puacuteblicas227

Ocorre que a identificaccedilatildeo das accedilotildees que materializam a ideia do ativismo judicial por

si soacute natildeo reflete especificamente um consenso absoluto sobre o seu conceito e dependendo

da maneira que tal fenocircmeno eacute enxergado podem ser sustentadas defesas de pensamentos

totalmente antagocircnicos tanto a favor como contra o tema

Explica-se haacute quem vislumbre o ativismo como uma espeacutecie de mau comportamento

ou maacute consciecircncia do Judiciaacuterio acerca dos limites normativos substanciais do seu papel no

sistema de separaccedilatildeo dos poderes228

e ao reveacutes haacute quem dissocie o termo da ideia de

desrespeito agrave separaccedilatildeo dos poderes defendendo que podem existir decisotildees enquadradas

como ativistas por envolverem opccedilotildees valorativas mas que materialmente estariam

consentacircneas com a noccedilatildeo de freios e contrapesos229

Constata-se portanto que o exame sobre ser ou natildeo determinada postura intriacutenseca a

uma visatildeo ativista vai variar de como cada inteacuterprete encara o instituto230

levando-se em

consideraccedilatildeo que o conceito de ativismo se mostra fugidio e soacute tem razatildeo de ser quando

pensado com base na realidade constitucional de cada ordenamento juriacutedico abstraiacutedo de

paracircmetros universais231

227

BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista

Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 08 228

COELHO Inocecircncio Maacutertires Ativismo judicial ou criaccedilatildeo judicial do direito In FERNANDES FELLET

Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial

Salvador Juspodivm 2011 p 475 229

SAMPAIO JUacuteNIOR Joseacute Herval Ativismo judicial autoritarismo ou cumprimento dos deveres

constitucionais In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo

(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 403 230

O mais recente Ministro do STF Luiacutes Roberto Barroso ao ser questionado em entrevista sobre o ativismo

judicial (tema que por sinal deu o tom de sua sabatina) realccedilou a questatildeo da divergecircncia conceitual do instituto

ao opinar que ldquoNatildeo acho que o Brasil viva um problema que se possa denominar de ativismo judicial se a essa

expressatildeo se quer emprestar um conteuacutedo negativordquo (Grifos acrescidos) Disponiacutevel em

httpwwwconjurcombr2013-jun-07entrevista-luis-roberto-barroso-ministro-supremo-tribunal-federal

Acessado em 07062013 231

BRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 387

109

Desta maneira caso admitido o raciociacutenio de que na ideia de ativismo judicial jaacute se

insere a peculiaridade pejorativa de accedilatildeo transbordativa dos limites impostos

constitucionalmente por razotildees oacutebvias seraacute afastada a possibilidade de classificar como

ativista determinado posicionamento judicial que respeite a loacutegica da separaccedilatildeo dos poderes e

se alinhe ao sistema constitucional

Por outro lado se o instituto for compreendido sob um vieacutes etimoloacutegico e neutro232

no

sentido de significar puramente uma accedilatildeo ativa ou seja de iniacutecio ou intensificaccedilatildeo de uma

operacionalidade jaacute vigorante poderatildeo ser identificados tanto um ativismo judicial beneacutefico e

legiacutetimo quanto um ativismo maleacutefico e ilegiacutetimo sendo a anaacutelise sobre a extrapolaccedilatildeo ou natildeo

dos limites preacutevia e constitucionalmente programados exatamente a tecircnue linha que demarca

o limite entre esses dois extremos

A partir desse segundo pensamento pode ser proposta uma defesa por um ativismo

judicial beneacutefico cuja legitimidade e congruecircncia com o sistema constitucional estaratildeo

atreladas ao fato de ser a atitude judicial empreendida limitada fundamentada e justificada na

proacutepria Constituiccedilatildeo Pode-se concluir assim que certas decisotildees do Judiciaacuterio em que pese

passarem a impressatildeo a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo desbordante do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos

Poderes ou das exigecircncias de democracia representativa natildeo podem ser enquadradas como

ilegiacutetimas jaacute que no fundo prestigiam soluccedilotildees impostas pelos direitos fundamentais

justificadas no Estado Democraacutetico de Direito

Ocorre que se por um lado emprestar automaacutetica e descompromissadamente a uma

decisatildeo um roacutetulo pejorativo de ativista eacute algo repreensiacutevel por outro tambeacutem eacute digno de

criacuteticas a utilizaccedilatildeo do argumento de que sempre que o Judiciaacuterio julga uma demanda

concretizando um direito fundamental ele o faz em prol da Constituiccedilatildeo como uma regra

geral e aprioriacutestica Tal argumento empregado isoladamente eacute simploacuterio e fatalmente

conduziria a um esvaziamento da noccedilatildeo de Separaccedilatildeo dos Poderes

Nesse sentido eacute que o presente trabalho propotildee a defesa por uma postura do Judiciaacuterio

atuante na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que e somente quando respeitados limites

soacutelidos e objetivos previamente estabelecidos postura essa que pode ser tranquilamente

enquadrada como um ativismo beneacutefico e constitucionalmente legiacutetimo

232

Stephen Smith alerta jaacute ser intuitiva a percepccedilatildeo de que o ativismo ganhou um contorno simplista atrelado a

indicaccedilatildeo de exerciacutecio ilegiacutetimo da revisatildeo judicial e defende a necessidade de se superar tal visatildeo de puro vieacutes

ideoloacutegico a partir do esboccedilo de uma visatildeo neutra de ativismo SMITH Stephen F Takin Lessons from the Left

Judicial activismo on the right The Georgetown Journal of Law $ Public Policy Vol 57 2002 apud DE

PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do

ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel

Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 285

110

Contudo o debate eacute complexo jaacute que caminha por discussotildees que envolvem pontos

constitucionais relevantes como o Princiacutepio da Igualdade Princiacutepio Democraacutetico e Seguranccedila

Juriacutedica sendo primordial portanto especificar melhor como essa postura ativista beneacutefica se

apresenta no quadro da Separaccedilatildeo dos Poderes no ordenamento paacutetrio para soacute a partir daiacute

avanccedilar para a proposiccedilatildeo de quais seriam os limites com relaccedilatildeo agrave concretizaccedilatildeo judicial do

direito agrave sauacutede e de que forma os mesmos poderatildeo contribuir para a aniquilaccedilatildeo ou ao menos

diminuiccedilatildeo dos efeitos colaterais de decisotildees desenfreadas na temaacutetica

Dito isto eacute certo que o cenaacuterio estaacute arquitetado da seguinte maneira de um lado

critica-se a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais basicamente

com dois argumentos centrais233

ndash a afronta agrave separaccedilatildeo dos poderes e a ausecircncia de

legitimidade democraacutetica de outro defende-se tal atuaccedilatildeo quando realizada de modo a

resguardar o processo democraacutetico promover os valores constitucionais e assegurar a

estabilidade institucional

Com relaccedilatildeo agrave primeira ideia contraacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais pelo

Judiciaacuterio deve ser esclarecido que o modelo claacutessico de separaccedilatildeo dos poderes calcado nas

propostas de Montesquieu234

e Madison235

foi alicerccedilado em outro contexto em que reinava o

paradigma liberal do direito no qual cabia ao Judiciaacuterio o papel de mero revelador e que por

isso com a virada neoconstitucional (marcada como jaacute visto pela valorizaccedilatildeo dos direitos

fundamentais nas modernas Constituiccedilotildees associados agrave noccedilatildeo de maacutexima aplicaccedilatildeo dos

mesmos) faz-se necessaacuteria uma nova concepccedilatildeo de separaccedilatildeo dos poderes236

233

O rompimento desse equiliacutebrio entre os poderes centra-se no argumento da falta de legitimidade democraacutetica

do Judiciaacuterio bem como da afronta a separaccedilatildeo dos poderes contudo outros argumentos (em verdade

desdobramentos desses maiores) tambeacutem satildeo apontados como a ideia de que o Judiciaacuterio natildeo tem condiccedilotildees de

avaliar o impacto de suas decisotildees sobre a estrutura do Estado como um todo bem como que a decisatildeo sobre por

exemplo onde investir ou que bem priorizar eacute eminentemente poliacutetica e o espaccedilo do Judiciaacuterio deve ser juriacutedico 234

De se destacar que a preocupaccedilatildeo inicial se contenta em analisar as relaccedilotildees entre os poderes sob o princiacutepio

da incompatibilidade buscando impedir que uma mesma pessoa ou grupo ocupasse mais de um poder e natildeo

propriamente a pretensatildeo contemporacircnea de separaccedilatildeo entre as diversas funccedilotildees estatais MAUS Ingeborg

Separaccedilatildeo dos poderes e funccedilatildeo judiciaacuteria uma perspectiva teoacuterico democraacutetica In BIGONA Antocircnio Carlos

Alpino MOREIRA Luiz (orgs) Legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional Rio de Janeiro Lumen Juris

2010 p 27 235

Madison aperfeiccediloou a teoria de Montesquieu ao sugerir o sistema de freis e contrapesos calcado no

estabelecimento de funccedilotildees tiacutepicas e atiacutepicas aos poderes visando o controle muacutetuo sem que qualquer um deles

pudesse chegar a uma posiccedilatildeo de hegemonia dentro do Estado DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe

separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da

poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As

novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 275 236

Corroborando com a noccedilatildeo de aperfeiccediloamento da separaccedilatildeo dos poderes Bruce Ackerman afirma que ldquoa

separaccedilatildeo de poderes eacute uma ideia mas natildeo haacute nenhuma razatildeo para supor que os escritores claacutessicos esgotaram a

sua excelecircnciardquo ACKERMAN Bruce A nova separaccedilatildeo de poderes Trad por Isabelli Maria Campos

Vasconcelos e Eliana Valadares Santos Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 113

111

A construccedilatildeo dessa nova concepccedilatildeo que no contexto hodierno eacute alimentada pela crise

da representaccedilatildeo parlamentar e a percepccedilatildeo da justiccedila como um canal aberto ao debate

poliacutetico eacute acompanhada de perto pela tentativa de se reconhecer ateacute que ponto estatildeo

legitimados os tribunais para resolver questotildees morais e poliacuteticas na sociedade avaliando-se a

profundidade que a tensatildeo entre constitucionalismo e democracia atinge no cenaacuterio atual de

abrandamento da rigorosa separaccedilatildeo entre os espaccedilos do direito e da justiccedila cada vez menos

demarcados237

Tentando-se construir um raciociacutenio loacutegico de faacutecil assimilaccedilatildeo pode ser defendido

que se a noccedilatildeo de freios e contrapesos pressupotildee que os oacutergatildeos estatais sejam representativos

da sociedade eacute apropriado se admitir que o descreacutedito com o sistema representativo termina

por colocar em xeque o proacuteprio funcionamento do sistema poliacutetico238

sendo inevitaacutevel a

convocaccedilatildeo do Judiciaacuterio para tentar corrigir esse problema desde que tal correccedilatildeo seja

realizada no limite dos ditames constitucionais239

Desta maneira no contexto de crise da representaccedilatildeo popular agravado pelo caraacuteter

altamente compromissoacuterio da prolixa Carta de 1988 a saiacuteda para a celeuma sobre como

seguramente limitar a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio estaacute exatamente na compreensatildeo de que o real

papel do mesmo eacute o de se portar respeitador agraves escolhas das instacircncias representativas mas

prioritariamente intolerante agrave posturas majoritaacuterias que transbordem os limites

constitucionais240

Noutro poacutertico pode ser defendido que o concerto sistemaacutetico da soma vetorial das

disposiccedilotildees constitucionais natildeo implica que o vetor final desse arranjo aponte

necessariamente para uma total preponderacircncia da separaccedilatildeo dos poderes e das prerrogativas

do Legislativo e Executivo com o consequente afastamento da possibilidade do Judiciaacuterio

237

BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista

Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 10 238

Sobre a crise do sistema de freios e contrapesos Daniel Giotti de Paula defende o fato de que tal sistema natildeo

reforccedila por si soacute a democracia jaacute que partiria de uma visatildeo homogecircnea da sociedade que transportada para os

dias atuais esbarraria na complexidade da sociedade hodierna e natildeo atingiria agrave representaccedilatildeo total almejada

sendo destacada a necessidade de se abandonar a ideia de separaccedilatildeo dos poderes como um modelo puro de

foacutermula universal aprioriacutestica e completa DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A

invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES

FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo

Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 281 239

RAMOS Elival da Silva Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos Satildeo Paulo Saraiva 2010 p 116 240

Corroborando Andreacute Ramos Tavares pontua que ldquoa crise da democracia parlamentar eacute apresentada como

uma das principais problemaacuteticas contemporacircneas Para resolver essa dificuldade eacute preciso registrar

preliminarmente que natildeo existe um modelo final de democracia que se possa utilizar como paracircmetro absoluto

Ademais o modelo inicial de Estado Legislativo (legalista) estava alicerccedilardo na ideia de democracia tendo

sido contudo possiacutevel verificar sua incapacidade democraacutetica Sua substituiccedilatildeo por um Estado Constitucional

de Direito implicou a consideraccedilatildeo de uma democracia constitucionalrdquo TAVARES Andreacute Ramos Teoria da

Justiccedila Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 494

112

sindicar algum efeito de um direito fundamental em seu aspecto material241

o que corrobora

com o fato de que o momento eacute de crise do modelo tradicional de separaccedilatildeo dos poderes cujas

concepccedilotildees consagradas natildeo acompanharam a construccedilatildeo das novas necessidades do direito

A incompatibilidade acima apontada e a necessidade de releitura da separaccedilatildeo dos

poderes satildeo reforccediladas pela proacutepria incapacidade reconhecida do Legislativo e Executivo em

solucionarem questotildees polecircmicas surgidas no contexto contemporacircneo (como as discussotildees

sobre uniatildeo homoafetiva e bebecircs aneceacutefalos) acarretando em um estado de socorro ao

Judiciaacuterio como saiacuteda mais segura e cocircmoda para o problema natildeo se discutindo sobre as

criacuteticas apontadas

Coadunando com o pensamento de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo dos direitos

fundamentais se faz legiacutetima quando consentacircnea com os ideais do Estado Democraacutetico de

Direito Ana Paula de Barcellos242

pondera que

Em um Estado democraacutetico natildeo se pode pretender que a Constituiccedilatildeo

invada o espaccedilo da poliacutetica em uma versatildeo de substancialismo radical e

elitista em que as decisotildees poliacuteticas satildeo transferidas do povo e seus

representantes apara os reis filoacutesofos da atualidade os juristas e operadores

do direito em geral () Se contudo a Constituiccedilatildeo conteacutem normas nas

quais estabeleceu fins puacuteblicos prioritaacuterios e se tais disposiccedilotildees satildeo normas

juriacutedicas dotadas de superioridade hieraacuterquica e de centralidade no sistema

natildeo haveria sentido em concluir que a atividade de definiccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas ndash que iraacute ou natildeo realizar esses fins ndash deve estar totalmente infensa

ao controle juriacutedico Em suma natildeo se trata de absorccedilatildeo do poliacutetico pelo

juriacutedico mas apenas da limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo (Grifos

acrescidos)

No que se refere ao segundo fator contraacuterio agrave possibilidade de atuaccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais eacute importante se ter em mente que a ideia de

democracia natildeo se resume simplesmente ao princiacutepio majoritaacuterio243

que cidadatildeo eacute diferente

de eleitor que governo do povo distingue-se de governo do eleitorado244

e portanto possiacuteveis

241

BARCELLOS Ana Paula de Ponderaccedilatildeo racionalidade e atividade jurisdicional Rio de Janeiro

Renovar 2005 p 133 242

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico Nordm 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 243

Na defesa do argumento de que o deacuteficit democraacutetico do Judiciaacuterio natildeo eacute necessariamente maior que o do

Legislativo jaacute que a composiccedilatildeo deste pode ser afetado por diferentes disfunccedilotildees como o abuso econocircmico e a

manipulaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo Vital Moreira pondera que ldquo Na foacutermula constitucional primordial

bdquotodo poder reside no povo‟ Mas a verdade eacute que na reformulaccedilatildeo de Sternberger bdquonem todo o poder vem do

povo‟ Haacute o poder econocircmico o poder mediaacutetico o poder das corporaccedilotildees sectoriais E por vezes estes poderes

sobrepotildee-se ao poder do povordquo MOREIRA Vital O futuro da Constituiccedilatildeo In GRAU Eros Roberto

GUERRA FILHO Willis Santiago Direito Constitucional ndash Estudos em homenagem a Paulo Bonavides

Satildeo Paulo Malheiros 2001 p 323 244

BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 27

113

ineacutercias ou accedilotildees realizadas pelo Legislativo e Executivo que dissonantes agrave loacutegica

constitucional vulnerem os direitos fundamentais da minoria ou aviltem o proacuteprio

procedimento democraacutetico em si natildeo soacute podem como devem ser combatidas pelo Judiciaacuterio

Desta maneira democracia natildeo deve ser compreendida somente em sua acepccedilatildeo

formal (simples possibilidade de escolher os representantes) mas tambeacutem deve ser encarada

sob o vieacutes material representando um processo de concretizaccedilatildeo de direitos e garantias

fundamentais pelos poderes constituiacutedos que antes de ser rotulado de autoritaacuterio consiste em

autecircntico cumprimento de deveres constitucionais245

Assim sendo fica claro que democracia natildeo eacute simples sinocircnimo de regra majoritaacuteria e

exige muito mais que a simples aplicaccedilatildeo desta jaacute que pressupotildee antes de tudo e

primordialmente o respeito aos direitos fundamentais de todos os indiviacuteduos para o perfeito

funcionamento de qualquer processo deliberativo tido como democraacutetico

De se afirmar assim que o cenaacuterio constitucional atual jaacute natildeo mais comporta a ideia

de que a implementaccedilatildeo de direitos fundamentais esteja restrita somente ao Executivo e

Legislativo prevalecendo ao contraacuterio a defesa de que tal tarefa jaacute se encontra arraigada

como uma funccedilatildeo do Estado como um todo devendo ser buscada tambeacutem a partir da

performance de outros atores destacando-se o Judiciaacuterio as funccedilotildees essenciais agrave justiccedila e a

proacutepria sociedade

Pelo exposto pode-se concluir que apesar dos argumentos centrais contraacuterios ao

enfrentamento pelo Judiciaacuterio de questotildees envolvendo a sindicabilidade dos direitos

fundamentais poderem ser superados pela releitura da separaccedilatildeo dos poderes e pelo vieacutes

material do princiacutepio democraacutetico o ponto chave desse debate estaacute exatamente na construccedilatildeo

segura de paracircmetros objetivos que respaldem e limitem246

essa atuaccedilatildeo dizendo ateacute onde o

Judiciaacuterio pode atuar sem ferir o ordenamento constitucional Nesse iacutenterim no que refere-se

aos direitos sociais a construccedilatildeo de miacutenimos existenciais em espeacutecies para os mesmos

desponta como verdadeiro carro-chefe dessa empreitada

245

Realccedilando o papel central da jurisdiccedilatildeo constitucional no desenvolvimento democraacutetico eacute pertinente a

observaccedilatildeo de Paulo Gonet ao afirmar que ldquo() a histoacuteria prova que quando a luz da democracia se apaga eacute para

a jurisdiccedilatildeo que o povo normalmente recorrerdquoBRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito

fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO

Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 399 246

No mesmo sentido Canotilho aponta que ldquo()sempre se coloca o problema de saber se haveraacute um nuacutecleo

essencial caracterizador do princiacutepio da separaccedilatildeo e absolutamente protegido pela Constituiccedilatildeo Em geral

afirma-se que a nenhum oacutergatildeo podem ser atribuiacutedas funccedilotildees das quais resulte o esvaziamento das funccedilotildees

materiais especialmente atribuiacutedas a outros () Todavia permanece aberto o problema de saber onde comeccedila e

onde acaba o nuacutecleo essencial de determinada funccedilatildeordquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito

Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 502

114

Corroborando com essa visatildeo Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Nascimento247

observa

que

Quando se diz que os poderes constituiacutedos formam o espaccedilo institucional

(conjunto de oacutergatildeos funccedilotildees e agentes) de traduccedilatildeo do processo poliacutetico que

tem origem no poder popular isto inclui o judiciaacuterio A vontade sintetizada

no compromisso constitucional e a capacidade integradora da constituiccedilatildeo

estariam anuladas se a sua concretizaccedilatildeo ficasse reduzida e dependente das

decisotildees do executivo Como defender a constituiccedilatildeo quando as poliacuteticas

preventivas ou as diretrizes satildeo negligenciadas pela urgecircncia de gerir a rotina

de governo quando a gestatildeo for mais teacutecnica do que eacutetica e as poliacuteticas

forem dispersas e meramente reativas Cabe ao judiciaacuterio trazer para a arena

puacuteblica a loacutegica juriacutedica dos valores e da busca do entendimento em

confronto com a loacutegica utilitarista e competitiva do mercado econocircmico e da

burocracia administrativa Natildeo se pode eacute aceitar que a judicializaccedilatildeo da

demanda por sauacutede assuma contornos de irracionalidade A teoria da

constituiccedilatildeo serve de auxiacutelio na racionalizaccedilatildeo da tarefa de assegurar em

juiacutezo o direito agrave sauacutede

Apesar de tudo que foi dito ateacute aqui possa ser suficiente para justificar a legitimidade

do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do especial direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio

tornam-se imperiosas algumas ponderaccedilotildees sobre possiacuteveis efeitos colaterais de uma ilimitada

intervenccedilatildeo judicial no tema antes de se analisar que parcela do miacutenimo existencial estaria

abrangida por tal direito

512 Os efeitos colaterais de um desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Jaacute foi apontado que o direito agrave sauacutede apesar de tipicamente enquadrado como direito

de segunda dimensatildeo apresenta um desenho constitucional peculiar uma vez que parte de sua

essecircncia tanto se desloca para a primeira dimensatildeo (aproximando-se de uma ideia de

manutenccedilatildeo da vida248

) como para a terceira dimensatildeo (sob o prisma de uma sauacutede

transindividualmente considerada) Daiacute a importante conclusatildeo de que o direito agrave sauacutede eacute

antes de tudo um elemento de cidadania o que respalda sua qualificaccedilatildeo como um direito

247

NASCIMENTO Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Concretizando a Utopia Problemas na Efetivaccedilatildeo do Direito

a uma Vida Saudaacutevel In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel (coords) Direitos sociais

Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 p 920 248

Reforccedilando essa visatildeo conforme entendimento esposado em diversas decisotildees do TJES (dentre outros o

Mandado de Seguranccedila nordm 100070014129 julgado em 110908 pelo Pleno do TJES Relator Des Alemer

Ferraz Moulin) o direito a sauacutede tambeacutem pode ser encarado como um ldquodireito social que se transmuda em

direito fundamental de primeira geraccedilatildeo pela condiccedilatildeo do miacutenimo existencialrdquo HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares

sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 216

115

humano essencial polifaceacutetico (eacute direito social eacute alicerccedilador da vida e de fruiccedilatildeo

transidividual)249

Decorre dessa qualidade a ideia de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo desse

direito assume um niacutevel de complexidade maior do que com relaccedilatildeo aos demais direitos

sociais especialmente quando discutido o acesso agrave prestaccedilotildees materiais decorrentes do direito

agrave sauacutede e nesse ponto natildeo se pode fugir de algumas observaccedilotildees que circundam o princiacutepio da

igualdade e sua relaccedilatildeo com os direitos sociais

Se com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais as demandas sejam individuais ou

coletivas possuem um raio de abrangecircncia mais limitado no que se refere ao direito agrave sauacutede a

situaccedilatildeo eacute diametralmente oposta podendo ser encontradas demandas que tratam de

diferentes submateacuterias como por exemplo fornecimento de medicamentos cirurgias de

urgecircncia tratamentos de doenccedilas raras transplantes concessotildees de aparelhos auditivos

tratamentos odontoloacutegicos realizaccedilatildeo de exames dentre outros

O enfrentamento judicial de tais situaccedilotildees eacute portanto inegavelmente complexo Desta

maneira eacute certo que ao decidir o magistrado natildeo consegue fugir completamente de suas

impressotildees particulares e em determinados casos em que o natildeo acatamento do pedido pode

significar a morte de um indiviacuteduo a tarefa de vislumbrar a situaccedilatildeo como um todo levando

em consideraccedilatildeo aspectos orccedilamentaacuterios e o restante da populaccedilatildeo resta dificultada250

Da mesma forma ao se filiar a um posicionamento garantista despreocupado com os

limites e consequecircncias das decisotildees e afastado dessa percepccedilatildeo macro que leva em conta o

resto da populaccedilatildeo o Judiciaacuterio contribui para a formaccedilatildeo e um ciacuterculo vicioso alarmante e

cada vez mais recorrente as autoridades puacuteblicas acabam se eximindo de executar as opccedilotildees

constitucionais iacutensitas ao direito agrave sauacutede sob o argumento de que tal valor jaacute estaacute reservado

para as possiacuteveis decisotildees judiciais no assunto ou ateacute mesmo apontando para um estado de

ineacutercia no sentido de soacute cumprir as medidas planejadas em suas poliacuteticas puacuteblicas depois de

demandadas judicialmente

Tal situaccedilatildeo consiste em efeito colateral grave e inconstitucional que aliado a questatildeo

do custo envolvendo certas demandas concretas estatildeo inseridas na discussatildeo sobre igualdade

249

BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In FERNANDES FELLET

Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial

Salvador Juspodivm 2011 p 600 250

Nesse sentido pondera Ana Paula de Barcellos que ldquoUm doente com rosto identidade presenccedila fiacutesica e

histoacuteria pessoal solicitando ao Juiacutezo uma prestaccedilatildeo de sauacutede eacute percebido de forma inteiramente diversa da

abstraccedilatildeo eteacuterea do orccedilamento e das necessidades do restante da populaccedilatildeo que natildeo satildeo visiacuteveis naquele

momento e tecircm sua percepccedilatildeo distorcida ()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 322

116

jaacute que em princiacutepio a concessatildeo pleiteada deve ser concedida da mesma maneira a todas as

pessoas que se encontrem na mesma situaccedilatildeo

Mas seraacute que tais pessoas possuem ciecircncia disso Seraacute que tais pessoas apresentam

condiccedilotildees de contratar um advogado ou possuem ciecircncia que eacute plausiacutevel buscar o auxiacutelio da

defensoria puacuteblica para isso251

Vecirc-se que a situaccedilatildeo eacute complexa e caminha para o reforccedilo da

necessidade de que apesar de legiacutetima a sindicabilidade judicial do direito agrave sauacutede deve ser

programada a partir de criteacuterios objetivos sob pena de ferir a proacutepria sauacutede dos demais

indiviacuteduos e o princiacutepio da igualdade distorcendo a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo deu a esse

importante direito

Nesse contexto se todos contribuem para os cofres puacuteblicos eacute difiacutecil admitir que seja

equitativa a situaccedilatildeo de alguns indiviacuteduos por terem acesso agrave justiccedila alcanccedilarem um direito

relevante e outros que ou nem sabem que podem se socorrer ao Judiciaacuterio ou natildeo possuem

meios para o tal em igual situaccedilatildeo natildeo sejam abrangidos

Contudo a complexidade para o Judiciaacuterio ao enfrentar tais situaccedilotildees eacute imensa e seus

representantes ficam presos ao problemaacutetico dilema de que se acatado o pedido contribui-se

para que algueacutem que possui advogado bdquofure uma fila‟ e outros milhares na mesma situaccedilatildeo

fiquem a mercecirc do SUS por outro lado jaacute se natildeo acatado o pedido estar-se-aacute chancelando

uma conivecircncia com a omissatildeo estatal especiacutefica pleiteada e isso poderaacute acarretar na morte ou

prejuiacutezo irreparaacutevel para o indiviacuteduo natildeo evitados quando o Judiciaacuterio poderia

Eacute preciso deixar claro entretanto que a utilizaccedilatildeo de exemplos extremos natildeo pode

servir para esconder problemas claros da sauacutede baacutesica da populaccedilatildeo Por isso deve ser

assentado desde jaacute que existem duas situaccedilotildees uma ligada agrave escolhas extremas em que o

limite entre vida e sauacutede eacute miacutenimo e ateacute mesmo confundiacutevel como os casos em que um

indiviacuteduo ou grupo necessita de algo (medicamento oacutergatildeo procedimento) com urgecircncia que

em princiacutepio pode ou natildeo ser obrigaccedilatildeo do Estado a depender de suas poliacuteticas puacuteblicas

outra referente agrave situaccedilotildees que o Estado se comprometeu a deveria realizar e natildeo o fez como

eacute o caso por exemplo da sauacutede baacutesica sua estruturaccedilatildeo e o rol de prestaccedilotildees nela disponiacuteveis

bem como o fornecimento de medicamentos previamente listados pelo SUS

251

Corroborando com o raciociacutenio Andreacute Luiz Fellet aponta que ldquoao evitar a perda da vida de um paciente com

foto nuacutemero de identidade e atestado meacutedico nos autos o julgador em sua dificiacutelima missatildeo pode contribuir

para o decesso de um paciente anocircnimo E seraacute justo quanto agrave virtual ineacutercia do uacuteltimo em buscar a tutela

jurisdicional invocar o brocardo latino dormientibus non sucurrit jus (o direito natildeo socorre os que dormem)rdquo

FELLET Andreacute Luiz Fernandes As normas de direitos fundamentais sociais e a implementaccedilatildeo do direito agrave

sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio In Revista da Procuradoria Geral do Municiacutepio de Juiz de Fora v2 jandez

Belo Horizonte 2012 p 110

117

O foco do presente estudo eacute exatamente esse segundo grupo de situaccedilotildees sendo certo

que as circunstacircncias extremas natildeo podem ser abandonadas mas frente agrave complexidade e

peculiaridade dos inuacutemeros eventos possiacuteveis devem ser analisadas caso a caso sob o prisma

da proporcionalidade balanceando-se os elementos que estatildeo em jogo niacutevel de agressatildeo a

igualdade considerando o conflito entre o direito agrave sauacutede individual do demandante e o

direito agrave sauacutede da coletividade bem como o elemento da reserva do possiacutevel e a proximidade

do pleito ao nuacutecleo do miacutenimo existencial em sauacutede

Isso ocorre porque eacute praticamente impossiacutevel se chegar a um comando aprioriacutestico de

como lidar com tais problemas extremos sendo certo que caso seja adotado o criteacuterio da

necessidade de evitar a morte dor ou sofrimento fiacutesico na definiccedilatildeo do que pode ser exigiacutevel

do Estado com relaccedilatildeo ao direito em xeque praticamente toda e qualquer prestaccedilatildeo de sauacutede

estaria enquadrada nesse criteacuterio o que acarretaria aleacutem de possiacuteveis situaccedilotildees de afronta agrave

igualdade em um caoacutetico quadro de inseguranccedila juriacutedica e total desvirtuamento da essecircncia

do direito agrave sauacutede

Em que pese a situaccedilatildeo ser complexa do ponto de vista humano jaacute que eacute

extremamente delicado para um magistrado negar um pleito cujo objeto envolve o

restabelecimento ou manutenccedilatildeo da vida do demandante (como no caso de um transplante ou

medicamento de alto valor a ser comprado no exterior) o enxergar do problema deve

necessariamente passar pelo exame da igualdade252

e principalmente da possiacutevel afronta agrave

sauacutede do resto da populaccedilatildeo que se enquadre no mesmo problema daquele que estaacute em uma

fila de espera por oacutergatildeos haacute anos ou ateacute mesmo daquele cidadatildeo que depende de prestaccedilotildees

252

Com relaccedilatildeo a problemaacutetica da igualdade Mariana Filchtiner Figueiredo posiciona-se no sentido de a

concepccedilatildeo de igualdade ser diferente de universalidade e que esta uacuteltima natildeo apresenta como corolaacuterio

indispensaacutevel a gratuidade das prestaccedilotildees materiais e partindo dessa ideia defende a adoccedilatildeo no Brasil de um

sistema ldquotendencialmente gratuitordquo com a cobranccedila dos serviccedilos de sauacutede de quem possua recursos e na justa

medida da sua condiccedilatildeo econocircmica como possiacutevel alternativa agrave escassez de recursos financeiros e meacutedicos Para

sustentar esse raciociacutenio pondera a autora que ldquoa fraternidade oriunda da triacuteade francesa implica uma nova

concepccedilatildeo dos direitos sociais em que natildeo se atribuam a todos os cidadatildeos indistintamente mas sim agravequeles

todos que deles necessitem e na medida dessa necessidade uma vez que a abstraccedilatildeo e a universalidade natildeo se

adaptam agraves distinccedilotildees faacuteticas existentes dentro do proacuteprio grupo de beneficiaacuterios dos direitos sociais () Natildeo

corresponde agrave noccedilatildeo de paternalismo porquanto as prestaccedilotildees materiais de auxiacutelio devem ser conferidas somente

aos necessitados e na medida dessas carecircnciasrdquo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave

Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 172 A

proposta em questatildeo apesar de ter uma preocupaccedilatildeo justa (emprestar mais igualdade no acesso ao direito agrave

sauacutede e driblar a escassez de recursos) esbarra em uma questatildeo loacutegica a sauacutede como se sabe eacute aberta ao setor

privado e portanto quem tem condiccedilotildees financeiras muito provavelmente frente ao quadro estrutural

deficitaacuterio do SUS buscaraacute socorrer-se em planos de sauacutede privados sendo difiacutecil imaginar que algueacutem que

possua condiccedilotildees financeiras venha a optar por um tratamento no SUS pago do que no setor privado Some-se a

isso o fato de que tal situaccedilatildeo poderia gerar distorccedilotildees ainda maiores e mais desiguais frente a possibilidade de

concretamente ser dada preferecircncia a quem desembolsou alguma importacircncia financeira do que quem natildeo

118

materiais inseridas em um miacutenimo existencial de sauacutede que o Estado natildeo prestou ou que jaacute

faleceu no triste aguardo destas

Conclui-se portanto que a melhor forma de analisar o problema percorre a seguinte

linha de raciociacutenio i o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas

envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a

accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais gerem afronta ao

direito em questatildeo ii essa atuaccedilatildeo contudo se realizada de forma ilimitada pode gerar

anacrocircnicos efeitos colaterais que devem ser combatidos por potencialmente poderem afrontar

o princiacutepio da igualdade da reserva do possiacutevel da separaccedilatildeo dos poderes e da seguranccedila

juriacutedica iii a melhor maneira de se evitar ou pelo menos diminuir tais efeitos indesejados

passa por algumas medidas chaves como iii1 a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial para o

direito em questatildeo que natildeo soacute legitima a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio como tambeacutem empresta maior

seguranccedila ao magistrado ao decidir253

iii2 a consagraccedilatildeo de paracircmetros objetivos que

guardem harmonia com as poliacuteticas puacuteblicas em andamento para a fundamentaccedilatildeo das

decisotildees e iii3 a preferecircncia por demandas coletivas cujo raio de abrangecircncia dos seus

efeitos teraacute o condatildeo de suprimir ou diminuir situaccedilotildees de desigualdade254

253

Interessante notar que a exata e segura noccedilatildeo dos limites de sua atuaccedilatildeo propicia ao magistrado natildeo soacute mais

seguranccedila ao julgar mas tambeacutem uma tranquilidade apta a retirar a carga de responsabilidade inevitavelmente

existente quando da anaacutelise dos citados casos extremos Explica-se sem paracircmetros o juiz ao ser provocado a

decidir muitas vezes no seu iacutentimo entende que a concessatildeo do pleito eacute transbordante agrave sua esfera de

atribuiccedilotildees contudo o concede pela pressatildeo psicoloacutegica e humanista do caso a qual incute na mente do

magistrado o receio de por exemplo estar sentenciando a morte do demandante quando o podia evitar (ainda

que admitisse extrapolar suas funccedilotildees) Em existindo um paracircmetro aprioriacutestico que jaacute elimine de pronto ou

sustente objetivamente o natildeo acolhimento do pleito o magistrado se sentiraacute menos responsaacutevel pelas possiacuteveis

consequecircncias da negativa do pedido 254

Sobre a questatildeo da preferecircncia da defesa do direito agrave sauacutede pela via coletiva Ingo Sarlet faz uma importante

ressalva ao perfilhar que ldquose eacute possiacutevel afirmar a correccedilatildeo do entendimento de que a tutela coletiva

(especialmente em niacutevel preventivo) deva assumir caraacuteter preferencial jaacute que possui a incensuraacutevel virtude de

minimizar uma seacuterie de efeitos colaterais mais problemaacuteticos da tutela jurisdicional individual na esfera dos

direitos a prestaccedilotildees sociais tambeacutem eacute certo que a eliminaccedilatildeo da possibilidade de demandas individuais poderaacute

por si soacute representar uma violaccedilatildeo de direitos fundamentais notadamente quando em causa o direito a uma vida

digna e quando natildeo assegurado o patamar suficiente de proteccedilatildeo social () Da mesma forma se as objeccedilotildees em

relaccedilatildeo agrave tutela judicial individual natildeo podem ter o condatildeo de afastar tal via de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais

tabeacutem eacute certo que eacute preciso empreender ajustes e minimizar os efeitos negativos da litigacircncia individual seja

mediante um controle mais rigoroso no que diz com a necessidade da prestaccedilatildeo pleiteada seja no respeitante a

outros aspectos parte dos quais referidos como possibilidades aptas a propiciar maior racionalidade e eficaacutecia no

plano das estrateacutegias de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais em geral e o direito agrave sauacutede em particularrdquo SARLET

Ingo Wolfgang A titularidade Simultaneamente Individual e Transindividual dos Direitos Sociais Analisada agrave

Luz do Exemplo do Direito agrave Proteccedilatildeo e Promoccedilatildeo da Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de Brito SILVA

Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p

143-144

119

52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL

RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE

Quando estudado o embate entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ficou

assentado que o miacutenimo existencial englobaria um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado

natildeo poderia se furtar de disponibilizar aos cidadatildeos sob pena de afronta aos valores

constitucionais ligados agrave dignidade da pessoa humana concluindo-se assim que o argumento

da reserva do possiacutevel nesses casos natildeo poderia ser sequer trazido agrave discussatildeo jaacute que o

nuacutecleo de condiccedilotildees materiais formadoras desse miacutenimo existencial se impotildee como regra

mantendo-se a natureza de princiacutepio apenas para aleacutem desse nuacutecleo

Na mesma linha abraccedilou-se a tese encampada por Ana Paula de Barcellos de que esse

miacutenimo existencial cujo substrato adviria diretamente da Constituiccedilatildeo seria formado pelo

acesso agrave justiccedila como elemento instrumental e de trecircs elementos materiais a sauacutede baacutesica a

educaccedilatildeo baacutesica e a assistecircncia aos desamparados

A presente pesquisa contudo busca avanccedilar no tema de modo a incluir mais um

elemento dentre os que estariam incluiacutedos no miacutenimo255

em sauacutede arrolados pela referida

autora (que relembrando satildeo prestaccedilatildeo de serviccedilo de saneamento o atendimento materno-

infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas) e tendo em vista a

ideia de que os mesmos natildeo foram escolhidos de maneira aleatoacuteria antes de compreender a

abrangecircncia de cada um deles faz-se relevante explicar as razotildees apontadas para a seleccedilatildeo

dos mesmos

Desta maneira o raciociacutenio eacute o de que inicialmente o efeito isolado das normas

atinentes ao direito em exame (especialmente o constante nos arts 196 e 198 da CF) eacute o de

que todas as pessoas devem ter acesso agrave totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis aptas a

promover proteger ou recuperar as condiccedilotildees de sauacutede Contudo para aleacutem desse efeito

isolado teoacuterico e ideal outra questatildeo eacute a anaacutelise sobre se tal efeito pode ser na praacutetica

integralmente exigido do Poder Puacuteblico de modo que este positivamente atue na

concretizaccedilatildeo da sauacutede256

Nesse ponto quando o mencionado efeito ideal sai de um exame isolado e eacute

confrontado com os demais subsistemas constitucionais (sobretudo os campos ligados a

255

Aqui uma observaccedilatildeo se faz relevante no intuito de evitar uma confusatildeo terminoloacutegica a sauacutede baacutesica como

visto eacute um elemento do miacutenimo existencial e haacute dentro desse elemento um nuacutecleo de eficaacutecia positiva que

representa o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede exigiacuteveis do Judiciaacuterio A esse nuacutecleo parcela do direito agrave sauacutede

incluiacuteda no conceito de miacutenimo existencial eacute dado na presente pesquisa o tratamento de miacutenimo existencial em

espeacutecie relativo ao direito agrave sauacutede De maneira mais direta eacute como se a soma dos miacutenimos em espeacutecie (da sauacutede

educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) formasse o miacutenimo existencial geral 256

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 223

120

separaccedilatildeo dos poderes a deliberaccedilatildeo majoritaacuteria e a reserva orccedilamentaacuteria) por razotildees

juriacutedicas e ateacute mesmo faacuteticas torna-se forccediloso concluir que o atual panorama histoacuterico da

ordem constitucional paacutetria natildeo eacute suficiente para assegurar eficaacutecia juriacutedica positiva a toda

extensatildeo desse efeito ideal mas somente dos marcos constitucionalmente priorizados para a

partir dos mesmos alargar de maneira progressiva o efeito final mais abrangente de todas as

prestaccedilotildees de sauacutede257

A seguinte passagem resume bem o pensamento de Ana Paula de Barcellos acima

descrito258

O efeito isolado portanto pretendido pelos comandos em questatildeo eacute em

primeiro lugar que as pessoas tenham acesso a todas as prestaccedilotildees de sauacutede

possiacuteveis e prioritariamente que esses quatro objetivos sejam realizados a

saber que todas as localidades onde haja habitaccedilotildees disponham de serviccedilos

de saneamento baacutesico que todas as gestantes matildees e crianccedilas tenham

atendimento de sauacutede especiacutefico preacute e poacutes-natal que todas as pessoas

possam dispor de um acompanhamento meacutedico preventivo e por fim que o

Poder Puacuteblico implemente accedilotildees gerais destinadas a evitar epidemias (Grifos

acrescidos)

Em suma a proposta do miacutenimo existencial que aqui se pretende ampliar tem o

processo de especificaccedilatildeo de seus elementos calcado primeiro na ideia de priorizaccedilatildeo

aplicando-se a loacutegica de que se a atual conjuntura do constitucionalismo paacutetrio natildeo permite a

maacutexima extensatildeo do efeito ideal das normas que dispotildeem sobre a sauacutede que pelo menos

onde a Constituiccedilatildeo sinalizou com uma priorizaccedilatildeo seja dada eficaacutecia suficiente para

respaldar uma cobranccedila de prestaccedilotildees em sauacutede diretamente do Poder Puacuteblico

Segundo tal proposta jaacute admite em sua essecircncia que essa priorizaccedilatildeo consubstancia-se

no passo inicial do processo de construccedilatildeo do miacutenimo existencial o qual poderaacute e deveraacute ser

ampliado progressiva e tendencialmente ao efeito ideal de que todas as pessoas tenham acesso

a totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis

A conclusatildeo eacute a seguinte partindo do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)

podem ser extraiacutedas diretamente do texto constitucional certas prestaccedilotildees relacionadas ao

direito agrave sauacutede de que todos necessitam as quais trabalham como autecircnticas regras e cuja natildeo

realizaccedilatildeo importaraacute em violaccedilatildeo ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana no esquema

ldquotudo ou nadardquo respaldando a exigecircncia judicial da prestaccedilatildeo equivalente

257

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 224 258

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 225

121

Desta maneira concretizando um pouco mais tais prioridades a autora aponta que259

o

atendimento materno-infantil engloba o acompanhamento preacute e poacutes natal da gestante e da

crianccedila e tem por escopo a prevenccedilatildeo ou tratamento de doenccedilas que possam afetar a sauacutede

materna ou da crianccedila abrangendo tambeacutem um parto saudaacutevel as accedilotildees de medicina

preventiva abrangem um conjunto amplo de accedilotildees que incluindo a prevenccedilatildeo epidemioloacutegica

envolvem natildeo soacute o tratamento de epidemias mas tambeacutem formas especiacuteficas de prevenccedilatildeo

como a aplicaccedilatildeo de vacinas pulverizaccedilatildeo de substacircncias para o combate de transmissores de

moleacutestias (como a dengue) dentre outras260

e o saneamento consiste em uma das medidas de

sauacutede baacutesica mais relevantes atualmente e eacute considerado pela OMS como a medida prioritaacuteria

em termos de sauacutede puacuteblica mundial jaacute que cerca de 80 das doenccedilas decorrem da maacute

qualidade da aacutegua utilizada ou falta de esgotamento adequado

A partir das balizas postas o presente trabalho busca aperfeiccediloar a noccedilatildeo de miacutenimo

existencial construiacuteda pela autora de modo a incluir dentre os elementos que o compotildeem

mais um componente o qual funcionaraacute concomitantemente tanto como um elemento basilar

desse miacutenimo existencial quanto como interface de abertura que garantiraacute sua almejada

ampliaccedilatildeo progressiva

Sendo mais claro e indo direto ao ponto defende-se a inserccedilatildeo do respeito agrave previsatildeo

de infraestrutura miacutenima a ser disponibilizada para as accedilotildees e serviccedilos compromissados pelo

Poder Puacuteblico (que engloba a construccedilatildeo de hospitais minimamente estruturados a formaccedilatildeo

de pessoal qualificado e a disponibilizaccedilatildeo suficiente de material e equipamentos para a

realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer) no rol jaacute referenciado dos

componentes do miacutenimo existencial em sauacutede como um elemento instrumental desse

miacutenimo

O raciociacutenio eacute o de que sem tal elemento instrumental tanto as referidas prestaccedilotildees

inclusas no miacutenimo quanto as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede constantes das poliacuteticas puacuteblicas em

andamento natildeo se materializam jaacute que tal elemento instrumental consiste em verdadeiro

pressuposto faacutetico e loacutegico para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede que compotildeem o referido

miacutenimo

259

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 329-335 260

Nesse ponto especiacutefico a autora denotando a dificuldade de se delimitar a abrangecircncia de tais accedilotildees sugere a

utilizaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio do elenco das condiccedilotildees miacutenimas obrigatoacuterias para os planos de sauacutede privados (art

12 da Lei ndeg 965398) como paracircmetro apto a auxiliar a decisatildeo sobre estar determinado pleito incluso dentro

desse conjunto de accedilotildees preventivas BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 330-

331

122

Se o raciociacutenio para a construccedilatildeo do miacutenimo existencial em sauacutede proposto pela

referida autora partiu da prevalecircncia do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)

propotildee-se o acreacutescimo do paracircmetro da coerecircncia loacutegica para defender que a estruturaccedilatildeo

miacutenima do SUS essencial para a consecuccedilatildeo dos seus fins e consequente execuccedilatildeo das accedilotildees

e serviccedilos de sauacutede compromissados pelo Poder Puacuteblico eacute parte integrante basilar do miacutenimo

existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse ponto

baacutesico

O fundamento para tal inclusatildeo nasce da ideia de que se a proacutepria CF de 1988

claramente delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se materializa a partir de poliacuteticas que

visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) accedilotildees e serviccedilos estes qualificados como de relevacircncia puacuteblica e

cuja execuccedilatildeo eacute responsabilidade estatal (art 197 da CF) seria iloacutegico e incoerente imaginar a

realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e especialmente do seu miacutenimo existencial sem uma miacutenima

estruturaccedilatildeo necessaacuteria

A partir da noccedilatildeo acima portanto deve ser incluiacutedo como elemento fundamental do

miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede a existecircncia eficiente e regular de

infraestrutura minimamente suficiente no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas do SUS de modo a se

respeitar a coerecircncia dos artigos 196 197 e 198 da CF e o compromisso constitucional com

esse importante direito fundamental

A omissatildeo estatal em disponibilizar a miacutenima infraestrutura necessaacuteria para a

execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede que se propotildee a realizar seja pelas priorizaccedilotildees

constitucionais ou pelas poliacuteticas puacuteblicas idealizadas e em andamento apresenta-se portanto

como o ponto nevraacutelgico da celeuma com relaccedilatildeo a falta de efetividade do direito agrave sauacutede

visto que o oferecimento desse miacutenimo aparato eacute o ponto de partida imprescindiacutevel para a

fruiccedilatildeo desse direito social pelos cidadatildeos

Explicando melhor imagine-se por exemplo o direito agrave educaccedilatildeo cujo miacutenimo

existencial eacute mais facilmente delimitado na Constituiccedilatildeo261

Natildeo faz sentido especificar quais

prestaccedilotildees estatildeo incluiacutedas em tal miacutenimo sem observar que alguns instrumentos satildeo condiccedilotildees

imprescindiacuteveis para a proacutepria existecircncia das respectivas prestaccedilotildees Nesse contexto

questiona-se do que adianta a Constituiccedilatildeo (art 208 sect1deg) dispor que o acesso ao ensino

obrigatoacuterio e gratuito eacute direito puacuteblico subjetivo se natildeo forem construiacutedas escolas Se natildeo

261

Enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute somente na legislaccedilatildeo infraconstitucional (art 2deg sect1deg da Lei do SUS) que

seraacute encontrado o comando normativo que especifica ainda que de maneira geral qual o dever estatal quanto a

esse direito no que se refere agrave educaccedilatildeo o proacuteprio texto constitucional delimita tal dever no art 208 facilitando

a construccedilatildeo do miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave educaccedilatildeo

123

forem contratados professores capacitados Se natildeo for disponibilizado o aporte necessaacuterio

para a fruiccedilatildeo desse direito (quadro giz computadores material didaacutetico transporte por

exemplo)

A resposta em que pese parecer oacutebvia circunda sobre uma das grandes problemaacuteticas

do direito em questatildeo que eacute a falta de uma primaacuteria estruturaccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo Os

instrumentos citados satildeo desta maneira elementares para a construccedilatildeo e maximizaccedilatildeo do

miacutenimo para a educaccedilatildeo

Aplicando o raciociacutenio acima para o direito agrave sauacutede a situaccedilatildeo natildeo eacute muito diferente

Do que adianta interpretar a Constituiccedilatildeo de modo a incluir o atendimento materno-infantil

que engloba o acompanhamento preacute e poacutes-natal da gestante e da crianccedila como prestaccedilatildeo

iacutensita ao miacutenimo existencial em sauacutede se natildeo existirem maternidades puacuteblicas minimamente

estruturadas com profissionais especializados bem como equipamentos e medicamentos

imprescindiacuteveis para tal262

A outra conclusatildeo natildeo se pode chegar eacute inoacutecuo se falar em miacutenimo existencial se o

primeiro passo nem sequer foi dado de maneira eficiente Desta maneira pode-se afirmar ser

verdadeira conditio sine qua non e elemento fundamental de um miacutenimo existencial do direito

agrave sauacutede a preacutevia existecircncia de infraestrutura baacutesica apta a disponibilizar de maneira eficiente

para uma determinada localidade tanto as prestaccedilotildees fundamentais incluiacutedas em tal miacutenimo

como as objetivamente previstas e compromissadas nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento

tudo isso de maneira igualitaacuteria e eficaz263

Assim a mora do Poder Puacuteblico em disponibilizar o aparato faacutetico suficiente para a

fruiccedilatildeo do miacutenimo relativo ao direito agrave sauacutede mais do que qualquer outra forma de agressatildeo a

tal direito consiste em flagrante aviltamento a dignidade da pessoa humana vez que a

omissatildeo em questatildeo tem o condatildeo de cortar a raiz do nuacutecleo que foi compromissado

constitucionalmente

262

Veja-se por exemplo o teor das seguintes mateacuterias jornalistas as quais demonstram clara afronta ao miacutenimo

existencial do direito agrave sauacutede afronta esta cristalizada em grave omissatildeo do Poder Puacuteblico que natildeo pode ser

tolerada devendo ser corrigida pelo Poder judiciaacuterio httpwwwriograndedonortenet20120914unico-

hospital-municipal-de-natal-fecha-portas-e-nao-admite-pacientes e

httptvuoluolcombrassistirhtmvideo=falta-de-maternidades-gera-caos-na-saude-publica-no-rn-

04024D193272E4A10326 Acessado em 14062013 263

Eacute importante deixar clara a abrangecircncia desse elemento instrumental do miacutenimo existencial especiacutefico para a

sauacutede Veja soacute o raciociacutenio natildeo eacute o de que o Estado deve ter sempre a infraestrutura necessaacuteria para

invariavelmente atender toda a populaccedilatildeo de determinada regiatildeo Na verdade a ideia eacute a de que quando as

poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de afericcedilatildeo de sua eficiecircncia que se

baseiam em estimativas acerca do que minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente

apta a atingir seus objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de

leitos a cada tantos bdquoy‟ habitantes) que inclui-se no miacutenimo instrumental

124

Contudo alguns esclarecimentos satildeo importantes para se entender melhor a

abrangecircncia dessa proposta de inclusatildeo de uma eficiente miacutenima estruturaccedilatildeo como integrante

do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede Como foi dito anteriormente tal componente

funciona natildeo soacute como item basilar desse miacutenimo existencial mas tambeacutem como interface de

abertura apta a possibilitar a progressiva ampliaccedilatildeo desse miacutenimo e a percepccedilatildeo desse caraacuteter

dual exige a compreensatildeo de algumas premissas

Como visto a ideia de miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede propugnada por Ana

Paula de Barcellos (que aqui se tenta aperfeiccediloar) fundamentou-se na identificaccedilatildeo dos pontos

prioritaacuterios constitucionalmente traccedilados para esse direito para daiacute concluir que os serviccedilo de

saneamento atendimento materno-infantil accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo

epidemioloacutegicas formariam um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado natildeo pode se negar a

prestar e que o argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode sequer ser levantado jaacute que tal

miacutenimo funciona como regra e natildeo pode ser ponderado com outros aspectos (especialmente

os de cunho orccedilamentaacuterio)

Pois bem da mesma maneira o efeito principal da inclusatildeo desse elemento

instrumental aqui defendida eacute exatamente a impossibilidade de poder ser levada em

consideraccedilatildeo a alegaccedilatildeo estatal da reserva do possiacutevel jaacute que como incluso no miacutenimo

existencial tal elemento funciona como regra que deve ser cumprida pelo Estado Contudo

existe um aspecto primordial na investigaccedilatildeo desse elemento que eacute a necessidade de se dividir

o mesmo em dois grupos i infraestrutura necessaacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos demais elementos

materiais do miacutenimo existencial e ii infraestrutura necessaacuteria para a concretizaccedilatildeo de accedilotildees e

serviccedilos de sauacutede natildeo ligados diretamente agraves prioridades constitucionais mas iacutensitas agraves

poliacuteticas puacuteblicas compromissadas no acircmbito do SUS

Nesse ponto a atenccedilatildeo precisa ser redobrada e a utilizaccedilatildeo de exemplos facilita a

elucidaccedilatildeo da proposiccedilatildeo Imagine-se que uma mulher graacutevida procure um posto de sauacutede

para fazer seu acompanhamento preacute-natal e chegando ao local natildeo lhe seja oportunizado

atendimento sendo informado que natildeo existe nem mesmo previsatildeo para a mesma ser atendida

jaacute que faltam meacutedicos pessoal de apoio e equipamentos baacutesicos para a realizaccedilatildeo dos

procedimentos necessaacuterios

Se vislumbra em tal situaccedilatildeo que a garantia deste elemento material (atendimento

materno-infantil) do miacutenimo existencial em sauacutede natildeo se concretizou primordialmente pela

inexistecircncia de um dever baacutesico do Estado que eacute exatamente a disponibilizaccedilatildeo do elemento

instrumental do miacutenimo existencial Nesse caso o Judiciaacuterio constatando tal omissatildeo deve

condenar o Poder Puacuteblico a realizar os procedimentos necessaacuterios nem que para isso o

125

mesmo tenha que utilizar aos seus custos instituiccedilotildees privadas equivalentes na regiatildeo ateacute que

o problema seja solucionado com a devida disponibilizaccedilatildeo na referida aacuterea da miacutenima

estrutura projetada pelo Estado para abranger a populaccedilatildeo da localidade em questatildeo

Noutro poacutertico caso seja alcanccedilada empiricamente a comprovaccedilatildeo da recalcitracircncia do

Poder Puacuteblico em cumprir o elemento instrumental do miacutenimo em sauacutede264

poderaacute o

Ministeacuterio Puacuteblico pela via coletiva pleitear judicialmente que essa falha seja suprida a partir

da seguinte alternativa a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a

cumprir esse miacutenimo instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal

omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental

da maneira que o mesmo encontrar como por exemplo a partir da formaccedilatildeo de convecircnios265

com hospitais privados equivalentes que pagos pelo Poder Puacuteblico disponibilizaratildeo o aparato

suficiente para se alcanccedilar o miacutenimo em infraestrutura previamente estimado

Ocorre que pelo fato de a situaccedilatildeo acima explicitada envolver uma prestaccedilatildeo

prioritaacuteria e inclusa materialmente no miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede o

raciociacutenio para a soluccedilatildeo deste problema deve ser estratificado da seguinte maneira as

prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial (material) do direito agrave sauacutede satildeo prioridades

constitucionais que devem ser prestadas sempre pelo Estado como autecircnticos direitos dos

cidadatildeos e portanto o cumprimento do elemento instrumental (disponibilizaccedilatildeo de

infraestrutura miacutenima para a realizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos tanto incluiacutedas nas poliacuteticas

puacuteblicas como no miacutenimo existencial material em sauacutede) por si soacute natildeo seria suficiente para

afastar a obrigaccedilatildeo estatal de prestar tal accedilatildeo ou serviccedilo da maneira que fosse possiacutevel

Desta forma ainda que no exemplo apontado o Estado estivesse quite com a miacutenima

infraestrutura compromissada para a prestaccedilatildeo em questatildeo ou seja que existissem meacutedicos

leitos e equipamentos em nuacutemero que respeite o miacutenimo pactuado para o atendimento

materno-infantil e ainda assim tal atendimento natildeo fosse prestado (pelo motivo que seja

superlotaccedilatildeo imprevista desiacutedia dos profissionais contratados equipamentos danificados e

ainda natildeo repostos por exemplo) em que pese o elemento instrumental ter sido cumprido a

natildeo garantia praacutetica do elemento material em questatildeo por si soacute eacute suficiente para respaldar a

determinaccedilatildeo da obrigaccedilatildeo estatal em cumprir com o atendimento

264

Seja pela proacutepria fiscalizaccedilatildeo do cumprimento dos paracircmetros e metas preacute-estabelecidas nas poliacuteticas que

norteiam as accedilotildees e serviccedilos a serem prestados seja pela constataccedilatildeo de grande nuacutemero de condenaccedilotildees

individuais que atestem tal omissatildeo estatal 265

A Lei do SUS dispotildee que ldquoquando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura

assistencial agrave populaccedilatildeo de uma determinada aacuterea o Sistema uacutenico de Sauacutede (SUS) poderaacute recorrer aos serviccedilos

ofertados pela iniciativa privadardquo (art 24 caput) e que ldquoa participaccedilatildeo complementar dos serviccedilos privados seraacute

formalizada mediante contrato ou convecircnio observadas a respeito as normas de direito puacuteblicordquo (art 24

paraacutegrafo uacutenico)

126

Diferente contudo eacute a situaccedilatildeo de um cidadatildeo se dirigir a um posto de sauacutede visando

ao tratamento de doenccedilas ou cuidados com atenccedilatildeo baacutesica em princiacutepio externos ao miacutenimo

existencial em sauacutede mas inclusos nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento ndash autecircnticos

compromissos firmados pelo Poder Puacuteblico em fazer cumprir o direito agrave sauacutede previsto na CF

e no arcabouccedilo legislativo infraconstitucional

Nessas situaccedilotildees em caso de ser impossibilitado o referido atendimento no

enfrentamento judicial da questatildeo o magistrado deve inicialmente investigar se o miacutenimo em

infraestrutura previsto para a realizaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em andamento estaacute sendo

efetivamente cumprido de maneira eficiente e regular e a partir da conclusatildeo dessa

perquiriccedilatildeo dois caminhos podem ser trilhados

Caso identificado o desrespeito a esse miacutenimo estrutural haveraacute uma consequente

afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede e nesse caso o Estado natildeo poderaacute alegar o postulado

da reserva do possiacutevel Isso acontece pois como visto por um criteacuterio de coerecircncia loacutegica

em que pese o Estado natildeo ser um garantidor universal de sauacutede puacuteblica quando o mesmo se

propotildee a cumprir determinada poliacutetica puacuteblica em sauacutede tal poliacutetica nasce a partir de uma

instrumentalizaccedilatildeo que elenca obrigaccedilotildees estruturais miacutenimas para o cumprimento eficiente

do que o Estado estaacute se comprometendo a disponibilizar para o cidadatildeo

Daiacute ser coerente concluir que a omissatildeo estatal em propiciar sequer esse miacutenimo aleacutem

de comprometer a proacutepria concretude da poliacutetica puacuteblica em si e evidenciar o desvirtuamento

das verbas previstas para a consecuccedilatildeo dos seus fins termina por gerar falsas expectativas

para os cidadatildeos instaurando um quadro de frustraccedilatildeo apto a ser enquadrado como autecircntica

afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede pela falha em seu elemento instrumental

Nesse caso defende-se que o Judiciaacuterio diante de uma demanda individual poderaacute i

reconhecer a afronta ao aspecto instrumental do miacutenimo existencial alertando para o fato de

que natildeo eacute cabiacutevel a alegaccedilatildeo da reserva do possiacutevel quanto a essa grave falha jaacute que quando

se idealizou a poliacutetica em questatildeo previu-se orccedilamento para o aparelhamento miacutenimo

suficiente para sua concretizaccedilatildeo ii assentar que frente a esta grave falha surge uma espeacutecie

de presunccedilatildeo em favor do demandante o qual deveraacute ter seu pleito concedido e iii alertar

que eacute dever do Estado corrigir tal omissatildeo quanto a essa estruturaccedilatildeo miacutenima advertindo que

enquanto natildeo for feita tal correccedilatildeo o direito da sauacutede da coletividade da regiatildeo em questatildeo

estaraacute sendo afrontado

Por outro lado caso constatado que o Estado encontra-se quite com os padrotildees

miacutenimos estruturais previstos para a execuccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica que se propocircs o magistrado

deveraacute considerar os possiacuteveis argumentos levantados em juiacutezo e aplicando a teacutecnica da

127

ponderaccedilatildeo iraacute analisar os aspectos inerentes sobretudo agrave isonomia razoabilidade do pedido

e reserva do possiacutevel para emitir sua decisatildeo

Ainda no mesmo exemplo (pleito de uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial da

sauacutede mas inserido em uma poliacutetica puacuteblica do governo em andamento) faz-se relevante

analisar os desdobramentos no caso das demandas coletivas

Nesse ponto defende-se que sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e as respectivas

associaccedilotildees devem fiscalizar se os serviccedilos disponibilizados para a populaccedilatildeo de determinada

localidade estatildeo sendo oferecidos de forma perene e na quantidade e qualidade consentacircneas

com o previsto nas poliacuteticas puacuteblicas que o os projetaram fiscalizaccedilatildeo esta portanto que

passa inevitavelmente pela perquiriccedilatildeo acerca da proporcionalidade entre a demanda estimada

da populaccedilatildeo por sauacutede e a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para a execuccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas compromissadas

Sendo constatada qualquer disparidade entre a realidade faacutetica e os pilares miacutenimos

firmados em tais poliacuteticas poderaacute ser pleiteada coletivamente a correccedilatildeo de tal distorccedilatildeo a

partir da soluccedilatildeo apresentada anteriormente266

como forma de ser garantido o elemento

instrumental do miacutenimo existencial da sauacutede

Finalmente uma uacuteltima hipoacutetese seria o caso de um cidadatildeo pleitear uma prestaccedilatildeo de

sauacutede natildeo inclusa no miacutenimo existencial nem mesmo constante nas poliacuteticas puacuteblicas em

vigor no paiacutes como satildeo por exemplo os casos extremos de doenccedilas raras em que se pleiteia a

concessatildeo de medicamentos de alto custo importados e ainda natildeo constantes nas listas do

SUS

Em tais casos defende-se que em princiacutepio deve ser afastada a possibilidade de

intervenccedilatildeo judicial sendo certo contudo que a depender das circunstacircncias do caso

concreto aplicando-se a ponderaccedilatildeo entre os bens em conflito possa ser alcanccedilada

excepcionalmente uma soluccedilatildeo harmocircnica que garanta a sauacutede do indiviacuteduo e ao mesmo

tempo natildeo comprometa as poliacuteticas puacuteblicas em andamento que visam resguardar a sauacutede do

resto da populaccedilatildeo267

266

Relembrando a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a cumprir esse miacutenimo

instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do

dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental a partir da formaccedilatildeo de convecircnios com hospitais privados

equivalentes e pagos pelo Poder Puacuteblico 267

Na mesma linha de pensamento no julgamento da Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 408480 realizado pela 8deg Turma

Especializada do TRF 2deg Regiatildeo relatoria do Des Marcelo Pereira (DJU de 110808 p 176) assentou-se que

ldquoa melhor doutrina orienta que em se tratando de direito agrave sauacutede apenas as prestaccedilotildees que compotildeem o assim

denominado bdquomiacutenimo existencial‟ e aquelas que configurem opccedilotildees poliacuteticas juridicizadas dos poderes

constituiacutedos poderiam ser objeto de condenaccedilatildeo dos entes puacuteblicos a implementaacute-las em prazo determinadordquo

128

Nessas situaccedilotildees extremas em que pese a dificuldade do magistrado ndash jaacute abordada ndash

em lidar com a carga de responsabilidade humanitaacuteria que sua decisatildeo pode representar eacute

certo que o exame de proporcionalidade a ser empregado natildeo deve ser calcado na

interpretaccedilatildeo automaacutetica de sauacutede como sinocircnimo de direito agrave vida visto que tal estrateacutegia

natildeo soacute tem o condatildeo de comprometer o proacuteprio funcionamento da rede do SUS como tambeacutem

acaba tendendo para o posicionamento do Estado como um garantidor universal e esvaziando

a problemaacutetica

Desta forma deve o magistrado empreender a difiacutecil tarefa de levantar os olhos para a

sauacutede como um todo considerando os reflexos que essa decisatildeo poderaacute acarretar para a sauacutede

e dignidade do resto da populaccedilatildeo O enfretamento da situaccedilatildeo deve portanto se preocupar

com a macro-justiccedila levando em consideraccedilatildeo a possibilidade de o Estado poder

eventualmente incluir tal demanda em suas poliacuteticas puacuteblicas e poder proporcionaacute-la

igualmente a todos que se encontrem naquela situaccedilatildeo sem que reste comprometida a garantia

de proteccedilatildeo da sauacutede das demais pessoas ndash isso tudo visando a afastar os efeitos colaterais

possiacuteveis jaacute anteriormente tratados268

A partir das situaccedilotildees assentadas vislumbra-se que a inclusatildeo do denominado

elemento instrumental (respeito agrave previsatildeo de aparato de infraestrutura miacutenimo a ser

disponibilizado para as accedilotildees e serviccedilos compromissados) no miacutenimo existencial do direito agrave

sauacutede se por um lado natildeo soluciona definitivamente a problemaacutetica da efetividade do direito

agrave sauacutede por outro consiste em importante mecanismo para o avanccedilo da concretizaccedilatildeo desse

direito visto que atua diretamente na raiz do principal problema da sauacutede puacuteblica no paiacutes que

eacute exatamente as peacutessimas condiccedilotildees de infraestrutura baacutesica condiccedilotildees estas que conforme

se veraacute adiante na maioria das vezes refletem uma realidade totalmente dissonante da

projetada e compromissada nas poliacuteticas puacuteblicas

Eacute exatamente na noccedilatildeo acima aclarada que reside a outra faceta desse elemento

instrumental como espeacutecie de portal de abertura que proporcionaraacute a almejada ampliaccedilatildeo

progressiva desse miacutenimo Isso porque o cumprimento desse elemento instrumental eacute calcado

268

Corroborando com esse raciociacutenio nas decisotildees mais recentes sobre direito agrave sauacutede no STF (SL 228 STA

238 268 e 277) todas de lavra do Ministro Gilmar Mendes caminhou-se no sentido de que a garantia judicial da

prestaccedilatildeo individual de sauacutede prima facie estaria condicionada ao natildeo comprometimento do funcionamento do

SUS natildeo havendo interferecircncia indevida quando a ordem judicial termina por deferir prestaccedilatildeo de sauacutede jaacute

prevista no SUS Por outro lado quando o pedido estivesse fora das poliacuteticas puacuteblicas seria possiacutevel ponderar o

objeto do pedido com a capacidade do SUS de arcar com as despesas da parte mas tambeacutem com as despesas de

todos os outros cidadatildeo que se encontrem em situaccedilatildeo idecircntica WANG Daniel Wei Liang Escassez de

recursos custos dos direitos e reserva do possiacutevel na jurisprudecircncia do STF In SARLET Ingo Wolfgang e

TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre

Livraria do Advogado 2010 358

129

por um dinamismo que garante a elasticidade do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede jaacute que

pontualmente novas prestaccedilotildees em sauacutede podem acabar se revestindo da proteccedilatildeo dada agraves

prestaccedilotildees materiais prioritaacuterias incluiacutedas no miacutenimo em sauacutede antes elencados

Explicando melhor jaacute foi visto que toda vez que o Judiciaacuterio enfrentando uma

situaccedilatildeo em que se exige uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial em sauacutede poreacutem inclusa

em uma poliacutetica puacuteblica acabar constatando o descumprimento do miacutenimo de infraestrutura

previsto para a realizaccedilatildeo da referida poliacutetica nasceraacute uma presunccedilatildeo em favor cidadatildeo no

sentido de ter a prestaccedilatildeo daquela poliacutetica realizada natildeo sendo possiacutevel o Estado alegar

reserva do possiacutevel nesses casos

Pois bem infere-se desse raciociacutenio que a partir da necessidade de se respeitar esse

elemento instrumental diversas prestaccedilotildees materiais poderatildeo ser alcanccediladas judicialmente

sem que se discuta reserva do possiacutevel frente agrave presunccedilatildeo que nasce em favor do cidadatildeo de

ter direito agrave prestaccedilatildeo pleiteada jaacute que o Estado natildeo cumpre nem o que minimamente foi

planejado e projetado quando da elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em questatildeo

Desta maneira em que pese natildeo significar o automaacutetico acoplamento dessas novas e

indefinidas prestaccedilotildees (variaacuteveis conforme o caso concreto) ao grupo dos elementos materiais

do miacutenimo existencial em sauacutede o dever de corrigir o descumprimento do elemento

instrumental tem o condatildeo de conferir um tratamento de miacutenimo existencial a novas

prestaccedilotildees pelo menos de forma indireta jaacute que na praacutetica a falha estatal nesse ponto

funciona como uma espeacutecie de confissatildeo de sua ineficiecircncia daiacute se falar em dinamismo desse

elemento instrumental apto a contribuir para uma ampliaccedilatildeo progressiva do miacutenimo

existencial material

Nesse sentido aleacutem de elasticamente permitir uma ampliaccedilatildeo indireta das prestaccedilotildees

materiais tratadas como miacutenimo existencial em sauacutede a sistemaacutetica acima funciona como

importante ferramenta para a identificaccedilatildeo das prioridades em sauacutede da populaccedilatildeo jaacute que o

exame das diversas demandas judiciais na temaacutetica do direito agrave sauacutede poderaacute identificar onde

exatamente o Estado mais falha com a populaccedilatildeo podendo-se conferir assim uma roupagem

de prioridade em sauacutede a novas prestaccedilotildees natildeo advinda diretamente da Constituiccedilatildeo mas da

realidade faacutetica

Do afirmado acima jaacute se pode alcanccedilar uma importante constataccedilatildeo qual seja a noccedilatildeo

de que o manto da discricionariedade na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas natildeo pode ser

tido como uma maacutexima absoluta jaacute que quando tais poliacuteticas satildeo elaboradas o proacuteprio Poder

Puacuteblico estratifica documentalmente o que minimamente deve ser disponibilizado e quais

metas se incluem naquela poliacutetica sendo assim de suma importacircncia o controle fiscalizaccedilatildeo

130

e acompanhamento do fiel cumprimento dos compromissos sinalizados em tais poliacuteticas como

forma de averiguar a eficiecircncia das mesmas e o respeito agrave concretizaccedilatildeo praacutetica do direito agrave

sauacutede

Dito isto eacute relevante se ter em mente que satildeo situaccedilotildees completamente distintas a

hipoacutetese de intromissatildeo judicial em poliacuteticas puacuteblicas a partir da invasatildeo do campo de

discricionariedade que eacute iacutensito ao Executivo com a imposiccedilatildeo de modificaccedilotildees em tais

poliacuteticas ndash ou ateacute mesmo a ocorrecircncia de implementaccedilatildeo de poliacuteticas pelo proacuteprio Judiciaacuterio ndash

da hipoacutetese de o Judiciaacuterio poder aferir se os compromissos miacutenimos firmados estatildeo sendo

cumpridos especialmente relacionados agrave infraestrutura miacutenima pactuada e

consequentemente se os valores direcionados para tais fins estatildeo sendo corretamente

aplicados

Conclui-se que o escopo chave da inclusatildeo desse elemento instrumental no miacutenimo

existencial do direito agrave sauacutede eacute o de sugerir uma linha de orientaccedilatildeo concreta que

funcionando como um criteacuterio valioso para o Judiciaacuterio facilite o enfrentamento da

problemaacutetica da falta de efetividade desse relevante direito social amenizando assim os

possiacuteveis efeitos colaterais (jaacute tratados) marcantes em decisotildees que preocupadas apenas com

a micro-justiccedila do caso concreto terminam por comprometer o direito agrave sauacutede quando

pensado de maneira coletiva

Nesse sentido em que pese agrave proposta acima delineada parecer complexa eacute certo que

sua viabilidade poderaacute ser alcanccedilada a partir da consolidaccedilatildeo de uma cultura calcada no

conhecimento preacutevio das metas que satildeo estimadas no acircmbito da legislaccedilatildeo do SUS e nesse

contexto conforme se veraacute melhor a seguir eacute inequiacutevoco que existem previsotildees que

especificam a obrigaccedilatildeo de se disponibilizar infraestrutura miacutenima a partir de paracircmetros

objetivos como por exemplo a quantidade miacutenima de meacutedicos leitos em hospitais

equipamentos etc

Importante reforccedilar ainda que as determinaccedilotildees judiciais que comprovadamente

apontarem para a ineficiecircncia e aplicaccedilatildeo inconstitucional da verba destinada para a sauacutede

puacuteblica devem ser acompanhadas da consequente apuraccedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo das

autoridades e gestores envolvidos em tais atos de negligecircncia e afronta ao direito agrave sauacutede269

Concluindo se por um lado admite-se que a concretizaccedilatildeo praacutetica de tal medida eacute

algo complexo por outro natildeo haacute duacutevida de que a mesma aleacutem de funcionar como importante

269

Corroborando com esse pensamento o art 52 da Lei do SUS leciona que ldquosem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees

cabiacuteveis constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas puacuteblicas (Coacutedigo Penal art 315) a utilizaccedilatildeo

de recursos financeiros do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta leirdquo

131

instrumento no combate da ineficiecircncia do direito agrave sauacutede carrega em sua essecircncia um

importante efeito moralizador dirigido aos Poderes Executivo e Legislativo no sentido de que

os mesmos corrijam as distorccedilotildees geradas por suas accedilotildees (ou inaccedilotildees) evitando-se que os

seguidos erros se tornem recorrentes

Para fechar a contribuiccedilatildeo da presente pesquisa na construccedilatildeo do miacutenimo existencial

em espeacutecie para o direito agrave sauacutede natildeo se pode avanccedilar sem abordar o ponto central da

argumentaccedilatildeo levantada que eacute exatamente a existecircncia de paracircmetros para se aferir a

eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede especialmente o respeito ao miacutenimo estimado para

a viabilizaccedilatildeo das mesmas A identificaccedilatildeo dos documentos que veiculam tais paracircmetros eacute

portanto o objeto do toacutepico que se segue

53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS

PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO EXISTENCIAL

RELATIVO A ESSE DIREITO

Conforme jaacute adiantado no capiacutetulo segundo a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil

estaacute assentada em diversos dispositivos da CF de 1988 bem como na regulamentaccedilatildeo trazida

tanto pela Lei Federal nordm 808090 quanto pela Lei Federal 814290 destacando-se tambeacutem

a recente Lei Complementar Federal nordm 1412012

Todavia tais normas por serem gerais e abstratas natildeo constituem instrumentos haacutebeis

a especificar tatildeo detalhadamente como seraacute estruturada a garantia do direito agrave sauacutede uma vez

que diversos fatores podem influenciar a forma com que essa garantia se procederaacute e

portanto pela dinamicidade inerente a esse processo satildeo algumas normas de menor

hierarquia que melhor apresentam as minuacutecias das poliacuteticas que buscaratildeo efetivar tanto a

legislaccedilatildeo acima apontada como a proacutepria Constituiccedilatildeo

Desta maneira haacute um caminho loacutegico a ser seguido e respeitado o qual engloba

diferentes niacuteveis do raio de abrangecircncia da proteccedilatildeo e garantia do direito agrave sauacutede Veja-se

i em primeiro lugar a Carta Maior prevecirc

i1 que o direito agrave sauacutede deveraacute ser garantido mediante poliacuteticas sociais e

econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedilas e de outros agravos e ao

acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo

132

i2 que cabe ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre a

regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede as quais

integram uma rede regionalizada e hierarquizada constituindo um sistema

uacutenico

ii em segundo lugar a Lei Federal nordm 808090 dispotildee de maneira geral sobre

as condiccedilotildees para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo

e o funcionamento dos serviccedilos correspondentes trazendo diretrizes e

principais objetivos a serem seguidos pelo SUS e

ii em terceiro lugar a Lei Federal nordm 814290 e a Lei Complementar Federal nordm

1412012 apresentam respectivamente disposiccedilotildees de suma relevacircncia sobre

a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS e as transferecircncias

intergovernamentais de recursos na aacuterea de sauacutede bem como sobre os criteacuterios

de rateio dos recursos para a sauacutede e normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e

controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferas de governo

Esse terceiro momento trata de situaccedilotildees especiacuteficas (e natildeo menos relevantes) cuja

anaacutelise se daraacute mais a frente Contudo no que se refere aos dois primeiros eacute certo que nasce

do exame dos mesmos a difiacutecil missatildeo de se extrair de maneira segura os paracircmetros que

delimitam quais as prestaccedilotildees em sauacutede que se cristalizam efetivamente como dever do

Poder Puacuteblico

A complexidade inerente a esse processo reside em dois aspectos jaacute pincelados ao

longo da presente pesquisa a dificuldade praacutetica de uma norma geral e abstrata apresentar

nuances de uma situaccedilatildeo que envolve inuacutemeras condicionantes e que necessita de alteraccedilotildees e

adaptaccedilotildees com grande frequecircncia bem como o fato de que a teacutecnica legislativa utilizada na

elaboraccedilatildeo dos dispositivos ligados agrave sauacutede constantes nesses dois niacuteveis (CF de 1988 e ldquoLei

do SUSrdquo) privilegia uma linha mais programaacutetica abraccedilando-se em diretrizes e princiacutepios

sem comprometer o Poder Puacuteblico de maneira muito especiacutefica Em suma prestigiam-se fins

a serem alcanccedilados mas natildeo satildeo dadas muitas pistas de como se chegar eficientemente aos

mesmos

Partindo das premissas postas defende-se o aprofundamento e maior divulgaccedilatildeo do

por assim dizer quarto niacutevel de normas protetivas do direito agrave sauacutede niacutevel este que se inicia

pelo conhecimento do quadro geral das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede abarcadas no acircmbito do

SUS e dos instrumentos legislativos sobretudo decretos e portarias do Ministeacuterio da Sauacutede

que as norteiam

133

Nesse contexto a exata compreensatildeo da organizaccedilatildeo e funcionamento do SUS eacute

primordial para a delimitaccedilatildeo desse niacutevel o que exige primeiro um maior detalhamento

quanto algumas especificidades da denominada ldquoLei do SUSrdquo

Segundo a Lei Federal nordm 808090 o dever do Estado de garantir a sauacutede se

materializa pela formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e pelo estabelecimento de

condiccedilotildees que assegurem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos constantes em

tais poliacuteticas constituindo o que se chama de SUS exatamente o conjunto dessas accedilotildees e

serviccedilos

Mais adiante satildeo elencados os objetivos e atribuiccedilotildees do SUS e nesse momento as

ldquodicasrdquo sobre o que pode ser exigido em sauacutede apesar de ainda natildeo tatildeo claras satildeo mais

palpaacuteveis jaacute que haacute previsatildeo no sentido de encontrar-se no campo de atuaccedilatildeo do SUS a

execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica de sauacutede do trabalhador e de

assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica

Quanto a este uacuteltimo elemento algumas observaccedilotildees natildeo podem deixar de serem

feitas Nesse contexto eacute imperioso ressaltar que recente e importante alteraccedilatildeo na Lei do

SUS instituiacuteda pela Lei Federal nordm 124012011 veio a incluir o capiacutetulo VIII (Da assistecircncia

terapecircutica e da incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede) que especifica a abrangecircncia do termo

assistecircncia terapecircutica e arrola paracircmetros para os casos de concessatildeo de medicamentos270

Nesse ponto resta esclarecido pela proacutepria ldquoLei do SUSrdquo (art 19-M) que a assistecircncia

terapecircutica integral abrange a disponibilizaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para

a sauacutede e a oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar ambulatorial e

hospitalar mas tudo isso conforme as diretrizes previamente definidas em protocolos cliacutenicos

e tabelas elaboradas no acircmbito do SUS271

270

Sobre a questatildeo da disponibilizaccedilatildeo de medicamentos por parte do Estado merece destaque a pesquisa

desenvolvida por Paul Hunt e Rajat Khosla que encara o acesso a medicamentos como um autecircntico direito

humano ao passo que ldquoos estados devem fazer todo o possiacutevel para assegurar que os medicamentos existentes

sejam disponibilizados em quantidade suficientes dentro do acircmbito de suas jurisdiccedilotildees Por exemplo eles

provavelmente teratildeo que utilizar alguns dos mecanismos de flexibilidaccedilatildeo da propriedade intelectual previstos

no Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comeacutercio (conhecido como

TRIPS) promulgando e aplicando leis internas que permitam a licenccedila compulsoacuteria Dessa maneira os Estados

assegurariam a disponibilidade de medicamentos em quantidade adequadas dentro de suas jurisdiccedilotildeesrdquo HUNT

Paul KHOSLA Rajat Acesso a medicamentos como um direito humano (trad Thiago Amparo) In Revista

Internacional de Direitos Humanos v5 n8 Satildeo Pulo jun 2008 p 104 271

Neste ponto depreende-se da leitura dos arts 19-N 19-O e 19-P que os protocolos cliacutenicos (documento que

estabelece criteacuterios para o diagnoacutestico de doenccedilas o tratamento medicamento posologia e mecanismo de

controle cliacutenico) e as diretrizes terapecircuticas devem estabelecer os medicamentos necessaacuterios nas diferentes fases

evolutivas da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede e na falta dos mesmos a dispensaccedilatildeo de medicamentos deve ser

realizada com base nas relaccedilotildees de medicamentos instituiacutedas pelo gestor federal do SUS observada a

responsabilidade pelo fornecimento pactuada na Comissatildeo Intergestores Tripartite

134

Avanccedilou-se ainda na soluccedilatildeo referente agrave celeuma quanto a dificuldade de se

estabelecer a responsabilidade financeira do fornecimento de tais medicamentos produtos

para a sauacutede ou procedimentos ao passo que no art 19-U esclareceu-se que tal

responsabilidade seraacute pactuada no acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite que envolve os

gestores dos trecircs niacuteveis federativos o que denota a importacircncia da ampla publicidade e

conhecimento dos atos dessa comissatildeo

Desta maneira constata-se que a recente alteraccedilatildeo legislativa significou um importante

passo para a soluccedilatildeo da problemaacutetica enfrentada nas demandas judiciais em que se pleiteia

medicamentos jaacute que haacute um maior esclarecimento em lei de paracircmetros a serem seguidos

pelo magistrado na busca pela soluccedilatildeo dos referidos casos tanto com relaccedilatildeo a

responsabilidade de cada ente quanto aos medicamentos que especificamente podem ser

pleiteados judicialmente

Fechando este parecircntese quanto aos medicamentos e seguindo na perquiriccedilatildeo dos

destaques da Lei do SUS que auxiliam na delimitaccedilatildeo das obrigaccedilotildees estatais em sauacutede tem-

se que no capiacutetulo referente aos princiacutepios do SUS elencados no art 7deg surgem as

importantes noccedilotildees de universalidade de acesso aos serviccedilos em todos os niacuteveis de assistecircncia

e de integralidade compreendida como conjunto articulado e contiacutenuo de accedilotildees e serviccedilos

preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de

complexidade do sistema noccedilotildees estas que funcionam como norte na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas

especiacuteficas em sauacutede puacuteblica

Mais a frente no rol das competecircncias da direccedilatildeo nacional e estadual do SUS (art 16

XI e art 17 IX) identifica-se a importante atribuiccedilatildeo de serem especificados os serviccedilos

estaduais e municipais de referecircncia nacional para o estabelecimento de padrotildees teacutecnicos de

assistecircncia agrave sauacutede aleacutem do dever da direccedilatildeo municipal de dar execuccedilatildeo agrave poliacutetica de insumos

e equipamentos para a sauacutede deixando claro o teor de tais disposiccedilotildees que ao proacuteprio SUS

cabe a tarefa de especificar certos padrotildees e metas a serem atingidas as quais serviratildeo para

atestar a viabilidade e eficiecircncia das poliacuteticas que vierem a ser executadas

Finalmente no capiacutetulo referente ao planejamento e orccedilamento do SUS eacute destacado

(arts 36 e 37) que os planos de sauacutede constituem os instrumentos-base das atividades e

programaccedilotildees de cada niacutevel de direccedilatildeo do SUS com financiamento previsto na respectiva

proposta orccedilamentaacuteria devendo as accedilotildees neles previstas passar necessariamente pelo crivo

oacutergatildeos deliberativos compatibilizando-se as necessidades da poliacutetica de sauacutede com a

disponibilidade de recursos

135

Da anaacutelise da Lei do SUS portanto se conclui que em que pese a referida lei ser clara

em apresentar um dever estatal para com a sauacutede este natildeo se encontra perfeitamente

delimitado jaacute que as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico em sua

maioria iratildeo depender de documentos que especifiquem o planejamento da sauacutede que estaacute em

andamento e quais accedilotildees e serviccedilos estatildeo abrangidas em tal plano

Nesse ponto importantiacutessimo passo foi dado com a promulgaccedilatildeo do Decreto nordm

750811 que regulamentando a Lei do SUS trouxe contribuiccedilotildees chaves sobre a organizaccedilatildeo

do SUS o planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa na

mateacuteria Eacute exatamente a anaacutelise desse importante instrumento que se faraacute a seguir

531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 750811 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees miacutenimas

em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico

Com vistas a fazer valer a necessidade de regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo da rede de

serviccedilos de sauacutede previstos na Lei do SUS o decreto em exame apresenta importantes

disposiccedilotildees que devem ser familiares ao dia a dia da sociedade (especialmente dos

representantes dos usuaacuterios nos Conselhos de Sauacutede) do Poder Judiciaacuterio e dos entes de

fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e os Tribunais de Contas)

Da anaacutelise dos diversos conceitos encontrados no aludido decreto depreende-se que a

loacutegica estrutural do SUS incentiva a formaccedilatildeo de regiotildees de sauacutede (espaccedilos geograacuteficos

contiacutenuos constituiacutedos por agrupamentos de municiacutepios limiacutetrofes272

) como forma de melhor

organizar o planejamento das accedilotildees e serviccedilos disponibilizados

Nesse contexto surgem dois instrumentos que satildeo de essencial valia o Contrato

Organizativo da Accedilatildeo Puacuteblica da Sauacutede e o Mapa de Sauacutede273

O primeiro consiste no acordo de colaboraccedilatildeo firmado entre os entes federativos com

a finalidade de organizar e integrar as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede na rede regionalizada e

hierarquizada apresentando importantes paracircmetros aos quais deve ser dada ampla

publicidade e que poderatildeo ser analisados pelo Judiciaacuterio no enfretamento de pleitos ligados ao

direito agrave sauacutede quais sejam a definiccedilatildeo de responsabilidades indicadores e metas de sauacutede

criteacuterios de avaliaccedilatildeo de desempenho recursos financeiros que seratildeo disponibilizados forma

272

Art 2deg I do Decreto nordm 750811 273

Art 2deg II e V do Decreto nordm 750811

136

de controle e fiscalizaccedilatildeo de sua execuccedilatildeo bem como outros elementos necessaacuterios agrave

implementaccedilatildeo do acordado

Ou seja sempre que existir accedilotildees integradas entre esferas de governo caracteriacutestica

que eacute a proacutepria tocircnica da estruturaccedilatildeo do SUS existiraacute um instrumento que estabeleceraacute

relevantes paracircmetros aptos a aferir a eficiecircncia do cumprimento do acordado sendo

imprescindiacutevel desta maneira a disponibilizaccedilatildeo de tal documento nas anaacutelises judiciais que

envolvam pleitos relativos a accedilotildees e serviccedilos de sauacutede

O Mapa de Sauacutede por sua vez consiste na descriccedilatildeo geograacutefica da distribuiccedilatildeo de

recursos humanos e de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ofertados pelo SUS que considera a

capacidade instalada existente os investimentos e o desempenho aferido a partir dos

indicadores de sauacutede do sistema consolidando-se tambeacutem como outro importante

instrumento a ser considerado no exame da eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em andamento jaacute

que contribuem para o estabelecimento de metas de sauacutede274

Assentados tais conceitos de se destacar novamente o relevante papel da Comissatildeo

Intergestores Tripartite (CIT) que dispotildee sobre as diretrizes gerais das regiotildees de sauacutede as

quais compreendem as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede (conjunto de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede

articulados em niacuteveis de complexidade crescente) e servem de referecircncia para as

transferecircncias de recursos entre os entes federativos

Sobre as regiotildees de sauacutede o referido decreto assevera que as mesmas deveratildeo conter

no miacutenimo accedilotildees e serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria urgecircncia e emergecircncia atenccedilatildeo

psicossocial atenccedilatildeo ambulatorial especializada e hospitalar e vigilacircncia em sauacutede275

Ainda

fica asseverado que as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede que estatildeo compreendidas nestas regiotildees

deveratildeo ter definidas em seu acircmbito pelos entes federativos que a englobam paracircmetros

importantes como os limites geograacuteficos a populaccedilatildeo usuaacuteria das accedilotildees e serviccedilos o rol das

accedilotildees que seratildeo ofertadas e as respectivas responsabilidades criteacuterios de acessibilidade e

escala para a conformaccedilatildeo dos serviccedilos

Pode-se observar que tais indicadores satildeo de suma relevacircncia para a afericcedilatildeo judicial

do enquadramento de determinada accedilatildeo ou serviccedilo como constante em determinada poliacutetica

puacuteblica visto que munido dos documentos que formalizam as regiotildees de sauacutede e as

respectivas redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede o magistrado poderaacute identificar se os requisitos miacutenimos

a serem instituiacutedos estatildeo sendo cumpridos bem como se o rol de accedilotildees estaacute sendo

274

Art 17 do Decreto nordm 750811 275

Art 5deg do Decreto nordm 750811

137

disponibilizados respeitando os criteacuterios de acessibilidade e escala da projeccedilatildeo de tais

serviccedilos

Mais adiante eacute ressaltada a importacircncia de ser assegurado aos usuaacuterios um acesso que

seja universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos do SUS impondo-se aos entes

federativos o dever de garantir a transparecircncia integralidade e equidade no acesso o qual

deveraacute ser monitorado bem como de orientar e ordenar os fluxos das accedilotildees e dos serviccedilos

que regionalmente ofertados satildeo guiados pelo garantia da continuidade do cuidado em sauacutede

em todas as modalidades276

Importantes diretrizes tambeacutem satildeo fixadas nos capiacutetulos referentes ao planejamento e

agrave assistecircncia em sauacutede Nesse ponto tem-se que o processo de planejamento da sauacutede

caracterizado por ser ascendente e integrado do niacutevel local ateacute o federal deveraacute

necessariamente passar pelos Conselhos de Sauacutede e buscaraacute a harmonia entre as necessidades

das poliacuteticas de sauacutede e a disponibilidade dos recursos financeiros devendo esta

compatibilizaccedilatildeo ser efetuada no acircmbito dos planos de sauacutede que satildeo exatamente o

resultado do planejamento integrado dos entes planejamento este que deveraacute conter metas a

serem atingidas277

Jaacute quanto agrave assistecircncia em sauacutede esta tem sua integralidade iniciada e completada na

rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede mediante referenciamento do usuaacuterio na rede regional e interestadual

conforme o pactuado nas Comissotildees Intergestores278

e a delimitaccedilatildeo de sua abrangecircncia se

baseia em dois importantiacutessimos paracircmetros a Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de

Sauacutede (RENASES) e a Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)

A RENASES279

compreende todas as accedilotildees e serviccedilos que o SUS oferece ao usuaacuterio

para atendimento da integralidade da assistecircncia agrave sauacutede cabendo ao Ministeacuterio da Sauacutede

observadas as diretrizes pactuadas pela CIT dispor sobre essa relaccedilatildeo e atualizaacute-la a cada dois

anos Para efeito de responsabilizaccedilatildeo deveratildeo os entes pactuar nas respectivas Comissotildees

Intergestores as suas responsabilidades em relaccedilatildeo ao rol de accedilotildees e serviccedilos constantes da

RENASES sem prejuiacutezo de os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios poderem adotar

relaccedilotildees especiacuteficas e complementares280

276

Arts 12 e 13 do Decreto nordm 750811 277

Art 15 do Decreto nordm 750811 278

Art 20 do Decreto nordm 750811 279

A mais recente atualizaccedilatildeo da RENASES foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 841 de 2

de maio de 2012 disponiacutevel em httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesrelacao_nacional_acoes_saudepdf

Acesso em 15062013 280

Arts 21 a 24 do Decreto nordm 750811

138

A RENAME281

por sua vez engloba a seleccedilatildeo e padronizaccedilatildeo de medicamentos

indicados para o atendimento de doenccedilas ou agravos no acircmbito do SUS282

e seraacute

acompanhada do Formulaacuterio Terapecircutico Nacional (FTN) o qual subsidiaraacute a prescriccedilatildeo

dispensaccedilatildeo e o uso dos seus medicamentos cabendo tambeacutem ao Ministeacuterio da Sauacutede

dispor sobre a mesma e atualizaacute-la a cada dois anos283

De igual maneira poderatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios adotar

relaccedilotildees especiacuteficas e complementares de medicamentos as quais sintonizadas com a loacutegica

da RENAME devem respeitar as responsabilidades dos entes pelo financiamento de

medicamentos de acordo com o pactuado nas Comissotildees Intergestores sendo certo que tanto

a RENAME quanto tais relaccedilotildees complementares somente poderatildeo conter produtos com

registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA284

)

Outra questatildeo relevante e que deve ser levada em consideraccedilatildeo pelo magistrado ao

enfrentar uma demanda envolvendo a disponibilizaccedilatildeo de um medicamento eacute a contribuiccedilatildeo

do decreto em exame no que se refere agrave especificaccedilatildeo dos requisitos imprescindiacuteveis para que

seja garantido o acesso universal e igualitaacuterio agrave assistecircncia farmacecircutica com base no

RENAME

Nesse contexto cumulativamente devem estar o usuaacuterio assistido por accedilotildees e

serviccedilos abrangidos pelo SUS ter o medicamento sido prescrito por profissional de sauacutede no

exerciacutecio regular de suas funccedilotildees no SUS estar a prescriccedilatildeo em conformidade com a

RENAME e os Protocolos Cliacutenicos e Diretrizes Terapecircuticas e ter a dispensaccedilatildeo ocorrido

necessariamente em unidades indicadas pela direccedilatildeo do SUS285

Tais requisitos reforccedilam a necessidade de que o elemento instrumental do miacutenimo

existencial em sauacutede proposto deve necessariamente abranger natildeo somente a infraestrutura

fiacutesica suficiente (hospitais equipados com leitos suficientes e equipamentos) para atender as

demandas da regiatildeo em questatildeo mas tambeacutem a disponibilidade miacutenima de meacutedicos e

remeacutedios estimados

281

A mais recente atualizaccedilatildeo da RENAME foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 533 de 28

de marccedilo de 2012 disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfCONITECPORTARIAMS5332012pdf Acesso em 15062013 282

A RENAME nasce da identificaccedilatildeo com base na situaccedilatildeo epidemioloacutegica dos maiores problemas de sauacutede e

os medicamentos baacutesicos indispensaacuteveis para seu tratamento os quais devem estar continuamente disponiacuteveis

para a populaccedilatildeo que deles necessita DALLARI Sueli Gandolfi Poliacuteticas de Estado e poliacuteticas de governo o

caso da sauacutede puacuteblica In Poliacuteticas Puacuteblicas Reflexotildees sobre o conceito juriacutedico Maria Paula Dallari Bucci

(org) Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 259 283

Arts 25 e 26 do Decreto nordm 750811 284

Art 27 e 29 do Decreto nordm 750811 285

Art 28 do Decreto nordm 750811

139

Finalmente importantes contribuiccedilotildees referentes agrave articulaccedilatildeo entre os entes federados

satildeo apresentadas pelo decreto em anaacutelise sobretudo no que diz respeito agraves atribuiccedilotildees das

comissotildees intergestores e a elaboraccedilatildeo do jaacute mencionado contrato organizativo de accedilatildeo

puacuteblica da sauacutede

Nesse sentido essas comissotildees exercem um papel de suma importacircncia na

funcionalidade geral do SUS jaacute que a partir delas satildeo pactuados os aspectos operacionais

financeiros e administrativos da gestatildeo compartilhada do sistema de acordo com a definiccedilatildeo

da poliacutetica de sauacutede dos entes federativos balizada nos planos de sauacutede e aprovadas pelos

respectivos conselhos de sauacutede286

Cabe a tais comissotildees dessa forma a elaboraccedilatildeo das diretrizes gerais sobre as regiotildees

de sauacutede e sobre a organizaccedilatildeo das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede com o correspondente

estabelecimento das responsabilidades dos entes federativos287

a partir do contrato

organizativo instrumento que consubstancia o acordo de colaboraccedilatildeo entre os entes sobre a

organizaccedilatildeo da rede interfederativa de atenccedilatildeo agrave sauacutede

O referido instrumento eacute bastante relevante para o exame judicial dos pleitos na

temaacutetica do direito agrave sauacutede sendo indispensaacutevel sua apresentaccedilatildeo em juiacutezo jaacute que o mesmo

funciona como um elemento delimitativo das diversas circunstacircncias que envolvem as

poliacuteticas puacuteblicas principalmente quanto agrave parcela de responsabilizaccedilatildeo de cada esfera

federativa e quanto agrave fiscalizaccedilatildeo da execuccedilatildeo das mesmas aleacutem de apresentar enorme valia

tanto para a delimitaccedilatildeo do elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede quanto

para perquiriccedilatildeo acerca do enquadramento de determinado pleito em alguma poliacutetica em

andamento

Desta feita prevecirc o Decreto nordm 750811 que eacute no mencionado contrato organizativo

que deveratildeo constar as responsabilidades individuais e solidaacuterias dos entes federativos com

relaccedilatildeo agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede os indicadores e as metas de sauacutede os criteacuterios de

avaliaccedilatildeo de desempenho a discriminaccedilatildeo dos recursos financeiros que estatildeo sendo

disponibilizados por cada um dos partiacutecipes bem como a forma de controle e fiscalizaccedilatildeo da

sua execuccedilatildeo e demais elementos necessaacuterios agrave implementaccedilatildeo integrada das accedilotildees e serviccedilos

de sauacutede288

Quanto agrave importacircncia do preacutevio conhecimento do Judiciaacuterio acerca das

responsabilidades de cada ente bem como da contribuiccedilatildeo financeira que cada um

286

Art 32 I do Decreto nordm 750811 287

Art 32 II III e IV do Decreto nordm 750811 288

Art 35 do Decreto nordm 750811

140

disponibiliza para as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede serem implementados algumas observaccedilotildees

merecem maior ecircnfase sobretudo no que se refere ao elemento instrumental jaacute defendido

anteriormente

Quando uma decisatildeo judicial natildeo se preocupa em averiguar o que foi pactuado

previamente entre os entes e simplesmente reconhece uma responsabilidade solidaacuteria ou

meramente responsabiliza um dos entes a partir de um criteacuterio aleatoacuterio que natildeo se coaduna

com o que foi previamente pactuado conforme as disposiccedilotildees da Lei do SUS e do decreto que

a regulamenta isso acaba gerando uma grave desorganizaccedilatildeo do proacuteprio sistema gerando

severos efeitos colaterais

Isso porque como jaacute eacute definido previamente qual prestaccedilatildeo material caberaacute a cada

ente ou quais seratildeo solidaacuterias haveraacute tambeacutem de maneira preacutevia uma estipulaccedilatildeo acerca dos

dispecircndios de cada ente (seja que seratildeo repassados ou diretamente utilizados) bem como uma

imprescindiacutevel organizaccedilatildeo estrutural antecedente para que cada um realize suas

responsabilidades

Desta maneira quando uma decisatildeo judicial decide contrariamente a tal conteuacutedo jaacute

pactuado a loacutegica do sistema se desorganiza levando primeiro a ocorrecircncia de dispecircndios

em duplicidade uma vez que em muitos casos um ente jaacute repassou os valores legais para o

ente responsaacutevel pela execuccedilatildeo da accedilatildeo ou serviccedilo e termina sendo condenado a pagar de

novo e segundo ao relaxamento dos gestores em sauacutede jaacute que alguns ficam inertes agrave espera

de decisotildees judiciais para agir gerando um ciacuterculo vicioso

Por sua vez quando o Judiciaacuterio se preocupa em fazer valer o previamente definido

haacute uma contribuiccedilatildeo para o proacuteprio SUS jaacute que natildeo soacute restam evitados os efeitos colaterais

acima mencionados como tambeacutem se coopera para a formaccedilatildeo de dados estatiacutesticos sobre as

possiacuteveis falhas na prestaccedilatildeo o que termina por forccedilar uma melhor programaccedilatildeo do gestor

condenado visando agrave correccedilatildeo dos problemas mais recorrentes

Conclui-se assim que ao inveacutes de contribuir com a concretizaccedilatildeo do direito em

exame o Judiciaacuterio quando decide sem esse compromisso investigativo de buscar condenar

quem eacute o responsaacutevel com base nas previsotildees da poliacutetica puacuteblica em vigor acaba

prejudicando a macrojusticcedila circundante ao direito agrave sauacutede jaacute que a proacutepria organizaccedilatildeo do

SUS restaraacute prejudicada289

289

Corroborando com o posicionamento acima a Advogada da Uniatildeo Gabriela Moreira Castro assevera que ldquoEacute

preciso estudar racionalmente como se organiza o SUS nessa mateacuteria a fim de se impor a obrigaccedilatildeo a quem eacute

diretamente responsaacutevel pelo seu atendimento e dessa forma possibilitar o tratamento da melhor maneira a

quem dele necessita () Em geral os juiacutezes se satisfazem ao fundamentar suas decisotildees com base nas garantias

constitucionais agrave sauacutede e agrave vida ou com base na solidariedade entre as pessoas poliacuteticas em mateacuteria sanitaacuteria

141

Nesse contexto defende-se que sempre tais contratos organizativos firmados entre os

entes sejam previamente consultados e respeitados somente se decretando a

responsabilizaccedilatildeo solidaacuteria como uacuteltimo artifiacutecio necessaacuterio a se evitar a lesatildeo do direito

Feitas tais digressotildees destaca-se finalmente na sequecircncia da anaacutelise dos principais

pontos do Decreto nordm 750811 que partindo da ideia de humanizaccedilatildeo do atendimento do

usuaacuterio como fator determinante para o estabelecimento das metas de sauacutede deve o jaacute antes

referido contrato organizativo observar algumas diretrizes para fins de garantia da gestatildeo

participativa destacando-se a incorporaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do usuaacuterio das accedilotildees e serviccedilos como

ferramenta de melhoria das estrateacutegias em sauacutede a permanente apuraccedilatildeo das necessidades e

interesses do usuaacuterio e a necessidade de ser dada publicidade aos direitos e deveres dos

usuaacuterios em todas as unidades de sauacutede do SUS inclusive nas unidades privadas que dele

participem complementarmente290

532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a

delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede

Em meados de marccedilo de 2006 atraveacutes da Portaria nordm 687 do Ministeacuterio da Sauacutede foi

aprovada a Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede (PNPS) considerada a matildee291

de todas as

poliacuteticas de sauacutede do paiacutes A partir desse momento intensificou-se a busca por uma maior

articulaccedilatildeo entre as trecircs esferas federativas com vistas a possibilitar uma maior eficiecircncia e

qualidade nas accedilotildees e serviccedilos disponibilizadas pelo SUS

Foi nesse contexto que em 2006 nasceu o Pacto pela Sauacutede por forccedila da Portaria nordm

399 do Ministeacuterio da Sauacutede o qual aprovado no Conselho Nacional de Sauacutede e pactuado no

acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite jaacute mencionada teve o propoacutesito de facilitar

muitas vezes meramente citando o artigo 196 da Constituiccedilatildeo para alegar que a sauacutede eacute dever do Estado No

entanto os magistrados comumente falham em analisar a fundo a diretriz constitucional da descentralizaccedilatildeo do

Sistema que faz parte da poliacutetica puacuteblica do SUS Esquecem-se de que o artigo 196estatui que a sauacutede eacute

realmente dever do Estado poreacutem bdquogarantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas‟ dentre as quais se

encontra a poliacutetica da descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo () Os julgadores carecem tambeacutem em considerar a

legislaccedilatildeo ordinaacuteria e as diversas normas que regulam especificamente o bloco de financiamento do SUSrdquo

CASTRO Gabriela Moreira Consideraccedilotildees sobre as decisotildees judiciais que tratam de atos referentes ao

bloco de financiamento do Sistema Uacutenico de Sauacutede chamado de Atenccedilatildeo de Meacutedia e Alta Complexidade

Ambulatorial e Hospitalar

Disponiacutevel em httpportalsaudesaudegovbrportalsaudearquivospdf2012Jan18decisoesjudiciaispdf

Acessado em 18062013 290

Arts 37 e 38 do Decreto nordm 750811 291

Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 56 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013

142

acordos entre as esferas de governo mediante a redefiniccedilatildeo de responsabilidades coletivas e a

promoccedilatildeo de novos processos e instrumentos de gestatildeo do SUS

O mencionado pacto surge assim atraveacutes de um compromisso puacuteblico assumido pelos

gestores do SUS apresentando trecircs componentes o Pacto Pela Vida o Pacto em Defesa do

SUS e o Pacto de Gestatildeo devendo a formalizaccedilatildeo do mesmo ocorrer com a assinatura do

Termo de Compromisso de Gestatildeo (TCG) entre os entes federativos momento em que satildeo

firmados os objetivos metas atribuiccedilotildees e responsabilidades dos gestores

O Pacto pela Vida292

engloba um conjunto de compromissos sanitaacuterios elencados com

base em anaacutelises da situaccedilatildeo da sauacutede do Paiacutes e das prioridades definidas pelos governos das

trecircs esferas federativas significando uma accedilatildeo prioritaacuteria no campo de sauacutede que deveraacute ser

executada com foco em resultados e com a explicitaccedilatildeo inequiacutevoca dos compromissos

orccedilamentaacuterios e financeiros para o alcance desses resultados293

Dentre as prioridades do Pacto pela Vida estaacute a consolidaccedilatildeo da estrateacutegia Sauacutede da

Famiacutelia como modelo de atenccedilatildeo baacutesica e centro ordenador das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede no

SUS bem como o fortalecimento da atenccedilatildeo baacutesica que engloba dentre outros objetivos a

necessidade de se garantir a infraestrutura necessaacuteria ao funcionamento das Unidades Baacutesicas

de Sauacutede dotando-as de recursos materiais equipamentos e insumos suficientes para se

realizar o conjunto de accedilotildees e serviccedilos propostos ponto que se harmoniza com o elemento

instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede defendido294

Partindo disso a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica295

se estrutura por meio de um

processo que leva em consideraccedilatildeo certos indicadores da atenccedilatildeo baacutesica estabelecendo-se

metas anuais a serem alcanccediladas a partir de tais indicadores visando a garantir a

resolutividade desse setor

Nesse sentido haacute previsatildeo especiacutefica (ldquoda infraestrutura e dos recursos necessaacuteriosrdquo)

no instrumento legal que estrutura a poliacutetica em questatildeo sobre os itens que satildeo elementares

para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica destacando-se que a existecircncia de unidades

baacutesicas de sauacutede (UBS) que disponibilizem equipe multiprofissional consultoacuterio meacutedico

odontoloacutegico e de enfermagem aacuterea de recepccedilatildeo sala de vacina sala de cuidados baacutesicos

292

Cabe agrave Portaria MS nordm 6992006 do Ministeacuterio da Sauacutede a regulamentaccedilatildeo das diretrizes operacionais dos

Pactos pela Vida e de Gestatildeo 293

Anexo I inciso I da Portaria MS nordm 3992006 294

Anexo II inciso I F da Portaria MS nordm 3992006 295

Aprovada pela Portaria MS nordm 6482006

143

equipamentos e materiais adequados ao elenco das accedilotildees propostas manutenccedilatildeo regular de

estoque dos insumos necessaacuterios296

No mesmo dispositivo eacute ressaltado um importantiacutessimo paracircmetro para a atenccedilatildeo

baacutesica que eacute a quantidade de UBS que devem existir nos grandes centros urbanos sendo

apontado que UBS sem o programa Sauacutede da Famiacutelia devem englobar ateacute 30 (trinta) mil

habitantes e as que possuem tal programa devem abranger apenas 12 (doze) mil habitantes

Seguindo tem-se que o Pacto em Defesa do SUS297

por sua vez busca reforccedilar o SUS

como poliacutetica de Estado mais do que uma poliacutetica de governo visando a defender seus

princiacutepios constitucionais basilares a partir de uma repolitizaccedilatildeo da sauacutede que passa a ser

encarada como um direito de cidadania e apresenta dentre suas prioridades por exemplo o

incremento a longo prazo dos recursos orccedilamentaacuterios e financeiros para a sauacutede e a

elaboraccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Carta dos Direitos dos Usuaacuterios do SUS298

Antes de avanccedilar para o proacuteximo componente do Pacto pela Sauacutede faz-se relevante

destacar alguns aspectos da referida carta jaacute que seu conteuacutedo eacute rico em disposiccedilotildees que

podem figurar como paracircmetros para a apreciaccedilatildeo judicial das demandas em sauacutede

Nesse contexto a cartilha se estrutura a partir de seis princiacutepios baacutesicos dos quais

decorrem disposiccedilotildees especiacuteficas quais sejam i todo cidadatildeo tem direito ao acesso ordenado

e organizado aos sistemas de sauacutede ii todo cidadatildeo tem direito a tratamento adequado e

efetivo para seu problema iii todo cidadatildeo tem direito ao atendimento humanizado

acolhedor e livre de qualquer discriminaccedilatildeo iv todo cidadatildeo tem direito a atendimento que

respeite a sua pessoa seus valores e seus direitos v todo cidadatildeo tambeacutem tem

responsabilidades para que seu tratamento aconteccedila de forma adequada e vi todo cidadatildeo

tem direito ao comprometimento dos gestores da sauacutede para que os princiacutepios anteriores

sejam cumpridos

Em que pese tais balizas natildeo exprimirem por si soacute obrigaccedilotildees diretas ao Poder

Puacuteblico quando satildeo elencados os desdobramentos de cada uma dessas diretrizes vislumbram-

se importantes disposiccedilotildees que contribuem profundamente para o enfretamento de pleitos

judiciais em mateacuteria de direito agrave sauacutede jaacute que como o Poder Puacuteblico por meio de ato oficial

encara certas situaccedilotildees como autecircnticos direitos do usuaacuterio nada mais correto que seja

cobrado o respeito pelos gestores puacuteblicos de tais disposiccedilotildees

296

Anexo capiacutetulo I 3 (Da infraestrutura e dos Recursos Necessaacuterios) da Portaria MS ndeg 6482006 297

Anexo I inciso II da Portaria MS nordm 3992006 298

Aprovada pela Portaria MS nordm 6752006 Disponiacutevel em

httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoescarta_direito_usuarios_2ed2007pdf Acesso em 17062013

144

Quanto agraves disposiccedilotildees do primeiro princiacutepio pode ser destacado o tratamento dado agraves

situaccedilotildees de emergecircncia cujo atendimento deveraacute ser prestado de maneira incondicional e em

qualquer unidade devendo-se em caso de risco de vida ser garantida a remoccedilatildeo segura do

usuaacuterio para um estabelecimento em condiccedilotildees de recebecirc-lo Ainda eacute imposta como

responsabilidade do gestor local em caso de limitaccedilatildeo circunstancial na capacidade de

atendimento do serviccedilo de sauacutede a pronta soluccedilatildeo das condiccedilotildees para o acolhimento do

usuaacuterio admitindo-se priorizaccedilotildees apenas com base em criteacuterios de vulnerabilidade cliacutenica e

social299

No que se refere ao segundo princiacutepio desdobram-se importantes responsabilidades ao

Poder Puacuteblico jaacute que eacute conferido aos usuaacuterios do SUS o direito de ter atendimento resolutivo

com qualidade com garantia de continuidade de atenccedilatildeo mediante tecnologia apropriada e

condiccedilotildees de trabalho adequadas para os profissionais da sauacutede300

Da mesma forma eacute

expressamente previsto o direito ao acesso agrave anestesia em todas as situaccedilotildees em que for

indicada bem como medicaccedilotildees e procedimentos que possam aliviar a dor e o sofrimento301

Com relaccedilatildeo ao terceiro princiacutepio pode-se destacar o direito do usuaacuterio de nas

consultas internaccedilotildees e procedimentos ter assegurados sua integridade fiacutesica seu bem-estar

fiacutesico e mental e notadamente sua privacidade e conforto o que corrobora com a necessidade

de ser disponibilizada a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para tais direitos serem

garantidos302

No que tange ao quarto princiacutepio as disposiccedilotildees satildeo mais voltadas agrave possibilidade do

usuaacuterio ter sua opiniatildeo valorizada no acircmbito do SUS merecendo atenccedilatildeo a garantia de

comunicabilidade com os gestores de sauacutede para apresentaccedilatildeo de sugestotildees e denuacutencias

atraveacutes dos serviccedilos de ouvidoria bem como o direito dos usuaacuterios participarem do processo

de eleiccedilatildeo de seus representantes nas conferecircncias de sauacutede realizadas pelos conselhos303

Jaacute o foco do paraacutegrafo quinto como jaacute afirmado eacute apontar as responsabilidades que

cabem ao proacuteprio usuaacuterio compreendendo dentre outras atribuiccedilotildees o dever de informar de

maneira apropriada os indicadores de sua condiccedilatildeo de sauacutede bem como de seguir o plano de

tratamento recomendado pelo profissional304

299

Princiacutepio 1 II III e V da Portaria MS nordm 6752006 300

Tal direito aproxima-se da ideia de elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede o qual

como defendido engloba a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos previstas nas

poliacuteticas puacuteblicas 301

Princiacutepio 2 caput I IV e V da Portaria MS nordm 6752006 302

Princiacutepio 3 III da Portaria MS nordm 6752006 303

Princiacutepio 4 XII e XIII da Portaria MS nordm 6752006 304

Princiacutepio 5 I e III da Portaria MS nordm 6752006

145

O paraacutegrafo sexto por sua vez arrola os deveres que competem a cada esfera

federativa no acircmbito da gestatildeo do SUS cabendo especialmente i aos Municiacutepios a

celebraccedilatildeo de contratos e convecircnios com entidades prestadoras de serviccedilos privados de sauacutede

e a garantia do fornecimento de medicamentos ii aos Estados a coordenaccedilatildeo da rede

estadual de laboratoacuterios de sauacutede puacuteblica e hemocentros e iii agrave Uniatildeo a prestaccedilatildeo de

cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira aos Estados e Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo das

coordenadas dos sistemas de rede integradas de alta complexidade305

Finalmente o Pacto de Gestatildeo do SUS visa a estabelecer as responsabilidades de cada

ente federado de forma a diminuir as competecircncias concorrentes e a tornar mais claro as

atribuiccedilotildees de cada um aleacutem de buscar explicitar as diretrizes para o sistema de financiamento

puacuteblico tripartite e reiterar a importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social como o

compromisso de apoio agrave sua qualificaccedilatildeo o que em uacuteltima anaacutelise termina fortalecendo a

gestatildeo compartilhada e solidaacuteria do SUS306

No acircmbito do Pacto de Gestatildeo satildeo ressaltadas as diretrizes constitucionais de

descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo do SUS ganhando relevo dois importantes instrumentos de

planejamento da regionalizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede o Plano Diretor de

Regionalizaccedilatildeo (PDR) e a Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede (PPI)

O PDR exprime o desenho final do processo de identificaccedilatildeo e reconhecimento das

regiotildees de sauacutede em suas diferentes formas com o intuito de garantir sobretudo a

integralidade da atenccedilatildeo aliada agrave racionalizaccedilatildeo de gastos e otimizaccedilatildeo de recursos O PDI

por sua vez deve expressar os recursos de investimentos para acolher as necessidades

acordadas no processo de planejamento regional e estadual devendo tal instrumento refletir

no acircmbito regional especialmente as carecircncias a serem corrigidas visando a suficiecircncia na

atenccedilatildeo baacutesica307

Quanto ao aspecto orccedilamentaacuterio eacute certo que o Pacto pela Sauacutede representou um

significativo avanccedilo para a organizaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos recursos jaacute que antes dele existiam

mais de cem formas de repasses e agora os estados e municiacutepios passaram a receber os

recursos federais concentrados em cinco blocos de financiamento i atenccedilatildeo baacutesica ii

atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade iii vigilacircncia em sauacutede iv assistecircncia farmacecircutica e

v gestatildeo do SUS308

305

Princiacutepio 6 II da Portaria MS nordm 6752006 306

Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 307

Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 308

Ministeacuterio da Sauacutede Entendendo o SUS p 6 2006 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfcartilha_entendendo_o_sus_2007pdf Acesso em 14062013

146

No que tange agrave atenccedilatildeo baacutesica por exemplo haacute importante previsatildeo no sentido de que

conforme os creacuteditos constantes no piso de atenccedilatildeo baacutesica sejam transferidos ldquofundo a fundordquo

o aviso de tais lanccedilamentos deveraacute ser enviado ao Secretaacuterio de Sauacutede ao Fundo de Sauacutede ao

Conselho de Sauacutede ao Poder Legislativo e ao Ministeacuterio Puacuteblico dos respectivos niacuteveis de

governo mecanismo que contribui bastante para a fiscalizaccedilatildeo do emprego dos recursos

repassados309

Outro ponto relevante do Pacto Pela Sauacutede no que tange ao elemento instrumental jaacute

mencionado eacute que consta no pacto um campo referente agraves responsabilidades gerais da gestatildeo

do SUS havendo previsatildeo expressa no sentido de os Municiacutepios serem responsaacuteveis pela

garantia da estrutura fiacutesica necessaacuteria para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica de acordo

com as normas teacutecnicas vigentes contando com apoio teacutecnico e financeiro dos Estados e da

Uniatildeo310

Aleacutem das regras que dispotildeem sobre o Plano pela Sauacutede e seus desdobramentos outras

portarias exaradas pelo Ministeacuterio da Sauacutede se afiguram como instrumentos essenciais para a

investigaccedilatildeo judicial acerca do cumprimento pelo Poder Puacuteblico do defendido elemento

instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede

Nesse sentido por exemplo a Portaria MS nordm 42792010 estabelece as diretrizes para

a organizaccedilatildeo das Redes de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede (arranjos organizativos de accedilotildees e serviccedilos de

sauacutede no intuito de garantir a integralidade do cuidado) apresentando os fundamentos

conceituais e operativos essenciais ao processo de organizaccedilatildeo de tais redes a partir do

arcabouccedilo normativo do SUS destacando-se por exemplo a noccedilatildeo de suficiecircncia como vetor

para as accedilotildees e serviccedilos disponiacuteveis significando que estas devem ser prestadas em

quantidade e qualidade necessaacuterias para atender as demandas de sauacutede incluindo cuidados

primaacuterios secundaacuterios terciaacuterios reabilitaccedilatildeo preventivos e paliativos todos realizados com

qualidade311

Na mesma linha a Portaria MS nordm 23952011 organiza o componente hospitalar da

rede de atenccedilatildeo agraves urgecircncias no acircmbito do SUS e dentre os objetivos de tal componente estaacute a

organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agraves urgecircncias nos hospitais de modo a atender tanto demandas

309

Da mesma maneira de acordo com o artigo 6deg do Decreto ndeg 165195 a comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos

recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede para os fundos estaduais e municipais deve ser apresentada

ao Ministeacuterio da Sauacutede e ao Estado por meio de relatoacuterio de gestatildeo aprovado pelo respectivo Conselho de

Sauacutede 310

Anexo II 91 b da Portaria MS nordm 3992006 311

Item 31 da Portaria em questatildeo

147

espontacircneas como as referenciadas proporcionando o funcionamento de retaguardas para

outros pontos de atenccedilatildeo agraves urgecircncias de menor complexidade312

Contudo eacute a Portaria MS nordm 11012002 que mais eficientemente contribui para a

identificaccedilatildeo do cumprimento do elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave

sauacutede vez que nela satildeo estabelecidos os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do

SUS os quais representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias

aptas a orientar os gestores do SUS dos trecircs niacuteveis de governo

A partir dos paracircmetros estabelecidos na Portaria em comento satildeo oferecidos subsiacutedios

para a anaacutelise do grau de necessidade da oferta de serviccedilos assistenciais agrave populaccedilatildeo o que

termina auxiliando tanto na elaboraccedilatildeo do planejamento e da Programaccedilatildeo Pactuada e

Integrada da assistecircncia agrave sauacutede (PPI) quanto no acompanhamento e controle de tais serviccedilos

Tais paracircmetros que se dividem em dois grupos (paracircmetros de cobertura e de

produtividade) natildeo foram elaborados de maneira aleatoacuteria e baseiam-se nas estatiacutesticas gerais

de atendimento prestado aos usuaacuterios dos SUS bem como em criteacuterios internacionalmente

difundidos para a cobertura e produtividade assistencial nos paiacuteses em desenvolvimento

No primeiro grupo encontram-se aqueles voltados a estimar as necessidades de

atendimento de uma populaccedilatildeo para um determinado periacuteodo previamente estabelecido sendo

apresentados meacutetodos de caacutelculos baseados na populaccedilatildeo bem como em estimativas pontuais

(como eacute o caso do nuacutemero de exames e terapias por exemplo que se basearaacute na estimativa do

total de consultas) Jaacute no segundo grupo podem ser identificados criteacuterios destinados a

estipular a capacidade de produccedilatildeo de recursos equipamentos e serviccedilos de sauacutede humanos

materiais ou fiacutesicos calculados sobretudo com base na expectativa esperada de internaccedilotildees

habitanteano

Somente para se ter uma ideia da importacircncia deste instrumento na tarefa de afericcedilatildeo do

que minimamente deve ser prestado pelo Poder Puacuteblico na implementaccedilatildeo de suas poliacuteticas de

sauacutede dentre os diversos campos que explicitam foacutermulas de caacutelculo dos aludidos

paracircmetros podem ser destacados os seguintes a) paracircmetros para o caacutelculo das consultas

meacutedicas com a correspondente foacutermula da necessidade consultas por ano b) paracircmetros para

o caacutelculo da necessidade produtividade ou cobertura de alguns equipamentos de diagnose e

terapia c) paracircmetros para o caacutelculo da cobertura de internaccedilatildeo hospitalar com a respectiva

foacutermula do caacutelculo do nuacutemero de internaccedilotildees por especialidade para determinada populaccedilatildeo

no periacuteodo anual d) nuacutemero de internaccedilotildeesleitosano por especialidade variando por taxa de

312

Capiacutetulo I art 3deg da referida Portaria

148

ocupaccedilatildeo hospitalar e foacutermula para o caacutelculo da necessidade leitos em determinada regiatildeo

para determinada populaccedilatildeo313

e e) nuacutemero de bolsas de sangue necessaacuterias para terapia

transfusional em unidades hospitalares anualmente dentre outros paracircmetros especialmente

razotildees de alguns recursos humanos por habitantes como meacutedicos e enfermeiros

Constata-se a partir das premissas postas que o preacutevio conhecimento pelo cidadatildeo

pelos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico) e principalmente pelo

Judiciaacuterio acerca das diretrizes gerais a serem seguidas nas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

especialmente as coordenadas do Pacto pela Sauacutede e das portarias do Ministeacuterio da Sauacutede

destacadas consiste em elemento primordial agrave garantia de uma maior seguranccedila juriacutedica das

decisotildees judiciais nessa seara alcanccedilando-se assim uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

mais eficiente

Desta maneira ao se discutir judicialmente a possibilidade de internaccedilatildeo em uma UTI

de realizaccedilatildeo de um exame especiacutefico ou de um procedimento ciruacutergico os magistrados

devem se preocupar inicialmente com a comprovaccedilatildeo de que a estruturaccedilatildeo fiacutesica e os

recursos humanos minimamente projetados estatildeo sendo cumpridos e efetivados de acordo

com os paracircmetros exarados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede especialmente a Portaria

nordm 1101 2002 de modo a identificar o respeito ao elemento instrumental do miacutenimo

existencial em sauacutede

54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave

SAUacuteDE NO BRASIL

Conforme delineado acima o Judiciaacuterio poderaacute ser provocado na temaacutetica da

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em diversas situaccedilotildees destacando-se os i casos em torno de

prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial cujo fundamento seraacute extraiacutedo diretamente da

Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente da dignidade da pessoa humana ii casos em que

a legislaccedilatildeo infraconstitucional bem como as poliacuteticas puacuteblicas em vigor garantem o acesso a

certas prestaccedilotildees materiais e iii casos em que a prestaccedilatildeo pleiteada natildeo se encontra abrangida

por poliacuteticas puacuteblicas em andamento

313

Conforme a referida Portaria em linhas gerais a estimativa da necessidade de leitos hospitalares se baseia

nos seguintes dados a) leitos hospitalares totais 25 a 3 leitos para cada 1000 (mil) habitantes b) leitos de UTI

calcula-se em meacutedia a necessidade de 4 a 10 do total de leitos hospitalares c) leitos em Unidades de

Recuperaccedilatildeo (poacutes-ciruacutergico) calcula-se em meacutedia de 2 a 3 leitos por sala ciruacutergica d) leitos para preacute parto

calcula-se no miacutenimo 2 leitos por sala de parto

149

Ocorre que as situaccedilotildees acima estatildeo inseridas especificamente na discussatildeo sobre a

obtenccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais em sauacutede ou seja a realizaccedilatildeo efetiva de algo em prol do

indiviacuteduo como o acesso a um medicamento uma vacina a realizaccedilatildeo de um procedimento

dentre outros jaacute vistos em passant

Aleacutem dessas ocorrecircncias que satildeo de fato as mais problemaacuteticas existem outras nas

quais o direito agrave sauacutede pode ser discutido judicialmente como casos em que a conduta estatal

eacute diretamente lesiva agrave sauacutede a ediccedilatildeo de normas dificulta o exerciacutecio do direito em xeque a

ediccedilatildeo de normas protege de maneira insuficiente agrave sauacutede o Estado eacute omisso quanto a

elaboraccedilatildeo de leis na temaacutetica da proteccedilatildeo agrave sauacutede bem como quanto a disponibilizaccedilatildeo de

infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo dos serviccedilos correlatos a tal direito situaccedilatildeo esta que

como visto fere o elemento instrumental do miacutenimo existencial proposto para o direito agrave

sauacutede

Entrando em uma parte mais exemplificativa da presente pesquisa seratildeo abordados a

seguir alguns julgados envolvendo algumas das situaccedilotildees acima atendo-se contudo a uma

anaacutelise mais detida com relaccedilatildeo aos que envolvem a busca por prestaccedilotildees materiais bem

como a omissatildeo quanto agrave infraestrutura necessaacuteria para o direito agrave sauacutede

Pois bem a situaccedilatildeo em que a proacutepria conduta estatal agride diretamente o direito agrave

sauacutede eacute a mais faacutecil de ser lidada judicialmente e eacute combatida sobretudo pelo Ministeacuterio

Puacuteblico na busca pelo respeito agrave sauacutede sobre seu vieacutes transindividual Faacutecil pois aleacutem da

loacutegica conclusatildeo de que o Estado mais do que ningueacutem natildeo pode lesar um direito de

tamanha essencialidade o qual se propocircs a proteger eacute sabido que a mais elementar

consequecircncia da eficaacutecia das normas constitucionais eacute a de impedir a praacutetica de atos estatais

que violem tal direito seja por accedilotildees materiais propriamente ditas ou pela elaboraccedilatildeo de leis

que tenham tal condatildeo (modalidade de eficaacutecia negativa)

Podem ser citados por exemplo314

casos em que o Poder Puacuteblico por accedilatildeo de seus

agentes contaminam determinados produtos consumiacuteveis315

localidades316

ou pessoas317

314

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio

Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da

Magistratura Federal UnB 2003 p 55 315

Nesse sentido o TJMG determinou na AC 000229455-100 publicada no DJ em 06022002 a interdiccedilatildeo de

abatedouro puacuteblico municipal por natildeo reunir condiccedilotildees miacutenimas de funcionamento e por em risco agrave sauacutede das

pessoas que consomem seus produtos 316

No Municiacutepio de Serra (ES) por exemplo foi utilizado um inseticida em um Posto de Sauacutede que contaminou

inuacutemeras pessoas que trabalhavam no local resultando em ACP proposta pelo MPF

150

devendo ser buscada a imediata cessaccedilatildeo da atividade nociva bem como a devida reparaccedilatildeo

dos danos causados agraves viacutetimas

Existem casos por sua vez em que a ediccedilatildeo de determinada norma venha a dificultar

o exerciacutecio do direito agrave sauacutede sendo tambeacutem indiscutiacutevel a possibilidade de atuaccedilatildeo do

Judiciaacuterio em tais casos Foi o que ocorreu por exemplo com o bloqueio das contas de

caderneta de poupanccedila durante o governo Collor em que muitos se socorreram no Judiciaacuterio

buscando a liberaccedilatildeo de tais contas para custear tratamento de sauacutede tese que foi acolhida nos

tribunais exatamente pela aplicaccedilatildeo da modalidade de eficaacutecia negativa do direito

fundamental agrave sauacutede e agrave vida318

No mesmo sentido pode ser citado o caso da Resoluccedilatildeo nordm 2831998 do extinto

INAMPS que proibia a complementaccedilatildeo com dinheiro do SUS das despesas decorrentes da

internaccedilatildeo conhecida como ldquodiferenccedila de classerdquo e o STF enfrentando o tema entendeu que

tal limitaccedilatildeo seria injustificaacutevel319

juridicamente

Entrando nos casos que suscitam mais polecircmicas tem-se a situaccedilatildeo em que o Estado eacute

omisso a qual abrange a omissatildeo quanto ao dever de editar normas de proteccedilatildeo agrave sauacutede

quanto ao dever de satisfazer o direito agrave sauacutede mediante prestaccedilotildees materiais e quanto agrave

disponibilizaccedilatildeo de infraestrutura necessaacuteria agrave prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede

Nesse ponto eacute emblemaacutetica a decisatildeo de lavra do Ministro do STF Celso de Mello na

ADPF nordm 45 (jaacute citada anteriormente) verdadeiro divisor de aacuteguas no tema da intervenccedilatildeo do

Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas Tal accedilatildeo constitucional em que pese a

prejudicalidade de seu objeto320

apresentou em seu julgamento uma detida anaacutelise acerca da

317

Eacute o que ocorre por exemplo em caso de contaminaccedilatildeo por alguma doenccedila em transfusatildeo sanguiacutenea realizada

em hospital puacuteblico Situaccedilatildeo que geraraacute a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados agrave viacutetima

Vide por exemplo o Resp 140158SC 1deg Turma rel Milton Luis Pereira DJU de 17111997 p 59458 STJ 318

Nesse sentido pode ser citado o MS 9005066091AL TRF 5deg Rel Hugo de Brito Machado DJU de

1241991 319

Destaca-se o seguinte trecho ldquoO art 196 da CF estabelece como dever do Estado a prestaccedilatildeo de assistecircncia agrave

sauacutede e garante o acesso universal e igualitaacuterio do cidadatildeo aos serviccedilos e accedilotildees para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo O direito agrave sauacutede como estaacute assegurado na Carta natildeo deve sofrer embaraccedilos impostos por

autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele O acoacuterdatildeo recorrido ao

afastar a limitaccedilatildeo da citada Resoluccedilatildeo 2831991 do Inamps que veda a complementariedade a qualquer tiacutetulo

atentou para o objetivo maior do proacuteprio Estado ou seja o de assistecircncia agrave sauacutederdquo (RE 226835 Rel Min Ilmar

Galvatildeo julgamento em 14-12-1999 Primeira Turma DJ de 10-3-2000) 320

Explica-se A ADPF em questatildeo foi promovida contra um veto parcial emanado pelo Presidente da Repuacuteblica

ao sect 2deg do art 55 da LDO (107072003) dispositivo este que tratava de paracircmetro acerca da totalidade da

dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Ministeacuterio da Sauacutede a ser considerado na elaboraccedilatildeo da LOA de 2004 e almejava a

declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de tal medida presidencial Ocorre que o Presidente da Repuacuteblica antes do

enfrentamento da ADPF remeteu ao Congresso Nacional um projeto de lei constando o exato termo do

dispositivo vetado o qual convertido em lei restaurou integralmente o mesmo o que prejudicou o objeto

perseguido mas natildeo evitou que a temaacutetica da intervenccedilatildeo judicial nas poliacuteticas puacuteblicas fosse enfrentada

151

possibilidade de a viabilizaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas serem alcanccediladas judicialmente nos

casos em que previsto seu norte no texto constitucional essas venham a ser descumpridas ou

sequer implementadas pelas instacircncias governamentais destinataacuterias do comando inscrito na

Constituiccedilatildeo

Nesse contexto alguns pontos referentes agrave situaccedilatildeo de o Estado ser omisso em seu

dever constitucional merecem ser destacados

ARGUumlICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL A

QUESTAtildeO DALEGITIMIDADE CONTITUCIONAL DO CONTROLE E

DAINTERVENCcedilAtildeO DO PODERJUDICIAacuteRIO EM TEMA DE

IMPLEMENTACcedilAtildeO DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS QUANDOCONFIGURADA

HIPOacuteTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL DIMENSAtildeO POLIacuteTICA

DAJURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL ATRIBUIacuteDA AO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL INOPONIBILIDADE DO ARBIacuteTRIO ESTATAL Agrave EFETIVACcedilAtildeO

DOS DIREITOS SOCIAIS ECONOcircMICOS E CULTURAIS CARAacuteTER

RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMACcedilAtildeO DOLEGISLADOR

CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DA CLAacuteUSULA DA ldquoRESERVA

DOPOSSIacuteVELrdquo NECESSIDADE DE PRESERVACcedilAtildeO EM FAVOR DOS

INDIVIacuteDUOS DAINTEGRIDADE E DAINTANGIBILIDADE DO NUacuteCLEO

CONSUBSTANCIADOR DO ldquoMIacuteNIMO EXISTENCIALrdquo VIABILIDADE

INSTRUMENTAL DA ARGUumlICcedilAtildeO DEDESCUMPRIMENTONO PROCESSO

DE CONCRETIZACcedilAtildeO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS

CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERACcedilAtildeO)

()

- A omissatildeo do Estado - que deixa de cumprir em maior ou em menor extensatildeo a

imposiccedilatildeo ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento

revestido da maior gravidade poliacutetico-juriacutedica eis que mediante ineacutercia o Poder

Puacuteblico tambeacutem desrespeita a Constituiccedilatildeo tambeacutem ofende direitos que nela se

fundam e tambeacutem impede por ausecircncia de medidas concretizadoras a proacutepria

aplicabilidade dos postulados e princiacutepios da Lei Fundamental(RTJ 185794-796

Rel Min CELSO DE MELLO Pleno)

Eacute certo que natildeo se inclui ordinariamente no acircmbito das funccedilotildees institucionais do

Poder Judiciaacuterio - e nas desta Suprema Corte em especial - a atribuiccedilatildeo de formular

e de implementar poliacuteticas puacuteblicas pois nesse domiacutenio o encargo reside

primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo Tal incumbecircncia no entanto

embora em bases excepcionais poderaacute atribuir-se ao Poder Judiciaacuterio se e quando

os oacutergatildeos estatais competentes por descumprirem os encargos poliacutetico-juriacutedicos

que sobre eles incidem vierem a comprometer com tal comportamento a eficaacutecia e

a integridade de direitos individuais eou coletivos impregnados de estatura

constitucional ainda que derivados de claacuteusulas revestidas de conteuacutedo

programaacutetico (Grifos acrescidos) (ADPF 45 MC DF Rel Min Celso de Mello

Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12) (Destaques apostos)

Tal julgado reflete a preocupaccedilatildeo do STF em fazer valer a maacutexima efetividade dos

dispositivos constitucionais sobretudo nos casos em que a recalcitracircncia tanto do Executivo

quanto do Legislativo em realizar seu compromisso constitucionalmente pactuado resta

configurada concretamente

Com relaccedilatildeo especificamente a omissatildeo em editar normas pode ser citado o grave

caso da jaacute mencionada LC ndeg 1412012 que somente foi promulgada dez anos depois da

previsatildeo de sua necessidade por forccedila da EC ndeg 292000 Durante esse periacuteodo de mora

152

legislativa em que pese natildeo ter havido accedilotildees constitucionais visando ao suprimento dessa

omissatildeo existiram accedilotildees contra outras espeacutecies normativas nascidas com o intuito de

suprindo a omissatildeo mencionada uniformizar a aplicaccedilatildeo da referida emenda em territoacuterio

nacional321

No que se refere agrave omissatildeo quanto a prestaccedilotildees materiais e agrave construccedilatildeo de

infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede o leque de situaccedilotildees enfrentadas

judicialmente eacute mais variado sendo certo que nem todos os casos recebem paracircmetros

seguros e uniformes o que acentua o quadro de inseguranccedila juriacutedica na mateacuteria

Agrave tiacutetulo exemplificativo o STF jaacute se manifestou acerca da possibilidade de

fornecimento gratuito de remeacutedios a portadores de HIV reconhecendo a validade de tais

programas e considerando-os legiacutetimos gestos de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede concretizadores dos

deveres constitucionais extraiacutedos do art 196 da Constituiccedilatildeo Federal322

O problema eacute que partindo do mesmo fundamento diversas decisotildees323

jaacute obrigaram

o Estado a custear tratamentos e exames especiacuteficos como ressonacircncia magneacutetica

fornecimento de aparelhos auditivos implante de proacutetese internaccedilatildeo em UTI neo-natal em

hospital particular internaccedilatildeo meacutedica em hospital particular diante da ausecircncia de vaga em

hospital conveniado do SUS dentre outros casos A qualificaccedilatildeo dessa conjuntura como um

problema se deve ao fato de que como visto nos toacutepicos anteriores nem sempre tais decisotildees

enfrentam detidamente o exame das diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede em vigor e natildeo

se preocupam com a repercussatildeo macro de seu dispositivo abrindo margem para que os jaacute

mencionados efeitos colaterais se proliferam nessas situaccedilotildees

Tais efeitos colaterais comprometem principalmente o princiacutepio da seguranccedila

juriacutedica pois satildeo constatados casos em que o enfrentamento da mesma mateacuteria apresenta

posicionamentos diferentes324

entre tribunais diversos Isso contribui para a afronta agrave

321

Foi o caso por exemplo da ADI ndeg 2999-RJ que atacou a Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 baixada pelo Conselho

Nacional de Sauacutede 322

No referido julgado ponderou-se que ldquo() o reconhecimento judicial da validade juriacutedica de programas de

distribuiccedilatildeo gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive agravequelas portadoras do viacuterus HIVAIDS daacute

efetividade a preceitos fundamentais da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica (arts 5deg caput e 196) e representa na

concreccedilatildeo do seu alcance um gesto reverente e solidaacuterio de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede das pessoas especialmente

daqueles que nada tecircm e nada possuem a natildeo ser a consciecircncia de sua proacutepria humanidade e de sua essencial

dignidaderdquo (STF RE 271286-AgR rel min Celso de Mello Segunda Turma DJE de 24112000 p 101)

Nesse mesmo sentido AI 550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda

Turma DJE de 16-8-2012 323

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho

Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura

Federal UnB 2003 p 67-68 324

Veja-se o caso do fornecimento de aparelhos auditivos Ao reveacutes do julgado citado o TJRJ ao considerar em

sua decisatildeo que a prestaccedilatildeo deve ser indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo da sauacutede excluiu os aparelhos auditivos do rol

de prestaccedilotildees exigiacuteveis judicialmente Afirmou-se que ldquoEmbora o aparelho auditivo possa assegurar agrave agravada

153

igualdade em tais demandas tendo em vista que se a sauacutede eacute direito de todos a totalidade de

cidadatildeos enquadrados em determinada situaccedilatildeo deveraacute ter o mesmo tratamento na

concretizaccedilatildeo de seu direito325

Quanto agrave omissatildeo referente agrave infraestrutura baacutesica a situaccedilatildeo eacute ainda mais complexa e

passa pela problemaacutetica jaacute enfrentada acerca da necessidade de se cotejar concretamente se a

ausecircncia de infraestrutura compromete o espectro de prestaccedilotildees que o Estado se obriga a

adimplir seja em decorrecircncia do miacutenimo existencial ou da legislaccedilatildeo e poliacuteticas puacuteblicas em

vigor

De toda maneira em que pese o posicionamento tradicional326

ser o de que a

construccedilatildeo de infraestrutura estaria no campo da conveniecircncia e oportunidade

administrativa327

jaacute existem julgados328

que tecircm obrigado o Poder Puacuteblico a construir

infraestrutura baacutesica necessaacuteria agrave proteccedilatildeo da sauacutede da coletividade sobretudo em accedilotildees que

tomam por base os paracircmetros miacutenimos pactuados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede que

datildeo as diretrizes para as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede accedilotildees essas que contribuem para a

concretizaccedilatildeo do vieacutes instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede

Merece ecircnfase nesse sentido a ementa do julgado a seguir que trata exatamente

acerca da condenaccedilatildeo do Poder Puacuteblico em disponibilizar leitos na rede privada para garantir

o direito agrave sauacutede e cumprir os paracircmetros miacutenimos pactuados nas poliacuteticas puacuteblicas

melhoria na sua qualidade de vida inexiste prova inequiacutevoca de que o mesmo eacute indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo de

sua sauacutede ou que esta se encontre em riscordquo (TJRJ AI 200600227573 Rel Des Caacutessia Medeiros DJ de

13022007) 325

Nesse sentido pondera Ricardo Perlingeiro que ldquoo Judiciaacuterio deve ser destinataacuterio do princiacutepio da isonomia

buscando tratar igualmente os jurisdicionados que se encontrarem na mesma situaccedilatildeo faacutetica Com base nessa

orientaccedilatildeo justificam-se determinados instrumentos processuais tais como as accedilotildees coletivas as suacutemulas

vinculantes e o processo exemplar que tambeacutem servem agrave ideia de um amplo acesso agrave justiccedila e agrave reduccedilatildeo dos

processos judiciais repetitivos ou das causas de massa PERLINGEIRO Ricardo O Princiacutepio da Isonomia na

Tutela Judicial Individual e Coletiva e em Outros Meios de Soluccedilotildees de Conflitos Junto ao SUS e aos Planos

Privados de Sauacutede In BRITO Milton Augusto de SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da

efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 431-432 326

LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho

Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura

Federal UnB 2003 p 76 327

Nesse sentido destaca-se o seguinte trecho constante no Resp 2520083 RJ DJU de 23 03 2002 ldquo() o juiz

natildeo pode substituir a Administraccedilatildeo Puacuteblica no exerciacutecio do poder discricionaacuterio Assim fica a cargo do

Executivo a verificaccedilatildeo da conveniecircncia e da oportunidade de serem realizados os atos de administraccedilatildeo tais

como a compra de ambulacircncias e de obras de reforma de hospital puacuteblicordquo 328

Por exemplo o TJRS no AI 70004224770 (DJ de 26062002) confirmou liminar em accedilatildeo civil puacuteblica no

sentido de obrigar o Municiacutepio de Passo Fundo a adquirir autoclaves para esterilizaccedilatildeo de instrumentos meacutedicos

No mesmo sentido o STJ no Resp 177883PE (Dje de 01072002) determinou a reintegraccedilatildeo de agentes

sanitaacuterios responsaacuteveis por campanhas de prevenccedilatildeo e combate a epidemias sob o argumento de que a demissatildeo

em massa decretada pelo Poder Puacuteblico poderia gerar danos irreparaacuteveis agrave sauacutede da coletividade

154

EMENTA ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DIREITO Agrave SAUacuteDE

DISPONIBILIZACcedilAtildeO DE LEITOS DE UTI AUSEcircNCIA DE VAGAS NO

SUS FORMACcedilAtildeO DE FILA DE ESPERA DISPONIBILIZACcedilAtildeO

DE LEITOS NA REDE PRIVADA GARANTIA CONSTITUCIONAL

CONDENACcedilAtildeO GENEacuteRICA

()

- O Poder Judiciaacuterio ao determinar que o Estado adquira leitos de UTI junto

agrave rede privada para pacientes internados em pronto socorro com risco de

morte ou dano irreparaacutevel agrave sauacutede no caso de esgotamento dos leitos na rede

conveniada do SUS natildeo estaacute criando uma nova obrigaccedilatildeo para o Ente mas

tatildeo somente exigindo que ele cumpra a legislaccedilatildeo pertinente

- Natildeo se deve permitir que as normas orccedilamentaacuterias apesar de seu

relevante papel na Administraccedilatildeo Puacuteblica seja um entrave para a

efetivaccedilatildeo de um direito fundamental considerado prioritaacuterio pela

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988

(TJMG Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 0060157-2920118130223 rel des Daacutercio

Lopardi Mendes Dj de 29-11-2012)

A Accedilatildeo Civil Puacuteblica que iniciou o processo acima por sua vez seguiu as diretrizes

apontadas anteriormente nas Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede com relaccedilatildeo agrave identificaccedilatildeo do

sugerido elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede destacando-se os seguintes

trechos da mesma

()

De acordo com a Portaria GM 1101 de 12062002 o nuacutemero de leitos

para cada 1000 habitantes deve ser de 25 a 3 leitos sendo que para leitos

UTI a necessidade eacute de 4 a 10 do total de leitos hospitalares

()

Analisando a situaccedilatildeo do Municiacutepio de Divinoacutepolis que possui 206867

habitantes (de acordo com o censo IBGE de 2010) haveria necessidade de

acordo com a Portaria GM 1101 de um miacutenimo de 540 leitos sendo 22 de

UTI No entanto o total de leitos SUS no Hospital Satildeo Joatildeo de Deus (uacutenico

credenciado ao SUS no Municiacutepio) eacute de 193 bem inferior ao preconizado

pelo Ministeacuterio da Sauacutede (doc 11)

()

Com tudo isto diante do desrespeito aos direitos mais comezinhos dessa

coletividade que necessita de uma vaga em leito de UTI e atendimento de

urgecircnciaemergecircncia em ambiente hospitalar e que se veem a cada minuto

sem a devida assistecircncia suas chances de vida se reduzem drasticamente eacute

que se pleiteia a tutela jurisdicional no sentido de determinar ao Poder

Puacuteblico a obediecircncia agraves portarias nordm 11012002 e 343298 no que concerne

agrave disponibilizaccedilatildeo de nuacutemero suficiente de leitos UTI para atender agrave

demanda populacional impedindo mais mortes na mencionada ldquofila de

esperardquo em respeito aos direitos fundamentais do cidadatildeo encartados na

Carta Federal

() (Grifos acrescidos)

A saiacuteda para ambos os casos (omissatildeo de prestaccedilotildees materiais e disponibilizaccedilatildeo de

infraestrutura) encontra-se como antes defendido na consolidaccedilatildeo de um procedimento

155

decisoacuterio preacute-definido que leve em consideraccedilatildeo natildeo soacute os efeitos particulares da decisatildeo a ser

proferida mas tambeacutem os efeitos gerais para a sauacutede de todos e que na linha do jaacute exposto

caminhe trilhado ordenadamente pelos seguintes questionamentos i o pleito se enquadra

dentro do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede ii existe ato normativo ou poliacutetica puacuteblica

em vigor que garanta a disponibilizaccedilatildeo do pleito e iii ainda que natildeo apresente amparo legal

direto o pleito aplicado o juiacutezo de proporcionalidade pode ser atendido natildeo soacute para o

demandante mas para todos que se encontram em situaccedilatildeo semelhante

Finalmente antes de passar para o proacuteximo capiacutetulo a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo e reforccedilando

a vasta gama de situaccedilotildees judiciais que podem envolver o direito agrave sauacutede podem ser citados

alguns julgamentos relevantes do STF em que o referido direito foi tratado ainda que de

forma indireta e cuja discussatildeo acerca da invasatildeo do Judiciaacuterio em temas iacutensitos ao campo

poliacutetico veio agrave tona como por exemplo o do debate acerca da proibiccedilatildeo de importaccedilatildeo de

pneus usados329

da comercializaccedilatildeo de amianto330

e da interrupccedilatildeo da gravidez no caso dos

anenceacutefalos331

Feitas tais ponderaccedilotildees pode-se concluir a partir da anaacutelise conjuntural do

enfretamento judicial da mateacuteria que a despeito de o Poder Judiciaacuterio (incluindo o STF) ter

329

ldquoConstitucionalidade de atos normativos proibitivos da importaccedilatildeo de pneus usados Reciclagem de pneus

usados ausecircncia de eliminaccedilatildeo total dos seus efeitos nocivos agrave sauacutede e ao meio ambiente equilibrado Afrontas

aos princiacutepios constitucionais da sauacutede e do meio ambiente ecologicamente equilibrado () Direito agrave sauacutede o

depoacutesito de pneus ao ar livre inexoraacutevel com a falta de utilizaccedilatildeo dos pneus inserviacuteveis fomentado pela

importaccedilatildeo eacute fator de disseminaccedilatildeo de doenccedilas tropicais Legitimidade e razoabilidade da atuaccedilatildeo estatal

preventiva prudente e precavida na adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que evitem causas do aumento de doenccedilas

graves ou contagiosas Direito agrave sauacutede bem natildeo patrimonial cuja tutela se impotildee de forma inibitoacuteria preventiva

impedindo-se atos de importaccedilatildeo de pneus usados idecircntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos

que deles se livram () Ponderaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais demonstraccedilatildeo de que a importaccedilatildeo de pneus

usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de sauacutede e do meio ambiente ecologicamente

equilibrado (arts 170 I e VI e seu paraacutegrafo uacutenico 196 e 225 da CB) ()rdquo (ADPF 101 Rel Min Caacutermen

Luacutecia julgamento em 24-6-2009 Plenaacuterio DJE de 4-6-2012) 330

ldquo() De maneira que retomando o discurso do Min Joaquim Barbosa a norma estadual no caso cumpre

muito mais a CF nesse plano da proteccedilatildeo agrave sauacutede ou de evitar riscos agrave sauacutede humana agrave sauacutede da populaccedilatildeo em

geral dos trabalhadores em particular e do meio ambiente A legislaccedilatildeo estadual estaacute muito mais proacutexima dos

desiacutegnios constitucionais e portanto realiza melhor esse sumo princiacutepio da eficacidade maacutexima da Constituiccedilatildeo

em mateacuteria de direitos fundamentais e muito mais proacutexima da OIT tambeacutem do que a legislaccedilatildeo federal ()rdquo

(Grifos acrescidos) (ADI 3937-MC Rel Min Marco Aureacutelio voto do Min Ayres Britto julgamento em 4-6-

2008 Plenaacuterio DJE de 10-10-2008) 331

ldquoArguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental ndash Adequaccedilatildeo ndash Interrupccedilatildeo da gravidez ndash Feto

anenceacutefalo ndash Poliacutetica judiciaacuteria ndash Macroprocesso Tanto quanto possiacutevel haacute de ser dada sequecircncia a processo

objetivo chegando-se de imediato a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal Em jogo valores

consagrados na Lei Fundamental ndash como o satildeo os da dignidade da pessoa humana da sauacutede da liberdade e

autonomia da manifestaccedilatildeo da vontade e da legalidade ndash considerados a interrupccedilatildeo da gravidez de feto

anenceacutefalo e os enfoques diversificados sobre a configuraccedilatildeo do crime de aborto adequada surge a arguiccedilatildeo de

descumprimento de preceito fundamental () Na dicccedilatildeo da ilustrada maioria entendimento em relaccedilatildeo ao qual

guardo reserva natildeo prevalece em arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental liminar no sentido de

afastar a glosa penal relativamente agravequeles que venham a participar da interrupccedilatildeo da gravidez no caso de

anencefaliardquo (Grifos acrescidos) (ADPF 54-QO Rel Min Marco Aureacutelio julgamento em 27-4-05

Plenaacuterio DJ de 31-8-2007)

156

se demonstrado preocupado com a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e na maioria das vezes

ter se posicionado de maneira favoraacutevel agrave sua interferecircncia no tema332

natildeo existe uma

uniformidade no trato do assunto especialmente pela ausecircncia de uma linha de raciociacutenio

procedimental soacutelida que sem tolher a liberdade de atuaccedilatildeo dos magistrados contribua para

que seja incutida na mente dos mesmos uma conscientizaccedilatildeo preacutevia de como estes devem

proceder para que suas decisotildees sejam eivadas da maacutexima razoabilidade possiacutevel e portanto

consentacircneas com os comandos constitucionais333

Com efeito conforme defendido na presente pesquisa o passo inicial desse caminho a

ser trilhado estaacute na consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede compreendidas no acircmbito da regulamentaccedilatildeo do SUS diretrizes essas que

devem ser mais difundidas e melhor simplificadas para a clara compreensatildeo tanto do

Judiciaacuterio como da sociedade e sobretudo dos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo no acompanhamento

do cumprimento das metas estabelecidas em tais poliacuteticas334

Nesse sentido uma importante medida na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute a

formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar compostas tanto por profissionais de

sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS encarregadas de prestar assistecircncia

332

ldquoConsolidou-se a jurisprudecircncia desta Corte no sentido de que embora o art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988

traga norma de caraacuteter programaacutetico o Municiacutepio natildeo pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessaacuterios

ao gozo do direito agrave sauacutede por todos os cidadatildeos Se uma pessoa necessita para garantir o seu direito agrave sauacutede de

tratamento meacutedico adequado eacute dever solidaacuterio da Uniatildeo do Estado e do Municiacutepio providenciaacute-lordquo (AI

550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda Turma DJE de 16-8-2012) No

mesmo sentido ldquoO recebimento de medicamentos pelo Estado eacute direito fundamental podendo o requerente

pleiteaacute-los de qualquer um dos entes federativos desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de

custeaacute-los com recursos proacuteprios Isso por que uma vez satisfeitos tais requisitos o ente federativo deve se

pautar no espiacuterito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituiccedilatildeo e natildeo criar

entraves juriacutedicos para postergar a devida prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo (RE 607381-AgR Rel Min Luiz Fux

julgamento em 31-5-2011 Primeira Turma DJE de 17-6-2011) 333

Sobre essa questatildeo Gustavo Amaral em estudo sobre o direito agrave sauacutede no Brasil destaca a importacircncia dos

institutos da repercussatildeo geral e dos recursos repetitivos asseverando que ldquoparece adequado esperar que o

Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiccedila busquem proferir decisotildees que transcendam a

adjudicaccedilatildeo para aleacutem dos casos entre as partes diretamente envolvidas Haacute instrumentos para isto

nomeadamente a repercussatildeo geral e os recursos repetitivosrdquo AMARAL Gustavo Sauacutede Direito de Todos

Sauacutede Direito de Cada Um Reflexotildees para a Transiccedilatildeo da Praacutexis Judiciaacuteria In NOBRE Milton Augusto de

Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte

Foacuterum 2011 p 111 334

No mesmo sentido Milton Augusto de Brito Nobre ao comentar o papel do CNJ na busca pela eficiecircncia das

demandas que envolvem o direito a sauacutede aponta entre as carecircncias e disfunccedilotildees constatadas iacutensitas a tais

demandas ldquoa necessidade de maior difusatildeo de conhecimentos entre os magistrados a respeito das questotildees

teacutecnicas que se originam ou satildeo refletidas nas demandas por prestaccedilotildees de sauacutederdquo NOBRE Milton Augusto de

Brito Da Denominada ldquoJudicializaccedilatildeo da Sauacutederdquo Pontos e Contrapontos In NOBRE Milton Augusto de Brito

SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum

2011 p 354

157

aos magistrados sobretudo com relaccedilatildeo agraves demandas coletivas que exigem a correccedilatildeo de

omissotildees estatais como o deacuteficit de leitos hospitalares remeacutedios meacutedicos etc335

Quanto a esta medida destacam-se as disposiccedilotildees da Recomendaccedilatildeo ndeg 31 do

Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ)336

que visa a adoccedilatildeo de medidas que melhor subsidiem os

magistrados e demais operadores do direito para assegurar maior eficiecircncia na soluccedilatildeo das

demandas judiciais envolvendo a assistecircncia agrave sauacutede337

Dentre as recomendaccedilotildees pode ser ressaltada a incorporaccedilatildeo do estudo sobre direito

sanitaacuterio nos programas de formaccedilatildeo vitaliciamento e aperfeiccediloamento de magistrados bem

como a celebraccedilatildeo de convecircnios que objetivem disponibilizar equipes de apoio teacutecnico

compostas por meacutedicos e farmacecircuticos para auxiliar os magistrados na formaccedilatildeo de um juiacutezo

de valor quanto agrave apreciaccedilatildeo das questotildees cliacutenicas apresentadas pelas partes nas accedilotildees

relativas agrave sauacutede observadas as peculiaridades regionais338

Outra medida interessante eacute a possibilidade de se criar varas especializadas em

processar e julgar accedilotildees judiciais que tenham como tema pleitos envolvendo sauacutede puacuteblica de

modo a proporcionar uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito

fundamental pelo Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a isonomia

entre os usuaacuterios do SUS

Quanto a este ponto eacute relevante destacar que atualmente tramita no acircmbito do CNJ

um pedido de providecircncias339

o qual conta com o apoio do Conselho Federal da OAB340

no

335

No Tribunal de Justiccedila da Paraiacuteba por exemplo jaacute foram emitidos diversos pareceres pela equipe teacutecnica

formada para subsidiar decisotildees envolvendo o direito agrave sauacutede Disponiacutevel em httpwwwtjpbjusbrcamara-

tecnica-de-saude-emite-162-pareceres-para-subsidiar-decisoes-judiciais-na-paraiba Acesso em 14062013 336

Publicado no DJe nordm 612010 em 07042010 p 4-6 Disponiacutevel em httpwwwcnjjusbratos-

administrativosatos-da-presidencia322-recomendacoes-do-conselho12113-recomendacao-no-31-de-30-de-

marco-de-2010 Acesso em 14062013 337

A recomendaccedilatildeo em exame veio a ser complementada pela Recomendaccedilatildeo nordm 36 de 12 de julho de 2011que

dentre outras medidas alertou para a necessidade de os magistrados oficiarem quando cabiacutevel e possiacutevel oacutergatildeos

como a ANVISA e ANS para se manifestarem acerca da mateacuteria debatida em sauacutede 338

Corroborando Bruno Espintildeeira Lemos assevera que ldquoo Judiciaacuterio como insistentemente tem se sustentado

na esfera dos profissionais da sauacutede puacuteblica brasileira necessita com urgecircncia criar assessorias teacutecnicas que lhe

deem suporte nas decisotildees que envolvam o direito agrave sauacutede LEMOS Bruno Espintildeeira Sobre o direito puacuteblico agrave

sauacutede simboacutelica anaacutelise criacutetica de precedente com potencial irradiador em busca do ldquocaminho do meiordquo

(afastamento das absolutizaccedilotildees natildeo razoaacuteveis) In GABURRI Fernando DUARTE Bento Herculano (coords)

A Fazenda Puacuteblica agrave luz da atual jurisprudecircncia dos Tribunais brasileiros Curitiba Juruaacute 2011 p 61 339

O conteuacutedo na iacutentegra de tal pedido encontra-se no siacutetio eletrocircnico a seguir httpsconjurcombrdlflavio-

dino-propoe-criacao-varas-julgarpdf 340

Nesse contexto o Secretaacuterio Geral da OAB Sr Claudio Souza Neto ressaltou ser ldquofundamental que os

magistrados conheccedilam o sistema de sauacutede em profundidade possam dialogar com os administradores que atuam

nesse sistema com meacutedicos usuaacuterios e com os secretaacuterios de sauacutede para que se perpetue esse aspecto virtuoso

de garantia do direito agrave sauacutede e as disfunccedilotildees possam ser superadas a partir da especializaccedilatildeordquo Disponiacutevel em

httpwwwoaborgbrnoticia25689oab-apoia-criacao-de-varas-especializadas-em-direito-a-saude Acesso em

24062013

158

sentido de que seja editada uma resoluccedilatildeo determinando aos tribunais brasileiros a criaccedilatildeo de

varas especializadas no processamento e julgamento de accedilotildees ciacuteveis e criminais que tenham

por objeto o direito agrave sauacutede

Tal pedido de providecircncia fundamenta-se em diversas frentes argumentativas

destacando-se a apresentaccedilatildeo de exemplos de especializaccedilotildees que tiveram sucesso no paiacutes

(como as varas da infacircncia e juventude violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher idosos

etc) a exposiccedilatildeo de dados sobre accedilotildees judiciais no tema (apontando-se que tramitam cerca de

240 mil accedilotildees na aacuterea de sauacutede a maioria delas envolvendo requerimento de medicamentos e

procedimentos no acircmbito do SUS) bem como a demonstraccedilatildeo de importantes avanccedilos

alcanccedilados graccedilas agrave atuaccedilatildeo judicial (como foi o caso dos coqueteacuteis do viacuterus HIV)

Pois bem tudo que foi dito no presente capiacutetulo voltou-se agrave defesa da possibilidade da

atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que norteada por criteacuterios objetivos

que garantam maior seguranccedila aos julgados e uniformidade na mateacuteria destacando-se dentre

as proposiccedilotildees defendidas a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede e da

importacircncia de seu elemento instrumental na delimitaccedilatildeo da objetividade almejada

No capiacutetulo a seguir seratildeo analisados341

alguns temas especiacuteficos que apesar de (ateacute

certo ponto) externos agrave discussatildeo sobre o enfrentamento judicial na mateacuteria se apresentam

como relevantes reforccedilos para a correccedilatildeo do deacuteficit de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no

paiacutes

341

O capiacutetulo que se segue natildeo tem pretensotildees de exaustivamente exaurir as temaacuteticas que seratildeo nele tratadas

Ao contraacuterio busca examinar de maneira concisa temas pontuais e relevantes para a problemaacutetica da

efetividade do direito agrave sauacutede os quais poderatildeo ser mais bem debatidos em uma pesquisa posterior mais

aprofundada

159

6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO

DO DIREITO Agrave SAUacuteDE

No capiacutetulo terceiro da presente pesquisa esclareceu-se que apesar de o processo de

concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede ser atrelado a ideia de gradualidade a conjuntura atual do

quadro sanitaacuterio do paiacutes denota um verdadeiro deacuteficit desse processo jaacute que a realizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede encontra-se bem longe de ser harmocircnica com a estruturaccedilatildeo prevista ldquono

papelrdquo para o SUS sendo vivenciadas dia a dia autecircnticas situaccedilotildees de desrespeito a esse

relevante direito do cidadatildeo

Defendeu-se nessa linha de raciociacutenio que frente a ineficiecircncia do Executivo e do

Legislativo natildeo soacute era possiacutevel como tambeacutem necessaacuterio para a correccedilatildeo do deacuteficit de

gradualidade apontado um papel ativo do Judiciaacuterio na questatildeo da efetividade do direito agrave

sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos que trouxessem seguranccedila juriacutedica e nesse

contexto buscou-se delimitar tais paracircmetros sobretudo a partir da construccedilatildeo de um miacutenimo

existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede calcado na importacircncia do conhecimento acerca

das especificidades estruturais do SUS

Contudo aleacutem da contribuiccedilatildeo de um Judiciaacuterio atuante a partir de criteacuterios preacute-

definidos e objetivos fator que pode ser enquadrado como o carro-chefe da tarefa de se

empreender uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consentacircnea com os ditames

constitucionais outras iniciativas podem se enquadrar como mecanismos que contribuem para

essa empreitada Ganha destaque nesse contexto a necessidade de se reestruturar os

Conselhos de Sauacutede com vistas a intensificar a participaccedilatildeo popular na gestatildeo do SUS bem

como de se empreender uma harmonizaccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio com a prioridade

constitucional direcionada agrave sauacutede puacuteblica

61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE

NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO

A atual crise da democracia representativa brasileira marcada pela adoccedilatildeo cada vez

mais recorrente de medidas em niacutetido descompasso com os desiacutegnios do povo342

(e ateacute

342

Corroborando com esse pensamento Friedrich Muumlller aponta que o direito de voto apesar de standard

miacutenimo inarredaacutevel da democracia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para esta jaacute que o povo se

encontra antes e apoacutes as eleiccedilotildees apenas relativamente livre frente ao aumento alarmante da possibilidade de

manipulaccedilatildeo sobretudo pela miacutedia dos menos esclarecidos MUumlLLER Friedrich O novo paradigma do

direito introduccedilatildeo agrave teoria e metoacutedica estruturantes 3deg ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 257

160

mesmo com os proacuteprios princiacutepios constitucionais) tem distanciado os governantes dos

governados e alertado para a necessidade de se consolidar instrumentos que garantam a

implementaccedilatildeo de uma verdadeira democracia participativa cuja estruturaccedilatildeo se funda

primordialmente no princiacutepio da soberania popular343

Vislumbra-se pois a necessidade de se dinamizar a democracia344

por meio de

instrumentos de controle e participaccedilatildeo popular que oportunizem o exerciacutecio direto da

vontade geral sendo o elemento ldquoparticipaccedilatildeordquo exatamente a faceta dinacircmica da democracia

que conduz o processo poliacutetico e permite concretizar de maneira legiacutetima uma poliacutetica de

superaccedilatildeo dos eventuais conflitos345

Antes de adentrar no exame da funcionalidade dos Conselhos de Sauacutede como um

desses instrumentos acima referidos (mesma situaccedilatildeo da figura do orccedilamento participativo a

ser analisada no toacutepico seguinte) faz-se relevante um breve esboccedilo acerca das noccedilotildees baacutesicas

da teorizaccedilatildeo de uma democracia participativa e suas implicaccedilotildees na realidade constitucional

brasileira346

611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica

A noccedilatildeo de uma democracia participativa liga-se ao proacuteprio processo evolutivo da

democracia ao longo da histoacuteria o qual eacute marcado pela passagem de uma soberania popular

meramente formal calcada na busca pela sustentabilidade e justificaccedilatildeo dos governos para

uma visatildeo material em que se verifica a real preservaccedilatildeo do exerciacutecio do poder poliacutetico

343

BONAVIDES Paulo Teoria Constitucional da Democracia Participativa 3deg ed Satildeo Paulo Malheiros

2008 p 51 344

Sobre a questatildeo democraacutetica Dworkin aponta que atualmente existe um debate acerca do tema que natildeo se

traduz num conceito uacutenico mas em profunda controveacutersia sobre a melhor versatildeo possiacutevel da democracia Na

visatildeo do referido autor o debate circunda em torno da premissa majoritaacuteria como um ponto central no sentido

de que esta premissa indica que os procedimentos poliacuteticos devem se conduzir de tal forma que a decisatildeo

alcanccedilada seja a resoluccedilatildeo que favorece a uma maioria ou pluralidade de cidadatildeos ou favoreceria se tivesse

informaccedilotildees adequadas e tempo suficiente para esta reflexatildeo ao menos que esta direccedilatildeo valha para questotildees

importantes DWORKIN Ronald La lectura moral de la constituicioacuten y la premisa mayoritaria Instituto de

Investigaciones Juriacutedicas Universidade Nacional Autoacutenoma de Meacutexico 2002 pp 03-29 345

BONAVIDES Paulo Poliacutetica e Constituiccedilatildeo os caminhos da democracia Rio de Janeiro Forense 1985

p 509 apud CARNEIRO Rommel Madeiro de Macedo Teoria da Democracia Participativa anaacutelise agrave luz do

princiacutepio da soberania popular In Revista Juriacutedica da Presidecircncia da Repuacuteblica v 9 ndeg 87 outnov 2007

p 29 346

A pretensatildeo deste toacutepico eacute apenas alertar para a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede como instrumentos de

aperfeiccediloamento de uma democracia participativa natildeo se pretendendo assim desenvolver um exame a fundo

das diferentes teorias acerca da democracia Contudo para o aprofundamento da questatildeo sobretudo acerca das

diferenciaccedilotildees entre as correntes democraacuteticas do liberalismo e comunitarismo e o consequente desenvolvimento

de democracias procedimentais ou substantivas conferir BIELSCHOWSKY Raoni Macedo Democracia

Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2013

161

voltado aos fins coletivos em um quadro de maior participaccedilatildeo e responsabilidade dos

governados

Corrobora com esta visatildeo o raciociacutenio desenvolvido por Paulo Bonavides no sentido

de que no processo de releitura da democracia esta deixa de ser simplesmente uma espeacutecie

de regime poliacutetico e passa a ser encarada como um autecircntico direito (de quarta geraccedilatildeo) que

juntamente com o direito agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo formam a triacuteade necessaacuteria para a

concretizaccedilatildeo da sociedade aberta compreendendo o futuro da cidadania e o porvir da

liberdade dos povos347

Nesse contexto as concepccedilotildees democraacuteticas contemporacircneas tidas como contra-

hegemocircnicas acabam rompendo com a ideologia claacutessica de que o regime democraacutetico seria

uma elaboraccedilatildeo teoacuterica empregada pelos governantes para legitimar o poder e passam a

defender uma leitura da democracia como uma gramaacutetica de organizaccedilatildeo social e da relaccedilatildeo

entre estado e sociedade348

Dentre essas concepccedilotildees destaca-se as construccedilotildees teoacutericas de

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo como elemento de uma sociedade aberta (Peter Haumlberle) e de

democracia deliberativa (Juumlrgen Habermas)

De maneira sucinta a concepccedilatildeo procedimental de democracia desenvolvida por

Habermas buscou abrir espaccedilo para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como

praacutetica da sociedade e natildeo apenas como meacutetodo de constituiccedilatildeo de governos e a partir da

noccedilatildeo de esfera puacuteblica (tido como o local em que os indiviacuteduos pudessem discutir os

problemas em busca de consensos) o referido autor propocircs uma sistemaacutetica de superaccedilatildeo dos

limites da democracia representativa baseada na capacidade da sociedade influenciar o

processo poliacutetico de tomada de decisatildeo a partir de uma aberta discussatildeo349

A ideia de democracia deliberativa eacute desta maneira o ponto de partida para a

compreensatildeo dos arranjos participativos que buscam viabilizar formas diretas de participaccedilatildeo

poliacutetica como eacute o caso dos canais de participaccedilatildeo que satildeo abertos a partir dos Conselhos de

Sauacutede e suas relevantes funccedilotildees350

347

BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 571 348

SANTOS Boaventura de Sousa amp AVRITZER Leonardo Democratizar a democracia os caminhos da

democracia participativa Porto Ediccedilotildees Afrontamento 2002 p 15 Disponiacutevel em

httpptscribdcomdoc52853920Boaventura-de-Sousa-Santos-Democratizar-a-democracia-Os-caminhos-da-

democracia-participativa Acesso em 14062013 349

SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia

deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica

Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 146 350

Sobre a noccedilatildeo de democracia deliberativa Claacuteudio Pereira de Souza Neto aponta que ldquoa democracia

deliberativa surge nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX como alternativa agraves teorias da democracia entatildeo

predominantes as quais a reduziam a um processo de agregaccedilatildeo de interesses particulares cujo objetivo seria a

escolha de elites governantes () A democracia deve envolver aleacutem da escolha de representantes tambeacutem a

162

Conforme se veraacute mais adiante uma das grandes problemaacuteticas com relaccedilatildeo aos

Conselhos de Sauacutede eacute exatamente a dificuldade em se fazer valer os consensos construiacutedos a

partir dos debates realizados e quanto a esta questatildeo eacute pertinente o pensamento de Joshua

Cohen com relaccedilatildeo a potencialidade de os membros da sociedade efetivamente participarem

das decisotildees poliacuteticas

O referido autor tambeacutem tem seu eixo de pensamento desenvolvido a partir da ideia de

democracia deliberativa contudo a preocupaccedilatildeo do seu raciociacutenio eacute a operacionalizaccedilatildeo

dessa deliberaccedilatildeo a partir da institucionalizaccedilatildeo de arranjos de modo a efetivar natildeo somente a

participaccedilatildeo mas tambeacutem as decisotildees dos cidadatildeos Pugna portanto pela ampliaccedilatildeo do

pensamento habermasiano ao defender que os debates travados na esfera puacuteblica natildeo devem

soacute meramente influenciar as decisotildees poliacuteticas uma vez que a legitimidade da democracia

encontra-se exatamente na possibilidade das decisotildees serem tomadas conjuntamente entre

Estado e membros da sociedade351

Noutro poacutertico tambeacutem merece atenccedilatildeo as liccedilotildees de Haumlberle cuja construccedilatildeo teoacuterica

tem suas balizas nos ideais de democracia participativa e se desdobra no alargamento do

ciacuterculo de inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo e na noccedilatildeo de interpretaccedilatildeo como um processo aberto e

puacuteblico iacutensito a sociedade plural352

Desta maneira ao trazer para a ciecircncia hermenecircutica a importacircncia de uma

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo a partir de uma sociedade plural elevando o povo agrave condiccedilatildeo de

inteacuterprete e democratizando o processo de interpretaccedilatildeo das normas constitucionais referido

autor defende ser na realidade social o local onde se encontram os criteacuterios determinantes do

processo interpretativo e por isso o papel do povo nesse processo deve ser valorizado353

Para tanto faz-se necessaacuterio de modo a se alcanccedilar a viabilidade praacutetica da aludida

teoria a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo aberta que garanta o pluralismo e instrumentos de

democracia participativa podendo-se defender nesse contexto que a atual Constituiccedilatildeo de

1988 se enquadra nessa moldura e a previsatildeo da participaccedilatildeo da comunidade no acircmbito do

SUS eacute um dos vaacuterios exemplos que respaldam esse enquadramento

possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questotildees a serem decididas () mas para que essa

funccedilatildeo se realize a deliberaccedilatildeo deve se dar em um contexto aberto livre e igualitaacuterio SOUZA NETO Claacuteudio

Pereira de Deliberaccedilatildeo Puacuteblica Constitucionalismo e Cooperaccedilatildeo Democraacutetica In BARROSO Luiacutes Roberto

(org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 43-44 351

SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia

deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica

Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 152 352

BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 465-466 353

HAumlBERLE Peter Hermenecircutica Constitucional a sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo

Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Fabris 1997 p 13

163

Pois bem feitas tais consideraccedilotildees tem-se que jaacute foi visto na presente pesquisa que o

reconhecimento do direito agrave sauacutede como questatildeo intriacutenseca agrave democracia e agrave participaccedilatildeo

social decorre diretamente de diretriz do SUS encampada na proacutepria Constituiccedilatildeo Federal

(fruto dos esforccedilos da base poliacutetico-ideoloacutegica da Reforma Sanitaacuteria Brasileira) ganhando

vida a partir dos Conselhos e Conferecircncias de Sauacutede institucionalizadas como autecircnticos

espaccedilos de participaccedilatildeo e controle social na sauacutede354

Tal caracteriacutestica iacutempar entre os direitos sociais aleacutem de corroborar com a ideia jaacute

defendida de estar o direito agrave sauacutede posicionado em uma espeacutecie de primeiro plano dentre os

direitos fundamentais sociais frente a sua natureza de direito impreteriacutevel e polifaceacutetico

significa a adoccedilatildeo no ordenamento brasileiro da ideia de que as bases das poliacuteticas puacuteblicas

em sauacutede devem ser ditadas e priorizadas a partir das necessidades mais latentes do povo

reforccedilando a importacircncia da democracia participativa na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Desta maneira satildeo os Conselhos de Sauacutede e as Conferecircncias as instacircncias colegiadas

que materializam a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS funcionando como

relevantes instrumentos para a correccedilatildeo das problemaacuteticas encontradas na efetividade do

direito agrave sauacutede no cenaacuterio hodierno paacutetrio jaacute que possuem responsabilidades tanto na

elaboraccedilatildeo das diretrizes das poliacuteticas em sauacutede como tambeacutem no controle e fiscalizaccedilatildeo do

atingimento das metas pactuadas

Daiacute se dizer que tais Conselhos constituem instacircncias de cogestatildeo puacuteblica integrantes

de um novo tecido social descentralizado e participativo o qual possibilita o reconhecimento

da subjetividade e da diversidade como parte da cidadania e aproxima o direito agrave sauacutede dos

ideais democraacuteticos355

devendo-se portanto serem buscadas medidas que garantam o

eficiente funcionamento dos mesmos

612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil

354

Antes da instituiccedilatildeo do SUS e dos conselhos de sauacutede jaacute existia o embriatildeo da participaccedilatildeo popular no

controle dos recursos descentralizados para estados e municiacutepios Com o Plano Nacional de Reorientaccedilatildeo da

Assistecircncia agrave Sauacutede pela Previdecircncia Social (1981) foi instituiacutedo o programa de Accedilotildees Integradas de Sauacutede ndash

AIS (1983) que era a grosso modo a transferecircncia de recursos para o custeio de serviccedilos Na esteira da criaccedilatildeo

das AIS surgiram nos estados as Comissotildees Interinstitucionais de Sauacutede ndashCIS e nos municiacutepios as Comissotildees

Interinstitucionais Municipais de Sauacutede ndashCIMS Essas comissotildees foram precursoras dos atuais conselhos de

sauacutede pois jaacute contavam com representantes da sociedade civil organizada ZELENOVSKY Maria Antonia

Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees

de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso

em 14062013 355

FLEURY Sonia A questatildeo democraacutetica na sauacutede In FLEURY Sonia (org) Sauacutede e democracia a luta

do CEBES Satildeo Paulo Lemos Editorial 1997 p 40

164

Como visto os Conselhos de Sauacutede foram institucionalizados pela Lei 814290 e as

diretrizes para sua criaccedilatildeo e funcionamento estatildeo reguladas pela Resoluccedilatildeo nordm 33303 do

Ministeacuterio da Sauacutede Tais foacuteruns colegiados atuam em caraacuteter permanente e deliberativo e satildeo

compostos por representantes do governo prestadores de serviccedilo profissionais e usuaacuterios

(cuja representaccedilatildeo eacute paritaacuteria com relaccedilatildeo ao conjunto dos demais segmentos356

) atuando na

formulaccedilatildeo de estrateacutegias e no controle da execuccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede inclusive nos

aspectos econocircmicos e financeiros

As Conferecircncias de Sauacutede por sua vez satildeo instacircncias temporaacuterias que se reuacutenem a

cada quatro anos e possuem a importante funccedilatildeo de avaliar a situaccedilatildeo de sauacutede do paiacutes aleacutem

de propor as diretrizes para a formulaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede nos niacuteveis correspondentes

podendo ser convocada pelo Poder Executivo ou extraordinariamente pelo proacuteprio Conselho

de Sauacutede

A partir da VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede de 1986 tida como marco histoacuterico da

luta democraacutetica no campo da sauacutede tem sido constatada uma crescente participaccedilatildeo da

sociedade nas conferecircncias subsequentes as quais continuamente aprovam inuacutemeras

resoluccedilotildees sobre variados subtemas em sauacutede o que se por um lado demonstra uma maior

preocupaccedilatildeo social em contribuir para a mudanccedila da situaccedilatildeo da sauacutede no paiacutes tambeacutem

denota que a diversidade e complexidade dos problemas enfrentados tendem a uma

pulverizaccedilatildeo das deliberaccedilotildees o que acaba dificultando a identificaccedilatildeo das prioridades de

cada localidade357

Assim em que pese praticamente todos os municiacutepios brasileiros358

possuiacuterem

Conselhos de Sauacutede e realizarem as respectivas Conferecircncias nem sempre tais oacutergatildeos

conseguem contribuir de maneira eficaz para o planejamento da sauacutede puacuteblica jaacute que alguns

fatores impossibilitam a perfeita realizaccedilatildeo de todas as funccedilotildees inerentes aos mesmos

Nesse sentido a Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa do Ministeacuterio da

Sauacutede vem promovendo avaliaccedilotildees sobre a inserccedilatildeo das deliberaccedilotildees de tais foacuteruns nos

processos decisoacuterios e nos modos de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas locais de

sauacutede no intuito de aferir o niacutevel de eficaacutecia democraacutetica dos mesmos e propor inovaccedilotildees

356

A representaccedilatildeo paritaacuteria (25 de trabalhadores de sauacutede 25 de prestadores de serviccedilos (puacuteblicos e

privados) 50 de usuaacuterios) foi estabelecida como forma da comunidade ter efetiva participaccedilatildeo 357

Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 12 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013 358

Como jaacute visto a normatizaccedilatildeo do SUS estipulou a criaccedilatildeo de Conselhos como exigecircncia para o repasse de

verbas fundo a fundo assim a maior parte dos municiacutepios e todos os estados da federaccedilatildeo o fizeram

165

metodoloacutegicas visando agrave ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo social sobretudo a partir da alocaccedilatildeo de

recursos para a capacitaccedilatildeo no campo da educaccedilatildeo em sauacutede359

Contudo antes de partir para uma anaacutelise dos principais problemas enfrentados no

acircmbito dos Conselhos e apresentar hipoacuteteses de soluccedilatildeo para os mesmos faz-se imperioso

reforccedilar as funccedilotildees mais relevantes de tais foacuteruns deliberativos espalhadas nos principais

instrumentos legislativos relacionados agrave sauacutede puacuteblica

A Constituiccedilatildeo Federal no art 77 III sect 3deg do ADCT jaacute deixa claro que os recursos

das dos Estados do DF e dos Municiacutepios destinados agrave sauacutede e os transferidos pela Uniatildeo para

a mesma finalidade seratildeo aplicados por meio do Fundo de Sauacutede cuja fiscalizaccedilatildeo e

acompanhamento cabem aos respectivos Conselhos de Sauacutede Tal incumbecircncia eacute reforccedilada no

art 33 da Lei do SUS a qual tambeacutem deixa clara a necessidade de serem tais oacutergatildeos

deliberativos ouvidos no processo de planejamento e orccedilamento do SUS (art 36) cabendo ao

Conselho Nacional de Sauacutede estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboraccedilatildeo dos

planos de sauacutede (art 37)

Na jaacute mencionada Lei nordm 814290 aleacutem das disposiccedilotildees jaacute informadas eacute de se

destacar a regra constante no inciso II do art 4deg o qual inclui entre os requisitos para que os

Estados e Municiacutepios recebam os repasses de verbas automaacuteticos fundo a fundo a preacutevia

existecircncia de Conselho de Sauacutede que respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios o que

reforccedila a importante funccedilatildeo fiscalizatoacuteria de tais conselhos

Em acircmbito infralegal a Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede nordm 3992006 que divulga o

Pacto pela Sauacutede ao tratar da importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social enumera

dentre outras accedilotildees relevantes como a necessidade de serem apoiados os conselhos de sauacutede

as conferecircncias e os movimentos sociais que atuam no campo de sauacutede o processo de

formaccedilatildeo dos conselheiros a participaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos cidadatildeos nos serviccedilos de sauacutede o

processo de educaccedilatildeo popular em sauacutede visando agrave qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo

social no SUS

Aleacutem disso o mesmo instrumento ao tratar da responsabilidade dos Municiacutepios no

planejamento e programaccedilatildeo do plano de sauacutede termina reforccedilando a necessidade de ser tal

plano submetido ao crivo do Conselho de Sauacutede correspondente para aprovaccedilatildeo bem como

dispotildee que as decisotildees pactuadas a partir das negociaccedilotildees das Comissotildees Intergestores que

versarem sobre mateacuteria da esfera de competecircncia dos conselhos deveratildeo ser tambeacutem

submetidas agrave apreciaccedilatildeo destes

359

Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 18 Disponiacutevel em

httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013

166

Na Portaria nordm 6482006 que aprova a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica por sua

vez ao tratar do financiamento da atenccedilatildeo baacutesica eacute estabelecido que os repasses referentes

aos pisos de atenccedilatildeo baacutesico aos municiacutepios devem ser efetuados em conta aberta

especificamente para essa finalidade objetivando facilitar o acompanhamento dos respectivos

Conselhos os quais juntamente com o Poder Legislativo e o Ministeacuterio Puacuteblico deveratildeo ser

notificados quanto aos avisos de creacutedito lanccedilados juntamente medida de suma relevacircncia para

a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos em sauacutede

Aleacutem disso tal Portaria reforccedila a necessidade da comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos

recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede ser apresentada ao Ministeacuterio da Sauacutede e

ao Estado atraveacutes de relatoacuterio de gestatildeo o qual tambeacutem deveraacute ser aprovado pelo respectivo

Conselho

Finalmente a aludida Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede eacute o instrumento

mais especiacutefico quanto ao tema e apresenta importantes regras relacionadas agrave estruturaccedilatildeo e

funcionamento dos Conselhos destacando-se o seguinte

i o dever360

de o Executivo respeitar os princiacutepios democraacuteticos a partir do

consequente acolhimento das demandas da populaccedilatildeo consubstanciadas nas

Conferecircncias de Sauacutede

ii a natureza de funccedilatildeo de relevacircncia puacuteblica361

dos respectivos conselheiros

os quais ficam dispensados do seu trabalho durante as accedilotildees especiacuteficas no

respectivo Conselho

iii o dever de o governo362

garantir autonomia para o pleno funcionamento dos

Conselhos dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria (com gerenciamento do orccedilamento pelo

proacuteprio Conselho) Secretaria Executiva e estrutura administrativa

iv a necessidade de a cada trecircs meses363

o gestor de sauacutede local se pronunciar

perante o Conselho acerca do andamento da agenda de sauacutede pactuada

apresentando o relatoacuterio de gestatildeo com a respectiva prestaccedilatildeo de contas

sobre o montante e a forma de aplicaccedilatildeo dos recursos repassados bem como

a descriccedilatildeo da produccedilatildeo e ofertas de serviccedilos na rede assistencial proacutepria ou

contratada com a respectiva comprovaccedilatildeo de congruecircncia com os princiacutepios

e diretrizes do SUS

360

Paraacutegrafo uacutenico da segunda diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 361

Inciso X da terceira diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 362

Caput da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 363

Inciso X da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede

167

v oitiva do Ministeacuterio Puacuteblico em caso de necessidade de auditorias externas e

independentes feitas pelos Conselhos sobre as contas e atividades do gestor

do SUS bem como recurso para o Parquet em caso de natildeo homologaccedilatildeo dos

atos deliberativos dos Conselhos pelo chefe do poder constituiacutedo em cada

esfera de governo no prazo de trinta dias364

e

vi a competecircncia dos Conselhos para especialmente365

vi1 definir as

diretrizes para elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e sobre eles deliberar

conforme as diversas situaccedilotildees epidemioloacutegicas e a capacidade

organizacional dos serviccedilos vi2 aprovar a proposta orccedilamentaacuteria anual da

sauacutede tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de

Diretrizes Orccedilamentaacuterias observado o princiacutepio do processo de

planejamento e orccedilamentaccedilatildeo ascendentes vi3 propor criteacuterios para a

programaccedilatildeo e execuccedilatildeo financeira e orccedilamentaacuteria dos Fundos de Sauacutede

acompanhando a movimentaccedilatildeo e destinaccedilatildeo dos recursos fiscalizando e

controlando os gastos e finalmente deliberando sobre os criteacuterios de

movimentaccedilatildeo de tais recursos fundo a fundo

Do exame das atribuiccedilotildees acima citadas depreende-se que os Conselhos e as

respectivas Conferecircncias de Sauacutede se apresentam como os instrumentos basilares para a

concretizaccedilatildeo da diretriz constitucional do SUS referente agrave participaccedilatildeo da comunidade

funcionando como um catalizador do processo de construccedilatildeo de uma democracia participativa

em mateacuteria de sauacutede no ordenamento paacutetrio jaacute que tais foacuteruns representativos possuem

funccedilotildees tanto relacionadas com a fiscalizaccedilatildeo e acompanhamento da aplicaccedilatildeo dos recursos

como tambeacutem com a proacutepria elaboraccedilatildeo e participaccedilatildeo das diretrizes que embasaratildeo o

planejamento em sauacutede

De se destacar desde jaacute outro importante aspecto dos Conselhos que seraacute pertinente

para o exame do toacutepico seguinte que eacute o fato de tais foacuteruns funcionarem como mitigadores da

proacutepria discricionariedade do administrador no processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas em sauacutede jaacute que as escolhas e prioridades a serem empreendidas devem estar

amoldadas agraves diretrizes expostas pelos Conselhos na elaboraccedilatildeo do plano de sauacutede e por estes

aprovadas366

364

Incisos XI e XII da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 365

Incisos X XII XIII e XIV da quinta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 366

No mesmo sentido aponta Faacutetima Vieira Henriques que ldquose uma poliacutetica sanitaacuteria tiver sido objeto de lei ou

de resoluccedilatildeo emanada dos Conselhos de Sauacutede bem como se tiver o proacuteprio administrador a elaborado e

168

Nesse sentido tais Conselhos consubstanciam um importante canal de abertura para

um controle popular na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o papel dos mesmos termina se

estendendo por toda a cadeia da poliacutetica puacuteblica de sauacutede jaacute que atuam tanto na fase anterior

(elaboraccedilatildeo) quanto na concomitante (acompanhamento) e na posterior (aprovaccedilatildeo das

prestaccedilotildees de conta quanto agraves metas pactuadas) o que soacute sobreleva a necessidade de tais

foacuteruns serem melhor estruturados eficientemente capacitados e principalmente cobrados

quanto ao pleno exerciacutecio de suas atribuiccedilotildees Ou seja a realizaccedilatildeo praacutetica e de maneira

eficaz das atribuiccedilotildees previstas para tais oacutergatildeos deliberativos eacute um objetivo que deve ser

buscado e cada vez mais aperfeiccediloado significando sua concretizaccedilatildeo um importante

mecanismo para a efetividade do direito agrave sauacutede

Ocorre que infelizmente a realidade de tais Conselhos eacute bastante diferente da

previsatildeo arquitetada no papel e diversos problemas organizacionais dificultam a perfeita

estruturaccedilatildeo praacutetica dos mesmos conforme se veraacute adiante

Em primeiro lugar pode ser destacada a falta de infraestrutura minimamente

organizada aleacutem de apoio administrativo operacional econocircmico e financeiro para o seu

pleno e regular funcionamento o que acaba dificultando a anaacutelise dos assuntos colocados em

pauta e desestimulando a atuaccedilatildeo dos conselheiros

Nesse sentido frente agrave natureza de relevacircncia puacuteblica dos conselheiros e a importacircncia

das atribuiccedilotildees dos respectivos Conselhos de Sauacutede a estruturaccedilatildeo miacutenima que garanta a

potencialidade de eficiecircncia dos mesmos deve ser mais levada a seacuterio pelo Poder Puacuteblico

como verdadeira prioridade devendo o cumprimento das disposiccedilotildees acima referenciadas

serem fiscalizadas tanto pela populaccedilatildeo como pelo Ministeacuterio Puacuteblico sendo quando

necessaacuterio pleiteado judicialmente o respeito a tais determinaccedilotildees

A soluccedilatildeo para este problema eacute simples Por forccedila da Lei nordm 814290 como jaacute

mencionado dentre os requisitos para que os Estados e Municiacutepios possam receber os repasse

fundo a fundo encontra-se a necessidade de preacutevia existecircncia de Conselho de Sauacutede que

respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios

Defende-se que a leitura dessa previsatildeo deve ser no sentido de que ldquopreacutevia existecircnciardquo

natildeo diz respeito unicamente a existecircncia de uma estrutura fiacutesica em si (meramente um preacutedio

implementado passa a ser dever praticar os atos concretos necessaacuterios agrave sua execuccedilatildeo inclusive fazer constar do

orccedilamento creacutedito correspondente dotaacute-lo de recursos bastantes e liberaacute-los oportunamente Igualmente caso o

administrador tenha decidido colocar em funcionamento determinado serviccedilo de sauacutede teraacute se comprometido

logicamente a prestaacute-lo com eficiecircncia ateacute porque adstrito que estaacute pela Constituiccedilatildeo natildeo lhe eacute dado agir

diferentemente Tambeacutem aqui por oacutebvio natildeo haacute discricionariedade possiacutevelrdquo HENRIQUES Faacutetima Vieira

Direito Prestacional agrave sauacutede e Atuaccedilatildeo Jurisdicional In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel

(coords) Direitos sociais Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro

Lumen Juris 2010 p 858

169

do Conselho ou uma sala) mas mais do que isso o respeito agrave todas as disposiccedilotildees quanto ao

funcionamento e estruturaccedilatildeo dos Conselhos previstas na jaacute referida Resoluccedilatildeo nordm 3332003

do Ministeacuterio da Sauacutede podendo e devendo desta maneira o Judiciaacuterio ao ser provocado

(especialmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico) determinar a suspensatildeo dos repasses de valores dos

fundos de sauacutede ateacute que sejam respeitadas e cumpridas as determinaccedilotildees quanto ao

funcionamento regular e eficiente de tais Conselhos por parte do Poder Puacuteblico

Outro relevante problema estrutural que claramente compromete a proacutepria essecircncia

democraacutetica de tais Conselhos eacute o fato de em alguns casos a presidecircncia dos mesmos acabar

sendo exercida pelos proacuteprios gestores dos recursos do SUS o que termina subvertendo

completamente a loacutegica de funcionamento de tais Conselhos jaacute que os gestores acabam se

tornando fiscais de si proacuteprio prejudicando assim a ideia de participaccedilatildeo paritaacuteria dos

usuaacuterios aleacutem de ofender os nortes constitucionais da democracia participativa moralidade

administrativa e participaccedilatildeo da comunidade no SUS

Desta maneira os regimentos internos dos Conselhos de Sauacutede pelo Brasil afora que

estabelecem gestores de sauacutede como seus presidentes natos ofendem os artigos 1deg II e

paraacutegrafo uacutenico art 37 caput e art 198 III da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildee

respectivamente sobre democracia participativa princiacutepio da moralidade e participaccedilatildeo da

comunidade como diretriz do SUS367

jaacute que em tais circunstacircncias resta confundida a figura

de controlador com a de controlado o que em uacuteltima instacircncia fulmina o relevante papel

fiscalizador e controlador de tais Conselhos Daiacute por que ser medida mais aconselhaacutevel agrave

resoluccedilatildeo deste problema a alteraccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede no

sentido de acrescentar a proibiccedilatildeo do gestor ocupar a respectiva presidecircncia dos Conselhos

Seguindo outro entrave ao pleno funcionamento dos Conselhos eacute o recorrente retardo

prolongado ou ateacute mesmo a proacutepria falta de homologaccedilatildeo por parte do gestor das

deliberaccedilotildees do Conselho o que leva ao risco de tornar sem efeito tais decisotildees e termina

prejudicando a realizaccedilatildeo dos anseios acordados no acircmbito desses oacutergatildeos deliberativos jaacute que

a implementaccedilatildeo efetiva das decisotildees empreendidas nas reuniotildees depende de homologaccedilatildeo

parar surtir efeitos praacuteticos368

Como natildeo haacute institutos juriacutedicos que obriguem diretamente o Executivo a acatar as

decisotildees dos conselhos (decisotildees essas que muitas vezes contrariam os interesses

367

GAVRONSKI Alexandre Amaral Conselhos de Sauacutede Democracia Participativa e a inconstitucionalidade

da Presidecircncia Nata In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 4 nordm 2 Satildeo Paulo 2003 p 87 368

ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede

possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013

170

dominantes) a saiacuteda para os mesmos como jaacute visto anteriormente (inciso XII da quarta

diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede) eacute recorrer ao Ministeacuterio Puacuteblico

nos casos em que natildeo haacute homologaccedilatildeo dos seus atos deliberativos pelo Poder Puacuteblico no

prazo de trinta dias devendo o Parquet diligenciar de modo a serem cumpridas as

determinaccedilotildees pactuadas nas deliberaccedilotildees dos Conselhos fazendo valer assim tanto a

referida Resoluccedilatildeo quanto a Lei nordm 814290 podendo se utilizar para isso do importante

mecanismo extrajudicial do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)

De se destacar tambeacutem a dificuldade em se manter os Conselhos como espaccedilos

voltados para os interesses da populaccedilatildeo visto que eacute recorrente no paiacutes o risco de

desvirtuamento da representaccedilatildeo popular dos integrantes dos Conselhos os quais na maioria

das vezes por natildeo passarem por capacitaccedilatildeo alguma natildeo possuem o conhecimento necessaacuterio

quanto agraves possibilidades de sua atuaccedilatildeo e os instrumentos legais a eles disponiacuteveis cenaacuterio

este que contribui para a caracterizaccedilatildeo dos Conselhos como espaccedilos paralelos ao dos oacutergatildeos

estatais aproximando-o dos interesses locais dominantes em detrimento do interesse

coletivo369

Por isso que na maioria dos Conselhos eacute normal se identificar um verdadeiro (e de

certo modo inerente) quadro de desigualdade de informaccedilotildees entre seus membros os quais

representando segmentos diversos acabam natildeo se entendendo da melhor maneira nos assuntos

a serem debatidos o que enfraquece o papel desses oacutergatildeos deliberativos e em especial a

influecircncia do papel da participaccedilatildeo dos usuaacuterios

Nesse contexto eacute medida salutar agrave concretizaccedilatildeo do poder conferido aos usuaacuterios

reforccedilando agrave previsatildeo da representaccedilatildeo paritaacuteria dos mesmos uma capacitaccedilatildeo progressiva

dos conselheiros representantes dos anseios do povo de modo que a falta de informaccedilatildeo destes

com relaccedilatildeo a assuntos especiacuteficos dos prestadores e profissionais de sauacutede bem como dos

gestores natildeo termine esvaziando a importante funccedilatildeo dos mesmos perante os Conselhos nem

acabe os desestimulando pela precaacuteria contribuiccedilatildeo por eles proporcionada

A escolha por uma representaccedilatildeo paritaacuteria (50 de conselheiros usuaacuterios 25

gestores e 25 profissionais de sauacutede) que privilegie a participaccedilatildeo do povo portanto deve

ser acompanhada de uma sistematizada capacitaccedilatildeo de modo que os anseios da populaccedilatildeo

sejam compreendidos e acatados nos importantes debates travados nas reuniotildees dos

369

LOPES Joseacute Reinaldo de Lima Os Conselhos de Participaccedilatildeo Popular ndash Validade Juriacutedica de suas Decisotildees

In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 1 nordm 1 Satildeo Paulo 2000 p 24

171

Conselhos e nas Conferecircncias de Sauacutede o que vem a corroborar com a realizaccedilatildeo da

democracia participativa iacutensita a tais oacutergatildeos370

Desta forma em que pese essa paridade significar um importante mecanismo

democraacutetico na estruturaccedilatildeo dos conselhos a mesma natildeo se reduz simplesmente a uma

questatildeo numeacuterica de metade-metade mas sim a uma estruturaccedilatildeo que implique em uma

correlaccedilatildeo de forccedilas tendente a garantir a equidade nas condiccedilotildees de participaccedilatildeo e tomada de

decisatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as assimetrias existentes entre as representaccedilotildees

governamentais e natildeo governamentais371

Reforccedilando este raciociacutenio tem-se que a estruturaccedilatildeo arquitetada para tais oacutergatildeos

deliberativos eacute guiada pela diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da comunidade e

desta maneira o papel dos conselheiros que representam os profissionais de sauacutede e os

gestores deve ser interpretado agrave luz de tal diretriz com vistas a priorizar as necessidades

apontadas pelos usuaacuterios

Desta maneira as funccedilotildees inerentes aos conselheiros representantes dos profissionais

de sauacutede devem se aproximar muito mais de uma tarefa informativa e esclarecedora quanto

aos problemas apontados pelos usuaacuterios do que um desempenho voltado a fazer valer

interesses privados das classes ali representadas Da mesma forma o papel da parcela de

conselheiros representantes dos gestores deve ser voltado a uma atuaccedilatildeo comunicadora como

um canal de abertura que repasse os anseios apontados pelos usuaacuterios para o Poder Puacuteblico e

natildeo como um meio de se impor as determinaccedilotildees preacute-definidas do Poder Puacuteblico com relaccedilatildeo

as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede

Outro ponto problemaacutetico eacute a falta de transparecircncia e de divulgaccedilatildeo tanto da existecircncia

quanto das proacuteprias atividades de tais Conselhos sendo constatado que a populaccedilatildeo raramente

eacute informada pelos principais canais (televisatildeo raacutedio internet por exemplo) acerca de dados

relativos agrave proacutepria sede dos mesmos (endereccedilo telefone de contato horaacuterio de funcionamento

e atendimento agrave populaccedilatildeo) bem como quanto agrave realizaccedilatildeo das eleiccedilotildees dos conselheiros das

370

Questionando o real acesso da populaccedilatildeo a esses espaccedilos de construccedilatildeo de uma democracia participativa

frente agrave tecnicidade imposta pelo Estado no trato dos desafios da vida cotidiana o psicoacutelogo social Dario

Schezzi aponta para a importacircncia de se instituir Conselhos Territoriais de Cidadania como espeacutecies de ldquobraccedilosrdquo

dos Conselhos de Sauacutede onde a comunidade possa participar mais facilmente e retratar as principais

dificuldades vivenciadas sendo tais dados repassados nas respectivas reuniotildees SCHEZZI Dario Henrique

Teoacutefilo Implantaccedilatildeo de Conselhos Locais de Sauacutede desafios agrave efetivaccedilatildeo da democracia participativa In

Sauacutede e transformaccedilatildeo socialv3 nordm 2 UFSC Florianoacutepolis 2012 p 03 371

RAICHELIS Raquel Os Conselhos de gestatildeo no contexto internacional In Conselhos Gestores de Poliacuteticas

Puacuteblicas Revista Poacutelis nordm 37 Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2000 p 44

172

reuniotildees os resultados das deliberaccedilotildees os contatos dos conselheiros representantes dos

usuaacuterios etc372

613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de

sauacutede no paiacutes

As dificuldades conjunturais delineadas (especialmente a assimetria existente entre os

diversos segmentos da sociedade civil e os agentes governamentais com relaccedilatildeo agraves

informaccedilotildees e conhecimentos necessaacuterios a uma efetiva participaccedilatildeo nas deliberaccedilotildees)

interferem diretamente na qualidade do processo decisoacuterio empreendido no acircmbito dos

Conselhos sendo primordial a busca por mecanismos que proporcionem condiccedilotildees

equitativas entre os atores envolvidos visando a um melhor diaacutelogo e a um aperfeiccediloamento

do grau de legitimidade dos processos de deliberaccedilatildeo373

Para tanto eacute fundamental se examinar as variaacuteveis inerentes agrave qualidade desse

processo decisoacuterio as quais envolve dentre outros pontos relevantes para se aferir o niacutevel de

efetividade do controle social sobre as poliacuteticas de sauacutede como a existecircncia ou natildeo de debates

preacutevios agraves decisotildees a pluralidade dos interesses envolvidos o niacutevel de autonomia dos sujeitos

para sustentar suas posiccedilotildees e o maior ou menor poder de cada membro ou segmento na

construccedilatildeo da agenda dos assuntos a serem enfrentados374

Quanto a essas nuances identifica-se ser rotineiro o engessamento do poder dos

Conselhos nas tomadas de decisatildeo especialmente da parcela de conselheiros representante

372

Considerado conselho-referecircncia no ano de 2009 por apresentar um alto niacutevel de amadurecimento e realizar

um bom trabalho no controle da sauacutede municipal o Conselho Municipal de Sauacutede de Paraacute de MinasMG por

exemplo divulga na imprensa local todas as suas accedilotildees sendo seu trabalho reconhecido por grande parte da

comunidade da regiatildeo Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo ndash Brasiacutelia TCU

4ordf Secretaria de Controle Externo 2010 p54 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF Acessado em 15062013 373

Pertinente agrave celeuma do deacuteficit democraacutetico dos Conselhos de Sauacutede eacute a criacutetica de Diego Valadeacutes

perfeitamente tambeacutem adequada a estes espaccedilos democraacuteticos acerca da crise de qualidade representativa dos

partidos poliacuteticos e o consequente enfraquecimento da participaccedilatildeo popular no acircmbito dos mesmos Na visatildeo do

referido autor sob um prisma de democracia constitucional eacute necessaacuteria uma regulaccedilatildeo juriacutedica mais eficaz dos

partidos que ao exercerem um quase monopoacutelio das vias de participaccedilatildeo precisam ter internamente garantidos

um miacutenimo de qualidade democraacutetica evitando que se convertam em uma casta profissional privilegiada e

dedicada a defesa de interesses diversos dos desejos do eleitor Neste vieacutes aponta o mesmo que a participaccedilatildeo

popular e soberania do povo natildeo eacute contraacuteria a governabilidade ou contra a legitimidade dos partidos e eleiccedilotildees

como instrumentos baacutesicos de divisatildeo do poder Contudo na democracia constitucional se exige algo a mais que

a mera adesatildeo as propostas programaacuteticas e listas eleitorais se tratando de uma cumulaccedilatildeo de direitos com a

possibilidade de se exigir contas avaliar rendimentos e outras formas de se sentir cidadatildeo propostas que se

enquadram perfeitamente as necessidades da participaccedilatildeo nos Conselho de Sauacutede VALADEacuteS Diego Cinco

grandes retos (y otras tantas amenazas) para la democracia constitucional em el siglo XXI In Revista Latino-

Americana de Estudos Constitucionais Fortaleza Ediccedilotildees Demoacutecrito Rocha 2010 p 598-612 374

TATAGIBA Luciana amp TEXEIRA Ana Claudia Chaves O papel do CMS na Poliacutetica de Sauacutede em Satildeo

Paulo In Caderno ndeg 29 do Observatoacuterio dos Direitos do Cidadatildeo Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2007 p 10

173

dos usuaacuterios visto que quando o governo propotildee a inclusatildeo de determinado tema na pauta

dos mesmos os programas e poliacuteticas quanto a esta temaacutetica jaacute satildeo quase sempre preacute-

definidas ocasionando certo esvaziamento do papel preacutevio dos Conselhos os quais ficam

com suas atividades restritas agrave questotildees meramente formais acerca da execuccedilatildeo e

implementaccedilatildeo da poliacutetica jaacute previamente elaborada sendo raro a oportunizaccedilatildeo de se discutir

no acircmbito dos Conselhos os aspectos referentes agrave etapa de elaboraccedilatildeo375

Vislumbra-se desta forma que o governo na maioria das vezes apenas cumpre o rito

de apresentaccedilatildeo e informaccedilatildeo acerca da implementaccedilatildeo de uma poliacutetica elaborada havendo

uma clara dissociaccedilatildeo entre a agenda das poliacuteticas e a dos Conselhos praacutetica que atenta contra

a proacutepria natureza de tais oacutergatildeos de deliberaccedilatildeo e enfraquece sua essecircncia democraacutetica uma

vez que quando satildeo convocados para a discussatildeo do que jaacute foi previamente elaborado aos

mesmos acaba sendo afastada a possibilidade de interferirem no espectro de incidecircncia sobre

o nuacutecleo duro das poliacuteticas de sauacutede376

Desta maneira vecirc-se que a configuraccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como efetivos

espaccedilos de deliberaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede depende diretamente do comprometimento do

Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos um niacutevel simeacutetrico de capacidade tanto de

elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo a agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem

seguidas

Nesse sentido a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si soacute natildeo significa

garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual somente poderaacute

ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados na organizaccedilatildeo

dos Conselhos e o consequente respeito e cumprimento das previsotildees constantes na Resoluccedilatildeo

nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 jaacute examinadas377

375

Nesse sentido os conselheiros representantes dos usuaacuterios muitas vezes natildeo possuem papel relevante na

discussatildeo a qual acaba se convertendo em mero ritual para aprovaccedilatildeo dos anseios dos gestores ESCOREL

Sarah amp MOREIRA Marcelo Rasga Desafios da participaccedilatildeo social em sauacutede na nova agenda da reforma

sanitaacuteria democracia deliberativa e efetividade In Participaccedilatildeo Democracia e Sauacutede Rio de Janeiro

CEBES 2009 p 240 Disponiacutevel em httpwwwcebesorgbrmediaFilelivro_particioacaopdf Acesso em

15062013 376

PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa no Brasil a praacutetica dos conselhos

de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 11 Disponiacutevel em httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso

em 16062013 377

Reforccedilando esse raciociacutenio Pedro Pontual pondera que ldquoapesar do avanccedilo que representaram os conselhos

em muitos aspectos no sentido da democratizaccedilatildeo e maior controle social das poliacuteticas puacuteblicas tal experiecircncia

natildeo teve ainda a forccedila e as qualidades necessaacuterias para produzir os impactos poliacuteticos necessaacuterios para alterar a

loacutegica clientelista que marcou historicamente a relaccedilatildeo do Estado com o sistema poliacutetico-partidaacuterio que daacute

sustentaccedilatildeo aacute eleiccedilatildeo dos representantes pelo voto universal Tal loacutegica eacute a matriz de velhos e conhecidos

mecanismos de corrupccedilatildeo fisiologismo e apropriaccedilotildees privadas de recursos puacuteblicos que de haacute muito satildeo

praticadas em relaccedilatildeo ao Estado e aos recursos puacuteblicos Esta loacutegica adquiriu tal forccedila que ateacute mesmo as forccedilas

sociais e poliacuteticas que lutam pela sua alteraccedilatildeo radical natildeo estatildeo imunes a mesma e em alguns casos tornaram-se

presas do clientelismo tatildeo combatido PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa

174

Corroborando com a visatildeo acima diversos estudos e pesquisas pelo Brasil378

comprovam a ineficiecircncia dos Conselhos de Sauacutede e retratam os problemas conjunturais supra

mencionados o que faz ligar o sinal de alerta para a necessidade de uma imediata

reestruturaccedilatildeo de tais instrumentos379

sobretudo a partir da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na

fiscalizaccedilatildeo do implemento das obrigaccedilotildees legais dos mesmos vislumbrando-se possiacutevel a

atuaccedilatildeo judicial no sentido de que a legislaccedilatildeo mencionada do tema seja respeitada e

eficientemente cumprida na praacutetica

Aleacutem do apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo quanto ao respeito das diretrizes

funcionais de tais Conselhos eacute certo que outros atores podem ajudar na tarefa de se garantir

uma melhor abertura desses espaccedilos democraacuteticos como eacute o caso das Organizaccedilotildees Natildeo

Governamentais ligadas agrave aacuterea de sauacutede e as comissotildees de sauacutede tanto da Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB) quanto das defensorias puacuteblicas que podem mediante accedilotildees

especiacuteficas incentivar (sobretudo pelas redes sociais na internet) a maior participaccedilatildeo da

sociedade380

a partir da divulgaccedilatildeo de detalhes quanto as reuniotildees eleiccedilotildees e estruturaccedilatildeo dos

Conselhos

Os Tribunais de Conta por sua vez tambeacutem exercem papel relevante nessa jornada Jaacute

foi visto que devido agraves previsotildees constantes no art 77 III sect 3deg do ADCT e no art 33 da Lei

do SUS foi conferido aos Conselhos de Sauacutede o importante poder de fiscalizar os recursos

destinados agraves accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede ldquosem prejuiacutezo do disposto no art 74rdquo da CF

ficando impliacutecito com tal ressalva que esse controle deve ocorrer de forma paralela ao

no Brasil a praacutetica dos conselhos de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 17 Disponiacutevel em

httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso em 16062013 378

Variadas pesquisas realizadas demonstram que a intensidade da democracia nos conselhos eacute baixa e na

maioria das vezes suas atividades satildeo focadas em procedimentos burocraacuteticos constataccedilotildees refletidas na falta e

capacitaccedilatildeo dos conselheiros os quais na maioria das vezes natildeo foram instruiacutedos de modo a ter a exata noccedilatildeo

acerca de suas relevantes atribuiccedilotildees Nesse sentido confiram-se dentre outras

httpwwwunbcienciaunbbrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=165conselhos-de-saude-sao-

ineficientes-e-nao-representam-a-populacaoampcatid=34ciencias-da-saude

httpwwwsociologiaufscbrnpmsines_pelizzaro_raquellen_milbratzpdf

httpwwwscielobrpdfrapv43n607pdf Acessadas em 15062013 379

Muitas vezes a proacutepria autonomia que eacute concedida aos Conselhos gera um efeito colateral indesejaacutevel que eacute o

fato de as disposiccedilotildees constantes nos respectivos regimentos internos dos mesmos nem sempre terminar

seguindo fielmente as diretrizes da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 ou ateacute mesmo subvertendo-as quadro que termina

engessando a atuaccedilatildeo desses oacutergatildeos deliberativos e enfraquecendo a proacutepria efetividade democraacutetica dos

mesmos 380

Dados do relatoacuterio final da 14deg Conferecircncia Nacional de Sauacutede ocorrida em 2012 respaldam a importacircncia da

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo nesses foacuteruns deliberativos sendo destacado que para a realizaccedilatildeo da mesma

ocorreram previamente 4374 conferecircncias municipais e estaduais nos 27 estados brasileiros o que significa cerca

de 78 do total das conferecircncias esperadas marca que pode ser considerada como histoacuterica no quadro de lutas

pela sauacutede puacuteblica no paiacutes Relatoacuterio final da 14ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede Todos usam o SUS SUS na

seguridade social Poliacutetica puacuteblica patrimocircnio do povo brasileiro Ministeacuterio da Sauacutede Conselho Nacional de

Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012 p 9

Disponiacutevel em httpconselhosaudegovbrbibliotecaRelatoriosimg14_cns20relatorio_finalpdf Acessado

em 17062013

175

controle interno do proacuteprio Executivo o qual por sua vez tem a finalidade de apoiar o

controle externo no exerciacutecio de sua missatildeo institucional sendo este exercido com o apoio

dos Tribunais de Contas

Depreende-se desse raciociacutenio que os Conselhos de Sauacutede podem atuar em parceria

com os Tribunais de Contas e essa relaccedilatildeo torna-se beneacutefica para uma maior eficiecircncia no

desenvolvimento das funccedilotildees de ambos381

o que contribui para a ampliaccedilatildeo na sociedade

civil da possibilidade de uma cultura participativa no controle da efetividade das poliacuteticas

puacuteblicas382

Nesse raciociacutenio os Tribunais de Contas ganham jaacute que suas accedilotildees satildeo

reforccediladas pela cooperaccedilatildeo das comunidades diretamente envolvidas os Conselhos de Sauacutede

tambeacutem uma vez que passa a existir um incremento na qualidade do controle do gasto

puacuteblico e na identificaccedilatildeo dos recursos transferidos e finalmente a populaccedilatildeo que fica

respaldada por uma fiscalizaccedilatildeo mais incisiva contra a maacute utilizaccedilatildeo dos recursos e corrupccedilatildeo

A ideia defendida nesse toacutepico portanto eacute a de que os Conselhos de Sauacutede autecircnticos

canais para que a sociedade participe e dite o ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em

sauacutede satildeo importantes mecanismos de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no ordenamento

paacutetrio e como natildeo eacute dada a atenccedilatildeo necessaacuteria aos mesmos (uma vez que a configuraccedilatildeo legal

prevista para o mesmo eacute subvertida na praacutetica por inuacutemeros viacutecios383

) o apoio de outros

atores (incluindo-se o papel do Judiciaacuterio ao primar pelo cumprimento do arcabouccedilo

legislativo que rege tais Conselhos) eacute medida salutar para a melhoria da eficiecircncia

democraacutetica desses espaccedilos384

Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede a ser estudado a seguir diz

respeito aos gastos em sauacutede e a consequente necessidade de que o caraacuteter prioritaacuterio desse

381

O Tribunal de Contas da Uniatildeo jaacute realizou inuacutemeros projetos ligados ao estiacutemulo do controle social

sobretudo com relaccedilatildeo aos Conselhos de Sauacutede destacando-se por exemplo a elaboraccedilatildeo do documento

Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo elaborado pela 4ordf Secretaria de Controle

Externo do TCU no ano de 2010 o qual pode ser consultado no siacutetio eletrocircnico a seguir

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF 382

ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede

possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 15 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013 383

Alguns viacutecios jaacute apontados como a burocratizaccedilatildeo dos conselhos o corporativismo a partidarizaccedilatildeo a falta

de representatividade satildeo indicativos claros para essa reflexatildeo e eventuais mudanccedilas de enfoque ou mesmo

adoccedilatildeo de novas iniciativas BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa A

construccedilatildeo do SUS histoacuterias da Reforma Sanitaacuteria e do Processo Participativo Ministeacuterio da Sauacutede

Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2006 p 237 384

Corroborando com esse posicionamento Eduardo Ribeiro Moreira pondera que essa posiccedilatildeo renovada de

controle com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute marcada natildeo soacute pela criaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como tambeacutem pelo

fortalecimento das accedilotildees do Poder Legislativo atraveacutes das Comissotildees de Sauacutede das Assembleias Legislativas e

das Cacircmaras Municipais pela maior participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico e pela nova posiccedilatildeo do Judiciaacuterio agindo

energicamente no combate aos maus gestores MOREIRA Eduardo Ribeiro Direito Constitucional atual Rio

de Janeiro Elsevier 2012 p 345

176

direito seja garantido desde a fase orccedilamentaacuteria destacando-se nesse ponto temas

importantes como a possibilidade de se criar em todas as esferas de governo mecanismos de

participaccedilatildeo e controle social do ciclo orccedilamentaacuterio

62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE

UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES

CONSTITUCIONAIS

Um dos grandes entraves agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil eacute a problemaacutetica

que envolve a questatildeo dos gastos puacuteblicos nesse setor A dificuldade natildeo estaacute restrita agrave

simples constataccedilatildeo de ser preciso ou natildeo disponibilizar mais recursos financeiros para a

sauacutede na verdade engloba diversos aspectos que vatildeo desde a necessidade de um ciclo

orccedilamentaacuterio que respeite as prioridades constitucionais ateacute o exame da correta aplicaccedilatildeo dos

recursos existentes

O objetivo desse capiacutetulo por conseguinte natildeo eacute aprofundar em questotildees

orccedilamentaacuterias e financeiras especiacuteficas mas sim alertar para a necessidade de o instrumento

do orccedilamento puacuteblico refletir tanto na sua fase de elaboraccedilatildeo quanto em sua execuccedilatildeo as

prioridades assentadas na Constituiccedilatildeo de modo a evitar situaccedilotildees praacuteticas desvirtuadoras da

loacutegica pensada para a realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mormente do direito agrave sauacutede

Eacute pertinente portanto a noccedilatildeo de se buscar o esgotamento de prioridades mais

relevantes em detrimento de alvos menos essenciais raciociacutenio este intriacutenseco por exemplo

ao seguinte questionamento eacute possiacutevel suscitar a falta de recursos para a sauacutede quando

existem no mesmo orccedilamento recursos com propaganda de governo

Nessa temaacutetica em que pese ter sido proferida em sede de liminar merece destaque o

teor da decisatildeo empreendida pelo Juiz de Direito da Comarca de Currais NovosRN Dr

Marcus Viniacutecius Pereira Juacutenior que frente agrave recalcitracircncia do Estado do Rio Grande do Norte

em realizar certas accedilotildees e serviccedilos de sauacutede determinou que a Governadora daquele estado a

Sra Rosalba Ciarlini suspendesse todas as propagandas pagas pelo Estado sob pena de

multa ateacute a correccedilatildeo do problema Destaca-se o seguinte trecho385

385

A presente decisatildeo liminar foi emitida em 30072013 no processo ndeg 0101509-7020138200103 que

tramita na vara ciacutevel da Comarca de Currais NovosRN e pode ser conferida no seguinte endereccedilo eletrocircnico

httpesajtjrnjusbrcpopgsearchdojsessionid=27196AEB9C77D224D12F6B3C4CC76113appsWeb1pagin

aConsulta=1amplocalPesquisacdLocal=103ampcbPesquisa=NUMPROCamptipoNuProcesso=UNIFICADOampnumeroD

igitoAnoUnificado=0101509-702013ampforoNumeroUnificado=0103ampdePesquisaNuUnificado=0101509-

7020138200103ampdePesquisa= Acessado em 01082013

177

() No mesmo mandado deve ser determinado que a referida gestora

SUSPENDA todas as propagandas pagas pelo ESTADO DO RIO GRANDE

DO NORTE nos termos dos itens 17 e 18 ateacute que sejam garantidos os

direitos agrave sauacutede por parte do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em

relaccedilatildeo aos processos referidos agraves fls 5154 FIXO nos termos do art 461

sect5ordm CPC multa pessoal por descumprimento em R$ 100000000 (um

milhatildeo de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede

ou seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede

caso haja descumprimento da presente decisatildeo por parte da Governadora do

Estado do RN b) expeccedilam-se tambeacutem MANDADOS agrave InterTV Cabugi

TV Ponta Negra TV Bandeirantes Natal TV Tropical TV Uniatildeo TV

Universitaacuteria Sidys TV a Cabo Jornal Tribuna do Norte Raacutedios (96 98

1047 e Cabugi) determinando a SUSPENSAtildeO IMEDIATA de todos os

serviccedilos de propagandapublicidade pagos pelo ESTADO DO RIO

GRANDE DO NORTE Caso sejam descumpridas as determinaccedilotildees da

presente decisatildeo por parte das empresas intimadas FIXO nos termos do art

461 sect5ordm CPC multa por descumprimento em R$ 100000000 (um milhatildeo

de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede ou

seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede

caso haja descumprimento da presente decisatildeo

() (Grifos acrescidos)

Ademais de se destacar que a decisatildeo em questatildeo considerou em sua fundamentaccedilatildeo o

fato de que (conforme relatoacuterio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte que

aprovou com ressalvas as contas do governo do RN) no ano de 2011 o referido estado gastou

mais com diaacuterias e publicidade governamental do que com sauacutede puacuteblica386

o que soacute acentua

o quadro de calamidade da sauacutede no RN387

e na linha dos argumentos que se seguem

configura-se completamente inconstitucional por afronta ao desenho constitucional prioritaacuterio

que eacute delineado para o direito agrave sauacutede na CF de 1988

Pelo exposto a defesa aqui proposta eacute no sentido de que a alegaccedilatildeo da jaacute estudada

reserva do possiacutevel deve passar por uma releitura de modo a priorizar o raciociacutenio de que

antes de os finitos recursos do Estado acabarem para os direitos fundamentais precisam os

mesmos necessariamente estar esgotados para aacutereas natildeo prioritaacuterias do ponto de vista

constitucional e natildeo do detentor do poder jaacute que a negativa de realizaccedilatildeo de um direito

386ldquo

Quanto agrave sauacutede puacuteblica destaca-se o baixo niacutevel de investimentos realizados nessa aacuterea com aplicaccedilatildeo de

recursos da ordem de R$ 1107683492 valor este inferior agravequele aplicado no exerciacutecio financeiro de 2010 (R$

1738652839) configurando um decreacutescimo de 3629 Ainda tal montante situou-se em patamar inferior

agravequeles relativos a despesas menos prioritaacuterias como diaacuterias (R$ 2367871614) e publicidade governamental

(R$ 1685159051)rdquo In Relatoacuterio e Projeto de Parecer Preacutevio do TCE RN Agosto 2012 p 126-127

Disponiacutevel em httpwwwtcerngovbr2009downloadREL_GOV2011pdf Acessado em 01082013 387

Merece aqui ser ressaltado o importante trabalho do TCE-RN que por meio do Relatoacuterio Preliminar sobre a

Rede Hospitalar da SESAPRN de maio de 2013 tratou de esmiuccedilar a situaccedilatildeo da rede de hospital puacuteblico do

RN emitindo ao seu final cerca de noventa e nove recomendaccedilotildees a serem seguidas pelo Governo daquele

Estado Disponiacutevel em httpwwwcorenrngovbrdownloadrelatoriotcepdf Acessado em 01082013

178

fundamental enquanto ainda existe verba disponiacutevel para uma aacuterea natildeo prioritaacuteria termina

por afrontar a priorizaccedilatildeo dada aos direitos fundamentais pela Constituiccedilatildeo388

Explicando melhor sugere-se o fim da cultura instaurada e aceita na realidade

brasileira de que basta se atingir o respeito aos valores e percentuais miacutenimos a serem

empregados em sauacutede puacuteblica para os gestores puacuteblicos estarem de certo modo quites com

os anseios da populaccedilatildeo e isso passa por dois pontos chaves a necessidade de reestruturaccedilatildeo

da forma como se desenvolve a proacutepria execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico no paiacutes389

e o

incremento da fiscalizaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos atrelado a padrotildees miacutenimos de eficiecircncia390

Ilustrada a problemaacutetica o presente toacutepico inicialmente examinaraacute a questatildeo dos

gastos puacuteblicos em sauacutede ressaltando a importante contribuiccedilatildeo da recente e jaacute brevemente

pincelada Lei Complementar nordm 1412012 para posteriormente tratar da questatildeo

orccedilamentaacuteria em si alertando para a necessidade de medidas que assegurem a priorizaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede tanto no momento da elaboraccedilatildeo quanto na execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria

621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico

Conforme jaacute analisado por forccedila da Lei Complementar nordm 1412012 foram instituiacutedos

nos termos do sect 3deg do art 198 da Constituiccedilatildeo Federal alguns aspectos relevantes agrave

problemaacutetica dos gastos puacuteblicos como o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante a ser

aplicado anualmente pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede os percentuais

miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados anualmente pelos Estados

Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os criteacuterios de rateio dos

recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados ao Distrito Federal e aos

388

FREIRE JUacuteNIOR Ameacuterico Bedecirc Controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2005 p 74 apud GUERRA Gustavo Rabay A concretizaccedilatildeo judicial dos direitos sociais seus abismos

gnoseoloacutegicos e a reserva do possiacutevel por uma dinacircmica teoacuterico-dogmaacutetica do constitucionalismo social

Disponiacutevel em httpwwwmpgogovbrportalwebhp2docsconcretizacaodosdireitossociaispdf Acessado

em 12052013 389

De se destacar as liccedilotildees de Celso Ribeiro Bastos no sentido de que a inspiraccedilatildeo uacuteltima do orccedilamento eacute ldquode se

tornar um instrumento de exerciacutecio da democracia pelo qual os particulares exercem o direito por intermeacutedio de

seus mandataacuterios de soacute verem efetivadas as despesas e permitidas as arrecadaccedilotildees tributaacuterias que estiverem

autorizadas na lei orccedilamentaacuteriardquo BASTOS Celso Ribeiro Curso de Direito Financeiro e Tributaacuterio Satildeo

Paulo Celso Bastos Editor 2002 p 127-128 390

Corroborando com essa visatildeo Louisianne Paskalle pondera que ldquode fato o orccedilamento natildeo eacute abundante e

posto isto eacute que se deve trabalhar com mais eficiecircncia na administraccedilatildeo puacuteblica O que se constata eacute que aleacutem

da escassez orccedilamentaacuteria haacute um mau uso dos recursos puacuteblicos que satildeo registrados pelos escacircndalos sucessivos

de corrupccedilatildeo desvio de dinheiro fraude em licitaccedilotildees e compra de votosrdquo MAIA Louisianne Paskalle Solano

Direitos fundamentais efetividade e limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias uma perspectiva poacutes-positivista In MOURA

Lenice S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo

Bonavides Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 423

179

Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em

accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede

Nesse contexto restou confirmado que os Municiacutepios devem destinar no miacutenimo

15 de seus recursos proacuteprios para a sauacutede os Estados no miacutenimo 12 e que a Uniatildeo deve

aplicar desde 2000 em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os recursos miacutenimos

correspondentes ao valor apurado no ano anterior aplicada a variaccedilatildeo nominal do PIB tudo

isso respeitando-se as disposiccedilotildees da referida Lei Complementar no sentido de soacute serem

direcionados recursos para accedilotildees e serviccedilos que legitimamente estejam inseridas como

despesas em sauacutede391

Tais disposiccedilotildees legais satildeo salutares agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede pois

funcionam como paracircmetros objetivos aptos a corrigirem certas disparidades iacutensitas ao

descaso das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede no Brasil durante os 12 anos agrave espera da referida Lei

Complementar392

periacuteodo marcado por inuacutemeras distorccedilotildees frente a falta de clareza sobre o

caacutelculo do aporte de recursos federais para a sauacutede e os tipos de situaccedilotildees que poderiam ser

computadas como despesas nesta seara

Para se ter uma ideia em 2007 16 estados natildeo atingiram o percentual miacutenimo

necessaacuterio e deixaram de investir cerca de R$ 36 bilhotildees no setor a Uniatildeo por sua vez entre

2001 e 2008 deixou de aplicar cerca de R$ 548 bilhotildees para a sauacutede ao incluir em seu

orccedilamento como verba da sauacutede os gastos com o Programa Bolsa Famiacutelia e a incorporaccedilatildeo de

valores do Fundo para Erradicaccedilatildeo da pobreza393

Antes do norte dado pela LC 141 2012 tambeacutem foram contabilizados na ldquocontardquo do

dinheiro da sauacutede tanto por gestores estaduais como municipais diversas accedilotildees que natildeo

possuiacuteam ligaccedilatildeo direta com a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede nem com a estruturaccedilatildeo do SUS

como eacute o caso por exemplo de gastos com saneamento aposentadoria dos servidores

391

Conforme o art 4deg da referida LC 1412012 por exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o

pagamento de aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros programas

de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS satildeo situaccedilotildees que natildeo podem ser enquadradas como

despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos 392

Frente agrave omissatildeo legislativa em criar a lei complementar ora analisada alguns instrumentos foram utilizados

para tentar delimitar o campo de aplicaccedilatildeo dos recursos para a sauacutede (como foi o caso da jaacute mencionada

Resoluccedilatildeo nordm 32203 do Conselho Nacional de Sauacutede) contudo natildeo obtiveram sucesso pela falta de clareza e

coercibilidade dos mesmos o que acabou gerando diversas distorccedilotildees na aplicaccedilatildeo das verbas com sauacutede 393

KASEKER Camila Para onde estaacute sendo desviado o dinheiro da sauacutede Revista da APM nordm 605 Satildeo Paulo

2009 p 14-15 apud CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao

miacutenimo existencial garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 157

180

bombeiros merenda escolar alimentaccedilatildeo de presidiaacuterios cestas baacutesicas manutenccedilatildeo de

restaurantes populares etc394

Constata-se desta maneira que a Lei Complementar em questatildeo importou em

consideraacutevel avanccedilo tanto para a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos miacutenimos a serem expendidos

pelas esferas de governo quanto indiretamente para a construccedilatildeo do miacutenimo em sauacutede uma

vez que quando satildeo arroladas as accedilotildees que podem e que natildeo podem se enquadrar como

despesas em sauacutede se contribui para focalizar os gastos nas prioridades e afastar desperdiacutecios

gerando maior eficiecircncia na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas sanitaacuterias

Defende-se nesse contexto que o Poder Judiciaacuterio tem legitimidade tanto para

assegurar o fiel cumprimento da Lei Complementar em exame nas demandas que tenham tal

pleito como objeto principal como para considerar os paracircmetros objetivos por ela fornecidos

ao enfrentar demandas que envolvam a anaacutelise dos custos e a questatildeo da reserva do possiacutevel

Explicando melhor diante de um pleito ligado ao direito agrave sauacutede o magistrado natildeo

pode aceitar passivamente a alegaccedilatildeo de que faltam recursos mas sim deve averiguar antes

de tudo se quem alega tal falta estaacute gerindo o sistema de maneira consentacircnea com a

legislaccedilatildeo pertinente levando-se em conta por exemplo se o ente estaacute cumprindo os

percentuais miacutenimos para o orccedilamento da sauacutede bem como se haacute indiacutecios de tentativa de

ldquomaquiarrdquo os gastos com sauacutede atraveacutes da inclusatildeo de itens alheios a aacuterea sanitaacuteria

constatando desta maneira se a falta de verbas alegada eacute de fato real ou decorre do

descumprimento da LC nordm 1412012

Todavia em que pese tais avanccedilos trazidos pela LC nordm 1412012 existem muitas

criacuteticas com relaccedilatildeo ao valor que eacute gasto pela Uniatildeo com sauacutede anualmente e ao consequente

deacuteficit de aportes financeiros para o setor o que termina evidenciando a necessidade de mais

recursos para a sauacutede Para se ter uma ideia com relaccedilatildeo a Uniatildeo o percentual do total de

sua receita destinado agrave sauacutede vem caindo desde 1995 (em 1995 tal percentual foi de 1172 e

em 2011 foi de 73) e jaacute no que se refere agrave necessidade de mais recursos para a sauacutede a

porcentagem do PIB anual que eacute direcionada para a sauacutede no Brasil eacute aqueacutem da meacutedia

mundial segundo dados da OMS (em 2010 por exemplo o Brasil direcionou apenas 38 do

seu PIB para a sauacutede enquanto o percentual meacutedio no mundo foi de 55395

)

394

Nota Teacutecnica ndeg 14 de 2012 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos

Deputados - CONOFCD Anaacutelise das principais inovaccedilotildees trazidas pela Lei Complementar nordm 141 de 13 de

janeiro de 2012 que regulamentou a Emenda Constitucional nordm 29 de 2000 p 07 Disponiacutevel em

httpbdcamaragovbrbdbitstreamhandlebdcamara12536regulamentacao_emendapdfsequence=1Acessado

em 14062013 395

Tais dados podem ser encontrados no siacutetio eletrocircnico do Movimento Nacional em Defesa da Sauacutede Puacuteblica

SAUacuteDE + 10 o qual tem o objetivo de coletar assinaturas visando agrave formaccedilatildeo de um Projeto de Lei de iniciativa

181

Contudo o intuito do presente capiacutetulo natildeo eacute enfrentar a discussatildeo acerca da falta de

recursos para a sauacutede (este deacuteficit assim como diversos problemas estruturais no acircmbito do

SUS eacute evidente) mas sim defender a correta aplicaccedilatildeo dos recursos existentes a partir do

eficiente cumprimento da LC 1412012 bem como a necessidade de se buscar a vinculaccedilatildeo

das prioridades constitucionais sobretudo com sauacutede durante todo o ciclo orccedilamentaacuterio e

quanto a este segundo ponto algumas observaccedilotildees importantes merecem destaque

622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Partindo para a questatildeo orccedilamentaacuteria em si como eacute sabido na loacutegica orccedilamentaacuteria

paacutetria natildeo existe despesa que natildeo esteja autorizada na lei orccedilamentaacuteria nem eacute permitido ao

Poder Puacuteblico buscar receitas de maneira indefinida sem o devido atrelamento agraves

necessidades de financiamento O orccedilamento puacuteblico portanto eacute exatamente o instrumento

que espelha a organizaccedilatildeo em prol da justa equaccedilatildeo entre receitas e despesas e informa o

tracejo dos planos de atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico

Desta maneira assim como cada cidadatildeo organiza e projeta suas accedilotildees na vida

cotidiana a partir de sua disponibilidade financeira o Estado arquiteta seu plano de accedilotildees com

base no contraste entre suas arrecadaccedilotildees e as despesas projetando para um determinado

periacuteodo o que poderaacute ou natildeo ser realizado396

sendo essa projeccedilatildeo retratada exatamente

atraveacutes do instrumento do orccedilamento puacuteblico com o consequente estabelecimento do Plano

Plurianual da Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias e da Lei Orccedilamentaacuteria Anual (art 165 I II

III da CF de 1988)

O orccedilamento puacuteblico pode ser visto desta forma como o resultado de um processo

decisoacuterio fundamental que consolida a alocaccedilatildeo de recursos a eleiccedilatildeo das prioridades de accedilatildeo

estatal e se estruturam as poliacuteticas puacuteblicas em busca da efetivaccedilatildeo de direitos397

e o seu

almejado equiliacutebrio no contexto hodierno deve ser encarado natildeo apenas como uma harmonia

popular que buscando alterar a recente LC 1412012 estipula a destinaccedilatildeo de no miacutenimo 10 da Receita

Corrente Bruta da Uniatildeo para a sauacutede de modo a recuperar os recursos federais decrescentes nos uacuteltimos anos

para a sauacutede Disponiacutevel em httpwwwsaudemaisdezorgbr Acesso em 19062013 396

Nesse sentido Antocircnio de Oliveira Leite pontua que ldquoo orccedilamento na eacutepoca atual tem caraacuteter dinacircmico e

natildeo estaacutetico por isso mesmo os tradicionais princiacutepios (unidade equiliacutebrio contaacutebil financeiro etc) longe de

facultarem o seu aperfeiccediloamento impotildeem-lhe garrote dificultando a nobre e jaacute oportuna tarefa de avanccedilo no

sentido de obediecircncia agraves mais modernas ideias desde que coerentes com a finalidade a que visa o orccedilamento

()rdquo LEITE Antocircnio de Oliveira Orccedilamento Puacuteblico em sua feiccedilatildeo poliacutetica e juriacutedica In CLEacuteVE Cleacutemerson

Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs) Direito Constitucional constituiccedilatildeo financeira econocircmica e social

Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 6 Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 81 397

VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In

Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326

182

entre receita e despesa mas sim como uma equivalecircncia qualitativa entre a receita e despesa

puacuteblica de um lado e a realidade econocircmico-social de outro398

Da mesma maneira jaacute que a medida de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute

assegurada em grande parte pelo montante de recursos orccedilamentaacuterios investidos em sua

promoccedilatildeo e garantia o orccedilamento puacuteblico acaba assumindo uma funccedilatildeo de suma relevacircncia

para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais daiacute ser o mesmo compreendido para alguns

autores como um siacutembolo da cidadania e expressatildeo maacutexima dos direitos e deveres gerados na

relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo399

Frente a estas colocaccedilotildees pode-se concluir um ponto chave para os argumentos que se

seguiratildeo o instrumento do orccedilamento puacuteblico deve ser levado a seacuterio400

de modo a natildeo soacute

respeitar mas tambeacutem efetivar a priorizaccedilatildeo e expansatildeo dos direitos fundamentais delineada

na CF de 1988 tanto em sua elaboraccedilatildeo quanto durante sua execuccedilatildeo sob pena de restar

subvertida a proacutepria loacutegica do papel do Estado401

Contudo a maacutexima acima defendida distancia-se da realidade brasileira por uma seacuterie

de fatores como por exemplo

i o fato de o orccedilamento ser considerado assunto de poucos e para poucos frente

agrave tradiccedilatildeo excludente da cena poliacutetica paacutetria que marcada pelo

patrimonialismo e clientelismo acaba restringindo as deliberaccedilotildees referentes agrave

poliacutetica orccedilamentaacuteria a determinados grupos com maior poderio econocircmico e

proximidade dos negoacutecios do Estado402

ii a grande dificuldade ndash em que pese os esforccedilos traccedilados sobretudo na LRF e

na recente Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo ndash do cidadatildeo leigo tanto em obter

398

BECKER Alfredo Augusto Teoria Geral do Direito Tributaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 1963 p 217 apud

SOUZA Luciane Moessa Reserva do possiacutevel x miacutenimo existencial o controle de constitucionalidade em

mateacuteria financeira e orccedilamentaacuteria como instrumento de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais p 10

Disponiacutevel em httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbhluciane_moessa_de_souza2pdf Acesso

em 17062013 399

AMARAL Gustavo amp MELO Danielle Haacute direito acima do orccedilamento In SARLET Ingo Wolfgang e

TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre

Livraria do Advogado 2010 p 108 400

Corroborando com esse raciociacutenio Luciano Benetti Timm pontua que ldquoa realidade orccedilamentaacuteria natildeo pode ser

compreendida como peccedila de ficccedilatildeo O desperdiacutecio de recursos puacuteblicos em um universo de escassez gera

injusticcedila com aqueles potenciais destinataacuterios a que deles deveriam atenderrdquo TIMM Luciano Benetti Qual a

maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais uma perspectiva de direito e economia In SARLET

Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo

Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 60 401

A razatildeo da proacutepria existecircncia do Estado eacute empreender sua mais elementar missatildeo constitucionalmente

estabelecida de efetivamente universalizar os direitos fundamentais portanto nada mais correto que o

instrumento que expotildee o planejamento dessa missatildeo seja concatenado com as diretrizes da proacutepria Carta Maior 402

VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In

Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326

183

informaccedilotildees quanto em compreender os dados orccedilamentaacuterios disponiacuteveis os

quais se mostram complexos frente a marcada fragmentaccedilatildeo caracteriacutestica do

ciclo orccedilamentaacuterio o que acaba de certa maneira desestimulando o controle

da poliacutetica orccedilamentaacuteria pela populaccedilatildeo403

iii o marcante desequiliacutebrio de poderes entre Executivo e Legislativo no curso da

execuccedilatildeo do orccedilamento sendo a realidade marcada por uma hipertrofia do

Executivo que frente a alta discricionariedade natildeo controlada acaba gerando

alguns efeitos colaterais graves agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Tudo isso reforccedila a necessidade de mudanccedilas pontuais na cultura de se proceder a

elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria no intuito de trazer benefiacutecios para a efetividade do

prioritaacuterio e impreteriacutevel direito fundamental agrave sauacutede

Explicando melhor primeiramente no que se refere agrave elaboraccedilatildeo do orccedilamento eacute

certo que as escolhas em mateacuteria de gastos puacuteblicos natildeo constituem um tema totalmente

reservado agrave deliberaccedilatildeo poliacutetica pois nesse momento haacute uma importante incidecircncia de

normas constitucionais que norteiam as prioridades a serem seguidas e o produto conjugado

dos gastos do Estado reflete exatamente o momento e a medida no qual a realizaccedilatildeo dos fins

constitucionais deveraacute ocorrer404

Assim natildeo soacute as regras constantes no capiacutetulo especiacutefico sobre orccedilamento puacuteblico

nem os percentuais miacutenimos especificados para determinados direitos devem nortear a

elaboraccedilatildeo do orccedilamento mas tambeacutem o proacuteprio esqueleto valorativo da Carta de 1988

calcado na Dignidade da Pessoa Humana irradiada pelos direitos fundamentais e nos

objetivos fundamentais expostos no art 3deg

Propotildee-se assim que seja repensada a maneira de se trilhar o orccedilamento puacuteblico no

paiacutes no intuito de as prioridades nele assentadas sejam reflexos harmocircnicos da proacutepria

priorizaccedilatildeo delineada na Constituiccedilatildeo e isso exige uma mudanccedila de cultura que considere

inadmissiacuteveis diversas situaccedilotildees que hoje satildeo vistas como comuns e ateacute mesmo legalmente

corretas405

403

MENDONCcedilA Eduardo Bastos Furtado de A constitucionalizaccedilatildeo das Financcedilas Puacuteblicas no Brasil ndash Devido

Processo Orccedilamentaacuterio e Democracia Rio de Janeiro Renovar 2010 p 92 404

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 405

Na linha do defendido por Luntildeo a escolha do elenco dos direitos fundamentais reflete uma decisatildeo baacutesica do

constituinte no sentido de apontar as metas sociais a serem atingidas pela sociedade e esta caracteriacutestica reflete

no processo interpretativo dos proacuteprios direitos de modo a se evitar contradiccedilotildees e antiacuteteses aleacutem de conferir aos

mesmos a funccedilatildeo de unidade e integraccedilatildeo do ordenamento aos fins e valores que estes informam Desta maneira

eacute certo que o tracejo constitucional arquitetado para o direito agrave sauacutede denota um caraacuteter prioritaacuterio do mesmo

entre os direitos sociais o que deve ser seguido desde a proacutepria elaboraccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico sob pena de se

184

Nesse sentido Andreas J Krell alerta para a gravidade desses casos ao retratar406

que

Ateacute hoje existem municiacutepios onde se gasta ndash legalmente ndash mais dinheiro em

divertimentos populares (contrataccedilatildeo de bdquotrios eleacutetricos‟) ou na manutenccedilatildeo

da Cacircmara do que em toda aacuterea de sauacutede puacuteblica () Um orccedilamento

puacuteblico quando natildeo atende aos preceitos da Constituiccedilatildeo pode e deve ser

corrigido mediante alteraccedilatildeo do orccedilamento consecutivo logicamente com a

devida cautela Em casos individuais pode ocorrer a condenaccedilatildeo do Poder

Puacuteblico para a prestaccedilatildeo de determinado serviccedilo puacuteblico baacutesico ou o

pagamento de serviccedilo privado (exemplo reembolso de despesas de

atendimento em hospital particular) (Grifos acrescidos)

Partindo deste raciociacutenio todos os argumentos jaacute apontados referentes agrave alocaccedilatildeo do

direito agrave sauacutede para um primeiro plano dentre os direitos sociais agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o

direito agrave vida digna e sua feiccedilatildeo de direito impreteriacutevel satildeo aqui retomados para sustentar que

a priorizaccedilatildeo encontrada na CF de 1988 com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede deve ser

necessariamente refletida na fase de elaboraccedilatildeo (e durante a execuccedilatildeo) do orccedilamento puacuteblico

e isso natildeo significa simplesmente que os percentuais miacutenimos407

apontados

constitucionalmente devem ser respeitados mas sim que o aparato principioloacutegico que irradia

a proteccedilatildeo da sauacutede na Constituiccedilatildeo tenha reflexos equivalentes no proacuteprio orccedilamento

Daiacute ser risiacutevel a ocorrecircncia de situaccedilotildees como as antes exemplificadas bem como o

niacutevel de atenccedilatildeo que anualmente eacute dada a sauacutede puacuteblica em termos de percentuais de valores

do PIB408

(como jaacute visto em 2010 por exemplo somente 38 do PIB foi destinado para a

sauacutede) o que inevitavelmente eacute refletido na realidade precaacuteria da maioria dos hospitais

puacuteblicos do paiacutes409

vislumbrar contradiccedilotildees no mundo concreto a partir da priorizaccedilatildeo de bens juriacutedicos de expressatildeo constitucional

bem menos acentuada ou ateacute mesmo nula como eacute o caso da propaganda institucional PEREZ LUNtildeO Antonio

Enrique Derechos Humanos Estado de Derecho y Constitucioacuten Octava Edicioacuten Madrid Tecnos 2003 p

227 406

KRELL Andreas J Controle judicial dos serviccedilos puacuteblicos baacutesicos na base dos direitos fundamentais sociais

In SARLET Ingo Wolfgang (org) A constituiccedilatildeo concretizada ndash Construindo pontes com o puacuteblico e o

privado Porto Alegre Livraria do Advogado 2000 p 57 407

O cumprimento de tais percentuais natildeo deve ser encarado como uma ldquocarta de alforriardquo pelo Poder Puacuteblico

como uma meta que uma vez atingida gera a sensaccedilatildeo de quitaccedilatildeo com o direito agrave sauacutede como se aquilo fosse

suficiente para a efetivaccedilatildeo desse direito Tais percentuais devem ser enxergados em verdade como um limite

miacutenimo sobre o qual o Estado deve trilhar suas accedilotildees sempre para aleacutem do mesmo e cujo descumprimento revela

uma das grandes ofensas ao Estado Democraacutetico de Direito desenhado na CF de 1988 408

Sobre a noccedilatildeo de quanto uma naccedilatildeo deve gastar com sauacutede puacuteblica e as implicaccedilotildees de justiccedila e igualdade

frente ao alto custo da sauacutede na realidade norte-americana conferir DWORKIN Ronald A virtude soberana a

teoria e a praacutetica da igualdade Jussara Simotildees (trad) Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p 431 409

Nesse sentido Joseacute Renato Nalini pondera que ldquoembora a proclamaccedilatildeo de intenccedilotildees seja provida de saudaacutevel

pretensatildeo a realidade eacute bem diferente Entre o sistema uacutenico propiciador de sauacutede integral para todos e a

situaccedilatildeo verificada nos hospitais prontos-socorros e centros de atendimento agrave sauacutede em todo o Brasil haacute um

fosso intransponiacutevelrdquo NALINI Joseacute Renato O Judiciaacuterio e a Eacutetica na Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de

185

Essa necessaacuteria mudanccedila na realizaccedilatildeo do orccedilamento por sua vez passa tambeacutem pela

necessidade de a proacutepria Constituiccedilatildeo empreender mais atenccedilatildeo ao controle das decisotildees

envolvendo as despesas puacuteblicas uma vez que apesar de ser constatado um acurado cuidado

com a imposiccedilatildeo de limites ao poder de tributar natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo com relaccedilatildeo ao

passo posterior que eacute disciplina da despesa puacuteblica e seus desdobramentos

Eacute que hodiernamente ainda impera a ideia de que a influecircncia da Constituiccedilatildeo com

relaccedilatildeo aos gastos puacuteblicos estaria limitada ao aspecto formal de sua previsatildeo orccedilamentaacuteria

deixando de lado os fins materiais por ela estabelecidos Ana Paula de Barcellos reforccedila essa

ideia ao afirmar que410

Mas o que deveraacute constar no orccedilamento Em que se deveraacute investir Em que

os recursos puacuteblicos devem ser aplicados Com muita maior razatildeo tambeacutem

o conteuacutedo das despesas haveraacute de estar vinculado juridicamente agraves

prioridades eleitas pelo constituinte originaacuterio () A Constituiccedilatildeo

estabelece metas prioritaacuterias objetivos fundamentais dentre os quais

sobreleva a promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e aos

quais estatildeo obrigadas as autoridades puacuteblicas A despesa puacuteblica eacute o meio

haacutebil para atingir essas metas Logo por bastante natural as prioridades

em mateacuteria de gastos puacuteblicos satildeo aquelas fixadas pela Constituiccedilatildeo de

modo que tambeacutem a ponta da despesa que encerra o ciclo da atividade

financeira esteja submetida agrave norma constitucionalrdquo (Grifos acrescidos)

Robustecendo a disparidade entre a preocupaccedilatildeo com a limitaccedilatildeo do poder de tributar

e os limites quanto agraves despesas puacuteblicas tem-se que a atenccedilatildeo tanto dos juristas como dos

contribuintes em geral se concentra mais na tributaccedilatildeo (o dinheiro que entra) enquanto que a

disciplina legal da despesa puacuteblica termina ficando em segundo plano como se as pessoas

apoacutes reclamarem de pagar os altos tributos acabassem esquecendo que o que foi arrecadado

ainda seria delas e desta forma deveria ser alocado para o benefiacutecio da coletividade Fala-se

entatildeo em fortalecimento da cultura orccedilamentaacuteria no sentido de que a cidadania fiscal natildeo

termina no dever de pagar tributos mas se estende tambeacutem pelo ciclo orccedilamentaacuterio411

A defesa do raciociacutenio acima explicitado acarreta em repercussotildees praacuteticas relevantes

para o cumprimento dos objetivos fundamentais expostos na CF de 1988 Nesse sentido a

Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte

Foacuterum 2011 p 172 410

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da

Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 283 411

Aponta Ricardo Lobo Torres que ldquoa cidadania fiscal em seu sentido amplo abrange aleacutem das problemaacutetica

da receita os aspectos mais largos da cidadania financeira que compreendendo a vertente da despesa puacuteblica

envolve as prestaccedilotildees positivas de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais e aos direitos sociais e as escolhas

orccedilamentaacuterias questotildees que apresentam o maior deacuteficit de reflexatildeo teoacuterica no campo da cidadania Cidadania

fiscal eacute sobretudo cidadania orccedilamentaacuteriardquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de direito constitucional

financeiro e tributaacuterio ndash O orccedilamento na Constituiccedilatildeo v 5 Rio de Janeiro Renovar 2000 p 148

186

defesa pela vinculaccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico agraves prioridades constitucionais como um norte

em sua elaboraccedilatildeo acarreta consequecircncias inevitaacuteveis para certos componentes do orccedilamento

que passariam a ldquoir para o fim da fila412

rdquo e teriam sua realizaccedilatildeo condicionada ao

cumprimento das prioridades constitucionais413

A Constituiccedilatildeo por exemplo natildeo ldquofalardquo em propaganda414

como algo tatildeo relevante ao

ponto de merecer lugar cativo nas rubricas orccedilamentaacuterias da mesma forma ldquosussurrardquo sobre

a questatildeo do lazer e os divertimentos populares a serem proporcionados pelo Estado contudo

ldquogritardquo com relaccedilatildeo agrave sauacutede e educaccedilatildeo ao longo do seu corpo com mais de sessenta menccedilotildees

a cada um desses direitos sociais logo natildeo faz sentido algum que a canalizaccedilatildeo de recursos na

elaboraccedilatildeo do orccedilamento inverta essa loacutegica natildeo refletindo as prioridades constitucionais

Reforccedilando tal visatildeo Edilson Pereira Nobre Juacutenior ao analisar a possibilidade de o

Executivo no curso da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria suspender a liberaccedilatildeo de recursos inerentes

aos direitos fundamentais sociais para custear outros fins pondera que415

() nessa aacuterea natildeo incide manifestaccedilatildeo discricionaacuteria nenhuma Isso porque

haveraacute de reconhecer-se uma priorizaccedilatildeo no manuseio dos recursos

disponiacuteveis aos dispecircndios com direitos fundamentais sociais tendo em

vista o expresso desejo do Constituinte de 1988 em erigir a dignidade da

pessoa humana a fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm

III) bem como serem objetivos fundamentais desta a construccedilatildeo duma

sociedade livre justa e solidaacuteria a erradicaccedilatildeo da pobreza e a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais e regionais (art 3ordm I e III) Dessas normas insertas

no Tiacutetulo I (Dos Princiacutepios Fundamentais) decorre a primazia dos direitos

sociais

()A concretizaccedilatildeo dos novos direitos fundamentais eacute de ser reputada sem

sombra de duacutevida obrigaccedilatildeo constitucional dos entes poliacuteticos

No particular merece realce pelo seu elevado caraacuteter meritoacuterio e de

vanguarda decisatildeo lavrada pelo Des Federal Francisco Wildo Lacerda

412

Nesse sentido confira-se o seguinte entendimento do STJ ldquo() o escudo da reserva do possiacutevel natildeo imuniza

o administrador de adimplir promessas que tais vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais quanto mais

considerando a notoacuteria destinaccedilatildeo de preciosos recursos puacuteblicos para aacutereas que embora tambeacutem inseridas na

zona de accedilatildeo puacuteblica satildeo menos prioritaacuterias e de relevacircncia muito inferior aos valores baacutesicos da sociedade

representados pelos direitos fundamentaisrdquo (Grifos acrescidos) (Resp ndeg 811698RS julgado em 150507 pela

1deg Turma do STJ Rel Min Luiz Fux DJU de 040607 p 314) 413

Novamente Ana Paula de Barcellos corrobora com essa visatildeo ao ponderar que ldquo() se os meios financeiros

natildeo satildeo ilimitados os recursos disponiacuteveis deveratildeo ser aplicados prioritariamente no atendimento dos fins

considerados essenciais pela Constituiccedilatildeo ateacute que eles sejam realizados Os recursos remanescentes haveratildeo de

ser destinados de acordo com as opccedilotildees poliacuteticas que a deliberaccedilatildeo democraacutetica apurar em cada momento

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade

da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284 414

O art 37 sect 1deg somente ressalva que a publicidade dos atos programas obras serviccedilos e campanhas dos

oacutergatildeos puacuteblicos deveraacute ter caraacuteter educativo informativo ou de orientaccedilatildeo social dela natildeo podendo constar

nomes siacutembolos ou imagens que caracterizem promoccedilatildeo pessoal de autoridades ou servidores puacuteblicos 415

NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira O controle de poliacuteticas puacuteblica um desafio agrave jurisdiccedilatildeo constitucional In

Revista de Doutrina do TRF 4deg 19deg ed 2007 Disponiacutevel em

httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrindexhtmhttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrartigosedicao019Edilso

n_Juniorhtm Acessado em 19062013

187

Dantas do E Tribunal Regional Federal da 5ordf Regiatildeo nos autos do Agravo

de Instrumento 67336 ndash PB manejado pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal

contra o Estado da Paraiacuteba

S Exa na oportunidade determinara sob pena de multa pecuniaacuteria que

referido ente poliacutetico remanejasse 1760 da verba destinada agrave publicidade

institucional com vistas a normalizar o fornecimento de remeacutedios

destinados ao tratamento de pacientes portadores de mal de Parkinson

Restou ponderado que o deferimento da medida far-se-ia pelo fato do Estado

haver-se mantido recalcitrante em cumprir anterior decisatildeo judicial a qual

determinava que regularizasse a distribuiccedilatildeo dos medicamentos necessaacuterios

ao atendimento de mencionada enfermidade bem como porque se destinava

atender bem juriacutedico mais importante qual seja a vida dos cidadatildeos

paraibanos devendo assim preponderar sobre outra atividade puacuteblica

reputada de menor relevacircncia como eacute o caso da publicidade

governamental() (Grifos acrescidos)

Desta maneira defende-se a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido

de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a

destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade sob pena de

clara afronta agrave vontade da Constituiccedilatildeo416

Aplicando o pensamento acima para a realidade atual brasileira considera-se

inadmissiacutevel que no atual estaacutegio do Estado Democraacutetico de Direito conquistado no paiacutes seja

enxergado com naturalidade o fato de serem destinados bilhotildees para a construccedilatildeo de estaacutedios

de futebol (para realizaccedilatildeo da copa do mundo) por meio de parcerias puacuteblico-privadas417

enquanto a sauacutede puacuteblica atravessa um quadro de caos por falta de meacutedicos e ateacute mesmo

utensiacutelios baacutesicos nos hospitais puacuteblicos o que corrobora para a necessidade de mudanccedila

apontada

Contudo a problemaacutetica com relaccedilatildeo ao orccedilamento natildeo ocorre somente na sua fase de

elaboraccedilatildeo Satildeo rotineiras durante o processo de execuccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio algumas

situaccedilotildees que comprometem fortemente a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

(especialmente agrave sauacutede) mas antes de analisaacute-las eacute preciso compreender algumas

caracteriacutesticas dessa fase

416

Ana Paula de Barcellos sustentando ser plausiacutevel a defesa de que os gastos com publicidade governamental

devam ser necessariamente menores que os investimentos com sauacutede ou educaccedilatildeo exemplifica um caso no Rio

de Janeiro em que o MP ajuizou uma accedilatildeo de improbidade administrativa (Processo ndeg 2003014016724-4 4deg

Vara Ciacutevel da Comarca de Campos dos Goytacazes) em face de autoridades municipais do Municiacutepio de

Campos dos Goytacazes devido ao excesso de gastos com eventos culturais em que alegou-se sobretudo que os

gastos milionaacuterios nessas aacutereas natildeo eram repetidos em aacutereas mais relevantes e de atuaccedilatildeo obrigatoacuteria e prioritaacuteria

do poder puacuteblico o que feria a razoabilidade BARCELLOS Ana Paula de Constitucionalizaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas em mateacuteria de direitos fundamentais o controle poliacutetico-social e o controle juriacutedico no espaccedilo

democraacutetico In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 119 417

Acerca da aplicaccedilatildeo do instituto na aacuterea de sauacutede conferir GOMES Ana Maria Viccedilosa As parcerias

puacuteblico-privadas na gestatildeo hospitalar no Brasil In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 269-293 2009

ndash UNIMAR

188

Em que pese existir certa controveacutersia sobre a natureza juriacutedica do orccedilamento (satildeo

vaacuterias posiccedilotildees uns defendem a natureza de ato administrativo outros de lei conjunccedilatildeo entre

lei e ato administrativo ato-condiccedilatildeo etc) consolidou-se no Brasil o entendimento de que tal

instrumento se trata de lei em sentido meramente formal natildeo criando portanto direitos e

obrigaccedilotildees mas apenas orientando pautas para a legitimaccedilatildeo financeira da atividade

puacuteblica418

O objetivo dessa visatildeo eacute retirar da lei orccedilamentaacuteria sua conotaccedilatildeo substantiva de gerar

uma vinculaccedilatildeo imediata419

jaacute que se assim fosse haveria um inevitaacutevel engessamento do

ciclo orccedilamentaacuterio ao passo que nada poderia ser feito quanto agraves eventuais externalidades

ocorridas no transcorrer de sua execuccedilatildeo o que traria imensa inseguranccedila juriacutedica para a

realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Desta maneira o orccedilamento inegavelmente precisa de uma natural flexibilidade e

discricionariedade em sua execuccedilatildeo para que os fins nele previamente projetados possam ser

atingidos em conformidade com o cenaacuterio externo encontraacutevel isso tudo corre por uma

questatildeo proacutepria de racionalidade administrativa uma vez que seria impossiacutevel prever

normativa e previamente todas as hipoacuteteses de revisatildeo do orccedilamento como o satildeo a anulaccedilatildeo

de rubricas a natildeo realizaccedilatildeo de certas despesas e o contingenciamento de empenhos iacutensitos agrave

dinamicidade orccedilamentaacuteria420

Contudo essa inerente flexibilidade caracteriacutestica do caraacuteter autorizativo da peccedila

orccedilamentaacuteria se justifica exatamente pela necessidade de melhor atender aos fins puacuteblicos

priorizados na Constituiccedilatildeo e por isso natildeo pode ser transformada em arbitrariedade421

por

parte do Poder Puacuteblico sob pena dos desvirtuamentos ocasionados gerarem impactos sobre os

direitos fundamentais como eacute o prioritaacuterio direito agrave sauacutede

Ocorre que a realidade brasileira estaacute enquadrada nesse temeroso cenaacuterio de

arbitrariedade Atraveacutes de praacuteticas que recorrentemente frustram a agenda orccedilamentaacuteria e

418

OLIVEIRA Reacutegis Fernandes de Curso de Direito Financeiro Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006 p

309 419

OLIVEIRA Fernando Froacutees Financcedilas puacuteblicas economia e legitimaccedilatildeo alguns argumentos em defesa do

orccedilamento autorizativo In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO

Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 692 420

PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo

e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 4 421

Quanto a este ponto Germaacuten J Bidart Campos pondera que ldquo() Es verdad que no se puede marcar

riacutegidamente com uma cifra inamovible el maacuteximo de recursos disponibles Lo que si se puede y se debe ES

resuponer que el maacuteximo bdquodisponible‟ ES el maacuteximo que razonablemente surge de uma evaluacioacuten objetiva com

la que al distribuir los ingresos y los gastos de la hacienda puacuteblica se prioriza lo maacutes valioso y se escalona a

partir de alliacute lo mesno valiosordquo BIDART CAMPOS Germaacuten J El Orden Socioeconomico em la Constitucioacuten

Buenos Aires EDIAR 1999 p 343 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios

Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284

189

prejudicam a realizaccedilatildeo das metas pactuadas quando da elaboraccedilatildeo do orccedilamento a equaccedilatildeo

receita-despesa acaba passando longe das prioridades definidas legalmente

No contexto da arbitrariedade um dos mecanismos utilizado (e fortemente criticado) eacute

contingenciamento de empenhos procedimento formal de limitaccedilatildeo tanto das despesas

autorizadas na lei orccedilamentaacuteria anual quanto da movimentaccedilatildeo financeira a elas interligada

que tem o intuito de vedar que os ordenadores de despesa emanem atos de assunccedilatildeo de

obrigaccedilatildeo de pagamento para o Estado422

Essa hipoacutetese de limitaccedilatildeo de despesa eacute uma espeacutecie de contenccedilatildeo de gasto puacuteblico

pela possibilidade de natildeo existir garantia de receita que lhe promova o custeio e tem

supedacircneo no art 9deg da LRF que afirma ser possiacutevel se restringir a geraccedilatildeo de despesas

quando restar averiguado mediante relatoacuterio resumido de execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria que haacute

risco de frustraccedilatildeo das metas de resultado primaacuterio ou nominal previstas na LDO pelo fato de

a geraccedilatildeo receitas natildeo seguirem o planejado inicialmente

Ou seja a utilizaccedilatildeo do contingenciamento soacute seraacute legiacutetima quando comprovado

motivadamente que haacute uma reduccedilatildeo da arrecadaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave despesa antes estimada na

fixaccedilatildeo das metas fiscais da LDO e na proacutepria LOA O uso desta teacutecnica de modo a

transbordar esse limite ou seja a praacutetica da simples inexecuccedilatildeo das despesas previstas sem

qualquer motivaccedilatildeo ligada ao cumprimento das metas fiscais desnatura a proacutepria finalidade

programatoacuteria das peccedilas orccedilamentaacuteria e subverte as prioridades alocadas quando da

elaboraccedilatildeo do plano para o exerciacutecio financeiro

Nessa conjuntura eacute de se constatar que haacute no Brasil um quadro de contracionismo

orccedilamentaacuterio caracterizado pelo manejo abusivo e arbitraacuterio da figura do contingenciamento

de empenhos que contribui para a inefetividade dos direitos sociais visto que as poliacuteticas

puacuteblicas que foram idealizadas acabam sendo parcial ou integralmente inexecutadas e

consequentemente as prioridades definidas no processo deliberativo do orccedilamento acabam

sendo redesenhadas por ato unilateral do Poder Puacuteblico423

Frente a ampla discricionariedade conferida ao Poder Executivo eacute recorrente a

seguinte situaccedilatildeo que caracteriza uma espeacutecie de contingenciamento preventivo poucos dias

apoacutes o orccedilamento ser aprovado edita-se um decreto limitando a liberaccedilatildeo de certos recursos

422

PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo

e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 9 423

MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de

poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 380

190

de dotaccedilotildees inicialmente previstas sem qualquer motivaccedilatildeo ficando essa parcela da receita

em uma espeacutecie de limbo ofendendo-se assim a previsatildeo jaacute visto no art 9deg da LRF424

Para se ter uma ideia dentre os Programas de Trabalho da Uniatildeo previstos na LOA de

2005 cerca de trinta e seis programas ou natildeo foram sequer executados ou tiveram dotaccedilatildeo

inicialmente autorizada inferior a 10 do inicialmente (dentre eles programa de saneamento

ambiental urbano425

e de atenccedilatildeo integral agrave sauacutede da mulher) configurando o que Eacutelida

Graziane Pinto denomina de ldquofrustraccedilatildeo reiterada de agendas orccedilamentaacuterias discutidas

aprovadas em lei mas apenas minimamente executadasrdquo426

A grande parte desses recursos contingenciados satildeo utilizados para assegurar as metas

de superaacutevit primaacuterio e acordos firmados para pagamento da diacutevida puacuteblica vislumbrando-se

desta maneira que o governo federal acaba adotando o contingenciamento como um

mecanismo de poliacutetica econocircmica a partir da priorizaccedilatildeo do pagamento de juros e

amortizaccedilotildees de diacutevidas em detrimento do cumprimento de programas que garantem a

realizaccedilatildeo de inuacutemeros direitos fundamentais

Corroborando com essa visatildeo o Instituto de estudos soacutecio-econocircmicos (INESC)427

em

estudo sobre o tema posicionou-se no sentido de que

() essa necessidade de geraccedilatildeo de superaacutevits primaacuterios maiores ateacute do que

os especificados na LDO e a priorizaccedilatildeo de pagamento de juros da diacutevida em

detrimento da execuccedilatildeo das poliacuteticas sociais tecircm levado o governo a adotar o

contingenciamento preventivo

() as consequecircncias desse contingenciamento preventivo foram observadas

no ano de 2003 quando foram executados R$ 1202 bilhotildees em 19 dias e

em 2004 quando foram executados R$ 900 bilhotildees em apenas 15 dias

sempre no final do exerciacutecio fiscal Todo comeccedilo de ano haacute interrupccedilatildeo na

execuccedilatildeo das poliacuteticas para nos uacuteltimos dias do mecircs de dezembro haver

liberaccedilotildees exorbitantes de recursos

424

MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de

poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 381 425

Sobre essa situaccedilatildeo Eduardo Mendonccedila pontua que ldquo o saneamento baacutesico eacute uma necessidade primaacuteria de

sauacutede puacuteblica mas ainda natildeo eacute fornecido agrave parte consideraacutevel das residecircncias brasileiras Nada obstante o

programa correspondente do Ministeacuterio da Sauacutede foi reduzido em cerca de 21 (corte superior a 882 milhotildees de

reais) MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de

poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais

orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 383 426

PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo

e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 7 427

Nota Teacutecnica nordm 98 do INESC ndash Contingenciamento necessidade tributaacuteria ou instrumento da poliacutetica

econocircmica 2011 Disponiacutevel em httpwwwinescorgbrbibliotecapublicacoesnotas-tecnicasnts-

anterioresnts-2005NT209820-2020OR_AMENTO20-20CONTIGENCIAMENTOpdfview

Acessado em 12062013

191

A praacutetica do contingenciamento preventivo acaba negando o que faticamente foi

projetado para o orccedilamento como finalidade prioritaacuteria a ser concretizada redesenhando o

orccedilamento puacuteblico jaacute que inexiste motivaccedilatildeo quanto agrave frustraccedilatildeo de receitas e o risco de

afetaccedilatildeo das metas de resultado nominal e primaacuterio conforme o art 9deg da LRF Como

consequecircncias negativas dessa praacutetica podem ser destacadas o prejuiacutezo para a continuidade

das poliacuteticas puacuteblicas a reduccedilatildeo da transparecircncia e a dificuldade se realizar o controle social

desses gastos428

Em suma defende-se que a praacutetica do contingenciamento preventivo eacute

inconstitucional uma vez que acaba possibilitando que a programaccedilatildeo orccedilamentaacuteria prevista

na LOA seja reprojetada desvirtuando as prioridades delineadas na CF seguidas na

elaboraccedilatildeo do orccedilamento Faz-se necessaacuterio portanto mecanismos eficientes de controle do

desenvolvimento do ciclo orccedilamentaacuterio429

especialmente quanto a possibilidade encampada

no art 9deg LRF de modo a garantir que a discricionariedade necessaacuteria do Poder Puacuteblico no

desenrolar orccedilamentaacuterio natildeo se transforme em arbitrariedade e abusos subversivos da loacutegica

do ciclo orccedilamentaacuterio430

Dito isto entra-se na discussatildeo acerca do controle de constitucionalidade da lei

orccedilamentaacuteria bem como na possibilidade de o Judiciaacuterio controlar e garantir o fiel

cumprimento do orccedilamento e sua adequaccedilatildeo agraves prioridades constitucionais Quanto a

possibilidade de controle de constitucionalidade o STF durante muito tempo encampou a

428

Corroborando Eduardo Mendonccedila expotildee que ldquonatildeo por acaso todos os anos eacute noticiado que o Poder

Executivo decide rever as metas para maior agrave custa do corte nos investimentos previstos Tambeacutem aqui se

verifica a superaccedilatildeo da decisatildeo orccedilamentaacuteria inicial e de forma ainda mais grave (uma autecircntica decisatildeo de natildeo

gastar) As prioridades definidas no processo deliberativo orccedilamentaacuterio ndash que jaacute levara em conta a questatildeo das

metas fiscais ndash satildeo redesenhadas por ato unilateral da Administraccedilatildeo MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de

gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e

TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre

Livraria do Advogado 2010 p 377-378 429

Nessa questatildeo Ricardo Lobo Torres sugere a importaccedilatildeo de certos institutos do direito estrangeiro ao afirmar

por exemplo que ldquoainda falta no direito positivo brasileiro instrumento semelhante ao do mandado de injunccedilatildeo

americano que permita ao Judiciaacuterio vincular o Legislativo na feitura do orccedilamento do ano seguinte em

homenagem a direitos fundamentais sociais (miacutenimo existencial) que necessitam do controle jurisdicional

contramajoritaacuterio tiacutepico dos direito essencialmente constitucionaisrdquo TORRES Ricardo Lobo O miacutenimo

existencial os direitos sociais e os desafios de natureza orccedilamentaacuteria In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM

Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010 p 76 430

Nesse sentido Eduardo Mendonccedila pondera que ldquoum orccedilamento realista e efetivo seraacute antes de tudo um

instrumento de concretizaccedilatildeo e harmonizaccedilatildeo das escolhas poliacuteticas aleacutem de constituir foacuterum privilegiado para a

fiscalizaccedilatildeo social do Estado () Natildeo eacute preciso subordinar a poliacutetica ao direito para reconhecer que a liberdade

de conformaccedilatildeo dos agentes eleitos natildeo se estende ao ponto de lhes conceder a prerrogativa de tomar decisotildees

absolutamente irrealizaacuteveis incoerentes entre si ou mesmo de ocultar as decisotildees reais por meio de um sistema

orccedilamentaacuterio incompreensiacutevel e iloacutegicordquo MENDONCcedilA Eduardo Alguns Pressupostos para um Orccedilamento

Puacuteblico Conforme a Constituiccedilatildeo In BARROSO Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito

puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 640-641

192

orientaccedilatildeo de que como as leis orccedilamentaacuterias seriam lei apenas em sentido formal natildeo seria

possiacutevel o controle abstrato de suas constitucionalidades431

Contudo desde 2003432

foram dados alguns passos em sentido inverso vindo a mudar

a orientaccedilatildeo da Corte em 2008433

quando o STF concluiu pelo cabimento do controle abstrato

de constitucionalidade em relaccedilatildeo agraves leis orccedilamentaacuterias em que pese seu aspecto meramente

formal principalmente quanto a questatildeo da abertura de creacuteditos extraordinaacuterios por medidas

provisoacuterias que deveriam ficar restritos somente agraves hipoacuteteses autorizadas no sect 3deg do art 167

da CF434

A defesa aqui proposta eacute pela inevitabilidade do controle de constitucionalidade da

legislaccedilatildeo orccedilamentaacuteria em decorrecircncia da proacutepria forccedila imperativa da Constituiccedilatildeo visando a

que natildeo somente suas determinaccedilotildees referentes agraves diretrizes orccedilamentaacuterias mas tambeacutem ao

princiacutepio da eficiecircncia agrave dignidade da pessoa humana e agrave priorizaccedilatildeo dos direitos

fundamentais sejam fielmente seguidas e que a estruturaccedilatildeo tanto da elaboraccedilatildeo quanto da

execuccedilatildeo do orccedilamento fique livre das mazelas (como eacute o caso do corte de verbas em aacutereas

prioritaacuterias frente ao contingenciamento preventivo) que acabam subvertendo os valores

acima dificultando a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais especialmente o direito agrave

sauacutede435

Reforccedilando essa necessidade de controle Ana Paula de Barcellos alerta para o

interessante fato de que enquanto haacute uma acentuada preocupaccedilatildeo em limitar o iacutempeto

arrecadatoacuterio do Estado natildeo existe uma atenccedilatildeo equivalente com o que o Estado faraacute com os

recursos arrecadados destacando-se a seguinte passagem436

431

ADI 2057MC - AP 1999 Rel Min Mauriacutecio Correcirca Publicado em 31032000 p 50 432

ADI 2925- DF 2003 Rel Min Ellen Gracie Publicado em 04032005 p 10 433

ADI 4048 MC - DF 2008 Rel Min Gilmar Mendes Publicado em 21082008 p 55 434

Conforme se extrai do Informativo ndeg 502 do STF ao mencionar a ADI 4048 MCndashDF pode ser destacada a

seguinte passagem ldquo() Aduziu-se ademais natildeo haver razotildees de iacutendole loacutegica ou juriacutedica contra a afericcedilatildeo da

legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas e que estudos e anaacutelises no plano da teoria do

direito apontariam a possibilidade tanto de se formular uma lei de efeito concreto de forma geneacuterica e abstrata

quanto de se apresentar como lei de efeito concreto regulaccedilatildeo abrangente de um complexo mais ou menos amplo

de situaccedilotildees Concluiu-se que em razatildeo disso o Supremo natildeo teria andado bem ao reputar as leis de efeito

concreto como inidocircneas para o controle abstrato de normas ()rdquo (Grifos acrescidos) 435

No que se refere agrave possibilidade de controle concentrado do orccedilamento de se destacar as liccedilotildees de Harrison

Leite no sentido de que ldquoindependente da feiccedilatildeo que queira dar ao orccedilamento o certo eacute que a Constituiccedilatildeo

reconheceu o seu caraacuteter legal dotando-lhe de um ciclo legislativo especial E mais submeteu a sua mateacuteria a

controle jurisdicional na medida em que claramente previu regras de alocaccedilatildeo de recursos vinculantes aos

fautores da lei que natildeo tecircm argumentos para se desobrigarem do mandamento constitucionalrdquo LEITE Harrison

Ferreira O orccedilamento e a possibilidade de controle de Constitucionalidade Revista Tributaacuteria e de Financcedilas

Puacuteblicas v 70 p 162-185 2006 p 172 436

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 16

193

A realidade das despesas puacuteblicas entretanto deveria despertar interesse

semelhante desperdiacutecio e ineficiecircncia prioridades incompatiacuteveis com a

Constituiccedilatildeo precariedade de serviccedilos indispensaacuteveis agrave promoccedilatildeo de

direitos fundamentais baacutesicos como educaccedilatildeo e sauacutede e sua convivecircncia

com vultosos gastos em rubricas como publicidade governamental e

comunicaccedilatildeo social natildeo satildeo propriamente fenocircmenos pontuais e isolados na

Administraccedilatildeo Puacuteblica brasileira (Grifos acrescidos)

O raciociacutenio desta maneira eacute no sentido de que a ideia de legalidade orccedilamentaacuteria natildeo

deve ser encarada como um fim em si mesmo como se fosse um dogma absoluto jaacute que sofre

limitaccedilotildees constitucionais e cede agrave efetividade da Constituiccedilatildeo devendo o orccedilamento assim

natildeo soacute respeitar as regras constitucionais e legais quanto a sua elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo como

tambeacutem guardar similitude com o compromisso do Poder Puacuteblico na concretizaccedilatildeo dos

direitos fundamentais

Nesse sentido haacute uma premente necessidade de se repensar a teoria juriacutedica que

prevalece ateacute hoje no paiacutes acerca do orccedilamento de modo a ser mais recorrente e enfaacutetico o seu

controle com vistas a que sejam cumpridas as metas prioritaacuterias inseridas na Constituiccedilatildeo em

detrimento a situaccedilotildees menos relevantes Sobre este ponto merece destaque a liccedilatildeo de Tecircmis

Limberger437

Passaram-se quase 20 anos para que comeccedilasse a se amadurecer no sentido

de que os direitos sociais fossem relacionados com os dispositivos

orccedilamentaacuterios Eacute o que Canotilho e Moreira denominam de ldquoConstituiccedilatildeo

orccedilamentalrdquo As medidas de gestatildeo orccedilamentaacuteria satildeo importantes quando se

pretende a realizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos Questotildees vitais como sauacutede

educaccedilatildeo seguranccedila e moradia reclamam para sua implementaccedilatildeo

dispecircndios por parte do poder puacuteblico que precisa contar com disposiccedilotildees

orccedilamentaacuterias

623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

Quanto agrave questatildeo do controle orccedilamentaacuterio Ana Paula de Barcellos contribui para a

temaacutetica com a apresentaccedilatildeo de alguns paracircmetros relevantes438

O primeiro paracircmetro baacutesico

no controle judicial dos orccedilamentos eacute a fiscalizaccedilatildeo acerca do respeito aos percentuais

miacutenimos de gastos que a CF estabelece para aacutereas prioritaacuterias como eacute o caso da sauacutede sendo

essencial o amplo acesso a informaccedilotildees do ciclo orccedilamentaacuterio o exemplar rigor na aplicaccedilatildeo

437

LIMBERGER Tecircmis Direito agrave sauacutede e poliacuteticas puacuteblicas a necessidade de criteacuterios judiciais a partir dos

preceitos constitucionais In Revista de Direito Administrativo v 251 FGV Rio de Janeiro maiago 2009

p 182 438

BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas

In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 19-25

194

das consequecircncias quanto o eventual descumprimento dos mesmos bem como a efetivaccedilatildeo do

respeito desses percentuais a partir da realocaccedilatildeo de valores direcionados para aacutereas menos

prioritaacuterias

Em segundo lugar destaca-se a necessidade de se consolidar a partir do texto da CF

um esqueleto do resultado final esperado da atuaccedilatildeo estatal a partir da extraccedilatildeo de efeitos

especiacuteficos que funcionariam como metas concretas a serem atingidas em caraacuteter prioritaacuterio

pelo Pode Puacuteblico ficando outros gastos menos importantes ou natildeo importantes agrave espera do

cumprimento das prioridades

Finalmente aponta para a necessidade de existir um controle da proacutepria definiccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas a serem realizadas ou seja dos meios e instrumentos usados para se

concretizar as metas constitucionais e nesse ponto o princiacutepio da eficiecircncia439

assume papel

relevante como paracircmetro chave de tal controle de modo a respaldar o afastamento de

praacuteticas comprovadamente ineficientes as quais atrapalham a fruiccedilatildeo dos direitos

fundamentais pela sociedade

Importante ressaltar tambeacutem a utilizaccedilatildeo de accedilotildees coletivas com a finalidade de

concretamente acabar empreendendo o controle de constitucionalidade da execuccedilatildeo

orccedilamentaacuteria exigindo o cumprimento da mesma conforme as regras constitucionais Nesse

sentido Cleacutemerson Merlin Cleacuteve aponta que440

Desse modo tratar-se-ia de compelir o Poder Puacuteblico a cumprir a lei

orccedilamentaacuteria que contenha as dotaccedilotildees necessaacuterias (evitando assim os

remanejamentos de recursos para outras finalidades) assim como de obrigar

o Estado a prever na lei orccedilamentaacuteria os recursos necessaacuterios para de forma

progressiva realizar os direitos sociais E aqui eacute preciso desmistificar a ideia

de que o orccedilamento eacute meramente autorizativo Se o orccedilamento eacute programa

sendo programa natildeo pode ser autorizativo O orccedilamento eacute lei que precisa ser

cumprida pelo Executivo

A possibilidade supracitada se concretiza sobretudo mediante o importante papel

desempenhado pelo Ministeacuterio Puacuteblico que atento agrave efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em todos os

seus niacuteveis deve buscar judicialmente tambeacutem o controle concreto do ciclo orccedilamentaacuterio

atraveacutes do importante instrumento da accedilatildeo civil puacuteblica

439

Sobre a importacircncia do princiacutepio da eficiecircncia e o controle da discricionariedade na Administraccedilatildeo Puacuteblica

conferir MORAES Alexandre Princiacutepio da eficiecircncia e a evoluccedilatildeo do controle jurisdicional dos atos

administrativos discricionaacuterios In LEITE George Salomatildeo SARLET Ingo Wolfgang Direitos Fundamentais

e Estado Constitucional Estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho Satildeo Paulo Editora Revista dos

Tribunais Coimbra Coimbra Editora 2009 p 417 440

CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais In Revista da

Academia Brasileira de Direito Constitucional v 3 Curitiba 2003 p 299

195

Exemplo interessante dessa atuaccedilatildeo aconteceu no Rio Grande do Norte quando o

Ministeacuterio Puacuteblico daquele Estado ao constatar ausecircncia do repasse de valores para o Fundo

Estadual da Sauacutede previstos no orccedilamento da sauacutede do ano de 2008 bem como

contingenciamento de valores da sauacutede para reserva teacutecnica pleiteou por meio de ACP que

tal situaccedilatildeo fosse revertida com o consequente repasse e o descontingenciamento dos valores

da sauacutede

Ao empreender o exame da referida ACP o Judiciaacuterio levou em conta a jurisprudecircncia

do STF e chamou atenccedilatildeo quanto ao caos da sauacutede puacuteblica no referido estado para apesar de

reconhecer a perda do objeto da accedilatildeo determinar cautelarmente que o Poder Puacuteblico a partir

daquele momento natildeo realizasse qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias

direcionadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem a preacutevia aprovaccedilatildeo do Conselho Estadual de

Sauacutede o que reforccedila o papel desses oacutergatildeos jaacute trabalhado anteriormente estipulando multa em

caso de descumprimento

Alguns trechos relevantes da presente decisatildeo441

merecem ser transcritos

Natildeo obstante a formulaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas dependam de

opccedilotildees poliacuteticas a cargo daqueles que por delegaccedilatildeo popular receberam

investidura em mandato eletivo cumpre reconhecer que natildeo se revela

absoluta nesse domiacutenio a liberdade de liberdade de conformaccedilatildeo do

legislador nem a de atuaccedilatildeo do Poder Executivo A par das consideraccedilotildees

acima considerando o poder geral de cautela deferido ao juiz pelo art 798

do Coacutedigo de Processo Civil e A) agrave evidecircncia da ampla documentaccedilatildeo

acostada a qual demonstra que natildeo soacute em 2008 mas tambeacutem em 2009 e

2010 ocorreram contingenciamentos de verbas do orccedilamento da sauacutede

bem como os repasses a conta-gotas das verbas orccedilamentaacuterias da Sauacutede as

quais ultima ratio tolheram (e tolhem) a efetiva aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo

orccedilamentaacuteria dos recursos vinculados a accedilotildees e serviccedilo de sauacutede B) que

com tal conduta a Administraccedilatildeo tem descumprido os preceitos do art 198

I e II da Constituiccedilatildeo art 77 da ADCT com redaccedilatildeo dada pela Emenda

292000 e ainda escamoteia a interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos art 33 e

34 da Lei 808090 C) que aleacutem de notoacuterio conforme diuturnamente

veiculado na imprensa o caos na sauacutede puacuteblica estadual resta evidenciada

pela prova documental a situaccedilatildeo emergencial de desabastecimento dos

hospitais da rede estadual Por tudo isto entendo ser hipoacutetese de

intervenccedilatildeo excepcional do Judiciaacuterio no trato e execuccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede () CAUTELARMENTE determino ao Estado do RN

em especial ao Sr Secretaacuterio Estadual de Planejamento que doravante 1deg)

NAtildeO PROCEDA qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias

destinadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem preacutevia anuecircncia escrita do

Conselho Estadual de Sauacutede deliberada pelo respectivo colegiado sob pena

de multa no valor de R$ 5000000 (cinquenta mil reais) aplicada

pessoalmente contra o Secretaacuterio de Planejamento por cada

contingenciamento que ocorra em desobediecircncia a presente decisatildeo 2)

441

ACP ndeg 0035742-762008200001 Juiz de Direito Airton Pinheiro 5deg Vara da Fazenda Puacuteblica de Natal-RN

Publicado em 07022011

196

que o Sr Secretaacuterio de Planejamento ateacute o 20 dia do mecircs subsequente a

cada mecircs vencido PROCEDA em favor do Fundo Estadual da Sauacutede o

repasse integral das verbas orccedilamentaacuterias vinculadas agraves accedilotildees e serviccedilos de

Sauacutede em valor natildeo inferior ao equivalente a 112 (um doze avos) do

orccedilamento previsto para a pasta da Sauacuted ()rdquo (Grifos acrescidos)

Corroborando com a demonstraccedilatildeo da repercussatildeo negativa que os analisados

problemas orccedilamentaacuterios acarretam ao direito agrave sauacutede tem-se que no contexto brasileiro natildeo

satildeo raros os casos em que cortes no orccedilamento puacuteblico terminam prejudicando diretamente o

andamento de poliacuteticas puacuteblicas ligadas a esse prioritaacuterio direito fundamental Reforccedilando o

ponto de vista jaacute afirmado natildeo se pode admitir que o respeito aos percentuais miacutenimos

estabelecidos na CF seja por si soacute suficiente para que o Estado se desvincule do seu perene

dever de garantir a sauacutede sendo inafastaacutevel a conclusatildeo de que a praacutetica de cortes de gastos

direcionados agrave sauacutede ainda que se continue respeitando o miacutenimo de aporte financeiro

estabelecido constitucionalmente eacute flagrantemente inconstitucional ainda mais quando os

valores satildeo direcionados para aacutereas natildeo prioritaacuterias

No ano de 2012 por exemplo houve um corte de R$ 55 bilhotildees no orccedilamento geral da

Uniatildeo que acarretou no contingenciamento de recursos do Ministeacuterio da Sauacutede (na casa de R$

54 bilhotildees) Tal situaccedilatildeo gerou indignaccedilatildeo do Conselho Nacional de Sauacutede que teceu fortes

criacuteticas ao governo em carta aberta agrave presidenta Dilma Roussef destacando-se os seguintes

trechos442

A equipe econocircmica do governo federal propotildee agora um

contingenciamento da ordem de R$ 54 bilhotildees no jaacute restrito orccedilamento do

Ministeacuterio da Sauacutede O mais curioso eacute o argumento de que o

contingenciamento visa a favorecer o crescimento econocircmico do paiacutes Ora a

sauacutede eacute um importante setor econocircmico representando cerca de 9 do PIB

[Produto Interno Bruto] e muito tem contribuiacutedo para o desenvolvimento

nacional ao movimentar um potente mercado de bens e serviccedilos e a

assegurar milhotildees de empregos

() O que mais provoca indignaccedilatildeo na proposiccedilatildeo do contingenciamento

dos recursos da sauacutede eacute a verificaccedilatildeo de que a LOA 2012 [Lei

Orccedilamentaacuteria Anual] prevecirc destinar R$ 655 bilhotildees ou 30 do Orccedilamento

federal de 2012 ao refinanciamento e ao pagamento de juros e amortizaccedilotildees

da diacutevida puacuteblica mais de nove vezes o valor previsto para a sauacutede (Grifos

acrescidos)

Frente a todo o exposto conclui-se que a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio e a partir da

provocaccedilatildeo sobretudo do Ministeacuterio Puacuteblico eacute muito importante em todas as fases das accedilotildees

estatais trilhadas para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e estaacute calcada na busca pelo

442

O referido documento pode ser conferido na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico

httpconselhosaudegovbrultimas_noticias2012docs17_fev_ASSEGURAR_RECURSOS_LOA_20PARA

_SAUDEpdf

197

respeito agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e aos valores por ela norteados o que termina superando

qualquer argumento contraacuterio ligado agrave separaccedilatildeo dos poderes ou ao respeito da estrita

legalidade orccedilamentaacuteria443

Ocorre que o Judiciaacuterio natildeo deve ser sobrecarregado como a uacutenica esperanccedila possiacutevel

para o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede devendo ser criadas condiccedilotildees para um

efetivo controle social e nesse ponto complementando o jaacute relevante papel dos Conselhos de

Sauacutede podem ser destacadas medidas como o orccedilamento participativo e a atuaccedilatildeo direta da

populaccedilatildeo por meio de manifestaccedilotildees populares e ateacute mesmo atraveacutes da iniciativa popular na

busca pela melhor garantia do direito agrave sauacutede444

Em linhas gerais os orccedilamentos participativos satildeo modelos em que a proacutepria

comunidade participa conjuntamente com o pode puacuteblico na elaboraccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio

e as experiecircncias brasileiras (as quais satildeo restritas ao acircmbito municipal) apesar de denotarem

certa ausecircncia de uniformidade na formataccedilatildeo de tais processos apontam para benefiacutecios

relevantes para a eficiecircncia e cumprimento da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria445

O principal exemplo ocorreu em Porto Alegre onde desde 1989 implementou-se o

orccedilamento participativo possibilitando um amplo acesso da populaccedilatildeo agrave tomada de decisotildees

orccedilamentaacuterias que geraram novas prioridades agrave gestatildeo de recursos da cidade constatando-se

443

Nesse sentido aponta Marcelo Harger que ldquoas metas valores e procedimentos devem ser concomitantemente

observados para que uma poliacutetica puacuteblica possa ser considerada constitucional Natildeo se pode com o objetivo de

assegurar o desenvolvimento nacional ofender a dignidade da pessoa humana ou acabar com o pluralismo

poliacuteticordquo HARGER Marcelo Os princiacutepios constitucionais e o controle das poliacuteticas puacuteblicas pelo Poder

Judiciaacuterio In CRUZ Paulo Maacutercio GOMES Rogeacuterio Zuel (coords) Princiacutepios Constitucionais e Direitos

Fundamentais Curitiba Juruaacute 2008 p 136 444

Para Eduardo Mendonccedila ldquoa modificaccedilatildeo desse sistema jaacute produziria consideraacutevel avanccedilo institucional

inclusive elevando o niacutevel da discussatildeo poliacutetica travada no paiacutes Um sistema orccedilamentaacuterio racional e

verdadeiramente transparente seria um instrumento a serviccedilo dos trecircs Poderes notadamente do Legislativo e do

Executivo encarregados das decisotildees discricionaacuterias O proacuteprio Judiciaacuterio teria agrave disposiccedilatildeo um diagnoacutestico

mais preciso das poliacuteticas puacuteblicas Mem curso que poderaacute recomendar um maior ou menor ativismo

Adicionalmente o controle social ficaria potencializado uma vez que um conjunto importante de decisotildees

poliacuteticas ganharia concreccedilatildeo ao ingressar no orccedilamento MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao

dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM

Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do

Advogado 2010 p 380 445

Contribuindo para essa visatildeo pode ser destacado o seguinte trecho esposado pela 4deg Cacircmara Ciacutevel do TJPR

relatoria do Des Abraham Lincoln Calixto no julgamento do Mandado de Seguranccedila ndeg 476084-9 em

24 06 08 ldquo() III Se por um lado eacute correto reconhecer que o dinheiro puacuteblico eacute limitado e deve ser gasto de

forma adequada e racionalizada por outro tambeacutem eacute certo dizer que a razatildeo de ser do Estado eacute atender os

direitos fundamentais do Homem de forma a resguardar-lhe um miacutenimo de dignidade IV O Estado tem o dever

de proteger e garantir um miacutenimo existencial agrave populaccedilatildeo devendo adotar mecanismos de gestatildeo democraacutetica

do orccedilamento puacuteblico como forma de assegurar os direitos fundamentais como a sauacutede e a proacutepria vidardquo

(Grifos acrescidos)

198

melhorias no acesso a aacutegua potaacutevel no sistema de esgoto e no nuacutemero de matriacuteculas de

crianccedilas nas escolas446

Ocorre que apesar de significar um importante mecanismo de revitalizaccedilatildeo da

cidadania e construccedilatildeo de uma esfera puacuteblica no Brasil o exame da realidade conjuntural da

totalidade das experiecircncias de orccedilamento participativo demonstra que grande parte dos

problemas estruturais encontrados no acircmbito dos Conselhos de Sauacutede satildeo aqui repetidos jaacute

que o sucesso dessa gestatildeo participativa no orccedilamento depende exatamente do niacutevel de poder

que eacute compartilhado para a populaccedilatildeo o que nem sempre atinge os niacuteveis ideais para uma

necessaacuteria mudanccedila447

Devem ser buscadas portanto medidas concretas que venham a potencializar o uso do

instrumento do orccedilamento participativo448

e a consequente construccedilatildeo de espaccedilos

deliberativos a comeccedilar pela regulamentaccedilatildeo e uniformizaccedilatildeo do mesmo como procedimento

obrigatoacuterio no ciclo orccedilamentaacuterio em acircmbito local em todo paiacutes bem como pela previsatildeo de

intercacircmbios institucionais de tais espaccedilos com os Conselhos de Sauacutede visando a melhor

compatibilizaccedilatildeo do orccedilamento local com as prioridades inerentes agrave sauacutede puacuteblica da regiatildeo

Da mesma maneira vislumbra-se no contexto hodierno brasileiro um positivo quadro

de crescente participaccedilatildeo popular atraveacutes de manifestaccedilotildees que oxigenando a democracia

representativa449

tendem a pressionar o Poder Puacuteblico por mudanccedilas em prol da

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mais imprescindiacuteveis e acabam norteando a

populaccedilatildeo para sua importante funccedilatildeo no manejo de proposiccedilotildees legislativas Tais

consequecircncias com relaccedilatildeo agrave sauacutede pocircde ter sido vislumbrada por exemplo pela

aceleraccedilatildeo450

da aprovaccedilatildeo de programas do Governo Federal (como eacute o caso do ldquoMais

446

KLIKSBERG Bernardo Como por em praacutetica a participaccedilatildeo Algumas questotildees estrateacutegicas In Gestatildeo

puacuteblica e participaccedilatildeo Salvador Fundaccedilatildeo Luiacutes Eduardo Magalhatildees 2005 p 74 447

AZEVEDO FERES Anaximandro Lourenccedilo REISSINGER Simone amp ARAUacuteJO Marinella Machado

Conselhos Municipais de Sauacutede e a construccedilatildeo dialoacutegica do orccedilamento puacuteblico p 14 Disponiacutevel em

httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaiscamposanaximandro_simone_marinella_araujopdf Acesso

em 21062013 448

Euzineia Carlos destaca que ldquo() a natildeo partilha do processo decisoacuterio entre o poder puacuteblico e cidadatildeo

interessado confere ao orccedilamento participativo uma descaracterizaccedilatildeo de seu potencial sentido poliacutetico e

emancipador consubstanciando-se em um vazio comunicacional dado pela inexistecircncia de interaccedilotildees sociais

cooperativas na formaccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo coletiva e na definiccedilatildeo do bem puacuteblicordquo CARLOS Euzineia

Orccedilamento participativo em Vitoacuteria sob o signo de diferentes visotildees ideoloacutegico-normativas In Participaccedilatildeo

Social na Gestatildeo Puacuteblica Olhares sobre as Experiecircncias de Vitoacuteria-ES Marta Zorzal e Silva (org) Satildeo

Paulo Annablume 2009 p 230 449

MARTINS Leonardo Manifestaccedilotildees populares entre normalidade democraacutetica e insurreiccedilatildeo

Disponiacutevel em httpwwwcartaforensecombrconteudoartigosmanifestacoes-populares-entre-normalidade-

democratica-e-insurreicao11502 Acessado em 03072013 450

Corroborando conferir a presente notiacutecia httpglobotvglobocomrede-globojornal-nacionalvcongresso-

nacional-acelera-votacao-de-projetos-cobrados-por-manifestacoes2657714 Acessado em 27062013

199

Meacutedicosrdquo451

) pelo anuacutencio de uma seacuterie de investimentos para a situaccedilatildeo da sauacutede municipal

bem como destinaccedilatildeo de recursos dos royalties do petroacuteleo para a sauacutede e educaccedilatildeo452

e

finalmente pela potencializaccedilatildeo gerada no andamento de programas de iniciativa popular

como eacute o caso do Movimento Sauacutede + 10 jaacute tratado anteriormente

Constata-se assim que para se alcanccedilar uma maior concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute

primordial a implementaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo conjunto ndash que abranja desde o controle da

elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico ateacute a avaliaccedilatildeo do cumprimento das metas das

poliacuteticas puacuteblicas que reflita o exato grau de priorizaccedilatildeo constitucional conferido este

relevante bem ndash em que o Judiciaacuterio atua auxiliado tanto pela provocaccedilatildeo do Ministeacuterio

Puacuteblico especialmente na acepccedilatildeo coletiva como principalmente pela atuaccedilatildeo da

populaccedilatildeo453

que de forma organizada deve buscar as mudanccedilas necessaacuterias pelos meios

juridicamente cabiacuteveis a partir de uma ampla participaccedilatildeo

451

Aprovado pela Medida Provisoacuteria nordm 621 de 8 de Julho de 2013 452

Nesse sentido conferir httpwwwestadaocombrnoticiasvidaedilma-diz-que-investira-r-55-bi-para-

ampliar-infraestrutura-do-sus10519850htm e httpwwwestadaocombrnoticiasnacionaldilma-aceita-

divisao-de-royalties-entre-educacao-e-saude10495370htm Acessados em 05072013 453

Reforccedila essa ideia a observaccedilatildeo de Paulo Bonavides de que ldquo() na escalada da legitimidade constitucional

o seacuteculo XIX foi o seacuteculo do legislador o seacuteculo XX o seacuteculo do juiz e da justiccedila constitucional universalizada

enquanto o seacuteculo XXI estaacute fadado a ser o seacuteculo do cidadatildeo governante do cidadatildeo povo do cidadatildeo soberano

do cidadatildeo sujeito de direito internacional conforme jaacute consta da jurisprudecircncia do direito das gentes Ou ainda

do cidadatildeo titular de direitos fundamentais de todas as dimensotildees seacuteculo por fim que haacute de presenciar nos

ordenamentos poliacuteticos do Terceiro Mundo o ocaso do atual modelo de representaccedilatildeo e de partidos Eacute o fim que

aguarda as formas representativas decadentes Mas eacute tambeacutem a alvorada que faz nascer o sol da democracia

participativa nas regiotildees da periferiardquo BONAVIDES Paulo Constitucionalismo social e democracia

participativa In Congresso Internacional de Derecho Constitucional do Instituto de Investigaciones

Juridicas ndashUNAM p 17 Disponiacutevel em httpwwwjuridicasunammxsisjurconstitpdf6-234spdf

Acessado em 15062012

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7 CONCLUSAtildeO

Somente com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede recebeu tratamento de

direito fundamental social fato alcanccedilado sobretudo pelo importante papel do Movimento

em favor da Reforma Sanitaacuteria nascente durante o processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e

consequente superaccedilatildeo do regime militar

A acolhida do direito agrave sauacutede no seio constitucional como autecircntico direito

fundamental natildeo significou contudo apenas uma previsatildeo meramente formal mas sim

denotou a ascendecircncia do mesmo como uma das prioridades sociais do Estado Constitucional

Democraacutetico que estava nascendo

Tal priorizaccedilatildeo eacute expressa por uma seacuterie de fatores Em primeiro lugar a estruturaccedilatildeo

do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio tem o condatildeo de qualificaacute-lo como um autecircntico

direito de cidadania e direito humano de caraacuteter polifaceacutetico jaacute que caminha pelas trecircs

chamadas ldquodimensotildees de direitos fundamentaisrdquo sendo a um soacute tempo alicerce chave do

direito agrave vida direito social e de fruiccedilatildeo transindividual

Da mesma maneira o direito agrave sauacutede pode ser qualificado como um direito

impreteriacutevel quando comparado aos demais direitos sociais pois sua perfeita garantia para

com o cidadatildeo tem o poder natildeo soacute de corrigir um problema cliacutenico no caso concreto mas

tambeacutem invariavelmente proporcionar ao mesmo a aptidatildeo elementar necessaacuteria para o pleno

usufruto dos demais direitos sociais atributo que natildeo eacute enxergado de maneira tatildeo

determinante nos demais direitos arrolados no art 6deg da CF de 1988

Noutro poacutertico diferentemente por exemplo do que ocorre com o tambeacutem relevante

direito agrave educaccedilatildeo (direito social em que para cada indiviacuteduo o Estado encerra seu dever

constitucional ao disponibilizar os trecircs niacuteveis constitucionais de atenccedilatildeo) tem-se que o

comportamento do Poder Puacuteblico na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute marcado por uma situaccedilatildeo

de perene e renovaacutevel deacutebito para com o cidadatildeo jaacute que todas as vezes em que este necessitar

de um serviccedilo de sauacutede inserido numa poliacutetica puacuteblica surge para o Estado o dever de

disponibilizaacute-lo sem caber a alegaccedilatildeo de que o mesmo jaacute se encontra quite com aquele

cidadatildeo

Tais caracteriacutesticas somadas agrave iacutentima ligaccedilatildeo do direito agrave sauacutede com o direito agrave vida agrave

integridade fiacutesica e agrave dignidade da pessoa humana acarretam no destacamento de tal direito

para um primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais situaccedilatildeo que eacute refletida no

tratamento notadamente especial conferido ao mesmo na CF de 1988 marcado dentre outras

caracteriacutesticas pelo expresso direcionamento de parte da receita de impostos para a sauacutede

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com a estipulaccedilatildeo de percentuais miacutenimos a serem cumpridos pelo enquadramento das accedilotildees

e serviccedilos de sauacutede como sendo de relevacircncia puacuteblica e pela previsatildeo da direta participaccedilatildeo da

comunidade na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ordenadas para o direito em tela

Em que pese este notaacutevel avanccedilo constata-se na conjuntura da adulta CF de 1988 a

realidade do quadro de sauacutede puacuteblica no paiacutes retrata que infelizmente o niacutevel de

concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a este direito natildeo eacute congruente com sua priorizaccedilatildeo

arquitetada constitucionalmente o que denota a necessidade de se corrigir tal desarmonia

Os principais atores nessa tarefa corretiva satildeo sem duacutevida os Poderes Executivo e

Legislativo dos quais se espera que no acircmbito de atribuiccedilotildees de cada um sejam

empreendidas accedilotildees que visem aos ajustes necessaacuterios mediante sobretudo a elaboraccedilatildeo de

leis que aprimorem a estruturaccedilatildeo do SUS e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que

realizem o amparo agrave sauacutede com mais eficiecircncia e transparecircncia

Ocorre que a atuaccedilatildeo exclusiva de tais poderes na funccedilatildeo de agentes corretores do

baixo grau de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede configura-se uma medida insuficiente jaacute que o

problema a ser corrigido eacute gerado justamente pela siacutendrome da ineficiecircncia constatada na

atuaccedilatildeo dos mesmos Daiacute se concluir ser inoacutecuo e conflitante com os ideais de um Estado

Democraacutetico Constitucional simplesmente aguardar de que tais poderes corrijam sozinhos os

recorrentes erros vivenciados no planejamento da sauacutede puacuteblica paacutetria e por eles proacuteprios

ocasionados (erros estes que subvertem os valores constitucionais idealizados para a sauacutede)

Desponta nesse contexto o relevante papel de novos atores na missatildeo de se fazer

valer quanto ao direito agrave sauacutede o previsto natildeo soacute na Constituiccedilatildeo Federal mas tambeacutem na

legislaccedilatildeo sobre o tema (especialmente na intitulada ldquoLei do SUSrdquo) e nos atos infralegais que

especificam a estruturaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas em vigor no paiacutes (sobretudo as diversas

portarias do Ministeacuterio da Sauacutede na temaacutetica)

Este novo cenaacuterio portanto centrado na noccedilatildeo de Jurisdiccedilatildeo Constitucional iacutensita ao

modelo neoconstitucional vigente eacute marcado pelo predomiacutenio da ideia de que a efetivaccedilatildeo

dos direitos fundamentais natildeo se encontra mais restrita exclusivamente agrave atuaccedilatildeo do

Executivo e do Legislativo destacando-se dentre os referidos novos atores o relevante papel

do Poder Judiciaacuterio no acircmbito da sindicabilidade dos direitos fundamentais cujas principais

criacuteticas quanto a sua atuaccedilatildeo satildeo superadas pelo despontamento da acepccedilatildeo material de

democracia e pela releitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes

Nesse raciociacutenio a democracia deixa de ser enxergada como simples sinocircnimo de

aplicaccedilatildeo da regra majoritaacuteria (acepccedilatildeo formal) frente agrave exigecircncia de os poderes constituiacutedos

primordialmente respeitarem e realizarem os direitos fundamentais dos cidadatildeos como forma

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de alcanccedilar o perfeito funcionamento do processo deliberativo democraacutetico (acepccedilatildeo

material)

A Separaccedilatildeo dos Poderes por sua vez passa a conviver com um controle inerente agrave

noccedilatildeo de ldquofreios e contrapesosrdquo norteado pela centralidade da Constituiccedilatildeo e prevalecircncia dos

direitos fundamentais consistindo portanto em tarefa idocircnea a atuaccedilatildeo judicial na

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais desde que fundamentada e limitada pela sistemaacutetica

valorativa da CF de 1988 significando desta forma natildeo uma absorccedilatildeo do sistema poliacutetico

pelo juriacutedico mas sim uma legiacutetima limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo com vistas a se fazer

valer os anseios constitucionais

Desta maneira o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas

envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a

accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais sobre o tema

desconfigurem o desenho protetivo de tal direito no ordenamento paacutetrio e terminem o

afrontando

Contudo eacute preciso se ter muito cuidado com a questatildeo da definiccedilatildeo dos limites dessa

atuaccedilatildeo judicial visto que quando esta tarefa eacute realizada de forma desenfreada e indefinida

surgem invariavelmente anacrocircnicos efeitos colaterais que potencialmente tendem a

afrontar ideais de igualdade e seguranccedila juriacutedica destacando-se nesse contexto a importacircncia

de se buscar paracircmetros objetivos aptos a respaldar uma limitaccedilatildeo harmocircnica com a

Constituiccedilatildeo

Nesse iacutenterim a saiacuteda para esta celeuma dentre outras medidas tem como medida

primordial a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede (a ser

buscado preferencialmente mediante demandas coletivas) o qual por envolver um conjunto

de prestaccedilotildees que o Estado natildeo pode se furtar a disponibilizar sob pena de afronta ao

Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana acaba preponderando como regra com relaccedilatildeo ao

argumento estatal da reserva do possiacutevel aleacutem de emprestar maior seguranccedila e uniformidade

aos magistrados na hora de decidir demandas nessa temaacutetica

Por assumirem uma posiccedilatildeo prioritaacuteria no desenho constitucionalmente esboccedilado para

o direito agrave sauacutede podem ser identificados como elementos materiais do miacutenimo existencial

em sauacutede o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva as accedilotildees de

prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas e o saneamento baacutesico

Sob o prisma da coerecircncia loacutegica do sistema uacutenico arquitetado para o direito agrave sauacutede

na CF de 1988 faz-se relevante o acoplamento de um componente instrumental a estes

elementos materiais traduzido no respeito e garantia pelo Poder Puacuteblico da previsatildeo de

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infraestrutura miacutenima a ser aparelhada para os serviccedilos de sauacutede abarcados nas poliacuteticas por

ele elaboradas englobando pois a necessidade de disponibilizaccedilatildeo do nuacutemero miacutenimo

necessaacuterio de hospitais eficientemente estruturados pessoal qualificado e equipamentos

suficientes para a realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer sob pena de se

mergulhar em um quadro de insinceridade suscetiacutevel de frustrar os cidadatildeos de determinada

localidade

Nesse sentido tem-se que a estruturaccedilatildeo miacutenima do SUS eacute parte integrante basilar do

miacutenimo existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse

ponto baacutesico jaacute que se a proacutepria CF de 1988 delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se

materializa a partir de poliacuteticas que visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos

para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) eacute iloacutegico e incoerente imaginar a

realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede (e especialmente do seu miacutenimo existencial) sem o respeito agrave

miacutenima estruturaccedilatildeo necessaacuteria

Quando as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de

afericcedilatildeo de sua proacutepria eficiecircncia que se baseiam em estimativas e metas acerca do que

minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente apta a atingir seus

objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de

leitos para cada nuacutemero bdquoy‟ de habitantes) que se inclui neste elemento instrumental sendo de

suma relevacircncia o conhecimento e divulgaccedilatildeo das diversas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede

que delimitam as poliacuteticas em sauacutede existentes destacando-se a Portaria MS nordm 11012002

que estabelece os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do SUS os quais

representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias aptas a

orientar os gestores nos trecircs niacuteveis de governo

Defende-se assim que o processo de amadurecimento da judicializaccedilatildeo do direito agrave

sauacutede seja incrustado por uma cultura de se valorizar uma argumentaccedilatildeo juriacutedica que leve em

consideraccedilatildeo a proacutepria estrutura e funcionamento do SUS analisando-se as metas e

paracircmetros estabelecidos nos planos de sauacutede das trecircs esferas federativas de modo a

identificar as possiacuteveis omissotildees estatais com relaccedilatildeo ao que minimamente o Poder Puacuteblico se

prontificou previamente a oferecer com relaccedilatildeo a este importante direito

Nesse sentido faz-se imperiosa uma maior divulgaccedilatildeo dos paracircmetros traccedilados nas

poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede os quais aleacutem de mais facilmente acessiacuteveis devem ser

simplificados no intuito de a noccedilatildeo exata dos mesmos fazer parte do cotidiano tanto da

populaccedilatildeo que poderaacute participar de maneira mais eficiente nas Conferecircncias de Sauacutede e nos

demais canais de deliberaccedilatildeo quanto do Judiciaacuterio que ao enfrentar os complexos pleitos em

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sauacutede poderaacute com maior tranquilidade fundamentar suas decisotildees a partir de criteacuterios mais

concretos e objetivos

Com efeito destaca-se como medida apta a garantir a consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio

familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede abrangidas no acircmbito da

regulamentaccedilatildeo do SUS a formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar constituiacutedas

tanto por profissionais de sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS

incumbidas de prestar assistecircncia aos magistrados com relaccedilatildeo sobretudo agraves demandas que

envolvem a correccedilatildeo do deacuteficit de leitos hospitalares de medicamentos e de equipe meacutedica

Na mesma linha destaca-se a possibilidade de serem criadas varas especializadas no

julgamento de accedilotildees que envolvam pleitos na aacuterea de sauacutede puacuteblica de modo a proporcionar

uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito fundamental pelo

Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a igualdade de tratamento entre

os usuaacuterios

Ocorre contudo que o Poder Judiciaacuterio natildeo se encontra sozinho na tarefa de garantir a

realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede No que tange agrave participaccedilatildeo popular nessa tarefa destaca-se a

singular funccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como autecircnticos canais para que a sociedade dite o

ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede e materialize a noccedilatildeo de sauacutede como

elemento intriacutenseco agrave democracia concretizando desta forma a diretriz constitucional do

SUS de participaccedilatildeo da comunidade

Sobre este ponto defende-se que a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si

soacute natildeo constitui garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual

somente poderaacute ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados

na organizaccedilatildeo dos Conselhos como eacute o caso da burocratizaccedilatildeo dos procedimentos do

corporativismo da partidarizaccedilatildeo e notadamente da clara falta de representatividade

ocasionada pelo fraco comprometimento do Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos

um niacutevel equitativo de capacidade tanto de elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo agrave

agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem seguidas

Faz-se necessaacuteria portanto a fiscalizaccedilatildeo mais enfaacutetica do Ministeacuterio Puacuteblico com

vistas a buscar judicialmente a garantia e respeito do fiel cumprimento das previsotildees

constantes na Resoluccedilatildeo nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 que tratam

da mateacuteria de modo a ser garantida a eficiecircncia destes importantes espaccedilos e em uacuteltima

instacircncia ser efetivamente observada a diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da

comunidade

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Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consiste na necessidade de

que o caraacuteter prioritaacuterio e impreteriacutevel desse direito seja observado durante a fase de

elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico

Como a realizaccedilatildeo do vieacutes prestacional do direito agrave sauacutede eacute assegurada pelo montante

de recursos em sua promoccedilatildeo e garantia indubitavelmente o orccedilamento puacuteblico assume um

papel chave em sua concretizaccedilatildeo devendo este portanto natildeo apenas respeitar o aporte de

valores miacutenimos previstos para a sauacutede mas tambeacutem consolidar a priorizaccedilatildeo tracejada na

CF de 1988 com relaccedilatildeo a este direito bem como quanto aos demais direitos fundamentais

Desponta assim a defesa de que a indicaccedilatildeo dos itens incluiacutedos no planejamento

orccedilamentaacuterio (como sauacutede seguranccedila educaccedilatildeo lazer cultura propaganda institucional

serviccedilos da diacutevida dentre outros) deve seguir um escalonamento ao serem rubricados nos

orccedilamentos puacuteblicos que se harmonize e espelhe a priorizaccedilatildeo constitucional dos mesmos

(pode-se falar aqui em Constituiccedilatildeo Orccedilamental) sob pena de subverter a proacutepria vontade

constitucional

Desta maneira a realidade constatada no planejamento de diversos orccedilamentos

puacuteblicos pelo paiacutes em que se vislumbra o direcionamento de verbas para divertimentos

populares manutenccedilatildeo de regalias ultrapassadas para membros do Legislativo diaacuterias de

servidores e propaganda de governo em maior escala do que para aacutereas de gritante prioridade

como sauacutede educaccedilatildeo e seguranccedila puacuteblica consiste em claro aviltamento da dignidade da

pessoa humana e da prevalecircncia dos direitos fundamentais arquitetados na CF de 1988

Inevitaacutevel defender-se portanto que este desvirtuamento ao alccedilar o orccedilamento

puacuteblico agrave condiccedilatildeo de autecircntica arma de faacutecil manuseio apta a subverter as prioridades

constitucionalmente prestigiadas deve ser imediatamente corrigido seja atraveacutes da

modificaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo passando esta a prever expressamente a impossibilidade

de tais situaccedilotildees ou do arcabouccedilo legislativo que dita o ciclo orccedilamentaacuterio no paiacutes

(notadamente a denominada LRF)

Da mesma maneira enxerga-se como de suma relevacircncia o papel do Ministeacuterio

Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo de tais ocasiotildees o qual pela via coletiva pode provocar o Judiciaacuterio a

corrigir tais distorccedilotildees e promover a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido

de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a

destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade

Nessa linha de raciociacutenio frente agrave defendida primazia do direito agrave sauacutede dentre os

direitos sociais o desenvolvimento dessa nova cultura deve ser alicerccedilado na priorizaccedilatildeo

deste impreteriacutevel direito fundamental durante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria de modo

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a que natildeo apenas os percentuais miacutenimos especificados para tal direito sejam respeitados

mas sim o aparato principioloacutegico que irradia a proteccedilatildeo da sauacutede na CF de 1988 tenha

reflexos anaacutelogos no proacuteprio orccedilamento puacuteblico de modo a evitar que o aporte de recursos

para a sauacutede seja menor que aacutereas menos prioritaacuterias como propaganda puacuteblica diaacuterias de

servidores shows para a populaccedilatildeo etc

Reforccedilando a ideia acima se no plano abstrato essas situaccedilotildees subversoras do

prioritaacuterio posicionamento do direito agrave sauacutede traccedilado na Constituiccedilatildeo geram um sentimento de

revolta agrave coletividade o que dizer agora no plano concreto e individual do cidadatildeo que

aguarda haacute meses um atendimento baacutesico no acircmbito do SUS e eacute surpreendido com uma

propaganda institucional em sua TV que expotildee um quadro de perfeiccedilatildeo da sauacutede puacuteblica

apontando melhorias que o mesmo nunca viu ou usufruiu ou ateacute mesmo com uma

divulgaccedilatildeo da realizaccedilatildeo de um show ou construccedilatildeo de um estaacutedio de futebol a ser ldquobancadordquo

com o dinheiro puacuteblico

A resposta para a indagaccedilatildeo acima natildeo eacute outra senatildeo a de que tal cidadatildeo se sentiraacute

indignado devendo esta sensaccedilatildeo por aviltar natildeo soacute sua dignidade mas tambeacutem a de toda

coletividade ser corrigida com urgecircncia atraveacutes da atribuiccedilatildeo do papel de buacutessola do ciclo

orccedilamentaacuterio agrave Constituiccedilatildeo e do aperfeiccediloamento de praacuteticas democraacuteticas como o

orccedilamento participativo e o maior envolvimento popular na defesa do tema

Desta forma conclui-se que o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que

pese primordialmente depender da tarefa desempenhada pelos Poderes Executivo e

Legislativo necessita frente agrave realidade da sauacutede puacuteblica do paiacutes de um plano de accedilatildeo

conjunto que deve aleacutem de ter como ponto de partida a elaboraccedilatildeo de um orccedilamento puacuteblico

consentacircneo com as prioridades constitucionais contar com a atuaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio

familiarizado com as especificaccedilotildees das poliacuteticas sanitaacuterias vigentes e amparado de um lado

pelo apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na defesa coletiva da sauacutede e de outro pela maior

participaccedilatildeo da populaccedilatildeo com vistas a fazer valer a integral proteccedilatildeo constitucional

conferida a este singular impreteriacutevel e mais relevante direito social

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httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013

Legislaccedilatildeo consultada

BRASIL Constituiccedilatildeo Poliacutetica do Impeacuterio do Brazil (de 25 de marccedilo de 1824)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de

1981)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de

1937)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de

1946)

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1967

_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988

_______ Decreto nordm 591 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional

sobre Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Promulgaccedilatildeo

_______ Decreto nordm 592 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Poliacuteticos Promulgaccedilatildeo

_______ Decreto nordm 7508 de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei no 8080 de 19 de

setembro de 1990 para dispor sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS o

planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa e daacute outras

providecircncias

_______ Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 Dispotildee sobre as condiccedilotildees para a

promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo e o funcionamento dos serviccedilos

correspondentes e daacute outras providecircncias

_______ Lei nordm 8142 de 28 de dezembro de 1990 Dispotildee sobre a participaccedilatildeo da

comunidade na gestatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e sobre as transferecircncias

intergovernamentais de recursos financeiros na aacuterea da sauacutede e daacute outras providecircncias

221

_______ Lei nordm 12401 de 28 de abril de 2011 Altera a Lei no 8080 de 19 de setembro de

1990 para dispor sobre a assistecircncia terapecircutica e a incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede no

acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS

_______ Lei Complementar nordm 101 de 04 de maio de 2000 Estabelece normas de financcedilas

puacuteblicas voltadas para a responsabilidade na gestatildeo fiscal e daacute outras providecircncias

_______ Lei Complementar nordm 141 de 13 de janeiro de 2012 Regulamenta o sect 3o do art

198 da Constituiccedilatildeo Federal para dispor sobre os valores miacutenimos a serem aplicados

anualmente pela Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos

de sauacutede estabelece os criteacuterios de rateio dos recursos de transferecircncias para a sauacutede e as

normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas 3 (trecircs) esferas de

governo revoga dispositivos das Leis nos 8080 de 19 de setembro de 1990 e 8689 de 27

de julho de 1993 e daacute outras providecircncias

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 533 de 28 de marccedilo de 2012 Estabelece o elenco

de medicamentos e insumos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)

no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 841 de 02 de maio de 2012 Publica a Relaccedilatildeo

Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede (RENASES) no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS) e daacute outras providecircncias

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 2395 de 13 de outubro de 2011 Organiza o

Componente Hospitalar da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do Sistema Uacutenico de

Sauacutede

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 4279 de 30 de dezembro de 2010 Estabelece

diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede no acircmbito do Sistema Uacutenico de

Sauacutede (SUS)

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 399 de 22 de fevereiro de 2006 Divulga o Pacto

pela Sauacutede 2006 ndash Consolidaccedilatildeo do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido

Pacto

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 648 de 28 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica estabelecendo a revisatildeo de diretrizes e normas para a

organizaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica para o Programa Sauacutede da Famiacutelia (PSF) e o Programa

Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS)

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 674 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Carta dos

Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede que consolida os direitos e deveres do exerciacutecio da cidadania

na sauacutede em todo o Paiacutes

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 698 de 30 de marccedilo de 2006 Define que o

custeio das accedilotildees de sauacutede eacute de responsabilidade das trecircs esferas de gestatildeo do SUS observado

o disposto na Constituiccedilatildeo Federal e na Lei Orgacircnica do SUS

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 687 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica

de Promoccedilatildeo da Sauacutede

_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 1101 de 12 de junho de 2002

222

Siacutetios eletrocircnicos

BIBLIOTECA DIGITAL DA CAcircMARA DOS DEPUTADOS lthttpbdcamaragovbrgt

BIBLIOTECA DIGITAL DE TESES E DISSERTACcedilOtildeES DA USP

lthttpwwwtesesuspbrgt

BIBLIOTECA DIGITAL DO SENADO FEDERAL lt httpwww2senadolegbrbdsfgt

CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAUacuteDE lt httpwwwcebesorgbrgt

CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DIREITO

lthttpwwwconpediorgbrgt

ESCOLA POLITEacuteCNICA DE SAUacuteDE JOAQUIM VENAcircNCIO DA FUNDACcedilAtildeO

OSWALDO CRUZ lthttpwwwepsjvfiocruzbrgt

INSTITUTO DE ESTUDOS SOacuteCIOECONOcircMICOS lt httpwwwinescorgbrgt

INSTITUTO DE INVESTIGACIONES JURIacuteDICAS lt httpwwwjuridicasunammxgt

INSTITUTO DE PESQUISA ECONOcircMICA APLICADA lt httpwwwipeagovbrportalgt

PORTAL DE REVISTAS ELETROcircNICAS ndash FFC ndash UNESP MARIacuteLIA

lthttpwww2mariliaunespbrrevistasgt

INSTITUTO POacuteLIS DE ESTUDOS FORMACcedilAtildeO E ASSESSORIA EM POLIacuteTICAS

SOCIAIS lt httpwwwpolisorgbrgt

JORNAL CARTA FORENSE lt httpwwwcartaforensecombrgt

MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE lthttpwwwsaudegovbrgt

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO

lthttpwwwplanejamentogovbrgt

MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO DO ESTADO DE GOIAacuteS lthttpwwwmpgogovbrgt

MOVIMENTO NACIONAL SAUacuteDE MAIS DEZ lthttpwwwsaudemaisdezorgbrgt

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL lt httpwwwoaborgbrgt

PORTAL DOMIacuteNIO PUacuteBLICO ndash BIBLIOTECA DIGITAL DO MINISTEacuteRIO DA

EDUCACcedilAtildeO lthttpwwwdominiopublicogovbrgt

PORTAL JURIacuteDICO DIREITO DO ESTADO lt httpwwwdireitodoestadocombrgt

PORTAL PERIOacuteDICOS CAPES lthttpwwwperiodicoscapesgovbrgt

223

PORTAL UNBCIEcircNCIA DA UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA

lthttpwwwunbcienciaunbbrgt

PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

lthttpwwwplanaltogovbrgt

PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADAtildeO

lthttppfdcpgrmpfmpbramppanel1-2amppanel2-4amppanel3-5gt

REVISTA DE DOUTRINA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4deg REGIAtildeO

lthttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrgt

REVISTA ldquoDIREITOS FUNDAMENTAIS amp JUSTICcedilArdquo DO PROGRAMA DE POacuteS-

GRADUACcedilAtildeO MESTRADO E DOUTOURADO EM DIREITO DA PUCRS

lthttpwwwdfjinfbrgt

REVISTA ELETROcircNICA DA FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA

lthttpwwwrevistadireitofrancabrindexphprefdfgt

REVISTA GESTAtildeO amp TECNOLOGIA DA FUNDACcedilAtildeO PEDRO LEOPOLDO

lthttprevistagtfpledubrgetgt

SCIENTIFIC ELETRONIC LIBRARY ONLINE (SCIELO BRAZIL)

lthttpwwwscielobrgt

SECRETARIA DE ESTADO DE SAUacuteDE DO GOVERNO DO MATO GROSSO

lthttpwwwsaudemtgovbrgt

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA lthttpwwwstjjusbrgt

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL lthttpwwwstfjusbrgt

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIAtildeO lthttpportal2tcugovbrgt

TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO NORTE lthttptcerngovbrgt

TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DA PARAIacuteBA lt httpwwwtjpbjusbrgt

TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

lthttpwwwtjrnjusbrgt

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