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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB) DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I CURSO DE PEDAGOGIA ANA CARLA SILVA DOS SANTOS A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA A EFETIVAÇÃO DA LEI 10.639/03 NA ESCOLA MUNICIPAL AGNELO DE BRITO Salvador 2010

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB) DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I

CURSO DE PEDAGOGIA

ANA CARLA SILVA DOS SANTOS

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA A

EFETIVAÇÃO DA LEI 10.639/03 NA ESCOLA MUNICIPAL AGN ELO

DE BRITO

Salvador 2010

ANA CARLA SILVA DOS SANTOS

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA A

EFETIVAÇÃO DA LEI 10.639/03 NA ESCOLA MUNICIPAL AGN ELO

DE BRITO

Projeto de Pesquisa apresentado ao Curso de graduação em Pedagogia, da Universidade do Estado da Bahia, Campus I, como requisito parcial para a obtenção do grau de Pedagogia em Anos Iniciais, sob orientação do Prof. Dr. Raphael Rodrigues Vieira Filho.

Salvador 2010

FICHA CATALOGRÁFICA Elaboração: Biblioteca Central da UNEB

Bibliotecária: Helena Andrade Pitangueiras– CRB: 5/536

Santos, Ana Carla Silva dos A importância da formação do professor para a efetivação da Lei 10.639/03 na escola Municipal Agnelo de Brito. /Ana Carla Silva dos Santos. - Salvador, 2010. 48f. Orientador: Prof. Dr.Raphael Rodrigues Vieira Filho. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade do Estado da Bahia Departamento de Educação, Campus I. 2010. Inclui referências

1. Professores – formação. 2. Pluralismo cultural. 3. Relações raciais na escola.4. Lei nº10.639 de 9 de Janeiro de 2003. I. Vieira Filho, Raphael Rodrigues. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. CDD: 370.71

ANA CARLA SILVA DOS SANTOS

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA A

EFETIVAÇÃO DA LEI 10.639/03 NA ESCOLA MUNICIPAL AGN ELO

DE BRITO

Projeto de Pesquisa apresentado ao Curso de

graduação em Pedagogia, da Universidade do

Estado da Bahia, como requisito parcial para a

obtenção do grau de Pedagogia Anos Iniciais, sob

orientação do Prof. Dr. Raphael Rodrigues Vieira

Filho.

Salvador, _____ de ______________ de 2010.

__________________________________________________

Prof. Dr. Raphael Rodrigues Vieira Filho

___________________________________________________

Prof. Me. Otto Vinícius Agra Figueiredo

___________________________________________________

Prof. Me. Sandro dos Santos Correia

Aos meus queridos e jamais esquecidos

Avos maternos, avos paternos, tios e primos

Maria de Lourdes e Clodoaldo

Maria do Socorro e Jorge

Felicidade e Mario

Paloma e Carlos Eduardo

Saudades eternas

Agradecimentos

A Deus, pelo conforto de tua palavra, e por ter permitido que eu superasse todas as

barreiras.

A minha avó materna, Maria de Lourdes, meu exemplo de mulher negra, de raiz

africana, por todos os ensinamentos transmitidos. A senhora é força motriz deste

trabalho.

A minha amada mãe Ana Helena pelo amor e dedicação, por todo o apoio e

incentivo recebidos nesta jornada.

Ao meu pai e meu irmão, Carlos Alberto e Jorge Alberto respectivamente, pela

atenção e carinho.

A Antonione e Anthony, meu marido e meu filho, luzes da minha vida. Obrigada por

existirem.

A minha madrinha Lígia Maria, minha segunda mãe, mulher de força, batalhadora e

um dos meus exemplos de profissional comprometida com o que faz.

A todas as tias e primas, mulheres de fé e garra, e aos meus tios e primos.

A todas as amigas e todos os amigos que acompanharam a minha jornada e

vibraram comigo a cada vitória.

A Escola Municipal Agnelo de Brito, à professora Janete Sarrafi, pela confiança

demonstrada possibilitando o desenvolvimento deste trabalho.

Aos colegas de Academia, pelos embates salutares. As amigas Naiana e Iracema,

por tudo o que compartilhamos nesta jornada. A Alda e Jorge pelas palavras de

incentivo. Aos companheiros e companheiras de turma: Rafaela, Sidnei, Ariane,

Ahuakuoufeng, Alessandra, Noely, Maiana, Carlos, Fabiana, Juliana, Alberto,

Soraya, Durval, Renata, por sermos os guerreiros que somos.

Ao meu orientador Professor Dr. Raphael Vieira Filho, pela atenção dada ao meu

trabalho e por não me fazer esmorecer, jamais.

Aos professores queridos, em especial a Drª Ana Célia da Silva, pela vivência

compartilhada, por ensinar-me a ver o mundo com outras cores valiosas, meu

carinho sincero.

Há um provérbio africano que diz: “Conhecimento é outro nome

para Força”. Coerentes com essa sabedoria, oriunda de nossos

ancestrais africanos, podemos dizer que o conhecimento precisa

e deve ser um ato de emancipação intelectual, social, política e

cultural. Portanto, é um ato de fortalecimento. (GOMES, 2008, p.

153)

RESUMO Durante os anos em que a história brasileira foi marcada por políticas de exploração, e que a escravidão era a forma mercantilista de aculturação de massa, africanos escravizados foram obrigados a anular sua memória cultural em detrimento aos modos de vida eurocêntricos, nos quais a sociedade brasileira calcou-se. Entretanto, o desejo de liberdade motivou os africanos a desenvolverem formas de resistências, dentre as quais se destacam a criação de movimentos politicamente organizados, a fim de pressionar a sociedade brasileira. O resultado deste processo de lutas é a formulação de leis e diretrizes que obrigam o reconhecimento das contribuições de africanos e indígenas para a formação do povo brasileiro. É neste cenário que surge a Lei 10.639/2003, exigindo modificações no sistema de educação, e principalmente sobre as práticas pedagógicas que durante séculos reprimiu as diferenças étnico-raciais e culturais do espaço escolar. Conhecer a importância da formação do professor para mudar este panorama é o principal objetivo desta pesquisa, cuja metodologia foi realizada numa abordagem qualitativa através da observação em campo. Os sujeitos da pesquisa são professores e gestores da Escola Municipal Agnelo de Brito, localizada na Rua Manuel Almeida Pacheco nº76, Boca do Rio, Salvador/BA, sendo colhidas entrevistas e observações sobre as suas práticas. Ao analisar o trabalho realizado pelos profissionais pesquisados, constatei que há muitos comprometidos em cumprir uma educação de qualidade. Porém, também ficou evidente que além de comprometimento é imprescindível uma mudança na postura do educador instrumentalizando-se para refletir criticamente sobre o seu fazer pedagógico, convidado a conhecer e respeitar o mundo do seu aluno, sendo um agente desmistificador de ideologias que a escola veicula. Palavras-chave: Formação do professor. Lei 10.639/2003. Diversidade Cultural. Relações Raciais na Escola.

ABSTRACT

During the years of Brazilian history was marked by political exploitation, and that slavery was a form of acculturation mercantilist mass, enslaved Africans were forced to renounce their cultural memory rather than the Eurocentric way of life, in which Brazilian society trampled down. However, the desire for freedom led the Africans to develop forms of resistance, among which we highlight the creation of organized political movements to pressure the Brazilian society. The result of this process of struggle is the formulation of laws and guidelines that require the recognition of the contributions of African and indigenous to the Brazilian people. This is the picture that emerges Law 10639/2003, requiring changes in the education system, mostly about teaching practices that for centuries has struggled with racial / ethnic differences and cultural space of the school. Knowing the importance of training teachers to change this picture is the main objective of this study, a methodology was a qualitative approach through field observations. The subjects are teachers and administrators from local school Agnelo de Brito, located at Rua Manuel Pacheco Almeida nº 76, Tongue River, Salvador/BA, and sampled interviews and observations of their practices. In analyzing the work done by professionals surveyed, found that many are committed to achieving a quality education. However, results also revealed that in addition to commitment is an essential change in the attitude of educators equipping it to critically reflect on their pedagogical invited to know and respect the world of his student, being an agent of demystifying ideology that the school conveys. Keywords: Teacher training. Law 10.639/2003. Cultural Diversity. Race Relations in School.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Capa do livro Histórias da Preta.......................................................34

Figura 2 – Dicionário africano............................................................................39

Figura 3 – As influências africanas na música brasileira...................................40

Figura 4 – O homem e o atabaque....................................................................41

Figura 5 – Índios (Turma do 1º ano)..................................................................44

LISTA DE TABELAS

Quadro 1 – Caracterização das professoras e gestoras...................................29

Quadro 2 – Percentual de Afro-descendentes relatados x declarados por

turma..................................................................................................................33

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................. 12

2 OS PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E A ELABORAÇÃO DA LEI

10.639/03 ........................................................................................ 16

3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E O COTIDIANO ESCOLAR . 22

4 A ESCOLA MUNICIPAL AGNELO DE BRITO ............... ............. 27

4.1 Caracterização das professoras e gestoras da Escola Municipal

Agnelo de Brito................................................................................ 29

4.2 Quem são os discentes da escola Agnelo de Brito.................... 33

4.3 A capacitação das educadoras da Escola Agnelo de Brito em relação

à Lei 10.639/03................................................................................ 35

4.4 A evolução das relações entre os sujeitos da Escola Municipal

Agnelo de Brito na busca por um fortalecimento da auto-estima..... 41

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................. ............................ 46

REFERÊNCIAS............................................................................... 48

APÊNDICE

ANEXOS

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa visa apresentar a efetivação da Lei 10.639/03 numa escola de

ensino fundamental. Para tal, busquei coletar relatos das gestoras e professoras da

Escola Municipal Agnelo de Brito, localizada no bairro da Boca do Rio, na cidade de

Salvador, entre os meses de agosto e dezembro de 2009. A fim de enriquecer este

trabalho trago contribuições teóricas pesquisadas sobre a temática.

As indagações que me levaram a abordar a implantação da Lei 10.639/03

surgiram no curso de formação inicial. Em minha turma de graduação, logo que

começamos a nossa jornada acadêmica, vários professores nos perguntavam quem

era cotista ou não. Era com grande espanto que verificava, mesmo a sala estando

lotada, que poucos dos meus colegas se declaravam cotistas. Eu não me atentei

naqueles momentos fortuitos para os reais motivos.

Posteriormente, tive muitas oportunidades de observar o quanto falar de raça

e de identidade incomodava a alguns. As esquivas, o desprezo por eventos que

valorizassem produções culturais que não se assemelhassem à proposta

eurocêntrica de “fazer cultura”, passaram então a chamar a minha atenção.

Como pessoas que possuíam características de grupos étnicos tão marcantes

podiam anular a sua raiz? E mais: se tais profissionais em formação tinham este tipo

de postura, que tipo de educador seria? Anulariam também os seus alunos?

A minha inquietação começou a me remeter a lembranças da minha infância

enquanto criança negra que vivenciou principalmente no ambiente escolar situações

de anulação da minha raça, pela minha cor e pela minha condição humilde.

Como pedagoga em formação, percebo a emergência das discussões da

função social da escola na promoção e legitimação de ações afirmativas em prol das

culturas que ajudaram a compor a identidade do povo brasileiro, atendendo a

chamada para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação

Fundamental.

Enquanto Secretária Municipal da Educação de Salvador, a professora Maria

Olivia Santana (2006) afirmou sermos “[...] frutos de uma história pregressa e

construtoras e construtores de uma nova história” (SANTANA, 2006), e é nesta

intenção que com um olhar sobre a Lei 10.639/03, esta pesquisa visa contribuir para

que outros pesquisadores percebam a importância do resgate da memória das

culturas de matrizes africanas, como instrumento de resistência.

Os objetivos propostos nesta pesquisa são conhecer e refletir sobre a

elaboração da Lei 10.639/03, e Refletir sobre a instrumentalização do professor para

a construção de práticas pedagógicas que desmistifiquem o ensino de História

africana e afro-brasileira.

Para analisar a importância do ensino da História e das culturas africanas e

afro-brasileiras realizei leituras sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais –

Pluralidade Cultural e Orientação Sexual (BRASIL, 1997) e das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

Ensino de História Adro-brasileira e Africana (BRASIL, 2004), juntamente com outros

autores que discutem sobre a efetivação da Lei 10.639/03 para valorização das

diversidades culturais e suas produções.

A trajetória dos africanos e seus descendentes no Brasil perpassam por

vários momentos, sendo o primeiro marcado pela ausência de valor no

conhecimento trazido pelos negros escravizados por parte da sociedade branca e

escravocrata. Num segundo momento com a libertação dos escravos e a

organização de movimentos liderados por negros uma “permissão” de que afro-

descendentes tivessem acesso a uma forma de ensino mesmo que precário, e a

terceira e mais importante com a resolução de Leis e Diretrizes que assegurassem

aos afro-descendentes brasileiros o direito de respeito às culturas dos seus

antepassados.

As discussões acerca das diversidades culturais que fazem parte do universo

escolar vêm fomentando a elaboração e execução de diversas formas alternativas

de educar a criança negra de modo que esta possa enxergar-se como sujeito de

valor, construtora de sua própria trajetória.

A escola como instituição aonde muitas ideologias se confrontam, tem a

função de “[...] educar para a cidadania, para superar a cultura do preconceito e da

discriminação” (SANTANA, 2006). E neste processo de construção-reconstrução

identitária, a escola precisa empenhar-se na criação de uma cultura de valorização

do outro, fomentando discussões sobre o papel social de cada indivíduo.

É de suma importância que a escola avance na efetivação de políticas

educacionais que comportem a pluralidade étnica e cultural que abriga em seu

espaço, permitindo ao professorado uma maior instrumentalização para realização

do seu trabalho, de forma a quebrar os laços com a forma de ensino baseado em

visões eurocêntricas.

Ao alunado, é relevante a ampliação dos conhecimentos sobre a contribuição

dos negros para a formação da identidade dos moradores da cidade de Salvador,

como seu habitat, para formação de sujeitos críticos, capazes de promover

discussões na comunidade em torno da escola, alertando-a para a questão da

desvalorização de culturas a parte das influencias anglo-americanizadas.

Seguindo o pensamento africano de educar para a vida, o ato de construir um

espaço escolar saudável, onde as diferenças são respeitadas, permite que o

educando se reconheça como sujeito histórico, enquanto conhece a história de seu

bairro, construindo o seu lugar, valoriza o passado como ponte do seu presente.

Conhece a ti mesmo.

A metodologia utilizada será uma abordagem qualitativa tendo o ambiente

natural a Escola Municipal Agnelo de Brito, Com uma presença significativa de afro-

descendentes em seu quadro, a escola realizou durante o último ano um trabalho de

abordagem as questões da identidade cultural e os mecanismos de resistência

utilizados por afro-descendentes e índios para permanência das suas culturas. Por

isso, tive de buscar relatos das professoras e gestoras da escola, nos turnos

matutino e vespertino, a fim de verificar as modificações provocadas por esta

abordagem, e a contribuição da efetivação da Lei 10.639/03 na formação das

professoras atuantes numa comunidade de risco.

Para coletar estes relatos, desenvolvi como instrumentos de pesquisa a

observação de campo, a entrevista semi-estruturada, registrando as experiências

adquiridas pelas professoras durante a execução do projeto anual da escola.

No primeiro capítulo, realizo um apanhado sobre os processos de resistência

que africanos e afro-descendentes trilharam para manutenção das suas tradições

até a elaboração e o estabelecimento de Leis e Diretrizes que determinem

modificações curriculares numa reparação as contribuições de outros povos na

formação da identidade brasileira. Entendo que sem a compreensão devida sobre o

histórico de lutas que marcaram a caminhada dos afro-descendentes no Brasil, não

seria possível termos um porque para exigir uma nova forma de fazer educação para

povos considerados pela elite branca brasileira como “minoria”.

No segundo capítulo o enfoque é sobre a importância de uma Formação

Pedagógica que não desmereça em seu currículo a diversidade étnico-racial que

habita nos mais variados espaços de educação, atentando para o olhar crítico que o

profissional de educação precisa ter diante da Lei 10.639/2003, no intuito de

melhorar a sua prática pedagógica.

Apresentando a Escola Municipal Agnelo de Brito ao meu leitor, trago como

dados significativos em minha análise o perfil das mulheres que compõem o quadro

de professoras e dirigentes da unidade escolar acima citada, a imagem de si

construída pelos alunos, co-autores do trabalho realizado, o conhecimento sobre a

Lei 10.639/03 e a prática pedagógica das professoras. Por fim, relato os caminhos

percorridos para reconstrução das relações vivenciadas pelos sujeitos circulantes no

educativo Agnelo de Brito.

2 OS PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E A ELABORAÇÃO DA LEI

10.639/03

Durante os três séculos em que o tráfico de africanos foi realizado nas rotas

do Atlântico Negro, o Brasil sequer pensou em um dia ter que atender as

necessidades de tantos trazidos na “[...] vil condição de escravos” (LODY, 2006, p.

16). Ora, se são seres sem alma, pouco valiam, seus quereres eram os quereres

dos seus senhores.

Mas a partir das demandas impostas pela revolução industrial, os interesses

dos ingleses se fizeram valer pelas bandas de cá, e com o propósito de libertar os

negros desalmados, resolveram alforriá-los, para que os milhares ainda

sobreviventes pudessem viver neste país tão acolhedor. (LODY, 2006)

Os tantos anos de escravidão no Brasil, com toda a sua brutalidade calcada

em uma política de aculturação, não conseguiram dissolver as culturas africanas.

Conforme Lody (2006, p.9) nos esclarece “[...] diferentes manifestações culturais

acompanham a história social e econômica de povos que chegaram do outro lado do

Atlântico”. Bantos, sudaneses, iorubas e tantos outros que para cá vieram, criaram

mecanismos de resistência e memória, reelaborando as suas culturas para

possibilitar a orientação aos seus descendentes.

O racismo e outros tipos de preconceito sempre estiveram enraizados no

cotidiano brasileiro. Mas, como Raul Lody (2006, p.9) esclarece “[...] a história e a

cultura mostram os movimentos, as lutas, os quilombos que apontam para caminhos

de ocupar lugares de direito na sociedade nacional”.

E foi justamente a criação de movimentos organizados de luta pela liberdade

de preservação de suas culturas, igualdade de condições de trabalho, valorização

da mulher negra na sociedade, que o Estado foi obrigado a repensar as suas

políticas. O que não significa que foi um processo simples, rápido e nem mesmo

objetivo.

O desejo de liberdade foi, certamente, a primeira forma de organização entre

escravos que falavam línguas e dialetos diversos. Em vista do tratamento recebido

pelos senhores, posteriormente esses negros escravizados procuram se organizar

de forma mais complexa, fazendo surgir os quilombos. Para melhor conceituar o que

seria essa nova forma de organização da população africana, Nascimento (1980,

p.32) explica que:

Quilombo é um movimento amplo e permanente que se caracteriza pelas seguintes dimensões: vivências de povos africanos que se recusavam à submissão, à exploração, a violência do sistema colonial e do escravismo; formas associativas que se criavam em florestas de difícil acesso, com defesa e organização sócio-econômico-política própria; sustentação da continuidade africana através de genuínos grupos de resistência política e cultural. (NASCIMENTO, 1980, p.32)

Os quilombos representavam aos negros escravizados possibilidades de vida

em uma sociedade livre e igualitária, uma forma de combate firme a condição

imposta pelos senhores abastados do Brasil colônia.

Citando os Quilombos mais famosos Nascimento destaca o desempenho

realizado pela “[...] República de Palmares, a Revolta dos Alfaiates, Balaiada,

Revolta dos Malês, entre tantos outros núcleos que continuam no pós-abolição em

oposição às conseqüências da escravidão, continuam numa luta por uma liberdade

que sempre lhes foi negada” (1980, p. 35).

Ao trazerem para o Brasil os seus saberes em diversas áreas do

conhecimento – religião, matemática, artes, ciências, tecnologias, línguas –, os

africanos das mais diversas etnias acabaram por contribuir para a construção da

memória dos afro-brasileiros, o que representou num ponto crucial para a

manutenção dos quilombos que vieram a surgir. Mesmo se localizando em florestas

densas, matas, montanhas, os quilombos mantinham, ainda que vigiados, contatos

com a sociedade perseguidora e controladora em seu entorno.

É desse contato que o conceito de Quilombo “[...] transcende, ganha

proporção de uma orientação para a EDUCAÇÃO, para formação de pessoas, para

fortalecer a crença na riqueza das diferenças étnicas e culturais que constituem a

sociedade brasileira” (SIQUEIRA, 2006, p. 4).

Atualmente, o governo reconhece os quilombos como sociedades

organizadas, com princípios e valores, com práticas de socialização própria, mas,

para chegar a tal reconhecimento, mesmo após o extermínio de diversas unidades

de quilombos, foi necessária a organização de outros movimentos sociais que

dessem conta de regulamentar os direitos dos negros escravizados e seus

descendentes no Brasil.

Ora, se os quilombos inicialmente eram vistos como grupos marginalizados

da sociedade brasileiro-eurocêntrica, os descendentes dos negros procuram formar

movimentos sociais e políticos, que dentre os seus participantes estivessem figuras,

com titulação acadêmica ou não, de reconhecimento no cenário local ou nacional,

porém mantendo como objetivos desenvolver estratégias de ocupação de espaço e

territórios, denunciar e reivindicar ações concretas que garantissem os direitos

fundamentais aos afro-descendentes na sociedade brasileira. (SILVA, 2001)

Dentre esses movimentos sócio-políticos surge o Movimento Negro Unificado

(MNU) cujo papel é o de “[...] legitimar a existência do negro dentro da sociedade,

diante da legislação” (SILVA, 2001, p.5).

Mas e a educação, como estaria envolvida neste processo?

O direito a educação foi uma das conquistas obtidas pelo MNU, citadas por

Ana Célia da Silva (2001), ressalvando que:

A sua luta constante pela conquista da educação, inicialmente como meio de integração à sociedade existente e, depois, denunciando a instituição educacional, como reprodutora de uma educação eurocêntrica, excludente e desarticuladora da identidade étnico-racial e da auto-estima desse povo, apresentando através das suas entidades, uma educação paralela, pluralidade, pluricultural, colocada nas escolas através da ação dos seus militantes. (SILVA, 2001, p.1)

A educação representou para a população afro-descendente uma forma de

mobilizar e inserir-se num segmento majoritário na sociedade. Assim, logo após a

abolição, as irmandades, associações culturais e recreativas negras procuraram

instituir escolas de alfabetização para seus associados (NASCIMENTO, 1980, p.32).

Vale lembrar que a participação de movimentos negros no cenário

educacional brasileiro iniciou-se bem do surgimento do MNU, com pesquisadores e

pesquisadoras negros, a exemplo de Guiomar Ferreira de Matos, voltando-se para

pesquisas que abordassem o preconceito contido na literatura infantil, a publicação

de livros de poemas que abordassem a identidade racial e a valorização do negro na

sociedade, a exemplo de Carlos Assumpção e Osvaldo Camargo. Isto ainda na

década de 50.

Posteriormente, a fundação do MNU na década de 70, primeiro em São

Paulo, e depois em outros estados como a Bahia, envolvia vários educadoras e

educadores dentre outros profissionais, em busca de ações que efetivassem a

prática de currículos pluriculturais desenvolvidos em sala de aula. (SILVA, 2001, p.1-

2).

Deste movimento, culminam encontros, jornadas, palestras cujas temáticas

trazem em pauta desde a valorização das diversas culturas africanas até o acesso e

a permanência dos afro-descendentes na Universidade pública.

O trabalho realizado por grupos como MNU, são reconhecidos e apoiados

pelo então Secretário de Educação, Edivaldo M. Boaventura, decretando como parte

do currículo escolar a inclusão da disciplina Introdução aos Estudos Africanos. Este

fato trouxe reconhecimento principalmente ao trabalho realizado pela saudosa

educadora Eugênia Lucia Viana Nery, nas escolas de educação básica de Salvador.

(BOAVENTURA, 1997, p.10).

O trabalho da professora Eugênia Lúcia, não foi solitário, antes contou com

atuações de outros profissionais da educação pertencentes aos diversos espaços

educativos da cidade de Salvador, a destacar-se Vanda Machado, da Escola

Eugênia Anna dos Santos, Ana Célia da Silva e Jônatas Conceição, nos Cadernos

de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê, dentre tantos outros.

Os avanços e as pressões realizadas pelo MNU não terminaram no cenário

baiano; não contentes com o resultado da elaboração da Lei 9.394/96 – a nova LDB,

na qual não houve menção de direitos às culturas afro ou indígenas, o MNU

pressionou e “[...] contribuiu para que fosse instituído o tema Pluralidade Cultural e

Educação, ainda que no momento como tema transversal, no Ensino Fundamental,

em todos os ciclos” (SILVA, 2001).

Em 1997, foram publicados pelo MEC os Parâmetros Curriculares Nacionais

da Educação (PCN), com o eixo Pluralidade Cultural. Antes de ser publicado, o PCN

de Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, fora realizada, segundo relatos da

Doutora em Educação Ana Célia da Silva, uma reunião com educadores e

profissionais de educação ligados ao MNU para elaboração do texto.

Porém, mesmo o texto final sendo remodelado, ainda de acordo com Drª Ana

Célia da Silva, foram obtidos muitos avanços na área educacional. Primeiro pelo fato

de o governo brasileiro admitir que “[...] ao longo de nossa história, têm existido

preconceitos, relações de discriminação e exclusão social que impedem muitos

brasileiros de ter uma vivência plena de sua cidadania” (BRASIL, 1997, p. 15)

Segundo porque as definições de raça, cultura e identidade, que já vinham

sendo discutida por pesquisadores negros desde a década de 50, foram redefinidas

e ampliadas.

A pluralidade cultural presente no espaço escolar e em todos os espaços

onde ocorre a educação foi reconhecida como existente, mesmo já tendo sido citada

nos trabalhos de educadores negros anteriormente. Desta forma, não só os afro-

descendentes bem como os indígenas, orientais e outros grupos étnicos que não só

os anglo-europeus teriam o direito a reconstruir a sua imagem, as suas lutas e suas

verdadeiras contribuições na formação do povo brasileiro (SILVA, 1995).

Poder afirmar a sua singularidade, e a instituição escola respeitar esta

posição passou a ser direito do aluno, quando o entendimento sobre pluralidade

cultural foi recolocado como

a afirmação da diversidade como traço fundamental na construção de uma identidade nacional que se põe e repõe permanentemente, e o fato de que a humanidade de todos se manifesta em formas concretas e diversas de ser humano. (BRASIL, 1997, p.19)

Mas, mesmo contendo textos norteadores para a educação brasileira, os

Parâmetros Curriculares Nacionais deixaram brechas. Talvez, justamente por ter

caráter norteador e não obrigatório, para que a visão de sociedade justa fosse uma

sociedade composta por iguais desconsiderando a desigualdade existente entre

grupos étnicos, entre comunidades distintas. O próprio texto comenta que

a questão da diferença cultural tem sido instrumento que reforça e mantém a desigualdade social, levando a escola a atuar, frequentemente, como mera transmissora de ideologias. Por outro lado a injustiça socioeconômica se apóia em preconceitos e discriminações de caráter etnocultural de tal forma que, pelo socioeconômico ou por ambos. (BRASIL, 1997, pag.42)

A pregação constante por uma igualdade sociocultural deixa claro que, no que

tange o cenário educacional brasileiro, havia muito que se avançar. Seria

necessário, não um Parâmetro que pregasse uma igualdade, mas uma lei que

respeitasse as diferenças e efetivasse a sua aplicação no espaço considerado como

detentor e “[...] reprodutor de ideologias” (BRASIL, 1997, p. 38).

Mesmo com a promulgação da Lei 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases, e a

elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a diversidade étnico-cultural não

obteve o devido espaço no fazer escola.

Vergonhoso é admitir que mesmo depois de regulamentar textos relevantes

para a valorização de outras culturais opostas a proposta anglo-eurocêntricas, o

ensino das culturas afro-brasileira e africanas não era obrigatório, sua história

continuaria submissa a uma criação colonizada do mundo. Foi necessária a

elaboração em 2003, da Lei 10.639 para que este ensino fosse obrigatório. Não só o

ensino da cultura e da história afro-brasileira, como também das diversas culturas

africanas.

Conforme descrito no Artigo 26 (alterado pela lei), os estabelecimentos de

ensino fundamental, médio, oficiais e particulares adotariam em seu currículo a

História e Cultura Afro-brasileira. (BRASIL, 2003)

Ainda conforme a Lei 10.639/03 as mudanças ocorridas no currículo incluiria o

estudo da História da África e dos Africanos e o caminho trilhados pelos negros

enquanto escravizados, ou não, em terras brasileiras, o que culmina no

reconhecimento explicito das contribuições dos povos africanos para a formação do

povo brasileiro e o fortalecimento da identidade nacional.

Analisar como a Lei 10.639/03 está sendo efetivada nas escolas de Ensino

Fundamental é papel fundamental desta pesquisa. Em especial, tratando-se da

escola que escolhi, a municipal Agnelo de Brito.

3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E O COTIDIANO ESCOLAR

A realidade da formação inicial em Pedagogia sofre hoje modificações

curriculares forçadas com a promulgação de leis como a 10.639/2003 e a

11.645/2008, que exigem nos currículos do Ensino Fundamental e Ensino Médio a

introdução dos conteúdos que valorizem as contribuições dos povos africanos e

indígenas na formação do povo brasileiro, recontando as suas histórias.

Como preparar professores que efetivem em suas práticas uma forma

desmistificadora de recontar a história desses povos?

E o que dizer dos professores que estavam na ativa antes da promulgação de

tais leis?

Ora, se a educação em todos os seus níveis atendesse as demandas da

diversidade étnico-racial e cultural que circula no seu universo, não seria imperativa

a criação de leis com intuito de reparar um histórico de anulação das identidades de

negros, indígenas, orientais, dentre outros, em favor de uma história concebida e

propagada por ideias eurocêntricas.

Desde a elaboração da Lei 10.639/03, houve uma serie de ofertas de cursos

de aperfeiçoamento e de especialização a respeito da História da África e da cultura

afro-brasileira nos mais diversos estados brasileiros. No entanto, ainda não foram

mapeados os resultados obtidos por estas experiências, principalmente o impacto

sobre os egressos (AMÂNCIO; GOMES, 2008, p.20).

A saída encontrada por algumas secretarias municipais e estaduais de

educação tem sido, conforme palavras de Janete Sarrafi, diretora da Escola

Municipal Agnelo de Brito, a

[...] promoção anual de palestras, mini-jornadas, seminários sobre o ensino de História Africana e Afro-brasileira. Nestas ocasiões, são distribuídos os materiais didáticos lançados ocasionalmente pelas secretarias aos professores e coordenadores escolares. (Janete Sarrafi, diretora)

Diante deste quadro, é preciso salientar como o conhecimento adquirido no

curso de formação inicial pode ajudar ao professor na construção de práticas

pedagógicas que combatam a reprodução de valores eurocêntricos. (LUZ, 1989, p.9)

Conforme dito anteriormente, ao serem elaborados novos pareceres, leis e

diretrizes que impulsionem uma mudança no fazer pedagógico, a grade curricular

das faculdades de licenciaturas é modificada. Mas, a sociedade acadêmica e todo o

sistema educacional têm de se atentar para que não sejam realizadas mudanças

apenas por modismo.

A formação em cursos de extensão que capacitem o profissional de educação

– e não somente o professor, para lidar com questões trazidas pelas relações étnico-

raciais é um ponto aqui a ser destacado. De acordo com Amâncio (2008) muitos

intelectuais de renome voltam-se para as discussões acerca do ensino de História

da África, porém poucos são os que tem desenvoltura para trabalhar a temática com

professoras e professores do Ensino Fundamental e Médio, restringindo as suas

pesquisas no universo do ensino superior.

Esse distanciamento entre o conhecimento científico voltado para a temática

africana e a formação de professores da Educação Básica é justificado por Amâncio

(2008), quando a mesma afirma que

A relação pedagógica, a dimensão didática e a capacidade de

transposição didática dos resultados das pesquisas articuladas às

práticas pedagógicas em sala de aula demandam uma competência

pedagógica específica, que nem sempre faz parte do perfil dos

intelectuais que produzem pesquisa no ensino superior. (AMÂNCIO,

2008, p.21)

É preciso que haja uma consideração e uma compreensão maior à realidade

vivida pelo professor dentro da escola, seus dilemas e desafios. Mas, a remoção de

barreiras que desrespeitam as diferenças presentes no espaço escolar passou por

processos que justificam o seu lugar instaurado, e que nem por isso não possam ser

buscadas soluções.

Um dos processos é a questão do racismo brasileiro camuflado pelo mito da

“democracia racial” (SILVA, 2005, p. 39), e o segundo processo é a consolidação de

um espaço escolar essencialmente branco, e, portanto racialmente excludente em

seu discurso e suas práticas pedagógicas cotidianas.

A superação pode estar na tomada de conhecimento sobre os parâmetros

que norteiam a educação brasileira. Mas, se aqui eu friso a efetivação da Lei

10.639/03, farei antes uma análise da intervenção, precisa, da Lei 10.639 sobre a

sua antecessora: a Lei 9.394/96 (LDB).

Quando esta lei unifica e diversifica os currículos do ensino fundamental e

médio, está abrindo portas para um respeito às diferenças sociais, culturais e,

porque não raciais, conforme reza o art. 26 da LDB/96:

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. (BRASIL, 1996)

Os conteúdos, o quanto precisos, deveriam estar adequados à realidade

brasileira composta pela diversidade socioeconômico-cultural, estando assim o

currículo posto a respeitar as contribuições dos povos de matrizes indígenas,

africanas e européia.

Apontando os cuidados devidos na consideração do art. 26 da LDB, Amâncio

indica que o mesmo pode corroborar

[...] com uma prática pedagógica pautada em simples contribuições do indígena e do africano, alimentando o tradicional olhar exótico sobre ambos, o qual os reduz a meros produtores culturais de danças, artesanato, comidas e diferentes dialetos. Quanto a reflexão histórica, esta permanece vinculada ao legado português e aos grandes feitos dos herois lusitanos do século XVI AO XIX. (AMÂNCIO, 2008, p.34)

Esta superficialidade de tratamento sobre as questões étnico-raciais produziu

brechas para que a LDB/96 fosse alterada posteriormente, por meio da inclusão dos

art. 26-A E 79-B, com a homologação da Lei 10.639/2003, pelo dito anterior não

obrigar e nem explicitar as mudanças necessárias para recontar a trajetória de

grupos raciais excluídos, o que levaria à reflexão crítica sobre a atual situação de

desigualdade de acesso aos bens sociais, como educação, saúde, habitação, em

que tais grupos se encontram.

Ao destituir, ou continuar destituindo, afro-descendentes do direito a uma

formação escolar crítica, Vanda Machado (1989, p.70) esclarece que a escola

perpetua-se como um “aparelho ideológico”, ignorando os valores culturais,

inculcando nas crianças os padrões e estereótipos de uma ideologia de

inferioridade. Urge, então, que a escola assuma o papel de revisora – não mais de

mantenedora – da série histórica que explica o fato de o segundo maior país negro

do mundo ainda preservar práticas racistas no cotidiano de suas relações sociais.

A anulação das práticas racistas, que mesmo na pos-modernidade, encontra

na escola o seu reduto, não acontecerá num passe de mágicas. A mudança na

postura do educador, que enquanto em sala de aula representa tais práticas, é

fundamental conforme descrito por Maheu (2007, p.103): “[...] precisaríamos

reaprender a aprender, desconstruindo os velhos paradigmas, descortinando as

velhas cortinas, desabotoando a camisa, desfazendo os nós do passado que fecha

os olhos desses professores”.

Perante esta colocação reforço novamente o olhar analítico sobre as nossas

normas educacionais, quando é inegável que a LDB/96, contribuiu para que a escola

tivesse uma injeção de alteridade e a necessidade de se respeitar o diferente.

Porém Amâncio (2008) alerta para “alegorização” que permeou o cotidiano escolar,

quando as festas populares, o sincretismo religioso, as danças de matriz africana

passaram a frequentar a escola como produtos, colocando os próprios alunos

negros como protagonistas, mas mantendo-os na sua marginalidade, não

provocando reflexões sobre seus feitos.

Corroborando com as palavras de Amâncio (2008), Nilma Lino Gomes (1995)

enfatiza que

Os movimentos sociais, as lutas da comunidade negra exigem da escola posicionamento e a adoção de práticas pedagógicas que contribuam para a superação do racismo e da discriminação, sendo necessária uma formação político-pedagógica que subsidie um trabalho efetivo com a questão racial na instituição escolar. Boa vontade só não basta! (GOMES, 1995, p. 188-189)

Ao trazer para sua prática pedagógica elementos que subsidiem a efetivação

da Lei 10.639/03 o professor poderá cometer o engano de apegar-se a produções

orais, pelo fato de que em África, a oralidade se apresenta como uma característica

essencial. Entretanto, essa essencialidade oral não exclui outros sistemas de

registros como a escrita.

Nos escritos de Amâncio (2008) fica claro que o educador deve pensar o

universo da oralidade investigando as práticas religiosas africanas, seja no

funcionamento dos jogos, o sentido dos ditados, advinhas, nas lendas, contos,

danças, enfim.

Investigar os elementos de matriz africana antes de utilizá-los em sala

permitirá que o educador possibilite aos educandos e a si próprio a interação com a

cosmovisão do africano, “[...] a sua concepção do universo, da vida e da sociedade”

(GOMES, 1995, p.193).

Entrelaçar os ensinamentos africanos com uma realidade afro-brasileira,

através de acontecimentos marcantes e de formas encontradas para viver na

sociedade brasileira atual, possibilita a educador e a educando uma reflexão de sua

própria história de vida, independente de sua cor.

4 A ESCOLA MUNICIPAL AGNELO DE BRITO

A minha ida à Agnelo de Brito foi feita muito antes de pensar em desenvolver

esta pesquisa com esta escola. Quando, durante o curso de formação inicial, eram

solicitadas pesquisas sobre a prática pedagógica eu recorria a esta unidade de

ensino.

Primeiro, por ser da comunidade da Boca do Rio, o que necessariamente não

facilitou a minha entrada, mas o meu interesse em conhecer o trabalho ali

desenvolvido. Segundo, porque a realidade vivida pelo bairro da Boca do Rio nesta

primeira década do Sec. XXI, sempre foi motivo de preocupação minha.

Conhecer uma unidade escolar que tinha um trabalho, uma preocupação em

fazer mais do que apenas o solicitado pela Secretaria Municipal de Educação com

certeza me impulsionou a fazer várias tentativas com a Agnelo de Brito.

Um problema que encontrei foi analisar os documentos da escola, que

quando solicitados principalmente os antigos não se encontravam lá. Os motivos

não foram declarados, então utilizei os relatos orais que moradores do bairro, ao

saberem do meu trabalho, se dispuseram a me dar. Confrontei os relatos com os

documentos vistos e as falas das dirigentes da escola, sobretudo da diretora Janete.

Para apontar a história da escola, a senhora Lêda Carvalho, vizinha da escola

e moradora do bairro desde 22 de agosto de 1969, conta que a escola nasceu

naquele mesmo ano, fundada pelo então prefeito Antonio Carlos Magalhães. O fato

pode ser confirmado pela placa de fundação localizada no pavilhão da instituição.

De acordo com a antiga moradora, a escola era uma das únicas da região,

oferecendo educação básica aos filhos dos remanescentes das comunidades do

Alto da Marinha (Ondina) e do Bico de Ferro (Jardim dos Namorados), que foram

transferidos dessas áreas na década de 60, pelo prefeito vigente Antonio Carlos

Magalhães. O motivo da transferência seria a crescente urbanização da orla de

Salvador.

Alias, é impossível falar da Escola Agnelo de Brito e não contar um pouco da

história do bairro. A Boca do Rio surge como remanescente de quilombo abrigando

africanos e afro-descendentes na década de 40. Por sua localização próxima ao

mar, a principal atividade desenvolvida vem a ser a pesca. Esta atividade é

característica econômica do bairro até os dias atuais, como afirma a professora

Janete Sarrafi, diretora da Agnelo de Brito, que muitos pais de alunos da Agnelo de

Brito vivem da pesca.

A diretora lembra que a fundação da escola é um marco na história do bairro.

Funcionando inicialmente na Rua da Tranquilidade, uma das principais da Boca do

Rio, a escola contava inicialmente com quatro salas para atender a sua clientela nos

três turnos. Possuía horta própria cultivada pelos alunos durante o dia, a escola

contava com a ajuda dos pais dos alunos para pequenas reformas.

Com o passar dos anos, a Municipal Agnelo de Brito passou a funcionar

permanentemente na Rua Manuel Almeida Pacheco, nº 76. De lá para cá a sua

infraestrutura pouco foi modificada.

Na observação do espaço físico da escola, utilizei as respostas de um

questionário que havia feito pela disciplina Organização Educacional, durante o

semestre 2006.2, e comparei-o com o regresso que fiz à escola em 2009.

Olhando para dentro da escola, percebi que a área onde foi recolocada foi

mantida sem alterações, seu pátio ao ar livre perdeu a frondosa amendoeira, que

significava sombra nas horas de recreio das crianças. Contando com seis salas de

aula, porém somente cinco em funcionamento, uma área de lanche, cozinha bem

equipada, a escola recebeu em sua última reforma, em outubro de 2009, novas

instalações sanitárias.

A secretaria, a direção e a coordenação dividem-se em duas salas arejadas.

E para dar um novo sentido à sala desativada, a diretora Janete Sarrafi a reservou a

fim de os alunos receberem aulas de Artes, Dança e Capoeira naquele espaço.

Em seu entorno, há ruas residenciais, muitas abrigadas por antigos

moradores. As famílias do bairro, que se reúnem na Associação, localizada ao fundo

da Escola Municipal Agnelo de Brito.

Para fazer com que a comunidade participe mais das ações da escola, de

acordo com a vice-diretora Luciene Ramalho, a noite são oferecidos encontros de

pais do bairro. Esses encontros são realizados com intuito de debater com a

comunidade, não só pais de alunos, questões como cuidados com as crianças,

saúde e educação infantil. Luciene Ramalho salienta que “[...] este trabalho vem

sendo bem recebido pela comunidade, pois tínhamos muitos casos de maus-tratos,

agressão física e psicológica aos alunos. Então essa iniciativa surgiu de nossa

demanda”.

Mas não para por aí, nesses mesmos encontros são ministradas palestras

com temas que variam desde a saúde da mulher a demandam do mercado de

trabalho.

O esforço da escola em construir uma gestão participativa foi um dos fatores

que chamou a minha atenção para a escolha desta escola para a minha pesquisa

neste local.

4.1 Caracterização das professoras e gestoras da Es cola Municipal Agnelo de Brito

Ao analisar os relatos coletados com as mulheres que lecionam e

administram a Escola Municipal Agnelo de Brito, senti necessidade de apresentar

um breve perfil.

Os únicos homens que fazem parte do corpo funcional da escola, além dos

discentes, são os vigilantes de uma empresa terceirizada que fazem a segurança do

patrimônio da unidade escolar Agnelo de Brito.

Quadro 1 – Caracterização das professoras e gestoras

Nome Formação Escolar

Função na Instituição

Tempo de atuação escolar

Cor/Raça declarada

Janete Superior Completo

Diretora 38 anos Branca

Luciana Pós-graduação

em Psicopedagogia

Vice-diretora 22 anos Parda

Anaildes Superior completo

Professora do 4º ano

32 anos Negra

Tatiane Pós-graduação

em Psicopedagogia

Professora do 1º ano 11 anos Negra

Conceição Superior Completo

Professora do 5º ano

22 anos Parda

Estemira Pós-graduação em Gestão

Coordenadora Pedagógica

25 anos Negra

Eliane Superior em curso

Professora do 3º ano

14 anos Parda

Cristina Superior completo

Professora do 2º ano

22 anos Negra

Fonte: Própria autora

A primeira observação que faço é com relação às profissionais que ocupam a

direção e vice-direção respectivamente na instituição. Ambas possuem

características físicas de pessoas brancas, e foram eleitas para ocuparem os seus

devidos cargos através de votação na qual participaram o corpo de profissionais da

escola, os pais de alunos e “[...] foram convidadas integrantes da associação dos

moradores do bairro”, segundo a diretora Janete Sarrafi, apesar da mesma ressaltar

que no dia da votação compareceram apenas pais de alunos e profissionais da

escola.

Diretora da escola há mais de oito anos, Janete Sarrafi mora nas

proximidades da escola, o que segundo ela possibilita o seu deslocamento, a

vivência com uma clientela já conhecida, a consciência dos problemas que afetam o

bairro, além das necessidades dos alunos.

Cautelosa, porém direta em suas palavras, Janete aponta que tratar os

projetos da escola com seriedade exige muito esforço e cooperação, e como

exemplo do projeto de Ensino de História Africana e Afro-brasileira, desenvolvido ao

longo de todo ano, foi necessário o apoio dos pais para que os bons resultados

surgissem.

Segundo Janete Sarrafi, não seria possível “[...] adotar projetos, fazer valer a

construção de um espaço educativo que respeite a diversidade se em casa os

alunos não forem orientados pelos pais”. Essa é uma ambiguidade que a escola tem

aprendido a lidar.

Outra questão levantada foi a formação escolar das mulheres acima

representadas, sendo que todas possuem ensino superior completo, com exceção

da professora Eliane, educadora do 3º ano que está com o curso superior em

conclusão.

A busca por uma formação continuada é aqui entendida como ponto positivo

para educadores conforme esclarece Nilma Lino Gomes, ao afirmar que

Quanto mais complexas se tornam as relações entre educação, conhecimento e cotidiano escolar; cultura escolar e processos educativos; escola e organização do trabalho docente, mais o campo da Pedagogia é desafiado a compreender e apresentar alternativas para a formação dos seus profissionais. (Gomes, 2008, p.19)

O interesse demonstrado em concluir o curso superior e manter uma

formação continuada pode ser resumido conforme palavras da vice-diretora Luciene

Ramalho, quando a mesma afirma que “[...] o aperfeiçoamento do educador é de

suma importância para que o mesmo possa provar no seu ambiente de trabalho

teorias discutidas na Academia, de forma a não distanciar teoria da prática”.

Ainda de acordo com a professora Tatiane, educadora do 1º ano

Além de ser exigência de mercado, buscar a formação continuada é uma necessidade do profissional que queira melhorar a sua prática, ter base teórica para discutir os problemas enfrentados pela escola hoje. Entender este universo plural, e se relacionar melhor com ele. (Tatiane, professora).

A importância da formação do professor sublinhada nas falas das educadoras

acima demonstra claramente que é urgente um empenho além da graduação, é

necessário um querer entender o fazer educação. Atualmente, é previsto em lei, a

exemplo da LDB/96, que a escola aceite e atenda a sua clientela com qualidade,

sendo que esta clientela é constituída de sujeitos singulares que em contato

constante com os outros indivíduos e com todo o meio geram conflitos. Mas, para

ser exigida da escola, seja pública ou particular, uma qualidade é necessária a

capacitação dos seus profissionais. Observando a respeito do empenho por parte de

toda a escola em compreender os conflitos, na tentativa de resolvê-los, a professora

e líder espiritual Valdina O. Pinto afirma que

É necessário que a educação nas escolas esteja voltada para a construção de valores e práticas de relações humanas, sócio-ambientais, que permitam o reconhecimento da diversidade, da pluralidade e o respeito a essa diversidade [...] o que pode contribuir para uma convivência pacífica em uma sociedade mais justa. (PINTO, 2006, p.7)

Em relação ao tempo de atuação em sala de aula, as professoras colocam-se como

dispostas a fazer educação enquanto tiverem fôlego, não representando um

empecilho para ‘incomodar’ as suas práticas.

Os fenótipos predominantes entre as profissionais pesquisadas dão conta em

sua maioria de pessoas com traços afro-descendentes, porém houve uma diferença

de respostas para a cor/raça declarada e o fato de se declararem afro-

descendentes.

Quando questionadas sobre a sua cor, 50% das entrevistadas responderam

ser negra, enquanto que o restante de declarou parda ou branca, com a justificativa

de que é “[...] assim que são classificadas pelos outros”.

Mas, quando perguntadas se se consideram afro-descendentes, a resposta

foi unânime: todas as entrevistadas afirmaram que sim. Para entender melhor o

porquê das respostas solicitei as mesmas que se justificassem. Aí se desenrolou

uma variedade de respostas.

Ao justificar sua afro-descendência 80% das entrevistadas declararam o peso

do histórico familiar, contendo ascendentes africanos, ressaltando que outras etnias

também faziam parte das suas árvores genealógicas.

Tais respostas mostraram que a justificativa não se devia simplesmente pelas

considerações aos estudos realizados durante o Projeto de Ensino de História

Africana e Afro-brasileira de que “[...] o homem moderno, em suas origens, saiu da

África” LODY (2006, p. 10). Esta, aliás, foi a justificativa da vice-diretora escolar

Luciene Ramalho, que havia se declarado parda anteriormente.

Mas analisando a resposta dada pela professora do 5º ano, Conceição, foi

perceptível a construção da imagem que ela tem de si e a imagem que quer que

outros tenham. Em sua justificativa, a educadora Conceição afirma que “[...] o povo

me chama de branca, mas eu não me considero como branca. Mas, por exemplo,

nas cotas eu não me incluiria”.

Nas falas acima relatadas são marcantes os traços da ideologia do

branqueamento, visto que são mulheres que se consideram afro, mas não se

assumem AFRO, visto que a aceitação da sua raiz, da sua ascendência significaria

a admissão de padrões estéticos e valores sócio-culturais diferentes.

De acordo com Ana Célia da Silva a ideologia do branqueamento é uma “[...]

ideologia justificadora da opressão e inferiorizarão, objetivando a destruição da

identidade, da auto-estima e do reconhecimento dos valores e potencialidades do

oprimido, com fins de subordinação” (SILVA, 2004, p. 31).

O que é preocupante são as transmissões que podem ser realizadas para a

figura do aluno, tendo em vista que as professoras da escola Agnelo de Brito

consideram-se sujeitas que tentam construir um olhar mais sensível à diversidade

apresentada no espaço em que lecionam.

4.2 Quem são os discentes da escola Agnelo de Brito

Voltando a atenção a imagem feita pelas educadoras com os seus alunos, em

relação ao percentual de afro-descendentes por turma, obtive os seguintes

resultados:

Quadro 2 - Percentual de Afro-descendentes relatados x declarados por turma

Série Afro-descendentes relatados

Afro-descendentes declarados

1º ano 100% 98% 2º ano 95% 90% 3º ano 90% 100% 4º ano 90% 60% 5º ano 98% 90%

O percentual de afro-descendentes relatados foi obtido através das fichas

produzidas pelas professoras para levantamento de dados sobre as turmas, no início

do ano letivo.

Já os índices de afro-descendentes declarados foram obtidos na finalização

do ano letivo. É possível perceber as mudanças que o projeto desenvolvido pela

escola durante todo o ano provocou nos discentes. De acordo com a coordenadora

pedagógica Estemira, os índices gerais de alunos afro-descendentes que se

declaravam como tais no ano de 2008 eram de 68%, período em que ela começou a

elaborar junto aos professores da unidade Agnelo de Brito, ações que integrassem

ainda mais os conteúdos de História Africana e Afro-brasileira com as disciplinas do

currículo escolar.

Já em 2009, o aumento foi significativo com média de 87,6% de discentes que

se consideram afro-descendentes. As ações integradas tem se mostrado eficazes,

ressaltando o fortalecimento da identidade dos alunos.

Os bons resultados descritos pela coordenadora corroboram com a colocação

de Ana Célia da Silva

É necessário, então, que o professor procure conhecer o mundo desse aluno, porque é através desse conhecimento que será possível compreendê-lo e educá-lo, aproveitando e respeitando o conhecimento, o cotidiano, as experiências, a cultura, que ele traz consigo. (SILVA, 2004, p.74)

Neste caso, a escola iniciou um processo de desmistificação de ideologias

que circulam e são transmitidas em seu espaço. E aí entra a questão da seleção de

materiais didáticos como suporte desta iniciativa.

Figura 1 – Capa do livro Histórias da Preta

Fonte: Histórias da Preta (LIMA, 1999)

O material utilizado pelas professoras, segundo as mesmas, foi

cuidadosamente analisado, a fim de que representassem para os alunos

personagens negros como atores, agentes da história e não meros expectadores.

Além de também serem trabalhados textos que esclarecessem aos discentes os

conceitos de raça, etnia, afro-descendência e identidade de forma positiva, conforme

verificado em Histórias da Preta, onde se lê:

“[...] afro vem de se ter uma origem africana” (LIMA, 2005, pag.9)

“Aprendi uma vez que a palavra etnia diz que os povos e as sociedades são

apenas diferentes entre si; não diz que um é inferior ao outro” (LIMA, 2005, pag.13)

A escolha do livro Histórias da Preta na composição do material didático que

seria utilizado foi pelo mesmo atender aos objetivos desejados descritos

anteriormente. O livro Histórias da Preta é como o seu próprio título anuncia uma

seleção de histórias contadas por Preta, uma personagem negra que apresenta-se

ao leitor contando o porque do seu nome, discutindo de forma sutil a sua

ascendência. Analisando o enredo, notei que os conceitos, tais como etnia, raça,

cor, identidade, são abordados de forma objetiva e adequados para a linguagem da

criança e do adolescente, não necessitando para isso fazer uma infantilização da

mesma.

Outro ponto notado foi a estratégia de contar história da personagem central,

Preta, enlaçando-a com histórias contadas por ela, fazendo uma viagem do

continente africano ao Brasil. Desta forma, o leitor faz um regresso na sua própria

história, aguçando a curiosidade, tentando responder à pergunta: quem sou eu?

O livro Histórias da Preta, utilizado em todas as turmas, parcial ou integralmente é

trazido como referencial de material didático utilizado que condisse com a proposta

de subsidiar a construção da identidade daqueles educandos.

4.3 A capacitação das educadoras da Escola Agnelo d e Brito em relação à Lei

10.639/03

Para realizar a pesquisa sobre o trabalho elaborado pela Escola Agnelo de

Brito, foi preciso buscar respostas que justificassem o porquê das professoras

desempenharem o mesmo. Qual o aproveitamento a nível profissional e pessoal

dessas educadoras, em trabalhar com a Lei 10.639/03?

A necessidade de responder a esses questionamentos vem principalmente de

saber que muito se faz simplesmente por exigência da Secretaria de Educação,

conforme palavras da coordenadora pedagógica Estemira de que “[...] há muitos

profissionais de educação que fazem porque é lei”.

O verdadeiro foco deveria ser sempre trabalhar pela construção de uma

escola que respeite a diversidade que comunga no seu espaço, por isso lembro-me

das palavras da então secretaria de educação Maria Olívia Santana (2006) quando

apresentou a pasta de textos para auxiliar o trabalho de professoras e professores

no Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana na Educação Fundamental:

“A arte de educar para a cidadania, para superar a cultura do preconceito e da

discriminação exige desejo, afetividade e determinação de contribuir com um tempo

de justiça, um tempo de REPARAÇÃO” (SANTANA, 2006).

Tendo a clareza da diferença entre saber e fazer com determinação,

questionei as professoras e gestoras da Agnelo de Brito sobre o seu conhecimento

da Lei 10.639/03 e a relevância da criação da mesma.

Todas, sem exceção, afirmaram conhecer a Lei 10.639/03 e consideraram de

grande relevância a sua implantação no cenário educativo brasileiro. Ainda de

acordo com a professora Anaildes, pró Naná como os seus alunos a tratam

carinhosamente, a implantação da lei 10.639 “[...] já tinha passado da hora”.

Reiterando a fala da colega de trabalho, a professora Conceição completou dizendo

que “[...] a Lei 10.639 passou a valorizar uma parte da população que ainda é

discriminada. É considerada sub em tudo”.

As falas registradas apontam a confirmação de que a escola é um dos locais

onde a população negra é discriminada, os negros na escola são considerados

inferiores. A experiência da professora Valdina O. Pinto, aposentada, o que significa

que a escola excludente não é mero discurso de jovens educadores, onde a mesma

conta que

Respondendo honestamente vamos constatar que a educação desenvolvida nas escolas tem contribuído para o reforço e a reprodução de racismo, de preconceitos, de mecanismos de exclusão, de discriminação, de inferiorização do negro em nossa sociedade. E isso vem se processando ao longo de décadas e, até mesmo com a utilização do próprio negro, uma vez que nós, educadores, aqui na Bahia, somos em maioria negros, afro-descendentes, embora grande parte não se reconheça como tal. Isto porque, pesam sobre nós os mecanismos existentes na sociedade que têm como objetivo fragmentar a identidade negra e promover a autonegação do negro. (PINTO, 2006, p.5)

Mas se o foco da lei vai além do âmbito didático, perpassando pelo social

procurei ouvir das educadoras os pontos positivos em tais aspectos. No que diz

respeito a relevância social de implementar a Lei 10.639, a valorização da afro-

descendência, a elevação da auto-estima da população negra e o respeito ao

próximo esteve presente em 90% das falas, como na da professora Cristina, que

afirma “[...] a maior relevância é aumentar a auto-estima do afro-descendente que

não se reconhece como tal por vergonha de sua cor”.

Militante do Movimento Negro, a professora Tatiane acredita que o grande

ganho é poder “[...] resgatar a verdadeira história do negro, até porque a população

da escola é majoritariamente negra”.

Esse resgate, ou valorização, da história do negro, seja na África ou na sua

vinda ao Brasil, tem “[...] afirmado a nossa identidade e existência própria, sem nos

excluir da condição que nos faz aportar no mundo, como sujeitos contemporâneos”

(MACHADO, 2000, p.25).

Analisando a relevância didática da Lei 10.639/03 as dirigentes da escola

focaram o aluno como maior beneficiado, sendo “[...] o seu processo de ensino-

aprendizagem facilitado por poder trabalhar conteúdos que se relacionam com a sua

vivência, o seu dia-a-dia”, de acordo com a diretora Janete.

Mas para as professoras, o valor didático foi além. A professora Conceição

afirma que “[...] passamos a conhecer melhor a nossa história, valorizando ainda

mais tanto o professor quanto o aluno”. Esta fala mostra que quando o educador se

coloca numa posição de diálogo, utilizando-se da humildade pedagógica, o aprendiz

deixa de ser apenas o aluno, para professor e aluno num processo de troca: eu

aprendo enquanto ensino.

Contando ainda sobre o acréscimo profissional de trabalhar com a lei

10.639/2003, procurei saber das profissionais entrevistadas se já ensinavam a

história da África e dos negros no Brasil. E qual não foi a minha surpresa em ouvir

de 50% das professoras que antes da promulgação da lei, trabalhavam com datas

comemorativas, aproveitando-se dos eventos para mostrar as contribuições das

diversas culturas africanas.

Em controvérsia, a professora Tatiane afirmou ensinar a História da África de

forma desmistificadora desde o momento que decidiu trabalhar com educação. A

mesma conta ainda que “[...] na faculdade, as coisas só foram se aprimorando mais,

à medida que as discussões foram aumentando”.

Como exemplo de profissional preocupada com a situação do ensino aos

afro-descendentes a professora Tatiane procurou socializar o seu interesse com as

colegas para que despissem os seus olhares para as questões da identidade dos

educandos e assim puderem obter sucesso na proposta da escola.

Eu pude acompanhar de perto um destes momentos ainda no ano 2008,

quando escolhi a Escola Municipal Agnelo de Brito para pesquisa sobre organização

escolar e prática pedagógica pela disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica IV.

Como já afirmado anteriormente, esta escola foi o meu espaço de pesquisa por

várias vezes.

Na ocasião de 2008, a escola buscava adotar um projeto de valorização da

identidade dos seus educandos a partir de uma mostra sobre a vinda dos africanos

ao Brasil, perpassando pelas lutas travadas pela liberdade até a condição do negro

na sociedade atual.

Todas as professoras junto à direção escolar sentaram-se para elaborar o

projeto e discutir a sua viabilidade, a relação dos conteúdos a serem abordados com

as disciplinas do currículo.

Já em 2009, eu pude observar o mesmo trabalho inicial sendo realizado,

apesar de não poder reproduzir o projeto anual elaborado pelas profissionais da

escola, participei de reuniões onde foi discutida a importância do projeto, desde o

seu início até a sua culminância.

De acordo com Estemira, coordenadora pedagógica da Agnelo de Brito, no

Projeto Político Pedagógico da escola as Leis 10.639/03 e 11.645/08 estão inclusas,

o que facilitou a produção do projeto para o ano de 2009 que contemplaria

conteúdos relacionados com o Ensino de História Africana e Afro-brasileira desde a

fundação da cidade de Salvador até a atualidade. E este projeto visaria a

valorização das raças que compunham a formação do povo baiano. Mas e o

trabalho em sala de aula, como ficaria já que o projeto formulado em conjunto era

num formato macro?

Conforme palavras de Estemira, a coordenadora, a partir do projeto da

coordenação, as professoras fariam a seleção de habilidades das disciplinas para

cada bimestre de forma que atendessem ao projeto pensado.

Lembrando-me sempre que buscar os elementos que subsidiassem o

desenvolvimento do trabalho realizado pelas educadoras da Agnelo de Brito,

questionei-as quanto a capacitação oferecida pela Secretária de Educação. em 80%

dos casos, as profissionais passaram por algum tipo de capacitação oferecida pela

SMEC desde 2003, ano em que foi promulgada a Lei 10.639/2003. Fizeram parte

desta capacitação mini-jornadas, palestras, lançamentos de material didático tanto

que abordassem a valorização da cultura africana e afro-brasileira quanta das

culturas indígeno-brasileiras.

No ano de 2009, particularmente, as profissionais daquela escola relataram

um aumento e uma melhora na qualidade do material didático disponibilizado, como

o lançamento da cesta de livros “Biblioteca Afro-brasileira”, uma coletânea de nove

livros que relatam desde a importância do ensino de História Africana e Afro-

brasileira até biografias de grandes líderes negros.

Os materiais recebidos pela Secretaria de Educação foram classificados

como ricos em informações, esclarecedores e atuais o que se confirma nas palavras

da professora Conceição

Recebemos livros, vídeos, um bom material. Reconheço que foi preciso empenho para entender e significar a sua utilização em sala de aula. Assuntos que antes não víamos de forma tão detalhada em livros como a Revolta de Búzios. Tivemos que discutir que pontos seriam proveitosos, fazer um recorte didático para que facilitar a compreensão do aluno. (Conceição - Professora)

A professora Tatiane mencionou que para o seu trabalho ser completo, ela

recorreu a materiais que já possuía de forma a não ficar presa apenas ao recebido

pela Prefeitura. Esta postura mostra que o profissional de educação necessita de

comprometimento no seu fazer pedagógico.

Em sala de aula as metodologias que as professoras decidiram adotar foi a de

ajustar os conteúdos abarcados pelo projeto com a série correspondente, partindo

de conhecimentos prévios dos alunos, como foi o caso da turma do 1º ano, onde a

professora Tatiane preferiu os contos africanos em função da idade dos educandos

e os mesmo já estarem habituados ao trabalho com a literatura. Segundo Tatiane

“[...] essa foi a forma mais prazerosa que encontrei para incluir conceitos, além de

valores e modos de socialização de matriz africana no aprendizado dos meus

educandos”.

A partir de leituras como o livro Histórias da Preta, ilustrado anteriormente, os

alunos descobriram palavras de diversos dialetos africanos. Com a curiosidade

aguçada para novos saberes, os discentes produziram um grande dicionário de

palavras de origem africana.

Figura 2 – Dicionário africano

Fonte: Escola Municipal Agnelo de Brito

Para significar a produção do dicionário, a professora Tatiana sugeriu que os

alunos produzissem histórias com palavras constadas no dicionário. As histórias

foram lidas pelos produtores durante as aulas, e os livros escritos e ilustrados foram

expostos no mural da sala.

As professoras Anaildes, Conceição e Eliane contam que no planejamento

semanal, elas selecionavam contos, músicas, poemas, hino de países africanos,

mapas, filmes para serem trabalhados na área de Língua Portuguesa até Artes.

Um ponto importante observado foi o cuidado que as professoras tiveram em

mostrar que os diversos elementos da cultura africana não são “coisas do passado”,

mas sim elementos vivos, pulsantes em nossas manifestações sócio-culturais. Um

caso claro foi a releitura das influências africanas sobre as festas e os ritmos, tidos

hoje como tipicamente brasileiros, onde os discentes produziram cartazes.

Figura 3 – As influências africanas na música brasileira

Fonte: Escola Municipal Agnelo de Brito

Além de os discentes produzirem cartazes a partir de outras fontes, as

professoras Eliane e Cristina salientaram que a percepção sobre elementos

africanos presentes na nossa cultura foi retratada por imagens criadas pelos

próprios educandos. Todo material produzido era exposto na escola, como

valorização do trabalho artístico.

Figura 4 – O homem e o atabaque

Fonte: Escola Municipal Agnelo de Brito

As abordagens realizadas pelas educadoras tiveram um grande impacto

sobre a autoestima dos educandos, a partir do momento em que viam as suas

produções expostas. Era mais um passo dado para a aceitação de sua

ancestralidade, de entendimento sobre um conjunto de fatores para auxiliar na

compreensão do que somos.

4.4 A evolução das relações entre os sujeitos da Es cola Municipal Agnelo de

Brito na busca por um fortalecimento da auto-estima

Procurando entender as relações existentes entre os educandos e

professores voltei as minhas atenções para as formas de tratamento utilizadas entre

os sujeitos da Agnelo de Brito, com auxilio das respostas dadas pelas profissionais

entrevistadas.

Ouvi relatos sobre as ocorrências de situação de racismo entre os educandos

como corriqueiros no início e ao longo das ações desenvolvidas pelo projeto. De

acordo com a professora Anaildes o fato de alunos desvalorizarem, ou quererem

rebaixar a imagem do outro mesmo que seu semelhante sempre ocorreu. Ela afirma

que “[...] a conscientização é um trabalho prolongado, não é imediato. Os resultados

não surgem da noite para o dia”. Tal colocação pode ser corroborada pela postura

de combate ao preconceito que a escola precisa abraçar

Quanto à finalidade da educação, assenta-se no compromisso em combater o preconceito, a discriminação e o racismo, favorecendo a solidariedade e o respeito aos direitos humanos, internalizando nos alunos normas morais de comportamento dentro da sociedade fazendo-os adquirir habilidades práticas, conhecimentos e destrezas e atitudes apropriadas para desenvolver numa sociedade pluralista, desenvolver capacidade de imaginação e racionalidade para comportar-se no meio cultural, social e ambiental. (GUIMARÃES, 1997, p.157)

Ao tempo em que as escolas repensam formas de inserir através de valores e

normas sociais de matrizes africanas na educação como forma de desenvolver

habilidades que alcancem os objetivos acima tratados, ela enfrenta situações que

necessitam de uma interferência imediata. Um ponto em questão são os

estereótipos que os educandos já trazem de outros espaços de convivência.

Confirmando isto, a professora Tatiane relata que “[...] os estereótipos mais

freqüentem são em relação aos cabelos e a cor da pele”.

Para camuflarem a sua cor/raça os alunos com traços que caracterizariam ser

afro-descendentes se intitulam de “mulato”, “moreno”, “pardo”, mas não se afirmam

como negro.

Houve uma situação, numa tarde em que estive na escola para realizar

observação, de dois alunos, ambos do sexo masculino, após um desentendimento

por um jogo de pega-varetas, ofenderem um ao outro através da desvalorização da

sua cor de pele:

“Seu neguinho”, dizia o aluno A

“Eu não sou neguinho não, é você! Eu sou moreno”, respondia o aluno B

Ao ver aquela situação, lembrei-me da experiência relatada por Ana Célia da

Silva, quando a mesma lecionava:

Os contatos com jovens negros em sala de aula me permitiram identificar em muitos deles um comportamento de auto-rejeição e rejeição ao seu outro assemelhado étnico, assim como uma atitude se superioridade e desvalorização em relação a eles por parte dos seus colegas de pele mais clara. (SILVA, 2005, p. 23)

O fato de não se perceberem o valor que a sua cor/raça tem, os alunos se

desmerecem utilizando a imagem um do outro, ou seja, a construção de seus

espelhos até então eram negativos.

A escola precisa ter como objetivo “[...] reconstruir a imagem no negro, de

suas lutas e de sua verdadeira contribuição na formação do povo brasileiro,

qualidade que ainda não são atribuídas aos nossos ancestrais nos livros didáticos

existentes” (SILVA, 1995).

Este alerta vem sendo levado a sério a partir da elaboração de Leis como a

10.639/03 e a 11.645/08, a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

brasileira e Africana (2004), além de uma série de livros didáticos que procuram

colocar personagens negros como protagonistas, recontando a história da África e

dos afro-descendentes no Brasil.

Muito se sabe que os interesses de mercado, diante das discussões sobre

identidade e raça estão em evidência, reforçam em colocar a disposição das

prateleiras milhares de exemplares de livros diversos com um “selo” que chama

atenção para o fato de estarem “de acordo” com as Diretrizes Curriculares.

Voltando ao cenário da Agnelo de Brito, as educadoras da unidade

resolveram trabalhar a estética negra – cabelo, cor, higiene – como forma de “[...]

tornar o negro visível através do seu passado recuperado” (SANTOS, 1983 apud

MACHADO, 2000, p.29).

O resultado saltou aos olhos do corpo funcional da escola, que relataram

notar uma suavização no comportamento dos estereótipos. A professora Cristina

concorda que os discentes passaram a se olhar de outro jeito, inclusive no

tratamento com as professoras que possuem características predominantemente

africanas, conforme sua fala:

“Alguns já olham os outros sem vergonha, sem preconceito. Havia um aluno

que me olhava de forma preconceituosa, ao final deste ano, próximo a culminância

do nosso projeto, ele já me olhava sem mácula”.

A professora Conceição relata que:

“As meninas principalmente passaram a se arrumar mais, e com a promoção

do nosso Dia da Beleza Negra incentivou mudanças que perduram [...]”

A professora Tatiane chama atenção para o fato de os alunos se apropriarem

dos saberes adquiridos no momento em que surgem novas discussões acerca da

cor ou da raça entre eles. Segundo a professora a afirmação da identidade passou a

ser um ponto positivo, o que pode ser notado durante uma discussão em relação ao

conceito da palavra negro. Um aluno classificou o colega como negro e recebeu a

resposta “Sou negro mesmo, e daí?”

Corroborando com as palavras da professora Tatiane, a coordenadora

Estemira Santos afirma notar que:

Quem é comprometido com a sua cor se valorizou mais. Eles se dispuseram a apresentar na culminância do projeto sem que necessitasse da professora escolher. Todos puderam perceber seus esforços em querer representar o samba, a capoeira, os reisados, as congadas, as três raças com compunham o nosso povo.

Em relação às modificações sentidas na auto-estima dos discentes após a

execução do projeto anual, foram relatados pontos positivos como, por exemplo, a

aceitação da família, encontrar respostas à pergunta como por que eu sou assim?

A professora Anaildes pontua que “[...] o olhar ao outro foi modificado para

uma forma positiva, é um inicio de despreconceitualização”.

O meu próprio olhar conseguiu captar essas mudanças no dia da culminância

do projeto quando a escola reuniu professores, pais, funcionários e até mesmo

pessoas da comunidade que não tinham filhos matriculados na unidade Agnelo de

Brito, para prestigiarem as apresentações realizadas pelos discentes onde foram

expostas as manifestações culturais de origens europeia, africana e indígena.

Figura 5 – Índios (Turma do 1º ano)

Fonte: Escola Municipal Agnelo de Brito

Os elogios vieram de pais como Luciana, mãe de dois alunos matriculados na

unidade Agnelo de Brito, que relatou que os filhos, negros segundo ela, passaram a

se valorizar mais.

O corpo funcional da escola se declarou satisfeito com o progresso feito pelos

discentes, além de ser um acréscimo na formação profissional e pessoal dos

envolvidos com o projeto.

Descrevendo as melhoras na sua prática pedagógica a educadora Eliane

afirma que agradece ao projeto desenvolvido por todos da escola no seu

crescimento profissional, além de provocar reflexões em volta da sua prática

pedagógica.

Reiterando as palavras da colega, a professora Anaildes pronuncia estar mais

atenta a cada dia com as questões étnico-raciais, sócio-raciais, e que o projeto

ampliou o seu conhecimento sobre o seu passado de forma desmistificadora.

Termina afirmando que o acréscimo de conhecimento acerca do Ensino de História

Africana e Afro-brasileira lhe deu mais segurança para tratar de determinados

conteúdos com os discentes.

5 Considerações Finais

A presente pesquisa, desenvolvida com a colaboração da Escola Municipal

Agnelo de Brito, localizada na Rua Manoel Pacheco nº 76, Boca do Rio, visou

contribuir para a valorização das iniciativas de professores e professoras que

trabalham pela formação de cidadãos críticos, conscientes de suas origens e de seu

papel na sociedade. Ao mesmo tempo, busquei conhecer o trabalho realizado pelo

grupo de professoras e gestoras da Agnelo de Brito a fim de analisar a importância

da formação do professor para a efetivação da Lei 10.639/03.

Durante a realização desta pesquisa utilizei as entrevistas feitas com

professoras e gestoras da escola e observações sobre o cotidiano, espaço físico e a

organização escolar obtidas desde os meus primeiros contatos com aquela unidade,

além dos relatos de pais, alunos e pessoas da comunidade dispostas a contribuírem

com o meu trabalho.

A partir da análise sobre o trabalho elaborado pela Escola Municipal Agnelo

de Brito pude constatar que há um empenho, ainda que em construção, por parte de

profissionais de educação na tentativa de romper com as ideologias eurocêntricas.

Esses profissionais, afro-descendentes ou não, têm fomentado discussões dentro e

fora da escola sobre a conscientização do processo de anulação sofrido pelas mais

diversos grupos que contribuíram para a história do nosso país.

Este processo de anulação refere-se a um histórico de exclusão que negros,

índios, candomblecistas, umbandistas, orientais e todos os que não adotam, ou não

se encaixam, padrões estéticos, valores culturais eurocêntricos sofreram na

sociedade brasileira.

Na construção de um espaço pedagógico em que as diversidades precisam

ser respeitadas, percebi a importância de uma reflexão crítica por parte do professor

acerca da legislação brasileira e da realidade vivida por seus educandos, como arma

no combate a práticas sociais excludentes.

O professor aqui colocado é a ponta de uma realidade educacional

trabalhando na escola, um espaço múltiplo de saberes e de significação de

ideologias que nem sempre condizem com a sua realidade.

Tentar (re)construir espelhos positivos para crianças recalcadas durante toda

a sua vivência, escolar ou não, mereceu das professoras e gestoras da Escola

Municipal Agnelo de Brito a sua própria reconstrução de valores. Precisaram de uma

renovação de conceitos.

Repensar quem eram os seus educandos, as suas realidades, os seus

anseios fez com que todo o corpo escolar se empenhasse não só por um projeto,

mas por uma mudança social na comunidade a qual está inserida a escola.

Conforme o dito por professora Anaildes “[...] é um trabalho de conscientização

constante”.

Lendo toda a trajetória do trabalho realizado pelo grupo escolar Agnelo de

Brito, percebi que a formação profissional tem um peso muito grande sobre a prática

futura do educador, desde quando as disciplinas da grade curricular possibilitem ao

alunado discussões emergentes em nossa sociedade, como as questões de cultura,

de raça, de preconceito, de gênero e de diversidade.

A emergência de tais questões se dão justamente pelo cenário de horrores

que se transformou a sociedade brasileira com o extermínio do jovem, morador da

periferia, negro ou não, com a falta de perspectivas dos jovens brasileiros, com os

péssimos índices educacionais que obtemos a cada pesquisa realizada com os

países mundo afora.

A exclusão socioeconômico-cultural que a escola ajudou a promover há muito

já foi debatida, e se o verdadeiro interesse dos representantes políticos é de reparar

esta história, o investimento no profissional de educação é uma das medidas

cabíveis. Mas, além da formação inicial, foi também possível perceber que um

profissional de educação depende do seu querer abordar os problemas referentes

as questões étnico-raciais que existem na sociedade e têm repercussão no

ambiente escolar.

Não adianta que as secretarias promovam os mini-cursos, palestras e

jornadas, se o profissional de educação não participar. Por isso, deixo aqui

registrado que mais do que uma mudança nos currículos os profissionais de

educação precisam ter a consciência de mudança na sua postura, no seu

comprometimento em instrumentalizar-se a fim de poder refletir criticamente sobre o

seu fazer pedagógico.

O educador precisa convidar-se a conhecer e respeitar o lugar do seu aluno,

para que possam juntos empenhar-se na construção de espaços pedagógicos

múltiplos, onde raça, cor, gênero e condição econômica não falem mais alto que a

palavra respeito.

REFERÊNCIAS

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LIMA, Heloísa Pires. Histórias da Preta. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005. LODY, Raul Giovanni da Motta. Atlas Afro-brasileiro : cultura popular. Salvador: Edições Maianga, 2006. LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação. São Paulo: EPU, 1986. LUZ, Marco Aurélio (Org.). Identidade negra e educação. Salvador: Ianamá,1989. LUZ, Marco Aurélio. Do tronco ao Opa Exim : memória e dinâmica da tradição afro-brasileira. Salvador: SECNEB, 1993. MACHADO, Vanda. O negro, constituinte de sua liberdade. In: LUZ, Marco Aurélio (Org.). Identidade negra e educação. Salvador: Ianamá, 1989. MACHADO, Vanda. Projeto Irê Ayó – Em busca de uma pedagogia nagô. In: BOAVENTURA, Edivaldo; SILVA, Ana Célia da (Org.) O terreiro, a quadra e a roda : formas alternativas para a educação das crianças negras de Salvador. Salvador: EDUFBA, 1997. MACHADO, Vanda. Ilê Axé – Vivências e invenção pedagógica – criança s do Afonjá. Salvador: EDUFBA, 2000. MAHEU, Cristina D’Ávila. A formação do professor na contemporaneidade. In: LUZ, Narcimária C. do Patrocínio (Org.). Tecendo Contemporaneidades. Salvador: EDUNEB, 2007. MARCONI, Marini de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostras e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002. NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo . Petrópolis: Vozes, 1980. PINTO, Valdina O. Educação para a convivência pacífica entre religiões. In: SALVADOR, Prefeitura Municipal de. Pasta de textos da professora e do professor : Lei 10.639/03 – Educação das Relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura Afro-brasileira e Africana na educação fundamental. Salvador: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, [2006].

SALVADOR, Prefeitura Municipal de. Pasta de textos da professora e do professor : Lei 10.639/03 – Educação das Relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura Afro-brasileira e Africana na educação fundamental. Salvador: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, [2006]. SANTANA, Maria Olívia. Apresentação. In: SALVADOR, Prefeitura Municipal de. Pasta de textos da professora e do professor : Lei 10.639/03 – Educação das Relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura Afro-brasileira e Africana na educação fundamental. Salvador: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, [2006]. SILVA, Ana Célia. A discriminação do negro no livro didático. 2. ed. Salvador : EDUFBA, 2004. SILVA, Ana Célia da. Movimento negro e processo educativo brasileiro. [2001?] Texto inédito apresentado pela autora na disciplina Política Educacional, no Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia – Campus I. SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Quilombo no Brasil e a singularidade de Palmares. In: SALVADOR, Prefeitura Municipal de. Pasta de Textos da professora e do professor : Lei 10.639/03 – Educação das Relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura Afro-brasileira e Africana na educação fundamental. Salvador: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, [2006]. SIQUEIRA, Maria de Lourdes (Org.). Imagens negras : ancestralidade, diversidade e educação. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006.

APÊNDICE

Questionário para o professor

1. Há quanto tempo trabalha como educador (a)?

2. Em que série você leciona?

3. Qual o percentual de afro-descendente entre os seus educandos?

4. Deste percentual, quantos se consideram afro-descente?

5. Qual a sua cor/raça?

6. Você se considera afro-descente? Justifique.

7. Conhece a Lei 10.639/03?

8. Você considera relevante a criação e implantação da Lei 10.639/03?

9. Qual a relevância social da implantação da Lei 10.639/03 na escola?

10. Qual a relevância didática da implantação da Lei 10.639/03 na escola?

11. Em sua vivência pedagógica, já havia trabalhado na perspectiva do Ensino da

História da África de forma desmistificadora?

12. Em sua instituição de ensino, houve a construção de um projeto didático para

efetivação da Lei 10.639/03 durante o ano de 2009?

13. Caso positivo, a Secretaria Municipal de Educação promoveu a capacitação

necessária ao seu trabalho em sala de aula?

14. Que tipo de capacitação?

15. Houve a democratização e socialização deste projeto ou você elaborou um

projeto próprio?

16. Qual a metodologia utilizada para aplicação dos conteúdos relativos ao

ensino de História africana e afro-brasileira?

17. Antes da aplicação do projeto, havia situação de racismo entre os

educandos? Exemplifique:

18. Durante a aplicação dos conteúdos referentes ao ensino de História e

Culturas africanas você observou modificações no comportamento e na

estética dos seus educandos? Quais?

19. Após a execução deste projeto, foram percebidas mudanças na auto-estima

dos seus educandos? Positiva ou negativamente?

20. A execução deste projeto foi relevante para melhora da sua prática

pedagógica? De que forma?

Questionário para a direção e/ou coordenação escolar

1. Há quanto tempo trabalha como educador (a)?

2. Qual a sua ocupação na Escola Municipal Agnelo de Brito?

3. Qual o percentual de afro-descendente na escola?

4. Deste percentual, quantos se consideram afro-descente?

5. Qual a sua cor/raça?

6. Você se considera afro-descente? Justifique.

7. A escola realizada planejamento semanal? Quando?

8. Conhece a Lei 10.639/03?

9. Você considera relevante a criação e implantação da Lei 10.639/03?

10. Qual a relevância social da implantação da Lei 10.639/03 na escola?

11. Qual a relevância didática da implantação da Lei 10.639/03 na escola?

12. Em sua vivência pedagógica, já havia trabalhado na perspectiva do Ensino

da História da África de forma desmistificadora?

13. Em sua instituição de ensino, houve a construção de um projeto didático para

efetivação da Lei 10.639/03 durante o ano de 2009?

14. Caso positivo, a Secretaria Municipal de Educação promoveu a capacitação

necessária ao seu trabalho em sala de aula?

15. Que tipo de capacitação?

16. Houve a democratização e socialização deste projeto?

17. Já presenciou situações de racismo antes da aplicação do projeto, havia

situação de racismo entre os educandos? Exemplifique:

18. Durante a aplicação dos conteúdos referentes ao ensino de História e

Culturas africanas você observou modificações no comportamento e na

estética dos seus educandos? Quais?

19. Após a execução deste projeto, foram percebidas mudanças na auto-estima

dos educandos? Positiva ou negativamente?

20. A execução deste projeto foi relevante para melhora da sua prática

pedagógica? De que forma?

ANEXOS

LISTA DE LIVROS UTILIZADOS PELA ESCOLA EM SEU PROJE TO

Editora Corrupio

Salvador: cidade para viver e conhecer – Ed. Corrupio

Editora Escala Educacional

Coleção Ler e crescer – Língua Portuguesa – Ed. Escala Educacional

Editora Moderna

Projeto Pitanguá – Geografia – Ed. Moderna

Projeto Pitanguá – História – Ed. Moderna

Editora Módulo

Cidadania além das letras – Ed. Módulo

Editora Palas

Zumbi – O último herói de Palmares – Ed. Pallas

A velha guarda da Portela – Ed. Pallas

Canto negro – Ed. Pallas

Nas asas da liberdade – Ed. Pallas

A luta de cada um - Luis Gama – Ed. Pallas

História da áfrica: uma introdução – Ed. Pallas

O jovem Martin Luther King – Ed. Pallas