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Universidade de Lisboa Faculdade de Belas Artes ‘Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal – Programa museológico’ Candidata: Ana Frederica Jordão dos Santos Mestrado em Museologia e Museografia 2010/2012

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Belas Artes

‘Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal – Programa museológico’

Candidata: Ana Frederica Jordão dos Santos

Mestrado em Museologia e Museografia

2010/2012

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Belas Artes

‘Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal – Programa museológico’

Candidata: Ana Frederica Jordão dos Santos

Mestrado em Museologia e Museografia

Dissertação orientada pelo Prof. Dr. Fernando António Baptista Pereira

2010/2012

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Resumo

A proposta de estabelecimento de um Museu dedicado ao Cônsul de Portugal em Bordéus

durante a II Guerra Mundial, Aristides de Sousa Mendes, tem encontrado largo eco na

sociedade portuguesa e em comunidades internacionais. O exemplo de Sousa Mendes a

favor dos perseguidos do regime nazi e os contextos políticos, ideológicos e pessoais em

que se desenrola convocam questões determinantes para o entendimento que uma

comunidade tem de si, intimando ao diálogo um número vasto de disciplinas, da

Antropologia, à História, da Psicologia à Sociologia e ao Direito.

A riqueza que se entrevê neste debate motivou a planificação de um programa museológico

que pudesse abarcar a densidade da vida do seu patrono e o seu legado para a Humanidade,

contribuindo para a promoção dos Direitos Humanos e do entendimento entre os Povos.

Pela singularidade do percurso de vida de Sousa Mendes, o futuro Museu conta já com um

espaço em que poderá funcionar, a Casa do Passal, residência do Cônsul, sem que o seu

espólio possa, dentro dos moldes habituais, conformar-se aos critérios da Casa-Museu de

personalidade.

A idealização de uma Casa-Museu que lida com um período marcante do imaginário

colectivo celebrando o altruísmo e a abnegação requererá o recurso a estratégias de

comunicação positivas, baseadas no confronto crítico com a História e na possibilidade de

resposta individual às determinações estruturais da sociedade. Assim, mais do que

memorial evocativo do horror da intolerância, a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes –

Casa do Passal pretende afirmar-se como um Museu de redenção, da possibilidade de

transformação positiva da sociedade e do mundo.

Palavras-chave: Museologia, História, II Guerra Mundial, Diplomacia, Educação.

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Summary

The plan for establishing a Museum dedicated to the Portuguese Consul in Bordeaux

during the II World War, Aristides de Sousa Mendes, has met with the sympathy of the

Portuguese society and international communities at large. Sousa Mendes’ exemplary action

in favour of those persecuted by the Nazi regime and the political, ideological and personal

contexts in which it develops arise important questions for the self-image of communities,

calling to stand a vast array of disciplines such as Anthropology, History, Psychology,

Sociology and Law.

The richness anticipated by such a debate motivated the conception of a Museum program

that would be able to grasp the density of its patron’s life history and his legacy for

Humanity, contributing for the promotion of Human Rights and the understanding among

Peoples.

Because of the singularity of Sousa Mendes’ life journey, the future Museum can already

rely on a building wherein to develop it’s activities, Casa do Passal, the former residence of

the Consul, whereas the house objects cannot provide for a Museum-House in the

traditional sense.

The conception of a House-Museum that deals with a sensitive period of the collective

memory, celebrating altruism and self sacrifice requires for the use of positive

communication strategies, based on a critical approach of History and the possibility of

individual response to structural determinations of society. More than a memorial to the

horrors of intolerance, Aristides de Sousa Mendes House-Museum – Casa do Passal aims

to subsist as Museum for redemption and the possibility of the positive transformation of

the society and the world.

Key-Words: Museology, History, II World War, Diplomacy, Education.

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Agradecimentos

O mais sentido agradecimento aos meus Avós, Maria da Conceição e Manuel Jordão, por me terem dado a conhecer a história de vida de Aristides de Sousa Mendes e por terem pautado a sua vida pelo mesmo exemplo de generosidade, empenho e coragem na defesa das suas crenças e ideais. Agradeço à minha Mãe, Maria Jordão, por me ter apoiado, encorajado e acompanhado indefectivelmente no meu percurso académico. A minha profunda gratidão e superior estima à Família Sousa Mendes, nas pessoas de Sebastian Mendes, Gérald Mendes e António de Moncada Sousa Mendes pelo inestimável apoio e imensa disponibilidade com que receberam o meu projecto. À Sousa Mendes Foundation e à Fundação Aristides de Sousa Mendes.

Ao arquitecto Eric Moed, pela sua generosidade, pela inestimável colaboração e estimulante diálogo. Dirijo o meu reconhecido agradecimento ao meu orientador, Prof. Dr. Fernando António Batista Pereira, por ter acreditado no meu trabalho e, na sua generosidade, ter sabido partilhar dos momentos menos bons da sua execução. À Junta de Freguesia de Cabanas de Viriato na pessoa do seu Presidente, Sr. José de Barros Figueiredo, pela calorosa recepção. Igualmente à Câmara Municipal de Carregal de Sal pela pronta disponibilidade. Incluo neste agradecimento a Direcção Regional de Cultura do Centro – Coimbra por todo o apoio prestado. Pelo genuíno interesse e prontidão com que apoiaram este projecto, endereço uma palavra de apreço à Câmara Municipal da Figueira da Foz através das profissionais da Biblioteca Municipal da Figueira da Foz e do Arquivo Fotográfico da Figueira da Foz. O meu agradecimento ao designer David Small e à equipa da Small Design Firm pela preciosa colaboração. Agradeço, reconhecida, ao Dr. António Ponte, à Dr.ª Maria Raquel Limão de Andrade e a Vicky Leibowitz pela amável colaboração e abertura para o debate. Agradeço à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa a oportunidade de trabalhar de perto com tão bons profissionais, entre pessoal docente e não-docente. À designer Sabrina Dâmaso pelo estímulo e pelo apoio. Ao amigo e jornalista Nuno Ramos de Almeida pela preciosa colaboração e encorajamento. Pela presença e apoio, aos amigos Catarina Saraiva, Linda Melo, Samuel Santos, Sofia Botelho e Tiago Veloso. Esta dissertação é para os meus Avós.

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Introdução 7

I. Uma biografia política de Aristides de Sousa Mendes na Europa do seu tempo 9

1.1 O processo pessoal: origens, percurso e história familiar 9

1.2 O Acto de Consciência 19

1.3 Acusação e Processo Disciplinar 23

1.4 O reconhecimento pelo Governo português 27

1.5 Legado institucional 30

1.6 Os diplomatas portugueses e a II Guerra Mundial 33

II Museus e memória 35

2.1 A memória na historiografia contemporânea 35

2.2 Memórias do Holocausto 37

2.3 Museus para a Memória – estudos de caso 40 Jüdisches Museum Berlin – Museu Judaico de Berlim, Berlim, Alemanha 40 Red Location Museum, Porth Elisabeth, África do Sul 43 Nobels Fredssenter – Centro Nobel da Paz, Oslo, Noruega 45

III Programa museológico para a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal 48

3.1 Missão e vocação 48

3.2 Programa Científico 50 3.2.1 Espólio e acervo 50 3.2.2 Exposições 51 3.2.3 Condições de conservação 54 3.2.4 Projectos 61

3.3 Programa arquitectónico 63 3.3.1 Parâmetros do programa 63 3.3.2. Plano de intervenção arquitectónica 64

3.4 Programa Museográfico 76 3.4.1 Sistemas de inventariação e documentação 76 3.4.2 Encenação dos testemunhos - Exposição permanente 77 3.4.2.1 Conceito gerador 77 3.4.3 Equipamento expositivo 80 3.4.4 Serviços Educativos 83

Conclusão 86

Bibliografia 87

Anexos 90

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[….] in order to remember, one must be capable of reasoning and comparing and of

feeling in contact with a human society that can guarantee the integrity of our memory.

Maurice Halbwachs, The Social Frameworks of Memory, p. 41

‘Contemporary memory space is charged with the responsibility of honouring divergent

narratives of the past and conveying that sense to an audience that is in turn diverse.’

Vicki Leibowitz, Making Memory Space: Recollection and

Reconciliation in Post Apartheid South African Architecture, p. 9

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Introdução

A presença do nome de Aristides de Sousa Mendes no imaginário social português

é relativamente recente, se tivermos em conta que os factos que o distinguem enquanto

homem político e cidadão remontam a 1940. Com efeito, a primeira diligência oficial para

apuramento dos factos que levaram o Ministério dos Negócios Estrangeiros português, em

processo disciplinar de 1940, a ditar a aposentação compulsiva de Sousa Mendes da carreira

de Cônsul de primeira classe data apenas de 1975, quando Ernesto Melo Antunes assume a

pasta do Ministério dos Negócios Estrangeiros do VI Governo Provisório (Afonso, 1995:

324).

Aristides de Sousa Mendes, diplomata de carreira, era Cônsul de Portugal em Bordéus à

data da invasão de França pelas tropas nazis, em Maio de 1940. Confrontado com o

crescente número de refugiados que procuravam fugir da guerra e das políticas de

discriminação racial de Adolf Hitler, Sousa Mendes, católico e humanista, encontrava-se

igualmente impedido de agir dentro da legalidade para os auxiliar: entre vários outros

documentos oficiais, a Circular n.º 14 do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 11 de

Novembro de 1939 impedia os cônsules de carreira de emitir vistos de trânsito para

Portugal a estrangeiros ‘de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas,

aos portadores de passaportes Nansen e aos russos’, àqueles ‘que apresentam nos seus

passaportes a declaração ou qualquer sinal de não poderem regressar livremente ao país de

onde provêm’ e aos ‘judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou de aqueles de onde

provêm’.

Contudo, a despeito das ordens oficiais, após uma consulta a colegas de profissão e à

família, perante o caos de refugiados que acorriam ao escritório do consulado em Bordéus,

Aristides de Sousa Mendes decidiu ajudar quem o procurava: entre os dias 14 e 20 de

Junho de 1940, emitiu um total de 1288 vistos de passagem por Portugal em passaporte,

essenciais a quem procurava atravessar Espanha com rumo ao continente americano.

Muitos mais vistos salvadores terão, no entanto, sido emitidos em papéis de vária ordem e

valor legal.

As consequências pessoais e familiares da desobediência ao Governo conservador de

Salazar não se fizeram esperar e ditaram a sua proscrição da carreira diplomática, o

impedimento de exercer a profissão de advogado e a perda de direitos na aposentadoria,

eventos que motivaram o rápido declínio da situação económica familiar.

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Nas vésperas do seu falecimento, Aristides de Sousa Mendes vivia em condições

extremamente precárias, a maioria dos filhos havia emigrado com o intuito de prosseguir a

sua vida sem o peso da proscrição sobre o seu nome e, apesar das suas diligências, Sousa

Mendes nunca conseguiu recuperar direitos fundamentais. A sua memória foi apenas

conservada pela família, por alguns sobreviventes que receberam os seus vistos e encerrada

nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Lentamente, num processo que envolveu, sobretudo, a Família mas, igualmente, uma parte

da comunidade académica portuguesa e estrangeira, escritores e jornalistas, cidadãos e

cidadãs anónimos, o Estado de Israel, refugiados europeus nos Estados Unidos da América

e, por fim, o próprio Governo português, foi-se desvendando e tornando pública a sua

acção humanista e as terríveis consequências pessoais que daí advieram.

O interesse pela acção de Sousa Mendes não se atém à necessária rememoração e análise

do ambiente e das condições políticas e sociais dos tempos da II Guerra Mundial: a

desobediência de Sousa Mendes a ordens do seu Governo contém um comentário e um

elemento essencial de reflexão acerca da relação entre Lei e Ética que poderá ser

determinante na prevenção de futuros conflitos, na consolidação do entendimento entre os

Povos e num enriquecimento e dignificação duráveis do Direito.

Por outro lado, oferece-se como um excelente estudo de caso para a análise das questões

da memória, da memória colectiva e das versões oficialmente sancionadas da História.

A ideia de criar uma unidade museológica destinada a honrar a memória da acção

humanista do diplomata português Aristides de Sousa Mendes data de há longos anos e

vem sido acalentada longamente pela Família e pelas diversas comunidades que

reconhecem na figura do Cônsul um exemplo de coragem e uma lição a aprender no

capítulo da defesa indefectível dos Direitos Humanos. O presente trabalho pretende ser um

modesto contributo para este projecto maior, que não poderá deixar de honrar igualmente

outros diplomatas ao serviço do MNE português que, nas mesmas condições, agiram em

defesa dos direitos humanos - Sampaio Garrido, Teixeira Branquinho, Giuseppe Agenore

Magno, entre outros.

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‘Ao longo dos anos, o tempo fez o seu lento trabalho de destruição. O vento arrancou as persianas das janelas, a pintura desapareceu,

a cerca e o portão enferrujaram e as ervas daninhas invadiram o chão.’

Rui Afonso, Um Homem Bom (1995: 314).

I. Uma biografia política de Aristides de Sousa Mendes na Europa do seu tempo

A contextualização dos ambientes políticos, económicos e culturais que moldam as

biografias permitem, no espaço do Museu, analisar, interpretar, produzir novo

conhecimento e comunicar acerca dos objectos de estudo. No caso específico da vida e

obra de Aristides de Sousa Mendes esta contextualização é de importância fulcral: a sua

acção e a relevância dela dependem inteiramente do contexto em que se processou e o

impacto que teve ressoa ainda nos nossos dias, como onda de choque, na vida de milhares

de pessoas.

Assim, e no sentido de apontar já para a estruturação dos percursos de visita a definir para

a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal, apresentar-se-á aqui uma

resenha biográfica do Cônsul a dois tempos – o percurso pessoal e profissional entre 1885

e 1940 e o ‘Processo Disciplinar’ de 1940, seu desenvolvimento e consequências,

entretecendo os aspectos pessoais e familiares com os aspectos políticos do país e da

Europa.

1.1 O processo pessoal: origens, percurso e história familiar

Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu a 19 de Julho de 1885, em

Cabanas de Viriato, concelho do Carregal do Sal. Desse parto nasceria também o seu irmão

gémeo, César de Sousa Mendes.

A família Sousa Mendes encontrava-se, então, na sua propriedade da Casa do Aido, solar

da família de Maria Angelina Ribeiro de Abranches de Abreu Castelo-Branco, mãe de

Aristides. Para uma maior precisão do que se dirá em seguida, será importante referir que

Maria Angelina Ribeiro de Abranches de Abreu Castelo-Branco era bisneta de Roque

Ribeiro de Abranches Castelo Branco, 1º visconde de Midões, título nobiliárquico

outorgado por D. Maria II em 1837.

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Do casamento de Maria Angelina Castelo Branco com José de Sousa Mendes, juiz

desembargador da Relação de Coimbra, nasceria ainda um terceiro filho, José Paulo de

Sousa Mendes, em 13 de Novembro de 1895.

Aristides de Sousa Mendes e o irmão César ingressam na Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra, licenciando-se em Direito em 1907 e concluindo a especialização

em Diplomacia no ano de 1910, no advento da República.

No ano anterior, Aristides havia contraído matrimónio com Maria Angelina Ribeiro de

Abranches (doravante denominada por Angelina de Sousa Mendes), sua prima direita.

O início da carreira diplomática e uma família que se quer extensa

Do casamento de Aristides e Angelina Sousa Mendes nasceria em primeiro lugar Aristides

César (Carregal do Sal, 17/10/1909) que seguirá com os pais, a 12 Abril de 1910, para a

Guiana Britânica, onde Aristides iria ocupar o cargo de cônsul de 2ª classe. As graves crises

de paludismo que, então, assolavam a região e infectaram vários membros da família

obrigam ao regresso a Portugal, no ano seguinte. No curto interregno que a família Sousa

Mendes passa em Portugal nasce o segundo filho, Manuel Silvério (Carregal do Sal,

03/07/1911).

A 10 de Novembro de 1911, Aristides de Sousa Mendes é destacado para o posto de

cônsul-geral de Portugal em Zanzibar, à época um protectorado britânico. Os seus filhos

José António (02/07/1912), Clotilde Augusta (28/11/1913) e Isabel Maria (17/10/1915)

nascerão nesta fase, sem que a família perca os laços com Portugal: são regulares, por estes

anos, as visitas da família a Cabanas de Viriato.

Pelos serviços prestados à frente do posto consular, Aristides recebe do sultão de Zanzibar,

Sayyid Sir Khalifa II bin Harub, a medalha de segunda classe da Estrela Brilhante. O sultão

apadrinharia, igualmente, o seu filho Feliciano Artur (29/03/1917), nascido também em

Zanzibar. Mas Zanzibar revela-se um perigo para a saúde dos seus filhos, pelo que em

Fevereiro de 1918, ainda a I Guerra Mundial não havia terminado, Aristides de Sousa

Mendes é colocado à frente do consulado de Curitiba, no Brasil. Aí nascerá a filha Elisa

Joana (09/09/1918).

Entretanto, em Portugal, Sidónio Pais liderara já a Junta Militar revolucionária que, em 8 de

Dezembro de 1917, havia derrubado o governo de Afonso Costa, levando ao exílio o

Presidente da República Bernardino Machado. Contrariando as disposições da Constituição

de 1911, Sidónio Pais instala um regime de clara feição presidencialista, assumindo as

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funções de Presidente da República, Ministro da Guerra e Ministro dos Negócios

Estrangeiros. Após o seu assassinato, João Canto e Castro assume a Presidência da

República e, perante as sucessivas tentativas de golpe de Estado levadas a cabo pelas forças

vivas da monarquia portuguesa (lideradas por Cunha Leal e Álvaro de Castro em

Dezembro de 1918 e Paiva Couceiro, em Janeiro de 1919), inicia uma vaga de purgas de

simpatizantes monárquicos ao serviço da nação. Como se vira, Aristides de Sousa Mendes

era ele próprio um aristocrata por ascendência materna, monárquico convicto. No Brasil, o

seu posicionamento político colocou-o perante o primeiro de vários processos disciplinares

quando, num caso que envolveu igualmente o irmão César, é acusado de anti-

republicanismo e levado a tribunal como ‘elemento hostil ao regime’1, colocado na situação

de disponibilidade e vê o seu vencimento reduzido. Absolvidos por falta de provas das suas

intenções conspirativas, Aristides de Sousa Mendes e o irmão César dão prova de carácter

ao alterar oficialmente os seus nomes, acrescentando-lhes, em 1920, os apelidos maternos

Amaral e Abranches. Poucos meses depois, a Casa do Passal, residência da família em

Cabanas de Viriato, que Aristides então aumentava com um novo piso e embelezava,

passaria a ostentar o brasão de armas da família.

Este processo judicial, que se arrastou entre Junho de 1919 e Junho de 1921, devolveu

Sousa Mendes temporariamente a Portugal. O oitavo filho do casal, Pedro Nuno

(29/04/1920), nascerá em Coimbra, poucos meses antes de Aristides reassumir plenas

funções como diplomata, desta feita, em São Francisco, Estados Unidos da América. A sua

personalidade de novo neste posto dá mostras de firmeza, contando-se alguns episódios de

confronto com um grupo de notários americanos, uma azeda troca de correspondência em

jornais luso-americanos e a acusação de ser antidemocrático e, sobretudo, anti-americano.

A sua despromoção neste posto não tardou: quando o Departamento de Estado lhe nega a

carta-patente como Cônsul-geral de Oakland, o Ministério dos Negócios Estrangeiros

português (MNE) transfere-o para um cargo inferior, de inspecção do consulado português

em Boston2. É nos E.U.A. que nascerão os filhos Carlos Francisco (Berkeley, 11/02/1922)

e Sebastião Miguel (São Francisco, 07/10/1923).

A missão diplomática seguinte levará Aristides de Sousa Mendes e a família de novo para o

Brasil, onde se ocupará do posto consular do Estado do Maranhão e, posteriormente, do

de Porto Alegre. É nesta cidade brasileira que nasce a filha Teresinha (06/11/1925). Em 29

de Janeiro de 1926, é chamado de novo a Portugal onde ocupará um posto na Direcção-

Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. 1 Afonso, 1995: 193. 2 Ibidem.

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A verdadeira ascensão da carreira do diplomata começa, contudo, a partir do Golpe de

Estado de 28 de Maio de 1926, liderado por Gomes da Costa. Se o processo revolucionário

levado a cabo pelas forças conservadoras do país ditou um novo momento de instabilidade

na já complexa situação da I República, certo é que, consolidada a vitória conservadora

sobre o governo de António Maria da Silva, o próprio povo português se encarregou de

caucionar as medidas antidemocráticas em nome da estabilidade nacional: a aclamação de

Gomes da Costa em Lisboa, em Junho desse ano, subscrevia o novo regime ditatorial, de

feição militar e antiparlamentarista. No ano seguinte, em Março, Sousa Mendes é integrado

no corpo diplomático do consulado de Vigo, Espanha. Na cidade de Pontevedra nascerá o

décimo segundo filho de Aristides e Angelina, Luís Filipe (26/05/1929).

Uma possível explicação para esta importante nomeação após um período tão atribulado na

sua carreira é fornecida pelo próprio em carta ao Ministro dos Negócios Estrangeiros,

Manuel Quintão Meireles, de 15 de Março: Sousa Mendes reconhecia ser ‘funcionário

próprio para vigiar e inutilizar os manejos conspiratórios contra a Ditadura’3. O apoio de

Sousa Mendes e do seu irmão César à nova ditadura foi completo e incondicional, muitas

vezes justificado em correspondência privada, oficial e na imprensa internacional4 e daí

advieram importantes frutos a curto prazo: em Dezembro de 1926, César de Sousa Mendes

era promovido a ministro plenipotenciário de 2º classe e nomeado chefe da 1ª repartição da

Direcção-Geral dos Negócios Políticos e Diplomáticos.

A carreira de Aristides de Sousa Mendes estruturava-se igualmente, granjeando-lhe

colocações de cada vez maior prestígio e responsabilidade: em Setembro desse ano de 1929

assume funções de cônsul-geral de Portugal em Antuérpia. Na cidade flamenga de Louvain,

onde se estabeleceu com a família, nascerão os filhos João Paulo (06/01/1931) e Raquel

Hermínia (25/06/1933, falecida cerca de um ano e meio depois).

Quando, em 1932, o bem-sucedido Ministro das Finanças António de Oliveira Salazar,

assume a presidência do Conselho de Ministros, prefiguram-se novos êxitos nas carreiras

dos irmãos Sousa Mendes: em Julho, o antigo colega de faculdade de Aristides e César

entrega a pasta dos Negócios Estrangeiros a César de Sousa Mendes. Contudo, apesar da

sua solicitude na tentativa de resolução de problemas do Ministério pela proposta de

inúmeras remodelações internas, César é afastado do Ministério ao fim de nove meses e

substituído por José Caeiro da Mata. Se bem que o processo de afastamento de César de

Sousa Mendes nunca fosse suficientemente claro, contemporâneos dos irmãos Mendes

alvitram explicações díspares acerca da curta permanência do irmão de Aristides à frente 3 Afonso, 1990: 27. 4 cf Afonso, 1990: 28.

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dos destinos do MNE: por um lado, sugere-se a incompetência de César para o cargo; por

outro, insinuam-se disputas e inimizades entre membros do MNE que poderiam ter

prejudicado a sua carreira e, mais tarde, alimentado o Processo Disciplinar movido, em

1940, a Aristides5.

Correspondência trocada entre os irmãos permite compreender o desenvolver de uma

crescente amargura para com o rumo da carreira diplomática no MNE e, muito

significativamente, para com Salazar. Se as consequências de tal desconforto não seriam

imediatamente perceptíveis, os meses seguintes haveriam de assistir ao avolumar da tensão

entre o MNE e os Sousa Mendes, num período em que a Europa entrava igualmente num

período de crise.

Do ponto de vista pessoal, a família de Aristides assistia também às suas tragédias: após a

morte prematura de Raquel Hermínia, com pouco mais de um ano de idade, o filho Manuel

Silvério, recentemente licenciado pela Universidade de Louvain, falece em 1934.

Ao fim de nove anos à frente do posto consular de Louvain, em Fevereiro de 1938,

Aristides de Sousa Mendes solicita oficialmente ao Presidente do Conselho a sua

transferência, alegando a sua antiguidade no quadro. Em resposta, Salazar destaca-o, contra

as suas pretensões de se ocupar da legação chinesa ou japonesa, para um posto consular de

pouca relevância em França. Chega, assim, em 1 de Agosto de 1938, a Bordéus.

A Europa encontrava-se, por esta época, em profundas convulsões: a 13 de Março de 1938,

contrariando as disposições do tratado de Saint-Germain-en-Laye de 1919 e do Tratado de

Versalhes, a Alemanha liderada por Adolf Hitler e o Partido Nacional Socialista anexa a

Áustria, perante o imobilismo de França e Inglaterra e inicia uma vaga de ofensivas sobre a

região dos Sudetas e da Checoslováquia.

A neutralidade portuguesa na II Guerra Mundial e a questão dos refugiados

No conflito que, então, rapidamente se prefigurava no cenário político europeu, Portugal

manteve a sua neutralidade quase inabalável6, por razões que alguns historiadores apontam

como estratégicas, porquanto circunstanciais: se, por um lado, interessava manter a amizade

5 cf. Afonso, 1990: 32 et seq.. 6 ‘Mas a paz não poderá ser para ninguém desinteresse ou descuidada indiferença. Não está no poder de homem algum subtrair-se e à Nação às dolorosas consequências de guerra duradoura e extensa. Tendo a consciência de que aumentaram muito os seus trabalhos e responsabilidades, o Governo espera que a Nação com ele colabore na resolução das maiores dificuldades e aceite da melhor forma os sacrifícios que se tornarem necessários e se procurará distribuir com equidade possível.’ Comunicado do Governo de 2 de Setembro de 1939. Fonte: Jornal de Notícias.

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com a Inglaterra usando dos acordos de cooperação com a vizinha Espanha para afastá-la

de uma eventual união ao Eixo, era de suma importância manter a paz na Península e

evitar, sobretudo a partir da campanha alemã no Norte de África, em Setembro de 1940, a

presença de forças Aliadas em território nacional7.

Esta neutralidade é contada como episódio curioso por refugiados da perseguição alemã:

‘Portugal seguia uma rígida neutralidade bem visível nos quiosques, onde ao lado de dez

jornais pró‐eixo pendiam dez jornais pró aliados.’8

Também relativamente à questão dos refugiados, a posição da diplomacia portuguesa era

de uma inflexível neutralidade: a 12 de Abril de 1939, chega ao Ministério dos Negócios

Estrangeiros português o memorando ‘Situação dos Judeus na Roménia, Pro Memoria’,

elaborado pela Legação Real da Roménia. Neste documento, após uma análise da ‘evolução

da questão judia na Roménia’9, aponta-se para o excessivo número de cidadãos e não-

cidadãos de origem judaica no país, problema partilhado pela Polónia, e que, como tal,

exige uma resolução internacional. Esta ‘solução humanitária e duradoira’10 deveria, de

acordo com o Governo Real da Roménia, envolver os países onde o povo Judeu se

encontra localizado mas, igualmente, as organizações judaicas, no sentido do

estabelecimento de um Estado Judaico.

Deixando para outro contexto as questões históricas que fundamentam o anti-semitismo

europeu e que Andrade (2007) explicita habilmente, cabe-nos analisar as motivações dos

governos romeno e polaco no preciso momento histórico em que o dito memorando é

emanado: na Europa nazificada, o projecto de erradicação de povos não-arianos, iniciado

em Abril de 1933 com a emissão de decretos definindo a condição não-ariana e o boicote

ao comércio judeu, exacerbava-se, no início de 1939, a ritmo acelerado, com a subtracção

dos direitos de inquilinato aos judeus e o seu realojamento forçado em ‘casas judaicas’;

seguir-se-ia o recolher obrigatório, a perda do direito à posse de aparelhos de rádio, entre

outras privações. Num semelhante contexto, e a despeito da realidade do sentimento anti-

semita em países como a Roménia ou a Polónia e a habilidade do expediente internacional

que salvaguardaria qualquer dos países de tomar medidas de cariz nacional, a ideia do

estabelecimento de um Estado judaico poderia até ser entendida como medida do mais alto

valor humanitário. Laconicamente, o Estado português responderá, contudo, a este apelo

internacional com uma circular em que informa ‘que Portugal não tem problemas de anti-

7 Telo, 1999: 140. 8 Tillinger apud Alves et al., 2010: 52 9 Situação dos Judeus na Roménia, Pro Memoria, Lisboa, 12/04/1939, AHDMNE in Andrade, 2007: 57. 10 Andrade, op. cit.: 62

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semitismo’; já em relação ao aspecto político, diz-nos Andrade, julga o MNE ser ‘mais

prudente não se envolver na discussão’11. Lembremos que como pano de fundo à decisão

do MNE liderado por António de Oliveira Salazar presidia, sobretudo, a pressão de várias

potências Aliadas já na Conferência de Evian sobre os Refugiados de 1938 (na qual

Portugal não participou): nesta Conferência, alvitrou-se que Portugal pudesse ceder parte

do seu território ultramarino com vista ao estabelecimento desse futuro Estado judaico,

nomeadamente, em Angola ou em Moçambique.

Seja como for, o assunto da participação portuguesa no plano internacional para a

resolução do problema dos refugiados ficaria, por ora, encerrado, salvaguardando-se, de

uma assentada, a neutralidade portuguesa relativa aos países do Eixo e às potências aliadas,

como a Inglaterra.

Esta neutralidade, no entanto, deverá ser entendida no plano estritamente externo e da

cooperação internacional. Internamente, a política do MNE seguiu outro rumo: resultado

da evolução da situação política da Europa no séc. XX, com a recomposição dos Impérios

decadentes em modernos Estado-Nação, o número de refugiados de diversas categorias

aumentou exponencialmente, forçando diversos países a elaborar legislação específica para

lidar com a entrada de estrangeiros nos seus territórios. Durante as primeiras décadas do

século, a atitude de Portugal, sempre cautelosa, vai no sentido da ratificação das

convenções internacionais que permitem a concessão de bilhetes de identidade a refugiados

russos e arménios portadores de passaporte Nansen, documento que lhes permitia circular

entre os países subscritores da convenção. Com a subida de Hitler ao poder, em 1933, e a

consequente perseguição encetada contra não-Arianos, diversos delegados diplomáticos

portugueses em países da área de influência germânica – entre eles, também de César de

Sousa Mendes, ao tempo embaixador de Portugal em Varsóvia – alertaram o Governo

português para os perigos da entrada desregrada de ‘israelitas’ no país, por entenderem que

poderiam constituir-se como ‘veículos de ideais que não têm ambiente natural entre as

camadas populares portuguesas, mas ainda assim, poderiam contribuir para um mal-estar

geral’12.

Às razões invocadas vão juntar-se motivos de ordem económica, nomeadamente, o

contexto de crise gerado pela fragilização das economias e consequente queda dos

mercados bolsistas no ano de 1920: a atitude proteccionista do emprego, do controlo da

fixação de capitais e mão-de-obra estrangeiros foi comum a diversos países e é também

11 Andrade, op. cit.: 67 12 Carta do embaixador português em Amesterdão, Júlio Augusto Borges dos Santos, para o ministro do MNE de 12/05/1933, apud Chalante, 2011: 45 e 46.

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neste contexto que deverá ser lida, de acordo com Susana Chalante (2011), a produção de

legislação reguladora da preferência de trabalhadores nacionais sobre estrangeiros em

empresas industriais ou comerciais (1930-1933), da proibição de contratação ou

contratação limitada ao aval do MNE de trabalhadores estrangeiros no sector do

espectáculo (1932), músicos e artistas teatrais (1937), professores (1933) e médicos (1939).

Ainda no plano interno, convirá chamar a atenção para o crescimento do papel

interventivo da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), criada em 1933, nas

questões dos refugiados. Pelo Decreto-Lei n.º 33 917 de 5 de Setembro de 1944, a PVDE

passa a poder emitir passaportes a estrangeiros. A esta medida não será alheia uma

necessidade de reforço do aparelho de Estado perante a possibilidade de conflito entre o

bloco do Eixo e Aliados e os riscos daí imanentes para a soberania portuguesa e

ultramarina. A inflexão do discurso de base económica sobre os refugiados para um de

cariz mais ideológico (e, eventualmente, mesmo xenófobo) ter-se-á ficado a dever, em

grande medida, à sua crescente influência junto do Ministério do Interior e do MNE que,

em alguns casos bem documentados, chegou a prevalecer sobre a assinatura de cônsules

portugueses em legações europeias13.

Embora não seguisse uma política estruturada relativamente à imigração, o Governo de

Salazar foi eficaz na construção de uma política activa de selecção entre ‘turistas’ e

‘indesejáveis’ com base num profundo receio de contaminação ideológica, cultural e

religiosa: em 1933, em face do início dos movimentos massivos de refugiados, o ministro

dos Estrangeiros José Caeiro da Mata indica claramente por circular-telegrama aos

funcionários diplomáticos das mais importantes legações europeias do MNE que

limitassem a concessão de vistos a ‘judeus expulsos da Alemanha’, ‘evitando que pessoas de

idade, agitadores, extremistas, comunistas e indigentes’, pessoas sem contrato de trabalho

ou sem justificação aparente pudessem entrar no país14.

Um dos decretos reguladores da entrada de estrangeiros e refugiados em Portugal que mais

nos interessa para o presente estudo de caso foi emitido a 11 de Novembro de 1939,

escassos meses após a troca de correspondência supracitada com os Negócios Estrangeiros

Romenos, a Circular nº 14 do MNE15.

Esta Circular, assinada por Luís Teixeira de Sampaio, secretário-geral do MNE em nome

do Ministro, Oliveira Salazar, dá conta da necessidade, face às ‘actuais circunstâncias

anormais’ em adoptar ‘certas previdências e definir algumas normas, embora a título 13 Cf. Yad Vashem Studies, Vol. XXVII: 129: a título de exemplo, veja-se o caso de Abram J. Lachman. 14 Chalante, op cit: 46. 15 Cf. Anexo I - Circular n.º 14 Ministério dos Negócios Estrangeiros – MNE (de 11 de Novembro de 1939), Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

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provisório, que previnam quanto possível, em matéria de concessão de passaportes

consulares portugueses e de vistos consulares, abusos e práticas de facilidades que a Polícia

de Vigilância e Defesa do Estado entende inconvenientes ou perigosas’16. A partir desta

data, a concessão de passaportes e vistos em passaportes fica interdita a cônsules de 4º

classe. Os cônsules de carreira deverão consultar o MNE no caso de vistos em passaportes

destinados a:

- ‘estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas, aos portadores de passaportes Nansen e aos russos’, - ‘estrangeiros que não aleguem de maneira que o Cônsul julgue satisfatória, os motivos da vinda para Portugal e ainda àqueles que apresentam nos seus passaportes a declaração ou qualquer sinal de não poderem regressar livremente ao país de onde provêm’, - ‘judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou de aqueles de onde provêm’

e, bem assim, a todo e qualquer cidadão ou cidadã que não possua visto do país de destino,

comprovativo de passagem aérea ou garantia de embarque17. O ponto 3º faz estender estas

restrições aos vistos destinados a ‘emigrados políticos portugueses’.

Os Aliados declarariam guerra à Alemanha em Setembro de 1939, quando esta avança para

a anexação da Polónia, marcando o início da Segunda Guerra Mundial.

A 17 de Junho de 1940, a Alemanha nazi entra em Paris depois de habilmente ludibriar os

Aliados estacionados na Linha Maginot e o governo de Henri Philippe Petain encontra-se

pronto a negociar o armistício com Hitler. A 19 de Junho, o Governo francês indaga sobre

as condições do armistício, recebendo como resposta o bombardeamento da cidade

costeira de Bordéus. Aqui se encontrava Sousa Mendes.

Em Portugal, o caos provocado pela debandada de refugiados de guerra era agora evidente:

a despeito das limitações impostas pela Circular nº 14 relativamente à concessão de vistos, a

Primavera e o Verão de 1940 assistiram a um fluxo intenso e anormal de ‘turistas’ para

Portugal. Se estes fluxos haviam diminuído durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939),

com a generalização do conflito europeu e, principalmente, devido ao estabelecimento das

políticas nazis de deportação, internamento e extermínio de populações judias18, assiste-se à

entrada maciça de pessoas em trânsito para o continente americano.

16 Idem. 17 Idem, ponto 2º. 18 Alves et al., 2010: 44.

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Sob o enorme manto da neutralidade, estes milhares de refugiados foram encaminhados

para ‘zonas de residência fixa’ nas zonas balneares mais importantes do país, a saber, Caldas

da Rainha, Curia, Ericeira, Estoril ou Figueira da Foz. Munidos de vistos turísticos válidos

por 30 dias (prorrogáveis por 60 dias por indicação da PVDE19), estes ‘turistas acidentais’ –

que, na realidade, aguardavam por novidades relativas aos seus vistos de permanência, por

bilhetes de barco que os conduzissem ao continente americano e por notícias dos

desenvolvimentos da guerra nos seus países de origem – trouxeram profundas mudanças

ao panorama de ocupação urbanística das cidades, demorando-se pelos cafés em grupos

sofisticados de homens e mulheres como nunca antes se havia observado20. Na Figueira da

Foz, por exemplo, dada a enorme afluência a estes espaços de convívio, tornou-se comum

a afixação de cartazes anunciando ‘Despesa obrigatória’21. Ainda nesta cidade, foi criada

uma comissão turística especial para receber os refugiados, composta por membros das

comunidades estrangeiras aí fixadas e igualmente pelo vice-cônsul da Bélgica, o figueirense

José dos Santos Alves, que aconselhava os locais a tratar estes forasteiros como refugiados

e não como turistas, não os explorando e usando de toda a cordialidade para que levassem

na partida a melhor imagem do nosso país22. Os organizadores de eventos culturais da

cidade também se aplicavam em agradar a estes forasteiros especiais, como no caso da

exibição do rancho ‘Flores da Beira Mar’ em que se nota: ‘Tout les étrangers résidants

accidentellement, a ce moment, a Figueira da Foz, sont invités a assister, gratuitement, a

cette fête populaire.’23

Perante este cenário, em que o Governo português disponibilizou ‘zonas de residência fixa’

com o objectivo de acelerar os processos de migração, porque se irá destacar a acção de

Sousa Mendes? Com efeito, a esmagadora maioria dos recipientes de vistos do Cônsul

português seria constituída não por ‘refugiados que conseguiram fugir mas por aqueles que,

por variadas razões, não o conseguiram fazer’24.

19 Chalante, op cit : 55. 20 Cf. Anexo II, Imagem 1. 21 Cf. Anexo II, Imagem 2. 22 Afonso, 1995: 234. 23 Programa de exibição do Rancho ‘Flores da Beira Mar’, Buarcos / Figueira da Foz, 7/7/1940, Biblioteca Municipal Pedro Fernandes Tomás / Arquivo Histórico Municipal, Pasta Turismo / 1940. 24 Joly apud Sousa, 1999: 30.

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1.2 O Acto de Consciência

A 21 de Novembro de 1939, o Cônsul de Bordéus concedera já o primeiro visto à revelia

da Circular nº 14. Tratou-se de um pedido de Arnold Wiznitzer, professor austríaco de

origem judaica que, face à ordem de se apresentar imediatamente num campo de

internamento, recorre ao consulado português para obter a autorização de passagem por

Portugal. Concedido o visto a Wiznitzer, o necessário pedido de autorização apenas deu

entrada no MNE seis dias depois da sua concessão irregular, sem que lhe fosse dada

resposta. A 6 de Dezembro, Sousa Mendes volta a insistir na autorização, ao que o

ministério responde não entender a razão do pedido, uma vez que o visto já havia sido

emitido. Ainda nesse mês, Sousa Mendes escreve directamente a Salazar alegando

‘sentimentos de humanidade’ e ‘simpatia por um antigo Professor universitário’ para a

irregularidade cometida.

A 3 de Fevereiro de 1940, o Consulado de Bordéus é contactado por Eduardo Neira

Laporte, médico e professor universitário, dirigente da comunidade basca na zona de Dax,

em França, e antigo combatente da Guerra Civil Espanhola. Munido de um visto de saída

francês emitido pelas autoridades de Vichy, possuía igualmente visto de entrada na Bolívia

e o apoio do governo boliviano, que o receberia como refugiado e custearia as despesas da

viagem transatlântica através do consulado em Lisboa. Em falta, apenas o visto de trânsito

por Portugal. Contactado pelo Consulado, o MNE não dá resposta ou provisão ao pedido,

iniciando a PVDE uma investigação acerca de Laporte. No início do mês de Março,

Laporte visita de novo Sousa Mendes informando que, num prazo de 3 dias, um vapor

parte de la Rochelle com rumo a Lisboa e solicitando de novo o visto, que o Cônsul

imediatamente concede. Poucos dias depois, a 11 de Março, o MNE informa de que o

visto destinado a Laporte havia sido recusado; ainda de acordo com o MNE, no dia

seguinte, Laporte e a família não teriam sido autorizados a desembarcar no porto de Lisboa

– a companhia marítima dá informação diferente, afirmando que a família desembarcou, ao

contrário de um outro casal, detentor de vistos emitidos em Haia, a quem foi interdito o

desembarque ‘pela razão de serem judeus’.

Em consequência, a 24 de Abril de 1940, Sousa Mendes é admoestado pela segunda vez

por emissão de visto não autorizado, em carta assinada pelo secretário-geral, Luís Teixeira

de Sampaio. Informa-se ainda o cônsul de que o caso Wiznitzer não havia sido esquecido;

adverte-se que qualquer novo episódio lesivo da disciplina diplomática ‘será havida por

desobediência e dará lugar a procedimento disciplinar em que não deixarão de ter-se em

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conta que são repetidos os actos de V. Sa. que motivam advertências e repreensões.’. Em

resposta ao ministro, Oliveira Salazar, em carta de 6 de Maio, Sousa Mendes alega a letra da

circular nº 14 que não visava impedir ninguém de circular rumo às Américas e, de novo,

razões humanitárias.

O mês de Maio trouxe a ofensiva nazi para França, levando a situação dos refugiados ao

seu ápice, com a população francesa em trânsito a juntar-se aos milhares de famílias

oriundas dos países europeus ocupados ou em guerra na tentativa de sair do continente.

Estima-se que no início do mês de Maio, a população de Bordéus tenha aumentado de

300.000 habitantes para mais de 700.000 pessoas25. Por precaução, Aristides evacua

pessoalmente os seus filhos para Portugal, onde ficariam ao cuidado de familiares.

A capitulação do Governo de Petain, a 17 de Junho de 1940, coincidiu com um grave

episódio de prostração do Cônsul português em Bordéus: conforme é relatado pela família

e pelos seus biógrafos, durante três dias, entre 14 e 16 de Junho, Sousa Mendes ter-se-á

debatido com febres altas e uma profunda comoção que o prenderam ao leito, aos

cuidados da esposa Angelina26. Esta crise nervosa ficou, provavelmente, a dever-se à

enorme tensão vivida nos dias e meses anteriores, com o número de refugiados à porta do

consulado a crescer desmesuradamente sem que o MNE desse provisão aos seus pedidos

de visto.

Lembremos que Aristides de Sousa Mendes era um homem profundamente devoto e

empático com o sofrimento alheio. Nesta condição, durante os dias que marcaram a

invasão de França, abriu as portas da sua residência oficial no Consulado no n.º 14 do Quai

Louis XVIII para acolher os refugiados mais fragilizados pela sua jornada, nomeadamente,

crianças, idosos, doentes e feridos, que foram colocados ao cuidado da sua esposa e das

empregadas da família.

No curso deste esgotamento nervoso, foi visitado pelo ministro português em Bruxelas,

Francisco de Calheiros e Menezes, também ele em fuga pela rota dos refugiados, rumo a

Portugal. Através do ministro terá tido oportunidade de conhecer os factos inerentes à

capitulação francesa, bem como a realidade das condições dos refugiados.

Não existindo relatos exactos sobre os factos que marcaram esses dias de transe e a tomada

de decisão em conceder os vistos27 é possível, com efeito, observar no Livro de Registos do

25 Jean Vidalenc (1957) apud Afonso, 1995: 67. 26 cf. Andrade, 2007: 95, 96.; Afonso, 1995: 73. 27 O romance ‘Flight through Hell’, da autoria de Michael d’Avranches (1961), fornece uma descrição aproximativa da atmosfera que se terá vivido: após uma reunião com Angelina, Aristides dirige-se aos filhos e aos funcionários do Consulado informando que, em face do desespero dos milhares de refugiados que

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Consulado português em Bordéus um aumento muito significativo do número de vistos

emitidos a partir, sensivelmente, do dia 14 de Junho e até ao dia 20: entre os dias 17 e 31 de

Maio são emitidos 161 vistos; entre 1 e 13 de Junho o Consulado emite 178 vistos; entre os

dias 14 e 20 de Junho são emitidos 1288 vistos de passagem por Portugal28.

A apoiar o Cônsul na emissão dos vistos estiveram, além da esposa, Angelina de Sousa

Mendes, o secretário do Consulado, José Seabra, o filho José António e o genro Jules

D’Aout, encarregues de receber e preparar os documentos que Sousa Mendes teria apenas

que assinar. Este esforço permitiu amainar grandemente o fluxo de refugiados à porta do

consulado português. Lembremos ainda que, a partir de 17 de Junho, a cidade de Bordéus

deixara de ser segura, após os violentos bombardeamentos da Luftwaffe destinados a

apressar a capitulação francesa.

Noutros postos consulares a situação era idêntica: em Toulouse, o vice-cônsul honorário

Émile Gissot aconselhava os refugiados a procurar ajuda em Bordéus ou Bayonne; quando

o trânsito entre as duas cidades é interrompido, solicita ordens ao seu superior sobre que

provisão dar aos pedidos de visto, ao que Sousa Mendes responde que deverá emitir todos

os vistos solicitados, dispensando provisoriamente as autorizações do Ministério. É neste

ponto, a 20 de Junho de 1940, que, diminuído o fluxo de refugiados em Bordéus, Sousa

Mendes vai até Bayonne, em auxílio do cônsul Faria Machado, a braços com os mesmos

dilemas. Em Bayonne encontrava-se já igualmente o ministro de Portugal na Bélgica

Calheiros e Menezes, com quem foi discutida a linha de acção perante os refugiados; a

proposta de Sousa Mendes terá sido a de se concederem os necessários vistos, moção que

encontra resistência entre os restantes diplomatas.

Tal como fizera em Bordéus, durante os dias 21 e 22 de Junho, Aristides de Sousa Mendes

volta a conceder vistos a todos os refugiados que procuravam o consulado português. Para

que o acto passasse despercebido, Sousa Mendes terá, de acordo com os testemunhos

reunidos no Processo Disciplinar, convencido os dois colegas diplomatas – um seu

superior, o outro seu inferior hierárquico – de que agia de acordo com instruções explícitas

do Ministério. A documentação da época comprova que, a 22 de Junho, o cônsul Faria

ocupavam a cidade e pediam o seu auxílio, a partir desse momento concederia a quem lhe solicitasse o necessário visto de passagem por Portugal, sem discriminação de credo, nacionalidade ou proveniência. Terá, então, solicitado ao agente policial que controlava a entrada no Consulado que se limitasse a assegurar a ordem, não impedindo ninguém de o contactar. 28 Fonte: Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes: http://mvasm.sapo.pt/bc/ListaVistos.aspx?Type=CDATA , consultado em 12/07/2012. Em diversa bibliografia é referido um número de vistos emitidos por Sousa Mendes na ordem dos 30.000, dos quais 10.000 destinados a pessoas de origem judaica. Avraham Milgram esclarece que este número se refere ao total de refugiados que atravessaram Portugal neste período, entre os quais se encontram os visados por Aristides de Sousa Mendes entre 1 de Janeiro e 22 de Junho de 1940, na ordem dos 2862 (Milgram, 2009: 21).

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Machado contacta o MNE informando de que o consulado de Bayonne, em conformidade

com as informações e ordens do mesmo ministério, transmitidas pelo Cônsul de Bordéus,

haviam sido emitidos vistos livres de encargos a quem os solicitasse e requerendo

instruções urgentes. Como tardasse a resposta do Ministério, Faria Machado expõe a

situação ao embaixador português em Espanha, Teotónio Pereira, que lhe pede que

comunique a Sousa Mendes a ordem de abandonar de imediato o consulado. Sousa

Mendes terá, então, abandonado o consulado rumo a parte incerta, ao mesmo tempo que

em Bayonne, por ordem do embaixador Teotónio Pereira, se iniciava o apuramento de

responsabilidades pelo êxodo massivo de refugiados através de Espanha, do qual as

autoridades do pais vizinho já se haviam queixado ao representante do governo português.

De acordo com várias testemunhas, durante cerca de dois dias, Sousa Mendes terá emitido

fora do consulado vários milhares de vistos de valor legal questionável: se alguns vistos em

passaporte exibem o selo do consulado, outros consistem apenas de uma declaração de

autorização de entrada em Portugal firmada pelo Cônsul mas em papel comum ou em

bilhetes de identidade.

Quando é, finalmente, localizado em Hendaye, Sousa Mendes é remetido para Bordéus,

onde deverá permanecer, aguardando o desfecho da desobediência que o MNE seguia

agora de perto. No hiato que mediou a ordem do ministério e a sua efectiva chegada a

Bordéus, a 26 ou 27 de Junho, Sousa Mendes terá protagonizado um dos gestos mais

grandíloquos pelo qual é recordado em inúmeros testemunhos: estando os principais

postos fronteiriços entre França e Espanha de sobreaviso acerca dos vistos consulares

portugueses, Sousa Mendes terá conduzido pessoalmente um largo número de refugiados

no atravessamento de postos de menor importância ou onde sabia que as comunicações e o

controlo eram mais débeis.

Entretanto, ao corrente das infracções cometidas pelo cônsul de Bordéus, Oliveira Salazar

ordenara a interdição da emissão de vistos consulares por Aristides de Sousa Mendes; no

consulado de Bordéus, sucede a Sousa Mendes o colega Vieira Braga que tem oportunidade

de constatar que na residência consular vinham sendo acolhidos refugiados de vária

proveniência e credo.

A 1 de Julho de 1940, após vários dias em que se supõe ter continuado a emitir vistos de

entrada em Portugal no percurso que o trouxe de Bordéus à fronteira de Elvas, Aristides de

Sousa Mendes chega a Lisboa. Escreve a Salazar, anunciando a sua chegada e solicitando

uma audiência.

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1.3 Acusação e Processo Disciplinar

A 4 de Julho é ordenado por despacho ministerial que lhe seja levantado um processo

disciplinar por emissão abusiva de vistos em passaportes de estrangeiros. A instrução do

processo começa imediatamente, sob o cuidado de Francisco de Paula Brito Júnior, que, a

1 de Agosto elabora a nota de culpa. Eram dados a Sousa Mendes dez dias para elaborar a

sua defesa. Durante esse período, Sousa Mendes solicitou que fosse anexa ao processo uma

carta de agradecimento de um receptor de visto emitido por si e, igualmente, um artigo de

jornal (provavelmente publicado nos Estados Unidos) em que lhe era dirigido um

agradecimento pela sua acção.

A 1 de Outubro de 1940, o ministro da tutela nomeia o assessor do secretário-geral do

MNE, Pedro Tovar de Lemos, para relator do processo. A acusação de Tovar é minuciosa

e tem em conta todo o percurso de Sousa Mendes na carreira diplomática: para além da

acusação principal de emissão de dois vistos em desobediência ao disposto na circular nº

14, Tovar relembra outras ocorrências que deverão ser tidas em conta.

- Repreensão de 1917 por ‘ter abandonado o posto consular de Zanzibar

sem o conhecimento da Secretaria nem da legação em Londres’. Sousa

Mendes havia-se deslocado a Durban para socorrer um dos filhos

acometido de malária.

- Junho de 1935: Processo disciplinar levantado contra Sousa Mendes

por declarações menos próprias por ocasião da inauguração do pavilhão

português na Exposição de Bruxelas. Toda a documentação relativa ao

processo desapareceu.

- Julho de 1935: Processo disciplinar contra Sousa Mendes ordenado por

despacho ministerial. Em causa, acusações de atraso na transferência de

fundos do consulado em Antuérpia, dívida ao Estado de uma pequena

quantia em juros e não possuir residência na cidade em que trabalhava

mas sim em Lovain.

- Janeiro de 1938: Processo disciplinar movido contra Sousa Mendes por

se haver ausentado do posto em Antuérpia sem licença ou conhecimento

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do MNE. Aristides ter-se-ia deslocado a Portugal de urgência por

ocasião do falecimento do sogro, em Novembro de 1937. Não foi dado

seguimento ao Processo e toda a documentação relativa a ele

desapareceu.

As provas são submetidas ao Conselho Disciplinar do MNE para julgamento,

acompanhadas do relatório de Paula Brito de 29 de Agosto e recomendação da pena. A 30

de Outubro, Salazar condena Aristides de Sousa Mendes a um ano de inactividade, com

direito a metade do vencimento, seguido de aposentação compulsiva.

Em Novembro desse mesmo ano, Sousa Mendes constitui o advogado Adelino de Palma

Carlos como seu representante no recurso que apresenta, em 14 de Abril de 1941, ao

Supremo Tribunal Administrativo. Palma Carlos, que, por razões de antagonismo político

com Salazar havia sido afastado do seu cargo no Instituto de Criminologia, destacava-se,

então, na defesa de muitos opositores ao regime.

A defesa de Sousa Mendes assentará na alegação das condições excepcionais em que os

vistos foram emitidos, no imperativo humanista de prestar auxílio a cidadãos de países com

os quais Portugal sempre mantivera boas relações diplomáticas e, muito habilmente, na

constatação da falácia cometida na sentença e que alegava a ‘reincidência’ do Cônsul na

prática de emissão de visto sem autorização quando, na realidade, Sousa Mendes nunca

fora condenado por tal infracção. O colectivo de juízes analisou demoradamente o pedido

de recurso, acabando por decidir contra Aristides, num veredicto que considera irrelevante

a alegação da excepcionalidade das circunstâncias e em que se sublinha que não cabe a um

funcionário público decidir que ordens deverá acatar.

Por sugestão de Palma Calos, Sousa Mendes atem-se de formalizar o pedido de recurso

final, abandonando a demanda por justiça terrena com eloquência:

‘É claro que o sinédrio tinha que me condenar, aliás reconhecer que eu tinha razão teria por efeito comprometer o prestígio do Sumo Sacerdote e destituí-lo, a ele sinédrio, por incapacidade, aquela mesma incapacidade que, a meu respeito, foi decretada em sentença.’ 29

Com o final da Segunda Guerra Mundial, o Governo de Salazar (que, poucos dias antes, a 3

de Maio, havia decretado três dias de luto nacional pela morte de Adolf Hitler) saúda a

vitória dos Aliados, afirmando a sua inelutável confiança na aliança histórica com a

Inglaterra. No discurso apresentado à Assembleia Nacional em 18 de Maio de 1945, toma 29 Aristides de Sousa Mendes em carta de 17 de Julho de 1940 a Palma Carlos, in Afonso, 1995: 265.

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para si os louros do apoio prestado por Portugal aos refugiados do conflito, afirmando que

‘[q]uaisquer outros na nossa situação acolheriam refugiados, salvariam e agasalhariam

náufragos, ajudariam a suavizar a sorte dos prisioneiros por dever de solidariedade

humana.’ Rematando, lamenta: ‘Pena foi não termos podido fazer mais.’30

Neste contexto, Aristides de Sousa Mendes dirige, nesse ano, à Assembleia Nacional um

pedido de declaração de nulidade da pena de 1940 e o reconhecimento do direito a

reparações materiais e morais pelos prejuízos advindos de tal condenação, invocando a

inconstitucionalidade da Circular nº 14 do MNE de 11 de Novembro de 1939 e de toda a

legislação prévia de limitação da concessão de vistos. A sua argumentação baseou-se na

letra da Constituição de 1933 que concedia a todos os cidadãos a ‘Liberdade de crenças e

práticas religiosas’ (Constituição de 1933, Art. 8º, n.º 3) e revela um excelente domínio da

mesma:

‘não se pretenda que a inviolabilidade de crenças não é, segundo a Constituição, um direito para os estrangeiros visados, por não se acharem residindo em Portugal, único caso em que poderiam ter os mesmos direitos que os nacionais (do art.º 7.º) pois não se trata no caso presente de um direito dos estrangeiros mas de um dever dos funcionários portugueses, que nem em Portugal nem nos seus Consulados, também território português, poderão sem quebra da Constituição interrogar seja quem for sobre a religião professada, para negar qualquer acto da sua competência, o que a admitir-se significaria odiosa perseguição religiosa, mormente quando se impunha o direito de asilo que todo o país civilizado sempre tem reconhecido e praticado em ocasiões de guerra ou calamidade pública.’31

Ainda na mesma reclamação, Aristides de Sousa Mendes faz notar:

‘Não pode […] suportar a evidente injustiça com que foi tratado e conduziu ao absurdo, a que pede seja posto rápido termo, de o reclamante ter sido severamente punido por factos pelos quais a Administração tem sido elogiada, em Portugal e no estrangeiro, manifestamente por engano, pois os encómios cabem ao país e à sua população cujos sentimentos altruístas e humanitários tiveram larga aplicação e retumbância universal, justamente devido à desobediência do reclamante.’32

30 Oliveira Salazar, 1951: 105. 31 Cf. ‘Reclamação apresentada à Assembleia Nacional em 1945’, http://iscte.pt/~apad/ACED/textos/Sousa-Mendes-AN-1945.pdf (Itálicos nossos). 32 Idem (Itálicos nossos).

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A despeito da sua pertinência, o Governo português não deu resposta ao pedido de Sousa

Mendes.

Angelina de Sousa Mendes falece em Lisboa a 16 de Agosto de 1948, após prolongado

estado catatónico motivado por um grave derrame cerebral. Também nesse ano, Aristides

sofre o primeiro de vários acidentes vasculares cerebrais que o haveriam de deixar

hemiplégico e dependente de uma bengala para se deslocar.

No ano seguinte, Aristides contrai matrimónio em segundas núpcias com Andrée Rey

Cibial. O relacionamento de ambos vinha-se prolongando já desde cerca de 1938 e, fruto

dessa relação, tinham em comum uma filha, Maria Rosa Sousa Mendes, nascida a 19 de

Outubro de 1940. O carácter extra-conjugal do relacionamento motivou que a PVDE

mantivesse Andrée Cibial sob controlo apertado pelo que terá sido ilegalmente que se

dirigiu a Portugal para ter a criança, na Maternidade Alfredo da Costa33. O casamento

realizou-se por procuração em Salamanca, a 16 de Outubro de 1949, tendo Andrée

chegado a Portugal no início do mês seguinte.

O casal muda-se para a Casa do Passal, onde estabelece a sua residência, debatendo-se com

as imensas dificuldades da sua situação económica. Cinco dos filhos de Aristides haviam já

emigrado, seguindo-se João Paulo (rumo à Califórnia), Pedro Nuno (para o Congo Belga) e

Geraldo (rumo a Angola), em 1950. A relação com a filha mais nova, Maria Rosa, começou

a cimentar-se neste período: devolvido o direito a Aristides de se deslocar livremente pela

Europa, o Cônsul e a esposa, várias vezes por ano, visitam a criança em Ribérac,

departamento da Dordonha, onde vivia ao cuidado dos tios maternos.

Em 1953, são intentadas duas grandes acções legais contra Sousa Mendes por falta de

pagamento de dívidas, sendo os credores os bancos que detêm as diversas hipotecas sobre

a Casa do Passal. As dificuldades financeiras de Aristides e Andrée avolumam-se, levando o

casal, em 1953, a proceder à venda da totalidade do recheio da Casa.

Em Fevereiro de 1954, Aristides empreende a sua última viagem a Ribérac. Visivelmente

debilitado, é assistido por um médico em casa dos cunhados e aconselhado a permanecer

em França para se restabelecer. No final do mês de Março, o casal regressa a Lisboa onde

Aristides desenvolve sintomas de pneumonia, pelo que dá entrada no Hospital da Ordem

Terceira, onde haveria de falecer a 3 de Abril de 1954.

O corpo de Aristides de Sousa Mendes repousa na no jazigo de família de Cabanas de

Viriato.

33 Afonso, 1995: 245.

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1.4 O reconhecimento pelo Governo português

Os primeiros apelos pela reabilitação da memória de Aristides de Sousa Mendes levados

pela família ao Governo português datam de Agosto de 1968. Por esta época, Aristides de

Sousa Mendes havia falecido há 14 anos; todos os seus filhos e filhas habitavam longe de

Portugal e sobre a sua acção (e, sem dúvida, sobre o seu nome) pairava ainda nos meios de

Estado a sombra da desobediência, da exoneração e do embaraço.

Na comunicação ao Ministério dos Negócios estrangeiros, Joana de Sousa Mendes, filha do

antigo cônsul, enumera os testemunhos reconhecidos de diversas eminentes figuras

políticas europeias, como a Grã-Duquesa Charlotte do Luxemburgo ou o Conde de

Degenfeld, secretário de Otto de Habsburgo, que tinham, no ano de 1940, recebido um

visto salvador emitido por Aristides de Sousa Mendes. No Ministério, Franco Nogueira

não dá resposta ao pedido – Salazar ainda era o Presidente do Conselho de Ministros que

emitira, em 1939, as ordens explícitas para que nenhum visto semelhante fosse emitido34.

Quando, no mês seguinte, Marcello Caetano é chamado a suceder a Salazar na Presidência

do Conselho, é directamente ao presidente da República Américo Tomás que Joana

Mendes envia um segundo esforço em nome da reabilitação de Sousa Mendes mas

igualmente sem sucesso.

O trabalho de divulgação do gesto humanista de Aristides de Sousa Mendes havia

começado, de facto, dentro da família, com os filhos Sebastião e Carlos, no fim da guerra,

já exilados na Califórnia, tentando dar a conhecer a obra do pai junto da imprensa que,

repetidamente, recusa os seus artigos por os considerar datados. Em 1951, nova tentativa

de Sebastião com a publicação nos Estados Unidos, sob o pseudónimo de Michael

d’Avranches, de ‘Flight Through Hell’, uma biografia romanceada da vida do cônsul de

Portugal em Bordéus durante a II Grande Guerra. De acordo com Afonso (1995: 315), a

obra terá sido de pouco sucesso junto dos americanos, frustrando, mais uma vez, as

expectativas da família. Foram surgindo, ainda assim, alguns artigos discretos na imprensa

americana sobre o injustiçado cônsul.

O mesmo autor refere que, para Joana de Sousa Mendes, o mote para retomar a

reclamação de justiça póstuma ao seu pai terá sido o lançamento público, em 1955 e 1958,

respectivamente, no Cort Theatre da Broadway da peça ‘The Diary of Anne Frank’ – uma

adaptação de Frances Goodrich e Albert Hackett do famoso diário – e do filme de George

34 Afonso, 1995: 321.

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Stevens baseado no mesmo argumento35. Assim, movida por um dos primeiros registos

públicos de memória da II Grande Guerra e do Holocausto, Joana Mendes escreve, em

1961, directamente ao primeiro-ministro do Estado de Israel, Ben Gurion, narrando a

acção do pai durante aquele período. A resposta à sua missiva chegaria dois anos depois: na

sequência da sua exposição, o Estado de Israel havia comissionado ao Yad Vashem –

Autoridade Nacional para a Memória dos Mártires e Heróis do Holocausto uma

investigação aturada sobre os factos que narrava e, em memória do cônsul, haviam sido

plantadas vinte árvores nos jardins do Museu da instituição, em Israel – uma por cada

milhar de pessoas que se supunha terem sido salvas pelos vistos emitidos por Aristides.

Este acto de reconhecimento terá sido o impulso maior necessário ao processo de

reabilitação da arruinada memória do Cônsul e aquele que permitiu que novos depoimentos

de refugiados apoiados por Sousa Mendes durante o Verão de 1940 começassem a surgir.

Este interesse em torno do diplomata e o acumular de informações, homenagens e

depoimentos levou o Yad Vashem a iniciar o processo de atribuição a Sousa Mendes do

título honorífico ‘Justo entre as Nações’ por ‘correndo perigo de vida, ter salvado judeus

perseguidos durante o Holocausto na Europa’36. No dia 18 de Outubro de 1966,

representantes do Yad Vashem outorgavam postumamente a Aristides de Sousa Mendes,

através dos seus filhos, o título honorífico de ‘Justo entre as Nações’.

Toda a informação respeitante a este título honorífico constava já daquele primeiro

memorando de pedido de reconhecimento da memória de Aristides de Sousa Mendes

enviado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português em Agosto de 1968.

Com a Revolução de 25 de Abril de 1974 e o dealbar da democracia portuguesa, Joana de

Sousa Mendes retoma o seu trabalho em nome do pai, dirigindo nova memória aos

Ministros dos Negócios Estrangeiros de então, Mário Soares e, no mandato seguinte,

Ernesto Melo Antunes. Foi o major Melo Antunes quem mais esforço dedicou ao pedido

da Família Sousa Mendes: de acordo com Afonso37, o Ministro encarregou Nuno Alvares

Adrião de Bessa Lopes, o chefe interino dos serviços jurídicos do Ministério, do necessário

levantamento da documentação relativa ao processo pessoal do antigo cônsul. Foi a

investigação de Bessa Lopes que permitiu, pela primeira vez, o alinhavar desta história de

vida.

35 Afonso, 1995: 318. 36 Texto do certificado de ‘Justo entre as Nações’. Fonte: Yad Vashem. 37 Afonso, 1995: 322.

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Em Maio 1987, o Presidente da República Mário Soares confere, a título póstumo, a

Ordem da Liberdade a Aristides de Sousa Mendes e, em 1989, a Assembleia da República

portuguesa decide, a título simbólico, pela reintegração de Sousa Mendes no serviço

diplomático, por unanimidade e aclamação.

No ano de 1995, após uma série de homenagens oficiais que incluíram o descerramento do

busto de Sousa Mendes e da placa comemorativa no n.º 14 do Quai Louis XVIII, o

Governo português concede-lhe a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Por seu lado, a

Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) funda um prémio anual à carreira

diplomática com o seu nome, destinado a incentivar a produção académica no domínio da

Política Internacional, nomeadamente, sobre temas relevantes para as relações externas

nacionais.

Em 2001, por iniciativa do ministro Jaime Gama, o Ministério dos Negócios Estrangeiros

confere à família reparações materiais e morais devidas pelo processo disciplinar,

indemnização que se materializou no apoio à aquisição da Casa do Passal a favor da

Fundação Aristides de Sousa Mendes, com o objectivo de aí se instituir um memorial ao

diplomata.

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1.5 Legado institucional

Em memória de Aristides de Sousa Mendes, várias instituições foram sendo fundadas nas

últimas décadas, de onde se destacam as duas fundações dinamizadas primariamente por

familiares, a Fundação Aristides de Sousa Mendes, com sede simbólica na Casa do Passal, e

a Aristides de Sousa Mendes Foundation, sedeada em Seattle, Estados Unidos da América.

Estas duas instituições, que congregam familiares de Sousa Mendes, descendentes de

receptores de vistos do Cônsul e outras pessoas inspiradas pelo Acto de Consciência, têm

sido os principais dínamos da promoção da memória dos eventos de 1940, através da

realização e do apoio a actividades que tenham por centro a comemoração do humanismo.

Trabalhando em rede com as outras instituições e estabelecendo pontes com entidades que

desenvolvem a sua actividade no mesmo círculo de investigação, tem sido possível

proceder a uma acção de educação de largo alcance, baseada no ensinamento de Aristides

de Sousa Mendes.

Fundação Aristides de Sousa Mendes

A Fundação Aristides de Sousa Mendes foi criada no ano de 2000, por iniciativa de

membros da família, com o objectivo de divulgar e dignificar o nome e a acção do Cônsul.

Uma das aspirações da Fundação consistia na reaquisição da Casa do Passal, antiga

residência da família Sousa Mendes em Cabanas de Viriato, para aí instalar um memorial

que rendesse ‘uma homenagem viva e permanente’ a Aristides e ao seu Acto de

Consciência. Com o apoio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 2001 foi possível

adquirir a Casa do Passal e iniciar um conjunto de processos tendentes à conservação do

imóvel no sentido de aí implementar um museu e um ‘centro de memória’ destinados a

homenagear o diplomata no contexto da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. A

classificação da Casa do Passal como Monumento Nacional, promulgada em 2005, terá

sido até à data a mais evidente conquista neste sentido.

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Sousa Mendes Foundation

Em Setembro de 2010, foi instituída nos Estados Unidos da América a Sousa Mendes

Foundation, com uma dupla missão – angariar fundos para a reconstrução da Casa do

Passal e sua transformação num museu e memorial, em suporte da missão e objectivos da

sua congénere portuguesa Fundação Aristides de Sousa Mendes, e apoiar projectos de

perpetuação do legado do Cônsul baseados nos Estados Unidos.

No sentido de assegurar a componente reflexiva e académica do futuro projecto de

musealização, é do interesse da Sousa Mendes Foundation, também devido ao grande

número de recipientes de vistos de Aristides nos Estados Unidos, abrir a Casa do Passal a

artistas, escritores e académicos daquele país.

Uma das mais importantes realizações da Sousa Mendes Foundation tem sido o projecto de

identificação e localização de receptores de vistos de Sousa Mendes e seus familiares e

consequente recolha de testemunhos.

Foram membros fundadores Sebastian Michael Mendes, Sheila Abranches, Lissy Jarvik,

Olivia Mattis, Harry Osterreicher, Miguel Valle Ávila e João Crisóstomo.

Outras instituições de homenagem

Comite National Français en Hommage a Aristides de Sousa Mendes

O Comité Nacional Francês de Homenagem a Aristides de Sousa Mendes é uma instituição

sedeada em Bordéus que, a partir de 1992, tomou como objecto da sua missão a

reabilitação da memória do Cônsul português. Através do intercâmbio com outras

instituições congéneres, o Comité tem como objectivos sensibilizar a opinião pública para a

importância do Acto de Consciência de Sousa Mendes e promover a reflexão acerca do seu

contributo humanitário.

Através das suas actividades, o Comité tem potenciado a dinamização da cidade de

Bordéus como um pólo essencial para a compreensão da acção de Sousa Mendes no

contexto da II Guerra Mundial, acolhendo e apoiando projectos internacionais de

homenagem ao Cônsul.

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Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes

Apresentado oficialmente em Fevereiro de 2008, o Museu Virtual (MVASM) consiste

numa base de conhecimento multidisciplinar sobre Aristides de Sousa Mendes e o contexto

político e social que enquadra a sua acção humanista. O projecto resulta de uma parceria

entre Margarida Dantas, Margarida de Magalhães Ramalho e Luísa Pacheco Marques, com

o apoio da Direcção Geral das Artes e do Plano Operacional Sociedade do Conhecimento.

Tendo como objectivo central homenagear a figura de Aristides de Sousa Mendes, o

MVASM tem desenvolvido um trabalho essencial na recolha e divulgação de

documentação relativa ao Acto de Consciência, apoiando e contribuindo igualmente para o

desenvolvimento de nova documentação resultante de projectos de investigação.

O MVASM está acessível em: http://mvasm.sapo.pt/

Amigos de Aristides e Angelina de Sousa Mendes

A comunidade virtual de Amigos de Aristides e Angelina Sousa Mendes tem igualmente

como objectivo render homenagem ao Justo Cônsul sem, no entanto, deixar de fora do

tributo a sua esposa Angelina. Acompanhando o marido ao longo de toda a carreira

profissional, Angelina cumpriu um papel determinante no apoio aos refugiados ao prestar

directamente auxílio aos mais débeis e, finalmente, ao secundar o marido na decisão de

emitir todos os vistos ao seu alcance, sabendo que riscos adviriam para si e para os seus

filhos.

Através do seu blogue, e em rede com outras instituições de cariz local, nacional e

internacional, a comunidade serve de plataforma à divulgação de eventos que tenham por

epicentro o casal Sousa Mendes, a sua acção humanista e o seu legado para a humanidade.

A plataforma da comunidade pode ser consultada no endereço:

amigosdesousamendes.blogspot.com/

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1.6 Os diplomatas justos durante a II Guerra Mundial

Além de Sousa Mendes, outros diplomatas portugueses se destacaram pela sua acção em

prol das vítimas do conflito europeu, agindo de acordo com os seus meios e convicções

contra o que consideravam ser normas injustas e contrárias aos princípios do Humanismo.

No seu contributo vieram, sem dúvida, humanizar a prática do Direito e enriquecer a

actividade diplomática com os valores do respeito pela diferença, pelo valor da vida

humana e pela liberdade. Nessa condição, merecerão um lugar de destaque na história da

diplomacia portuguesa e, sem dúvida, na Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes.

Sampaio Garrido

Carlos de Almeida Fonseca Sampaio Garrido foi o embaixador de Portugal em Budapeste

entre 1939 e 1944, ano em que Hitler invade violentamente o país que, até aí, havido

protegido os seus habitantes de origem judaica. Entre Maio e Julho de 1944, cerca de

450.000 judeus foram deportados para campos de concentração.

Perante a violência da perseguição nazi, Sampaio Garrido disponibilizou-se a albergar, a

título pessoal, doze pessoas que a ele haviam recorrido. Provavelmente devido a uma

denúncia, a casa que arrendara para esse fim foi alvo de um ataque da Gestapo a que se

sucedeu a sua prisão e de todos os ocupantes. Exigindo a libertação dos prisioneiros e um

pedido de desculpas ao Governo húngaro, Sampaio Garrido provocou o azedume do

governo fantoche húngaro para com Portugal, pelo que Salazar de imediato procede ao seu

afastamento da Embaixada de Budapeste e à sua substituição pelo Encarregado de

negócios Carlos de Liz-Teixeira Branquinho.

Ao invés de se dirigir para Portugal, Sampaio Garrido permanece ainda por largos meses

em Berna, de onde irá instruir o seu sucessor para a concessão de passaportes portugueses

a todos quantos apresentassem para com Portugal algum tipo de relação profissional,

pessoal ou familiar. Deste modo, foi possível que cerca de 1000 pessoas, na sua maioria

judeus, obtivessem os documentos que lhes permitiam sair da Hungria38.

Em 2010, o Yad Vashem decidiu pela atribuição a Carlos de Almeida Fonseca Sampaio do

título de ‘Justo entre as Nações’, condecoração com que é distinguido postumamente em

Agosto de 2012.

38 Cf. Mucznik, Sampaio Garrido, o outro “Justo” português.

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Teixeira Branquinho

O Encarregado de negócios Carlos de Liz-Teixeira Branquinho foi, como se viu, o sucessor

de Sampaio Garrido à frente da Embaixada portuguesa em Budapeste e o seu maior aliado

na luta pela salvação dos perseguidos do terror nazi. Chegado a Budapeste imediatamente a

seguir ao afastamento de Sampaio Garrido, Teixeira Branquinho assumiu sem demora uma

postura de empatia para com os judeus perseguidos, aceitando e dando provisão aos

pedidos de passaporte das extensas listas de Garrido chegadas de Berna.

Giuseppe Agenore Magno

O diplomata italiano Giuseppe Agenore Magno entra ao serviço dos Negócios

Estrangeiros portugueses após uma passagem pelos Serviços de Imigração italianos em

Buenos Aires por convite e proposta do, então, embaixador de Portugal em Roma,

Augusto de Castro. Profundo conhecedor da cultura portuguesa, é nomeado cônsul

honorário de Portugal em Milão em 1934. No momento em que se adensava a polémica

em torno do vistos emitidos sem consulta prévia e/ou à revelia da Circular 14 e todos os

diplomatas portugueses se encontravam sob vigilância apertada da PVDE, Agenore Magno

emite um visto de turismo ao estudante romeno Saul Steinberg; à chegada a Lisboa, Saul

Steinberg é impedido de desembarcar por não possuir visto válido. Consultado o MNE

relativamente aos vistos destinados a romenos e perante a política daquele país

relativamente ao controlo das suas populações judaicas, Agenore Magno é alvo de um

processo disciplinar e afastado do consulado por emissão de vistos irregulares em 1941,

poucos meses após o processo de Sousa Mendes.

Em sua defesa, o Cônsul geral de Portugal em Génova, Alfredo Casanova, intervém junto

de Salazar argumentando que valores de ordem moral e humanista teriam presidido à

decisão irregular de Magno nas condições precárias em que se vivia, de cega perseguição a

seres humanos indefesos e desesperados. Salazar manteve-se inflexível mas, no final desse

ano, por razões não inteiramente claras, faz deslocar Casanova do seu posto de cônsul de 1ª

classe em Milão para o posto consular de Marselha, de 2ª classe39.

39 Idem, 154.

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II Museus e memória

2.1 A memória na historiografia contemporânea

Uma reflexão sobre a Museologia e os Museus enquanto instrumentos da memória

colectiva impõe uma outra acerca da natureza do conceito primeiro de ‘memória’.

Como advoga Klein (2000: 128), o uso recorrente do conceito de ‘memória’ na produção

académica tende a servir para denotar uma clivagem que se foi aprofundando entre este

termo e aquele de ‘história’. Neste ensaio, o historiador elenca os diversos contributos para

o estabelecimento de uma definição funcional de ‘memória’ a partir do início do séc. XIX,

tendo como pano de fundo as determinações do pensamento Moderno e os seus

desenvolvimentos posteriores, nomeadamente com a crítica pós-moderna:

‘[…] história e memória afastam-se numa cadeia instável de antinomias: a História é o modernismo, o estado, a ciência, o androcentrismo, uma ferramenta de opressão; a memória é o pós-modernismo, o ‘simbolicamente excluído’, ‘o corpo’, ‘um mecanismo de cura e uma ferramenta para a redenção’.’ Klein, 2000: 138.

Os processos de descolonização do séc. XX foram essenciais para a problematização da

História enquanto versão oficial, discriminatória e parcelar dos eventos e processos sociais,

políticos e económicos que durante os cinco séculos anteriores haviam moldado a face do

planeta e as relações entre Estados e povos. Esta crítica, desenvolvida, sobretudo, nos

meios académicos, foi determinante para a definição do carácter dos produtos culturais

gerados a partir dos anos 80 desse século: onde antes imperava a versão oficial da História,

com a sua produção literária e pedagógica, os seus Monumentos e Museus, passou a

considerar-se o ‘fragmento’, a história de família e o relato na primeira pessoa para a

reconstrução das narrativas historiográficas.

Mas este processo de mudança paradigmática não foi pacífico e pode, muitas vezes, ter

ameaçado uma ruptura entre as diversas ciências sociais, da História à Antropologia,

convocando um debate que envolveu a Psicologia, as contemporâneas Neurociências e

afectando um sem número de saberes em seu torno, nomeadamente, a Museologia. A

questão que passa a ocupar o cerne das preocupações académicas é explicitada por

Connerton (1989):

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‘Porque é certo que o controlo da memória de uma sociedade condiciona largamente a hierarquia do poder; de forma que, por exemplo, a capacidade de armazenamento das tecnologias de informação actuais e, consequentemente, a organização da memória colectiva pelo uso de equipamento de processamento de informação não se resume a uma questão técnica mas a uma questão de legitimação, sendo o controlo e o direito de propriedade [sobre a informação] um assunto político de importância crucial.’ (Connerton, 1989: 1).

Abordar estas questões no seio das Academias implicou aturadas reflexões acerca da matéria

da memória, forçando, por exemplo, a um regresso à Psicanálise de Sigmund Freud para o

qual nem as Ciências Sociais nem as Ciências Naturais ou da Vida estavam totalmente

preparadas, por motivos que se prendiam com a legitimação, de parte a parte, da teoria do

psicólogo: partindo do princípio de que, efectivamente, como refere Halbwachs, ‘é na

sociedade que as pessoas normalmente adquirem as suas memórias […], que relembram,

reconhecem e localizam as suas memórias’40, torna-se material e filosoficamente difícil falar

da ‘memória colectiva enquanto um conjunto de lembranças atribuíveis a uma mente

colectiva abrangente que poderia recordar eventos passados da mesma forma […] que os

indivíduos recordam’41 ou que esteja totalmente separada (‘acima’) dos indivíduos que

compõem o colectivo.

Bergson (1896)42 parece esclarecer a diferença fundamental entre dois tipos de memória

que caracterizam a actividade individual e colectiva da rememoração e, deste modo,

também (pelo menos, parcialmente) a natureza das operações envolvidas no acto de aceder a

memórias: na distinção entre a ‘memória-hábito’, enquanto mecanismo ‘maquinal’ de acesso

a informação aprendida (um poema aprendido de cor, andar de bicicleta ou, diríamos nós,

os relatos de uma guerra descritos num livro de História) e a ‘memória-lembrança’,

enquanto acto individual de rememoração de um momento singular em que quem

rememora retoma a sua agencialidade nesse momento que é recordado – esta sim, a

‘memória por excelência’43.

Esta distinção entre ‘memória-hábito’ e ‘memória-lembrança’ poderá ser de extrema

importância quando retomamos a aporia inicialmente referia entre ‘memória’ e ‘história’ e o

papel dos Museus enquanto agentes da preservação, comunicação e construção da

memória colectiva. Os instrumentos de que se servem na sua vertente comunicacional para

a construção da memória colectiva foram apurados neste mesmo debate: a noção de

40 Halbwachs, 1992 [1925]: 38. 41 Klein, 2000: 135. 42 Henry Bergson, Matière et mémoire, 1896, apud Connerton, 1989: 23. 43 Idem.

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‘memória estrutural’, enquanto conjunto de práticas ou artefactos materiais passíveis de ser

estudados sistematicamente44 ou ainda, seguindo Connerton (1989), uma noção

performativa da memória colectiva, baseada em cerimónias e práticas corporais.

A ‘memória estrutural’ ou ‘memória cultural’ deverá ser entendida como um ‘corpo

reutilizável de textos, imagens e rituais específicos a cada sociedades em cada época, cujo

‘cultivo’ serve para estabilizar e transmitir a auto-imagem dessa sociedade’45. A sua

materialidade enquanto ‘memória coleccionada’ pelas diversas ‘comunidades mnemónicas’

em que os indivíduos se inserem46 – a família, a classe profissional, a geração, o grupo de

afiliação étnica ou religiosa, a nação, etc. – é explorada e tornada eficaz através de

‘comunicações’ internas à comunidade acerca do significado do passado, feitas numa

linguagem que é, pois, comum, e se adapta à experiência individual tanto quanto o

necessário para ser aceite.

2.2 Memórias do Holocausto

O interesse pela temática da memória acentuou-se a partir dos anos 80 e 90 do século

passado, em grande medida, também devido à sistematização pela psiquiatria e pelas

neurociências de conhecimentos relativos ao trauma e ao estabelecimento da nosologia

psiquiátrica conhecida por Stress Pós-Traumático (PTSD). O mapeamento dos contornos

da síndrome que afectava vítimas de guerra permitiu o seu reconhecimento público e a

produção de estratégias de abordagem positiva do ponto de vista político e social,

nomeadamente pelo acompanhamento psicológico e inserção social a expensas dos

Estados. De um modo geral, a percepção de que a memória traumática se constitui como

locus de um tipo de experiência específica e válida veio estimular a atenção geral para os

testemunhos de participantes, sobreviventes e vítimas de conflitos armados, permitindo

densificar as leituras acerca de acontecimentos que eram, até aí, eminentemente políticos.

‘Quem fala em memória, fala na Shoah’, diz-nos o historiador francês Pierre Nora47:

particularmente do ponto de vista historiográfico, este renovado interesse acerca das

questões da memória permitiu uma nova abordagem aos eventos mais marcantes do último

grande conflito mundial, conflito suficientemente próximo para que se pudessem ainda

auscultar as vítimas e os seus testemunhos.

44 Klein, 2000: 135 45 Jan Assmann [1995] in Kansteiner, 2002: 182. 46 Kansteiner, 2002: 189. 47 Nora apud Winter (2001): 57.

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Seguindo La Capra (1998), podemos afirmar que as consequências da II Guerra Mundial e

da ‘Solução Final’ do regime nazi para as populações não-arianas foram amplas e múltiplas:

para as vítimas, o Holocausto48 representou uma quebra com o estado anterior de aceitação

na comunidade, o questionamento e posterior aniquilação da identidade; para

perpetradores, aquilo que Hannah Arendt designou, em 1967, por ‘banalidade do mal’, a

possibilidade de agir acrítica e impunemente dentro (e porque dentro) de um sistema

político assepticamente hierarquizado; para o resto da Europa – colaboracionista ou não –

a destruição da sua auto-imagem enquanto bastião último da civilização, dentro do qual

nenhum projecto semelhante poderia ter sido urdido49.

Mais, o Holocausto apresenta-se como situação limite à representação: a ‘morte da

narrativa’, de que Walter Benjamin dera já conta no rescaldo da I Guerra Mundial à

chegada dos combatentes silenciosos e sem ‘histórias’ para contar50, releva da dificuldade

em conferir inteligibilidade e comunicabilidade ao horror, que só se pode dizer

fragmentariamente, invocando mais do que nomeando.

Com efeito, os relatos na primeira pessoa produzidos neste período por sobreviventes à

perseguição nazi e/ou aos campos de concentração e trabalhos forçados parecem desafiar

os limites da compreensão entre as testemunhas e os seus leitores, limites estabelecidos com

base na existência de um quadro comum e partilhado de experiências e sentidos. Ora, a

experiência dos campos de concentração encontra-se para lá de qualquer experiência

partilhável, sendo a possibilidade de nomeação, muitas vezes, apenas possível através das

metáforas – ‘Shoah’ ou ‘a grande calamidade’ inserida num contínuo de auto-entendimento

e posicionamento do povo judeu; ‘fábricas de morte’ para representar a lógica moderna da

produção (ou destruição) em massa.

Como refere Paul Ricouer51, para que seja correctamente recebido, um testemunho

historiográfico deve estar já ‘expurgado da absoluta estranheza gerada pelo horror’ ou, de

48 ‘Holocausto’ é a expressão que comummente designa o plano do Estado alemão sob o comando do Partido Nacional Socialista de Adolf Hitler de proceder ao controlo, perseguição e massacre sistemático e em escala de pessoas, com base na sua pertença a um grupo nacional, étnico, racial ou religioso diferente. Não deverá confundir-se o ‘Holocausto’ com a totalidade das mortes relacionadas com a II Guerra Mundial, em que se contam baixas de guerra ou assassínios por motivações políticas e ideológicas. Pelo seu carácter sistemático e em escala, o Holocausto constituiu-se como um episódio de genocídio. No escopo do Holocausto nazi pode contar-se a ‘Shoah’, designação bíblica judaica da perseguição e extermínio sobre os judeus e a ‘Porajmos’, o ‘holocausto romani’, tal como é entendido pelos povos romani /cigano. A expressão ‘Solução Final’ (‘Endlösung der Judenfrage’) designa o plano nazi para erradicar especificamente as populações judias nas zonas ocupadas, estabelecido, sensivelmente, a partir de 1942, na Conferência de Wannsee. 49 La Capra, 1998: 9. 50 Cf. Benjamin, Walter, Harry Zohn, 1963, The Story-Teller: Reflections on the Works of Nicolai Leskov, Chicago Review, Vol. 16, No. 1 (Winter - Spring, 1963), pp. 80-101. 51 Ricouer, 2006 (2004): 175.

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outra forma, encontrar-se conformado ao quadro partilhado de sentidos entre quem

produz o testemunho e quem o recebe. O maior obstáculo a esta conformação é o facto de

as testemunhas não possuírem distanciamento relativo aos acontecimentos que relatam, na

medida em que se constituem como as suas vítimas.

Tal dificuldade de comunicação da experiência traumática não tem impedido, contudo, a

sua representação, na ficção ou no documentário; pelo contrário, como refere Adriana

Bebiano, ‘se a reconfiguração de uma experiência limite, sob a forma narrativa ou de

poema, é sempre já reconfiguração, a consciência deste limite não conduz ao silêncio’52.

Com efeito, por um lado, temos que as possibilidades de transformação da experiência do

sofrimento em experiência estética oferecidas pela literatura – como pelas linguagens do

cinema ou da fotografia – estão dotadas de um potencial de sublimação da experiência

dolorosa que a torna moral ou politicamente edificante, celebração do heroísmo, etc; por

outro, documentar, examinar, debater e ensinar o Holocausto terá para os sobreviventes e

as populações que mais de perto viveram os seus horrores um potencial catártico que não

poderá ser iludido, ao mesmo tempo que o silêncio não se oferece como alternativa digna à

representação, por mais imperfeita e incompleta, como nos diz Adriana Bebiano, senão

como uma ‘cumplicidade com a violência perpetrada’53.

Conquistado o espaço social para a discussão da temática do trauma, a literatura e arte

vieram apoiar a passagem do testemunho crítico da História do Holocausto – o

sobrevivente Primo Levi deu ao mundo o seu ‘Se isto é um homem’; a artista plástica

Rachel Witheread desenhou o memorial do Holocausto em Viena; do ponto de vista

historiográfico, constituíram-se inúmeros centros de documentação, de onde se destaca o

maior arquivo de imagens em movimento dedicado ao tema, organizado por Steven

Spielberg, e que deu origem ao Shoah Foundation Institute for Visual History and

Education da University of Southern Califórnia; demasiados para citar serão os filmes, os

romances, os poemas, a pintura.

Em 1985, foi criada nos Estados Unidos da América a Association of Holocaust

Organizations (AHO), com o propósito de reunir numa mesma rede de recursos e

programas todas as organizações que se dediquem ao estudo do Holocausto; a associação

conta hoje com mais de 150 associados em 25 países, dos quais 23 são Museus.

Os Museus são, com efeito, parceiros maiores da educação das comunidades para a

História.

52 Bebiano, 1995: 256. 53 Ibidem.

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2.3 Museus para a Memória – estudos de caso

Ao analisar diversas unidades museológicas dedicadas à história da II Guerra Mundial e,

especificamente, ao Holocausto, encontramos duas posturas distintas procurando

responder às mesmas perguntas ‘Como comunicar? Como não comunicar?’: por um lado,

há instituições que se recusam a detalhar a tortura, que são comedidas no uso de imagens

de natureza violenta no sentido de proteger os seus intervenientes e que defendem que a

história do seu povo não se reduz aos acontecimentos relativos à Shoah; por outro,

contam-se sobreviventes, investigadores e instituições que defendem que apenas

mostrando em profundidade e detalhadamente os horrores dos campos de concentração

será possível compreender a máquina política e científica responsável por eles e, muito

significativamente, oferecer oposição aos partidários do negacionismo do Holocausto.

Como exemplos de boas práticas em museologia e, especialmente, no que concerne aos

museus e unidades museológicas que operam, por via da sua missão, um esforço no sentido

da reconciliação entre Povos através de uma atitude crítica relativamente à História,

tomaremos o Museu Judaico de Berlim, o Red Location Museum e o Centro Nobel da Paz.

Pela sua génese, pelas estratégias de comunicação com os públicos e opções museográficas

revelaram-se, como se mostra adiante, bons modelos a seguir na elaboração do presente

programa museológico para a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal.

Jüdisches Museum Berlin – Museu Judaico de Berlim, Berlim, Alemanha

História e Arquitectura

O projecto de constituição de um Museu Judaico em Berlim começou a tomar forma no

ano de 1971, data em que a comunidade judaica berlinense comemorou os 300 anos do seu

estabelecimento na cidade. De forma a assinalar a efeméride, a cidade acolheu a exposição

‘Leistung und Schicksal’ (‘Realização e Destino’) que teve a capacidade de mobilizar

grandemente a comunidade judaica berlinense (mas não só) para a importância e a

necessidade de criação de um Museu para aquela comunidade (lembremos que o Museu

Judaico primitivo, instalado em 1933, foi extinto em 1938 por

Hitler.)

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Em 1975, é constituída a ‘Gesellschaft für ein Jüdisches Museum in Berlin e.V.’, associação

para a constituição de um Museu Judaico em Berlim, que durante os anos seguintes haveria

de mobilizar-se, tanto na aquisição de património a integrar o espólio do futuro Museu,

como na divulgação desse espólio através de iniciativas de vária ordem, tendo por ‘quartel-

general’ as instalações do primitivo Museu, na Oranienburgerstrasse. Em 1989, a

Associação lança um concurso internacional para a construção de uma extensão do espaço

do Museu. O projecto do arquitecto Daniel Libeskind foi o seleccionado e a primeira pedra

do Museu lançada em 1992.

Em 2001, o Museu Judaico de Berlim foi oficialmente aberto ao público. Do programa do

Museu contam-se, além de exposições sobre a história da comunidade na cidade de Berlim,

mostras de arte e cultura judaica e, muito significativamente, a atribuição do Prémio para a

Compreensão e a Tolerância, atribuído pela Fundação do Museu Judaico de Berlim desde

2002 a personalidades que se distingam pelo seu contributo para a promoção da tolerância

e do entendimento entre os Povos.

Um dos pontos altos do Museu Judaico de Berlim – senão o mais paradigmático – será a

sua arquitectura. O projecto de Daniel Libeskind, ele próprio de origem judaica e com

ligações fortes ao Holocausto, em que perdeu grande parte da sua família, recebeu o nome

de ‘Between the lines’ ou ‘Entre as linhas’ e, nas palavras do autor, reflecte precisamente –

no conceito e na forma – uma recorrência entre a linha do pensamento e a linha das

relações humanas.

A forma como foi concebido pretende remeter a uma experiência sensorial forte e à sua

concepção não será alheio o facto de Libeskind, antes de se formar em arquitectura, ter

sido músico profissional. A organização do espaço – onde impera o silêncio, a ausência de

luz, o intercalar das sensações de claustrofobia e desamparo – cria três percursos distintos,

com três programas específicos: o primeiro leva ao núcleo da história de Berlim e à sua

relação com o estabelecimento milenar de Judeus; o segundo conduz ao ‘Jardim do Êxodo’,

uma extensão ajardinada plena de simbolismo, fora das ‘linhas’, criada com o objectivo

confesso de criar desorientação nos visitantes e ser um espaço de meditação e reflexão; o

terceiro leva os visitantes ao interior do Museu propriamente dito.

O edifício, que se estende por mais de 10.000 metros quadrados no centro de Berlim,

recebeu, ainda antes de estar qualquer exposição instalada, cerca de 400.000 visitantes.

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Tratamento de conteúdos

O Museu Judaico de Berlim distingue-se da maioria dos Museus dedicados à lembrança do

Holocausto por um programa de fortes preocupações éticas e críticas, em que

explicitamente se afirma que assuntos não serão tratados pelo Museu, a saber54: fotografias

que, pelo seu conteúdo gráfico potencialmente chocante, possam ser consideradas sensíveis

ou retratem as vítimas em situações de violência ou exposição; colecções de objectos anti-

semitas, na medida em que o Museu entende o anti-semitismo como um assunto das

comunidades em que se inserem os judeus, reservando-se ao estudo da história e cultura

judaicas; documentos que contenham informações pessoais e/ou sensíveis acerca dos seus

autores ou anteriores proprietários e que ficam reservados para fins de investigação; as

reservas do Museu, entendidas como espaços estritamente técnicos e, finalmente, práticas

cerimoniais, uma vez que o Museu não pretende ser ou substituir-se aos espaços rituais do

povo Judeu.

Defendendo uma postura teórica e prática que advoga a irrepresentabilidade e a

inacessibilidade conceptual do Holocausto para a Humanidade, o Museu recusa apropriar-

se de ou defender representações acerca deste acontecimento. Este assunto estará retratado

profundamente através da arquitectura de Libeskind e nas duas únicas obras que tentam

pensar a Shoah, ‘Unsaid’, instalação vídeo de Arnold Dreyblatt, e ‘Gallery of the Missing’,

instalação sonora de Via Lewandowsky para um conjunto de esculturas na exposição

permanente.

Do Museu Judaico de Berlim importa-nos reter a importância dada à experiência física no

espaço do Museu: a estruturação dos percursos no contexto de uma arquitectura que se

impõe fortemente, gerando dificuldades à circulação básica, parece forçar o visitante a uma

jornada que se vai fazendo cada vez mais no sentido do interior, da avaliação das próprias

forças e de uma corporalização da experiência que vai sendo retratada ao longo dos

percursos.

Igualmente se entende que a documentação do Holocausto baseadas nas suas

representações gráficas mais violentas ou chocantes não têm cabimento na unidade a

instituir na Casa do Passal, uma vez que a Casa-Museu se destina a homenagear um acto de

vida - o Acto de Consciência, não de morte ou destruição55.

54 Página do Museu Judaico de Berlim, separador “What we won’t show you”: http://www.jmberlin.de/osk/wwnz/wwnz_EN.php 55 Cf. ‘Conceitos geradores’, p. 72 e 73.

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Red Location Museum, Porth Elisabeth, África do Sul

História e Arquitectura

O Red Location Museum foi concluído em 2005 e poderá dizer-se que incorpora uma nova

perspectiva acerca da integração da História e das narrativas pessoais no contexto de uma

sociedade que pretende lidar com os seus traumas.

Localizado numa área periférica da cidade industrial de Porth Elisabeth, New Brighton, o

museu está instalado no centro de um aglomerado habitacional que se tornou conhecido

como ‘Red Location’ (ou ‘lugar vermelho’) por causa da cor característica dos barracões

que o compõem, em metal oxidado. Estes precisos barracões foram primeiro usados como

casernas num campo de concentração durante a Guerra Boer (1880-1902); foram em

seguida movidos para New Brighton e usados para diversos fins até serem ocupados pelas

primeiras famílias negras que se instalaram nos arrabaldes da cidade para trabalhar nas

fábricas locais.

Neste aglomerado habitacional haveriam de ocorrer importantes episódios da luta contra o

apartheid e a segregação na África do Sul, o que fez de Red Location um símbolo pela

integração entre os povos; em 1952, por exemplo, um trabalhador negro local usou a porta

de acesso da estação de comboios reservada a cidadãos brancos, marcando o início dos

processos de resistência activa. Red Location é também o berço da primeira célula do braço

armado do ANC – African National Congress e de muitos dos seus activistas.

A iniciativa de construir uma unidade museológica dedicada à luta contra o apartheid nesta

localização específica partiu de um grupo de activistas do ANC pelos direitos civis que,

com o advento da democracia, em 1994, pôde colocar em prática um projecto mais vasto

de reabilitação social, económica e cultural da zona, que incluía a criação de centros

habitacionais condignos, centro de arte e congressos e biblioteca, entre outras valências. O

concurso para construção do renovado centro de Red Location foi estabelecido em 1988 e

a construção atribuída à dupla de arquitectos sul-africanos Joe Noero e Heinrich Wolff da

Noero Wolff Architects.

Todo o processo de concepção do Museu obedeceu, desde a sua génese, a um mesmo

princípio de relação activa com a comunidade e a memória dela acerca dos eventos

políticos a que a região e a comunidade estão indelevelmente ligadas: o projecto da Noero

Wolff Architects teve como primeira premissa a criação de um espaço cívico acessível e

relevante para uma comunidade que desde há muito era afastada deste tipo de espaço e

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convivialidade56. Este grande objectivo terá sido conseguido num trabalho que envolveu as

seguintes fases:

- reconceptualização da ideia de ‘espaço cívico’ ou ‘público’ e de ‘fórmulas’ de

arquitectura relevantes para o contexto57;

- trabalho colaborativo no sentido de promover a apropriação daquele projecto pela

comunidade e, assim, procurar gerar um lugar de significado local;

- reconceptualização das abordagens ocidentais da museologia às questões da

memória, aproximando-as dos modos de produção, preservação e articulação locais.

O resultado foi o estabelecimento de um Museu em que o espaço arquitectural e o

programa são, a vários níveis, profundamente enraizados numa visão local: o Museu

reflecte a estética da fábrica, lugar de memória, espaço social da comunidade a que o Museu

se destina, origem dos seus heróis; o Museu está no centro do bairro, junto das populações

outrora excluídas e integrado no seu quotidiano; os materiais de construção e lógicas

construtivas remetem aos usos tradicionais dos materiais, nomeadamente na reutilização de

materiais industriais.

‘Caixas de lembrar’

No interior, como no exterior do Museu, o percurso pretende quebrar com a narratividade

linear que caracteriza os Museus ocidentais, dando especial relevo à construção individual e

fluida da memória. As estruturas mais paradigmáticas do Museu serão, assim, as “memory

boxes”, caixas da memória idealizadas à semelhança das caixas com recordações do lar que

os trabalhadores levavam consigo em estadias longas de trabalho fora de casa. Nestes

espaços de recolhimento, a informação e o espólio são comunicados num formato privado

e o percurso entre caixas – livre e não formatado – acentua a possibilidade de cada visitante

construir e re-construir o fluxo da memória.

Estas ‘memory boxes’ apresentam-se como um elemento forte de inspiração para o nosso

trabalho acerca da Casa do Passal: sabendo que a maioria dos visitantes da Casa-Museu não

56 Leibowitz, 2008: 99. 57 ‘[…] uma fábrica representa melhor um espaço público na experiência da maioria das pessoas do que um museu’ - Heinrich Wolff apud Leibowtiz, 2008: 99.

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terá vivido na primeira pessoa os eventos que a Casa celebra (i.e., não possuem deles uma

memória-lembrança) será determinante garantir ao público formas de apropriação crítica da

informação que é veiculada – reflexão, crítica e produção de nova informação – e

estruturas que o propiciem. Assim, propõe-se que ao longo do percurso sejam

providenciados espaços para reflexão crítica que poderão ser de recolhimento e

contemplação ou, recorrendo a tecnologia digital, de selecção de conteúdos e seu

alinhamento de modo quase personalizado, permitindo a construção de uma visão própria

acerca da informação que é comunicada.

Nobels Fredssenter – Centro Nobel da Paz, Oslo, Noruega

História e Arquitectura

O Centro Nobel da Paz é uma das fundações que integram a rede institucional da

Fundação Nobel. A principal missão do Centro é a divulgação da biografia e obra de Alfred

Nobel e das personalidades laureadas com o prestigioso prémio que distingue indivíduos

ou instituições destacadas pelo seu esforço humanitário ou a favor da paz, na defesa dos

Direitos Humanos, na mediação de conflitos internacionais ou no controlo de

armamento58, promovendo o debate e reflexão em torno destes temas.

O edifício ocupado pelo Centro Nobel da Paz data de 1872 e albergou até 1989 a estação

de comboios de Oslo Oeste. O Centro foi inaugurado a 11 de Junho de 2005, mantendo

todas as características arquitectónicas do exterior mas exibindo o interior inteiramente

renovado pela mão da equipa do arquitecto britânico David Adjaye, responsável pelo

design criativo do Centro. O design das exposições interactivas foi idealizado pela equipa

da Small Design Firm, Inc., empresa de Cambridge, Massachusetts.

O design contemporâneo e a sofisticação do aparato comunicacional do Centro marcam

um forte contraste com a sobriedade clássica do edifício que o alberga, sendo essa uma das

linhas de força da unidade: a continuidade na contemporaneidade. Com efeito, desde a sua

concepção que a direcção do Centro defendeu como objectivo a criação de um novo tipo

de Museu, em que ‘a mensagem e as palavras dos laureados Nobel fossem,

58 ‘The Nobel Peace Prize’. Nobelprize.org., 12 de Junho de 2012 http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/peace/

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simultaneamente, conteúdo e artefacto’, que apelasse ‘à emoção e à razão’, numa unidade que

não fosse um memorial mas uma entidade dinâmica59.

Para a prossecução da sua missão, o Centro Nobel da Paz dinamiza actividades de diversa

índole, como conferências e seminários, apostando na excelência da sua exposição

permanente e exposições temporárias.

A exposição permanente do Centro organiza-se em torno de quatro instalações – ‘Nobel

Field’ (‘Campo Nobel’), ‘Nobel Chamber’ (‘Câmara Nobel’), ‘Wallpappers’ (‘Papéis de

parede’) e ‘Register’ (‘Registo’), desenhadas pela equipa Small Design Firm em colaboração

com a equipa criativa Adjaye Associates e o artista multimédia Timon Botez.

Museografia

Em linha com os objectivos do Centro, o ‘Campo Nobel’ foi idealizado como uma

exposição dinâmica, suportada em tecnologia de interacção com os visitantes: ao longo do

percurso são visíveis, despontando de um campo de milhares de lâmpadas LED, pequenos

displays digitais destinados a dar a conhecer brevemente a história de cada laureado com o

Prémio Nobel da Paz.

Na base destes displays está contido um sensor que detecta a presença dos visitantes e inicia

as animações no ecrã e um conjunto de interacções no entorno – o campo de LED’s

ilumina-se numa ‘onda de cor’ e o sistema de detecção de movimento por tecnologia sonar

‘responde’ aos movimentos do visitante numa combinação de sons única e irrepetível. O

‘Campo’ torna-se, pois, ‘um instrumento vivo, tocado pelos visitantes do Centro’60.

Fundamental para a concepção deste espaço é a ideia de que os dispositivos electrónicos de

comunicação de informação, como os displays, possam assumir a qualidade de elementos

arquitectónicos e operar as mesmas funções de definir espaços e gerar percursos. Num

lance mais arrojado, o ‘Campo Nobel’ permite que essa definição de espaços e percursos

fique a cargos dos visitantes que, no livre curso da sua visita, activam narrativas únicas da

história do Prémio Nobel da Paz (Imagem 1).

59 ‘The Nobel Field’, http://www.davidsmall.com/articles/2006/06/01/nobel-field/ (itálicos nossos). 60 Idem.

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Imagem 1: ‘Nobel Field’. Fotografia de Small Design Firm, Inc.

Do ponto de vista museográfico, interessa-nos a possibilidade de providenciar aos

visitantes diferentes níveis de aprofundamento da informação disponibilizada através de

tecnologia digital de interacção simples. Por outro lado, sabendo que a Casa-Museu

Aristides de Sousa Mendes terá que contar, pelo menos num primeiro momento, com um

acervo reduzido para exposição, o recurso a tecnologia digital poderá oferecer interessantes

possibilidades de comunicação sem ofuscar o valor arquitectónico do edifício e do lugar61.

61 Cf. Programa museográfico, 3.4.2 Encenação dos testemunhos - Exposição permanente, p. 71.

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III Programa museológico para a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal

O programa museológico pretende ser um documento guia para a instalação e

gestão da unidade museológica que se aspira que venha a funcionar na Casa do Passal,

antiga residência de Aristides de Sousa Mendes, na localidade de Cabanas de Viriato,

distrito de Viseu.

Este documento articula os objectivos enunciados, entre outros, pela Fundação Aristides

de Sousa Mendes e pela Sousa Mendes Foundation, fornecendo as bases técnicas e

científicas para o estabelecimento de uma unidade que siga as boas práticas de gestão em

Museus e permita realizar plenamente e com qualidade todas as funções museológicas:

recolher e documentar, conservar e restaurar, investigar e interpretar, expor e divulgar,

administrar e gerir.

O programa apresenta um enquadramento geral da unidade a implementar e encontra-se

estruturado em três partes – programa científico, programa arquitectónico e programa

museográfico, articulados entre si de acordo com parâmetros objectivos que decorrem das

necessidades e propósitos da unidade e com parâmetros subjectivos, que procedem de uma

interpretação pessoal do objecto de estudo.

3.1 Missão e vocação

Missão

Deverá ser missão da Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal

homenagear e comunicar a memória e acção do Cônsul Aristides de Sousa Mendes. Deverá

promover e invocar a memória e acção de outros diplomatas ao serviço do Ministério dos

Negócios Estrangeiros português igualmente destacados na defesa dos povos perseguidos

durante a II Guerra Mundial como Carlos Sampaio Garrido, Alberto Carlos de Liz-Teixeira

Branquinho, Giuseppe Agenore Magno, José Luis Archer e Bento Lencastre e Menezes.

A Casa-Museu deverá, simultaneamente, constituir-se como um lugar de debate e cultura

da Compreensão entre os Povos.

Vocação

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Tipologia: Casa-Museu Campo temático: História / Direitos Humanos Composição disciplinar: Transdisciplinar Abrangência territorial: Internacional Dependência administrativa / tutela: Instituto dos Museus e da Conservação – IMC, I.P. e

Fundação Aristides de Sousa Mendes (nos termos do artigo 4.º da Lei 107/2001)

Relação com outras instituições museológicas: A Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes –

Casa do Passal deverá estabelecer cooperação privilegiada com os Museus da mesma área

geográfica, nomeadamente, o Museu Municipal Manuel Soares de Albergaria (Carregal do

Sal) e o Museu Grão Vasco (Viseu).

Esta colaboração deverá ser estendida a Museus nacionais e estrangeiros que privilegiem a

mesma área temática, a saber: o Museu Anne Frank (Amesterdão, NL), o Museu Fábrica de

Esmalte de Oskar Schindler (Cracóvia, PL), o Museu Judaico de Berlim (Berlim, DE), o

Museu do Património Judaico (Nova Iorque, USA) ou o Museu Histórico do Holocausto

(Jerusalém, IL).

Documentação fundamental à contextualização política em Portugal poderá ser obtida em

cooperação com a Cinemateca, o Museu da República e Resistência e o Museu de Arte

Popular (Lisboa).

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50

3.2 Programa Científico

Apresenta-se em seguida um esboço do Programa Científico para a Casa-Museu Aristides

de Sousa Mendes – Casa do Passal, programa que deverá ser desenvolvido ao longo do

tempo, em continuidade do trabalho de investigação da unidade.

3.2.1 Espólio e acervo

O espólio pessoal de Aristides de Sousa Mendes estima-se que seja muito reduzido, em

função das vicissitudes da sua vida. Será necessário proceder a este levantamento o mais

exaustivamente possível, no sentido de elaborar a política de incorporações da Casa-Museu

e, bem assim, estabelecer as condições de conservação adequadas.

Consiste, maioritariamente, de bens deixados em herança aos seus filhos e netos e

encontra-se na posse destes; outra parte do espólio inclui bens encontrados entre os

escombros da Casa do Passal e entregues à Fundação Aristides de Sousa Mendes. Uma

parte dos bens móveis outrora pertença do Cônsul encontra-se superficialmente

identificada, na posse de descendentes de credores e amigos da Família Sousa Mendes.

Uma relação preliminar de bens fornecida pela Fundação permite identificar património

móvel nas seguintes categorias:

Ourivesaria: Relógios, jóias de uso pessoal, pratas de uso doméstico.

Património bibliográfico: Livros, correspondência pessoal, correspondência relativa ao

processo de reabilitação da memória.

Fotografia

Escultura: Estatuetas.

Cerâmica: Loiças de uso doméstico.

Têxtil: Vestuário.

O Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (AH-MNE)

detém toda a informação relativa ao percurso profissional de Aristides de Sousa Mendes no

MNE, nomeadamente, os documentos relativos ao Processo Disciplinar de 1940.

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Outros fundos:

. Arquivo Nacional da Torre do Tombo

. Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças

. Ordem dos Advogados

3.2.2 Exposições

3.2.2.1 Exposição permanente e selecção de testemunhos

A exposição permanente tem como objectivo primordial divulgar e expor a informação

essencial acerca da vida e obra de Aristides de Sousa Mendes pelo que deverá ficar

albergada no edifício central da unidade, a Casa do Passal, centro da vida familiar.

Os conteúdos expositivos deverão estar organizados em três grandes eixos,

correspondentes a dois percursos, como adiante se explicitará:

- Biografia de Aristides de Sousa Mendes / Eixo Biográfico

- O Acto de Consciência / Eixo Político

- Consequências do Acto de Consciência / Cruzamento dos eixos Biográfico e

Político

Eixo Biográfico

Sala 1a, piso 0 (Átrio principal) – Origens familiares (1885-1909)

Aqui deverão ser apresentadas as origens familiares de Aristides de Sousa Mendes, com

ênfase no período entre o seu nascimento e o casamento com Maria Angelina Ribeiro de

Abranches.

Sala 2a, piso 0 – Início da carreira profissional (1910-1920)

Documenta-se o início do percurso profissional, a saber: posto de cônsul de 2ª classe na

Guiana Britânica (1910-1911), posto de cônsul-geral em Zanzibar (1911-1918), posto de

cônsul-geral em Curitiba (1918-1919). Apresenta-se a primeira das suas suspensões de

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funções diplomáticas, em sequência do golpe sidonista de 1917, processo que se arrastaria

até 1921.

Sala 3a, piso 0 – Um Homem de ideais firmes: a origem aristocrata, a mudança de

nome; a estadia nos Estados Unidos e no Brasil (1921-1926)

Apresenta-se um perfil de Aristides de Sousa Mendes no auge da sua vitalidade, dotado de

fortes convicções e da audácia para as defender, arriscando despromoções na carreira por

fidelidade às suas crenças.

Sala 4a e 5a, piso 1 – Cônsul – Geral de Portugal em Louvain (1929-1938)

Aqui se apresenta a vivência de Sousa Mendes à frente do consulado português na Bélgica,

caracterizada por uma vida cultural e social agitada, pelo convívio com nomes importantes

da política e das artes do dinâmico centro europeu.

Do ponto de vista familiar, dá-se a conhecer a morte precoce do filho Manuel, o

adoecimento do filho José e o início da relação amorosa com Andrée Rey Cibial.

Eixo Político – ‘Acto de Consciência’

O contexto político será apresentado paralelamente ao percurso biográfico, introduzindo

ao ambiente da época, em Portugal e na Europa.

Sala 1b – Piso 0 – Portugal na transição da Monarquia para a República (1885-1910)

A decadência da monarquia portuguesa, a conspiração republicana e a Implantação da

República.

Sala 2b – Piso 0 – Do Golpe de Estado Sidonista à emergência do Estado Novo

(1910-1926)

Apresentam-se as personalidades determinantes no sucesso e ascensão na carreira

diplomática de Aristides e César de Sousa Mendes, nomeadamente, Oliveira Salazar, a sua

política e ideais.

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Salão Nobre – Piso 1 (1926-1929) – A ascensão de Aristides de Sousa Mendes no

contexto do Estado Novo

No Salão Nobre da Casa demonstrar-se-á de que modo o Eixo Biográfico começa a cruzar-

se com o eixo político, dando a conhecer os contínuos sucessos na carreira de Aristides e

César de Sousa Mendes, mercê do seu apoio aos ideais conservadores do Governo de

António de Oliveira Salazar. Introduz-se a ideologia do governo português.

Sala 3b – Piso 1 – A ascensão do poder nacional-socialista na Alemanha; o conflito

europeu e a II Guerra Mundial (1929-1938)

Apresenta-se uma breve descrição dos acontecimentos políticos que marcaram o século

europeu e redundariam na II Guerra Mundial.

Cruzamento do Eixo biográfico e do Eixo político

Sala 4b – Piso 2 – A guerra na Europa, os refugiados a caminho de Portugal (1940)

Apresentam-se testemunhos do êxodo de refugiados das zonas de guerra através das

fronteiras francesa e espanhola, rumo aos portos portugueses. A Circular n.º 14 e a

neutralidade portuguesa no conflito europeu.

Sala 5b – Piso 2 (Capela) – O Acto de Consciência (1940)

A desobediência à Circular n.º 14 e a emissão dos vistos por Aristides de Sousa Mendes em

Bordéus e Bayonne.

Sala 6b e 7b – O Processo Disciplinar, a perda de direitos, a separação da família

(1940 – 1945)

Dá-se a conhecer o Processo Disciplinar movido em 1940, seus intervenientes e

consequências. Dá-se nota das sucessivas reclamações de Sousa Mendes pelos seus direitos

na aposentadoria forçada e o seu insucesso.

Sala 8b – ‘Com Deus contra os Homens’, Do fim da guerra ao fim de vida (1945 –

1954)

Com o final da Guerra, Salazar lamenta a morte de Hitler e congratula os Aliados. O

Governo nunca dá provisão aos pedidos de Sousa Mendes, que é obrigado a desfazer-se

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dos seus bens, contraindo dívidas e vivendo numa situação cada vez mais precária. Falece

em 1954.

O Anexo III (Imagens 1, 2 e 3) apresenta uma relação gráfica dos diversos percursos

expositivos e sua relação espacial.

3.2.2.2. Exposição temporária

A exposição temporária tratará um tema que a equipa de investigação considere oportuno e

pertinente no decurso do seu trabalho. Deverá ficar instalada fora da unidade principal da

Casa do Passal, em edifício a construir62.

3.2.3 Condições de conservação

Para o estabelecimento do Plano de Conservação Preventiva da Casa-Museu é primordial:

- Proceder ao inventário exaustivo do acervo,

- Avaliar o estado de conservação do acervo.

Em todo o caso, será possível tecer algumas considerações acerca do plano de conservação

preventiva e das necessidades das reservas a instalar na unidade museológica.

Para a elaboração destas considerações, toma-se como documento charneira as ‘Bases

orientadoras, normas e procedimentos’ para a implementação do Plano de Conservação

Preventiva do IMC (2007) e a proposta de decreto regulamentar regional para Conservação

Preventiva em Museus, Bibliotecas e Arquivos elaborada pela Direcção Regional da Cultura

da Região Autónoma dos Açores63. Ambos os documentos têm a particularidade de

fornecer um quadro normativo compreensivo no que concerne à gestão dos acervos, dos

edifícios e áreas envolventes, ao controlo das condições ambientais e à segurança.

Seguiram-se, igualmente, as recomendações e exigências explanadas na Lei Quadro dos

Museus Portugueses.

62 Cf. Programa Arquitectónico. 63 Instituto Português de Conservação e Restauro, Cadernos de Conservação e Restauro, Ano 1, N.º 1, 11-25.

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Conservação Preventiva

As acções de conservação preventiva têm por objectivo intervir conscientemente e de

forma controlada sobre os objectos e sobre o ambiente em que se inserem, no sentido de

prolongar a sua vida útil e permitir que cumpram em segurança a sua função de ‘dar a ver’

no contexto do Museu, Arquivo ou Biblioteca.

Não só a predisposição natural dos objectos para a degradação – sensibilidade e resistência

de materiais, qualidade de materiais, tempo de vida da peça – mas igualmente factores

externos de stress, ditados pelas condições de acondicionamento e as vicissitudes do

manuseio em ambiente museológico, afectam de forma cumulativa a materialidade os

objectos.

Do ponto de vista material, a estabilidade de uma peça dependerá do efeito de vários

factores/agentes externos sobre os seus diversos constituintes. Estes factores serão:

- Forças físicas – Choque, vibração ou abrasão,

- Roubo ou vandalismo,

- Acção do fogo,

- Acção da água,

- Acção de pestes, insectos, vermes ou mofos,

- Acção de contaminantes, como a poluição atmosférica ou o pó,

- Acção da luz – espectros ultra-violeta e luz visível,

- Efeitos de temperatura incorrecta,

- Efeitos de humidade incorrecta.

Para uma correcta gestão de meios e de intervenções, nomeadamente as que impliquem

restauros, a avaliação das colecções em acervo e o seu conhecimento aprofundado são

elementos essenciais das funções quotidianas de todos os profissionais do Museu.

3.3.1 Gestão do edifício

O edifício é a peça central de todo o processo de conservação preventiva pelo que o plano

de conservação preventiva da Casa-Museu deverá dedicar um capítulo exclusivo à

regulamentação das acções a levar a cabo no edifício e que deverão tem conta:

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- Qualidade e resistência dos acabamentos,

- Controlo da humidade ascensional,

- Resistência do edifício e da cobertura a catástrofes naturais ou outros acidentes –

fogos, inundações, etc.,

- Manutenção e limpeza das áreas envolventes e das áreas de acesso menos

frequente.

Áreas de acesso controlado e salas de exposição

Sabendo que os níveis de degradação dos objectos dependem de princípios intrínsecos aos

seus materiais, características de construção, comportamento higrométrico e historial de

manuseamento, nestas áreas haverá que ter em conta quatro factores determinantes da

estabilidade material do acervo: a iluminação, a temperatura, a humidade relativa e a

poluição.

Iluminação

- Limitar ao máximo o recurso a iluminação natural,

- Aplicar películas filtrantes com rendimento de redução de radiações ultra-violeta

na ordem dos 95% e boa capacidade reflectora em vãos de iluminação natural,

- Aplicar meios complementares de redução da radiação – cortinas, persianas,

estores, portadas, etc.,

- Verificar regularmente o estado das películas filtrantes e meios complementares de

redução da radiação,

- Aferir e manter actualizadas as recomendações e os parâmetros de iluminação por

cada peça do acervo,

- Elaborar o projecto de iluminação das exposições tendo em conta critérios de

nível de iluminação, tempo de exposição admissível por espécime, teor de radiação ultra-

violeta, capacidade de controlo e regulação da luminosidade e, bem assim, de substituição

de lâmpadas,

- Definir, em função da longevidade prevista e desejada para uma peça, o nível

máximo de iluminação para os espaços,

- Definir os critérios para exposição e manuseamento de documentos sensíveis em

áreas de leitura.

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Temperatura e Humidade Relativa (HR)

- Obter com periodicidade regular informações sobre o estado do tempo e,

especificamente, sobre valores de temperatura e humidade relativa através de serviços

meteorológicos,

- Proceder diariamente ao controlo da temperatura e da humidade relativa nas

várias áreas da unidade, nomeadamente, salas de exposição e reservas técnicas, através de

tecnologia adequada.

Poluição

- Garantir a renovação controlada do ar em todos os espaços expositivos, de

reserva técnica e restauro,

- Controlar regularmente a poluição interna para verificação da presença de dióxido

de carbono, formaldeído, ácido acético e ácido sulfídrico,

- Verificar periodicamente a concentração de poluentes, nomeadamente: óxidos de

enxofre e azoto, ozono e iões de cloreto por relação com o exterior,

- Em espaços em que se preveja uma grande afluência de visitantes, garantir que a

relação entre o volume do local e o número de visitantes seja superior a 20 m2/ visitante;

caso contrário, deverão introduzir-se alterações ao controlo de renovação de ar,

- Evitar a utilização de aglomerados de madeira, colas de secagem rápida ou

espumas de poliuretano ou, quando o seu uso for imperioso, garantir a renovação

controlada do ar.

2.3.2 Plano de segurança

O Plano de Segurança do Museu tem como objectivo acautelar a segurança dos bens nele

incorporados e, igualmente, de funcionários, visitantes e das instalações, pelo que deve

abranger meios de prevenção, protecção, vigilância, detecção de perigo, alarme e

neutralização.

De acordo com a legislação em vigor, o Plano de segurança deverá ser mantido em estrita

confidencialidade, representando a violação da confidencialidade uma infracção grave,

independentemente da responsabilidade civil ou criminal pelas consequências que daí

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advierem. A confidencialidade é extensiva a todos os profissionais contratados junto de

empresas privadas de prestação de serviços de segurança e vigilância. Deverá ser elaborado

em colaboração com as forças de segurança locais, que deverão igualmente aprovar os

mecanismos de prevenção e neutralização de perigos.64

Segurança de visitantes e funcionários

- Tornar público e visível o plano de evacuação de emergência e, bem assim,

sinalizar devidamente as saídas de emergência em cada espaço da unidade museológica,

- Limitar a guarda de objectos de valor elevado ou cuja natureza não permita a sua

guarda em segurança nas instalações a esse fim destinadas,

- Informar os visitantes de forma visível e inequívoca sobre o uso de meios

complementares de vigilância, nomeadamente, a captura de som e imagem,

- Garantir a confidencialidade das imagens e som recolhidos e o seu uso exclusivo

junto de entidades legalmente competentes.

Segurança do acervo

- Manter o inventário permanentemente actualizado, nomeadamente, pela inclusão

de documentação fotográfica de cada peça que permita a correcta identificação dos

espécimes em caso de roubo, vandalismo, catástrofe ou desvio decorrente de empréstimo

ou cedência,

- Definir rigorosamente a política de gestão de acervos no que concerne,

especificamente, à cedência de bens – definição das condições de transporte, embalagem e

exposição por espécime, aferição da conformidade das condições de controlo ambiental e

segurança da instituição solicitante, etc.,

- Limitar a entrada no Museu de produtos ou objectos que, pela sua natureza,

possam colocar em risco a segurança dos bens, das instalações e de pessoas,

- Garantir a vigilância presencial nas áreas de livre acesso da unidade, podendo esta

ser reforçada com meios de vigilância complementar, nomeadamente, a recolha electrónica

de som e imagem,

64 Lei n.º 47/2004 de 19 de Agosto, Lei Quadro dos Museus Portugueses, art. 38º.

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- Garantir, em situações ou espaços que assim o justifiquem, o uso de aparelhos de

detecção radiográficos ou de detecção de metais para controlo de visitantes,

- Manter em bom estado de funcionamento equipamentos de segurança, como

detectores de fumos, extintores, alarmes, kits de prevenção “Just in Case”, etc.,

- Observar as recomendações das forças de segurança sobre a defesa da integridade

dos bens culturais, de instalações, equipamentos e pessoas e regras de conduta do pessoal,

- Colaborar com as forças de segurança no combate aos crimes de tráfico ilícito de

bens culturais.

2.3.3 Recomendações preliminares para o acervo da Casa-Museu

De acordo com a relação preliminar de bens anteriormente pertencentes a Aristides de

Sousa Mendes, na posse da Fundação Aristides de Sousa Mendes ou potencialmente

incorporáveis no seu acervo em qualquer uma das modalidades de incorporação previstas, é

possível traçar o seguinte quadro de recomendações para a conservação preventiva dos

espécimes (Figura 1).

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Espécime Material

Luminosidade

(Lux (lm/m2); U.V.

(µW/lm)

Temperatura /

HR Outras

Livros Papel <50 a <150 ; <30 18 a 25ºC / 40

a 65%

Variação admissível RH: ± 5%

Cartas Papel <50 a <150; <30 18 a 25ºC / 40

a 65%

Variação admissível RH: ± 5%

Fotografia Papel <50; <30 (cores)

<200; <75 (p&b)

18 a 25ºC / 40

a 65%

Variação admissível RH: ± 5%

Estatuetas Porcelana

Pedra

<300; <75 18ºC / <30%

Talheres Metal <300; <75 18ºC / <30%

Loiças de uso

doméstico

Porcelana <300; <75

Relógios

Metal

Vidro

Couros

18ºC / < 30% Conservação preventiva deve ter em

conta a natureza compósita dos

objectos.

Jóias Metal 18ºC / <30%

Vestuário Têxtil <50; <30 18ºC / < 50-

55%

Figura 1: Quadro de recomendações para a conservação preventiva do espólio actualmente identificado.

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3.2.4 Projectos

Os projectos a realizar visam a concretização e o aprofundamento das competências e

funções museológicas da unidade, nomeadamente, as que dizem respeito à recolha e

documentação e à investigação e interpretação.

Estes projectos deverão ser mantidos em permanência.

Programa de recolha

A equipa da Casa-Museu deverá empreender um programa aprofundado de pesquisa e

documentação de património móvel significativo para o contexto da Missão da unidade.

Esse património poderá, de seguida, ser recolhido e incorporado no Museu, de acordo com

a política de incorporações a delinear pela instituição.

Este programa poderá ser decomposto em vários projectos, onde se destaca:

a) Recolha de património móvel pertencente a Aristides de Sousa Mendes: A

localização, identificação e documentação de bens imóveis anteriormente pertencentes ao

Cônsul é de suma importância para a estruturação dos programas científico e educativo da

unidade, na medida em que serão estes objectos os despoletadores das narrativas a

desenvolver.

b) Rede de Identificação de Vistos: Dada a dimensão internacional de que se

revestiu o ‘Acto de Consciência’, a Casa-Museu deverá ser um centro do desenvolvimento

da rede de identificação de receptores de vistos de Aristides de Sousa Mendes já

desenvolvida, nomeadamente, pela Fundação Aristides de Sousa Mendes e pela Sousa

Mendes Foundation.

c) Recolha de bens que documentem o contexto: No sentido de enquadrar a

acção de Aristides de Sousa Mendes no seu tempo cultural, político, ideológico e

económico, haverá necessidade de proceder à recolha de bens que materializem esses

contextos. A cooperação com as instituições museológicas acima referidas poderá, neste

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projecto, ser de importância vital, representando um grande potencial em termos de

investigação, intercâmbio, economia e valorização de meios materiais e humanos.

Centro de Documentação

O Centro de Documentação deverá dedicar-se à conservação, divulgação e tratamento de

documentação relativa a Aristides de Sousa Mendes, ao contexto da sua vida e acção

humanista, proveniente dos programas de recolha. Os recursos do Centro deverão ser

disponibilizados para consulta e referência sob vários formatos média em regime de acesso

controlado, pelo que o projecto arquitectónico deverá espelhar as necessidades funcionais

do Centro.

Centro de Estudos sobre Direito, Ética e Diplomacia: Centro de investigação

interdisciplinar dedicado a formar, informar, debater e promover o debate em torno das

questões do Direito, da Ética e da Diplomacia. Este Centro de referência deverá funcionar,

a nível nacional e internacional, como um complemento ao ensino universitário de Direito

e Diplomacia.

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3.3 Programa arquitectónico

O programa arquitectónico espelha preocupações estéticas e funcionais mas, sobretudo, a

premência do ensino e da cultura do Entendimento entre os Povos para a prevenção de

novos conflitos. Para a sua elaboração foi precioso o diálogo e a colaboração com o

arquitecto Eric Moed, cuja dissertação de licenciatura junto do Pratt Institute de Nova

Iorque, apresentada em 2012, versou igualmente a idealização de um projecto museológico

na Casa do Passal.

3.3.1 Parâmetros do programa

Tipologia: Arquitectura civil – Casa, Propriedade rural

Localização: Quinta de São Cristóvão, freguesia de Cabanas de Viriato, concelho de

Carregal do Sal, distrito de Viseu.

Coordenadas geográficas: 40° 28′ 31.42″ N 7° 58′ 23.15″ W

Envolvente: Rural

Antecedentes: Mandada construir pelo pai de Aristides de Sousa Mendes, Dr. José de

Sousa Mendes, na propriedade da família da Quinta de São Cristóvão, em meados do séc.

XIX, sendo composta por piso térreo e um andar elevado. Trata-se de um palacete de

arquitectura eclética, de inspiração francesa ao gosto das beaux-arts do segundo império.

No início do séc. XX, a Casa foi intervencionada por Aristides de Sousa Mendes que lhe

acrescentou um segundo piso em mansarda.

Em 1933, é instalada na parte fronteira da Casa uma figura de Cristo em pedra, mandada

esculpir pelo proprietário em Louvain, Bélgica.

Desde a sua venda em hasta pública, em 1958, a Casa do Passal não voltou a ser usada

como casa de habitação nem foi intervencionada com vista à sua conservação. Foi por

diversas vezes usada como curral e armazém, sendo que serviu também de local de treino

para a corporação de Bombeiros local.

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Por proposta de familiares de Aristides de Sousa Mendes, a Direcção Regional de Cultura

do Centro iniciou, em 2000, as diligências para a classificação da Casa do Passal como

Monumento Nacional. Em 25 de Maio de 2011 é emitido o decreto do Ministério da

Cultura de classificação do edifício como Monumento Nacional com vista à sua integral

salvaguarda, tendo por base a sua relevância em termos arquitectónicos mas igualmente

histórico-sociais.

Igualmente, pelo Anúncio n.º 12777/2012 do Instituto de Gestão do Património

Arquitectónico e Arqueológico, I. P. (IGESPAR), procede-se à fixação da zona especial de

protecção (ZEP) da Casa do Passal.

No sentido de oferecer um contributo para a reabilitação da Casa do Passal, o GECoRPA

– Grémio do Património promoveu, em 2009, a realização e aprovação de dois projectos

de intervenção urgentes, destinados á salvaguarda estrutural do edifício até que seja pronta

a implementar a intervenção definitiva. Constam de um projecto para construção de

cobertura provisória e um projecto de consolidação provisória e encontram-se aprovados,

de acordo com Artigo 51.º da Lei 107/2001, pelo IGESPAR, I.P., pela Direcção Regional

da Cultura do Centro e pela Câmara Municipal do Carregal do Sal, embora ainda nenhuma

providência tenha sido dada para que tais projectos de consolidação urgente tenham início.

3.3.2. Plano de intervenção arquitectónica

3.3.2.1 Consolidação

Classificada como Património Nacional, a Casa do Passal encontra-se sob protecção da Lei

n.º 107/2001, de onde:

Artigo 51.º Intervenções Não poderá realizar-se qualquer intervenção ou obra, no interior ou no exterior de monumentos, conjuntos ou sítios classificados, nem mudança de uso susceptível de o afectar, no todo ou em parte, sem autorização expressa e o acompanhamento do órgão competente da administração central, regional autónoma ou municipal, conforme os casos. Artigo 52.º Contexto 1 — O enquadramento paisagístico dos monumentos será objecto de tutela reforçada.

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2 — Nenhumas intervenções relevantes, em especial alterações com incidência no volume, natureza, morfologia ou cromatismo, que tenham de realizar-se nas proximidades de um bem imóvel classificado, ou em vias de classificação, podem alterar a especificidade arquitectónica da zona ou perturbar significativamente a perspectiva ou contemplação do bem. 3 — Exceptuam-se do disposto no número anterior as intervenções que tenham manifestamente em vista qualificar elementos do contexto ou dele retirar elementos espúrios, sem prejuízo do controlo posterior. […]

Por razões que se prendem com o reconhecimento do alto valor arquitectónico do edifício

e por respeito da integridade da memória do seu histórico proprietário, não se propõe a

realização de obras que alterem de fundo o corpo principal do edifício, salvo aquelas

alterações necessárias à instalação da unidade museológica e que explicitam no ponto 2.2.3

– Projecto de adaptação. Tal compromisso é extensivo ao anexo outrora usado como

garagem, de valor arquitectónico e construtivo menor, mas igualmente dotado de uma

memória própria que poderá enriquecer o conhecimento acerca da Casa – com efeito, as

dimensões do edifício justificam-se pela grande dimensão do automóvel da família, um

camião Chevrolet adaptado que recebeu o nome de ‘Expresso dos Montes Hermínios’.

Assim, e de acordo com as recomendações divulgadas do relatório de inspecção levado a

cabo pela Oz - Diagnóstico, Levantamento e Controlo de Qualidade em Estruturas e

Fundações, Lda. 65, as intervenções previstas para o edifício são de duas ordens:

Medidas de urgência:

- Instalação de cobertura provisória,

- Intervenção de consolidação da cobertura,

- Instalação de sistema de contraventamento / sistema de cintagem do conjunto do

edifício ao nível do tecto do piso 1.

65 Notícia ‘Oz faz inspecção preliminar à ‘Casa do Passal’’, Pedra & Cal, nº31, Julho/Agosto/Setembro, 2006, pp. 38 in http://www.oz-diagnostico.pt/files/noticia_casa%20do%20passal.pdf (consultado em 21-05-2012).

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Medidas de longo prazo:

- Elaboração do plano de conservação do edifício em função da utilização que se

pretende vir a dar-lhe,

- Renovação do sistema de drenagem de águas pluviais,

- Renovação da caixilharia dos vãos exteriores.

2.2.2 Projecto de ampliação da unidade

Para o eficaz e correcto cumprimento de todas as funções museológicas que se pretende

implementar na Casa-Museu verifica-se, contudo, que o espaço disponível no edifício

principal é manifestamente insuficiente, pelo que se aventa a construção de três novos

edifícios anexos à Casa do Passal. O projecto de arquitectura para ampliação da unidade

que aqui se apresenta é da responsabilidade do arquitecto Eric Moed, sendo a programação

espacial elaborada por nós, em estreita colaboração e diálogo com o arquitecto.

Figura 2: Vista geral da fachada posterior da Casa do Passal com as três novas edificações visíveis à direita e

um memorial no jardim, em primeiro plano. (Imagem de Eric Moed)

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O projecto de Eric Moed revela-se extremamente sensível ao enquadramento paisagístico e

simbólico do edifício, que apropria totalmente na sua idealização das peças a construir: os

três edifícios apresentam um corte diagonal ao nível da cobertura que permite que cada um

deles ‘foque’ um elemento distinto da paisagem, a saber, o edifício principal da Casa do

Passal, a estátua do Cristo Rei oferecido por Sousa Mendes à aldeia de Cabanas de Viriato e

a Igreja de São Cristóvão, matriz da localidade de Cabanas de Viriato (Figura 3).

O projecto prevê ainda a construção de um memorial e espaço de reflexão (Figura 2) e de

um caminho que ligará simbolicamente a Casa do Passal à igreja de São Cristóvão (Figura

4).

Figura 3: Caminho de ligação entre a Casa do Passal e a Igreja de São Cristóvão.

(Imagem de Eric Moed)

Em respeito pela legislação anteriormente citada, nomeadamente pelo disposto no nº 2 do

artigo 52.º, de acordo com o qual ‘[nenhumas] intervenções relevantes […] que tenham de

realizar-se nas proximidades de um bem imóvel classificado […] podem alterar a

especificidade arquitectónica da zona ou perturbar significativamente a perspectiva ou

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contemplação do bem’, o projecto de ampliação da unidade procura respeitar, em termos

de volumetria e enquadramento, os edifícios existentes66.

66 Cf. Anexo IV - Imagem 1 (Alçado de enquadramento paisagístico), Imagem 2 (planta de nível 1) e Imagem 3 (planta de nível 3).

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2.2.3 Organização funcional

O plano de organização funcional pretende fornecer um mapa articulado das necessidades

funcionais da unidade em face da sua missão, vocação e programas. O anexo V (Imagens 1

a 4) ilustram a organização funcional para o edifício principal da Casa do Passal conforme o

plano que se apresenta em seguida.

1. Casa do Passal (edifício principal): Exposição permanente

Função atribuída: Expor / informar

O edifício principal, núcleo da vida familiar, deverá apresentar aos visitantes uma análise

abrangente da vida e da acção de Aristides de Sousa Mendes, ao mesmo tempo que fornece

a necessária contextualização histórica e política.

Objectos pessoais e documentação pertencentes ao acervo do Museu deverão ser usados

como testemunho históricos mas, sobretudo, como despoletadores das narrativas a invocar

na Casa-Museu.

1.1 Áreas públicas

1.1.1 Exposição permanente

1.1.2 Instalações sanitárias (H / M / Deficientes)

1.1.3 Recepção

1.1.4 Loja do Museu

1.2. Áreas de acesso controlado

1.2.1 Cacifos para visitantes

1.3 Áreas reservadas

1.3.1 Reservas técnicas

1.3.2 Centro de restauro e conservação

1.3.3 Armazém de materiais (Conservação e restauro)

1.3.4 Vestiários funcionários + WC

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2. Casa do Passal, Garagem: Serviço Educativo

Função atribuída: Expor / informar, interpretar

O Serviço Educativo coloca ao dispor dos visitantes programas de aprendizagem

desenhados para públicos específicos que podem incluir crianças, idosos, famílias, visitantes

locais ou estrangeiros, pessoas portadoras de deficiência ou grupos em situação de exclusão

social.

Pelo carácter interactivo e dinâmico das actividades a desenvolver no Serviço Educativo,

privilegia-se a proximidade com a exposição permanente e com as exposições temporárias.

Uma vez que as actividades poderão resultar na produção de nova informação, o

planeamento arquitectónico deverá prever a criação de reservas específicas para o Serviço

Educativo.

2.1 Áreas públicas

2.1.1 Instalações sanitárias (H / M / Deficientes)

2.2. Áreas de acesso controlado

2.2.1 Oficinas do Serviço Educativo

2.3 Áreas reservadas

2.3.1 Gabinetes de trabalho do Serviço Educativo

2.3.2 Armazém de materiais (Serviço Educativo)

3. Edifício 1 (a edificar): Galeria de exposições temporárias, Galeria de Arte

Função atribuída: Expor / informar, Investigar / interpretar

As exposições temporárias resultam de projectos de investigação específicos levados a cabo

pela equipa da Casa-Museu. Deverão elucidar sobre aspectos da vida e obra de Aristides de

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Sousa Mendes e do seu contexto, nomeadamente através de uma interpretação particular

de objectos pertencentes ao acervo da unidade.

A galeria de arte deverá dedicar-se a expor trabalhos, intervenções e projectos de artistas

cujo trabalho verse o tema dos Direitos Humanos. Estes projectos deverão,

preferencialmente, ser desenvolvidos em colaboração com a Casa-Museu Aristides de

Sousa Mendes, através de programas de residência artística especialmente desenvolvidos

para o efeito.

3.1 Áreas públicas

3.1.1 Exposição temporária

3.1.2 Galeria de arte

3.1.3 Instalações sanitárias (H / M / deficientes)

3.2 Áreas de acesso controlado

--

3.3 Áreas reservadas

3.3.1 Sala de trabalho para equipa de Museografia

3.3.2 Oficinas de museografia

3.3.3 Armazém de materiais (materiais corrosivos)

4. Edifício 2 (a edificar): Auditório / Sala multiusos, Restaurante

Funções atribuídas: Investigar / interpretar, Outros serviços

O auditório deverá ser capaz de receber seminários e eventos similares, mas igualmente,

peças de teatro, sessões de cinema, concertos e outras performances. Deverá funcionar

com programação própria mas igualmente poder ser arrendado / cedido para a realização

de eventos que não sejam incompatíveis com a Missão e Valores da unidade, podendo

constituir-se como uma fonte de receitas.

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O restaurante deverá poder funcionar complementar e autonomamente da Casa-Museu,

servindo os visitantes da unidade em horário de funcionamento e o público em geral fora

dele, podendo constituir-se a sua exploração como uma importante fonte de receitas.

4.1 Áreas públicas

4.1.1 Restaurante

4.1.2 Instalações sanitárias (H / M / Deficientes)

4.2 Áreas de acesso controlado

4.2.1 Auditório / Sala multifuncional

4.3 Áreas reservadas

4.3.1 Armazéns de materiais (Auditório/ Sala multifuncional)

4.3.2 Áreas de apoio ao restaurante

5. Edifício 3 (a edificar): Centro de Documentação, Biblioteca / Mediateca,

Arquivo fotográfico, Administração

Funções atribuídas: Investigar / interpretar, Recolher / documentar, Administrar / gerir

O Centro de Documentação, a biblioteca / Mediateca e o Arquivo fotográfico são áreas de

acesso controlado em que recursos em vários formatos média são disponibilizados para

consulta e referência.

O edifício deverá dispor de uma área comum de leitura e de estudo, áreas de estudo em

grupo e áreas destinadas à utilização dos equipamentos de pesquisa e consulta electrónica.

O Arquivo fotográfico deverá estar equipado com reservas apropriadas e laboratórios.

No mesmo edifício serão instalados os escritórios e dependências dos serviços

administrativos da Casa-Museu e, bem assim, o centro de controlo e gestão de segurança e

as áreas principais de apoio aos funcionários.

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5.1 Áreas públicas

5.1.1 Instalações sanitárias (H / M / Deficientes)

5.2 Áreas de acesso controlado

5.2.1 Centro de documentação / Biblioteca / Mediateca

5.2.2 Arquivo fotográfico

5.3 Áreas de acesso reservado

5.3.1 Administração

5.3.2 Centro de controlo de segurança

5.3.3 Área de apoio para funcionários

5.3.3.1 Cozinha

5.3.3.2 Vestiário para funcionários e segurança + Cacifos + Instalações

sanitárias (H / M / Deficientes)

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2.2.4 Projecto de adaptação às funções museológicas

A adaptação funcional do edifício principal da Casa do Passal a centro da exposição

permanente deverá respeitar ao máximo a integridade do edifício, reservando todas as

intervenções ao mínimo indispensável para prover pela segurança do acervo e de pessoas e

seu conforto.

Notou-se que tal exigência poderá reflectir-se negativamente nas acessibilidades do edifício

a pessoas portadoras de deficiência motora, uma vez que não contempla – numa primeira

abordagem – a construção de elevadores de acesso aos pisos superiores. Esta omissão

deverá ser colmatada através de projectos e actividades dos Serviços Educativos a partir de

peças do acervo, exposições temporárias e outras valências da unidade.

Assim, propõem-se as seguintes intervenções de adaptação do edifício principal da Casa do

Passal:

Cave: Reservas técnicas e centro de conservação e restauro

Ampla e com a mesma área dos pisos superiores, a cave de edifício presta-se a albergar as

reservas técnicas da Casa-Museu e o centro de conservação e restauro. A escolha desta área

prendeu-se com factores como a localização no edifício e a possibilidade de articulação

com a exposição permanente, a dimensão do espaço (nomeadamente o pé-direito) e a

garantia de condições ambientais estáveis que permitam uma poupança importante ao nível

de sistemas de controlo ambiental (sistemas de ar condicionado, aquecimento,

desumidificadores, etc.).

A instalação das reservas técnicas e do centro de conservação e restauro implicará

intervenções ao nível do isolamento de paredes, soalho e cobertura de modo a garantir a

segurança contra infiltrações e fogo (incluindo a instalação de portas corta-fogo entre as

diversas secções a definir.)

Piso 0 e piso 1, Cozinha

Propõe-se que os serviços de acolhimento e, bem assim, a loja da Casa-Museu venham a

ocupar a secção do edifício anteriormente ocupada pela cozinha e suas áreas dependentes.

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Construída como dependência do edifício principal, a cozinha, dotada de um imponente

forno a lenha, desenvolve-se pelo piso térreo e pelo piso 1, ligados entre si por uma escada

de serviço e com acessos directos, simultaneamente, ao interior e ao exterior da Casa.

Como elemento caracterizador desta área, o forno a lenha deverá ser conservado e

mantido, servindo de factor organizador do espaço a planear. Pretende-se com esta escolha

usar simbolicamente a ‘lareira’, o calor emanado pelo forno, pelo núcleo familiar para servir

de lugar de boas-vindas.

Garagem

Do mesmo modo, sugere-se a adaptação do edifício correspondente à garagem pela divisão

do espaço interno em salas de trabalho destinadas ao serviço educativo no piso 0 e de

gabinetes de trabalho para os técnicos e oficinas no piso 1.

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3.4 Programa Museográfico

3.4.1 Sistemas de inventariação e documentação

A natureza dos Museus enquanto ‘entidades vivas’ implica uma constante auscultação das

comunidades em que se inserem no sentido de responder, através do seu acervo e

programa(s), às necessidades e questões colocadas por aquelas. O equilíbrio sensível entre a

necessidade de preservação do acervo do Museu e a correspondência às expectativas das

comunidades só pode concretizar-se através de um conhecimento profundo dos acervos

que permita aceder aos valores e informações transmitidos pelos objectos. Assim, da

articulação entre a política de gestão de acervos do Museu e um sistema de inventariação e

documentação eficaz resultará o sucesso da instituição na realização da sua Missão, Valores

e Objectivos.

O sistema de inventariação e documentação a implementar na Casa-Museu Aristides de

Sousa Mendes – Casa do Passal deverá reger-se pelos documentos fundamentais

estruturadores da museologia em Portugal, a Lei 107/2001, que estabelece as bases da

política de valorização do Património Cultural e a Lei 47/2004, Lei-Quadro dos Museus

Portugueses.

De acordo com o artigo 61.º da Lei 107/2001 de 8 de Setembro, serve o inventário para

conceder aos bens culturais a devida protecção que permita ‘evitar o seu perecimento ou

degradação, […] apoiar a sua conservação e divulgar a respectiva existência’.

Para a prossecução deste desígnio dever-se-á ter em conta o explanado na Lei 47/2004,

nomeadamente, nos artigos 12.º e 13.º, respeitantes à política de incorporações e suas

modalidades, nos artigos 15.º a 22.º relativos à gestão de inventários e nos artigos 25.º e

26.º que concernem à documentação e ao carácter patrimonial dos inventários dos museus.

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3.4.2 Encenação dos testemunhos - Exposição permanente

3.4.2.1 Conceito gerador

Musealizar a ausência

A exposição permanente deverá lidar, do ponto de vista semiótico, com a ausência de um

espólio significativo a musealizar como o índice mais aproximado e significativo da acção

humanista do seu proprietário. Com efeito, a despeito da dispersão dos bens pessoais de

Aristides de Sousa Mendes e do espólio familiar por diversos destinos – credores, amigos

próximos e distantes, usurários – e da deterioração a que foi votada a residência da família,

a memória da acção do Cônsul continuou a ser celebrada pelos seus naturais, por

conterrâneos e por um grande número de receptores dos seus vistos de trânsito, indicando

a transcendência da sua acção.

Mais, cremos que a ausência e o despojamento são parte integrante da história factual da

vida de Aristides de Sousa Mendes em consequência do Acto de Consciência e um

elemento de suma importância para a compreensão do regime sob o qual viveu e que

enquadra de forma dramática o seu percurso de vida profissional e pessoal.

Em favor do rigor histórico não deverá, pois, procurar recriar-se o ambiente original da

habitação familiar, com recurso a peças de época ou réplicas. Tal exigência poderá ser

contraditória com os propósitos de uma ‘Casa-Museu’ se observarmos, como António

Ponte, que a expectativa dos visitantes será a de encontrar um ‘verdadeiro teatro de vida’,

levado à cena pelos ‘sistemas de vida doméstica’ e pelos objectos ‘na sua forma original ou

próxima dela’67. Cremos que, no contexto da vida e acção de Aristides de Sousa Mendes, se

torna mais significativa a sua dádiva quando confrontada com o despojamento que se lhe

seguiu, consequência directa da sua entrega enquanto humanista.

Museu de redenção

Como se referiu anteriormente, crê-se que a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes deverá

optar por uma postura positiva relativamente aos factos que documenta, nomeadamente, a

fuga de milhares de pessoas à perseguição nazi, à guerra e, eventualmente, à morte. A acção

de Sousa Mendes e dos diplomatas que optaram por agir à revelia das ordens do Governo 67 Ponte, 2007, s.n. (Cap. I, definições).

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de então destaca-se pela sua aura positiva, pelas suas consequências benignas para os seus

beneficiários directos e pelo legado de humanismo que deixam como exemplo de

motivação contra a injustiça para toda a Humanidade. Neste sentido, ao mesmo tempo que

é imprescindível que se forneçam informações sobre os contextos nacional e internacional

que enquadram o ‘Acto de Consciência’, não se forçará a sua documentação com recurso a

material gráfico de conteúdo violento e/ou sensível, remetendo essa contextualização para

as unidades parceiras da Casa-Museu e outras que lidem com a II Guerra Mundial e o

Holocausto em particular.

Assim, se, por exemplo, o United States Holocaust Memorial Museum distribui à entrada

do Museu um bilhete de identidade pertencente a uma pessoa que poderá ter sido vítima

do Holocausto para que cada visitante possa acompanhar o seu percurso através da

exposição68, como exemplo de estratégia positiva de comunicação, a Casa-Museu Aristides

de Sousa Mendes poderá dar a conhecer a genealogia de todos quantos se salvaram por

causa dos seus vistos.

3.4.2.2 Percursos expositivos: Paralelismos e cruzamentos, confinamento e

ascensão

A singularidade da história de vida de Aristides de Sousa Mendes reside também no facto

de o Cônsul ser proveniente de uma família abastada, social e moralmente irrepreensível e,

apesar de monárquica, simpatética com a ideologia conservadora propalada pelo discurso

do Estado Novo.

Neste sentido, propõe-se que este (aparente) paralelismo entre a pessoa de Sousa Mendes e

seus familiares mais próximos (especificamente o irmão César, também diplomata) seja

mantido até certo ponto da narrativa que se explorará na unidade.

Para tanto, a Casa-Museu deverá apresentar dois percursos distintos que se desenvolvem

paralelamente, à direita e à esquerda do átrio principal da Casa. Os percursos não são,

contudo, estanques, podendo os visitantes, a qualquer momento, atravessar a galeria de

distribuição dos pisos 0 e 1 e ingressar no percurso paralelo.

A ênfase na analogia entre o Estado Novo e a ideologia de Aristides encontrará o seu auge

no Salão Nobre da Casa, já no piso 1, com a celebração do mais alto ponto da carreira 68 Cf. Winter, 2001: 60 Para mais informações sobre a estratégia de comunicação referida, consultar a página do United States Holocaust Memorial Museum, separador ‘Education’, secção ‘Personal Stories and ID Cards’: www.ushmm.org/education/foreducators/resource/pdf/idcards.pdf

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diplomática de Sousa Mendes, quando acolhe os favores do Governo e lhe vê serem

granjeadas mais importantes colocações.

Após o núcleo expositivo do Salão Nobre, os dois percursos voltam de novo a separar-se

para, duas salas adiante, conduzir os visitantes de ambos os percursos, juntos, ao piso 2

através de uma escada de serviço estreita e deslocada do coração da Casa relativamente à

escadaria principal.

Este será o ponto exacto em que o Eixo Biográfico e o Eixo Político se cruzam – ou antes,

se encontram em choque e conflito: na Capela da Casa, no piso 2, retratar-se-á o Acto de

Consciência, momento essencial da colisão entre a legalidade e a ética no exercício da

diplomacia. A sensação de confinamento provocada pelo estreitamento das escadas de

serviço como única via de acesso ao piso superior deverá fazer sentir aos visitantes o

desconforto do choque entre pessoas provenientes de direcções opostas e, bem assim, de

pontos de vista.

A saída do piso 2 da exposição permanente deverá ser feita pelo mesmo percurso até à

escada de serviço, permitindo, a quem assim o desejar, um momento de reflexão na capela

da Casa.

No piso 1, os visitantes poderão regressar ao átrio usando a galeria de distribuição e a

escadaria principal.

A opção por um percurso ascendente, que culmina com a sala ‘Com Deus contra os

Homens’, pretende assinalar a caminhada espiritual de Aristides de Sousa Mendes e a

suprema imaterialidade do seu gesto.

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3.4.3 Equipamento expositivo

No sentido de acentuar a ideia de fidelidade ao contexto explicitada no ponto ‘Conceitos

geradores’, o equipamento expositivo deverá marcar um forte contraste com a arquitectura

do edifício; mais, o equipamento expositivo não deverá, em momento algum, sobrepor-se a

ela e à sua adequada leitura.

Dispositivos multimédia

Propõe-se na linha do design de exposição criado pela Small Design Firm, Inc. para o

Centro Nobel da Paz, que o equipamento expositivo se baseie em dispositivos electrónicos

interactivos em que a informação é disponibilizada aos visitantes em duas modalidades: a)

de descoberta e fruição e b) de aprofundamento de conhecimentos e reflexão.

Vitrinas

No sentido de acentuar o valor arquitectónico do edifício, propõe-se para as vitrinas um

desenho de linhas depuradas que, igualmente, não se imponha em relação às peças a expor.

Apresentam-se em seguida a duas soluções, uma em altura, para peças maiores e outra

desenvolvida na horizontal, para albergar peças mais pequenas.

As vitrinas verticais poderão fornecer iluminação interior, através de fibra óptica,

recorrendo focos direccionáveis, possibilitando assim uma iluminação pontual. As vitrinas

horizontais poderão ser iluminadas por tecnologia LED, cujas vantagens ao nível da alta

luminância com baixa produção de calor.

Os objectos e documentos expostos deverão, como se referiu, ser despoletadores das

narrativas particulares de cada núcleo expositivo pelo que não se deverá, mesmo em caso

de disponibilidade, optar por soluções de exposição massiva de bens ou documentação.

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Figura 4: Estruturas expositivas: Vitrinas verticais e horizontais.

Imagem de Sabrina Dâmaso.

Mantendo uma especial atenção às questões das acessibilidades, seguiu-se para a concepção

da proposta de materiais expositivos os critérios do Smithsonian Guidelines for Accessible

Exhibition Design (Smithsonian Accessibility Program).

De acordo com as recomendações deste manual, temos que:

- Painéis e vitrinas verticais: devem permitir o acesso a pessoas em cadeira de rodas,

localizando-se o nível médio da linha de visão entre 1090 mm e 1295 mm. A colocação de

objectos não deverá ser feita a mais de 1015 mm acima do nível do chão (Figura 5).

- Vitrinas horizontais: devem permitir o acesso a pessoas em cadeiras de rodas pelo

que deverão ter uma altura até 915 mm; preferencialmente, usar-se-ão caixas abertas –

através de cuja base uma cadeira de rodas possa aproximar-se – em vez de pedestais (Figura

6).

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Figura 5: Linhas de visão médias. (adaptado de: Smithsonian Guidelines for Accessible Exhibition Design)

Figura 6: Altura das vitrinas. (adaptado de: Smithsonian Guidelines for Accessible Exhibition Design)

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3.4.4 Serviços Educativos

Os Serviços Educativos no espaço do Museu apresentam-se como elementos essenciais

não só da transmissão de conteúdos relativos aos acervos e seus contextos mas, muito

significativamente, da participação dos públicos na construção crítica do conhecimento e

na vida da comunidade. Privilegiando e encorajando a aprendizagem participativa, baseada

em exercícios de reflexão, partilha e construção, os Serviços Educativos dos Museus

possuem o potencial para se afirmarem como agentes primordiais da formação cultural das

populações e parceiros fundamentais das políticas de educação ao nível nacional e

internacional.

As actividades dos Serviços Educativos deverão, pois, assentar numa política educativa

estruturada, política que está para os Serviços Educativos como a declaração da Missão e

Objectivos está para o museu, servindo de referência para toda a sua acção. De acordo com

as recomendações do CECA – ICOM69 para a definição do programa cultural e de acção

educativa nos Museus, destacamos as seguintes linhas de força para a política educativa:

- A Missão e Objectivos do Museu: Enfoque no contexto que dá origem à unidade

museológica em questão e que se apresenta com a ‘raison d’etre’ da existência do Museu;

- Acepção da relevância da política educativa do Museu

- em termos sociais: implica o conhecimento aprofundado do contexto social,

económico e cultural em que o Museu está instalado, bem como aqueles referentes aos

públicos que o Museu pretende atrair e que constam da sua Missão

- em termos institucionais: requer uma articulação forte entre os objectivos

delineados pelas diversas equipas dentro do Museu e inclui obrigatoriamente os objectivos

explanados na política de gestão de acervos

- em termos científicos: solicita uma forte envolvência das equipas de investigação

do Museu para a selecção de conteúdos resultantes dos seus programas científicos de

acordo com os diversos públicos alvo e seus interesses

69 Cf. ICOM-CECA / O’Neill et al., 2011, ‘Best practice’ Education and cultural action programmes – Analyzing a program.

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- Definição dos públicos-alvo para cada programa a estabelecer, tendo em conta diversos

formatos: interpretação da exposição permanente ou de exposição temporária, actividades

orientadas para não-públicos, para famílias, para faixas etárias específicas ou grupos de

interesse, para pessoas portadoras de deficiência, etc.;

- Definição de conteúdos para cada programa educativo estabelecido, tendo em conta:

- O contexto do Museu

- Os públicos-alvo

- Os recursos oferecidos pelo acervo e sua informação

- Definição das estratégias interpretativas em função dos conteúdos e dos recursos

materiais e humanos disponíveis (p.e., visitas guiadas com animação, workshops,

performances, colóquios, etc.);

- Definição das formas e fórmulas de comunicação e do nível de interacção dos públicos-

alvo para cada programa, em função do tipo de experiência participatória que se pretende

fornecer em cada programa.

Uma política educativa bem elaborada, abrangente e consciente do potencial e das

fragilidades da organização (em termos humanos e materiais) poderá ser o elo de ligação

entre todas as equipas do Museu, funcionando, em grande medida, como o ‘motor’ da sua

mudança. Convocando todos os intervenientes na vida do Museu para discutir, contribuir e

colaborar com os visitantes para o aprofundamento do conhecimento relativo aos acervos

e aos seus contextos, o Serviço Educativo está a garantir que o Museu produz nova

informação e que essa nova informação é produzida em contexto de uso – para os públicos

e sua formação.

Educar para a História mundial

A educação para a História mundial deverá ocupar na Casa-Museu Aristides de Sousa

Mendes um lugar central, especialmente no que diz respeito aos visitantes mais jovens.

Actuando também em complementaridade com os programas delineados para os vários

ciclos de ensino pelo Ministério da Educação, os programas educativos da Casa-Museu

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deverão dar resposta à necessidade de uma visão informada e crítica acerca da construção

da cidadania mundial no contexto histórico a que se dedica.

Os visitantes deverão perceber a rede de conexões políticas, económicas e sociais que, a

todo o momento, unem as nações e de que forma os indivíduos isoladamente são agentes e

sujeitos da mudança nesse macro cenário.

Educar para os Direitos Humanos e para a Liberdade

Dando continuidade aos pressupostos da Resolução da Assembleia da República nº

24/2008 que prevê a Divulgação às futuras gerações dos combates pela liberdade na

resistência à ditadura e pela democracia e apoiando-se na Carta dos Direitos Humanos, os

programas educativos da Casa-Museu deverão ser um veículo da promoção do

entendimento entre os Povos pelo livre exercício da cidadania.

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Conclusão

Numa época de profunda crise de valores, em que o medo e o instinto de auto-preservação

forçaram a alienação das comunidades, Aristides de Sousa Mendes deixou à Humanidade

um legado de respeito, fraternidade e abnegação que importa preservar e ensinar. Tal é o

desejo das Fundações que em seu nome foram criadas e de muitos cidadãos e cidadãs que,

em várias áreas da vida pública, se vêm dedicando à promoção dos Direitos Humanos e

dos Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente definidos, nomadamente, da

Liberdade de expressão e de comunicação, de consciência, religião e culto, do Direito à

integridade pessoal, à segurança e à Liberdade.

Porque se entende que os Museus são fiéis depositários do Património Material e Imaterial

que atesta a história comum e as suas idiossincrasias e que, por isso, mais se afirmam como

agentes da produção de conhecimento crítico, optou-se por dar forma a uma unidade

fortemente comprometida com a Experiência sem sacrificar o respeito pela dignidade

humana; um Museu comprometido com o Passado que confronta os visitantes com opções

determinantes de Futuro através de estratégias educativas que os questionam.

Para tanto, o Programa museológico que aqui se traçou procurou assentar em pressupostos

de respeito pela integridade da memória, nomeadamente, aquela que perdura no vazio (e na

ruína) da Casa do Passal. Com ele se fazem votos de que a recuperação da Casa e da

memória de Aristides, Angelina Sousa Mendes e sua Família encontre concretização a

breve trecho.

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Anexos