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UNIVERSIDA DE CANDIDO MENDES PÓS-GRA DUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ACESSO À JUSTIÇA: A EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONA L Por: Renata Souza da Mata Orientador Prof. Jean Almeida Rio de Janeiro 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ACESSO À JUSTIÇA:

A EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Por: Renata Souza da Mata

Orientador

Prof. Jean Almeida

Rio de Janeiro

2005

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ACESSO À JUSTIÇA:

A EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito

Processual Civil.

Por: . Renata Souza da Mata

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RESUMO

A Carta Magna de 1988 diz em seu art. 5o, XXXV; “A lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Ora, esta previsão

constitucional demostra que o acesso à justiça é o princípio do qual decorrem

os demais, como o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa.

Conclui-se, a partir daqui, que a Constituição Federal é a coluna basilar da

edificação da teoria do processo. O processo é o meio pelo qual se asseguram

os direitos e garantias constitucionais tutelados pelo Estado-Juiz. No entanto,

nos resta saber se os mecanismos à disposição das partes garantem a

efetividade da prestação jurisdicional. Os demandantes e demandados terão

direito a um processo igualmente 'devido', capaz de assegurar-lhes a real e

efetiva realização prática. O Estado haverá de prestar uma proteção efetiva

dos direitos individuais, difusos e coletivos. Coloca-se em questão, doravante,

não mais o acesso, em si, mas o seu feed-back, isto é, a resposta do Estado

àquela pretensão da parte. É o direito materialmente pretendido, concebendo-

se num direito efetivamente conferido e tutelado pela ordem estatal. A

proteção jurídica deve ser reconhecida em tempo útil. A efetividade pois, é o

elemento indispensável à justa prestação jurisdicional, como remédio

moderador em cada tipo processual e procedimental. À luz da efetividade do

processo que nada mais é que a concreção doutrinária dos preceitos

fundamentais contidos na Constituição Federal, observamos a necessidade de

implementação de mecanismos que facilitem o acesso à justiça e a efetividade

da prestação jurisdicional, ressaltando a idéia de que na noção de efetividade

estão inseridas as linhas mestras da validade, vigência e eficácia.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho foi a de

compilação, através de exposição do pensamento de vários autores,

apresentação dos discursos principais sobre o tema, opinião de pontos

relevantes, organização sistemáticas dos aspectos abordados e conclusão

final.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 06

CAPÍTULO I - Direito de ação como acesso à justiça 13

CAPÍTULO II - Da ação 39

CAPÍTULO III – Dos legitimados a representar as partes em juízo 44

CAPÍTULO IV – Principais dificuldades para o exercício da ação 56

CONCLUSÃO 70

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 73

ÍNDICE 77

FOLHA DE AVALIAÇÃO 79

6

INTRODUÇÃO

Primeiramente, cumpre esclarecer a importância do direito para a

sociedade moderna, uma vez que é predominante o entendimento de que não

há sociedade sem direito: ubi societas ibi jus.

O direito exerce uma função ordenadora, coordenando os interesses

que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre

pessoas e compor os conflitos que se verificarem.

Segundo Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e

Cândido Rangel Dinamarco :

“A tarefa da ordem jurídica é exatamente a de

harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de

ensejar a máxima realização dos valores humanos com o

mínimo de sacrifício e desgaste. O critério que deve

orientar essa coordenação ou harmonização é o critério

do justo e do eqüitativo, de acordo com a convicção

prevalente em determinado momento e lugar.”( 2000, p.

19)

Ocorre, porém, que a existência do direito não é suficiente para evitar

ou eliminar os conflitos que possam surgir entre as pessoas. “Esses conflitos

caracterizam-se por situações em que uma pessoa, pretendendo para si

determinado bem, não pode obtê-lo – seja porque (a) aquele que poderia

satisfazer a sua pretensão não a satisfaz, seja porque (b) o próprio direito

proíbe a satisfação voluntária da pretensão”(CINTRA, DINAMARCO e

GRINOVER, 2000, p. 20).

7

Hoje, havendo um conflito, o Estado-juiz é chamado para por fim à

situação, aplicando o ordenamento jurídico ao caso concreto. No entanto, vale

lembrar que nem sempre o Estado foi o responsável pela pacificação social.

Nas fases primitivas da civilização dos povos, era comum a satisfação

da pretensão com o uso da própria força, ou seja, através do regime da

autotutela.

Em apertada síntese, autotutela é fazer justiça pelas próprias mãos.

Essa modalidade de solução dos conflitos de interesse foi muito difundida no

passado, entre os povos incivilizados, que desconheciam um Estado

organizado e onipresente.

A autotutela é marcada por dois traços principais. O primeiro é que as

partes envolvidas resolvem suas questões sem a presença de terceiros, como

um árbitro, por exemplo. A segunda é que sempre uma vontade se impõe, via

de regra pela força, a outra vontade.

Assim, se alguém invadiu uma casa de um terceiro, este terceiro, a fim

de defender seu patrimônio, expulsa o invasor de seu lar, valendo-se da força

para tanto.

Do mesmo modo, um país invade o outro. Para a defesa da soberania,

instaura-se uma guerra. Há, então, um conflito de interesses, solucionado

pelos próprios envolvidos, com a imposição de uma vontade sobre a outra.

A autotutela quase sempre implicava numa beligerência ou no uso da

força. Mas os homens foram percebendo que poderiam solucionar seus

problemas sem se socorrerem à força. Nasce, então, uma nova modalidade de

solução da lide, denominada autocomposição.

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A autocomposição consiste no ajuste de vontades, para solucionar um

litígio. Subdivide-se em: a) desistência: é a renúncia à pretensão; b)

Submissão: é a renúncia à resistência; e, c)Transação: caracterizada pelas

concessões recíprocas.

Ao perceberem a existência de males nesses sistemas, os indivíduos

passaram a preferir um modo de solução amigável e imparcial através de

árbitros, pessoas de confiança mútua a quem as partes elegiam para a

resolução de seus conflitos. Em geral, esta tarefa era confiada aos sacerdotes,

que proferiam soluções de acordo com a vontade dos deuses; ou aos anciãos,

que conheciam os costumes do grupo.

Com o fortalecimento do Estado, este passou a ditar soluções para os

conflitos. Das origens do direito romano até o século II aC, sendo a Lei da XII

Tábuas dessa época, o Estado já indicava qual o preceito deveria preponderar

no caso concreto para a solução do conflito.

Os cidadãos em conflito compareciam perante o pretor,

comprometendo-se a aceitar o que viesse a ser decidido; e esse compromisso,

necessário porque a mentalidade da época repudiava qualquer ingerência do

Estado (ou de quem quer que fosse) nos negócios de alguém contra a vontade

do interessado, recebia o nome litiscontestatio. Em seguida, escolhiam um

árbitro de sua confiança, o qual recebia do pretor o encargo de decidir a causa

(CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, 2000, p. 20).

Após a fase ordo judiciorum privatorum, conhecida como a reunião do

período aracaico e do clássico, o pretor passou a conhecer o mérito dos litígios

e a proferi sentença. Essa nova fase, iniciada no século III dC e conhecida por

período cognitio extra ordinem, marcou a evolução da justiça privada para a

justiça pública. Assim, surge a jurisdição, ou seja, a atividade mediante a qual

os juízes estatais examinam as pretensões e resolvem os conflitos .

9

Conforme brilhante definição dos Autores citados (2000, p.23),

jurisdição é “o instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam

para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo

cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentado em

busca da solução”.

Para Chiovenda (1969, p.3), jurisdição pode se definida como “função

do estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio

da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares

ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no

torná-la, praticamente, efetiva”.

A partir do que foi acima exposto, podemos dizer que houve três fases

distintas na história das instituições antes de se chegar a atividade

jurisdicional: a autotutela, a arbitragem facultativa e a arbitragem obrigatória.

Clássica é a afirmação de que a função jurisdicional é uma das três

funções do Estado Moderno, pois há a legislação e a administração. A primeira

pode ser distinguida das demais pela finalidade pacificadora. E isto, dentro

das idéias do Estado para o bem-estar social, põe em destaque a função

jurisdicional pacificadora como fator de eliminação de conflitos, bem como

adverte os encarregados do sistema quanto à necessidade de fazer do

processo um meio efetivo para a realização da justiça.

Deve-se referir, porém à distinção entre função jurisdicional e as

demais funções do Estado.

Segundo Alexandre Freitas Câmara (2000, p. 58), a função legislativa

atua em hipóteses consideradas em abstrato, criando normas aplicáveis a

todos os fatos futuros que se adequarem à descrição contida na norma

elaborada, enquanto que a jurisdição atua sempre diante de fatos já ocorridos,

subsumindo a norma abstrata ao caso concreto.

10

Fazendo um paralelo entre a função juridicional e a função

administrativa, podemos dizer que a primeira distinção pode ser encontrada na

imparcialidade do órgão estatal que exerce a primeira, o chamado Estado-juiz;

ao contrário da segunda, que é por natureza parcial, o Estado-administração.

Uma segunda distinção é o fato de ser o ato administrativo passível de

revogação ou modificação a qualquer tempo, enquanto o ato jurisdicional mais

importante é a sentença, que tende a se tornar definitiva, bastando o

esgotamento dos recursos cabíveis, momento em que surge a coisa julgada.

Por último podemos dizer que a função admisnistrativa é originária do

Estado, pois sempre lhe coube esta função, nunca tendo sido exercida por

ninguém. Já a função jurisdicional “é exercita pelo Estado em substituição à

atividade das partes, ou seja, o Estado exerce a função jurisdicional como

forma de substituir a atividade dos interessados, consistente na autotutela, a

qual é – como regra – proibida nos modernos ordenamentos jurídicos”

(FREITAS CÂMARA, 2000, p. 59).

O sistema processual foi instituído pelo Estado para a consecução dos

objetivos da jurisdição e da pacificação, ditando normas a respeito, criando

órgãos jurisdicionais, fazendo despesas com isso e exercendo através dele o

seu Poder.

Desta forma, pode-se dizer que o processo consiste na aplicação da lei

ao caso concreto, determinado. Por outro lado, o fim maior do processo é

assegurar a soberania da lei na regulação e composição dos conflitos, de

maneira a conservar ou restabelecer a paz social ameaçada" (RAITANI, 1996,

p. 98). Para Carnelutti, o processo "tende a garantir a bondade do resultado,

isto é, a regulação do conflito de interesses através da qual se obtenha

realmente aquela paz" (CARNELUTTI, 1996 apud RAITANI, 1990,p. 99).

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Do exposto, infere-se que o escopo maior do processo é a efetivação

concreta da justiça, competindo aos operadores do Direito (juízes, promotores,

procuradores, advogados e auxiliares da justiça) permitirem aos consumidores

finais do processo (a população em geral) o acesso a uma "ordem jurídica

justa" (DINAMARCO, 2000, p. 270), e não mais apenas a uma ordem jurídica

legal. Mas, que será, em suma, a justiça que tanto buscamos? Carnelutti disse

ser ela, sem que pairasse quaisquer sombras de dúvida, a mais excelsa das

virtudes, a virtude por excelência, soberana entre as demais e

onicompreensiva.

Assim, para que o acesso da população à justiça se dê da forma mais

completa possível, sem os entraves e percalços de costume, é de suma

importância o aprimoramento da efetividade do processo, que consiste, no

dizer do Professor Cândido Rangel Dinamarco (2000, p. 270), na "almejada

aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além

de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos

e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-

lhes liberdades".

Efetividade do processo é, assim, o grau de eficácia que o mesmo

possui para fins de atingimento da paz social. É necessário, por conseguinte,

examinar o grau de satisfação de seus consumidores finais para se avaliar a

perfectibilidade da sistemática adotada.

Salienta-se que para muitos a Justiça não cumpre suas funções dentro

de um prazo razoável, sendo inacessível, contrapondo-se ao texto preconizado

na Constituição, onde garante a todo cidadão o livre acesso ao Judiciário.

Falar em efetividade do processo é falar da sua aptidão, mediante a

observância racional dos princípios e garantias processuais, a pacificar

segundo critérios de justiça.

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O que se observa é a necessidade de incrementar o sistema

processual, com instrumentos novos e novas técnicas para o manuseio dos

velhos, com a adaptação das mentalidades dos profissionais à consciência do

emprego do processo como instrumento que faça justiça às partes e que seja

aberto ao maior número de pessoas.

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar o acesso à justiça

como garantia constitucional, analisando a importância dos princípios

constitucionais processuais, do direito de ação e dos habilitados para estar em

juízo, como meios de garantir a efetividade da prestação jurisdicional e, por

fim, elencar algumas das principais dificuldades para o exercício do direito de

ação; sem, contudo, esgotar o assunto que, certamente, tem muito mais

pontos a serem discutidos.

CAPÍTULO I

DIREITO DE AÇÃO COMO ACESSO À JUSTIÇA

Sendo a função jurisdicional uma manifestação do poder soberano,

que é uno e indivisível, há que se atentar para os princípios norteadores da

organização do Estado. E, como vivemos em um Estado Democrático de

13

Direito, o exercício do poder estatal deve observar as características desse tipo

de organização estatal.

Seguindo os ideais das Constituições escritas e rígidas dos e Estados

Unidos da América, em 1787, após a Independência das 13 Colônias; e da

Revolução Francesa, em 1791: organização do Estado e limitação do poder

estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais, o Brasil, em

1824, promulgou a sua primeira Constituição que “deve ser entendida como a

lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes á

estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e

aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos e

garantias dos cidadãos” (MORAES, 2000, p. 34).

Em 1988, ao promulgar a Constituição da República Federativa do

Brasil (BRASIL, 1988, p. 1) em vigor, o Poder Constituinte dispôs os objetivos

do Estado Democrático em seu preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em

assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado

democrático, destinado a assegurar o exercício dos

direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o

bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

como valores supremos de uma sociedade fraterna,

pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social

comprometida, na ordem interna e internacional, com a

solução pacífica das controvérsias, promulgados, sob a

proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Desta forma, segundo Alexandre Freitas Câmara (2000, p. 58), “ao

exercer a jurisdição o órgão estatal que represente o Estado na hipótese

14

deverá se comportar como um microcosmo do Estado Democrático de Direito,

sob pena de afrontarem as normas constitucionais de organização do Estado”.

Para a proteção dos direitos e garantias fundamentais, o Legislador

Constituinte de 1998 elaborou um capítulo enumerando os direitos e deveres

individuais e coletivos, no qual consta o princípio da inafastabilidade da

apreciação judiciária, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do

Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito (BRASIL, 1988, p.8).

Ocorre que a jurisdição é inerte e não pode manifestar-se sem

provocação, de modo que cabe ao titular da pretensão resistida invocá-la, a fim

de que atue no caso concreto. Assim sendo, o sujeito que se sentir lesionado

estará exercendo um direito, que é a ação, para cuja satisfação o Estado deve

dar a prestação jurisdicional.

Estando a jurisdição e o tema acesso à justiça intimamente

relacionados aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, devem ser

acessíveis a todos, com respeito a liberdade e igualdade de condições. “A

exigência de tornar a justiça acessível a todos é uma importante faceta de uma

tendência que marcou os sistemas jurídicos mais modernos no nosso século,

não apenas no mundo socialista, mas no ocidental” (MARIONI, 1996, p. 20).

Ora não basta termos o direito de ação e a obrigação do Estado em

solucionar o conflito. O acesso à justiça implica o respeito a uma série de

direitos e garantias constitucionais que garantam a efetiva prestação

jurisdicional. Melhor é falarmos, então, em acesso `a ordem jurídica justa;

acesso à justiça quer dizer acesso a um processo justo, a garantia de acesso a

uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e adequada

das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a efetividade da

tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as

específicas situações de direito substancial. Acesso à justiça significa, ainda,

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acesso à informação e orientação jurídica e a todos os meios alternativos de

composição de conflitos.

Falarmos em direitos e garantias constitucionais, remontando Rui

Barbosa, significa dizer que direitos são disposições meramente declaratórias,

imprimindo existência legal aos direitos reconhecidos; enquanto que garantias

são as disposições assecuratórias, as quais limitam o poder em defesa dos

direitos.

1.1 – Princípios constitucionais processuais

A Constituição Federal Brasileira de 1988 fala expressamente no artigo

5°, inciso LIV que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal”(BRASIL, 1988, p.8). O due process of law tem origem

inglesa, e traz consigo o princípio fundamental do processo , de onde são

oriundos todos os outros princípios, principalmente o do “acesso à justiça”.

Enquanto o primeiro consiste em um princípio fundamental do direito

constitucional processual, o segundo consiste em um princípio informativo.

Dessa forma, serão substancialmente desses dois princípios derivados todos

os outros, dado que deles decorrem todas as conseqüências processuais

possibilitando o direito a um processo e uma sentença justa aos litigantes.

Segundo Nelson Nery (1996, p.197), o Direito Constitucional da

Common Law é de reconhecida reputação, principalmente quanto à

respeitabilidade e eficácia da incidência dos preceitos insculpidos naquele

sistema jurídico. Isto se deve principalmente à firmeza e determinação com

que a Suprema Corte vem agindo em suas decisões .

16

Os princípios constitucionais do processo, no entanto, vêm

acompanhados de desenvolvimento e consolidação dos princípios no âmbito

latino-americano, da internacionalização dos princípios e dos direitos

processuais, da proteção internacional dos direitos humanos, da vigência dos

princípios supranacionais – como regra legal de aplicação direta no direito

interno – e da menção dos novos princípios derivados das normas

supranacionais.

E, neste contexto, para a efetivação do acesso à justiça, são

essenciais a ampla atuação dos princípios constitucionais do processo como: o

princípio do juiz natural, garantias de independência do juiz, direito de defesa

em juízo, o due process of law, o livre acesso ao processo, a motivação da

sentença e o princípio da imparcialidade. Assim, percebe-se que o princípio do

acesso à justiça fundamenta todos os demais princípios processuais.

E por esse motivo, a garantia jurisdicional efetiva-se por meio da

função jurisdicional do Estado, exercida por órgãos judicantes compostos de

magistrados, dotados de independência e imparcialidade. É uma característica

comum às diversas formas de jurisdição a circunstância de que ela se

distingue das outras atividades estatais pela aplicação do direito ao fato

concreto.

Cabe ressaltar que o modelo constitucional do processo apresenta

determinadas características, como: na questão da expansividade – que

concerne à hierarquia normativa dos valores constitucionais -, na variabilidade

– que denota o modelo de normas dependendo do caráter legislativo - , e na

perfeitabilidade – referente a normas infra-constitucionais que sejam perfeitas

hierarquicamente.

O processo constitucional decorre do reconhecimento de normas

referentes aos requisitos, conteúdo e efeitos da sua aplicabilidade. As várias

constituições mencionam distintos processos que visam consagrar garantias

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capazes de solucionar as pretensões da sociedade. Os princípios gerais têm

valor aplicativo imediato e corrente. Nem sempre o seu conteúdo mínimo

necessita de lei para efetivá-lo. E, por conseguinte, as sentenças

constitucionais têm esse caráter revitalizador da Constituição.

Os princípios fundamentais do ordenamento constitucional são sempre

informadores da vivência democrática e da ampla participação político-

jurisdicional.

Neste contexto, Baracho (1995, p. 55) diz que “a judicatura, em um

sistema democrático, vem merecendo consagração constitucional, através da

aplicação do princípio da participação popular na administração da justiça,

como reza a Constituição Italiana no seu artigo 103”, sem que se negue, é

claro, a ínfima participação técnica do juiz e do advogado na execução da

função jurisdicional.

Os princípios gerais estabelecidos na Constituição são levados em

conta pelo exercício da função jurisdicional, dado que é princípio processual

básico, o que garante o direito de ação e de defesa.

Desta forma, o Direito Constitucional moderno inclui as garantias dos

direitos fundamentais, que se efetiva por meio de ações, processos e

procedimentos constitucionais, que tornam possível a participação da

cidadania, em seus diversos aspectos e conseqüências.

Os princípios processuais constituem um conjunto de idéias, inter-

relacionadas e interdependentes, que expressam a visão que um povo, como

comunidade jurídica, tem do processo.

Sob esse aspecto, foi muito feliz a Constituição brasileira de 1988, de

que se extraem, como princípios fundamentais do processo, o da

inafastabilidade do Poder Judiciário, do juiz natural, da imparcialidade, da

18

ação, do contraditório, da publicidade, da licitude das provas, da persuasão

racional, do devido processo legal, da representação por advogado e do

controle hierárquico.

Os princípios vigentes entre nós se vinculam à ideologia política liberal

e, porque são verdadeiramente princípios fundamentais do sistema dominante,

nós os absorvemos, da mesma forma como respiramos o ar que nos circunda.

1.1. 1 – Princípio do juiz natural.

Está expresso em dois dispositivos da Constituição (BRASIL, 1988, p.

8): no art. 5º , LIII -"ninguém será processado nem sentenciado senão pela

autoridade competente" e XXXVII - "não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

As normas sobre competência têm aplicação imediata, de modo que o

princípio do juiz natural não assegura, ao acusado, o direito de somente ser

processado ou sentenciado por órgão que já tivesse competência à data do

fato ou da propositura da ação. Não se tem aí, observa Pontes de Miranda,

"regra de direito intertemporal, que confira ao acusado o direito de só ser

processado, ou sentenciado, pela autoridade competente ao tempo do ato

delituoso, ou, sequer, ao tempo de subirem à conclusão os respectivos autos"

(Limonad, 1953, p. 397).

Excluído que se trate de norma de direito intertemporal, soa

redundante a norma de que ninguém será processado ou sentenciado senão

pela autoridade competente. Bastaria o enunciado do art. 5º , XXXVII: "não

haverá juízo ou tribunal de exceção" (BRASIL, 1988, p. 8).

Conforme Pontes de Miranda (1995, p.56),

19

“tribunal de exceção é o que se estabelece para

determinado caso, ou casos; a) já ou ainda não ocorridos;

b) provenha ou não de lei a deliberação de instituí-lo; c)

quer seja novo, ou já existente o órgão ordinário, ou

especial, a que se confere o julgar excepcionalmente. (...)

Juiz que pertence à organização judiciária normal pode vir

a ser juiz de exceção, infringindo-se o princípio .”

Trata-se, em última análise, de assegurar a imparcialidade do órgão

julgador, impedindo-se a constituição de tribunais ad hoc, predeterminados a

condenar ou absolver, pois a idéia de julgamento é incompatível com a de

predeterminação de seu conteúdo. Certa álea, certa incerteza sobre a

sentença que há de sobrevir integra o próprio conceito de julgamento. Se a

decisão já foi tomada antes de reunir-se o tribunal, ou fora dele, o julgamento

não passa de uma farsa.

Comissão constituída para julgar caso determinado parece suspeita,

independentemente da suspeição dos membros que a compõem, o mesmo se

podendo dizer do tribunal constituído para julgar uma série de casos

determinados, anteriormente ocorridos.

Não afronta, porém, o princípio a instituição de órgãos especiais para

julgar certa classe de casos, como ocorre com as varas privativas dos feitos da

Fazenda Pública. Também não se vedam os chamados "regimes de exceção",

com que se busca pôr em dia o serviço forense, aumentando-se

temporariamente o número de juízes de uma vara, câmara ou turma, para

redução da carga individual.

Temos, então, em síntese:

20

a) que a jurisdição não pode senão ser exercida pelos órgãos

competentes, ou seja, pelo Poder Judiciário, salvo nos casos expressos na

própria Constituição.

b) que os poderes constituídos não podem criar juízos para o

julgamento de casos determinados.

Em outras palavras:

“Aos tribunais de exceção - instituídos por contingências

particulares -contrapõe- se o juiz natural, preconstituído

por lei. O princípio do juiz natural apresenta um duplo

significado: no primeiro, consagra-se a norma de que só é

juiz o órgão investido de jurisdição (afastando-se, desse

modo, a possibilidade de o legislador julgar, impondo

sanções penais sem processo prévio, através de leis

votadas pelo Parlamento, muito em voga no antigo direito

inglês, através de bill of attainder); no segundo impede-se

a criação de tribunais ad hoc e de exceção, para o

julgamento de causas penais ou civis (CINTRA,

DINAMARCO e GRINOVER, 2000, p. 56).”

1.1. 2 – Princípio da imparcialidade do juiz

Encontra-se expresso no art. 10 da Declaração dos Direitos do

Homem: "Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública

audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de

seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal

contra ele".

Está implícito na Constituição de 1988, a ele se vinculando as

denominadas garantias da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e

irredutibilidade de vencimentos).

21

Trata-se de princípio fundamental, a ponto de se poder definir a própria

jurisdição como "intervenção de um terceiro imparcial, em relação interpessoal

alheia, a pedido de uma das partes".

Contudo, há muito já se observou que o princípio se adapta sobretudo

à ideologia do liberalismo político. Levado às suas últimas conseqüências,

teríamos: a) que a jurisdição jamais poderia ser "protetiva" de qualquer das

partes, como ocorre nas relações de trabalho e em outras em que o juiz

depara com flagrante desigualdade entre os contendores; b) que o juiz não

poderia jamais determinar a produção de provas, de ofício, porque estaria,

assim, à auxiliar uma das partes.

Em sua forma extremada, o princípio da imparcialidade combina-se

com o dispositivo. Exaspera-se o princípio da demanda, afirmando-se que a

intervenção judicial na relação alheia não deve nunca ir além do pedido, e

nega-se a regra do "impulso oficial", fazendo-se o andar do processo depender

da provocação das partes.

1.1. 3 – Princípio da ação

É também denominado "princípio da inércia da jurisdição". Importa em

que o juiz não pode exercer a jurisdição de ofício, isto é, por iniciativa própria.

É indispensável a ação ou atividade de um autor ou acusador. O princípio da

ação caracteriza o denominado sistema acusatório, em oposição ao

inquisitório, em que o juiz age de ofício, como as autoridades administrativas

Em matéria civil, a regra, antiquíssima, é o direito de ação conferido

apenas ao próprio lesado ou interessado.

22

O princípio da ação, com seu corolário da vedação de julgamento

extra ou ultra petita, encontra-se embutido na fórmula ampla do "devido

processo", no art. 5º , LIV, da Constituição: "ninguém será privado da liberdade

ou de seus bens sem o devido processo legal “ (BRASIL, 1988, p.10). O juiz

não pode exercer, de ofício, a jurisdição. Nemo judex sine actore. O art. 2 do

Código de Processo Civil (BRASIL, 1973, p. 19), estabelece: "Nenhum juiz

prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a

requerer”.

Proposta a ação, cabe ao juiz praticar, de ofício, os atos ulteriores do

processo, não se exigindo, para cada ato judicial, um específico requerimento

da parte. Nesse sentido, dispõe o art. 262 do Código de Processo Civil

(BRASIL, 1973, p. 63): "O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se

desenvolve por impulso oficial". Vai além o Código de Processo Civil, exigindo

que o juiz vele pela rápida solução do litígio (art. 125, II), podendo decretar a

extinção do processo que fique parado mais de um ano por negligêcia das

partes (art. 267, II).

Também se tem considerado compatível com o sistema acusatório o

princípio da investigação judicial. O Código de Processo Civil autoriza o juiz a

tomar a iniciativa relativamente à produção de provas (art. 130) e até mesmo a

considerar, em sua sentença, fatos não alegados pelas partes (art. 131).

Afirma José Carlos Barbosa Moreira (1989, p. 48):

“0 uso das faculdades instrutórias legais não é

incompatível com a preservação da imparcialidade do juiz.

Tal expressão, bem compreendida, não exclui no órgão

judicial a vontade de decidir com justiça e, portanto, a de

dar ganho de causa à parte que tenha razão. A realização

da prova pode ajudá-lo a descobrir qual delas a tem, e

esse não é resultado que o direito haja de ver com maus

23

olhos. De mais a mais, no momento em que determina

uma diligência, não é dado ao juiz adivinhar-lhe o êxito,

que tanto poderá sorrir a este litigante como àquele. E, se

é exato que um dos dois se beneficiará com o

esclarecimento do ponto antes obscuro, também o é que

a subsistência da obscuridade logicamente beneficiaria o

outro. Olhadas as coisas por semelhante prisma, teria de

concluir-se que o juiz não é menos parcial quando deixa

de tomá-la do que quando toma a iniciativa instrutória,

pois, seja qual for a sua opção, acabará por favorecer

uma das partes. Bem se percebe quão impróprio é um

modo de equacionar o problema, que condena o órgão

judicial, em qualquer caso, a incorrer na pecha de

parcialidade[...].”

O princípio da ação se completa com o denominado "princípio da

demanda", que impede o juiz de proferir sentença além do pedido ou fora dele.

A ação, quer civil, quer penal, deve conter um pedido certo, fundado em fatos

determinados. O juiz não é um livre investigador de provas incertas ou

imprecisas, para justificar pretensões incertas e imprecisas de uma das partes.

Aí a diferença fundamental entre ação e inquérito ou devassa. O inquérito pode

dirigir-se contra pessoas incertas. A acusação dirige-se contra pessoa certa. O

inquérito se destina à descoberta de fatos novos. A ação visa a averiguar a

veracidade ou não de fatos afirmados na inicial.

1.1. 4 – Princípio do contraditório e da ampla defesa

A jurisdição supõe a afirmação do indivíduo como titular de direitos.

No campo do processo civil sempre se observou o princípio do contraditório,

porque foi relativamente fácil conceber-se os dois litigantes, autor e réu, como

24

igualmente sujeitos de direitos de caráter privado. No processo penal isso

custou a acontecer, porque foi necessário que se concebesse, antes, a idéia

de direitos subjetivos públicos, isto é, de direitos contra o Estado.

Nossa Constituição (BRASIL, 1988, p. 10) consagra o princípio do

contraditório no art. 5º, LV: "aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e

ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

O direito de defesa é assim assegurado tanto ao autor como ao réu.

Implica o direito de alegar fatos juridicamente relevantes e de prová-los por

meios lícitos. O contraditório se concentra na expressão audiatur et altera pars

(ouça-se também a outra parte), o que importa em dar-se ao processo uma

estrutura dialética. Se propôs o autor a sua ação, tem o réu o direito de

contestar. Se uma das partes arrolou testemunhas, tem a outra o direito de

contraditá-las, de interrogá-las e também de arrolar as suas. Se arrazoou o

autor, igual possibilidade deve ser concedida ao réu.

O contraditório não impõe que as partes sempre participem

efetivamente do processo, e sim que se dê aos litigantes ocasião e

possibilidade de intervirem, especialmente, para cada qual externar o seu

pensamento em face das alegações do adversário.

Esse contraditório apenas virtual é o que se encontra no processo civil,

que admite a prolação de condenação fundada na revelia (falta de resposta) do

réu ao pedido do autor .

No processo penal exige-se o contraditório efetivo. Se o réu não se

defende, nomeia-se quem o defenda. A própria confissão do acusado, por si

só, não serve para fundamentar condenação penal.

25

Do princípio do contraditório decorrem, conforme Humberto Theodoro

Júnior (1985, p. 37), três conseqüências básicas: a) a sentença só afeta as

pessoas que foram partes no processo, ou seus sucessores; b) só há relação

processual completa e eficaz após a regular citação do demando; e c) toda

decisão só será proferida depois de ouvidas ambas as partes, ou pelo menos

depois de ensejada oportunidade para que ambas se manifestem.

A propósito do contraditório - prossegue o mesmo jurista - o erro que

mais tem ocorrido em nossos pretórios após o advento do atual CPC tem-se

registrado na aplicação do julgamento antecipado da lide, não obstante a

alegação de matéria de fato a apurar e o requerimento de provas a respeito

formulado pela parte interessada.

Partem muitos juizes, para antecipar o julgamento, do fato de se

considerarem subjetivamente convictos da irrelevância da defesa e, por

conseguinte, da inutilidade da prova pleiteada.

Acontece que o julgamento antecipado da lide, embora configure

salutar medida de economia processual, não pode, como é lógico, redundar

em cerceamento de defesa para o réu. Não é a opinião do juiz a respeito dos

fatos que conduz à dispensa da audiência de instrução e julgamento, mas a

completa inocuidade da prova oral para a solução da lide, quer porque a

discussão verse apenas sobre questão de direito, quer porque a matéria seja

daquelas que não se prove por meio de testemunhas, quer porque, finalmente,

a questão a provar não possa ter influência sobre a solução da lide. Se a parte,

porém, alegou fatos relevantes que admitem prova por testemunhas, se pediu

o depoimento pessoal da outra parte, e este pode ter influência na solução do

litígio, não pode o juiz deixar de realizar a audiência, ainda que intimamente já

se considere convencido de qual seja a mais justa solução a ser dada à causa.

O princípio do contraditório de certo modo transcende o processo,

devendo constituir-se, para nós, em regra de pensamento e de conduta,

26

especialmente no plano político. Devemos rejeitar todo fanatismo, que se

caracteriza exatamente pela incapacidade de ouvir os contrários e de ver o

avesso das coisas.

1.1. 5 – Princípio da igualdade

Do art. 5o, caput da Constituição brota o princípio da igualdade

processual. As partes e os procuradores devem merecer tratamento igualitário,

para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas

razões.

No entanto, a igualdade jurídica não pode eliminar a desigualdade

econômica. Segundo Cintra, Grinover E Dinamarco (2000), hoje, na

conceituação positiva da isonomia – iguais oportunidades para todos a serem

propiciadas pelo Estado – realça-se o conceito realista, que pugna pela

igualdade proporcional, que significa tratamento igual para os

substancialmente iguais.

“A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e

fora do processo, obedece exatamente ao princípio da

igualdade real e proporcional, que impõe tratamento

desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as

diferenças, se atinja a igualdade substancial.” (Grinover &

Dinamarco, 2000, p. 54)

27

No processo civil, encontramos prerrogativas concedidas à Fazenda e

ao Ministério Público, instituídas com vistas ao interesse público e em razão da

natureza e da organização do Estado.

É delicada a tarefa de equilibrar processualmente os litigantes. Por

isso, as prerrogativas não devem extrapolar o estritamente necessário para

restabelecer o equilíbrio.

1.1. 6 – Princípio do devido processo legal

O art. 5º , LIV, da Constituição estabelece: "ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Conforme Carlos Roberto de Siqueira Castro (1989, p. 42), o princípio

permite que o Judiciário negue aplicação a leis injustas, mesmo que de direito

material. O "devido processo legal" opera em íntima associação com outros

princípios supralegais, notadamente o da legalidade, o da igualdade e o da

ampla defesa, e contém, ao lado de dimensão adjetiva, indicada por sua

própria denominação, outra, mais importante, substantiva, que permite ao juiz,

tomando por paradigma a denominada jurisprudência construtiva, entrar no

mérito dos atos administrativos e mesmo legislativos, pondo em questão sua

"razoabilidade".

O princípio devido processo legal atua tanto no âmbito material de

proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar ao

indivíduo paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de

defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de

produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente,

aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).

28

O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o

contraditório.

Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de

condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos

tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se

entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da

ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a

todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa a opor-se ou

dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer um

interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor(MORAES, 2000, p. 113).

1.1. 7 – Princípio da publicidade

Está expresso no art. 93, IX, da Constituição: "Todos os julgamentos

dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as

decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir,

limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus

advogados, ou somente a estes". De outro lado, o art. 5º , LX, estabelece: " A

lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da

intimida- de ou o interesse social o exigirem" (BRASIL, 1988, p.64, p.10).

O princípio da publicidade vige, no Brasil, desde a Lei de 18-9-1818,

que organizou o Supremo Tribunal de Justiça. Antes, vigorava o direito

português, fundado no princípio do segredo. Na França, as deliberações dos

órgãos colegiados são secretas e os juízes até juram manter o sigilo. Nas

decisões não se deixa transparecer a existência de eventuais votos

discordantes. Também nos países anglo- saxões as deliberações são secretas,

mas se admite a publicação de dissenting opinions.

29

O princípio da publicidade se coordena com o da persuasão racional,

porque a publicidade dos julgamentos envolve a publicidade de seus

fundamentos. A oposição se faz com os julgamentos secretos e imotivados.

Também a fundamentação, a que se refere o art. 93, IX, é a

contemporânea do ato: a que efetivamente determina a decisão. A

fundamentação que se agregue a um ato já praticado pode ser uma

explicação, mas não é fundamentação.

Segue-se, daí, que a fundamentação feita oralmente, em público, na

sessão de julgamento, atende ao princípio do art. 93, IX. A redução a escrito

dos motivos é, porém, exigível, existindo grau superior de jurisdição a que se

deva explicação da decisão tomada.

Conforme Humberto Theodoro Júnior (1985, p. 40), "o princípio da

publicidade obrigatória do processo pode ser resumido no direito à discussão

ampla das provas, na obrigatoriedade de motivação da sen- tença, bem como

na faculdade de intervenção das partes e seus advogados em todas as fases

do processo.”

Como se vê este princípio muito se aproxima e até mesmo se

entrelaça aos do devido processo legal e do contraditório. Na prática,

constituem violação ao princípio da publicidade do processo: a) a concessão

de medidas liminares em possessórias, mediante justificação testemunhal

realizada sem citação prévia do réu; h) autorização para levantamento da

penhora ou arresto sem prévia audiência do credor; c) a realização de praças e

leilões, sem regular divulgação dos competentes editais; ou fora dos locais e

horários constantes dos editais; ou, ainda, sem a intimação pessoal do

devedor; d) a autorização ao inventariante para alienar bens do espólio sem

prévia audiência dos demais sucessores, etc.

30

A presença da imprensa, especialmente da televisão e do rádio, fica

sujeita ao poder de polícia da autoridade judiciária, que pode, inclusive, proibir

transmissão ao vivo, com base no interesse público, defesa da intimidade ou

interesse social.

Assim como o princípio do contraditório, também o da publicidade

transcende o processo: o acesso às fontes de conhecimento deve ser livre.

1.1. 8 – Princípio da motivação das decisões judiciais

O art. 93, IX, da Constituição estabelece que todas as decisões dos

órgãos do Poder Judiciário devem ser fundamentadas. Significa isso que o juiz

deve não só decidir racionalmente, mas também tornar público o seu

raciocínio, submetendo-se, assim, à crítica da comunidade.

Adota-se, pois, o sistema da persuasão racional, ficando afastados o

sistema da livre convicção (ou da íntima convicção), bem como o das provas

legais.

Na linha de pensamento tradicional a motivação das decisões judiciais

era vista como garantia das partes, com vistas à possibilidade de sua

impugnação para efeito de reforma. Era só por isso que as leis processuais

comumente asseguravam a necessidade de motivação (CPP, art. 381; CPC,

art. 165 c/c art. 458; CLT, art. 832).

Mais modernamente, foi sendo salientada a função política da

motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não são apenas as partes

e o juiz competente para julgar eventual recurso, mais quisquis de populo, com

a finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade de juiz e a legalidade e

justiça das decisões.

31

1.2 – Função social do processo

Função social pode ser entendida como o resultado que se pretende

obter com determinada atividade do homem ou de suas organizações, tendo

em vista interesses que ultrapassam os do agente. Pouco importa traduza essa

atividade exercício de direito, dever, poder ou competência. Relevantes serão,

para o conceito de função, as conseqüências que ela acarreta para a

convivência social. O modo de operar, portanto, não define a função, qualifica-

a.

A palavra função, no campo do direito, adquiriu relevância com o

chamado Estado de Direito Democrático. A igualdade essencial de todos os

homens -postulado básico da democracia - implica a resultante, necessária, de

que todo poder humano é fruto de outorga, formaliza-se como competência e

efetiva-se como serviço. Esse pensamento representou um ganho no esforço

civilizador de eliminar da convivência social toda e qualquer forma de arbítrio.

Nosso século transportou para a área privada reflexão que fora feita

para o setor público. Passou-se a falar em função social da propriedade,

função social da empresa, função social do capital etc. Não é apenas o agente

público que deve exercitar os poderes que lhe são reconhecidos como dever

de servir nos limites da outorga que lhe foi conferida, também aos agentes

privados se interdita o exercício das faculdades que decorrem da liberdade que

lhes é reconhecida e assegurada de modo a determinarem um desserviço aos

interesses sociais.

32

Para o professor J.J. Calmon de Passos 1 (2002, p.6), esse novo

cuidado com a função social do agir humano é conseqüência de uma reação à

visão nova que o iluminismo introduziu na cultura ocidental - a

descentralização do indivíduo em face da sociedade. A modernidade se

contrapôs, de forma radical, ao comunitarismo da Idade Média e da

Antigüidade, mesmo clássica, sem se retornar à velha absorção do indivíduo

pela sociedade, buscou-se definir limites à autonomia privada, com vistas a

preservar a convivência social desejável. A ênfase dada à racionalidade

individual e conseqüente autonomia do agir humano, que embasaram o

liberalismo político e o liberalismo econômico, provocou disfuncionalidades que

o originaram a chamada questão social e provocaram, com seu absolutismo, a

reflexão que levou à antítese das concepções coletivistas, cuja síntese foi o

pensamento social-democrático, matriz da elaboração a teórica da função

social dos direitos subjetivos, públicos ou privados.

De quanto dito, conclui-se que, se no âmbito do direito público o poder

existe nos limites da outorga, por conseguinte, estritamente em termos de

competência, tudo o mais lhe sendo vetado, no campo da autonomia privada é

o inverso que ocorre, legitimado o sujeito de direito a explicitar sua liberdade

com amplitude, salvo os limites e obstáculos postos expressamente pela lei. O

termo função social, consequentemente, no âmbito do direito privado, só

comporta concreção de seu conteúdo mediante uma formulação negativa.

Impossível dizer-se, satisfatoriamente, qual seja a função social de qualquer

indivíduo ou organização, traçando-se-lhes exaustivamente o seu agir, ou

simplesmente se enunciando princípios, por mais numerosos e genéricos que

sejam. Só negativamente é possível delimitar-se o espaço da função social do

agir do homem ou de sus organizações. Enquanto liberdade, poder de atuar

1 Advogado e consultor jurídico em Salvador (BA), coordenador da

Especialização em Direito Processual da Universidade Salvador (UNIFACS),

professor catedrático de Direito Processual da Universidade Federal da Bahia

(aposentado).

33

sobre as coisas e sobre outros homens, o homem não tem limites intrínsecos,

salvo os naturais. Limitar a liberdade, o poder em que ela se traduz, é torná-la

função, vinculá-la a determinados objetivos, pelo que lhe são postos limites. A

função social é, assim, menos o que a atividade deve proporcionar que aquilo

que ela não pode produzir, por lhe ter sido interditado.

Em termos de direito público, é da sua própria essência que todo e

qualquer direito ou poder seja exercido no interesse coletivo, pelo que lhe seria

conatural uma função social como motivo e não como limite. Isso posto, definir

a função social de uma função pública é, em verdade, traçar-lhe o espaço que,

no universo do interesse coletivo, lhe é particularmente reservado. Muito mais

delimitação que definição.

No vasto campo das funções públicas, o que se reserva como função

social para o processo? Para respondermos a ela teremos ainda que

perguntar: de que processo cuidamos. A resposta esclarecedora é a de que

apenas trataremos do processo de produção do direito, particularmente

daquele processo de produção do direito que oferece como produto uma

decisão judicial.

O Direito se faz necessário como técnica civilizadora da solução dos

conflitos inevitáveis que decorrem da convivência humana. As causas desses

conflitos podem ser aqui descuradas, visto como nos basta, para o fim que nos

propomos, a certeza de que há conflitos reclamando composição e que essa

composição, para ser frutuosa, deve ser decisão de terceiro, estranho ao

conflito, e decisão com força de submeter os contendores, à revelia de suas

vontades, ou seja, decisão de conflito por quem investido de poder político.

Fundamental para nossa reflexão atentarmos para o fato de que a

convivência humana não se dá em termos de uma "ordem" predeterminada e

necessária, antes se revelando, mas como algo construído pelo homem,

motivadas por uma complexa gama de interesses, insuscetíveis de serem

34

colocadas geneticamente como disciplinados pelo Direito, mas apenas

suscetíveis de se inserirem em seu espaço regulador em termos de

conseqüências, na medida em que configurarem um conflito irresolvido

socialmente. Isso nos autoriza a concluir que o Direito não está na matriz do

comportamento humano, pelo que ele é apenas um espaço da ética, não a

própria ética, que o ultrapassa e inclui. Assim sendo, ao Direito não cabe a

função de informar e conformar o comportamento humano, em sua dimensão

social, sim e exclusivamente a função de solucionar os conflitos que decorram

dessa convivência e escapem à composição pelos próprios interessados. Essa

função ele a cumpre de dois modos; colocando expectativas compartilháveis,

que permitam um mínimo de previsibilidade de como serão compostos os

conflitos que vierem a se instaurar na convivência social (o denominado direito

material) e definindo o modo pelo qual os interessados e os agentes públicos

devem atuar para solução dos conflitos de interesses não compostos ou

insuscetíveis de ser compostos pelos próprios interessados (o denominado

direito processual). Nessa perspectiva, distinguiu-se o processo legislativo do

processo jurisdicional, delimitada a função de cada qual deles no espaço

amplo da disciplina da solução dos conflitos, específica do Direito.

O Estado contemporâneo, por força de seu intervencionismo e em

decorrência da crescente “juridicização” da convivência humana, tornou-se,

também, regulador de ampla área da vida social, maxime em sua dimensão

econômica. Chegou-se a falar em direito promocional e sanções premiais, no

qual a função de solução de conflitos quase se deixava superar por esta outra

dirigente e direcionadora, mediante estímulos ou imposições. Assim, ao lado

da função de solução de conflitos haveria a de implementação de decisões

políticas voltadas para a implementação de comportamentos sociais, ora

prevalecendo uma, ora outra.

Essa mudança de enfoque, se verdadeira, em nada alcançou o

fundamental da teoria da democracia, ou do Estado de Direito. Permaneceu

válido o princípio de que à função legislativa, eminentemente política, cumpre

35

definir diretrizes, princípios e regras e formular planos a que se submete a

atividade dos agentes públicos, que só podem o que a lei lhes confere ou

atribui, o que vale, por igual, para os magistrados enquanto órgãos de uma das

funções do Estado - a jurisdicional. Assim, inexiste uma vontade política a par

e ao lado daquela operacionalizada pelos órgãos integrantes da função

legislativa, únicos constitucionalmente autorizados para formular políticas. Os

três poderes, harmônicos, no sentido de que convergem, mas independentes,

porque autônomos em suas funções, implementam uma vontade política única,

aquela formalizada em termos de princípios e regras, planos e projetos só

implementáveis se sacramentados pela lei (em sentido lato equivalente a

Direito ) atendido o processo constitucionalmente previsto para sua

formulação.

O alargamento que se deu em termos de funções do Estado não

importou em alteração substancial da função de julgar, voltada ainda e

exclusivamente para a solução dos conflitos, apenas enriquecido esse universo

dos conflitos, antes juridicamente impossíveis de configuração, entre os

sujeitos de direito em geral e os agentes públicos, limitados, agora, pela lei, por

conseguinte suscetíveis de serem questionados perante o Poder Judiciário.

Não se institucionalizou, por força disso, um Poder que aos demais se

sobrepôs, porque também ele se colocou sob o império da lei e suscetível de

deslegitimação pelos demais Poderes e pela vontade soberana do povo.

Nenhuma limitação, portanto, em termos de definição política, sofreu a

função legislativa, que permaneceu como a única forma legitimada de

formalização da vontade geral, democraticamente expressa e

institucionalizada. A novidade foi a atribuição dessa função, com maior ênfase,

a agentes executivos e judiciários em dimensão diversa da anterior e com

alcance diferenciado.

36

Nesse sentido, o processo é um instrumento, um meio. O processo é

algo que integra o próprio Direito, tem com ele uma relação substancial, não

instrumental. Sem o processo, não há Direito.

Desta forma, podemos dizer que o processo integra o Direito a medida

que sem aquele não temos este. A função social do processo seria a produção

efetiva dos Direitos, pois de nada adiantaria termos enunciados se não

tivéssemos uma via garantidora de sua produção.

A partir a década de 80, os juristas passaram a repensar o Direito,

reconhecendo a organização e procedimento como direitos fundamentais.

Segundo Canotilho 2:

“Para os direitos fundamentais poderem desempenhar a

sua função na realidade social eles necessitam, não

apenas de uma normação intrinsecamente densificadora,

mas também de formas de organização e regulamentação

procedimental apropriada.

Por sua vez, os direitos fundamentais influem no direito

da organização e no direito de procedimento. Esta

influência verifica-se não apenas nos direitos

especificamente procedimentais, mas também nos direito

materiais.” (1990, p. 151)

2 Canotilho, em tópicos de um Curso de Mestrado sobre direitos fundamentais que ministrou,

em 1990, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, justamente sobre Direitos

fundamentais, procedimento, processo e organização, assevera que o impulso decisivo para o

procedimento e a organização abandonarem o estatuto de "estrangeiros" na "cidade

constitucional" foi dado por Konrad Hesse, em trabalho que apresentou, em 1978, na IV

Conferência de Tribunais Constitucionais da Europa ao escrever, "no seu peculiar estilo,

plástico e incisivo".

37

Retomando Canotilho; num primeiro momento, lembra ele, a

preocupação foi a de "enunciar" os direitos fundamentais "garantísticos-

judiciais" e "garantísticos-processuais", mas os problemas de "organização" e

de "procedimento" ganharam progressivamente o caráter de direito público

material e normativamente plasmados no direito constitucional. Se isso não

acontecera antes, expulsando-se as dimensões organizatória e procedimental

do âmbito da proteção dos direitos, liberdades e garantias (exceto quando se

tratasse de "direitos processuais" clássicos) só se pode explicar pela

incomunicabilidade que um setor da doutrina pretendeu estabelecer entre

"parte orgânica" e parte "subjetivo-relacional" da Constituição, entre um direito

constitucional material, ao qual pertenciam os direitos fundamentais, e o direito

objetivo organizatório, dentro do qual se inseriam os direitos procedimentais,

concebidos como integrando o direito constitucional organizatório ou direito

administrativo

Esta insulação deve ser superada e a idéia de procedimento se tornou

determinante na evolução do direito público na última década e a participação

procedimental passou, ela mesma, a ser um direito fundamental. A idéia de

procedimento fez-se indissociável dos direitos fundamentais, mas a

participação "no" e "através" do procedimento já não é tanto um instrumento

funcional da democratização, mas uma dimensão intrinsecamente

complementadora, integradora e garantidora do direito material. O direito

procedimental/processual não é apenas um meio adequado de realização de

um direito subjetivo material preexistente, pois a relação entre direito

processual/procedimental não se reduz a uma relação de meio/fim, antes se

reconduz a uma relação de integração!

CAPÍTULO I I

38

DA AÇÃO

2.1 – Conceito

Seguindo a teoria abstrata da ação, a ação é uma posição jurídica

capaz de permitir a qualquer pessoa a prática de atos tendentes a provocar o

exercício, pelo Estado, da função jurisdicional, existindo ainda que inexista o

direito material afirmado. Sendo assim, pode-se dizer que existe ação mesmo

que não estejam presentes as “condições da ação”, visto que estas são

requisitos de provimento final e a ação existe independente do preenchimento

destas.

Segundo o professor Alexandre Freitas Câmara (2000), a ação deve

ser encarada como poder jurídico e não direito subjetivo, pois entre o seu titular

e o Estado não há conflito de interesses. Além disso, o poder de ação não está

presente somente no ato de dar início ao processo, mas ao longo de todo o

processo, ora nos atos do demandante e ora nos do demandado. Para isto

basta pensar na interposição de recursos e na produção de provas. A ação,

sob esse prisma, seria o poder de exercer posições jurídicas ativas no

processo jurisdicional.

A ação tem inegável natureza , sendo um direito de natureza pública

que tem por conteúdo o exercício da jurisdição. A garantia constitucional da

ação tem como objeto o direito ao processo, assegurando ás partes não

somente a resposta do Estado, mas ainda o direito de sustentar as suas

razões, o direito ao contraditório, o direito de fluir sobre a formação do

convencimento do juiz, tudo através daquilo que se denomina tradicionalmente

devido processo legal .

39

A ação caracteriza-se como uma situação jurídica de que desfruta o

autor perante o Estado, seja ela um direito (direito público subjetivo) ou um

poder. Entre os direitos públicos subjetivos, caracteriza-se como direito cívico,

por ter como objeto uma prestação positiva por parte do Estado: a facultas

agendi do indivíduo é substituída pela facultas exigendi.

Seguindo a teoria abstrata, trata-se de direito ao provimento da

prestação jurisdicional, qualquer que seja a natureza deste – favorável ou

desfavorável, justo ou injusto –, existindo ainda que inexista o direito material

e, portanto, direito de natureza abstrata.

2.2 – Classificação da ação

A maioria dos doutrinadores classificam as ações em função do direito

substancial e em função do direito processual.

Em relação ao direito substancial existe a divisão clássica de ações

reais, pessoais e de estado (prejudiciais), no que concerne ao direito

reclamado; e ações mobiliárias e ações imobiliárias em relação ao bem

exigido.

Moacyr Amaral Santos (2002, p.20) ensina:

“As ações reais visam à garantia de um direito real. As

ações pessoais tendem à tutela de um direito pessoal, ou,

mais precisamente, o cumprimento de uma obrigação.

As ações prejudiciais tendem, pois, à tutela do estado de

família.

40

São mobiliárias as ações que versam sobre coisas

móveis; são imobiliárias as que versam sobre coisas

imóveis.”

No que e refere ao direito processual, os mestres usam como ponto de

referência, para a classificação, a natureza da tutela jurisdicional invocada 3.

Assim, a doutrina moderna admite, como cientificamente adequada, a

classificação da ação que leva em conta a espécie de tutela jurisdicional

pleiteada pelo demandante. Assim, teríamos as “ações de conhecimento

(cognitivas), de execução e cautelares”.

Para Humberto Theodoro Junior (2000), a ação de conhecimento é

aquela em que se pretende obter pronunciamento de uma sentença que

declare entre os contendores quem tem razão e quem não tem, o que se

realiza mediante determinação da regra jurídica concreta que disciplina o caso

que formulou o objeto do processo. Por isso, é comum a subclassificação

dessa espécie em declaratória, constitutiva e condenatória, de acordo com o

tipo de sentença pretendida pelo demandante.

De acordo com o professor José Carlos Barbosa Moreira (2001), a lei

processual regula a forma pela qual se realizam e se sucedem os atos

processuais. Na ação de cognição, ou melhor, no processo de cognição, a

forme varia em função de diversos fatores, podendo ser observado mais de um

procedimento.

Primeiramente, devemos distinguir o procedimento comum e os

procedimentos especiais. Se submetem ao procedimento comum todas as

causas para as quais a lei não prevê um procedimento especial. Por sua vez, o

procedimento comum pode ser ordinário ou sumário (art. 272, caput do Código

3 Corrente adota entre processualistas como José Carlos Barbosa Moreira (2001, p.8) e Humberto Theodoro Junior (2000, p.15).

41

de Processo Civil). Aqui também a linha divisória trata-se por exclusão, a lei

enumera taxativamente as causas em que se deve observar o procedimento

sumário, ora sob o critério do valor (art. 275, inciso I do Código de Processo

Civil), ora no da matéria (art. 275, inciso II do Código de Processo Civil).

A lei disciplina de forma exaustiva o procedimento ordinário. Quanto ao

sumário e aos especiais, limita-se a estabelecer os preceitos peculiares de

cada um, de modo a afastar o padrão apresentado pelo procedimento

ordinário. Por isso, as disposições relativas a este são subsidiariamente

aplicáveis às causas de procedimento sumário ou especial. Conclui-se, desta

forma, que comum é o procedimento ordinário, podendo o sumário ser incluído

entre os especiais.

Há ainda um outro procedimento realizado nos Juizados Especiais

Cíveis e Juizados Especiais Federais: o sumaríssimo, o qual é disciplinado

pela Lei n.º 9.099, 26.set.1995 e Lei 10.259, 12.jul.2001.

Por outro lado, segundo Liebman (1985) a ação de execução é aquela

em que se pretende do Estado a realização de atos através dos quais

exterioriza a atuação da sanção; sob o impulso da ação executiva, o órgão

jurisdicional põe suas mãos no patrimônio do devedor e satisfaz o direito do

credor com os bens que ali se encontram.

José Carlos Barbosa Moreira (2001, p. 8) entende que:

“enquanto o processo de conhecimento visa à

formulação, na sentença definitiva, da regra jurídica

concreta que deve disciplinar a situação litigiosa, outra é

a finalidade do processo de execução, a saber, atuar

praticamente aquela norma jurídica concreta. Bem se

compreende que seja diversa a índole da atividade

jurisdicional realizada num e noutro processo. No de

42

conhecimento, ela é essencialmente intelectiva, ao passo

que no execução se manifesta, de maneira

preponderante, através de atos materiais, destinados a

modificar a realidade sensível, afeiçoando-a, na medida

do possível, àquilo que, segundo o direito, ela deve ser.”

A execução pode basear-se em título judicial, o que ocorre quando

pressupõe processo de conhecimento, ou em título extrajudicial a que a lei

confira tal eficácia.

Por fim, há a ação cautelar cuja finalidade, segundo a concepção

clássica, é assegurar, na medida do possível a eficácia prática de providências

quer cognitivas, quer executivas. Assim, tem função meramente instrumental

em relação às duas outras espécies de processo, e por seu intermédio exerce

o Estado uma tutela jurisdicional mediata.

CAPÍTULO III

DOS LEGITIMADOS A REPRESENTAR AS PARTES

EM JUÍZO

43

3.1 – Do advogado

O art. 133 da Constituição (BRASIL, 1988) estatui: "O advogado é

indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e

manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

Segue-se daí que a jurisdição não pode ser exercida sem que as

partes sejam representadas ou assistidas por advogado.

Vedada a defesa privada, o acesso à justiça afirma-se como direito

fundamental. Proibida a parte de, com suas próprias mãos, esmagar o ofensor,

concede-se-lhe, em substituição, o direito de ação. Dá-se um novo passo

quando se exige advogado, de certo modo subtraindo-se à parte o próprio

direito de ação, que não pode exercê-lo pessoalmente, mas apenas através de

profissional habilitado.

Para que se possa dispensar o advogado, é necessário que o

processo seja simples, mas não se pode ter simplicidade processual numa

sociedade complexa. É irreversível a substituição da bucólica vida do campo

pela vida trepidante das cidades. lrreversível é a substituição do mago,

feiticeiro ou curandeiro, com suas ervas, invocações e preces, pelo aparelho

médico, com seus hospitais, corpos de cirurgiões, raios X e raios laser,

antibióticos e exames laboratoriais.

A simplificação processual somente é possível com o sacrifício do

sistema acusatório, ou seja, com a adoção do sistema inquisitório, em que não

há autor, bastando que o interessado dê notícia do ilícito à autoridade

judiciária, para que esta possa mover-se. A ação deixa de ser uma atividade

para se transformar num mero ato. A História, porém, tem mostrado que, por

essa via, se defere aos juízes terrível arbítrio, em detrimento dos direitos

individuais.

44

Exigida a representação do autor por advogado legalmente habilitado,

põe-se o problema do acesso à justiça, negado a uns em razão de sua

pobreza e a outros, pobres ou não, em razão do pequeno valor da causa.

O problema se tornou agudo, agora que nos deparamos, na América

Latina, com as grandes concentrações urbanas, em que se encontram, de um

lado, a favela e, de outro, a empresa, que, em massa, produz bens ou presta

serviços.

O fenômeno provocou impacto na advocacia. Os advogados, uns se

tornaram servidores públicos, advogados de ofício, assistentes judiciários,

defensores públicos, advogados da pobreza em suma. Outros foram

absorvidos pelas empresas, de que se tornaram empregados. Apenas um

reduzido número pôde conservar a sua posição tradicional, de profissionais

liberais, não raro peleando como pigmeus contra gigantescas organizações

econômicas ou estatais. Estes, porém, não podem, com remuneração vil,

patrocinar ninharias; daí haver a lei ordinária admitido a reclamação pessoal,

nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, por dispositivo de duvidosa

constitucionalidade (Lei n. 9.099/95, art. 8º, § 2o.)

A advocacia da pobreza se desenvolve sobretudo no direito penal e no

direito de família. No cível, é menos necessitada a presença do advogado,

porque, de uma forma geral, a resolução de conflitos provenientes de contratos

e dívidas são de valores inferiores a 20 (vinte) salários mínimos que são de

competência do Juizado Especial Cível e facultativa a contratação do

profissional habilitado.

O acesso à justiça é um bem que a ninguém se deve negar. Trata-se,

contudo, de um bem que tem o seu preço, que é pago pelos próprios

interessados ou pela sociedade, através de impostos, e não se compreende

que deva pagá-lo a sociedade se não o querem pagar os próprios

interessados, por entenderem que não vale a pena.

45

A banalização da justiça não é desejável. Produziria a intervenção do

Estado em todos os aspectos das relações sociais. A sociedade precisa ter

uma certa capacidade de auto-absorção dos conflitos, sem interferência do

juiz. Não se justifica a movimentação da máquina judiciária por uma camisa

que não foi bem lavada na lavanderia. Não parece desejável que se tenha um

tribunal em cada esquina.

Ao pobre, que não tem o que comer e onde morar, devemos oferecer

oportunidade de trabalho, para que possa ter alimento e habitação, não

advogados e tribunais.

A atuação do advogado não se vincula apenas ao direito de ação, mas

também ao direito de defesa e ao princípio do contraditório. O entrechoque das

parcialidades é de algum modo necessário para a imparcialidade do órgão

judicante.

A justificação da exigência de advogado para o exercício do direito de

ação não se estende ao direito de defesa, pois há entre ambos uma diferença

fundamental: o autor é autor porque quer; réu ninguém quer ser. E constitui um

contra-senso negar-se à parte o direito de defesa.

3.2 – Da Defensoria Pública

Para garantir o acesso à justiça aos necessitados de recursos a

Constituição responde com o artigo 5º , LXXIV. Advogados funcionários

remunerados pelos cofres públicos, Defensores Públicos, patrocinam as

causas em que são partes os carentes.

46

Em 1988, a “Constituição Cidadã” amplia o conceito de assistência

jurídica gratuita, que passa a integrar o “rol” dos direitos e garantias

fundamentais do cidadão, devendo ser prestada pela Defensoria Pública,

instituição essencial à função jurisdicional do Estado.

Os dispositivos constitucionais (BRASIL,1988, p.11, p.79) que estão

relacionados à atuação da Defensoria Pública são os seguintes:

Art. 5º (...)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,

e aos acusados em geral são assegurados o contraditório

e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele

inerentes.

(...)

LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e

gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

[...]

Art. 134 – A Defensoria Pública é instituição essencial à

função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a

orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos

necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

Parágrafo único. Lei complementar organizará a

Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos

Territórios e prescreverá normas gerais para sua

organização nos Estados, em cargos de carreira,

providos, na classe inicial, mediante concurso público de

provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia

da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia

fora das atribuições institucionais.

47

Em 1994, a Defensoria Pública da União foi organizada, pela Lei

Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, incluindo os seguintes órgãos:

Defensoria Pública-Geral da União, Subdefensoria Pública-Geral da União,

Conselho Superior da Defensoria Pública da União, Corregedoria-Geral da

Defensoria Pública da União, Defensorias Públicas da União nos Estados e no

Distrito Federal, com seus respectivos núcleos.

Em 1995, a Defensoria Pública da União foi implantada, em caráter

emergencial e provisório, se organizando em diversos Estados e Distrito

Federal.

A cidadania pressupõe o exercício pleno de um sistema de direitos e

garantias previstos na Constituição Federal de 1988 e na legislação

infraconstitucional. Para a defesa e garantia de direitos, a sociedade necessita

de instrumentos, colocados à sua disposição, não apenas no âmbito legal, mas

também em relação a sua operacionalização. Nesse sentido, a Defensoria

Pública representa um instrumento para a conquista da cidadania e de direitos.

A atuação da Defensoria é ampla e enseja a criação de uma

consciência coletiva de cidadania.

A garantia individual e coletiva de assistência jurídica gratuita à

população necessitada, estabelecida na Constituição Federal, foi uma das

conquistas sociais resultantes do processo de participação popular que ocorreu

na Assembléia Nacional Constituinte.

É nesse quadro de novo conceito de cidadania e do Estado

Democrático de Direito que a defesa jurídica se tornou instituição essencial à

função jurisdicional do Estado.

A democratização da Justiça assume importância vital na garantia do

valor universal da Justiça Social. Genericamente, pode-se afirmar que, para a

48

maioria da população brasileira, a Justiça é um tabu, algo muito distante e

inacessível. De fato, várias questões acabam por levar o cidadão a

desacreditar na Justiça, ou seja, no espaço institucionalizado para dirimir

conflitos. Dentre essas questões, destaca-se que para o cidadão ingressar com

ações na Justiça, reivindicando direitos ou se defendendo, deve possuir meios

financeiros para custear um advogado. Nesse sentido, o movimento de acesso

à Justiça promovido pela Defensoria Pública tem apresentado uma importante

expressão na transformação do pensamento jurídico e das reformas

normativas e institucionais.

No Estado do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública foi pioneira, tendo

surgido na década de 50 como Assistência Judiciária. Instituída na Emenda

Constitucional nº 37/87 promulgada em 22 de julho de 1987, tem sua estrutura

organizacional disposta na Lei nº 1.490 de 30/06/89 e Decreto nº 13.351 de

15/08/89.

Os defensores fluminenses lutam pelos direitos dos cidadãos,

orientando-os, promovendo acordos ou defendendo-os em processos judiciais.

Representando 70% das ações nas varas e tribunais do

Estado, a Defensoria Pública atua nas áreas criminal,

cível e de família e de órfãos e sucessões, junto ao

judiciário, e possui núcleos próprios para primeiro

atendimento, distribuídos por regiões, e núcleos

especializados na defesa do consumidor, da criança e do

adolescente, do idoso, da mulher e em assuntos

fundiários. Dentre as ações jurídicas em que a Defensoria

mais frequentemente atua estão: defesa criminal,

divórcio, separação judicial, pensão alimentícia,

49

investigação de paternidade, responsabilidade civil e

regularização de terras e imóveis. 4

No entanto, a nível nacional, a atuação da Defensoria Pública é pouco

significativa.

Segundo dados do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -

o Brasil tem hoje cerca de 12% de sua população constituída de "pobres

indigentes", o que significa 16,6 milhões de pessoas! Esse número assustador

se multiplica calamitosamente se tivermos em vista que a clientela potencial

das defensorias públicas é composta pela faixa da população que não pode

arcar com as despesas de contratação de um advogado.

Recorde-se mais que as questões do menor, da população carcerária,

das pequenas causas, do consumidor lesado, além de outras, também

deveriam passar pela Defensoria Pública, pois estão incluídas no elenco das

suas funções institucionais (art. 4º., da L.C. Nº. 80/94).

Sem embargo das iniciativas governamentais para tentar reverter esse

quadro de falência do Poder Judiciário, como por exemplo a edição da Lei Nº.

9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais

Cíveis e Criminais para pequenas causas, até agora não se conseguiu

implantar a Defensoria Pública, com seus quadros, infra-estrutura e

remuneração condizentes com as demais funções essenciais à Justiça, o que

repercute diretamente nos Estados da Federação, comprometendo toda a

estrutura judiciária.

4 Dados extraídos do sítio a Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro. Disponível

em: <http://www.dpge.rj.gov.br/pg_instituição.htm>. Acesso em: 23 jun. 2005

50

Essa realidade atesta que, no Brasil do fim do segundo milênio, o

direito fundamental de acesso do pobre à Justiça foi apenas proclamado. Para

torná-lo efetivo basta vontade política.

Enquanto o crime organizado e a violência vão tomando conta dos

grandes centros urbanos e particularmente das penitenciárias e delegacias

abarrotadas, o Estado se omite mesmo tendo à mão um instrumento de amplo

alcance social, como as defensorias públicas, que poderiam ser um aliado

eficaz na reversão dessa perspectiva sombria.

Transcorrida mais de uma década desde a promulgação da

"Constituição Cidadã", o Estado se recusa a assumir o pragmatismo

indispensável à viabilização da cidadania plena, principal alicerce do regime

democrático. O sentimento de frustração e descrédito prolifera nas camadas

mais pobres, motivando a solução marginal de conflitos de interesses.

Corremos o risco de, ao despertarmos para a nossa dura realidade, termos

perdido um tempo irrecuperável.

3.3 – Do Ministério Público

Com a restauração de franquias democráticas após a Constituição

Federal de 1988, muito apropriadamente denominada de "Constituição

Cidadã", fortaleceu-se a posição do Ministério Público, considerado agora

como “instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado”,

com atribuições e garantias integrantes do próprio texto da Carta Magna

(Seção I, Capítulo IV, Artigos 127 e seguintes) destinado às funções essenciais

à Justiça.

Com a promulgação da Carta Constitucional de 1998, o Ministério

Público emergiu sob o signo da legitimidade democrática. Ampliaram-se-lhe a

fisionomia institucional; conferiram-se-lhe os meios necessários à concessão

51

de sua destinação constitucional atendendo-se, finalmente, a antiga

reivindicação da própria sociedade. O Ministério Público é agora, no Brasil,

instituição autônoma, que não integra o Poder Judiciário embora desenvolva as

suas funções essenciais, primordialmente, no processo e perante os juízos e

tribunais.

O legislador constituinte instituiu um sistema de garantias destinado a

proteger o membro da Instituição – Promotores e Procuradores de Justiça -,

cuja atuação independente configura a confiança de respeito aos direitos,

individuais e coletivos, e a certeza de submissão dos Poderes à lei, já que o

Ministério Público não constitui órgão ancilar do Governo.

A independência institucional do Ministério Público, que constitui uma

de suas expressivas prerrogativas, garante-lhe o livre desempenho, em toda a

sua plenitude, das atribuições que lhe foram conferidas.

Cumpre, por isso mesmo, neste expressivo momento histórico refletir

sobre a natureza da missão institucional do Ministério Público que, agora,

emerge para a experiência concreta de uma vida democrática.

Para os professores Cintra, Grinover e Dinamarco (2000, p.209),

“o Estado social de direito se caracteriza pela proteção ao

fraco (fraqueza que vem de diversas circunstâncias, como

a idade, estado intelectual, inexperiência, pobreza,

impossibilidade e agir ou compreender) e aos direitos e

situações de abrangência comunitária e portanto

transindividual, de difícil preservação por iniciativa dos

particulares. O Estado contemporâneo assume por

missão garantir ao homem, como categoria universal e

eterna, a preservação de sua condição humana, mediante

o acesso aos bens necessários a uma existência digna –

52

e um dos organismos de que dispõe para realizar essa

função é o Ministério Público, tradicionalmente apontado

como agente estatal predisposto á tutela de bens e

interesses coletivos ou difusos.”

Além da exclusividade da Ação Penal Pública, da postulação em favor

dos órfãos, interditos e ausentes e da função de fiscal da lei ("custos legis"),

cabe-lhe agora o poder-dever da defesa da ordem democrática, da ordem

jurídica, do patrimônio público e meio ambiente, do consumidor, da criança e

do adolescente, o controle externo da atividade policial e o respeito dos

poderes públicos ao Cidadão. Assim, o Ministério Público está qualificado

como agente institucional para promover o que for necessário para a defesa

dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, que

dantes costumavam ficar à margem da apreciação do Judiciário, vez que a

Ação Popular, por suas limitações, não foi suficiente para reprimir as infrações

a esses direitos e interesses.

Mas a atribuição legal conferida ao Ministério Público comporta,

também, a atuação extra judicial. Nesse mister, tem legitimação para ingressar

com a Ação Civil Pública e a exclusividade de instaurar o Inquérito Civil, como

peça preparatória daquela Ação, toda vez que se fizer necessário recolher

provas e outras informações que a embasem. Ou, quando possível, para

solucionar a questão ainda nesta fase, através de Termo de Ajustamento de

Conduta, formalizado no curso do Inquérito Civil, e mediante o qual os

interessados compõem, perante o Promotor de Justiça, de modo a se

obrigarem a cumprir o que determina a Lei, ou se absterem de prática lesiva ao

direito ou interesse protegido, e ainda, a repararem as conseqüências de lesão

já consumada, restaurando a integralidade do direito. Ademais, incumbe-lhe

agora, por Lei, o atendimento a qualquer do povo, tomando as providências

cabíveis, o que consolida uma função que já vinha exercendo de há muito em

progressão constante, por persistente e espontâneo apelo popular, em face

53

dos vazios deixados por seculares e crescentes omissões, subterfúgios e

abusos, de feição política, social, econômica e legislativa.

Hoje, o Ministério Público não atua apenas como custus legis (fiscal da

lei). A ruptura do Ministério Público com os conceitos tradicionais do passado

impõe-se, hoje como decorrência de novas exigências ético-políticas a que

essa instituição deve, por um imperativo democrático, submeter-se e, também,

em face da reformulação a que foi submetida no plano constitucional.

Esse novo perfil institucional traduz, de modo expressivo, um dos

aspectos mais importantes da destinação constitucional do Ministério Público,

agora investido, por efeito de soberana deliberação da Assembléia Nacional

Constituinte, da inderrogável atribuição de velar pela intangibilidade e

integridade da ordem democrática.

Assim, o Ministério Público não deverá mais só considerar, no

desempenho de suas relevantes funções, aspecto formal ou exterior do direito

positivo. Mais importante, agora, torna-se o próprio conteúdo da lei, cujos

elementos intrínsecos não podem divorciar-se dos fatos sociais e do quadro

histórico em que a norma jurídica se formou.

A nova disciplina constitucional do Ministério Público redefiniu o

sentido e o caráter de sua ação institucional, para que nele se passe, agora, a

vislumbrar o instrumento de preservação de um ordenamento democrático.

A essencialidade dessa posição político-jurídica do Ministério Público

assume tamanho relevo que ele, deixando de ser fiscal de qualquer lei,

converte-se no guardião da ordem jurídica cujos fundamentos repousam na

vontade soberana do povo.

O tratamento dispensado ao Ministério Público pela nova Constituição

confere-lhe, no plano da organização estatal, uma posição de inegável

54

eminência em que se lhe conferiram funções institucionais de magnitude

irrecusável, dentre as quais avulta a de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes

Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta

Constituição, promovendo medidas necessárias a sua garantia(v. CF/88, art.

129, inciso II).

O Ministério Público em face dessa regra, tornou-se, por destinação

constitucional, o defensor do povo.

O novo perfil do Ministério Público, representa, portanto, resposta

significativa aos anseios e postulações dos que, perseguidos pelo arbítrio e

oprimidos pela onipotência do Estado, a ele recorrem, na justa expectativa de

verem restaurados os seus direitos.

CAPÍTULO IV

PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA O EXERCÍCIO DA

AÇÃO

Na concepção do professor Paulo Cesar Pinheiro Carneiro (1999)

acesso à justiça pressupõe a existência de sujeitos de direito, capazes de estar

em juízo, sem óbice de natureza financeira, desempenhando adequadamente

os instrumentos legais judiciais e extrajudiciais existentes, de sorte a

possibilitar, na prática, a efetivação dos direitos individuais e coletivos, que

organizam a sociedade.

Acesso à justiça não significa apenas a possibilidade de ingresso em

juízo. Para que haja efetivo acesso à justiça é necessário garantir que o maior

número de pessoas possa demandar e defender-se adequadamente. E isto

significa dizer que estas pessoas devem ter acesso à informação sobre seus

direitos, estar devidamente representados em juízo e utilizar o procedimento

55

processual adequado, sem que o custo financeiro destes mecanismos impeça

o direito de ação.

4.1 – A falta de aptidão para reconhecer direitos e propor uma

ação ou sua defesa

Grande parte da população não conhece e não tem condições de

reconhecer os seus direitos. Isto porque a “capacidade jurídica” pessoal é um

conceito importante na determinação de acessibilidade da justiça, pois se

relaciona com as vantagens de recursos financeiros e diferenças de educação.

(MAURO CAPPELLETTI, 1988).

Reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível não é

um problema apenas das camadas mais carentes a sociedade, mas de toda a

população em muitos tipos de conflito que envolvem direito.

A população, em geral, tem dificuldade para compreender as

normas jurídicas. As legislações sucedem-se de forma rápida e tornam-se a

cada dia mais herméticas, impedindo o acesso crítico à legislação e

distanciando as normas da realidade social.

Exemplo marcante dessa situação ocorreu com o reconhecimento

da aplicação de índices de correção monetária na conta de Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço (FGTS) pelos Tribunais Superiores: os sucessivos

56

desastres dos planos econômicos acarretaram perdas na ordem de 42,72% e

44,80% no período de dezembro de 1988 a maio de 1990 nas contas

vinculadas do FGTS. Parte da população informada ingressou em juízo para

reivindicar seus direitos, mas a maior parte da população brasileira só tomou

conhecimento disto em 2000, quando finalmente o Governo reconheceu a

procedência do pedido e editou a Lei Complementar n.º 110/2000 para

regulamentar a forma de pagamento das quantias devidas.

As pessoas percebem a existência de problemas, mas não

conseguem enquadrá-los como de natureza jurídica. Esta situação se agrava,

ainda, pela falta de assistência judiciária àqueles que são carentes de recursos

como àqueles que residem distante dos centros urbanos.

Em um país como o nosso, em desenvolvimento, o direito à

informação é um elemento tão importante como ter acesso a uma advogado

ou defensor, que esteja à disposição daqueles que, conhecedores dos seus

direitos, querem exercê-los. Àquele que não conhece seus diretos não tem

condições sequer de ser parte, tratando-se de pessoa absolutamente

marginalizada da sociedade. (PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO, 1999)

4.2 – A legitimação inadequada

57

Outro importante elemento para garantir a acessibilidade à justiça

está relacionado com a escolha das pessoas mais adequadas para a efetiva

defesa de direitos.

A legitimação da pessoa ou das pessoas mais adequadas para a

defesa de um direito, independente de qualquer natureza, possibilitará que ele

possa efetivamente ser reclamado, da melhor forma e com o melhor

desempenho.

Não podemos afirmar que o titular do direito material terá melhor

desempenho na defesa de direitos em geral, seja individual, seja coletivo.

No plano do direito individual, no qual a regra da legitimação do

titular do direito material prevalece, o adversário pode ter maior poder

econômico e estar melhor estruturado. Neste caso, o Ministério Público, se

estiver funcionando no processo, e o próprio juiz devem estar atentos ao

desempenho dos advogados das partes para, na medida do possível, evitar

que um desequilíbrio de desempenho, prejudicando o princípio da igualdade.

No plano da proteção aos direitos difusos e coletivos, o titular

individualmente considerado não é a pessoa mais adequada para sua defesa

em juízo, basicamente pelas mesmas razões acima mencionadas. Assim, a

antiga regra do artigo 6o do Código de Processo Civil, segundo a qual cada

qual só pode litigar para a defesa de seus próprios interesses, foi abalada pela

58

Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347, de 24.jul.1985, que permite ao

Ministério Público e às associações pleitear judicialmente em prol de interesses

coletivos ou difusos, assim como pela garantia constitucional do mandado de

segurança coletivo, que autoriza partidos políticos e entidades associativas a

defender os direitos homogêneos de toda uma categoria mediante uma só

iniciativa em juízo (artigo 5o, inciso LXX, V e XXI da Constituição Federal).

4.3 – A importância da utilização do procedimento adequado

O procedimento funciona como fator de coesão do sistema,

cooperando na condução do processo entre o Estado-juiz e as partes,

incluindo o Ministério Público aqui.

Como bem salienta Cândido Rangel Dinamarco (2000), em razão da

efetividade do processo, o procedimento há e aperfeiçoar-se às peculiaridades

de cada litígio, mediante aplicação do princípio da adaptabilidade. O que varia

é o grau de plasticidade, que deve ser o mais elevado possível para permitir

que pelos atos e fases do procedimento flua com eficiência e celeridade o

exercício correto da jurisdição, da ação e da defesa.

Para Dinamarco (2000, p. 291):

59

“Os procedimentos, em dada ordem processual, são

aqueles que a lei institui. É a lei, ainda, que dá a cada

procedimento que institui as destinações que entende.

Daí, todo o interesse pela adequação do procedimento,

que em primeiro lugar se põe o legislador, para as suas

determinações tomadas segundo critérios de

conveniência; depois ao demandante, para a escolha

correta no momento de vir a juízo; e finalmente ao juiz,

para o reconhecimento ou negação da correspondência

entre o procedimento indicado pelo demandante e o

correto.

Os procedimentos especiais são estabelecidos pela lei

processual, tendo em vista as peculiaridades dos litígios e

pautando-se por peculiaridades correspondentes a

elas.[...] Em muitos casos, no direito brasieiro tão rico em

procedimentos especiais, somente um incidente inicial é

que confere “especialidade” ao procedimento: ó o caso,

v.g. das liminares, visivelmente preordenadas à

efetividade do processo e do seu resultado; ou da

designação de dia e hora para pagamento ou depósito na

“ação” de consignação em pagamento, que é medida

destinada à tentativa de dar imediata efetividade ao intutio

de eliminar a mora accipiendi.”

Um caso destacado da efetividade dos procedimentos está na Lei

dos Juizados Especiais, os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade,

economia processual e celeridade constituem advertência ao juiz, para que

participe pessoal e intensamente da causa e da sua instrução e para que cuide

de emitir em breve tempo o provimento. O objetivo é a pacificação tão pronta

quanto possível para a menor duração do estado social de insatisfação.

60

A efetividade do processo está bastante ligada ao modo como se dá

curso à participação das partes e do juiz, garantindo a qualidade do produto

final do processo, ou seja, a vontade concreta do direito.

4.4 – O elevado custo do processo

Um dos entraves para um efetivo acesso à justiça encontra-se no

excessivo custo do processo.

Para tanto, basta pensarmos, por exemplo, no alto custo da prova

do “ADN” (ácido desoxirribonucléico), realizada em ações de investigação de

paternidade, tal prova é indispensável para a resolução do mérito da ação e,

sem dúvida, inviável para grande parte da população.

No Estado do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública foi inovadora ao

firmar um convênio com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e, através

do seu Instituto de Biologia, fazer exames de “ADN” (ácido

desoxirribonucléico), viabilizando a solução de conflitos antes mesmo que

venham a se constituir em procedimentos judiciais. Com isto, tenta-se reduzir o

61

acúmulo dos processos em curso no Judiciário e, especialmente, satisfazer,

em curto tempo, às necessidades básicas da cidadania 5.

Os honorários de advogado é outro agravante. Em alguns sistemas,

como o americano, o vencido não é obrigado a responder pelos honorários do

advogado da partes vencedora. Nos sistemas que trabalham com o ônus da

sucumbência, a menos que aquele que pretende propor uma ação esteja certo

de vencer, o risco é muito maior e pode inibir o litigante em potencial de

ingressar em juízo, já que, se vencido, além de arcar com os honorários de seu

advogado, terá que pagar os honorários do advogado da parte contrária.

(CAPPELLETTI, 1988)

Uma importante inovação neste campo se deve, mais uma vez, ao

Juizado Especiais. Nas demandas com valor da causa até 20 salários

mínimos, é facultativa a assistência por advogado (Lei n.º 9.099, 26 set. 1995,

art. 9o ) e nos Juizados Especiais Federais (Lei n.º 10. 259, de 12 jul. 2001, art.

10o) esta faculdade está presente nas ações de valor da causa até 60 salários

mínimos (o máximo permitido perante este procedimento).

É preciso que existam mecanismos para frear o abuso, inclusive de

natureza financeira, mas nunca desestimular o acesso inicial de quem tem

direito a discutir.

5 Informação obtida no sítio da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro.

Disponível em: <http://www.dpge.rj.gov.br/dna/defensorO.htm>. Acesso em: 23 jun. 2005.

62

4.5 – O moroso tempo do processo

Como bem ressalta Mauro Cappellet (1988, p.20), “em muitos

países as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou

três anos, ou mais, por uma decisão exeqüível”. E, infelizmente, o Brasil se

enquadra nesta situação.

Esta longa demora gera efeitos, dentro os quais, o aumento do

custo do processo, já que as partes são obrigadas a pagar advogado até o

final do litígio, bem como pressiona os economicamente fracos a abandonar

suas causas, ou aceitar acordos por valores muito inferiores ‘àqueles a que

teriam direito.

Para Luiz Guilherme Marione6 (1996, p.30), a universalização do

procedimento ordinário é uma das responsáveis pela lentidão da justiça,

juntamente com a estrutura do Poder Judiciário, afirmando que

“A lamentável confusão entre instrumentalidade do

processo e neutralidade do processo em relação ao

direito material, que conduziu à supressão das tutelas

diferenciadas, foi a principal responsável pelo

6 Luiz Guilherme Marioni é Professor Titular de Direito processual Civil na UFPR e advogado em

Curitiba.

63

estabelecimento do procedimento ordinário como o

procedimentno-padrão, que deveria ser capaz de atender

às diversificadas situações de direito substancial. Um

procedimento que desconsidera o que se passa nos

planos do direito material e da realidade social,

obviamente, não poderia propiciar uma tutela jurisdicional

efetiva, pois a efetividade da tutela jurisdicional depende

da predisposição de procedimentos adequados à tutela

dos direitos e somente é possível a construção de tutelas

jurisdicionais adequadas olhando-se de fora para dentro,

ou seja, a partir do plano de direito material.”

As partes não podem ser prejudicadas com o longo tempo do

processo se não são responsáveis pela má estrutura do Judiciário e pela falta

de efetividade do procedimento utilizado.

O incansável número de recursos cabíveis contra as decisões é

outra causa responsável pela lentidão do processo. A parte que se sentir

prejudicada contra uma sentença condenatória de primeira instância em

processo de conhecimento, por exemplo, tem a seu dispor recursos que lhe

garantam, no mínimo, dois a três para cumprir a decisão judicial.

A morosidade processual tem como principal conseqüência a

descrença da população no Judiciário. O cidadão comum tem direito a justiça

que lhe garanta resposta dentro de um prazo razoável, sob pena de se tornar

ineficaz.

64

Um importante avanço contra as práticas protelatórias se deu com a

Lei 9.756/98, a qual alterou o artigo 557, § 2o do Código de Processo Civil,

impondo multa, quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo.

Esta multa possui inquestionável função inibitória, eis que visa a impedir, nas

hipóteses referidas nesse preceito legal, o exercício irresponsável do direito de

recorrer, neutralizando, dessa maneira, a atuação processual do improbus

litigator. O exercício abusivo de recorrer e a litigância de má-fé. O Supremo

Tribunal Federal vem aplicando com freqüência este dispositivo em seus

julgados, conforme ementa transcrita abaixo7

RE 244893 AgR-ED / PR

EMB.DECL.NO AG.REG.NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO

Relator(a): Min. CELSO DE MELLO

Publicação: DJ DATA-03-03-00 PP-00080 EMENT VOL-

01981-13 PP-02602

Julgamento: 09/11/1999 - Segunda Turma

Ementa

E M E N T A: RECURSO MANIFESTAMENTE

INFUNDADO - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER -

IMPOSIÇÃO DE MULTA À PARTE RECORRENTE (CPC,

ART. 557, § 2º, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº

9.756/98) - PRÉVIO DEPÓSITO DO VALOR DA MULTA

COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DE NOVOS

RECURSOS - VALOR DA MULTA NÃO DEPOSITADO -

7 Ementa disponível no sítio do Supremo Tribunal Federal em

<http://www.stf.gov.br/jurisprudência.htm>. Acesso em: 24 fev. 2003.

65

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS.

MULTA E ABUSO DO DIREITO DE RECORRER. - A

possibilidade de imposição de multa, quando

manifestamente inadmissível ou infundado o agravo,

encontra fundamento em razões de caráter ético-jurídico,

pois, além de privilegiar o postulado da lealdade

processual, busca imprimir maior celeridade ao processo

de administração da justiça, atribuindo-lhe um coeficiente

de maior racionalidade, em ordem a conferir efetividade à

resposta jurisdicional do Estado. A multa a que se refere

o art. 557, § 2º, do CPC, possui inquestionável função

inibitória, eis que visa a impedir, nas hipóteses referidas

nesse preceito legal, o exercício irresponsável do direito

de recorrer, neutralizando, dessa maneira, a atuação

processual do improbus litigator. O EXERCÍCIO

ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER E A

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. - O ordenamento jurídico

brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado

ético-jurídico da lealdade processual. O processo não

pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito,

pois essa é uma idéia que se revela frontalmente

contrária ao dever de probidade que se impõe à

observância das partes. O litigante de má-fé - trate-se de

parte pública ou de parte privada - deve ter a sua conduta

sumariamente repelida pela atuação jurisdicional dos

juízes e dos tribunais, que não podem tolerar o abuso

processual como prática descaracterizadora da essência

ética do processo. O DEPÓSITO PRÉVIO DA MULTA

CONSTITUI PRESSUPOSTO OBJETIVO DE

ADMISSIBILIDADE DE NOVOS RECURSOS. - O

agravante - quando condenado pelo Tribunal a pagar, à

parte contrária, a multa a que se refere o § 2º do art. 557

66

do CPC - somente poderá interpor "qualquer outro

recurso", se efetuar o depósito prévio do valor

correspondente à sanção pecuniária que lhe foi imposta.

A ausência de comprovado recolhimento do valor da

multa importará em não-conhecimento do recurso

interposto, eis que a efetivação desse depósito prévio

atua como pressuposto objetivo de recorribilidade.

Doutrina. Precedente. - A exigência pertinente ao

depósito prévio do valor da multa, longe de inviabilizar o

acesso à tutela jurisdicional do Estado, visa a conferir real

efetividade ao postulado da lealdade processual, em

ordem a impedir que o processo judicial se transforme em

instrumento de ilícita manipulação pela parte que atua em

desconformidade com os padrões e critérios normativos

que repelem atos atentatórios à dignidade da justiça

(CPC, art. 600) e que repudiam comportamentos

caracterizadores de litigância maliciosa, como aqueles

que se traduzem na interposição de recurso com intuito

manifestamente protelatório (CPC, art. 17, VII). A norma

inscrita no art. 557, § 2º, do CPC, na redação dada pela

Lei nº 9.756/98, especialmente quando analisada na

perspectiva dos recursos manifestados perante o

Supremo Tribunal Federal, não importa em frustração do

direito de acesso ao Poder Judiciário, mesmo porque a

exigência de depósito prévio tem por única finalidade

coibir os excessos, os abusos e os desvios de caráter

ético-jurídico nos quais incidiu o improbus litigator.

Observação

Votação: por maioria.

Resultado: não conhecido.

67

Acórdãos citados: ADI-836, ADI-884, REAED-246564;

EDAGRA-215829 (STJ).

N.PP.:(23). Análise:(FCB). Revisão:(RCO/AAF).

Inclusão: 17/03/00, (MLR).

Alteração: 17/05/02, (SVF).

Partes

EMBTE. : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF

ADVDOS. : DEOCLECIANO BATISTA E OUTROS

EMBDOS. : CIRENEU WIGGERS NUNES E OUTROS

ADVDOS. : PEDRO PAULO CARDOZO LAPA E

OUTROS

68

CONCLUSÃO

A Constituição Federal e as Leis infra-constitucioanais têm posto em

destaque uma série de princípios e garantias que, somados, conduzem ao

caminho do acesso à uma ordem jurídica justa. Assim, podemos observar a

universalidade da jurisdição, possibilitando a mais ampla admissão de pessoas

e causas ao processo; as regras que consubstanciam o devido processo legal,

para garantir às partes a possibilidade de participar na formação do

convencimento do juiz e poder exigir dele a efetividade de uma participação em

diálogo, tudo objetivando uma solução justa para o litígio capaz de eliminar a

insatisfação.

Para que o processo seja efetivo, ou seja, cumpra sua função de

eliminar conflitos e fazer justiça, é preciso tomar consciência dos escopos

motivadores de todo o sistema processual - sociais, políticos e jurídicos -; e,

superar as dificuldades para o exercício da ação.

Em primeiro lugar, é preciso eliminar as dificuldades econômicas que

impedem as pessoas de litigar ou dificultem o oferecimento da defesa

adequada. Aos carentes de recursos deve ser garantida a assistência jurídica

integral e gratuita. A justiça não deve ser tão cara que o seu custo seja maior

que os benefícios pretendidos.

Quanto ao processo, é preciso que a ordem legal dos atos seja

observada, de modo que o contraditório e a ampla defesa sejam respeitados,

devendo o juiz observá-los e garantir o devido processo legal.

69

O juiz não é um mero espectador. Ele deve pautar-se pelo critério da

justiça das decisões, analisando as provas, enquadrando os fatos nas normas

e categorias jurídicas, bem como interpretando o direito positivo. As decisões

judiciais devem ser úteis e efetivas, para que as partes sejam bem

esclarecidas quanto a tudo que têm direito no objeto do litígio levado à juízo.

O uso do procedimento adequado juntamente com uma boa

representação em juízo, seja por advogados, Defensores Públicos ou

Ministério Público, constituem poderosos instrumentos capazes de assegurar

bons resultados das decisões.

E por último, devemos ressaltar que a duração do processo é um fator

importante para garantir uma efetiva prestação jurisdicional. O processo é um

instrumento indispensável não só para a efetiva e concreta atuação do direito

de ação, mas também para a remoção de situações que impedem o pleno

desenvolvimento da pessoa humana. O cidadão tem direito a uma justiça que

lhe garanta uma resposta dentro de um prazo razoável. A morosidade

processual gera descrença da população na justiça.

A partir dos princípios das garantias da defesa e de um processo

correto, podemos facilmente vislumbrar a figura da efetividade do processo a

dar-lhes feição prática, concretizando-os no campo material, pois não se pode

conceber o princípio da ampla defesa e do direito a um "processo justo" se,

para operacionalizá-los, não tivermos em mente a imprescindibilidade de se

imprimir real efetividade ao processo.

Conclui-se que a Constituição Federal é a coluna basilar da edificação

da teoria do processo. O processo é o meio pelo qual se asseguram os direitos

e garantias constitucionais tutelados pelo Estado-Juiz. No entanto, nos resta

saber se os mecanismos à disposição das partes garantem a efetividade da

prestação jurisdicional. Os demandantes e demandados terão direito a um

70

processo igualmente 'devido', capaz de assegurar-lhes a real e efetiva

realização prática. O Estado haverá de prestar uma proteção efetiva dos

direitos individuais, difusos e coletivos. Coloca-se em questão, doravante, não

mais o acesso, em si, mas o seu feed-back, isto é, a resposta do Estado

àquela pretensão da parte. É o direito materialmente pretendido, concebendo-

se num direito efetivamente conferido e tutelado pela ordem estatal. A

proteção jurídica deve ser reconhecida em tempo útil. A efetividade pois, é o

elemento indispensável à justa prestação jurisdicional, como remédio

moderador em cada tipo processual e procedimental.

É bem verdade que já ocorreram grandes inovações científicas na

seara do processo civil, em combate à lentidão, inadequação e superação do

procedimento ordinário como rito padrão, consistindo basicamente na

adequação da "natureza do direito pleiteado e dos meios necessários à sua

efetivação", no intuito de fazer prevalecer o aspecto positivo da

instrumentalização do processo, qual seja, sua aptidão de compor o litígio,

realizando exatamente e tudo aquilo que o vencedor tenha o direito de

conseguir, e em cumprimento à sua função sócio-político-econômica.

No entanto, cumpre esclarecer que estas mudanças ainda não foram

suficientes para “desafogar o Judiciário”, necessário se faz a criação,

manutenção e permanente aperfeiçoamento dos organismos responsáveis

pela aplicação da lei, próprios do Poder Judiciário, através dos seus órgãos,

juizes e tribunais, dentro de variados contextos seja na esfera criminal,

processual penal, administrativa, no âmbito civil e também processual civil.

71

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

RESUMO 3

METODOLOGIA 4

SUMÁRIO 5

75

INTRODUÇÃO 6

CAPÍTULO I

DIREITO DE AÇÃO COMO ACESSO À JUSTIÇA 13

1.1 – Princípios Constitucionais Processuais 15

1.1.1 – Princípio do juiz Natural 18

1.1.2 – Princípio da imparcialidade do juiz 21

1.1.3 – Princípio da ação 22

1.1.4 – Princípio do Contraditório e Ampla Defesa 24

1.1.5 – Princípio da Igualdade 27

1.1.6 – Princípio do Devido Processo Legal 28

1.1.7 – Princípio da Publicidade 29

1.1.8 – Princípio da Motivação das Decisões Judiciais 31

1.2 – Função social do processo 32

CAPÍTULO II

DA AÇÃO 39

2.1 – Conceito 39

2.2 – Classificação da ação 40

CAPÍTULO III

Dos legitimados a representar as partes em juízo 44

3.1 – Do advogado 44

3.2 – Da defensoria Pública 47

3.3 – Do Ministério Público 52

CAPÍTULO IV

Principais dificuldades para o exercício da ação 56

4.1 – A falta de aptidão para se reconhecer direitos e propor ação e sua defesa

56

4.2 – A legitimação inadequada 58

4.3 – A importância da utilização do procedimento adequado 60

76

4.4 – O elevado custo do processo 62

4.5 – O moroso tempo do processo 63

CONCLUSÃO 70

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 73

ÍNDICE 77

77

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: