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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR RELATOR DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO BRUNO GIRADE PARISE, brasileiro, Defensor Público em atividade junto ao Departamento de Inquéritos Policiais da Capital, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e nos arts. 647 e seguintes, do Código de Processo Penal, impetrar HABEAS CORPUS com pedido de ordem liminar em favor de CLEITON DE PONTES ALVES, contra ato do MM. Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais (DIPO) da Comarca da Capital (autos nº 0054627-81.2012.8.26.0050 DIPO 3.2.1) pelos motivos que passa a expor. 1

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR RELATOR DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

BRUNO GIRADE PARISE, brasileiro, Defensor Público em atividade junto ao Departamento de Inquéritos Policiais da Capital, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e nos arts. 647 e seguintes, do Código de Processo Penal, impetrar

HABEAS CORPUS

com pedido de ordem liminar

em favor de CLEITON DE PONTES ALVES, contra ato do MM. Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais (DIPO) da Comarca da Capital (autos nº 0054627-81.2012.8.26.0050 DIPO 3.2.1) pelos motivos que passa a expor.

Dos Fundamentos de Fato e de Direito _____________________

O paciente foi preso em flagrante no dia 13 de junho de 2012 por ter, supostamente, infringido o artigo 33 da lei 11.343/2006. (DOC. 01 - cópia dos autos em anexo).

Com a entrada em vigor da lei 12403/11, a autoridade coatora converteu a prisão em flagrante em preventiva, diante da gravidade do crime e garantia para instrução criminal.

No entanto, em que pese toda sabedoria da autoridade coatora, certo é que não foi a melhor solução. Senão vejamos.

Antes de discorrermos especificamente sobre o caso em tela, necessário se faz uma rápida digressão sobre o que significa a liberdade provisória dentro do nosso ordenamento jurídico pátrio, e o verdadeiro significado da lei 12.403 embutida em nosso sistema.

Ao analisarmos qualquer processo penal, nós, operadores do direito, devemos não apenas visualizar um papel escrito. Precisamos vislumbrar, antes de tudo, os efeitos causados em um acusado e em tudo ao seu redor.

Sempre salutar as brilhantes palavras do mestre Francesco Carnelutti: “Logo que surge o processo, o suspeito, o acusado, sua família, a sua casa, seu trabalho são inquiridos, investigados, despidos na presença de todos. Um individuo assim é feito em pedaços. E um individuo assim, relembremo-nos, é o único valor da civilização que deveria ser protegido.”( As misérias do processo penal, 6 ed, Campinas: Bookseller, 2005, p. 48).

Percebendo tal realidade, após uma longa batalha histórica contra todas as arbitrariedades cometidas, a qual nos faltaria espaço para contextualizar, que, finalmente, nosso constituinte de 1988 fez uma clara opção por um processo penal garantista.

Listou então inúmeros princípios balizadores da matéria, entre eles a ampla defesa e o contraditório. Mas, sem qualquer sombra de dúvida, o grande pilar de nosso sistema penal vem esculpido no art. 5 LVII, CF “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É o tão aclamado e tão pouco respeitado princípio da presunção de inocência.

Sobre ele, nos ensinam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar “O reconhecimento da autoria de uma infração criminal pressupõe sentença condenatória transitada em julgado. Antes desde marco, somos presumivelmente inocentes, cabendo a acusação o ônus probatório desta demonstração, além do encarceramento cautelar da liberdade só pode ocorrer em situações excepcionais e de estrita necessidade”. (Curso de Direito Processual Penal, 4 ed. 2010, Ed Juspodim, p 50).

Dando ainda mais ênfase na excepcionalidade de uma prisão cautelar, a própria Constituição determina que LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

Ora Excelência, diante desse panorama, e conhecedores que somos da realidade de nossos presídios, conclui-se que a prisão durante o processo deve ser de extrema raridade, mesmo porque, seguindo a própria lógica constitucional, o preso provisório nada mais é que um inocente encarcerado.

É com esses olhos que devemos nos virar para os artigos que regulam a prisões cautelares e a liberdade provisória: liberdade é a regra, prisão é a exceção.

Contudo, esse não era o quadro apresentado em nossa sociedade. Segundo dados do Departamento Penitenciário, em 2010, havia mais de 160.000 mil presos provisórios em nosso país. Será que tal número demonstrava serem as prisões cautelares exceção? Obviamente que não.

Assim, uma Comissão de Juristas liderados pela sempre brilhante Ada Pellegrini, em meados de 2001, apresentou o projeto que, com algumas indevidas modificações, resultou na Lei 12.403/11.

Tal diploma legal, mais uma vez coloca em evidência o reflexo da presunção de inocência nas medidas cautelares. O que já era exceção agora é expressamente (282 p. 6), o ultimo recurso do juiz.

Em uma breve análise dos novos dispositivos, concluímos, sem qualquer esforço, que o magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante deve seguir a seguinte ordem (combinação dos artigos 282p. 6, 310, 312 e 313):

a-) relaxar a prisão ilegal – aqui se enquadram qualquer prisão de acusados primários que respondam a crimes cuja pena máxima seja 04 anos. Ou seja, não se chega sequer a analisar os requisitos e pressupostos da prisão preventiva. É liberdade e sem qualquer outra medida cautelar.

b-) conceder liberdade provisória- sempre que ausentes os requisitos da prisão preventiva (art. 312)

c-) aplicar alguma das medidas cautelares- aqui está o ponto central da nova lei. Presentes os requisitos da prisão preventiva, primeiro o juiz deve aplicar alguma das medidas cautelares alternativas. Só se impossível for, e que passa ao próximo passo.

d-) decretar a prisão preventiva – passo último. Sempre fundamentada e ultimo recurso a ser utilizado pelo magistrado, apenas e tão somente se não for possível a medida cautelar (282, p. 6)

Melhor explicando a nova lei, as sábias palavras de Pierpaolo Bottini:

“a idéia que permeia todo o Projeto é a ampliação do número de medidas cautelares passíveis de decretação durante o processo penal, com o escopo de assegurar seu regular seguimento e o posterior cumprimento da decisão, seja ela qual for. A redação atual do Código oferece uma gama reduzida de opções ao magistrado nessa seara. Em regra, para garantir a ordem processual ou a aplicação da lei penal, o juiz tem uma única opção: a prisão cautelar. Assim ao perceber ameaça, grande ou pequena, ao bom andamento da persecução, ou é decretada a privação da liberdade do acusado, ou não se aplica medida alguma. ... com o intuito de superar essa medícre dualidade, o Projeto apresenta uma gama d medidas cautelares diferentes da prisão...a superação da dicotomia mencionada (prisão ou nada) protege, de forma mais efetiva, o processo o acusado e a própria sociedade. O processo, porque surge um novo rol de medidas protetivas à ordem dos trabalhos. O acusado, porque a prisão cautelar, ato de extrema violência, fica restrita como opção extrema e última. A sociedade, porque a redução da prisão cautelar significa o desencarceramento de cidadãos sem condenação definitiva, que eram submetidos desde o início do processo ao contato nefasto com o submundo de valores criados pela cultura da prisão. Em um país em que cerca de 130.000 mil homens e mulheres s~çao presos provisórios, esta medida parece mais do que adequsda” (Pierpaolo Botttini, Reformas no processo penal, medidas cautelares, são Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 455).

Em suma, a regra desde 1988, e agora reiterada pela lei. 12.403/11, é que o acusado (inocente até o trânsito em julgado) responda o processo em liberdade, o que deve sempre ser lembrado por Vossa Excelência.

Passaremos agora a análise do caso em concreto

Do relaxamento da prisão

A quantidade de droga encontrada com o Paciente poderia, por patente, consubstanciar guarda, aquisição, transporte de drogas para uso pessoal – conduta prevista no artigo 28 da Lei Nº 11343/06 – hipótese na qual sequer se pode cogitar a manutenção da custódia e cuja pena não envolve a restrição de liberdade. Inclusive, pela própria leitura do citado diploma legal em seu §3º, esta determinação deve ser feita de imediato ao se noticiar a ocorrência do que poderia se entender como prática delitiva – deste modo, é possível aferir se cabível a prisão em flagrante ou a elaboração de termo circunstanciado.

A quantidade da substância encontrada é um dos critérios estabelecidos por tal diploma legal para estabelecer a distinção entre condutas com o fim de tráfico e as com o fim de uso próprio. E não se pode sequer alegar que este não é o momento processual adequado para decidir sobre a desclassificação da conduta delitiva (apenas conferir a regularidade formal do flagrante), pois a simples modificação da imputação feita ao paciente determinaria a mudança do tratamento jurídico-penal como um todo: passa-se de uma conduta equiparada a hedionda a outra que sequer tem como uma das penas previstas – em hipótese de sentença condenatória com trânsito em julgado – a privação da liberdade.

Ademais, oportuno ressaltar que o relaxamento do flagrante se demonstrava necessário POR CONTA DE INCORRETA CLASSIFICAÇÃO DA PRÁTICA DELITIVA IMPUTADA AO PACIENTE. A irregularidade da prisão se demonstra porque, de acordo com o previsto no art. 28 da Lei de Drogas, a pena prevista ao autor do delito – após sentença condenatória com trânsito em julgado – não seria o encarceramento; daí a prisão preventiva seria absurda, visto que nem na pior das hipóteses o autor seria privado de sua liberdade.

Deixar de se constatar qual seria, a priori, o tipo penal a que se adequaria a conduta do paciente importa em arbitrariedade exercida pela autoridade judiciária que teria como uma das principais conseqüências o constrangimento ilegal de quem, em verdade, precisaria de tratamento e advertência sobre os efeitos das drogas.

Não se presenciou a mercancia e a quantidade encontrada em seu poder, por si só, não aponta para o delito do artigo 33; não se pode sequer declarar com certeza, nesta etapa do processo, que o paciente realizava venda dos entorpecentes encontrados em sua posse, porquanto o limite quantitativo que estabelece a diferença entre esta conduta e o uso não consta na Lei nº 11343/06.

Mesmo que, diante do alegado, restem dúvidas quanto a aplicação do crime de tráfico ou sua desclassificação para conduta que vise ao uso - ou, em outras palavras, entre a aplicação de um crime equiparado a hediondo e outro que nem sequer comporta prisão em flagrante e reclusão com sentença condenatória com trânsito em julgado -, torna-se mister que a dúvida deve ensejar a aplicação de medida mais favorável ao réu, com aplicação do princípio favor rei. Esta iniciativa garante a proteção do paciente contra acusações temerárias sem farto embasamento fático-probatório. Ressalte-se:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTOS. GRAVIDADE CONCRETA DOS DELITOS NÃO CARACTERIZADA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA INSUFICIENTE PARA CARACTERIZAR PERIGO À ORDEM PÚBLICA. RECURSO PROVIDO.1. A prisão cautelar, para ser satisfatoriamente motivada em razão da gravidade em concreto do delito, deve evidenciar fato concreto que demonstre a possibilidade de se atingir grande número de usuários, seja pelo seu modus operandi, seja pela quantidade de droga apreendida.2. Argumentação abstrata e sem vinculação com os elementos dos autos, somente com base na citação dos motivos autorizadores da medida, elencados no art. 312 do Código de Processo Penal, não constitui embasamento idôneo para a prisão cautelar.3. Recurso provido. (STJ. HC 24185/MG – Rel. Min. Jane Silva – Sexta Turma – DJ: 20/11/2008)

Entorpecentes - Tráfico - Desclassificação para uso - Possibilidade - Provas que não são seguras para uma condenação pelo tráfico - Princípio do "in dúbio pro réu" - Apelação do Ministério Público não provida. (TJSP ACR 990081177242 – Des. Rel. Pedro Menin – DJ: 12/03/2009)

TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - TRÁFICO NÃO CARACTERIZADO - RECURSO PROVIDO. Não havendo prova robusta da mercancia realizada pelo agente da droga apreendida, deve ser procedida a desclassificação para o crime de uso de substância entorpecente. (TJSP - AC 1.0431.06.031014-8/001 – Des. Rel. Maria Celeste Porto – DJ 08/01/2008)

Percebendo que a suposta conduta da paciente não se encaixa no disposto no art. 33 da Lei de Drogas, a defesa espera seja relaxada a prisão.

a-) Da inocorrência dos Requisitos para Prisão preventiva

Passa-se a demonstrar, pois, a inocorrência das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, conforme estipulado no art. 312 do Código de Processo Penal.

No que concerne à garantia da ordem pública, sabe-se que está voltada para a proteção de interesses estranhos ao processo. A expressão “ordem pública” é vaga, de conteúdo indeterminado. Realmente, a ausência de um referencial semântico seguro para a “garantia da ordem pública”, coloca em risco a liberdade individual. A jurisprudência tem se valido das mais diversas situações, todas elas reconduzíveis à garantia da ordem pública: “gravidade do crime”, “comoção social”, “periculosidade do réu”, “perversão do crime”, “insensibilidade moral do acusado”, “credibilidade da justiça”, “clamor público”, “repercussão na mídia”, “preservação da integridade física do indiciado”... Tudo cabe na prisão para garantia da ordem pública.

Embora na prática venha sendo utilizado tranquilamente tal requisito da prisão preventiva, é correta a crítica do Ilustre Antonio Magalhães Gomes Filho (Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 69) no sentido de que a prisão para garantia da ordem pública fere a garantia da legalidade estrita em termos de restrição da liberdade.

E, explicitando seu ponto de vista, o Professor das Arcadas (Presunção de inocência ..., p. 67-68) explica que:

“À ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de caráter cautelar propriamente dita, mas constituem formas de privação de liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, então, em ‘exemplaridade’, no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou, ainda, em prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos crimes; uma primeira infração pode revelar que o acusado é acentuadamente propenso a práticas delituosas ou, ainda, indicar a possível ocorrência de outras, relacionadas à supressão de provas ou dirigidas contra a própria pessoa do acusado. Parece evidente que nessas situações a prisão não é um ‘instrumento a serviço do instrumento’, mas uma antecipação da punição, ditada por razões de ordem substancial e que pressupõe o reconhecimento da culpabilidade.”

No mesmo sentido, também merecendo transcrição, é o posicionamento de Odone Sanguiné (Clamor público como fundamento da prisão preventiva, In: SHECAIRA, Sérgio Salomão (Org.). Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva (Criminalista do Século). São Paulo: Método, 2001, p. 258-259):

“Quando se argumenta com razões de exemplaridade, de eficácia da prisão preventiva na luta contra a delinqüência e para restabelecer o sentimento de confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico, aplacar o clamor público criado pelo delito, etc., que evidentemente nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à instituição, na realidade se introduzem elementos estranhos à natureza cautelar e processual que oficialmente se atribuem à instituição, questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídico-constitucional como da perspectiva político-criminal. Isso revela que a prisão preventiva cumpre ‘funções reais’ (preventivas gerais e especiais) de pena antecipada incompatíveis com sua natureza.” (Grifos nossos).

Em suma, quando se prende para “garantir a ordem pública” não se está buscando a conservação de uma situação de fato necessária para assegurar a utilidade e a eficácia de um futuro provimento condenatório. Ao contrário, o que se está buscando é a antecipação de alguns efeitos práticos da condenação penal. No caso, privar-se o acusado de sua liberdade, ainda que juridicamente tal situação não seja definitiva, mas provisória, é uma forma de tutela antecipada, que propicia uma execução penal antecipada.

Justamente por isso, a doutrina, tem destacado que a prisão para garantia da ordem pública não tem finalidade cautelar: José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1965, p. 49-50; Roberto Delmanto Jr., As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. Rio de janeiro: Renovar, 1998, p. 156; Aury Lopes Jr., Introdução Crítica ao Processo Penal – Fundamentos da Instrumentalidade Garantista. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 208.

Por tudo isso, não se acredita que Vossa Excelência possa considerar que exista eventual necessidade de prisão preventiva do Acusado, para “garantia da ordem pública”, mormente identificando-a com a gravidade abstrata do delito, por ser equiparável aos crimes hediondos.

Todavia, caso seja diverso o posicionamento de Vossa Excelência, que adita, em tese, a possibilidade de prisão preventiva para garantia da ordem pública, passa-se a demonstrar a inocorrência do periculum libertatis, no presente caso, identificado com tal requisito da prisão preventiva.

O único fundamento invocado seria, em tese, a gravidade do delito, que por ser equiparado aos hediondos, necessitaria da custódia cautelar, para a garantia da ordem pública.

Há, implicitamente, em tal forma de pensar, a manutenção da prisão cautelar obrigatória, como simples corolário a imputação penal, no caso o tráfico de drogas.

Desnecessário ressaltar que, tal modalidade de prisão que já existiu em nosso sistema, na redação originária do art. 311 do Código de Processo Penal, em boa hora foi revogada pela Lei n. 5.349, de 3 de novembro de 1967.

Por outro lado, a tentativa de ressuscitá-la, na Lei dos Crimes Hediondos, sob a vedação de qualquer forma de liberdade provisória (art. 2º, inc. II) e, posteriormente, em dispositivo semelhante constante da Lei n. 11.343/2006, art. 44, caput, foi frustrada, vez que revogados tais artigos pela Lei n. 11.464, de 2 de março de 2007, posto que incompatíveis com a presunção de inocência, conforme exaustivamente exposto no item 2.1, supra.

Não tem sido aceita a prisão decretada com base apenas na gravidade abstrata do delito, mesmo quando se trate de crime hediondo ou, no caso, tráfico ilícito de entorpecente, que se equipara a tais delitos por disposição legal. Nesse sentido: STF, HC n. 90.862/SP, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, j. em 27/04/07. v.u.; STF, HC n. 88.408/SP, 1.ª T. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 22/09/06; STF, HC n. 87.041/PA, 1.ª T., Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 24/11/06 v.u.; STF, HC n. 81.126/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 08/03/02; STJ, RHC n. 11.755/RS, 6.ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 12/11/01. v.u.; STJ, HC n. 18.633/SP, 5.ª T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 08/04/02 v.u..

De qualquer forma, no presente caso, considerando concretamente o crime tal qual teria sido praticado pelo Acusado, em si e concretamente considerado, não se mostra de gravidade elevada.

Com relação às demais situações que poderiam caracterizar o periculum liberatis, para que não reste a menor dúvida sobre a desnecessidade da prisão do Acusado, passa-se a demonstrar a inocorrência das demais hipóteses legais que poderiam justificá-la.

Não há de se cogitar da prisão preventiva para garantia da ordem econômica. Com efeito, refere-se tal fundamento apenas às hipóteses de delitos econômicos, crimes contra as relações de consumo ou crimes contra o sistema financeiro nacional. Evidencia-se, aqui, o periculum in mora, pelos prováveis danos a tais bens jurídicos que, em liberdade, o acusado possa vir a causar à ordem econômica, normalmente por reiteração na prática delitiva. À evidência, não se trata da hipótese em exame, posto que a imputação que pesa sobre o Acusado tem por objeto o crime de trafico ilícito de drogas. Sob esse aspecto, desnecessário maiores considerações.

No que concerne à prisão cautelar por conveniência da instrução criminal, expressão de sentido por demais amplo, deve-se compreender somente os casos nos quais a instrução criminal não se faria ou se deturparia sem a prisão cautelar. Como, v.g., são os casos em que o acusado tenta subornar ou intimidar as testemunhas, procura fazer desaparecer os vestígios do crime praticado, ou, de qualquer outra maneira concorre para impedir que o juiz colha as provas necessárias à apuração correta dos fatos.

Por último, a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal visa evitar que diante de uma possível fuga do Acusado, pelo temor da condenação, uma possível execução da sanção penal pudesse ser frustrada. Busca garantir, assim, os fins do processo. Porém, também não há nos autos nada, absolutamente nada, que evidencie que o Acusado procure evadir-se. Muito pelo contrário: o indiciado possui residência fixa no distrito da culpa, conforme documentos juntados, nada indicando ou sugerindo que pudessem vir a fugir.

Cumpre salientar, quanto à ocupação lícita, que a comprovação documental não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico, nem tampouco na doutrina, assim, Nobre Magistrado, não há nada no caso em tela que autorize, justifique ou exija a decretação da prisão preventiva do acusado, ou, no caso, a manutenção de sua prisão em flagrante delito.

O status de inocência do acusado não permite a imposição de qualquer restrição à sua liberdade, que não seja absolutamente necessária.

A prisão cautelar, como medida processual de restrição da liberdade de quem ainda se presume inocente, e não pode ser equiparado aos condenados por sentença transitada em julgado, não pode representar uma pena antecipada.

Lembre-se, por necessário, que após inúmeros julgados nesse sentido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 10 de maio de 2012, reconheceu, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da vedação da liberdade provisória no tráfico de drogas, em razão da ofensa direta ao princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, trazemos a baila os seguintes dizeres de Gilmar Mendes, quando do seu voto:

“O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu voto que a regra prevista na lei ‘é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo lef=Gal, dentre outros princípios’.

O ministro afirmou ainda que, ao afastar a concessão da liberdade provisória de forma genérica, a norma retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, ‘analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar em inquívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais”. (disponível em http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=207130, acesso 11/05/2012)

Ainda, o, tratando-se de delito cometido sem violência ou ameaça à pessoa, e, sendo o indiciado ABSOLUTAMENTE PRIMÁRIO, em caso de prolação de sentença condenatória ao fim, haverá a incidência do parágrafo §4º do mencionado artigo 33 da Lei 11.343/06, que preconiza uma causa obrigatória de diminuição de pena.

Assim é que, a depender o redutor a ser aplicado, o indiciado, caso condenado, poderá ter direito ao sursis do Código penal (artigo 77- pena de até 2 anos). Poderá também ter direito a regime aberto ou a pena substitutiva à de prisão, cf. reiterada e pacificamente decidido pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça:

“A Turma concedeu a ordem de habeas corpus a paciente condenado pelo delito de tráfico de entorpecentes a fim de garantir-lhe a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, conforme orientação adotada pelo STF no HC 97.256-RS, julgado em 1º/9/2010, que declarou a inconstitucionalidade dos arts. 33, § 4º, e 44 da Lei n. 11.343/2006”. (HC 163.233-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28/9/2010, publicado no informativo 449, STJ, de 27 de setembro a 1º de outubro de 2010). (Grifou-se.)

Sobre o assunto, imperioso citar os seguintes julgados:

EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.

2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.

3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.

4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.

5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.

(HC 97256 / RS. Relator(a):  Min. AYRES BRITTO Julgamento:  01/09/2010. Órgão Julgador:  Tribunal Pleno. Publicação 16-12-2010)

TRÁFICO DE ENTORPECENTES. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. APLICAÇÃO DA FRAÇÃO MÁXIMA. POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE REGIME PRISIONAL DIVERSO DO FECHADO. REGIME INICIAL ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.

1. A escolha do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 deve ser feita de forma motivada e proporcional, levando em conta, também, a quantidade, a natureza e a qualidade de droga apreendida.

2. No caso, inexistindo circunstâncias desfavoráveis, fixada a pena-base no mínimo legal e apreendida pequena quantidade de droga (5,51 gramas de cloridrato de cocaína, acondicionados em vinte e dois invólucros de papel de alumínio), não é razoável a redução em apenas 1/3 (um terço) da pena. Esse conjunto de fatores justifica a aplicação da fração de 2/3 (dois terços), redutor mais condizente com a realidade posta nos autos.

3. Considerando a quantidade de pena aplicada (um ano e oito meses de reclusão), a primariedade do réu e as demais circunstâncias favoráveis, cabível o estabelecimento do regime aberto para o cumprimento da privativa de liberdade.

4. A Sexta Turma reconhece a possibilidade de conversão de pena também aos condenados por tráfico de entorpecentes em casos como o dos autos. Há também precedente do Supremo nesse sentido. Do STJ, HC n. 118.776/RS, Relator Ministro Nilson Naves, DJe de 23/8/2010; e do STF, HC n. 97.256/RS, Relator Ministro Ayres Britto, DJe de 16/12/2010.

5. Habeas corpus concedido para a redução das penas aplicadas ao paciente a um ano e oito meses de reclusão e cento e sessenta e sete dias-multa, estabelecer o regime aberto para o cumprimento da reprimenda e substituir a privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.

(Processo HC 141360. Relator Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (8175) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 12/04/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 02/05/2011).

E, seguindo a Lógica de nossas Cortes maiores, foi que o Senado Federal editou a Resolução n. 5, suspendendo a vedação da conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, contida no art. 44 da Lei. 11343/06.

Isso quer dizer que, nem com eventual sentença condenatória, o indiciado terá sua segregação social decretada - revela, portanto, verdadeiro contrassenso a sua prisão processual, já que, nem ao fim será encarcerado. Seria mais vantajoso, se fosse possível, optar por uma condenação automática.

Foi percebendo tal absurdo que o legislador editou a Lei 12.403/2011, que altera, em parte, o  Código de Processo Penal, especialmente no que se refere à prisão processual, fiança, liberdade provisória e outras medidas cautelares.

Frisa-se que referido diploma legal vem ao encontro da idéia da prisão processual como sendo a ultima ratio, isto é, a última opção ou alternativa, como medida extrema, nos moldes como vem sendo defendida pela doutrina penal e criminológica moderna.

Com efeito, a lei 12.403/11, cujo propósito principal é tentar corrigir os excessivos e abusivos decretos de prisão preventiva, encampou a idéia de que a prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, deve ser reservada às situações em que, de fato e devidamente comprovado e fundamentando, não for possível a substituição por outra medida cautelar, medidas estas previstas, agora, no artigo 319 do Código de Processo Penal.

Em suma, a nova lei se resume na observação do princípio da presunção da inocência: simplesmente coloca o diploma processual penal em sintonia com a Constituição Federal, no sentido de que a prisão processual apenas e tão-somente poderá ser decretada, caso realmente não haja outro meio para garantir a satisfação da futura e eventual tutela jurisdicional. Conforme a Carta Magna, a liberdade é a regra, e a prisão, a exceção.

Ainda, de acordo com o jurista Luiz Flávio Gomes, a prisão preventiva não é apenas a ultima ratio. Ela é a extrema ratio da ultima ratio. A regra é a liberdade; a exceção são as cautelares restritivas da liberdade (art. 319, CPP). (Prisão e Medidas cautelares – Comentários à Lei 12.403/2011. São Paulo: RT, 2011.)

Fernando Pereira Neto, por seu turno, traçando críticas positivas à nova lei, afirma: “O que faz a nova lei, em apertada síntese, é simplesmente efetivar o tão badalado princípio da presunção de inocência consagrado em nossa Constituição. A reforma da Lei 12.403 elimina a péssima cultura judicial do país de prender cautelarmente os que são presumidos inocentes pela Constituição Federal, tendo como base, única e exclusivamente, a opinião subjetiva do julgador a respeito da gravidade do fato.” (FERNANDO PEREIRA NETO, http://rionf.com.br/archives/1187). (g.n.).

Salienta-se: a prisão no curso do processo, antes de reconhecida a culpabilidade do indiciado por sentença definitiva, consiste em real constrangimento à liberdade individual, e deve, portanto, ser utilizada como exceção, e não como regra. Apenas em casos excepcionais se justifica a prisão daquele que é presumido inocente.

Ante todo o exposto, ausentes os requisitos necessários à manutenção da custodia, de rigor a concessão da liberdade provisória ao indiciado.

Caso não seja este o entendimento de Vossa Excelência, requer-se, subsidiariamente, seja aplicada alguma das novas medidas cautelares alternativas à prisão processual previstas no CPP. Vejamos:

b-)Da aplicação das novas medidas cautelares

Dando continuidade a uma série de reformas já implementadas na legislação processual penal, o Congresso Nacional aprovou recentemente a Lei nº 12.043/11, de 04 de maio de 2011, que, além de trazer diversas alterações no que diz respeito aos aspectos da prisão processual, da liberdade provisória, da fiança, inovou ao prever um rol de medidas cautelares pessoais a serem aplicadas ao acusado ou investigado, de forma a evitar, sempre que possível, a segregação social ao longo do curso do processo.

Referidas medidas são, na verdade, nas palavras de Gustavo Henrique Badaró, “medidas cautelares alternativas à prisão (arts. 319 e 329 do CPP) informadas pelo caráter subsidiário da prisão preventiva (art. 282, § 6º CPP).” (texto “Reforma das Medidas Cautelares Pessoais o CPP e os Problemas de Direito Intertemporal Decorrentes da Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011” – Boletim IBCRIM – ano 19 – nº 223, junho – 2011).

Dessa forma, se o magistrado verificar que determinada medida cautelar alternativa à prisão for igualmente eficaz para atingir a finalidade para a qual for decretada, deverá aquele aplicar tal medida, sempre menos gravosa se comparada à prisão processual, não lhe sendo possível, portanto, decretar a prisão preventiva.

Em outras palavras, deverão os magistrados se inspirarem na idéia, agora expressamente positivada, de que a prisão preventiva, por ser medida extrema de restrição da liberdade daquele que é presumidamente inocente, deve ser aplicada de forma subsidiária, como sendo a última alternativa para aquele caso concreto.

Neste sentido, novamente de acordo com Gustavo Badaró “(...) com o início de vigência da Lei 12.403/11, (...), caberá ao juiz, motivadamente, justificar porque, naquele caso concreto e segundo a situação do momento, não será adequada aos fins cautelares uma medida cautelar alternativa à prisão cautelar. Sem isso, a prisão preventiva passará a ser ilegal, devendo ser relaxada.” (ob. cit.)

Pierpaolo Cruz Bottini, traçando críticas positivas ao noviço diploma legal, “porque permite a superação da medíocre dicotomia do processo penal, pela qual o juiz não dispunha de alternativa diferente da prisão para assegurar a ordem processual e a aplicação da lei penal”, reafirma o caráter excepcional da prisão processual, na medida em que aquela apenas poderá ser aplicada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, “exigindo do juiz uma fundamentação a mais quando da decretação da preventiva: a razão da dispensa de outras cautelares.” (texto “Mais Reflexões sobre a Lei 12.403/11”, Boletim IBCRIM – ano 19 – nº 223, junho – 2011).

Paulo Sergio de Oliveira, por seu turno, igualmente tecendo elogios à elaboração da Lei 12.403/11, parafraseando Amilton Bueno de Carvalho, afirma “que o juiz deve sempre partir do pressuposto de que, a princípio, nenhuma restrição à liberdade do indiciado/acusado deverá ser aplicada. Excepcionalmente, por motivo absolutamente relevante é que o juiz deverá impor alguma medida, porém, alternativa à prisão. Se esta medida, após análise criteriosa de razoabilidade/proporcionalidade/eficácia/necessidade, não se mostrar suficiente para o caso em concreto, poderá o magistrado cumular mais de uma medida cautelar do artigo 319 do CPP alterado. Superada esta análise, e verificada insuficiente esta medida, bem como se não houve outra possibilidade para o caso concreto, ou seja, sendo absolutamente necessária a segregação, somente ai estaria o juiz autorizado a decretar a prisão preventiva do agente, o que deve ser feito mediante concisa inequivocada fundamentação.” (texto – “A aplicação da Lei 12.404/11 Durante a Vacatio Legis” - Boletim IBCRIM – ano 19 – nº 223, junho – 2011).

O noviço diploma legal, ao estabelecer a imposição das medidas cautelares a serem aplicadas de forma preferencial em relação à prisão temporária e preventiva, demonstra o intuito do legislador de se evitar que a prisão processual ganhe ares de “definitividade”, tornando-se uma verdadeira antecipação da eventual pena a ser aplicada, de forma a violar entendimento já consagrado pela Corte Maior.

Nesse sentido, a defesa entende que a medida restritiva da liberdade a ser aplicada, de forma subsidiária, no presente caso, é a prevista no art. 319, I, CPP, qual seja, o comparecimento periódico em Juízo, pois, dessa forma, se asseguraria, de forma efetiva, a instrução criminal, tendo em vista que o indiciado poderia ser citado e cientificado dos atos processuais em Cartório.

Destarte, entendendo Vossa Excelência estarem presentes os “fumus comissi delicti” e o “periculum in libertatis”, ou seja, constatados os indícios de autoria e a razoável suspeita da ocorrência do crime, além do efetivo risco da liberdade ampla e irrestrita do agente, de forma a prejudicar o resultado prático do processo, considerando, ainda, as atuais disposições do CPP trazidas pela Lei 12.403/11, requer seja aplicada, de forma subsidiária, qualquer das medidas cautelares previstas no referido diploma legal, preferencialmente aquela consistente no comparecimento periódico em Juízo, evitando, assim, a decretação da prisão preventiva, medida esta, como acima demonstrado, que deverá, agora, ser tida como a última opção a ser considerada pelo magistrado, reservando-se a situações extremamente graves.

Da Ordem Liminar____________________________________

Apontada a ofensa à liberdade de locomoção do paciente, encontra-se presente, in casu, o fumus boni iuris.

No mesmo sentido, verifica-se a ocorrência do periculum in mora, pois a liberdade do paciente, somente ao final, importará em inaceitável e injusta manutenção de violação ao seu status libertatis.

Presentes, portanto, os requisitos autorizadores da medida liminar.

Do Pedido__________________________________________

Ante o exposto, demonstrada a ilegalidade da ordem que mantém o paciente privado da liberdade, requer o impetrante a concessão LIMINAR da ordem, com a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente. Requer, outrossim, seja o presente pedido de habeas corpus julgado procedente ao final, confirmando-se a decisão liminar.

Pede deferimento

São Paulo, 03 de julho de 2012

BRUNO GIRADE PARISE

Defensor Público

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