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www.psicologia.pt ISSN 1646-6977 Documento produzido em 15.03.2015 Tânia Estrada & Andrea Moniz, Andreia Cruz, Ferdinando Neto e Tânia Fonseca 1 Siga-nos em facebook.com/psicologia.pt UM PERCURSO PELA ANOREXIA E BULIMIA ATRAVÉS DO RORSCHACH - SISTEMA COMPREENSIVO DE EXNER E DESENHO DA FAMÍLIA 2012 Tânia Estrada Formação em “Psicologia Clínica e do Aconselhamento em 1998” pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa, psicóloga clínica, psicoterapeuta, consultora e coordenadora de projectos no Instituto Tânia Estrada (2002), Professora e investigadora sobre Anorexia e Bulimia na Universidade Lusófona (2009-2012) | [email protected] & Andrea Moniz Formação em “Psicologia Clínica- ramo B” pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa em 1997, Formação em “Consulta Psicológica e Psicoterapia” pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação (IPAF) (2001), Psicóloga, psicoterapeuta, supervisora e directora do PSICOD.A.M. centro de Psicologia Dra. Andrea Moniz (desde 2001), Especialização em Terapia Familiar Sistémica pela Sociedade Portuguesa de terapia Familiar (desde 2007). | [email protected] Andreia Cruz Formação em “Psicologia Clínica” pelo Instituto de Psicologia Aplicada em 2010, Estágio Curricular na casa de Saúde da Idanha (2010), Psicóloga estagiária no PSICOD.A.M. Centro de Psicologia Dra. Andrea Moniz para a Ordem dos Psicólogos Portugueses (desde 2011) | [email protected] Ferdinando Neto Formação em “Psicologia Clínica” pela Universidade Jean Piaget de Angola (2010), psicólogo estagiário no PSICOD.A.M. Centro de Psicologia Dra. Andrea Moniz (desde 2011) | [email protected] Tânia Fonseca Formação em “Psicologia Clínica Dinâmica” pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (2010), estágio curricular na casa de Saúde da Idanha (2010), psicóloga estagiária no PSICOD.A.M. Centro de Psicologia Dra. Andrea Moniz (desde 2012) | [email protected] RESUMO Este estudo de carácter exploratório tem como objectivo abordar os factores etiológicos e avaliar os determinantes psicológicos associados às perturbações do comportamento alimentar, através do Teste do Rorschach (SIR), do Teste Desenho da Família e do Questionário da Doença de Par. Participaram neste estudo 22 pacientes diagnosticados com Anorexia Nervosa (12 casos) e Bulimia Nervosa (10 casos), com idades compreendidas entre os 14 e os 42 anos, sendo 17 do

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UM PERCURSO PELA ANOREXIA E BULIMIA

ATRAVÉS DO RORSCHACH - SISTEMA COMPREENSIVO

DE EXNER E DESENHO DA FAMÍLIA

2012

Tânia Estrada

Formação em “Psicologia Clínica e do Aconselhamento em 1998” pela Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias de Lisboa, psicóloga clínica, psicoterapeuta, consultora e coordenadora

de projectos no Instituto Tânia Estrada (2002), Professora e investigadora sobre Anorexia e Bulimia

na Universidade Lusófona (2009-2012) | [email protected]

&

Andrea Moniz

Formação em “Psicologia Clínica- ramo B” pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa

em 1997, Formação em “Consulta Psicológica e Psicoterapia” pelo Instituto de Psicologia Aplicada e

Formação (IPAF) (2001), Psicóloga, psicoterapeuta, supervisora e directora do PSICOD.A.M. –

centro de Psicologia Dra. Andrea Moniz (desde 2001), Especialização em Terapia Familiar

Sistémica pela Sociedade Portuguesa de terapia Familiar (desde 2007). | [email protected]

Andreia Cruz

Formação em “Psicologia Clínica” pelo Instituto de Psicologia Aplicada em 2010, Estágio Curricular

na casa de Saúde da Idanha (2010), Psicóloga estagiária no PSICOD.A.M. – Centro de Psicologia

Dra. Andrea Moniz para a Ordem dos Psicólogos Portugueses (desde 2011) |

[email protected]

Ferdinando Neto

Formação em “Psicologia Clínica” pela Universidade Jean Piaget de Angola (2010), psicólogo

estagiário no PSICOD.A.M. –Centro de Psicologia Dra. Andrea Moniz (desde 2011) |

[email protected]

Tânia Fonseca

Formação em “Psicologia Clínica Dinâmica” pela Faculdade de Psicologia da Universidade de

Lisboa (2010), estágio curricular na casa de Saúde da Idanha (2010), psicóloga estagiária no

PSICOD.A.M. – Centro de Psicologia Dra. Andrea Moniz (desde 2012) |

[email protected]

RESUMO

Este estudo de carácter exploratório tem como objectivo abordar os factores etiológicos e

avaliar os determinantes psicológicos associados às perturbações do comportamento alimentar,

através do Teste do Rorschach (SIR), do Teste Desenho da Família e do Questionário da Doença

de Par. Participaram neste estudo 22 pacientes diagnosticados com Anorexia Nervosa (12 casos)

e Bulimia Nervosa (10 casos), com idades compreendidas entre os 14 e os 42 anos, sendo 17 do

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sexo feminino e 4 do sexo masculino. Os resultados obtidos vão ao encontro da literatura,

corroborando as teorias dinâmicas vinculadas acerca de ambas as patologias. O Teste do

Rorschach e o Teste do Desenho da Família complementam-se na compreensão do

funcionamento psicológico e familiar dos sujeitos avaliados, consistindo em provas projectivas

capazes de fornecer um diagnóstico psicológico da Anorexia e da Bulimia e um delineamento do

tratamento psicoterapêutico.

Palavras-chave: Teste Rorschach (SIR), Teste do Desenho da Família, Anorexia, Bulimia,

funcionamento psicológico e familiar, diagnóstico psicológico.

INTRODUÇÃO

A sociedade actual está marcada por uma subjectividade fragmentada, em que não há

espaço para o diferente, para a singularidade, prevalecendo uma homogeneidade padronizada,

com recurso a modelos a serem seguidos (Birman, 1999, citado por Refosco & Macedo, 2010).

Verifica-se como sua característica fundamental a exaltação do corpo, do ideal estético

dificilmente alcançável, ou seja, um foco na dimensão narcísica (Moriconi, Silva & Cardoso,

2002). Há uma tentativa de busca do corpo perfeito, idealizado, como se este permitisse um

reconhecimento da valorização do sujeito (Refosco & Macedo, 2010).

É na adolescência que estas características da sociedade são mais notórias (Refosco &

Macedo, 2010). A adolescência é um período marcado por transformações físicas e também

psíquicas, no qual o adolescente é confrontado com a perda da condição infantil (Moriconi, Silva

& Cardoso, 2002). Além disso, o adolescente encontra-se perante a intensificação e repetição da

vivência de certos conflitos primários. Estes desafios próprios da adolescência exigem

capacidade de simbolização e de elaboração através do pensar, que quando não utilizadas podem

fragilizar a capacidade egóica de ligação. Deste modo, o adolescente pode utilizar o corpo para

expressar e tentar dar conta dos seus conflitos, até mesmo de forma impulsiva, como forma de

elaboração dos mesmos. Tal como refere Gaspar (2010, cit. por Refosco & Macedo, 2010), o

corpo assume um lugar privilegiado de expressão do mal-estar subjectivo, dada a precaridade dos

mecanismos psíquicos para elaborá-los. A cultura vigente na sociedade ocidental contribui, de

certa forma, para essa experiência de desamparo, dado que não fornece mediadores simbólicos

para o indivíduo, o que torna este processo ainda mais complexo quando há falhas narcísicas

primárias (Savietto & Cardoso, 2006, cit. por Refosco & Macedo, 2010).

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A Anorexia e Bulimia são patologias dominantemente contemporâneas que estão ligadas a

uma escassez da capacidade de simbolização e de elaboração psíquica, prevalecendo a descarga e

a passagem ao acto (Lemos, 2005, cit. por Refosco & Macedo, 2010). Evidencia-se um

funcionamento que se traduz pela ausência de palavras no interior da vida psíquica, portanto vias

de ligação, sendo assim o corpo quem “fala” (Brusset, 1999, cit. por Refrosco & Macedo, 2010).

De acordo com Krueger (1997, cit. por Ruangsri, 2009) a primeira gratificação que a pessoa

obtém do mundo externo é a satisfação proveniente da alimentação. A comida é o símbolo de

tudo aquilo que a mãe é, assim como algo real, palpável, calmante, que regula fisiológica e

emocionalmente o afecto e os estados de tensão. Deste modo, entende-se o foco na comida neste

tipo de distúrbios, pois esta funciona como objecto transicional, além de que a comida previne a

ansiedade de desintegração (Lerner, 1983, cit. por Ruangsri, 2009).

A Anorexia é caracterizada por um intenso medo de aumentar de peso ou ficar gordo, com

baixo peso (menos de 20 kg em comparação com a altura), amenorreia e distorção da imagem

corporal (La Madrid, 2011). A Anorexia tem por base uma relação com uma mãe dominante,

intrusiva, superprotectora e que não promove a separação e a individuação (O’Kearny, 1996, cit.

por Ruangsri, 2009). A mãe tende a encorajar a dependência, respondendo ao sujeito com base

nas suas próprias necessidades (Ruangsri, 2009). Deste modo, o sujeito tenta manter-se vivo

adaptando-se aos estados internos da mãe, sendo uma defesa contra o medo da perda, vazio e

perda de omnipotência. Verifica-se uma tendência para a interiorização de aspectos da mãe que o

sujeito sabe que a mãe sente como especiais, mas que não lhe pertencem. Ou seja, o sujeito torna-

se parte integrante da própria mãe. Deste modo, encontra-se numa situação paradoxal. Por um

lado sente a necessidade de confiar no outro para que este regule as suas tensões internas. Por

outro lado, esta situação fá-lo sentir-se engolfado, sem identidade e ineficaz (Johnson, 1991).

Para lidar com esta ambivalência, o sujeito usa o corpo, nomeadamente a recusa alimentar ou o

controlo do corpo, como forma de lidar com a intrusividade da mãe.

A Bulimia é caracterizada pela ingestão excessiva de alimentos, na sua maioria

hipercalóricos, de forma impulsiva e voraz, geralmente às escondidas e à pressa (Fernandes,

2006, cit. por Secchi & Abeche, 2012). Este estado provoca excitação no indivíduo, sendo

posteriormente acompanhado por sentimento de mal-estar e vergonha. Para o alívio do mal-estar

são utilizados métodos purgativos, como o vómito e o uso indevido de laxantes e diuréticos,

associados ao exercício físico em excesso e jejuns (Secchi & Abeche, 2012).

Na Bulimia a relação primária com a mãe é vazia, sendo que as necessidades primárias são

asseguradas, no entanto, parece não existir uma relação securizante com a mãe (Ruangsri, 2009).

A imagem do corpo torna-se importante pois através dele encontra-se a falha da função de

espelho da mãe e ao mesmo tempo a busca da imagem ideal (Secchi & Abeche, 2012).

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Esta perturbação deve-se à ausência traumática do objecto e do reflexo das dificuldades no

exercício da função de para-excitação materna, nomeadamente na dimensão de libidinização do

corpo do bebé (Fernandes, 2006, cit. por Secchi & Abeche, 2012). Desta forma, o sujeito fica

sem recursos para lidar com as suas pulsões, o que o torna exposto à necessidade de encontrar o

objecto. Ou seja, na Bulimia existe a incorporação do objecto, o seu protótipo corporal, não

ocorrendo assim a introjeção. O indivíduo bulímico tem uma identidade difusa, submetendo o

seu desejo ao desejo do outro, procurando a imagem ideal de si a partir da procura do olhar do

outro (Secchi & Abeche, 2012).

Na Bulimia, o corpo é entendido como um objecto transicional que tranquiliza através do

acto de comer compulsivamente seguido do vómito, de forma a acalmar o medo da simbiose e da

perda do self (Sugarman & Kurash, 1981, cit. por Parmer, 1991). Segundo Goodsitt (1983, cit.

por Parmer, 1991), o comer compulsivamente e a purga resultam da dificuldade da função do ego

em regular a tensão, sendo métodos disfuncionais para inibir sentimentos angustiantes de vazio,

tédio e tensões associadas. Swift e Letven (1984, cit. por Parmer, 1991) vão no mesmo sentido,

referindo que os indivíduos com Bulimia apresentam falhas básicas na estrutura do ego, fazendo

com que apresentem níveis elevados de tensão interna intolerável que enfraquecem a coesão do

self.

O acto de comer compulsivamente parece ser uma forma do sujeito se reunir com a mãe,

procurando restabelecer uma relação simbiótica com esta, na qual possa novamente sentir-se

seguro e tranquilo (Reich & Cierpka, 1998, cit. por Ruangsri, 2009). Surge, então, como uma

regressão, uma tentativa de ser cuidado, assim como uma forma de gratificação obtida aquando

da fase oral, como forma de possuir e controlar o objecto (Ruangsri, 2009). A comida na Bulimia

permite um sentido de omnipotência, associado à capacidade de resolver os problemas dos

indivíduos, permitindo alcançar um estado de tranquilidade, conforto, assim como possibilita a

regulação de emoções como a raiva, ansiedade, depressão e vergonha (Waters, Hill & Waller,

2001, cit. porRuangsri, 2009).

O Teste do Desenho da Família torna-se pertinente neste estudo dado que os vínculos

familiares dos indivíduos permitem um melhor conhecimento e aprofundamento dos aspectos

inerentes aos transtornos alimentares (Oliveira, 2004). Alguns autores (e.g. Fasolo & Diniz,

1998, cit. por Oliveira, 2004) verificaram que as figuras parentais de adolescentes com anorexia

são sentidas como muito exigentes, possuidoras de elevadas expectativas em relação às filhas,

esperando que estas sejam passivas, carinhosas e que correspondam ao padrão estético vigente.

Os pais descrevem-nas como inteligentes e bem sucedidas, tendo deste modo dificuldade em

compreender como a doença se desenvolveu. O subsistema parental é geralmente confuso, com

provocações contínuas, impedindo a solução dos problemas e nos quais os filhos são envolvidos

desde pequenos.

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De acordo com o estudo realizado por Blair, Freeman e Cull (1995, cit. por Oliveira, 2004),

as famílias de indivíduos com distúrbios alimentares apresentam um índice elevado de

superenvolvimento emocional, famílias emaranhadas, superprotetoras e com dificuldade na

resolução de conflitos. Mais especificamente, nas famílias com indivíduos anoréticos parecem

existir famílias percebidas como emaranhadas, ou seja, com elevado grau de coesão, rígidas e nas

famílias com indivíduos bulímicos verifica-se uma baixa coesão, famílias rígidas ou caóticas.

Este estudo visa, acima de tudo, avaliar os determinantes psicológicos associados às

perturbações do comportamento alimentar, através do Rorschach (SIR) e do Teste do Desenho da

Família. Pretendemos apresentar um estudo exploratório sobre os factores etiológicos dos

distúrbios do comportamento alimentar, nomeadamente Anorexia e Bulimia Nervosas, com

particular enfoque nos domínios da Imagem de Si, Relacionamento Interpessoal e Aspectos

Afectivos (Depressão VS Depressividade) avaliando a sua influência e relação com este tipo de

perturbações. Os instrumentos usados foram a observação realizada em contexto de avaliação, o

Teste Rorschach, de acordo com o Sistema Integrativo de Exner, o Desenho da Familia e o

Questionário da Doença de Par - Tânia Estrada.

MÉTODO

Sujeitos

Participaram neste estudo 22 pacientes diagnosticados com Anorexia Nervosa (12 casos) e

Bulimia Nervosa (10 casos), de acordo com os critérios de diagnóstico do DSM-IV TR e da

clínica privada com indicação para tratamento ou programa especializado de consulta semanal,

provenientes do Instituto Tania Estrada, que se dedica principalmente ao trabalho com pacientes

portadores destas patologias. Os sujeitos avaliados têm idade compreendida entre os 14 e os 42

anos, sendo que 16 sujeitos são do sexo feminino e 4 do sexo masculino. Todos os sujeitos foram

avaliados por psicólogos do Instituto Tânia Estrada e também pela equipa do Psicod.a.m. -

Centro de Psicologia Dra. Andrea Moniz, que foi convidada a trabalhar em parceria com o

Instituto designado.

Instrumentos

Teste de Rorschach (SIR): O Rorschach é uma prova perceptiva e projectiva que permite

recolher dados sobre os processos da personalidade dos indivíduos. Por outro lado, o Sistema

Compreensivo de Exner constitui um método multifacetado, uma vez que permite uma alta

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precisão e validade na aplicação, cotação e interpretação dos resultados (Anastasi & Urbina,

1998, cit. por La Madrid, 2011).

Para Exner, o Rorschach é sobretudo uma amostra de comportamento representativa de

como o sujeito reage perante situações de ambiguidade, na tomada de decisões e de resolução de

problemas (Estrada & Gonçalves, 2011).

Teste do Desenho da Família: O Desenho da Família é um teste de personalidade cuja

interpretação pode ser baseada nas leis da projecção. Para além de ser utilizado com crianças, é

também utilizado com adultos permitindo a projecção das percepções e sentimentos sobre a

própria família e das suas relações com a mesma. Este teste foi aplicado a 15 do total dos 20

pacientes, sendo que 10 pertencem ao grupo da Anorexia Nervosa e 5 ao grupo da Bulimia

Nervosa.

Questionário da Doença de Par: Questionário elaborado por Tania Estrada constituído por

18 itens com afirmações nas quais se detectam comportamentos de dependência do indivíduo

(em estudo) face ao outro, nomeadamente a mãe e, posteriormente ou concomitantemente, o

marido/namorado, e onde se identificam eventuais traços de baixa auto-estima e fraca auto-

imagem. O diagnóstico para a Doença de Par é determinado consoante o número das respostas

verdadeiras fornecidas pelos pacientes. Assim, se o número de respostas for igual ou superior a 9

consideramos que existe um nível positivo de dependência do sujeito (Doença de Par).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Teste de Rorschach (SIR)

Tabela 1- Média das Escalas: Imagem de Si, Relacionamento Interpessoal, Aspectos Afectivos e Outros

Indicadores

Anorexia Bulimia População sem

patologia

x D.P x D.P x D.P

Imagem de si

Índice de Narcisismo (Fr+rF) 0,1 0,3 0,5 1,0 0,4 0,9

Capacidade de Introspecção (FD) 1,1 0,8 0,6 0,7 1,5 1,5

Preocupação com o Corpo (An+Xy) 1,3 1,6 1,3 1,3 1,6 1,8

Auto-imagem Negativa (MOR) 1,3 1,7 1,9 1,1 1,3 1,3

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Relacionamento Interpessoal

Ligações afectivas (COP) 0,7 0,8 0,7 1,2 0,9 1,0

Assertividade/Agressividade (AG) 1,3 1,5 1,2 1,5 0,6 0,9

Dependência (Fd) 0,4 0,5 0,4 0,5 0,2 0,5

Isolamento (Bt+2Cl+Ge+Ls+2Na/R) 0,2 0,1 0,1 0,1 0,2 0,2

Aspectos Afectivos

Capacidade de autonomia e 2,4 1,9 1,4 1,8 2,3 2,2

auto-afirmação(S)

Nível de Stress (es) 7,6 3,1 9,7 4,4 8,7 4,2

Recursos (EA) 5,5 2,8 8,8 3,1 5,7 4,2

Fuga ao estímulo emocional (DR) 0,7 1,2 1,0 1,9 0,1 0,5

Estimulação emocional (Afr) 0,5 0,3 0,5 0,3 0,6 0,2

Convencionalidade (P) 3,4 1,8 2,8 1,5 4,9 1,8

Necessidade de contacto (T) 0,4 0,5 0,9 0,1 0,6 0,8

Desajuste perceptivo (X-%) 0,15 0,08 0,17 0,1 0,12 0,07

Respostas de Forma Pura (F) 14,0 7,8 9,7 5,0 9,6 4,6

Tabela 2 – Médias do Questionário da Doença de Par

Total Anorexia Bulimia

x D.P x D.P x D.P

Verdadeiro 13,3 2,7 13,5 2,6 13,2 3,3

Falso 4,6 2,4 4,5 2,6 4,8 3,3

Da comparação dos sumários estruturais e posterior análise de conteúdo obtiveram-se

resultados significativos nas escalas Imagem de Si, Aspectos Afectivos, Relacionamento

Interpessoal e noutros indicadores pertinentes, apresentados na tabela 1.

Os sujeitos com Anorexia não apresentam uma auto-imagem negativa (xMOR =1,3; D.P=

1,6), sendo que os resultados encontrados são semelhantes aos da população sem patologia. Estes

resultados não corroboram os da literatura já produzida, pois os indivíduos com anorexia são

descritos como sentindo que a sua imagem corporal não coincide com o corpo que têm, sentindo-

se insatisfeitos com a imagem que obtêm através do espelho, sendo a relação com o corpo

carregada de melancolia (Magalhães, 2009).

Os resultados apontam para um baixo narcisismo (xFr+rF=0,1; D.P=0,3) comparativamente à

população sem patologia. Geist (1989, cit. por Ruangsri, 2009) refere que os indivíduos com esta

patologia foram criados como extensão narcísica das suas mães, acabando por ser e fazer o que

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as suas mães gostariam. Portanto, os sujeitos tornam-se continuação e parte das mães, sem

individualidade própria.

Verificou-se nestes pacientes uma necessidade de hipercontrolar as descargas emocionais

(FC≥3(CF+C) e C=0). Além deste controlo das descargas emocionais, constatou-se que os

sujeitos com Anorexia apresentam um número elevado de respostas de forma pura em

comparação com a população normal (xF=14,0; D.P=7,8), o que pressupõe a utilização de

controlo intelectual, como evitação do processamento das emoções (Santos, 2009). Esta elevada

necessidade de controlo pode ser entendida como uma forma de os sujeitos com esta patologia

construírem um mundo próprio, previsível e passível de ser controlado pelo próprio (Torres,

Guerra & Estrada, s.d). A constituição de um self corporal permite aos indivíduos com Anorexia

possuírem domínio e capacidade de reorganização (Casper, 1992, cit. por Torres, Guerra &

Estrada, s.d). Assim, a Anorexia pode ser vista como uma manobra de separação do sujeito em

relação ao outro (Silva & Bastos, 2006), de evitar ser invadido pelo outro e preservar dos seus

próprios desejos e objectivos e a sua individualidade (Ruangsri, 2009). O não comer dos sujeitos

com anorexia seria uma forma de não consentir a intrusão do outro (Lemos, 2005). Por outro

lado, este controlo excessivo pode ser entendido como uma forma de compensar a ausência de

estrutura interna, sendo que através dele procura alcançar a plenitude, a purificação e a

competência (Bruch, 1962, cit. por Torres, Guerra & Estrada, s.d).

Esta necessidade de independência e de garantia da individualidade foi igualmente

encontrada no estudo. Verificou-se que os sujeitos com Anorexia apresentam capacidade de

autonomia (xS =2,4; D.P= 1,9), sendo esta ligeiramente superior à população sem patologia, em

que os valores encontrados apelam a uma procura de independência e auto-afirmação, uma

separação e desvinculação do sujeito em relação ao outro, como forma de negar a dependência

estrutural (Recalcati, 2001, cit. por Silva & Bastos, 2006).

Verificou-se que estes indivíduos tendem a procurar pouco contacto com outras pessoas

(xT=0,4; D.P= 0,5), sendo os resultados encontrados inferiores aos da população sem patologia.

Estes dados são corroborados pelos encontrados no estudo de La Madrid (2011), onde comparou

adolescentes com e sem Distúrbios Alimentares, onde as primeiras apresentavam

maioritariamente T (textura) ausente. Resultados mais próximos de 0 no determinante textura

apontam para indivíduos que tendem a evitar o contacto com os outros (Cassella & Viglione,

2009). Pode-se pensar que esta evitação do contacto íntimo se deve ao facto de qualquer

aproximação poder gerar confusão e conflito em vez de gratificação e satisfação, promovendo,

como defesa, a distância emocional.

Apesar da evitação do contacto, estes sujeitos não tendem a isolar-se, pois os valores

encontrados são semelhantes aos da população sem patologia (x=0,2; D.P= 0,1).

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O nível de stress encontrado nos sujeitos com Anorexia é inferior ao da população normal

(xes=7,6; D.P=3,1). Apesar disso, o nível de recursos para lidar com o stresse é ligeiramente

inferior ao da população normal (xEA=5,5; D.P=2,8). Estes resultados podem dever-se ao facto

da recusa alimentar baixar a capacidade de resposta aos estímulos (Miller, Redlich e Steiner,

2003).

Relativamente à Bulimia, verificou-se que os sujeitos com esta patologia apresentam

alguns traços narcísicos (xFr+rF =0,5; D.P= 1,0), em que os valores encontrados são ligeiramente

superiores aos da população sem patologia. O índice de narcisismo pode estar ligeiramente

elevado nestas pacientes dada a necessidade constante de procura da imagem ideal de si através

do olhar do outro. Aqui vemos que existe tendência para se narcisar como forma de se sentir

gostada e amada pelo Outro. Este Outro exerce a função de afirmar a qualidade e a beleza do

sujeito e servir como uma fonte de narcisismo primário, outrora ausente e vazio (Jeammet, 2003,

ci. por Secchi e Abeche, 2012). Além disso, tal como refere Secchi e Abeche (2012), as mulheres

com Bulimia tendem a ser charmosas, com disponibilidade libidinal e sedutoras. Por outro lado,

contrariamente aos sujeitos com Anorexia, os indivíduos com Bulimia sentem o seu self bulímico

como positivo, pois o comportamento bulímico é ao mesmo tempo uma afirmação do self e uma

autopunição (Sands, 1991, cit. por Marta, 2001).

Contrariamente à Anorexia, os sujeitos com Bulimia possuem uma auto-imagem negativa

(XMOR= 1,9; D.P= 1,1). Pode-se entender estes resultados como uma consequência da

dependência narcísica do Outro, dado que os sujeitos com Bulimia necessitam do Outro para

manter a sua auto-estima, valorização, sendo o corpo um foco importante. É através do olhar do

outro que se dá a regulação do narcisismo do sujeito.

Comparativamente à população normal e aos sujeitos com Anorexia, os sujeitos com

Bulimia apresentam um baixo isolamento (x=0,1; D.P=0,1). Tal pode explicar-se pelo facto dos

sujeitos com Bulimia estabelecerem relações nas quais procuram apoio e um objecto que possa

ser introjetado. Este objecto ocupa um lugar central para a regulação narcísica destes sujeitos,

dado que permite a manutenção da auto-estima dos sujeitos com Bulimia (Secchi e Abeche,

2012). Tal como refere Jeammet (2003, cit. por Secchi e Abeche, 2012), na Bulimia há uma

prevalência da exterioridade, um foco excessivo no que rodeia o sujeito, daí a necessidade de

contínuo contacto com os outros. De facto, no estudo verificou-se que os sujeitos com Bulimia

apresentam uma necessidade de contacto superior quer aos sujeitos com Anorexia quer aos da

população normal (xT=0,9; D.P=1,1). A par destes resultados encontrou-se uma capacidade de

auto-afirmação menor nos sujeitos com Bulimia, comparativamente à Anorexia e à população

normal. Esta menor capacidade de auto-afirmação (xS=1,4; D.P=1,8) pode ser entendida à luz da

necessidade de outros para a narcisação do próprio, estando o ideal do eu dependente do olhar

dos outros que rodeiam estes sujeitos.

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Obteve-se um nível elevado de stresse nos sujeitos com Bulimia (xes=9,7; D.P=4,4),

comparativamente à população sem patologia. Contudo, o nível de recurso para lidar com o

stresse é igualmente superior (xEA=8,8; D.P=3,1). De acordo com Johnson (1991, cit. por

Ruangsri, 2009), os indivíduos com Bulimia apresentam um ego suficientemente capaz para

compensar os défices.

Registou-se que os pacientes do estudo apresentam alguma preocupação com o corpo

(Anorexia: XAn+Xy=1,3; D.P= 1,6. Bulimia: XAn+Xy=1,3; D.P= 1,3), mas ainda mais baixa

comparativamente à população normal. Estes resultados reforçam a literatura, no sentido em que

a problemática dos Distúrbios Alimentares vai para além da preocupação com o corpo, pois o

conflito não é somente com a imagem corporal, com o peso ou com a comida, mas que o corpo,

nestas patologias, tem o papel de servir de meio de expressão da angústia interna (La Madrid,

2011), ou seja, a sua somatização.

A capacidade de introspecção destes pacientes é inferior à da população normal (Anorexia:

XFD=1,1; D.P= 0,8. Bulimia: XFD=0,6; D.P= 0,7). Estes resultados vão de encontro às

características da patologia destes sujeitos, dado que utilizam o corpo como expressão da sua

vida psíquica, não sendo capazes de utilizar outras formas saudáveis de expressar as suas

angústias. Além disso, dado que o self apresenta défices estruturais, a capacidade de coesão do

self, a estabilidade e a regulação da auto-estima dos sujeitos encontram-se comprometidas

(Ruangsri, 2009). Especificamente na anorexia, esta capacidade de introspecção está patente na

dificuldade no reconhecimento e identificação de emoções e sensações corporais (Torres, Guerra

e Estrada, s.d.).

Estes pacientes apresentam maior dependência (Anorexia e Bulimia:xFd =0,4; D.P= 0,5)

em comparação com a população normal. Estes resultados foram igualmente encontrados no

Questionário da Doença de Par (Anorexia: x=13,5; D.P= 2,6 e Bulimia: x=12,8; D.P=3,3),

como descritos na tabela 2. Os Distúrbios Alimentares são entendidos como uma forma de

conduta aditiva através da comida. A comida funciona como um self-objeto, através do qual os

indivíduos conseguem organizar-se psiquicamente de forma a não sentir o vazio (Scazufca e

Berlinck, 2004, cit. por Refosco e Macedo, 2010). Como refere Ruangsri (2009), a comida surge

como a representação do amor e carinho da mãe, promovendo as funções de self-objeto, dado

não terem uma mãe suficientemente boa que possibilitasse uma correcta separação, individuação

e a coesão do self para lidar com as crises características das diferentes fases da vida do

indivíduo. Assim, os indivíduos necessitam continuamente da comida para se manterem coesos.

Por outro lado, como refere Onnis (1994, cit. por Oliveira, 2004), a recusa em alimentar-se pode

ser entendida como uma forma dos indivíduos com Anorexia manterem uma identidade infantil e

um corpo frágil, o que fortalece os laços de dependência com os pais. Na Bulimia, por outro lado,

a dependência surge devido à necessidade de uma fonte de valorização externa, dada a extrema

vulnerabilidade, reflectindo a sua sensibilidade e dificuldade em encontrar a distância relacional

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correcta, oscilando entre dependência notória, mais idealizante do que passional, e retraimento

(Jeammet, 2003, cit. por Secchi & Abeche, 2012).

Apresentam-se disponíveis para participar nas relações (Anorexia: XCOP =0,7 D.P= 0,8;

XAG =1,3 D.P= 1,5 / Bulimia: XCOP =0,7 D.P= 1,2; XAG =1,2 D.P= 1,5). No entanto, os valores

de COP são relativamente inferiores em relação aos da população normal, enquanto os valores de

AG se apresentam como superiores. Contudo, os valores de COP e AG nestes sujeitos foram

superiores aos encontrados no estudo de La Madrid (2011) e no estudo de Moral e colaboradores

(2012). Por um lado, os sujeitos com Distúrbios Alimentares procuram relação com outros,

todavia, com alguma relutância e desconfiança. No caso específico da Bulimia, existe uma

procura do outro para a relação, sendo, no entanto, lhe dada indiferença e pouco valor, pois não o

entende enquanto diferente de si mesmo (Jeammet, 2003, cit. por Secchi & Abeche, 2012). Na

Anorexia, por seu lado, há um maior distanciamento dos outros para evitar o sofrimento com a

intimidade e permitir maior diferenciação e autonomia que este sujeitos tanto procuram e

desejam.

Obtiveram-se valores superiores no desajuste perceptivo nas duas patologias (Anorexia: xx-

=0,15 D.P=0,08; Bulimia: xx-=0,17, D.P=0,1) e pouca convencionalidade (Anorexia: xx-=3,4

D.P=1,8 1,3; Bulimia: xx-=2,8, D.P=1,5). Tal como refere La Madrid (2011), o maior número de

percepções idiossincráticas está relacionado com o facto dos aspectos afectivos se combinarem

com a ideação, sendo o processamento de reconhecimento da realidade distorcido.

Por fim, verificou-se a fuga ao estímulo emocional nestes pacientes (Anorexia: xDR=0,7

D.P=1,2; Bulimia: xDR=1,0, D.P=1,9), sendo mais elevado nos sujeitos com Bulimia. Além

disso, a estimulação emocional é ligeiramente inferior à população sem patologia (Anorexia e

Bulimia: xAfr=0,5 D.P=0,3). Este facto pode ser explicado pelo desconforto derivado de

situações ansiogénas e dolorosas. Tal como no seu quotidiano, estes pacientes lidam com

situações difíceis recorrendo à comida, fugindo assim do estímulo inicial, pois o refúgio no

alimento surge como forma de prevenir a ansiedade de desintegração (Lerner, 1983, cit. por

Ruangsri, 2009).

Tabela 3 – Percentagens dos índices do Desenho da Família

Anorexia Bulimia

Imagem de si

Egocentrismo 9,1% 50%

Narcisismo 18,2% 33,3%

Capacidade de introspeção 81,8% 50%

Preocupação com o corpo 27,3% 0

Auto-imagem negativa 90,9% 66,7%

Relacionamento Interpessoal

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Cooperação 45,5% 50%

Agressividade 54,4% 33,3%

Dependência 18,2% 16,7%

Movimentos passivos 72,7% 50%

Aspectos Afectivos

Controlo 54,5% 33,3%

Inibição das emoções 45,5% 0

Capacidade de auto-afirmação 9,1% 50%

Denegação 37,3% 0

Esperança 72,7% 83,3%

Défice de Coping 9,1% 0

Solidão 54,5% 33,3%

Imaturidade 45,5% 50%

Regressão 54,4% 50%

Através dos dados do Desenho da Família presentes na tabela 3, verificou-se que alguns

resultados corroboram os encontrados no Rorschach e outros não coincidem, indo, assim, ao

encontro da literatura.

Os sujeitos com Anorexia são os únicos a apresentar alguma preocupação com o corpo

(27,3%). Contrariamente ao encontrado no teste do Rorschach, os sujeitos com Bulimia não

apresentam preocupação com o corpo. Estes dados estão mais uma vez de acordo com a

literatura, reforçando que nestas patologias o foco no corpo se deve a uma dificuldade na

representação das emoções, utilizando o corpo como manifestação dessa mesma dificuldade.

Os sujeitos com Anorexia e Bulimia apresentam uma auto-imagem negativa (90,0% e

66,7% respectivamente). Estes valores vão de acordo com a literatura, onde se refere que os

indivíduos apresentam um distúrbio da imagem corporal (Saikali, Soubhia, Scalfaro e Cordás,

2004). Especificamente nos sujeitos com Anorexia, a sua auto-imagem é bastante negativa, tal

como refere Giordani (2006) a distorção da sua imagem corporal é de tal forma grave que,

mesmo extremamente magros, podem avaliar-se “gordos”, ou ainda, sentirem-se magros, mas

permanecendo preocupados com partes “gordas” do seu corpo.

Tal como encontrado no teste do Rorschach, os sujeitos com Anorexia não apresentam nem

egocentrismo (9,1%), nem narcisismo (18,2%). Já os sujeitos com Bulimia apresentam

egocentrismo (50%) e alguns traços narcísicos (33,3%). De facto, Oliveira-Cardoso e Santos

(2012), verificaram no seu estudo que as pacientes com Bulimia apresentam maior egocentrismo

e narcisismo do que as pacientes com Depressão. De novo, encontram-se aqui presentes algumas

características histéricas das bulímicas, dada a necessidade de constante valorização pelo Outro

(Secchi & Abeche, 2012). Os sujeitos com Anorexia e Bulimia apresentam, tal como verificado

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no teste do Rorschach, capacidade de introspecção, sendo mais elevada na Anorexia do que na

Bulimia (81,8% e 59%, respectivamente). Contudo, estes valores encontrados no Desenho da

Família são mais elevados do que os encontrados no Rorschach. Torres, Guerra e Estrada (s.d.)

detetram no seu estudo que pacientes com Anorexia possuem capacidades meta-emocionais,

permitindo-lhes pensar sobre as emoções, refletir sobre elas, imaginá-las e relembrá-las. Deste

modo, os dados deste estudo reforçam os resultados encontrados no Teste do Desenho da

Família.

Relativamente ao estabelecimento de relações, obtiveram-se resultados semelhantes aos do

Rorschach, relativamente à cooperação e à assertividade. Os sujeitos com estas patologias

tendem a procurar uma relação com os outros (cooperação- Anorexia: 45,5%; Bulimia: 50%),

mas estas relações apresentam-se com alguma carga negativa (agressividade - Anorexia: 54,4%;

Bulimia: 33,3%).

Contrariamente ao obtido com Rorschach e com o Questionário da Doença de Par, os

níveis de dependência são muito baixos tanto na Anorexia como na Bulimia (18,2% e 16,7%,

respetivamente). Apesar desta não dependência, encontra-se, contudo, patente uma necessidade

de regressão, de voltar à infância (Anorexia: 54,4% e Bulimia: 50%). Alguns pacientes

relataram o desejo de voltar à infância ou identificaram-se com crianças da família como forma

de poder renascer de novo. Esta necessidade de regressão, pode ser entendida como uma forma

de tentar encontrar os cuidados, protecção, atenção e carinho que sentiram que não tiveram nas

suas próprias infâncias, numa tentativa de reparar a sua infância e a relação exclusiva com a mãe.

A par desta necessidade de regressão e de renascer de novo, verificou-se em ambas as

patologias um sentido de esperança e melhoria face ao futuro (Anorexia: 72,7% e Bulimia:

83,3%). É de salientar que o índice de Depressão no Rorschach em ambas as patologias foi

inferior a 5, o que indica que não se encontram deprimidas. Dado não possuirem Depressão, o

sentimento de desesperança é, também ele, mais baixo. É ainda de referir que todos os pacientes

avaliados se encontram em terapia, o que implica que algumas questões inerentes à patologia

possam estar mais resolvidas e tenham criado maior confiança na sua recuperação e melhoria do

seu estado de saúde.

Contrariamente ao encontrado no Rorschach, os sujeitos com Anorexia apresentam uma

capacidade de auto-afirmação muito baixa (9,1%) e elevada passividade (72,7%). Os sujeitos

com Anorexia são normalmente descritos como tendo sido crianças perfeitas que nunca

enfrentaram os pais, satisfazendo-lhes os desejos, tendo, assim, dificuldade em autonomizar-se e

em separar-se dos pais (Bruch, 1973, cit. por Oliveira, 2004). Deste modo, pode deduzir-se que

procuram desesperadamente tomar controlo sobre si próprias e sobre a sua identidade, sendo que

esta procura apenas consegue ser alcançada através da recusa em alimentarem-se. De facto,

apesar de auto-afirmação se encontrar muito baixa, o controlo encontra-se mais elevado (54,5%),

o que vai de encontro ao referido anteriormente. É através da procura de controlo em geral que os

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indivíduos com Anorexia alcançam um sentido de identidade pessoal e de autonomia (Bruch,

1973, cit. por Scazufca & Berlinck, 2004). O facto destes sujeitos utilizarem o controlo dos seus

impulsos e sentimentos explica a presença de alguma inibição das emoções (45,5%) e de alguma

denegação dos afectos (37,3%).

Na Bulimia, contrariamente, os sujeitos apresentam um equilíbrio entre a capacidade de

auto-afirmação (50%) e a passividade (50%) e utilizam menos o controlo do que os sujeitos com

Anorexia (33,3%). Este baixo controlo pode ser entendido à luz da própria patologia, pois os

sujeitos com Bulimia ingerem vorazmente os alimentos, tendo dificuldade de controlar a

quantidade de alimentos que são ingeridos. Além disso, a sua constante dependência do olhar e

da opinião do outro faz com que haja uma diminuição de controlo sobre si e sobre o seu

comportamento. Conjuntamente com um menor controlo, encontrou-se uma ausência total da

inibição das emoções (0) e de denegação dos afectos (0).

Tal como no Rorschach, os sujeitos com ambas as patologias não apresentam Défice de

Coping no Teste do Desenho da Família (Anorexia: 9,1% e Bulimia: 0).

Os sujeitos com Anorexia apresentam sentimentos de solidão (54,5%). Estes sentimentos

advêm da dieta rigorosa a que estes pacientes se sujeitam, o que exige um elevado índice de

energia emocional e concentração, deixando pouco tempo e espaço disponível para outros

(Ágora, 2000). Assim, isolam-se da família e do seu grupo de pares, evitando, por vezes,

situações sociais que envolvam comida. Contrariamente, os sujeitos com Bulimia apresentam

poucos sentimentos de solidão (33,3%). Este resultado encontra-se enquadrado na própria

patologia dos indivíduos com Bulimia, pois procuram nas relações com os outros a satisfação de

desejos, de prazeres imediatos, em grande variedade e quantidade, sendo que o outro na relação

se torna um objecto que supra as suas necessidades narcísicas (Secchi & Abeche, 2012).

O índice de imaturidade encontra-se presente em ambas as patologias, mas com valor

inferior na Anorexia (Anorexia: 45,5% e Bulimia: 50%). Esta imaturidade pode ser entendida

com base no que já foi referido acima, nomeadamente as dificuldades em autonomizar-se, a

dependência, a regressão e a passividade. Além disso, a imaturidade pode ser explicada pelo

facto de os indivíduos com Anorexia e Bulimia ficarem fixados nos estádios primitivos de

desenvolvimento, comprometendo o amadurecimento normal e sadio.

Tabela 4 – Identificação, Relações privilegiadas e conflituosas, Sentimentos positivos e negativos,

Autoridade no Teste do Desenho da Família

Anorexia Bulimia

% %

Identificação

Mãe 0% 33,3%

Pai 0% 16,7%

Próprio 63,6% 16,7%

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Irmãos 9,1% 0%

Filhos 0% 16,7%

Ninguém 9,1% 0%

Esposo(a) 0% 16,7%

Relações Privilegiadas

Mãe 9,1% 0%

Pais 0% 16,7%

Irmãos 9,1% 0%

Filhos 18,2% 50%

Esposo(a) 9,1% 0%

Relações conflituosas

Mãe 27,3% 16,7%

Pai 27,3% 0%

Pais 9,1% 0%

Irmãos 9,1% 16,7%

Filhos 0% 0%

Esposo(a) 18,2% 16,7%

Outros 9,1% 16,7%

Sentimentos Positivos

Mãe 0% 16,7%

Pai 0% 16,7%

Próprio(a) 9,1% 50%

Irmãos 18,2% 0%

Filhos 18,2% 33,3%

Esposo(a) 9,1% 0%

Outros 18,2% 0%

Sentimentos negativos

Mãe 27,3% 16,7%

Pai 18,2% 16,7%

Próprio(a) 9,1% 33,3%

Pais 18,2% 0%

Irmãos 18,2% 16,7%

Filhos 18,2% 0%

Esposo(a) 18,2% 0%

Outros 0% 16,7%

Autoridade

Mãe 27,3% 16,7%

Pai 36,4% 0%

Próprio(a) 9,1% 33,3%

Pais 9,1% 0%

Irmãos 0% 16,7%

Filhos 0% 16,7%

Esposo(a) 18,2% 16,7%

Outros 0% 50%

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Com base na tabela 4 verifica-se que os sujeitos identificam-se consigo próprio(a)s

(63,6%), com os irmãos e com ninguém da família (9,1%). Estabelecem relações privilegiadas

com os filhos (18,2%), com a mãe, com os irmãos e com o(a) esposo(a) (9,1%). Têm relações

conflituosas com a mãe, com o pai (27,3%), com o(a) esposo(a), com ambos os pais, irmãos e

outros (9,1%). Os sentimentos positivos são associados aos filhos, aos irmãos e a outros

(18,2%), ao próprio(a) e ao esposo(a) (9,1%). Atribuem sentimentos negativos à mãe (27,3%),

ao pai, a ambos os pais, aos irmão, aos filhos, ao esposo(a) (18,2%) e ao próprio(a) (9,1%). Por

último, a autoridade é atribuída ao pai (36,4%), à mãe (27,3%), ao esposo(a) (18,2%), ao

próprio e a ambos os pais (9,1%).

Os sujeitos com Bulimia identificam-se com a mãe (33,3%), com o pai, com o(a)

próprio(a), com os filhos e com o(a) esposo(a) (16,7%). Apresentam relações privilegiadas com

os filhos (50%), com ambos os pais (16,7%). Têm relações conflituosas com a mãe, com os

irmãos, com o(a) esposo(a) e outros (16,7%). Os sentimentos positivos são associados ao próprio

(a) (50%), aos filhos (33,3%), à mãe e ao pai (16,7%). Atribuem sentimentos negativos ao

próprio (33,3%), à mãe, ao pai, aos irmãos e a outros (16,7%). Por fim, a autoridade é atribuída

a outros (50%), ao próprio(a) (33,3%), à mãe, aos irmãos, aos filhos e ao esposo(a) (16,7%).

Destes resultados depreende-se que os sujeitos com Anorexia identificam-se consigo

próprios, têm relações privilegiadas com os filhos, relações conflituosas com a mãe e com o pai,

atribuindo sentimentos positivos aos irmãos e filhos e sentimentos mais negativos à mãe, sendo a

autoridade colocada no pai. Assim, vemos que a relação com os pais é problemática, sendo a mãe

carregada de aspectos negativos e ao pai é ainda atribuída a autoridade. Verifica-se a tentativa de

separação e individuação dos sujeitos com Anorexia, pois identificam-se consigo próprios,

recusando a dependência face a outros.

Os sujeitos com Bulimia identificam-se mais com a mãe, estabelecem relações

privilegiadas com os filhos, relações conflituosas com vários (mãe, irmãos, filhos e outros),

atribuem mais sentimentos positivos e negativos a si próprios, sendo a autoridade colocada em

outros e nos próprios. Ao mesmo tempo apresentam relações conflituosas e privilegiadas com a

mãe e igualmente atribuem sentimentos positivos e negativos a si. Contrariamente à Anorexia,

identificam-se mais com a mãe. Neste sujeitos não encontramos nenhum padrão de

comportamento, o que reflecte a instabilidade afectiva e comportamental dos indivíduos com esta

patologia, apresentando oscilações entre tudo e nada (Secchi & Abeche, 2012).

CONCLUSÃO

Este estudo mostra que o Teste do Rorschach apresenta-se como um teste capaz e com

propriedades na identificação e em corroborar as teorias desenvolvidas sobre o funcionamento

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psicológico dos sujeitos com estas patologias. Apesar disso, certos índices que se esperava que se

encontrassem elevados, como a auto-imagem negativa, a preocupação com o corpo, questões

pantognomónicas destas patologias, não foram obtidos. O Teste do Desenho da Família vem,

deste modo, complementar o Teste Rorschach, fornecendo dados acerca da auto-imagem

negativa, assim como das relações que estes sujeitos estabelecem com a sua família, como se

vêem a si mesmos no seu seio familiar e que perspectivas de futuro e mudança que desejam para

si. Os resultados obtidos no Teste do Desenho da Família apoiaram alguns dos dados obtidos

através do Teste do Rorschach e, por outro, apoiaram a literatura existente.

Conclui-se, deste modo, que estas duas provas projectivas permitem um conhecimento

aprofundado e alargado dos indivíduos com Anorexia e Bulimia Nervosas, sendo que a utilização

destas provas nas Avaliações Psicológicas constituem uma mais-valia para a compreensão do

surgimento da patologia e sua severidade em cada paciente. Por outro lado, os dados obtidos

através destas provas permitem um delineamento do tratamento psicológico destes indivíduos

com vista à melhoria do estado de saúde geral e à esperança no alcance de formas sãs de

resolução de conflitos internos.

Os resultados obtidos em ambas as provas não nos proporcionaram dados novos para a

compreensão destas patologias, o que por um lado só comprova que a bibliografia vem ao

encontro dos resultados que encontramos. Sugerimos em futuros estudos um maior número de

pacientes em estudo, a distribuição homogénea de sexos pelos dois grupos e a possibilidade de

termos pacientes em fases semelhantes do seu tratamento, pois o contrário, pode ter condicionado

alguns resultados.

Sugere-se para futuras investigações a elaboração de estudos comparativos entre sujeitos

do sexo masculino e sexo feminino, com Anorexia e Bulimia, com diagnóstico específico dentro

de cada patologia (a tipologia da Anorexia e Bulimia em questão), de forma a compreender as

diferenças do funcionamento psicológico em mulheres e homens com Distúrbios Alimentares.

Assim, e após estas reflexões, seria de todo o interesse dar continuidade a este estudo,

corrigindo as questões ora levantadas e avançando ainda com mais informação sobre o

comportamento alimentar e suas perturbações.

Resta-nos acrescentar que foi com enorme prazer que contribuímos para este estudo

exploratório, que nos permitiu para além do maior conhecimento dos temas em causa, uma

interação em equipa mais intensa e produtiva, e por tudo… estamos gratos!

Inferências da experiência da Dr.ª Tânia Estrada na compreensão da

Anorexia e Bulimia

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Nas Terapias de Grupo realizadas pelo Instituto Tânia Estrada® com os pacientes avaliados

pelo PSICOD.A.M., verificou-se a dificuldade dos pacientes com estes distúrbios alimentares em

expressar o prazer e seu respectivo significado. Existe, assim, um vazio emocional que surge face

à ausência de prazer. Palavras como gozo, paixão, mudança, brilho, assim como talento, sonhos,

conquista ou vida, não fazem parte do seu discurso. Contrariamente, encontra-se presente um

estado deprimido onde não existe e não retiram prazer em nada.

Além deste vazio emocional e ausência de prazer surge, consequentemente, a falta de

autonomia. Esta falta de autonomia pode ter origem em:

PCA =(Cultura da Abundância “Os MEMES” + Medo do Fracasso + Perfeição) =

+Críticas * Codependências

√ (Depressão)

Esta fórmula permite entender a origem das perturbações do comportamento alimentar.

Sugere-se, assim, esta fórmula que ajuda na simplificação destas doenças.

Sentir prazer, viver a possibilidade de explorar pequenas situações sem se sentir

assombrado pelo medo e pela ansiedade, é algo que a civilização moderna foi privando o ser

humano de usufruir. Anteriormente devia-se a motivos religiosos ou a motivos económicos,

contudo, actualmente, os motivos são pela ausência de condições de fruição, pelo excesso de

artificialidade de que está envolta a vida humana. É necessário o recurso a artifícios para se ter a

ilusão do prazer. O prazer pelo prazer é condenável – é desnecessário, pensa-se – tudo deve ser

útil. Haverá algo mais útil para a saúde mental que o prazer? O prazer de rir, dançar, descontrair,

fruir, descontrair, descomprimir, relaxar os músculos das áreas cervicais, faciais, torácicas –

simplesmente relaxar e abandonar a tensão sistemática?

A vida é tensão, é procura de equilíbrio seja ele metabólico, psicológico/emocional,

social/relacional. O contraponto para esse equilíbrio são os momentos de prazer efectivo, de

fruição. Recorreremos brevemente a Freud para retomarmos os princípios básicos da

sobrevivência e que se justificam plenamente aqui – os princípios do prazer e da realidade – e o

conceito de Lacan de inconsciente colectivo.

Freud pode ter sido ultrapassado em muitos dos aspectos das suas teorias, mas há princípios

básicos inegáveis: toda a educação humana é a negação do princípio do prazer e a imposição do

princípio da realidade – opõem-se e não se complementam e, dessa forma, a procura do prazer

Vazio Emocional

e

Depressão

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terá sempre que obedecer a formas civilizacionalmente aceitáveis. Toda a procura de prazer terá

que envolver esforço, dor, privação, negação, rejeição, punição, fuga e, finalmente, conseguir-se

o objectivo de obter pequenos prazeres fugazes que não conformam o verdadeiro prazer. A

realidade com que nos confrontamos é muito mais pertinente. Ela impõe-se-nos e vigia-nos,

impedindo-nos de sermos espontâneos, controlando as nossas manifestações comportamentais

sob a vigia do olhar atento do outro. Vivemos em função do outro e esta interacção condiciona

irremediavelmente as nossas reacções, porque o espaço é de partilha e exige contenção,

autocontrolo para permitirmos a manifestação do outro. A presença da alteridade dá-nos sentido,

mas também nos priva de nos manifestarmos absolutamente. É esta alteridade que completa e

complementa o Eu, devolvendo-nos a nossa auto-imagem, a nossa auto-estima e nos proporciona

autonomia. O prazer sempre foi objecto de reflexão, desde que se produziram os primeiros

indícios ou registos sobre a temática das perturbações do comportamento alimentar no Instituto

Tania Estrada. Assim, concluímos que nas perturbações do comportamento alimentar há grande

dificuldade em alcançar o equilíbrio entre a obtenção de prazer e a sua adaptação à realidade.

Tendo em conta o nível de dependência destes indivíduos face ao outro, há uma primazia daquilo

que o outro quer, em detrimento da autenticidade, personalidade e felicidade do indivíduo, com o

intuito de obter o amor do outro e a perfeição.

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