Tratado de Direito Privado Tomo23

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TRATADO DE DIREITO PRIVADO PARTE ESPECIAL TOMO XX III Direito das Obrigações: Auto-regramento da vontade e lei. Alteração da. relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. LIVRO IV DIREITO DAS OBRIGAÇÕES TITULO 1 OBRIGAÇÕES E SUAS ESPÉCIES (continuação) PARTE II Auto-regramento da vontade e lei CAPITULO 1 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E ATOS HUMANOS § 2.767.Atividade humana e auto-repramento da vontade. 1Precisões. 2. Limitações à vontade humana5§ 2.768.Lugar, tempo e objeto da prestação . 1. Obrigação e prestação. 2. Aprontação da prestação CAPÍTULO II LUGAR DA PRESTAÇÃO § 2.769.Conceito de lugar da prestação. 1. Precisões. 2. Lugar da prestação e lugar do adimplemento § 2.770.Determinação do lugar da prestação. 1. Espécies. 2. Tradição posse de imóvel e prestações relativas a imóveis. 3. Dívidade ir levar e dívida de vir buscar. 4. Ônus da prova .. 15 § 2.771.Mudança de circunstãncias e convenção posterior. 1. Domicílio do devedor e mudança. 2. Obrigações sob condição ou a termo. 1. Mudança de domicílio do credor se êsse domicílio o lugar da prestação. 4. Alterações oriundas de cláusulas o pactos de mudança do lugar da prestação 21 CAPITULO III TEMPO DA PRESTAÇÃO § 2.772. Determinação do tempo. 1. Direito e pretensão, no tempo. 2. Irradiação de eficácia e tempo. 3. Fixação do tempo pelo devedor. 4. Acontecimento futuro e prazo. 5. Adjeção do dia e do devedor. 6. Implemento antes

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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

PARTE ESPECIAL

TOMO XX III

Direito das Obrigações: Auto-regramento da vontade e lei. Alteração da. relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia

Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. LIVRO IV DIREITO DAS OBRIGAÇÕES TITULO 1 OBRIGAÇÕES E SUAS ESPÉCIES (continuação) PARTE II Auto-regramento da vontade e lei CAPITULO 1 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E ATOS HUMANOS § 2.767.Atividade humana e auto-repramento da vontade. 1Precisões. 2. Limitações à vontade humana5§ 2.768.Lugar, tempo e objeto da prestação . 1. Obrigação e prestação. 2. Aprontação da prestação CAPÍTULO II LUGAR DA PRESTAÇÃO § 2.769.Conceito de lugar da prestação. 1. Precisões. 2. Lugar da prestação e lugar do adimplemento § 2.770.Determinação do lugar da prestação. 1. Espécies. 2. Tradição posse de imóvel e prestações relativas a imóveis. 3. Dívidade ir levar e dívida de vir buscar. 4. Ônus da prova .. 15 § 2.771.Mudança de circunstãncias e convenção posterior. 1. Domicílio do devedor e mudança. 2. Obrigações sob condição ou a termo. 1. Mudança de domicílio do credor se êsse domicílio o lugar da prestação. 4. Alterações oriundas de cláusulas o pactos de mudança do lugar da prestação 21 CAPITULO III TEMPO DA PRESTAÇÃO § 2.772. Determinação do tempo. 1. Direito e pretensão, no tempo. 2. Irradiação de eficácia e tempo. 3. Fixação do tempo pelo devedor. 4. Acontecimento futuro e prazo. 5. Adjeção do dia e do devedor. 6. Implemento antes

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do termo. 7. Denúncia e axigibilídade . 8. Aformabilídade da denúncia. 9. Interesse dos figurantes e denúncia. 10. “InterusuriUrtl”. 11. Condição e exigibilidade. 12. Prestações recíprocas simultâneas (toma-lá-dá-cá) .2.773.Regra. jurídicas interpretativas. 1. Conteúdo do art. 952 do Código Civil. 2. Ônus da prova, 3. Vontade expressa 2.774. cita e “lus Interpretativum”Ação de prestação fatura. 1. Ações no tocante à prestação futura. 2. Ação do art. 954 do Código Civil. 3.Concurso de credores 2.775.Tempo de adimplir . 1. Pretensão e exceção. 2.Eficácia da oposição da exceção 2.776.Liberação antes do termo. 1. Exigibilidade e liberabilidade. 2. Convenção em contrário à execução antecipada . OBJETO DA PRESTAÇÃO 2.777.Objeto do credito. 1. Conceito. 2. Objeto de direito e objeto de crédito 2.778. 1. Dação e objeto da dação. 2.Direito à prestação da posse e direito à restituição. 3. Dação anterior, simultanae posterior ao direito. 4. Entrega da posse imediata, da posse mediata e da posse própria 2.779.Bem fasivel. 1. “Facere”. 2. Prestações pessoais e prestações materiais. 3. Prestação única, prestação repetida, prestação continua 2.780. Bem isegatit’o (bem absteacional). 1. Prestação de não fazer. 2.Direito pessoal e direito real a que não se faça .... 2.781. Obrigação e sucessão. 1. Posição do. problema. 2. Objetos de permanência objetiva CLÁUSULAS E PACTOS Negócio juridico como todo. 1. Negócio jurídico e integração do querer. 2. Cláusulas Manifestações unilaterais de vontade e manifestações bilaterais ou plurilaterais. 1. Promessas unilaterais e outros negócios juridicos unilaterais. 2. Negócios jurídicos bilaterais e multilaterais PARTE III inserção e adjecção. 1. Dois conceitos e duas eficácias. 2. Soma de alterações Espécies de alterações. 1. Enumeração dos assuntos. 2. Traços comuns ALTERAÇÕES NEGOCIAIS DOS CRÉDITOS § 2.787.Direito romano e comum. 1. Alcance do assunto. 2. Direito romano. 3. Direito comum e contemporâneo. 4. Alterações oriundas de negócio jurídico bilateral ou plurilateral e de negócio jurídico unilateral 2.788.Concepção, e interpreta 5.o e forma da alteração negocial 1. Conteúdo. 2. Interpretação da alteração e dúvida. 3.Forma DOLO E CULPA

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§ 2.789.Conceito de dolo e de culpa. 1. Precisões. 2. Dolo §2.790.Culpa1. Espécies de culpa. 2. Pré-exclusão da responsabilidade § 2.791.Dolo1. Dolo no adimplemento. 2. Contratos unilaterais.3. Dolo do devedor e mora do credor CAPITULO IV FORÇA MAIOR E CASO FORTUITO § 2.792.Conceitos. 1. “Casus” e “vis maior”. 2. Emprego dos conceitos. 3. “Ratio legis” 2.793.Natureza da responsabilidade pela fórça maior e pelo caso fortuito. 1. Direito romano. 2. Glosadores e direito comum. 3. Definição de fôrça maior e caso fortuito. 4. Inevitabilidade “in abstracto” e inevitabilidade “ín concreto”. 5. Atitudes na doutrina. 6. Teoria objetiva e teoria subjetiva, doutrina e jurisprudência. 7. Fôrça maior ou caso fortuito e fidúcia .... § 2.794.Á das espécies principais. 1. Principio de não-responsabilidade pelo caso fortuito ou de fôrça maior. 2. Obrigação de prestar coisa certa e caso fortuito ou fôrça maior. 3. Obrigação de prestar coisa incerta. 4. Obrigações de fazer e de. não fazer. 5. Mora e fôrça maior ou caso fortuito. 6. Hospedarias e estalagens. 7. Trapiches e armazéns de depósito, armazéns gerais. 8. Transportes. 9. Viagens, equipagem e carga. 10. Fretamentos. 11. Comissão mercantil. 12. Compra-e--venda. 18. Exame das espécies principais Alterações das relações jurídicas obrigacionais CAPITULO V ESPÉCIES DE ALTERAÇÕES SEM QUE BIA DA IDENTIDADE DA RELAÇÃO JURÍDICA 5 2.784. Negócios jurídicos e fales alterantes. 1. Conteúdo e alterações.2.Alterações do negócio jurídico e pactos adjectos IMPOSSIBILIDADE DO ADIMPLEMENTO § 2.796. impossibilitação e deterioração. 1. Conceitos. 2. Guerra e revolução. 3. Obrigações de fazer. 4. Obrigações de dar. 5. Obrigações de não fazer. 6. Prazo de interesse na prestação. 7. Suportabilidade e limites de sacrifício 2.796. § 2.797.Impossibiitação parcial. 1. Liberação parcial. 2. Contraprestação não-fungirel. 3. ônus de alegar e provar 2.798 Obrigações alternativas. 1. Culpa do devedor. 2. Culpa do credor na impossibilidade. 3. Impossibilidade sem culpa do devedor e do credor. 4. Impossibilitação em parte MORA 1 2.798.Conceito de mora. 1. Mora e memória. 2. Mora e alteração do conteúdo das obrigações § 2.799.Espécies de dívidas e mora. 1. Obrigações negativas. 2. Atos ilícitos absolutos. 3. Obrigações naturais, pretensões mutiladas e pretensões encobertas § 2.800.Mora e responsabilidade. 1. Natureza da mora. 2. Mora do devedor e culpa. 3. Mora do credor e culpa. 4. Pressupostos da mora quanto à obrigação. 5. Pluralidade de obrigações. 6. Mora parcial

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CAPITULO VII MORA DO DEVEDOR § 2.801.Conceito de mora do devedor. 1. Devedor e moia. 2. Exigibílidade § 2.802.“Dies interpellat pro h.omine” (art. 96<), alínea j.a e mora “ez rc”. 1. Principio da mora automática. 2. Obrigação positiva e líquida. 3. Dia fixado para o adimplemento e mora. 4.Pressupostos da liquidez e positividade da dívida na espécie do art. 960. alínea l.. 5. Caráter do art. 960, alínea 1a 6. Obrigações negativas (art. 961). 7. Obrigações oriundas de fatos ilícitos. (art 962) § 2.803.Mora por interpelação. 1. Interpelação, ato jurídico “stricto sensu”. 2. Intimação contida na citação inicial ou na intimação da reconvenção. 3. Prestação sobre que se interpela. 4. Interpelação e revogação. 5. Prestação tida como imprópria. 6. Interpelação e mora. 7. Litispendência. 8. Adimplemento não--satisfatório § 2.804. Lugar e tempo da interpelação. 1. Tempo da interpelação. 2. Interpelação e lugar § 2.805.Mora e denúncia. 1. Denúncia e prazo para prestar. 2. Dois ou mais créditos § 2.806.Imputabilidade do ato ou omissão. 1. Inadimplemento de ato positivo ou negativo. 2. Mora e exceção. 3. Caso fortuito ou fôrça maior e mora. 4. Prova da não-imputabilidade. 5. Declaração do devedor de se achar em mora § 2.807.Natureza da mora e purgação. 1. Contrariedade -a direito e mora. 2. Oblação côngrua e purga da mora. 3. Citação e purga da mora. 4. Terceiro e purga da mora § 2.808.Mora e exceção. 1. Adimplemento e exceção. 2. Exercício da exceção e mora § 2.809.Conseqüências da mora. 1. Responsabilidade do devedor em mora. 2. Deveres e infração 3. Dano reparável. 4. Juros moratórios. 5. Mora e cláusula penal. 6. Guarda e conservação da prestação. 7. Pretensão à resolução do contrato bilateral. 8.Prestação tornada sem utilidade para o credor. 9. Negócio jurídico fixo. 10. Alternativa, em caso de impossibilidade parcial , nas obrigações de dar coisa certa. 11. Ressalva das pretensões indenízat6rias. 12. Mora somente quanto a -parte da prestação. 13. Prejuízos resultantes da mora. 14. Reembolso de despesas. 15. Indenização pelo inadimplemento e indenização pela mora. 16. Resolução por inadimplemento. 17. Pré-contratos. 18. Impossibilidade da prestação e mora CAPITULO VIII MORA DO CREDOR § 2.810.Preliminares. 1. Mora do credor e mora do devedor. 2. ELEmentos do suporte fáctico. 3. “Oblatio” ou apresentação da prestação201 § 2.811.Conceito de mora do credor. 1. Precisão. 2. Conceito. 3. Pressupostos. 4. Recepção e mora do credor. 5. Em princípio, não há dever de receber. 6. Mora do credor nada tem com a culpa § 2.812.Pressupostos da mora do credor. 1. Enumeração. 2. Permissão de prestar. 3. Oblação. 4. Oblação real e oblação verbal. 5. Falta de cooperação. 6. Natureza do ato, negativo ou positivo, do credor § 2.813.Legitimação para provocar a mora do credor. 1. Pontualidade do devedor e impontualidade do credor. 2. Quem pode praticar 2.814. o ato oblativo Dever de retirar. 1. Conceito. 2. Conseqüências da mora a respeito do dever de retirar. 3. Compra-e-venda e dever de retirar § 2.815.Conseqüências da mora. 1. Classificação dos efeitos. 2. Atenuação da responsabilidade do credor. 3. Riscos que suporta o credor em mora. 4. Auto-liberação do devedor. 5. Pretensão do devedor a indenização de danos e de gastos a mais. 6. Consignação da prestação e abandono da posse. 7. Impossibilidade de que e responsavel o credor

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§ 2.816:Extinção da mora. 1. Causas de extinção. 2. Cessação e declaração de inexistência da mora. 3. Purgacão da mora do credor TITULo II MUDANÇA DOS SUJEITOS DAS RELAÇÕES PESSOAIS JURÍDiCAS PARTE 1 Transmissão de créditos e de dividas, de pretensões, obrigações e ações CAPITULO 1 SUCESSÃO EM CRÉDITOS § 2.817.Dados históricos sobre sucessão em créditos. 1Direito romano. 2. Concepção germânica e direito comum247§ 2.818.Precisões conceptuais 1. Relação jurídica e pólos da relação.2. Plano de exposição CAPITULO II SUCESSÃO EM DÉBITOS § 2.819. § 2.820. Dados históricos sobre sucessão em dívidas. 1. Direito romano. 2. Direito comum. 3. Direito contemporâneO Institutos modernos. 1. Relação jurídica e sujeito passivo.2.Assunção de dívida alheia. 3. Assunção cumulativa de dívida. 4. Assunção de adimplemento. 5. Promessa de assunção e de co-assunção de dívida. 6. Novação com mudança de sujeito passivo. 7. Assunção de dívida alheia e extensão da eficácia 8 subjetiva CAPITULO III CESSÃO DE CRÉDITOS § 2.821.Fontes do sistema jurídico. 1. Direito romano e direito germânico. 2. Direito germânico. 3. Direito brasileiro .... Seção 1. CESSÃO DE CRÉDITOS EM SUA EXISTÊNCIA E VALIDADE § 2.822.Conceito e natureza. 1. Conceito. 2. Cessão de crédito, negócio jurídico abstrato. 3. Forma. 4. Crédito, pretensão e ação § 2.823.Credibilidade e incredibilidade dos créditos. 1. Conteúdo do art. 1.065 do Código Civil. 2. óbices à cessão de crédito. 3. Conteúdo inalterável do crédito e incredibilidade. 4. Qualidade do credor e incredibilidade. 5. Incredibilidade por ligação a determinada coisa. 6. Outras espécies. 7. Incredibilidade legal. 8. “Pactum de non cedendo” § 2.824.“Pactum de non cedendo”. 1. “Convenção com o devedor” (Código Civil, art. 1.065, “in fine”). 2. Forma da cláusula ou do pacto de não ceder § 2.825.Infração da proibição de ceder. 1. Questão prévia. 2. Eficácia da incredibilidade. 3. Eliminabilidade da incredibilidade .. § 2.826.Cessão fiduciária de direitos. .1. Cessão fiduciária de direito e transferência fiduciária da propriedade.

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2. Constituição e eficácia da cessão fiduciária. 3. Cessão fiduciária para segurança. 4. Cessão fiduciária de crédito para cobrança. 5. Cessão fiduciária e autorização. 6. Cessão fiduciária de ações nominativas. 7. Transmissão fiduciária da propriedade móvel § 2.827.Eficácia da cessão de crédito. 1. Início da eficácia. 2. Direitos acessórios, direitos secundários e direitos auxiliares. 3. Privilégios e direitos de preferência ligados ao crédito. 4. Objeções e exceções. 5. Cessão de crédito oriundo de contrato bilateral. 6. Simulação entre o devedor e o credor cedente. 7. Nulidade e anulabilidade da cessão. 8. Procuração em causa própria e cessão de crédito. 9. Negócio jurídico básico e cessão de crédito 2.828.Instrumento e forma da cessão. 1. Cessão de crédito e instrumentação. 2. Forma SEÇÃO II. NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR E REVOGAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO § 2.829.Notificação do devedor. 1. Exigência legal, no plano da eficada. 2. Natureza da notificação ao devedor. 3. Ocorrências após a notificação ao devedor 4. Legitimação ativa para a notificação. 5. Eficácia da notificação. 6. Registro e outras formalidades. 7. Reação do devedor notificado. 8. Simulação do cedente. ‘9. Objeção de incredibilidade de origem negocial § 2.830.Declaração de conhecimento feita pelo devedor. 1. Texto legal e problema de interpretação. 2. Natureza da declaração escrita feita pelo devedor § 2.831.Revogação da notificação. 1. Princípios. 2. Perfeição § 2.832.Obrigações do cedente. 1. Determinação das obrigações. 2. “Ve-ritas”. 3. “Bonitas”. 4. Outras obrigações § 2.833.Cessão de crédito antes da ciência pelo devedor. 1. Precisões.2.Situação jurídica criada pela cessão de crédito se ainda não houve ciência do credor. 3. Eficácia sentencial antes da ciência do devedor. 4. Adimplemento pelo devedor inciente da cessão.5.Cessão legal de crédito (“cessão legis”) e cessão judicial de crédito. 6. Ação do cessionário contra o cedente. 7. Endosso com efeitos de cessão de crédito e notificação 322§ 2.834.Cessão de crédito depois da ciência pelo devedor. 1. Proteção do devedor. 2. Notificação exata e seus efeitos. 3. Notificação inexata. 4. Ônus da prova SeçÃo III. PLURALIDADE DE NEGÓCIOS JURÍDICOS QUANTO AO CRÉDITO § 2.836.Pluralidade de cessões do crédito pelo mesmo credor. 1. Espécie a ser tratada. 2. Entrega do título como ELEmento de perfeição da cessão do crédito. 3. Cessões :de datas diferentes, sem ciência do devedor quanto às anteriores a uma delas. 4. Ciência simultânea de duas ou mais cessões § 2.836.Segunda cessão de crédito. 1. Nova cessão de crédito e art. 1.072 do Código Civil. 2. Compensação SEÇÃo IV. EFICÁCIA DA CESSÃO EM RELAÇÃO A TERCEIROS § 2.837.Publicidade registária e eficácia. 1. Eficácia quanto ao devedor. 2. Eficácia em relação a terceiros e registro. 3. Cessão de créditos com garantia real § 2.838.Cessão legal de créditos e Código civil, art. 1.067. 1. Formalidades registárias. 2. Eficácia em relação a terceiros . . § 2.839.Constrição de créditos. 1. Terceiros e constrição. 2. Principio geral

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CAPITULO iv TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS QUE NÃO SÃO CRÉDITOS § 2.840.Regras jurídicas estendidas em sua incidência. 1. Transferências de - direitos não-creditórios. 2. Código Civil, art. 1.078 339 § 2.841.Direitos cuja transferência não se rege pelos Prestações da cessão de créditos, 1. Regra jurídica especial em contrário 2. Regência em parte. 3. Circulação e cessão 3 CAPITULO V CESSÃO LEGAL DE CRÉDITOS § 2.842.Cone cito e natureza da cessão legal de créditos. 1. Incidência de regras jurídicas em virtude de analogia. 2. Referência feita pela lei j 2.843.Traços distintivos no que concerne aos dois institutos. 1. Ciência do devedor. 2. Conhecimento pelo devedor e eficácia .. § 2.844.Casos principais de cessão legal. 1. Automaticidade da cessão legal. 2. Exemplificação -. 3. Falsos casos de cessão legal 3 § 2.845.Ataques da cessão legal. 1. Distinções rELEvantes. 2.Atos que supuseram a “cessão legis”. 3. Regras jurídicas sobre validade § 2.846.Registro e eficácia. 1. Eficácia. 2. Registro CAPITULO VI CESSÃO JUDICIAL DE CRÉDITOS § 2.847.Conceito e natureza da cessão judicial de créditos. 1. Conceito.2.Natureza § 2.848.Cessão judicial na execução forçada. 1. Adjudicação em hasta pública ou em venda e adjudicação por manifestação de vontade do devedor. 2. Cessibilidade por ato judicial. 3. Cessão judicial e eficácia em relação ao devedor. 4. Inicio da eficácia em relação ao devedor § 2.849.Cessão judicial nas ações de partilha e de divisão. 1. Partilha.2.Eficácia em relação ao devedor § 2.850.Deliberação de credores concursais, homologada pelo juiz.1.Credores deliberantes do modo de liquidar (realização doativo). 2. Cessão judicial ou cessão negocial de crédito .. § 2.851.Especies que não são de cessão judiciaL 1. Função criativa do juiz. 2. Promessa de ceder (“pactum de cedendo”). 3. Confissão em juízo e escritura pública CAPITULO V ASSUNÇÃO DE DIVIDA ALHEIA § 2.852.Conceito de assunção de divida alheia. 1. Direito romano.2.Conceito 2.858.Sucesso nas dividas. 1. Se em dividas se sucede. 2. Precisão do problema. 3. Solução do problema . 4. Assunção de divida alheia, contrato abstrato. 5. Lugar de adimplemento. 6. Direito real de garantia e assunção de divida alheia

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§ 2.854.Objeto da assunção de divida alheia. 1. Divida, objeto de negócio jurídico. 2. Dividas assumiveis . 3. Dividas secundárias.4.Divida litigiosa § 2.855.Assunção de divida alheia e outros institutos jurídicos . 1. Precisões. 2. Novação. 3. Transmissão de crédito e assunção. 5. Assunção de passivo. 6. Assunção de divida alheia e contrato a favor de terceiro § 2.856.Eficácia da assunção de divida alheia. 1. Liberação. 2. Inicio da eficácia. 8. Dividas acessória 4. Objeções e exceções.5.Concurso de credores § 2.857.Duo.. espécies de assunção liberatória de divida. 1. Precisão do assunto. 2. Duas espécies SEÇÃO 1. ASSUNÇÃO UNIFIGURATIVA DE DÍVIDA ALHEIA § 2.858. Conceito e natureza. 1. Conceito. 2. Natureza375 § 2.859. Eficácia da assunção unifigurativa de dívida. 1. Conclusão do negócio jurídico bilateral. 2. Eficácia da comunicação ao devedor -SEÇÃO II. ASSUNÇÃO BIFIGURATIVA DE DÍVIDA ALHEIA § 2.860.Contrato entre terceiro e devedor. 1. Preliminares sobre assunção bifiguratíva de divida e sua eficácia. 2. Regras jurídicas típicas § 2.861.Comunicação do negócio jurídico ao credor. 1. Necessidade. 2.Teorias a respeito da comunicação ao credor. 3. Comunicação de simples oferta de contrato de assunção de divida § 2.862.Consentimento do credor. 1. Solução científica. 2. Consentimento expresso ou tácito. 3. Dever do receptor da manifestação de vontade do credor. 4. Forma do consentimento do credor. 5. Eficácia antes do credor se manifestar. 6. Prazo para que o credor se pronuncie SEÇÃo III. ASSUNÇÃO DE PATRIMÔNIO E ASSUNÇÃO DE DÍVIDAS § 2.863.Conceito e natureza. 1. Aquisição de patrimônio. 2Início da responsabilidade do assunto § 2.864.Eficácia da assunção de patrimônio. 1. Transmissão de patrimônio e assunção sem transmissão. 2. Limitação objetiva da responsabilidade do adquirente SEÇÃO IV. ASSUNÇÃO CUMULATIVA DE DÍVIDA § 2.865. Conceito e natureza. 1. Assunção unifigurativa cumulativa.2. Assunção bífigurativa cumulativa. 3. Finalidades da assunção cumulativa de divida § 2.866.Eficácia da assunção cumulativa de divida. 1. Cumulação, objeções e exceções. 2. O que o assunto pode opor CAPITULO VIII ASSUNÇÃO E TRANSMISSÃO LEGAIS DE DIVIDA § 2.867.A chamada “assunção legal de divida”. 1. Conceito. 2. “Modus operandi” § 2.868.Espécie de transmissão legal de divida. 1. Patrimônio hereditário. 2. Outros patrimônios. 3. Transmissões legais a respeito de bens singulares CAPITULO IX

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ASSUNÇÃO E TRANSMISSÃO JUDICIAIS DE DIVIDA § 2.869.Conceito de assunção e transmissão judiciais de divida. 1.Assunção por ato judicial. 2. Transmissão judicial de divida § 2.870.Eficácia da transmissão judicial. 1. Decisão judicial e eficácia.-2. Credor e ato judicial de atribuição de divida CAPITULO 1 NEGÓCIO JURíDICO, OBJETO tJE TRANSMISSÃO 2.871-Créditos e dividas, prete’iisOes e 0brigO.çOes. í. Cessão e assunção totais. 2. Transferência dos direitos e deveres do promi tente unilateral. 3. Acordos e contratos. 4. O que se transfere, na 5bstitução do declarante unilateral ou do contraeflte 401 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E ATOS HUMANOS § 2.767. Atividade humana e auto-regramento da vontade 1.PRECISÕES. O direito privado permite aos homens e às pessoas jurídicas poder considerável para a constituição de negócios jurídicos. Nesse auto-regramento da vontade, consultam ELEs necessidades e propósitos, inclusive tendências pessoais. Para exercer esse poder, lançam mão de manifestações de vontade, que tenham eficácia jurídica. Essas manifestações de vontade, ou sós, ou juntas a outras manifestações de vontade, ou engatadas a manifestações de vontade de outras pessoas, ‘compõem os negócios juridicos, de que já falamos, longamente, no Tomo III. Se o negócio jurídico surge de uma só manifestação de vontade que entra no mundo jurídico, somente pode ser unilateral. Não se deve chamar a esse negócio jurídico manifestação ou declaração unilateral de vontade; porque as declarações unilaterais de vontade podem não entrar no mundo jurídico: antes de entrarem, não se tornam atos jurídicos, inclusive negócios jurídicos. O princípio de que se parte é o do auto-regramento da vontade (dito da autonomia da vontade), mas os sistemas jurídicos estabELEcem regras jurídicas cogentes, dispositivas e interpretativas, para que a algo se tenha de atender, ou se atenda, se o manifestante da vontade não disse diferentemente do que a lei edictou, ou se há dúvida sObre o que ELE disse. O que essencialmente se exige à manifestação de vontade, que gera negócio jurídico, é dirigir-se à produção de determinada eficácia jurídica. Ou se constitui, ou se modifica, ou se extingue relação juridica. O que, no fundo, se quer é que a manifestação de vontade entre no mundo jurídico como negócio jurídico. Há manifestações de vontade que somente entram no mundo jurídico coma atos jurídicos atricto sensu e outras1 como atos ilicitos. Quando se diz que a manifestação de vontade se há de dirigir à produção de eficácia jurídica não se há de entender que e tenha de pensar em tôdas as conseqüencias imediatas e mediatas do negócio jurídico. A lei preestabELEce, cogentemente, algumas, e outras, dispositivamente. O que se há de ter por fita é a que, sendo querido; determina a negócio juridico, que satisfaria o manifestante da vontade. A expressão dOse querer é conforme a linguagem corrente, sem ser de rigor a terminologia jurídica. Por abreviação, diz-se que se “comprou” o prédio a, quando já se adquiriu, para se exprimir que se comprou a B o prédio a e B acordou na transmissão e foi feita o registro, a que é muito mais do que ‘‘comprar’’. Outro ponto em que ú há de prestar tôda atenção é aquELE em que se frisa que a declaração de vontade é apenas espécie de manifestação de vontade, a manifestação declarada de vontade. O que é precisa é que a manifestação de vontade se destine a entrar no mundo jurídico, mundo em que tem de estar dentro (embora nio recebida pelas outras pessoas, daí havê-las receptícias e não-receptícias). Na liberdade de contratar inclui-se a de prometer contratar, e na liberdade de promessa unilateral, a de prometer o negócio jurídica unilateral. Nada obsta a que se prometa prometer, se já a primeira promessa não implica ter-se feito a segunda. E. g., A promete ao público que, no próximo mês de dezembro, abrirá concurso (Código Civil,

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arts. 1.516 e 1.517), ou fará promessa de recompensa (arta. 1.512-1.515). Pode-se (a) prometer, unilateralmente, contrato, ou dO fazer outra promessa unilateral, ou (e) contratar com a obrigação de se fazer promessa unilateral, ou (d. concluir contrata. 2.LIMITAÇÕES A VONTADE HUMANA. No direito, como processo social de adaptação, a regramento j juridico veda alguns atos humanos <atas ilicitos absolutos ou relativos), ou estabELEce que nio poile .a vontade de prestar afastar-se de algumas proposição positivas ou negativas (= cogentes = imperativas, st ri ato 861t8u proibitivas), no tocante àforma, ao conteúdo ou ao objeto, ou que, na falta de expressão da vontade, se tenha por proposição assente a que a lei aponta (jua dispoaitivum), ou que, em caso de dúvida, alga se entenda ter querida. O formalismo juridico foi técnica de proteção do homem, nas relações com os outros homens, para que se soubesse, ao certo, o que se quis. Ainda hoje aio rELEvantes as regras jurídicas sobre forma (Código Civil, art. 145, III, 82 e 130). Quando o formalismo se quebrou, ou atenuou, teve a lei de criar outros expedientes de proteção. Nem sempre houve comedimento nessa adoção de novos métodos. O engêro, na tocante à exigência da causa, foi um desses incontido a critérios para substituição da função que tinha o formalismo. A respeito das obrigação, há as regras juridicas limitativas a) sobre impossibilidade originária da prestação, vindas do direito romano, pôsto que desenvolvidas no direito moderno; 14 sObre ilieitude da prestação, ou do negócio juridico em si, ou do fim, que tudo é ilicitude do negócio jurídico; c) sObre conteúdo das dívidas oriundas de contrato ou negócio jurídica unilateral (Código Civil, art. 145, V), com o que se procura realizar o programa de cada estado social (na dúvida sobre se a regra juridica é cogente, dispositiva, ou interpretativa, tem-se por dispositiva, cf. O. VON GIERKE, Deutsches Privatrecite, III, 116). No direito alemão, é nula a contrato pelo qual um dos figurantes se abriga a transferir ou a gravar de usufruto otodo ou parte de seu patrimônio (Código Civil alemão, § 310). NÃo Iii na direito brasileiro ema regra jurídica. Têm-se as doa arts. 1.372 e 1.175. Á saciedade pode ser de bens presentes ou futuros, ou de bens presentes e futuros (arfr. 1.367-1.369). A herança de pessoa viva foi objeto de regra jurídica proibitiva de contrata (art. 1.089)1 § 2.768. Lugar, tempo e objeto da prestação 1. E PRESTÂÇÃO. Tôda prestação é determinada no tempo, lugar e objeto. Se a prestação de tempo é impossivel durante o tempo a, e não durante o tempo b, há impossibilidade parcial. Mas, para que se possa falar de impossibilidade parcial, é preciso que a obrigação seja divisível e para isso não basta que o objeto seja divisível (H. A. FISCEER, Eis Beitrag zur Unmõglichkeitslehre, 34). Quem vende o prédio livre e desembaraçado, mas não o pode prestar sem a hipoteca, que o grava, deixa de executar, totalmente, a prestação, como também quem vendeu doze cavalos e só tem três. Quem vende doze cavalos a, b, o ... 1, dos quais dois morreram, também não pode entregar os dez cavalos, que lhe restam, porque o credor não é abrigado a receber parte do que comprou. Quem alugou a casa a B por dois anos, dela tendo tomado posse o locatário, mas a locação não pode ser por mais do que alguns meses, por tê-la vendido o locador a D e assinado acordo de transmissão, prestes a ser registado, deixa de cumprir, em parte, a obrigação. Impossibilidade há se ocorre desapropriação, mas, devido a se tratar de contrato de locação, a impossibilidade é tida por parcial. 2.APRONTAÇÃO DA PRESTAÇÃO . O estar pronta a prestação, a aprontação da prestação deistungsbereitschaft), consiste em ser a prestação, no momento, em estado de ser satisfeita a obrigação. O devedor tem de prestar. A oblação há de ser real, e de palavra, pOsto que nem sempre seja preciso haver a exibição do objeto. No direito romano, falava-se, quase sempre, de o/ferre (e. g., L. 26, D., soluto matfimonio dos queraadmodunv petatur, 24, 3; L. 72, pr. e § 2, D., de solutionibua et liberationibus, 46, 8); porém aparece, na L. 3, § 4, D., de actionibus empti venditi, 19, 1, “si . .. paratus fuit tradere”, na L. 39, O., de solutionibus et libera,tionibus, 46, 8, “si parato me solvere”, e na L. 1, § 8, e na L. 4, § 2, O., de periculo et commodo rei venditae, 18, 6, o denuntiare ut tôllat. Se o credor, em termos definitivos, declara não querer receber a prestação que se lhe terá de fazer, diverge a doutrina entre considerar bastante tal declaração antecipada, ou tê-la por ineficaz. No primeiro sentido, O. W. WOLFF (Zur Lekre vos der Mora, 407), O. F. F. SINTENIS (Das prakti.sche gemeine Civitrecht, II, 218), H. TH6L (Das Haradelsrecht, 1, 6.8 ed., § 268, nota 16), J. Konun (Annahme und Annahmeverzug, Jahrbiicher /1k die Dogmatik, 17, 400 s.; Der Glâubigerverzug, Árchiv flir Rlirgertiches Recht, 18, 199 s.), e B. WINDSCHEID (Lehrbuch, II, 93 ed., 448). Contra, Fa. MOMMSEN (fie Lehre von der Mora, 144 e 176), R. RÓMER (Abhartdlungen, 1, 141) e J. v. ScnFnr (Begriff und Wesen der mora creditoris,

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111). A apronta ção da prestação, com a oblação, faz a mora creditori.s; a prestação (oblação + recepção) solve a dívida (r satisfaz o crédito). Se há alternativa e a escolha compete ao devedor, quem apresenta escolheu. Se apresenta dois objetos, sem escolher, o credor, na emergência, escolhe, pois que o recebimento, aí, contém escolha. Temos, aqui, para melhor precisarmos os problemas que a exposição nos mostra, de acentuar algumas distinções: a)Aprontar a prestação ainda não é prestar, mas prestar sem se aprontar não é possível: há prestações já prontas, o que não restringe o alcance do enunciado. b)Deve-se evitar falar de “oferta da prestação”, porque não há, prôpriamente, oferta, e o credor, que a recebe, não bilateraliza nenhuma relação jurídica. Um faz a oblação, a apresentação, que nem sempre tem o mesmo conteúdo de “ir levar”, de “ir mostrar”, e só se refere a tempo e lugar, e não necessàriamente à pessoa do credor. Quem se obrigou a fazer ponte em terras do fazendeiro, que se acha noutro continente e ainda não explora a fazenda, apresenta, sem que seja na presença do credor, ou talvez de alguém que o represente ou seja seu servidor da posse. O assunto toma aspecto mais significativo em sistema jurídico como o brasileiro, que, na teoria da posse, abstrai do animus e do corpus. c)Somente é jurídica a manifestação de vontade ou a declaração de vontade que entra no mundo jurídico. A oferta de contrato, ainda que ao público, entra desde logo, se perfaz os requisites de existência. LUGAR DA PRESTAÇÃO § 2.769. Conceito de lugar da prestação 1. PRECISÕES. Lugar da prestação é o lugar em que se há de fazer a prestação, o lugar do adimplemento. Os atos para prestar podem ser fora do lugar da prestação; o que é de mister é que a prestação mesma se faça no lugar previsto pelo negócio jurídico ou pela lei, Só se foi feita no lugar devido é que a prestação satisfaz o credor e libera o devedor. Por isso mesmo, se o devedor presta, mas fora do lugar, de regra incorre em mora. debitoris, e o credor, se a prestação lhe é feita no lugar em que devera fazer-se, incorre em mora accipiendi. Diz o Código Civil, art. 965: “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento, e o credor que o não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados (art. 1.058) “. E o Codigo Comercial, no art. 431, 13 parte: “O credor não pode ser obrigado a receber o pagamento em lugar diferente do ajustado”. Se o credor exerce a pretensão à tutela jurídica e o juiz condena o devedor a prestar, a condenação é a que preste no lugar em que se deve adimplir, e não alhures. Se a prestação aí é de perdas e danos e, pois, de dinheiro, a estimação da indenização e dos interesses é conforme o lugar da prestação. As prestações que se ligam à mesma relação jurídica podem ter diferentes lugares de prestação. De regra, as obrigações acessórias hão de ser adimplidas no mesmo lugar da prestação da obrigação principal, mas a vontade dos figurantes ou do figurante pode determinar diferença. O lugar da prestação freqüentemente é distinto do lugar da contraprestação. Quando se fala do lugar da prestação, nas obrigações negativas, não se emprega termo impróprio. Não só o facere há de acontecer em determinado lugar e tempo, a despeito das considerações que Ono FIsCEER (Recht und Rechtsschutz, 72) bordara em sentido contrário. Adimple-se a obrigação de omissão como se adimple a de ato positivo. E adimple-se em determinado lugar e tempo. Se A se obrigou a nunca abrir a janela do ládo, enquanto B fôsse o locatário da casa vizinha àde A, a obrigação de não fazer é necessàriamente no lugar em que está situada a janela e durante o tempo da locação da casa vizinha, se locatário B. Se A prometeu não usar as iniciais do nome como marca de indústria e de comércio, entende-se que a isso está obrigado enquanto haja interesse de B (ou durante o tempo prefixo) em qualquer lugar em que B tenha negócio com a sua marca. Oque acima se disse quanto às obrigações negativas pessoais também se entende com as reais (cf. KoNRAD HELLWIG, Ánspruck und Klagrecht, 26). Tratando-se de obrigação de não fazer, que não haja de cumprir-se em lugar determinado, a omissão há de ser

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em qualquer lugar (cf. H. LEHMANN, Die Unterlassungspflickt, 177 5.; li. KRESS, Lehrbuch des allgemeinen Schuldrech.ts, 890). O lugar da prestação é de importância para se saber o que, segundo os usos e costumes, se há de prestar e como se há de prestar. 2.LUGAR DA PRESTAÇÃO E LUGAR DO ADIMPLEMENTO Lugar da prestação é lugar do adimplemento (L. ENNECCERUS, Lehrbuch., II, 81; O. WARNEYEB, Kommentar, 1, 448). Lugar da expedição, lugar da chegada da prestação antes da entrega satisfativa ou recepção satisfativa não é lugar da prestação, no sentido dos arte. 950 e 951 do Código Civil. O lugar da execução satisfatória é que é lugar da prestação (cf. Josn Essn, Lehrbuch des Schuldrechts, 120; cp. P. OERTMÂNN, .Recht der Schuldverhdttni.sse, 86; Zur Lehre vom Leistungsort, Seufferts Bltitter, 78, 885; BENDIX, Zur Auslegung des § 269 BGB., Das Recht, 12, 668). Prestação faz-se para que o efeito da satisfação e da liberação se produza. Nem sempre esse efeito é contemporâneo aos primeiros atos do devedor, ou aos atos todos que havia de praticar, como acontece com as vendas com remessa, em que é preciso que o objeto da prestação chegue ao lugar de destino (lugar de entrega, que pode ser o armazém do transportador, a alfândega, ou o domicílio do credor). A atividade do devedor, para prestar devidamente (z satisfatôriamente), pode desenvolver-se em diferentes lugares, mas lugar da prestação é somente aquELE em que se dá o adimplemento (Vollzugsort). Quem satisfaz expedindo, se expede, presta no lugar em que devia prestar. Quem só satisfaz pondo no pôrto da cidade em que é domiciliado o credor, presta, se a coisa, que teria de expedir, chega ao pôrto. Quem só satisfaz entregando na casa comercial, ou na emprêsa industrial do credor, tem de providenciar para que a coisa expedida e chegada ao pôrto seja entregue ao credor. Aqui intervêm os princípios sabre transmissão da posse. Portanto, não se trata, sempre, de aprontar e par à disposição, nem de expedir, nem de chegar, nem de entregar. Lugar da prestação pode ser qualquer desses (cf. Auo. EMGE, Der Vollzugsort beim gegenseitigen T/ertrag, 4 s.). No direito brasileiro, o lugar da prestação nada tem com a competência, em direito processual (Código de Processo Civil, arts. 133-143). É preciso que o intérprete não se deixe levar por sistemas jurídicos estrangeiros (G. PLANCK, Kom-. mentar, II, 151; P. OERTMANN, Recht der SchuldverMltnis se, -86; sem razão, FR. LEONHARD, Erfiiflungsort und Schuldort, 78 s.), inclusive em matéria de direito internacional privado. Disse bem 3. X. CARvALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito Comercial, VI, 418) “O faro para a ação regula-se pelas leis do processo. Não se deve confundir êste faro com o lugar onde deve ser efetuado o pagamento. A obrigação pode ter lugar diferente para ser cumprida e para ser demandada judicialmente”. A respeito leia-se o que escrevemos nos Cometa Unos ao Código de Processo Civil, Tomo II, 298 s. Dentro do lugar ‘da prestação o sitio em que se há de adimplir é o do uso ou da colocação do negócio (O. WARNEYmz, IComment ar, 1, 458). - Se o devedor que tinha de prestar no seu domicilio, ou noutro lugar, leva o objeto da prestação ao domicílio do credor, ou a outro lugar que não é o da prestação, o credor pode recusar-se a recebê-lo, e não há pensar-se em mora accipiendi. A procura da prestação no domicilio do devedor, se não é esse o lugar da prestação, permite ao devedor recusar-se a pagar ai, e com isso não incorre em mora debitaria. Se o devedor ignora o domicilio do credor, a sede ou agência da emprêsa e a residência do credor, tem de depositar a prestação em consignação (Código Civil, art. 978, III, verbi.s e’ ou residir em lugar incerto”). Idem, se não vai o credor, nem manda receber no lugar, tempo e mais pressupostos de recebimento (art. 978, II), ou se ocorrer dúvida sObre quem legitimamente teria de receber (art. 973, IV), ou pender litígio sObre o objeto do pagamento (art. 973, V), ou em caso de concurso, ou de incapacidade do credor para receber (art. 973, VI). O art. 980 do Código Civil diz: “Se a coisa devida fOr corpo certo que deva ser entregue no mesmo lugar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada”. O art. 980 do Código Civil não é, de modo nenhum, regra jurídica sObre determinação do lugar da prestação. Nela supõe -se que o objeto devido seja coisa certa e que o lugar da presta ção tenha sido findo e coincida ser o em que se acha a coisa. Então, e ai intervém a regra jurídica, que está no capitulo sabre pagamento por consignação, o devedor pode citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada. O art. 980 funciona como se fará inciso do art. 973. É de repelir-se o que escreveu M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA (Doutrina e Prática das Obrigações, 1, 2.’ ed., 476; 4.’ ed., 461: “Em nosso direito a regra é que a coisa certa ‘deve ser, entregue no

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lugar em que se achar. Essa doutrina derroga a regra do domicilio do devedor pela natureza da própria obrigação”. No direito comercial, a propósito de compra-e-venda, o art. 199, 1.’ parte, do Código Comercia! possui regra jurídica de determinação do lugar em que está a mercadoria, se raio houve convenção em contrário. Conforme adiante diremos, tem-se de admitir que o art. 199, 1.’ parte, só incide se não houve convenção em contrário, expressa ou Moita (o art. 950 do Código Civil, posterior, legitima interpretação mais larga do art. 199, 1.’ parte, do Código Comercial) § 2.770. Determinação do lugar da prestação 1. EsPÉcIEs. A determinação do lugar da prestação ou lugar do adimplemento é cláusula necessária do negócio jurídico, explícita e implícita, ou resulta de lei. Diz o art. 950 do Código Civil: “Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário dispuserem as circunstâncias, a natureza da obrigação, ou a lei’. O lugar da prestação pode ser determinado: a)Pela vontade expressa ou tácita dos figurantes, ou do figurante. Em se tratando de negócio jurídico unilateral, o figurante diz qual o lugar em que há de prestar, ou tal indicação resulta das circunstâncias. Se é bilateral o negócio jurídico, a fixação unilateral do lugar da prestação, parta do oferente ou parta do aceitante, somente é eficaz se houve consentimento do outro figurante. Tal consentimento pode ser expresso ou tácito. Se, pelas circunstâncias, o outro figurante teria de protestar e não protestou, ou se é de presumir-se que consentiu,’ tem-se como bilateralizada a fixação do lugar da prestação. Os usos e costumes podem determinar o lugar da prestação, se é caso para se admitir acordo tácito. No contrato de locação de serviços ou trabalho, no lugar fixado pelo empregador é que se há de prestar o serviço, ou trabalho; no domicílio dELE é que há de ser pago o salário, se não há acOrdo em contrário. Á fixação do lugar da prestação nas listas de preço, nas circulares, nos modelos de compra-e-venda,- ou nos recibos de pagamentos. imediatos ou parciais, ou nos pedidos, é tida por assente, porque, se é o caso, faz parte da oferta e da aceitação. Não, porém, a que se faz, diferente, na fatura, ou na nota de comissão , ou na nota de remessa, ou em conta de recebimento ou de confirmação. O lugar da prestação indicado nos jornais não é de supor-se o adotado, salvo uso e costume em contrário. É de suporse: a) que o viajante tenha de adimplir no lugar em que contraiu as dividas; b) que os créditos abertos a favor de banco tenham de solver-se no banco ou na agência do banco em que se contraíram as dívidas; c) que o consertador ou manufaturador ou outra pessoa que prometa obra haja de entregar a coisa onde foi tomada a obrigação, isto é, na casa do freguês, se aí recebeu a coisa ou o pedido, ou na casa do obrigado à obra se aí foi que lhe entregaram a coisa ou o pedido; ri) que, se a coisa que tem de sei prestada não se acha com o conhecimento de ambos os figurantes, no lugar do domicilio do devedor se há de entregar onde se acha (e. g., A compra a B a mercadoria que B depositou, noutra cidade, em casa de C). A respeito de d), convém levantar-se a questão de se tratar de presunção de vontade ou de regra jurídica dispositiva. No Código Comercial, o ad. 199 1.8 parte, relativo àcompra-e-venda, estatuiu: “A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação expressa, deve fazer-se no lugar onde a mesma coisa se achava ao tempo da venda’. O Código Civil não o reproduziu e limitou a regra jurídica dispositiva àtradição de imóveis ou às prestações relativas a imóveis (art. 951). Passou-se o mesmo no direito alemão, a propósito do antigo Código Comercial alemão, § 324. No direito brasileiro, não se há de- concluir que o art. 199, 1.8 parte do Código Comerual esteja derrogado, nem se há de cobrir a diferença entre o Código Civil e o Código Comercial, quanto a esse ponto. A despeito de se falar, no art. 199, 1.8 parte, do Código Comercial, de “estipulação expressa”, o art. 430 refere-se a falta de “ajuste do lugar”, e não se pode, em direito comercial, deinr de admitir estipulação tácita de fixação de lugar, ou fixação pela natureza da obrigação. Assim, havemos de ler o art. 199 como só incidindo se não há convenção diversa, ainda que não expressa (cf. Código Civil, ad. 950 verbis “ou se o contrário dispuserem as circunstâncias, a natureza da obrigação ou a lei”). A regra jurídica do Código Comercial alemão, § 324 alínea 2.8, persiste no Código suíço das Obrigações, art. 74, 2. alínea, inciso 2 de jure condendo erradamente. As relações jurídicas de conta-corrente não têm lugar especial de prestação. O domicilio do devedor é que é o lugar da prestação. No contrato de expedição, o lugar da prestação é o da entrega dos bens ao expedidor salvo convenção diferente. O lugar da prestação, que se fixou no pOrto de expedição, ou na estação de despacho, está atendido desde o

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momento em que se entrega o conhecimento de transporte, ou a agência de transportes o remete ao destinatário, se o navio já partiu ou não (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 450). Se foi em tempo, ou não, é outro problema, que só diz respeito ao tempo de adimplir. As cláusulas “de contado ao chegar” e “líquido caixa contra entrega’ são determinadoras do lugar da prestação para ambos os figurantes. Não, a cláusula “pagável à remessa”. Se há no mesmo negócio jurídico fixação de lugar da prestação para uma, ou algumas das prestações, e há outras para serem feitas, ou se há semelhança entre esse negócio jurídico e os posteriores, tem-se por determinado para tOdas as prestações o lugar (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 269). Nada impede que se fixe lugar da prestação situado no estrangeiro ou que o pagamento seja feito em banco no estrangeiro. Convém frisar-se que o fato de assumir o devedor as despesas de transporte ou remessa e os riscos não tem importância para se resolver a questão do lugar da prestação. Tanto pode ter o remetente o anus das despesas e dos riscos se a lugar da prestação é o ponto de partida, ou se é o ponto de chegada. Também pode ocorrer que o lugar da prestação não seja o domicílio do devedor e as despesas e riscos corram por conta do credor. As cláusulas “fob Santos” (= “franco a bordo em Santos’), “franco Santos”, “cif Rio de Janeiro» (= “cost, irteurance freight Rio de Janeiro” de modo nenhum bastam para se ter como lugar da prestação c lugar do destino. b)Pela natureza da obriga $o. Por exemplo: a) crédito consistente em transmissão formal da propriedade imobiliária ou em constituição de direito real limitado, o que, pela natureza da obrigação, só se pode cumprir com o registro e, portanto no cartório do registro de imóveis. O lugar da prestação, nas obrigações por atos ilícitos, é o do domicilio do credor (Fa. LEONHAR», Erfiillungsort und sELE Schuldort, 111; (1. PLANCK Koramentar, ti, 154), salvo por ofensa a bens imobiliários (Código Civil, ad. 951). Os honorários médicos, se os serviços foram prestados na clínica ou no gabinete, aí devem ser pagos, salvo se houve convenção em sentido diferente. Prestados em casa do doente, aí hão de ser solvidas as contas remetidas, salvo convenção em sentido diferente. Nas prestações toma-lá-dá-cá (Zug um Zug), o lugar da tradição é o da prestação. Todavia se, apesar da natureza da obrigação, um dos figurantes recebeu a que lhe havia de ser prestado, e outro, não, o lugar da prestação por se fazer é o do domicílio do devedor (O. WAILNEYER, Kontmentar, 1, 451). Não há razão para que a obrigação do comodatário se haja de executar no domicílio do credor. O trator que o comodatário foi buscar à fazenda do comodante aí tem de ser entregue. Se estava guardado em garagem, lugar da entrega é o lugar em que estava. Se o comodante levou o perfurador à casa do comodatário, nada há que justifique ter o comodatário de levá-lo ao domicílio do credor. A natureza da obrigação não tem, em tal contrato, a eficácia de determinar o lugar da prestação. Têm-se de afastar sugestões da doutrina francesa e da italiana. c) Pela lei. Às vêzes, a lei predetermina o lugar da prestação. “Se o pagamento consistiu na tradição de um imóvel”, diz o Código Civil, art. 951, “ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde êste se acha”. Não está escrito no Código Civil, mas é regra jurídica não escrita que o depositário e o devedor de depósito irregular têm de restituir a coisa depositada no lugar do depósito. Lê-se no art. 950 do Código Civil: “Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário dispuserem as circunstâncias, a natureza da obrigação ou a lei’. No ad. 430, o Código Comercial já dissera: “Na falta de ajuste de lugar deve o pagamento ser feito no domicilio do devedor”. Se o devedor tem estabELEcimento comercial ou industrial em lugar distinto do lugar em que tem domicilio domicilio para as obrigações oriundas de relações jurídicas comerciais ou Industriais, é o lugar em que tem sede ou agência a emprêsa, ainda que não se trate de domicílio que conste de declaração registada. A escolha entre domicílios do devedor ou do credor pode dar-se, se a um dELEs não está, por sua natureza, ligada a prestação (não se entrega o cavalo no domicilio da cidade; nem se vai buscar o quadro célebre na fazenda do devedor). Não há escolha entre domicílios e residências, nem entre residências. A residência de verão é o domicilio do devedor, para as contas da cidade de veraneio que tenham de ser pagas no domicilio do devedor. No direito alemão (Código Civil alemão, § 270, alínea 1.8, o devedor, se a prestação é em dinheiro, tem, na dúvida, de à sua custa e risco, fazê-la chegar ao domicílio do credor. Não há, no direito brasileiro, tal regra jurídica interpretativa, nem, a fortiori, a regra jurídica dispositivo Se, em virtude do ad. 950 do Código Civil, ou do ad. 430 do Código Comercial, o domicilio do devedor é o lugar da prestação, ai é que se tem de prestar o

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devido, ainda que se trate de dinheiro. O art. 950 do Código Civil e o art. 430 do Código Comercial não sofrem limitação. (Sobre a regra jurídica alemã e seu conteúdo, cf. M. MUMM, Zur Lehre von der GsldiLbermtttluflgS’PfltCht, 1 a., 26 s.). Aliás, é de observar-se que a alínea I. do § 270 do Código Civil alemão não é limitação à regra jurídica do 1 269; apenas determina o ônus de despesas e riscos. 2.TRADIÇÃO DA POSSE DE IMÓVEL E PRESTAÇÕES RELATIVAS A IMÓVEIS. O art. 951 do Código Civil só se refere à tradução (da posse) do imóvel e à entrega de prestação relativa a imóvel. Diz o ad. 951: “Se o pagamento consistir na tradição de imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde flato se acha”. Não se cogita da transmissão da propriedade, porque essa, pela natureza da obrigação, se faz no registro de imóveis. A tradição, simples, longa manu, brevi manu, pelo constituto possessório, ou pela cessão da pretensão à entrega é tradição da posse no lugar do im4vel. Se a cessão da pretensão à entrega não seria eficaz, não se pode pensar em adimplemeilto satisfatório. A jurisprudência e a doutrina que procuraram assentar ser no domicílio do locatário que se hão de pagar os alugueres (J. X. CARVALHO DE’ MENDONÇA, Tratado de Direito Comercial, VI, 413, nota; certo, CLÓVIS BEVILÁQUA, Parecer Revista dos Tribunais, 43, 445) são de repelir-se, porque alugueres são “prestações relativas a imóveis”, previstas no art. 951 do Código Civil. Sem ter o direito alemão essa regra jurídica, a doutrina chegou ao mesmo resultado (O. NIENDORPF, Mietrechi nach dem BGR., 10.a ed., 183). As rendas sêbre imóveis, trate-se de direito real, ou não, são sujeitas à regra jurídica do ad. 951. A reparações e consertos do imóvel têm de ser pagos onde se acha o imóvel (O. WARNEYER, Kornmentar, 1, 461). Exatamente isso é o que resulta do art. 951 do Código Civil. A 4& Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 7 de agêsto de 1947 (R. dos 2’., 169, 701), invocou, e não aplicou, o art. 951 do Código Civil. 3.DIvIDA DE IR LEVAR E DIVIDA DE VIR BUSCAR. Se a dívida só é adimplivel no domicílio do credor ou no banco, ou noutro lugar que se determinou o devedor tem de levar até lá a prestação. Se só é adimplível no domicílio do devedor, ao credor é que importa ir buscá-la. Ali, há dívida de levar; aqui, de se ir procurar, buscar ou receber. Salvo se foi fixado o domicílio do credor, ou lugar onde outrem possa receber, a dívida, na dúvida, é de se procurar ou ir receber, e não de se levar. Do art. 950 do Código Civil (ou art. 430 do Código Comercial) que faz ser adimplível no domicílio do devedor a dívida, se não ocorre um dos fatos previstos que pré-exclua a regra jurídica, não se pode tirar, sem mais e generalizada-mente, que se tenh, na dúvida, por divida de se ir receber. Porque se pode dar que seja de ir levar em lugar em que outrem receba (e. g., banco). Rigorosamente, o ser de se ir levar, ou de ir receber, a divida, nada tem com o lugar (Orro WENDT Die exceptio doli generalis im heutigen Recht, 128 s.; 1<. A. FISCHER, Konzentration und Gefahrtragung bei Gattungsschulden, Jherings Jakrbiieher, 51, 199; FR. LEONHARD, Erfiillungsort und Schtddort, 110). Por outro lado, o fato de ter o devedor de expedir não significa, de si só, que o lugar da expedição é o lugar da prestação, nem, tão-pouco, que o credor não tenha de ir buscar no lugar de destino. É lamentável o acórdão da 3. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, a 21 de novembro de 1953 (Parar’4 3%, 62, 399), que confundiu o conteúdo do art. 950 do Código Civil com a distinção entre dívidas de ir levar e dívidas de vir buscar (Bringschuldefl, Holschzdden). Para essas, o lugar da prestação é o domicilio do devedor; para aquelas, o do credor ou outro lugar. Se ‘a divida é de ir levar (Bringschuld), tem o devedor de ir com a coisa ao credor, no domicilio ou estabELEcimento dELE credor. Não se confunde com a simples dívida de remessa (Schick8chtdd). que supõe não se tratar de remessa ao lugar da prestação. Seria conveniente que, ao tratar de determinação do lugar da prestação, os acórdãos não se referissem a serem as dívidas de ir levar ou de ir buscar. Em vez de se esclarecer o assunto, turba-se (e. g., 2.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 18 de novembro de 1942 R. li’., 94, 100; 2. Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de julho de 1948, R. dos T., 145, 252). A obrigação de remeter não se compreende na de prestar no domicilio do devedor, nem a de remeter a outro lugar se inclui na de levar ou remeter a determinado lugar. 4.ÔNUS DA PROVA. Quem alega que se devia ou se deve pagar noutro lugar que o do domicílio do devedor tem o anus de o provar (P. OERTMANN, Recht der Schuldverh?iltnisse, 87;. G.PLANCK, Kommentar, II, 155; sem razão, FR. LEONHAXD, Ne Beweislast, 350). Se o devedor alega que podia ir pagar noutro lugar, também lhe incumbe a prova. As proposições acima apanham as obrigações

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positivas e as negativas (M. LESSER, Der Inhalt der Leistungspflicht, 2 s.). § 2.771. Mudança de circunstâncias e convenção posterior 1.DOMICILIO DO DEVEDOR E MUDANÇA. Se a prestação há de ser feita no domicílio do devedor, por incidência do art. 950 do Código Civil ou do art. 430 do Código Comercial, e o devedor, entre a conclusão do negócio jurídico, ou outro fato de que resultou a obrigação, muda de domicilio, é no lugar do domicilio ao tempo da concluido do negócio juridico, ou do fato irradiador da obrigação, que se há de prestar (L. ENNECCEmis, Lehrbuch, II, 82; O. WARNEYER, Komment ar, 1, 453). J.X. CARVALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito comercial!, VI 413 s.) pretendeu tirar do art. 430 do Código Comercial e do art. 950 do Código Civil que o domicílio deve ser entendido como o do devedor por ocasião do pagamento, acrescentando que pode haver gravame ao credor mas esse que se acautelasse devidamente. De modo nenhum. Nem os textos do art. 430 do Código Comercial e do art. 950 do Código Civil permitiam tal ilação, nem é isso o que em ciência se tem por certo. O comercialista confundiu domicílio para determinação da competência judicial e domicilio para determinação do lugar da prestação. O lugar da prestação é determinado de inicio, com o nascer da obrigação. Para fundamentar a opinião errada, M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA (Doutrina e Prática das Obrigações, 1, 2. ed., 474; 4.’ ed., 459) cita a MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Segurtdas Linhas, 1, 209) e a COELHO DA ROCHA (Instituições, § 147, 100), porém nenhum dELEs disse isso. Cita também a B. WINDSCEEID (Lekrbuck, 1, 9.’ ed., § 343); nem no § 343, nem no § 282, E. WINDscnEm diz isso e, como é sabido, o sistema romano de determinação do lugar da prestação era muito diferente. No direito português, o art. 744, parágrafo único, do Código Civil português, seguiu o caminho menos recomendável: “Se o lugar da prestação se não achar designado, e a dita prestação consistir em objeto móvel determinado, deverá ser feita no lugar onde esse objeto existir ao tempo do contrato. Em qualquer caso será feita no lugar do domicílio do devedor, no tempo do cumprimento, salvo se êste depois do contrato, se houver ausentado para fora do território continental, pois neste caso será feita no lugar do domicilio do credor’. Todo o art. 744 do Código Civil português é completamente estranho ao sistema jurídico brasileiro. Bem assim o art. 744, parágrafo único: “Se, depois do contrato, o devedor mudar de domicilio dentro do território continental, deve indenizar o credor das despesas que fizer a mais por causa dessa mudança”. Tôdas essas idas e voltas foram devidas a ter o legislador partido de premissa errada. O lugar da prestação há de ser determinado ao tempo da conclusão do contrato; o que importa é a determinado. nação, e não o fato de ser domicílio do devedor. Foi o Decreto português n. 19.126, de 6 de dezembro de 1930, que fêz a referência a territórios continentais, mas qualquer atenuação à regra jurídica não a prestigia pois que em si mesma é desacertada. Na Código Civil argentino art. 748 deu-se ao credor a escolha entre o nôvo e o primeiro domicílio do devedor: “Si ei deudor mudase de domicilio, en los casos en que eI lugar de éste fuese el designado para e] pago, eI acreedor podrá exigirlo, ó en eI lugar dei primer domicilio, ó en ei deI nuevo del deudor”. Mais uma vez se percebe o esfôrço para se diminuírem os inconvenientes do senão de técnica legislativa. Se o domicilio, do devedor, ou do credor, onde se há de adimplir, muda entre a oferta e a aceitação, sem que tenha havido convenção de lugar certo, lugar da prestação é o do domicílio ao tempo da conclusão do contrato. 2. OBRIGAÇÕES SOE CONDIÇão OU A TERMO . Se a obrigação é condicional ou a têrino, a mudança de domicilio posterior à conclusão do contrato é inoperante (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 84; A. DÍYRINGER e M. HACHENBURG, Das Handelsgesetzbuch, II, 2. ed., 524; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 82; sem razão, F. SCHOLLMEYER, Rech.t der Schuldverhdltnisse, 81). Se o devedor pode solver a divida a qualquer credor e têm os credores diferentes domicílios, a escolha do credor a quem há de pagar importa escolha do domicilio (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 85). 3.MUDANÇA DE DOMICILIO DO CREDOR SE ESSE DOMICILIO É O LUGAR DA PRESTAÇÃO. Se a prestação há de ser feita no domicilio do credor e esse muda de domicílio após a conclusão do contrato, e com isso crescem as despesas e os riscos da remessa ou da entrega, o credor acarreta com os gastos e os riscos, salvo se foi prevista a mudança sem alteração das situações. A regra jurídica apanha a própria promessa de doação se a obrigação é de ir levar (G. PLANCK, Kommentar, II, 159; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 454; sem razão,

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li. REHBEXN, Das Bi2rgerliche Gesetzbuch, II, 84; H. DERNEURO, Das Biirgertiche Reeht, II, 1, 134). Trata-se de jus dispositivum. Se o devedor alega que os gastos e riscos correram por conta do credor, por ter mudado de domicílio, incumbe-lhe o ônus da prova (G. PLANCK, Kommentar, II, 158; LUDWIG BEBa, Verteilung der Beweislast beim Verluste einer Geldsendung, Das Recht, VI, 504; sem razão, SCHaNFELD, fie Verteilung der Beweislast beim Verluste einer Geldsendung, VI 393). CAPITULO III 4.ALTERAÇÕES DE CLÁUSULAS E PACTOS DE MUDANÇA DO LUGAR DA PRESTAÇÃO. Qualquer que seja o lugar da prestação, salvo lez specialis cogente, podem os interessados mudá-lo, convencionando que se preste noutro lugar (e. g., que a indenização por ato ilícito seja entregue pelo devedor, em seu domicílio), ou alterando-se o lugar que fôra determinado convencionalmente, ou ujav determinação resultou de regra jurídica dispositiva (Código Civil, art. 950; Código Comercial, art. 430). TEMPO DA PRESTAÇÃO 1 2.772. Determinao do tempo 1. PRETENSÃO, NO TEMPO. a) A determinação do tempo para a prestação já supõe que existem o direito e o dever (divida), e a pretensão vai nascer: há crédito, direito atual ao pagamento “quando” se atinja o termo suspensivo; a pretensão é que ainda não nasceu. Isso não quer dizer que, excepcionalmente, não se conceba a determinação do tempo como pré-excludente do crédito, ou como não-pré-excludente da pretensão e somente da ação. O que a experiência e a técnica legislativa mostram é que a existência do crédito sem o exsurgir (ainda) da pretensão e da ação traduzem a intenção ordinária dos que figuram em negócios jurídicos. O próprio Código Civil alemão, que, nesse ponto (§§ 163, 158, 160 e 161), longe estêve das exigências de boa terminologia científica, não deve ser entendido sem se ressalvar que o crédito já existe, na ordinariedade dos casos: onde ELE diz que o efeito dependente só se produz ao advento do termo (ou da condição) não exclui os outros efeitos; e efeito não é só o efeito-pretensão, ou o efeito-ação ou o efeito. -exceção: há o efeito mínimo, que tanto temos versado; e o efeito-direito. Efeito mínimo é a vinculação. b) Na ordinariedade dos casos, o credor, nos negócios juridicos com prestação a prazo, já o é, e o devedor já é devedor: existem, pois, crédito e divida (dever, débito). Razão por que: o crédito pode ser cedido, remitido, herdado, ou, se após o termo o seria, alienado; êntra, como ELEmento, nos patrimônios: se o devedor lhe causa dano, responde pela indenização; os terceiros, que lhe causem danos, também respondem; o devedor pode pagá-lo antes de se atingir o termo, com a conseqUente mora creditoris, se o credor se recusar a receber a prestação (arts. 952, 955 e 958), salvo se só a favor do credor; se, por êrro, o devedor pagou antes do tempo, não há repetição (art. 964, verbis “o que lhe não era devido”) ; cabem a ação declaratéria, se há interesse jurídico na declaração, a ação condenatória de prestação futura, se essa não depende, ou já não depende de contraprestação, ou se cumulada à de condenação das prestaçÕes presentes, para se haverem prestaçÕes futuras, e o arresto, ou outra medida cautelar, cujos pressupostos se hajam satisfeito. O que falta ao direito é efeito, não todos os efeitos. Ao efeito, que lhe falta, é ligado o exercício: por isso, o devedor não pode ser pósto em mora (art. 955, verbis “tempo, lugar e forma convencionados”). Tem efeito, portanto é. Não há efeitos do nada. Por isso mesmo, os créditos dito “com prazo”, ou “a termo’, são, e não se confundem com os créditos “futuros”. (Não atendeu a’ isso MARTIN WOLFF, Lehrbuch, III, 27.a32.a ed., 531 que identificou crédito futuro e crédito condicional ou a termo; daí a sem razão da sua opinião a respeito da hipoteca por crédito condicional ou a termo, cf. LEO STERNBERG, Die Hypothek fúr eine kúnftige oder cine bedingte Forderung, Jherings Jahrbiicher, 62, 377 s.). 2.IRRADIAÇÃO DE EFICÁCIA E TEMPO. . É preciso que não se confundam com os créditos a prazo os negócios jurídicos em que há o efeito mínimo (irrevogabilidade) e se estabELEce desde quando, pra rata

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temporis, se inicia a irradiação de eficácia de tôda a relação jurídica (e. g., locação de casa, ou de serviços, a começar de tal dia), ainda quando haja de começar imediatamente, porque, se não há tempo determinado (e. g., para a locação), os créditos nascem pio rata tem paris. 3.FIXAÇÃO DO TEMPO PELO DEVEDOR. A estipulação segundo a qual se deixa ao devedor fixar a época da prestação interpreta-se como a de se lhe haver deixado, na dúvida, o fixá-la, segundo equidade; e, em caso de controvérsia, pode o credor recorrer à justiça. Se a seu inteiro arbítrio ficou tem de ser antes dá sua morte. Não 6 de afastar-se a hipótese do art. 115, 2,’ parte, in tine. A fixação pode ser deixada ao credor (ZANDER Der Kauf auf “Ãbruf’, Gruchot8 Reitrtige, 52, 804 s.). As circunstâncias podem compor causa de resolução do neg6clo jurídico, se o credor deixa de fixar, ou suscita mora credendi. Se há diferentes prestações, ou prestações sucessivas, o credor pode pedir ou marcar prazo para cada uma. Se houve prazo para dentro dELE se pedir, na compra-e-venda, ou outro negócio jurídico a regulação, pode ser intimado a pedir dentro do prazo, ou, se já o excedeu, a oferta do devedor tem o seu efeito de constituir em mora o credor (art. 955). 4. ACONTECIMENTO FUTURO E PRAZO. Algumas vezes, é ELEmento da estipulação pelos figurantes, acontecimento futuro inclusive ato de todos, alguns ou um dELEs. Por exemplo: a cláusula “pago contra fatura’ significa que o devedor tem de pagar ao receber os documentos, ainda que não se hajam recebido as mercadorias, ou, sequer, tenham partido de onde se achavam, salvo se há uso do tráfico em sentido contrário (expedição imediata, ou simultânea; entrega dos documentos com as mercadorias. 5. ADJEDOÇÃO DO DIA E FAVOR DO DEVEDOR. De ordinário, a) a fixação de tempo, que não seja o da conclusão do negócio jurídico, apenas significa que o credor não pode, antes do tempo pedir a prestação, pOsto que possa o devedor solver a dívida. Â regra jurídica que assim estabELEce, seja escrita, ou não, é interpretativa sempre que se fixou tempo, há-se de entender que há direito e dever, porém não pretensão e obrigação. Se dúvida não há, e b) também foi estabELEcida a favor do credor a fixação, o que é excepcional, mas ocorre em muitos casos como se a divida vence juros e não há regra jurídica em contrário ou estipulação, nem o credor pode exigir, nem o devedor pode pagar, antes do termo. Se dúvida não há, pois o) 5.5 se estabELEceu o prazo a favor do credor, pode ELE exigir antes, sem que o devedor possa solver antes do termo (e. g., depósito, art. 1.268). No direito romano, também Dies adiectio pra no est, no» pra stijndatore (L. 41, § 1, D., de verborum obligationibus, 45, 1; aliter, Preussisches Alígemeines Landrecht, 1, 5, § 241). 6.IMPLEMENTO ANTES DO TERMO . Se a fixação do tempo da prestação e as circunstâncias são significativas de que só no momento marcado se pode prestar porque, fora dELE, não mais seria, absolutamente, do interesse do credor, trata-se o inadimplemento como se trataria a impossibilidade superveniente da prestação: diz-se, então, que a fixação de tempo é absoluta. Todavia se apenas se convencionou que se afastaria qualquer adimplemento após o prazo, ou após os prazos determinados, chama-se negócio jurídico fixo (Fixgeschiift) a tal negócio jurídico, com o consequente direito de resolução (negócio jurídico fixo simples), ou, se foi estipulado, a conseqUente resolução ipso jure (negócio jurídico fixo absoluto), sem se poder pensar em indenização, ou em incidência das regras jurídicas sobre impossibilidade superveniente. No negócio jurídico fixo, a determinação do tempo é tal que marca o tempo da prestação, acrescentando que não pode ser feita depois do dia (talvez nem antes nem depois) ; portanto, sem purgação possível da mora (arts. 959 e 960). O contrato de locação para o próximo verão é negócio jurídico fixo. O direito de resolução eu a resolução ipso iure estão implícitas; a sua expressão pode ser supérflua. A resolução resulta do simples inadimplemento, sempre que não é preciso saber se, a despeito da fixação, o credor aceitaria a prestação tardia. Sempre, porém, que há negócio jurídico fixo, sem se caracterizar a resolução ipso jure, o credor pode exercer o seu direito de resolução, sem se apurar se houve, ou não, culpa do devedor, ou se o credor tem, ou não, interesse na prestação (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 4a ed., 467; E. STAUB-H. KOENIG, Komrnentar zum Handelsgesetzbuch, II, 2, 11a ed., 833). A regra jurídica sobre a existência do direito de resolução se o negócio jurídico bilateral foi concebido como a

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certo momento, ou dentro de prazo determinado, é jus interpretativum. No negócio jurídico de tal espécie, vencimento e tempo de adimple. mento são simultâneos e o tempo é ELEmento essencial da prestação mesma. Se não há dúvida sobre ter sido estipulado o direito de resolução, ou por se ter estipulado resolução ip8o jure, ou por ser certo que se não estipulou aquELE direito, só se pode invocar o art. 1.092, parágrafo único (direito de resolução fundado em lei). No caso de fixação absoluta, incidem as regras jurídicas sobre impossibilidade superveniente (G. PLANCK, Kom.. mentar, II, 1, 408; O. WARNEYER, Komment ar, 1, 633). Cumpre não confundir com o negócio jurídico fixo o negócio jurídico com prazo de requisição com prestaçÕes sucessivas, pôsto que aquELE possa estar nesse (e. g., o prazo de requisição é obrigatório para o comprador). Os negócios jurídicos de compra-e-venda no exterior com prazo de expedição são fixos. Idem, os de descarregamento dentro de certo prazo, se os outros requisitos se compÕem. Sempre que há o direito de resolução (negócio jurídico simples, ou, como preferia H. TITZE, liXe Unmôglichkeit der Leistung, 34, nota 3) puro, e não a resolução ipso jure (negócio jurídico absoluto, impuro, ou, como preferia M. LESSER, Der lnhalt der Leistungspflicht, 111, “em sentido estrito’), tem o credor a escolha entre pedir a prestação, ou as perdas e danos, e exercer o direito de resolução. Quem alega ser fixo o negócio jurídico tem de prová-lo (Fa. LEONHARD, Die Beweislast, 383; L. ROSENEERO Zur Lebre vom sog. qualifizierten Gestãndnisse, Archiv /1k- die civil istische Prazie, 94, 119). 7. DENÚNCIA E EXIGIBILIDADE. Pode ser que o tempo da prestação se tenha de fixar por meio de denúncia, declaração de vontade, receptícia, de que começa a tal momento a pretensão; isto é, de que desde já, ou em momento posterior, se vence a prestação. A denúncia atemporal, ou sem prazo, é para a fixação imediata; a temporal ou com prazo, é para a fixação mediata (e. g., daqui a vinte dias, no dia 23 de abril). Tal denúncia é só espécie, pois há outras espécies de denúncia, como a que se faz para que termine a relação jurídica, ou paraoutra conseqUência. Tôda denúncia é exercício de direito formativo, gerador, modificativo ou extintivo. Ou resulta de lei, ou de determinação negocial. Pode ser cheia (ter de satisfazer pressupostos fácticos, ou causas de denunciar, apontadas em lei), ou vazia. Pode ter de ser de todos os figurantes, ou só de um deles, ou de alguns. Pode ser exercivel desde loj o o direito de denunciar, ou só se exercer depois de certo tempo, ou depois que algum acontecimento se der. No que concerne ao tempo do pagamento, a denúncia ou 4 sem prazo ou com prazo. Não ae confunde com a interpelação, que já sup6e pretensão e obrigação, e apenas tem por efeito a constituição em mora. O que denunciou marca prazo, não constitui em mora. De modo que, ao se dizer, no art. 960, alínea 2., que, “não havendo prazo assinado, começa (a mora) desde a interpelação, notificação, ou protesto”, a denúncia não está Incluída. Se a denúncia foi sem prazo, marcado o dia está, que é o da denúncia; se foi com prazo e a obrigação 6 positiva e líquida, também. Tanto ali quanto aqui, Diu interpellat pra homine. Se não se vence imediatamente à denúncia, nem há prazo, cabe a regra jurídica do art. 960 2.0 alínea, pôsto que seja rarissima a denúncia temporal sem fixação do prazo. É de tôda conveniência teórica e prática não se confundir a denúncia com a interpelação. 8. AFORMABILIDADE DA DENÚNCIA. A denúncia, salvo regra jurídica especial, é a/arma!. Fatos concludentes podem comprá-la, como a remessa dos carros para que apanhem as coisas compradas se pode ser atemporal a denúncia (se a entrega tinha de ser imediata, a remessa dELEs é interpelação extra-judicial), ou o aviso da companhia de transportes de que o comprador mandou apanhar no dia tal as coisas compradas. 9. INTERESSE DOS FIGURANTES E DENUNCIA. Quando o interesse é de dois ou mais figurantes, a regra é que a denúncia tem de ser por todos ou contra todos. Se, porém, os credores ou devedores só o são de parte, pode denunciar qualquer dELEs, quanto à sua parte; se a obrigação é solidária, qualquer dos credores ou devedores solidários tem o direito de denúncia, sem que tal denúncia tenha eficácia para os outros credores ou devedores. Mais uma vez se caracteriza a diferença entre a denúncia, a interpelação e a cobrança: cada um dos credores pode exigir a divida, ou seja passiva (art. 898), ou seja ativa (art. 904) a solidariedade; pode interpelar e a mora do credor solidário, ou do devedor solidário, aproveita aos outros devedores, ou credores; mas a denúncia é de eficácia somente para o que foi alvo da denúncia. Ocredor que não é obrigado a receber pagamentos parciais também não 6 exposto a denúncia de parte da divida. O credor que pode denunciar pode denunciar a totalidade da divida ou a parte (arg. ao art. 904; THIELE, Die Ktlndigung, Archiv filr die civiliati8che Praxis, 89, 152). O argumento de que, assim, se só o credor pode

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denunciar, há injustiça (de lege ferercda) para o devedor, de modo que não pode ser o que estava na Intenção dos figurantes (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 31.’-.35 cd., 88), 6 improcedente: o que se teria, no plano da elaboração legislativa, de fazer seria conceder-se ao devedor o direito de denúncia, ex lege, da totalidade (tal como a Lei prussiana de E de fevereiro de 1811), mas tal direito não pode ser criado pelo intérprete, nem se pode privar de denunciar pai e quem pode exigir parte (art. 904). 10.“INTERUSURIUM”. Chama-se interusurium ao interesse do capital no tempo que medeia entre o pagamento da divida e o vencimento dela. Há vantagem para o credor, que pode empregar, de nôvo, o capital. Todavia, os sistemas jurídicos não facultam ao devedor deduzir o interusúrio ou juros interinais, ainda quando tenha havido êrro em pagar antes do tempo ( o interusúrio é irrepetível). Falta, pois, e é óbvio que falte, regra jurídica geral de dedução. O Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, art. 7O, estatuiu: “O devedor poderá sempre liquidar ou amortizar a dívida quando hipotecária ou pignoratícia antes do vencimento, sem sofrer imposição do. multa, gravame ou encargo de qualquer natureza por motivo dessa antecipação”. O § 1.0: “O credor poderá exigir que a autorização não seja inferior a 25% do valor inicial da divida’. § 2.0: “Em caso de amortização, os juros só serão devidos sobre o saldo devedor”, É a dedução do interusúrio, devendo-se interpretar que os juros pagos antes se computam no capital pago. Paga-se aquilo que, com os juros durante o tempo restante, perfaria a soma devida (método de HOFFttANN); e não pelo método de LEXENIZ, mais exato, segundo o qual se computam juros compostos: seria injusto postular-se que o credor obteria juros de juros, nêm pelo método de CARPZOW, que pretendeu deduzir da quantidade devida os juros. Se algum empréstimo se solveu antes do tempo sem ter o devedor pago juros até o vencimento, quando se não faculte dedução do interusúrio, há-se de entender que o credor renunciou aos juros do intervalo entre o pagamento e o vencimento <O. WARNEXER, Kommentar, 1, 457). Se a dedução do interusúrio resultou de negócio jurídico, faz-se o cálculo conforme a intenção do figurante ou dos figurantes (art. 85). 11.CoNDição E ExIGIBILIDADE. No caso de condição, somente quando essa se verifica é que o devedor tem de pagar: ou porque a condição só suspendeu o surgimento da. pretensão, ou porque o crédito mesmo não tenha nascido antes. O art. 953, 1.’ parte, diz: “As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição”. Mas é preciso que o devedor conheça o implemento da condição (art. 953 -2.’ parte: incumbida ao credor a prova de que dêste houve ciência o devedor”). 12.PRESTAÇÕES RECÍPROCAS SIMULTÂNEAS ( TOMA-Á-DÁ-CÁ). As prestações recíprocas simultâneas (prestações toma-lá-dá-cá, Zug um Zug) implicam que o lugar seja o mesmo para & prestação e para a contraprestação, ou que a simultaneidade seja controlável. Porque se o lugar não é o mesmo, nem se pode prestar apontando, ou transmitindo a posse longa , ou pelo constituto possessório, corre tempo entre um lugar e outro e a simultaneidade pode não ocorrer, O credor, que apresta, pode retirar a oblação se o devedor não se apronta a prestar, simultâneamente à aceitação da oblação. Não é obrigado a prestar, se o outro figurante não presta nem esse pode exigir sem prestar. Há mora debitaria e mora atoipiendi, segundo os princípios; e direito de resolução por inadimplemento. A restituição tem de ser feita, em caso de resolução, sem qualquer indagação de enriquecimento de quem há de restituir? restitui o que recebeu, como em quaisquer outros casos de resolução. Se já há exigibilidade (e. g., Código Civil, art. 960, 1.8 parte), não 6 preciso que se dê interpelação para a oblação. Interpelação somente cabe se ambos os figurantes já se declararam prontos a adimplir e não há incidência do mil. 960, 1.’ parte, do Código Civil <cf. P. OERTMANN, Reckt der Sckuldverht.j4tni.ase, 133; 43. PLANa, Kommentar, II, 1, 265 s.; diferente, H. REHBEIN Das Biirgerliche Gesetzbueh, II, 120). A interpelação é ineficaz se, com a coisa, tem o devedor de entregar “contra documentos’, ou contra recibo, ou receber caução, ou algo mais que se haja de prestar como pertença, e o credor ainda não o pode fazer (CARL CROME, System, II, 136, nota 14; F. PAECH, Der Leistungsverzug, 63). O credor que exige a contraprestação tem de apresentar a prestação. Se o não faz, incorre em mora debitaria. Se o faz e se recusa a receber, incorre em mora creditaria. Se não apresenta a prestação, nem recebe a contraprestação que se lhe apresentou, incorre em mora debitaria e em mora creditoris. O inadimplemento da obrigação de prestar simultaneamente gera exceção, mas a exceção non adimpleti contradita vai, ai, mais fundo porque o reclamante que não apresenta falta ao cumprimento da obrigação. Donde ter M. E. Eccíus (Theorie une! Pro,zia des heutigen gemeinen preuastschen Privatrechte, 1, § 83 e II, § 125,

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nota 68) pensado em negação do fundamento de pleitear (Klagegrund), mais do que exceção contra a pretensão. Poder-se-ia ir até ai? Não; e passemos a expor. A oposição da exceção, se a prestação havia de ser simultânea, não contém oblação da prestação, de modo que o excipiente tem de opor a exceção e dizer que está pronto a satisfazer, simultâneamente a obrigação sem que a falta de tal declaração elimine a mora debitaria de quem reclamou sem prestar se tal mora se caracterizou. Quem reclama e se diz pronto a receber sem apresentar o que há de prestar simultâneamente não incorre em mora debitaria, mas expõe-se a exceção non adimpleti contractua. Á propósito, é de criticar-se a solução do § 298 do Código Civil alemão, que G. PLANCK (Kommentar, II, 302) chamou supérfluo. Quem pede, interpela, exige e, se fixou com isso, para si mesmo o momento de contraprestar, expôs-se a exceção non adimpleti contractus. Quanto à exceção non adimpleti contractus foi dito que a eficácia que em verdade ela encobre, se não há data fixa para as prestações simultâneas, de modo que incida o art. 960, 1.’ parte, do Código Civil seria a do direito, e não a da pretende-La, porque essa ainda não exsurgiu: exsurge à interpelação. Mas a exceção non adimpleti contractus supõe a interpelação. Portanto, é encobrimento da eficácia de pretensão. Se há data fixa e o art. 960, 1.’ parte incide não se pode, no sistema jurídico brasileiro, adotar a teoria da permuta de prestações; nas obrigações a prestações simultâneas, mas sim a teoria do adimplemento simultâneo , segundo a qual ainda que se trate de prestações toma lá dá cá, há pretensão desde a interpelação. As prestações simultâneas (ou toma lá dá cá) são ligadas apenas pelo tempo e não como objetos a serem permutados. A respeito delas, como das. outras, a exceção non adimpleti contractua é verdadeira exceção, e não objeção (cf. HEERWART tiber die exeeptio non adimpleti contractua und non rUe adimpleti contractus, Archiv flir die civiliatiache Praxis, VII, 335 s., 14, 206 s., e 18, 387 s., dos quais o segundo escrito contém excELEnte resposta a ALEX. LANO, tiber die Einrede de8 nicht er/’iUlten Contracts, 22, 29 s., 32-39, 53-57; F. BERNH6FT, Beitrag zur Lehre vom Kaufe; Jahrbicher die Dogmatik, 14, 184 s.). Se não há lugar comum às duas prestações simultâneas, basta que os dois figurantes recebam para que se tenham por cumpridas as obrigações respectivas. No momento da expedição do bem prestando é que a contraprestação há de ser feita; se as prestações tinham de ser simultâneas e a pessoa a quem há de ser enviada a coisa a dá como recebida, o remetente perde o direito de retirá-la e os riscos passam ao destinatário. Se, pelos termos do negócio jurídico, a entrega há de ser no lugar do destino, o momento para se fazer a contraprestação é esse, e não o da expedição. A propósito, pode ser empregado o acreditivo, de jeito que terceiro, de ordinário banco, presta o preço ou contraprestação contra a entrega dos documentos 4ue atribuem ao credor a propriedade e posse dos bens remetidos. Se a pretensão a uma das prestações recíprocas simultâneas prescreve sem que prescrita esteja a outra, ou sem que prescreva ao mesmo tempo o devedor da prestação que não pode alegar prescrição tem de solver a sua divida (JOsEF STEININCfl, Leistung Zug um Zug, 16). Outra solução somente poderiam admitir os seguidores da teoria da permuta de prestações (Austauschtheorie). Se a uma das prestações corresponde pretensão a que a lei conferiu tutela jurídica executiva e à outra, não, o momento em que se Inicia a mora debitoria de quem não tem a ação executiva por titulo extrai udiclal é o em que se pode começar de exercer a pretensão executiva. A impenhorabilidade dos créditos não obsta a que se regule a simultaneidade das prestações nem que o devedor se recuse a prestar se há obrigações de prestações recíprocas simultâneas (cp. MÃx PÂFPENREIM Das Zurflclcbehaltungsrecht gegentiber unpfãndbaren Forderungen Detctache Juriaten -Zeitung, VII, 86 s., que não teve acolhida). Se, no processo, o devedor não exerce a exceção no,i atUmpleti contractua, extingue-se essa. Tem a mesma conseqtiência a renúncia à exceção. O titular da pretensão prescrita não tem a exceção non adimpleti contractua. Se uma das prestações se torna impossível, os princípios são os comuns às outras prestações. O devedor da pretensão a que corresponde prestação possível é obrigado a prestar, se a culpa foi sua; se a culpa foi do devedor da prestação impossibilitada, rege o art. 865, 2.’ alínea, ou o art. 876, ou o art. 879 2.’ parte, ou o art. 883, ou o art. 885, ou o art. 886, ou o art. 887, 2.’ alínea, do Código Civil. Nas espécies em que o credor da prestação impossibilitada pode escolher a resolução do contrato, ou a indenização, o credor, que presta, por não ter preferido a resolução, há de prestar quando o devedor o indenize.

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Se o cessão do crédito não é devedor no tocante ao crédito de que nasce a obrigação de prestar simultâneamente, nenhuma exceção non adimpleti contractus surge. Se alguém sucede no crédito e na divida, a exceção pode-se gerar. Nos contratos bilaterais, as prestações podem ser simultâneas , “toma-lá-dá-cá”, Zug um Zug, porém bilateralidade e simultaneidade não são sinônimos . A simultaneidade refere-se ao tempo em que se há de prestar; portanto, em que os contraentes hão de prestar. Não há simultaneidade sem bilateralidade; mas há bilateralidade sem simultaneidade (com argumentos errados, a 1.’ Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 27 de setembro de 1954). Se o devedor não o conheceu, a pretensão nasceu e, pois, a obrigação; não se deu, contudo, a mora. § 2.773. Regras jurídicas interpretativas 1. CONTEUDO DO ÂRT. 952 DO CÓDIGO CiVIL. Segundo o art. 952, o credor pode exigir a solução imediata se nada se dispôs quanto ao tempo em que se deveria adimplir: “Salvo disposição especial déste Código” e, naturalmente, de outra lei, “e não tendo sido ajustada época para o pagamento, o credor pode exigi-lo imediatamente”. A regra é interpretativa (O. WÃitNEVER Kommentar, 1, 454): somente se há dúvida é que se há de invocar o art. 952. Não se deve ler como dispositiva a regra jurídica: manifestação da vontade há de ter havido; o que ao certo não se sabe é o que se quis. Não importa qual a espécie de manifestação da vontade, explícita, implícita, silente tácita, presumida. Se se sabe ao certo qual o ajuste que houve, o art. 952 não incide. “Ajuste’ ai está por fixação sobre a qual nA o haja dúvida, sendo possível que as próprias circunstâncias a apontem. As vOzes, tais fixações são tácitas tomo se a prestação mesma tem, antes de ser feita, ou se tem de vir de outro lugar que aquele em que tem de ser entregue. Por outro lado, além disses ELEmentos ligados à natureza da prestação há os que resultam do tráfico, como o que exclui oferecer-se ou exigir-se em dia inoportuno (e. g., pagamento de grande quantia em domingo, ou dia de fechamento de bancos). 2. ONU DA PROVA. Discute-se a quem incumbe o ônus da prova no tocante ao art. 952: se ao credor que alega ter de ser imediata a prestação e a exige (teoria da negação, Leugnungstheorie); se ao devedor, que está diante de regra jurídica que manda preferir-se a interpretação da vontade como sendo a do imediato adimplemento (teoria da objeção, Emwandstheorie). Pela primeira: L. ENHECCERUS (RechtsgescMf 1, Bedingung und Ãnfangatermin, 215 5.; A. STÓLZEL (Schzdung flir dia civiliatiache Praxia, 1 159 e 177); FR. LEONHA.RD (Die .Beweialast, 2.’ ed., 803); pela segunda: P. OERTMANN (Recht der Schuldverhdtniase, 90); O. PLANCK (Kornment ar, 4.’ cd., II, 168); A. VON Turnt (Der Áligemeine Teu, III. 332) H. BECKH (Die Beweislast, 180); E. STEIN (Dia tivilprozesaordnung, 1, 701). A favor da teoria da negação, argumenta-se que, se alguém vai a juízo para exigir, tem de mostrar o seu direito e fundamentar a sua pretensão. Além desse argumento de ordem lógica, aduz-se que só há a regra jurídica do art. 952 para o caso de dúvida, e não como principio dispositivo. A favor da teoria da objeção, diz-se que a regra jurídica do art. 952 ou é dispositiva, ou, se interpretativa, toma o que possa haver de manifestação da vontade, ainda na dúvida, como de adimplemento imediato que é o que mais acontece. Em verdade, para que o adimplemento não se tenha por imediato, é mister provar-se que outra vontade, e não duvidosa, se manifestou.. Se dúvida há, resolve-se, pela regra jurídica do art. 952, a favor do credor. Se o devedor discute a própria divida o credor não tem, tão-pouco, de descer à discussão do prazo: a favor dELE está a regra jurídica do art. 952. No direito romano, a L. 14, D., de diversia regula iuris antiqui, 50, 17, disse que “em tôdas as obrigações, em que não se pôs dia, se deve no dia presente” (In omnibus obligationibus, in quibus dies non ponitur, praesenti die debetur). O “non ponitur” faz crer em que fôsse dispositiva a regra jurídica, mas verdade é que onde o requisito da forma era de exigir-se, não se poderia pensar em dispositividade e, nos negócios jurídicos aformais, a regra jurídica bem poderia ser interpretativa. 3. VONTADE EXPRESSA OU TÁCITA E “BIS INTERPRETATIVUM’. Em primeira linha vem o que se colhe da vontade expressa, ou tácita, dos figurantes, ainda que no seu conteúdo se tenham de levar em conta as circunstâncias. Se dúvida há (ou há dúvida,, ou não há), estabELEcido, a priori, que algo se quis, então cabe a regra jurídica do art. 952. É contraditório dizer-se que ela é interpretativa e alhures supor-se falta de vontade

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para que o art. 952 incida. Aliás, a solução imediata não se há de entender literalmente porque a boa fé no tráfico há de ter o seu papel (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltniaae, 89; L. EMNECCERUS, Lehrbuch, II, 81.’-35.’ cd., 85). A prestação há de ser exigida ou satisfeita no tempo adequado, e não de noite, ou em dia feriado salvo se isso resulta do conteúdo do negócio jurídico. A construção jurídica do art. 952 é tal que se tem corno querido o dia da prestação e, se outra fixação não provém, sem dúvida, do texto ou das circunstâncias, o art. 952 incide; Isto 6, tem-se como imediata a solução. Se foi explícito o prazo, ou se está implícito no texto, ou se a natureza do negócio jurídico (festim, árvore para o Natal), ou as. circunstâncias o compõem (automóvel para ir ao centenário de uma cidade), o art. 952 não pode ser invocado. Se a mercadoria está fora, ou ainda tem de ser descarregada, o tempo necessário para a viagem, ou descarregamento, é essencial ao conteúdo do negócio jurídico. Para que a regra jurídica do art. 952 incida, não é de mister que tenha de apanhar tôdas as prestações de que o negócio jurídico cogita (= os tempos podem ser diferentes e a propósito de alguma ou algumas prestações, haver dúvida). § 2.774. Ação de prestação futura 1.AÇÕES NO TOCANTE Á PRESTAÇÃO FUTURA. Em principio, a ação, que se tem e se pode propor quanto à futura prestação, é a ação declarativa (plano da existência), para se emitirem enunciados existenciais (é ou não é) sobre a relação jurídica, com as suas caracterizações e eficácia. Basta o interesse na declaração. Todavia, a prestação futura pode ser objeto: a) de ação condenatória quando se trata de ações dirigidas, por exemplo, à evacuação de imóvel (fazenda, sítio, casa, terreno), se o réu só tem direito até determinado dia; b) de ação condenatória (quase sempre cumulada a outra, sobre prestações vencidas), tratando-se de prestações pro rata temporis (e. g., alugueres, juros a se vencerem) ; c) nas espécies do art. 954: “Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código: 1. Se executado o devedor, se abrir concurso creditório. II. Se os bens, hipotecados, empenhados, ou dados em anticrese, forem penhorados em execução por outro credor. III. Se cessarem, ou se tornarem insuficientes as garantias do débito, fidejussórias ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-la’. Não se trata de créditos futuros de dividas futuras; em todos Osses caos o crédito e a divida, que lhe correspondem, já existem. A pretensão é que ainda não existe: se dizemos que existe, confundimos direito (ou dever divida) e pretensão (ou obrigação) e cairemos aqui e ali em contradições (e. g,, K. HELLWIG, Ânapruch und Ria grecht, 881 e 382, onde fala de pretensão já existente, pretensão futura e obrigação futura). A ação é Inconfundível como a ação declaratória, ainda quanto à relação juridica futura (a condição o termo, a eventualidade, a futuridade assente da relação jurídica não obstam ao pedido de declaração, Comentários ao Código de Processo Civil, 1, 118) ; e de modo nenhum se pode ter por ação constitutiva. A ação é condenatária, com eficácia executiva quando nascerem, segundo a decisão trAnsita em julgado, a pretensão e a ação pela prestação, que fôra futura ao tempo da propositura da ação julgada. 2. Ação DO ART. 954 DO CÓDIGO CIvIL. Não obsta à ação do art. 954 o alegar o devedor não existir a divida, ou ser nulo ou anulável o negócio jurídico ou o ato jurídico atricto sensu. Obsta a tal ação a sentença sobre inexistência, ou não-validade, trAnsita em julgado; não sobre a existência, ou validade porque o interesse na condenação é mais do que o interesse na declaração. Se o credor vai com a medida de segurança, e. g., o arresto, em vez de ir com a ação de prestação futura, se cabe, essa tem de ser proposta no prazo de trinta dias (Código de Processo Civil, art. 677). Pode ser que haja solidariedade passiva e a ação do art. 954 não possa ir contra todos os devedores; donde dizer o art. 954, parágrafo único: “Nos casos dêste artigo, se houver, no débito solidariedade passiva (arts. 904 a 915), não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes”. Pretendeu-se que o fato de negar a divida, a sua realidade, ou a sua eficácia, o devedor, bastaria à ação de prestação futura (R. SCHMIDT, Die Ãnderungen des Zivilprozessrechts, 85) ; mas, aí, no fundo, está a confusão da ação de prestação futura com a ação declaratória. 3.CONCURSO DE CREDORES. Se se abre o concurso de credores o credor concorre como se estivesse vencida a divida. A ação é de prestação futura, nasce com a abertura do concurso. Dá-se o mesmo se há penhora por outro credor, do bem empenhado, hipotecado ou sujeito a anticrese; ou nos casos em que se nega o devedor a reforçar a garantia fidejussória ou real, que cessou ou se tornou insuficiente. Não temos, no direito brasileiro, ação de prestação futura que coincida, em toda a extensão, com a ação cautelar

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de arresto. Para a propositura da ação do art. 954, III (“Se cessaram, ou se tornaram insuficientes as garantias do. débito, fidejussórias, ou reais e o devedor, intimado se negar a reforçá-las”), não é preciso que o credor haja proposto, antes, e tenha sido julgada, com preclusão, a ação do art. 302, IV, do Código de Processo Civil (preceito cominatório para obter refôrço, ou substituição, da garantia fidejussória, ou real) ; hasta que alegue e oportunamente prove que o devedor se recusou a prestar a garantia. No direito brasileiro, a cominatória pode ser usada para que o réu se abstenha de ato ou preste fato dentro de certo prazo (Código de Processo Civil, art. 302, XII). Ou houve infração,. ou se teme infração. Não é preciso que já se haja dado a infração, ainda antecipadamente; inclusive não se exige, sequer, a turbatio verbis: basta que haja o direito a prestação no futuro, no presente, ou no passado. A pretensão é a do art. 302, XII, do Código de Processo Civil, e não privatística (cf. O. FISCRER, Recht und Rechtsschutz,- 81. § 2.775. Tempo de adimplir e exceção 1.PRETENSÃO E EXCEÇÃO. Pode acontecer que existam o crédito e a pretensão e no entanto se lance contra essa pretensão exceção. A exceção não corta, não mutila a pretensão; apenas lhe encobre a eficácia (is o devedor pode recusar-se a prestar, sem negar a exigibilidade salvo devido à exceção). Tudo se passa e só se passa no plano da eficácia. A exceção mesma é efeito; é direito que o devedor exerce ou não; mais: oque obsta à eficácia da pretensão, ou da ação, é o exercicio do direito de exceção, e não a existência desse direito. Se o devedor não no exerce, há a mora debitoris e o credor pode obter a execução forçada. 2.EFICÁCIA DA oPosIçÃo DA EXCEÇÃO. A oposição da exceção em verdade não elide a exigibilidade teria de elidir a pretensão mesma; nem desobriga o devedor. O que o exercício da exceção faz é impedir que a exigibilidade (a pretensão) tenha efeitos. Um dELEs é a mora. É preciso cautela contra defeituosas ou falsas noções de exceção, como a de 1H. Kípp, em B. WINDSCIIEID (Lelirbucli, JJ, ga ed., 139). Exceção não corta exigibilidade; encobre eficácia da exigibilidade (= da pretensão), ou da exigibilidade em juízo (= da ação). Se há exceção, a pretensão não pode ser exercida, porque está encoberta; a fõrtiorí, a ação . Às vêzes, há apenas encobrimento da ação, se a exceção apenas obsta a que essa se exerça. A exceção opõe-se à exigibilidade. § 2.776. Liberação antes do termo 1.EXIGIBILIDADE E LIBERABILIDADE. O direito de se liberar por vêzes não coincide com a exigibilidade. De regra, o devedor pode adimplir antes do termo. Para esse princípio do livre adimplemento há duas razões principais: uma, de ordem sistemática, o devedor já deve, mesmo quando ainda não esteja obrigado , e o que se solve é a dívida; outra, de ordem interpretativa, o protraímento do termo é, de ordinário, favorável ao devedor, pode esse, portanto, renunciar ao prazo. Por isso mesmo que o devedor já deu, o adimplemento antecipado não é doação, a lei teve de prever em regra jurídica especial (art. 110) tal espécie: “O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu”. 2.CONVENÇÃO EM CONTRÁRIO À EXECUÇÃO ANTECIPADA. A convenção pode excluir a execução antecipada da dívida. Aliás, a natureza do contrato pode exclui-la. Pode ser do interesse do credor somente receber no dia marcado, a partir de certo dia, e nunca ser-lhe antes entregue a prestação. O próprio devedor pode despertar esse interesse do credor, por ocasião da conclusão do contrato. Por outro lado, à liberação antes de termo pode-se fazer corresponder dedução na divida que se presta (e. g., “se pagar antes do vencimento, abater-se-á um por cento por mês de antecipação”). Os negócios jurídicos a amortizações parciais podem ser a lícito do devedor, ou periodicamente , ou a datas fixas não- -periódicas, ou conforme datas que o credor predetermine durante a existência da divida (frequentemente com antecedência longa), ou à medida que o credor reclame. CAPITULO IV

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OBJETO DA PRESTAÇÃO § 2.777. Objeto do crédito 1.CONCEITO. Objeto do crédito é o ato, positivo ou negativo, do devedor, ou seu patrimônio; objeto da prestação é o ato no que há de satisfazer (o dar isso ou aquilo, o fazer isso ou aquilo, o não fazer isso ou aquilo). O objeto do crédito é o patrimônio responsável, se falha a atividade satisfativa do devedor. Repugna-nos dizer que objeto do crédito é a pessoa do devedor. Se o devedor morre o herdeiro tem de dar, fazer, ou nAo fazer como o devedor originário dentro das fôrças da herança. O devedor é sujeito passivo, singular, da relação jurídica de direito das obrigações; não é objeto. 2.OBJETO DE DIREITO E OBJETO DE CRÉDITO. A respeito do direito das coisas, o conteúdo da pretensão e o objeto ficam inconfundivelmente discriminados: usa-se, frui-se, aliena-se o objeto, que é o bem móvel ou imóvel. No que concerne ao direito das obrigações, o conteúdo da pretensão e o objeto não aparecem com tanta clareza. Ao falar-se de objeto, procura-se a coisa, corpórea ou incorpórea, que se possa apontar como sujeito da obrigação, e não se encontra, no fazer, mais do que aquilo que se faz, ou, no não fazer mais do que o que não se faz, e apenas no dar se apanha o bem que se promete, ou por lei se tem de dar. Não se atenta em que se está a cindir a atividade humana e o seu resultado, sem se considerar, devidamente, que a tentativa de indicar “coisa” fracassa, fragorosamente, quando se analisam as obrigações de não fazer. O resultado da obrigação de dar é sobre coisa (propriedade,uso, fruição, posse) ; o de obrigação de fazer chapéu é o chapéu o de obrigação de fazer caminhada como vigia de rua é o ter caminhado, vigiando, o de obrigação de limpar a casa é o ficar limpa; o de obrigação de não fazer ruido é ter havido o silêncio que se desejou. j,Onde o objeto similar ao do direito das coisas? Em todo caso, o dono do prédio, o usufrutuário, o usuário, o habítador, ou o anticresista ezerce domínio, usufruto uso, habitação, ou anticrese, o que não acontece ao titular do direito de tenda imobiliária, ao titular do direito de hipoteca ou de penhor. Já no direito das obrigações aparece o fato de se conseguir algo através de alguém, mediante atividade, positiva ou negativa, de outrem, que apenas ai, é pessoalmente, singularmente, individualmente determinado, em vez de outrem plural, como acontece com os direitos reais (= em vez de “quem quer que seja’). Tanto há interésse na coisa, para uso, fruição, posse, ou domínio, quanto em que se dê ao credor ou a terceiro, ou se faça, ou não se faça. Acolá, usa-se, frui-se possui-se, tem-se exerce-se senhoria; ali, entrega-se o que se pode usar, fruir, possuir, ter, ou “dominar”; aqui, o fato ou o não-fato satisfaz, por si só. Donde se conclui que o direito das coisas se limita a certos objetos de direito, que do bens corpóreos (prédios, coisas móveis) ou incorpóreos - (bem intELEctual, ou industrial, como a obra de ciência, a obra de arte, a marca de indústria e de comércio). Outros objetos de direito não podem ser objeto de direito das coisas. Mas podem ser objeto de direito das obrigações se se consegue que alguém se (ob-) ligue a prestá-lo. Então se percebe que ainda nas obrigações de dar coisas corpóreas, como o prédio, o livro ou o relógio, o objeto não é prôpriamente o prédio, o livro, ou o relógio, mas a dação do prédio, do livro, ou do relógio. No fundo, o facere. Os bens são o que há no mundo fáctico, desde que aproveitável juridicamente: objeto de direito são, portanto, quaisquer bens, e não somente coisas. Pense-se nos direitos de personalidade e nos direitos de família. Quando algum jurista aventura que não há direitos sem conteúdo, mas os há sem objeto, e. g., os direitos de personalidade, comete êrro lastimável: objeto de direito existe sempre; não há só o objeto “econômico” do direito das coisas nem só esse e o objeto do direito das obrigações . § 2.778. Bem dável 1.DAÇÃO E OBJETO DA nAÇÃO. Dar é entregar. O dare é fáctico, como o facere e o non facere. Ainda não se juridicizou, conceptualmente. É interessante observar-se como as línguas tiraram do do o donum <dunum), insinuando-lhe a causa de dar, o que só se pode conceber já no mundo jurídico. Dar é ato do mundo fáctico; doar, ato do mundo jurídico: é o dar mais a razão, o fim de dar. Quem somente dá apenas entrega, sem qualquer fim: o ato humano, ainda depois de entrar no mundo jurídico, é ato-fato jurídico, como todo facere (ocupar, especificar, escrever, prestar, esculpir, conseguir descoberta científica, residir, inventar, abandonar posse, adotar pseudônimo, pagar, cf. Tomo II, § 159, in fine) e como todo non facere. Doar já é negócio jurídico, que dos outros se distingue pela atribuição patrimonial gratuita. Por vêzes, a entrega da coisa é (a) ELEmento de suporte fáctico: nos contratos reais e na transferência da propriedade mobiliária; outras vêzes, (b) é por ter cessado relação jurídica:

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au de retransferéncia, como ocorre no quase-usufruto (Tomo XIX, §§ 2.872 e 2.884, 6), no depósito irregular (Código Civil, art. 1.280) e no depósito bancário, no mútuo, ou de restittdição sâmente da. posse, tal como acontece no usufruto, no uso e na habitação, no contrato estimatório, na locação, no depósito regular, no comodato, inclusive mediante depósito em consignação ; outras vêzes, (o) é prestação: do vendedor, do locador e de outros outorgantes em contratos consensuais, ainda que, com a oblação da prestação, sobrevenha resolução do contrato, e ainda que em virtude de dever de entrega de documentos (e. g., na cessão de crédito), ou do herdeiro ou inventariante quanto à posse própria que há de ser dada aos legatários ou à posse imediata dos herdeiros, se o cabeça de casal, algum herdeiro ou o inventariante, ou dos liquidantes, curadores de bens e sindicos de falência ou do responsável pela reivindicação, ou pela vindicação da posse, ou pela reintegração em caso de esbuIbo, ou pelo ressarcimento em forma específica ou em natura. 2 A PRESTAÇÃO DA POSSE E DIREITO Á RESTITUIÇÃO. O credor de posse tem direito a que se lhe preste a posse. A sua pretensão é pessoal, A obrigação do devedor é obrigação de fazer porque é de dar. Quando se trata de pretensão real à posse, entra em campo o iva poasidendi. Ou o titular do direito tem pretensão à imissão na posse, ou à restituição. Ali, há instauração da posse tal como deve existir; aqui retôrno à posse. Porém a restituição pode ser conteúdo de dever pessoal, ou de dever real ou de ambos. O dever do esbulhador não é Igual ao dever do locatário cuja relação jurídica foi atingida pela denúncia ou pela decretação da resolução do contrato. O usufrutuário, o usuário e o habitador têm de entregar os bens usufruidos, usados ou habitados, findo o usufruto, o uso ou a habitação <Código Civil, art. 729: “e entregá-los findo o usufruto”; arts. 745 e 748). O titular do direito de penhor não pode, paga a divida, recusar a entrega <art. 772). Na tradição, o tradente torna possível ao accipiens assumir a posição possessória de que aquELE dispôs, ou menos. A cooperação do accipiens não é a de outro figurante de negócio jurídico, o que pressuporia a identidade entre o de que se dispôe e o que se recebe; mas sim o emposbamento de um, mediante o desapossamento de outro. O depositário, no caso de ter-se obrigado a restituir objeto do mesmo gênero, qualidade e quantidade (Código Civil, art 1.280), pode abrir o depósito fechado, selado ou lacrado (art. 1.267) salvo se o depositante, entregando-o assim, não lhe permitiu abri-lo, e então ou houve mudança nos termos do contrato, ou não se concluiu o negócio jurídico de depósito. O depositante havia de entregar posse plena; só entregou posse imediata imprópria. Se o depósito havia de ser fechado, selado ou lacrado, e não o foi, pode o depositário fechá-lo, selá-lo, ou lacrá-lo, para que se não misture com outros bens semelhantes que pertencem ao depositário, ou com ELE se acham. 8.DAÇÃO ANTERIOR, SIMULTÂNEA E POSTERIOR AO DIREITO. Nos contratos reais, a dação é simultânea à conclusão do contrato. A dação por pessoa que tem de prestar é posterior ao surgimento da obrigação, ou posterior ao direito e anterior à obrigação, se o devedor presta antes de ser exigível a prestação. Quem entrega sem ser para que se conclua contrato, ou para solver obrigação, dá antes de qualquer crédito. Tal acontece, por exemplo, com quem, atravessando a rua, entrega a alguém o objeto, sem qualquer manifestação de vontade que possa entrar, desde logo no mundo jurídico. AI se tem o dare puramente fáctico. O vendedor promete dar; o depositante dá ao contratar; o passante, de que se falou, dá sem prometer e sem que alguém lhe prometa. É difícil Imaginar-se ato humano que mais frequente seja na vida de relação. Duas concepç8es há sobre a natureza da tradição: a que a reputa negócio jurídico bilateral e a que lhe nega negociaMdade. Aquela foi dominante, como se a asserção resultasse doa textos da L. 55, D., de obligationibue et actionibw 44, 7 (JAvOLENa), da L. 10, D., de donationibua, 39, 5 (PAuw), da L. 36 e da L. 37, § 1, D., de adquirendo rerum dominio, 41, 1 (JULLANO). Assim, entre tantos, A. EXNER (Die Lehre vom Rechtserwerb durcli. Tradition, 8 s.) e O. MÂYER (Die iusta causa bei Tradition und Usucapion 15). Alguns sustentam a unilateralidade sem, contudo, se livrarem da concepção da negocialidade. A concepção da dação, da traditio, como negócio jurídico foi um dos erros mais graves dos juristas. Foi a concepção de A. BRINZ (Possessãonis traditio, Jahrbuch da gemeinen Rechts, III, 16 s.) e, em geral, de todos os que exigem a capacidade negocial do tradente (e. g., V. BRUNS, Besitzer-werb durch lnteressenvertreter, 82 s.; P. KLEIN, Die Rechtshatullungen im engeren Sinne, 108). Na literatura italiana, C. VIvÂNn (Trattato di Diritto commerciale, III, 5. ed., 80), LUIGI TARTUFARI (Delia Vendita e dei Riporto, 6. ed., 359) RUGOERO LUZZATTO (La Compravendita secortdo ii nuovo codice, 319), A. TRABUCCHI (Istituzioni di Diritto civile, 2.a ed., 868), DoMENICO BARBERO (Sistema istituzionale dei Diritto pr-ivato italiano, 1, 2. ed., 271 s.) e Awruao DALMARTELLO (La Consegna d.ella cosa, 178-204).

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A concepção da não-negociabilidade da traditio, apoiada em argumentos fortes, sofreu, porém, com a falta de precisão dos juristas no discernimento dos fatos jurídicos stricto sensu e dos atos-fatos jurídicos. Não basta dizer-se que é fato jurídico, e não negócio jurídico. O negócio jurídico também é fato jurídico; não é ato jurídico stricto sensu, nem ato-fato jurídico, nem com maior razão, fato jurídico stricto Beflsu. Do lado de tal concepção, sem precisarem que se trata de ato-fato jurídico, estão, de regra, os que não exigem capacidade negocial ao tradente. E. g., L. ROSENBEEG (Saehenretht, 28), L. BÀBASSI (II Possesso, 336) WALTE1 BIGIAfl (b DELE gazione, 249), F. MESSINEO (Manuale di Diritto civile e comrnerci ate, 1, 6Y ed., 202), A. CANDLÃN (Nozioni fondszmelttali di Diritto pnv ato, 2. ed., SOs., E. COERÂDO (Ii Riporto, 129 s.), C. A. FUNAIOLLI (La Trailiziofle, 225, que, a despeito de falar de Realakt, alude a vontade negocial). Veja Tomo II, § 212. A tradição refere-se à posse. A posse é poder fácticO. No mundo fáctico, e não no mundo jurídico, é que se passa a posse. Como a posse, a sua tradição. Há ate humano, mas 50 entra no mundo jurídico como ato-fato jurídico, ato real, como dizem os escritores alemães. A alguns impressãonou a bilateralidade (troiefls, acctpiens). Mas em verdade a bilateralidade dos atos humanos não os faz negócios jurídicos. Há negócios jurídicas unílaterais e atos humanos, bilaterais, que não são negociais, nem, sequer, atos jurídicos stricto 8enStL. Além disso, a bilateralidade ai, de modo nenhum é “acUdo’: o tra4ens possibilita a posse do accipiens; aquELE dis$e de modo que esse tome posse. No mundo láctico tem-se de passar assim, porque não há a compenetração juridica das vontades, que se dá nos negócios jurídicos bilaterais. A doutrina da negociabilidade procurou no direito romano. Ora, o poder sobre a coisa se obtinha com a mio, para os móveis, e com o pisar no prédio. A materialidade de tal ato de aquisição é que importava para os primitivOs. Só mais tarde, na época imperial, foi que se assentaram sucedâneos de ordem mais psíquica do que f laica. A tradição é perda da posse pela pessoa que a tem e aquisição por outra. Tratando-se de prédios, bastava que o alienante os percorresse com a adquirente (L. 3,, 1, 1)., de adquireatda vel araittenda yossessãont, 41, 2: “omnes glebas cireumambulet’), mostrando as lindes (ALnNO L. 45, D., do evictionihua et duplae ativulationt, 21, 2; CtVOLÃ L. 48, D., de aetioltibu8 em’pti venditi, 19, 1), ou, conforme as circunstÂncias, pisando os limites <Caia, L. 18, O 2, 12., de adquirenda vel arnittenda possesaioite, 41, 2.”... si pedem finibus Intulissem’; PAULO, L. 3, § 1.”... partem cius fundi introire’). Menores podiam adquirir posse, ou, pelo menos, se discutia quanto ao infans. PRÔcULO (L. 27, O., 41, 2) fala da perda da posse pelo demente. Os juristas romanos ainda nio haviam classificado, satisfatbriaffieflte, os fatos jurídicos, de modo que se isolem os atos-fatos jurídicos. Por outro lado, não discriminavam o acordo de transmisSão e a entrega (traílitio). AquELE é acontecimento do mundo jurídico e negócio jurídico. Esse é ato, no mundo fáctico, e entra no mundo jurídico como ato-fato juridico. 4.ENtREGA DA POSSE IMEDIATA, DA POSSE MEDiATA E DA POSSE PRÓPRIA. A transmissão pode ser a) da posse própria, tôda, ou b) só da posse própria mediata, ou e) da posse mediata imprópria, ou d) da posse imediata imprópria. A espécie a) e a do vendedor que entrega a coisa vendida. A espécie lO é a do vendedor que entrega a posse mediata própria e fica com a posse imediata imprópria. A espécie c) é a do locatário, sublocador, que cede o direito de locação. A espécie d) é do locatário que cede o direito de locação. O que se entrega, em qualquer das espécies, não é o mesmo que se entrega em qualquer das outras. Por outro lado, quem recebe, o aceipiens, nem sempre recebe o mesmo, ainda se a posse é transmitida em dois casos da mesma classe. O locador entrega posse imediata ao locatário; o depositante entrega posse imediata ao depositário. As duas posses são imediatas, mas diferentes. O locatário recebe a sua, para usar, ou usar e fruir a coisa locada. O depositário para custodiar. O locatário fica com a posse, até que acabe o contrato de locação; o depositário está sujeito a que o depositante a reclame. A posse do depositário não é fruir em si; é meio para que o depositante tenha quem custodie a coisa. Pode dar-se que o possuidor transfira a posse a quem a poderia receber como depositário e esse destinatário da transfereflela não a receba como depositário. O que se passa com a tradição é transiativo, porém no mundo fáctico, onde tôdas as posses imediatas se assemelham. A diferença entre elas provém de incidência de regra jurídica, ou de comportamento do accipiens como se a regra jurídica houvesse incidido. O que dá os coloridos diferentes às posses imediatas e escalona as posses mediatas é procedente da relação jurídica que existe ou o possuidor imediato impróprio ou o possuidor mediato inferior tem por existente entre ELE e o possuidor superior. Já se está no mundo jurídico. § 2.779. Bem fazivel

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1. “FAcEre’. O facere tinha dois sentidos, na doutrina romana; a ambigUidade passou aos nossos dias e refletiu-se no Código Civil, que distingue obrigações de dar e obrigações de fazer, Na L. 2 pr., 12., de verborunt obUgationibus, 45, 1, PAULO diz que “stipulationum quaedam in dando quasdam in faciendo consistunt”. Mas PAPINIANO (L. 218, 12., de verborum. aignificatione 50, 16) melhor conceituou o fazer: “Verbum ‘facere’ omnem omnino faciendi causam complectitur dandi, solvendi, numerandi, ludicandi, ambulandi”. Dar é fazer. Fazer é todo praticar ato positivo. O não fazer é que se opõe ao fazer. Não o dar. Todavia, a técnica legislativa, de que se serviu o Código Civil brasileiro, distinguiu dar e fazer. As razões que têm os códigos em que se separam o fazer e o dar são razões de evitar que se ponham as regras jurídicas gerais s8bre as obrigações de fazer e logo após as exceções que se lhes abrem. Preferiu-se a concepção de capítulos diferentes, tratando-se como espécie a subespécie. Muitas vêzes o objeto da prestação é compósito, inextricàvelmente compacto: quem faz a roupa, com o material que o freguês entrega, somente faz; quem faz, com material que é seu faz e dá. Em verdade, faz. No sentido do fragmento de PAULO, faz e dá. POMPÓNIO (L. 8, pr., D., de operis libertorum, 38, 1) fala de dare operas. 2.PRESTAÇÕES PESSOAIS E PRESTAÇÕES MATERIAIS. A distinção entre prestações pessoais e prestações materiais apresenta alguns inconvenientes sem que possa ser de grande alcance prático. O que o devedor há de cumprir com as suas fôrças, físicas e psíquicas, é prestação pessoal. Por exemplo: pintar paredes, coser roupas, custodiar e conservar bens, informar, fazer contas, dactilografar. Se ELE entrega bens do seu patrimônio, cede créditos ou outros direitos, renuncia a direitos, ou presta posse (dá em locação, deposita), ou restitui a posse, a prestação é dita material. A prestação de promessa de cessão de créditos é incluída na classe das prestações materiais; a da promessa de concluir contrato, ou fazer declaração unilateral de vontade, na classe das prestações pessoais. Aquelas obrigações são sem atenção à aptidão da pessoa: pode o pobre prometer milhões, Essas não. Se há perigo para a vida de quem promete trabalho, há limite natural à prestação. No tocante àquELEs, só se leva em conta a aptidão da pessoa se o estado de insolvência ou de falência se caracteriza. Se, porém, se trata de obrigação de prestar alimentos por direito de família é preciso considerar-se que o devedor também tem de alimentar-se. Quem não pode prestar alimentos a prestá-los não está obrigado (Código Civil, art. 899, 2.t parte. Ninguém pode doar, válida-mente sem reserva de parte ou receita suficiente para a sua subsistência (art. 1.175). Tratando-se de adimplemento por terceiro, têm-se de distinguir as prestações materiais e parte das prestações pessoais (e. g., Código Civil, art. 878: “Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora dêste, ou pedir indenização por perdas e danos”). 3.PRESTAÇÃO ÚNICA, PRESTAÇÃO REPITIDA, PRESTAÇÃO CONTINUA. Já falamos das prestações únicas, das prestações repetidas e das prestações continuas. Tanto o ato positivo quanto o negativo podem ser únicos, repetidos ou contínuos. Também frisamos que não é verdade não poder ser contínua a atividade positiva. O homem dorme e come, e bastaria isso para lhe interromper o comportamento positivo. Mas o argumento é nenhum, pois que a usina de ELEtricidade presta continuamente e a emprêsa de vigilância pode obrigar-se a vigiar ininterruptamente (cf. 1’. LANGHEINEKEN, Anspruch und Einiede, 247; sem razão, A. VON TUHR, Der Allgemeine TeU, 1, 105). 2.780. Bem negativo (bem abstencional) 1. PRESTAÇÃO DE NÃO FAZER. A obrigação de conteúdo negativo tira algo à atividade do devedor: tanto é fazer quanto abster-se de fazer o que se pode livremente fazer. Para o credor, o não fazer, que a outrem se impôs, é bem, cujo valor pode ser alto para ELE. Ao dono do hotel, cuja freqUência depende da vista para o mar, ou para o lago, ou outra paisagem agradável , pode mais importar que não se construa ou no se alteie o edifício vizinho do que continuar com o negócio após a construção que lhe vede a contemplação. 2.DIREITO PESSOAL E DIREITO REAL A QUE NÃO SE FAÇA. O não fazer pode interessar a determinada pessoa, ou a todos os que sejam donos do bem imóvel, ou do móvel, contra quem seja dono de outro. Daí as obrigações pessoais de não fazer e as obrigações reais, que resultam da constituição de servidão. Não há servidões que aproveitem a bens móveis, porém é construível a obrigação

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pessoal a favor do dono do móvel contra quem fôr dono de imóvel, ou de móvel. § 2.781. Obrigação e sucessão 1. PosiçÃo DO PROBLEMA. O credor, com o adimplemento da obrigação, ordinâriamente se enriquece. O que entra para o seu patrimônio, se entra, ou já existia antes do adimplemento, ou nasceu com ELE, ou em conseqUência dELE. Mas nem sempre o que entra num patrimônio entra como bem independente, como res. A pintura do edifício valoriza o prédio sem que se possa falar de bem à parte. O facere tem, aí, simples função de inserir material e trabalho em coisa que existe por si e na qual material e trabalho se integram. 2.OBJETOS DE PERMANÊNCIA OBJETIVA. 0 “objeto” pode ser sem permanência objetiva, como os atos negativos (quem se abstém cumpre obrigação sem criar bem, que perdure, ou que perdure independentemente) e alguns atos positivos (o serviço de quem abre o portão para a entrada dos automóveis e o fecha não deixa bem, que se possa levar em conta, depois). Mas há “objetos” de permanência objetiva, preexistente ou não. São objetos de permanência objetiva preexistente, por exemplo, os objetos que se ddo (tôda obrigação de dar supõe que já exista ou vá existir o que se dê), o que se cria com os atos humanos (pintura, escultura, música, poesia, roupas encomendadas, sapatos encomendados chapéus encomendados). Surge, então, o problema de se saber se há sucessão com o adimplemento das obrigações de dar e com o adimplemento das obrigações de fazer, quando. o objeto tem permanência objetiva. <Quando o objeto não te. permanência objetiva não há a questão.) Se há sucessão, pelo adimplemento, ou pela execução forçada, é a título singular. A alusão à sucessão universal proveio do êrro de se reputar bem sobre que recai o crédito o patrimonio de que sairia. A alusão à aquisição originária prende-se à referência à pessoa, como se fôsse objeto da prestação, o que se tem de repelir, radicalmente. Se a obrigação é de dar, o cumprimento pela dação implica sucessão. Se a obrigação é de fazer e, fazendo, o devedor cria a coisa, sobre que nasce direito, ou o adimplemento é após a aquisição pelo devedor ou adimplemento e criação são simultáneos, adquirindo, originàriamente, o bem o credor. Pense-se a) na encomenda de feitio de roupa, em que o alfaiate fornece o material e b) na construção de barracas com material pertencente a terceiro. Se, em vez de a) e de b), o devedor trabalha com material do credor, aí, o bem preexistia ao trabalho que se devia e não há sucessão . (As precisões que ministramos acima evitam que se caia nas ambiguidades e equivocidades dos termos “ayant cause” e “avente causa”, nas legislações e doutrinas francesa e italiana, onde se discute se o credor é “ayant cause” ou “avente causa’ do devedor. Nem se atenuam os inconvenientes com a noção de “ayant cause à titre particulier”, cf. M. LABOBDE-LACOSTE, Essai sur la notion d’aijant cause à titre particulier en droit privá français, 73.) As variações de conteúdo da prestação se o jurista presta atenção à prestação de fazer, dando, ou de dar, fazendo, são, por bem dizer-se, infinitas. Apenas a vida prática escolhe as mais prestadias. Ora o bombeiro faz o consêrto e fornece o material que é de mister (quase sempre, peças, ora faz o consêrto e apresenta a conta do material adquirido fora, ora a emprêsa de venda de máquinas vende as peças para o consêrto e apresenta a conta da emprêsa instaladora ou do instalador. Ainda se podem distinguir da conta global as contas em separado, com ou sem relação jurídica entre quem encomenda o consêrto e o que forneceu o material ou o trabalho. A vida, com as preocupações de adquirir o melhor e o mais barato, ou de obter o melhor e mais recomendável serviço, cria subespécies de contratos. É preciso ter-se sempre em vista que os figurantes dos negócios jurídicos bilaterais de certo modo cooperam: um presta, porque ou para que o outro presta; um satisfaz ao outro, porque o outro o satisfaz ou para que o outro o satisfaça. Nos próprios negócios jurídicos unilaterais, o que presta, com a consequência que a promessa tinha por fito, satisfaz o interesse que o levou a prometer. O direito regula essas relações interamanas, no sentido de crescente adaptação. CLÁUSULAS E PACTOS § 2.782. Negócio jurídico como todo

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1.NEGÓCIO JURÍDICO E INTEGRAÇÃO DO QUERER. As manifestações de vontade que entram no mundo jurídico e fazem negócios jurídicos podem ser enformadas juntamente com outras, ou sôzinhas. A unidade do negócio jurídico não fica sacrificada pela aproximação de outro negócio jurídico, ou de outros negócios jurídicos, ainda que no mesmo instrumento público, ou particular, e com ELEmentos comuns ou entrelaçados. Dizem-se comuns os ELEmentos que são, ao mesmo tempo, parte integrante de um negócio jurídico e de outro ou outros negócios jurídicos. Dizem-se entrelaçados os ELEmentos que pertencem, distintamente, a dois ou mais negócios jurídicos, pôsto que se hajam manifestado entremeadamente. Por exemplo: vendo os cavalos a, b e c e alugo o cavalo d, o preço é z, quanto à compra--e-venda, pagável no mesmo prazo que o aluguer, mas a locação somente começará quando o outorgado, com aviso de dez dias, quiser ir buscar o cavalo d. O negócio jurídico é um todo. O que tradicionalmente, no direito luso-brasileiro e brasileiro, se chama cláusula, ou convenção inclusa, é integrante do negócio jurídico. Nem se compreenderia que se tivesse por convenção à parte, ou pacto adjecto, o que diz respeito a determinações mexas (termo, condição), ou à qualidade ou quantidade da prestação, ou outras modalidades das obrigações assumidas. E’ objeto, o lugar e o tempo da prestação têm de ser indicados no negócio jurídico ou por alguma frase explícita, ou implícita, ou por incidência de regra jurídica dispositiva. 2.CLÁUSULAS. As cláusulas são acordos , se o acordo, por si só, não é negócio jurídico. Para o acordo basta a coincidência de manifestações de vontade. Porém as cláusulas dos negócios jurídicos unilaterais não são acordos: fazem parte da manifestação de vontade que produz o efeito juridico querido, isto é, que entra no mundo jurídico como negócio jurídico. Em sentido mais estrito, chama-se acordo às declarações de vontades coincidentes que, para terem o efeito querido, dependem de algum fato (e. g., da tradição, no que concerne à transmissão da propriedade mobiliária; do registro, em se tratando de transmissão da propriedade imobiliária ou de gravame de imóveis). Isso não quer dizer que o acordo, sem o fato que vem completar a eficácia querida, seja sem eficácia. O acordo de transmissão ou de gravação vincula. A vinculação já é um efeito, O figurante que faz a tradição a outrem, ou leva a registro, ou permite que se registe o acordo com outrem, viola o acordo feito e frustrado por seu ato de acordar com outrem, antes ou depois. Os juristas acostumaram-se a dar tôda a atenção aos contratos, aos negócios jurídicos bilaterais. Isso prejudicou, durante muito tempo, a doutrina jurídica, até que se viram soluções satisfatórias a problemas que antes se tinham por insolúveis, ou a que as diferentes teorias procuravam, artificiosamente, encontrar resposta fundamentada. Descobriu-se, então, que o mundo contemporâneo tanto emprega declarações unilaterais de vontade quanto declarações coincidentes e recíprocas. As cláusulas ou são básicas, ditas também essenciais, por se referirem ao outorgante e ao outorgado, ou aos outorgantes e aos outorgados, ou ao que se há de prestar, em que lugar e quando, ou mexas, por serem concernentes a determinações de termo e condição, ou anexas, como o modus. Sobre isso, Tomo V, §§ 538-558. § 2.783. Manifestações unilaterais de vontade e manifestações bilaterais ou plurilaterais 1.PROMESSAS UNILATERAIS E OUTROS NEGÓCIOS jUnfnrcos IJNILATERAIS. Negócios juridicos unilaterais não são somente as promessas unilaterais. A renúncia a direitos, pretensões e ações, se renunciáveis, são negócios jurídicos unilateraís (e. g.a derrelicção a renúncia ao direito de propriedade imobiliária. A renúncia, o testamento e a aceitação da herança são negócios jurídicos unilaterais. Teremos ensejo de tratar do enorme papel que exercem nos títulos de crédito e nos títulos incorporantes e representativos as promessas unilaterais de vontade. Cumpre desde já advertir-se em que não há fazer-se, a respeito das manifestações uni-laterais de vontade, a distinção, que H. SIECEL (Das Versprechen ais Verpflichtungsgrund, 41-52) tentou fazer, e B. VON LúDINKAUSEN-WOLFF (Die bindende Kraft des einseitigen Versprech.ens, 24) procurou sustentar, entre as promessas unilaterais que somente prendem à palavra dada e promessas que geram dívida e obrigação à prestação. Há manifestações de vontade que somente ligam à palavra dada, sem gerarem dívida e obrigação, mas, essas, não são negócios jurídicos. Aqui, só nos interessam os negócios jurídicos. A hostilidade dos juristas à introdução dos negócios jurídicos unilaterais na doutrina e nas codificações depõe, fortemente, contra ELEs. Primeiro, mostra a superficialidade das suas investigações. Segundo revela que ELEs

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tinham por bilaterais negócios jurídicos que o não eram. Ainda hoje, em vez de se engatar na corrente da ciência, o Código Civil italiano insere o art. 1.987, onde estala essa proposição reacionária: “La promessa unilaterale di una prestazione non produce effetti obbligatori fuori dei casi ammessi daíla legge”. Para os autores do Código Civil italiano só a promessa “aceita” vincula, só ela, portanto, pode gerar dividas e obrigações. A obsessão do contrato. A reminiscência inapagada dos negócios entre pessoas determinadas. 2.NEGÓCIOS JURÍDICOS BILATERAIS E MULTILATERAIS. Os negócios jurídicos unilaterais são os em que há manifestações de vontade enantiomórficas: a imagem no espelho é como a aceita ção; a figura da pessoa, que se põe diante do espelho, é a oferta. Aceitar é espelhar a oferta, apanhar para si. Receber e aceitar provêm de tomar, ca.pere; mas quem só recebe não aceita: aceitar é mais do que receber, é receber aderindo. Dai haver manifestações de vontade recepticias, que não precisam de ser aceitas. Têm de ser recebidas; não são para se aceitarem. Os negócios jurídicos em que há pluralidade de oferentes ou de aceitantes, ou de uns e de outros, sendo uma só a oferta, são bilaterais. Diz-se plurilateral o negócio jurídico em que pluralidade de pessoas, por unanimidade, ou por maioria absoluta, ou relativa, ou por outra quantidade de votos, delibera. Se não há unanimidade, não se pode pensar na figura do contrato: há negócio jurídico plurilateral, porém não contrato. Por isso mesmo, para que se possa deliberar, a respeito de algum assunto, negocialmente, sem ser por unanimidade, é preciso que por outra negócio juridico, ou por lei, estejam os figurantes subordinados à deliberação por maioria absoluta, ou simples, ou de outra espécie. ESPÉCIES DE ALTERAÇÕES SEM QUEBRA DA IDENTIDADE DA RELAÇÃO JURIDICA § 2.784. Negócios jurídicos e fatos alterantes 1. CONTEÚDO E ALTERAÇÕES. O conteúdo da relação jurídica de direito das obrigações pode alterar-se sem que isso atinja a sua identidade. O dever e a obrigação, como foram inicialmente, podem ser alargados ou restringidos. São exemplos o tornar-se alternativa a obrigação que o não era, o deixar de ser alternativa a obrigação que o era, o acordar-se na divisão da prestação, ou na indivisibilidade das prestações, o substituir-se o objeto da prestação, desde já, pela indenização, o mudar-se o lugar ou tempo da prestação, o excluir-se ou estabELEcer-se a necessidade de denúncia cheia, Se tais alterações se operam sem que se perca a identidade da relação juridica depende das circunstâncias e da vontade dos figurantes, dentro da lei. Pode dar-se alteração do conteúdo da divida por efeito de declaração unilateral de vontade do credor, ou do devedor, se aquéle ou esse é título de direito formativo modificativo de fonte negocial ou legal (O’rro VON GIERKE, Deuteches Prit’atrecht, III, 118). Além das alterações negociais ou legais (que as há), pode acontecer fato que atinja o conteúdo da dívida, como a fârça maior ou o caso fortuito, a culpa, o dolo, ou a mora. A impossibilitação da prestação enseja alterações. Cumpre observar-se que, a despeito de se falar de alterações nos negócios jurídicos, ou nos contratos, o problema é mais vasto: a alteração negocial pode referir-se a créditos, dívidas, pretensões e obrigações, que não se irradiam de negócios jurídicos, mas sim de qualquer fonte de obrigações (negócios jurídicos, atos ilícitos, atos jurídicos stricto sensu, atos-fatos jurídicos, lícitos ou ilícitos, e fatos stricto sensu lícitos ou ilícitos. 2.ALTERAÇÕES DO NEGÓCIO JURÍDICO E PACTOS ADJECTOS. Há alterações que resultam de injeções, tais como as que provêm de aumentos ou diminuições da prestação por eficácia de alterações negociais, e alterações que não se inserem na relação jurídica existente. Daí a inserção (ou injeção) e a adjecção dos pactos. Pactos que se inserem se tornam cláusulas. § 2.785. Inserção e adjecção 1.DOIS CONCEITOS E DUAS EFICÁCIAS. Se o que se faz após o negócio jurídico é para alterá-lo, há inserção de vontade no que fôra feito, algo menor porém semelhante ao distrato. Não assim o que se faz a latere, simultâneamente, ou depois, sem que se altere o negócio jurídico. Aqui, há adjecção. O pacto adjecto é pacto que tira ou põe, mas deixa intacto o que estava, não só em sua identidade. A diferença é importantíssima. Se se trata de pacto adjecto, que não contradiz o que se disse no negócio jurídico

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e apenas regula lugar e tempo da prestação dentro do período previsto no contrato, ou exige caução de que o negócio jurídico não cogitara, tais pactos de modo nenhum precisam obedecer às regras jurídicas sobre forma do negócio jurídico a que se adjectam. 2. SOMA DE ALTERAÇÕES. As alterações podem ser sucessivas, sem que a primeira ou as primeiras ou tOdas atinjam a Identidade da relação jurídica. Se ocorre que uma, posterior às outras, muda a relação jurídica < lhe atinge a identidade), ou que isso resulta da soma das alterações não atingentes, ou de algumas ou alguma delas, não se trata de alteração de cláumula, nem de pacto adjecto. A figura, que se compõe, tem outra explicação e tem de ser considerada como simplesmente extintiva e criadora, sem novação ou com efícácia de novação. § 2.786. Espécies de alterações 1.ENUMERAÇÃO DOS ASSUNTOS. Temos de tratar das alterações negociais (Capítulo II) das alterações por dolo e por culpa (Capítulo III), das alterações por fôrça maior e caso fortuito (Capítulo IV), das alterações por impossibilidade de adimplemento (Capítulo V), das alterações por mora (Capítulo VI), das alterações por mora do devedor (Capitulo VII) e das alterações por mora do credor (Capitulo VIII). 2. TRAÇOS COMUNS. Os traços comuns às espécies apontadas são a alteração à eficácia da relação jurídica existente, no tocante ao crédito, à pretensão e à ação. Não se inclui a prescrição, porque é só exceção que nasce contra a eficácia da pretensão. o que é preciso para que se dêem as alterações de que cogitamos é que a identidade da relação jurídica não quebre. .0dolo ou a culpa do devedor não muda a relação jurídica obrigacional. Nem a muda o dolo ou a culpa do credor, ou o fato de não colaborar para o adimplemento. Tão-pouco atingem a relação jurídica os fatos d fôrça maior ou caso fortuito. O que se pode dar, em certas circunstâncias, é a extinção, não a mudança da relação jurídica. O que se altera é o conteúdo da divida ou obrigação. Nunca exsurge relação de divida ou obrigação que se substitua à. que existia. No sistema jurídico brasileiro, há a novação, que oportunamente será assunto de trato especial. A propósito da impossibilidade e da mora, é preciso que se preste a máxima atenção. A impossibilidade é tratada pelo sistema jurídico segundo as atitudes possíveis por parte do devedor. A mora só diz respeito à inexecução da divida. Quem incorre em mora falhou ao inadimplemento. Se a impossibilidade ocorrera (e a impossibilidade é que se regula conforme as atitudes do devedor, e. g., culpa, dolo, nem dolo nem culpa), não há. pensar-se em mora, que supõe ser possivel o adimplemento ao tempo e no lugar em que se há de adimplir. AÍ é que está tOda a dificuldade de precisões conceptuais em que tropeçam todos os que, em vez de prestar atenção aos suportes fácticos da impossibilitação e do inadimplemento, se põem a ver ELEmentos ocasãonais, mas, sempre, simples ELEmentos do suporte táctico da impossibilitação, isto é, da impossibilidade superveniente ao nascimento da divida mas anterior à inexecução. CAPITULO II ALTERAÇÕES NEGOCIAIS DOS CRÉDITOS § 2.787. Direito romano e comum 1.ALCANCE DO ASSUNTO. Somente havemos de tratar, agora, das alterações de fonte negocial. As alterações de fonte negocial compreendem as que resultam de se não haver manifestado alguma vontade e haver lei dispositiva que incida. 2.DIREITO ROMANO. Alterar-se negócio jurídico só era possível, em direito romano, sem se lhe atingir a identidade, se a alteração concernia à extinção de obrigações secundárias, ou parcial, da relação jurídica. Essas

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duas proposições podem extrair-se, legitimamente, da L. 72, pr., D., de contrahenda. mptione et de pactis inter empt orem et vendit orem com positis a quae res venire non possunt, 18, 1 <PAPINIANO: “Pacta conventa quae postea facta detrahunt aliquid emptioni, contineri contractul videntur: quae vero adiciunt, credimus hoc non messe. quod locum habet in his, quae adminicula sunt eniptionis, veluti ne cautio duplae praestetur. sed quo casu agente emptore non valet pactum, idem vires habebit iure exceptionis agente venditore. an idem dici possit aucto postea vel deminuto pretio, non immerito quaesitum est, quoniam emptionis subtantia constitit ex pretio. Paulus notat: si omnibus integris manentibus de augendo vel deminuendo pretio sursum cónvenit, recessum a priore contractu et nova emptio intercessisse videtur”) e da L. 7, § 6, in fine, 13., de pactis, 2, 14 sed cum duo heredes emptori exstiterint, venditor cum altero pactus est, ut ab emptione recederetur: ait lulianus valere pactionem et dissolvi pro parte emptionem). Os pactos convencionados que, feitos depois, diz PAPINIANO, na L. 72, pr., algo tiram à compra, Um-se como contidos no contrato, porém os que se adjectam, esses, cremos que não se insertam. Isso tem lugar a respeito dos (bens) que são adminiculos da compra, por exemplo que se não preste a caução do duplo ou que, com fiador, se preste i caução do duplo. Mas, no caso de, sendo dmandado o comprador, não ser válido o pacto, terá fôrça por direito de exceção, demandado o vendedor. Não sem razão se perguntou se o mesmo se poderia dizer, tendo-se aumentado ou diminuído, depois, o preço, porque no preço consiste a substância da compra. Paulo observa: se, estandQ inteiro, se convém, de nOvo, em aumentar ou diminuir o preço, considera-se que se afastou o primeiro contrato e nova compra intercedeu. ULFIANO, na L. 7, § 6, in fina, figurou, com POMPÔNIO, o caso do comprador que morre e deixa dois herdeiros: o vendedor faz pacto com um dELEs para que se retire da compra; e JTILIANO disse ser válido o pacto e se dissolve a compra por parte, porque, também pactuando por outro contrato, pode. o outro herdeiro adquirir para si a exceção. A alternativa exaurgiu: ou se atingia a identidade do contrato e, pois, se extinguia Me, concluindo-se nOvo contrato; ou se tratava de extinção de obrigações secundinas ou de extinção da relação jurídica obrigacional. Não foi fácil implantar-se essa opinião, ainda entre os juristas romanos; porém o direito romano não foi adiante na construção teórica. 3. COMUM E CONTEMPORÂNEO. A evolução, no direito comum e no contemporâneo, consistiu em se procurar saber qual a linha além da qual a alteração fere a identidade da relação jurídica pessoal. Primeiramente, observe-se que a relação jurídica pessoal (ai, de direito das obrigações) cuja alteração se tem por fito pode não ser relação jurídica oriunda de contrato. O problema das alterações é problema concernente às relações jurídicas pessoais, que possam ser alteradas, qualquer que tenha sido a fonte. Não se pode falar de alteração do contrato se a relação jurídica existente ézez delicto. No entanto, o problema das alterações é o mesmo. Os chamados pontos substanciais ou essenciais foram aos poucos examinados e deixaram de ser marcos da linha divisória que os juristas procuravam. A cessão de crédito, que é alteração da relação jurídica no que concerne ao sujeito ativo, e a assunção de dívida, que a altera no que se refere ao sujeito passivo, foram tidas, pelo direito comum, como alterações que não apagam a identidade da relação jurídica. No direito comum e no direito contemporâneo abstraiu-se das chamadas essencialidade e inessencialidade dos pontos do conteúdo. A alteração no preço, que PAPINIANO tinha como dissolvente do contrato anterior, deixou de estar à linha divisoria. Pôde-se pensar: a) em alteração do contrato de compra-e-venda pela substituição do objeto (o segundo andar, em vez do terceiro; o cavalo b, em vez do cavalo a, ou do touro e), sem se tratar de nOvo contrato, no sentido de nova relação jurídica; b) em alteração da relação jurídica, sem lhe raspar a identidade, pela substituição do preço à vista pelo preço a prazo, ou vice-versa; e) pela cessão do crédito ou pela assunção de dívida alheia. 4.ALTERAÇÕES ORIUNDAS DE NEGÓCIO JURÍDICO BILATERAL OU PLURILATERAL E DE NEGÓCIO JURíDICO UNILATERAL. São possíveis alterações do conteúdo das dívidas e obrigações em virtude de negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais, dentro dos limites do auto-regramento da vontade. A alteração do conteúdo das dividas e obrigações é admissível, por manifestação unilateral de vontade do devedor ou do credor, se oriundo de direito formativo legal ou negocialmente criado (O. voN GIERKE,

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fleutaches Privatrecht, III, 118), Se há apenas contrato de alteração da d(vida (Schuldabtnderungsvertrag), ou se a relação jurídica, que havia, se extinguiu, e outra se estabELEceu, é questão que somente se pode decidir pelo exame da vontade manifestada dos figurantes e a significação econômico-jurídica da alteração (1’. KLEíN, Veflrígliohe Anderung das Irhálts dites Schuldverh?Iltniaasa, 9; L. ENNUCCERU5, Lehrbuch, II, 147 s.; O. WARNEYER,Komment ar, 1, 533; diferente, 2. OERTMANN, Reeht der Sehuldverhiiltitisst, 155). A resposta à questão de ser simples alteração do conteúdo, sem quebra da identidade da relação jurídica, ou ter havido novação, ou outro contrato (sem novação), é assaz importante para a aplicação do art. 1.006 do Código Civil (sobre novação e exoneração do fiador) e dos arts. 802, 1, 849, 1, e 1.008 (garantias reais e pessoais). § 2.788. Concepção, interpretação e forma da alteração negocial 1. CONTEÚDO. O conteúdo da alteração negocial da obrigação é dado pela manifestação de vontade, segundo os principios gerais. 2.INTERPRETAÇÃO DA ALTERAÇÃO E DÚVIDA. Não há solução a priori para a questão. A natureza jurídica da cláusula alterada pesa pouco, ou muito, porém não decisivamente a vontade dos figurantes e a significação 6conõmico-jurídica da alteração passam à frente. Daí poderem surgir dúvidas para o intérprete ou para o julgador: na dúvida, entende-se que somente houve alteração, e não extinção da relação jurídica. Essa regra jurídica, não escrita, é ius dispositivum. O problema dos negócios jurídicos que concernem a relações jurídicas já existentes tem de considerar que ou (a) atingem a identidade da relação jurídica, portanto que a extinguem (e. g., distrato, remissão de divida) ou (b) extinguem a relação jurídica existente e criam outra, ligada (novação), ou não . à anterior; ou (o) alteram a relação jurídica sem a extinguir (= sem lhe apagar a identidade), a) inserindo-se, ou b) não inserindo-se no que antes se estabELEcia). A classe e) compreende duas subclasses: a das cláusulas insertas e a dos pactos adjectos. A distinção em (a), (lO e (e) diz respeito à sorte da relação jurídica existente. A distinção em a) e lO, que é interior a (e), nada tem com a identidade da relação existente: ambas a supõem. A propósito da forma, tal distinção é de rELEvância. O negócio jurídico bilateral de alteração da dívida supõe que a divida exista. Todavia, como o contrato de remissão de divida, é negócio jurídico abstrato (P. KLEIN, Vertr«glttht Andenião des lnhaits eines SchuldvCrhdltflisses. 68; L. ENNECCERUS, Lehrbuch-, II, 148). Por isso, ainda que outro tenha sido o pensamento sObre a causa que levou à alteração, a relação jurídica altera-se. Quem injustificadamente se enriquece em virtude do contrato de alteração responde pela restituição. Cumpre, portanto, atender-se à alteração como bastante em si. A ampliação da obrigação afiançada, OU garantida realmente, só eficaz é contra o fiador ou para apanhar a garantia real, se houve consentimento do fiador ou de quem teria de outorgar o direito real de garantia. A alteração pode consistir em se tornar pagável a prazo o preço que teria de ser à vista, inclusive com a exigência de assinatura de títulos cambiáriOs ou cambiariformes. 3.FORMA. Se ao negócio jurídico se exige determinada forma (e. a., escrita, instrumento público), as alterações (a), (b) e (e) somente se podem fazer como respeito da regra jurídica sObre forma, no que se fêz exigida a forma. É o que se passa com o distrato (Código Civil, art. 1.093, 1.8 parte), para o qual a mesma forma é exigida, pôsto que não com o pré--contrato. Mas, no que tange à alteração, que, conceptual-mente, não distraia, não apanha o todo, tem-se de pesquisar a ratio legis da regra jurídica sobre forma. A alteração não está sujeita à regra jurídica de forma que se impôs ao negócio jurídico, nem há regra jurídica especial sObre os negóciOS jurídicos alterativos. Em todo caso, se o contrato é de compra-e--venda de imóvel, regido pelo art. 134, II, do Código Civil, a alteração que consiste em substituir ao apartamento 100 do edifício A o terreno da rua b tem de ser com a forma do contrato de compra-e-venda, porque foi o ELEmento alienação de imóvel, comum ao contrato e à alteração, que deu azo à regra jurídica do art. 184, II. A alteração no preço, ainda que em cláusula injecta, e não em pacto adjecto, pode só se submeter às suas regras jurídicas de forma. O nOvo negócio jurídico insere a cláusula, mas ELE, em si, é negócio jurídico à parte. A altflação inserta não é adição ou subtração ao negócio jurídico anterior, mas eficácia do negócio jurídico concluído depois: há dois negócios dos jurídicos, um dos quais, o posterior, é de eficácia injectiva. A cláusula do contrato existente muda, altera-se, mas por eficácia do negócio jurídico posterior. Por isso

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mesmo, a transação somente está sujeita à forma da escritura pública, por fôrça do art. 134, II, do Código Civil, quando se inclui no que se transige, ou por que se transige, a transmissão da propriedade imobiliária (EBBECKE, Formvorschriften, Das Recht, 15, 633 s.). A diminuição ou o aumento da área do terreno vendido precisa obedecer ao art. 134, II. A exigência da forma, a priori, pois que se fêz ao negócio jurídico por se alterar, pareceu ser principio a P. OERTMANN (Recht der Schuldverheiltnisse, 155) e O. WARNEYER (Kommentar, 1, 533). CAPITULO III DOLO E CULPA § 2.789. Conceito de dolo e de culpa 1. PRECISÕES . A culpa é defeito que se pode apontar na vontade. Supõe -se que o agente, no que quis, passou o limite em que a sua atividade ou a sua omissão seriam sem defeito. O devedor responde por sua culpa, porque se pôs, de certo modo, na causação do ilícito (aliter, do lícito), pelo qual se tem alguém como sujeito a ressarcir. Quando se apura a responsabilidade para se fazer indenizar aquELE em defesa de quem se danificou a coisa <Código Civil, arts. 160, 1, e 1.520, parágrafo único) não se investiga culpa, nem causação; nem a do responsável, na ação do art. 1.519 (ai, pré-exclui a ação a culpa do dono da coisa). A chamada culva levissima não é culpa; a responsabilidade. aí, é pela fôrca maior ou caso fortuito (cf. J. CER. HASSE, Die Culpa des rõmischen Rechts, 414; A. PERNICE, Labeo, II, 334 s..e O. STOBBE, Zur Geschichte des d,eutsehen 1/ertragsrechts, 230e 238). O que o homem normal, o homem comum, que está nas circunstâncias subjetivas e objetivas do negócio jurídico, sói fazer, ou não fazer, não pode ser infração da linha de licitude. O homem normal não é apreciado fora das circunstâncias subjetivas, porque o especialista se põe, por si mesmo, em plano acima do homem comum. Tem-se de exigir dELE a diligência dos especialistas, portanto dos homens normais especialistas. Não bastaria, então, ser como o diligens pater familias in suis reina. Se o sistema jurídico exige que a culpa levissima se tenha como causa de responsabilidade, em verdade estabELEce responsabilidade pela fôrça maior ou pelo caso fortuito. 2. Dolo. O dolo é vontade da contrariedade a direito (Tomo II, § 177). Culpa, em sentido amplo, abrange a culpa; porque é culpado quem pratica o ato, ou deixa de o praticar, com dolo. Então, negligência é a omissão da diligência que se exige no tráfico, omissão que leva a ofensa a direito (objetivo), a despeito de não se haver querido. A negligência grave é a culpa l § 2.790. Culpa 1. Espécies DE CULPA. A culpa ou é grave, lata culpa, ou leve, levia culpa. A primeira, a culpa crassa, magna, mínima , como se dizia, que tanto pode haver no ato positivo como no negativo, é a culpa ressaltante, a culpa que denuncia descaso, temeridade, falta de cuidado indispensáveis. Quem devia conhecer o alcance do seu ato positivo ou negativo incorre em culpa grave. Ainda o Preussisches Alígemeines Landrecht, 1, 3, § 17 s., e 5, § 277 s., referia-se às três espécies. Já o Código Civil francês, arte. 1.137 e 804, e o austríaco, §§ 1.294-1.298 e 1.324, só supuseram as duas espécies. Idem, o Código Civil saxônico, §§ 121 e 122, e o Código suíço das Obrigações, art. 99 (art. 113), que todavia alude à gradação (alínea 2.a: “Essa responsabilidade é mais ou menos extensa segundo a natureza particular do negócio; aprecia-se, notadamente, com menos rigor quando o negócio não é destinado a procurar vantagem ao devedor”). A respeito da gestão de negócios alheios, o Código Civil, art. 1.336, fala de responsabilidade do gestor pelos prejuízos resultantes de “qualquer culpa na gestão”. Trata-se de culpa lata ou leve. Se o gestor está na situação que se previu no art. 1.332 (gestão contra a vontade manifesta ou presumível do interessado), a responsabilidade é ainda sem culpa.

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Também a culpa do credor pode alterar o conteúdo da divida e da obrigação. Se há culpa do credor e culpa do devedor, regem os princípios. As regras jurídicas sobre auxiliares e órgão incidem: a culpa é do próprio credor. 2.PRÉ-EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE. A responsabilidade por dolo não se pode pré-excluir por negócio jurídico, seja em cláusula inserta, seja em pacto adjecto (L. 23, D.,de diversis regulis juris antiqui, 50, 17; L. 27 §§ 8 e 4, D., de pactis, 2, 14). Todavia, a responsabilidade do representante legal e voluntário ou auxiliares pode ser pré-excluida. A do órgáo, não porque o órgão presenta, não representa: o dolo dELE é dolo da própria pessoa jurídica. SObre o pactum de dolo non praestando, Tomo III, § 259, 2, e VI, § 698, 2. É de discutir-se, no sistema jurídico brasileiro, se pode ser pré-excluída a responsabilidade pela culpa grave, ou somente não se admite o pactum de dolo non praestando. No Código Civil suíço, a’rt. 100 (“É nula tOda estipulação tendente a liberar, de antemão, o devedor da responsabilidade em que ELE incorreria em caso de dolo, ou de culpa grave”), a solução do problema é de lege lata. No Código Civil alemão, § 276, alínea 2a, também o é, em sentido oposto (“A responsabilidade pelo, dolo não pode ser pré-excluída ao devedor”). No direito brasileiro, não há lez lata. Mas, nELE, dolo e culpa lata não são o mesmo, e não há razão para se não permitir o pacto de não responder por culpa, se não é caso de vontade e consciência .da contrariedade a direito (dolo). É verdade que, no direito alemão, em tOrno do § 276, alínea 23, houve, a princípio, divergência (pela permissão do pacto de pré-exclusão da responsabilidade por culpa grave, O. VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 121; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 113; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 479; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 223). No direito brasileiro, só a pré-exclusão da responsabilidade pelo dolo é inadmissível, mas as circunstâncias podem fazer imoral o pacto de pré-exclusão da responsabilidade pela culpa grave (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 111). Rege, então, o art. 145, II, 13 parte, do Código Civil. Opacto de responsabilidade mais rigorosa é permitido, como se o comprador prevê a evicção, ou a aparição de vícios redibitórios, e entende que há de estabELEcer precisões e reparações. O dano é causado pelo ofensor e pelo ofendido quando o ato, positivo ou negativo, está em adequada relação com aquELE. A chamada compensação de culpa alude a ELEmento subjetivo que estaria dos dois lados e pode não estar (cf. RICHARD Scaum’r, Die sog. Culpacompertsation, 23 s. e 30 s.). § 2.791. Dolo 1.DOLO NO ADIMPLEMENTO. O dolo no adimplemento tem pouca importância como espécie de culpa. As regras jurídicas sobre culpa abrangem o dolo e a culpa sem dolo. No Código Civil italiano, o art. 1.225 diz: “Se l’inadempimento o ii ritardo non dipende da dolo (art. 2.043) deI debitore, II risarcimento é lirnitato aí danno che poteva prevedersi nel tempo in cui à sorta l’obbligazione”. Isso equivale a postular-se que a indenização é conforme a gravidade da culpa. Tem-se, portanto, em direito italiano, de se entrar em indagação subjetiva, com as distinções entrá dolo, culpa grave e culpa leve. No direito brasileiro, não há tal regra jurídica discriminativa do que se há de indenizar, O art. 1.060 do Código Civil refere-se ao dolo, mas exatamente para estatuir que, “ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”. No art. 1.057, lê-se que, “nos contratos unilaterais, responde por simples culpa o contraente, a quem o contrato aproveite, e só por dolo, aquELE a quem não favoreça”. No Código Civil alemão, o § 521 refere-se à doação. O art. 1.266 (arts. 1.277 e 1.273) do Código Civil abriria exceção à regra jurídica do art. 1.057, se se tratasse de contraprestação; mas ai não há contraprestação. Nem aí se gradua culpa, para se determinar a indenização. Apenas se pré-exclui a responsabilidade se não há dolo. 2.CONTRATOS UNILATERAIS. Nos contratos unilaterais, a responsabilidade é conforme o art. 1.057 do Código Civil. Assim, na doação, no comodato; na gestão de negócios, em caso de perigo iminente para o dono do negócio, seu patrimônio ou família, ou empregados (EL ?LANCK, Xommentar, II, 1, 691;1’. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltniese, 819; sem razão,R. Srrnnn, Wille und Interesse des Geschiíftsherrn bei der

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Geschdjtsfiihrung ohne Auftrag, 28), órgãos da sociedade, trabalhadores e outras pessoas subordinadas ao mesmo ambiente, bens depositados ou em comissão, etc.; no caso de achádigo (Código Civil, art. 605: “O inventor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuXdor legítimo, quando tiver procedido com dolo”). 3.DoLo DO DEVEDOR E MORA DO CREEDOR ‘ Somente pelo dolo responde o devedor, se há mora creditaria (Código Civil, art. 958, 1. parte: “A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa. . . FÔRÇA MAIOR E CASO FORTUITO § 2.792. Conceitos 1. “Cásus” E “VIS MAIOR”. Já vimos que “casus” é o que cai por si. Houve determinação, porém estranha aos atos humanos, ou aos atos humanos conscientes. lá vimos o que é fôrça maior e as teorias que procuram defini-Ia (Tomo II, § 179). Aqui, só nos interessam a fôrça maior e o caso fortuito como fatos posteriores ao nascimento da relação jurídica e alterantes do conteúdo das dividas e obrigações, ou, ainda, como estudo prévio, considerada em sua invocabilidade como causa de extinção das dívidas e obrigações. 2.. Nas leis costuma-se pôr “fôrça maior ou caso fortuito”. Com isso, o legislador afasta que se esmiucem lindes conceptuais, atribuindo-lhes a mesma conseqüência Tentou-se apontar, nos textos romanos, diferença entre caso fortuito e fôrça maior, inclusive em se contrastando, respectivamente, o conceito de impre,iaibilidade e o de inevitamanto, que lhes corresponderiam. Nunca se fiz prova convincente de tal distinção conceptual. A expressão que mais aparece é cana; e, provâvelmente, a outra, cana maior, não é clássica. Seja como fôr, a indistinção entre cana e via cui reaiati nos poteat perdurou, ainda no período justinianeu (cf. E. SECKEL, em H. E. HEUMANN, Hand.lazikon, 9a ed., artigo cuatodia; F. SciuLz, Die Haftung fOr das Verschulden der Angestellten, GrUnhtta Zeitsckrift, 38, 9 s., e Die Aktivlegitimation zur actio fterti im klassischen rõmischen Recht, Zeitschrijt der Savigny -Stiftung, 32, Rom. Abt., 28 e.; V. ARANGIO Ruíz, Responaabilitâ. contrattuale in diritto romano, 2.’ ed., 62 s.; FILIPPO ZANGO, Dei Caso fortuito e dei rischio e pericolo in ma.teria di obbligazioni, 49 e.; G. 1. LuzzÂrro, Caso fortuito e forza maggiore come limite alia re8portsabilitd contrattuale, 1, 19s., 58). LÂCnDA DE ALMEIDA (Obrigações, 169; Efeitos das Obri.. gaçoca, 346) via insolitude, na fôrça maior, e a previsibilidade, no caso fortuito, que seria fatal: “FOrça maior diz-se mais prôpriamente de acontecimento insólito, de impossível ou difícil previsão, tal uma extraordinária sêca, uma inundação, um incêndio, um tufão”; “Caso fortuito é um sucesso previsto, mas fatal, como a morte, a doença, etc.”. E citou MIGUEL DE REINOSO. Mas MIGUEL DE RnNoso (Observationes Practiene, 396) diz algo muito diferente, que apaga tôda distinção: fala de “casus cogitatus” e de “casus incogitatus”, de “casus solitus” e de “casus insolitus”. A-concepção de M. IX CARVALHO DE MENDONÇA (Doutrina e Prática das Obrigações, II, 36 e.), que fOra a de LI. P. CHIRONI, nenhum. apoio tem no direito brasileiro (cp. também ROBERTO DE RUOGIERO, Jatituzioni di Diritto civile, III, 6.’ cd., 181). CLóvís BEVILÂLQUA (Código Civil comentado, IV, 216) distinguia o caso fortuito e a fôrçs maior, aquELE acidente produzido pela fOrça física, e essa, o fato de terceiro, que criou obstáculo ao adimplemento. O único argumento a favor disso seria o significado de <‘fortuito” se o étimo de fortuitus não fOsse o mesmo de fOrça e de fortuna. A inevitabilidade é o ELEmento comum, inevitabilidade devida ao determinismo universal, e não à imprevisibilidade, ou grau de diligência. Vis maior = casta. A fórmula de G. GERTR (Der Begriff der vis maior im rãmischen und Reichsrecht, 103) traduz a verdade, no direito romano (cf. H. vON HOLLANDER, Vis maior ais Schranke der Haftung, 57). Em França, tentou afastar a opinião comum que sublinha a irresistibilidade ou a imprevisibilidade, para apresentar como ELEmento decisivo a impossibilitação, JULIEN BONNECASE (supl. ao TraiU théorique et pratique de Droit civil de BAUDRY-LACANTINERIE, III, ne. 274-278, 282). Na Suíça, procuram reintroduzir a distinção entre caso fortuito e fOrça maior alguns juristas suíços, como H. OSER e W.

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SCHONENBERGER, em tOrno dos arte. 97 e 119 do Código Civil suíço, e 5. azoVANOLI (Force majeure et Cas fortuit, 95 e.). A distinção entre fOrça maior e caso fortuito só teria de ser feita, só seria importante, se as regras jurídicas a respeito daquela e desse fOssem diferentes. Então, ter-se-ia de definir fOrça maior e caso fortuito, conforme a comodidade da exposição. Não ocorrendo tal necessidade, é escusado estarem os juristas a atribuir significados que não têm base histórica, nem segurança em doutrina. Lamentável é que, em vez de se fixarem conceitos, se perca tempo em critério ao sabor pessoal dos escritores (e. g., impossibilidade relativa, no caso fortuito, impossibilidade absoluta, na fOrça maior, como em A. COLIN e H. CAPITANT (Co’urs álémentaire de Droit civil, II, 4.’ cd., 10 s.). Ê preciso atender-se a que, com a definição inserta no art. 1.053, parágrafo único, o Código Civil considerou fOrça maior ou caso fortuito o acontecimento, previsível ou não, que causa danos e cujas conseqúências são inevitáveis. Portanto, tOda discussão, mais ou menos literária, é fora de propósito. Não se há de falar de ausência de culpa, porque se está exatamente a regrar o que nada tem com a culpa. Em verdade, desde que há o ELEmento comum da inevitabilidade das conseqüências (e as conseqüencias é que importam), fOrça maior, de que pode resultar responsabilidade, é a fOrça que impede, inevitavelmente, o adimplemento (maior, pórque impede, no todo ou em parte), e caso fortuito é o casais fortuitus cujas conseqüencias não se podem evitar. Ficam de fora a fOrça, a vis, cujas conseqüencias se podem evitar, e o caso fortuito de conseqüencias evitáveis. As referências, ora a casos fortuitos (Código Civil,arte. 1.127, § 1.0, 1.196, 1.214, 1.800, § 1.0, 1.832 e 1.388), ora a fOrça maior (arts. 198, 1.226, 1, 1.229, 1, 1.271 e 1.285, II), mostram que não se distinguiu. O que ocorre é que há fOrça maior transindividual e fOrça maior individual (e. g., art. 198). Na Lei n. 8.724, de 15 de janeiro de 1919, art. 2., parágrafo único, dizia-se: “Não constitui fOrça maior a ação das fOrças naturais, quando ocasião nada ou agravada pela instalação do estabELEcimento, pela natureza do serviço ou pelas circunstâncias que efetivamente o cercarem”. O Decreto-lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, art. 70, passou a estatuir: “Não 6 acidente do trabalho: b) o que provier de fOrça maior, salvo o caso de ação de fenômenos naturais determinados ou agravada pelas instalações do estabELEcimento ou pela natureza do serviço”. O art. 7,0 do Decreto-lei n. 7.086 apenas diz que, se há culpa mais fOrça maior, conseqüencias atribuidas à fOrça maior foram determinadas, pelo menos em parte, pela culpa mas, uma vez que, sem a culpa, elas não seriam produzidas, a fôrça maior não pré-exclui a culpa. Â regra juridica do art. 7O não é regra jurídica sObre responsabilidade pelo caso fortuito ou fOrça maior, mas sim de determinação da responsabilidade pela culpa. A natureza do serviço é dada pela emprêsa; a instalação do estabELEcimento é feita pela emprêsa. Escrever-se, por exemplo, que “somente os casos fortuitos ou de fOrça maior estranhos ao trabalho ou indústria escapam à indenização” (ANDRADE BEZEUA, Acidentes no trabalho, 11) é agravar, e não interpretar, a má redação da lei. 3. “RÂrro LEGIS”. As razões para se admitirem responsabilidades pelo caso fortuito ou fOrça maior estão em que parece ao legislador que -o risco há de estar contra alguém, em tais casos. Se em todos os casos, somente pesasse o ser dono ou titular do direito, não se precisaria edictar qualquer regra juridica: Casum sentit dominus, Res rneo periculo est, Res mihi perU (cp. C. G. VON WÀCHTEE, Doctrina de condictione causa data causa non secuta in contractibus inãominatis, 128-188, e Uber die Frage: Wer hat bei Obligationen die Gefahr zu tragen?, Archiv [Ur die civilietiache Prazis, 15, 98; J. C. BRANDENEURG, Principia quaed. generalia de damno casuali, eius que praestatione, 15). As regras jurídicas especiais impuseram-se e impõem-se porque nem sempre - o cômodo está com o dono e alguém, que não é o dono, tem o cômodo, donde Cujus periculum eius est comr,wdum, * Periculum est emptoris (§ 3, 1., de emptione et venditione, 3, 23: “periculum rei venditae statim ad emptorem pertinet, tametai adhuc ea res emptori tradita non sit”; L. 5, § 2, 12., de rescindenda venditione et quando licet ab emptione discedere, 18, 5; L. 11, § 12, D., quod vi aut cla.m, 48, 24; L. 14, pr., 12., de furtis, 47, 2; cp. Código Civil, art. 1.127); * Feri cul um est locatoris (cp. Código- Civil, art. 1.190). A política jurídica dos Romanos era diferente da política de hoje, -em muitos pontos de responsabilidade pelo risco; mas muito nos veio dELEs. (Alguns juristas negam a importância da regra Casum sentit dominus para o direito das obrigações, e. g., O. O. BuRCEARDI, Dia Lehre von der Wiedereinsetzung in den vorigen. Stand, 112. Mas exatamente porque mais estão preocupados com as exceções ao princípio.)

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§ 2.793.. Natureza da responsabilidade pela fôrça maior e pelo caso fortuito 1. DIREITO ROMANO. De regra, em direito romano ninguém era responsável pela fOrça maior ou pelo caso fortuito. A respeito da mora, a jurisprudência romana antiga, para fazer responsável pelo casus o devedor em mora, lançava mão do conceito de perpetuatio obligationis (= apesar de ter desaparecido o objeto, a obrigação persistia, perpetuava-se). Na L. 91, § 8, D., de verborum obligationibus, 45, 1, PAULO informa que, para os antigos, se há culpa do devedor, a obrigação se perpetua, e que isso se entendeu quanto à mora. O credor concebia a demanda em termos de rem. dare oportere, ainda que já impossível a prestação. O devedor era condenado a pagar o valor estimado da prestação (quanti ea res erit). ?os iudicia bonae lidei, era de prescindir-se de invocação do principio da perpetuatio obUgationis. Na L. 23, D., de diversis regulis iu,-is antiqui, 50, 17, só se fala do dolo e da culpa em não prestar. Na L. 1, § 1, D., nautae caupones stabularii ut recepta restitua.’nt, 4, 9, ULPIANO diz que é da máxima utilidade, por vêzes, confiar em marinheiros, alberguistas e estalajadeiros e entregar-lhes coisas em custódia. E ninguém há de reputar demasiado o que contra ELEs se estabELEce, pois é do arbítrio dELEs não receber ninguém. Se não tivesse sido estatuido o que se estatuiu, ensejar-se-lhes-ia concertarem-se com os ladrões contra aquELEs de quem recebeu, tanto mais quanto, ainda agora, não se abstêm de tais fraudes. O edicto do Pretor a que se refere ULPIANO está mencionado na L. 3, § 1: “se não restituirem, darei ação contra ELEs” (nisi’restituent, in eos iudicium dabo). Ação iii factum. Outras ações referiu, conforme as circunstâncias (locação, condução, depósito). <‘,Por que, então, o Pretor introduziu a ação honorária? É de estranhar, disse POMPÔNIO, salvo se quis o Pretor que- essa classe de homens reprimisse a sua improbidade e se atendeu a que, na locação e na condução, só se presta a culpa e no depósito o dolo. Pelo Edicto é obrigado de qualquer maneira o que recebeu, ainda que a coisa haja perecido sem culpa sua, a não ser que haja acontecido por desgraça inevitável (nisi si quid damno fatali contingit). Por isso escreve LABEXO que, se alguma coisa houver perecido por naufrágio, ou por violência de piratas, não era injusto que se lhe desse exceção (non esse iniquum exceptionem ei dar!). O mesmo terá de dizer-se se no albergue ou na estalagem ocorreu fOrça maior. A indagação da ratio legis, que era a repressão da improbidade daquELEs homens, a alusão à responsabilidade sine culpa e à exceção de fOrça maior, ius maior, mostram que se deu a fOrça maior sentido que se assemelha ao da L. 1, § 4, D., de obligationibus et actionibus, 44, 7 (GAIO) certamente, o que recebeu algo em mútuo, se por acidente houver perdido o que recebeu, permanece obrigado; mas o que o recebeu para usar, está imune (securus est), se por fOrça maior (si maiare casu), a que a debilidade humana não pode resistir (ad humana infirmitas resistere nem potest), como incêndio, ruína, naufrágio, houver perdido a coisa que recebeu. Todavia, ainda em casos de fOrça maior, fica adstrito, se mediou culpa sua, como se, tendo de convidar para ceia alguns amigos, quiser levar consigo, em viagem, a prataria, que recebera para usar em casa, e houver perdido ou por naufrágio, ou por assalto de ladrões ou de inimigos. O fato, natural ou humano, a que resistir a humana inf irmitas não pode, é fOrça maior: é vis, cui resisti non potest (L. 18, pr., D., coramodati vel contra, 18, 6; L. 15, § 2, D., locati conducti, 19, 2; L. 28, O., de beato et conducto, 4. 65). 2. GLOSADORES E DIREITO COMUM. Nos glosadores e no direito comum, há duas tendências doutrinárias: uma, a qu vê na vis maior o que ocorre a despeito da ezactissima diligentia; outra, a que abstrai de todo ELEmento subjetivo. São a teoria subjetiva e a teoria objetiva da fOrça maior (cf. A. EXNER, Der Begriff der hõheren Gewalt, 5 a.; G. GERTH, Der Begriff der vis maior im rtimischen und Reichsrecht, 17 e.). O edicto postulava a responsabilidade do recebente, sem distinção. Tinha ELE a erceptio pelo damnum fatale ou vis maior. Muito de enigmático há no texto romano; daí as divergências teóricas. Para a teoria subjetiva, fOrça maior é todo acontecimento que o assumente não pode evitar com a máxima diligência (portanto diligência além da diligentia bani pat ris familias). Assim, L. GOLbSCHMIDT, Das Receptum nautarum, cauponum, etabulariorum, Zeitschri/t fUr das gesamte Handelsrecht, II, 98 s.), B. WINDSCHEID (Lehrbuch, II, 9Y ed., 620 s., nota 6), FR. vON HAHN (Kommentar zum Allgemeinen Deutschen Handelsgesetzbuch, II, 1.8 ed., 600), H. THtSL (Das Handeisrecht, III, 89 a., E. HUBER (Zum Begriff der hàheren Gewalt, 36 e 44), G. EGEIt (Das Reichs-Haftpflicht-Gesetz, 3. ed., 122) e outros. Para a teoria objetiva, fOrça maior é o aconteciment3 fora do circulo de exercício, de exploração (Betriebskreis) do assumente (e. g., A. EXNER, Der Begriff der hdheren Gewalt, 85 s.: H. HÃFNER, tiber den Begrili der hôheren Gewalt im deutsehen Transportrecht, 71; J. BARON, Die Haftung bis zur hôheren Gewalt, Árchiv 112r die civilistische Prazis, 78, 290 s.; TE. ENGELMANN, Dia custodiae praestatio nach rômischem Recht, 156 e 162; FR. X. BRUCKNER, Die Custodiae nebst ihrerBeziehung zur vis maior nach rdmischcm Recht, 266 e 283; H. A. FISCRER, Via maior im Zusammenhang mit Unmbglichkeit der

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Leistung, .flterings Jahrbiicher, 37, 274). Procuraram-se soluções intermédias, como a de H. DERNDURO (Pandekten, II, 7,8 ed., 109), que tinha a fOrça maior como o acontecimento que não pode ser previsto por sua extraordinária espécie e, pois, não haja de ser levado em conta no curso dos negócios. Todos apontam a esfera dc efeitos (lo assumente (e. g., li. MERXEL, Die Kotlisãon rechtmnãssiqút’ Interessen,144 s. e 208 5.; MÂx RÚMECIN, Der Zufail im Recht, 40). Via ERICE VOLKMÁR (Vis maior und Betriebsgefahr, 78) na fOrça maior o acontecimento que não está de modo nenhum em conexidade com a espécie, exercitação ou exploração. 8.DEFINIÇÃO DE FORÇA MAIOR E CASO FORTUITO. No art. 1.058, parágrafo único, do Código Civil aparece conceito de caso fortuito ou fOrça maior: “O caso fortuito, ou de fOrça maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Fato necessário está, aí, por fato cuja determinação se procede sem que o devedor possa afastar, em suas conseqüencias. Se o fato é necessário, mas o devedor pode evitar ou impedir os seus efeitos, não há caso fortuito ou fOrça maior. A lei frisa o ELEmento da inevitabilidade das conseqüencias. Não se trata de ser impossível evitar ou impedir o canis, mas sim os efeitos do canis. Não se alude à imprevisibilidade. O caso fortuito ou a fOrça maior pode ser previsível. Se a impossibilidade já se caracterizara antes da conclusão do contrato, o contrato é nulo; se depois, regem os princípios sObre impossibilidade do adimplemento. Caso fortuito dizia-se o fato da natureza; fOrça maior, a fOrça do homem, como Q assalto dos ladrões. A legislação brasileira ora os considera sinonimos, ou a ambos alude, para que não se façam distinções. O art. 1.058, parágrafo único, do Código Civil, tratou a fOrça maior e o caso fortuito como o mesmo acontecimento; seriam sinônimas as expressões. No art. 1.277, diz-se que o depositário não responde pelos casos fortuitos, nem de fOrça maior, o que poderia parecer distinção. No art. 1.285, só se aludiu à fOrça maior, em se tratando de responsabilidade de hospedeiros e estalajadeiros, mas havemos de ler o art. 1.285, II, como se houvesse referência explícita à fOrça maior ou caso fortuito. Nos arts. 865, 866 e 869, o Código Civil alude a perda ou deterioração da coisa devida, sem culpa do devedor, o que dá no mesmo. - Nos arts. 98, 104, 548, 549 e 609, o Código Comercial só se refere a “fOrça maior”. A “fOrça maior” e “caso fortuito” nos arts. 102, 170, 181 e 202. No direito brasileiro, a fOrça maior ou caso fortuito dá ensejo a alegação ou objeção, e não a exceção. 4.INEVITABILIDADE “IN ABSTRACTO” E INEVITABILIODADE “IN CONCRETO”. O ELEmento da inevitabilidade é o que fêz feição ao legislador brasileiro. Mas isso não significa que todo inevitável seja fOrça maior ou caso fortuito. É preciso que tenha conseqdências contra o adimplemento (cf. E. VOLKMAR, Vis maior und Betriebsgefah r, 48 s.). Mas a inevitabilidade, de que se trata, é a inevitabilidade objetiva, a inevitabilidade in abstracto, e não a inevitabilidade in concreto? Noutros termos: a inevitabilidade há de ser a) para todos os homens normais, ou b) para o círculo social em que vive o devedor, ou e) para os homens da sua profissão ou tráfico, ou d) para o devedor, individualmente?- Pela inevitabilidade “in concreto”, O. GERTH (Der Begriff der vis maior, 105 s.), H. STUCKI (t)ber den Begriff der hàheren Gewalt, 19 s.). Na doutrina francesa a referência à culpa levis perturbou a discussão ‘e levou ao subjetivismo. A alusão àvigilância do bom pai de família aparece a cada momento, ainda no direito comercial, e à “faute legêre” (cp. J. BIERMANN, Die hõhere Gewalt im englischen und im franzósischen Recht, Archiv fur Riirgerliches Rccht, 10, 29 s.). A discussão sObre ser preciso cogitar-se de inevitabilidade absoluta ou relativa é sObre ponto diferente daquELE que aqui nos ocupa (cf. A. KNAUER, Pie bóhere Gewalt, 86). A inevitabilidade é relativa, no tempo e no espaço. Evita-se hoje o que outrora não se podia evitar. Pode-se evitar num país, ou em parte dELE, o que noutro país, ou noutra parte (lo mesmo país, não se poderia evitar. O acontecimento há de ser cognoscivel, há de provir de atividade estranha àquela que é a do devedor, e a conseqUência de danos tem de ser considerada, ao tempo em que se produzem, inevitáveis. A inevitabilidade somente pode er em relação aos homens, no lugar e tempo em que as conseqüencias se hão de apresentar. 5. ATITUDES NA DOUTRINA. Alguns juristas vêem lia custodia a responsabilidade do devedor antes da tradição, por se tratar de coisa alheia (e. g., J. BÁRoN, Die Haftung biszur haheren Gewalt, Ãrchiv fúr die civilistische Praxis, 78. 277). Mas, antes da tradição, não há custódia: há promessa de prestar o que está no

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património do devedor, ou de outrem, ou, talvez, ainda não exista, trate-se de coisa certa (Código Civil, arts. 868 e 864), trate-se de coisa incerta (arts. 877 e 875). Depois da tradição, o risco é do credor. Se a obrigação é de restituir, não há pensar-se em risco para o devedor, e é explícito o art. 869. A Glosa expressivamente dizia que Intra culpam et casum /ortuitunt nihil est mediuni. Se houve perda da coisa, ou deterioração, sem culpa do devedor e do credor, houve fôrça maior ou caso fortuito. Onde há custódia há assunção de risco. Assim, J. BARON (Die Haftung bis zur hóheren Gewalt, Archiv fiir die civilistische Prazis, 78, 277 s.) e li. STUCKI (tiber den Begriff der hàheren Gewalt, 45). Mas, advirta-se, conforme o sentido que se dê a custódia, o que assaz diminui o valor da afirmação. Outros apagam qualquer diferença entre vis maior e canis, entre a responsabilidade ex recepto e a responsabilidade ex locato (e. p., G. GERTE, Der Begrifi der vis maior, 210). Em verdade, a doutrina e, por vêzes, a legislação propendem para a teoria subjetiva (Preussisches Allgemeines Landrecht, II, Tit. 8, § 447; Código Civil francês, art. 1.954: “lIs ne sont pas responsables des vols faits avec force armée ou autre force majeure”, e 1.148: “II n’y a lieu à aucuns dommages et intérêts lorsque, par suite d’une force majeure ou d’un cas fortuit, le debiteur a été empeché de donner ou de faire ce à quoi ii était obligé, ou a fait ce qui lui était interdit”, regras jurídicas que também se prestavam a interpretação de acórdo com.a teoria objetiva. Se a pessoa, que deve prestar, não presta, porque há fôrça humana ou fisica não-humana que o obsta, por ser acima da fôrça humana in abstracto, sustenta a teoria objetiva que se trata de fôrça maior ou caso fortuito. Nenhuma alusão à culpa (A. PERNICE, Labeo, II, 849, desde a 1,a ed., em 1872. Por seu lado, A. EXNER (Der Regri/f der hàheren Gewalt, 59 s.) sublinha a extraordinriedade em relação ao campo de eficiência do devedor; W. STINTZIN’C (Uber vis maior im Zusammenhang mit periculum und Haftung, Archiv fiir die civilistische Praxis, Si, 427 s., a imprevisibilidade; MÃx RtYMELIN <Der ZufeJL ira Recht, 30 e.), a periculosidade da atividade e o ELEmento da inevitabilidade; e H. A. FIscRn (Vis maior im Zusammenhang mit Unmõglichkeit der Leistung, Jheringa J’ahrbitcher, 87, 283 e., a inevitabilidade abstrata (o que lembra Huco DONELO). Também abstraem da alusão à culpa (3. BIERMANN (Cuetodia und via maior, Zeitachrift der Savigny -Stiftung, Rôm. Abt., 12, 33 s.), 11. ‘JON HOLLANDER (Vis maior ais Schranjce der Haftung, 12-55) e H. SCHNEIDER (Uber die vis maior und das- Haftungsprincip, Zeitachrift fiLr das gesarate Handelarecht, 44, 110-126). 6. TEORIA OBJETIVA E TEORIA SUBJETIVA, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. A teoria objetiva abstrai de qualquer situação pessoal do devedor e da diligência que tenha tido, ou devesse ter. Não são o mesmo conceber-se a fOrça maior ou o caso fortuito como o que não seria evitável e entender-se que força maior ou caso fortuito somente há se o devedor envidou quanto pôde para lhe evitar as conseqüencias. A teoria subjetiva prefere a segunda atitude, que é a de só apontar fOrça maior ou caso fortuito onde culpa não houve. Ao conceito estrito de inevitabilidade objetiva opõe o de ausência de culpa. A teoria subjetiva tem o defeito de abrir margem às indagações relativas à culpa e à não-culpa. Com isso, o juiz tem maior campo do que lhe daria a teoria objetiva. No Brasil, alguns juristas penderam para a teoria subjetiva; e. g., EDUARDO ESPINOLA (Sistema do Direito civil brasileiro, II, 1, 360 s.) considerava fOrça maior ou caso fortuito a ausência de culpa: “onde cessa a culpa começa o caso fortuito”, dizia ELE; “o que cumpre, em suma, é, portanto, investigar apenas a existência ou inexistência de culpa”. Era abraçar a teoria subjetiva, em tOda a extensão. Na jurisprudência, há alusões à imprevisibilidade, mas o que mais se frisa é a inevitabilidade das circunstâncias (e. g., Supremo Tribunal Federal, 18 de julho de 1921, R. do 8.T., 84, 93, 2 de dezembro de 1932, R. de J. 8., 22, 162 s.,2 de agOsto de 1934, 82, 42 s.). Mas alguns acórdãos atinam com que, se o fato é imprevisível, as conseqüencias são inevitáveis; se é previsível, mas inevitáveis as conseqüencias, incide Imprevisível, com inevitabilidade das conseqüencias danosas: caso fortuito ou fôrça maior. Previsível, com inevitabilidade das conseqüencias danosas:caso fortuito ou fôrça maior. Imprevisível, com evitabilidade das conseqüencias: culpa. Previsível, com evitabilidade das conseqüencias: culpa. Sempre que a decisão enuncia a) que o fato era imprevisível, e implicitamente ou explicitamente afirma que não se lhe poderiam evitar as conseqüencias: incide o art. 1.058 do Código Civil, com o seu parágrafo único. Se diz b) que era previsível e não foram tomadas as providências para que se lhe evitassem as conseqüencias, não há caso fortuito ou fôrça maior pré-excludentes da responsabilidade, e o art. 1.058 não incide. Se c) assenta que era

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previsível, mas seriam ineficientes as medidas para lhe evitar as conseqüencias, incide o art. 1.058, com o seu parágrafo único. Certíssimos o acórdão do Supremo Tribunal Federal, a 16 de outubro de 1920 (R. do S. T. F., 29, 135), e a sentença do então juiz CÁNDIDo Lôno, confirmada por acórdão da 3a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 19 de setembro de 1938 (R. de J. B., 41, 320 s.; 1?. de C. J., 27, 151), que definiu o caso fortuito ou fôrça maior: “tudo que se não pode prever, ou que, previsto, não se pode evitar”. As três proposições a, b) e e) estão atendidas. No mesmo sentido, a decisão da 38 Câmara Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, a 5 de março de 1937 (R. dos T., 108, 605 s.). Temos exemplos de a) na decisão do Supremo Tribunal Federal, a 18 de julho de 1921 (R. do S. T. F., 34, 93). Temos exemplos de b) na decisão da 1a Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 25 de junho de 1926 (R. de D., 81, 212). Temos exemplo de c) na decisão da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 31 de janeiro de 1927 (R. de D., 85, 188). De ordinário, as decisões estão certas. Apenas a alusão à imprevisibilidade perturba os leitores. Às vêzes as leis se referem à culpa e à não-existência de culpa, para aludir à fôrça maior ou caso fortuito (e. g., Código Civil, arts. 865, 869, 871 e 882, verbis “sem culpa do devedor”, 886, verbis “não sendo o devedor culpado). Daí não se tire argumento a favor da teoria subjetiva. Trata-se de modo de dizer, por simples rotina de redação de leis, sem importância para a solução do problema doutrinário. Pode não haver culpa, nem fôrça maior ou caso fortuito. Por exemplo, se o dano resulta de vício próprio da coisa ou mau acondicionamento (e. g., Código Comercial, art. 102: “Durante o transporte, corre por conta do dono o risco que as fazendas sofrerem, proveniente de vício próprio.. .“; e art. 170: “O comissário é responsável pela boa guarda e conservação dos efeitos que lhe tenham sido consignados. . . ; salvo caso fortuito ou de fôrça maior, ou se a deterioração provier de vício inerente à natureza (la coisa”; Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, art. 1.0, 2.a alínea: “Será sempre presumida a culpa e contra esta presunção só se admitirá uma das seguintes provas: 2a, que a perda ou avaria se deu por vício intrínseco da mercadoria ou causas inerentes à sua natureza; 4a, que a perda ou avaria foi devida ao nmu acondicionamento da mercadoria, ou a ter sido entregue para transportar sem estar encaixotada, enfardada, ou protegida por qualquer outra espécie de envoltório”). Também pode ocorrer que a causação ou a culpa parta de outrem, e não há, ai, pensar-se em culpa do devedor, ou do credor, ou em fôrça maior ou caso fortuito. Quando se fala de responsabilidade por inadimplemento ou de inadimplemento que não é infração da obrigação negocial não se podem pôr as espécies fora da relação jurídica entre os interessados. Tanto que a culpa do terceiro funciona, por vêzes, para devedor e credor, como caso fortuito ou fôrça maior. ç o caso do assalto por ladrões. 7.FÔRÇA MAIOR OU CASO FORTUITO E FIDÚcIA. A respeito da fidúcia, discutiu-se a incidência da regra jurídica Casum sentit dominia. Enquanto F. C. CONRÂDI (De pacto fiduciae, ex. 1, §§ 11-17, e ex. II, §§ 9 e 10; Scri7pta minora., 195 s. e 223 s.) e dER. F. VON GLÚCK (Áusfiiizrliohe ErWuterung der Paàgdeoten, 17, 271 s.) entendiam que o risco tinham os fiduciários, C. G. vox Wicnnm <Ober die Frage: Wer hat bel Obligationen die Gefahr zu tragen?, Árchiv flir die eivili.stische Praxis, 15, 135 s.), que reputava E. C. CONRADI a maior autoridade sobre fidúcia, dOle discordava, por ser, aí, dono o credor e Canm sentit dotntnus. No caso de opus conductum, C. G. VON Wicwrn admitia que os riscos fOssem do fiduciário; citava a PLAUTUS (Bacohid., IV, 4, 110): “Mea fiducia opus conduxi, et meo periculo rem gero”. E igual atitude tinha a respeita da fiducia pignoris eaiaa, o que hoje fio se há de admitir diante do art. 774. IV, do Código Civil. Nio nos esqueça que o sentido de dominus é limitado ao proprietário. No direito brasileiro, se a fidúcia é com a transmissão da propriedade, o caso fortuito ou a fôrça maior atinge o fiduciário, que, a despeito de dono, tem de restituir. Em se tratando de propriedade resolúvel, o casa fortuito e a fôrça maior apanham o fiduciário e fiduciante (Código Civil, art. 647), inclusive se a figura é a do fideicomisso (art. 1.734). § 2.794. Análise das espécies principais 1.PRINCIPIO DE NÃO -RESPONSÂBILIDADE PELO CASO FORTUITO OU DE FORÇA MAIOR. Em princípio, ninguém presta em caso de fôrça maior ou caso fortuito. Cana a nuão praestantur. O limite é o cana; a responsabilidade pelo catita é excepcional. Não se deve dizer que se responde pela culpa e por não ter culpa, porque a raio legis é outra, e não se devem ligar os dois conceitos (cf. E. Hunn, Zuni .Begriff der hõheren

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Gewalt, 49), ainda em se tratando de mora, porque há exigência de imputabilidade para a mora, não de culpa (Código Civil, art. 932). Na técnica legislativa, a que se nota .4 querer-se pré-excluir a responsabilidade pela fôrça maior au o caso fortuito e só excepcionalmente se levar até ai o principia da indenizaçia. Entio, “tenetur etiarnsi sine culpa”, ou “res periít vel damnum datum est” (L. 3, § 1, D., nautae caupones stabularii ut recepta restituant, 4, 9). TJLPIANO distinguiu, na passagem da L. 3, § 1, a responsabilidade pelo dolus, a pela culpa e a pela vis maior.’ Ficaria entre a culpa e s vis maior o casus. De qualquer modo, a vis maior e o casus nada tinham com culpa. “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito, ou fôrça maior”, diz o Código Civil, no art. 1.058, “se expressamente não se houver por ELEs responsabilizado, exceto nos casos dos arts. 955 e 957”. Se por furto houverem desaparecido, diz PAULO (L. 15, § 1, D., de periculo et commodo rei venditae, 18, 6), materiais comprados, depois de feita a tradição (postaquam tradita esset), o risco era, do comprador, como se vigas foram marcadas por ELE. Assim também no direito brasileiro, conforme o arE 1.127 do Código Civil: “Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço, por conta do comprador”. Não é diferente o que diz o Código Comercial, art. 206, a despeito de não ter aludido aos casos de responsabilidade do vendedor e de se ter, aqui, regra jurídica a contrario seneu: “Logo que a venda é de todo perfeita, e o vendedor pôe a coisa vendida à disposição do comprador, são por conta dêste os riscos dos efeitos vendidos, e as despesas que se fizerem com a sua conservação; salvo se ocorrerem por fraude ou negligência culpável do vendedor, ou por vício intrínseco da coisa vendida; e tanto em um corno em outro casa, o vendedor responde ao comprador pela restituição do preço com os juros legais, e indenização de danos”. Matérias várias foram misturadas, mas o princípio aí está contido. Segundo o direito romano, o vendedor que afirmara a bondade dos vinhos e esses se estragaram, por serem maus, respondia ao comprador; se nada adiantou sobre a qualidade dELEs, o risco era do comprador, que, não os provando, de si mesmo se havia de queixar. Mas, sabendo o vendedor que não durariam até a entrega, infringi a dever de advertir, e por isso respondia (L. 16, D., de periculo ei eommodo rei venditae, 18, 6). Nada, a!, se refere à impossibilidade da prestação; e sim às cláusulas- do negócio jurídico. 2.OBRIGAÇÃO DE PRESTAR COISA CERTA E CASO FORTUITO ou FÓRÇA MAIOR. Quem deve a coisa certa e não pode presta-la porque se perdeu (impossibilidade superveniente), sem culpa, somente pode querer a resolução do contrato para ambos os figurantes, ou a extinção da obrigação oriunda de negócio jurídico unilateral, O credor esbarra diante da alegação e prova que o devedor faça (cf. Código Civil, art. 865, 1a alínea). No caso de simples deterioração, ou o credor aceita a coisa. tal como está, ou exerce o direito de resolução (art. 866 Nos de obrigação de restituir, tudo se passa conforme o art. 869, cujo conteúdo já explicamos. Se houve apenas deterioração, o credor recebe a coisa tal como está, sem direito à indenização (art. 871, 1a parte), mas a ele tocam as ações contra quem haja de indenizar. 3.OBRIGAção DE PRESTAR COISA INCERTA. Se a coisa a ser prestada é incerta, antes da concretização cabe todo risco a quem há de prestar. Dai ler-se no art. 877 do Código Civil: “Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por fôrça maior, ou caso fortuito”. O bem está inserto no patrimônio do devedor, sem discrimínação, ou no patrimônio está o valor com que o pode adquirir. No se poderia dar o risco a quem ainda não se atribuiu, sequer, por destinação de entrega, o bem. NAo se sabe qual o bem que se lhe vai prestar. 4.OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NIO FAZER. A fôrça maior ou o caso fortuito pode impossibilitar a obrigação de fazer ou não fazer. Isto é, pode impedir que se faça, ou que não se faça. A contractum licet receclere pra pter casum fortuitum, como se sobrevém guerra, e o devedor fica impossibilitado de prestar o que prometeu (ÁLVARO VALASCO, Deeisãonunt Consultationum, II, 445 sã. 5.MoRÁ E FORÇA MAIOR OU CASO FORTUITO. No art. 955,oCódigo Civil cogitou da responsabilidade após a mora: “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento, e o credor que o não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados (ad. 1.058)”. No art. 956, a que o art. 1.058 deveria ter feito remissão,

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acrescenta-se: “Responde o devedor pelos prejuízos a que a sua mora der causa (art. 1.058)”. No art. 957, o Código Civil tratou da impossibilidade da prestação com culpa ou sem culpa: “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito, ou fôrça maior, se êstes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fôsse oportuna-mente desempenhada (art. 1.058) No art. 957 do Código Civil alude-se à prova de “isenção de eulpa”. Comparando-se a regra juridica brasileira com o 287 do Código Civil alemio, vê-se que ésse não contém aquela proposição. No mais, os textos coincidem. Diante do Código Civil austríaco, § 965, concernente ao depósito, passa-se o mesmo. O art. 103, alínea 2a, do Código suíço das Obrigações estabELEce: “Pode ELE se subtrair a essa responsabilidade provando que ELE se achou em mora sem nenhuma culpa de sua parte ou que o caso fortuito teria atingido a coisa devida, com prejuízo para o credor, ainda que a execução tivesse ocorrido em tempo”. A isenção de culpa, a que se refere o art. 957 do Código Civil brasileiro, é a isenção de culpa no retardamento, não no dano. Após as expressões “salvo se provar isenção de culpa” há implícita alusão ao art. 963, que diz: “Não havendo fato - ou omissão imputável ao devedor não incorre êste em mora Isenção de culpa está por nao-imputatilidade. 6.HOSPEDARIAS E ESTALAGENS. O Código Civil, art. 1.284, equipara aos depósitos necessários (arts. 1.282 e 1.288) o das bagagens dos viajantes, hóspedes, ou fregueses, nas hospedarias, estalagens e casas de pensão. No art. 1.284, parágrafo único, estatuiu: “Os hospedeiros ou estalajadeiros por elas responderão como depositários, bem como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nas suas casas No art. 1.285, acrescentou: “Cessa, nos casos do artigo anterior, a responsabilidade dos hospedeiros ou estalajadeiros: 1. Se provarem que os fatos prejudiciais aos hóspedes, viajantes ou fregueses, não podiam ter sido evitados. II. Se ocorrer fôrça maior, como nas hipóteses de escalada, invasão da casa, roubo à mão armada, ou violências semelhantes”. No Código Civil alemão, § 701, o hotELEiro que por profissão recebe estranhos para os hospedar tem de indenizar o hóspede, que recebeu no exercício da profissão, da perda e da deterioração das coisas levadas ao hotel. A indenização não é devida se o dano foi causado pelo próprio hóspede, ou por pessoa que o acompanhava, ou recebeu no hotel, ou se resulta da natureza das coisas ou de fôrça maior. A declaração ou prospecto pelo qual o hotELEiro se isenta da responsabilidade é sem eficácia (§ 701, alínea 38) No que concerne a dinheiro, papéis de valor e objetos preciosos, o hotELEiro não é responsável, conforme o § 701, até certa quantia, que era a de mil marcos, salvo se foi informado da qualidade de coisas de valor, ou se se recusou a tomá-latí em depósito, ou se o dano foi causado por ELE, ou gente sua. 7.TRAPICHES E ARMAZÉNS DE DEPÓSITO, ARMAZÉNS GERAIS. No Código Comercial, o art. 98 estabELEce: “Os trapicheiros e os administradores de armazéns de depósito respondem pelos furtos acontecidos dentro dos seus trapiches ou armazéns; salvo sendo cometidos por fôrça maior, a qual deverá provar-se, com citação dos interessados ou dos seus consignatários, logo depois do acontecimento”. Na Lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1908, art. 11, inciso k0, diz-se que as emprêsas de armazéns gerais “respondem pela guarda, conservação e pronta e fiel entrega das mercadorias que tiverem recebido em depósito, sob pena de serem presos os empresários, gerentes, superintendentes ou administradores, sempre que não efetuarem aquela entrega dentro de vinte e quatro horas depois que judicialmente forem requeridas”. Na alínea 2.a: “Cessa a responsabilidade nos casos de avarias ou vícios provenientes da natureza ou acondicionamento das mercadorias, e de. fôrça maior, salvo a disposição do ad. 37, parágrafo único”, que é aquela regra jurídica em que se permite que a emprêsa de armazéns gerais assuma maiores riscos. 8. TRANSPORTES. No art. 102, alíneas 1a e 2.8, d Código Comercial está escrito: “Durante o transporte, corre por conta do dono o risco que as fazendas sofrerem, proveniente de vício próprio, fôrça maior ou caso fortuito. A prova de qualquer dos referidos sinistros incumbe ao condutor ou comissário de transportes”. No art. 108 vem regra jurídica que devera estar antes: “As perdas e avarias acontecidas às fazendas durante o transporte, não provindo de alguma das causas designadas no artigo precedente, correm por conta do condutor ou comissário de transportes”. No art. 104, o Código Comercial, a respeito dos condutores de gêneros e comissários de transportes, depois de ter referido a responsabilidade dELEs pelas perdas e avarias, estatui: “Se, todavia, se provar que para a perda ou

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avaria dos gêneros interveio negligência ou culpa do condutor ou comissário de transportes, por ter deixado de empregar as precauções e diligências praticadas em circunstâncias idênticas por pessoas diligentes (art. 99), será éste obrigado à sua indenização, ainda mesmo que tenha provindo de caso fortuito ou da própria natureza da coisa carregada”. A velha técnica do edicto do Pretor ainda se encontra em leis contemporâneas. Sirva de exemplo o art. 1$, 2.8 alínea, da Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912 (responsabilidade civil das estradas de ferro) “Será sempre presumida a culpa e contra esta presunção só se admitirá alguma das seguintes provas: 1.8, caso fortuito ou fôrça maior”. Apenas, em vez da ezceptio, se preferiu a presunção de culpa. 9.VIAGENS, EQUIPAGEM E CARGA. No art. 548, alíneas 1.2 e 2.’, o Código Comercial diz: “Rompendo-se a viagem por causa de fôrça maior, a equipagem, se a embarcação se achar no pôrto do ajuste, só tem direito a exigir as soldadas vencidas. São causas de fôrça maior: lA’) declaração de guerra, ou interdito de comércio entre o pôrto da saída e o pôrto de destino da viagem; 2.0) declaração de bloqueio do pôrto, ou peste declarada nELE existente; 3.0) proibição de admissão no mesmo pôrto dos gêneros carregados na embarcação; 4.0) detenção ou embargo da embarcação (no caso de se não admitir fiança ou não ser possível dá-la), que exceda ao tempo de noventa dias; 5O) inavegabilidade da embarcação acontecida por sinistro”. No art. 549, o Código Comercial explicita: “Se o rompimento da viagem por causa de fôrça maior acontecer achando-se a embarcação em algum porto de arribada, a equipagem contratada ao mês só tem direito a ser paga pelo tempo vencido desde a saida do pôrto até o dia em que fôr despedida, e a equipagem justa por viagem não tem direito a soldada alguma se a viagem se não conclui”. 10.FRETAMENTOS. O Código Comercial, art. 609, estabELEce: “Se antes de começada a viagem ou no curso dela a saída da embarcação fôr impedida temporàriamente por embargo ou fôrça maior, subsistirá o contrato” (refere-se ao fretamento), “sem haver lugar a indenizações de perdas e danos pelo retardamento. O carregador neste caso poderá descarregar os seus efeitos durante a demora, pagando a despesa, e prestando fiança de os tornar a carregar logo que cesse o impedimento, ou de pagar o frete por inteiro e estadias e sobrestadias, não os reembarcando”. 11.COMISSÃO MERCANTIL. Lê-se no Código Comercial, art. 170: “O comissário é responsável pela boa guarda e conservação dos efeitos dos seus comitentes, quer lhe tenham sido consignados, quer os tenha ELE comprado, ou os recebesse como em depósito, ou para os remeter para outro lugar; salvo caso fortuito ou de fôrça maior, ou se a deterioração provier de vício inerente à natureza da coisa No art. 181, o Código Comercial enuncia: “O comissário é responsável pela perda ou extravio de fundos de terceiro em dinheiro, metais preciosos, ou brilhantes existentes em seu poder, ainda mesmo que o dano provenha de caso fortuito ou fôrça maior, se não provar que na sua guarda empregou a diligências que em casos semelhantes empregam os comerciantes acautelados”. 12.COMPRA-E-VENDA. Diz o art. 202 do Código Comercial: “Quando o vendedor deixar de entregar a coisa vendida no tempo aprazado, o comprador tem opção ou de rescindir o contrato” queria dizer exercer o direito de resolução “ou de demandar o cumprimento com os danos da mora; salvo os casos fortuitos e de fôrça maior”. Entenda-se: o vendedor responde pelos prejuízos que a mora causar, ou sobrevierem à mora, ainda que tenha havido caso fortuito ou fôrça maior, salvo se provar que o dano sobreviria se mora não tivesse havido (cp. Código Civil, art. 957) antes da mora, sim,a impossibilitação por fôrça maior ou caso fortuito pode pré-excluir a responsabilidade. 13.EXAME DAS ESPÉCIES PRINCIPAIS - vêzes, a regra jurídica sobre fôrça maior ou caso tributo, ao invés de a) ser de atribuição de responsabilidade.. é b) pré-elidente dessa, ou e) regra jurídica sobre prova que se pode fazer para se afastar incidência de regra jurídica sobre responsabilidade. As três espécies são inconfundíveis. Em a), alguém responde, ainda se o dano resultou de caso fortuito ou fôrça maior. Em b), por ter havido caso fortuito ou fôrça maior, alguém, que poderia ser responsável, não responde. Em e), responde pelo dano, salvo se se alega e prova que houve caso fortuito op fôrça maior. A propósito do depositário há duas regras jurídicas no Código Civil: a do art. 1.266, 1.8 parte, pela qual o depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada

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O cuidado e diligência que costuma ter com o que lhe pertence; a do art. 1.287, que se refere à restituição, quando lhe for exigida a entrega, conforme já se estabELEcera nos arts. 1.266,2.8 parte, e no art. 1.273. Donde ter-se levantado a questão: <trata-se de regra jurídica da espécie a), ou da espécie e)? Parece terem adotado a solução e) a 2.8 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 7 de maio de 1940 <Forum, 14, 7, 86), e ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA (Caso fortuito e Teoria da imprevisão, 3. ed., 174). A solução certa é oj. (a) A responsabilidade das pessoas a que se refere o art. 1.529 do Código Civil é oriunda da incidência de regra juridica que lhes atribui tal responsabilidade, em qualquer caso. Procurou-se entender a actio de dejectis et effusis como se a alegação de fôrça maior ou caso fortuito a afastasse (H.DERNBURG, Pandekten, II, 78 ed., 367) porém, quando expusermos o direito que o art. 1.529 regula, teremos ensejo de mostrar que a afirmação de H. DERNBtJRO de modo nenhum se coadunava com as fontes. No art. 1.058, in fine, o Código Civil fala da responsabilidade pelo caso fortuito ou fôrça maior se houve mora do devedor (verbis “exceto nos casos dos arts. 955, 956 e 957”). Alguns juristas não interpretaram bem o Código Civil. Por exemplo, não percebeu ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA (Caso fortuito e Teoria da imprevisão, 187) que a expressão “isenção de culpa”, no art. 957, apenas alude à não-imputabilidade a que se refere o art. 963. No tocante ao art. 1.300, § 1.0, do Código Civil, a questão assume grande interesse teórico. Diz o art. 1.800, § l.: “Se, não obstante a proibição do mandante, o mandatário se fizer substituir na execução do mandato, responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes do caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabELEcimento”. O art. 1.800, § 1.0, é de conteúdo extremamente complexo. Quem se fêz substituir na execução do mandato, havendo proibição, comete, desde logo, infração do contrato, mais grave do que seria a do mandatário que, no caso de falta de podêres, substabELEcesse. No Codigo Comercial, o art. 146 cogita da cláusula expressa pára substabELEcimento e o ad. 162 estabELEce que responde omandatário por perdas e danos que no cumprimento do mandato lhe causar. Nada se disse sobre a matéria do art. 1.300,§ 19, do Código Civil, que passou a ser regra jurídica comum. O art. 1.300, § 1.0, nada tem com as regras de outros sistemas jurídicos (e. g., Código Civil francês, art. 1.994; Código Civil alemão, § 664; austríaco, § 1.010, pois não têm tal regra jurídica). O Código Civil distingue a) outorga de poder de substabELEcimento, b) falta de outorga de poder de substabELEcimento e o) proibição de substabELEcimento. Na espécie a), rege o art. 1.300, § 2.0. Na espécie b), a responsabilidade é pela culpa in eligendo. Na espécie c),incide o art. 1.300, § 19. Criou-se responsabilidade pelo caso fortuito ou fôrça maior, mas admitiu-se que a alguns casos fortuitos ou de fôrça maior não se estenda a responsabilidade transindividual. Não há referência à culpa, nem há razão para se raciocinar com esse conceito. Lê-se no Código Civil, art. 1.253: “Se, correndo risco o objeto do comodato, juntamente com outros do comodatário, antepuser êste a salvação dos seus, abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito ou fôrça maior”. Na época clássica romana, o comodútário respondia pela custódia; na pós-clássica, pela diUgentia in custodierido, que foi a espécie posterior, já significativa da responsabilidade pela culpa. Na L. 5, § 4, D., coinnzodati vel contra, 13, 6, ULPIANO pôs a responsabilidade do comodatário como emanada de culpa, razão por que, arrebatada por ladrões a coisa, ou algo semelhante, não responde; mas sim se alguma culpa sua interveio (nisi aliqua culpa interveniat). Por exemplo (dizemos nós, em vez de “por conseguinte”, proinde), se algo ocorreu por incêndio, ou ruína, ou algum dano fatal, não fica obrigado, salvo se, podendo salvar as coisas comodadas, preferiu as suas (proinde et si incendio vel ruma aliquid contigit vel aliquid damnum fatale, non tenebitur, nisi forte, cum possit res commodatas salvas facere, suas praetulit”). Não é fácil classificar-se o que aí se diz: não se eatatui que se presume juris tantum a culpa, se o comodatário preferiu cuidar das suas coisas, pois nenhuma oportunidade se lhe dá de alegar e provar que, sem o seu ato de preferência, teriam as coisas comodadas escapado ao caso fortuito ou fôrça maior (cp. art. 1.300, § 1.0). Oad. 1.196, l. parte, do Código Civil é regra jurídica que se incluiria na dos arts. 1.058 e 957, in fine. Trata-se de mora e responsabilidade pelo caso fortuito ou fôrça maior superveniente a ela. A regra jurídica do art. 1.338, 1.8 parte, do Código Civil é diferente da regra jurídica do ad. 1.338, 2. parte. Aquela atribui responsabilidade ao gestor de negócios alheios quando faz operações “arriscadas”, ainda que o dono do negócio costumasse fazê-las; essa, quando preterir interesse do dono do negócio a favor dos seus. A

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última contém, evidentemente, limitação à responsabilidade pelo caso fortuito. A primeira também. Verifica-se se houve operação arriscada, ou se houve a preterição do interesse do dominus negoi ii. Se houve, ainda o que seria inevitável e causador de dano dá azo à responsabilidade. Não há,,pensar-se em mistura de culpa e caso fortuito ou fôrça maior. A explicação de N. CovtELLo (Dei Caso fortuito is rapporto alta estinzione deite obligazioni, 872 s.) não é de admitir-se, O caso fortuito ou a fôrça maior é o inevitável. Pelos danos que cause responde quem teve a atitude de que cogita o art. 1.838, 1. parte, ou o art. 1.838, 2a parte. Com essas duas regras jurídicas apenas se inseriu na lei limitação ao número de casos fortuitos ou de fôrça maior. Não há responsabilidade pela culpa, pois que não se pode ter culpa no caso fortuito ou fôrça maior. A culpa, se houve, foi fato que entra como um dos ELEmentos do suporte fáctico das regras jurídicas do art. 1.338, ELEmento temporalmente anterior ao caso fortuito ou fôrça maior. <b) Em geral, o devedor não responde pelo caso fortuito ou fôrça maior <Código Civil, art. 1.058). O art. 1.058 é regra jurídica da espécie b). Já tivemos ensejo de tratar da concausação do dano. A responsabilidade dos hospedeiros e estalajadeiros não ocorre se há caso fortuito ou fôrça maior (Código Civil, art. 1.285, II) e o que se prevê, a mais, no art. 1.285, 1. A regra jurídica é de pré-exclusão da responsabilidade, se houve caso fortuito ou fôrça maior. No Decreto-lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944 (acidentes do trabalho), o art. 70, b), diz que não é acidente do trabalho o que provier de fôrça maior, “salvo o caso de ação de fenômenos naturais determinados ou agravada pelas instalações do estabELEcimento ou pela natureza do serviço”. A limitação é sem importância para o que aqui nos interessa, pois o caso de ação de fatos naturais determinados pelas instalações do estabELEcimento ou pela natureza do serviço não é caso fortuito ou fôrça maior, nem no é a ação de tais fatos naturais agravada pelas instalações do estabELEcimento ou pela natureza do serviço. Em vez de “salvo”, seria de dizer-se: “não é caso fortuito ou fôrça maior... (c)Lê-se no art. 1.208 do Código Civil: “Responderá o locatário pelo incêndio do prédio, se não provar caso fortuito eu fôrça maior, vício de construção ou propagação de fogo originado em outro prédio A respeito do art. 1.208 do Código Civil, disse a 3a Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 17 de abril de 1934: “A lei exige a prova do fato preciso, que ocasionou o incêndio; o locatário não pode, conseqüentemente , contentar-se com fornecer a prova negativa, mais fácil, de que não houve culpa de sua parte. Cabe-lhe, assim, rigorosamente provar, para se isentar da responsabilidade, que o incêndio foi devido a caso fortuito ou de fôrça maior, ou a um vício de construção, ou à propagação de fogo originado em outro prédio. No processo, não foi produzida essa prova. A respeito só existem certidões das diligências policiais efetivadas a respeito das causas do incêndio. Nessas diligências, os peritos não chegaram a resultado certo”. Tal a verdadeira interpretação do art. 1.208 que é regra jurídica de presunção de culpa, limitada a prova contra a presunção (Tomo III, § 352, 1). Por isso mesmo são de repelir-se as soluções que deram a 2. Turma do Supremo Tribunal Federal, a 16 de abril de 1948 (D. da J. de 13 de janeiro de 1944), e a 4S Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 22 de julho de 1952 (D. da J. de 26 de fevereiro de 1953. Nos arts. 19, alínea 2.8, e 17, alínea 2., inciso 19, da Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, presume-se a culpa das estradas de ferro, mas permite-se que se afaste a presunção com a prova do caso fortuito ou fôrça maior. A responsabilidade pelo caso fortuito ou fôrça maior oriunda de negócio jurídico ou cláusula negocial é à parte das espécies a que nos referimos. A prova do caso fortuito, se quem o alega quer que não seja condenado a indenizar, incumbe a esse interessado. Trata-se de objeção. Não há, aqui, margem para se invocar o art. 209, § 2.0, do Código de Processo Civil, porque o demandado não reconhece o fato constitutivo e alega a sua extinção ou a sua ineficácia: exatamente o que ELE faz é negar a composição do suporte fáctico de que resultaria a incidência da regra jurídica sobre responsabilidade (sem qualquer razão, pela confusão entre inexistência, extinção e ineficácia, ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, Caso fortuito e Teoria da imprevisão, 192). Quem alega fato que limita a sua responsabilidade, que não vai, portanto, ao caso fortuito ou fôrça maior tem de prová-lo. Todavia, quem alega que se deu o ELEmento que abre portas à responsabilidade de outrem pelo caso fortuito ou fôrça maior é que tem o ônus da prova. As duas espécies estão caracterizadas nos arts. 1.058, pr., 1.275 e 1.285, 1 e II, do Código Civil, e nos arts. 955-957 (art. 1.058, in fine), 1.196, 1.8 parte. 1.253 e 1.300, § 19 (“proibição do mandante”), respectiva-mente. O credor tem de provar a mora e o dano. O devedor afirma que rio houve mora (= nega que lhe seja imputável o inadimplemento, arte. 963 e 957, in une) ou afirma que o dano sobre-viria ainda que a obrigação tivesse sido cumprida tempestiva-mente. Quanto a essas afirmações, o Ônus da prova cabe ao devedor.

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O devedor a que se atribui culpa (Código Civil, art. 1.058, pr.) tem de provar que não foi culpado, mas o ônus da prova do dano toca ao credor. O devedor prova que houve caso fortuito ou fôrça maior, ou culpa do credor. O depositante alega e prova o dano à coisa depositada. O depositário alega e prova que foi causado por caso fortuito ou fôrça maior (art. 1.277, verbis “terá de prová-los”). Os hospedeiros e estalajadeiros têm o ônus da prova do que alegam com base no art. 1.285, 1 e II. O comodante é que tem de provar ter o comodatário preferido tentar salvar os seus bens a salvar os do comodante (ad. 1.258). O locador tem de alegar que houve a notificação do locatário, que, a despeito de ter sido feita, o locatário não restituiu o bem tocado, e que houve dano (Código Civil, ad. 1.196). Tem o ônus de provar a notificação e o dano. Ao locatário restaria a objeção de não ter havido dano, ou de ter restituido antes da notificação ou imediatamente ou no tempo próprio (cf. arte. 1.209 e 1.197, parágrafo único). Ao mandante, na espécie do ad. 1800, § 1.0, cabe alegar e provar que houve proibição de substabELEcimento do mandato, ou que o caso teria sobrevindo ainda que não tivesse havido substabELEcimento. CAPITULO V IMPOSSIBILIDADE DO ADIMPLEMENTO § 2.795. Impossibilitação e deterioração 1. CONCEITOS. Antes de cogitarmos dos conceitos de impossibilitação objetiva, total e parcial, e de deterioração, convém lembrarmos o que já se expôs a propósito de objeto impossível (Tomo IV, §§ 397 e 398). A impossibilidade é a necessidade negativa (G. HARTMANN,Die Obligation, 173). A insolvência e a inaptidão subjetiva a pagar não no são (MATHIES, Unvernúigen zur ErfiZllung, 7). Se a prestação é de fazer e o devedor somente pode fazer parte, por impossibilidade quanto ao resto, há pagamento parcial, que o credor pode admitir, ou não (Código Civil, art. 889). Enquanto não se conclui o negócio jurídico, a impossibilidade é inicial e invalida-o. Se o negócio jurídico é condicional-mente suspensivo e antes do implemento da condição ocorre a impossibilidade, entendia F. SCHOLLMEYER <Recht der Sehzddverhdltnisse, 98; cp. H. REHBEIN, Das Ruirgerliche Gesetzbueh, II, 109) que é inicial, mas, desde FR. MOMMSEN (Beitrdge zum Obligationenrechi, 1, 1), afirma-se que é superveniente (W.RísCE, fie Wirkungen der naehtríiglich eintretereden CnmdgUohkeit der Erfiillung, 27 5.; li. A. Físcnn, Em Reitrag zur Unmôglichkeitslehre, 42), ainda que de comêço se duvide da possibilidade (cf. H. A. FISCEER, 43; E. PAKUSCHER, Pie allgemeinen Grundsiitze des RGR. liber die anfdngliche [fizmõgtichkeit der Leistung, 28). O que é preciso é que a impossibilidade não existisse ao tempo da perfeição do contrato, ou do negócio jurídico unilateral. Passa-se o mesmo a propósito das relações jurídicas com térmo suspensivo (cf. H. TInE, Die UnmàgUchkeit der Leistung, 54; cp. W. KISCH, Resprechung, Kritische Viert eijahrsschrift, 44, 516). A insolvência e, mais restritamente, a inaptidão a fazer a prestação de que se trata não é impossibilidade, por mais que se haja querido incluir no conceito de impossibilidade o de inaptidão a prestar (Unvermágen). Quem prometeu vender o prédio a, que pertence a B, não prometeu prestação impossível; apenas o promitente não está na situação de poder executar jiz natura. A manifestação de vontade vale, porque não se dá o que se prevê no art. 145, 2Y parte, do Código Civil <impossibilidade originária. Se o promitente não adquire o prédio a a tempo de se fazer a transferência no registro de imóveis, tem de prestar perdas e danos. Quando se diz que a impossibilidade da prestação sempre e só depende do mundo fáctico desatende-se a que a impossibilidade pode ser jurídica e ter de ser considerada acontecimento do mundo fáctico. Por outro lado, deve-se evitar atribuir tôda impossibilidade a casus, ao caso fortuito, porque há impossibilidades que de modo nenhum derivam de caso fortuito ou fôrça maior, ainda quando se mencionam, como (O. HARTMANN, Juristischer Casus und seine Prãstation, Jahrbitcher fir die Dogmatik, 22, 418 s.) o casus natural e o jurídico. A impossibilidade superveniente pode estar ligada a restrição, no tempo, do direito do credor, como se o locatário que subloca não pode entregar o bem porque a lei prorrogou a sublocação (cp. W. Kxscn, Die Wirkungen der nachtrdglieh eintretenden Unmôglichkeit der Erfúllung, 33).

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A impossibilidade da prestação pode ser objetiva ou subjetiva. A impossibilidade objetiva e a impossibilidade subjetiva <impossibilidade subjetiva do devedor) são inconfundíveis: aquela é a impossibilidade por falta do objeto, inclusive a impossibilidade do fazer ou do não fazer; essa é a inaptidão do devedor para prestar, impossibilidade que só diz respeito ao sujeito passivo. Já vimos que o negócio jurídico pelo qual se promete prestação impossíi’el é nulo (Código Civil, art. 145, II, 2.a parte). E a deficiência oriunda de se concluir negócio jurídico bilateral, ou se prometer unilateralmente, ou se legar, sem que possa ser objeto de prestação ou de legado aquilo que se prometeu ou legou. Tal impossibilidade se chama origimiria. A impossibilidade subjetiva é difficultas; mais do que impossibilidade. Frisou-o a L. 137, §§ 4 e 5, D., de verborum obligationibus, 45, 1. No tocante a algumas prestações, elas coincidem. Por exemplo, se a prestação só pessoalmente pode ser prestada (cp. Código Civil, art. 2Y parte), inaptidão do devedor impossibilidade objetiva também é. A impossibilidade que aqui nos interessa é somente a impossibilidade objetiva (total ou parcial). A impossibilidade não se há de confundir com a di/ficultas, ou seja a impossibilidade subjetiva, ou seja a existência de obstáculo,s a que se preste. A coisa que caiu no abismo ou no mal e só mediante despesas desproporcionadas poderia ser apanhada é, para o dono, coisa derrelicta e a prestação, que a tivesse por objeto, estaria impossibilitada. Impossibilidade objetiva superveniente é impossibilidade de prestar. Não se há de exigir que seja absoluta, impossível também é o que somente com despesas desproporcionadas e extraordinários esforços poderia ser adimplido. O transportador prometeu levar à montanha o material de construção; a ponte sobre o rio caiu; para levá-lo até o lugar que se designou seria preciso dar a volta à montanha e entraV por outro caminho, o que custaria muitíssimo mais do que o preço dos transportes. O devedor somente é obrigado a prestar se, jiz concreto, há possibilidade, segundo a concepção do tráfico (II. DERNBURG, Das Búrgerliche Recht, II, 1, 151; B. MATTHIASS, Lehrbuch, 6a7a ed., 310; H. TITZE, fie Unmãglichkeit der Leistung, 9; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtfltnisse, 98; sem razão: O. HARTMANN, fie Obligation, 172; F. ENDEMANN, Lehrbuch, , 8Y-9 ed., 698; PAUL RRtYCKMANN, Unmõglichkeit und Unmõglichkeitsprozess, Archiv flir die civilistische Prazis, 101, 1; O. WENDT, Tjnterlassung und Versãumnisse im btlrgerlichen Recht, Archiv flir die civilistische Praxis, 92, 58; E. RLEINEIDAM, UttmôglichkL?it und linvermôgen, 14; W. BIERMANN, Zur Lehre von der Unmóglichkeit der Leistung, Archiv [Ur die civilistische Praxis, 91, 76). A dificuldade pode ser, nos nossos dias, insuperável e impossibilidade objetiva é; a dificuldade pode ser suscetível de ser vencida se sacrificados interesses desproporcionadamente maiores do que aquELEs que estão em causa. Se A promete construir a casa no terreno de B, mas, ao começar as obras, descobre que a fonte que se conhecia na parte inferior do terreno passa por baixo do lugar em que teria de construir, exigindo pilastras ou estacas alicerciais de dez metros ou mais, a impossibilidade está caracterizada, porque essa não era a prestação em que A e B acordaram ao concluir o contrato de empreitada. O que é preciso é que a desproporcionalidade dos gastos seja, na concepção do tráfico, impossibilidade objetiva; porque essa concepção do tráfico está no conteúdo do negócio jurídico. Não basta, como extraordinário custo para se afastar a dificuldade da prestação, o encarecimento dos ELEmentos do objeto prestando, ou do próprio objeto, ainda que devido a guerra ou revolução (KOnKA, Zur Frage, ob die durch den Krieg verursachte Preissteigerung den Verkãufer von der Lieferungspflícht befreit, Deutsche Juristen-Zeitung, 23, 22; sem razão, P. KROCKMANN, Unmbglichkeit der Leistung infolge des Krieges, Leipziger Zeitsehrift, 18, 961). Se a obrigação é de gênero restrito, como o automóvel nôvo da fábrica F, marca M, que se deixou de fabricar há muito tempo e não há no mercado, libera-se o devedor. Se o devedor cria ser dono da coisa certa, ou da quantidade de mercadoria, ou produto, que prometera, ou se assumiu a obrigação antes de a adquirir, o negócio jurídico vale e apenas pode dar-se que não o possa prestar o promitente. Não há nulidade em se prometer a coisa alheia. O inadimplemento dá ensejo à indenização. Também a perda da propriedade do bem, ou a reivindicação após a promessa, não libera o devedor. Nenhuma impossibilidade objetiva ocorre.

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2.GUERRA E REVOLUÇÃO. A guerra e a revolução podem determinar a impossibilidade objetiva da prestação. Pode desaparecer do mercado, por longo tempo, em virtude da guerra, o produto. Às vêzes o Estado requisita ou desapropria a produção ou a empresa (Constituição de 1946, arte. 141, § 16, 2Y parte, 146-148). A simples ELEvação de preços não é in-.possibilidade, desde que ainda esteja no mercado o gênero de mercadoria. A impossibilidade de importação, in concreto, mais a falta de mercadorias em depósito no pais determinam a impossibilidade objetiva. Idem, quanto à exportação. Se há cláusula cif, a vedação de descarga no pôrto ou no lugar de adimplemento é impossibilidade objetiva. A proibição de relações comerciais com o inimigo também o é. Se a impossibilidade é parcial, regem os princípios adiante expostos. Atender-se ao que teriam acordado os figurantes quanto à. divisão da prestação em caso de impossibilidade e a que há partes da prestação de sua natureza essenciais, pode levar .a chicanas (cf. A. REINKE, Die allgemeincn Grundsãtze iibe die anfángliche Unmtiglichkeit der Leistung, 17). Não há, porém, outro caminho, nem outro se apontou, de jure condendo. 3. OBRIGAÇÕES DE FAZER. Se a prestação se torna objetivamente impossível, antes da data do adimplemento sem culpa do devedor, ou ELE comunica, antes daquela data, ao credor, o que se passou, ou nada lhe comunica. Sendo verdadeira a alegação de ter ocorrido, sem culpa sua, impossibilidade objetiva, dá-se a resolução do negócio jurídico. Mora não pode sobrevir. Sendo falsa a alegação, há a responsabilidade segundo o art. 879, 2a parte, do Código Civil, mais a mora. A culpa só se apura para se saber qual das duas regras jurídicas do art. 879 se tem de invocar: a do art. 879, alínea l.¶ onde se diz que se resolve onegócio jurídico se a impossibilidade objetiva, superveniente à conclusão do negócio jurídico e anterior à data do inadimplemento, foi sem culpa do devedor; ou o art. 879, alínea 2,a, onde se estatui que há de indenizar perdas e danos o devedor culpado na impossibilitação ocorrida após a conclusão do negócio jurídico e antes da mora. Se ainda acontece a mora, o art. 957 incide. 4.OBRIGAÇÕES DE DAR. Se a obrigação é de dar coisa certa e a impossibilidade objetiva ocorre após a conclusão do negócio jurídico e antes d data do adimplemento, o devedor culpado responde segundo o art. 865, alínea 2,a, do Código Civil. Tem de prestar perdas e danos. Se comunicou o fato ao credor, somente não incorre em mora se já prestou a indenização e a dívida se extinguiu. Se não o comunicou, nem prestou a indenização, ou comunicou e não prestou a indenização, incorre em mora, de modo que responde pela impossibilitação e pela mora (= acarreta com as consequências da mora). Se entende que não houve culpa sua e o comunica ao credor, ou o que disse foi verdadeiro ou foi falso. Se foi verdadeiro, o art. 865, alínea La, incide, e a dívida extingue-se. Se foi falso, responde o devedor pelo ocorrido antes da mora e pelas conseqüencias da mora. 5. OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER. A impossibilitação objetiva da prestação de non facere, sem culpa do devedor, extingue a dívida <Código Civil, art. 882). Se houve culpa do devedor na impossibilitação da prestação negativa, responde ELE pelas perdas e danos. Aqui, as consequências da impossibilitação e as da mora são as mesmas. Tanto importa violar a obrigação de não fazer, por ato positivo direto, quanto tornar impossível, culposamente, o não fazer (art. 888). Se a violação não compromete o adimplemento da dívida, a impossibilitação foi parcial e ao credor cabe optar entre a resolução do contrato e a indenização pêlo dano sofrido, com persistência da pretensão ao non facere. Não há regra jurídica escrita no Código Civil, nem no Código Comercial; mas é de revelar-se a que corresponde, nas obrigações de fazer, à do art. 867, aliás imperfeita, porque só se referiu a impossibilitação parcial por deterioração. 6.PRAZO DO INTERESSE NA PRESTAÇÃO. A impossibilidade superveniente da prestação destrói a base mesma da relação jurídica, como a impossibilidade anterior a impediria. Para que a prestação se torne impossível é de mister que, segundo a concepção do tráfico, não mais possa ser realizada. Há um “não pode mais prestar”. Se o pintor começou o quadro, ou ainda não o começou, mas já se obrigara a pintá-lo, e fica cego, a impossibilidade ressalta. Idem, se vendeu o cavalo C e esse morreu. Ou se vendeu o prédio P e lei posterior, de proteção a monumentos históricos ou artísticos, vedou a alienação. O obstáculo transitório à execução da obrigação não é impossibilidade. Todavia, há temporariedade que, na espécie ou in casu, se tem por impossibilidade; e. g., o fornecimento de certo material até o dia x, sem interesse no adimplemento posterior, se até essa época ou pouco mais foi proibida alienação. De ordinário, a. proibição

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temporária, ou a impossibilitação passageira, não atinge a base da relação jurídica. Se o devedor havia de prestar entre 1 e 30 e a superveniência de greve tornou impossível o fornecimento, o devedor tem de prestar quando cesse o óbice, pois não cessou o interesse do credor em receber o que lhe fôra prometido. O escritor, que adoeceu, pode escrever após a doença o que havia de escrever até certa data; mas, em se tratando, por exemplo, de comemoração da fundação da cidade, o escrito que só serviria para se publicar no dia do aniversário ou centenário perdeu o interesse que estava à base da encomenda. Sempre que o interesse do credor continua, o devedor está obrigado a prestar, salvo se foi estabELEcido, explícita ou implicitamente, que o devedor não poderia prestar depois de cessar o obstáculo (e. g., o escritor havia prometido escrever o livro a A até dezembro e outro, a B, de janeiro em diante). Não é de afastar-se poder o escritor ser obrigado a escrever o livro que A lhe encomendara depois de cumprir o que prometera a B. Todavia, para que o contrato com A dê ensejo a considerar-se tomado por E o tempo para o trabalho, é preciso que se tenha levado em conta, para o contrato entre o escritor e A, o tempo de trabalho para E, o que nem sempre ocorre e quase sempre não ocorre. Os negócios jurídicos fixos têm a particularidade do lhes bastar a impossibilidade temporária, desde que atinja o dia em que teria de ser feita a prestação, ou até quando poderia ser feita. Quem promete tocar no quarteto, no dia 5, no Teatro Municipal, e o tráfego parou entre o lugar da sua residência e o lugar da execução musical, não pode querer que o contrato e cumpra no dia 9. O negócio jurídico pode ser com prazo ou dia para a prestação sem que, não feita, desapareça o interesse no adimplemento. O credor, que tem de contraprestar, exige a prestação, mas, ao dizer-se pronto a contraprestar, alega a exceção de não-adimplemento <non adimpleti contractus), e não o direito de retenção, êrro em que incorrem muitos juristas, inclusive alemães. Ainda assim, o interesse pode subsistir, porém não ilimitadamente no tempo. O consêrto do automóvel pode ser feito dias após aquELE em que se espetava, talvez, até, mês ou meses após, mas o credor é que conhece a necessidade de ter o carro em funcionamento desde logo. Trata-se de lapso temporal de adimplemento iflil, ou prazo do interésse na prestação, que se não confunde com o prazo do negócio jurídico <e. g., “até o dia 7”, “até o Natal”). Se a impossibilidade apanha o dia em que se havia de prestar, ou até quando se havia de prestar, mais o prazo do interesse na prestação, tem-se por definitiva a impossibilidade. Só se pode conhecer o prazo para adimplemento iflil, o prazo do interesse na prestação, conhecendo-se a natureza do negócio jurídico, o seu conteúdo e a sua finalidade. A impossibilidade temporária faz-se definitiva se esgota o prazo do interesse na prestação. Se, passado algum tempo, a mesma prestação não teria interêsse, é de impossibilidade definitiva que se há de falar. Quem recebe três mil litros de leite por dia pode não ter qualquer interesse em que se preste no dia seguinte àquELE em que teria le receber e não recebeu outro tanto. Temos de referir o caso da previsão da impossibilitação próxima. Sabe-se que o trem vai parar no dia 9 porque a estrada de ferro tem dA ser substituida pela estrada de rodagem e se há de cortar o eito da estrada de ferro. Sabe-se que a mercadoria prometida para 20 do mês não poderia ter transporte até quatro meses depois. Se o interesse do credor e do devedor não cessa até se inaugurar a estrada de rodagem, nenhuma questão surge. Se cessa, pode o devedor, se o credor não sofre dano com isso que supera o seu interesse na prestação, prestar antes do dia 9. O devedor põe o credor em dilema: ou presta desde logo, ou se exime da obrigação por ser evidente a impossibilitação. O credor somente pode pedir a prestação antecipada se é de interpretar-se que a determinação da data não pré-excluiu qualquer interésse do devedor em prestar antes. Pode dar-se que impossibilidade tida por definitiva venha a desaparecer. Definitiva, em verdade, não era. Se os figurantes da relação jurídica já deram por extinta a obrigação, fazê-lo exsurgir é volver a passado , que foi acordemente pôsto de lado. A atitude de qualquer dELEs em desacordo, enquanto persiste o prazo do interésse da prestação, impede que se dê por finda a relação jurídica. Tal atitude é a que se entende ser a de qualquer beneficiado de negócio jurídico unilateral (legatário, premiado em concurso, recompensado em promessa ao público) e, ainda, de qualquer contrato unilateral. Nos contratos bilaterais, qualquer entendimento posterior, dentro do prazo do interesse na prestação, se tem por declarativa da extinção da obrigação, se os seus termos e as circunstâncias não se opõem a essa inteligência do que se passou. Se a prestação não pode ser cumprida, como se pereceu o bem que se teria de dar, ou ficou cego o pintor, ou está com o braço doente o pianista, ou a única estrada em que poderia ser transportada a mercadoria está obstruída ou interditada, o devedor deixa de dever. Nem o credor pode exigir a prestação, nem, sequer, continua titular do crédito. O risco é, ai, da prestação, e aO credor cabe suportá-lo. Ao devedor não é imputável responsabilidade. Todavia, se o devedor, em virtude da impossibilitação, adquire pretensão à indenização, ou recebe indenização pelo dano sofrido (sub-rogado do cômodo), pode o credor exercer a pretensão à cessão da pretensão ou exigir a

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indenização. Se o contrato é bilateral, o figurante que se libera do dever de prestar perde o direito à contraprestação, salvo se pela impossibilitação responde o que teria de contraprestar. O devedor suporta o risco do preço: perde a pretensão à contraprestação porque deixou de ser devedor da prestação. Se o credor se faz titular da pretensão à cessão da pretensão à indenizou da pretensão à indenização, continua devedor da contraprestação. Cabe-lhe escolher entre exigir a cessão da pretensão à indenização, ou a indenização, mais o que se diminuiu ao valor da prestação, e comprestar por inteiro, ou se é possível só contraprestação até o que equivale ao que recebe, ou nada exigir nem contraprestar. Se o credor já havia prestado, tem, com o fato da impossibilitação sem ressarcimento, a ação de enriquecimento injustificado. A restituição ou indenização, por parte do devedor liberado, tem de ser segundo os precisos princípios do enriquecimento injustificado. 7.SUPORTABILIDADE E LIMITES DE SACRIFÍCIO . O devedor, nas obrigações genéricas, não se libera da prestação pelo fato de haver perecido, ou deteriorado, ainda se por fôrça maior ou caso fortuito, antes da concretização. O devedor suporta, até que se dê a concretização, o risco da prestação. Após concretizar-se a prestação, passa ao credor o risco da prestação. Assim, enquanto o gênero não se esgota (= enquanto em geral e objetivamente é possível obter a prestação), está obrigado o devedor. Se tinha ou adquiriu os bens que teria de prestar e, por fôrça maior ou caso fortuito, desapareceram, ou se deterioram, e lhe faltam meios para adquirir outros, tem de prestar o que prometeu. Mas o gênero mesmo pode esgotar-se. Aqui, convém que algo se diga sobre a teoria da impossibilidade económica ou principio da limitação do sacrif trio. Se a dificuldade de adimplir é acima de tôda justificação, em relação ao que se prometeu, como se o devedor comprou a A a safra e teria de pagar dez por cento do apurável (x), mas o apurado, honestamente, foi somente uma vigésima parte de x, pelo encarecimento do trabalho humano, a teoria da impossibilidade econômica permite ao devedor prestar o que apurou, e não o apurável. Há os que não vêem qualquer limite ao sacrifício: quem deve tem de pagar, e dificuldade não é impossibilitação (FR. LEONHARD, Aligemeines Schuldrechts, 44 e 296; H. SIBER, em G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 4& ed., 180; II. TITZE, fie Unmõglichkeit der Leistung, 107; H. KRESs, Lehrbuch des Allgemeinen Sohs4drechts, 180; A. NIXISCH, Elirgerliches Recite, Das Recht der Schuldverhdltnisse, 91. A teoria do limite do sacrifício entende’ que o devedor não deve ser obrigado simplesmente à satisfação do credor. Não há de ser obrigado além do que é razoável, em matéria de sacrifício (ArtN. BRECHT, System der Vertragshaftung, ,Therings Jahrbiicher, 53, 213 5.; H. STOLL, fie tehre von den Leistungsstàrungen, 1 s.; PE. HECK, Grundriss des .Schuldrechts, 85 s.; WERNER, J. v. Staudingers Kommentar, II, 1, 250; PALANDT, BiirgerUches Gesetzbuch, 266). A teoria é perigosa, por falta de critério seguro de limitação. Mas há casos em que outra solução seria impraticável. Por exemplo: comprou A a B, por x, o prédio e convencionou-se que o pagamento seria em dólares, por ser B domiciliado nos Estados Unidos da América, e com o câmbio entre a data da conclusão do contrato e a do recebimento do prédio e do pagamento ELEvou-se o preço para o triplo. A não tem com que pagar. Se recebeu o prédio, pode propor devolvê-lo. Se o não recebeu, pode alegar que não está insolvente, ou que teria de vender a única indústria de que vive. § 2.796. Impossibilitação parcial 1.LIBERAÇÃO PARCIAL. Se a prestação só se fêz impossivel em parte, o devedor libera-se em parte. Porque, então, há possibilidade de se prestar o restante, o que é pressuposto necessário para que se pense em prestabilidade da parte ou das partes não atingidas. Quando se diz “só se fêz impossível em parte” lôgicamente se supôs que a vontade do credor fôra no sentido de ser de admitir-se, aí, o adimplemento parcial. A doutrina não poderia seguir outro caminho que a) o de ter como perda total qualquer perda parcial e pois só adimplível a prestação tôda (solução do tudo ou nada) ou b) o de indagar se a prestação diminuida interessa, segundo o negócio jurídico, ao credor. Atenda-se a que a diminu!ção pode ter sido em virtude de lei (e. g., proibição de fornecer mais de x, em cada safra, ao mesmo cliente). A contraprestação tem de ser reduzida proporcionalmente à diminuição da prestação, inclusive a repetição do que foi recebido adiantadamente.

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2.CONTRAPRESTAÇÃO NÃO-FUNGÍVEL. Se a contraprestação não é fungivel, procede-se à sua avaliação, se não lhe foi fixado, negocialmente, o valor, para que se opere a diminuXção. Todavia, pode o devedor oferecer em dinheiró a importância do que excederia. O prédio vale dez milhões de cruzeiros e foi trocado por um carregamento de café de que se perdeu um têrço, sem culpa do devedor: ou o credor aceita o resto, abatido no preço o valor que se perdeu, ou se resolve a obrigação (Código Civil, art. 866). Se houve culpa do devedor, incide o art. 867. Mas esses arta. 866 e 867 são jus dispositivum. Não se pode deixar de atender à cláusula explícita ou implícita que fixe a solução da diminuição da contraprestação, se houve perda parcial, e não propriamente deterioração. A solução acima também se dá aos casos em que a contra-prestação é em parte em dinheiro e em parte em coisas não -fungiveis, só se diminuindo a parte da contraprestação em dinheiro se ela basta ao abatimento. No abatimento não se veja indenização, conceito de que lançou mão F. REGELSEERGER (Zur Lehre von der Einrede des nicht erftillten Vertrags, Jherings Jahrbiicher, 40, 274, para o direito comum) : o que há é restituição, por enriquecimento injustificado, do que foi pago a mais, ou diminuição do que se tem de pagar. O que acima se disse também pode ser invocado a respeito de perda parcial de coisa incerta, de genus, se houve restrição tal que não se possa pensar em aquisição que supra a falta (art. 876). Se a j,restação foi parcialmente perdida ou impossibilitada (impossibilidade parcial), mas ainda é admissível, segundo o negócio jurídico, o adimplemento em qualidade inferior, o direito brasileiro dá ao credor a alternativa do art. 866 (ou art. 876) do Código Civil, ou do art. 867 (ou art. 876). Em todo caso, advirta-se em que podem ser invocados, conforme as circunstâncias, os arts. 1.101-1.106. 3.ONUS DE ALEGAR E PROVAR. O devedor tem o ônus de alegar e provar a extinção parcial e conter o negócio jurídico a cláusula expressa ou tácita da prestabilidade, salvo se não se trata de impossibilidade parcial mas de deterioração própria-mente dita, espécie em que incide o art. 866 ou o art. 867. § %797. Obrigações alternativas 1.CULPA DO DEVEDOR. Se o devedor é responsável pela impossibilidade da prestação, o credor tem direito de exigir o que subsista da outra prestação ou o valor da prestação tornada impossível. É o que diz o art. 887 do Código Civil e a regra jurídica continua de incidir ainda que, sem culpa do devedor, a outra prestação venha a tornar-se impossível, porque a obrigação de prestar o valor já decorrera da impossibilidade da primeira (F. KLEINEIDAM, Unmiiglichkeit nnd Un.vermàgen, 103). 2.CULPA DO CREDOR NA IMPOSSIBILIDADE. O Código Civil não previu a espécie em que a prestação impossível seja devida ao credor e a escolha caiba ao devedor. Só se cogitou de haver culpa, ou de não haver culpa do devedor. a)Se, com a culpa do credor, se tornou impossível, totalmente, uma das prestações, o devedor, que poderia escolher essa, continua com o direito de escolher e, pois, achar que se extinguiu a obrigação (= escolheu a que se fêz impossível) ou entregar a outra prestação e exigir ao credor a indenização do dano que sofreu. b)Se é o próprio credor quem tem o direito de escolher, com a impossibilitação da prestação por sua culpa continua de haver a pretensão à prestação ainda possível, embora responsável pelo dano causado à outra prestação, mas pode escolher o valor da que por sua culpa se impossibilitou, com o que se libera da obrigação de indenizar. O problema somente se faz delicado quando, pela interpretação do negócio jurídico, é de entender-se que o devedor de modo nenhum teria admitido que ficasse sem qualquer das duas prestações. Por exemplo, vendeu um dos dois cavalos que tiveram o primeiro e o segundo lugar na mais importante corrida anual, ou só prometeu um dos quadros do pintor por só precisar de um no lugar em que está no salão. Aí, a impossibilitação de uma das prestações, por culpa do credor, que tem direito de escolha, extingue a obrigação. Pensou G. PESCATORE (fie Wahlschuldverhtiltnisse, 253 s.) em ineficácia do negócio jurídico; L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 75 s., notas 1 e 7) em nulidade, o que foi êrro lamentável de terminologia. Apenas se está a tratar a sorte do negócio jurídico como os figurantes conceberam a alternatividade: a escolha toca ao credor, mas extingue-se se acordaram em que o devedor teria de ficar com uma das prestações. Se, em vez de ter a escolha o credor, a tivesse o devedor e a impossibilidade ocorresse sem sua culpa, a interpretação do negócio jurídico também afastaria, aí, a incidência do art. 885 do Código Civil, que diz subsistir a obrigação quanto à outra prestação. A regra jurídica do art. 885 é ius dispositivum e, ex hpothesi, foi-lhe pré-excluída a incidência. 3.IMPOSSIBILIDADE SEM CULPA DO DEVEDOR E DO CREDOR. Aqui, o art. 885 dn Código Civil incide, plenamente, salvo o que dissemos, acima, sobre a alternativa

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condicional a ficar o devedor com uma das prestações. 4.IMPOSSIBILITAÇÃO EM PARTE. Se a impossibilidade foi, sem culpa do devedor, só em parte da prestação, o credor, com direito de escolha, pode ELEger a prestação diminuída ou a outra. Se houve culpa do devedor, pode o credor escolher a prestação diminuída mais perdas e danos ou a outra prestação. Se a impossibilidade parcial foi por culpa do devedor e a escolha lhe cabe, não pode ELE escolher a prestação diminuída. Se sem sua culpa, pode escolher qualquer das duas. Se a culpa foi do credor, com direito de escolha, há de tratar-se a espécie como se a impossibilidade fôsse total: ou escolhe a prestação diminuída, e libera-se da obrigação de indenizar; ou escolhe a outra prestação, e indeniza. Também aqui pode ocorrer o que expusemos no n. 2, in une. CAPITULO Vi MORA § 2.798. Conceito de mora 1.MORA E MEMÓRIA. Mora vem de memor, lembrar, recordar, tal como “memória. Originâriamente, assistir pensando. Se o que devia não adimpliu, de modo que o que tinha direito não recebeu, e esse exigiu e não se lhe prestou, ou e aquELE foi adimplir e viu recusada a prestação, ficam a meditar, a recordar, pelo tempo fora. O que não adimpliu ou o que recusou se põe em retardo, se atrasa, e esse escorrer de tempo, essa demora, em que se pode prestar e não se presta, ou em se poder receber e não se recebe, é o tempo da mora; por abreviação, a mora. Mora do devedor (mora debitoris) é o retardo, a demora, contrária a direito, da prestação, por alguma causa imputável a ELE. Mora do credor (mora creditoris, mora, accipiendi) é o retardo no adimplemento pelo credor, porque o credor omite a cooperação indispensável. Não há mora sem demora; por isso mesmo, se a prestação não mais pode ser feita, não há mora: há impossibilitação da prestação. Já os juristas dos séculos XVI a XVIII ou achavam difícil (AEMYLIUS FERRETUS, Libelius de Mora et Interesse, n. 10; cf. Huco DONELO, Opera omnia, 10, 110 s.) a definição de mora (tanto mais quanto já o teria dito POMPÚNIO, segundo MARCIANO, na L. 32, pr., D., de usuris et fructibus et causis et omnibus accessãonibus et mora, 22, 1: “difficilis est huius rei definitio”), ou impossível (ARUMAEUS, Cornmentarius methodicus de Mora, 2). Mas o texto de POMPÔNIO é referente à definição da eficácia, e não da mora em si mesma (huíus rei definitio). Tôdas essas vacilações não provinham de pesquisa, e o esfôrço por definir mora acentuou-se até nossos dias. A executabilidade pode ser tal que, não executada a prestação, no dia, a mora do devedor se estabELEça, e, recusada, fique em mora o credor. Se, porém, a prestação não admite demora (só há mora se a prestação admite demora), dá-se impossibilidade da prestação: o devedor não mais pode oferecer; nem o credor reclamar a prestação. Somente há, aí, indenização pela não-execução, segundo os princípios. Diz o art. 961: “Nas obrigações negativas, o devedor fica constituído em mora, desde o dia em que executar o ato de que se devia abster”. No Código Civil francês, art. 1.145, estatuiu-se: “Si l’obligation est de ne pas faire, celui que y contrevient doit les dommages et intérêts par le seul fait de la contravention”. No Código Civil português, art. 713, também: “O que se houver obrigado a não praticar algum fato incorre na responsabilidade de perdas e danos, desde o momento da contravenção, e pode o credor exigir que a obra feita, se obra feita houver, seja demolida á custa do que se obrigou a não a fazer”. O art. 931 veio de TEIXEIRA DE FREITAS (L’sbóço, art. 1.072), que juntou inexecução e um dos seus efeitos, a mora. Daí passou ao Projeto primitivo. art. 1.102 (certo, o de COELHO RODRICUES, art. 1.218). Ora, se a obrigação negativa é tal que, praticado o ato, não mais se pode suspender, o ilicito relativo produziu-se de um jacto, e há impossibilidade. Se, porém, se trata de ato continuativo, que pode cessar, é de admitir-se a mora do infrator. Somente em tal espécie seria acertada a regra jurídica sugerida por TEIXEIRA DE FREITÂS; no mais, ela trouxe ao direito dos negócios jurídicos (ao ilícito relativo) o que era especial ao direito dos atos ilícitos stricto sensi (ao ilícito absoluto) : o ‘semper enim moram fur facere videtur” (L. 8, § 1, D., de condietione furtivo, 13, 1). Se o ato é desfazivel, seja da espécie do art. 961 seja da espécie dc art. 962, cabe a ação do art. 883. Alguns conceitos exigem precisões. No latim, o acciniens era quem recebia (de accipere, como receber fle rceipÚtú). Accípere rem traditam”, “accipere munus”, ‘accipere legatum” ou accipere outro objeto de

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manifestação unilateral de XGnLade. Havia o verbo acceptare, do mesmo étimo, que se foi diferenciando no significado. Na L. 9, § 1, D., de alinicutis rei cibarjis legatis, 34, 1, já se diz “acceptare” vinte áureos anuais e quantidade mensal de trigo e de vinho. Na L. 10, § 3, D., de annuis legatis et Iideicommi,ssi.s, 33, 1, “acceptare” está em lugar de ter aceito o negócio jurídico bilateral, aliás o objeto dELE. Na L. 40, § 2, D., de pactis, 2, 14, está o acceptare como aceitar a prestação de interesses, após divisão de bens e dividas. O que importa é que se não empregue, na linguagem técnica do direito, o mesmo verbo com dois significados diferentes: receber e aceitar. Quem sucede na posse recebe; não aceita. É accipiens, não aceitante. Quem acorda com a oferta de negócio jurídico bilateral aceita, não recebe. Receberá, depois, se houver solução, a prestação. Quem é figurante no acordo de transmissão da posse aceita a manifestação de vontade do outro figurante, mas na transmissão da posse não se aceita: recebe-se a posse. Não se aceita pagamento, recebe-se. Ou se recebe ou não se recebe, porque pagamento é ato-fato jurídico. Por isso, o absolutamente incapaz pode receber pagamento, e não pode aceitar dação em soluto. Outro termo que há de ser empregado em sentido próprio é falta. Falta é omissão, vem de failita, feminino de failitus, de fuliere, em vez do clássico falsus. A língua portuguêsa tem os dois subtantivos: falta e culpa. Na língua francesa há “faute”, e não há palavra que corresponda a culpa, pôsto que tenha “coupable”, “disculper”; teve-a, e deixou que envelhecesse. Ainda no século XVII se falava de “coulpe” dos médicos e cirurgiões. Evitemos que o significado de “faute” se contagie a “falta”. Falta e culpa não podem ser confundidos. BARTOLOMEU DE SALICETO definia: “Mora est debiti solvendi vel crediti recipiendi a iure improbata et punita dilatio”. Frisam-se o atraso, a contrariedade a direito e as sanções. Em sua singELEza, diz muito. HUGO DONELO dizia: “Mora est cunctatio creditoris vel debitoris in praestando eo, quod quis alteri debeat”. E ARUMAEUS viu mora onde ocorre “frustratio opportune non recipientis vel offerentis debitum”. Em GIOvANNI SAPORTA, 3. CuJÁcio e C. G. WEHRN (Doctrina inro explicatriz 299) foi que estalou a impertinente alusão à culpa ou ao dolo e à culpa. Muito se discutiu se a mora do devedor e a do credor são o mesmo instituto, ou se são dois institutos, e se há princípios comuns às duas faltas. Basta pensar-se em que um presta e outro recebe para se perceber que a mora, como instituto único, teria de ter dois ramos, inconfundíveis. A tratação dELEs no mesmo capítulo (Código Civil brasileiro, arte. 955 e 959, III, comuns, 956, 957, 959, 1, 960-963, concernentes à mora do devedor, 958 e 959, II, relativos à mora do credor), ou em dois capítulos (Código suíço das Obrigações, arte. 91-96 e 102-109, que se referem, respectivamente, à mora do credor e à mora do devedor; Código Civil alemão, §§ 284-292, mora do devedor, e 293-304, mora do credor). 2.Mora E ALTERAÇÃO DO CONTEÚDO DAS OBRIGAÇÕES. A mora altera a relação jurídica obrigacional. A mora ainda não é a resolução ou a resilição, ou a indenização, ou outra das suas conseqüencias. Dai dever-se tratar da mora na parte do direito das obrigações em que se analisam as alterações das relações jurídicas obrigacionaís. § 2.799. Espécies de dívidas e mora 1. OBRIGAÇÕES NEGATIVAS. Na doutrina, discutia-se se, a propósito de obrigações negativas, obligationes in nau facie*. do, é possível falar-se de mora, a) Alguns juristas entendiam que a violação pelo ato positivo causa a mora (H. STAUB, Die vosztiven Vertra±gsverletzungen 12 5.; B. MAT-rHIASS, Lehrbuch, 1, 359; R. STAMMLER, Das Recht der Schuldverhãltnisse, 145; M. GoUE, Nachtrãgliche Unmõglichkeit oder Verzug bel Unterlassungsverbindlichkf9 Archir fiir die civilistisohe Praxis, 99, 306 5.; Ta. Em, Das Reichsgericht und die positiven Vertragsverletzungen, Deutache Juristere-Zeitung, VIII, 253 s.; H. STAUB, Die .positiven Vertragsverletzungen, 12 s.; cp. A. ROGOWSKI, Schilenierzatz-Anspruch, Archiv liii- die civiUstieche flaxis, 104, 327 s.). b) Outros invocam o princípio da responsabilidade pelo dolo’e pela culpa (H. DERNBURG, Uber das Rúcktrittsrecht des Kãufes wegen positit’er Vertragsverletzungen, Deutache Juristen-Zeitunq, VIII, 1 8.; C. CROME, System, II, 65; A. DtYEINGER-M. HACHENEURG, Das Handelsgesetzbuch, III, 71). e) Outros trazem à balha as regras jurídicas.sobre ato ilícito absoluto (arte. 159 e, ex argumento, 160), como G. WERNn (fie Schadensersatzpflicht, Das Recht, VII, 308). d) Finalmente, há os que consideram o ato positivo violador como impossibilitação culposa da prestação, segundo os arte. 867, 879, 2. parte, 888, 886 e 887, alínea 23’ (E.GOLDMANN-H. LILIENTHAIJ, Das Biirgerliche Geaetzbuch, 1, 23’ ed., 333; W. SCHÕLLER, fie Folgen schuldhafter Nichterfúllung, Gr-uchots Beitrdge, 46, 26 5.; O. HAENSELL, Die Resonderheiten der Unterlassungsschulden, 39; li. LEHMANN, fie positiven Vertragsverletzungen, Archiv flir die civilistieche

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Praxis, 95, 73 s., e fie Unterlassungspflicht, 262 s.; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 31.-35. ed., 175). A solução que o direito brasileiro deu foi a dos arte. 961 e 883, como, a respeito do ato ilícito absoluto, deu a do art. 962. 2.ATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS. No art. 962, diz o Código Civil:“Nas obrigações provenientes de delito, considera-se o devedor em mora desde que o perpetrou”. Aqui não há confusão entre “mora” e “contrariedade a direito ELEmento do ato ilícito absoluto”: não é impossível apagar-se, com a indenização, o que aconteceu, à semelhança do que ocorre no art. 960. Vem do Esbôço de TEUCEIRA DE FREITAS, art. 1.078, imitado pelo Projeto primitivo, art. 1.103. O art. 962 serve para se contarem os juros da indenização (art. 1.063). 3.OBRIGAÇÕES NATURAIS, PRETENSÕES MUTILADAS E PRETENSÕES ENCOBERTAS. Nas obrigações naturais (pelo menos, = sem ação) e nas dívidas sem pretensão (direito mutilado), não há mora. A mora supõe a exigibilidade e a eficácia da exigibilidade. Em razão disso, pode dizer-se que só há mora se há a) pretensão, pessoal ou real, 14 eficaz e e) sem encobrimento da eficácia. Se falta a pretensão, ou se falta a eficácia, ou se essa está encoberta, não há mora. São os casos, respectivamente, do crédito cujo termo não, foi atingido, da pretensão do credor hipotecário se, no momento, o prédio lhe pertence, e da pretensão contra a qual se opôs a exceção. Se a exceção 4 peremptória, a mora está excluída: é efeito da pretensão, e a eficácia da pretensão está peremptõriamente excluída. Se a exceção é dilatória, o encobrimento é enquanto a exceção não se extingue; e. g., se se trata de exceção nau adimpleti con tractus (art. 1.092), o devedor incorre em mora se não presta quando o credor oferece a sua. 5 2.800. Mora e responsabilidade 1. NATUREZA DÁ MORA. A mora ou é efeito imediato do fato jurídico, ou do advento do termo, por mínimo que seja, ou da condição (suporte fáctico como o dies: incidência do art. 960, alínea 13’), ou é efeito da interpela$o, ato jurídico atricto. ser&su (sem razão, E. ZITELMANN, Selbstmahnung des Schuldners, Festuabe fúr P. RRUGER, 286, que a tinha como negócio jurídico). A discussão em tôrno da natureza da mora, para se lhe saber o lugar na classificação dos fatos jurídicos, parte de Arro inicial: mora é efeito, não é fato. Efeito do advento do dia <fato jurídico stricto sensão , ou da interpelação (ato jurídico stricto senszõ. A mora sem interpelação resulta da incidência da regra jurídica Pies interpellat pro homine (art. 960, alínea 1.: “O inadizpplemento da obrigação, positiva e liquida no seu termo, constitui de pleno diteito em mora o devedor”) sobre o suporte fáctico em que há o dies, isto é, o acontecimento do advento do dia ou têrnío. A mora, compreendendo a do que cometeu o ato ilícito atricto senu, era a mora em sentido largo (R. F. F. KNIEP,Pie Mora des Schuldners, 1, 27), que também compreendia a do esbulhador, a dos créditos de menores, a do devedor que se não encontrava (excluidos os outros casos que EX F. F. KNIEP,1, 27 s., II, 183 e., e F, MoMMSEN, Die Lehre von ‘der Mora,127 a, apontavam) - TEIXEIRA DE FREITAS incluiu a da inexecução da obrigação negativa. 2. MORA. DO DEVEDOR E CULPA. (a) Os glosadores não falaram de culpa, ao definirem mora (e. g., ACÚBSÃO e ODOFEEDO). Depois desde o século XVII foi que se preocuparam com ela. CujÁsto chegou a defini-la como culpa: “mora est culpa non respondentis ad conventionen oportunam (creditoris vel) “mora est iniusta tarditas, quo verbo significatur mala fides”. Note-se que há a referência ao ELEmento subjetivo e a equiparação do prestar e do receber a ato jurídico, a convenção. Alguns, na definição, não aludiam a culpa. Apenas frisavam a “injusta et frustratoria dilatio”, a “dilatio lure interdicta”, “frustratroria vel captiosa dilatio solutionis”, como FR. HOTOMANO (Tractatus de Mora, c. 1) e J. VOET. As definiçóes que alguns deram eram como a de CiijÁcío. A reação de F. SCHÕMANN (Handbuch des CivilrechtS, II, 291 e.; Lekre vom Schadensersa.tze, II, 10 s.) foi salutar, mostrado que não havia razão para se falar em culpa. Frisou E. CUQ (Les bistitutions juridiques des Romains, II, 569) que faltava, até certo tempo, conceito de mora e quando se procurou fixá-lo foi em época assaz benevolente para os devedores, o que deformou o que se queria definir. Cumpre notar-se que a expressão “culpa” tem dois sentidos, no direito romano, o que concorreu para as afirmações que ligavam a mora à culpa. As passagens das fontes do direito romano em que se apoiavam os sustentadores da teoria subjetiva da mora nada provam. Às vêzes confundem ilicitude e culpa, outras vêzas deixam de distinguir regras jurídicas sobre impossibilidade e regras jurídicas sobre mora, Em geral, não atendem a que o fato de haver mora com culpa nio

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implica que não a haja sem culpa (e. g., a propósito da L. 9, § 1, D., de usuris et fructibus et estais et omnibus accessãonibus et mora, 22, 1, onde PArIIqIANO falou de inculpata mora; da L. 91, § 3, D., de verboritra obUyationibuS, 45, 1; e da L. 5, D., de rebus creditis az certum petetur a de condictione, 12, 1). Quanto à L. 9, § 1, a argumentação de K. F. F. ICNIEP (Pie Mora da Schuldners, 9 e.) foi decisiva: “culpa” tinha dois sentidos nos textos romanos. Na L. 33, § 1, D., de actionibus empti venditi, 19, 1, e noutras aparece o “steterit” em que se fundam alguns argumentos, mas O. GRADENWITZ (Quotiens culpa intervenit debitoris, porpetuari obligationelil, Zeitschrilt der Savign’y-Stiftung, 34, 274) mostrou que a expressao concerne a ponto neutro entre OS conceitos. Só o fato de haver mora ex re, que não exige a culpa do devedor (II. SIBER, Romisches Recht, II, 254 s.), bastaria para que não se pudesse falar de culpa como ELEmento da mora. Pelo simples fato de chegar a data em que se havia de prestar e não se prestou, há mora. No direito clássico, a mora somente podia ser ex persona (id est si interpeliatus oportuno toco nousolverit) : não havia duas espécies de mora, a mora ex re e a mora ex persona, mas apenas a mora ex persona ou mediante interpelação (cf. H. Sínn, Interpeliatio und Mora, Zeitschrift der Savignv-Stiftung, r. A., 29, 52 5.; A. M.ON’rEL, La e. d. mora ex re in favore dei minori, Studi Urbinati, 59 s., e La Mora dei debitore, 27 s.). A mora do ladrão não era considerada ex re. Os que a têm como tal se fiam do texto, evidentemente interpolado, da L. 7, C., de condictione ob turpem causam, 4, 7 (Eum, qui ob restituenda quae abegerat pecora pecuniam accepit, tam hane quam qua.e per hoc commissum tenuit restituere debere convenit, licet mortua vel alio fortuito casu perisse dicantur, cum in hoc casu in rem mora fiat). Todavia, não é certo que mora ex persona só se pudesse produzir com o requisito da interpeliatio (L. 23, D., de verborum obligationibus, 45, 1, onde a referência à interpelação está em interpolação, cf. H. SIBER, Interpeliatio und Mora, Zeitschrift der Savigny-Stiftung, 29, 58, e O. GRADENWITZ, Quotiens culpa intervenit debitons, perpetuari, obligationem, 34, 273; L. 24, onde a interpolação ressalta, cf. H. SIBER, 29, 58-56, FR. EISELE, Zur Diagnostik der Interpolationen in den Digesten und im Codex, VII, 26 a., e Beitrãge z. Erkenntnis der Digesteninterpolationen, X, 296 L. 5, D., de rebus creditis si certum petetur a de condictione, 12, 1; L. 88, D., de diversis regulis juris antiqui, 50, 17; L. 49, § 3, D., de verborum obligationibus, 45, 1, cf. H. SIBER, Inter peliatio und Mora, Zeitschrift der Savigny-Stiftung, 29, 56). Em verdade, o que se exigia em direito clássico era que fôsse imputável ao devedor a falta, isto é, que ELE soubesse ser devedor. A própria mora ex re quae minorum favore venit era descçnhecida do direito clássico (A. MONTEL, La c. d. mora ex re in favore dei minori, Studi Urbinati, 59 s.). No direito justinianeu, a interpeilatio era meio de prova da falta, e não requisito da mora. A exigência da interpelação, no direito comum, era tirada pelos juristas da L. 82, pr., D., de rebus creditis si certum petetur et de condictione, 122, 1, mas o id est estava ali por exempli gratia, o que Huco DONELO e, depois, O. W. WOLFF (Zur Lehre von der Mora, 123) haviam notado. Omoram facit significa que o devedor causou a mora, tine justa causa. O que se não move para prestar se a condição ocorreu, ou se o credor o exigiu, incorre em mora, porque fez a mora. Também o que, sendo incondicional a obrigação e com data marcada, não presta; porque, ai, o adimplemento é em data certa sem se precisar de qualquer exame de circunstâncias, ex re. A mora ex re não foi criação medieval, mas justinianéia. Chegou até os sistemas jurídicos de hoje, através do direito comum. Nos arte. 960 e 962 do Código Civil há duas espécies de mora ex re. Em tôrno do problema do ELEmento subjetivo da mora, houve divagaçócs e discordâncias gritantes. Seria, para GENZMER (Der subjektive Tatbestand des Schuldnerverzuges, Zeitschrift der Savign-Stiftung, 44), o dolo que estaria à base da mora e seria o ELEmento fáctico, subjetivo, necessário à constituição do suporte fáctico da mora. Para a maioria, que quase sempre se deixou levar pelo que se dizia, a culpo. Abstraem de qualquer ELEmento subjetivo, que não seja o da causação, F. SCHÓMANN (Handbuch des Civilrechts, II, 11; Lehre vom Schadensersatze, II, 10 a.), O. ESMARCE (Inter mora solvendi et culpam a debitore pra estandam quae sit differentia ex jure Romano quaeritur, 1 s.), G. F. PUCETA (Pandekten, 9.’ ed., 412 a., principalmente nota a), K. F. F. KNIEP (Die Mora des Schuldners, 1, 326), RICHARO RYCK (Pie Lehre voim den Schuldverhãltniese, 427 s.) e outros. inclusive COELHO DA ROCHA (Institu4ões, 1, 86), para quem a apuração do dolo e da culpa só se havia de fazer para se saber se tinham ou não de ser computados os lucros cessantes. No sistema jurídico brasileiro, a mora do’ devedor ou resulta da incidência da regra jurídica Pies inter’pellat pro homine (Código Civil, art. 960, alínea 1.8), ou da interpelação (art. 960, alínea 2.). Tem-se de pôr à parte a questão de ser ou não ser ELEmento da mora a culpa. Os que o afirmam não examinaram detidamente os casos,

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nem atenderam a outras regras do sistema jurídico, nem a que o art. 963 não falou de mora, nem pensaram em se porem em dia com a doutrina alemã, através do Código Civil alemão, § 285. (b) Se o direito romano adotava o principio da culpa, a unidade de opinião quebrou-se na Idade Média. Â questão vem do direito comum. Mas a discussão científica surgiu depois. O que nos importa é saber se há, na vida, casos de mora sem culpa, e se o Código Civil, art. 968, é compatível com a teoria da culpa pressuposto necessário. Quanto a esse ponto, pela confissão do próprio autor do Projeto primitivo, que cita o § 285 do Código Civil alemão (pOsto que, nos comentários, tenha ficado longe do que adotara), é evidente que se atendeu à corrente que renovava os estudos. O art. 968 foi redigido para que o direito brasileiro tomasse posição: ou a) exigir o ELEmento da culpa, ou b) não o exigir. Adotou-se a segunda atitude, que é a do princE pio da imputabilidade, ou da causa ção (Veranlasaungsprinzip), em vez do principio da culpa (Verschuldensprinzip), atendendo-se, com tOda a razão, a que pode ocorrer mora sem culpa. Essa opinião se firmou com P. OERTMANN (Recht der Schuldverhiiltnisee, 135; F. ENVEMANN, Lehrbuch, 1,§ 137; FRITA JUNGEEM, Haften aus achuldiosem Handeln, 16; ERNST MEUMANN, Der Verz<ug des Schuldnera, 20 a.; Corria Auo. MEUMANN, Prole gomena zu einem Syatera des Verm.iigensrechts, 94 e 96; E. HEYMANN, Das Verachulden beira Erfilliungsverzug, Fest gabe lar LUDwIG ENNUOCnUS, 7 e. e 154 s., cuja exposição histórica, 15-134, e cujo exame sistemático, 144 a., pôs fora de discussão séria o assunto, e fêz repelir-se o que escreveram os recalcitrantes; O. VON GInKE, Deutacheo Privatrecht, III, 134; sObre o antigo direito alemão, KÂBL VON AMIRA, Nordgermanisches Obligationenrecht, 1, 410 a., 412 a., e II, 436 a., 442 s.; H. Mírrrns, Rechtsfolgen dei Leiatungsverzugs beim Kaufvertrag nach niederuindischen Quellen des Mittelalters, 30 a. Com o direito alemão, o brasileiro e o suíço (Código suíço das Obrigações, arte. 103, 106 e 107, aliás menos rigoroso, cf. A. VON Tun, Partie Générale riu Code fédéral dei Obligations, II, 538). Idem, o direito inglês (cf. E. HEYMANN, Das Verschulden beim Erftlllungsverzug, Fest gabe lar Lunwia ENNECcnUS, 140 5.). (c)Nas OrdenaçOes Filipinas, Livro IV, Titulo 53, § 3, lê-se: “Porém, se a coisa perecesse por caso fortuito, não será obrigado o comodatário a pagar o dano, salvo quando no dito caso fortuito interviesse culpa sua; assi como se pedisse um cavalo emprestado para ir a uma certa romaria, e fosse à guerra, ou saisse aos touros, aonde lhe matassem o cavalo, ou se foi em mora de tornar a coisa emprestada, a seu tempo, ou entre as partes foi acordado, que o recebeu a coisa emprestada, ficasse obrigado aos casos fortuitos”. Há, no § 3, três proposições em que se vê que, para a mora, não se cogitou de culpa, e de culpa só se falou para se estabELEcer a responsabilidade pelo caso fortuito se culpa anterior houve. Não seria possível extrair-se do § 3 o principio da culpa. No Assento n. 191, de 5 de julho de 1710, que se sói invocar, a mora inculpável era alegação, que o Conselho do Rei desprezou, e corrigiu, no julgado, para “mora imputável”, finura que muito depõe em prol dos signatários do assunto. De mora imputável é que também se fala no Assento n. 208, de 18 de janeiro de 1718, e evita-se referência a culpa. Passa-se o mesmo a propósito dos casos que deram ensejo aos Assentos n. 241, de 10 de junho de 1747, e n. 244, de 29 de julho de 1747. Oque se opõe à mora é a iusta causa para se não adimplir. Non dicitur debitor constitutus in mora quando aliquam iustam causam habet non solvendi. Nunca os velhos juristas portuguêses ligaram a mora à culpa. São assuntos para serem tratados separadamente. COELHO DA ROCHA (Instituições, 1, § 127, 86 s.) falou da mora sem aludir à culpa. Na liquidação das perdas e danos é que atendeu a diferenças de tratamento da responsabilidade. Algo parecido com o regime suíço de hoje. Na doutrina brasileira, alguns encambulharam, lamentàvelmente, os conceitos (e. g., M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA, Doutrina e Prática das Obrigações, 1, 2. ed., 485, que aliás desconhecia a literatura jurídica alemã do século XX e até do fim do século passado, a respeito do assunto; LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, 193 s., que citou a MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Tratado prático das Avaliações e dos Danos, 182, mas esse nenhuma referência fêz, aí, à culpa e, ao contrário, definiu a mora irregular como oriunda de favor da lei). Atribui-se a CARLOS DE CARvALHO (Nova Consolidação, art. 877) ter adotado o principio da culpa. É lamentável esse modo de ler o que os outros escrevem, O autor da Nova Consolidação preferiu exatamente o principio oposto: a mora tanto pode ser culpável quanto não culpável. Disse-o, explicitamente. Portanto, admitia mora sem culpa. No Código Comercial, nenhuma alusão se fêz à culpa. A despeito disso, J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito comercial, VI, Livro IV, 362 s.) mergulhou no direito romano e o que mais é de espantar

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tirou do art. 963 do Código Civil que a “culpa” é ELEmento da mora do devedor. Por lamentável influência de texto de CLóvís BEVILÁQUA <Código Civil comentado, IV, 121 s.), ou de M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA (Doutrina e Prática das Obrigações, J, 2. ed., 485; 4. ed., 469 s.), na jurisprudência aparece referência àculpa como “pressuposto” da mora, o que nem sequer II. WEYL (System der Verschuldensõegri/fe, 499 s.), defendendo-se, admitia (e. g., Supremo Tribunal Federal, 8 de agôsto de 1945, R. 9., 105, 65; 2.8 Turma, 10 de janeiro de 1947, 111, 415; 2. Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 15 de julho de 1941, R. 9., 135, 149, que confunde culpa e imputabilidade; 58 Câmara Civil, 7 de agosto de 1953, R. dos 7’., 216, 227; fi8 Câmara Civil, 11 de junho de 1948, 175, 708). Em alguns sistemas jurídicos, chegou-se ao artifício de se conceberem duas espécies de mora do devedor, uma, objetiva (sem culpa), outra, subjetiva. Assim, em parte da doutrina austríaca, onde à primeira também se chama “Verzeitung”, que e atraso, o estar fora de tempo (cf. J. ROHLER, Lehrbuch, 1, § 33; A. EHRENZwEIG, Szistem des õsterreichischen aUgemeinen Privatrechts, II, 6. ed., 279) ; e na doutrina suíça, onde o problema dos juros moratórios se agravou com as regras do Código suíço das Obrigações. O que é mais notável e deixa perplexo o jurista é que há regra jurídica do § 1.298 do Código Civil austríaco segundo a qual tem o interessado o ônus da prova de não ter havido culpa sua e a doutrina com igual ánus o carrega na dúvida entre ser subjetiva ou objetiva a mora <3. UNGER, System, II, 546, nota 41; V. HASENÓMEL, Doe õsterreichische Obligationenrech, II, 2. ed., 335 s.;A.EHRENZWETO, System, II, 6A ed., 279). Distinção tal, que tem por fito esconder os inconvenientes de se misturar mora com culpa, de modo nenhum cabe no sistema jurídico brasileiro. As indenizações e as outras conseqüencias da mora ligam-se, tôdas, ao mesmo fato, que é a mora. Só há uma. A distinção entre culpa e caso fortuito ou fõrça maior somente tem guarida em matéria de alegação de impossibilidade objetiva. Note-se, porém, que a boa doutrina, ainda na Áustria, nega o pressuposto da culpa para a mora do devedor (e. g., E. STROHAL, flrei Gutachten, 167, nota 1; V. HASENÕHRL, Das ósterreichische Obligationenrecht, 334, 348 e 356; 5. DNIESTRZANSKI Wesen des Werklieferungsvertrages, 88 s.). Para que haja mora é preciso que possa ser imputada, isto é, que possa a qualquer pessoa ser possível a prestação tempestiva; portanto que não tenha havido impossibilidade objetiva. Se houve impossibilidade objetiva, mas causada por culpa, há responsabilidade, sem se precisar do fato da mora. Aí, a culpa é pré-excludente da incidência da regra jurídica que faz irresponsável o devedor em caso de impossibilidade objetiva (cf. Código Civil, arte. 865, 1.8 alínea, regra jurídica pré--excludente, 2.8 alínea, regra jurídica de exceção, 869, regra jurídica pré-excludente, 870, regra jurídica de exceção, 876, remissivo a esses, 879, 1.8 parte, regra jurídica pré-excludente, 2.8 parte, regra jurídica de exceção, 882, regra jurídica pré--excludente). A insolvência do devedor não pré-exclui a mora, nem a poderia, razoávelmente, pré-excluir. Não cabe pesquisar se houve ou não culpa, nem tem qualquer cabimento reputar-se a insolvência sempre caso de culpa (e. g., XI. RATJEN, De Mora secundum Luris romani principia, 9), nem presumir-se culposa. Oinsolvente falta ao pagamento, e isto basta para que se lhe impute o inadimplemento. <d) Mora é falta ao adimpleinento, não só demora, ou retardo. Pode não haver mora e haver responsabilidade pela culpa (impossibilidade, deterioração). Pode haver mora e não haver qualquer culpa <e. g., todos os devedores ao devedor faliram, a fazenda de onde lhe viria o dinheiro para pagar as notas promissórias incendiou-se ou foi inundada). Pode haver mora que não pode ser purgada, porque só se poderia prestar no momento em que, ex hvpothesi, não se prestou. O que importa é poder-se imputar ao devedor ato ou omissão. Se afastamos os conceitos de culpa, caso fortuito e fôrça maior, mais fAcilmente explicitamos o conteúdo do art. 963 do Código Civil. Não há mora se o devedor justificadamente exerce direito de exceção, e. g., direito de retenção. Ou se era de mister colaboração do credor, que a recusou ou deixou de dar oportunamente, ou se o credor tinha de vir buscar a prestação e não veio, ou se no próprio negócio jurídico se permitiu que a prestação não se fizesse no dia marcado, sem pressuposto de circunstâncias ou não (G. PLANCK, Kommentar, lI, 1, 276; O.WARNEYER, Kommentar, 1, 511). O devedor, que dein de adimplir, ou o faz porque não quer <aí há culpa, porém como ELEmento que pode estar ou não estar no suporte fáctico da mora), ou porque neto pode (ai, não há culpa, mas pode haver mora). O próprio não querer, tratando-se de retardamento, pode ter justa causa, o que mais gritantemente evidencia que

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tôda alusão à culpa é perturbadora da exposição. Se, ao tempo em que há de prestar, o devedor não faz a prestação, porque perecera a coisa, a sua posição é de devedor em mora, ainda que não tenha tido culpa no perecimento. Só se pode livrar da arguição de mora se mostra que não houve ato ou omissão que lhe seja imputável, a) Se a obrigação era de dar coisa certa (Código Civil, art. 865), não ter tido culpa no inadimplemento (= ai, na omissão de dar). Se de restituir, idem (art. 869). b) Se a obrigação era de dar coisa incerta, a mora do credor pode ser sem qualquer culpa, pois antes da escolha, que teria de ser feita no ato de prestar, ou à apresentação, o devedor responde ainda pelo caso fortuito ou fôrça maior (omissão imputável, art. 963). c) Se a obrigação era de fazer, a impossibilidade superveniente sem culpa pré-exclui a mora (art. 879, 2.’ parte), porém a impossibilidade também pode pré-exclui-la, ainda se houve culpa do devedor, não por omissão em prestar, e sim na impossibilitação mesma (o que tentou suicidar-se e ficou impossibilitado de cumprir o contrato de serviço não incorre em mora, pôsto que possa, por ter tido culpa na impossibilitação, de responder por perdas e danos (art. 879, 2.’ parte). Por ai se vê quanto é desaconselhável e arriscado misturarem-se os conceitos de impossibilidade, culpa e mora e as regras jurídicas correspondentes. Por outro lado, se a prestação pode ser executada por terceiro, o credor pode mandar executá-la à custa do devedor em mora (art. 881). ainda que tenha havido impossibilitação. d) Se a obrigação era de não fazer, o ato é que determina a infração (art. 962), e a posição de mora só se afasta com a alegação de que não teve culpa o devedor na impossibilitação, não na mora. O credor, ao chegar o momento em que o devedor deixa de adimplir, não sabe (ou pode não saber) porque não houve o adimplemento: ou houve simples mora, ou falta por alguma causa de impossibilitação. As conseqüencias é que dependem da culpa, ou do caso ou fOrça maior, não a mora em si. A mora é apenas a falta ao adimplemento, a impontualidade no tempo. Desde que não se prestou no momento em que se devia prestar, inicia-se o estado de mora. A mora é estado. No direito brasileiro, a prática do ato ilícito, ou ato-fato ilícito, ou a ocorrência do fato ilícito stricto seneu é simultânea ao início do estado de mora <art. 962). O empregado do devedor, em vez de tomar o trem, resolveu ir a pé e foi atropelado, não chegando a tempo de pagar a nota promissória ou outra dívida. Ou isso ocorreu ao próprio devedor, que não conhecia o perigo da travessia da estrada. Não há invocar-se impossibilidade da prestação, ainda que o objeto a prestar fôsse animal, que morreu no acidente. Mas a mora não se estabELEce, porque o ato negativo não é imputável ao devedor. Noutros têrmos: é de invocar-se o art. 963 do Código Civil, sem ser de invocar-se o art. 865, alínea 1.’, ou o art. 869, ou o art. 876. Desconhecimento da divida, ainda em virtude de interpretação errônea do contrato, pode ser justa causa para se deixar de adimplir na data. Outrossim, informação errada sobre o resultado de ação de nulidade, de cuja sentença não foi intimado o devedor, ou falta de enderêço do cessionário, caso em que há-de sobrevir o depósito em consignação. Durante a espera da decisão sObre compensação pode não ocorrer a mora (O. WARNEYER, Koinmentar, 1, 512). A doença grave do devedor pode justificar inadimplemento em tempo (O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 276) se impossibilitou a prestação de fazer ou de não fazer. <e) Se a circunstância que impediu a constittúção em mora desaparece, a mora ocorre. Se houve interpelação não se precisa de outra (P. OERTMANN, Recht der SchuldverMltnis.. § 2.800. MORA E RESPONSABILIDADE ELE se, 135; G. PLÃNCK, Kommentar, II, 1, 276; L. KUHLENBECK. J. ti. Staudin gera Kosnrrtentar, II, 191). (6) A prova de não lhe ser -imputável incumbe ao devedor <FRITZ PAECH, Der Leistungsverzug, 100 s.). 3.MORA DO CREDOR E CULPA. Há mora creditoris se o credor deixa de colaborar, de seu lado, para que a dívida se solva (cf. J. v. SCHEY, Begriff um! Wesen der mora creditons, 107; FIt. MOMMSEN, Reitrdge, III, 135 e 138). A prestação ia ser feita, o credor não a recebeu. Não há necessidade de se falar em “oferta” de prestação, porque a prestação pode ter de ser procurada e o credor que não a busca incorre em mora. A impropriedade do termo, por não ser para todos os casos, é de corrigir-se (e. g., L. ROSENBERG, Der Verzug des Glãubigers, Jherings Jahrbiicher, 43, 142, nota 1; F. WÃêit5CHÂUER, Der Tatbestand des

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Arnnahmeverznges, 4 s.; A. WENnur, Der GUubigerverzug, 7 s.). Tio-pouco se há de restringir a mora do credor aos casos de retardamento no receber a prestação, ‘tdemora” por parte do credor (e. g., C. W.. WoLPF, Ztír Lehre von der Mora, 115; FR. MOMMSEN, me Lehre von der Mora, 138; F. TH. Uutícn, Die DepostiJn und Derelietion, 2), porque a mora pode ser falta de receber agora e para sempre, por insolvabilidade ou outra causa, como pode ser mera em negócio fixo, ou negócio a data fixa (Fixgeschãft), de modo que, se se resolve o contrato, não há cumprimento tempestivo, ainda que somente haja impossibilidade temporária, e a fixação do dia pode dar ensejo à resolução se o credor não recebe na data exata em que teria de receber. Por onde se vê que casos há em que a mora opera os seus efeitos instantânea e definitivamente, sem que se possa pensar em retardo ou demora. No entanto, de mora é que se trata, pôsto que se tenha tentado introduzir outros conceitos, como “descuido de receber” <Annahmeversãumnis), que G. A. LEIST (fie Differenzansprtiche mis Bõrsengeschãften, Architi flir die eivilisti.sche Praxis, 88, 193 5.; J. KOHLER, Der Glãubigerverzug, Árchiti fiir Riirgerliches Recht, 13, 159). Além disso, da mora do credor não é ELEmento a culpa. Primeiro, porque essa exigência já era de repelir-se no direito comum, a despeito do que escreveram 3. v. SCREY (Regriff und Wesen der mora creditoris, 107), F. TH. ULindil (Die Deposition und DereUction, 8), B. WINDSCHEID (Lehrbuch, II, § 345, nota 8) e II. DERNBURG (Pandekten, JI, 73 ed., 121). Contra, no direito comum, E. SCHÓMANN (Lehre vom Sebadensersatze, II, lOs.), C. ESMARCH, em sua monografia, J. A. FRITZ (Eruíutentngen, Zusdtze ti. Berichtigungen, II, 357), C. F. F. SINTENIS (Das praktische gemeine Civilrecht, 1, 218), J. KOHLER (Annahme und Annahmeverzug, Jahrbiicherfàr dii’ Dogm.atik, 17, 409 s.), LEO ROSENEERO (Der Verzug des Glâubigers, .Iherings Jahibiicher, 43, 144) e outros. Frisou 3. KOHLER (Annahme und Annahmeverzug, Jahrbitcher fiir dii’ Dogmatilc, 17, 400 s.) que o termo ‘oferta” é impróprio, em se tratando de adimplemento, porque quem, devedor, presta apenas cumpre o que deve, não oferece. Por isso não se há de falar de oferta como pressuposto da mora do credor. Tinha ELE tOda razão em querer que se escoimasse de tal êr,ro terminológico a linguagem do direito. Q argumento de se encontrarem textos romanos em que aparece “offerre” (cf. P. HIRSCR, Zur Revisãon der Lehre vom Gftíubiger-t’erzvge, 204 L) não pesa muito; porque há muitos casos de expressões impróprias nas fontes romanas. Tanto mais quanto algumas, e não poucas, das suas atitudes na doutrina provieram de convicções filosóficas do momento. Demais, “oferecer”, “oferta”, foram termos que se precisaram para a ação e o ato de propor a constituição de negócios jurídicos bilaterais, e tOda confusão é de evitar-se entre a oferta, que é manifestação de vontade, ato jurídico, negocia! pOsto que ibcompleto, e a solução ou adimplemento, que é ato-fato jurídico. São considerações que acrescentamos às que fêz 3. KOHLER e nos pareCem cabais. Assim, o “offerret pecuniam” da L. 30, D., de solutionibus et liberationibus, 46, 3, pesaria pouço. ainda se de MARCELO, no mesmo Livro 46, 3, a L. 72, onde se emprega “obtulerit”, e de CÉvOLA a L. 102, onde “oblatam” e “dislulit” ressaltam. Os juristas andaram à procura do termo e o que ainda hoje- ocorre. Porém é imperdoável que se dêem, de um lado, aos atos de oferecer o negócio e aos de entregar a prestação devida e, do outro, aos atos de aceitar a oferta de negócio e aos de receber a prestação os mesmos nomes. É de corrigir-se isso. O ato de oferta entra no mundo jurídico como ato jurídico negocial; o ato de prestar, de entregar a prestação, como ato-fato jurídico. O ato de aceitar a oferta entra no mundo jurídico como ato jurídico negocia!; o ato de receber, como ato-fato jurídico. O § 293 do Código Civil alemão não estêve à altura da ciência a que ELE próprio correspondeu deixando ficar o termo “angebotenene”, ao definir mora do credor. Livrou-se disso o art. 958 do Código Civil brasileiro. No direito austríaco também é assente que a mora do credor não pressupõe culpa (V. HASENÓHRL, Das õsterreichische Obligationenrecht, 2 ed., 348; 5. DNIESTRZANSRI, Wesen de.s Werklieferungsvertrages, 91), repelida a opinião de J. v. ScHEY (Se grif 1 um! Wes”-n der mora creditoris, 91 a.). 4. PRESSUPOSTOS DA MORA QUANTO À OBRIGAÇÃO. O que importa é (a) que exista e seja eficaz a obrigação (não só a divida), e (lO que as circunstâncias, segundo a lei, sejam para que o devedor deva adimplir. (a)As dívidas desmunidas de obrigação, ou aquelas em que a obrigação é natural, ou se está prescrita a pretensão, não perfazem o requisito da existência e eficácia da obrigação. GOTOFREDO dizia: Ex sola. naturali obligatione nulia petitio conceditur. Ora, na L. 88, D., de diversis regutis juris antiqui, 50, 17, CÉVOLA enuncia, de modo geral: “Nuíla intellegitur mora ibi fieri, ubi nuíla petitio est” (idem, na L. 127g D., de verboruni obligationibus, 45, 1). É certo que alguns juristas, inclusive Huco DONELO e W. A. LAUTERBACE, leram petitio corno se fOra interpelação, pedido, em vez de existência e eficácia da pretensão. Mas tal interpretação ignorava o texto das Basílicas, II, 3, 88: “petitio”, ali, essa pretensão, daraLrotç.

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Se a obrigação é a termo ou -sob condição suspensiva, mora sOmente pode ocorrer quando se alcance o dia, ou se cumpra a condição. Não há mora sem éxigibilidade, porque, se há a divida, ainda não há a obrigação. “Non contrahitur mora ab obligato sub condicione”, escrevia SABELLI (Summa diverso-rum tractainum, Tractatus de mpra, n. 9). Se a condição é ilícita ou impossível, rege o art. 116 do Código Civil. Falto2s de precisas noções de direito (e dívida), de pretensão (e obrigação) e de ação, falam os juristas, aqui. e ali, de obrigações úutas. No sentido romano, poder-se-ia falar de nuila obligatio, e seria a obrigação que não existe. No sentido de inválida, não há obrigações nulas: nulo é o negócio jurídico de que se irradiaria a obrigação. Ora, se o negócio jurídico é nulo, obrigação não há. “Obrigação válida”, “obrigação nula” são expressões elípticas: estão em vez de “obrigação (que se irradia de convenção) válida”, “obrigação (que existiria se a convenção de que se irradiaria não fOsse) nula”. Essa é a razão por que atimente dizemos que há de existir e ser eficaz a obrigação. Se o negócio jurídico é nulo, não existe obrigação no direito contemporâneo, porque tal negócio jurídico existe porém não vale nem é eficaz; no direito romano, porque o próprio negócio jurídico não existiria. Se há exceção oponível à pretensão a que se teria de atender sOmente por se ter a exceção à pretensão não se fica imune à mora. É preciso que se haja oposto a exceção. O assunto tem rELEvância especial no tocante à prescrição. Se a obrigação está prescrita, é de discutir-se a) se pode haver pré-exclusão da mora do devedor antes de ser oposta a exceção, ou 14 se é de mister que se oponha para que a mora não se produza. Tanto BÂrrow DE SAXOFERRATO (Non est in mora qui potest exceptione legitima se tueri) quanto A. FABER (Nec in mora ilIe est qui justa exceptione aliqua tueri se potest sustentaram a opinião a). No mesmo sentido, E. ZITELMANN (Aligemeiner Teu, 30 s.), Tu. Kxn’, em B. WINDSCHEID (Lehrbuch, II, 9. ed., 139), P. OERTMANN (Recht der Schu.ldverhdtltnisse), L. KUHLENEECK (3. ti. Staudingers Komment ar, II, 186), F. SCKOLLMEYER (Recht der Schtddverhaltnisse, 121), H. Sina (Der Rechtszwang im SchuldverMltniss, 142), FRITZ PArE <Der Leistungaverzug, 31) e H. DE CLAPARÊDE (Reitrdge zur Lehre vom Leis tungsverzuge, 41). No direito luso-brasileiro, assim se pensava (A. DA GAMA, Decisãonum, d. 91, n. 2; ALVARO VALÂsco, Decisãonum Considtationum, 1, 161; SILVESTRE GOMES DE MORAIS, Tractatus de Executionibus, 1, 312). Contra a opinião a), a favor de b), voltaram-se P. Oni’MANN (Einrede und Verzug, Zeitschrif t /1k das gesamte Handelsrecht, 78, 1 s.) e H. Smn (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 261), na esteira de ERNST Sxwns (Der Einredebegriff des BGB., 36) e de KONLêD HELLwIG (Lehrbuch, 1, 248 e 250). Segundo a opinião a), a existência da exceção pré-excluiria a mora; segundo a opinião lO, a oposição da exceção é que a pré-exclui, ou, até, se a cobrança já alude à mora, pós-exclui. É essa a opinião certa e tinha de ser a solução do direito romano (L. 40, D., de rebus creditis si certum petetur et de condtctiose, 12, 1: “non enim in mora est is, a quo pecunia propter exceptionem peti non potest”; L. 21, D., de usuris et fructibus et atuais et omnibus accessãonibus et mora, 22, 1: “quid enim si amicos adhibendos debitor requirat vel expediendi debiti vel fideiussoribus rogandis? vel exceptio aliqua allegetur? mora facta non videtur”; L. 22: “si modo id ipsum non fraudandi causa simuletur”). Não basta ter-se a exceção de prescrição, ou outra, para que a mora não se dê; é preciso ue se tenha ensejo de opor, de alie gare. Pode ser que o credor e devedor hajam acordado em cláusula ou em pacto de não se exigir o adimplemento. Então não ocorre mora. Há contra o credor a exceptio pacti. Na L. 54, D., de pactis, 2, 14, diz-se que, se fiz pacto de não reclamar o escravo, que se me devia, não se entende que se me causa mora, e, morto o escravo, julgava CÉVOLA que não responde o devedor, que antes do pacto não havia incidido em mora. Porém aí a eficácia da pretensão não está apenas encoberta, falta tal eficácia, porque o pacto lha tirou, ao se concluir o negócio jurídico, ou como no caso da L. 54 por pacto posterior (Si pactus sim, ne Stichum, qui mihi debetatur, petam: non inteilegitur mora mihi fieri mortuoque Sticho puto non teneri reum, qui ante pactum moram non fecerat). (b) Se a falta de prestar foi por motivo justificado, como se o bem foi penhorado, ou arrestado, ou sequestrado por êrro do credor do vizinho e tem o devedor de opor embargos de terceiro possuidor, não incorre em mora. 5.PLURALIDADE DE OBRIGAÇÕES. Cada obrigação tem o seu adimplemento; Se há duas ou mais, tôdas hão de ser cumpridas; salvo se há alternatividade, ou reiteração, e não só pluralidade, há de haver tantas prestações quantas as obrigações. O devedor, como o credor, pode incorrer em mora a respeito ee cada uma, de uma vez, ou separadamente, conforme o tempo e lutar em que devam ser cumpridas e o conteúdo de cada uma. 1 § 2.500. MORA E RESPONSABILIDADE A ineficácia, ainda por encobrimento (exceções), pode ser quanto a uma das pretensões, ou parte da prestação.

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No pagamento de prestações, por exemplo em caso de compra-e-venda para se pagar o preço em parcelas a justa causa pode ser só quanto a unw, e não quanto às outras, de jeito que a mora se dá quanto a essas. Na L. 78, pr., D., de legatis et fideicommissis, 31, PAPINIANO, tocou o ponto: “Qui solidum fideicommissum frustra petebat herede Falcidiam obiciente, si partem interim solvi sibi desideraverit neque acceperit, in eam moram passus intellegitur”. Entende-se que, se quem pedira, sem êxito, todo o fideicomisso, por ter-lhe o herdeiro oposto a Falcídia, no intervalo pretendera que se lhe entregasse a parte, e não a recebera, sofreu mora quanto a ela. A Glosa redigiu a regra jurídica, implícita nos sistemas jurídicos: “bata causa in parte non totlit moram is alia parte”. 6. MoRA PARCIAL. O Código Civil e o Código Comercial não trataram da mora parcial. Referiu-se aquELE, nos arts. 866 e 867, à impossibilidade parcial, ainda assim em subespécie, a da deterioração da coisa certa. Ora, a impossibilidade parcial ocorre entre a conclusão do negócio jurídico e a data do adimplemento, antes, portanto, da mora, e a imputação ‘da responsabilidade é conforme a culpa. A mora nada tem com isso. Se o devedor é acusado de incorrer em mora, tem de alegar e provar que houve, antes da mora, a impossibilitação parcial, e foi sem sua culpa, para que se dê ao credor a escolha entre a resolução do negócio jurídico e o recebimento da coisa com o Labatimento do preço, ou a indenização do que se impossibilitou, se não é de preço, como contraprestação, que se trata. A mora ocorre se o credor pode não querer a resolução, nem o abatimento da contraprestação. Recebe ELE a prestação diminuída, ou parte da prestação, ou a prestação em parte inutilizada, e a mora parcial ocorre, com as suas conseqüencias. Cumpre, ainda, observar-se que pode o credor receber e não querer o credor outra solução que a resolução parcial do contrato (resolução quanto ao resto), como se foram vendidos quarenta cavalos e a mora foi quanto a oito. Aliás, de regra, no caso de mora parcial, a resolução somente concerne ao que não foi adimplido. Por outro lado, resolução parcial somente há quando a prestação é divisível. Por isso mesmo, se a prestação foi concebida como indivisível e o credor recebeu parte e há mora quanto à outra parte, pode ELE restituir o que recebeu, por se tratar de coméço de adimplemento, e não de adimplemento, e preferir a resolução total. A mora parcial não se há de confundir com a mora nos negócios jurídicos a prestações sucessivas. A cada entrega parcial o devedor em mora não incorre em mora quanto às entregas futuras. As conseqúências da mora não dizem respeito a essas. Todavia, a falta do devedor pode sacrificar o interesse do credor no negócio jurídico, razão por que se lhe dá a escolha entre a resolução total do contrato, ou do que ainda resta do contrato, e a indenização por inadiniplemento. A incerteza do inadimplemento das prestações futuras estabELEcida pela mora quanto à primeira ou alguma ou algumas da prestações justifica que se tratem as prestações sucessivas restantes como unidade (Tomo II, § 174). CAPITULO VII MORA DO DEVEDOR § 2.801. Conceito de mora do devedor 1.DEVEDOR E MORA. A mora do devedor resulta do não-adimplemento. Há violação de dever e de obrigação. O devedor havia de reatar, e não prestou no tempo, lugar e forma devidos. A mora supõe diu ou interpeilatio. O que se passou antés não diz respeito à mora, mas sim a regras jurídicas de imputasao o de responsabilidade pelos danos ao devedor ou ao credor. Aí é o campo próprio, técnico, das distinções entre dolo, culpa e inculpabilidade dos figurantes dos negócios jurídicos. A mora nada tem com isso, a despeito de confusões entre a técnica legislativa sobre o que se passa com a prestação antes de ser feita e de ter de ser feita e o que ocorre depois de, tendo-se de fazer, não ter sido feita. É preciso ter-se sempre em vista a diferença de conteúdo entre os arte. 865-887, 869-871, 876 e 877, 879 e 882 do Código Civil (impossibilidade superveniente ao negócio jurídico, antes da data para o adimplemento), o art. 1.057 (responsabilidade na execução insatisfatória) e o art. 957 (responsabilidade por mora do devedor). 2. ExícInmmAnE. Exigibilidade e vencimento de regra coincidem. Se se vence à data tal, mas para se exigir se precisa de interpelação, pós-se condição suspensiva à eficácia da pretensão . Então, a mora somente começa com a exigibilidade. Em mora incorre quem falta ao que se lhe poderia exigir. Se há exceção contra o credor, enquanto ELE não a afasta a mora não se dá parque a exceção não tira a eficácia ao crédito, não lhe poda a pretensão, apenas encobre a eficácia da pretensão.

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Ou o crédito tem dia certo para ser solvido e nesse dia pode ser exigido, ou somente pode ser exigido após interpelação. Donde as regras juridícas, respectivamente, dos arts. 960, alínea 1., 961 e 962, e do art. 960, alínea 2a, do Código Civil. § 2.802. “Dies interpellat pro homine” (art. 960, alínea 1.e mora “ex re” 1.PRINCIPIO DA MORA AUTOMÁTICA. A regra jurídica Pies interpelfrxt pro homine é princípio enunciado pelos glosa-dores e das fontes romanas não se poderia extrair. Non ex re, sed ex persona é que se constituía em mora (L. 82, pr., 13., de usuris a fructibus, 22, 1). Mora ex re pelo dies fôra desconhecida; excepcionalmente, havia-a, se o devedor não podia ser encontrado; se houvesse a mora peio dies, por certo que dela teriam falado os juristas romanos. Em vez disso, as alusões são à regra jurídica geral: non ex re, sed ez persona (e. g., L. 17, § 4, D., de usuris a fruotibws et causis et omnibus acessãonibus et mora, 22, 1). Na L. 10, C., de actionibus empti venditi, 4, 49, rescrito de Diocleciano e Maxinilano disse que, nos negócios de venda de carne, com tempo determinado para entrega, a prestação no tempo devido é de exigir-se. Nada tem o texto com a mora; e sim com a impossibilitação da entrega posterior (sem razão, B. WTNDSCHETD, Lehrbuoh, fl, 93 ed., 136). Tão-pouco é de ver-se na L. 114, D., de verborum obtigationibus, 45, 1, a regra jurídica glosatória fies interpeltat pro homirte. E foi grande o mérito de L. J. NEUSTETEL (Die Regel: dies interpellat pro homine ist unrichtig, Arehiv fur die civilistiache Praxis, V, 221 s.) o de ter-se insurgido contra a autenticidade da parêmia. Sàmente no caso de delito prescindia-se da interpelação (L. S, § 1, D.. de condictione furtivo, 13, 1: “semper enim moram fur facere videtur”). .Foi esse princípio, tirado de ULPIANO, que passou ao ad. 962 do Código Civil (cf. COELHO DA RocHA, Instituições, 1, 87). 2. OBRIGAÇÃO POSITIVA E LIQUIDA. Se a obrigação é positiva e líquida, dies interpeUat pro homine: “O inadimplemento da obrigação positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor” (art. 960, 1a alínea. Se não há o dia certo, que interpELE, o homem (credor) tem de interpelar. Dia certo é o dia certo em que se conclui o negócio juridico, se tem de ser prestado imediatamente o que se prometeu, ou o dia certo que é têrmo de prazo, ou o dia certo mediato. Se não há dia certo, é preciso que se interpELE o devedor. A pretensão e a obrigação já existem; falta a mora. Dai dizer a alínea 2Y do ad. 960: “Não havendo prazo assinado, começa ela desde a interpelação, notificação, ou protesto”. Aqui, e só aqui, tem cabimento, hoje, o dito da L. 32, pr., D., de usuris et fr-actibus et caiais et omnibws accessãonibus et de mora, 22, 1: “Mora fieri inteliegitur non ex re sed ex persona, id est, si interpeilatus oportuno loco non solverit”. A mora é ez re quando nio se interpela, nem se notifica, nem se protesta, atos do credor recept*cios, que atingem a pessoa da devedor e partem da pessoa do credor, em vez de serem fatos, que determinem a mora (mora ex re). A interpelação é ato pelo qual o credor exige a prestação (sobre a natureza da interpelação, Tomo II, § 235, 2, 3, e VI, §§ 650, 2, e 660, 2). A principio, para se explicar a mora ex re, recorria-se àficção (e. g., PURMANNUS, De purgatione morae, em S. STRYK, Dts8ertatwnum juridie. vol. primum, d. VIII, 23): “quo in casu dies ... debitarem in moram constituit, fingitque jus interpeilationem intervenisse”. Foi a ficção que levou ao brocardo Dia inter petla.t pro hornine. Em vez de o homem interpelar, interpela o dies, que está marcado no negócio jurdico, na pr6pria relação juridica, na res. Mas dizer-se que não havia, antes, o brocarda, não significa, de modo nenhum, afirmar-se que nAo poderia ter sido formulado ae.s tempo em que se admitiu, no direito romano, a mora ex re. Não havia o brocardo, nem o nome “interpeilatio dei”, que é medieval. Na L. 23, § 1, D., de usuris et fructibus et caiais ei omnibus accessãonibus d mora, 22, 1, ULhANO fala de mora ex mora, que algumas vêzes ocorre, quando acaso nio se encontra o devedor (Aliquando etiam tu re moram esse decerni solet, si forte nazi exstat qul conveniatur. O caso da ausência, hoje trataifo mediante interpelação por edital, era apenas exemplo A adiectio diei aolutiotti& causa au é cláusula ou é pacto posterior (ou pacto anterior que o negócio jurídico, posterior, faz cláusula sua). Por ela o devedor tinha de prestar no dia marcado. .t Incorreria em mora, ex mora, se nao prestasse! A L. 11, D., de re itcdicata et de effectu sententiarunt fl de interjocutiontbtts, 42, 1, e a L. 4, D., de condictione triticiaria, 13, 3, são argumentos a favor de. afirmativa, pôsto que ANTONIUS CONTIUS (Tractattts de diversis nwrae generibus, e. IV) advertisse que, então, o termo não se teria corno a favor do devedor (cf. L. 25, D., de legibus senatus que consultii et longG contuetudine, 1, 3; L. 6, C., de legibus et

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constitutiottibus pri»cipum et edicti.e, 1, 14). Aliás, ARUMAEUS (Comm. ,nethod. de Mora, 28 s. já havia sido excELEnte: uma coisa é o dies e outra o tempo que corre a favor do devedor. O que é a favor do devedor é o dia, o termo, como ponto que deixa distância, no tempo, ao devedor. - A favor da regra Dies interpeUflst pro homine podiam ser invocados dois passas do Digesto: a L. 114, D., de verborum obligatío%ibUS, 45, 1, em que se fala de estipulação de entrega de fundo em certa dia e de mora, texto abstruso em que F.C. GESTERDINO (Ausbeute von yachforschung úber verachiedene Rechts,materiefl, V, 72) atribuia outro significado a “mora”; a L. 38, O., de verborum obligatioflibus, 45, 1 (POMPOmO), onde expressivamente se diz que, tendo-se prometido dar Stichus em certo dia, se morre ELE antes do dia, o promitente não é obrigado (Si Stichus certo die dari promissus ante diem moriatur, non tenetur promissor). K AD. VON VANGEBOW (Lehrbuch der Fandekten, III, 194) : a morte ante dzem ou post die,n é risca para um ou para outro; se fôsse de mister a interpelação, o dia não importaria. A L. 114 su$e a tradição, de modo que no lugar haviam de estarpromitente e promissário se o credor não estivesse e estivesse o devedor, a mora seria daquELE; se estivesse o credor, e não o devedor, a mora seria desse. O dies era que interpelava. A Glosa extraia a regra, cada um a seu modo, porém com o mesmo conteúdo. A mora não mais le faz ex re por ausência do devedor ou outra circunstância que lhe seja pessoal (cp. L. 23, § 1, D.,de usuris et fr¶Áctibfl et causis et omnibus accesslÁJrtibUS et mora, 22, 1; L. 2, O., de nautico faenore, 22, 2). Se o devedor não pode ser pessoalfllente interpelado, a interpelação tem de ser por edital. TratafldSe de credor, há o depósito em çonsigliaçO, com a citação pessoal ou edital (Código Civil, art. 975; Código de Processo Civil, arta. 314, 315 e 163 e § 1.0). O dia em que a mora começa pode ser determinado a) pela lei (e. g., Código Civil, ad. 962), ou b) pelos oontraentn ou figurantes do negócio juridico unilateral, ou, e) se não há a triflifl5ção por lei, ou a negocia1 em virtude de interpelaçilo. Na promessa unilateral pode o promitente marcar o dia de adimplemento. Nos contratos bilaterais, o dia que se mencionou para a prestação entende-se para a prestação e a contra-prestação (CRU. E. G. MEISTER, Pisa. de notione juridica morae, § 45: “Tempus debiti legitimum in omnibus contractibus bilateralibus est tempus implelfienti contractus ab una parte”, regra jurídica que não fere o art. 952 do Código Civil, mas apenas é me mnterpretativuin). O art. 960 do Código Civil fala de inadimplemento da obrigação positiva e liquida “no seu termo”. Não se disse se o termo há de ser o dies incerttts an et quando, o dies certus an, incertus quando, o dies incertws an, certus quando, o dies certus at et quando. Nem se precisou que termo está, ai, em sentido estrito, e não em sentido de termo e condição. A opinião do direito comum era no sentido de ser necessária a interpelação se a divida é condicional e ocorre a condição (H.ZoIsão, J. VOET; CHE. F. VoN GLI5CX, Aus fiíhrliche Erlduterunçi der Pandecteft, IV, 405, nota 15). O Preussisebes Aligemeines Landrecht, 1, 16, seção 2, § 68, fazia incidir a mora no momento de se implir a condição. O prazo é que há de ser prefinido. A condição tem em si dúvida, que a ratio legis da regra jurídica Pies interpellat pro homine repELE. No direito brasileiro, O art. 960 do Código Civil incide quer se trate de dívida de ir levar ou de dívida de ir buscar. A lei abstraiu da diferença, na determinação do inicio da mora. 3.DIA FIXADO PARA O ALIMPLEMENTO E MORA. Se foi lixado o dia, nesse termo começa a mora do devedor; e. g., “no dia 23 de abril”, “oito dias após a Páscoa”, “de hoje a um ano”,“na data do aniversário de A”. Dies certua an certus quando não o dies certus an incertus quando (e. g., um mês após a minha morte). Também ‘no mês de maio”, “na primeira quinzena de março” (e. g., dia 15), “no prazo de seis meses”. Não, porém, “cêrca de seis semanas”, “pagável dez dias após cada entrega da mercadoria a C”. É determinado o dia se se disse “oito dias antes das ELEições de governador, no Estado-membro A”, “oito dias antes do próximo eclipse do sol”. No direito alemão, o iRes ai-tua an incertus quando está excluído, por se fazer referência, no § 284, a calendário. O Código Civil brasileiro, art. 960, 1.’ alínea, fala apenas de térmo, mas há de entender-se o dias certus an certus quando. A cláusula “à chegada do vapor Alcântara, vindo do Norte”, não basta; “após a chegada do vapor Alcântara, vindo do Norte”, ou “tão depressa quanto possível”, ou “dois meses após a abertura da fábrica” (ditei-, “no mês de maio após a posse da diretoria segundo osEstatutos”). O fundamento está em que o devedor não ignora o dies, ao passo que pode ignorar o diu incertus quando (e. g., a morte do credor). aA regra jurídica Dia interpellat pro hornine incide em se tratando de dividas de ir buscar? Uma vez que o

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credor tem de ir ao lugar da prestação, entenderam os juristas franceses e italianos que aí a interpelação é necessária. Ora, o credor, que se apresenta no lugar em que teria de ser feita a prestação, vai receber o que se lhe deve: não vai interpelar. Se o devedor não é domiciliado no lugar da prestação, os dois tim de ir lá; se o lugar da prestação é o domicílio do devedor, o credor tem de ir lá receber: se não recebe, não se há de pensar que a mora resulta da interpelação que se conteria na atitude de estar ali para receber. A mora somente provém do dies. O devedor pode não estar no lugar, inclusive no domicílio. Nem por isso se deixa de constituir a mora do devedor. Diz o art. 960 do Código Civil que “o inadimplemento da obrigação, positiva e liquida, no seu termo constitui de pleno direito em mora o devedor”. Têrmo está, aí, por vencimento, seja à vista, seja a termo, ou sob condição a dívida. A obrigação positiva e liquida pode tôda vencer-se com o vencimento de alguma prestação, ou com a própria prestação de juros, ou quando se venceu determinado número de prestações de juros (3. Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo. 4 de outubro de 1951, 1?. dos T., 196, 111). Não tem vencimento fixo, que dispense a interpelação a obrigação para ser solvida “oportunamente” (6. Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de maio de 1951, 194, 700), ou “quando fôr de mister”, ou se é duvidosa a data do vencimento (2.8 Câmara Civil, 22 de agôsto de 1950, 189, 318). 4.PRESSUPOSTOS DA LIQUIDEZ E .POSITIVIDADE DA DIvIDA NA ESPÉCIE DO ART. 960, ALÍNEA 13. A liquidez da divida somente é pressuposto necessário da mora para se invocar o art. 960, alínea 1.8; não para se invocar a 2.8 alínea. Tão-pouco, é a liquidez pressuposto necessário para a mora ex re dos arts. 961 e 962. A positividade da dívida é pressuposto necessário para a mora do art. 960, alínea 1.8. No suporte fáctico da’ regra jurídica, hão de estar a dívida positiva, a liquidez e o termo dia certus an certus quando. Se não é positiva, é negativa; incide o art. 931. Se a divida provém de ato ilícito absoluto, não se apura se consistiu esse em ato ou omissão; aí, o ato é que pode ser positivo, ou negativo, não a obrigação, que é sempre positiva (indenizar). O art. 960, 1.8 parte, do Código Civil fala de obrigação positiva e líquida e de termo. a) Obrigações positivas são as de dar e as de fazer. O art. 960 nada tem com as obrigações negativas. b)Quanto à liquidez ou iliquidez, de que se cogita, no art. 960, 1.8 parte, do Código Civil, é a liquidez ou iliquidez da dívida (quantum debeatur), conceito inconfundível com o de certeza ou incerteza da dívida (an debeatur) ou quanto aos sujeitos (pessoa do devedor ou pessoa do credor). In illiquidia non fit mora. Se o direito romano clássico tinha, ou não, o principio In illiquidis non fit mora, há divergência de opiniões. O passo mais invocado é o da L. 99 (VENULEIO), D., de diversis regulis juris antiqui, 50, 17: “Non potest improbus videri, qui ignorat, quantum solvere debeat”. Não pode parecer que é improbo o que ignora quanto deve pagar. Na. doutrina medieval e posterior, CUJÁCW lê a L. .99 como se fôsse referente a mora. improbus, id est in mora”, “non potest esse in mora qui arbitrum petit rationibus excudendis; e no mesmo sentido A. MATTHAEUS (Inextremum Pandectarum titulum qui est de diversis regulis turis antiqui commentarius, 364). Mas o êrro persistiu por falta de consulta do texto original de VENULETO, que não se referia à moya, mas . . com a caução pretória, à lei Falcídia (O.LENa, Palingenesia iuris civilis, II, 1222). A L. 63, D., de diversis regulis iuris antiqui, 50, 17, e a L. 24, pr., D., de usuris et fructibita fl causis et omnibus accessãonibus et nwra, 22, 1, não provam a existência do princípio. Nenhum dELEs se refere à iliquidez da dívida. Idem, quanto à L. 8, pr., D., 22, 1, e a L. 78, pr., D., de legatis et fideicommissis, 31. Oprincípio liliquidis non fit mora é justinianeu, provàvelmente por influência bizantina. A itwerteza sobre a dívida (existência ou não-existência) pré-eliminava a mora (L. 78, pr., 13., de legatis et fideicommissis, 31) ; porém não a alegação como pretexto para não solver (L. 89, § 1, (MARCIANO), 13., ad legem Pai cidiam, 35, 2). Não é hoje de admitir-se tal pré-exclusão. O devedor incorre em mora ainda que não saiba ser devedor (também assim era no direito romano clássico, pois foram as regras jurídicas posteriores que exigiram a ciência do devedor), ou tenha dúvidas sobre o ser. O direito brasileiro, com o art. 960, 1.8 parte, do Código Civil, acolheu o princípio liliquidis non /it mora para fazer dependente de interpelação a mora, se a dívida é ilíquida, ou da liquidação? Pelo art. 960. 1. parte, só se sabe que, sendo ilíquida a dívida, não há mora ex re. Não se disse que se teria de liquidar antes, para depois se interpelar. A liquidação judicial começa pela citação (Código de Processo Civil, art. 907) mas já houve a citação na ação condenatória. De modo que a solução ou (a) é a de ter-se de propor a ação condenatória para que se inicie a mora, ou (b) a de poder-se interpelar a despeito da iliquidez da dívida, Uma exclui a outra. A favor da solução (a) há os seguintes argumentos: a) interpelar-se pelo ilíquido é pôr-se em dificuldade o devedor, que pode não solver quanto deve; b) não se pode liquidar sem se ter condenação do devedor.

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A favor da solução (b), há o argumento de não ser razoável que se precise liquidar para se contarem juros da mora e se terem outros efeitos da mora. De lege farei-ala, seria interessante que se pudesse liquidar judicialmente a divida, desde que não se lhe negasse a aistOncia. Não foi previsto isso. Mas seria aconselhável. De lege lata, o sistema jurídico brasileiro supunha haver acOrdo sobre o quanto, ou arbitramento, ou sentença condenatOna, para que se inicie a contagem de juros (Código Civil, art. 1.064); mas o Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, alterou o art. 1.064 do Código Civil. Dizia o art. 1.064 do Código Civil: “Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora, que se contarão assim às dívidas em dinheiro como as prestações de outra natureza, desde que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes”. O Decreto n. 22.626, art. 1.0, § 39, estabELEceu: “A taxa de juros deve ser estipulada em escritura pública ou escrito particular, e, não o sendo, entender-se-á que as partes acordaram nos juros de 6% ao ano, a contar da data da propositura da respectiva ação ou do protesto cambial”. Teve-se, portanto, a solução a) ; depois, a solução b). Em verdade, não seria de admitir-se, em boa técnica legislativa, que o devedor, se ilíquida a divida, pudesse tirar as vantagens do objeto até à data do pagamento, ou da liquidação. A fluência de juros de certo modo retribui esses proveitos. A argumentação que pretende ligar a mora à citação ou à interpelação e os efeitos dela à liquidação não merece acolhida. A solução dos interesses é que tem de ser protraída; não, a dívida dos juros moratórios. Ésses juros são correspectivos da utilidade que o devedor pode tirar, ou é de supor-se que possa tirar, da prestação devida e não paga. O Decreto n. 22.626. art. 1.0, § 39, afasta: a) que se tenha de aguardar sentença para que os juros comecem de correr; b) que se possa alegar, em objeção ou exceção, que a soma devida não poderia render o que a lei fixou como juros da mora; c) que, tendo havido prazo determinado, mas sendo ilíquida a divida, se hajam de contar os juros desde o dies em que se deveria solver; d) que, sendo determinado o prazo e sendo líquida a dívida, a propositura da ação signifique que se abriu mão dos juros moratórios intercalares. A incerteza sObre a dívida (existência ou inexistência, validade ou invalidade do negócio jurídico, eficácia ou ineficácia do negócio jurídico) de modo nenhum obsta à mora. A ignorância da obrigação somente pode ter importância para se admitir que a mora não é imputável ao devedor se é objetiva a causa para se ignorar. Por exemplo: se se discute quem é o herdeiro e por isso o devedor ignora que deve (= que é herdeiro). Mas, ainda aí, pode na mora incorrer a herança,e não cabe pensar-se em não incidir em mora o herdeiro.O êrro de direito ou de fato, por parte do herdeiro, supõe ignorância de causa subjetiva. Desde o momento em que há sucessão aberta, a mora ex re opera-se; se o caso não é para mora ex re, tem de haver a interpelação ou a citação, que depende de legitimação passiva do interpelando ou citando. Quanto à dúvida sObre a pessoa do credor, não há por onde, hoje, pensar-se em óbice à mora. Ainda que haja disputa quanto ao crédito. Aliás, na L. 1, § 37, D., depositi veZ contra, 16, 3, e na L. 18, § 2, D., de nautico faenore, 22, 2, já se previa o evitamento da mora com o depósito. A doutrina que não considera necessário o depósito em consignação, nas espécies do art. 973 do Código Civil, para evitar a mora, mas sim como simples meio de pagamento, tem de ser recebida em termos: a se houve mora do credor (Código Civil, art. 978, 1, II), a ação de depósito em consignação tem em si a afirmação da mora do credor e a sentença a declara, ou não; se a declara, o devedor apenas pagou e teve por ei a declaração de não haver incorrido em mora, ou terem sido simultáneas as moras (cf. art, 959, III, verbis “Por parte de ambos”) ; b) se o depósito em consignação foi pedido com fundamento no art. 978, III, IV ou V, não se cogita de mora do credor, ex hypothesi, mas o devedo? evita cair em mora; e) se com fundamento no art. 973, VI, idem. Se há disputa sObre quem deve receber o objeto do pagamento, o devedor, que erre quanto ao credor, pode pagar mal. O art. 973, IV, do Código Civil faculta-lhe depositar em consignação. Se há litígio sóbre o objeto do pagamento, ainda entre o credor e o devedor, pode esse ter interesse em pedir o depósito em consignação, conforme o art. 973, V. Pode o devedor, que litiga, pedir o depósito em consignação para evitar efeitos da mora, além dos efeitos dos juros moratórios, pôsto que já houvesse, com a citação, incorrido em mora. Se o objeto da obrigação é fazer, o méjo de liberação não é tão fácil quanto para as obrigaçÕes de dar. Nao se deposita em consignação ato. Todavia, pode o devedór, na espécie do art. 973, IV, do Código Civil, ou do art. 973, V, pedir para fazer o que se lhe exige, sem prejuízo da demanda em cuja sentença se dirá a quem aproveita o ato, ou quem tem razão na disputa judiciária. t caso, ali, do construtor que não sabe quem é o dono do prédio; aqui, do joalheiro que tem de executar a jóia e há demanda sObre as pedras e ouro com que trabalha. 5.CARÁTER DO .art. 960, ALÍNEA 1.’. O art. 960,alínea 1.8, é ius interpretativum. Cabe, se foi fixado o

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termo e não há certeza sObre a exigência negocia1 da interpelação. Se, por exemplo, foi fixado o dia, mas o credor tem de ir buscar a prestação, nenhum movimento cabe ao devedor: quem tem de buscar tem de, no momento e para o momento, interpelar. 6.OBRIGAÇÕES NEGATIvAS (ART. 961). “Nas obrigações negativas”, diz o art. 961 do Código Civil, “o devedor fica constituído em mora desde o dia em que executar o ato de que se devia abster”. A regra jurídica incide em direito civil e em direito comercial (2.’ Turma do Supremo Tribunal Federal, 3 de setembro de 1943, R. dos 7’., 184,416; A. J., 39, 112). No art. 188 do Código Comercial está escrito que “os efeitos da mora no cumprimento das obrigações comerciais, não havendo estipulação no contrato começam a correr desde o dia em que o credor, depois do vencimento, exige judicialmente o seu pagamento”.. O art. 188 do Código Comercial só incide em se tratando de obrigações positivas, liquidas ou não; quanto às negativas.. o art. 961 do Código Civil é que tem de ser atendido (2.’ Turma, acórdão já citado). 7.OBRIGAÇÕES ORIUNDAS DE FATOS ILÍCITOS (ART. 962. Os juros da mora contam-se desde o delito, por fOrça do art. 962, e não desde a citação inicial (8.’ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 80 de outubro de 1951, D. O. de 25 de junho de 1953; sem razão, a 1.’ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 10 de novembro de 1942, R. F., 94, 108). -A mora é ex re. Quando se alega e prova que houve ato ilícito, ato-fato ilícito ou fato siricto seneu ilícito de que resultou responsabilidade, necessâriamente se alude a dia, em que o fato aconteceu. “Nas obrigações provenientes de delito”, lê-se no Código Civil, art. 962, “considera-se o devedor em mora desde que o perpetrou”. A regra jurídica não incide apenas em se tratando de ato ilícito, stricto sensu. Nos casos de responsabilidade por ato-fato ilícito, ou por fato stricto sensu ilícito, o art. 962 é que se há de invocar. A interpelação é para a mora de obrigações positivas de origem negocial, se não são líquidas. § 2.S03. Mora por interpelação 1.INTERPELAÇÃO, ATO JURÍDICO “STRICT’O SENSU”. A mora por interpelação, a mora ex persona, é a que ocorre em tôdas as espécies que não cabem nos arts. 960, lY parte, 961 e 962. A interpelação não é negócio jurídico; é ato jurídico atricto sensu, que se submete a regras jurídicas que também incidem sobre as declarações unilaterais de vontade (capacidade do interpelante, arts. 5-9, 145-158, Decreto-lei n. 291, de 25 de novembro de 1938, arta. 29 e 30; mandato e representação, ratificação, etc.), ou, se judicial, às regras jurídicas processuais. A interpelação feita pelo relativamente incapaz é anulável, mas eficaz. Se, para a prestação, que se exige, é preciso ulterior atividade do credor, que não seja simplesmente receber, tem o devedor de satisfazer- o seu dever de cooperação; e. g., se o lugar tem de ser indicado pelo credor, ou se o credor tem de buscar a prestação, há de ser acompanhada de indicações. A interpelação tem de ser feita pelo credor, ou por seu procurador, ou representante, ou por ELE e <juem o assista. A interpelação pelo gestor de negócios sem mandato é ineficaz (P. OERTMANN, Recht der SchuZdverhiiltnisse, 182; contra, H. de CLAPARÊDE, Beitrâge, 188), salvo caução de rato (Código de Processo Civil, art. 110) ; mas torna-se ineficaz desde o mi iento em que chegá ao devedor a comunicação de ter o dono ao negócio ratificado a gestão. A interpelação ao incapaz é ineficaz (H. de CLAPARÉDE, Beitrâge, 187, G. PLANCK JCommentar, II, 1, 263). Se há. dois ou mais credores, têm de ser inteypelados todos, quanto às suas partes na divida;Tratando-se de co-herdeiros, cada um dELEs tem de o ser; se o crédito é da herança, qualquer dELEs pode interpelar, porém sem eficácia para todos (arg. ao art. 1.580, parágrafo único). (a) Se não há termo para se adimplir, isto é, determinado prazo, dia certo, ou dia fixo (nos negócios a prazo ou dia fixo), é de mister a interpelação, notificação ou protesto (Código Civil, art. 960, alínea 2.8). Trata-se de três manifestações de vontade recepticias. No art. 960, alínea 2.8, não se disse que a interpelação há de ser judicial. No direito romano, a L. 32, pr., D., de usuris a fructibus et ca’usis et omnibus accessãonibus et mora, 22, 1, fala de interpelação judicial (i interpeliatus ... quod apud iudicem examinabitur) e a L. 22, D., de rebus crediti-s si certum petetur et candictione, 12, 1, de petitio in judicio; mas tanto ali quanto aqui não é de interpelação pressuposto da mora que se trata. Na L. 82, a interpelação judicial já lhe é posterior, já a pressupõe (C. O. v. MADAI, Pie Lehre von der Mora, § 5); na L. 22, não há base para se tirar cónclusão sobre a insuficiência da interpelação extrajudicial. Na L. 3, pr., D., de usuris et fructibus et causis et omnibus accessãonibus et mora, 22, 1, PAPINIANO argumenta

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com a mora antes do juízo, pôsto que não possa fàcilmente acontecer (non facile evenire possit, ut, mora non praecedente, perveniatur ad iudicem). Também se discutiu na Idade Média se a interpelação podia ser oral, ou se só se admitia a interpelação por escrito. Na ‘falta de qualquer fonte romana, entendeu-se, depois, que era suficiente a interpelação oral (K. F. F. KNIEP, Pie Mora des Schuldners, 1, 518 s., que viu fundamento do étimo de interpeilare, e frisou a diferença em relação a convenire, o que pouco nos asseguraria sobre a extrajudicialidade; C. O. v. MÁDAI, Pie Lehre von der Mora, 89, que reputava deixada ao juiz a apreciação). Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 50, § 1, estava dito que a coisa emprestada devia “tornar ao devedor ao tempo e prazo, que lhe fôr pôsto, e não sendo declarado tempo; ?bd& vez que o acredor lhe pedir, e desse tempo fica constituído em mora No Código Civil francês, art. 1.139, diz-se: “Le débiteur est constitué en demeure, soit par une sommation ou par autre acte équivalent, soit par l’effet de Ia convention, lorsqu’elle porte que, sans qu’il soit besoin d’acte et par la seule échéance du terme, le débiteur sera en demeure”. A interpretação viu no art. 1.139 a permissão da interpelação oral (e. g., J. PAGE’r, Essai sur Ia mise en demeure et 8e8 effets, 100). A jurisprudência admite a interpelação extrajudicial escrita (48 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 6 de agôsto de 1942, 1?. dos T., 142, 570). Escapam a essa ilação aquELEs casos em que se tem de dar prazo ao devedor para o adimplemento e a lei o preestabELEceu (e. g., Código de Processo Civil, art. 346, a respeito de pré-contratos sobre lotes; 13 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal,26 de junho de 1953, A. J., 109, 159). (b) Estatui o art. 186 do Código Comercial: “Nas obrigações com prazo certo, não é admissível petição alguma judicial para a sua execução antes do dia do vencimento; salve nos casos em que êste Código altera o vencimento da estipulação, ou permite ação de remédios preventivos Oart. 186 do Código Comercial sublinha o princípio de que o prazo é a favor do devedor, porém de modo nenhum veda que se faça a favor do credor o prazo e se estabELEça a exigibilidade desde logo ou em qualquer momento antes do termo. Por outro lado, não se tire do art. 136 do Código Comercial que se pré-exclui a ação de condenação a prestações futuras, nos casos em que ela cabe. No Código Comercial, art. 188, diz-se: “Os efeitos da mora no cumprimento das obrigações comerciais, não havendo estipulação no contrato, começam a correr desde o dia em que o credor, depois do vencimento, exige judicialmente o seu pagamento”. O Código Comercial, no art. 138, não disse que a mora somente ocorre com a exigência judicial do seu pagamento. Disse, apenas, que os efeitos da mora começam a correr do dia. em que o credor, vencida a dívida, judicialmente exige o pagamento. A mora, essa, já se estabELEce, como fato, no dia em que se devia prestar e não se prestou. Isso, em se tratando de qualquer dívida comercial, exceto a derivada de compra-e-venda (código Comercial, art. 205). Só a respeito de compra-e-venda foi que se exigiu a interpelação judicial. Advirta-se em que o art. 188 do Código Comercial é jus dispositivum. O negócio jurídico pode preestabELEcer desde quando começam os efeitos da mora, quer para fixar antes da propositura da ação a data do início, quer para determinar dia posterior ao da propositura. Lê-se no art. 137 do Código Comercial: “Tôda a obrigação mercantil que não tiver prazo certo estipulado pelas partes, ou marcado neste Código, será exeqUível dez dias depois da sua data”. Tôda dívida mercantil que tem prazo é exigível no último dia do prazo; se nao há prazo, dez dias após a sua data. No art. 205, a propósito da compra-e-venda, estabELEce-se: “Pata o vendedor ou comprador poder ser considerado em mora, é necessário que preceda interpelação judicial da entrega da coisa vendida, ou do pagamento do preço”. Aí, a interpelação judicial foi apontada como ELEmento do suporte fáctico da mora. A regra jurídica é inconfundível com a do art. 138, s6 referente aos efeitos da mora. Todavia, o art. 205 só é jus diepositivum: no negócio jurídico da compra-e-venda pode-se estipular que a mora se inicia com a interpelação extrajudicial, ou conforme o modo que sé escolher de interpelar, ou por simples interpelação tELEgráfica ou tELEfônica. A interpelação oral foi sempre suficiente em direito comercial: “inter mercato res . .. sufficit illa tacita . . . interpeltatio” (Rota Ãorentina) e o Código Comercial, no art. 205, não- edictou regra jurídica cogente, que seria sem fundamento sério em técnica legislativa sObre os negócios comerciais. (c) A interpelação judicial, ou citação, feita aquela ou essa em juízo incompetente, constitui em mora? A respeito da interrupção da prescrição há o art. 172, 1, do Código Civil, relativo à citação. jCabe a analogia? Há

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opiniões diferentes: a) a que admite a analogia, aí, a despeito de se tratar de exceção à regra geral de ser ineficaz e nula por incompetência de juízo; b) a que vê na regra jurídica do art. 172, 1, regra geral, que aí se enuncia a propósito da interrupção da prescrição; c) a que atende à existência da regra jurídica do art. 172, IV, segundo a qual os atos que constituem em mora interrompem a prescrição, e a do art. 172, 1, que considera fora dos casos de constituição em mora, de que trata o art. 172, IV, o que se refere à citação nula por incompetência do juízo; d) a que considera eficaz a interpelação para a constituição em mora, qualquer que seja o juízo que a faça, de modo que qualquer juízo é competente (= existe regra jurídica não-escrita segundo a qual qualquer juiz que possa deferir pedidos de interpelação é competente sem depender de discriminação entre juízos da mesma competência). A opinião verdadeira é d). A despeito de o art. 172, 1, do Código Civil só se referir à citação, havemos de entender que a dispensa ao que mais é inclui dispensa ao menos (Tomo VI, § 680, 7, 9). Além desse argumento, há o argumento próprio da opinião d) : a interpelação, a notificação e o protesto independem de regras jurídicas internas de competência, como são as regras jurídicas sobre competência territorial ou de domicilio da pessoa. O que importa é que o devedor receba a interpelação. (d) Na citação está inclusa a interpelação. Quem cita interpela. Os julgados que o desconhecem, no caso de divida que se há de pagar no domicilio do devedor, ou em outro lugar que não o do domicilio do credor, desatende a que quem cita já alude ao que se passou, e a citação apenas contém interpelação e a mora se estabELEce porque não se adimple no lugar devido. A eficácia da interpelação para mora depende do lugar em que se faz. A citação ‘nas ações executivas, inclusive de sentença (Código do Processo Civil, arte. 918, 992 e 998), e na liquidação (Código de Processo Civil,. art. 906) constitui em mora, mas, em princípio, a mora já se constituíra. Idem, nas ações de preceito cominatório (Código de Processo Civil, art. 303). Para as interpelações, notificações e protestos nenhuma regra jurídica de competência existe, salvo as que concernem a jurisdição civil e criminal ou a jurisdição de juizes que em geral não podem mandar interpelar, notificar ou deferir pedido de protesto. Foi por isso que, a respeito das citações, uma vez que elas, às vêzes, contêm interpelação, se teve de ressalvar a eficácia interpelativa nela contida. Interpelação, notificação e protesto não são ação (dai a importância da distinção entre citação e notificação, a respeito de alguns erros terminológicos das leis). O que importa, na interpelação, na notificação e no protesto é a manifestação de vontade ou de conhecimento, que faz o interpelante, notificante ou protestante, e a recepção dela pelo interpelado, notificado ou destinatário do protesto. Não é o juiz quem comunica, é o interessado; o juízo apenas manda que se transmita o que foi dito. Muito diferente é o que se passa com a citação: aí, o juiz chama a juízo. Há vocatio in ius. A citação, na ação declaratória da divida, ou na ação de prestação futura, não contém interpelação. Nem a citação nas ações de medida preventiva ou cautelar. (e)Se o processo em que houve a citação foi julgado nulo, somente por incompetência do juízo, a citação está salva, porque não é ato decisório (Código de Processo Civil, art. 279), e vão os autos ao juízo cómpetente. Se o foi por outra razão, tem-se de indagar se a decisão decretou, ou não, ainda que só implicitamente, a nulidade da citação. Se não a atingiu, constitui-se em mora o devedor interpelado. A inépcia da petição, no ponto referente à interpelação, pré-exclui qualquer efeito interpelativo da citação, porque o devedor também não poderia saber o que o credor lhe exige (cf. Rota Romana, 15 de janeiro de 1616, Sacrae Rotae romanae decisãones, III, 500). (f) a) A comparência voluntária do devedor diante de juiz conciliador (P. BONCENNE, Théorie de la Procédure dvile, II, 59), ou de árbitros, sem citação, constitui em mora. Outrossim, a comparência, perante o juiz comum, de quem não foi citado, ou de quem foi nulamente citado (Código de Processo Civil, art. 165, § 1.). b) Se o devedor comparece e alega a nulidade da citação, a mora começa da data em que ELE, ou seu procurador, tenha ciência da decisão que decretou a nulidade (art. 165, § 2.0). A mora no caso a) é ex re, e não ex persona? Tanto no caso da comparência perante o juiz só conciliador, ou conciliador, ou perante o juízo arbitral, quer perante o juiz comum, é citação ex persona. Supóe-se que, se não houve a citação, foi porque se contou com a comparência, ou o que deveria ser citado entendeu que podia dispensar a citação. (g) Já no direito comum, a epístola e a interpelação oral eram suficientes. Quem. interpela lembra, ainda que seja para se iniciar prazo, a dívida que se há de solver. Não só a epistota ou carta lembra ou adverte. O tELEgrama, a tELEfonada e o bilhete também interpelam. Pulsa entre: interpeltare, interpellere (como ap’peuare, ap’pellere, pello, ere, pulsum). Não pulsa para cima, como a apelação. A remessa da conta é simples comunicação de

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conhecimento: não é interpelação. Falta-lhe a manifestação de vontade de ser pago, falta-lhe a exigência que há na interpellatio. A lei pode incluir tal vontade, se o diz em regra jurídica cogente, ou dispositiva; mas isso não ocorre sem texto escrito. A conta que já leva a quitação, com o sêlo e a assinatura, ou o que a gompletaria e faria eficaz, contém a interpelação (K. F. F. KNfflP, Die Mora des Schuldners, 1, 512). Tem-se, aí, interpelação tácita (cf. A. SCHLIEMANN, Die Lekre vom Zwange, 99 s.). A interpelação não é negócio jurídico. Mas negócio jurídico pode conter a interpelação e a recepção, e o negócio jurídico pode preestabELEcer que algum ato contenha ou signifique interpelação (e. g., içar a bandeira de certa côr, ou acender as luzes no lado da casa, ou na fábrica). 2.INTIMAÇÃO CONTIDA NA CITAÇÃO INICIAL OU NA INTIMAçÃo DA RECONvENÇÃO. A citação inicial na ação de condenação, ou na executiva, ou na intimação da reconvenção, condenatória ou executiva, contém interpelação, pelo ELEmento comum da reclamação do adimplemento. Por isso mesmo, feita a citação, se a mora ainda não se produziu, produz-se (Código de Processo Civil, art 166, IV, ainda que incompetente o juiz, § 1.). Não assim a citação em ação declaratória. A conta, que se envia ao devedor, não interpela; apenas comunica a importância da divida. Se a conta vai com o recibo, datado, ou se a prestação do credor foi para reembôlso, contém interpelação. Outrossim, a carta em que se pede o pagamento. 3. PRESTAÇÃO SOBRE QUE SE INTERPELA. A interpelação há de ser referente à prestação devida. Se se reclama outra prestação que aquela que é de fazer-se, interpelação há, mas ineficaz. Se a prestação é a mesma, porém não no é o lugar, o modo, o encaixotamento, ou outra particularidade do conteúdo da obrigação, discute-se se a interpelação é, ou não, eficaz. Não se trata de cobrar a tela de Doúatelo quando se deve Verroechio,porque se pediu o que não se devia. Se A cobra Sx, em vez de 2x,-não houve interpelação eficaz, salvo se A deve lx e 2x, ou lx, lx e lx, ou 1/2x, 2x e 1/2x. A questão não recai, aí, sobre a identidade da dívida ou das dívidas. Aliás, sempre que se exige melhor ou mais do que se deve, a interpelação é ineficaz. Outrossim, se dela resulta que, reclamando mais, o credor não aceitaria menos (tal como é devido), ou o devedor não solveria com o menos (H. REHBEIN, Das Biirgertiche Gesetzbuch, II, 120; 1.OERTMANN, Recht der Schutdverhifltnisse, 132; C. CROME, S’ystem, II, 186; F. ENDEMANN, Lehrbuch,, 1, 77S; II. DE CLAPAafinE, Beitrdge, 112; F. PAECI{, Der Leistungsverzug, 63; contra, sem razão, TH. KíP, em B. WINDSCHEID, Lehrbu-ch, 93 ed., 144) : se a interpelação certa não teria conseqüencias, a errada também não tem. Se a interpelação é de menos do que é devido, só até o quanto da interpelação é- ela eficaz; salvo se houve êrro do interpelante, que o credor conheceu (P. OERTMANN, Recht der Schuldverh,tiltnisse, 133; G. PLANCK. Kommentar, j, 43 ed., 264; Ii. DE CLAPARÉDE, Beitrdge, 112; F. PAira, Der Leistungsverzug, 62). Nas obrigações em que se haja de prestar e contraprestar, toma-lá-dá-cá, “Zug um Zug”, não é preciso, de regra, para a mora, que a interpelação se faça com a oblação da contraprestação: ao devedor cabe prestar, contra a prestação do credor, e exercer a exceção non adirapleti contractus, se aquELE falha. Se o devedor já exprimira antes estar pronto a pagar, com o conhecimento do credor, ou resulta de fatos concludentes, conhecidos do credor, precisa esse de interpelar com a oblação da prestação, porque então a exceção mm adimpleti contractus pode ser usada desde logo. Se a prestação havia de ser contra entrega de documentos e a interpelação se fêz sem que o credor estivesse habilitado a entregar, 4 ineficaz {C. CROME, Syst em, II, 136). No caso de se interpelar quanto a acordo de transmissão, ou escritura pública que o contenha, faz-se mister a fixação do dia, se ao interpelante cabe a preparação dos papéis; se cabe ao outro, há de ser fixade prazo, salvo se o negócio jurídico fixo o dia. Tendo-se fixado prazo, a expiração dELE marca o início da eficácia da interpelação. Dentro dELE é que o interpelado tem, por sua vez, de fazer a prestação, fixando o dia. Se há condição ou eventualidade, a interpelação pode ser eficaz se o acontecimento é ato,ou enunciado do devedor, ou fato que a ELE ocorra. como para ocaso do devedor não dar garantia, ou receber de terceiro certa quantia (H. REEBEIN, Das liuirgerliche Gesetzbuch, II, 119; F. SCROLLMEYER, Recht der Schuidverhtiltnisse, 122; H. DE CLAPAILÉDE, Beitrdge, 120; E. F. BRUCK, Bedingungsleindliche RechtsgescMf te, 172; diferente, K. COSACK, Lehrbuch, 1, 6.8 es!.,421; F. PAECH, Der Leistungsverzug, 59). A interpelação a termo é eficaz (E OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 133; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 43 ed., 267). A mora começa de correr após o termo. Nascida a pretensão, é exigível a divida, em princípio. A exigência é que põe em mora, se a mora não é ex re. Se ainda se espera que ocorra o fato que é condição, ou se chegou ao térmo, é inoportuna a interpelação? Na L. 49, § 3, D., de verborum obtigationibus, 45, 1, PAULO apenas fala de interpeilatio ante diem, mas para dize; que, a despeito dela, se morre o escravo, não se perpetua a obrigação. A dúvida estava em se saber se a morte, de

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que cogita PAULO, é a) a morte após a interpelação e antes do vencimento, ou lO após esse. Com a), K. A. D. UNTERHOLZNER, Queilenmãssige Zusammenstellung der Lehre des rómischen Rechts von den SchuldverMitnissen, 116, nota m). Como em a), ainda recentemente ALBERTO MaNTEL (La Mora dei debitore, 85). A ineficácia da interpelação ante diem é de ter-se por assente, ainda que se trate de termo certo. Se a condição consiste em ação ou omissão do devedor, ou disso depende, e à ação ou omissão é obrigado o devedor, a interpelação pode ser antes do implemento da condição (G. REHBEIN, Mora debitaria, 9). Se o devedor pode prestar entre a data a (ou o fato a) e a data b <ou o fato b), sem que o credor possa interpelá-lo para fixação de data, somente há obrigação de prestar no último dia. Se a prestação e a contraprestação são toma-lá-dá-cá, a apresentação da prestação pelo devedor ao credor é tentativa de prestar e ao mesmo tempo interpelação (G. REHBEIN, Mora debitaria, 8); mas ao devedor cabe opor a exceção non adimpleti contractus, para não incorrer em mora (ou a exceção non rite adimpleti contrac tua), ou depositar a prestação, com a declara$o de que o outro figurante não prestou, e o depósito somente pode ser levantado com o depósito ou entrega da contraprestação. De qualquer maneira, a interpelação judicial é aconselhável, para se evitar dificuldade na prova da mora. Se o devedor tem a escolha nas obrigações alternativas, a interpelação é eficaz quando ELE ainda não escolheu. Se ao credor é que toca a escolha, não pode ELE interpelar sem ter escolhido <G. REHBEIN, Mora debitaria, 9). Na empijo ad menauram, o credor pode interpelar o devedor para que se proceda à mensuração (FE. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 48). A interpelação por mais do que é devido tem-se de tratar como pina petiti . O devedor interpelado não incorre em mora se ficar decidido, depois, que se exigiu antes do vencimento, ou que se exigiu outra coisa, ou que se exigiu mais (G. REEBEIN, Mora debitoris, 10). Interpelado por mais, entende-se que foi no devido e, ineficazmente, no excesso, se divisível o que se pediu. 4. INTERPELAÇÃO E REVOGAÇÃO. Discute-se se a interpelação pode ser revogada. Trata-se de ato jurídico atricto seneu, recepticio; para que tenha efeito a revogação, é preciso que não se trate de interpelação já eficaz (isto é, que já começou de produzir os efeitos de mora), ou de expressa remissão da divida, ou da obrigação, ou da eficácia de mora (cp. P. OERTMANN, Recht der Schuldverhâltnisse, 133; G. PLANCK, Kornraentar, fi, 7, 43 ed., 268; TE. KíPP, Rechtswahrnehmung, Fest gabe f’dr R. ROCE, 120; P. KLEIN, Zurúcl<nahme von “Willensmitteilungen”, Archiv flir Biirgerliches Recht, 33, 259). Feita para termo a ser alcançado, não pode ser refeita para momento antes dELE (E. ZITELMANN, Selbstmahnung des Schuldners, Pestgabe ti.ir 7. KRUGER, 287 s.). A interpelação não pode ser sob candição. Mas, se foi estabELEcido pelo credor, na interpelação, sob condição, que se dá, com isso, outrâ oportunidade ao devedor, vale e é eficaz. Ai, a condição funciona como o prazo sobressalente. A doutrina alemã, com FRITz PAECH (Der Leistungsverzug, 32), FR. LEONEARD (Aligemeines Schuldrecht, 511),H.KltEss (Lehrbuch des Allgerneinen Schuldrechts, 428), PH. HECK (Gruredries des Schuidrechts, 107), JOSEF ESSER dehrbuch des Schuldrechts, 139) e PALANDT (Biirgerliches Cc qetzbuch, 293), enveredou pelo errado caminho de atribuir efeito à exceção antes de ser oposta. Com isso esquecem-se os ensinamentos de P. OERTMANN (Einrede und Verzug, Zeitschrif 1 filr das gesavnte HandeI.srecht, 78, 1. s.), ERNST SUPPES (Der Einredebegriff, 36),KONRAD HELLWIG (Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechís,1, 248 e 250) e H. SIBn (em G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 261). A exceção exerce-se contra quem ataca. Se não foi exercida, nada feito. Exercendo-se, encoberta fica a eficácia da pretensão ou da ação. O exercício da exceção é que opera como braçal que apara o golpe, não a exceção mesma. Das mesmas considerações tira-se que a exceção não pode ser exercida somente judicialmente, É exercível extrajudicialmente, em todos os casos em que, sem ela, a mora se constituiria (KONRAD HELLWIG, Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechts, 1, 250; Cai. CROME, Svstem, 1, 183). Exercida a exceção, não há mora enquanto haja efeito a exceção. Dir-se-á que, se houve incidência do princípio Dies in,terpellat pro homine, a mora, que deveria operar-se, automàticamente, não se operaria. Não basta o argumento para se enunciar que é a existência, e não o exercício da exceção, que afasta a incursão em mora, O vencimento deulse, mas o venci mento apenas é um dos ELEmentos da mora. Otinadimplemento é outro. É no tocante ao inadimplemento que a exceção tem a sua eficácia especifica, depois de set exercida: deixa de ser

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imputável o inadimplemento, porque podia ser encoberta a eficácia da pretensão e o foi com o exercício da pretensão. Oargumento maior contra a solução da eficácia dependente do exercício da exceção é de ser atribuida aó exercício eficácia retroativo, pois que o vencimento pode já haver ocorrido. Só após exercer-se a exceção é que se apreciaria o vencimento e se teria de julgar contra o autor que iniciou a ação de acordo com os princípios que regem o vencimento das obrigações. Ora, aí confunde-se com a mora o vencimento. O vencimento não é o único ELEmento do suporte fáctico das regras jurídicas sobre mora. É preciso que haja o vencimento e haja o inadimplemento e a imputabilidade do inadimplemento ar devedor. A exceção já existe, ex hypothesi, ao tempo do vencimento, e o inadimplemento foi devido a ter-se a exceção contra o credor. No momento em que se vai contra o devedor e esse exerce a exceção, tudo se tem de apurar porque a eficácia da pretensão está encoberta. O que, com isso, se declara é que o inadimplemento não é imputável. A mora não se produziu, porque, se é certo que incidiu o art. 960 do Código Civil, também incidiu o art. 963. A 2.8 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 17 de junho de 1947 (R. 9., 115, 527), disse que, não havendo obrigação líquida e certa, a interpelação não constitui em moraodevedor. Infringiu a regra jurídica explícita do art. 960,2.8alínea, do Código Civil. Quanto acima dissemos se refere a quaisquer exceções, inclusive a de prescrição. No que concerne à exceção non adimpleti contractws, ou à nore rUe adimpleti contractus, a prestação e a contraprestação estão em situação de recíproca dependência. O devedor somente incorre em inadimplemento imputável e, pois, em mora se o credor está pronto a cumprir a contraprestação e pode fazê-lo (Código Civil, art. 1.092, alínea 13: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”). A tendência mais recente da doutrina alemã é a de adotar para umas exceções o princípio da eficácia da existência da exceção e, para outras, o principio da eficácia do exercício não satisfaz. Deixa de fazer a pesquisa no suporte fáctico da mora, por estarem os juristas preocupados com o vencimento. Quando o art. 960 diz que “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo constitui de pleno direito em mora o devedor”, supõe positividade e liquidez, vencimento e inadimplemento imputável. 5. PRESTAÇÃO TIDA COMO IMPRÓPRIA. Se devedor e credor tiveram a prestação como imprópria, não é preciso fazer-se interpelação: já a houve. Se há de incidir, ou não, a regra da imputabilidade do ato ou omissão (art. 963), é outra questão. Se o devedor mesmo comunicou que em certo dia prestaria d-1. SIBER, Interpeilatio und Mora, Zcitschrift der Savign-y-Stiftung, 42, 104; E. ZITELMANN, Selbstmahnung des Schuldners,’ FesI gabe fUr P. REUGER, 288 s.; “àuto-interpelação”; E. HEYMANN, Das Verschulden, 148), ou que já prestara o devido (E. ZITELMANN, 282 s., 292), também seria supérflua a interpelação. Se a prestação não satisfaz, o auto-interpelado incorre, ou incorreu em mora. Se o devedor, antes de ser exigível a prestação, declara que não cumprirá a obrigação, não é preciso interpelação para o caso de não cumprir (G. PLANa, Kommentar, j, 43 ed., 272; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 508; sem razão, P. OrnaMANN, Recht der SchuldverMl.tnisse, 135). Se o devedor tem o dever de aviso, a mora começa pela infração desse dever; não é preciso interpelação: haveria mesmo contradição entre essa e aquELE (A. VON TUHR, Der Aligemeine TeU, 1, 256). Tratando-se de obrigação de omissão, ou abstenção, não há interpelação <O. WENDT, Unterlassungen und Versãuxnnisse, Archiv fúr die civilistische Praxis, 92, 68; R. TREITEL, Unm,õglichkeit und Verzug, 60, que o afirmam em absoluto) ; salvo se a omissão ainda pode ser realizada (e. g., A precisa de duas horas de silêncio dos vizinhos no dia tal, entre 12 e 13 horas, para gravação de disco, e a interpelação é para que seja de 13 a 14, cf. G. PLANCI<, Kommentar, II, 1, 48 ed., 259, contra as edições antetiores, G. LEHMANN, Die Ausweitung der de.bitortschen Verzugswirlcung, 266 s., E. ZITELMANN, Selbstmahnung des Schuldners, Fesígabe fúr P. RRÚGER, 271), ou se é continuativa (então, cada infração da omissão permite a interpelação para o futuro). Tem-se, aí, síntese entre a tese de não haver mora, mas impossibilidade, e antítese, que seria a interpretação literal do art. 1.072 do Esbóço de TEIxEIRA DE FREITAS, trasladado ao art. 961 do Código Civil. 6. INTERPELAÇÃO E MORA. Segundo o direito brasileiro, o devedor tem, por si mesmo, de solver a dívida, se o art. 960, 13 alínea, ou o art. 962 incide. À interpelação tem-se atribuido a eficácia do art. 960, alínea 1.8: Dies interpelial pro hornine. Desde a glosa “committitur” à L. 9, II., de usuris eI fructibus eI causis eI omnibus accessoribus cl mora, 22, 1, que se diz “interpeliari vídetur ab ipsa die constituta”, e a regra jurídica passou a fazer parte do direito costumeiro. Depois, inseriu-se em muitas codificações (Código Civil saxônico, § ‘736;

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Código civil austríaco, § 1.334). O Código Civil francês, art. 1.139, aludiu a qualquer convenção: ‘te débiteur est constitué en demeure, soit par une sommation ou par autre acte équivalent, soit par l’effet de la convention, lorsqu’elle porte que, sans qu’il soit lesoin d’acte et par la seule écheance du terme, le débiteur sua en demeure”. Não há interpelação, ato jurídico sIneta sensu; o “interpellat” está, na parmia, em sentido de causar, por si só, o efeito que a interpelação causaria. A eficácia é da inserção do térmo, e não do dia em si mesmo, por4ue o dies não é ato jurídico. As expressões usadas pelos juristas são de repelir-se (e. g., FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 108; K. E. F. KNIEP, Die Mora des Schuldners, 133); porque o que constitui em mora é o pacto ou cláusula que marcou o termo, tornando dispensável a interpelação. A mora produz-se sem que o credor pratique qualquer ato, inclusive sem que interpELE. O Código Civil, art. 960, alínea 1.’, falou de termo, e não de condição. Há mora por incidência de regra jurídica, que é a do art. 960, alínea 1.’, em cujo suporte fáctico não há interpelação; não há interpelação por fôrça de lei, ou incidência da lei, expressão de juristas superficiais, que é preciso corrigir-se. Se foi dito que a partir do dia tal é devida a prestação e há de ser paga, se o credor está na cidade, o art. 960, alínea 1., não incide. Se foi dito que a partir do dia tal pode ser exigida, a prestação, é preciso interpelar-se. Se a prestação é de se ir receber, o art. 960, alínea 1.8, tambem nao incide <FE. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 109;O.FISCHER-W. HENLE, Rúrgenliches Gesetzbuch, 159; sem razão, G. PLANCK, Elirgenliches Gesetzbuch, II, 93). Idern, quanto aos títulos de apresentação (E. JACOBI, Die Wert-vapiere, 129). O art. 962 também atribui eficácia de constituxção em mora ao ato ilícito absoluto <Semper moram fur facere videtur, L. 8, 1, D., de condictione furtiva, 13, 1). Também aqui é êrro dizer-se que o ato ilícito absoluto, o delito, interpela. A mora resulta de incidência da regra jurídica em seu suporte fáctico, no qual não há interpelação alguma. Se o devedor reconhece, desde antes do vencimento (e. g., antes do advento da condição), que não poderá cumprir a obrigação, a interpelação está dispensada, não porque se trate de.sub-rogado da interpelação (assim, F. PAECH, Der Leistungaverzug, 81), mas sim porque houve, se houve, renúncia ao direito a ser interpelado (MAx MEYER, Die Mahnung, 73). O acordo entre devedor e credor pode dispensar a interpelação, não só porque o art. 960, alínea 1.8, é ias di.spositivum, como porque bastaria a própria renúncia do devedor, se séria (H.DE CLAPARÊDE, Reitrdge, 1, 165; li. BETrMANN, Pie Mahnung, 54; MAx Mn’n, Die Mahnung, 73). Também se dispensa a interpelação se o devedor comunica ter prestado, ou que está, no momento, prestando, ou que vai prestar no dia certo. Quanto às prestações negativas, o art. 961 deu a regra jurídica. Se o art. 960, alínea 1.8, ou o art 961, ou o art. 962 incide, o devedor acarreta com as conseqüencias que teria a interpelação <cf. R. LOENINO, Der Vertragsbr-uch, 165). A mora estabELEce-se pela incidência da regra Pies interpelial pra homine, se há dies e a dívida é certa e liquida, e pela interpelação, notificação ou protesto (Código Civil, art. 960, alínea 2.8). A citação contém interpelação. A absolvição da instância não tira à citação o efeito próprio de interpelar, que se rege pelo art. 960, alínea 2a, e não se pode estender à constituIção do d&edor, ou do credor, em mora a regra jurídica, especial, do art. 175 do Código Civil. Dir-se-á, em defesa da solução contrária, que ao devedor constituído em mora pode alegar o credor que se interrompeu a prescrição, uma vez que na lei, além de se falar da espécie do art. 172, 1 (citação), se diz, no art. 172, IV, que a prescrição se interrompe “por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor”. A isso havemos de responder que o art. 172, IV, foi redigido para os atos judiciais fora da citação, uma vez que o art. 172, 1, já c6gitara da citação. O que fica da citação é o efeito, próprio, do ato interpelacional, contido na. citação, ato que tanto pode ser judicial quanto extrajudicial. Por outro lado, o art. 172, IV, não disse que interromperia a prescrição qualquer ato que ponha em mora o devedor, mas, sim, que a interromperia qualquer ato judicial. Portanto, há casos de constituição em mora, sem que, em virtude dela, se interrompa a prescrição. A teoria da constituição em mora não é coextensiva à da interrupção da prescrição. Assim, no sistema jurídico brasileiro, ainda se sobrevém absolvição da instância, o réu, devedor ou credor, está interpelado desde a citação, incorrendo, desde a data em que foi citado, em mora (arts. 960, parágrafo único, 955 e 958). 7. LITISPENDÉNCIA. Para algumas relações jurídicas a litispendência altera o conteúdo da dívida. No direito brasileiro, a citação constitui em mora o devedor (Código de Processo Civil, art. 166, IV) mas, para isso, é preciso que se trate de ação de cobrança, cumulada ou não à de execução. Outros sistemas jurídicos, por não terem atendido a que há na çitação interpelação, redigem a regra jurídica em termos menos diretos e menos exatos (e. g., Código Civil alemão, § 291, onde se diz que os interesses de divida de dinheiro são devidos a partir

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da litispendência, ainda que o devedor não haja incorri4o em mora). O devedor não presta os interesses, feita a citação, ainda que não tenha incorrido em mora: o devedor, com a citação, que contém ELEmento interpelativo, incorre em mora, se nela já não incorreu. Passa o mesmo, qualquer que seja o objeto da prestação. Há a mora, desde a citação, para as obrigações de dar coisa certa, ou incerta; e as regras jurídicas sobre impossibilidade, perda ou deterioração são as que concernem à mora, e não as que concernem à impossibilidade, perda ou deterioração; superveniente à conclusão do negócio jurídico mas anterior à mora. Nos casos em que há impossibilidade da prestação (aqui não se trata de mora) e o devedor tem de indenizar (Código Civil, arts. 865, 2. alínea, 867, 870, 871, 2.8 parte, 876 e 877, 879, 2.8 parte, e 888), inclusive se a obrigação era de não fazer e a impossibilidade consistiu em se ter de fazer, há a pretensão do credor à indenização. 8.ADIMPLEMENTO NÃO -SATISFATÓRIO. Os legisladores de todo o mundo, ao tratarem de impossibilidade e de não -adimplemento, não viam que faltava considerar-se o adimplemento, que ocorreu, porém não satisfez. O devedor não só está obrigado a prestar, mas sim a prestar de tal maneira que satisfaça. Se adímple de jeito que não baste, ou que cause dano, ou imponha despesas, satisfatôriamente. não adimple. Nem se há de pensar em ser impossível a prestação: foi feita; nem em faltar o adimplemento: adimpliu-se a obrigação, ou, se não havia obrigação, adimpliu-se a divida. O consertador de máquinas, que fêz o consêrto, mas ainda não trabalha com a eficiência, que se havia de esperar, a máquina, adimpliu insatisfatória-mente. Quem prometeu dez caixas de vinho e remeteu nove, no dia do vencimento, e uma, dia ou dias depois, insatisfatória-mente adimpliu. Se A vende ou aluga a B três garanhões e o empregado de B os recebe, de inferior qualidade, havendo a fecundação, A está obrigado à indenização, ainda que purgue a mora, remetendo depois os que prometera. São os chamados danos coneornitantes (Begleitschaden), de que falam FE. LEONHARD (Allgemeines Schuldrecht, 542) e outros, ou danos suplementares. O cumprimento foi defeituoso. O construtor do edifício de apartamentos executa, lisa e satisfatôriamente, o que prometeu, mas ao pintar o lado da casa deixa cair sobre o telhado do prédio vizinho lata de óleo que arrebenta as telhas e lhe danifica o tecto. O dono do prédio vizinho vem contra o dono da obra, invocando o art. 1529 do Código Civil. Seria êrro considerarem-se esses danos, se acabada obra, como suplementares ou concomitantes, ainda que o prédio vizinho pertença ao dono da obra, caso em que nasce ação do dono do prédio (e da obra) contra o construtor. Chama-se a esse dever infringído dever de proteção, porque quem executa tem de executar sem causar danos, mas o conceito apenas caberia, no caso de danos suplementares, no de dever de adimplemento satisfatório, e pois no de dever de prestar. Se o locatário causa danos à casa, por falta de limpeza, teve conduta contrária ao que foi convencionado, ou resulta do art. 1.211 do Código Civil, O adimplemento da restituição, por ocasião da entrega, é defeituoso, sem que possa pensar em mora, salvo se, interpelado, sobre a indenização do dano, ou consêrto, deixa de solver. O devedor está obrigado pelo que resulte, em danos, do adimplemento insatisfatório, segundo os princípios que regem a constituição e a eficácia da mora (H. STAUB, Die positiven Vertragsverletzungen utd ihre Rechtsfolgen, 29 5.; cf. Tomo II, §§ 173 e 174» Odevedor está obrigado a indenizar os danos que o credor sofra em seu patrimônio, ou em outros bens jurídicos, em conseqUência do adimplemento insatisfatório (cf. H. TInE, B.Urgerliches Recht, Recht der Schuldverhãltnisse, 48 ed., 97; Fa. LEONHARD, Allgemeines Schuldrechts, 542). As expressões “infração positiva do contrato”, “violação positiva do contrato”, somente servem a parte das infrações que se têm como adimplemento insatisfatório. O adimplemento pode não ser de divida de origem contratual. Por outro lado, a “positividade”, ai, é em relação ao credor, porque atos positivos que não são de adimplemento podem violar contratos, coma a alienação do bem vendido a outrem. Mas é de entender-se, quando se emprega a expressão “violação (ou infração) positiva do contrato”, que se trata de ato de adimplemento. Cumpre, finalmente, observar-se que o dever de indenizar que vem ao lado do dever de prestar, que se infringiu, precisa ser adimplido para que por adimplido se tenha a esse. Também a respeito da infração positiva do contrato, ou, em geral, de insatisfatoriedade do adimplemento, não há trazer-se à tona o problema da culpa (ANDREAS VON TUHR, Der Aligemeine TeU, III, 461; H. SIBER, em G. PLANCK, Komtnentar, XI, 1, 249 s.). Quem recebeu a prestação e alega que o adimplernnto não foi satisfatório, tem de provar o defeito (= insatisfatoriedade), os danos e a relação causal entre a violação positiva e o dano. Não tem de provar culpa, pôsto que o devedor possa provar que, ainda que o adimplemento houvesse sido satisfatório, o dano teria

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ocorrido (analogia com o art. 957, in ,fine, do Código Civil). 2.804. Lugar e tempo da interpelação 1.TEMPO DA INTERPELAÇÃO. A interpelação supõe que se aluda ao lugar, ao tempo e ao modo da prestação. Não há confundir o lugar, o tempo, ou o modo da prestação, com o lugar, o tempo, ou o modo da interpelação. A regra é que o credor espere o tempo em que pode interpelar, para que o devedor se constitua em mora. Reclama-se. O que é preciso é que já se tenha a divida e a interpelação se refira ao tempo em que se pode exigir. Portanto, a interpelação pode ser antes do termo ou da condição. No direito comum, discutia-se se a interpelação antes do vencimento, inopjportuno loto ei lera pore, é ineficaz (B. WINDsCHEID, Lehrbuch, fl, 9Y ed., 143, nota 4); mas afirmar que a interpelação havia de ser ao tempo da prestação, opport uno loto ei tem7pore, proveio de confusão entre interpelar quanto ao lugar e tempo oportuno da prestação e interpelar no lugar e no tempo oportuno. É áquilo, e não a isso, que se refere a L. 32, pr., D., de usuris ei fructibus ei caiais ei omnibwç accessãonibus ei mora, 22, 1, tantas vêzes mal traduzida. Aliás, do Código Civil, art. 960, alínea 2.8 (“Não havendo prazo assinado, começa ela desde a interpelação, notificação, ou protesto”), não se há de tirar, tão-pouco, que a interpelação, a notificação, ou o protesto, somente possa ser ao tempo e no lugar da prestação. Ainda diante do § 281 do Código Civil alemão, que fala de interpelação “após a entrada do vencimento (nach dem Eintritt der Fãhigkeit), a doutrina teve de repelir a interpretação que exigia só ser após o vencimento a interpelação (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 4a ai, 267 s.; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, 3l.-35A ed., 176; O. WENDT, Die exceptio doli generalis, 121; F. PAECH, Der Lei.stungsverzug, 72; sem razão, 1’. OERTMANN, Redil der Schuldverhs?iltnisse, 133; H. DE CLAPARÊDE, Reitrâge, .103; KARL LARENZ, Lehrbuch des Schzddrechts, 1, § 22, 1). É essencial saber-se que as regras jurídicas sobre a mora somente podem incidir se o devedor não está liberado pela impossibilidade da prestação. Portanto, e é possível exigir-se a prestação. Se a mora não é ex re, isto é, se não incide o art. 960, nem o art. 961, nem o art. 962 do Código Civil, tem de haver interpelaçcio. Se o vencimento depende de que o credor faça oblação da contraprestação, tem ELE ensejo para a oblação e para a interpelação, aí simultâneas. Nada obsta a que o credor diga qual o lugar, o dia e o momento em que se há de prestar e de contraprestar, desde que se atenha aos térmos do negócio jurídico bilateral. A interpelação não precisa conter qualquer referência as conseqüencias da mora. Não é negócio jurídico, mas ato juridico sirieto sensu. Nada se impura <K4RL LÂRENZ, Vertrag und Unrechi, 1, 70), nada se objeta, nada se excetua. 2. INTERPELAÇÃO E LUGAR. A interpelação não depende do lugar da prestação. Se se faz noutro lugar, a mora somente começa depois do tempo indispensável a que o devedor providencie para cumprir a sua obrigação (O. WENDT, Die exceptio doli generalis, 121 a.). Aliás, as circunstâncias mesmas podem dar ao devedor a pretensão à tutela jurídica para pedir ao juiz fixação de tempo necessário, prudencial, se o credor não atende, pedindo-lho o interpelante; e. g., se foi decretado feriado de tôda a semana e o dinheiro está nos bancos. A titulo de ilustração, porque em verdade é exemplo de como a meia-ciência pode encher de erros os séculos, volvamos à apreciação da L. 32, pr., 13., de usuris ei fructibus ei causis ei omnibus accessãonibus ei mora, 22, 1: “Mora fieri inteilegitur non ex re, sed ex persona, id est, si interpelíatus oportuno loco non solverit”. j, “Oportuno loco interpelíatus” ou “oportuno loco solverit”? A. Fànn (Rationo4ia in Pandeci as, à L. 5, 13., 12, 1, e à L. 2, 13., 13, 4, entendia que se tratava de interpelar no lugar oportuno. A Glosa interpretava que o lugar oportuno da interpelação seria o do adimplemento, portanto, de regra, o do domicilio do devedor: “sed quid dicitur oportunus locus? Respondo potest dici jíle in quo debitor potest conveniri invitus ut solvat, non alius, etiam ubi habet locum domicilii, sed non potest ibi conveniri”. H. DE COCCEJUS (Exercitationes, d.LIX, 8) distinguiu as obrigações em que o devedor haveria de levar e as em que o credor teria de buscar. Ainda C. W. WOLFF (Zur Lehre von der Mora, § 22) o quis sustentar. Gramaticalmente, “oportuno loco” tantopode ler como ligado a “interpelíatus” como a “non solverit” (C. O. v. MADAI, Die Lekre von der Mora, 41 s.), mas o mais provável, por ser melhor estilo, é que se haja pensado em “oportuno loco non solverit”, porque não se disse, e mais de esperar-se fôra, se se quisessa aludir à interpelação, que se dissesse, “oportuno loco interpelíatus”. D..mais, a prestação pode ter sido levada a lugar impróprio, e a mora dar-se-ia, o que a L. 32, pr., também abrange. Não se compreende que K F. F. XCNIEP (fie Mora de8

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Schuldners, 524) houvesse remitido à argumentação de C.O. VON MADAI; menos ainda que C. FERRINI confundisse a interpelação com o exercício do jus petendi. § 2.805. Mora e denúncia

1.DENÚNCIA E PRAZO PARA PRESTAR. É possível que a pretensão somente surja com a denúncia, ou depois de transcorrido o prazo, que se há de contar após ela. Então, o denunciante é que determina o dies, imediata ou mediatamente. Não se havia fixado o tempo,. fixa-o o denunciante. Se o denunciante o fixa de tal modo que, se feita no negócio jurídico a fixação, seria preciso interpelar, tem de ser feita interpelação após tal denúncia. Se não se precisaria de interpelar (= os pressupostos necessários do art. 960, alínea 1., foram satisfeitos)., a denúncia, de si só, o suporte fáctico futuro para a incidência do art. 960, alínea 1.8. 2. DoIs OU MAIS CRÉDITOS. A denúncia para dois ou mais créditos pode dispensar a interpelação para um, ou alguns, e para outro ou outros não. As regras jurídicas do art. 960, alíneas 1.8 e 2., incidem conforme os seus suportes fácticos. § 2.806. Imputabilidade do ato ou omissão 1.INADIMPLEMENTo DE ATO POSITIVO OU NEGATIVO. O ato ilícito relativo supõe o inadimplemento, isto é, o inadimplemento imputável ao devedor. No direito romano, os textos exigem que o devedor saiba, ou que deva saber, que tem de prestar (FR. MOMMSEN, Lhe Lehre von der Mora, 57 5.; absolutamente sem razão, K. F. E. KNIEP, Die Mora des Schzddners, 1, 330 s.). Não se pode responder, a priori, se o devedor incorre em mora por culpa leve, ou por culpa grave, ou somente pelo dolo, ou se pela simples ligação causal: mora é efeito; as regras jurídicas sobre os ELEmentos do suporte fáctico do ato ilícito relativo são as de cada negócio jurídico e perderam tempo os juristas em dar à “responsabilidade” ou a “imputabilidade” do devedor conteúdo uno e único. Tão-pouco, adiantaria dizer-se que, de regra, ne exige, pelo menos, a culpa <e. g., 1’. OERTMANN, Recht der Schuldverhâlenesse, 135; E. HEYMANN, Das Verschulden beira Erfiillungsverzug, 7), ou abstrair-se da culpa <Ii. Wpzm, System der Versckuidensbegriffe, 499 5.; antes,F.ENDEMANN, Lehrbuch, , Sa41.a cd., 779 5.; E. MEUMANN, Der Verzug des Schuldners, 20 5.; E. JUNCHERR, Haften aus schuidlo.seri Handeln, 16; depois, RÓMER, Erfordert der 5chuldnerverzug em Verschulden des Schuldners?, Deutsche jnrísten-Zeitung, 12, 873). Certamente, a culpa não é ELEmento necessário do suporte fáctico do art. 963, que diz: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre esse em mora”; portanto, salvo se há regra especial que exija a culpa, ou a culpa grave, ou o dolo, basta a imputabilidade; quer dizer: se, segundo as regras jurídicas concernentes à espécie, especialmente responde. A tautologia é evidente. Dentro da relação jurídica, o devedor responde como deve responder. A mesma tautologia no § 285 do Código Civil alemão <verbis “zu vertretdn hat”). A referência do art. 957 do Código Civil brasileiro ã “culpa” é inoperante, diante do art. 963. Para o art. 963, não havendo fato, ou omissão, imputável ao devedor, não incorre êste em mora. A regra jurídica, que aí se contém, é de grande importância, tanto mais quanto o divisor de águas começou no direito comum e tomaram caminhos diferentes o Código Civil francês, art. 1.147, o alemão, § 285, o brasileiro, art. 963 (art. 957), e o suíço das Obrigações, art. 103. O Código Civil brasileiro afastou-se da teoria da culpa no inadimplemento, sem cair na teoria do fato do inadimplemento, que seria a de alguns juristas. Aproximou-se do Código suíço das Obrigações, art. 103, segundo o qual o devedor em mora deve as perdas e danos por causa de inexecução tardia e respon, de mesmo pelo caso fortuito, pôsto que possa escapar a essa responsabilidade, se prova que se pôs em mora sem qualquer culpa sua, ou que o caso fortuito atingiria a coisa devida, com prejuízo do credor, ainda se o devedor tivesse executado (cf. arts. 106 e 107), e, quanto à ignorância da existência da dívida, ou da pretensão (data da exigibilidade), e suável, ou à dúvida sobre a validade da pretensão contra ELE, a lei suíça não o levou em conta. A própria chamada ao serviço militar (dificuldade invencível de executar) não pré-exclui a mora. Importa, no direito brasileiro, concluir-se: a fôrça maior individual inoperante; não desfaz o suporte fáctico de qualquer das regras r

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4 2.806. IMPUTABILiDADE DO ATO OU OMISSÃO jurídicas do art. 960, alíneas 1.8 e 2.8. Se constitui impossibilitação, é outro problema. A duração do obstáculo à mora é que determina a não constituição em mora. Se o crédito seria de exigir-se a 15 de março e houve mudança de residência do credor, sem que o devedor pudesse descobri-lo, a pré-exclusão da mora é só enquanto não no descobre o devedor, ou não lhe chega a notícia. Se houve interpelação e a mudança se operou no intervalo entre a remessa, ou despacho, e a recepção, ou intimação, dá-se o mesmo; e não é exigida nova interpelação (G. PLANCK. Korn-. mentar, II, 1, 48 ed., 276; P. OERTMANN, Recht der Schnldverhãltnisse, 135). Nenhum dos fatos, positivos ou negativos. que pré-obstariam à mora, são de qualquer efeito, depois de já ter o devedor incorrido nela (G. PLANcX, Kom,nentar, II, 1, 48 ed., 276; sem razão, O. WARNEYER, Komrnentar, 1, 513, que reduz os obstáculos à mora, ELEmentos fácticos pré-excludente* da incidência do art. 960, alíneas 1.8 e 2.8, a obstáculos à continuação da mora, portanto ELEmentos fácticos excludentes, o que desvirtuaria a técnica jurídica do instituto). 2.MORA E EXCEÇÃO. Se há exceção, o devedor não incorre em mora, se a exerce. Outrossim, se a sua prestação e a do credor têm de ser no momento seguinte, ou se ocorre impossibilidade da prestação. A dúvida do devedor sobre a existência da dívida, ou da obrigação, não opera a favor do devedor, ainda se não podia conhecê-la, ou foi escusável o seu êrro (aliter, no direito alemão, P. OERTMANN, Recht der Schuldverhàltnisse, 135). O exercício do direito de retenção pré- -exclui a mora. Mas, para que isso se dê, é preciso que tal direito já existisse desde o momento exato em que se incorreria em mora. Não basta começar de existir já depois do início da mora, ainda quanto aos efeitos desde esse momento. Quem tem direito de retenção não pode, enquanto o tem. ser pôsto em mora, se o está exercendo (P. OERTMANN. Recht der Sclzuldverhãltnisse, 96 s.; discorda, P. LANGHEINEKEN, Anspruch und Einrcde, 93). Veja §§ 2.803, 4, e 2.808, 1 e 2. 3.CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR E MORA. Se há caso fortuito, ou fôrça maior (transindividual), está excluída a imputabilidade do ato ou omissão1 se não há, em regra jurídica especial, tal responsabilidade. Resta saber se o fato pessoal do devedor, que impeça a execução, a exclui. O exemplo clássico é o da doença do devedor, que lhe tolha a aptidão a adimplir, quando não se trata de impossibilitação da prestação mesma. & a responsabilidade, na espécie, é pelo caso fortuito ou fôrça maior transindividual, a fôrça maior individual não excluiria a responsabilidade, nem os efeitos da mora. Se responde o devedor por culpa, mora só há se culpa houver em não prestar. Se somente responde por culpa grave, não é só preciso imputabilidade; algo mais se exige para qualquer responsabilidade Mora somente há se responsabilidade segundo a espécie houve; se não há responsabilidade segundo a espécie, não há mora, ainda que tenha havido culpa leve do devedor. Diante da confusão, que os juristas fizeram, entre infração (ato ilícito relativo) e mora, compreende-se que a luta, desde o direito comum, se ferisse em tôrno das espécie. de inadimplemento sem mora. A dissociação entre pretensão nascida e mora aparete, claramente, quando o credor dá “prazo de espera” ou “de graça”, ou quando há direito de exceção contra o crédito e o devedor o exerce, peremptória, como a de prescrição, ou dilatória. São circunstâncias que podem tornar não imputável ao devedor o inadimplemento: a) a mudança de domicílio ou residência do credor, sem aviso ao devedor, ou sem comunicação de endereço do cessionário; b) a não-legitimação do cessionário; e) se o credor se ausentou e não é caso de depositar-se. 4. PROVA DA NÃO-IMPUTABILIDADE. O ônus da prova da não-imputabilidade toca ao devedor. O credor prova os ELEmentos do suporte táctico do art. 960, alínea 1.’, ou alínea 2.8, ou 961; o devedor, os do art. 963. Se a obrigação é toma-lá--dá-cá, tem o credor o ônus de provar a oblação da contraprestação (FR. LEONHARD, Die Beweislast, 365), não, porém, que a prestação não se efetuou (sem razão, FE. LEONHAED; com razão, G. PLANCK, Koramentar, II, 1, 48 ed., 277). Somente se a colaboração do credor é necessária, precisa esse prová-la, se o devedor alega que faltou e prova que diligenciou prestar. O devedor é que tem de provar o seu direito de exceção e exercê-lo, ou tê-lo exercido; bem assim o direito de retenção, que tinha e tem.

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5. DECLARAÇÃO DO DEVEDOR DE SE ACHAR EM MORA. Trata-se de comunicação de conhecimento se enuncia o devedor que incorreu em mora? Pensou-se em algo como intimação. Pensou-se na bilateralidade da declaração, para que a convenção estabELEcesse a mora. Mas que é declaração de se achar em mora? A comunicação de conhecimento pode ser somente do fato de não ter pago. Pode ser comunicação de não querer pagar. Ali, o enunciado de fato tem a importância que se lhe possa atribuir, como a de ter havido interpelação oral feita pelo credor sem que o devedor pudesse solver. Aqui, o devedor manifesta vontade. Odevedor, que ainda não incorreu em mota e declara que àquELE momento incorre, faz declaração de vontade presente e futura (= não quero cumprir no dia do vencimento e quero manter essa vontade) e declaração do fato de tal vontade. § 2.807. Natureza da mora e purgação 1.CONTRARIEDADE A DIREITO E MORA. O devedor, ou credor, constitui-se em mora, porque demora em prestar,_ou em receber. A mora não é fato jurídico; é efeito de fato jurídico. Desde que se compôs o suporte fáctico do art. 960, alínea 1.8, ou do art. 960, alínea 2.8, ou do art. 961, ou do art. 962, sem que a espécie do art. 963 pré-exclua a incidência de qualquer daquelas regras jurídicas, há o fato jurídico do ilicito relativo, ou absoluto (art. 962), com o início de estado contrário a direito, de que resultam a mora e as conseqüencias da mora (mora-efeito, a produzir efeitos). O fato jurídico foi a violação da obrigação, ou a infração de dever por ato ilícito absoluto. Durante o estado contrário a direito (= durante a mora), pode o devedor prontificar-se à prestação, acrescida dos prejuízos decorrentes desde a mora até o dia da oblação (art. 959). t a purgatio ou eme-adatio morae: “Purga-se a mora: 1. Por parte do devedor, oferecendo Oste a prestação, mais a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta” (art. 959). Também o credor pode fazê-lo (art. 959, II: “Por parte do credor, oferecendo-se Oste a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data”). Prevê-se a renúncia como causa de purgação: “Por parte de ambos, renunciando aquELE que se julgar por ela prejudicado os direitos que da mesma lhe provierem” (art. 959, III). A purgação concerne ao passado, apanha todo 0k até o momento da satisfação. O que a oblação consegue é só no tocante ao futuro, de modo que, se falha, nada obteve. Também o eonrrato pode fazer cessar a mora e purgá-la. Se nOvo prazo se convenciona, entende-se que só se excluem os efeitos da mora dai por diante até o termo do nOvo prazo, sem que se elimine a possibilidade (questão de interpretação do negócio jurídico) de ser nOvo prazo sem exclusão dos efeitos ex nuno da mora, ou de alguns dELEs (o que não se presume, cf. G. PLANCK, Kommentar, IX, , 4& ed., 278). Também é questão de interpretação se a renúncia ou o contrato exclui ex tune os efeitos da mora, o que se há de resolver conforme as circunstâncias do caso <H. WALSMANN, Der Verzicht, 237), e não se presume a afirmativa. A revogação da interpelação não é purgação. Ai, não se deu o ilícito relativo, nem, portanto, o seu efeito, a mora. Não tendo existido, pela retirada da voz, a mora, não há efeitos dela, que se tivessem de excluir. A retirada da interpelação não leva em si implícita remissão da mora (sem razão, TH. Kípr, Rechtswahrnehmung, Feat gabe fiZ,- R. Kocn, 120 s.): ou produziu a mora, e então a retirada 4 renúncia da mora para o futuro; ou ainda não produziu, e não há renúncia da mora: não houve mora. Se o devedor (art. 959, 1) quer prestar sem “a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta” quer fazer apenas parte da prestação, porque ELE já deve o que devia ao tempo da mora mais x. O credor, que o recusa, não incorre em mora. Se a aceita, não se pode concluir, somente dai, que haja renunciado à “importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta” (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 130). 2.OBLAÇÃO CÔNGRUA E PURGA DA MORA.. O ato ilícito relativo, ou absoluto (art. 962), produziu-se; o devedor, ou credor, tem direito a purgar ou emendar a mora, se a oblação é cângrua. “CELSO, o jovem, escreve que aquELE que incorreu em mora de entregar o escravo Estico, que prometera, pode emendar essa mora, entregando-o depois; porque essa é questão de bondade e de equidade (esse enim hanc quaestionem de bono et aequo, gênero de queet6es em que perniciosamente se erra, muitas vêzes, investigando-se, sob a autoridade da ciência do direito” (L. 91, § 3, D., de verborum obUgationibua, 45, 1, tirado de MARCELO, que serviu a Pio e a Marco Aurélio, sendo CELSO, o jovem, pretor em 106 ou 107 e cônsul em 129). Resta saber-se se esse direito de purgar, munido de pretensões e ações, pode ser renunciado. O exercício pode ser revogado, porque se trata de oferta, voz, e não já de depósito em consignação, ou de levantamento do depósito feito, que se regem por seus princípios. Quanto à renúncia ao direito de purgar, ER. MOMMSEN (Die Lebre von der Mora, 329) respondia

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negativamente;C. O. VON MAPA! (Die Lebre von der Mora, 497), afirmativamente. A oblação ao credor pode ser por terceiro (art. 930 e parágrafo único). Não há regra jurídica geral sobre a oblação do devedor ter de ser real (Realoblation). Tem de ser como teria de ser antes da mora; ordinàriamente, efetiva. Nas dividas de vir, ou mandar buscar (Holschuld), basta a oblação verbal, sem que se dê a transformação, com a mora, da dívida de vir, ou mandar buscar, em dívida de levar (Bringschuld), como, sem razão, pretenderam H. REHBEIN (Das Riirgerliche Gesetzbueh, II, 131) e F. PAECH (Der Leistunqsverzug, 182). 3. CITAÇÃO E PURGA DA MORA. Feita a citação, pode o demandado purgar a mora, nas ações condenatórias, nas constitutivas e nas mandamentais, até a contestar, exclusive. Nas ações executivas, se há penhora inicial, dentro das vinte e quatro horas de que fala o art. 927 ou 6 art. 300 do Código de Processo Civil; se não há início de execução, antes de contestação, até essa, exclusive. Não se procurem semelhanças em direito estrangeiro, para se chegar às conclusões acima, nem para as refugar. Não as há. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 39, § 2, aliás, tratavam das enfiteuses eclesiásticas, aludia-se à purgação da mora, “antes que seja citado em juízo, ou depois de citado”, “antes da lide contestada”. Entendeu-se ser regra jurídicageral que aí se exprimia. Caindo em mora o devedor, há de se saber se ainda é util ao credor a prestação tardia. Se não no é, não se pode pensar em purgação da mora. Por outro lado, é preciso apurar-se se ainda é possivel. Se, impossível, a superveniente impossibilidade proveio de culpa do devedor, ou não, é outro problema, que não se deve misturar com aquELE de que tratamos. Se fôssemos admitir que o devedor é responsável por tôda mora, sem poder solver a divida senão quando o credor cobrasse, partiríamos de princípios que de modo nenhum levariam a soluções justas das situações criadas entre devedores e credores. O direito romano considerou a mora creditoris, surgida após a mora debitoris: se o que devia dez os quis prestar ao credor, e esse se recusou a recebê-los sem justa causa, podia amparar-se na ezoeptio dali (L. 72, pr., D., de solutfrnibus et liberationibus, 46, 3). Os romanistas recentes são propensos a ligar a essa ezeeptio dali o conceito da ernendatio ou pnrgatio morae; mas os argumentos não satisfazem (cf. H. SIBER, Rõmisches Recht, IX, 255). A explicação pela exceptio dou serviria, hoje, para se esclarecer ‘a razão da proponibilidade da purga até antes da contestação. Mas a verdade é que, no direito anterior às Ordenações Filipinas, a mora só se produzia com a contestação da lide, o que pré-excluxria a purgação anterior: mora não havia, se por outra causa nela não incorrera, antes, extrajudicialmente, o devedor (cf. MIGUEL DE REINOSO, Observatiottes Pra etiate, 446). O autor não pode recusar a purga tempestiva da mora, porque incorreria em mora de credor (GABRIEL PEREIRA DE CASTRO, Decisão nes, 496). Autor não pode purgar a mora, pendente a lide (GABRIEL PEREIRA DE CASTRO, Decisãones, 496), salvo se réu, na reconvenção, ou nos embargos de terceiro ou de executado. SILVESTRE GOMES DE MORAIS (Tractat?1S de Executionibus, II. 254) também pôs por princípio geral e cogitava de obrigações faciendo que “Mora purgari potest usque ad litis contestationem”. MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Com mentaria, IV, 189) foi claro: “. . . regulariter mora purgari possit usque ad litem con estatam, si ius creditoris non est factum deterius et res sit intcgra”. Quanto às ações em que há prazo para solver, enquanto se está dentro dELE se pode purgar a mora <IV, 195). Nem CARLOS DE CARVALHO (Nova Consolidação, art. 878), nem LACERDA DE ALMEIDA (Obriga ções, 198), nem M. 1. CARVALEO DE MENDONÇA (Doutrina e Prática das Obrigações, 1, 501), trataram do tempo em que o devedor poderia purgar a mora. Depois da contestação da lide não há mais purga da mora. Há satisfação, em que o autor consinta, ou consignação em pagamento, que o juiz julgue com a ação de condenação que se propusera, ou transação, ou compromisso, não, purga da mora, no preciso conceito. Os credores notificados do enfiteuta podem purgar a mora (Código Civil, arts. 959, 1, e 930). Se o credor é o senhorio, pode purgar a mora ou resgatar o prédio (art. 693). Têm de ser notificados os credores hipotecários e os credores pignoratícios cujas direitos constem do registro de imóveis (Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, arts. 14-21; Decreto-lei n. 2.612, de 20 de setembro de 1940, art. 1.0), inclusive os credores pignoraticios por penhor de créditos hipotecários (Decreto n. 24.778, de 14 de julho de 1934, arts. 1.0 e 2.0). 4.TERCEIRO E PURGA DA MORA. Se terceiro se prontifica a prestar, em lugar do devedor constituído em mora, tudo se passa como se tivesse sido o devedor quem a purgou. Também aí a mora deixa de pé tôdas as conseqüencias da mora até se extinguir com a purgatio morae.

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§ 2.808. Mora e exceção 1.ADIMPLEMENTO E ExcEção. Enquanto há exceção, o credor está exposto a que se não produza a mora. Está exposto; não se entenda que a mora não se produz. A mora pode produzir-se e, pois, ter-se produzido se não exerce a exceção o devedor. A respeito, houve quem tentasse sustentar que a simples existência da exceção produzisse o efeito de evitar a mora debendi. A confusão é evidente, a despeito de nela terem caldo E. ZITELMANN (Aligemeiner TeU, 30 s.), H. SIBER (Der Rechtszwang, 142 a.) e outros. Evitaram-na K. HELLWIG (Ã4nspruch und Klaqrccht, 352; Lekrbuch, 1, 248 e 250), E. SUPPES (Der Ezn’redebegri,q des 8GB., 36), li. SIEER (em G. PLÁNCK, Ko’mment ar, II, 1, 4& ed., 261 sj, A. voN TUHR (Der AUgemeine TeU, 1, 294 s.) e P. OERTMANN (Einrede und Verzug, Zeitschrift fidr das ge8amte Mande lsrechte, 78, 1 s.). 2.Exercicio DA EXCEÇÃO E MORA. A exceção há de ser exercida; não tem eficácia antes de o ser; se o é, opera desde que nasceu. Se o credor interpela o devedor e esse não exerce o seu direito de exceção, a mora estabELEce-se. Se não há ação proposta, cabe ao titular da exceção exercer o seu ius ezcepcionis, extrajudicial ou judicialmente. Por isso mesmo, o devedor fica interpelado pelo capital e deve interesses da mora (efeito da interpelação) se a exceção não é exercida. Tratando-se de mora ex re, a exceção não tem de ser exercida desde logo, porque a exceção é contra o exercício (eficácia) da pretensão, e não contra a pretensão em si. Assim, se B deixou de pagar a A o que haveria de ser pago a e A propõe a ação de cobrança, a exceção, aí, eneohre a eficácia da pretensão, porque a mora, essa, já se operou. § 2.809. Conseqüencias da mora 1. RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR EM MORA. O devedor em mora responde por todos os danos que a mora cause. No direito comum, podia o credor exigir a prestação mais a indenização do dano que a dilação produzisse; se o interesse da credor cessava, ou exigia ELE o correspondente em dinheiro, ou, nas obrigações recíprocas, recusava-se a contraprestpr, ou, se já contraprestara, pedia a restituição da contraprestação (FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 258; Zur Lehre vom Interesse, 26). O direito de resolução é criação posterior: em vez de se exigirem danos, ou de se poder denegar a prestação, ou de se repetir o que se prestou, o direito contemporâneo (art. 1.092, alínea l. e parágrafo único) adotou, nos contratos bilaterais, a denegação (exceptio non adimpleti contractus), a exigência do cumprimento, com perdas e danos, ou o direito de resolução,, tenha sido, ou não, satisfeito o devedor em mora. Transformou-se, pois, a ação de restituição ou repetição em ação de resolução. Por outro lado, ao credor ficou exigir a prestação mais as perdas e danos, ou a indenização por inadimplemento (arta. 1.056 e 956, parágrafo único). Portanto, há, nos contratos bilaterais, a) a pretensão à prestação devida mais a pretensão às perdas e danos pela mora (art. 956); lO a pretensão à indenização total (falta da prestação mais perdas e danos pela mora), que o credor, se não tem interesse na prestação (art. 956, parágrafo único, verbis “se tornar inútil ao credor”), pode preferir, ou, sempre, pôr em alternativa a favor do devedor; e) exercivel a seu líbito, a pretensão à resolução do contrato bilateral (art. 1.092, parágrafo único). No direito brasileiro, a ação do art. 956, parágrafo único, que é a ação de indenização total, ou de indenização pelo inadimplemento, nasce quando se estabELEce a “inutilidade” da prestação, para o credor, ou se sobreveio impossibilidade durante a mora; não, porém, a ação de resolução do contrato bilateral, que independe de ter desaparecido o interesse do credor na execução da prestação (art. 1.092, parágrafo único). Não assim no direito alemão (§ 326, alínea 2., verbia “kein Interesse”). Além dessas ações, há a do art. 302, XII, do Código de Processo Civil (“A ação cominatória compete: XII. Em geral, a quem, por lei ou convenção, tiver direito de exigir de outrem que se abstenha de ato ou preste fato dentro de certo prazo”). Nas obrigações continuativas ou duradouras, a resolução é só ex nune, ou a partir de termo, ou condição, e chama-se resilição, tal como acontece nas locações (em virtude de denúncia vazia ou cheia), na sociedade e noutros contratos. É típico das obrigaçoes conthiuativas, se já iniciada a execução (e. g., se o locatário já está de posse da coisa locada), a resolução do contrato bilateral ser do presente para o futuro, e não no passado. A mora não extingue o direito de escolha (obrigações alternativas). Não era assim no direito comum (L. 2, §§ 2 e 3, D., de eo quod certo loco dari oportet, 13, 4).

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2. DEVERES E INFRAÇÃO. O devedor incorre em mora, por infração do dever de adimplir. Pois que deixa de adimplir, atrasa-se, e a lei o considera faltoso, isto é, em mora. Já vimos que a falta pode ser sem culpa; e nada têm os sistemas jurídicos com o sentido especialíssimo de “faute”, palavra francesa. Em .iaso de impossibilidade objetiva da prestação, o devedor pode alegar e provar que a responsabilidade não lhe cabe. Se não lhe 3abe a responsabilidade, é porque não se lhe atribuem os riscos: então, alega e prova que houve caso fortuito ou fôrça maior. Se a responsabilidade pelo caso fortuito ou fôrça maior há de ser suportada por ELE (e. g., Código Civil, art. 877), nada adiantaria alegar e provar o caso fortuito ou fôrça maior. Se há impossibilidade, que libere o devedor, não há pensar-se em mora. Para que se cogite de incursão em mora, é preciso que haja dever de adimplir. Sem dever de adimplir, não há margem para inadimplemento imputável. Se há mora, odevedor está obrigado a satisfazer o credor, ou com a prestação, se é o caso, ou com a indenização. Porém, ainda se presta, a despeito da mora, há de ressarcir os danos que a mora causou. Por esse meio, o credor cobre os prejuízos que sofreu, por exemplo, por ter feito despesas para suprir a falta da prestação, com que contava, por ter deixado de vender o que lhe havia de ser entregue e não foi, ou com as despesas judiciais. Se dívida é de moeda, pode o dano consistir na desvalorização dessa, durante a mora. Também pode ocorrer impossibilidade superveniente à mora e ter de prestar o devedor o equivalente à prestação mais o valor dos danos. Pode ocorrer que cesse todo o interesse do credor na prestação. Então cespa a possibilidade da purga da mora. Depois da mora, ainda nas espécies em que só há inadimplemento ou adimplemento ruim com o ato do devedor, as conseqüencias da mora são segundo o art. 957 do Código Civil. Tudo que acontece lhe é imputável, devido ao estado de mora que se criou. O devedor que incorreu em mora e envia, com atraso, a mercadoria, assume o risco dos acidentes, inclusive ferroviários, marítimos e aeronáuticos. Somente se forra à responsabilidade se alega e prova que o dano ocorreria ainda que a prestação tivesse sido cumprida oportunamente (Código Civil, art. 957, 2.8 parte). Os exemplos, a respeito de acidentes, não são de fácil concepção. Em todo caso, se a obrigação era de despachar a 3 e o devedor despachou a 4, ou a 5, e a mercadoria seguiu pelo primeiro transporte depois de 2, que foi a 8, o devedor pode alegar e provar que, se tivesse despachado a 2, ou a 3, teria a prestação seguido no mesmo trem, no mesmo navio, ou na mesma aeronave. O devedor tem de ressarcir todos os danos resultantes da mora, ou que tiveram causa em caso fortuito ou fôrça maior acorridos após a mora. A ignorância da dívida não é justa causa para deixar de adimplir. Se herdou a dívida e o ignora, a lei estabELEceu que não seria responsável além do que houvesse recebido do ativo. Tão-pouco é justa causa ter perdido o patrimônio, se a perda não diz respeito à prestação mesma e não acarreta com ela o devedor, segundo algum dos princípios que regem a atribuição dos riscos. A mora do devedor implica violação do contrato. Há dever, de que Me se afasta. Mas a atitude contrária aos deveres pode ser sem culpa. Por isso é que, tornando-se impossível, objetivamente, a prestação, o sistema jurídico pré-elimina a constituição em mora. Os juros moratórios começam de fluir desde que se infringe alguma das cláusulas sobre lugar, tempo, forma e qualidade do pagamento. Não se pode indagar de ter havido, ou não, culpa, para se contarem, ou não, interesses moratórios. Nenhuma distinção se faz, no direito brasileiro, entre indenizações pela mora e fluência de juros, para que se pense em duas espécies de mora, uma, objetiva, para dar direito a juros moratarios, e outra, subjetiva, para que haja as outras consequências da mora, como ocorre no direito suíço, com os arts. 107 e 103 (art. 106 do Código suíço das Obrigações. Se o devedor contravém os seus deveres tem de reparar o dano causado por sua atitude, que é ato ilícito relativo, seja positivo seja negativo o ato. Se se lhe atribui mora, o que ELE pode alegar é que mora não houve; objeção que consiste em afirmar que não se deu algum dos pressupostos para a constituição da mora. A insuficiência de meios patrimoniais não o livra da mora. Se absolutamente incapaz, a violação por deveres, pelo representante legal, determina a mora. 3. DANO REPARÁVEL. O dano que se tem de reparar é o proveniente da falta, em sentido próprio, e não no sentido de culpa, que tem, em língua francesa, “faute”. Tem o devedor de indenizar: tôda diminuição ou eliminação das vantagens que o credor teria tirado da prestação se a dívida se houvesse solvido em tempo oportuno; as despesas que o credor fêz para receber a prestação, inútilmente, devido à mora (e. g.: a passagem de avião que teve de comprar e outras despesas, feitas para ir buscar a prestação; o aluguer do piano para não suspender os estudos, uma vez que contava com o que comprara com dia certo de entrega, ou com direito de fixar a data de entrega; o que teve de pagar a terceiro, por infração de contrato com date, ou pela pena

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convencional, se deixou, com a mora do devedor, de prestar o que prometera ao terceiro; a depreciação do objeto da prestação, prejuízo que teria sido evitado se o devedor houvesse prestado em tempo devido; a diferença entre o valor do objeto, entre a data em que deveria ter sido prestado e o preço máximo alcançado após aquela data e a da entrega ou oblação. Cláusula do negócio jurídico pode preestabELEcer o quanto ou o quanto máximo da indenização ou indenizações que haja de pagar o devedor em mora. Com a mora, o devedor tem de responder pela guarda e conservação da prestação mais estritamente do que responderia, se não tivesse havido. No Código Civil, art. 957, diz-se que “o devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito, ou fôrça maior, se êstes ocorrerem durante o atraso; salvo isenção de culpa”, logo ressaltam a impropriedade da expressão é contradição que existiria em admitir impossibilidade resultante de caso fortuito ou fôrça maior com culpa e impossibilidade resultante de caso fortuito, ou força maior em culpa. Ou a alusão à “isenção de culpa” é aquela que se enuncia em seguida (“dano [que] sobreviria, ainda quando a obrigação fôsse oportunamente desempenhada”), ou foi lapso do legislador, que pôs a expressão “culpa” em lugar de “ligação causal”. 4.Fatos MORATÔRIOS. Os juros moratórios são indenização ao credor; nio restituição das vantagens que tem ou poderia ter o devedor com ter ficado com a prestação. Alguns sistemas jurídicos onde se insinuou a noção de culpa para se compor a figura da mora não inseriram em suas regras juridical a de serem os juros moratórios (note-se a contradição) independentes da mora, mas atribuiram a fluência de juros a retardamento objetivo, o que ainda é cair em contradição (juros moratórios sem mora). O sistema jurídico suíço teve a sua escápula um tanto disfarçada: redigiu regra jurídica especial sobre a fluência dos juros. Compreende-se, porém mais acertado seria voltar à perfeição lógica e à análise dos fatos e proclamar-se que as regras jurídicas sobre dolo, culpa, fôrça maior ou caso fortuito, e responsabilidade pela perda ou deterioração da prestação são distintas e independentes das regras jurídicas sobre mora. No sistema jurídico brasileiro, ninguém, atentamente, poderia pretender que os juros moratórios só se contam se houve culpa do devedor. Trata-se, precisamente, de indenização ao credor que a lei considerou prejudicado. O expediente técnico da contagem de juros moratorios, com taxa legal, teve a finalidade de evitar as dificuldades de avaliação dos danos. Com ELE, dispensou-se qualquer alegação e prova dELEs, e fêz-se surgir a pretensão a juros moratórios ainda que, fâcticamente, não tenha havido danos, ou não possam ser provados, ou se haja provado não terem existido. 5.MORA E CLÁUSULA PENAL. Se há cláusula penal, o devedor que não adimple incorre em mora e em pena (5.STRYK, Usus moderni Pandeotarum, título De usuris, § 7;O.G. WEHRN, Dootrina juris, 342). Mas é possível conceber-se a pena com a mudança do dia para vencimento. Então, há a fluência dos juros, mas admite-se que a prestação seja depois da data em que se tornou exigível. 6. GUARDA E CONSERVAÇÃO DA PRESTAÇÃO. 1-lá prestações que estão insertas, indiscernivelmente, no patrimônio do devedor. É o caso das dívidas de dinheiro. Também o é a de mercadorias ou produtos agrícolas ou fabricados, se não se concretizou o que se havia de prestar. Aí, a guarda e conservação do bem são de interesse imediato do devedor. A perda ou deterioração começam a ser mais rELEvantes para o credor em se tratando de restituição (Código Civil, arts. 869-871), ou em se dando mora debitoris. Seja como fôr, a responsabilidade do devedor, em caso de mora, agrava-se. Se a prestação era de coisa certa, a impossibilidade objetiva superveniente à dívida e antes de haver mora, oriunda de caso fortuito ou fôrça maior (se houve dolo do credor, há erceptio doU), dá ensejo à resolução do contrato: Se superveniente à mora, o devedor tem de indenizar quaisquer danos que só se produziram por ter incorrido em mora (= que não se produziriam se “a obrigação fôsse oportunamente desempenhada”, Código Civil, art. 957, 2. parte, in tine). Nas obrigações alternativas, os arte. 885-888 do Código Civil perderam a incidência. § 2.810. Preliminares 1.MORA DO CREDOR E MORA DO DEVEDOR. Pois que um deve e outro tem direito, a infração do dever não iguala a falta do credor, que é a de colaboração para que o devedor adimpla a sua obrigação. Ou, melhor, a sua dívida; porque o devedor, cuja dívida é desmunida de obrigação, pode querer solver e por ser sem pretensão o crédito não deixa de incorrer em mora o credor que não coopera para o adimplemento. Dá-se o mesmo se a pretensão está prescrita.

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É preciso que se não confunda a recusa do credor com a remissão da dívida: ali, o credor, a despeito da sua atitude de não cooperar para a execução da divida, continua titular da dívida ou da dívida e da pretensão; aqui, a dívida ou a pretensão e a dívida se extinguem. 2.ELEMENTOS DO SUPORTE FÁCTICO. A mora é fato complexo, que entra no mundo jurídico e altera a relação jurídica. É atraso no adimplemento, por ter o credor omitido a cooperação, especialmente a recepção, indispensável à liberação do devedor. Ou o credor se negou, sem justa causa, a receber a prestação, ou deixou de praticar os atos preparatórios sem os quais o devedor não poderia adimplir. Conforme teremos de acentuar, o trato do instituto da mora creditoris tem sido prejudicado pelo emprêgo de palavras que têm hoje sentido próprio, preciso, que não era o do. direito romano, e por más interpretações de textos romanos através de séculos. Não se pode falar de “oferta” pelo devedor, nem de “aceitação” pelo credor. O que é preciso, da parte do devedor, é o início de adimplemento, o que pode ocorrer, conforme as espécies, por simples ato verbal (oral ou escrito), ou de simples sinal, como se o vendedor das laranjas acordou com o comprador que esse viria, ou mandaria buscar o que comprara, no dia imediato àquELE em que ELE hasteasse a bandeira nos seus terrenos, ou desse sinal com badaladas de sino. O ato de início de cumprimente varia com o conteúdo do negócio jurídico. O Código Civil brasileiro dedicou à mora do credor: a o art. 955, 2Y parte: “Considera-se em mora . . . o credor que o (pagamento) não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados (art. 1.058)”; b) o art 958: “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito, ou fôrça maior, se êstes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, em que o dano sobreviria, ainda quando a obrigação fôsse oportunamente desempenhada (art. 1.058)”; o) o art. 959: “Purga-se a mora: II. Por parte do credor, oferecendo-se êste a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até àmesma data; III. Por parte de ambos, renunciando aquELE que se julgar. por ela prejudicado os direitos que da mesma lhe provierem”. O art. -1.058, parágrafo único, define o caso fortuite ou fôrça maior: “O caso fortuito, ou de fôrça maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Desde logo é de observar-se: (a) que nenhuma referência se fêz a culpa como pressuposto da mora do credor; (b) que o problema de interpretação quc surge da leitura dos arte. 957 e 963 nada tem com a mora dc credor. 3. “OBLÁTIO” OU APRESENTAÇÃO DA PRESTAÇÃO. Preliminarmente,. tem-se de eliminar tôda doutrina que veja no ato do devedor, na oblação, dita, erradamente, pelo menos na terminologia científica de hoje, oferta, qualquer declaração de vontade, ou simples manifestação de vontade. O que há na oblatio é mero ato, que entra no mundo jurídico como ato-fato auridco, que é o pagamento. Prestar não é negociar; é adimplir. Se pagar não é negócio jurídico, como o poderia ser o ir pagar? (Tomo II, §§ 159, in une, 209). Os atos do credor necessários ao adimplemento, sem serem a simples recepção, são, como os atos preparatórios do devedor, . O tempo que precede à recepção é o tempo da antelação. A oblação faz-se durante ELE ou após êlíe. Para o adimplemento pode haver atos preparatórios, quer do lado do devedor quer do credor, mas, ainda que haja todos menos um, de cuja falta resulte não se adimplir a divida, o direito tem de levar em conta o ocorrido para determinar a incursão em mora, ou do lado do devedor, ou do lado do credor. Na L. 30, D., de solutionibus et liberationibus, 46, 3, e na L. 72, pr., procurou-se ver mais do que atos para prestar: manifestação de vontade feita ao credor. Alguns apontaram algo de negocial; outros, ato jurídico stricto sensu (sobre isso, cf. E. LEIDEN, 1/oraussetzungen und Wirkung der Schuldhinterlegung, 26; E. RAUTMANN, Rechte des Verkdufers bei mora accipiendi des Kãufers, 14). O “nollet accipere” da L. 30 (ULPIANO) de modo nenhum significa que, para haver mora, é preciso que o credor não queira aceitar; nem, tão-pouco, se pode inferir tal necessidade do “accipere recusavit” da L. 72, pr. (MARCELO). A mora do credor apenas supóe a falta de receber, o não-receber. A conduta do credor também pode demorar o adimplemento. Incorre ELE, então, em mora. Com a mora do credor, o devedor continua obrigado, até que cesse a dívida, inclusive pela impossibilidade. Se o contrato é bilateral, o devedor continua com o seu crédito. Se o contrato é unilateral, a responsabilidade se reduz às despesas de que fala o art. 958 do Código Civil. Enquanto o devedor pode cumprir, ainda que a dívida seja desmunida de. obrigação, ou prescrita a pretensão, a mora do credor pode dar-se. Se há oblação, somente a recusa fundada enseja evitar-se a mora do credor. Todavia, se, no momento da oblação, o devedor não pode realizar a prestação oblata, a mora do credor não se dá. Se o credor tem de contraprestar e, no momento, não faz a oblação, a oblação pelo devedor pode ser retirada

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e a mora creditoris exsurge. A realização da prestação é resultado de série de atos que acabam na figura do adimplemento. O devedor, que presta, como o credor, que contrapresta, percorre caminho, que é o da promoção do cumprimento. O que é preciso é que não fique ao credor, para receber a prestação, mais cio que atos seus, ainda que negativos (e. o., se o devedor tem de depositar na conta bancária do credor o que lhe deve. Se ao devedor apenas incumbe falar ou fazer sinal, a oblação verbal ou mímica ou simbólica deixa ao credor tudo mais para que apanhe, colha, ou recolha a prestação. Nas obrigações que consistem em prestação de serviços, é de mister que o devedor esteja em situação de os poder prestar. Ai, a impossibilidade seria objetiva, porque o objeto é o .taoere. Idem, em se tratando de obrigações de não fazer, porque o ato negativo é que. é o objeto. A recusa pelo credor há de fundar-se que aquilo de que se fêz oblação não é o que se deve. Se a prestação é defeituosa, pode recusá-la o credor, sem que incorra em mora. Se o vício é oculto e a recebeu o credor, mora não houvd e o devedor liberou-se. Mas há, para o credor, o remédio da rescisão por vicio redibitório ou o da ação qzuznti minoris. Na oblação não há declaração de vontade, nem comunicação de vontade; há ato-fato jurídico. Tão-pouco é receptício. O padeiro deixa o pão, na ausência do freguês, ou se esse se mudou sem avisar, ou se faleceu. Se o credor declarou que não vai receber a prestação, basta a oblação verbal pelo devedor, porque pode ser dispendioso e inútil ir levar ou remeter a quem, segundo diz, não vai receber. A oblação verbal, em tal espécie, tem sentido. como se o devedor dissesse: “Pôsto que hajas declarado que não vás receber, estou pronto a prestar, se mudasses de propósito:’. As vêzes a oblação verbal é silente, como se o dono da casa comercial ou o gerente diz aos empregados que não abrirá o estabELEcimento no dia 10, ou no dia seguinte. Está entendido que o dono da casa comercial, ou o gerente, pode mudar de intenção e retirar a declaração. Os empregados, esses, com o seu silêncio, têm a atitude de quem dissesse: “Bem se houver contra-ordem, estou pronto a vir”. Se, por ocasião da declaração, um dos empregados aproveita o ensejo para dizer: “Nesse caso, posso ir a São Paulo e estar aqui no primeiro dia de serviço?”, há a declaração do dono da casa comercial ou do gerente, o “estou pronto a vir, se mudar de propósito” e a oferta de dispensa, que depende de aceitação (negócio jurídico bilateral). Quando a prestação é para se ir buscar, a oblação é verba!. Todo ato posterior a isso é de entrega. Se o devedor diz ao credor que pratique os atos necessários à recepção em data certa, ou que as entregas começam do dia tal, ou ao comprador para que prove ou examine (Código Civil, art. 1.144), implícita está a oblação verbal. O devedor há de ter pronta a prestação, de tal maneira que, se o credor a quer receber, nada mais se oponha a isso, O alfaiate que disse estar pronta a roupa e, no momento de prová-la, verifica que precisa de retoques, fêz oblação ineficaz, de modo que outra terá de ser feita, oportunamente. Se não há necessidade de oblação real, como se a coisa está em poder do credor (e. o., é possuidor imediato), não se pode dizer que a oblação deixa de ser indispensável . Há sempre momento em que ocorre a dação de posse, ou ato-fato semelhante. A afirmativa de SCHENKER (Erftlllungsbereítschaft nnd Erftlllungsangebot, Jheringa Jahrbitcher, 79, 141) e de pn. Ria (GrundrUa dea Schujdrechte, 113) sObre a desnecessidade, em tais caos, da oblação, é de repelir-se. Não há só n oblação real e a verbal; há a oblação por sinal e a oblação por ato negativo. 1 2.811. Conceito de mora do credor 1. O devedor deve a prestação. Tem, pois, dever de prestar. O credor não tem, de regra, dever de receber. O devedor entrega a prestação devida, ou, pela menos, pratica os atos que ele tinha de praticar para que a entrega e a recepção se de8sm. O credor recebe a prestação, ou, pelo menos, procede de tal maneira que a solução da dívida se possa dar. Já vimos que o termo “oferta”, se ainda se emprega, é ambíguo (há «oferta” de contrato), ou, até, equivoco. A definição científica tem, pois, de evitar qualquer alusão a oferta, tanto mais quanto o ato do credor, positivo ou negativo, somente entra no mundo jurídico como ato-fato jurídico, à semelhança do ato de adimplemento. 2.CONCEITO Mora do credor é a omissão do credor em cooperar para que a divida se solva, até onde essa cooperação é indispensável. 3.PRESSUPOSTOS. Para que a mora creditoris se dê. é preciso que: a) ao que presta seja permitido prestar e possa prestar, porque, se não lhe e permitido, ou ainda não no é, ou não pode prestar no momento de o ter de

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fazer, não se há de pensar em omissão do credor (e. g., estabELEceu-se que só se prestaria no dia certo e nunca antecipadamente, ou que o negócio seria a data fixa, Fixgeschtift, como a passagem pelo avião das 8 horas, no dia 5; ou ocorreu impossibilidade da prestação) b)que tenha havido o ato, positivo ou negativo, de prestar, ou de preparação para isso até o ponto em que só seria preciso o ato do credor, e tal apresentação da prestação tenha sido no tempo devido, no lugar devido e conforme o conteúdo da dívida, e tenha praticado o ato quem o podia praticar para solver; e) que do lado do credor tenha havido ato ou omissão que impediu o adimplemento. 4. RECEPÇÃO E MORA DO CREDOR. De regra, para adimplir, precisa o devedor da colaboração do credor, a que se chama recepção. Por exemplo: se A vendeu a B a casa a, sem na escritura pública se ter feito, desde logo, a transferencia (acordo de transmissão), a que bastaria a transcrição, tem A de fazer intimar a B para o acordo de transmissão, porque, sem , não se poderia transferir a E a casa vendida. Quase sempre, o locador de serviços, ou o devedor de trabalho, ou obra, não pode adimplir sem que o credor colabore. Se o credor se recusa a isso e, assim, impede o adimplemento, incorre em mora. Se, para o adimplemento, não é necessária essa colaboração do credor (e. g., dever de omissão de renuncia a direito real, como ocorre no Código Civil, art. 589, II, e § 1.0, ou de reparar danos a objeto, pertencente ao credor, que se acha em poder do devedor, de destruir documento ou coisas em poder do devedor ou existentes em lugar acessível a ELE, de expedir mercadorias ou bagagens), não há pensar-se em mora creditoris. Tôda colaboração do credor seria plus. Se o devedor tem de cumprir simultáneamente à contrai prestação pelo credor, isto é, quando se trate de contrato bilateral em que o devedor não haja de restar em primeiro lugar, o credor incorre em mora se está disposto a receber a prestação oblata, e não faz oblação da contraprestação. Ou o credor faz a oblação, ou recusa. Não lhe é permitido receber a prestação sem fazer a contraprestação, simultâneamente. Pode dar-se, em todo caso, que haja de existir a simultaneidade, sem se ter determinado o dia da prestação e, pois, da contraprestação. Então, tem de ser acordado o tempo para a prestação, ou para a contraprestação, ou ser avisado o credor, com razoável antecipação. O credor não tem o dever de previsão do dia do adimplemento, nem de receber e contraprestar sem que se haja marcado o dia. Não pode ser pOsto em mora sem que esteja prevenido para receber e contraprestar. Se, no caso acima referido, o devedor deixa de avisar, corre o risco de oblação intempestiva, ou de ter de entregar e marcar dia em que possa receber a contraprestação. Se o credor não pode receber, ou contraprestar, os gastos que o devedor fêz ou haja de fazer por ter sido ineficiente a oblação, correm por sua conta. Trata-se de avisos cheios de vontade, que não se podem ter como simples comunicações de conhecimento. É, rigorosamente, o anúncio volitivo (Tomo II, § 285, 1), ato jurídico atricto seneu, recepticio. 5.EM PRINCIPIO, NÃO HÁ DEVER DE RECEBER. R. RiMn (Ábhandlungen aia dem ràmischen Recht, 148-148) falava, contra a opinião dominante no direito comum, de dever geral de receber. M.VOIGT (Das ius naturale, aequum et bonum und ius gentium der Rômer, III, 389 e 616 s.), F. TH. ULRICE (Die Deposition und Dereliction, 2) e RICHARD KOCH (fie Mora creditoris, 9) iam ao extremo de falar de dever do credor quanto à liberação do devedor. B. WINDSCHEID também cogitou de alternativa ao credor: receber ou renunciar (7!), mas corrigiu, depois, o Orro em que incorrera (Leh,rbuch, II, 9. ed., 447, nota 10). Referiu-se, então, ao interesse do devedor no recebimento pelo credor (melhor teria dito na liberação. SObre a, matéria, C. SCHANZENBACH (Gibt es oder inwieweit gibt es in gegenseitigen T/ertrãgen eine Pflicht zur Ãnrtahme der Gegenleistung?, 1 s.), A. ROSENTEAL (Das Ãnnahmepflicht da GMubigers nach dem RGB., 1 s.) e KARL STROHL (Culpa ais ELEment des GUlubigerverzugs, 32 s.). Também J. vON SCHEY (Begrtff und Wesen der mora creditoris, 94 s.), que formulou teoria do dever geral de receber, caiu na contradição com o “qul suo iure utitur neminem lsedft” que Invocou Par outro lado, 6 de afastar..se qualquer concepção de nralell.mo entre a plua petitio re e a plua petitio tempore, a que aludia F. A. CaL (Der dldubiuervergug, 84). A respeito de alguns contratos, especialmente da compra-e-venda (L. 9, 13., de actionibua empti venditi, 19, 1: “Si is, qul lapides ex fundo emerit, tollere coa nolit, ex vendito agi cum co potest, ut coa tollat’9, aparecia a necessidade de cooperar o credor no adimplemento. Se quem comprou pedras de um terreno não as quer retirar, pode ser exercida contra ile, disse POMPÓNIO, na L. 9, a ação de venda. AI, há interésse do devedor em que se levem as pedras. Pensou-se haver na L. 9 principio geral, de que se dava exemplo, donde a interpretação extensiva que foi seguida por tantos juristas (e. g., G. O, TREITSCRKE, Der Kau/coneract n beaond.erer Begiebung auf den

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Waarenhandel § 77; O. H. L. BEINCKMÂNN, Lekrbuch des Haredelareebes, § 100; H. TH6L, Das Hartdelarecbt, 1, 8.8 ed., § 272; PAUL HIESCE, Zur Reviaion der Lebre vom Gldubigerverzuge, 191; P. SCHINGNITZ, Inwieweit ist zur Er/itllung einer Obligation die Mitwirkung de, Giliubigerús ertorderucb?, 26 s.). Outros, os partidários da teoria do interêne (Interessen thcozie), que se contrapas à da generalidade, sustentaram que a L. 9 ou qualquer regra jurídica correspondente à L. 9 somente Incide onde há interêue do devedor em que o credor receba (e. g., E. ECK, Vortr&ge, II, 2.’ ed., 288-288). O interesse há de ser diferente do interesse comum de adimplir. Outros viam na L. 9 simples caso particular, que seria o do vendedor das pedras (J. KOHLER, Annahme und Annahmeverzug, Jahrbi2cher lar die Dogmatik, 17, 265 e 275; E. WINDICHEW, Lebrbuck, II, 9.’ ed., 452 a.; flt. MOMMSEN, Die Lebre von der Mora, 134). No Código Comercial, art. 201, está escrito: “Sendo a venda feita à vista de amostras, ou designandos no contrato qualidade de mercadoria conhecida nos usos do comércio, não é licito ao comprador recusar recebimento, se os gêneros corresponderem perfeitamente às amostras ou à qualidade designada; oferecendoe dúvida, será decidida por arbitradores” o art. 201 nada tem com a mora. Não temos a regra jurídica da L. 9, D., r II2.810-2.816. MORA DO CREDOR 209 de actiortibua emyti venditi, 19, 1, nem a de alguns códigos eatrangeiros. O art. 973, II, do Código Civil, que permite o depósito em consignação “se o credor não fôr r.am mandar receber a coisa”, 6 para as espécies em que não tenha o devedor de prestar no próprio domicilio, por se haver estabELEcido lugar diferente para o adimplemento, ou resultar das circunstâncias, da natureza da obrigação ou da lei <Código Civil, art. 950). Há regra jurídica no sistema jurídico brasileiro, não escrita, que se pode redigir nos seguintes termos: “As circunstâncias, a natureza da obrigação e a lei podem preestabELEcer dever de o credor cooperar no adimplemento”. A formulação atende à termiúologia do art. 950 do Código Civil. A segurança do tráfico, a necessidade de ser protegido o interesse do devedor (A. DURINGER-M. HACHENEURO, Das Hartdetsgesetzbuch, III, 50) e as circunstâncias, que se têm por levadas em conta pelos figurantes, podem determinar que o credor tenha de receber, Mas a mora ocorre, haja ou não esse dever, que não 6 ordinário, desde que o credor tenha deixado de “<‘eber tine justa causa. Isso põe claro que, ao lado da mora, pode existir responsabilidade por ato ilícito absoluto. Se o devedor entende que não lhe basta a proteção que deriva do art. 958 do Código Civil, tem a do art. 973, II, do Código de Processo Civil, que independe de qualquer dano (C. E KoCH, Das Recht der Forderungen, 345). Pretendeu-se que, em principio, o vendedor e o empreiteiro tinham de ser tratados com especial regra jurídica, por serem prováveis ou ordinâriamente ocorriveis os prejuízos decorrentes da mora creditoris (e, g., M. HACKERT, fie Begri/fe “À blief erung”, “A bnahme”, “Annahrae” und “Empfang,tahrae” im Kauf- und Frachtrecht nach bt2rgerlichem und Handelsreckt, 37). Mas isso apenas seria sugestão para se redigir regra jurídica dispositiva, ou interpretativa, ou se revelar, no sistema jurídico, tal regra jurídica não escrita, A cooperação do credor às vêzes é fáctica; outras, jurídica. Deixou A o paletó para que E o consertasse e, depois, ao fim da semana, o apanhou. Comprou C o imóvel e tem de assinar com o devedor, D, que o vendera, a escritura pública. AI estão dois exemplos. Em vez de A, pode ir buscar o paletó e empregado da sua casa; em vez de O, o procurador ou mandatino (J. RORLER, Annahme und Annahmeverzug, Jahrbiicher [(ir die Dogmatjk, 17, 264). Não raro, a cooperação do credor é antes. da prestação, como se tem de escolher, nas obrigações alternativas, ou nas obrigações genéricas (F. WARSCHAUER, Der Tatbestand des Annahmeverzuges, 5; E. HIRSCHLER, Der Tatbestand des GWubiger-lJerzuges, 27). Em princípio, não é de mister que o credor coopere, em se tratando de obrigação de não fazer (FR. MOMMSEN, fie Lehre von der Mora, 137; P. SCHINGNITz, Inwieu’eit zst zur Ertiillung einer Obligatiou die Mitwirkung des Glãubigers erforderlich?, § 6). O credor somente tem dever de receber se, expressa ou tâcitamente, foi convencionado tal dever, ou se resulta da natureza da obrigação, ou de lei. O dever de receber, se existe, consiste em ter de tomar ou retirar, ou colhêr a prestação (= receber a prestação), e não em praticar atos que são da incumbência do devedor, embora indispensáveis ao adimplemento. Se há, ainda, dever de pedir a quem fornece as prestações ao devedor, a infração desse dever por ter o devedor provocado o credor a fazer o pedido, ou os pedidos, é infração do dever de receber e, pois, causadora de mora credítoris (assim, L. ENNECCERUS Lehrbueh, II, 200 s., nota 15) ; e não mora debitoris (A. DtYRINGER-R.

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HACHENBURG, Das Handelsgesetzbuch, III, 50 sj. 6. MORA DO CREDOR NADA TEM COM A CULPA. A culpa não é pressuposto da mora do credor. Na L. 26, D., soluto matrinzonio dos quemadmodum petatur, 24, 3, PAULO nenhuma alusão faz a culpa; nem na L. 73, § 2, D., de verborum obligationibus, 45, 1, onde se fala da exceptio doU mali oponível ao credor que se recusa a receber (certe enim doli mali exceptio nocebit ei, qui pecuniam oblatam accipere noluit). Na L. 37, D., mandati vel contra, 17, 1, AFRICANO só se refere à frustração (frustratio) ELEmento comum à mora do devedor e à do credor (etenim neutri eorum frustratio sua prodesse debet). Na L. 72. pr., D., de solutionibus et Uberationibus, 46, 3, MARCELO refere-se à recusa sem justa causa (et ilIe sine iusta causa ca accípere recusavit), que dava ensejo à exceptio dou mali: deve-se considerar como pago aquilo que o credor foi moroso em receber (quare pro soluto id, in quo creditor accipiexiclo moram fecit). Se a recusa era justificada, como se era deficiente ou defeituosa a prestação, mora não havia. Porém daí não se havia de tirar que fôsse pressuposto necessário da mora a culpa. Sobre isso foram definitivas as observações de J. KOHLER (Annahme und Annahmeverzug, .fahrbiicher [(ir die Doginatik, 17, 265 s. e 409 a.) e PAUL HIRSCH (Zur Revisãon der Lehre vom Glàubigerverzuge, 215 a.). No mesmo sentido, F. SCHOMANN (Lehre vom Schadensnsatze, 10), J. A. FRITz (Erlduterungen Zusdtze u. Berichtungen zu v. Wening-Ingenheims Lehrbuch, 357 a., C. F. F. SINTENIS (Das vraktische gemeine Civilrecht, II, 3. ed., 217 s.), A. BRINz (Lehrbuch der Pandekten, II, 2. ed., 287), L. KUHLENBECK (Von den Pandekten vim BGB., II, 109 a.) e outros. Sem razão, C. O. MADAI (Die Lebre von der Mora, § 2), C. W. WOLFF (Zur Lebre von der Mora, 252), J. VON SCEEY (Begrifi und Wesen der mora creditoris, 71 a.), F. MANNS (Von der Mora, em Pra gment, 5 s.), W. MUNI< (Wesen und Voraussetzungen der Mora creditoris, 33 a.) e outros. Na L. 91, § 3, O., de verborum obligationibus, 45, 1, PAULO refere-se à culpa, quando informava que, para os antigos, sempre que intervém culpa se perpetua a obrigação, e foi em tal texto que se firmou toda a ardilosa e habilidosa teoria da culpa pressuposto da mora. Mas ali só se falava da perpetuação da obrigação, e PAULO exatamente inquire sobre o que acontece se apenas o devedor incorreu em mora: a perpetuação obstaria à emenda da morosidade? Acrescenta que CELSO admitia a emenda. <Onde a afirmação de não haver mora sem culpa? A L. 72, pr., D., de solutionibus et .liberationibus, 46, 3, fala da mora do credor por ter havido oblatio pelo devedor, quer dizer o apresentar, o pôr defronte do credor a prestação. Fala-se de ser “sine iusta causa” a falta de cooperação do credor. Culpa pode ter tido o devedor em que tal falta do credor se desse, e MARCELO na L. 72, pr., o prevê e previne. Os que não encontram na L. 72, pr., argumento contra a teoria subjetiva ou da culpa erram, e foi o caso de II. DERNEURO (Pandekten, II, 7ft ed., 120 a.), W. MUNK (Wesen und Voraussetzungen der Mora creditonis, 40) e PAUL MÍJEsÁM, fie gerichtliehe Hinturlegung, 23). Sob o antigo Código Civil suíço, discutia-se se a mora do credor supõe culpa do credor. Mas já antes da revisão a jurisprudência se decidira pela negativa, sob a inspiração dos estudos de JOSEF HoELEri. A mora do credor não é idfração de dever (C. F. F. SINTE.. NIS, Das praktische gemeine Civilrecht, XI, 197, nota 60;F. WARSCHAVER, Das Tatbestand de8 Annahmeverzuges, 45;KARL SnOHL, Culpa ais ELEment deo Gldubigerverzug8, 17;sem razão, L. ROSENEERO, Der Verzug des Glãubigers, Jherings Jahrbitcher, 43, 203 s.). Nenhuma culpa se exige para que ela se constitua. O que se Impos aos nossos dias foi a concepção de JOSEF KOHLER (cf. Der Ghãubigervcrzug, Archiv /1k Bi4rgerliches Recht, 13, 150, que prevaleceu no Código Civil alemão. Foi ela exposta em 1879 (Annahme und Annahmeverzug, Jahrblicher [(ir die Dogmatik, 17, 262 s.). Abstraiu-se de qualquer culpa, porque o conceito sempre fOra, em boa doutrina, estranho ao de mora (cf. H. KORNFELD, Die Voraussetzungen des Gldubigerverzugs, 14; KARL STROHL, Culpa ais ELEment des Gldubigerverzugs, 53). § 2.S12. Pressupostos da mora do credor 1. ENUMERAÇÃO. Para que haja mora, é preciso: a) que ao devedor (ou ao terceiro, segundo o art. 930 e parágrafo único do Código Civil) seja permitido prestar e o possa; b) que inicie o ato de adimplemento, de jeito que o inadimplemento seja imputável ao credor (ainda que culpa não tenha esse, porque a culpa é estranha aos

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pressupostos da mora do credor) ; e) que o credor não haja recebido (= haja recusado), ou haja omitido ato positivo ou negativo de cooperação indispensável a que se desse o adimplemento. 2. PERMISSÃO DE PRESTAR. 1. a) É permitido prestar, em princípio, logo que nasce o crédito (Código Civil, art. 952, verbo “imediatamente’), ou ao implemento da condição (art. 953’i, ou ao advento do termo (art. 952, verbis “época para o pagamento’), ou, ainda, antes do vencimento, nas espécies do art. 954 (art. 1.490; Decreto-lei n. 9.228, de 3 de maio de 1946, sobre liquidação de bancos, art. 4O, b) : “a liquidação determina o vencimento antecipado das obrigações civis e comerciais do estabELEcimento liquidando e, conseqUentemente, as cláusulas penais dos contratos unilaterais assim vencidos não serão atendidas, nem correrão juros, ajuda que estipulados, contra a massa, enquanto não fOr pago integralmente o passivo”; Decreto n. 9.346, de 10 de junho de 1946, art. 6.0, b). b)Também é de exigir-se que, ao tempo da oblação oblatio é, at o movimento do devedor para o pagamento o devedor (ou o terceiro) possa prestar. Não basta estar disposto, ter intenção, sem se pré-excluir que possa prestar e preste quem o faz contrariado. Se ao devedor (ou ao terceiro é permitido prestar e poderia ELE prestar, porém lhe faltam meios para isso, a oblação foi só aparente. O credor pode alegar e provar que o devedor, a despeito de atos preparatórios, ou de comunicações de vontade, ou de ato final de adimplemento, não podia prestar. Respectivamente: pediu vagão para o embarque das mercadorias sem as ter e sem poder adquiri-las a tempo; escreveu carta, ou tELEgrafou, ou tELEfonou, dizendo que recebesse na estação o automóvel, e não o poderia remeter, por não haver lugar no trem ou no navio; entregou os carneiros, mas ao ter de o credor passar ao empregado o cuidado dELEs (tomada da posse, por servidor da posse) deixou de os receber porque foi avisado por alguém que os carneiros não eram do devedor. Sempre que há impossibilidade objetiva para o devedor prestar, não há pensar-se em mora do credor (= a impossibilidade objetiva da prestação pré-exclui a mora credítoris). Não se confunda com os obstáculos que, ao tempo do adimplemento, impedem que o credor coopere na execução da obrigação, ou recebe a prestação. A impossibilidade subjetiva, para o devedor. também pré-exclui a mora creditoris. Os impedimentos pessoais do credor ou fôrça maior individual não pré-excluem a mora do credor. A morte da mulher ou parente do credor não impede a mora; nem a do filho; nem a chuva torrencial que lhe obste chegar ao lugar em que teria de receber a prestação. Poder-se-ia argumentar que o art. 164 do Código de Processo ao Civil aponta espécies em que a citação não se pode fazer em determinadas ocasiões ou durante certo trato de tempo (1, ao funcionário público, na respectiva repartição; II, a quem estiver assistindo a qualquer ato religioso; III, ao cônjuge ou ascendente, ou irmão do mortó, ou afim nos mesmos graus, no dia do óbito ou nos sete dias seguintes; IV, aos noivos, nos três primeiros dias de bodas; V, aos doentes, enquanto grave o seu estado. As citações, as notificações judiciais, as interpelações judiciais e as intimações não podem ser feitas durante aquELEs momentos. Mas sim, as oblações, se, não as fazendo o devedor, esse incorreria em mora. Na repartição pública, se o funcionário público pode, no momento, receber estranhos ao serviço, a oblação verbal é possível, ou a gesticular ou mímica, entendendo-se, porém, que, cabendo, na espécie, tal oblação, a entrega se fará aí mesmo, ou no lugar que fôra estabELEcido, ou decorrente de regra juridica. Se a entrega pode ser feita na repartição pública, depende do regulamento interno da repartição. Durante ato de culto religioso, tóda intercepção, ou oblação que o perturbe, é de pré-excluir-se, salvo se o devedor, não a fazendo, incorreria em mora, como se lhe tinha de ser entregue medicamento urgente, ou certidão indispensável ao entêrro de alguém. Quanto aos dias de enôjo, a natureza da prestação decide. O critério mais seguro é o de verificar-se se o devedor, não prestando, incorreria em mora. Se incorreria, pode prestar no dia ou nos sete dias de que fala o art. 164, III, do Código de Processo Civil. O que se disse quanto ao art. 164, III, do Código de Processo Civil, é invocável para a espécie do art. 164, IV, e para a espécie do art. 164, V. O credor não incorre em mora se ao tempo de adimplir o devedor não poderia prestar. Se a oblação é real, a hipótese dificilmente ocorre. Quem apresenta fàcticamente pode prestar. Mas a coisa pode ser de outrem e então o devedor não pode prestar. A impossibilidade para o devedor, que pré-exclui a mora do credor, é a impossibilidade objetiva, e não a subjetiva (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 148; sem razão, P. DOCHNAIIL, Die Gefahrtragung beim Werkvertrage, Jherings Jahrbiicher, 48, 241 s.. O credor é que tem o ônus de alegar e provar que ao tempo do adimplemento o devedor não poderia adimplír (L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Komrnent ar, II, 212).

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Se a dívida é de ir buscar, de regra a oblação é verbal, para que o credor providencie (O. WÃRNEYER, Kornmentar, XI, 526, salvo se havia dia determinado para o recebimento. Se o credor está pronto a receber a prestação oblata, mas se recusa a contraprestar, a mora de credor ocorre. Se é terceiro quem vai solver, sem ser como procurador do devedor, com podêres para receber a contraprestação, pode ELE exigir do credor a quitação, porém não a contraprestação. O credor pode receber do terceiro e fazer oblação ao devedor. Tratando-se de servidor da posse, a entrega da prestação é de entender-se para receber a contraprestação. Se o devedor exige a quitação, o credor não incorre em mora enquanto o devedor não presta as despesas da quitação (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 526). 3. OBLAÇÃO. II. A prestação tem de ser oblata (evitemos dizer “oferta”, porque a terminologia jurídica reservou “oferta” à manifestação de vontade a que há de corresponder a aceitação ou a recusa de contratar: o étimo é o mesmo, mas os significados são distintos e ninguém diz oblação, em vez de oferta). A oblação é a apresentação ou a prática de algum ato que seja inicio de adimplemento, ou simples comunicação, se, in casu, basta (oblação verbal, mímica, ou por sinal). A oblação há de ser conforme o conteúdo, tempo e lugar da prestação. Há de ser feita pelo próprio devedor, ou por pessoa a que se permita fazer, e dirigir-se ao credor ou a pessoa a que se possa eficazmente pagar. Se são dois ou mais os credores e a prestação só a todos conjuntamente pode ser feita, a oblação tem de ser a todos. Se, em vez disso, os credores são solidários, a oblação a um põe em mora de receber a todos. Da parte do devedor, é preciso que ELE haja procedido para adimplir como era de seu dever e só a falta de cooperação do credor haja impedido o adimplemento. Se, da parte do credor, o ato indispensável é apenas receber, tem o devedor de entregar a prestação. Se, ao invés, é de mister cooperação anterior àentrega (e. g., escolha da prestação, indicação de terceiro a quem se entregará, ou do lugar da prestação, apresentação de documentos legalmente necessários à aquisição), basta a oblação verbal, au, o que se há de entender que a contém, a provocação (Aufforderung) ao credor, para que coopere (cf. Tomo II, § 235, 10). Para o credor nEo poder recusar-se a receber a prestação, é preciso que 8 prestação seja oblata com as despesas e interêsses, inclusive os interesses moratórios até à oblação e qualquer reparação de dano causado pelo atraso do devedor. Se a divida é de ir buscar, ou se provém de compra-e-venda à distância, tendo sido excluida a expedição, a mora creditoris pode resultar da falta em que incorra o credór, a despeito de não ter havido oblação. Nio basta que o devedor leve parte do dinheiro, ou tenha consigo parte do dinheiro, dizendo que a outra parte é em compensação de dívida da credor a éIe. Há de levar tôda a prestação, para que, exercido, na ocasião, o direito de compensação, se deduza o que se compensa (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 523). Qualquer ressalva que o devedor faça, quanto a direitos *serem exercidos no futuro, nio faz ineficaz a oblação. Nas dividas com remessa, basta que se haja remetido ao credor (P. OERTMÂNN, Reeht der Schuldverhãltnisse, 144). Se o devedor só faz oblação de parte da prestação, não há mora do credor (G. PLANCK, Kommentar, II, .1, 293; P. OERTMANN, Recld der Schuldverhdltnis8e, 144 outrossim, se a oblação é de outra coisa, embora mais valiosa, e de coisa certa a obrigação (Código Civil, art. 863). Se o que se entregou ou de que se fêz oblação é mais do que o devido, não obsta isso à mora do credor se o receber o excesso não cria prejuizo ou dificuldades ao credor (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhaltnisse, 142). O pagamento em dinheiro trocado ou miúdo so é de recusar-se se embaraçaria em demasia o credor (E KRÚCKMÂNN, Ist der Drosehkenkutscher verpflichtet zu weehseln?, Das Recht, V, 85 s.). Se a coisa prestada tem defeito, não incorre em mora o credor (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 298; sem razão : F.SCHOLLMEYER, Erftillungspflicht und Gewãhrleistung f (ir Fehler beim Kauf, Jhering8 Jahrbiicher, 49, 101; MAx WOLFE, Sachmãngel beim Kauf, 56, 8). Se, pelo contrato, o credor apenas pode exigir abatimento no preço (e. g., compra do que haja em depósito), ou recebe, ou incorre em mora (G. PLÃNCK. Komraentar, II, 1, 293 s.; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 523). A doutrina segundo a qual, se o credor deixa de cpmunfcar o enderêço nôvo, não é de mister a oblação, tem de ser repetida, como reveladora de regra juridica geral, porque ou o enderéço é indicação do lugar da prestação e a regra jurídica é de tôda rELEvância , ou o enderêço é para cominação, em caso de dever de retirada, ou é indicação do domicílio do credor para qualquer aviso ou citação. Se a prestação é de mercadoria para se entregar no domicílio do credor, ou no lugar que ELE mencionou, a oblação tem de ser feita, com a nota de não ter sido encontrado o credor. As dívidas de dinheiro e outras mais nAo permitem que se lhes dê o mesmo trato. Dai o não

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se poder dizer, como P. OERTMANN (Recht der Schuldverhdltnisse, 145), JOSEF ROHLER (Der Glàubigerverzug, Arohiv j’dr BUrgerliches Recht, 18, 199), ser desnecessária a oblação, nem, como L. KUHLENBECK (J. v. Staudingers Kommentar, 11,209), CARL CROME (Syst em, II, 152) e L. ROsENBERG (Der Verzug des Glàubigers, Jherings Jahrbilclzer, 43, 160, sâbre depósito em consignação ou oblação verbal edital), ser necessária. A oblação verbal do terceiro, ainda se terceiro interessado, não basta. Sêniente é suficiente se o terceiro tem legitimação independente para satisfazer o credor (L. ENNECcERUs, Lehrbuch, II, 199, nota 7. Se a cooperação do credor, que não seja só recepção, a) há de ser em dia certo, ou b) em momento determinado por denúneia, a oblação só é necessária se o credor praticou, tempestiva-mente, o ato que lhe incumbia. Se não o praticou, já a mora creditoris se caracterizou. São exemplos de b) a fixação da hora para operação, para representação teatral, ou para aulas (cf. L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 211;O.WARNEYER, Kommentar, 1, 525). A cláusula ou pacto adjecto pelo qual a prestação haja de ser até o dia tal não é, para a incidência do art. 955, 2. parte, dia certo, O devedor é que incorre em mora se não presta no último dia; o credor, não. Porque o credor não sabe quando o devedor vai prestar. Ç de mister que se determinem o dia e a hora para que os interessados estejam no lugar do adimplemento (O. WARNEYER, Komr,tentar, 1, 525. A fixação do dia pode constar de cláusula do negócio j uridico, ou de acordo posterior, ou ato unilateral do credor, mediante denúncia em que diga para quando quer a prestação (O. PLANCK, Kominentar, II, 1, 301), se lhe foi deixado determinar o dia, ou se é caso do art. 952 do Código Civil, ou mediante comunicação de que a cooperação indispensável já foi satisfeita (E. ZITELMANN, Selbstmahnung, Fest gabe fUr PAUL XRtYGn, 291 s.). Se a credor pratica, tempestivamente, o ato necessário ao adimplemento, a oblação tem de ser real; somente se ELE deixa de praticá-lo é que basta a oblação verbal (O. PLANCK, Kominentar, II, 1, 301; L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 211; sem razão, F. SÇHOLLMEYER, Recht der Schuld.1-verhiiltnúae, 140, que se satisfazia com a oblação verbal). 4.OBLAÇÃO REAL E OBLAÇÃO VERBAL. Discute-se se a oblaáo há de ser real (Realoblation), ou se há de ser verbal. Se a oblação tem de ser real, precisa o devedor fàcticamente já ter iniciado a entrega. Se há de ser verbal, tem o devedor de comunicar que está pronto a prestar e em verdade já vai prestar (cf. R. KoCH, Pie Mora creditoris, 11). Não há solução a priori. Depende da natureza da divida, das circunstâncias, da interpretação do negócio jurídico e da lei CC. O. VON MÁDÁ!, Pie Lehre von der Mora, 234 s.; C. W. WOLFF, Zur Lehre vo,t der Mora, 414 s.; Fa. MOMMSEN, Pie Lehre von der Mora, 141; F.RAU?MANN, Rechte des Verkduf era bei mora accipiendi des Kduf era, 15; WALTER MUNK, Wesen und Vora.ussetzungen der Mora creditoris, 10). Para PAuL HrascH (Zur Revisãon der Lehre vom Glliubigerverzuge, 207), a regra. é ser de exigir-se a oblação verbal, por só ser necessária a oblação real nas obrigações de ir levar, onde levar e prestar são inseparáveis. Pretendiam H. DERNEURG (Pandekten, J, 7Y ed., 120) e W. SCHMWT-SCHARFF, Wirkungen der mora accipiendi des Kduf era, 1 s.) que em princípio é de exigir-se a oblação real, mas basta a verbal se o credor ainda tem de praticar atos para que se sigam atos do devedor, ou se não é de uso a oblação real, ou se seri2 perigoso não estando pronto à recepção o credor. Nem tôda entrega dt prestação há de ser precedida de atos de preparação. Não é de acolher-se a doutrina de CHR. Fa. vaM GLÚCK (Âusliihrliche Erlduterung der Pandecten, IV, 408 s.). para quem, em se tratando de bem móvel, a oblação tenha de ser real, e, para as obrigações de fazer, verbal. O devedor não fica dispensado de oblação se o credor declava, com antecedência, que não receberá a prestação. A solução a) de não mais ser preciso que inicie o adimplemento é condenável. Restam duas: lO considerar-se sem rELEvância essa declaração do credor; c) ter-se como bastante, então, a simples oblação verbal. O problema oriundo da declaração do credor de que não receberá a prestação teve de ser resolvido, legislativamente, pelo Código Civil alemão, que, no § 295, considerou ser suficiente, então, a oblação verbal, O credor diz: não receberei. O devedor responde: “Estou pronto a pagar”; ou ‘“Pode praticar o ato necessária ao adimplemento”; ou: “De minha parte, tenho a prestação a fazer-se”; “Pode vir buscar”. No sistema jurídico brasileiro, é o que se há de entender, a despeito da falta de regra jurídica escrita. Se o credor declarou que não vai receber, há de ter razões para isso, mas só se poderiam levar em conta se expressas na declaração de que não receberá. O devedor pode fazer, do seu lado, a oblação verbal, com a afirmação da improcedência do alegado, ou a oblação real, para que o credor se convença de que não tinha base para o que

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alegou. Se o devedor faz oblação verbal, ou mesmo real, mas não está em situação de poder prestar (e. g., não pode levantar o dinheiro que tem no banco, ou & bem não é seu), não há pensar-se em mora do credor. Dá-se o mesmo se, fixada a data da entrega para ato do credor, o devedor não está em situação de prestar. Idem, nas obrigações de vir buscar (O. WARNEYER, Kommen.tar, 1, 526. Aqui, não importa apurar-se se é objetiva ou subjetiva a impossibilidade em que se acha o devedor (P.OERTMANN, Recht der Schuldverhàltnisse, 148; A. METER, Zur Lehre von der Gefahrtragung fUr die Unrnõglichkeit der Leistung, 39; sem razão, P. DOCHNAHL, Die Gefahrtragung beim Werkvertrage nach rõmischem Recht und dem BGB., Jherings Jahrb’iicher, 48, 241). Ao credor cabe o ônus de alegar e provar que ao tempo da oblação o devedor não está em situação de cumprir a obrigação (L. KUHLENBECK, 1. v. Staudingers Kommentar, II, 212). Se o arquiteto ou o construtor ligado a uma emprêsa vai trabalhar noutra emprêsa e não pode ser cumprido o contrato, por ser insubstituível (pelo contrato, ainda que só se refira o nome do arquiteto ou do construtor, incorre em mora de devedor a emprêsa. Se o que a encarregou da obra deixa de praticar atos necessários, que o arquiteto ou construtor aponta, ou a faz paralisar, incorre em mora de credor (3. WACHSNER, Voraussetzungen und Wirkungen des Annahmeverzugs, 12; MÃX Scautz, tber die Redeutung der Leistungsmóglichkeit, 18). Se a obrigação é toma-lá-dá-cá, o devedor incorre em mora não fazendo oblação da prestação, se o credor se prontifica a receber. Se o credor tem de dar quitação, não incorre em mora se o devedor não presta o que há de custar a quitação. Oterceiro, que presta, tem igual direito à quitação; não, porém, a receber a contraprestação. Pode exigir que se contrapreste ao devedor (O. PLANCK, Kommentar, II, ii, 302; E.SCUOLLMEYER, Recht der Schzddverhiiltnisse, 143). Não cabe apurar-se qualquer culpa ou não-culpa do credor. Quanto ao devedor, há de ser-lhe imputável a falta. 5.FALTA DE COOPERAçÃo. III. O credor há de ter faltado à cooperação indispensável ao adimplemento, quer por omissão de ato, ou prática de ato, ou por ter-se recusado a receber. Receber sem ser como cumprimento não é receber pré-excludente da mora creditaria. Se o devedor que tem de prestar simultáneamente à contra-prestação inicia o adimplemento e exige a contraprestação, o credor incorre em mora de receber, se, ainda que esteja disposto a receber, não faz oblação da contraprestação. O credor que recusa a quitação (Código Civil, ad. 989, 1a parte), ou não devolve o título (art. 942), deixa de cooperar no adimplemento. Incorre em mora creditorzs. A recusa pelo credor determina a mora. Mas omitir o que de cooperação é indispensável para o adimplemento importa em recusa. Se há impossibilidade objetiva, ou se o devedor,que diz poder solver, não pode, mora do credor não há. Porém â preciso que o próprio devedor revELE não poder, ou que os fatos revELEm por ELE, e o credor possa provar que a oblação só verbal ou mímica não levaria à solução. Diante da atitude do devedor, o que de mais prático pode fazer o credor é prosseguir no caminho para a recepção. Nesse caminho tem Ole de encontrar o momento em que o devedor deixa de adimplir. Se o credor omite ato necessário, de sua parte, ao adimplemento, incorre m mora; se omite ato necessário, de sua parte, o devedor, é ELE que se constitui em mora. Se, não tendo o credor faltado, como faltou, à cooperação para o cumprimento da divida, o devedor teria adimplido, a mora é do devedor. Ésse é oponto principal. Se o devedor faltou e o credor não poderia receber, por estar, por exemplo, ausente, contra o combinado, há mora do devedor e mora do credor. A casa comercial fechou por morte de um dos sócios e o empregado, sem ser por isso, faltou ao serviçb (= não foi até o emprêgo), há mora do devedor, e não do credor, porque o empregado tinha de estar presente àhora do ponto, salvo se havia sido avisado de não haver ponto no dia. Se A contratou com B o transporte e, no dia, as mercadorias não estão prontas, há mora do devedor, e não do credor. Se B está enfêrmo e deixa de ir transportar, incorre em mora. Porém não assim se, devido ao tempo, o transporte se tornou impossível. Também pode dar-se que hajam desaparecido as bases objetivas do negócio jurídico, isto é, se tenha tornado inatingível a finalidade do contrato. Então, se não foi por ato, positivo ou negativo, imputável ao credor, mora dELE não há. Por exemplo: opintor não adimple o que prometeu ao .dono do edifício por que o desabamento do morro obstruiu a entrada da rua; o pai não exige do professor as aulas, porque o filho desapareceu, ou morreu. Nem o pintor pode pintar, nem

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o professor pode dar a aula. Nem o dono do edifício pode exigir a pintura, nem o pai do menino as lições. Não houve impossíbilitação com culpa do devedor, de modo que se resolve a obrigação (Código Civil, art. 879; cf. Fa. LEONHARD, Aflgemeines Schuldrecht, 565). Não há pensar-se em mora, nem do devedor, nem do credor. Todavia, nem sempre se trata <ou nem só se trata) de obrigação de fazer. Pode o pintor ter feito despejas dicença. materiais que somente adquiriria para aquela obra, contrato de trabalhadores para a obra). O devedor não foi culpado na impossibilitação, de modo que o credor tem de indenizar o que, com as despesas, desembolsou ou tem de desembolsar o devedor, pôsto que possa ficar com as coisas e direitos, ou apenas indenizar o prejuízo. Se nenhum ato tem de praticar o credor, nem, sequer, o de receber, como se o devedor tem de depositar no banco a prestação, para ser creditada ao credor, que tem conta aberta, a mora creditaria não ocorre. Não é, porém, inconcebível que se dê: e.g., se o credor fecha a conta, ou pede ao banco que a torne secreta, ou não admite que se faça o depósito. Nos créditos de omissão, o devedor pode incorrer em mora: O credor, de regra, não. Também aqui não é de afastar-se a possibilidade de mora creditoris, como se o credor cria estado de coisas que tenha de levar o devedor a praticar o ato de que se deveria abster (e. q., a obrigação era de não entrar com automóvel pelo portão próximo à casa do vizinho, credor, e esse. fazendo obras, fêz ruir muralha e tornou impraticável a entrada pelo outro portão). Se o crédito é de manifestação de vontade, ELEmento dc negócio jurídico, como ocorre nos pré-contratos, é de mister :t cooperação do credor. Se a declaração de vontade é unilateral. não. Todavia, há moa creditoris se o credor impede que o devedor a faça (e. g., pagou ao cônjuge para que recusasse o assentimento, ou prendeu em cárcere privado, ou fêz prender pela polícia, no dia da solução, o devedor). Se é indispensável algum ato do credor para que afinal se de a recepção e o credor não se acha no lugar em que teria de receber a provocacão, cumpre distinguirem-se os casos em que foi acordado o enderêço, qualquer que seja a mudança de circunstâncias, e aquELEs em que o enderêço comunicado foi o do momento, suscetível de substituição, o que supõe de iernica cão de mudança, feita pelo credor. Na doutrina, discutiu-se se, não estando presente o credor. nem havendo quem por ELE receba a prestação, ou a provocação, é preciso que se dê a interpelação judicial ou a notificação edital. A despeito das soluções simplistas, que se encontram na doutrina alemã sobre a recepticiedade ou não-recepticiedade da oblação ou da provocação, o assunto ainda não teve o trato que ELE merecia. De um lado, afirmativamente, L. RoSENBERG (Der Verzug des Glãubigers, Jherings Ja.hrbúcher, 43, 157) e muitos outros; negativamente, JosEF ROBLER <Der ãubigerverzug, Archiv flir fihirgerliches Recht, 13, 199), G.PLANCK (Kommentar, II, 1, 4a ed., 296) e P. OERTMANN (Recht der Schzddverhãltfliese, 144). A oblação ou a provocação tem de ser dirigida ao credor, ou quem possa receber a prestação, ou possa receber a provocação. Porém nem aquela nem essa é manifestação de vontade receptícia. Pode dar-se que o credor incorra em mora sem ter tido ciência da oblação ou da provocação. Todavia, se não há quem possa receber a prestação, em lugar do credor, ou quem possa ser servidor do credor para ser-lhe endereçada a provocação, o único meio para se endereçar ao credor a oblação ou a provocação é o edital, com ou sem a consignação da prestação, ou com a nota provocativa em juizo. Se o lugar fôra marcado, o devedor que leva a prestação no tempo e lugar devidos suscita a mora do credor que no tempo e lugar não comparece. Aí, a ausência do credor basta; e de nenhum edital se precisa. Não se pode dizer o mesmo se há necessidade de algum ato do credor e não se sabe a quem endereçar. Tem de ser provocado. Se a provocação pode não ser feita por edital depende do negócio jurídico e da existência de enderêço. O edital somente é preciso quando não há enderêço. Cumpre frisar que a mora do credor se pode dar antes da consignação em pagamento e pode provir da eficácia do edital, tendo havido a consignação em pagamento. A consignação para pagamento é em ação, cuja citação tem de ser feita ao credor e, como tôda citação, é receptícia. A oblação e a provocação, ainda orais, não precisam ser conhecidas pelo credor. O que importa é o enderêço. Sem o enderêço, ou a endereçabilidade, é que se tem de fazer por edital (Código de Processo Civil, art. 973, III: “Se o credor fôr desconhecido, estiver declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou dificil”). O edital, nas espécies do art. 973, 1 e II, é após a mora. A mora já se deu sem edital. A impossibilidade subjetiva do credor para a cooperação não é óbice à sua mora. De um lado, o devedor responde pelos riscos, se ocorrem na sua ambiência (enfermidade sua, falta de meios de comunicação, perda de documentos) ; do seu lado o credor responde pelo que acontece na sua (falta de matérias-

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-primas, de ELEtricidade, ou de água; falta de outros operários sem os quais as máquinas não podem funcionar). Chamou-se a essa doutrina teoria das esferas de riscos (Sphãrentheorie) Certos J. KOHLER (Lehrbuch, II, 349; e Der Glãubigerverzug, Árchiv fiir B-úrgerliches Recht, 13, 200), L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 197, desde as primeiras edições, cf. § 280, 1 e II), CARL CROME <System, 1, 149), TRAUTMANN (Unmóglichkeit und Annahmeverzug beim Arbeitsvertrag, Gruchots Beitràge, 59, 434 s.), BOER, Leistungsunmõglichket und Annahmeverzug, 54, 498 s.) e II. Tznz, em V. EHRENBERG, Handbuch des gesamten Handelsrecht, II, 744). Se o credor está impedido, conforme o contrato, de receber a prestação, somente se dá a mora se o devedor que lhe tem de anunciar a prestação o faz com tempo que lhe permita preparar-se para isso, segundo o negócio jurídico, ou os usos do tráfico. E. g., se no contrato se fala de estrebaria, que o credor está construindo, e o devedor, que tem de entregar o cavalo vendido, até 31 de dezembro, pretende fazer a oblação a 10 de agôsto. As circunstâncias podem mostrar que, na espécie ou no caso, o credor há de ter prazo prudencial. Ésses prazos antelativos podem ser fixados por cláusulas expressas, ou serem de acordo com a natureza do negócio jurídico, ou com os usos e costumes. Se, faltando à contraprestação, o credor não pode alegar justa causa, incorre em mora debendi (z= mora de credor, quanto à prestação; mora de devedor, quanto à contraprestação). Admite-se, em parte da doutrina, que não haja mora creditons quando a coisa comprada se tornou, ainda por fato concernente ao credor, objetivamente sem interesse, antes da mora. Por exemplo: a) se B comprara perna artificial e morre antes de ter de ser entregue; b) se o incêndio destruiu a casa que tinha de ser pintada .(G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 295; p.OnTMANN, Recht der Schuldverhttltnisse, 143, e Leistungaunmbglichkelt und Annahmeverzug, Archiv fur die civili.stische Prazia, 116, 1 s.; H. DEENDuEG, Das Bl2rgerliche Recht, Til, 1, 198, nota 2; H. TITzE, Die Unmflglichkeit der Leistung, 22; G.MÁBTIUS, Der Bergfilhrervertrag, 48; J. U. SCHRÕDn, Unmõglichkeit und Ungewissheit, 30). A espécie a) não é, de modo nenhum, pré-excludente da mora creditoris. Nem o é a segunda, que só texto de lei poderia considerar suficiente para a resolução do contrato. t o caso do art. 879, 1,.’ parte, do Código Civil; também o do art. 882. Se a impossibilidade objetiva o é para o devedor, também o é para o credor: não pode esse receber o que aquELE não pode prestar. A perna artificial encomendada pode ser feita; o distrato depende dos interessados (no exemplo, do cônjuge sobrevivente ou dos herdeiros), e o aviso da morte, para o distrato posterior, é recomendável. A mora creditoris não está pré-excluida. No exemplo do incêndio, o pintor não pode executar a prestação, por impossibilidade objetiva. Nem ELE nem o credor podem incorrer em mora. As considerações que aqui fizemos servem para se limpar de conseqüencias exageradas a opinião oposta à dos que acima citamos e está em CARL CROME (System, II, 149), J. KOHLER (Der Glãubigerverzug, Ãrchiv filr Riirgenliches Recht, 13, 200), Bon (Leistungsunmõglichkeit und Annahmeverzug, Gruchots Beitrtige, 54, 493), ERNST ECKSTEIN (Der Untergang der Obligation durch Unmbglichkeit, Árchiv flir Biirgerliches Recht, 37, 477). Se o tempo da prestação não foi determinado, ou não resulta de lei, ou se o devedor pode, segundo o negócio jurídico, ou a natureza da dívida, liberar-se antes do tempo determinado, o credor não incorre em mora se está impedido, passageiramente, de receber a prestação, salvo se houve anúncio volitivo com distância temporal razoável. Ésse anúncio volitivo (Tomo II, §§ 235, 1, e 236) é recepticio <cf. G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 304; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 149). Pode ser revogado, mas a revogação aproveita ao credor, e não ao devedor, que fica auto--interpelado, e o devedor tem de reparar os danos que haja causado ao devedor com a revogação (G. PLANCK, Komment ar, II, 1, 304; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 149; E.GOLDMANN-H. LILIENTHAL, Das Ruirgerliche Gesetzbu eh, 1, 849), inclusive por ter adiado o adimplemento. Foi .esse último efeito que levou ERNST ZITELMANN (Selbstmahnung des Schuldners, Fest gabe fim PAUL RRÚGER, 286 s.) a pensar em auto-interpela ção do devedor: quem anuncia a data em que vai adimplir, não havendo data determinada e podendo determiná-la, se auto-interpela. Áliter, se o aviso é apenas porque pode solver entre o dia a e o dia c: não determina data, exerce faculdade alternativa. Por onde se vê que a critica, demasiado superficial, de L. ÉNNECCERUS (Lehrbuch, II, 175, nota 8) não pôs por terra o pensamento de ERNST ZITELMANN. Na compra-e-venda com reserva de especificação (Spezifikationskauf), nos negócios jurídicos (não só compra-e-venda)em que o outorgado se reservou fixar o momento da entrega, ou em que o outorgado tem de completar as indicações <e. g., medidas exatas, ou côres), ou instruções de pormenor (construção, pinturas, estradas de rodagem, como se a estrada há de ser de z quilômetros mas falta parte do projeto quanto ao traçado),

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são atos preparatórios que incumbem ao credor. Bem assim, a conta de despesas que hão de ser reembolsadas, ou das mensalidades ou prestações periódicas que tinham de ser fornecidas a terceiro. De regra, o credor não cai em mora se o devedor não o provocou a praticar o ato preparatório, e o ato há de anteceder à oblação. Mas pode isso resultar se o impõe o negócio jurídico, ou a lei, ou a própria natureza da divida. Quando se fala de mora accipiendi e se traduz isso por mora de aceitar, dá-se a aceitar significado demasiado largo, ou se deforma o fato com a expressão. É raro que o recebimento da prestação, o ato com que o credor colabora com o devedor para que a solução se dê, consista em aceitar. Rigorosamente, isso só ocorre no adímplemento de pré-contratos: São muitos e diferentes os atos com os quais o credor coopera na extinção da dívida pela solução. Definir a mora creditonis como a falta no aceitar é atitude a repelir-se, pôsto que tenha sido a de tantos juristas (e. g., B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, 9Y ed., 441 s.; W. MUNK, Wesen und Voraussetzungen der Mora creditoris, 3; H. DERNEURG, Pandekten, II, 7.’ ed., 119). A falta do credor i em não receber, ainda que tal aconteça por pequena omissão na cooperação necessária. Pois que há mora, a dívida e o crédito continuari; apenas algo se muda à relação jurídica pessoal. Regra-sé diferentemente o tempo a vir. Agrava-se a situação do incurso em mora. Os riscos da coisa vendida até o momento da tradição correm por conta do vendedor (Código Civil, art. 1.127). Se o credor está em mora de recebê-la por ter sido posta à sua disposição no tempo, lugar e modo que foram estabELEcidos, os riscos passam ao credor (art. 1.127, § 29). Idem, se foi expedida para lugar diverso, por ordem do comprador (art. 1.128). Em geral, a responsabilidade em caso de mora é a mesma (art. 958), salvo dolo do devedor. Pôsto que haja diferença entre as regras jurídicas dos arts. 864-868, 876 e 877, e as do art. 1.127 e § 2.0, deve-se entender que a mora do credor lhe acarreta a transferência de todos os riscos, salvo dolo do devedor, a despeito de a esse dolo não se referir o art. 1.127, § 2.0. A manifestação de vontade do credor no sentido de que não receberá a prestação não é negócio jurídico, mas sim ato jurídico stricto sensu (P. OERTMANN, Recht der Srhjldrerhdltnisse, 145; PAUL ELTZBACBER, Die Handlungsfdhigkeit, 1, 178;P.KLEIN, Die Reehtshandlungefl im engeren Sinne, 163, nota 182, e Zurticknahme von “Willensmitteilungen”, Archiv fui- RUi- gerliches Recht, 33, 251; sem razão: L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 210). Qualquer alegação do credor não pré-exclui a mora; e. g., “não existe a dívida”, “não existe a obrigação”, “está prescrita a pretensão”, “foi decretada a nulidade (ou anulação) do negócio juridico”. Qualquer delas apenas pretende fundamentar a recusa, mas a recusa ocorre e, pois, a mora, salvo verdade. do que alegou. Se a solução da dívida pode ser por partes, o credor, que’ não recebe a parte que poderia ser prestada, incorre em mora Se o credor revoga a sua recusa (a recusa é manifestação de vontade não negocial), afasta a eficácia da mora ex nune. de modo que não é mais preciso outra oblação (J. MEISNER. Das EIirgerliche Gesetzbuch, II, 33; P. OERTMÀNN, RectO der Schuldverhdltnisse, 146). A recusa pelo devedor pode ter justa causa. Então, mora não há. Se B vai pagar quantia a A no momento em que A entra no trem, ou em restaurante, ou está a passeio com amigos, ou tem jantar em casa com pessoas de cerimônia, tem A justa causa para deixar de receber imediatamente, ou marcar hoje para que venha pagar, ou vá pagar. Ali, o lugar e o tempo são impróprios; aqui, o tempo. Se o credor se acha na situação descrita no art. 52 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, e o devedor vai pagar divida não vencida (art. 52, 1), há justa causa para a recusa. Idem, se (art. 52, II) vai pagar em dinheiro em vez de em títulos endossáveis, ou vice-versa. § 2.813. Legitimação para provocar a mora do credor 1. PONTUALWÁ4JJE DO DEVEDOR E IMPONTUALDADE DO CREDOR. A mora do credor, como a do devedor, é impontualidade: tudo se passa no tempo, em momento preciso. 2. QUEM PODE PRATICAR O ATO OBLATIVO. A oblação pode ser feita pelo devedor, pelo terceiro interessado ou por terceiro, que o faça em nome do devedor e por conta do devedor (cf. Código Civil, art. 930, parágrafo único). Na L. 53, D., de solutionibus et liberationibus, 46, 8, permitia (GAIO) que qualquer pessoa

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pagasse pelo que ignora e contra a vontade dELE (Solvere pro ignorante et invito cuiqué licet), porque se estabELEcera em direito civil que é lícito fazer melhor a condição ainda do que ignora e contra a vontade dELE (cumn sit jure clviii constitutum licere etiam ignoranti invitique meliorem condicionem facere). Mas é preciso atender-se à L. 72, § 2, o que sempre se fêz (e. g., C. O. VON MAnAr, Die Lehre von der Mora, 246; C. W. WCLPF, Zur Lehre von der Mora, 424). O adimplemento pelo terceiro precisava ser em nome do devedor e por sua conta, como está, hoje, no Código Civil, art. 930, parágrafo único, e a L. 72, § 2, o dizia (cf. FR. MOMMSEN, Die Lekre von der Mora, 159; LAMPRECRT Verzug bei de,n Kauf, 32). § 2.814. Dever de retirar 1. CONCEITO. O dever de retirar, a que os juristas alemães chamam Abnahmepflicht inconfundível com o dever de receber, porque há plus, naquELE, em relação a esse. Quem tem dever de receber, infringindo-o, incorre em mora creditoris e em mora debendi (P. OERTMANN, SchuIdreeht, 1, 78; G. PLANCIC, Kommentar, II, 1, 290) : tem de indenizar o devedor pelos danos que resultem de não ter recebido, isto é, de não ter adimplido obrigação de fazer (Código Civil, arts. 878-881). Quem tem o dever de retirar tem o de receber e o de afastar do lugar em que está, no momento da recepção, a prestação. Mas pode o credor receber e infringir o dever de retirar. Pode haver mora de retirar sem haver mora de receber, portanto infração de dever (mora do devedor da retirada) sem mora do credor. Recebe, porém deixa de retirar. O devedor está liberado; quem não está é o credor, como sujeito passivo do dever de retirar. O devedor tem ação contra esse sujeito passivo, não contra o credor (H. MAKOwER, Handelsgesetzbuch, notas aos §§ 375 e 376 do Código Comercial alemão; L. ROSENBERG, Der Verzug des Glãubigers, Jherings Jahrbiicher, 43, 260; cp. A. HOHENs’rEIN, Der Abnahme-Annahmeverzug des Kãufers-Glãubigers, Archiv fiir Buirgerliches Recht, 25, 79). 2. CONSEQÜENCIAS DA MORA A RESPEITO DO DEVER DE RETIRAR. Se a mora é somente quanto ao dever de retirar (E.JAcOBI, Die Abnahmepflicht des Kãufers, Jherings .Jahrbitcher, 45, 260 s.), não pode o outro figurante alegar ou pedir resolução do contrato (Código Civil, arte. 865, 13 parte, 876 e 879), salvo se a retirada faz parte do conteúdo da dívida principal, e. g., venda dos materiais do edifício ao demolidor (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 356). 3. COMPRA-E-VENDA E DEVER DE RETIRAR. No direito comum, discutiu-se se o comprador era obrigado a retirar as coisas compradas. Afirmavam-no G. C. TREITSCHKE (Der Kaufcontract, 273), W. SCHMIDT-SCHARFF (Wirkungen der mora accipiendi, 31 s.) e C. H. L. BRINCKMANN dehrbuch dee Handelsrechts, § 100). Negou-o JOSEF ICORLER (Annahme und Annahmeverzug, ,fahrbiicher fiir die Dogmatik, 17, 261 s., e Der Glãubigerverzug, Archiv fimr Rúrgerliches Recht, 13, 276 s.). O dever de retirar estaria na L. 9, D., de actionibus empti venditi, 19, 1. Chamou a atenção J. KOHLER (Der Glãubigerverzug, Archiv flir R’iirgerliches Recht, 13, 244) para o termo “lapides” e interpretou o texto de POMPÔNIO no sentido de se tratar de dever de retirar o que prejudica o prédio que há de ser cultivado. Seria dever de retirar derivado da espécie, e não, sequer, dever de retirar ligado ao contrato de compra-e..venda de pedras. No Preussisches Allgemeine Landrecht, 1, II, § 215, e no antigo Código Comercial alemão, § 346, aparecia dever de receber, se convencionado ou em virtude de lei. No Código Civil alemão, § 438, alínea 2.8, aparece em lei o dever de retirar, que tem o comprador A retirada há de ser fáctica, corporal (P.OERTMANN Reeht der SchuldverMltnig,q 880; CARL CROME, Svstem, II, 424, nota 32; L. KUHLENBECK, 3’. v. Stau dingers Kommentar II, 579; E ENDEMANN, Lehrbuch, 1, 988; sem razão, K. E. ROMEICE, Zur Technik des RGR., 1, 58; PAUL LABAN-D, Zum zweiten Buch des Entwurfes, Archiv flir die civiIiqtjg0 Praxi.s, 74, 804). Pode dar-se que o comprador retire sem receber (L. KUHLENBECK, 3. v. Staudingers Xomment ar, II, 581). O dever de retirar apenas é, de regra, dever acessório. Tem ação própria (P. OERTMANN, Rech,t der Schuld verheiltntçse 379; PAUL LABANlJ, 74, 304; sem razão, J. RORLER, Der Glãubigerverzug Archiv fui- BiirgerUces Recht, 13, 243). No direito brasileiro, não há, para o comprador, em lei, o dever de retirar. Mas pode resultar dos termos do contrato, ou da esp4cie de contrato de compra..evenda, ou dos usos do tráfico. Se o prospecto ou catálogo da casa diz que os objetos comprados sôrnente se guardam x dias, não é de entenderse que se estipulou dever de retirar.

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§ 2.815. Conseqüência da mora 1.CLASSIFICAÇÃO DOS EFEITOS. Os efeitos da mora ou atenuam a responsabilidade do devedor, que entra em tempo em que estaria com o credor a prestação, ou b) atribuem ao credor os riscos, ou e) dão ao devedor a Possibilidade de se liberar definitivamente, e. 9, depositando em consignação a prestação, ou d) dão ao devedor pretensão por maiores despesas. 2.ATENUAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO CREDOR. Com mora ei-editores, o devedor fica livre de tôda responsabilidade a respeito do objeto da prestação, salvo se há dolo seu. Quer dizer: as regras jurídicas do Código Civil, arts. 865, alínea 2.8,867, 870 e 871, 23 parte, bem como as dos arts. 876, 877 e 879,23 parte. O art. 958 do Código Civil estatui: “A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela observação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela sua mais alta estimação, se o seu valor oscilar entre o tempo do contrato e o do pagamento”. A regra jurídica que daí se pode tirar a propósito de atenuação da responsabilidade do devedor é de redigir-se nos seguintes termos: “Após a mora do credor, o devedor, quanto ao objeto da pretensão, somente responde por dolo”. O devedor, Com a mora do credor, continua devedor, continua ligado ao dever de prestar. Se a coisa, que havia de ser prestada, não é de natureza que permita ser depositada em consignação, pode o devedor, em caso de mora do credor, pedir a venda judicial no lugar fixado para a prestação, consignando-se o preço alcançado. Outrossim, se é de temer-se o perecimento ou deterioração da coisa, ou se a sua conservação importaria em despesas excessivas, ou se não se poderia mais tarde adimplir a obrigação (e. g;, a casa comercial do vendedor vai acabar), ou adimpli-la com segurança. O art. 704 do Código de Processo Civil é invocável. É a venda por legítima defesa, se foi páctuada, ou venda judicial para consignação em pagâmento <O. WARNEYER Komment ar, 1, 528). Se, em virtude de fôrça maior ou caso fortuito, a prestação se torna impossível (e. g., durante o tempo de guerra não pode ser entregue ao credor), o devedor continUa com a pretensão à contraprestação. No que diz respeito aos proventos do objeto devido, a responsabilidade do devedor passa a ser apenas pelos que efetivamente haja percebido, em vez do que se estatui no art. 873, parágrafo único, do Código Civil. No art. 878, remete-se aos arts. 510-518, em que se distinguem o devedor de boa fé e o devedor de má fé. Após a mora do credor, não há invocar-se qualquer dos arts. 510-513. No art. 518, diz-se que o possuidor de má fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, “bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber”. Com a mora do credor, o art. 513 não mais é invocável: o devedor responde pelo que em verdade percebeu, j somente por seu dolo pode ter de responder pelo qu não per&ebeu (cf. O. PLANCK. Komment ar, II, 1, 306; L. KUHZENBECK, f v. Staudingers Konzmentar, II, 217). No direito brasileiro’ a responsabilidade somente pelo dolo resulta da interpretaçãt do art. 958 do Código Civil. Se a dívida tem interesses convencionais, ou legais não moratórios, a mora do credor interrompi a fluência dELEs. Se o devedor, após a mora, percebeu interesses da prestação ou outros proveitos (e. g., se o depósito fet0 em banco rendeu juros), têm de ser entregues ao credor como proveitos (F. SCHOLLMEYER, Rech,t der Schuldverhti/tflZSS6, 145; 1-1. DERNBURO, Das Riirgerliche Recht, II, 1, 198, ÚO 5; L. ROSENBERG, Der Verzug des Glãubigers, Jherings /ahrbucher, 43, 287; B.MATTRIASS, Lekrbuch des bi,irgerlichgn Rechts, 885). Por isso mesmo, o art. 178, § 10, III, cotcernente à prescrição dos juros ou outras prestações acdssórias não é invocável (L. KUHLENBECK, 3’. v. Staudingers Kommentar, II, 216; Ii. DERNBTJRG, Das Riirgerlicke Recht, fl 7 198, nota 5). Ocredor em mora, purgando-a, sujeittse as conseqüencias da mora até a data em que a purga. A dívid de ir levar altera-se em dívida de ir buscar (RIEDINGER, é’andíung von Bringschulden in Holschulden, Juristieche wocftechriit, 48, 736). Se o devedor está em mora e faz 0jação ao credor, com tudo que lhe há de prestar em virtude 3a mora, e o credor o recusa, cessa a mora do devedor e o credor incorre em mora. Uma das conseqüencias é a de cessarei? de fluir os juros moratórios. Após a mora, não pode o credor recusa .ntraprestar, com a alegação de ter exceção non adim pie0 contractus, OU nonrite adimpleti contractus, ou outra. Se, conforme o contrato, a é exigível quando o devedor faça a prestação, e o credor incorre em mora creditares, pode o devedor exigir a aPrestação. Porque devedor a mora do credor não pode prejudicar o do

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Purgada a mora do credor, se a 0sPrestação havia de do devedor. ser simultânea à prestação, começa a mor» Com a mora do credor, o devedor não tem de pagar multa convencional, nem interesses moratórios (L. 122, § 5, D., de verborum obligationibus, 45, 1), ainda que pudesse solver antes de ter de solver e se prontificasse a isso, suscitando a mora creditoris (cf. L. 9, C., de uniria, 4, 32). 3. Riscos QUE SUPORTA O CREDOR EM MORA. Se a impossibilidade total subsequente à mora do credor não foi causada por dolo do devedor, o crédito extingue-se. Se a parcial impossibilidade subseqúente à mora do credor não foi cansada por dolo do devedor, reduz-se o crédito. Se o contrato é bilateral, subsiste o dever de efetuar a contraprestação. Se a impossibilidade total superveniente à mora do credor foi causada por dolo do devedor, o crédito persiste e o devedor responde por perdas e danos. Nas obrigações genéricas, o risco passa, com a mora, ao credor, pois deixou de receber o que lhe foi apresentado, com a concretização escolha dentro do gênero feita pelo devedor (cp. Código Civil, art. 876). Se a concretização foi anterior ao vencimento (art. 876), a mora já encontra situação que se não diferencia da que resulta da mora nas obrigações de dar coisa certa. É preciso que haja oblação, com a concretização anterior ou simultânea, para que haja mora do credor. Se é o credor que tem de escolher (= concretizar, nas dividas de gênero, ou concentrar, nas dívidas alternativas), a oblação tem de ser sem distinção, para que o credor exerça o direito de escolha (concretize ou concentre a prestação). Se a oblação foi verbal, só se transfere o risco se a oblação se refere a coisas determinadas, ou, se referente a grande provisão, tôda ela perece ou se deteriora em sua totalidade. Pode acontecer que a mora creditoris se produza antes de ter havido oblação, como se o credor não se apresenta na emprêsa devedora para receber ou retirar o que comprara; então, a mora do credor é simultânea à sua falta. Se, porém, a cooperação do credor não consiste em receber ou retirar, mas em ato preparatório, discute-se de quando é que se inicia a transferência dos riscos pela mora: a) da data da falta do credor, ou b) da data da oblação subseqUente. No sentido de a), H. A. FIsCHER (Konzentration und Gefahrtragung hei Gattungsschulden, Jherings Jahrbiicher, 51, 200), L. ROSENDERO (Der Verzug des Glãubigers, 48, 278), E. SCHOLLMEYER (Erfúllungspflicht und Gewãhrleistung fúr Febler beim Kauf, 49, 96 e 119, contra a opinião anteriormente externada), H. TITZE (Die Unmóglichkeit der Leistung, 19 s.), H. SIBER (em G. PLANCK, Komment ar, II, 1, 54) e outros. No sentido de b), P.OERTMANN <Recht der Schuldverhãltnisse, 21), F. SCHOLLMEYER (Recht der SchzddverMltnú8e, 10), li. MATTHIASS (Lehrbuch des biirgerlichen Rectas, 1, 335), KONRAD COSACK (Lehrbuc;t, 1, 426), TH. Ln (em B. WINDSCHEID, Lehrbuch,II, 9. ed., 43), li. REHBEIN <Das Biirgerlicke Gesetzbuch, II,144) e E. ECK (Vortrdge, 288). Para a mora creditoris, nas dividas de ir buscar, basta a oblação verbal, ainda que não se haja dado a escolha, mas a passagem dos riscos ao credor somente começa da escolha pelo devedor. Se o credor é que teria de escolher, os riscos passam-lhe com a oblação Verbal e a sua falta de cooperação. Com a mora do credor, o devedor continua no dever de prestar. Tem de evitar que a coisa se perca ou danifique, para que se lhe não possa atribuir dolo (Código Civil, art. 958). A partir da mora do credor, as despesas de conservação correm por conta do credor. Se dolo do devedor não houve, responde ELE pela perda ou depreciação. Ainda que por sua culpa (sem dolo) a coisa se perca, ou se deteriore, libera-se o devedor. Por isso mesmo, nos contratos bilaterais, continua a sua pretensão à contraprestação. Nos casos em que o devedor está sujeito à restituição de proventos, só se lhe pode exigir o que efetivamente obteve, ainda que, se mora do credor não tivesse havido, fôsse de sua obrigação indenizar pelos que culposamente não houvesse obtido. Essa regra jurídica, não escrita, decorre do ad. 958 do Código Civil, onde se pôs por principio que a responsabilidade do devedor só se pode fundar no dolo (cf. art. 1.127, § 2.). Se a divida era com interesses, cessam ELEs com a mora do credor. Todavia, se o devedor deu destino à soma a ser paga, ou locou a coisa. os interesses tocam ao credor. Não são os interesses que o devedor teria de pagar. Nas obrigações genéricas, os riscos, antes da concretiza-cão, tocam ao devedor. Depois, ao credor (Código Civil, arts. 876 e 877). Se o credor incorre em mora por se ter recusado a receber a coisa, os riscos passam ao credor. Se o que foi escoIhido pelo devedor e por ELE ia ser prestado perece, ou se deteriora, sem dolo do devedor, libera-se o devedor. É preciso (convém que se acentue) que tenha havido, com a oblação verbal, a separação do que se escolheu, ou que por outro modo tenha ficado inequivocamente determinado de que coisas se tratava, ou qual a quantidade. A oblação real, essa, supõe a escolha feita e a perceptibilidade da concretização, como se a entrega há de ser no domicilio do credor e o devedor já fêz a remessa.

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Se a escolha toca ao credor, incorre ELE em mora se não a faz a tempo, a ponto de não poder ser feita a oblação real, oque independe de provocação, se o dia para a escolha fora marcado no negócio jurídico, ou em pacto posterior. Se o credor, a quem cabe escolher, prêviamente recusar-se a isso, basta a oblação verbal pelo devedor. Por onde se vê que o credor pode escolher e cair em mora (escolheu, porém não recebeu), como o devedor pode escolher e cair em mora (escolheu, e não fêz a oblação). A concretização pode dar-se sem que a mora do devedor, ou do credor, se dê (sem razão, II. Trrzz, Burgerliches Recta, Recht der Schzdd,er.hultsiaae, 4.’ ed., 20; cp. FE. LEONHARD, Állgemeznes Schuldreckt, 98). Se o credor incorre em mora de credor, os riscos transferem-se-lhe no momento da mora; salvo se houve concretização anterior, por ato do devedor, ou do próprio credor, porque, se tal aconteceu, a transferência dos riscos precedeu à mora (cf. Código Civil, ad. 876). Também a respeito dos contratos bilaterais, cumpre que - se distinga. a) Se a prestação se fêz impossível, sem culpa do devedor, libera-se esse. Porém não pode reclamar a contra-prestação: há a resolução para ambos os contraentes. b) Se o credor incorreu em mora e a prestação se tornou impossível depois, o devedor, sem dolo, está liberado, sem que perca a pretensão à contraprestação. 4. AUTO-LIBERAÇÃO Do DEvEDOR. Após o inicio da mora do credor, pode o devedor depositar em consignação o que teria de prestar. Se não podem ser depositados em consignação, ou se seria perigoso, pode pedir ao juiz a venda judicial, a fim de ser depositado em consignação o preço. Em qualquer das duas espécies, libera-se o devedor. Regem o art. 973, 1 e II, do Código Civil e os arts. 704 e 705 do Código de Processo Civil. No antigo direito alemão e no direito romano, podia o devedor, se em mora incorria o credor, abandonar a coisa (para o direito germânico, JoSEE KoHmn, Annahme und Annahmeverzug, Jahrbiixher flir die Dogmatik, 17, 293 5.; O. VON GIERKE, Der Rumor im deut8chen Recht, 37 s.; 2.’ ed., 49 s., 52 5.; P.EBUER, Der Annnhmeverzug im tilteren deutschen Privatrecta, 67 s.; para o direito romano, FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 308 s.; 3. v. SCHEY, Regriff und Wesen der mora creditoris, 29 5.; J. KOHLER, Annahme und Annahmeverzug, Jahrbúcher 11k die Dogmatik, 17, 287 s., e Der Glãubigerverzug, Arch,iv flir Biirgerliches Recht, 13, 201 5.; L. ROSENEERO, Der Verzug des Glãubigers, Jherings Jahrblicher, 43, 213 s.). Fala-se em obrigação de continuar a conservar a coisa. Quanto à passe do imóvel, cabe notificação. Quanto aos bens móveis, ou o devedor os guarda e conserva, ou os deposita em consignação, ou promove a venda e deposita em consignação o preço (Selbsthilfeverkauf). Se o devedor pede a resolução, ou a resilição do contrato, é de seu interesse guardar e conservar o bem. Veja Tomo XXIV. Quanto ao problema to abandono do objeto da prestação pelo devedor, se o credor incorre em mora, havia duas opiniões no direito anterior ao Código Civil: a de COELHO DA ROCHA (Institzúções, 1, 86) e de LACERDA DE ALMEIDA (Obrigações, 195), que negou ao devedor o poder abandonar o objeto da prestação, ainda se o faz sem dolo; e a de alguém a que LACERDA DE ALMEIDA (195, nota 7) parece ter aludido, se apenas não se referia a discordância no direito comum. O jurista brasileiro não estava em dia com o que se assentava entre os romanistas. Não conhecera a obra de FE. MOMMSEN (1855), nem a 3. v. SCHEY (1884), nem os escritos de 3. KOHLER (1879 e 1897), nem o de L. ROSENBERG (1901). Se se trata de imóvel, o devedor pode, após cominação, abandonar a posse (Tomas 1, § 36, 5, II, §§ 159, in une, 210, 1, 213, e X, §§ 1.064, 10, 1.098, 2, e 1.101), ao iniciar-se a mora do credor. Não importa se o terreno tem, OL não, construções. Após isso, nenhum cuidado lhe incumbe. Se a mora da credor é quanto à aquisição da propriedade, não pode o credor renunciar a ela, ainda que abandone a posse. Quanto à propriedade, continua ligado o devedor: tem de adimplir. Para o direito alemão, Código Civil alemão, § 303. SObre as cominações, Tomo II, § 233, 4. O abandono da posse é ato de autoUberação do devedor, e não oblação da posse ou oferta de transferir a posse (G. PLANCK, Kornmentar, II, 1, 308; sem razão, J. KOHLER, Der Glâubigerverzug, Archiv flir Bilrgertiches Recht, 13, 208; L. ROSENEERO, Der Verzug da Gltlubigers, 48, 217; L. KUHLENBECK, .1. v. Staudingers Kommentar, II, 217). À cominação pode cumular-se a oblação, em forma judicial. No direito brasileiro, há depósito em consignação de imóvel. No direito brasileiro, não há cominação impraticável. A publicação de editais basta. Quando há a dever de receber ou o dever de retirar, o devedor tem pretensão e ação para que o credor receba ou retire. A obrigação é de fazer (Código Civil, arta. 879-881; Código de Processo Civil, arts. 302, XII, e 998). Em certas circunstâncias, pode o devedor invocar o próprio art. 881 do Código Civil, É preciso atender-se a que, ai, o credor é devedor; e em casos frequentes a coisa comprada ou encomendada tanto pode ser entregue na

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emprêsa vendedora, ou no domicilio do locador de obra, quanto no domicilio ou residência do crenor. É menos e mais cômodo do que pedir depósito em consignação ou venda judicial (cp. E. JACOBI, fie Abnahmepflicht des Kãufers, Jherings Jahrbiicher, 45, 278 s.; M. HACKERT, Die Regriffe “Ablieferung”, “A bnahme”, “Anriahme” und “Empfangreahme” im Kauf- und Fractarecht, 37). Se a prestação consiste em bem móvel, cuja propriedade já pertence ao credor, pode ELE derrelinquir; se em bem imóvel, de que o credor já é dono, tem de haver a renúncia segundo os arta. 589, II, e § t0, do Código Civil, ou o abandono conforme o art. 589, III, e § 2.0. Ai, nenhuma dúvida poderia surgir quanto a poder o devedor abandonar a posse (Tomo X, § 1.101). Quanto aos imóveis, esse abandono pode ser anterior à renúncia ou ao abandono de propriedade pelo credor, ou só da posse, se não é proprietário. Quanto aos móveis, depende do que se previu, implícita ao expilcitamente, no negócio jurídico. 5. PRETENSÃO DO DEVEDOR A INDENIZAÇÃO DE DANOS E n GASTOS A MAIS. Se, em conseqUência da mora do credor. o devedor fêz gastos a mais, quer na ocasião da oblação quer da guarda e conservação da prestação, tem de ser reembolsado dELEs, uma vez que tenham sido indispensáveis. Por essas despe805 tem o devedor pretensão e ação de reembôlsa e direito de retenção. Os danos que a coisa, após a mora do credor, cause ao devedor, não são indenizáveis pela credor; porque a culpa -não é ELEmento necessário do suporte fáctico da mora. Isso não quer dizer que não possa haver indenizabilidade por ato ilícito absoluto do credor (que nada tem com a mora), como se o credor, ao ser-lhe feita a oblação, se recusou a receber a prestação, de modo violento, a ponto de danificá-la. Os gastos que têm de ser indenizados pelo credor são, principalmente, os de armazenagem, prêmios de seguro, despesas de assistência, alimentação de animais. O credor, se estava obrigado a receber a prestação, tem de indenizar os danos sofridos pelo devedor. Se o credor também incorre em mora debendi, no tocante à contraprestação, ou a dever d’ receber, ou de retirar, são de ressarcir-se os danos produzidos pela mora do devedor ou pela infração do dever de receber, ou de retirar. Odevedor somente tem pretensão a reexubôlso Qe despesas a mais se eram necessárias, a despeito de não ter logrado que o credor recebesse a prestação, e não seriam feitas, ou não seriam feitas no excesso, se mora do credor não tivesse havido (HANS REICHEL, Mehrko’3ten des erfolgioseu Leistungsangebots, Das Recta, 14, 811). No direito comum discutiu-se quanto à extensão da pretensão indenizatória do devedor contra o credor em mora. Alguns juristas entendiam que a ação era apenas a) pelas despesas a mais; outros 19 por elas e por outras causas. No sentido de a), FR. MoMMSEN (Die Lehre von der Mora, 297), JOSEF KOHLER (Annahme und Ãnnahmevertlig, Jahrbicher fii,r die Dogmatik, 17, 376 s.), PAUL HIRSCH (Zur Revisãon der Lehre votfl Guubigerverzuoe, 141 s.) e L. ROSENBERG (Der Verzug des Glâubigers, Jherings Jakrbiicher, 43, 292 s.). No sentido de 0, C. W. WOLEF (Zur Lehre von der Mora, 484). O assunto interessa grandemente ao sistema jurídico brasileiro, porque há,escrita, no Código Civil (art. 958), regra jurídica que se assemelha à que se inserili no Código Civil alemão, § 304: “O devedor pode, em caso de mora do credor, exigir indenização pelo aumento de despesas que ELE precisou fazer devido à oblação sem resultado e pela guarda e conservação do objeto devido”-A atitude dos intérpretes ou seria a de se considerar o § 304 como jnteligível a contrario senso (zr não há outras pretensões por dano, fundadas na mora) ou a não se ver no § 304 mais do que regra jurídica sobre as pretensões referidas, sem se pré-excluIrem outras, que a mora fêz nascer. Certamente, não há penflT4e a!, de maneira nenhuma, em pretensões não causadas pela mora, porque se ligariam a atos ilícitos absolutos OU atos-fatos ilicitos ou fatos ilícitos pelos quais tivesse de responder o credor. Não mencionamos a opinião e) que préexcluia qualquer indeniZação, sob fundamento de estar livre de qualquer responsabilidade o devedor, porque nenhuma base tinha (e. g..C.F. F. SINTENIS, Das praktische gemeine Civilrecht, II, 214; C. O. v. MADAI, fie Lehre von der Mora, 45011. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 70, § 1 (tambéni referente aos negócios jurídicos sem cláusula penal, devido ao dístico e ao princípio do Titulo 70, onde “judiciais e “legais”), USO se limitou às despesas em excesso a indenização LACERDA DE ALMEIDA (Obriga ções, 195) somente se referia às despesas de flservaçãO. M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA (Dontritla e Prática das Obrigações, 1, 500) tratou igualmente o devedor e o credor, em caso de mora do outro figurante (verbis “obrigá-los a satisfazer as perdas e danos”). A opinião b), que admitia indenização fora da regra jurídica correspondente ao art. 958 do Código Civil (Código Civil alemão, § 304), invocava a L. 8, 11., de tritLco vino vel oleo legato, 33, 6, onde POMPONIO diz que, tendo sido condenado o herdeira a dar o vinho que houvesse nos tonéis, e acorreu que o legatário não o recebeu, pode o herdeiro opor exceção de dolo (exceptio doU mali) se, ao exigir-se o vinho, o legatário não quisesse

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prestar o que o herdeiro sofreu com a mora (quod propter moram ejus damnuni passus sit heres). A opinião a) repELE que na L. 8 se cogite de pretensão geral oriunda do dano causado pela mora, porque “damnum”, na L. 8, é apenas o damnunt emergens, como hoje se diz, e não olucru.m cessans. Ora (diz-se), o que pode resultar da mora só há de consistir em despesas, com a guarda e conservação do bem a ser prestado. Assim, a L. 38, § 1, D., de actionibus empti ve-aditi, 19, 1, e a L. 1, § 3, D., de periczdo et commodo rei venditae, 18, 6. À diferença da mora debitoris, a mora creditoris não supõe infração de dever. Por isso mesmo, não há obrigação de indenizar oriunda do simples fato da mora. Tem-se, portanto, de indagar quais são as situações criadas pela mora de que podem resultar danos, inclusive despesas. O art. 958 do Código Civil não exaure os casos em que pode o credor responder pelos danos, porém é de mister, para que a responsabilidade se dê, que o fato da mora haja produzido o dano. Por exemplo: o devedor teve de pagar as despesas de volta do bem devido, que fôra enviado ao credor, como se estipulara. Essa é despesa ressarcivel sem ser despesa com a conservação da coisa. O art. 958 só se referiu a “despesas empregadas em conservá-la”. 6. CONSIGNAÇÃO DA PRESTAÇÃO E ABANDONO DA POSSE. O devedor, a despeito da mora do devedor, continua com o dever de prestar. Se se trata de coisa, está adstrito a guarda e conservação, pôsto que só responda por dolo. Todavia, permite o sistema jurídico que se livre de tal responsabilidade, aliás de estar exposto a que atos seus, positivos ou negativos, possam ser considerados dolosos. Má os meios jurídicos do depósito em consignação (Código de Processo Civil, arts. 814-318), ou da venda judicial (Código de Processo Civil, arts. 704 e 705). Se o objeto é imóvel (prédio), também pode o devedor abandonar-lhe a posse, notificando prêviamente o credor. 7. IMPOSSIBILDABE DE QUE É RESPONSÁVEL O CREDOR. Pode dar-se que o credor seja responsável pela impossibilitação da prestação, como se a próprio comprador quebra a peça comprada antes de ter-lhe sido entregue. (a) Se unilateral a relação jurídica obrigacional, o devedor está liberado, quer a impossibilidade tenha sido antes da mora, quer depois, se de coisa certa, ou de fazer ou de não fazer a obrigação. (b) Se a obrigação é genérica e a impossibilitação foi antes da mora e antes da concretização ou escolha, a responsabilidade do credor nada tem com a obrigação: pelo ato ilícito absoluto, ou pelo ato-fato ilícito, ou pelo fato atrieto senso ili- -cito, responde o credor, segundo os princípios, porém não como credor. Se já houvera a concretização, tudo se passa como se digne em <a). <c) Se já ocorreu mora do credor, o devedor está liberado, porém, nos contratos bilaterais, a pretensão do devedor à contraprestação persiste. <d) O credor não tem dever de receber. O dano que o locatário causa à coisa locada é dano feito pelo credor e o art. 1.193 do Código Civil o previu. Responde ELE pelo ato dos seus representantes e serviçais. Ai se reflete regra jurídica geral, não escrita. § 2.816. Extinção da mora 1. CAUSAS DE EXTINÇÃO. A mora do credor extinga-se com a purgação (purgatio morae). Também pela impossibilidade posterior da prestação se extingue a mora, ficando, porém, às suas conseqüencias (P. OERTMANN, Reckt der SchtddverMUnisse, 142; L. KUHLENBECK, J. v. Staudin gera Kommentar, II, 205), pela extinção da divida e pelo negócio jurídico em que o devedor abra mão dos direitos, pretensões e ações nascidos com a mora do credor e pelo fato da mora’ do credor. 2.CESsAÇÃo E DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DA MORA. A cessação da mora é inconfundível com a declaração da sua inexistência. Quando sobrevém sentença que declara inexiténcia do negócio jurídico, de que se teria irradiado o crédito, ou lhe decreta a invalidade (nulidade ou anulação), ou a ineficácia, parte da eficácia sentencial é, em tôdas as três espécies, declaratória da inexistência da divida. Não há pensar-se em cessação da mora. Dívida não havia; mora, portanto, não houve. Se o credor recusa a prestação por achá-la defeituosa (vício redibitório), há recusa, e a mora estabELEcida somente se tem por inexistente se, proposta no prazo a ação redibitória, ou a ação quanti minoria, é julgada procedente. Se o credor, ao recusar, alega invalidade ou ineficácia do negócio jurídico, incorre em mora, salvo se, com a eficácia, que é ex tunc, fôr decretada a invalidade, ou declarada a ineficácia.

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Se o devedor admite a invalidade, ou a ineficácia, a solução técnica é o negócio jurídico de distrato, ou o negócio juridica dectaratório da ineficácia, ou a propositura de ação desconstitutiva ou declaratória, respectivamente. É fora dos principlos dizer-se, como fêz A. VON TUHR (Partie Gén.érale dii Code fédéral des Obligations, II, 474), que a recusa por invalidade do contrato, “pode ser considerada como proposiçãO tácita de anular (7) o contrato”, “proposição que o devedor tem o direito de aceitar”. 3.PURGAÇÃO DA MORA no CREDOR. O credor que quer a purga da mora prontifica-se a receber (ou a retirar, conforme a espécie) e a indenizar o que deve em conseqúência da mora. Se havia dever de receber, ou de retirar, houve também mora debendi, com o sequito das seus efeitos. O ato ou os atos que tem de praticar o credor são os mesmos que tena de praticar para não incorrer em mora. Além disso, há de prestar o que deve em consequência da mora. Diz o ad. 959 da Código Civil: “Purga-Se a mora: II. Por parte do credor, oferecendo-se êste a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até à mesma data”. Titulo II MUDANÇA DOS SUJEITOS DAS RELAÇÕES JURÍDICAS PESSOAIS Parte 1.Transmissão de créditos e de dividas de pretensões, obrigações e ações CAPITULO 1 SUCESSÃO EM CRÉDITOS § 2.817. Dados históricos sobre sucessão em créditos 1.DIREITO ROMANO. Em direito romano, o credor podia outorgar a outra pessoa cobrar, processualmente, o crédito, ou por outro modo exercer, processualmente, o direito, a pretensão e a ação. Era o mand atum ad agendum. Mediante expediente de fórmula, foi possível que o outorgado, dita cognitor ou procurator, obtivesse sentença em seu nome, de modo que iniciasse, com o procedimento executivo, a incursão nos bens do devedor. Sem isso, ainda não seria ELE o autor, na acUo iudicati. Autor, exequente, ainda era o credor, e nova alteração de fórmula foi de mister para que não tendo havido a transposição de sujeitos, na ação de condenação alguém fôsse autor na adio sudtcata concernente a crédito de outrem. Da transposição de sujeitos, na ação de condenação, dá-nos noticia GAIO (IV, 86): “Quem acionar em nome de outrem toma a intentio à pessoa do dono do negócio e converte na sua pessoa a condenação (Qui autem alieno nomine agit, intentionem quidem ex persona domini sumit, condemnationem autem in sua persona convertit). Por exemplo, se L. Tício aciona por E Mévio, é assim concebida a fórmula: Se parece (= se é entendido) que N. Negidio deva dar dez mil sestércios a E Mévio, condena, juiz, N. Negidio a dar dez mil sestércios a L. Ticio; se não parece, absolve-a (Nam si verbi gratia L. Titius pro P. Mevio agat, ita formula concepitur: si paret N. Negidium 1’. Mevio sestertium X milia dare oportere, iudex, N. Negidium L.Titio sestertium X milia condemna, si non paret, absolve). Se intenta ação real, mesmamente. diz na intentio que segundo o direito quiritário é de P. Mévio a coisa, e converte em sua propria pessoa a condenação”. Se a conversão subjetiva não se dera na ação de condenação, isto é, se não houve cognitor in Tem suam, o dominica litis, na ação iudicati, era o credor, e não o cognitor. Dai os juristas clássicos terem lançado mão de outro expediente de transposição de sujeitos. O cognitor convertiase em beneficiári o da ação. A relação jurídica entre o dono do negócio e o cognitor -ou procurator persistia, por ser de direito material e subjacente. Dai caber àquELE a adio mandati. Salvo se tornara mandatu,p in rem suam a outorga de podêres.

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Note-se, todavia, que o próprio mandatum in rem suam não produzia a transmissão singular do crédito: antes da conclusão do pleito, o credor continuava como sujeito ativo da relação juridica obrigacional. depois, não se operava substituição de sujeito ativo da relação jurídica de direito material, ocorria, precisamente a novatio necessaria. Quem fala de novação pré-exclui tratar-se de cessão. Quem nova não cede, nem nova quem cede. O direito romano conheceu a sucessão universal em créditos, não conheceu a sucessão singular. A novação foi o expediente para se obterem os resultados que importavam. Os inconvenientes eram enormes (e. g., extinguiram5 os privilégios e as garantias). Por outro lado, a necessidade de ser figurante o devedor embaraçava a feitura do negócio jurídico. O expediente da transposição processual de sujeitos foi outro caminho. Também esse tinha inconvenientes Enquanto não se concluia a litis contestatio podia o outorgante revogar o mandato e, credor que era, podia extinguir o crédito. Mais: não ficava privado de pleitear, por sua vez, a condenação do devedor; podia transigir ou remitir a dívidá; se falecia, ou se falecia o outorgado, extinguiase o mandato. Nos tempos imperiais, deu-se ao outorgado ação própria, actio utilis, isto é, ação segundo o modêlo de outra já existente, dita directa. A actio utilis competiaíhe, pendente ou cessado o mandato, e até sem mandato, se o outorgante queria o resultado (no fundo: se queria a cessão). Sobre o assunto: 03 2.81? E 2.818. SUCESSÃO EM CRÉDITOS 249 ca F. MOHLENBRUCH (Die Lehre von der Cessãon der 0rder-u.ngsrechte, 188 s.) ; Fa. EISELE (fie adio utilis des cessãonars, Festschrilt flir .1. J. W. PLANCK, 26, 40 s.), que reputa actio ficticia a ação do outorgado, ficção de dELEga$o (si Titius N.’» A.Ó dELEgavesset), o que depois reafirmou (Die actio utilis suo nomine des Cessãonars, Zeitschrift der wignaj-Stiftung (27, 46 s.) ; E. LEVY (Sponsão, fidepromissão, fidejussão, 165 s., e Die Konkurrenz der Áktionen, 1, 224; FRITZ SCHULz, Klagen-Zessãon im Interesse des Zessãonars oder der Zedenten im klassischen rómischen Recht, Zeitschrift der Savignj-Stiftung, 27, 82 a.). A discussão sobre ser em nome próprio, ou não, a adio utilis do outorgado alimentou-se durante muito tempo; mas sem razão. A ação não era a do outorgante, que se transferisse. Era ação atribuida ao outorgado, em lugar do objeto da obrigação; e não por transferência da obrigação, ou do débito. As vêzes os textos parecem permitir que até ai se vá, mas em verdade só se trata de maneiras inexatas de expressão <e. g., L. 2, § 8, D., quibus modis pignus veZ hvpotheca solvitur, 20, 6; L. 64, § 4, O., soluto matrimonio dos quemadmodum petatur, 24, 3; L. 66, pr., O., ad senatus consultum Trebeuianum, 36, 1; L. 23, C., mandati, 4, 35; E. WINDSCHEID, Lehrbuch, 93 ed., 363). Não havia, portanto, transposição de sujeitos, como era o caso da mudança na fórmula, de que antes se falou. A L. 18, C., de legatis, 6, 37, diz-se: “Ex legato nominis, actionibus ab his qui successerunt non mandatis, directas quidem actiones legatarius habere non potest, utilibus autem suo nomine experietur”. Em virtude de legado de crédito, não tendo havido mandato quanto às ações pelos que sucederam, não pode certamente ter o legatário as ações diretas, mas pode exercer, em seu próprio nome, as úteis. Na L. 5, C., quando fiscus veZ priva-tua debetoris sui debitores exigere potest, 4, 15, lê-se: “In solutum nomine dato non aliter nisi mandatis actionibus ex persona sui debitoris adversus eius debitores creditor experiri potest. suo autem nomine utili actione recte utetur”. Dado em soluto um crédito, o credor, sem se lhe ter outorgado mandato quanto às ações, não pode exercê-las, como ações do seu devedor (ex persona sui debitoris) contra devedores desse. Todavia, é de usar, com direito, em seu próprio nome, a ação útil. Na L. 4, C., quae rn pignori obligari possuni vel ncn et qualiter vignus contrahaíur, 8, 16, constituição de Alexan-Ire Severo, está escrito: “Nomen quoque debitoris pignerari et generaliter et specialiter posse pridem placuit. quare si debitor is satis non facit, cui tu credidisti, ilIe, cuius nomen tibi pignori datum est, nisi ei cui debuit solvit nondum certior a te de obligatione tua factus, utilibus actionibus satis tibi facere usque ad id, quod tibi deberi a creditore elus probaveris com peiletur, quatenus tamen ipse debet”. Já faz tempo que se estatuiu que, geral e especialmente, se pode penhorar o crédito de um devedor. Por isso, se o devedor não satisfaz o que tu lhe prestaste, será conipelído, pelas ações úteis, aquELE cujo crédito te foi dado em penhor (salvo se o pagou àquELE a quem devia, não tendo ficado certo por ti de tua obrigação), a satisfazer-te até aquilo que provares que por seu credor se te deve, mas até onde ELE deve. Também se encontra na L. 3, O., de novationibus ei dELEgationibus, 8, 41, que é de Gordiano: “Si dELEgatio non est interposita debitoris tui ac propterea actiones apud te remanserunt, quamvis creditori tuo adversus eum solutionis causa mandaveris actiones, tamen, antequam lis contestetur vel aliquid ex debito accipiat vel debitori tuo denuntiaverit, exigere a debitore tuo debitam quantitatem non vetaris et eo modo tui credito-ris exactionem contra eum inhibere”. Se não se interpôs dELEgação do teu devedor e permaneceram contigo as ações, ainda

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que hajas outorgado mandato quanto às ações para a solução, todavia, antes que se conteste a lide, ou algo se receba da divida, ou que se haja notificado o teu devedor (vel debitori tuo denuntiaverit não se te inibe que exijas de teu devedor a quantidade adequada e desse modo impeças a exação de teu credor contra Dos dois textos interpolados que por seu extraordinário interesse reproduzimos tii,a-se que o outorgado podia impedir que o devedor pagasse, com eficácia liberatória, ao outorgante, desde que houvesse a denuntiatio do que se passou. Chegou-se quase à concepção da cessão de crédito; não à cessão de crédito, que é construção do direito comum. A “notificação” segundo o ad. 1.069 dc Código Civil tem raízes na denuntiatio dos textos de Alexandre Severo e de Gordiano, mas a eficácia, hoje, é eficáeia da cessão, estendida ao terceiro; no direito romano pós-.clássico, apenas era eficácia do mandato em causa próprio ou do exercicio da ação útil. Observe-se que a actio utilis foi dada por Justiniano ao donatário de crédito (L. 4, C., quando dies legati veZ fideicotn -missi ced ii, 6, 53), o que correspondia a pensamento generaHzador, que se apoderara dos compiladores (cf. L. 5, C., quando fiscus veZ privatus debitoris sui debitares ezigere potesi, 4, 15; li. STETNER, Dato in solici um, 127 s.). Aqui, convém atender-se a que o espírito romano viu os inconvenientes, em relação ao devedor, de haver dois legitimados contra ELE: o outorgante e o outorgado. Se pagava ao outorgante, ou se com ELE se estabELEcia a luis cantestatio, era ineficaz a adio utilis do outorgado. Não importava se a espécie era de mandatum in rem suam, ou se era de propositura de acho utilis. A actio directa do outorgante pré-íneficacizava a pretensão e a ação do outorgado. Havia a exceção do devedor, a excepto transacti negotii, se o devedor ignorava a outorga pelo credor e transigira com esse (PAPINIANO, L. 17, O., de transactionibus, 2, 15: “. . . exceptio transacti negotii debitori propter ignorantiam suam accommodanda est”). de crer-se que, se solvia ou concluía litis contestatio com o outorgado, lhe cabia exceptio doU contra o credor outorgante. Em todo caso, as fontes sàmente cogitam de tal exceção no caso de pactum de non petendo com o outorgado (ULPLXNO, L. 16, pr., D., de pactis, 2, 14). 2.CONCEPÇÃO GERMÂNICA E DIREITO COMUM. ação da cessão transíativa, com tôda a estrutura que pôsto que se houvessem lançado raízes para isso já romano, só se assentou com o direito comum, por do direito germânico. 1.RELAÇÃO JURÍDICA E PÓLOS DA RELAÇÃO. Tôda relação é entre dois termos ou pólos. A grande evolução a respeito das mudanças foi no sentido de se admitir que mudem os termos, Os pólos, os sujeitos, sem que mude a relação jurídica. Na sucessão em créditos e na sucessão em dívidas, muda um da relação jurídica: o sujeito ativo ou o sujeito passivo. Na sucessão em pretensões, dá-se o mesmo; apenas a relação jurídica é diferente: é entre obrigado e titular da pretensão. Caso típico é o do art. 621 do Código Civil. Na sucessão em ações, a relação jurídica é entre legitimado ativo à ação e legitimado passivo à ação, e muda a titularidade de direito material ou o sujeito passivo. 2.PLANO DE EXPOSIÇÃO. Temos de tratar da sucessão em dívidas, como se versou o assunto da sucessão em créditos, para depois cogitarmos dos institutos que se dirigem a isso, isto é, que colimam a transíação do sujeito ativo e do sujeito passivo (respectivamente cessão de créditos e assunção de dívida). A transferência da posição jurídica no negócio jurídico já é assunto da Parte II (§§ 2.871-2.881). CAPITULO II SUCESSÃO EM DÉBITOS § 2.819. Dados históricos sobre sucessão em dívidas 1.DIREITO ROMANO. O direito romano desconheceu a sucessão particular em dívidas. A novação era o único meio para se substituirem as pessoas, passivamente, nas relações obrigatórias, o que de si só conceptualmente afasta que se operasse substituição subjetiva na relação jurídica. Para se obterem os resultados a que hoje em dia se chega, procurou-se o caminho do mamiatum in rem suam, quer dizer, aí, em prejuízo próprio (CÉVOLA, L. 67, § 3, D., de condictione mdcbiti, 12, 6). Não se dava a transposição dos sujeitos passivos:

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com a litis contestatio, o que surgia, contra o cognítor ou o procurator in rem suam, era fundado, processualmente, na nova tio necessaria. Algumas expressões das fontes podem levar a enganos, como o “suscipere obligationem” da L. 45, pr., D., mandati vel contra, 17, 1: “ut suscipiam obligationem”; L. 2, § 5, O., ad senatus consultum Veflejanum, 16, 1: “suscipit enim in se alienam obligationem”). A sentença dava-se contra o cognitor ou procurator e contra ELE se dirigia a execução (Pragincuta Vaticana, § 317; ULPIANO, L. 2, § 5, O., 16, 1; PLÂUCIO, segundo PAULO, L. 61, D., de procuratoribus et defensoribus, 3, 3; ULPIANO, L. 4, pr., D., de ré judicata ei dc effectu sententiarum et de mnterlocutionibus, 42, 1, onde, em vez de “procurator”, se deve ler “cognitor”). Enquanto não se concluía luis contestatio do credor com o nôvo devedor nenhum direito lhe assistia contra ELE. Nem, sequer, podia obrigá-lo a defender-se, tomando parte no processo (cf. B. DELBRÚCK, fie tjbernahme frenider Sclndden,Rech,t, 91 s.; M. A. VON BETHMANN-HOLLWEC, Der rômisehe CivUprozess, II, 450 s.). Podia dar-se que terceiro se obrigasse perante o devedor a seguir o processo iniciado pelo credor, como procurator, e a solver a dívida. Aí, havia assunção de dívida só entre devedor e terceiro, sem se atribuir ao credor qualquer di ‘ito a mais. O direito romano não conheceu a assunção de adim piemento (Erfúllungsobernahme) pela qual alguém, que promete aq devedor, fica obrigado a satisfazer a dívida sem que nasça ao credor qualquer direito a isso. Note-se que não se assume a dívida, nem a obrigação, nem a posição passiva na ação. Há apenas promessa de pagamento a terceiro, sem que ao terceiro nasça qualquer direito, O assuntor não se insere na relação jurídica entre credor e devedor. A sucessão de dívida, a assunção transíativa de dívida. é produto de concepção germânica, oriunda do conceito de obrigação em que a relação jurídica não prende a si o devedor, como algo que lembra a escravidão ou a ameaça disso. Em verdade, deixou-se longe o ELEmento romano. 2. DIREITO COMUM. O direito comum reconheceu quer mantida a identidade da relação jurídica e da divida, se pode pôr em lugar do devedor outra pessoa, que passa a ser o deve--dor. Superou-se, assim, a técnica do direito romano, que já. se desenvolvia, conforme se viu, no sentido de solução mais prestável que as suas. Para a assunção de dívida entre terceiro e credor já B. WINDSCHEID (Lehrbuck, II, 400) não exigia o assentimento (Zustimmung) do devedor. Se entre devedor e terceiro a assunção de dívida, era de mister o assentimento expresso ou túcito (li. GtYRGENS, Singularsuccessi in die Schu!d, Jahrbi.icher f’Ur die Dogmatik, VIII, 274 5.; B. WINDSCI¶EID, Ler bueh, II, 400 5.; J. UNGER, Schuldúbernahme, 18) contemporanea ou sucessivamente (só nos nossos dias se pensou no assentimento prévio). O assuntor ou assumente ficava vinculado até que o credor se manifestasse, podendo ocorrer que outra assunção ocorresse no intervalo, com assentimento do credor (H. GURGENS, Singularsuccesi in die Schuld, Jahrbiicher flir die Dogmatik, VIII, 306 5.), ou que tivesse ELE de escoLher entre duas ou mais. Hoje, não ha razão para se conceber a sunçã0 como sob a condição resolutiva do assentimento do credor, o de que falaremos oportunamente. Admitia-se a assinação de dívida, por negócio jurídico de última vontade. A onstrução da assunção de divida era vàriamente concebida (à 5emelhança da alienação de coisa alheia, por se entender que alterar a obrigação é dispor, H. GÚRGENS, L. ARNDTS, A. E. RuIOREF, J. UNGER, C. G. RUINS, F. REGELSBE1GER como contrato a favor de terceiro, E. DANZ e outros; transferência do débito, que é bem embora negativo no patrímonio,B.DELBRIYCK, E. GAUDEMET; obrigação-galho, J. E. KUNTZE; mandato ou outorga de poder ao credor, feita pelo devedor, para que aquELE possa ir contra o terceiro, O. BÁnR; cessão tácita, ZAUN contrato entre terceiro e os dois sujeitos, ativo e passivo, da divida, E. MENZEL). Reputava impossível O. BÁRE (Zur Beurteílung dês Entwurfs eines BOR., Kritische Vierteljahrschrift, 80, 369:“em juristische unmõglicher Gedanke!”) a transíação de umadívida, passivamente.Foi o livro de BERTHOLD DELBRtYCIC (Die Úbernahmefremder Schzdden, 10 s., 16 s.), em 1853, que precisou, pelaprimeira vez, tratar-se, na assunção de dívida, de sucessaosingular na divida (não ainda, para ELE, substituição do sujeitopassivo), e não de mudança da relação jurídica. CaracterizouELE a diferença entre a relação jurídica e os seus pójos e firmouo princípio da assunção de divida segundo o direito comum.Depois veio o escrito de E. GÚRGENS, em 1866 (Die Singular-successãon in die Schuld, Jahrbiicher fúr die Dogmatik, VIII,222 s.), que investigou o direito comum escrito e costumeiro.Quando a relação jurídica deixou de ser ligada à pessoa,em vez de apenas ser entre pessoas, e o pensamento doutriná-rio teve de conceber a transiação subjetiva passiva da dívida,inevitáveis tacteamentos ocorreram. As diferentes explicaçõese as discussões revelam, hoje, como se procurava ver, nos fatos,mas nem sempre com isenção, o que ELEs esboçavam ou jáurdiam, O paralelismo com a cessão de crédito impunha-sea alguns. Dai quererem alguns que, em vez de

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mudança desujeito, apenas houvesse sucessão na dívida, como, diziam, sedava no tocante aos créditos. Note-se que se pretendia acentuar a diferença entre suceder como credor e ser cessionário do crédito, para se dizer que sucessão na dívida e não substituição de devedor é que acontece se há assunção de divida. Compreende-se que aí estivesse um dos senões da teoria de B. DELBRÚCI< (Die tlbernahme fremder Schulden, 17 s., 45 s.), que via, na assunção de dívida, transferência da dívida, e não mudança do devedor. Ressalta que aí se distinguiríam relação jurídica e dívida, ou mal se disfarçaria a alusão à novação. Também os que, como R. SALEJLLES (De la Cessãon des deites, 14 s.), acentuam a transferência da qualidade do devedor, de certo modo evitam falar de substituição. A doutrina da assunção de dívida por dELEgação ressoou em E. GAUDEMET (tiude sur le Transpori de deites à titre particulier, 311 s.) : dELEgação mais oferta ao credor (dELEgatário). 3. DIREITO CONTEMPORÂNEO O direito contemporâneo teve o momento culminante, na evolução do instituto da assunção de dívida, com o Código Civil alemão, mas a técnica legislativa não chegou à perfeição a que hoje se poderia chegar. A princípio havia duas teorias sobre a assunção de dívida: uma, a teoria do contrato, que apenas a via como contrato entre o credor e o terceiro, com eficácia a favor do devedor, porque liberatória; a outra, a teoria da ratificação que fixava tôda a pesquisa no negócio jurídico entre o devedor e o terceiro, que só se priva do seu direito com o ato de assentimento aí ratifica tivo. Posteriormente, ficou evidenciado que as duas teorias apenas correspondiam a duas espécies: a da assunção de dívida pelo terceiro, diante do credor, e a assunção de divida pelo terceiro, diante do devedor. Já o Código Civil alemão, §§ 414 e 415, atendeu à dualidade de relações jurídic que se conhecem como assunção de dívida. No Código suíço das Obrigações, somente por ocasião da revisão (1911) a assunção de divida entrou em texto legal No Código suíço das Obrigações, arts. 176-180, a teoria do contrato foi a que se seguiu, de jeito que se tornou a assunção de dívida negócio jurídico entre o credor e o terceiro, sempre. Só a propósito da assunção de patrimônio (Código suíço das Obrigações, art. 181) ou de alienação de imóveis em caso de direito de penhor (Código Civil suíço, art. 832), houve afasta mento da teoria. A convenção entre o terceiro e o devedor passou a ser simples promessa do terceiro de assumir a divida. Tem-se de oferecer ao credor; ELE aceita ou não aceita a oferta. Se aceita, está assumida a divida; se não aceita, houve apenas promessa de assumir, entre terceiro e devedor, e oferta que, não sendo aceita, se ineficaciza. Tanto no direito brasileiro quanto no português (cf. A. E. CARNEIRO PAÇHECO, Da Sucessão singular nas dividas, 95 s.) e nos outros sistemas jurídicos em que se não redigiu regra jurídica sobre a assunção de dívida, tem-se de construir. A autorização judicial de que se cogita no Código Civil, art. 427, 2a parte, é de exigir-se em qualquer assunção de divida, ou em qualquer assunção de adimplemento (Erftillungstibernahme, G. PLANCE, Komment ar, IV, 4a ed., 716;A. FUCHS, Vormundschaftsrecht, 4a ed., 209; sem razão, R. SCHULTHEIS, Der deutsche Vormundschaftsrichter, 118). § 2.820. Institutos hodiernos 1.RELAÇÃO JURÍDICA E SUJEITO PASSIVO. O que aqui nos importa é o que se passa com a relação jurídica, em que alguém é sujeito passivo, se essa pessoa obtém ou a favor dela outrem assume a responsabilidade ou a dívida. A assunção da dívida, liberando o devedor, ou resulta de negócio jurídico com o credor, ou com o devedor. 2. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA ALHEIA. (1) Assim, assunção de dívida (Schuldiibernahme, reprise de dette) é negócio jurídico bilateral pelo qual nôvo devedor fica no lugar de quem o era. Na doutrina há divergência na construção, porque, se é certo que a) a opinião dominante assenta que no lugar do devedor que o deixa de ser se põe o nôvo, havendo sucessão na dívida a relação jurídica é a mesma), houve b) quem disso discordasse, sustentando que surge nôvo crédito contra quem assumiu a dívida. Com a opinião dominante, que é a opinião a),

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B. MATTHIASS (Lehrbuch des búrgerlichen Reckts, 1, 259), G. PLANCIC (Kommentar, II, 1, 43 ed., 592; A. MERKEL, Juristische Enc-yklopddie, 283; O. VON GIERKE, Schuldnachfolge und Haftung, Festsckrif 1 flir F. voN MARTITZ, 45), P. KNOKE (Die Sondernachfolge in die Schuid bei der befreienden Schuld dbernahme, Jherengs Jahrb’iicher, 60, 407 s.) e outros. Com a opinião lO, E. STROHAL (Schuldúbernahme, Jherings ..Tahrbucher, 107, 273), 1<. R. ROMEICK (Zur Technik, III, 86) e R. SOEM (Der Gegenstand, 25, nota 5). Quem assume divida, assume-a perante alguém. Isso não quer dizer que se não possa prometer assumir, unilateralmente, alguma divida. <a) A assunção de dívida perante pessoa determinada pode ser entre o assumente e o credor. Então, aquELE se torna devedor, em lugar de quem o era. O assentimento do devedor não é de mister. O negócio jurídico tem eficácia entre os figurantes e o devedor está liberado. Pensam alguns (e. g., O. WARNEYER, Kommentar, 1, 712) que o negócio jurídico entre o credor e o assuntor ou assumente não é desde logo assunção de dívida ( ainda não o é). Seria preciso algum assentimento do devedor. Tal raciocínio revela que se quer simetrização da assunção de dívida entre assuntor ou assumente e credor com a assunção de dívida entre assumente e devedor. Ora, a transíatividade liberatória da assunção de divida entre o terceiro e o credor não depende dos mesmos princípios que a transíatividade liberatória no tocante à chamada assunção de dívida bifigurativa. (b) Se a assunção de dívida é entre o devedor e quem assume, a eficácia do negócio jurídico em relação ao credor degende de ratificação (melhor, aprovação) do credor, ou do seu assentimento prévio. Antes disso a assunção de dívida alheia é promessa de adimplemento a terceiro, sem qualquer sucessão passiva de dívida. A assunção de divida é unifigurativa (= a um membro, eingliedrig) ou bifigurativa ( a dois membros, zweigliedrig), conforme o assuntor ou assumente a conclui com o credor ou com o devedor com a co-eficacização pelo credor (respectivamente, vertical ou horizontal). Essa co-eficacização tem sido mal observada pelos juristas, tanto mais quanto não é certo que o srrisentimento ou a ratificação pelo credor torne plurilateral o negócio jurídico. Não há negócio jurídico entre o devedor: oassuntor ou assumente e o credor, O consentimento ou a ratificação é apenas para eficácia a respeito dELE. Quem melhor feriu esse ponto foi E. MATTHIASS (Lehrbuch, 259 e 261), por ter frisado que entre os dois devedores, o que o deixa de ser e o que assume a divida, se conclui assnnçãõ de adimplemento. Ora, Isso mostra que a assunção de dívida se perfaz entre assurnente e devedor, sem eficácia perante o credor enquanto êíe não consente no que foi feito ou não o ratifica. Ésse consentimento, ou ratificação, está contido no consentimento que se exige à conciusão da assunção de adzmplemento. Nem sempre os juristas o viram. Quase sempre notam o efeito e não apontam o negócio jurídico que em verdade há. O chamado consentimento ou a ratificação apenas diz respeito à vontade que, contida na manifestação de vontade para aassunção de adimplemento, consente, ou ratifica a assunção de dívida em que foram figurantes e em verdade so ELEso foram o devedor e o assumente. Pode dar-se que o devedor obtenha de terceiro que prometaassumir a dívida, em negócio jurídico com o credor (assunçãounifigurativa de dívida) e, não o fazendo, preste a indenização( jdosdanos (8. MATTHIASS, Lehrbuch, 1, 260). 8.ASSUNÇÃO CUMULATIVA DE DÍVWA. <2) A.snnção cumulativa de dívida é a assunção de dívida em que não há substituícão do devedor originário: reforça a (lívida anterior, não lhe substitui o sujeito. Donde dizer-se assunção n’forçante (bestãrkende) ou cumutativa (kumulative Schuldiibernahme). Também dita (Oro VON GIERRE, HANS REICHEL) co-assunção de dívida (Schuldmitúbernahme). porque se rnsere (tritt) junto à outra dívida, donde a expressão de W. WESTF,RKAMP, hoje também usada, em alemão, Schuldbeitritt (cf. 8. MÃTTHIASS, Lehrbuch, 259; G. PLANCK, Kommcntar, II, 1, 594; W. WESTERKAMP, Riirgschaft und Schuldbeitritt, 1 s.; J. ESSER, Lehrbuch des Schuldrechts, 191 s.; WEIGELIN, Der Schuldbeitritt, 1 s.). A dívida traspassa-se com as suas exceções, salvo as que só dizem respeito à pessoa do devedor (II. GtYRGENS, Singularsuccessãon in die Schuld, Jahrbúchcr flir die Dogmatik, VIII, 299; E. DELBRÚCK, fie tbernflhme fremder Schulden, 108 s.), e com os direitos acessórios <H. GÚRGENS, VIII, 289 s.) As pretensões oriundas da invalidade do negócio jurídico entre o devedor e o terceiro não são de invocar-se contra o credor (E.DELBRtICIC, Pie Obernahme fremder Schulden, 48), salvo a coação do terceiro. Hoje, temos de só pensar em coação do terceiro ao tempo da comunicação ao credor, não em coação que cessou antes. Para a assunção cumulativa de dívida entre o assumente e o devedor não é de mister consentimento ou

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ratificação pelo credor (HANS REICHEL, Pie Schuldmitúbernahme, 147; E. STROHAL, Schuldpflicht und Haftung, Festgabe flir Dii. KARL BINDINO, 125; K. COSACK, Lehrbuch, , 6. ed., 466; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 287, texto e nota 10; L. KUHLENBECK, 1. v. Staudingers Komment ar, II, 483; sem razão: W. WESTERRAM?, Riirgschaft und Schuldbeitritt, 224; O. VON GIERKE, Schuldnachfolge und Haftung, Festschrift 1-Ur F. VON MARTITZ, 52, nota 8; W. KLUCKHOHN, Pie Verfúgungen zugunsten Dritter, 52; G. PLANCK, Xommentar, II, 1, 595). Às vêzes os juristas confundem a co-assunção de dívida que libera com a que não libera. Porém o que importa saber-se é se o credor, que ainda não consentiu, nem ratificou, adquire desde logo o crédito cumulado. Ora, isso ocorre segundo os princípios que regem o contrato a favor de terceiro (Código Civil, art. 1.090, parágrafo único, 1. parte) : o terceiro, a. favor de quem se estipulou, adquire direito e pretensão. O argumento contra essa solução, assente em base científica, de que, assim, o credor se expóe a que o segundo devedor alegue compensação, é frágil. Porque o credor, que aí é terceiro, pode não admitir o segundo crédito. ‘4r. A co-assunção de dívida, com o consentimento do credor, ou sua ratificação, não extingue a dívida a que se cumula a do terceiro. Os dois devedores passam a ser solidários. Uma das conseqüencias é que o devedor assumente pode opor a defesa e as exceções que qualquer devedor solidário poderia opor, bem como alegar compensação. A assunção cumulativa. de dívida nunca perfaz sucessão. A assunção cumulativa de divida pode ser entre o credor e o assuntor ou assumente, ou entre esse e o devedor (E. MATTHIASs, Lehrbuch, 259 5.; HANS REICHEL, Pie Schuldrnitíiber nakme, 141). Não se deve dizer entre o assumente e o anterior devedor, porque se pode assumir, cumulativamente, dívida que ainda nio existe (dívida futura) e então a dívida cumulada É anterior à dívida a respeito da qual alguém assumiu divida. A co-assunção de dívida não se confunde com a fiança. Na fiança, a segunda dívida é acessória; na co-assunção de divida, não. O assunto ou assumente em cumulação, pôsto que possa a co-assunção ter fim econômico de garantia, não é garantia. O co-assumente responde como devedor solidário. Se o fiador presta o que prometeu, a sua prestação é outra prestação que a do devedor afiançado. Se o co-assumente presta, o que prestou é o que o devedor prestaria (HANS REIÇHEL, Die Schuldmitiibernahme, 69; W. WEsTERKAMP, Biirgschaft mui Schuldbeitritt, 45; BRATrIO, fie kumulative Schuldúbernahme, 2 s.). A assunção cumulativa de dívida tem eficácia de solidarização, e não de liberação. O tratar-se de assunção cumulativa, abstrata, de dívida não pré-exclui a eficácia de fazer devedor solidário o assuntor ou assumente (cf. L. ENNECCERUS, tehrbuck, II, § 90, nota 10). Para se saber se os contraentes quiseram assunção (liberatória) de dívida ou assunção cumulativa de dívida tem-se de interpretar o negócio jurídico de assunção, verificando-se quais os termos empregados, a intenção do terceiro (Código Civil, ad. 85), as circunstâncias e, principalmente, o fim do contrato. W. vo BLUME (Beitrãge zur Auslegung des deutschen BGB., .Therings .Tahrbiicher, 89, 419) admitia, na dúvida, que se trate de assunção (liberatória) de dívida; mas R. STAMMLER (Das Recht der SchuldverhÉiltnisse, 207) e 1<. HELLWIG (fie Vertràge aul Leistun.g an Dritte, 179) entendiam que, na dúvida, é em assunção cumulativa que se há de pensar. L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 289) afasta qualquer regra jurídica interpretativa. 4.ASSUNÇÃO DE ADIMPLEMENTO. (8) A assunção de adimplemento (Erfdllungsúbernahme) é inconfundível com a assunção de dívida. Trata-se de negócio jurídico pelo qual alguém se faz devedor, perante o devedor, de prestar ao credor (portanto em que se obriga a solver a dívida do outorgado). O devedor continua devedor e obrigado a prestar. Apenas adquire crédito contra o assuntor ou assumente do adimple mente. O dever e a obrigação desse são o de cumprir a obrigação, no lugar do devedorr. Não importa como ELE solve. Pode o assumente pagar, dar em soluto, consignar, sem que possa alegar compensação com crédito seu contra o credor. Nenhum direito, pretensão ou ação nasce ao credor contra o assumente do adimplemento. Se ao credor se atribui direito, pretensão ou ação, houve estipulação a favor de terceiro, o que muda a figura que passa a ser a da co-assunção de dívida ou assunção cumulativa de dívida. Na assunção de adimplemento não há sucessão. A divida não é assumida pelo outorgante. 5. PROMESSA DE ASSUNÇÃO E DE CO-ASSUNÇÃO DE DIvIDA O negócio jurídico pelo qual terceiro promete ao devedor assumir a divida é distinto do negócio jurídico da assunção de divida. Trata-se de pré-contrato. Promete-se assumir. De ordinário, é de entender-se que satisfaz a obrigação se assume a dívida perante o devedor ou se a assume perante o credor. Mas é possível que, pelos

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termos do negócio jurídico, se haja precisado o modo de adimplemento. Se a dúvida é quanto a se tratar de promessa de assunção de divida, ou de co-assunção de divida (assunção cumulativa de dívida), tem-se de interpretar qué se exigiu assunção, e não co-assunção. A promessa de assunção de divida é promessa de contratar, e não de liberar. Promessa de liberar é outra coisa, como outra coisa é assunção de adimplemento. Aqui, já se assume; ali, só se promete assumir. No Código Civil alemão, § 329, diz-se que, se, em contrato, um dos figurantes se obriga a desinteressar um credor do outro figurante, sem, todavia, tomar sobre si a dívida, não se deve, na dúvida, entender que o credor deva adquirir imediatamente o direito de lhe exigir a prestação. O instituto a que o § 329 se refere é a assunção de adimplemente, a ErfiillungsW,ernahme,.e não a promessa de contratar assunção de dívida. Tão-pouco se há de confundir o instituto da assunção de adimplemento com o contrato a favor de terceiro credor, pelo qual o devedor se obriga, perante o credor, a adimplir a obrigação do credor perante o credor do credor (P. OERTMÃNN, Recht der SchuldverMttnine, 213: HANS REICHEL, Pie Schuldmit’ubernahme, 150 e 310; K. HELLWIG, Pie Vertrtige au! Leistung ali Dritte, 133; sem razão, G. PLANCIC, Kommentar, II, 1, 421, que tentou reduzir a assunção de adimplemento a espécie de contrato a favor de terceiro, cp. 3. BINDER, Pie Korrealobligati<flefl, 562). A assunção de adimplemento também é de distinguir-se da promessa abstrata de divida, pela qual se torna devedor o promitente, e não apenas se obriga a adimplir a dívida do outro figurante. 6. NOVAÇÃO COM MUDANÇA DE SUJEITO PASSIVO. Também se há de distinguir da assunção de dívida a novação com mudança do devedor. Nesse instituto, a relação jurídica a que a dívida nova se refere extingue-se; a dívida nova é irradiação de negócio, jurídico que corresponde a outra relação jurídica. Na assunção de dívida, só há transposição do devedor: um deixa de ser e o outro sobrevém, sucedendo-lhe. Na novação com mudança de devedor, a relação jurídica não persiste a mesma; não se muda só .0 devedor, a relação jurídiça, que era, extingue-se, e outra surge. 7. ASSUNÇÃO DE DIVIDA ALHEIA E EXTENSÃO DA EFICÁCIA SUBJETIVA. Quando se inscrevem penhoras, arrestos e seqUestros (Decreto n.4.857, de 9 de novembro de 1939, arts. 178, a), VI, e 279), ou. citações de ações pessoais reipersecutórias (arts. 178, a), VII, 23 parte, e 281), ou promessas de compra- -e-venda de terreno não loteado (art. 178, a), XIV; Decreto-lei n. 57, de 19 de novembro de 1937, art. 22; Lei n. 649, de 11 de março de 1949, art. 1.0, ou contrato de locação de prédio, no qual tenha sido inserta a cláusula de continuação em caso de se alienar a coisa locada (art. 178, a), IX; Código Civil, art. 1.197), ou se averba contrato de promessa de venda de terreno loteado (arts. 178, b), e 282, VI), ou se transcreve contrato de compra-e-venda com reserva de domínio (Decreto -lei n. 1.027, de 2 de janeiro de 1939, art. 1.0), não se cria direito real, apenas se atribui eficácia erga omnes à relação jurídica pessoal: devedor continua de ser somente o devedor originário ou o sucessor hereditário, ou quem assumiu a divida, ou por outra causa passou a ser o devedor. Quando se faz registro preventivo, apenas se estende a terceiros a eficácia; o que se estende não é a titularidade. Em direito, é da máxima importância que se distinga da existência do negócio jurídico a sua eficácia. O negócio jurídico pode existir e não ser eficaz. Pode ser eficaz a respeito de B, e não no ser a respeito de C. Ou ser eficaz perante B e C, e não perante D, ou erga omnes. A eficácia que tem agora pode ser desde agora ou mais tarde estendida a D, ou a todos. Trata-se, então, de extensão de eficácia. CAPITULO III CESSÃO DE CRÉDITOS § 2.821. Fontes do sistema jurídico 1.DIREITO ROMANO E DIREITO GERMÂNICO. No direito romano não havia, conforme vimos, sucessão singular em créditos, ou em dividas. Dai ter-se lançado mão da novação, para a qual , é claro, se exigia a cooperação do devedor (dELE gatio nominis). Depois, com a intensificação do comércio e o influxo do jus gentium, foi que se criou algo de transmissão sem cooperação do devedor, com a concepção, que melhor estudamos no capitulo anterior e desenvolveremos a respeito do mandato e da procuração em causa própria.

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Opracurator in rem suam era constituído para o processo, de modo que, estabELEcida entre ELE e o demandado a relação jurídica processual, a condenação, que atingisse o demandado, era para prestar ao outorgado, e esse, por estar em juízo em interesse próprio, podia reter o que obtivesse do juízo <GAIO, Inst., II, §§ 38 e 39, e IV, § 86; L. E § 5, D., de in rem verso, 15, 3). Entende-se que tal procurador judicial também ‘podia tratar amigàvelmente. Os inconvenientes eram, ainda assim, grandes, e. g., o devedor podia prestar ao credor autorgante, o outorgante podia revogar e o outorgante ou o outorgado podia morrer. A actio utilis viera obviar a esses inconvenientes, com a notificabilidade do devedor. No fim da evolução, que no direito romano se operara, teve-se apenas a sucessão singular no direito (independente) a exigir crédito alheio. A concepção romana do crédito ligado ao credor encontrou-se com a coneepçao germânica, a que repugnava essa dependência. No século XV,é evidente a síntese. Já o outorgado sucede no direito, pretensão, ou ação, ou exceção, que se cedeu. Foi tardia a tentativa de Cnz. F. MOHLENBRUCH, no comêço do século passado d817), para se voltar à concepção romana. A cessão, com a mudança subjetiva e a permanência objetiva, é concepção pós-romana. Só o auccessor in universum ia,, quod defunctus habuit, sucedia, no sentido que damos hoje à sucessão singular nos créditos e nas dividas. O jurista romano não poderia pensar como G. E. PUCETA (Pande/cten, 9.’ ed., 72 s.) ou como H. GÚRGENS <Singularsuccessãon in die Schuld, Jahrbiicher fi2r die Dogmatik, VIII, 223 s.). 2. Drnsn’o GERMÂNIcO. Ainda para o direito germânico antigo sustenta-se que era de mister consentimento do devedor, na cessão de crédito, para a trans feribilidade (H. BRUNNER, Forschungen, 602 e 653), o que, depois, o próprio O.STonn, <Handbuch des deutschen Privatrechts, III, 3.’ ed., § 226, nota 2) admitiu (para o direito neerlandês, FOCKEMA -ANDREAE, Het Oud-Nederlandsch burgerlijk Recht, II, 21; para o direito nórdico, KARL VON AMIRA, Nordgermanisches Obliga.tionenrecht, 1, 58 s.). Contra tal necessidade, GuoRa BUcH (Die tbertragbarkeit voiz Forderungen ira deutschen mittelalterUehen Recta, 115 s.). Também no direito germânico empregou-se o mandato processual como meio para se transferir o crédito, inclusive, na Idade Média, com a cláusula “para ganho ou perda” (GuoRa BUCE, Vis tbertragbarkeit vou Forderungen ira deutschen mittelalterlichen Recht, 111). A permissão da transmissibilidade era diferente do assentimento ou do consentimento, çom que sistemas posteriores, defeituosos, quiseram construir a cessão de crédito (assentimento ao negócio jurídico da cessão, ou consentimento em negócio jurídico unilateral). Mas exatamente na transferibilidade por fôrça da permissão do devedor consistiu a originalidade do direito germânico e esse ELEmento original foi ponto de partida para a concepção dos créditos transferíveis em virtude de autorização intrínseca à transmissão por ato unilateral do credor (H. BRUNNER, Forschungen, 546 s., 653 a. e 660). Foi o que deu ensejo à circulabilidade dos títulos e ordem e ao portador, inclusive títulos incorporantes, com. as letras hipotecárias e as cédulas pignoratícias. No caminho da evolução da transmissão dos créditos e direitos incorporados em títulos convém lembrar que houve a livre transferência unilateral de direitos que tinham sido declarados em sentença e constantes de traslados ou certidões.  medida que se avançava no tempo, menos se requeria a vontade do devedor (para o direito germânico, GEORG BUCE, Die Ubertragbarkeit von Forderizngen ira deutschen mittelalter«chás Recta, 118 s.; para o direito nórdico, K. VON AMua, Nordgennanisches Obligationenrecta, 1, 60, e II, 84; para o direito neerlandês, FOCKEMA-ANDREAE, Het Oud-Nederlandsch burgerlijk Recta, II, 21 s.). O contacto do direito germânico com o direito romano foi assaz fecundo para a civilização ocidental, Até no direito justinianeu o outorgado continuou credor do devedor, cedia-se sem em verdade se ceder. Foi o direito germânico xiue completou a evolução até se chegar à concepção de hoje: o bem Incorpóreo passa a ser do outorgado como era do outorgante <sObre a história do uns modernus, J. E. KUNTZE, Die ObUgatiou und Singularsuccessãon, 18 a.; GEoEG BUCH, Die Vbertragbarke4t von Fordencngen ira deutschen mittelalterlidas Recht, 132 s.). 3. DIREITO BRASILEIRO. Segundo o Código Civil, a cessão de créditos transmite o crédito mesmo, e não só o. seu exercício (art. 1.065: “O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor”). A cessão ou se opera em virtude de negócio jurídico, ou por lei, ou por decisão judicial. Em qualquer das três espécies, o cessionário passa a ser titular do crédito cedido, em vez do cedente. Seção 1

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CESSÃO DE CRÉDITOS EM SUA EXISTÊNCIA E VALIDADE § 2.822. Conceito e natureza 1. CoNCEITo. A cessão de crédito é negócio jurídico bilateral de transmissão de crédito entre o credor e outrem. Â base dELE pode haver negócio jurídico, porém a cessão de crédito independe dELE, ou da sua existência. A manifestação de vontade é ELEmento de acordo de transmissão, e esse acórdo, semelhante ao acordo de transmissão da propriedade imobiliária ou mobiliária, opera a transmissão sem precisar de qualquer outro ELEmento (e. g., na transferência da propriedade imobiliária, o registro; na transferência da propriedade mobiliária, a tradição, ou outro ato, inclusive registro). Conforme dissemos e mostraremos adiante, a transíação ocorre, na cessão de crédito, e na assunção de dívida, concluida entre credor e terceiro, com a conclusão do contrato entre o credor e o terceiro; ao passo. que, na assunção de dívida, concluída entre o devedor e terceiro, a conclusão do contrato não tem desde logo a eficácia transíativa. Naquelas, o que falta, antes da ciência pelo devedor, é a eficácia relativa a esse; nessa, o devedor não está liberado desde que se concluiu o contrato entre ELE e o terceiro, e a eficácia transíativa depende de negócio jurídico unilateral, em que haja consentimento do credor. O acordo de transferência do crédito tem completo o seu suporte fáçtico com as manifestações de vontade do credor e do terceiro. A notificação é apenas para a eficácia no que toca ao devedor, que se supõe não conhecer o que se passou a respeito da sua dívida. O acUdo de transferência, na assunção de dívida entre terceiro e devedor, é vinculativo, porém não transiativo. O credor cede. porque é titular do direito. Quem tem direito cessível tem o poder de cedê-lo, não importa se real ou pessoal o direito (cf. E. R. BIERLINO, .Turtstische Prinzz, pienlehre, 1, 165; WILHELM SCHUPPE, Der Begriff des subjektiven Rechts, 157). Superou-se a concepção romana, que ligava o crédito àpessoa, a concepção do “tipo imutável” de obrigação. Ao credor nasce o poder de dispor. Precisou-se o que se ata à personalidade, porque dela depende ou é indispensável a ela, e o que dela não depende, nem, lhe é indispensável. A pessoa, em sua posição de sujeito, passou, em muitos créditos e dívidas, a ser ‘fungivel”. Quem fala de sucessão alude à derivatividade, à causação, à aquisição de direito à custa de outrem; e não de outro direito, o 4ue só se poderia apontar nas constituição de direito sobre direito (usufruto, à custa do domínio; penhor, à custa da propriedade ou do crédito). Há muito de substancialismo filosófico em se ver na aquisição da propriedade ou na cessão de crédito nascimento de direito à custa de outro direito (cp. HANS LESSING, Begriff des Rechtsuaektolge, 10 s.; CLAUDIUS V. SCHVERIN, ttber den. Begril 1 der RechtattaChf olge, 4 s.; H. REUKAUFF, t.Yber deu Begrif 1 der ReohtanachtOlQe nach b-iirgerlichem Recht, 9). 2. CESSÃO DE CRÉDITO, NEGÓCIO JURIDICO ABSTRATO. ‘ Trata-se de negócio jurídico abstrato, porém não contrato de direito das coisas (juri-real, dinglicher Vertrdg). É válida e eficaz a cessão, ainda que a causa não exista, seja ilícita, ou não se realize. Se houve cessão, sem causa, e o cessionário se enriqueceu injustificadamente, pode o cedente pedir a repeti-00: o crédito volta; mas, enquanto não passa em julgado a sentença, o crédito pertence ao cessionário. A cessão de crédito é negócio jurídico abstrato. Porque a cessão é abstrata, em si, não pode ser nula por ilicitude de objeto. Se o negócio jurídico subjacente é nulo, cabe a repetição. A afirmação de O. VON GIERKE (Deutsches Privatrecht, III, 186 s.), de que se trata de negócio jurídico jurireal como os de direito das coisas, levaria a confusões graves: porque, com a cessão, se transfere direito, O. vON GIERKE entendia que tal transferência não podia, rigorosamente, ser posta no direito das obrigações; não há obrigados, há tranamitentes; nenhuma obrigação nasce, transmitem-se direito, pretensão, ação, ou exceção. Tais argumentos não convencem. A cessão de créditos é negócio jurídico abstrato, porém não juri-real <dinglicher Vertrdg). Se a cessão foi concebida condicionalmente e se ELEvou a existência da coisa à categoria de condição, o negócio jurídico da cessão torna-se causal (CARL CROME, Die Abfindungscessãon, Festgabe fik PAUL KRIIGER, 199 a.). O negócio jurídico de cessão é bilateral, abstrato, acordo de transmissão, que independe do negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente (cessão de crédito para servir de garantia a negócio jurídico de outrem, ou do próprio cedente). O efeito transíativo, a imediata transferência do crédito ao cessionário, é independente do fim que se colimou, cedendo-se o crédito. Vale, e é eficaz, a transferência, ainda que se venha a decretar a nulidade, ou a anulação, ou a ineficácia do negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente

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(P.OERTMANN, Recht der Schuldverhttltnisse, 307). A declaração de vontade de cessão não supõe contrato, ou outro negócio jurídico obrigacional de cessão, nem o contém, nem determina obrigação de ceder, O negócio jurídico subjacente ou sobrejacente à tessão não é, necessârlamente, abstrato; pode ser dependente, ou não, da cessão mesma. Os direitos e deveres do cedente perante o cessionário não derivam de contrato obrigacional que se contenha na cessão, salvo os que concernem ao fornecimento de indicações necessárias para a exigência do crédito, entrega dos títulos ou feitura, à. custa do cessionário, de nôvo titulo da cessão (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 680). 8. FORMA. A cessão de crédito não está sujeita a forma especial. Bastam fatos concludentes. No art. 1.067, diz-se: “Não vale, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se se não cELEbrar mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do art. 135”. “Vale”, está, aí,.por “é eficaz”. A cessão de crédito oralmente concluída vale e é eficaz, se não há regra jurídica especial (cp. art. 1.078) bem assim, a cessão tácita, ou por fatos concludentes. Quanto aos terceiros, tais cessôes são relativamente ineficazes: a lei exige, a forma escrita . da cessão. Algumas questóes surgem; e. g.: a) se a notificação foi por escrito, como tem de ser, feita pelo credor, j.tem eficácia a cessão oral, quanto ao devedor cedido?; b) se o devedor cedido conhece a falta da forma escrita da cessão e foi notificado, ,pode exigir que se escreva? As respostas são, respectivamente: a notificação tem eficácia, quanto ao devedor cedido, porém não se pode dispensar a entrega do título pelo cessionário ao devedor cedido, que paga, nos mesmos casos em que se poderia exigir ao credor originário; se o devedor cedido, saiba ou não, da cessão, exige a prova de ter havido cessão escrita, somente incorre em mora depois de ser satisfeita tal exigência. Parece-se com a cessão oral a transferência da relação jurídica nos casos em que basta a tradição. Entre os dois institutos está o da transferência de títulos de crédito, que se faz por cessão mais entrega do título. A cessão escrita parece-se com o endôssO, porém o endôsso dispensa a notificação ao devedor cedido, e nos títulos cambiários e cambiariformes é transferência que implica direitos e deveres, pretensões e obrigações, independentes das que tinha o endossante. Tratando-se de cédulas hipotecárias, a cessão há de ser feita por escrito. A cessão da hipoteca ou da anticrese exige a escritura publica, tendo de inscrever-se para que lhe nasça a eficácia real. O crédito, a favor do qual se inscreveu hipoteca, pode ser cedido, sem ser exigência a da forma que haveria de ter a cessão da hipoteca; mas a hipoteca, em tal caso, não se transfere. Para que se transfira a hipoteca, é preciso que tenha sido outorgada para o crédito e suas cessões, que se haja observado a exigência de forma e se inscreva. Se na cessão por escrito se deixou em branco o lugar em que deveria estar o nome do outorgado, entende-se que o recebedor da declaração de vontade pode encher o branco, com o seu nome, ou com o de outrem. A validade e a eficácia de tal cessão independem de se exigir, na espécie, ou não, a forma escrita. Quanto à construção jurídica, pensou-se em que tal titulo se faz ao portador, embora por algum tempo (enquanto não se enche), mas não há a regra jurídica que dê ao credor o poder de transformar em titulo ao portador os créditos que apenas permitem a cessão, tanto mais quanto faltaria o pressuposto da autorização de lei federal, a que se refere o art. 1.511. Também é de repelir-se a construção que reduz a cessão em branco a oferta de cessão a pessoa incerta, determinável pelo que recebe o instrumento da cessão, porque seria protrair-se a essa determinação o aperfeiçoamento da cessão, o que se chocaria com os fatos e com os efeitos reconhecidos à cessão desde que ela se fêz, e. g., ter-se-ia de considerar não havido, abrindo-se o concurso de credores ou a falência do cedente; seria penhorável no patrimônio do cedente (sem razão, portanto, A. VON TUHR, Der Augemeine Teu, II, 416). Em verdade, a cessão em. branco é cessão, desde logo e com tôda a eficácia, exceto a que depende da notificação ao devedor, pois a autorização de encher é o reconhecimento mesmo da estipulabilidade a favor de terceiro. (Claro que se há de pensar, a parte, nas espécies em que o efeito real exigiria a individuação do adquirente do direito, titular do direito real, e em que houve proibição de cessão em branco.) Para L. ENNECCERUS (Lehrbueh, II, 265), a cessão opera-se desde logo, mas a eficácia fica pendente; ao encher-se o documento, tem o enchimento efeitos ex time. Mas há, ai, confusão entre o ato jurídico e seus efeitos; os efeitos são os direitos, pretensões, ações, exceções, deveres e obrigações: se o ato jurídico não os produziu, a todos, cai-se na admissão da penhorabilidade do crédito ainda no patrimônio do credor cedente e na influência do concurso ou falência desse. Os efeitos são desde logo, exceto os que dependem da individuação do cessionário: é ineliminável a transferência ao que recebeu, a despeito de se não haver pôsto o seu próprio nome e a despeito de se vir a inserir o de outrem. Ainda a respeito dos endossos em branco, a circulação ao portador, intercalar, pode vir a ter efeitos práticos, e teoricamente os tem sempre. O contrato de cessão de crédito é negócio jurídico por ato dispositivo; quanto ao cessionário ou terceiro a favor

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de quem se dispõe, ato aquisitivo. A cessão pode ser a favor de terceiro. Também pode ser deixado em branco o nome do adquirente. É verdade que o art. 1.067 exige, para a eficácia em relação a terceiros, a observância do art. 135, porém isso não pré-exclui que se possa ceder por outro modo para efeitos em relação aos figurantes, nem a disposição a favor de terceiro supõe , na espécie do nome deixado em branco, que não tenha havido a assinatura dos figurantes e as mais formalidades que se possam ter satisfeito. Questão surge quanto à data da eficácia, em relação ao terceiro, isto 4, se , a partir do momento da inserção do nome, ou b) ex time (retroeficácia), ou e) a começar da irrevogabilidade da estipulação a favor de terceiro (cf, Código Civil, arts. 1.199 e 1.100). A opinião a) atende a que se cedeu ao figurante outorgado, para que Osse inserisse o nome, então já ato só seu. A opinião lã, de L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 299), parte do que se passa com os endossos em branco, pôsto que o não diga. A opinião e) faz depender da irrevogabilidade pelo cessionário, estipulante a favor de terceiro, a eficácia. Somente a opinião a pode ser acolhida, porque a inserção do nome do terceiro, que estava em branco, é outra cessão. Ou se raciocina assim, ou se deixa lapso entre o momento da cessão e o da inserção. A cessão de crédito, a favor de terceiro, cujo nome fica em branco, é cessão em que o cessionário, e não o terceiro, adquire, mas pode inserir o nome do terceiro. Não se trata, w6prtsmCflte de ELEmento do suporte fáctico da cessão, do ato diapositivo. O cedente dispôs. Alguém adquiriu. Não podia ter sido o terceiro. Foi, evidentemente, o cessionário, que Juntou, materialmente, ao negócio jurídico da cessão, o negócio Jurídico da inserção do nome do terceiro, para que o cedente nÃo põe opor ao terceiro as exceções que, sem a disposição com o nome do terceiro em branco, poderia opor ao cessionário. Se não consta a data da inser$o do nome somente se pode entender que foi imediatamente à conclusão do negócio jurídico, mas o cedente pode alegar e provar que foi posterior. 4. CREDITOO, PRETENSÃO E AÇÃO . Discute-se se pode ser cedido o crédito, reservada a pretensão, ou a ação, e a resposta bê de ser afirmativa (sem razão, O. WÁRNEYER, Kommentar, 1, 681, que não vê, aí, interesse pré-processual para o cessãonario). A afirmativa tem por si L. KUHLENEECK (.7. v. Staudutgera Kornmentar, 11, 451; cp. G. PLANCI< (Komsnentftr, Ti, 1, 551 sj. Ao cessionário, então, cabe receber o crédito; não exigi-lo, nem demandar por éle (G. PLANCK, Rorarnentar, II, 1, 552). Pode dar-se que se trate de cessão de crédito para encaixe (Inhasso, de mo4o que se cede para cobrança e depósito ou entrega (SCHÕNINGER, Forderungsabtretuflg zum Zweck dês Einzuga fcessãou zum Tnkassol, Archiv (<Ir die oivili.ati.sehS Praxia, 96, 168 s.), cessão fiduciária. A cessão de crédito com reserva da pretensão, ou só da ação, é dita cessâo qualitativa (P. KRIYCKMANN, Beschr&nkte? Rechtserwerb oder qualitative Teilung nach rbmischenl Recht, Archir flir die civiiiatische Praxis, 108, 377 a., nota 97). A cessão restrita ou qualitativa é classe, de que a cessão de encaixe (Inlcassozessãon), a cessão de segurança e outras formas são subespécies. Uma delas é a ceasdo quieta (stille Zessãon), pela qual se pré-exclui a exigência pelo cessionário para evitar abalo no crédito do cedente (308Ev ESSER, Lehrbuch de. Schtddrechts, 188). É de repelir-se a teoria que, devido a tais alterações à eficácia normal da cessão de crédito, a tem por nula. Também se permite a cessão plural de créditos, concebida como cessão de máximo (Maximalzessãon, pela qual se transmitem créditos como total, ou em globo, até certa quantia, com escolha pelo devedor (transmissão de gênero de crédito ou de gênero restrito, ou de objeto alternativo). O crédito que passa ao cessionário é o mesmo crédito, a que apenas se mudou o sujeito. As pretensões que já existiam transferem-se; bem asaim, as ações. Não há pensar-se em pretensões e ações que se moldaram pelas do credor anterior (cf. R. STÂMMLER, Das Reeht der Sehuldverhãltnisse, 203; E.PILOTY, Das Reiche- Unlallveraicherungsrecke, 1, 147; C. E. RIESENFELD, Das beaondere Haftpfliehtreeht der deutschen Ãrbeitaversieherirngagesetze, 94; Eaíca MICHELSEN, Der Forderungaiibergang lera/e Geaetzes [cessão legis] is historiseher und dogmatiacher Darstellung, 41), nem, tão-pouco, em (E.STÂMMLER, Das Rache der Schu.ldverhalenisse, 203; F.SCHOLLMEYER, Der gesetzliehe Eintritt is dia Reehte das GWubigers, 29; cf. A. ESSLEN, Der gesetzliche tibergang vos Forderusgarechees, 111 a.). A pretensão futura pode ser cedida. Bem assim, a ação futura. Podem ser cedidas tôdas as pretensões contra determinada pessoa, como as que nasçam contra possuidor atual, ou quaisquer possuidores futuros. Porém não a pretensão futura que nasça de crime ou contravenção penal, salva se em contrato de seguro. Surge, então, delicada questão: se A cede a B as ações futuras contra o possuidor atual, mas, após a cessão, A adquire a posse,

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j. pode B ir contra A? Negaram-no E.VON JEERINO (tlbertragung der rei virtdicatio auf Nichteigentiimer, .Tahrbiteher flir dia Dogmatile, 1, 110), A. EXNER (Dia Lehra vom Rechteer.werb dia-eh Traditios, 198 s.) e G. A. LEIST (Dia Sieherusg vos Forderung durch tYbereignung vos Mobilies, 29 a.); afirmaram-no O. BXrnt (Zur Cessãonslehre, Jahrbi4eher $r dia Dogmatile, 1, 444), H. DERNBURG (FandELEtes, 1, 7.’ ed., 524) e outros. Dubitativo, B. WINDSCHEm (Lahrbuch, II, 337, nota 5, depois da 5.’ ed., e. g., 9.’ ed., 396; antes pensava afirmativamente). A questão tem de ser posta, hoje, em Urinas precisos e de ser respondida com atenção a ser a posse poder fáctico. Assim, a) se o cedente adquiriu a posse que tinha quem dera ensejo às pretensões cedidas, não está livre de contra ele ir o cessionário; b) se o cedente adquire origiflâriamente a posse, ou de outrem que não a adquirira do possuidor que dera ensejo às pretensões, o cessionário não pode ir contra ELE; e) se a cessão foi para que o cessionário cio fOsse molestado pela posse de outrem, por lhe interessar que o proprietário a tivesse, ou esse interesse está satisfeito, e não se compreende que vá contra o proprietário, que obteve a posse, o cessionário, ou o proprietário não procede como fôra de esperar-se, e pode ir contra Me o cessionário como contra qualquer possuidor. § 2.823. Credibilidade e incredibilidade dos créditos 1.CONTEÚDO DO ART. 1.065 DO CÓDIGO CIVIL. Principio geral é o de que os créditos são cedíveis: “O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor” (Código Civil, art. 1.065). Em virtude do art. 1.078, também as pretensões reais e os direitos que não são créditos. O que se cede é o crédito, não a relação jurídica, e apenas se há de entender que se inseriu , na mesma relação jurídica, em lugar do cedente, o que não só a lei pode estabELEcer (cp. H. SIBER, em G. PLANCK, Komrttentar, II, 1, 555 s.) ; a própria eficácia, após a notificação, é eficácia do que se cedeu, e pois resultante da inserção na relação jurídica (cp. H. DEMELIUS, Vertragsúbernahme, Jherings JahrbUcher, 72, 241 s.; como dissemos, A. VON TUHR, Der Aligerneine Teu, 1, 220). A lei permite que a transferência se dê, com a substituição do credor. A cessão dos créditos futuros apenas exige que se haja caracterizado o que se cede, isto é, que. ao nascer o crédito, se saibA, ao certo, qual será o crédito cedido. O que é preciso é que não se precise de concretização quanto ao crédito cedido, pôsto o crédito cedido possa ser correspondente a dívida genérica. É da mais alta importância a distinção. No momento em que ao cedente nasce o crédito traspassa-se ao cessionário, mas a eficácia em relação ao devedor está sujeita à regra jurídica do art. 1.069 do Código Civil, bem assim, em relação a terceiros, à do art. 1.067, in une. Ocessionário adquire o crédito como sucessor do cedente, e não diretamente (SCIILTMAN N, 1)1* m &utsohen, franzôsischen und englischen Recht, 109; H. .RtYHL, Eigentumsvorbeha2tung und Ábzahlnngsgeschdft, 46; cfr. Fn. LEONHÂRD, Aligemeines Schuldrecht, 656; A. VON TUER, Der AU gemeine TeU, II, 862). Pode-se ceder todo o lado ativo da relação juridica <B. WINDSCHEID, Lehrbueh, II, 9.’ ed., 890, nota 13, e 415, nota 4), ou só o direito, & pretensão, a ação, ou exceção, cedível, que se aponta como objeto (CHE. F. MÚHLENERTJCH, Die Lehre von der Cessãon der Forderung8rechte, 3.a ed., 310 s.). Assim, quando dizemos que se cedeu a crédito, o que se cedeu foi tôda a eficácia do negócio juridico, ou do ato-fato juridico, ou da fato jaridico atricto aenn, IÇeito ou ilícito. Sempre que o crédito nio 6 a única e tôda a relação juridica que se irradia, há relação juridica ante8 dela, conceptual-mente, de que se originam créditos e, pois, relações juridicas. Então, é necessário frisar-se a diferença entre a relação juridica fundamental e as relações juridicas de crédito (e portanto de pretensões, ações e exceções) que derivam daquela. Os créditos a que correspondem obrigações naturais e aquELEs a que nia correspondem pretensões, ou ações, ou a que foi encoberta a eficácia (dívidas prescritas), podem ser cedidos. Nio seria possível, no tocante a pretensões que nA o existem, cederem-se as pretensões, porém nada obsta a que se ceda o crédito. Quanto às pretensões prescritas e às ações prescritas, existem, e podem ser cedidas, O que fio seria possfvel seria o mandatum agendi. Sem razão, ainda na direito comum,E.A. SCHWANEET (Die Naturalobligationen, 176 s. e A.SCHMID <Die Grundlehren der Cessãon, 1, 54 a.). Na jurisprudência está assente quanto à credibilidade do cr4ditas a termo ou sob condição 6. Câmara Civil da Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de agosto de 1948, 1?. dos T., 176, 307. 2.ÓBICES À CESSÃO DE CREDITO. O art. 1.065 do Código. Civil refere-se à natureza da obrigação, à lei e

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à convenção com o devedor, coma óbices à credibilidade. A natureza da obrigação impede a cessão se, admitido que e cedesse o crédito, se lhe alteraria o conteúdo. Exemplos de vedação legal da cessão têm-se na Constituição de 1946, arts. 155, parágrafo único, e 160. Há prestações a que por sua natureza não é indiferente quem seja o credor. Os exemplos mais rELEvantes aio o contrato de locação de serviços, o de mandato e gestão de negócio8 <e. g., gerência) e, de regra, o de locação de coisa. Dai os arte. 1.232, 1a parte (ins cogeres), 1.201, parágrafo único (ás diavoa*ivum), 1.300 (jus dispoBitivum). Idem, prestaçães derivadas de pré-contratos, sempre que está em causa o empréstimo ou outro negócio jurídico em que a pessoa do credor seja de importância para o devedor (e. o., locação de serviços ou de coisa). Em todo caso, a regra jurídica, não escrita, é dispositiva.. 8.CONTEÚDO INALTERÁVEL DO CRÉDITO E INCREDIBILIDADE. Os créditos que, satisfeitos a outrem, e não ao credor primitivo, seriam atingidas em seu conteúdo, nio podem ser cedidos. Tal ocorre às prestações de alimentos, às pretensões a receber empréstimo, porque a consideração da pessoa do mutuário ou do comadatário entra por muita (aliter, se apenas se trata de cessão da pretensão à entrega da quantidade mutuada), à prestação .o de locação de prédio, que somente é transferivel por cláusula expressa (ainda que possivel a sublocação, Código Civil, art. 1.201). A pretensão da emprêsa jornalística à prestação de serviços do redator político não pode ser cedida ao adquirente da emprêsa se há, com isso, mudança de políticas partidária <O. WÂRNEYER, Kombnentar, 1, 688). Tão-pouco é cedlvel a pretensão à inserção de anúncios ou reclames (A. ERNER, Zwei konkursrechtliche F’ragen aus dem Anzeigenrecbt Leipziger Ze4tschrift, VI, 54 s.). As quotas ou as aç6es em sociedades de navegação de cabotagem para transportes de mercadorias não podem ser cedidas estrangeiros, bem assim as quotas ou as ações de sociedades de armadores que façam o mesmo comércio (Constituição de 1946, art. 155, parágrafo única). Também as quotas e açoes de emprêsas 4.QUALIDADE DO CREDOR E INCEDIBILIDÂDE. A incredibilidade pode provir de qualidade da credor, ou a qualidade do credor ser ligada. Â pretensão entre sócias a liquidação e divi sdo (Auseinandersedungsanspruch) pode ser cedida. A pretensão do garante a liberar-se (e. g., Código Civil, arts. 985, II, e 1.495) e outras semelhantes não são cessiveis, salvo, quanto à do garante, ao credor garantido (FLECHTHEIM, Das Absonderungsrecht des “Dritten” im Konkurse deu Haftpflichtversicherungsnehmers, Leipziger Zeitschrift, II, 814; G. PLÂNCK, Kommentar, II, 1, 559; sem razão, HÂNS REICHEL, EGE. § 829, Leiptiger Zeitschrift, 1’, 406). 5.INCREDIBILIDADE POR LIGAÇÃO A DETERMINADA COISA. A intransferibilidade do crédito pode originar-se de relação com determinada coisa. Por exemplo: a prestação de gás e luz elétrica, porque só destinada a determinado espaço e não pode ser desviada para outro (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 689) a pretensão por futura reparação se o vizinho, não proprietário, prometeu abstenção ou ato positivo concernente ao uso do prédio. 6.OUTRAS ESPÉCIES. Se a prestação é indivisível, não há pensar-se em cessão de crédito quanto a parte da pretensão. Se é divisível e se acordou em que o credor tem de receber o todo, ou parte (Código Civil, art. 889, in tine), a pretensão é cessível e é de admitir a partilha da pretensão entre comuneiros por meio de cessão (HANS REICHEL, Die Schuldmiti2bernahnte, 459; J. BINDER, fie Korrealobligationen, 592; W. WESTERKAMP, Riirgschaft und Schuldbeitritt, 310). Odireito oriundo de oferta de contrato ainda não é crédito; não pode ser cedido (O. WARNEYER, Kommentar, !, 689). Todavia, pode a oferta prever a cessão (de direito, Código Civil, art. 1.078) e, aí, o direito é cedível. Idem, se de uso no tráfico. Os créditos litigiosos podem ser cedidos. Apenas a cessão é ineficaz com relação ao litigante ou litigantes contrários. De modo que o demandado pode ser condenado, se o cessionário também vai contra ELE. Na ação em que se fêz litigioso o crédito cedido apos a litispendência, o cessionário pode ser admitido como assistente equiparado ao litisconsorte, ao lado do cedente. A sentença tem eficácia de coisa julgada contra o cedente e contra o cessionário, que é sucessor. Os direitos que apenas se destinam a acompanhar outra relação jurídica (= não têm outra significação independente, = são dependentes ou resultantes), somente podem ser transferidos com os direitos a que se prendem. Por exemplo: os direito. reais de garantia, as pretensões a prestação de contas e a comunicações e avisos. Não assim

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se, a despeito de sua procedencia, têm valor patrimonial próprio, como as pretensões de juros e as pretensões oriundas de penas convencionais. ‘7. INCREDIBILIDADE LEGAL. Já falamos da incredibilidade oriunda de lei expressa e demos exemplos. O crédito absolutamente impenhorável é, de regra, crédito Incedivel (Código de Processo Civil, art. 941): os bens inalienáveis por fOrça de lei <art. 942, 1) com gravados de Inalienabilidado; os vencimentos doe magistrados, professOres e funcionários públicos, o sOldo dos militares, os salários e soldadas, alvo para pagamento de alimentos à mulher ou aos filhos, se o credor foi condenado a prestá-los (art. 942, VII); as pensões, tenças e montepios, percebidos dos cofres públicos, de estabELEcimentos de previdência, ou provenientes de liberalidade de terceiro, e destinado. ao sustento do credor ou da família (art. 942, VIII); a prestação do seguro de vida (art. 942, XIV); os rendimentos de bens inalienáveis destinados ao sustente de incapazes, mulheres viúvas ou solteiras (art. 943, 1). Se o crédito é incessível por ser impenhorável, mas só o tem parte, pode ceder-se o que escapa à impenhorabilidade (L.KUHLENEECK, J. v. Staudin gera Kontmentar, II, 457; G. PLANa, Kommentar, II, 1, 563). 8.“PÂcTUM DE NON CEDENDO”. A cessão pode ser pré--excluida pelo cedente, ou pelo credor cessionário, em convenção com o devedor. A convenção entre o cedente e o cessionário só tem eficácia pessoal. O assunto merece trato especial. § 2.824. «Pactum de nazi cedendo” 1.“CONVENÇÃO COM O DEVEDOR” (CÓDIGO CIVIL, ART. 1.065,“IN TINE”). A credibilidade pode ser pré-eliminada pelos contraentes; ou pelo devedor em virtude de negócio jurídico unilateral. A incredibilidade pode ser restrita; e. o., se se estabELEce que somente pode haver cessão com o assentimento do devedor, ou somente a determinada pessoa, ou a determinadas essoas, ou com observância de certas regras sobre forma (O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 562). Odevedor não pode impedir que o credor ceda o crédito. Todavia, pode o devedor pactuar de non cedendo. Não importa qual o motivo que sugeriu ao devedor estipular a incredibilidade do crédito. A incredibilidade pode ser restrita no tempo (não pode o credor ceder no primeiro ano, ou até 31 de dezembro de 1959, inclusive por meio de condição (e. g., se o credor assinar a escritura de transmissão da propriedade do prédio a). A ineficácia da cessão de crédito se houve infração da incredibilidade oriunda de negócio jurídico é erga omnes, se houve registro, ou se o pacto consta do negócio jurídico de que resulta o crédito e a cessão tem de ser com o conhecimento do instrumento do negócio jurídico. Sempre que a eficácia é erga omnes, entendem-se incluídos os credores do cedente. A ratificação pelo devedor eficaciza a cessão de crédito com infração da incredibilidade de origem negocial. Se a cessão foi pré-excluída em convenção entre o credor e terceiro, a eficácia de tal pré-exclusão é só pessoaL de modo que não se torna incessível o crédito. Mas a convenção entre o devedor e o credor, anterior, simultânea ou posterior ao contrato, estabELEce a incredibilidade, o que significa atribuir-se qualidade objetiva ao crédito (BRÚcKMANN, Bedeutung und Tragweite des Abtretungsverbots aus § 399 BGB., Seu! Jerts Bldtter, 71, 437 s.; L. RAAPE, Das .qesetzUche Verdusserun gsverbot des SOB., 171 5.; II. KAUFMANN, Das Eigenturn amGesellschaftsvermàgefl, 40). Opactum de non cedendo pode referir-se a dívida futura, ou a dívida a têrmo ou condicional (O. WARNEYER, Ko’mhtentar, 1. 690. O iador pode convencionar com o credor ou com o credor e o devedor a incedibílidade do crédito; só na última espécie o créditose torna objetivamente incessível (cf. P. OERTMANN, Recht der SchuldverMitnisse, 311). O crédito não pode ser cedido se foi pré-excluída, pelo devedor, a cessão, em acordo com o credor, ou vice-versa (ali, o devedor ofertou a pré-exclusão; aqui, o credor, mas os acordos de pré-exclusão não apresentam, uma vez concluídos, qualquer diferença). A cessão pode ter parecido incômoda, ou agradável, ou inoportuna, para qualquer dos figurantes, mais frequentemente para o credor. O acordo pode anteceder ou suceder à constituiçãO do crédito, O crédito fica privado de 06dibiiidJItU, em vez de apenas ser obrigado o credor a não ceder. É o que resulta das palavras do art. 1.065, in fine, do código Civil. A cessão contra o que foi convencionado não tem eficácia, em relação a todos, inclusive os credores do cedente. Não se trata de simples proibição de alienar, mas sim de irta1ienabiUdf14« do direito, estabELEcida por acUdo do

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devedor e do credor (e não de pacto de ineficácia relativa, isto é, só em relação ao devedor, WÚNSCHMANN, Vom pactum de mm cedendo, Grvichots Beitrâqe, 54, 222 s. e 205; nem simples obrigação que o credor assumiu, como guerisim L. ENNECCERUS, Lehrbuch, 11,

267, P. OERTMANN, R&cht der SchuIdvCrhdltflíSSC, 311 s., 11. REHBEIN, Das Euirgerliche Gesetzbuch, II, 388, cf. PALANDT, Biírgerliches Gesetzbitch, 14a ed., 417). A opinião certa está em E. SIEER (O. PLANCK, Konzmefltar, II, 1, 563), E. KAUFMANN (Das Eigentum am GesellschaftSvermbgefl, 40) e L. RAAPE (Das gesetzliche Verãusserung& verbot, 171). Se o devedor aprova a cessão feita com infração do art. 1.065, in fine, passa a ser eficaz, por analogia do art. 1.343 do Código Civil (E. KRESS, Lehrbuch des Allgemeinefl Schuldrechis, 501; PE. HEcK, Grundriss des Schuldreckts, 197; H. SIBER, em O. PLANCK, Kommeflttlr, II, 1, 562; 1?. OERTMANN, Recht der Schu1dverMltflSe, 311; F. SCHOLLMEYER, Recht der Sehuldverh?iltfliSSe, 365), salvo se a incredibilidade foi preestabELEcida a favor de terceiro. 2. FORMA DA CLÁUSULA OU DO PACTO DE NÃO CEDER. A cláusula de não ceder tem de ter a forma do negócio jurídico em que se insere. Ao pacto anterior ou posterior é de exigir-se a forma do negócio jurídico de que vai fazer parte, se a lei impôs aquela forma ao negócio jurídico (diferente na doutrina alemã, onde ao pacto posterior não se exige a mesma forma, cf. O. PLANCK, Kommenttir, Ii, 1, 562, o que é de repelir-se, de lege ferenda4P. Todavia, o pacto sem a devida forma tem efeito obrigacional entre devedor e credor. A cessão que não obedeceu à forma que seria a sua (e não foi estabELEcido com o devedor o emprêgo da outra forma de ao credor. Será nula se a que se usou) é ineficaz em relação cessão.forma foi imposta por lei à propriamente. A credibilidade pode exaurgir .A destinação de prestação do seguro reconstrução pré-exclui que se essa ceder o construtor. de ceder De lege lata, o Código Civil no? . 145v II, considera causa de nulidade o ser ilícito ou impossivel o objeto do negócio jurídico. A alienação dos bens inalienável nula. 3.ELIMINABILIDADE DA INCREDIBILIDADE. Salvo quando a lei co«ente faz incedível o crédito, podem os interessados fazê-lo cedivel. As circunstâncias podem vir a tornar admissível , mas, para que isso se dê, é preciso que se possa interpretar que os interessados assim entenderiam (O. WÃaiaxn, Kommentar, 1, 689). fi 2.826. Cessão fiduciária de direitos 1. CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITO DE TRANSFERÉNCIA DA PROPRIEDADE. A transmissão fiduciária pode ser entre vivos e a causa de morte: Os princípios são os mesmos, exceto no que influi o art. 1.572 do Código Civil (saisina). Conforme o direito que se transfere fiduciàriamente, ou há cesado de direito ou transferência da propriedade, ou de direito real limitado (e. g., do direito enfitêutico). Há, portanto, duas espdcies de transferências fiduciárias: a cessão fiduciária e a transferência da propriedade, dando ensejo à tit’ilaridade fiduciária do direito pessoal, ou à titularidade fiduciária do direito real. A transferência fiduciária, por cessão ou por transferência da propriedade, só o é porque fica sujeita a fim, que não do da transmissão mesma e implica a reversão ipso jure, ou o dever do fiduciário de retrotransmitlr. Uma das espécies é a trans/e-réstia fiduciária para segurança. Tem-se discutido se é preciso, ou não, legislar-se especialmente sobre os negócios juridicos fiduciários, ainda em se tratando de negócios de crédito internacionais (ERNST WINCIER, Empfiehlt sich eine gesetzliche Regelung des Treuhãnderverhãltnisses?, Deutsche JuristertZeitung, 36, 1135 s.). Há. conveniência em se pôr em regras jurídicas escritas o que a doutrina assentou, mas a discussão oriunda de países em que ainda não se chegou à precisão dos princípios pode prejudicar, de muito, a obra legislativa. 2. CONSTITUIÇÃO E EFICÁCIA DA CESSÃO FIDUCIÁRIA. A cessão fiduciária é espécie de transmissão fiduciária, como o é a transferência fiduciária da propriedade. Ao cedente, como ao transferente da própriedade fiduciária, fica direito contra ocessionário, ainda em caso de concurso ou de falência, se não se trata de cessão de segurança, isto é, cessão pela qual se transfere ao cessionário o crédito para se pagar, se não

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fôr até certo termo ou condição solvida alguma divida. A cessão de segurança não pode ser revogada; não assim, a que se faz somente no interesse do cedente (cessão para cobrança, em que a transferência apenas serve à outorga do poder de cobrança). A cessão para cobrança contém cessão (transferência de crédito) e outorga de poder de cobrar, de modo que deixa de ser com causa a transferência desde o momento em que se extingue, ainda em virtude de revogação, o poder outorgado. Revogada a outorga do poder, fica sem causa a aquisição da propriedade pelo cessionário, podendo o cedente exigir restituição (retrotransferéncia). O devedor, devido à natureza abstrata da cessão, somente pode deixar de pagar ao cessionário, se, ao ser notificado da cessão, ou ao dar-se por ciente, lhe foi comum cada a fidúcia (cf. Código Civil, art. 1.069). A cessão fiduciária para segurança opera-se como as demais cessões de crédito, desde que se contrai, ainda que se não haja notificado o devedor, ou esse dela não tenha ciência. O ad. 1.069 só se refere à eficácia, não à existência ou à validade da cessão, a despeito do “não vale” que ai se pôs, por incuria legis. Por isso, os comerciantes e industriais podem e costumam descontar nos bancos e casas bancárias, ou com particulares, os créditos contabilizados, cedendo-os fiduciáriamente para segurança dos seus empréstimos sem terem de notificar o devedor (cf. H. HOENIGEL Die Diskontierung von Ruchforderuw. gen, 8 s.). 3.CESSÃO FIDUCIÁRIA PARA SEGURANÇA. Na cessão fiduciária de segurança, o cessionário pode cobrar o crédito quando já exigível, no seu interésse (pois que foi garantido com a cessão) e no do credor cedente, que se libera e tem direito a receber o excesso sobre o seu débito. Por onde se vê que, ao se tornar exigível o crédito cedido, tem o cessionário autorização de cobrar. L. ENNEcCERUS e H. LEHMANN (Lehrbuch, II, 3l.-35. ed., 526, nota 6) viram nesse plus mandato, e não autorização (Ermdchtigung) ; mas sem razão, porque, se a exigibilidade da dívida do cedente foi anterior à do crédito cedido, não se pode pensar em ter havido mandato, que é negócio jurídico bilateral, e o cessionário não pensara nisso. A respeito da cessão fiduciária para segurança, só há retrotransferência 4so iure (reversão automática, como se dá com a propriedade imobiliária resolúvel), se a cessão fiduciária foi sob a condição resolutiva de ser solvida a divida pelo cedente. A opinião de L. ENNECCERUS, nas edições até a gQa ed. do Lekrbuch <§ 80,1V), entendia que, ainda aí, ao cedente somente nascia exceptio doU contra o cessionário se esse exigia o crédito, a despeito de se ter extinguído a dívida. Contra isso, há argumentos decisivos: nem sempre há má fé, dolo, do cessionário; não é contrária aos princípios a resolução flso jure, isto é, com a reversão automática, pois é o que se passa em casos similares (quanto ao penhor, Código Civil, art. 802, 1; quanto à hipoteca, art. 849, 1). Como determinação mexa à cessão fiduciária para segurança, está o ato-fato jurídico do pagamento: se o cedente paga, resolve-se a cessão, e dá-se a reversão ipso jure, o zpso-zure Rúckf ali. 4.CESSÃO FIDUCIARIA DE CREDITO PARA COBRANÇA. A cessão fiduciária para cobrança tem por baixo a outorga de poder e normalmente não se tem de retrotransferir o crédito, porque, com o recebimento, o cessionário se torna do que recebeu devedor ao cedente. Não é o mesmo entregar-se somente para cobrança, como se há outorga de poder de receber, sem ser de mandato; porque, aí, verdadeiramente, não há cessão: o crédito continua sendo do outorgante; tudo se passa no interesse desse, de modo que o devedor pode compensar contra o crédito, que se cobra, crédito contra o outorgante, ainda que posterior à outorga; e não pode compensar contra o crédito, que se cobra, o crédito contra o outorgado. Tal outorgado não pode ceder o crédito: não é o credor. Nem o remitir: não é o credor, O outorgante pode revogar a outorga, salvo pacto em contrário. Mas tal revogação tem de ser notificada, ou ser conhecida pelo devedor, para que seja eficaz em relação a ELE (analogia com o art. 1.318 do Código Civil). 5.CESSÃO FIDUCIÁRIA E AUTORIZAÇÃO . Havendo, no sistema jurídico, a figura do mandato, é útil a figura da outorga de poder, da “autorização”, da Errnàchtigung? A autorização é declaração unilateral. Se se insere cláusula de ser aceita pelo outorgado, tal cláusula é condição e só diz respeito à eficácia, não à composição do negócio jurídico (cf. Tomo III, § 278, 2). O mandato é contrato. Com a autorização, o outorgado está investido de poder; de tal jeito que pode alienar o que é do outorgante, ou cobrar ao devedor o crédito do outorgante, em seu próprio nome. O devedor tem de pagar ao outorgado, porque o outorgado tem o poder de cobrar e receber, sem que possa objetar, como não poderia se se tratasse de mandato. Para o devedor, é indiferente que o poder de quem lhe cobra a divida ao outorgante tenha emanado de negócio jurídico bilateral ou de negócio jurídico unilateral: a sua posição é a mesma; é a mesma, perante o devedor, a de quem cobra. Na cessão plena, fiduciária ou não, há transmissão do crédito; no mandato e na autorização, só se outorga o poder concernente ao crédito (e. g., cobrar). A diferença é a mesma que entre transferir a propriedade, fiduciàriamente

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ou não, e dar poder de cortar as árvores, jogar fora as frutas imprestáveis, entregar as chaves ao inquilino, levar ao conhecimento da polícia que os ladrões roubaram gado. É preciso limpar-se a doutrina de alguns conceitos errados de autorização, de cessão e de mandato. Tratando-se de cobrança, há cessão fiduciária para cobrança, mandato de cobrança e autorização: a cessão fidjciária para cobrança não é, de modo nenhum, outorga oculta de poder de representação, como pareceu ao juiz SCHÓNINGER (Forderungsabtretung zum Zweck des Einzugs [Cessãon zum Inkasso], Archiv flir die eivilistische Prazis, 96, 163 sj, nem outorga irrevogável de poder de Cobrança, como pretende H. SIBER (G. PLANCK, kommentar, 6.CESSÃO FIDUCIÁRIA DE AÇõES NOMINATIvAS. Na prática e na doutrina assenta-se que as ações nominativas podem ser cedidas fiduciàriamente. Escreveu TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE (Sociedades por Ações, 1, 194) que não temos a transferência das ações nominativas em garantia. Temos, no entanto: a) a cessão fiduciária das ações nominativas, com a condição de resolutividade, que pode constar do livro de transferências e deve constar se se quer que se opere ipso iure a reversão; lO a cessão fiduciária das ações nominativas incondicional, com a obrigação, sob condição suspensiva, se algum fato ocorrer (e. o., o pagamento da dívida do fiduciante, se se trata de cessão fiduciária para segurança) ; c) a autorização para ceder; e d) a procuração para ceder. A forma da autorização e da procuração não precisam de constar do livro da sociedade por ações. Nenhuma base se poderia apontar para que se afirmasse não se ter, no direito brasileiro, a transferência fiduciária das ações nominativas: basta que se tenham satisfeito os pressupostos de forma e de conteúdo da transferência e que haja, a mais, a fidúcia. Por outro lado, não se pode afastar o fideicomisso de ações nominativas, condicional ou a termo (Código Civil, arts. 1.733-1.740). 7.TRANSMISSÃO FIDUCIÁRIA DA PROPRIEDADE MÓVEL. Na transmissão fiduciária da propriedade, inclusive de títulos ao portador e de títulos endossáveis, o fiduciário passa a ser dono do bem móvel ou imóvel, mas tem de voltar ao fiduciante a propriedade, ou em virtude de resolução da propriedade 4so jure, ou porque ocorreu a condição suspensiva para o nascimento da obrigação de restituir. O fim que se tem com a fidúcia exprime-se na condição, que se concebe, fazendo resolúvel a propriedade, ou suspensa a obrigação de restituir. Tal fim pode ser o de segurança. A transferência fiduciária de propriedade tanto pode concernir a bens corpóreos quanto a bens incorpóreos suscetíveis de direitos reais. O fiduciário é proprietário em relação a todos, inclusive o fiduciante. Qualquer direito do fiduciante no concurso de credores ou na falência do fiduciário é ligado ao que constitui a fidúcia, e não ao que constitui o direito de propriedade, como, no concurso de credores ou na falência do fiduciante, o fiduciário só tem direito ligado ao que concerne à definitivídade da transmissão, afastada a condição resolutiva (e. g., a satisfazer-se com o bem, em caso de transferência fiduciária para segurança). Não se pode dizer que a transferência fiduciária da propriedade seja cripto-penhor (GRÚNEBATIM, Die Mobiliarhypothek im Interesse unseres Wiederaufbaues, Devtsehe Juristen-Zeitung, 25, 585 s.) ; nem cabe, no direito brasileiro, que admitiu a propriedade resolúvel, ainda em se tratando de imoveIs, arrolarem-se argumentos contra o instituto que, a despeito do que escreveram H. HOENICER (fie Siúheri,ngsiibereignunq von Warenlagern, 2a ed., § 3) e MARCK <Ztir Konstrulçtion der Sicherungsúbereignung Deutschc Juristen -Zeitung, 18, 343 s.), se introduziu na doutrina, depois de se haver implantado na prática. Na transmissão fiduciária, o fiduciário é possuidor em seu proprio nome, não é possuidor imediato, ou mediato, tendo posse própria o fiduciante, êrro de MARTIN WOLFF (Lehrbuch, III, 27.-s2.a ed., 25, nota 10) que combatemos (X, § 1.071, 5, e Questões Forenses, IV, 446 5.; com razão, HECKELMANN, § 868 BGB. unri die Rechtsprechung des Reichsgerichts zum Stcherungsúbercignungsvertrag Leipziger Zeitschrift, IX, 1.429 s.; O. WARNEYER, Kominentar, II, 18). Já escrevemos alhures: A questão tem preliminar, que é a de existir e valer, na espécie, a fidúcia. Tem-se, aí, a figura contrária da reserva de domínio: o domínio vai, e fica ao transmitente, que se fiou no adquirente, apenas a eficácia que se irradia da relação jurídica de direito das obrigações, inclusive, se houve condição resolutiva, o direito à separação da massa concursal, se tem os requisitos de publicidade, e para se embargar de terceiro a execução do bem como do fiduciário. Dir-se-á, que, havendo a relação jurídica de direito das obrigações (administrador mandatário, credor pignoratício, cobrador, locatário), há de haver posse do fiduciante, e, pois, mediatização dela, pela natureza da relação jurídica entre ELE e o fiduciário. Porém a mediatização da posse não depende só de ter posse o que está em relação jurídica de direito das obrigações, ou de outro ramo de direito pessoal, com aquELE de quem na houve, é de exigir-se que o transmitente também tenha posse. Assim, o problema reduz-se ao de se saber se o fiduciante conserva a posse. Primeiro, o proprietário sem posse pode transmitir fiduciàriamente (e. g., em fidúcia para garantia ao advogado

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que vai pedir ou recuperar a posse). Segundo, casos há em que, pela associação com o constituto possessório, o fiduciante fica com a posse,-mas posse de possuidor imediato, sendo mediato o fiduciário. Se a transmissão fiduciária nenhum acordo contém sobre a posse, toda a posse está com o fiduciário, porque a posse é fato e perante o alter. As3m como o locatário, antes de ter consigo a coisa locada, não é possuidor, assim também o fiduciante, se nao fica com algo da posse (e. g., constituto possessório), não é possuidor. Se o fiduciário recebeu a coisa com a obrigação de, após a transmissão, dar a posse ao fiduciante, o fiduciante imediatiza-se e mediatiza-se o fiduciário. Não nos esqueça que a propriedade é direito absoluto, e há a impossibilidade de se tirar, in abstracto, à propriedade todo o direito a posse, sem regra jurídica especial, como a respeito da compra-e-venda com reserva de domínio. A transmissão da propriedade para segurança consiste em O devedor transmitir ao credor a propriedade da coisa, mas convencionando que o credor, solvida a dívida, a restitua. Tal restituição ou se opera ipso jure, ou é conteúdo de obrigação do fiduciário. No direito romano só havia a transmissão incondicional. A propriedade fiduciária, resolúvel, é de origem germânica (II. BRUNNER, Forschungen zur Geschichte des deutsch,en und franzõsischen Rechtes, 620 s.). No direito romano, a fidúcia pura era a fiducia cum amico contracta; a fidúcia impura, fiducia cum creditore contracta, sem q te a propriedade fôsse resolúvel. Hoje, tanto na transmissão fiduciária pura quanto na impura, ainda que não se trate de fiducia cum credit ore contracta, pode haver a resolutividade da propriedade. O direito expectativo do fiduciante é, na transmissão fiduciária da propriedade com reversão ipso jure, direito expectativo à propriedade; na transmissão fiduciária da propriedade sem reversão ipso jure, à restituição (obrigação do fiduciário). Na transmissão fiduciária da propriedade mobiliária, inclusive dos títulos endossáveis e ao portador, para segurança, ou a) se concebe a propriedade sob a condição resolutiva da solução da divida (paga a dívida, reverte a proptiedade, automàticamente), ou b) se concebe incondicionalmente a propriedade, mas ligada à obrigação, para o credor, de retrotransmitir a propriedade, se fôr pago, obrigação que está sujeita, portanto, à condição suspensiva da solução da dívida. Se foi adotada a transmissão fiduciária para segurança com a figura da classe a), ou com a figura da classe b), é questão de interpretação do negócio jurídico. § 2.827. Eficácia da cessão de crédito 1.INICIO DA EFICÁCIA. A eficácia do contrato de cessão de crédito começa com a própria conclusão. Concluso o contrato, transfere-se o crédito. Credor é o cessionário, desde que ficou perfeito o negócio jurídico bilateral; pois o cedente deixou de ser o titular do direito de crédito. Não era assim no direito comum, a despeito das discussões. A opinião predominante era a de que o crédito só se transferia com a denuntiatio, ou ato que a ela equivalesse (e. g., aceitação de pagamentos parciais, propositura de ação). Aliás, era não atender-se à L. 16, pr., D., de pactis, 2, 14, onde ULPIANO fala de exceptio doU contra o outorgado demandante (cp. L. 18, pr., li, de pignerat leia actione veZ contra, 13, 7), e à L. 17, D., de transactionibus, 2, 15, onde se cogita da pretensão do devedor contra o outorgado se, ao tempo do negócio jurídico, não tivera notícia déle <exceptio transacti negotii debitori propter ignorantiam suam accommodanda est). No direito comum havia três atitudes doutrinárias: a) a dos que entendiam que, após a cessão, inclusive a legal, só o credor cedente é credor, o cessionário só se faria credor com a notificação ao devedor, sem se precisar de qualquer tomada de posse, antes o seu direito é somente contra o credor cedente (B.WINDSCHEID, fie Actio des ràmischen Civilrechts, 140 s., que depois mudou de opinião) ; lO a dos que viam correalidade ativa entre o cedente e o cessionário, até que se notificasse o devedor ou por outro modo do ato ficasse ciente o devedor (CHR. F. MÚHLENBRUCH, fie Lehre vou der Cessãon der orderungsrechte, 33 ed., 491 e 501; G. F. PUCHTA, Cessãon,j.WEISKE, Rechtslexikon, II, 654; ATTENHOFER, fie Bedeutung der DenunciatiOn bei der Cessãon nach heutigem praktischem Recht, Zeitschrift des Rernischen Juristenvereins, 17, 572 s.) e)a dos que têm a cessão, logo que se conclui, por eficaz para a transferência, de modo que o cessionário é o

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único credor (O.BÀHR, Zur Cessãonslehre, Jahrbiicher fur dia Do.qrnatilc, 1, 369 s.; A. ScHMID, fie Grwndlehren der Cessãon noch rõ,nischem Redil dargesteilt, II, 296 s.), IR. DERNBURG (Pandekten, II, 73 ed., 136 s.), RICHARD RYCK (Die Lehre von den Schuldverh,dltnissefl, 487), O. RUER (Dia sogenannte cessão legis, 35) e outros. A distinção entre eficácia completa e eficácia subjetiva-mente relativa ainda era pouco conhecida e superficialmente estudada. O que hoje podemos dizer é - que a transferência e outros efeitos ocorrem à conclusão da cessão, porém dependem do conhecimento pelo devedor os efeitos que, se os tivesse antes, lhe seriam lesivos (ineficácia relativa). No direito contemporâneo, a transferência opera-se, cabalmente. Não há pensar-se em pretensão e ação do cedente contra o devedor para o cumprimento da obrigação. Não é mais credor. -Credor é o cessionário. A cessão do crédito oriundo de contrato bilateral é eficaz ainda antes de se fazer a contraprestação. A exceção non adiinpleti contractus ou non rite adimpleti contractus pode ser oposta contra o cessionário. O que não há contra ELE é ação fundada na obrigação de contraprestar, porque só se lhe transferiu o credito, não a dívida. Do contrato de cessão de crédito, que é acordo de transmissão com eficácia imediata, não exsurgem direitos e obrigações para o cedente e o cessionário, salvo os que resultam do art. 1.073 do Código Civil e de ter de entregar ao cessionário os documentos do crédito cedido e indicações necessárias ao exercício do direito, pretensões e ações e documento da cessão (O. WARNEYER, Komment ar, 1, 680). Com a cessão, o cessionário adquire o direito de crédito, com as pretensões, ações e exceções que dELE se irradiam. Pode dar-se que o crédito não seja munido de pretensão, ou de ação, ou esteja prescrita. Às vêzes a jurisprudência não atende à concepção do contrato de cessão de crédito, tal como se apresenta no direito civil brasileiro. Perambula pela doutrina estrangeira, sem fixar-se nos textos do Código Civil. Por outro lado, a ignorância da diferença entre existência, validade e eficácia chega a afirmações contristadoras (e. g., o acórdão da 5a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 7 de junho de 1949, 1?. dos 2’., 188, 402). 2. DIREITOS ACESSÓRIOS, DIREITOS SECUNDÁRIOS E DIREITOS AUXILIARES. Ao concluir-se o contrato de cessão de crédito, transfere-se esse ao cessionário, que é o nôvo credor. A transferência é ccn as vantagens e as desvantagens. As expressões “com todos os direitos e privilégios” e outras semelhantes apenas e*plicitam o que o sistema jurídico determina, implicitamente. “Salvo disposição em contrario”, diz o Código Civil, art. 1.066, “na cessão de um crédito se abrangem todos os seus acessorlos . (Aqui, a expressão “acessório” tem tôda a propriedade. Aliter, nos arts. 58, 59, 60, 61, Q2, 21% 716, 810, II, e 864.) Oart. 1.066 é ius dispositivum, e não cogente. Os direitos acessórios podem ser pré-excluídos da cessão. o que significa o “Salvo disposição em contrário”. A explicitude do Código Civil, art. 401, foi melhor solução que a lacuna do § 401 do Código Civil alemão; porém também nesse se entende dispositiva a regra jurídica (L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 457). A hipoteca, o penhor e a caução acompanham o credito; bem assim as pretensões que dELEs derivam. Para bem se colhêr o conteúdo do art. 1.066 que se refere a direitos acessórios, mas devemos entender direitos acessórios e direitos anexos é preciso que se distingam os direitos auxiliares e os não auxiliares. (a) Os direitos auxiliares (Hillsrechte) são os que asseguram ou facilitam a realização ou exercício do direito, direitos, esses, que se transferem, com o crédito cedido, ao cessionário, salvo cláusula em contrário do contrato de cessão de crédito. No direito brasileiro, a hipoteca só se transfere com o crédito que ela garante, pôsto que o crédito possa ser transferido sem se transferir a hipoteca (Tomo XX, § 2.455, 2; aliás, pode haver aquisição da hipoteca sem aquisição do crédito, 3). Diferente,o direito alemão. O direito de penhor e as fianças são direitos auxiliares. Se há cessão do crédito, com exclusão do direito de penhor, extingue-se o penhor; entende-se que houve renúncia do credor (Código Civil, art. 802, III). Quanto à fiança, exclui-la da cessão é extingui-la. A opinião que não admite a exclusão é de repelir-se (e. g., O. WARNEYER, Koinmentar, 1, 692; com razão, G.

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PLANCK, Kommentar, II, 1, 565; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 271) ; outrossim, a que entende continuar o fiador responsável ao cedente pelo pagamento da divida ao cessionário (e. g., L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 271). Os créditos e pretensões oriundos de penas convencionais são direitos e pretensões auxiliares. Idem, a pretensão à apresentação de contas. Os direitos e pretensões fiduciàriamente transmitidos eín garantia do crédito não são simples direitos auxiliares, apesar de serem direitos de garantia, nem o fiduciante pode transmitir o direito, nem há ação do cessionário contra o cedente para haver o que foi dado em fidúcia para segurança (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 271, nota 20; sem razão, O. WARNEYER, Komment ar, 1, 693). A propriedade reservada <reserva de domínio) até solução da dívida não se transmite com o crédito (O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 564; R. JAFFÊ, Der Eigentumsvorbehalt beim Kauf BGB. § 455, 46, 64 s.; E. JAEGER, Kornmentar zur Konkursordnung, 43 ed., 193; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 693; sem razão, A. SCHLOT’rER, Eigentumsvorbehalt im Konkurse des Verkãufers, Leipziger Zeischrift, 1’, 49). Quanto às penas convencionais, transferem-se com o crédito, porém não as vencidas, moratórias (Tomo V, § 575, 6). Não se transfere, a despeito da sua acessoriedade, o direito de retenção (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 816.; O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 565; L. KUHLENUECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 457; F. SCHLEGELBERGER, Das ZurUckbehaltungsrecht, 108; cp. 1H?. EMMERICH, Pfandrechtskonkurrenzen, 285). Os direitos auxiliares, direitos que só se destinam à segurança ou à realização do crédito, transferem-se com o crédito ao ce9¶ionário. A regra jurídica é ius dispositivum, como resulta do próprio texto do art. 1.066 do Código Civil. Assim, a trans- lação ocorre a respeito da hipoteca ou do penhor, bem como dos direitos que derivam das protocolizações, averba ções e anotações preventivas (e. g., Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, arts. 178, a), III, IV, V, VI, VII e XIII, 208, 209, 216, 262, 279-281, 284 e 285). Outrossim, quanto às fianças. Se se pré-exclui da cessão o direito de penhor, extingue-se ELE, salvo se o acordo de constituição previu que continuaria a garantir ao cedente o adimplemento ao cessionário (cf. Código Civil, art. 802, IV). Discute-se se (a) o cedente pode reservar-se o direito contra o fiador (= o cessionário tem a pretensão contra o devedor e o cedente contra o fiador), ou se (b), pré-excluída da cessão a fiança, necessàriamente se extingue. Como em (14, Ii.Rnss (Lehrbuch das Allgemeines Schuldrechts, 508), E OERTMANN (Recht der Schuldverhàltnisse, 1, 53 ed., 2), PALANDT (lihirgerliches Gesetzbuch, 163 ed., 417) ; como em (a), A. VON TUME (fer Aligemeine 2’eil, 1, 234), FR. LEONHARO (Aligemeines Schuldrecht, 665) e II. SíBn (O. PLANCK, Kommentar, , 43 ed., 565). A verdadeira solução (e) é a que distingue: se o credor cedente garantiu a solvência do devedor, pode ter interesse em satisfazer, desde logo, o cessionário, e ir contra o fiador. Ocrédito contra o fiador é que não pode ser cedido sem o crédito principal, porque se trata de crédito acessório que de modo nenhum poderia interessar sem a cessão do crédito principal. Se foi pré-excluída da cessão a fiança, continua o fiador de responder ao cedente pelo adimplemento ao cessionário. t de repelir a opinião que diz ser impossivel a cessão do crédito de fiança sem a cessão do crédito garantido ou principai, se foi previsto que, cedendo-se o crédito a, a fiança continuaria, garantindo o crédito b, e assim por diante. No direito comum, B. WINDSCHEID (Lehrbuch, II, 93 ed., 391) sustentou a tese geral da transmissibilidade da fiança, contra CHE. F. MUHLENRRUCI< (fie Lehre von der Cessãon der Forderungsrechte, § 28), O. E. PUCHTA (Pandekten, 93 ed., 436), K. AD. VON VÁNGEROW (Lehrbuch der Pandekten, III, 7.¶ ed., 108) e C. F. F. SINnNIS (Das praktische gemeine Civilrecht, 801). A tese da credibilidade em separado só é de admitir-se se foi previsto no contrato de fiança. Em geral, contra a cessão da fiança sem a divida garantida, P. OERTMANN (Recht der Schuldverhiiltnisse, 312), H. DERNBURG (Das Euirgerliche Recht, II, 1, 384), HANS REICHEL (Die Schzddmituibernahme, 459, E. BENDIX dHe Haftung fúr den Rechtsbestand von Rechten [Forderungen], Archiv fiir Ritrgerliches Recht, 32, 325), e W. WESTERKAMP (Ruirgschaft und Schuldbeitriti, 390); contra, H. SIBER (em O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 565). (b)Os direitos que não são auxiliares, já vencidos, não se têm por transferidos, dispositivarnente. Na doutrina alemã, tem-se procurado introduzir regra jurídica interpretativa não escrita, que permita levar-se em conta, na

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interpretação, serem acessórios ou secundários e, pois, formarem todo econômico. Porém essa regra jurídica não está no direito brasileiro. E. g., ou a interpretação tem meios para afirmar que foram cedidos os juros vencidos, ou não os tem. A 6.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 23 de agôsto de 1946 (R. F., 110, 148), considerou transferidos ao cessionário os juros convencionais vencidos anteriormente à cessão. Sem razão. Seria preciso que se houvessem cedido, ou que o vencimento dELEs fizesse vencida a dívida. Juros vencidos, como frutos, separam-se: assim como os frutos se fazem bens móveis, distintos do bem de que eram para, assim os juros, vencidos, são objeto de direito distinto, que, na dúvida, não se consideram cedidos com o crédito. Caso sutil é o que teve de ser decidido pelo Reichsgericht alemão. Terceiro, que assumiu o adimplemento da dívida, a favor do credor, ficando, pois, como devedor solidário com o outro, discutia se tinha direito aos direitos auxiliares, como se cessionário fôsse (Entscheidungen de., Reichsgerichts, 65, 169). A decisão foi pela incidência do § 401, alínea 13, do Código Civil alemão; portanto, afirmativa (contra, HANS REICHEL, fie Schuldmitulbernahme, 461). No direito brasileiro, tal não há de ser a solução, porque esse terceiro, antes de pagar, é apenas legitimado à sub-rogação pessoal, segundo o art. 985, III, do Código Civil, e para a aplicação analógica do art. 1.066, seria de mister que a assunção de adimplemento fôsse eficaz em relação ao credor. Aliter, se faz o pagamento. Mas, aí, incide o art 985, III. Note-se, além do que argumentamos, que o art. 987, parágrafo único, só se referiu ao art. 986, 1. 3 DIREITOS DE PREFERÊNCIA LIGADOS AO CRÉDITO. (1) que não é personalíssimo, vai com o crédito cedido. Não importa que sejam privilégios gerais ou especiais, ou direitos de separação (Absonderungsrechte), como o direito de restituição de que fala a lei de falências (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, arts. 76-78), incluída a ação de embargos de terceiro (Decreto-lei n. 7.661, art. 79). A transferencia ocorre desde que ao tempo da conclusão do negócio jurídico de cessão de crédito não se haja aberto o concurso. Em todo caso, a cessão de crédito pode ser atingida pela incidência do art. 52 do Decreto-lei n. 7.661., ou pela sentença de que cogita o art. 53 do Decreto-lei n. 7.661. 4. OBJEÇÕES E EXCEÇÕES. O devedor pode opor ao nôvo credor as objeções e as exceções que contra o cedente existiam ao tempo de se concluir o negócio jurídico da cessão de crédito. A pnori, a cessão negócio jurídico entre credor e terceiro não pode prejudicar a situação do devedor. O crédito transfere-se tal qual é. Daí dizer o art. 1.072 do Código Civil: “O devedor pode opor tanto ao cessionário como ao cedente as exceções que lhe competirem úo momento em que tiver conhecimento da cessão; mas não pode opor ao cessionário de boa fé a simulação do cedente”. “Exceções” está, no art. 1.072, por “objeções e exceções”. A transmissão opera-se com a cessão. As objeções e exceções posteriores à conclusão da cessão de crédito já são objeções e exceções nascidas ao crédito do cessionário; delas é esse, e não o cedente, o titular. Mas, por ainda não ter havido, ex hupothesi, a ciência do devedor, são tratadas igualmente. Pode ELE opô-las ao cessionário como ao cedente: ao cedente, porque ignorava a cessão; ao cessionário, porque exerceu a pretensão contra a qual se opõe a objeção ou a exceção. Não importa qual a objeção ou exceção de que se trata: por exemplo, exceptio dou, exceção non adimpleti contractus ou non rite adirrtpleti contractus, objeção de pagamento; nem qual o direito formativo extintivo, ou modificativo, ou a pretensão extintiva, ou modificativa. Assim, pode exercer contra o cedente como contra o cessionário o direito ae resolução do contrato, a ação quanti minori8 ou de redibição. O cedente é que somente pode exercer tais direitos com o consentimento do credor, que lhe outorgue tal poder. O crédito transfere-se ao cessionário no momento da conclusão do contrato de cessão de crédito. Com esse, vão as objeções e exceções. O art. 1.072 do Código Civil é regra jurídica de proteção ao devedor, corolário, pode-se dizer, do art. 1.069, 1a parte. Tem-se de tutelar o devedor que ainda não conhece a cessão. Dai os arts. 1.071 e 1.072. Na técnica legislativa, seria mais explícito, em vez do art. 1.072, dizer-se que as objeções e exceções se transmitem com a cessão, mas a eficácia, em relação ao devedor, depende da ciência da cessão por parte desse. É a inteligência que se há de dar precisamente, ao art. 1.072. Oart. 1.072 do Código Civil não é cogente (ius cogens). O devedor, no negócio jurídico de que se irradiou o crédito cedendo, pode ter admitido a cessão de crédito sem que seja preciso notificá-lo, ou ter ELE ciência (art. 1.069). Cf. L. KUHLENBECK (J. v. Staudingers Kommentar, II, 464). Assim podem credor e devedor pactuar, antes, simultânea ou posteriormente ao negócio jurídico de que nasce o crédito cedendo, que o prazo de espera para pagamento que o credor deu ao devedor, não

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pode ser objeto de exceção ao cessionário(O.WARNEYER, Kommentar, 1, 696). Também credor e devedor podem pré-excluir, a favor do futuro cessionário, a exceção non adintpleti contractus ou mm rite adimpleti contractus. Se o pacto se refere a exceção que não poderia ser oposta só tem o papel de explicitação (cf. CARIS CROME, Systent, II, 838, nota 26). A renúncia às exceções não se perfaz sem observância dos princípios comuns às renúncias. Fala-se de renúncia tácita no caso de ap nôvo credor declarar o devedor que reconhece e aceita (7) a cessão (e. g., L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 270; O.WARNEYER, Kominentar, 1, 696). Porém não há aceitação da cessão pelo devedor: a cessão de créditos só se conclui entre cedente e cessionário. O que pode declarar o devedor, ou simplesmente comunicar, é que teve conhecimento da cessão, e tal conhecimento ou resulta da notificação ou do escrito público ou particular a que se refere o art. 1.069, 2.’ parte, do Código Civil. Ao devedor também toca a exceção de prescrição, quer se haja consumado antes quer depois da cessão (L. KUHLENBECK, .1. v. Staudingers Kommentar, II, 463). É preciso que se não confunda com a renúncia às exceções, por parte do devedor, a renúncia às objeções ao crédito, à pretensão ou às ações, porque, para isso, seria de mister que o devedor houvesse feito promessa (abstrata) de divida, que então se adjectaria ou se substituiria ao crédito cedido (cf. O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 569). Após a cessão, não pode o cedente, por ato que pratique como credor, no próprio nome, melhorar a situação do cessionário, como exigir cumprimento ‘de obrigação de segurança (dação de fiança, ou penhor, ou outra garantia), ou outro direito acessório, nem interromper a prescrição, em seu próprio nome. É de discutir-se se essa vedação começa à data da cessão, ou da notificação ou conhecimento da cessão pelo devedor. No primeiro sentido, O. WARNEYER (Koinment ar, 1, 696) ; mas o art. 1.069 do Código Civil frisou que a eficácia da cessão, em relação ao devedor, somente começa com a notificação, ou com a declaração de ciência de que se fala na 2.’ parte do ad. 1.069. O principio da oponibilidade das objeções e exceções que poderiam ser opostas ao cedente é jus dispositivum. Também se há de invocar nos casos de cessão legal, ou judicial. Devedor e credor podem acordar em restrições, aumentos e precisões quanto a objeções e exceções; e. g., quanto a não ficar o cessionário sujeito a ter de fazer interpelação, ou exceção non adinipleti contractus, ou non rUe adimpleti contractus (cf. CARIS CROME, S’ystem, 11,338). Oad. 1.072 do Código Civil também apanha as exceções processuais (O. PLANCK, Komme’ntar, II, 569; A. RAPPAPORT, Pie Einrede aia dem fremden Rechtsv’erhãltnisse, 72 5.; sem razão, E. ECKSTEIN, Wirken prozessuale Vertrãge ftir und gegen den Zessãonar des materiellen Anspruchs’?, Gruchois Beitrdge, 56, 461 s.). O cessionário está sujeito à exceção de litispendéncia. Quanto à exceção de incompetência, se ligada à pessoa do cessionário por ser pessoa de direito público, e. g., ConstituiçãO de 1946. ad. 101, 1, d), e) e k), e 103,11, a), sobrevêm a remesa dos autos ao outro juízo (Código de Processo Civil, art. 279 e parágrafo único). Na espécie do art. 101, IX, b, 2.’ parte, da Constituição de 1946 “partes um Estado estrangeiro e pessoa domiciliada no Brasil), o juízo não muda, quer se trate de cessão feita pelo Estado estrangeiro quer de cessão feita pela pessoa domiciliada no Brasil. A exceção de compromisso é oponivel ao cessionário (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 569; O. WARNEYER, Kornmentar, 1, 697). Idem, a exceção de coisa julgada, ainda que se origine de decisão arbitral. As objeções oriundas de negócios jurídicos insertos no processo (desisténcia, transação) são oponiveis. As objeções e exceções Intimamente ligadas à pessoa, como a de não poder o estrangeiro ter propriedade em determinada zona, ou exercer certas indústrias, não se transferem ao cessionário; mas, de ordinário, o negócio jurídico, de que se diz irradiado o direito ou a pretensão ou ação de direito material, é nulo. Se a limitação é apenas pré-processual, ou processual, não se transfere a objeção ou a exceção. Assim, a exceção de caução às custas não mais pode ser oposta ao cessionário, se esse não se inclui entre as pessoas de que cogita o art. 67 do Código de Processo Civil. Se o cessionário encontra despesas feitas e não pagas, sem que se haja prestado a caução às custas, assume o processo e o dever de as pagar. Se a cessão de crédito é em segurança de outro crédito, com a condição de retrocessão no caso de se satisfazer a esse, a isso está sujeito o segundo cessionário, ou outro posterior (O. WARNEYER, Xommentar, 1, 697). As exceções de não-adimplemento e a objeção de resolutividade, ou de resilibilidade, bem como a exceção do ia retentionis, em caso de venda de imóvel, podem ser opostas ao cessionário. A cessão da pretensão à soma do seguro está sujeita às objeções e exceções contra o segurado. Em geral, à exceção de enriquecimento injustificado, ou à ação, se não há, na espécie, a exceção, está sujeito o

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cessionário. O reconhecimento da divida, feito pelo devedor ao cessionário, sem se aludir a exceção de não-adimplemento (exceção non adimpleti contracta ou non rUe adimpleti contracta), existente contra o cedente, tem como conseqUência o extingui-la. Os princípios que regem a compensação, em caso de cessão de crédito, aio os seguintes: a) A compensação contra o cedente que já existe ao tempo da cessão é alegável contra o cessionário. b) A compensação contra o cedente surgida entre a cessão e a notificação ao devedor, ou a sua declaração de conhecimento, é alegável contra o cessionário. c) A compensação contra o cedente há de ser alegada perante o cessionário, mas a que foi alegada perante o cedente antes da notificação ou da declaração de conhecimento pelo devedor é eficaz contra o cessionário. O Código Civil contém regra jurídica explícita para a solução do problema (art. 1.021) : “O devedor que, notificado, nada opõe à cessão, que o credor faz a terceiros, dos seus direitos, não pode Opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente”. Aí está conseqUência da regra jurídica do art. 1.069. 5.CEssÃo DE CRÉDITO ORIUNDO DE CONTRATO BILATERAL. Se a contraprestação ainda não foi feita, tem o devedor a exceção non adimpleti contracta contra o cessionário. Porém não a ação por inadimplemento da contraprestação (ação condenatória), pois o que se transferiu foi o crédito, e não a divida. Também no caso de não ter havido adimplemento satisfatório por parte do cedente, o devedor tem a exceção non rite adimpleti contracta, se o cumprimento foi posterior à cessão. Pode o devedor alegar condição resolutória, somente pactuada com o cedente, antes da eficácia em relação ao devedor, ainda que só se impla depois da cessão. 6.SIMULAÇÃO ENTRE O DEVEDOR E O CREDOR CEDENTE. O devedor não pode opor ao cessionário de boa fé a simulação do cedente, diz o Código Civil, no art. 1.072, in une. Simulação havida entre devedor e credor. Se o devedor fêz titulo de dívida, simuladamente (Código Civil, arts. 102-105), com intuito de prejudicar a terceiro, ou para infringir lei, não pode alegar a simulação. Se o fêz sem tais intuitos, há a alegabilidade (art. 108), mas cessa a possibilidade de alegar a simulação inocente se houve cessão e estava de boa fé o cessionário no momento em que se lhe cedeu o crédito. Se o nôvo credor conhecia, ao tempo da cessão, a verdade sobre o crédito simulado, ou tinha de conhecê-la, protege-se o cessionário contra cedente e devedor, e não somente contra o devedor. O crédito era apenas aparente, porque aparece (simulado) o negócio jurídico. A esse respeito cumpre, todavia, atender-se a que, no sistema jurídico brasileiro, a simulação é alegável como causa de anulabilidade, e não de nulidade. O negócio jurídico só aparente passa a ser negócio jurídico válido, por medida legislativa de proteção. Não importa indagar-se da boa fé se já se trata de segunda ou posterior cessão, se a primeira ou outra já se operou em relação a outorgado de boa fé. Se a primeira cessão não foi a pessoa de boa fé, sim, a inalegabilidade depende da boa fé do segundo ou posterior cessionário. O devedor não pode trazer a exame o que, ainda por escrito, que nio conste daquELE ou daquELEs que foram apresentados ou entregues ao cessionário, consta de outros documentos, ou acordos anteriores, contemporâneos ou posteriores (cf. O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 571; H.DERNBURG, Das Biirgerliche Recht, II, 1, 891; sem razão, M. WELLSPACHER, Das Vertranen auf tiussere Tatbesi’dnde, 65). A regra jurídica do art. 1.072, in fine, do Código Civil, não se estende a outras causas de nulidade ou anulabilidade; e. g., por ilicitude do objeto (art. 145, , 1Y parte), ignorada pelo cessionário. A regra jurídica do art. 1.072, in fine, é de proteção, e não de abstratização do negócio jurídico. O reconhecimento de divida não sério também é simulação, no sentido do art. 1.072, in, fine, inclusive o de compensabilidade. Não cabe sob a regra jurídica do art. 1.072, in fine, o reconhecimento de divida que se fêz por êrro. 7.NULIDADE E ANULABILIDADE DA CESSÃO. O devedor pode opor a nulidade da cessão (Código Civil, arts. 145, 146 e 1.065), inclusive por ser nulo o negócio jurídico de que se disse originar-se o crédito cedido. Quanto às anulabilidades, a que emana de incapacidade relativa do cedente (Código Civil.

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art. 147, 1) pode ser oposta pelo devedor (ulite,’, se a causa é êrro, violência, dolo e simulação) ; bem assim, a que provém da fraude contra credores. É preciso que se não confundam com as objeções e exceções do devedor a respeito do crédito cedido as objeções e exceções contra a cessão mesma. 8. PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA E CESSÃO DE CRÉDITO. A procuração em causa própria não é cessão do crédito. É poder de representação como qualquer outro. Leva à cessão; não é cessão (sem razão, a 5,8 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de outubro de 1938, R. dos T., 91, 80). Pode ter havido cessão de crédito e ser a procuração em causa própria o instrumento para mais fácil cobrança, ou mais cômodo, por outra razão; porém não é verdade que o mandante, na procuração em causa própria, seja responsável pela existência do crédito, em virtude do art. 1.071 do Código Civil. Se o credor quer continuar credor e somente conferir poder de dispor do crédito, tem de dar ao outorgado mandato, ou, em geral, poder de representação. A cobrança será em seu nome, ou em seu nome a cobrança e a propositura de ação. Todavia, nada obsta a que outorgue poder para figurar o outorgado, no exercício do crédito, pretensões e ações, em seu próprio nome. A procuração em causa própria mantém credor quem o é e permite que o outorgado exerça em nome próprio o crédito, as pretensões e ações. Ainda não há a sucessão na divida. Alguns sistemas jurídicos não têm ou vacilam diante da admissão da procuração em causa própria. Às vêzes levantam-se argumentos contrários, como o de ser a cobrança ato dispositivo; mas todos insustentáveis. Receber prestação não é dispor. No direito luso-brasileiro e no brasileiro, a procuração em causa própria radicou-se, e é um dos institutos de que mais se lança mão no tráfíco civil, comercial e processual (procurador em causa própria, legitimado processual). Na doutrina alemã, a outorga (dos podêres de cobrança. no nome do outorgado, sem transmissão do crédito, suscitou discordâncias profundas, que no sistema jurídico brasileiro seriam sem sentido (ainda recentemente, permitem-na LÕEL, Die Qeltendmachung fremder Forderungsrechte im eigenen Namen, Archit’ fiLr die eivilistische Praxis, 129, 257 5.; W. SIEBERT, Das rechtsgeschdftUohe Treuhandverh’iiltnis, 262 5.; PE. HECK, Gr’undriss des Schuldrecht8, 208; E. TITZE, Burgerliches Recht, Recht der Schuldverhãltnisse, 122; H. KRESS, Lehrbttch des Ãllgemeinen Schuldrechts, 517; A. NIXISCE, BiÁrgerliches Recht, Das Recht der Schuldverhdltnisse, 51; contra: A. VON TUHR, Der Aligemeine TeU, II, 61 s.; FR. LEONHARD, AUgemeines Schuldrecht, 674 s.; KARL LARENZ, Vertrag und Unrecht, 1, 122). Com a escapatória de cessão do direito de crédito para que o exercite, estão alguns; outros, com a de cessão do direito de crédito somente perante o devedor (Lt3BL, fie Geltendxnachung fremder Eorderungsrechte im eigenen Nameu, Archiv flir die civilistische Pra xis. 129, 257 e 296 s.), o que destoa do próprio sistema jurídico alemão. Tratar-se-ia de cisão monstruosa. No sistema jurídico brasileiro, não existem os inconvenientes da outorga de poder para cobrança em nome do outorgado, porque a procuração em causa própria é irrevogável (Código Civil, art. 1.817, 1, 2. parte). Com a procuração em causa própria, não pode o devedor opor ao outorgado exceções que apenas contra o cessionário teria, só lhe assistem as exceções contra o credor. Nem pode compensar contra o procurador em causa própria. Nem se trata de cessão, nem de cessão fiduciária. 9. NEGÓCIO JURíDICO BÁSICO E CESSÃO DE CRÉDITO. Com a cessão de crédito, muda a titularidade do direito, pretensão ou ação. Já o devedor não está, obrigado a solver a dívida ao credor anterior, 86 conhecia a cessão, conforme o art. 1.069 do Código Civil. Negócio jurídico abstrato, quando se insere referência à causa, faz-se condicionado à validade do negócio jurídico básico. Se nenhuma alusão se fêz ao negócio jurídico básico, o equilíbrio patrimonial só se obtém segundo as regras jurídicas do enriquecimento injustificado. No direito brasileiro, o cedente responde pela existência do crédito, se onerosa a cessão. Isto é, em boa técnica, se houve referência à causa, portanto ao negócio jurídico básico. A responsabilidade pela existência do crédito, regulada diferentemente segundo o negócio jurídico básico foi oneroso ou gratuito, não deriva da cessão mesma, e sim do negócio jurídico básico. A respeito da cláusula de responsabilidade pela solvência do devedor, cumpre advertir-se que não é cláusula da cessão de crédito, nem de negócio jurídico básico, mas pacto que se adjectou à cessão de crédito. § 2.828. Instrumento e forma da cessão 1, CEssÃo DE CRÉDITO E INSTRUMENTAÇÃO. Contrato pelo qual se transfere crédito, os figurantes da cessão de crédito são o credor, que deixa de ser, e o cessionário, que se torna credor. A cessão, por ato unilateral,

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é oferta de cessão, e não cessão. Para que seja cessão de crédito, tem-se de compor o negócio jurídico bilateral. Todavia, a aceitação tácita é frequente. O pacto de cedendo não é cessão de crédito; por ELE apenas se assume dever e obrigação de ceder. O crédito, que se cede, pode ter nascido de negócio juridico a que se impôs, em lei, forma especial, mas a exigência da forma especial ao negócio jurídico, de que se irradiou o crédito, não se contagia à cessão do crédito. Tratando-se de crédito em títulos que não sejam circuláveis por endôsso, ou ao portador, a cessão de crédito supõe o negócio jurídico da cessão de crédito e a entrega do titulo. O titulo, ai, é pertença do crédito. Se o título incorporante é transferível por endôsso, ou ao portador, não há pensar-se em cessão de crédito. O título é, então , objeto da transmissão, e o direito de crédito se incorporou nELE. A cessão do crédito constante de título endossável transfere o crédito, pois são de mister o ato de endOsso e a entrega do titulo. Tal cessão de crédito é pacto de endossar, promessa de endossar e entregar a Posse do título. 2.FORMA. A cessão de crédito não está sujeita a regra jurídica especial sóbre forma, salvo para eficácia em relação a terceiros. Para que possa ter eficácia erga omnes é de mister que tenha sido feita por escritura pública ou por instrumento particular revestido das solenidades do art. 135, isto é, feito e assinado pelo cedente, ou somente assinado por ELE, e registado no registro de títulos e documentos: Diz o art. 1.067 do Código Civil: “Não vale” deia-se: não tem eficácia), “com relação, a terceiro, a transmissão de um crédito, se se não cELEbrar mediante instrumento público, ou instrumento particular, revestido das solenidades do art. 135 (art. 1.068)”. Oart. 1.067 é regra jurídica sObre eficácia. Em relação a terceiros, não tem eficácia jurídica a cessão de crédito se não se fêz por instrumento público, ou por instrumento parti- afiar, com as formalidades do art. 135, entre as quais está o registro. Não se edictou, no art. 1.067, regra jurídica sObre validade, de modo que se possa invocar o art. 145, III. Alguma regra jurídica pode ter de ser atendida, mas devido à natureza do direito cedido; não, por existir o art. 1.067. Foi devido a não ter entendido, devidamente, o art. 135 e, pois, o art. 1.067, que a 3.’ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 6 de junho de 1940 <R. dos T., 134, 85), falou da observâneia dos arts. 135 e 1.067, no tocante ao registro, e aventurouque tal finalidade não tem o alcance que a faça comum ao direito civil e ao comercial. Não se trata de requisito de validade, mas a falta do registro, assim em direito civil como em direito comercial, expõe o cessionário a que se prove não ser verdadeira a data em que se diz ter sido feita a cessão de crédito e se possa exigir aos figurantes a prova da data verdadeira. No art. 1.067, parágrafo único, foi explicitado que “o cessionário do crédito hipotecário tem, como o sub-rogado, o direito de fazer inscrever a cessão à margem da inscrição principal”. A 3.’ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 11 de setembro de 1940 (R. dos T., 135, 69), entendeu que a regra jurídica do art. 1.067, parágrafo único, apenas dá faculdade ao credor para se pôr a salvo de impugnações. Citou a LAFAXETE RODRIGUES PEREIRA (Direito das Coisas, II, 280) ; mas o autor citado escreveu sob regras jurídicas diferentes, ao tempo em que o direito de hipoteca se transferia sem se registar. O art. 1.066, que diz abranger a cessão os direitos acessórios, “salvo disposição em contrário”, não importa em que se afirme que, feita a cessão, os direitos acessórios cuja transferência depende de registro ou de outro requisito se transfiram automâticamente. A situação do cessionário, em relação à garantia hipotecária, após a cessão de crédito, é, por fôrça do art. 1.066, a de outorgado em acô do de transmissão de direito de hipoteca, e não a de titular do direito de hipoteca. Enquanto não se procede ao registro (Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 286), não há a transferência do direito de hipoteca. 0 art. 1.067, parágrafo único, apenas alude ao direito de registar que tem o outorgado da cessão, como tem, aliás, o outorgante. Passa-se o mesmo a propósito de qualquer formalidade que se exija à transmissão de outro direito <e. g., penhor agrícola e penhor pecuário). O acórdão da 3,t Câmara Cível, a 11 de setembro de 1940, não atendeu à diferença entre o direito anterior e o vigente, Seção II NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR E REVOGAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO

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§ 2.829. Notificação do devedor 1.ExIGÊNcIA LEGAL, NO PLANO DA EFICÁCIA. No plano da eficácia, o art. 1.069 do Código Civil exige que se notifique o devedor para que, em relação ele, a cessão de crédito tenha efeitos. Lê-se no art. 1.069: “A cessão de crédito não vale em relação ao devedor, sento quando a êste notificada; mas, por notificado se tem o devedor, que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita”. A primeira observa çto que se tem de fazer é quanto à impropriedade do verbo (“vale”). O que se há de entender é que a cessão de crédito é ineficaz, em relação ao devedor, enquanto não lhe é notificada. As leis, por falta de cultura técnica dos legisladores, por vOzes empregam “nulidade”, “não vale”, “é inválido”, por “ineficácia”, “não é eficaz”, “é ineficaz”. 2.NATUREZA DA NOTIFICAÇÃO AO DEVEDOR. A notificação da cessão ao devedor é ato jurídico stricto sensu <G. PLANa, Kommentar, II, 1, 583 e.; P. OERTMANN, Recht der Schzddverhiiltnisse, 326; L. ENNECCERUS, II, 278; sem razão, E. DERNEURO, Das Biirgertiche Recht, II, 1, 395, que vê na notificação ou aviso, Ánzeige,. da cessão negócio juridico; R. SOHM, Der Oegenstand, 58; M. WELLSPACHER. Das Vertrau<fl a4 dussere Tatbestdnde, 72; 2. KLEIN, Zu BGB. § 409, Senil erts BMtter, 74, 597). Os princípios relativos aos negócios jurídicos, quanto à validade, são invocáveis. A notificação feita pelo tutor ou curador, que não poderia ceder o crédito do tutelado ou curatelado sem autorização judicial, é nula, se faltou tal autorização (O. WARNEYER, Kommentar, 1 , 706). A entrega do titulo ou documento, nos casos em que basta à quitação, como se prevê no Código Civil, art. 942, mais a entrega do instrumento da cessão legitimam o cessãonario ao recebimento, no próprio nome, porque a entrega do instrumento da cessação contém notificação. A simples apresentação apenas comunica a existência da cessão e dá ensejo à declaração escrita do devedor, de que se fala no art. 1.069 do Código Civil. A mera notícia de que o terceiro tem em mãos o instrumento da cessão não é, sequer, apresentação (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 707). A notificação tem de ser recebida pelo devedor. A aposição do ciente, seja judicial seja extrajudicial a notificação, é declaração escrita do devedor (comunicação de conhecimento). A declaração de conhecimento de que se fala no final do art. 1.069 do Código Civil é para os casos de notificação não escrita, ou de notificação escrita que o notificante não concebeu para nela ser apôsto o ciente. A 2.’ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 5 de maio de 1946 (J., 28, 197 s.), aplicou acertadamente o art. 1.069, argumentando que a) basta a ciência em declaração de concordância do devedor como um dos herdeiros dd devedor premorto, tendo aquELE assumido a divida, e b) com a possibilidade de se notificar, como ELEmento da citação na ação de cobrança a citação inicial para a presente ação de cobrança vale como notificação especial da cessão, produzindo os mesmos efeitos. A falta de notificação só aproveitaria ao apelante se este provasse que pagou a divida ao credor originário, no caso a Caixa Econômica Federal, em data anterior à citação inicial”. A ciência pelo devedor pode ser em autos ou em ofícios de registro. O que se exige é a forma escrita. Basta a notificaçãopor tELEgrama, se a repartição expedidora declara que a minuta está autenticada (cf. Código de Processo Civil, arts. fi.0 e 167). Quanto à notificação por tELEfone, é notificação escrita (Código de Processo Civil, arts. 10 e 167). A declaração do devedor pode ser, por analogia, conforme os arts. 9$ e 10 do Código de Processo Civil. 3.OCORRÊNCIAS APós A NOTIFICAÇÃO AO DEVEDOR. Feita a notificação pelo artigo credor ou pelo cessionário, o que se passar entre o devedor e o cessionário é como entre devedor e credor, inclusive pagamento, ainda que haja sobrevindo (decisão judicial favorável ao cedente contra o cessionário (1<. HELLW[G, Wesen und subjekrive Regrenzunq der Rechtskraft, 386; H. WALSMANN, Die StrCitaenoRsjsche Nebeninter..vention, 188), salvo se foi chamado à relação jurídica processual o devedor, ou se foi intimado da sentença. O devedor solidário que paga ou por algum negócio jurídico solve, altera ou nova a dívida, em contrato com o cessionário, após a notificação, está incólume à alegação do credor de não haver notificado os demais credores solidários. 4.LEGITIMAÇÃO ATIVA PARA A NOTIFICAÇÃO. A notificação há de ser feita pelo antigo credor, cedente, ou pelo cessionário, credor atual.

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A notificação tem de ser feita pelo credor cedente, ou, com a apresentação do documento da cessão, pelo cessionário ou por ambos. A notificação feita pelo cessionário, sem apresentação do documento da cessão, é ineficaz. 5.EFICÁCIA DA NOTIFICAÇÃO. A notificação eficaciza a cessão de crédito em relação ao devedor (antes, faltava esse efeito). O efeito é a favor do devedor; não contra éle. Todavia, se nega a existência, a validade ou a eficácia da cessão, obra a seu próprio risco. 6.REGISTRO E OUTRAS FORMALIDADES Às vêzes, para a eficácia da cessão de créditos em relação ao devedor, é preciso que se observem regulamentos, estatutos ou instruções internas em que se exige registro da notificação, ou da própria cessão, na repartição pública, ou no estabELEcimento, público ou privado, que há de pagar, ou registro e arquivamento do instrumento da cessão, ou outra formalidade. A validade da cessão não está em causa; apenas está em causa a eficácia em relação ao devedor, Estado ou estabELEcimento privado. Pode ter-se previsto o registro até certo dia, para a primeira prestação, ou para a. prestação única. 7. RELAÇÃO DO DEVEDOR NOTIFICÃO . O devedor notificado pode alegar inexisténcia, invalidade e ineficácia da cessão . Pode opor que a cessão é simulada, ou em fraude de credor contra si (e. g., tem crédito a compensar com o cedente.). O art. 1.072 do Código Civil fala de não poder o devedor opor ao cessionário de boa fé a simulação do cedente. Essa simulação, a que se refere o art. 1.072, não é a simulação concernente à cessão, negócio bilateral entre o antigo credor e o nôvo credor, mas sim a simulação no negócio jurídico entre o credor e o devedor (certo, CLÓVIS BEVILÁQUA, Código Civil comentado, IV, 282). Quanto à simulação no negócio jurídico da cessão, pode dar-se que tenha interesse o devedor em alegá-la d’. OERTMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 327). A reação do devedor contra a cessão do crédito incessível, pode ser apenas defensiva. É conveniente, porém, que desde logo se manifeste, alegando a incredibilidade legal ou negocial. 8.SIMULAÇÃO DO CEDENTE. O devedor não pode opor ao cessionário de boa fé a simulação do cedente (Código Civil, art. 1.072, 2.a parte). Uma vez que houve a constituição do crédito cessível (= uma vez que há crédito cessível), o devedor, que foi notificado, ou que se deu por ciente, não pode alegar que houve simulação. Se o crédito foi simulado, o credor cedente e o devedor estão em situação que é a dos figurantes simuladores inocentes (Tomo IV, §§ 477, 470 e 471). Desde o momento em que o credor cede o crédito, há. intuito de lesar ao cessionário. Mas seria injusto que o devedor pudesse alegar a simulação se o cessionário ignorava o que havia de simulado no negócio jurídico, como seria injusto que não pudesse alegá-la se o cessionário conhecia a simulação. Assim, se o cessionário conhecia os fatos ou tinha de os conhecer, é oponível a ELE a exceçptio simul,ationis (Tomo IV, § 457, 4). No sistema jurídico alemão, § 405, redigiu-se regra jurídica parecida com a do art. 1.072, 2.8 parte, para o caso de haver documento de dívida. No sistema jurídico brasileiro, a cessão, para ter efeitos em relação ap devedor, há de ser escrita (art. 1.067, ainda que não tenha sido escrita a constituição da divida cedida. Haja, ou não haja dívida irradiada de negócio jurídico constante de documento de divida, a simulação somente pode ser alegada se de má fé o cessionário. A abrangência do art. 1.072, 2. parte, é maior. Trata-se de regra jurídica limitada à simulação. Porém é de entender-se que o mesmo tratamento há de ter a alegação de incredibilidade negocial, de que adiante se fala. A regra jurídica não pode ser estendida às objeções por nulidade, por ilicitude (Código Civil, art. 145, II, 1.8 parte; O. WARNEYEE, Kommentar, 1, 698), ou incapacidade dos figurantes do negócio jurídico de que se irradiou o crédito cedido <arts. 145, 1, e 147, 1, cf. 1’. OERTMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 320; salvo o estatu ido no art. 155). Oart. 1:072, 2.8 parte, do Código Civil, de modo nenhum pode ser invocado para que o devedor possa alegar simulação se, por exemplo, em se tratando de mútuo, o dinheiro teria de ser prestado por outrem, e não pelo devedor, devendo ceder-se ao terceiro o crédito. O art. 1.072, 2.8 parte, concerne ao crédito cedido, e não à cessão. A alegação de ser simulada a cessão é sempre possível, se há os pressupostos dos arts. 104 e 105 do Código Civil (cf. F. SCHOLLMEYER, Rccht der Schuldverhàltnísse, 374; L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentnr, II, 463). 9.OBJEÇÃO DE INCEDIBILIDÁDE DE ORIGEM NEGOCIAL. Se foi estabELEcido, entre credor e devedor, que aquELE não cederia o crédito, e houve, a despeito disso, a cessão, a dbjeção de incredibilidade somente

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cabe se o cessionário conheça, ou, pelo documento da divida, tinha de conhecer a cláusula de incredibilidade. § 2.830. Declaração de conhecimento feita pelo devedor 1.TExTO LEGAL E PROBLEMA DE INTERPRETAÇÃO. No art. 1.069 do Código Civil, diz-se que “por notificado se tem o devedor, que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita”. A declaração do devedor é recognitiva: o devedor declara que lhe foi comunicada a cessão de crédito; é como um recibo da notificação. Por isso, por notificado se tem o devedor que declara ter conhecimento da cessão. A declaração tem de ser por escritura pública ou por escrito particular. Tal escrito basta ser datado e assinado. Não precisa de testemunhas. Se o exigisse a lei, teria remetido ao art. 135 do Código Civil. 2.NATUREZA DA DECLARAÇÃO ESCRITA FEITA PELO DEVEDOR. Trata-se de comunicação de conhecimento, à semelhança da quitação. Ato jurídico stricto senat, e não negócio jurídico. O declarante pode atacar o escrito por falsidade, falsificação, violência, êrro, ou incapacidade. Terceiros, por simulação ou fraude. A declaração escrita do devedor é enunciativa de que foi notificado. Não há, portanto, dois conceitos: o de notificação do devedor e o de declaração escrita do devedor ciente. A declaração escrita do devedor ciente é prova da notificação. O devedor, que o declara, tem-se por notificado. -No sistema jurídico brasileiro, não há a questão de se saber se se presume, ou não, o conhecimento da cessão de crédito, por parte do devedor. O ônus de alegar e provar esse conhecimento cabe ao credor-cedente, ou ao credor-cessionário, que nisso tenha interesse; não ao devedor. Somente se tem por ciente o devedor se houve a notificação, ainda que por edital, se era o caso disso, ou a declaração escrita do devedor de que está ciente, com a respectiva data. O devedor não tem de preocupar-se com o ter ou não ter havido a cessão. Ainda que alguém he dê noticia de ter havido a cessão, ou de a terem o cedente e o cessionário instrumentado públicamente. A ciência, por parte do devedor, poderia ser na própria escritura pública, ou no texto, ou ao pé do instrumento particular. Se tal ciência não houve, escrita, nem outra, à parte, por instrumento público, ou particular, se fêz, nem declaração escrita do devedor foi feita, ciência não houve. Q problema que surge e o do devedor que em juízo confessa que se lhe deu conhecimento da cessão. Ou a tal confissão se atribui eficácia ex tuno, ou anenas ex nune. Para haver confissão é preciso que se trate de depoimento em processo; mas a confissão somente tem eficácia contra o confitente e seus herdeiros (Código de Processo Civil, art. 2.31). § 2.831. Revogação da notificação 1. PRINcípIos. A notificação pode ser feita pelo cedente, ou pelo cessionário, exibido o instrumento da cessão de crédito, e pode ser revogada, se faz a nova notificação quem fizera a anterior, ou, no caso de ter sido feita por ambos, com o consentimento do cidente e do cessionário. A retirada (la voz, aí, é somente ex mine. A extinção apenas para o futuro. deixa incólumes tôdas as posições jurídicas que o devedor tenha obtido, como, por exemplo, adiantamentos feitos ao cessionário, direito de compensação nascido contra ELE (sobre esse ponto,L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 279; H. SrnER. em G. PLANCK, Kommentar, J, 4Y ed., 585, que se afastou das edições anteriores; O. WARNEYER, Komrncutar, 1, 708). Se a revogação foi comunicada pelo cedente e ainda não se manifestou o cessãonario, os efeitos quanto a esse se produzem até que se manifeste (qRAU, Zu § 407, 409 EGE., Seu fleris Ridtter, 76, 236). O problema da revogação da notificação não foi tratado com a devida profundeza. Primeiramente, M a questão terminológica: no Código Civil alemão, o § 409, alínea 2., fala de Zur-iicknahme, retratação, em vez de dizer revogação, Widerruf. No Código Civil brasileiro, a propósito de assentimento para casamento de filho o termo empregado foi retratação (art. 187). Ao tratar da “renúncia” do her(leiro <art. 1.590), também se aludiu a retratação. Idem, a respeito de “revogação” de oferta (artl 1.081, IV) ou de aceitação (art. 1.085). A lei rncsnia encambulhou os conceitos. Na doutrina alemã, G. PLANCK (Kornmentar, II, 585) manteve a terminologia do Código Civil alemão; L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 279) preferiu “Widerruf”, revogação. No direito brasileiro, não há revogação tácita da notificação. Se ao devedor se exige que declare por escrito ter tido conhecimento da cessão, não se compreenderia que o cedente e o cessionário ou quem fêz a notificação a

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pudesse revogar tâcitamente. A ratio legis é a segurança do devedor. 2..PERFEIÇÃO DA REVOGAÇÃO. A notificação, que somente foi feita pelo credor cedente, node ser revogada por esse e se não ocorreu notificação pelo cessionário, nada fica com o credor, que o ligue ao cessionário. Se somente foi feita pelo cessãonário e esse retira o que comunicou, dá-se o mesmo. Se a notificação foi feita pelo cedente e pelo cessionário, ou se o foi por aquELE, ou por esse, e, depois, pelo outro figurante da cessão, a eficácia da notificação só se perfaz quando as duas revogações tiverem ocorrido, se não foi feita por ambos os figurantes. § 2.832. Obrigações do cedente 1.DETERMINAÇÃO DAS OBRIGAÇõES. As obrigações entre o cedente e o cessionário são as que resultam do negócio jurídico bilateral da cessão. O art. 1.073 do Código Civil enfrentou o problema da responsabilidade pela existência da divida (ventas) e aos arts. 1.074 e 1.075 tocou o da responsabilidade pela solvabilidade do devedor (bonitas). 2. “VERITAS”. O art. 1.073, 1, parte, é ius dispositivum: “Na cessão por titulo oneroso, o cedente, ainda que se não responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu”. A pesquisa da onerosidade ou da gratuidade é relativa ao negócio jurídico que está à base da cessão de crédito, e não relativa à cessão mesma, que é negócio jurídico abstrato. Dai a responsabilidade do cedente, em vez de se entrar na indagação da causa da cessão, que ela não tem. Quando o Código Civil, no art. 1.073, fala de cessão “por título oneroso” e de cessão “por título gratuito”, emprega elipse: deveria ter falado de cessão cujo negócio jurídico subjacente (ou sobrejacente) foi a titulo oneroso e de cessão cujo negócio jurídico subjacente (ou sobrejacente) foi a titulo gratuito. Do lado cedente, há o ato de disposição. Do lado do cessionário, o ato de aquisição. Se o crédito não existe, ou não pertence ao cedente, a cessão é ineficaz, e o cedente responde ao cessionário, mesmo porque nenhum princípio protege o cessionário de boa fé, no tocante à aquisição. É preciso que o crédito saia do patrimônio do credor e entre no patrimônio do cessionário para que se possa falar de cessão de crédito. A “cessão por título oneroso”, para repetirmos as expressões a despeito da elipse da lei, é cessão em que se cede por ínteresse em contraprestação. Se o crédito não existe, com o recebimento da contraprestação enriquece-se o cedente. Daí o principio de que o cedente, se a título oneroso a cessão, responde pela existência do crédito, O problema da responsabilidade, se não há a contraprestação, nem há encargo (modus), segundo se prevê no art. 1.181, parágrafo único, do Código Civil (cp. art. 1.187, II), teve de considerar dois ELEmentos: oELEmento negativo, mas objetivo, que é o de não existir onerosidade (contraprestação, ou modus), e o ELEmento positivo, objetivo, da má fé, em que estava, ao ceder, o credor. Tem-se dito, refletindo-se na jurisprudência, que o cessionário somente pode ir contra o cedente depois de ter pleiteado contra o devedor (e. g., 6,a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de novembro de 1953, li. dos T., 222, 210). Não está certo. Pode o cessionário, antes de ir com a ação declaratória, ou de condenação, ou outra, que caiba, contra o devedor, convencer-se de que não existe a relação jurídica entre o cedente e o terceiro, que seria o devedor. Seria abusivo expor-se o cessionário a essa atitude contrária à sua convicção e à do seu advogado, a pleitear pela existência de crédito, que ELEs sabem não existir. Há outros meios para o cessionário ir contra o cedente, que lhe cedeu o que não tinha. Se o cessionário prefere acionar, primeiro, o terceiro, apontado como devedor, ou interpelá-lo, é outra a situação: toca-lhe escolher o caminho para chegar à afirmação de que o crédito não existia. As soluções do art. 1.073 correspondem às do Código Civil suíço, art. 171, alíneas l. e 3 mas, a propósito da cessão a titulo gratuito, o Código Civil brasileiro introduziu o requisito da má fé, por parte do cedente, para que haja de responder pela existência do crédito. Que se há de entender por “existência do crédito”? A existência, em sentido exato, ou a existência e a eficácia? O crédito só existe se o negócio jurídico, o ato-fato jurídico,ou o ato ilícito, ou o fato stricto sensu ilícito existiu. Em se tratando de negócio jurídico nulo, o crédito não existe. Se o negócio jurídico é anulável e sobrevém a anulação, o crédito existiu, mas deixou de existir ex tune. Se o negócio jurídico só é sujeito a alguma exceção, o crédito existe e apenas está encoberta a sua eficácia. Se o crédito existe e não existe a obrigação, tem-se como responsável o cedente: portanto, na expressão “existência do crédito” se inclui a “existência da pretensão”; portanto basta que não exista a pretensão para que o cedente seja responsável.

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Se o crédito não pode ser exigido ou acionado porque o impede exceção, responde o cedente, o que mostra quão imprópria é a expressão “existência do crédito”. Idem, se pode ser excluído, no todo ou em parte, pela compensação, ou por haver condição. Ou se já fôra solvido. O que existe é a verdade do objeto da cessão, o nomen verum. Daí “existência do crédito” estar por ‘ser o crédito tal qual, pelo negócio jurídico da cessão, se pensou adquirir”. Na jurisprudência, a despeito de impropriedade de expressões, cf. os acórdãos da 3,8 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 28 de junho de 1945 (J., 26-27, 538 s.) e da 3,8 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 25 de novembro de 1942 (1?. dos T., 145, 644). Se há crédito, mas o titular não é o cedente, cedeu-se o que não se tinha (= o crédito cedido não existia). As regras jurídicas do art. 1.073 estendem-se aos direitos acessórios. Os arts. 1.073 e 1.074 são jus dispositivum, de modo que se do negócio jurídico consta que o crédito não é munido de pretensão, ou de ação, ou que está prescrita a pretensão ou a ação, não há pensar-se em responsabilidade segundo o art. 1.073; nem de responsabilidade segundo o art. 1.074, se lá está que o devedor não se acha em boa situação financeira, ou está insolvente, ou quase falido, ou falido. O equilíbrio patrimonial, para que se evite o enriquecimento injustificado, se não há negócio jurídico causal, que seja subjacente (ou sobrejacente) à cessão, restabELEce-se pela condictio (ação de enriquecimento injustificado, Código Civil, arts. 964-966). Se há o negócio jurídico causal, e. g., compra-e-venda, rege o art. 1.073, 1.8 parte, ou o art. 1.078, 2.8 parte, com a distinção fundada na onerosidade ou na gratuidade. O art. 1.073 não pode ser invocado se ao negócio jurídico da cessão de crédito, que é abstrato, não subjaz ou sobrejaz negócio jurídico causal. (A obrigação do art. 1.078 não tem por fundamento o dever de prestar as indicações necessárias para o recebimento da divida e de entrega do título, como pareceu a L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 281, e, antes, a TH. KirP, tlber den Begriff der Rechtsverletzung, Fest gabe fur Orro GIERKE, 15 s.. nem, tão. -pouco, infração da propriedade do cessionário sobre o crédito, extravagante explicação de Fa. LEONRARD, Áligemeines Schnldrecht, 70.) A cessão de crédito a título oneroso é baseada em contrato bilateral. O cedente responde péla existéncia da dívida, que é a sua prestação. Se a cessão de crédito é a titulo gratuito, o cedente não responde pela ventas. O que pode dar-se é que haja de responder pelo interesse negativo, em caso de dolo (Código Civil, art. 1.073, 2!- parte: “A mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por titulo gratuito, se tiver procedido de má fé”). O art. 1.073 não incide em caso de cessão lega] de créditos. Supõe-se que exista a dívida; aí, o crédito é ELEmento necessário do suporte fáctico: se falta, há insuficiência dELE, não só deficiência. O cedente do crédito, ou, em virtude do art. 1.078 do Código Civil, de qualquer direito, responde pela existência do crédito ao tempo da cessão. Se não existe, tem o cedente de indenizar. O que mais importa é saber-se que o art. 1.078 contém exceção à regra jurídica do art. 145, fl, 23 parte. segundo a qual é nulo o negócio jurídico que tem objeto inipossível (A. BECHMANN, Der Kau.f nach gemeinem Recht, II, § 289; H. A. FISCHER, Em Beitrag zur Unmàglichlceitslehre, 29; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisise, 384; H. REHBEIN, Das biirgerliche Gesetzbuck, II, 156; MARCK, fie Niehtigkeit voit Rechtsgeschãften ais Folge der Unmàglichkeit, 71; sem razão: A. SCHLIEMANN, Die Haftung des Cedenten, 64; H. TITZE, Die Unmàglichkeit der Leistung, 64 e 268; 5. SCHLOSSMANN, Anspruch, Ríage, Urteil und Zwangsvollstreckung auf Herbeifúhrung eines Rechtserfolges, Jherings Jahrbiicher, 45, 113; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 822). O art. 1.073, 1.8 parte, somente concerne à responsabilidade pela existência do crédito ao tempo da cessao (verbis “pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu”). Pelo que acontece após a cessão, a situação do cedente rege-se pelos arta. 865 (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 884; G. PLANCK, Ko’mmentar, II, 838; B. BENDIX, Die Haftung ftir den Rechtsbestand von Rechten, Ãrchiv fim Euirgerliches Recht, 82, 830), 869 e 870, pôsto que rara a incidência ç’s arte. 869 e 870. A pretensão que nasce da incidência do art. 1.078, 13 parte, £ assaz larga, pois que se dirige a interesse positivo do adimplemente, e de modo nenhum se limita ao que o cessionário prestou Ae sua parte; por exemplo: não importa que a contraprestação tenha sido abaixo do valor nominal, ou do preço da bôlsa ou do mercado (L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 595; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãttnisse, 884). O art. 1.072 só se pode invocar a propósito da verdade do crédito, do nomen verum, e não da bondade, bonitas. A responsabilidade pela existência do crédito tanto ocorre se o crédito não mais existe, ou nunca existiu, como se ELE está subordinado a condição, que o cessionário ignorava, ou a objeção ou exceção (O. WÃRNEYER, Kommenta.i 1, 756), ou se é nulo ou anulável o negócio jurídico (1<. HFLI WIG, Artspruch und Klagrecht, 20;

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G. PLANCK, Kommenta,, TI, 1, 339 s.; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 884 L.KUHLENBECIC, J. v. Staudingers Kommentar, II, 594; II.DERNEURO, Das Rúrgenliche Recht, II, 2, 59). Se a dívida está sujeita a compensação, o cessãorio tem a ação do art. 1.072, 13 parte; porque a compensação a extingue, com causa anterior à cessão (O. WARNEYER, Kommentar, 1. 756). Idem, se o conteúdo do crédito é diferente daquELE que se mencionou no negócio jurídico da cessão (e. g., outr térmo ou duração, outro lugar de adimplemento, P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 884; H. TITZE, Die Unmiiglich)ceit der Leistung, 268). A responsabilidade também se estende à existência de direitos acessórios, pretensões acessórias e ações acessórias <P. Bn.míx, Die Haftung Rir Rechtsbestand von Rechten, Archiv flir Búrgenliches Recht, 82, 881). A responsabilidade segundo o art. 1.073, 13 parte, pode ser restringida, ou eliminada, pois que o art. 1.073, conforme já dissemos, é regra jurídica dispositiva. Também é possível estendê-lo à responsabilidade pela solvabilidade do devedor (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 385). Se foi cedido crédito, que se disse garantido por hipoteca, ou penhor, e não há tal hipoteca, ou tal penhor, o art. 1.073, 13 parte, incide, porque se trata de direito acessório, que falta. Também é de invocar-se o art. 1.073, 13 parte, se foi cedida hipoteca e não há hipoteca. Se a cessão é de crédito garantido por hipoteca e fiança e falta a fiança, dá-se o mesmo quanto à responsabilidade do cedente. Se foi dito que havia hipoteca e se mencionou o grau e há a hipoteca, porém de grau inferior, o art. 1.073, 1a parte, não incide. Se houve referência ao imóvel, que foi gravado, e há hipoteca mas de outro imóvel, não é caso para se pensar em aplicação do art. 1.073, 13 parte (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 757). Oart. 1.073, 13 parte, também é invocável em caso de desconto de título cambiário ou cambíaríforme (WechselDiskontierungsgeschãft). Quem desconta responde conforme a lei cambiária e conforme o art. 1.073, 1. parte, no que concerne à existência do crédito ou direito. Tal responsabilidade pode ser acima do valor do título cambiário ou cambiariforme (cf. L. RUELENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 594). A venda de ações para contrôle ou maioria em sociedade é, ao lado da venda das ações, cessão dos direitos que o grupo de ações dá, de modo que o art. 1.073, 13 parte, incide. Não se subordina ao art. 1.073, 13 parte, o que se transfere por fôrça de lei, ou por transferência de patrimônio (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 885), ou em assunção de dívida pro solvendo (L. RUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 594; P. OER±MANN, Recht der SchuldverMltnisse, 886), isto é, se a antiga dívida só se extinguirá se a nova fôr paga. 3. “BONITAS”. Quanto à solvabilidade do devedor, estatui o art. 1.074 do Código Civil: “Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor”. O art. 1.074 é jus dispositivum. Ou houve estipulação da responsabilidade do cedente pela solvência do devedor, pela bondade (bonitas) do crédito, ou não houve. Se não houve, não há pensar-se em pretensão contra o cedente. Se houve, prevê o art. 1.075: “O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquELE recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança”. O art. 1.075 também é Lia dispositivum. Assumida a responsabilidade pela solvência do devedor, entende-se, em caso de dúvida, que só se garante a solvabilidade no momento da cessão, salvo se ainda não se venceu a dívida. A regra jurídica, não escrita, é de grande interesse. O cedente pode ter dito: “cedo o crédito contra A, que é solvável”, ou “o devedor é pessoa em boa situação financeira”, “respondo pelo pagamento que A tem de fazer”. Nas duas primeiras espécies, só há responsabilidade no momento da cessão; na terceira, até que prescreva ou se extinga por negligência do cessionário. Sempre que as circunstâncias indiquem outro momento, posterior à cessão de crédito, como aquELE até quando se responsabilizou o cedente, não se há de pensar no momento da cessão como aquELE que se fixou, ainda que não vencida a dívida. Assim, se houve a assunção da responsabilidade e o crédito já se venceu, a responsabilidade da solvência somente é no momento da cessão do crédito. Se o crédito ainda não se venceu, ou não pode ser exigido, a responsabilidade é até o vencimento (WÍIRZEURGER, tber die Haftung des Zedenten Rir Gúte und Einbringlichkeit einer Forderung, Gr’uchots Reitrãge, 51, 721; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhàltn,isse, 886; L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 598; li. DERNEURO, Das Búrgerliche Recht, II, 2, 61; sem razão, ainda em sistema jurídico que tem, escrita, a regra juridica no § 438 do Código Civil alemão, L. ENNECCERUS, Lchrbuch, II, 359, nota 14).

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A responsabilidade do cedente pela solvência do devedor é inconfundível com a fiança: trata-se de obrigação assumida por ocasião da cessão de crédito, mas de modo nenhum acessória do crédito cedido, obrigação cujo adimplemento pode ser exigido ainda que o crédito cedido não exista (L. KUHLENBECK, .7. v. Staudingers Komentar, II, 598). A responsabilidade pela percebibilidade é mais do que ELE pela suficiência do preço do imóvel e pela solvência do devedor) ; porém submete-se à mesma regra jurídica interpretativa (Lua intef-aretativumY Quem cede hipoteca e se submete à responsabilidade pela bonitas não responde pela solvência do devedor, mas fica sujeito à mesma regra jurídica interpretativa no tocante ao valor do imóvel (O. WÂItwgyn, Kommentar, 1, 759’. Se a responsabilidade se estende A percebibilidade (Einbringlichkeit), responde responsabilidade pela bonitas do crédito (solvência do dev’dor. Não se pode pensar, todavia, em que o cedente haja de ficar com o prédio. Se o cedente se responsabilizou pela pontualidade do devedor e esse falha, tem o cessionário ação contra o cedente sem precisar acionar o devedor (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 760). 4.OUTRAS OBRIGAÇÕES. O cedente tem de dar ao cessionário as informações necessárias para a eficácia transíativa e para o exercício do crédito, desde que tenha posse dos documentos. Se o cedente tem interesse legítimo em conservá-los (e. g., porque só cedeu parte do crédito), só é obrigado a obter, à custa tio cessionário, certidão ou pública-forma ou outra cópia de eficácia jurídica, para lhe entregar (H. DERNDURO, Das Riirgerliche Recht, II, 1, 398; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 817; L. KUHLENBECK,.7. v. Staudingers Xommentar, II, 459; sem razão, F. SCHOLLMEYER, Recht der Schtddverhilltnisse, 369 s.; H. REnDEm, Das Biirgerliche Geaétsbach, II, 392, Que não distinguiam, e G. PLANCR, Kom.. tnenta’r, II, 1, 568). O cedente, demais disso, tem de facilitar a cobrança do crédito, ou a cobrança e a execução adiantada, se é o caso. Há de abster-se de qualquer ato que torne impossível (Tn. Kzn, tYber den Begriff der Rechtsverletzung, Festgabe 11W Orro Gman, II, 15 s.), ou difícil, qualquer ação do cessionário, oriunda do crédito. Se, por exemplo, o cedente algo recebe do devedor, tem de entregar o que recebeu, com os juros e indenização, se cabe. As despesas para a documentação conveniente da cessão de crédito são pagas pelo cessionário. o cedente pode exigi-lo, Antecipadamente. Trata-se de direitos auxiliares, que só se destinam à prova e eficácia do crédito. Se o cessionário cede, por sua vez, o crédito, ao segundo cessionário transferem-se esses direitos auxiliares, salvo disposição em contrário; e pode esse exercê-los perante o primeiro cedente (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 281; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schzddverhdltnisse, 870; H. RERum, Das lihirgerliche Gesetzbuch, II, 392; H. SIBEIt, em G.PLANCK, Ko,nraentar, II, 1, 43 ed., 563 s.; H. DERNBURA, Das Biirgerliche Rechi, II, .1, 398; sem razão, P. OERTMANN, Recht Schtddverhdltnisse, 818). Se o documento ou meio de prova se acha em mio de terceiro, tem-se de entender que se compreende na cessão e na posterior cessão, se houve, a cessão da pretensão à restituição (O. WARNEYER, Koinment ar, 1, 695), ou à exibição. Se a cessão de crédito foi parcial, o cedente somente é obrigado a fornecer ao cessionário, às custas desse, prova ou documentação baseada na prova ou documento que tem (P. OnrMÂNN, Recht der Schzddverhiíltnisse, 817; H. DERNEURO, Das Rtrgerliche Recht, II, 1, 398, nota 5; sem razão, E. SCHOLLMETER, Recht der Schzddverhdltni.sse, 369 s.). Oque acima se disse também se entende com as cessões legais (O. WARNEYER, Komanenta.r, 1, 695), como se dá no caso do art. 913 do Código Civil (devedor solidário que satisfaz a dívida por inteiro), ou do art. 1.498 (co-fiador que presta, se nio houve estipulação do beneficio da divisão), e com as cessões judiciais. Ocedente de conta corrente ou de outra conta bancária, ou de econômica, não tem de entiegar a caderneta. Incumbe-lhe dar o escrito que seja suficiente para que o banco ou caixa econômica faça a transferência. A simples entrega do documento da dividi não prova a cessão do crédito (L. KUHLENDECIC, .1. t’. Staudingers Kommentar, II, 459). A pretensão do cessionário a que o cedente lhe dê o instrumento público ou particular de que precise também é direito auxiliar, que se transfere ao posterior ou posteriores cessãonários. Todavia, enquanto o cessionário não adianta, ainda depositando, ou pondo em mãos do tabelião, as despesas, não há mora do cedente (L. KUHLENBECK, J. v. Stcrvdzngers Kommentar, II, 460). Tais também apanham as cessões legais e as judiciais. § 2.833. Cessão de crédito antes da ciência pelo devedor

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1. PRECISÕES . Feita a cessão de crédito, começa a sua eficácia entre os figurantes; salvo se há condição ou termo, casos em que começa, com a conclusão do negócio jurídico. a vinculação, mas a transferência do crédito só se inicia com o implemento da condição ou o advento do termo. Tais cessões de crédito não se hão de confundir com as promessas de ceder (pactum de cedendo). O registro do título de cessão de crédito pode ter de ser feito para que a eficácia possa ser ergo. omnes. Todavia, como a eficácia da cessão, em relação ao devedor, depende da ciencía por esse, o que se publica, antes de tal ciência, é apenas a cessão tal como é a cada momento. Assim, o terceiro não pode pretender que haja, no que se refere a ELE, efeitos que dependeriam da notificação do devedor ou da declaração escrita de que cogita o Código Civil, art. 1.069. 2.SITUAÇÃO JURÍDICA CRIADA PELA CESSÃO DE CRÉDITO SE AINDA NÃO HOUVE CIÊNCIA DO CREDOR. Se já houve a cessão de crédito e ainda não se notificou o devedor, nem ELE declarou, por escrito, conhecer a cessão (ato jurídico strieto sensu, há cessão de crédito, mas a sua eficácia não vai até o devedor. O princípio geral é em proteção do devedor. Não há de ELE sofrer conseqüencias do que desconhece. O antigo credor que recusa o adimplemento, sem conhecer o devedor a cessão, determina a mora ereditoris, de modo que em mora de receber está o cessionário (P. OERTMANN, Recht der SchuldverMltnisse, 323; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhtiltnisse, 379). Se algum terceiro paga a dívida (Código Civil, art. 930 e parágrafo único), já sabendo o devedor que houve a cessão, paga mal: a ciência, por parte do terceiro, é sem importância (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhhltnisse, 223; G. PLANCE, Kommentar, II, 1, 578; ULSAMER, Zu § 407 13GB., Seu fferts Buitter, 75, 777; sem razão: E. STBOHAL, Schuldúbernahme, Jherings Jahrbiicher, 57, 242; BERNDT, Leistung eines Dritten an den bishering Glãubiger, Seufferts BUitter, 75, 676). Se há litígio entre muitos pretendentes à titularidade do direito, que o devedor conheça, mais aconselhável para esse é evitar a mora debitoris, e. g., depositando em consignação a prestação. 3.EFICÁCIA SENTENCIAL ANTES DA CIÊNCIA DO DEVEDOR. Se, antes da notificação ao devedor, ou da declaração dELE, escrita, de ter tido conhecimento da cessão, há litígio entre ELE e o antigo credor, a sentença, que se profira, tem eficácia de coisa julgada material contra o nôvo credor e a fôrça e mais eficácia que sejam a da sentença. Qualquer litígio, entenda-se (ação, reconvenção; ação declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental, ou executiva; exercício de direito de compensação, ainda que em ação de depósito em consignação). A eficácia sentencial opera em relação ao cessionário, quer seja favorável ao credor cedente, quer lhe seja desfavorável, ou absolva da instância, quer julgue perempto o direito. Se, durante a lide entre o cedente e o devedor insciente da cessão do crédito, litigam cedente e cessionário, a sentença proferida na ação entre esses nenhuma influência tem na ação entre aquELEs. 4.ADIMPLEMENTO PELO DEVEDOR INSCIENTE DA CESSÃO. A matéria do art. 1.071 do Código Civil consiste em objeção, que nasce ao devedor, a despeito de ter havido a cessão do crédito. A regra jurídica é de proteção ao devedor, porque o cedente deixou, em verdade, de ser credor (plano da existência) no plano da eficácia, o devedor, que ignora a cessão de crédito, solve ao cedente, que não é mais o credor. Diz o art. 1.071: “Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário, que lhe apresenta, com o título da cessão, o da obrigação cedida”. 5.CESSÃO LEGAL DE CREDO (“CESSÃO LEGIS”) E CESSÃO JUDICIAL DE CRÉDITO. Se a transferência do crédito se operou por fôrça de lei, é de invocar-se o que acima se disse. O conhecimento do fato que deu ensejo à incidência da lei sObre a transmissão legal de crédito é que há de sobrevir para mudar a situação. Porém não é preciso que se faça a notificação, nem que haja a declaração escrita de que fala o Código Civil, no art. 1.069, porque o art. 1.069 só se refere à cessão voluntária. Também é de invocar-se o que acima se disse se ocorreu cessão judicial de crédito por ter sido penhorado o crédito, sem que se haja notificado o devedor e sem que se haja declarado ciente (cf. Código de Processo Civil, art. 938-941). Se o devedor, na relação jurídica em que está o credor que sofre a execução, paga, sem conhecer a lide, ao credor, libera-se perante o credor penhorante (L. STEIN, Der Drittschuldner Festschrift flir ADOLF WACH, 1, 15; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhàítni.sse õa ed., § 407, 5, desgarrando-se de sua opinião anterior; li.

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LEHMANN, em L. ENNECCERUS, Lehrbuck, II, 283, contra a opinião de L. ENNECCERUS, nas edições anteriores; sem razão, G. PLANCK, Lehrbuch, II, 1, 583; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhàltnisse, 3.t4a ed., 324). Se o fiador do crédito paga ao credor, dá-se a cessão legis (sub-rogação pessoal, Código Civil, art. 1.495), libera-se o devedor prestando ao fiador. 6.AçÃo DO CESSIONÁRIO CONTRA O CEDENTE. A ação de indenização do cessionário contra o cedente, por ter continuado na lide, ou tê-la iniciado, após a cessão do crédito, é determinada pela relação jurídica entre ELEs. Pode ser a de gestão de negócios sem mandato, ou de ato ilícito, ou a de enriquecimento injustificado (P. OERTMANN, Recht der SchuldverMítnisse, 324; O. PLANCK, Kommentar, 1, 580; ERNST RABEL, Die eigene Handlung des Schuldners und des Verkãufers, Rheinische Zeitschrift, 1, 214 s.; TH. Rw, tber den Begriff der Rechtsverletzung, Fest gabe der Berliner juristischer Falcultdt flir Oro GIERKE, II, 15 sj. 7.ENDOSSO COM EFEITOS DE CESSÃO DE CRÉDITO E NOTIFICAÇÃO. O endôssa posterior ao vencimento dos títulos cambiariformes tem a eficácia da cessão de crédito, não é cessão de crédito. i assim que se há de interpretar o art. 8.0, § 2.0, da Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908. Não é de mister a notificação do art. 1.069 do Código Civil: o devedor paga à apresentação do título cambiário ou cambiariforme. O devedor não pode pagar a quem foi endossante e não mais o é, nem a notificação do devedor, sem a apresentação do titulo para recebimento, impede que o devedor pague a quem apresente o titulo com o endOsso. Daí ser perturbante e inútil a notificação, que alguns juristas estrangeiros sugerem e a que a 1.8 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 11 de maio de 1942 (R. dos T., 141, 639), se referiu. O endossatário-cessionário, chamemo-lo assim, pode opor as exceções que lhe competirem como se fOsse endossatário antes do vencimento o cessionário, mais as que teria contra o cedente no momento da apresentação do título. A referência à ciência da cessão pelo devedor seria impertinente, porque o art. 1.069 incide: é supérfluo o que nELE se estabELEce. O endOsso após o vencimento nada estabELEce, quanto ao devedor, que seja plus ou minus. Ignorava ELE quem apresenta-ria o título, e continua de ignorá-lo. Se o tomador ou outrem lhe apresenta o titulo vencido e o devedor solve em parte, tem de exigir a documentação do pagamento parcial. Ésse pagamento parcial, se não constasse do titulo, não poderia ser oposto ao endossatário por endOsso anterior ao vencimento, mas seu endOsso foi posterior ao vencimento o pagamento parcial,devidamente provado, pode ser oposto ao endossatário, que é,no plano da eficácia, simples cessionário. § 2.834. Cessão de crédito depois da ciência pelo devedor 1.PROTEÇÃO DO DEVEDOR. A lei protege o devedor contra a falta de notificação ou de declaração sua de ter conhecimento da cessão, e contra a notificação inexata. Já vimos qual a técnica protectiva em caso de falta da notificação. Aqui, o assunto há de ser restrito à notificação e à notificação inexata. 2.NOTIFICAÇÃO EXATA E SEUS EFEITOS. A notificação há de ser entendida em seus termos precisos. Tem-se por exata, isto é, por ser expressão verdadeira do que se passou entre o credor, cedente, e o terceiro, cessionário. Por ser exata, as conseqüencias que tem são as que esperavam cedente, cessãonario e devedor. 3.NOTIFICAÇÃO INEXATA. Se o credor, sem notificar o devedor, cede o crédito a uma pessoa, A, e comunica ao devedor que o cedeu a outra, B, o devedor que paga a B, ou com ELE conclui negócio jurídico, está incólume ao que alegue A, ou o próprio antigo credor (cf. G. PLANCK, Komrnentar, II, 1, 585). Na doutrina alemã, insinuou-se que o devedor só tem a proteção legal em tal caso de notificação inexata se de boa fé (E.HELLWIG, Wesen und sub jeictive Begrenzung der Rechtskraft, 885; L. RUHLENBECK, J. v. Standingers Kom.mentar, II, 475; li. DERNBURC Das fijirgerliche Recht, II, 1, 585; L.ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 379; P. OERTMANN, Recht der Sckuldverhàltnisse, 827). Discordaram O. PLANCK (Kommentar, II, 1, 585) e F. SCHOLLMEYER (Recht der Schuldverhdltnisse, 885), que não viram base para essa distinção em caso de boa fé e em caso de má fé. No direito brasileiro, a ciêpcia do devedor é sujeita a regra jurídica especial: só se entende ciente o devedor que foi notificado ou que declarou por escrito ter

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conhecimento da cessão. A tese de O. PLANCK nao era Injusta; no direito brasileiro, é a única possível, diante dos textos dos arts. 1.069 e 1.071 do Código Civil. Portanto, se o devedor vem a saber que a cessão fôra feita a A, e não a E, ou que primeiro foi feita a A, mas a notificação ou a sua declaração de ciência se referiu a E, pode acontecer: a)que A o tenha notificado antes da notificação feita pelo cedente, e então houve êrro do cedente, que não se precisa apurar porque A notificara o devedor, antes; 1’) que A o tenha notificado depois, o que permite ao devedor, por exemplo, depositar em consignação para pagamento a prestação, conforme o art. 973, IV, do Código Civil; c) que o devedor haja sabido, por fora (= sem ser pelo cedente, ou pelo cessionário e sem que haja escrito declaração de ciência), da exiaténcia da cessão a favor de A. Na espécie c), o devedor apenas pode, ao aparecer A, ou ao aparecer E, para receber, depositar em consignação para pagamento o que há de prestar, ou pagar a E. Com a notificação, ou com a declaração escrita que entregou ao credor, de que convém que o devedor guarde cópia com § 2.834. DEPOIS DA CIÊNCIA PELO DEVEDOR327 a declaração de recepção por parte do credor, ou do cessionário, o devedor adquire pretensão a que o antigo credor e o cessionário se subordinem aos termos da notificação ou da declaração escrita. Se o devedor vem a saber que a notificação foi inexata e não seria caso de solver a dívida ao cessionário, tem admitido a doutrina que o devedor responda, em caso de dolo, ao credor antigo (P. OERTMANN, Recht der Schvldverhàltnisse, 826; G.PLANCE, Kommentar, II, 1, 584; II. DERNBURC, Das Ruigerliche Recht, II, 1, 396). Mas é preciso que se separem os problemas: o da legitimação ativa à solução e o do dolo (aí, dolo em ato ilícito absoluto). Se o pagamento tem de ser feito contra entrega de título incorporante, ou de documento (pertença do crédito, mas expedido para que, ao se receber a prestação, se entregue), o devedor somente há de tratar o cessionário como legitimado a receber se devolve o título ou documento. O devedor tem exceção dilatória e somente pode ser condenado ao adimplemento contra entrega do título ou do documento. Ésse título ou documento não se confunde com o documento da cessão de crédito, que o antigo credor expediu. Também por isso tem o devedor exceção dilatória e direito de retenção. Não existe pretensão do devedor à entrega do título ou documento, que há de ser devolvido, nem à entrega do título ou documento da cessão. Todavia, pode depositar em consignação a prestação, para que o credor a levante mediante a entrega de algum dELEs, ou de ambos. 4.ÓNUS DA PROVA. Na ação do cedente contra o devedor, tem esse o ônus de alegar e provar que houve a notificação feita pelo cedente, ou pelo cedente e pelo cessionário, ou pelo cessionário, com apresentação do instrumento da cessão,razão por que há de exigir, ao dar a declaração de ciência, que se lhe passe recibo, ou, ao ser-lhe feita a notificação pelo cessionário, com a apresentação do documento da cessão, que se lhe deixe certidão ou cópia, ou indicação do cartório. O cedente, que alega revogação, tem de prová-la e o consentimento do cessionário (FR. LEONI{ARD, fie Reweislast, 389). Pode ter de provar que o cessionário e ELE distrataram a cessão, notificando-o no momento para a eficácia revocatória. O Ônus de provar que houve a declaração escrita de ciência pelo devedor incumbe ao cedente, ou ao cessionário, que lhe afirma a existência. Se o devedor diz que foi revogada a notificação, tem de prová-lo. Não lhe cabe qualquer afirmação ou prova da razão para a revogação. Se o devedor argúi nulidade ou anulabilidade da cessão,o Ônus da prova lhe cabe. SEÇÃO III PLURALIDADE DE NEGÓCIOS JURÍDICOS QUANTO AO CRÊDITO § 2.835. Pluralidade de cessões do crédito pelo mesmo credor 1.ESPÉCIE A SER TRATADA. Na espécie, o credor cede mais uma vez o crédito que já antes cedera uma ou mais vêzes. Têm-se de precisar as conseqüencias em relação ao devedor, não ciente ou ciente, e entre os

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cessionários sucessivos. Se a dívida consta de título, que haja de ser entregue ao cessionário, tal entrega é ELEmento necessário à perfeição do negócio jurídico bilateral da cessão. Tem-se aí o problema da necessidade ou desnecessidade da entrega do titulo. Por método, invertamos os assuntos: a) problema da necessidade da entrega do título e, pois, cessão com entrega do título e cessão sem entrega do título, aquela anterior a essa, ou vice-versa; lO cessões de datas diferentes, perfeitas, mas sem que o devedor tivesse tido ciência da cessão, ou das cessões anteriores; c) cessões notificadas ao devedor, ou com declaração do devedor de ter conhecimento delas. 2.ENTREGA DO TITULO COMO ELEMENTO DE PERFEIÇÃO DA CESSÃO DO CRÉDITO. Lê-se no Código Civil, art. 1.070: “Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do crédito cedido”. Com essas expressões, o legislador brasileiro deu a sua solução ao problema da cessão de crédito. A técnica já conhecia: a) a solução que entendia dever ter-se como eficaz a que tivesse data mais antiga (Código suíço das Obrigações de 1881, art. 186, que foi retirado do Código revisto ; b) a solução que atende a diferenças existentes entre direitos Incorporados em títulos o direitos documentados (títulos documentais) e entre títulos nominativos endossáveis e não endossáveis. A respeito, Tomo. XV, § 1.776, 2, XIX, § 2.272, e XXI, § 2.683. Quanto aos títulos Incorporantes, seja real ou seja pessoal o direito incorporado, é óbvio que não se pode mudar a titularidade sem que se entregue ao outorgado o titulo. Porém, se ao portador o título, ou endossável, não cabe invocar-se regra jurídica sObre a cessão de crédito. A propósito de títulos ao portador, são as regras de direito das coisas que hão de ser invocadas e, por vêzes, regras jurídicas especiais sObre a aquisição da propriedade do titulo e, pois, do direito incorpondo. A propósito de títulos endossáveis, porque a entrega é ELEmento essencial, por ser lançado o endOsso no próprio t titulo e ser a entrega o que mostra ter a declaração de vontade atingido o alter (endossatário). Restam os títulos nominativos. O que escrevemos no Tomo XV, § 1.776, 3, há de ser relido. Pode haver a cessão do direito incorporado, mas segundo as regras jurídicas que disciplinam a espécie de título nominativo, quase sempre devido ao conteúdo do direito ou ao objeto dELE. (e. a., Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arte. 25, 27, a), e §§ 1.0 e 2.0). Não raro, há regras estatutárias, precisas, sObre as transferências. Quanto às ações nominativas, em falta de regramento legal ou negocial, é que tem importância a invocação do art. 1.070 do Código Civil. Aos direitos documentados o art. 1.070 do Código Civil não há de ser referido, salvo excepcionalmente, porque os documentos são apenas pertenças do direito. Não houve incorporação. Mais exato é falar-se de documento do que de título. Todavia, se o documento foi concebido para se presumir a quitação da divida com a entrega dELEs <Código Civil art. 945), ou para se presumir a remissão da dívida (art. 1.058). Nos casos em que caberiam tal presunção, o art. 1.070 incide. O art. 1.070 tem a conseqUência prática de fazer eficaz a cessão que se perfez com a entrega do título. Não se tire da regra legal que a entrega do titulo, a dação da posse imediata, é, sempre, pressuposto da existência-da cessão. De modo nenhum.  cessão de crédito pode concluir-se sem a entrega da posse imediata do titulo, que é e continua a ser pertença do direito cedido. O cessionário tem direito a que se lhe faça a entrega. Se o cedente cedeu a duas pessoas e à uma delas, digamos ao figurante da cessão posterior, fêz a entrega, “prevalece” essa. Tudo ocorre como se a alienação tivesse sido de imóvel e o segundo outorgado tivesse ido registar antes do primeiro outorgado. Quer isso dizer que a cessão de crédito não transfira? Não; apenas se protege quem se muniu cedo do documento probatório do crédito (não só da cessão). Cf. 83 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 14 de outubro de 193 (A. J., 108, 605). Todavia, se o cedente ou o cessionário fêz registar o instrumento da cessão, de acordo com os arts. 185 e 1.067, há os efeitos contra terceiros, de jeito que não mais se precisa do expediente do art. 1.070, que ai não incide. É preciso que se interprete o art. 1.070 como regra jurídica que se inseriu no sistema jurídico brasileiro e tem de ajustar-se aos seus princípios. A cessão de crédito operou-se, mas a falta do registro do instrumento da cessão de crédito expõe o cessionário a não haver a eficácia contra terceiros, inclusive o segundo cessionário. Essa interpretação faz o art. 1.070 só incidir se não houve o registro de que fala o art. 135. Qualquer outra interpretação faria a pertença (o documento) passar à frente do principal. A entrega do documento (= da posse imediata) é ELEt mento necessário se não houve transferência da posse mediata, seguida do registro de que fala o art. 135. Portanto: se houve o registro, o cedente apenas tem posse imediata do título, ou nenhuma posse, por se ter transformado em servidor da posse do cessionário conforme o registro. Se não foi feito o registro, a tradição do documento pode ter sido feita longa manu, brevi manu, ou pelo constituto possessório, ou pela cessão da pretensão à entrega. Somente no último caso, outra cessão pode

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“preferir” à que se fêz, por ter sido exercida, eficientemente, a pretensão à entrega. Se foi feito o registro, pode ELE ter aludido à transferência da posse do documento, ou a terem sido perdidos ou furtados. Em qualquer dessas espécies, a entrega ao cessionário posterior não basta para que seja invocável o art. 1.070. O sistema juridico brasileiro, em matéria de posse, abstrai do animws e do colJUS. Se o instrumento da cessão, levado a registro, nenhuma alusão faz à entrega, nem por isso se pode entender que não se fêz a entrega. Ou o credor cedente tinha a posse dos documentos e. com a cessão, se transfere ao cessãonário, ou não a tinha, mas sim direito a ela, e então o que se transferiu foi esse direito à posse. Aqui é que o art. 1.070 poderia ter invocabilidade. Mas hão de ser examinadas as espécies. Se o cedente, no intervalo entre a primeira e a posterior cessão, ou após essa, adquire a posse e a transfere ao cessionário posterior, procede contra o que está no registro (cessão, direito à posse transferido ao cessonario ). O próprio cessionário posterior, que haja recebido o documento, entregue pelo cessionário non dominu.s, não pode alegar, eficazmente, que o tem, porque contra ELE está o registro. Tratando de títulos de crédito que tenham modo especial de transferência, como é o endôsso, o art. 1.070 não pode ser trazido à discussão. O art. 1.070 só se refere aos títulos-pertenças, e não aos títulos incorporantes. A 33 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 9 de dezembro de 1940 (TI. dos T., 134, 156), confundiu até certo ponto as espécies. Se A emitiu notas promissórias a favor de B, cujo procurador, com poderes especiais para recebimento, as guarda, devendo com :0 recebido solver a dívida hipotecária, não houve endôsso, nem cessão de crédito. A destinação das quantias recebidas é cláusula de negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente, e não atinge as notas promissórias, que o tomador poderia endossar. O endôsso ou o recebimento sem serem imputadas as quantias ao crédito hipotecário infringiria o negócio jurídico subjacente ou sobrejacente. não o negócio jurídico abstrato das notas promissórias. Se o vendedor que ficou encarregado de receber e pagar-se com o recebido cobrasse o crédito garantido por hipoteca, cobrasse a dívida hipotecária, o devedor poderia defender-se com a alegação de já ter pago. Aliás, com a exibição das notas promissórias pagas e do negócio jurídico subjacente ou sobrejacente, poderia pedir o cancelamento da hipoteca. Nenhuma oportunidade haveria para se invocar o art. 1.070, o que fêz a 3 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo. 3.CESSÕES DE DATAS DIFERENTES, SEM CIÊNCIA DO DEVEDOR QUANTO Às ANTERIORES A UMA DELAS. Princípio geral é o da liberação do devedor, se, antes de ter conhecimento da cessão, por ter sido notificado, ou por esse conhecimento constar de declaração escrita (Código Civil, art. 1.069), tenta prestar ou interpela o antigo credor, ou presta ao antigo credor, ou conclui qualquer negócio jurídico com o mesmo, como transação, compensação ou denúncia. Noutros sistemas jurídicos, a ciência pelo devedor tem de ser provada pelo cessionário para que se afaste a liberação ou qualquer eficácia entre antigo credor e devedor. No direito brasileiro, a prova somente pode consistir em se provar a notificação, ou na exibição do documento escrito de que cogita o art. 1.069 do Código Civil. A regra jurídica do art. 1.071 do Código Civil é, por conseguinte, simples exemplo de ineficácia da cessão de crédito, em relação ao devedor, antes da ciência por esse. Diz o art. 1.071 “Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o titulo da cessão, o da obrigação cedida”. 4.CIÊNCIA SIMULTÂNEA DE DUAS OU MAIS CESSÕES. Notificado da cessão o devedor, ou entregue por ELE a declaração escrita de que cogita o Código Civil; art. 1.069, iri une, a eficácia da cessão, em relação a ELE, está estabELEcida. Se o titulo tinha de ser restituído, a notificação ou a declaração produz os seus efeitos, porém a risco do devedor se não exigiu que o cessionário lhe apresentasse o título. Por isso mesmo, se outra cessão lhe é notificada, ou dela teve ciência o devedor e há de declarar que lhe foi comunicada, tem ELE de frisar que já fôra ciente, antes, de outra cessão. Por ocasião do pagamento, tem de depositar. É de tôda a conveniência que o devedor notificado da primeira cessão (imperfeita, por não se ter entregue o título restituível à época do pagamento), ou que faz a declaração escrita, de que se fala no art. 1.069, in tine, objete que à cessão falta a entrega, ou que mencione tal falta na declaração. Se o documento ou título não é da classe dos que têm de ser restituidos por ocasião da extinção da dívida (cf. Código Civil, arts. 945 e 1.053, a cessão a que se referiu a primeira retificação é que é a eficaz, ou aquela a que concerne a primeira declara#O escrita. Assim, quando, no art. 1.071, se diz que “fica desobrigado o devedor ... que, no caso de mais de uma cessão

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notificada” (ou de ciência declarada pelo devedor), “paga ao cessionário, que lhe apresenta, com o titulo da cessão, o da obrigação cedida”, a regra jurídica só se pode entender para as espécies em que o titulo tem de ser restituido pelo credor no caso de pagamento ou remissão (cf. arts. 945 e 1.053. Se as cessões foram simultâneamente levadas ao conhecimento do devedor, sem que o titulo ou documento houvesse de ser restituido ao devedor, ao devedor incumbe depositar em consignação o que há de prestar, ou suscitar a apreciação judicial para se declarar a titularidade do direito. § 2.836. Segunda cessão do crédito 1.NOVA CEssÃo DE CRÉDITO E ART. 1.072 DO CÓDIGO CIVIL. Se o cessionário cede, por sua vez, o crédito, o art. 1.072, 1. e 2.8 partes, incide. O segundo cessionário está exposto às objeções e exceções como estaria o primeiro e, a respeito da simulação do cedente, somente é incólume se estava de boa fé ao adquirir o crédito. Entenderam alguns, sem razão, que para essa incolumidade basta que a primeira cessão tenha sido plenamente eficaz: a aquisição de boa fé pelo primeiro cessionário tem efeito constitutivo (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 572;P.OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 820; E. ECK, Vortrlige, 1, 396; L. ENNECCERUS. Lehrbuch, II, 270, nota 10; O.WARNEYER, Kommentar, 1, 699). É preciso que se medite: a primeira cessão de crédito pode ter sido simulada, como pode ter conhecido a incredibilidade o segundo cessionário, e não a ter conhecido o primeiro, ,como ficaria esse, que conheceu a simulação da primeira cessão ou a incredibilidade do crédito? A própria simulação do- primeiro cedente com o devedor pode o segundo cessionário ter conhecido, ,‘como ficar incólume, se está, ex hpothesi, de má fé? Ésses os nossos argumentos que apoiam a opinião de L. KUHLENBECK (J. v. Staudinoers Kommentar, II, 466), H. DERNBURG (Das Burgerliche Re< lii, IX, 1, 391, nota 3), F. ENDEMANN (Lehrbuch, 1, 882, ;ota 38), CARL CROME (Svstern, II, 339, nota 33) ; F. SCHOLLMEYER (Recht der Schuldverhaltnisse, 375), H. MATTHIASS (Lehrbuch des biirgerlichen Reohts, 255) e WtYNSCHMANN (Vom pactum de non cedendo, Gruchoes Beitráge, 54, 225). Oque acina se disse é de se observar também no concurso de credores e não falência . 2.COMPENSAÇÃO. Em virtude da regra jurídica do art. 1.072, 2Y parte, o devedor pode compensar contra o cessionário com crédito contra o cedente, pôsto que o não pudesse fazer, devido à simulação, contra o cedente. SeçÃo IV EFICÁCIA DA CESSÃO EM RELAÇÃO A TERCEIROS § 2.837. Publicidade registária e eficácia 1.EFICÁCIA QUANTO AO DEVEDOR. Já vimos que a) a eficácia entre cedente e cessionário começa com a conclusão do contrato de cessão de crédito e b) a eficácia em relação ao devedor depende da notificação do devedor, ou declaração de ciência, conforme o art. 1.069 do Código Civil. Há, portanto, três momentos de eficácia: entre figurantes; em relação ao devedor; em relação a terceiros. O titular do crédito cedido é o cessionário. Mas, se o cedente, que deixou de notificar o devedor, e o não fêz, devida-mente, o cessionário, o cede a outrem, de jeito que o devedor paga ao segundo cessionário, o adimplemento libera-o. Somente não se libera o devedor que solve ao segundo ou posterior outorgado que não é o titular do crédito, se foi notificado, ou se dELE há a declaração de que fala o art. 1.069 do Código Civil. Se a cessão de crédito foi notificada ao devedor, ou ELE fêz a declaração de ciência de que fala o art. 1.069, porém não é verdade que se fêz a cessão, nem veio a fazer-se, solve bem se adimple ao que lhe disse ser o cessionário. A notificação pelo cessionário só supõe prova da cessão. Se o devedor não fica com uma das vias, é aconselhável que somente solva se exibido o instrumento da cessão, de que pode exigir exemplar ou outro meio de prova. 2.EFICÁCIA EM RELAÇÃO A TERCEIROS E REGISTRO. No art. 1.067 do Código Civil estatui-se que “não vale, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se se não cELEbrar mediante instrumento público, ou particular revestido das solenidades do art. 135 <art. 1.068)”. Há, aí, a) a exigência da escrita, mais

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a dos requisitos do art. 135, se particular o instrumento (e pode-se dar que incida, in casu, o art. 133) ; e lO a regra jurídica sobre eficácia erga omnes, com a publicidade registária (cf. art. 135, 2. parte: “Mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (art. 1.067), antes de transcrito no registro público”). O art. 134, a), 1, do Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, atende a isso, como os diplomas legislativos, a que ELE corresponde, falando da transcrição “dos instrumentos particulares, para a prova das obriga’7oes convencionais de qualquer valor, bem como da cessão de créditos e de outros direitos, por ELEs criados, para valer contra terceiros, e do pagamento com sub-rogação”. A solução da eficácia erga omnes dependente do registro foi acertada. Isso não significa, todavia, que terceiros que têm interesse no patrimônio do cessionário não possam alegar a cessão e proceder quanto ao crédito cedido, ainda que registro não tenha havido. O que faltou foi a eficácia probatória do registro. 3.CESSÃO DE CRÉDITOS COM GARANTIA REAL. A lei fala, elipticamente, de cessionário de crédito hipotecário (Código Civil, art. 1.072, parágrafo único) ; havia de dizer: cessionário de crédito garantido por hipoteca. A hipoteca, o penhor e anticrese são direitos auxiliares, que, salvo pacto em contrário, se transferência com o crédito. Bem assim, a fiança, garantia pessoal. Se há formalidade que seja indispensável ou de interesse para a eficácia da cessão, o cessionário pode promovê-la. A regra jurídica é geral. O Código Civil apenas a revelou, no tocante à hipoteca, ficando à interpretação explicitá-la em tôda a sua inteireza. Diz o art. 1.072, parágrafo único: “O cessionário (lo crédito hipotecário tem, como o sub-rogado, o direito de fazer inscrever a cessão à margem da inscrição principal”. No Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, o art. 286 enunciou: “As averbações serão feitas pela mesma forma regulada e abrangerão, além dos casos já expressamente indicados, as cessões, sub-rogações e outras ocorrências, que, por qualquer modo, alterarem o registro, quer em relação a atinéncia às pessoas que, nestes atos, figurem, inclusive a prorrogação do prazo da hipoteca, nos termos do art. 817 do Código Civil”. O mesmo havemos de entender em relação a todos os outros direitos de garantia real. § 2.838. Cessão legal de créditos e Código Civil, art. 1.067 1.FORMALIDADES REGISTÁRIÁS . Depois de dizer o Código Civil que a cessão se há de revestir das formalidades doe instrumentos públicos, ou das que o art. 135 determinou, para o instrumento particular (art. 1.067, e de aludir à eficácia em relação a terceiros, bem como à legitimação do cessionário para promover as forma]idades registArias (art. 1.067, parágrafo único, estabELEceu (art. 1.068) “A disposição do artigo antecedente, parte primeira, fio se aplica à transferência de créditos operada por lei ou por sentença’. Mas a referência ao “artigo antecedente” é só no que concerne à forma e à eficácia. A lei fio podia retirar ao cessionário do crédito, por lei ou por sentença, o direito de providenciar quanto aos direitos acessórios. 2.EnCÁCIÀ EM RELAÇÃO Á TERCEIROS. O que importa saber-se, portanto, é que a cessâo legal e a sendo judicial são oponiveis aos terceiros sem qualquer formalidade (cf. Código Civil suíço, art. 166). Hão de ser tidos como terceiros o devedor, o cessionário em virtude de cessão posterior e os credores do cedente e os do cessionário. § 2.839. Constrição de créditos 1. TERCEIROS E CONSTRIÇÃO. Terceiros podem arrestar ou seqUestrar ou penhorar o crédito, de modo que o credor não pode transferi-lo, eficazmente, porque seria iludir a medida constritiva. Na técnica científica, validade e eficácia são, como temos frisado, conceitos distintos. Algumas vêzes, os legisladores trocam um pelo outro, dando ensejo a lamentáveis erros. Ao interprete, na explicitação do sistema jurídico, restaurar o conteúdo exato das proposições. Lê-se no art. 1.077 do Código Civil: “O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora; mas o devedor que o pagar, não tendo notifícação dela, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro”. Todo o pensamento se desenrola no plano da eficáciá, a despeito da redação defeituosa da lei. Existiu regra jurídica semelhante à do art. 1.077 do Código Civil brasileiro no antiga Código suiço das Obrígações (1881), art. 196: “La eréanee frappée de saisie ne peut plus être va]ablenient cédée à partir dii mamerit oú le créancier a eu eonnaissanee de Ia saiste. Mais le paiement est valable, si le débíteur I’a fait de bonfle foi et avant d’avoir reçu connaissance de Ia saisie”. COELHO RODRIGUES (Projeto, art. 505) não atinou com o conteúdo do texto suíço, que os intérpretes colocaram no p]ano da eficácia (e. , VIRGILE

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ROSSEL, Manuel du Droit fédéral da Obligagations, 248) e trasladou a regra jurídica, com os seus defeitos de redação: “O crédito penhorado úo pode mais ser cedido pelo credor, qpe tem conhecimento da penhora, mas o devedor que o paga, ignorando esta, fica liberado, salvo o direito de terceiros contra o respectivo credor”. A mesma atitude foi a de CLÓVIS BEVILÁQUA, no Projeto primitivo, art. 1.212. Em 1911, o Código suíço das Obrigações excluiu a regra jurídica. E fêz bem: primeiro, porque se trata de princípio geral sobre eficácia das medidas constritivas, e não somente da penhora, nem somente no que concerne à cessão de créditos; segundo, porque o art. 196 da antigo Código suiça das Obrigações, como o art. 1.077 do Código Civil brasileiro, não fôra redigido. como deveria ter sido. 2.PRINCIPIO GERAL. O principio geral consiste em que, ultimada qualquer medida constritiva, qualquer transferência da propriedade, ou cessão é ineficaz em relação ao terceiro que a obteve. A ineficácia é relativa. t a essa ineficácia relativa a que se referem, aqui e ali, broncamente, os legisladores, dizendo que a transferência, o gravame ou a cessão, após as medidas constrítivas, ou a1úm outro acontecimento que restrínja a eficácia, “não vale”. “Vale” está, então, por ser eficaz; “não vale”, por ser ineficaz. Assim, o art. 1.077 há de ser lido como se lá estivesse dito: “O crédito, uma vez judicialmente constrito, não pode ser eficazmente transferido pelo credor que tiver conhecimento da constríção; mas o devedor que o pagar, não tendo notificação da medida constritiva, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro”. Já no art. 938 foi estabELEcido que, “se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros o pagamento não valerá (são) contra êstes, que poderão constranger o devedor a pagar de nôvo, ficando-lhe, entretanto, salvo o regresso contra o credor” (cp. Código Civil, arts. 793, 964 e 1.069; Código Comercial, art. 437; Código de Processo Civil, art. 937. No Código Civil comentado (IV, 236), CLÓVIS BEVILÁQUA escreveu que ‘o devedor notificado da penhora também não pode mais pagar a divida senão ao exeqtente, sob pena de pagar duas vêzes, salvo o seu direito de repetir o pagamento de quem indevidamente o recebeu”. Não está certo. O devedor, notificado da penhora, não pode pagar ao exequente, salvo a seu risco. O caso é de pagamento em coneignação (Código Civil, art. 973, V). CAPITULO IV TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS QUE NÃO SÃO CRÉDITOS § 2.840. Regras jurídicas estendidas em sua incidência 1.TRANSFERÊNCIAS DE DIREITOS NÃO CREDITÓRIOS. Sábiamos que a palavra “crédito” é aqui empregada em sentido estrito. Sempre que a lei não estabELEça diferentemente, as regras jurídicas sobre a cessão de créditos incidem em matéria de cessão de outros direitos. Primeiramente, advirta-se que incidem em se tratando de pretensões e ações, inclusive reais. Em principio é o que se passa. Todavia, a renúncia ou a cessão da pretensão de propriedade do bem imóvel somente gera exceção (aliter, a remissão da dívida ou a cessão de crédito). Tratando-se de bem móvel, o que ocorre é brevi manu traditio. Os direitos reais de ordinário estão sujeitos a regras jurídicas especiais quanto à transferência, sem que se pré-exclua a invocabilidade no que a elas escapa do art. 1.078 do Código Civil. 2.CÓDIGO Cívil, ART. 1.078. Lê-se no art. 1.078 do Código Civil: “As disposições dêste Título aplicam-se à cessão de outros direitos, para os quais não haja modo especial de transferência”. A fonte está no § 413 do Código Civil alemão: “As regras (Vorschriften) sobre a transferência de créditos têm aplicação correspondente (entaprechende Anwendung) à transferência de outros direitos, salvo se a lei dispôs diversa-mente”. Mas já o Código Civil argentino, art. 1.438, em regra jurídica que supunha, embora não escrita, a regra jurídica do art. 1.078 do Código Civil brasileiro (Código Civil alemão, apenas ressalvava: “Las disposiciones de este Título no se aplicarán á las letras de cambio, pagarés á la ordeu, acciones aí portador, til á acciones y derechos que ensu comIitucién tengan designado un modo especial de transferencia”, Passa-se o mesmo no sistema jurídico brasileiro: o que se transfere pela tradição, ou pelo endôsso, ou por outro mono especial, escapa ao art. 1.078 do Código Civil. Os direitos potestativos de resolução, resilicão, impugnaÇão, revogação e concentração (obrigações alternativas) não são cessiveis, porque dependem da re]ação jurídica a que se referem (cf. E. SEGNEL. fie Gest±Itungsrecbe, Frstqabe E. KocH, 221 s.).

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Odireito de família tem regras especiais sobre transferência de créditos e direitos. Idem, o direito das coisas e o das sucessões. Se não as têm, ou onde não as têm, as regras jurídicas da cessão de créditos incidem. Os direitos formativos subordinam-se, de regra, ao art. 1.078, 1a parte (E. SECHEL, fie Gestaltungsrechte, Fcstgabe R. KocH, 220 s.; A. BERGK, Úbertragunq and Pfiindunq kiinftiqcr Rechtc, 38). E os direitos de propriedade intELEctual, ou industrial (propriedade de patentes de invenção, marcas de indústria e de comércio, desenhos e modelos industriais, variedades novas de plantas e animais, segrê(lo de fábrica ou indústria, sinais distintivos). A cessão da rei vindicatio não é cessão elo (lireito de propriedade. O que se cede é a pretensão a reaver o bem. Não que se não possa transferir a propriedade sem a posse, mas sim porque, cx hypothesi, só se transferiu a pretensão reivindica tória <no direito romano é que sé se podia transferir a proprie<jade com a posse, cf. R. VON JHERING, tYbertragung der iindtcatio auf Nichteigentúmer, Jahrbiichúr túr die ãogrnatik, 1, 190 s.; OTTO RUER, Div sogcnannte cessão legis, 11. § 2.841. Direitos cuja transferência não se rege pelos princípios da cessão de créditos 1.REGRA JURÍDICA ESPECIAL EM CONTRÁRIO. Se há regra jurídica especial em contrário, o art. 1.078, 1a parte, do Código Civil não incide. Foi pré-excluída a analogia. Mas a regra jurídica pode não ser escrita. Se o negócio jurídico foi concebido como se a empresa outorgante tivesse de fornecer a certa data, ou quando fOr pedido, artigo ou material que substitua outro (e. g., peças de maquinaria), o art. 1.078, l parte, não incide (para exemplo no direito alemão, MANGaL», Das Zundwarenkontingent, Gnchota Beitrtlge, 58, 812). Alguns direitos formativos são incesalveis. O direito de solução convencional ou de resilição convencional, o direito de denúncia e outros semelhantes apenas auxiliam a crédito, ou estão ligados à relação jurídica. As pretensões à decretação de anulação e à desconstituição com base em rescindibilidade implicam ‘te regra a cessão do direito a que se referem. Mas pode A dever a B e continuar devedor e ceder a pretensão anulatória a C. Se a natureza do fundamento se opõe a isso, o caminho é o da procuração em causa própria. Também a oferta de contrato cria vínculo e dá ao ofertado o direito de aceitação. Ésse só é cessível se a lei não se opõe, na espécie, ou se é de ter-se como contrária a vontade do oferente. 2.REGÉNCIA EM PARTE. Pode dar-se que o art. 1.078, 1a parte, do Código Civil só em parte reja a transferência. É o que se passa sempre que à transferência do direito se exige mais e menos do que à cessão de créditos, ou quando se exige menos. 3. A circulabilidade ou concerne à mobilidade do bem (bens móveis corpóreos), ou a se tratar de título ao portador ou de titulo endossável. A tradição e o endôsso determinam a circulabilidade, que é o fim dos dois expedientes técnicos. A propósito de títulos incorporantes, ou, em geral, de títulos circuláveis ao portador ou por endôsso, é de importância forrar-se o jurista brasileiro à influência de sistemas jurídicos estrangeiros, ou de doutrinadores estrangeiros, em sistemas jurídicos que não chegaram a noções precisas de cessão, circulação ao portador e endôsso. O endôsso, no sistema jurídico brasileiro, tem conceito preciso, que corresponde ao que alcançou nos mais altos graus de. cultura jurídica. Para que a circulação se faça é preciso que se haja concebido certa coisificação do direito, inclusive crédito. Para esse resultado, o que importa é que o titulo incorpore o direito e que a incorporação, que se dê, seja suficiente nas relações do tráfico para o deslizar do bem através dos atos de tradição. CESSÃO LEGAL DE CRÉDITOS § 2.842. Conceito e natureza da cessão legal de créditos 1.INCIDÊNCIA DE REGRAS JURÍDICA 1,001k. A cessão legal cessão é e como tal se submete a regras jurídicas, edictadas para a disciplina da cessão negocial, mas adequadas às outras cessões, a legal e a judicial. Cessão legal é a transferência que se opera em virtude de lei. As regras jurídicas que incidem são quase tôdas, porém é evidente que as regras jurídicas de forma são outras (aformalidade, ou forma especial) e não é invocável o art. 1.072,2. parte.

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De regra a cessáo legal resulta de texto expresso, que determine a sucessão (cf. W. OSSWALD, Der sog. gesetzliche Fordenmgfltbergartg, 19; Motive, II, 120). Porém não é de afastar-se, a priori, a possibilidade da cessão legal oriunda de regra jurídica implícita (cf. AUGUST ESsUN, Der gesetzliche t7bergang von Forderungsrechten, 2 s.). 2.REFERÉNCL4, FEITA PELA LEI. O Código Civil alude à cessão legal no art. 1.076: “Quando a transferência do crédito se opera por fôrça de lei, o credor originário não responde pela realidade da dívida, nem pela solvência do devedor”. Correspondeu ao art. 195 do Código suíço das Obrigações (1881) e corresponde, hoje, ao art. 173, 2.8 parte, do Código suíço das Obrigações de 1911. Já o art. 1.068 pré-excluira a incidência do art. 1.067, em se tratando de cessão legal ou de cessão judicial (“transferência de créditos, operada por lei ou sentença”). 2.843. Traços distintivos no que concerne aos dois Institutos 1. DO DEVEDOR. O devedor há de estar ciente da cessão negocial de crédito para que haja eficácia contra ELE (Código Civil, art, 1.069). Salvo se lei especial o exige, não há notificação da cessão legal, bem é preciso, para se provar que o devedor conhecia a cessão, o escrito público ou particular a que se refere o art. 1.069, 2. parte. Mas a cessão legal precisa ser conhecida pelo devedor, para que, a respeito dELE, haja efeitos. Salvo regra jurídica especial, basta o conhecimento dos fatos constitutivos da transferência ex lege. 2.CONHECIMENTO PELO DEVEDOR E EFICÁCIA. Caracteriza a cessão legal independer de qualquer ato, positivo ou negativo, do credor. Pode dar-se que o ato ou fato do devedor seja um dos ELEmentos do suporte fáctico da cessão legal; não é, porém, o suporte fáctico. - O conhecimento pelo devedor apenas é requisito para a eficácia quanto a ELE, assunto que já expusemos. No caso de dupla cessão, em que da primeira, cessão I«gzs, não houve a notificação, e houve da segunda, cessão legal, ou não, certamente o credor da cessão le,qis é o único credor, mas o pagamento pelo devedor ao segundo, sem ciência, é eficaz. Para esse resultado partiam B. WINDSCHEIO <Die AcHo dos rõrnischen Civilrechts, 190) e MUSSET (Beitráge zu der Lebre Uber Rechtsgrund und Wesen der Denuntiation des Cessãonars an den Schuldner, Zeitschrift fiir Civilrocht und Prozcss, 12, 363 s.). Mas CHR. F. MÚHLENBRUCH (Die Lchre von der Cessãon der Fo?derungsrechte, 502), 1<. Au. VON VÂNCERow (Lehrbuch der Pandekten, 7. cd., § 575, nota 4, 121), M.SCHAFFER (Welchem von mehreren Cessãonaren gebúhrt, im Faíle die Forderung jedem von ihnen zu verscbiedener Zeit abgetreten worden ist, der Vorzug?, Archiv flir pruktisch.c Rechtswissenschaft, 1, cad. 18). O. BÁME (Zur Cessãonalebre, Jahrbiicher jur die Dogmatik, 1, 435), E. WINDSCHÉID (Lchrbuch, J, 9A cd., 373, H. DERNBURG <Das Pfandrecht, 1, 472) e RoBERT WALDECK (Debitor cessus, Archiv flir die civilistische Praxis, 51, 243 s.), davam preferência ao primeiro cessãonario. A confusão ressalta. A transmissão e a eficácia quanto ao 4ebitor cessus são fatos diferentes. O problema tem de ser posto no plano da eficácia e só em relação ao devedor. Quanto à cessão, em seus outros efeitos, incluído o da transferência, não há discutir-se: concluída a cessão, de acordo com a lei, transfere-se o crédito. O devedor não pode pagar ao cessionário, se não tem conhecimento suficiente da cessão. A lei protege-o, porque, se paga ao antigo credor, paga sem saber que houve a cessão. É o efeito de retirar ao devedor essa possibilidade de solver a quem sabia ser o credor que se há de obter com a notificação ou o escrito exigido pelo art. ,Qfi9, 2Y parte, do Código Civil. Dir-se-á que o art. 1.068 pré-excluiu a incidência do art. 1.067 (e. g., quanto à exigência do registro) no tocante à cessão legal. O argumento não pode sustentar-se porque o registro não supre a falta da notificação ou da declaração escrita de que fala o art. 1.069. O art. 1.068 estabELEce exceção ao art. 1.067, não ao art. 1.060. Com a morte do cessionário, o direito vai aos seus herdeiros, ainda que o ignore o devedor. O direito é cessível e o devedor precisa ser notificado d,a primeira cessão e da posterior, para eficácia em relação a ELE. Se o primeiro cedente cede a outrem, transfere o que não é seu (Nem o L?IS luris transf erre potest quam ipse habet), mas o devedor que paga a esse cessionário aparente, por ter ciência dessa cessão e não a ter tido quanto à outra, ou às outras, libera-se. § 2.844. Casos principais de cessão legal

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Não se argumente que estar obrigado a ceder é o mesmo que por lei ceder. Ainda que as espécies se pareçam, ter-se-iam de tratar separada-mente, por serem diferentes os pressupostos e as consequências. Tudo aconselha a que se vejam, distintamente, a cessão egis e a cessão de crédito por obrigação legal <“legis”, ai, é a “obligatio”, e não a “cessão”) de ceder. As duas podem estar no mesmo ensejo: se a cessão legal importa em cessão de garantia pignoratícia e a cessão do direito de penhor, na espécie, depende da tradição, de modo que há pretensão, em vez de transferência automática, há a cessão legis e pretensão à cessão. A cessão dos direitos acessórios, em conseqUência da cessão da divida principal (Código Civil, art. 1.066), não é cessão legal; tem a natureza da cessão do crédito principal (sem razão, radicalmente, CLóvís BEVILÁQUA, Código Civil comentado, IV, 229). 2.Exemplificação . Na comunhão de bens entre cônjuges, os créditos, ou os outros direitos cessíveis, se fazem comuns sem que se precise de cessão. É a isso que se chama cessão legal, ou transmissão legal. Nos casos de satisfação, em virtude do chamado direito a satisfazer, o crédito transfere-se a quem satisfaz sem que se precise de cessão negocial (e. g., Código Civil, arte. 930 e 985, XII). Se o devedor solidário satisfaz o credor, transfere-se-lhe o crédito contra os demais devedores solidários, por suas respectivas quotas (Código Civil, art. 913). Ofiador, que satisfaz o devedor, adquire o crédito contra o devedor (Código Civil, arts. 1.495 e 985, III). Na L. 3Q O., de .fideiussoribus et mandatoribus, 46, 1, PAULO enuncia que, quando o que tem devedor e fiadores, cede as ações, tendo recebido de um dos fiadores o dinheiro, se pode certamente dizer que já são nenhumas, porque percebera o seu e todos ficaram livres com a percepção. Porém não é assim; pois não recebeu em pagamento, e sim de certo modo vendeu o crédito do devedor (quodammodo nomen debitoris vendidit) e por isso tem as ações, porque está obrigado a isso mesmo, a ceder as ações (quia tenetur ad id ipsum, ut praestet actiones). O raciocínio é falho, porque se partiu da espécie em que se cederam negocialmente as ações, o que teria sido negócio jurídico supérfluo. A cessão nasce sem qualquer animua vendendi e sem animua entendi (cf. A. ESSLEN, Der gesetzliche tibergano vos Ford,eruno8reChten, 86; cp. W. LUEG, Das Eintr-ittsrecht in die Rechie Jes befriedigten Gujubigera, 8; F. SCHOLLMEYER, Der gesetzliche Eintritt is die Rechte das Giliubigera, 15). A teoria da cessão fictícia, ou da venda fictícia, é insustentável. (Se o segurador indeniza os danos, a ale transferem-se as pretensões à indenização que ao segurado assistem contra terceiros. Porém, aí, não há cessão legis, Orro de L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 282; mas cessão negocial da pretensão.) Quando o proprietário do bem hipotecado, que não é o devedor pessoal, solve a divida, que a hipoteca, ou o penhor ou a anticrese garante, o crédito transfere-se a ELE. É terceiro interessado, no sentido do art. 980 do Código Civil. A situação é semelhante àquela em que se acha o fiador que solve a divida (art. 1.495; cf. Orro Ruim, Dia sogenannte cessão legis, 28; Orro VON GIERXE, Deutaches Privatrecht, III, 207). No caso de hipoteca conjunta, rege o art. 1.495. Passa-se o mesmo em relação aos outros direitos reais de garantia. 3.FALSOS CASOS DE CESSÃO LEGAL. (a) Se o depósito em consignação se fêz e o credor não o recebeu, nem o impugnou, e sobrevelo a prescrição da pretensão do credor, pode o devedor levantá-lo, porque, então, só subsiste a divida, encoberta a eficácia quanto à obrigação, ou não subsiste, por ter adquirido a coisa o depositante. A solução resulta do art. 977 do Código Civil combinado com a regra jurídica sobre prescrição, ou sobre usucapião. Houve quem visse, ai, cessão legal de crédito (R. STAMMLER, Das Recht der Rechtsverhãltfltsse, 201). O êrro é evidente. O devedor que depositou pode levantar o depósito enquanto o credor não declara ¾ue o recebe ou não o impugna (Código Civil, art. 977). Se prescreveu a pretensão, tem ELE mais esse fato a seu favor: não lhe pode ser cobrada a dívida. Se já adquiriu a propriedade da coisa, por ser do credor a coisa depositada e ter-se dado usucapião, a aquisição é originária, e não derivada, o que de si só afasta que se possa pensar em cesso legis. No direito alemão há o § 382 do Código Civil alemão, no qual se estabELEce prazo preclusivo para o direito do credor e consequente direito de levantamento (cf. PAUL MtLIn, Die Hinterlegung zur Schuldbefreiung nach dem BGB., Jherings JahrUicher, 41, 491 s.). Não há, no direito brasileiro, tal prazo; há o de prescrição da pretensão do credor e o de usucapião. Todavia, nem no direito alemão, nem no brasileiro, há, aí, caso de cessão legis. (b)Quando se adquire em hasta pública mina ou exploração de minas, adquire-se com a propriedade da mina qualquer crédito que dela resultou (E. WESTHOEF, Bergbau und Grundbesitz, 1, 47. Mas, aí, há cessão de crédito, negocial, e não legal.

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(c) Lê-se no art. 76 do Código de Processo Civil: “Vencedor na causa o beneficiado, os honorários de seu advogado, as custas contadas em favor dos serventuários da justiça, bem como as taxas e selos judiciários serão pagos pelo vencido”. Na Ordenação Processual Civil alemã, § 124, diz-se que “os executores judiciais e advogados nomeados para a parte pobre têm autorização (sind berechtigt) para reclamar ao adversário condenado em custas o pagamento de seus honorários e despesas”. Viu-se aí cessão legal (E. SCHOTT, Das Armenrecht der deutschen ZPO., 126). Aí, há, em verdade, cessão legis, mas apenas, no direito brasileiro, quanto aos honorários de advogados. (d Em caso de transmissão condicional resolutiva de crédito, seria êrro ver-se, ao implemento da condição, cessão legal (com razão, A. ESSLEN, Der gesetzliche tiber.qa.ng von Forder’ungsrechten, 21 s.). § 2.845. Ataques à cessão legal 1.DISTINÇÕES RELEVANTES. A cessão legis, nome criado na doutrina de direito comum, não depende de ato do credor nem do juiz. Já dissemos que, se há ato do credor no suporte fáctico, a sua entrada é apenas como um dos ELEmentos fácticos. Qualquer pretensão a que se declare não ter havido a cessão legal é simplesmente de fôrça declarativa, e não desconstitutiva. Ou se alega e prova a) que não se compós o suporte fáctico sobre o qual incidiria a regra jurídica sobre a cessão legal, ou b que não há a regra jurídica, ou c) que a regra jurídica é contrária à Constituição de 1946. Nas espécies b) e c) introduz qaestio iuris, sendo desconstitutivo o pedido e) mas a constitutividade negativa apenas funciona, ai, como questão prévia. 2.ATos QUE SUPUSERAM A “CESSÃO LEGIS”. A cessão legal, cuja existência é suscetível de ser negada (declaração negativa), pode ter sido base de negócios jurídicos ou de atos jurídicos etricto sensu. Então, há a questão prévia da inexistência e o peIitum de desconstituição do negócio jurídico strtcto seneu. 3.REGRAS JURÍDICAS SOBRE VALIDADE. A cessão legal não é negócio jurídico. Não há pensar-se em invalidade. Se cessão legis não cabia, no caso, ou a lei não incidiu, ou a lei que incidiu é nula. Numa e noutra espécie não se desconstitui a cessão legal: ou houve, ou não houve. Todo julgamento, a respeito, só tem fôrça declarativa. Se a lei não incidiu e, a despeito de não haver incidido, foi aplicada, o êrro foi de aplicação da lei, e tem-se de corrigir o julgado: a desconstituição, em tal comenos, é do julgado, e não da cessão legal. Se a lei foi corretamente aplicada, mas é nula (=contrária à Constituição), a desconstituição da lei, para se declarar a inexistência da relação jurídica de cessão legis, é questão prévia na ação declaratória. § 2.846. Registro e eficácia 1.EFICÁCIA. A cessão legal é sempre eficaz, porque a lei somente incide se o credor poderia ceder e até onde poderia ceder. Somente a respeito do devedor é que ela não tem a eficácia de não se liberar o devedor que paga ao credor anterior se ainda não houve a notificação ou a declaração do art. 1.069 do Código Civil. 2.Registro. O ‘registro, de que fala o art. 35, 2a parte, do Código Civil e a que se reporta o art. 1.067, é o registro de títulos e documentos. Pode dar-se, porém, que se trate de cessão de direito real ou de pretensão real. Então, o registro feito no livro imobiliário, ou no livro a que esteja ligado, na espécie, o direito real mobiliário ou a pretensão real mobiliária, tem eficácia pró e contra todos, inclusive o devedor, que ex hypothesi, apenas é o dono do bem no momento. Todavia tem-se de prestar atenção a que a cessão do direito real ou da pretensão real não implica sempre a cessão do direito pessoal, corno se a cessão do exercicio do usufruto foi feita sem que se notificasse o locatário do imóvel usufruido. Ai, o locatário libera-se se paga ao locador por ignorar a transferência da relação jurídica de locação. Advirta-se mesmo que seria possível a alienação do imóvel sem cessar a locação, por ter o alienante ficado com a posse mediata de sublocador. CAPITULO VI

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CESSÃO JUDICIAL DE CRÉDITOS § 2.847. Conceito e natureza da cessão judicial de créditos 1.CONCEITO. No procedimento das ações executivas, por titulos extrajudiciais ou por títulos judiciais, e nas demais ações executivas, incluídas as ações de partilha e de divisão, pode o juiz adjudicar ao credor que é autor da ação. 2.NATUREZA. O ato do juiz é que é o pressuposto necessário da cessão judicial. Por ELE é que se cede o crédito. A transferência, que depende da cessão, depende, precisamente, da coisa julgada formal do ato do juiz, salvo lex specialis que submeta a eficácia constitutiva a alguma formalidade posterior. § 2.848. Cessão judicial na execução forcada 1.ADJUDICAÇÃO EM HASTA PÚBLICA OU EM VENDA E ADJUDICAÇÃO POR MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO DEVEDOR. Nos processos de execução forçada por títulos extrajudiciais (Código de Processo Civil, art. 298), ou judiciais (Código de Processo Civil, art. 882), por vêzes ocorre que o juiz adjudica ao credor o crédito que foi penhorado <Código de Processo Civil, arts. 930, V, 931, 936, 938-941). Se não há arrematação, nem adjudicação ao credor exeqUente, não há pensar-se em cessão judicial. Assim, se antes da arrematação, o devedor concorda em que se adjudique o crédito ao credor exeqúente, há, em virtude de dação em soluto, cessão negocial, e não cessão judicial. A cessão só é judicial quando o juiz atribui o crédito a alguém, sem que tenha de manifestar vontade o devedor. Se há datio in solutum, ou pagamento, inclusive por imputação, qualquer ato judicial que a isso se refira apenas declara a solução da dívida e põe termo àrelação jurídica processual A cessão judicial, nos casos que aí se apontaram, foi reconhecida pela doutrina (e. o., 1<. HELLWIC, Die Verpfàndnnq und Pfdndung von Fordcr-unq, 203 s.). 2.CESSIBILIDADE POR ATO JUDICIAL Se o crédito ou direito que não é crédito, em sentido estrito, ou a pretensão ou a ação é penhorável, pode haver a cessão judicial. Cumpre observar-se que, se a incredibilidade do crédito apenas Provei0 de convenção dos figuran5 do negócio jurídico de que se irradiou a dívida, há a penhorabilídade do crédito incessíxeí e, DOis, a Possibilidade ulterior de adjudicaçã0 ou de arrematação 3.CESSÃO JUDICIAL E EFICÁCIA EM RELAÇÃO AO DEVEDOR. A eficácia da cessão judicial, em relação ao devedor, somente se inicia com a ciência por esse de ter havido a cessão judicial. O direito processual é que diz qual o inicio para se dar tal essencia e se basta o ter tido o devedor, fora de qualquer notificação, conhecimento da cessão judicial. t possível que o efeito de não mais poder pagar ao credor executado tenha começado antes da cessão judicial. É o caso, por exemplo, do art. 939, do Código de Processo Civil, onde se estabELEce que, feita a penhora de letra de câmbio, nota promissória ou outro título de crédito, se notifique o devedor para não pagar. 4.INICIO DA EFICÁCIA EM RELAÇÃO AO DEVEDOR. O momento em que se transfere o crédito, na execução forçada, é aquELE em que transita em julgado a resolução judicial. É preciso que se DãO confunda a substituição do credor com a eficácia em relação ao devedor No direito alemão, inferior, nesse ponto, ao nOsso, há os §§ 835, alínea 3a, e 829, alíneas 2. e 3a, da Ordenação Processual Civil, que permitem interpreta ção no sentido de a cessão judicial só se concluir com a notificação ao terceiro devedor. A cessão judicial já houve, com a sua eficácia transíativa; o que falta, o que não se dá, porque deve ter havido a notificação da penhora, é a eficácia para que o terceiro devedor não se libere se paga ao credor executado § 2.849. Cessão judicial nas ações de partilha e de divisão 1.PARTILHA. Nas partilhas, quer de bens comuns em vida dos interessados, quer de herança, o crédito, ou, mais frequentemente, a quota num crédito é atribuida a um dos figurantes da relação jurídica processual. Dá-se, então, cessão judicial do crédito. Se o crédito foi deixado a todos os herdeiros, a ELEs se transmitiu, hereditâriamente, conforme suas quotas. O crédito a favor do casal nasceu na comunhão de bens, como crédito dos cônjuges, e pois credores meeiros. Se o juiz atribui todo o crédito a um dos herdeiros, ou a um dos cônjuges, houve cessão judicial das quotas pu quota que não era a do outorgado.

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2.EFICÁCIA EM RELAÇÃO AO DEVEDOR. A cessão mesma perfaz-se com o trânsito em julgado da sentença. A eficácia, quanto ao devedor, se antes não começou, somente começa de notificação ou intimação da sentença. O crédito transfere-se tal como é no momento em que se perfaz a cessão judicial. O efeito para que o devedor não possa liberar-se pagando ao credor anterior rege-se por outros princípios. Por esses é que se regem as objeções e exceções concernentes ao credor anterior, por ser, antes da ciência, relativamente ineficaz a cessão. Contra o segundo credor pode compensar o que poderia compensar contra o primeiro antes da notificação. Se pagou ao primeiro credor ou algum acordo fêz com ELE, antes da notificação ou intimação, pode opô-lo ao segundo credor. Não há pata o credor anterior dever de expedir documento legalizado da cessão judicial § 2.850. Deliberação de credores concursais, homologada pelo juiz 1.CREDORES DELIBERANTES DE MODO DE LIQUIDAR (REALIZAÇÃO DO ATIVO). Lê-se no Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 122: “Credores que representem mais de um quarto do passivo habilitado podem requerer ao juiz a convocação de assembléia que delibere em termos precisos sobre o modo de realização do ativo, desde que não contrários ao disposto na presente Lei, e sem prejuízo dos atos já praticados pelo síndico na forma dos artigos anteriores, sustando-se oprosseguimento da liquidação ou o decurso de prazos ate a deliberação final”. § 1.0: “A convocação dos credores será feita por edital, mandado publicar pelo síndico, com a antecedência de oíto dias, e do qual constarão lugar, dia e hora designados”. § 29: “Na assembléia, a que deve estar presente o síndico, o juiz presidirá aos trabalhos, cabendo-lhe vetar as deliberações dos credores contrárias às disposições desta Lei”. § 39: “As deliberações serão tomadas por maioria calculada sobre a importância dos créditos dos credores presentes. No caso de empate, prevalecerá a decisão do grupo que reunir maior número de credores”. § 4.0: “Nas deliberações relativas ao patrimônio social, somente tomarão parte os credores sociais; nas que se relacionarem com o patrimônio individual de cada sócio, concorrerão os respectivos credores particulares e os credores sociais”. § 59: “Do ocorrido na assembléia, o escrivão lavrará ata que conterá o nome dos presentes e será assinada pelo juiz. Os credores assinarão lista de presença que, com a ata, será junta aos autos da falência”. Parte dos credores, um quarto do total, requere a convocação de assembléia que delibere sobre a maneira de se realizar o ativo. As deliberações têm de obedecer à lei. Não há grande margem para as deliberações. As deliberações atendem à importância dos créditos dos credores presentes à assembléia e tomam-se por maioria relativa. Não há por onde pensar-se em cessão de crédito judicial. Há, nas vendas de crédito, cessão negocial de créditos. Diz o art. 123: “Qualquer outra forma de liquidação do ativo pode ser autorizada por credores tlue representem dois terços dos créditos”. § 1.0: “Podem ditos credores organizar sociedade para continuação do negócio do falido, ou autorizar o síndico a ceder o ativo a terceiro”. § 2.0: ativo somente pode ser alienado, seja qual fôr a forma de liquidação aceita, por preços nunca inferiores aos da avaliação feita nos termos do § 29 do art. 70”. § 39: “A deliberação dos credores pode ser tomada em assembléia, que se realizará com observância das disposições do artigo anterior, exceto a do § 39, que pode ainda ser reduzida a instrumento; público ou particular, caso em que será publicado aviso para ciência dos credores que não assinaram o instrumento, os quais, no prazo de cinco dias,podem impugnar a deliberação da maioria”. § 49: “A deliberação dos credores depende de homologação do juiz e da decisão cabe agravo de instrumento, aplicando-se ao caso o disposto no parágrafo único do art. 17”. § 59: “Se a forma de liquidação adotada fôr de sociedade organizada pelos credores, os dissidentes serão pagos, pela maioria, em dinheiro, na base tio preço da avaliação dos bens, deduzidas as importâncias correspondentes aos encargos e dividas da massa”. Aqui, o poder de deliberação cresce. Já a lei não é a cêrca dentro da qual se delibera. O art. 122, § 49, é de atender-se na formação dos dois terços. O limite, no tocante à alienação do ativo, é o preço da avaliação. As cessões podem ser de todos os créditos, ou de alguns dELEs, ou de um só. O juiz homologa a deliberação dos credores. 2.CESSÃO JUDICIAL OU CESSÃO NEGOCIAL DE CRÉDITO. Pergunta-se: ,trata-se de cessão judicial? Não. A cessão de créditos, aí, é negociei, com homologação. Porém é de imaginar-se cessão judicial se a deliberação deixa ao juiz vender ou ceder a credores da massa.

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§ 2.851. Espécies que não são de cessão judicial 1.FUNÇÃO CRIATIVA DO JUIZ. A cessão somente é judicial quando o juiz a cria. Há de ser, ab origine, judicial. Se o juiz pratica o ato, que se lhe pediu, ou que lhe cabe de oficio, porque a lei estabELEceu cessão legal, a que o ato judicial confere algum efeito, não há cessão judicial. Tão-pouco, há cessão judicial se a função do juiz é em lugar do devedor da cessão, que a ela estava obrigado. 2.PROMESSA DE CEDER (“PACTUM DE CEDENDO”). Quando alguém pede ao juiz que execute a promessa de ceder que lhe foi feita, invocando, portanto, o art. 1.006 do Código de Processo Civil, não há cessão judicial (sem razão, B. WINDSCHEID, Lehrbuch, , 9. ed., 367, e TE. Rír, em nota). A cessão é de origem negocial, forçadamente executada a obrigação de concluí-la. 3.CONFISSÃO EM JUÍZO E ESCRITURA PUBLICA. A escritura pode ser da substãncia do contrato (Código Civil, art. 134.1 e II), ou ter sido exigida pelos figurantes de algum pré--contrato (art. 133; Tornos III, §§ 251, 3, 252, 2, e 282, 1;e IV, §§ 399, 5, 7, 400, 3, e 470, 3). O cumprimento do contrato feito com infração do art. 134, II, ou do art. 133, não ratifica, porque o Código Civil fêz de nulidade a sanção. Nem, no tocante 80 art. 133, se admitiria distrato tácito (cf. art. 1.093. Todavia, pode dar-se que, chamado a juízo o figurante do negócio jurídico nulo, “confesse” que fêz, com infração de forma, o contrato. Quid juria? Nas espécies do art. 134, 1 e II, a resposta é negativa de qualquer atribuição de eficácia à confissão. Resta o caso do art. 183. No direito anterior, por se tratar de declaração de manifestação de vontade, feita em juízo, a confissão bastava como um dos ELEmentos de escritura pública, pois o juiz a informaria com a sua decisão (Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 19, pr. e § 29; Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, art. 159, que não se referiu ao caso da escritura pré-exigida negocia1ment. TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das Leis Civis, art. 377). O Código de Processo Civil, art. 233, in tine, cortou cerce a questão. Diz o art. 233: “Os erros da ação ou de processo serão sanados pela confissão, que, todavia, não suprirá a escritura pública, quando da substância do contrato”. Ora, o art. 183 do Código Civil diz que, “no contrato cELEbrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, êste é da substância do contrato”. A lei processual é que teria de conter regra jurídica como a das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 19, § 29. Em vez disso, há a regra jurídica, explícita, do art. 233 do Código de Processo Civil. Mas, ainda que se pudesse en/ornar públicamente o contrato “confessado”, a espécie seria de cessão negocial, e não de cessão judicial (sem razão, LACERDA DE ALMEIDA, Obrigaçoes, 63, nota 20; M. 1. Cavazio DE MENDONÇA, Doutrina e Prática das Obrigações, II, 117; CLóvís BEVILÁQUA, Código Civil comenta do, IV, 229). CAPITULO VII ASSUNÇÃO DE DIVIDA ALHEIA § 2.852. Conceito de assunção de divida alheia 1. DIREITO ROMANO. Para o direito romano, ceder o crédito ou transferir a divida seria incompatível com o conceito mesmo d obrigação: ou haveria novação, que podia ser com dELE gatio, ou sem ela (ex promissão). Em vez disso, o velho direito alemão conhecia a assunção de divida alheia com o assentimento do credor, instituto que foi desbotando sob a influência do direito romano, até que, ao começar o século passado, se teve de volver ao que a vida mesma reclamava. Aqui, convém que precisemos alguns conceitos: quem promete assume divida, porque ad-sumo, ad-sumere. é tomar; assumir dívida é inserir-se, como devedor, na relação jurídica. Donde a necessidade de chamarmos à Schuldiibernah.me, assunção de dívida alheia, assunção transiativa de dívida. 2. CONCEITO. O que caracteriza a assunção de dívida alheia é que, por ela, alguém se faz devedor em vez do devedor originário. Se há novação, não há assunção de dívida alheia; se há assunção de dívida alheia, não há novação. Um devedor se libera; outrem passa a ser o devedor, mantida a identidade da dívida e da obrigação, ou

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só da dívida (as dívidas sem obrigação, correspondentes a crédito sem a pretensão, são cessiveis, salvo se há incidência de regra jurídica que o pré-exclua). Contra o conceito, que aqui damos, de assunção de divida alheia, estêve E. STROHAL (Schuldúbernahme, Jherings Jahrbúcher, 57, 274 s. e 301 s.), que não admitia a cisão entre o direito de crédito e a responsabilidade do devedor (portanto, repelia a sucessão singular na divida). A questão é a mesma que a respeito da sucessão singular nos créditos, devendo-se aqui, como a proposito da cessão de créditos, afastar tôda confusão com o problema, cuja solução é, necessAriamente, no sentido negativo, de poder haver sucessão singular na mesma relação. A identidade, que se discute, é a da dívida, a da obrigação, a da situação passiva nas ações ou exceções, como se discutiu a do crédito, a da pretensão, a da situação ativa nas ações e exceções. O e/eito pode ir contra A ou B, como pode ir a favor de A ou de B. Os conceitos ontológicos de divida, obrigação, ação e exceção permitem que se pense em sucessão, transferência, cessão, assunção. O conceito de relação é que é hostil ao de identidade dela, a despeito da mudança dos termos. Se o devedor não solve a dívida, o seu patrimônio está sujeito à execução forçada, eventualmente. Por vêzes, há interesse em que se libere, desde já, o devedor, embora ainda não esteja vencida a dívida e não queira ou não possa dar algo em soluto o devedor, ou não o queira receber o credor. Outras vêzes, com a transferência de certos bens, inclusive créditos, há necessidade ou conveniência em que alguém, que os adquiriu, assuma a dívida ou as dívidas ligadas à propriedade ou à exploração dos bens transferidos. Outras espécies há em que se levanta aos interessados o problema teórico e prático da assunção de dívida alheia. Tem-se de admitir, no sistema jurídico brasileiro, como nos outros sistemas jurídicos, ainda quando não haja regras jurídicas especiais, a transferência negocial ou judicial, ao lado da assunção ex lege. Têcnicamente, para os legisladores, a assunção de dívida alheia atinge o anterior devedor e o nôvo, mas principalmente o credor. Com a assunção da dívida pelo terceiro, o credor fica diante de nôvo devedor, liberado o devedor anterior. Dificil, mente seria indiferente que o devedor fôsse A, ou fôsse B, ou C. Atrás de cada pessoa estão qualidades pessoais, responsabilidade patrimonial e circunstãncias que exercem papel de ELEmento ativo ou de ELEmento passivo quanto à solvência, à pontualidade e à correção. De lege ferenda, percebe-se que o devedor não é tão interessado quanto o credor e o assunto, pelo menos em todos os casos. Interessado ELE o é quando se faz o oferente ou o aceitante da assunção de dívida pelo terceiro. Munido de tais informes, o legislador, ou, onde não há lei escrita, o intérprete, tem de partir de que há duas espécies de assunção de divida alheia: a em que figuram o devedor e o terceiro, assunção em que é ineliminável o ato aprobativo do credor; a em que tudo se passa entre credor e terceiro, sem que haja, necessâriamente, incursão danosa na esfera jurídica do devedor. Na cessão de crédito, compreende-se que tudo ocorra entre credor e terceiro, sem que se precise de ato do devedor para a conclusão do negócio jurídico da cessão. Apenas é de mister que ELE saiba, segundo regras legais, quem é, no momento, o credor, para que possa liberar-se regularmente. Na assunção de dívida alheia, se o devedor não se fêz oferente ou aceitante, fica de fora. Quer quando ELE é oferente ou aceitante, quer quando ELE tem de aprovar o que se passou entre devedor e terceiro, o credor dispõe. Dispõe do que é seu. O devedor é que não pode de moto próprio escapar à vinculação em que se acha. Donde serem ELEmentos indispensáveis do suporte fáctico da assunção de divida alheia, como ato transíativo, a vontade do credor e a do terceiro. Quando o terceiro solve como quando o terceiro assume a dívida alheia, em verdade não se extingue a divida: o devedor está liberado quanto ao credor cedente porque outrem se substituiu a esse. § 2.853. Sucessão nas dividas 1.SE EM DIVIDAS SE SUCEDE. Primeiro é de pôr-se o problema de haver, ou não, a sucessão nas dívidas, a mudança subjetiva nos deveres (dívidas), obrigações e situações passivas nas ações e exceções. A distinção entre divida <e obrigação) e responsabilidade facilita a resposta afirmativa, porque não se pode pensar em que a responsabilidade, cessando em alguém, nasça em outrem ou continue em outrem. Tratando-se de transmissão de patrimônio, quer entre vivos quer a causa de morte, é claro que se dá a transmissão da responsabilidade: não há sucessão nas dívidas; há sucessão no patrimônio, na pELE que

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envolve direitos, pretensões, dividas, obrigações, ações e exceções; dentro do patrimônio, há o ativo e o passivo, que subsistem enquanto o direito, a divida, a pretensão, a obrigação, a ação, ou a exceção, se havia; o direito, a pretensão, a ação, a exceção, ou a divida, ou a obrigação, que sai, fica fora da esfera do patrimônio, fora da pELE que os envolvia, e cobria a todos. A responsabilidade é, ai, dependente de pertencer, ou não, ao patrimônio a divida, a obrigação, ou a situação passiva nas ações e exceções. Quem fala de responsabilidade não fala necessâriamente de situação passiva na divida. Um pode ser devedor e haver outrem, que seja responsável por ela. Outro, ou outros. Somente não se libera da responsabilidade o patrimônio se o objeto que dELE fazia parte estava e está sujeito a direito real de garantia; mas, aí, a subjetividade passiva do patrimônio está inserta na subjetividade passiva total (direitos a sujeitos passivos totais). 2. PROBLEMA. Se B assumiu a dívida de A a C, nos mesmos termos e pela mesma prestação, discute-se se a) B se pôs no lugar de A, uma vez que se transferiu a dívida tal como se dá a transferência de direitos, ou b) apenas se criou dívida nova, que, no conteúdo, coincide exatamente com a antiga (K. R. ROMEICK, Zur Technik des BGB., III, 96; R.SOEM, Der Gegenstand, 47). 8. SOLUÇÃO DO PROBLEMA. O problema, a despeito da acuidade e da informação histórica e dogmática, com que o trataram os maiores juristas do século passado e dos primeiros decênios dêste, foi mal pôsto. Não se há de confundir a sucessão na relação jurídica (transferência da relação jurídica), que não há, e a sucessão nas dívidas (transferência da dívida). Por outro lado, não é o mesmo transferir a dívida e transferir a obrigação ou a posição passiva nas ações e exceções. Na sucessão hereditária, a relação jurídica entre o credor e o decujo termina com a morte desse. A relação jurídica é outra. A dívida é que mantém a sua identidade. Como ela, as obrigações e as situações .kpassivas nas ações e exceções. Os herdeiros, titulares do patrimtnio hereditário, devem, são obrigados e podem ser acionados e estão expostos às exceções que antes se exerceriam contra o decujo. Os herdeiros podem ser constituídos em mora, incorrem em falta pelo ilícito relativo, o tempo da prescrição continua de correr contra ELEs. Quando se trata de divida, obrigação, ação ou exceção, em que a situação passiva, a pessoa do devedor, obrigado, aclonável ou excepto, só se determina por alguma ou algumas circunstâncias, não há transferência de dívida, nem de obrigado0, nem de situação passiva nas ações e exceções, porque o nascimento da dívida, obrigação, ação, ou exceção é no momento de se compor a circunstância ou de se comporem as circunstâncias: o proprietário, ou possuidor, não é devedor,ou obrigado, ou acionável, ou excepto, porque o anterior o era, e sim porque o é ELE mesmo. Entendia KONRAD HELLWIG (Lehrbuch, 1, 289) que, na reivindicação, o que sucedeu na posse responde por sucessão na dívida, portanto também porque o possuidor anterior responderia; porém tal concepção não se ajustaria bem ao que se passa, máxime a respeito da boa fé ea respeito da má fé. Nas espécies em que outrem, B, assume a dívida de A a negocialmente, cessando A de ser devedor, ainda mais se contrastam as duas teorias: a da sucessão na divida e a da divida nova (novação). Essa foi a solução romana. A investigação científica, nos nossos dias, com a sugestão do que ocorre e do que se assentou sobre a transferência dos direitos (sucessão nos direitos), pôs o problema e discutiu-o miudamente. Frisaram-se as analogias e parecenças: estava em causa conceito ontológico (dívida), e não relação; se os direitos são transferíveis, é de admitir-se que se possam transferir dividas; se não é novação o que se passa, a respeito dos direitos, seria romanismo retrógrado afirmar-se que, a respeito das dívidas, só se pode cogitar de novação. Apontaram-se, também, as diferenças: o crédito pode ser transferido, sem que o admita ou conheça o devedor (apenas não tem eficácia quanto a ELE a cessão), ao passo que, para a sucessão nas dividas, é preciso que consinta o credor, ou figure no negócio jurídico da “transferência”. No direito romano, a nova dívida era, de regra, abstrata; no direito hodierno, também. A construção como novação ou como sucessão na divida seria da máxima importância se não houvesse, no sistema jurídico, o art. 172, V, do Código Civil, que considera interrompida a prescrição se há reconhecimento: ainda que se diga que a prescrição já iniciada continuaria de correr, devido à sucessão, o negócio jurídico de

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“transferência” contém o reconhecimento do ad. 172, V, do Código Civil. Na discussão sobre a natureza jurídica do contrato de assunção de dívida alheia, cumpre distinguir a relação jurídica obrigacional e a transferência da divida. Se não há quem possa figurar na disposição, portanto no ato de transmissão, não há transferência: há assunção da divida alheia, sem sucessão, sem liberação do devedor. Existem, pois, ainda na assunção de dívida unifigurativa, dois negócios jurídicos, um em que alguém assume a divida de outrem, outro, em que se consente na transferência. Se só o terceiro e o devedor contrataram, transferência não houve. Assumir não é transferir. Foi superada a doutrina que via no ato do devedor disposição (disposição do menos, do ELEmento negativo, patrimonialmente, que é a dívida). Deve-se a E. STROHAL o que mais convincente se escreveu sobre ser de direito das obrigações, puramente, portanto de obrigação pessoal, e não transiativo, o negócio jurídico em que figura comô outorgante o terceiro, O negócio jurídico dispositivo (unilateral, transíativo, é outro, e nELE o outorgante é o credor. Na doutrina alemã, após vacilações, foi o que se assentou, e está certo (cf. FR. LEONHARD, Áligemeines Schutdrecht, 690; PH. MECK, Grundri.gs des Schuldrechts, 217; H. TITZE, Biirgerliches Recht, Recht der Schuldverhãltnisse, 4ft ed., 78). No fundo, o que se firmou foi a dispositividade do ato do credor e ser sem necessidade de cooperação do devedor a sua liberação. Alguém fica em seu lugar, o terceiro, assuntor ou assumente da divida alheia. O crédito, que se dirigia contra B, passou a dirigir-se contra C. No direito contemporâneo precisou-se que a eficácia translativa, na assunção de divida alheia, é concernente ao sujeito passivo, como se dá a respeito do sujeito ativo, na cessão de crédito. Não mais se perde tempo na discussão sobre transferência da relação jurídica, ou da dívida, conceitos falsos com que se perturbou por um século a doutrina. 4.AssUNção DE DIVIDA ALHEIA, CONTRATO ABSTRATO. A assunção de divida alheia, seja unifigurativa, seja bifigurativa, é negócio jurídico bilateral abstrato. É sem qualquer rELEvância, na relação jurídica entre o credor e o nôvo devedor, a causa, se havia, do negócio jurídico de que se irradiara a dívida que se extinguira. As exceções nascidas da assunção de dívida alheia, entre o devedor anterior e o atual, não podem ser opostas ao credor. O assuntor ou assumente pode opor ao credor as exceções que nasceram das relações jurídicas entre o credor e o devedor anterior, porque assumiu a dívida tal qual era. Não pode opor, em compensação, crédito que pertence ao devedor anterior. A abstração da assunção de dívida concerne ao negócio jurídico entre o credor e o terceiro e ao negócio jurídico do terceiro com o devedor. Ésse mesmo é inconfundível com o negócio jurídico básico, que possa existir entre o antigo devedor e o assumente. Alguns juristas alemães querem, hoje, distinguir; mas sem razão. Nos contratos em que há transmissão de propriedade, pode assumir a dívida o terceiro e ficar como credor da contraprestação o antigo devedor. Entre o terceiro e o antigo devedor pode haver, por exemplo, contrato de mútuo; mas a assunção de dívida abstrai da relação jurídica subjacente. A divida que se transfere ao assuntor é a dívida tal como é no momento da assunção. O assuntor recebe do devedor tôdas as objeções e tôdas as exceções que o devedor teria, isto é, as que remontam ao tempo anterior à assunção; ainda que posterior um dos ELEmentos para a eficácia. O assuntor pode, todavia, ter renunciado a uma, algumas ou a tôdas as renunciáveis (na dúvida, não há renúncia). Não pode o assuntor compensar com o credor o que esse deve ao devedor anterior, porque lhe falta poder de dispor desse crédito do devedor anterior. Ainda assim, se a compensação foi alegada pelo devedor antes da assunção da divida, ou se alguma pretensão extintiva ou direito potestativo foi exercido antes da assunção da divida, tem-se de entender, na dúvida, que se transferiu ao assuntor a pretensão ou o direito potestativo, porque o exercício daquela ou desse se inseriu no valor da dívida assumida. Se o assuntor ou assumente não recebeu do devedor anterior, com quem contratara, a contraprestação a que tinha direito, cabe-lhe a exceção non adimpleti contractus contra o devedor. Porém a essa exceção está incólume o credor. Se o contrato foi para se assumir dívida quando prestado o que o devedor prometera, muda o problema. Aí, ainda não houve assunção de dívida e até que haja é possível a exceção non adimpleti contractus ou non rite adimpleti contractus, ou a própria ação de resolução de contrato,

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porque o próprio consentimento do credor teria sido consentimento ao contrato tal como fôra concebido. Oterceiro pode alegar nulidade, anulabilidade ou ineficácia do próprio contrato de assunção de dívida alheia. Se houve dolo do devedor, a anulação do contrato de assunção de dívida envolve que a liberação do devedor não se deu e não ser devedor o terceiro. A anulação por êrro alcança o credor, tornando não devedor o terceiro, ainda se o credor já consentiu, e continua devedor quem o era. Oterceiro tem a condictio se a) solve sem ter devido solver, ou se b) solve sem haver dever de assumir, ou sem ter assumido. Em a), a ação de enriquecimento injustificado é contra o credor; em b), contra o devedor liberado. 5.LUGAR DE ADIMPLEMENTO. O lugar de adimplemento para a execução da dívida pelo assuntor ou assumente é, ainda em caso de dúvida, o do seu domicilio (O. WARNEYER, Konimentar, 1, 714), salvo se no contrato entre o credor e o terceiro, ou no contrato entre o devedor e o terceiro, seguido de consentimento do credor, foi estabELEcido diferentemente, ou se cabe atender-se ao art. 950, 2a parte, do Código Civil. Se o credor, ao consentir, frisou que o adimplemento teria de ser no lugar fixado pelo contrato de que se originou a dívida, ou o admite o assuntor ou não o admite, e a sua atitude é que decide a questão de se saber se houve ou não consentimento. Devemos entender que as exceções à regra de ser o domicílio do devedor o lugar do adimplemento também se hão de atender em se tratando do assuntor. Se a dívida havia de ser solvida no lugar do domicílio do devedor, certamente, com a mudança do devedor, muda o domicílio e, pois, o lugar da execução. Se, porém, houve convenção em sentido contrário, ou resulta das circunstâncias que o adimplemento há de ser em lugar diferente do domicilio, ou deriva da natureza da obrigação ou da lei tal diferença (Código Civil, art. 950, 2.a parte), tem-se de considerar o problema do lugar de adimplemento pelo assuntor ou assumente nos mesmos termos em que foi apreciado o problema do lugar de adimplemento pelo devedor substituido. 6.DIREITO REAL DE GARANTIA E ASSUNÇÃO DE DIVIDA ALHEIA. No direito brasileiro, a alienação do imóvel hipotecado, ou gravado de anticrese, e a alienação de outro bem, móvel, com gravame, deixa incólume o direito real e apenas o objeto gravado, que era do devedor, passa a ser bem gravado em garantia de divida de outrem. A assunção da dívida alheia é outro assunto. Pode-se adquirir o bem gravado sem se assumir a divida, ou assumindo-se a dívida. Ali, há, depois, garantia de divida alheia; aqui, continua de ser devedor quem é o proprietário. No direito alemão, o § 416 do Código Civil alemão prevê a espécie de aquisição do imóvel e assunção de divida, se o credor não é o adquirente. Fixa-se prazo legal para a manifestação de vontade do credor, contado da comunicação. No direito brasileiro, não há tal prazo legal, nem seria preciso estabELEcer-se, de lege ferenda. No próprio direito alemão, pode-se lançar mio das espécies ordinárias de assunção de divida alheia (O. WAILNEYER, Koinmentar, 1, 718). Apenas se tentou evitar a desarticulação da responsabilidade pessoal e do gravame. Findo o prazo legal, tem-se o não-pronunciamento como manifestação favorável de vontade. Os juristas alemães são propensos a ver, ai, fie ção; porém não há mais, com a criação do prazo legal, do que estabELEciinento possível de dever de manif estar vontade, tendo-se o silêncio como aprovação. O pensamento que exigia a assunção da divida garantida por direito real, por parte do adquirente do bem gravado, a que não se torraram suficientemente tantos juristas, também tinha de ser superado, mas, no sistema juridico brasileiro, seria importação perigosa e contra o próprio sistema, É êrro dizer-se que o adquirente carrega com a dívida (cp. A. EHRENZwEIG, Di. sou. zweigliedrigen Vertrdge, 128, nota 11): o adquirente carrega com o direito real; a divida pode incumbir a outrem e continuar como 6. A transferência da propriedade imobiliária ou mobiliária, se o bem está gravado, ou a) se faz com a assunção da divida pelo adquirente, ou b) sem ela. Regras jurídicas como a do £ 416 do Código Civil alemão têm, apenas, a ratio legis de aumentar a facilidade de a) e, pois, o número de casos, como que evitando b). Para isso, dá-se à comunicação do adquirente e do alienante ao credor a eficácia de criar dever de manifestar-se. Pressupõe-se, certamente, que o alienante seja o devedor, pósto que se pudesse conceber regra jurídica mais larga, pois também haveria

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conveniência em fazer coincidentes a titularidade do domínio, ou da enfiteuse (cp. FRANZ HKACKE, Die Schuld’ilbernahme des § 416 BGR., 22; A. LANGFELD, Mecklenburgische Austiihr’ungsverordnungen, 2; contra, de lege lata,F.ROSBUND, Die tJbernahme der persônlichen Sehuld, 2;W.GROHMANN, Der § 416 RGB. und die Angebotstheorie, 80, nota 106 a). Oportunidade semelhante à da solução técnica da comunicação criadora de dever de assumir tem-se nas hastas públicas em que se aliena o bem gravado, assumindo o arrematante a dívida do dono do prédio ou da herança (FRANZ HAACKE, fie Schuldi4bernahme des § 416 .8GB., 31). § 2.854. Objeto da assunção de dívida alheia 1.DIVIDA, OBJETO DE NEGÓCIO JURÍDICO. A assunção de dívida alheia pressupõe que a dívida exista ou venha a existir. Não se deve dizer que um dos seus requisitos necessários é a existência da divida (a fortiori, a existência da obrigação, porque as dívidas mutiladas na obrigação ou sem obrigação são assumíveis, com ou sem a conseqUência da sucessão). Se a dívida que se assume ainda não está acompanhada de obrigação, já nasce essa ao assuntor ou assumente se houve sucessão na dívida. Na assunção de dívidas alheias futuras, com o nascimento delas dá-se, em fatos conceptualmente imediatos (pràticamente, simultáneos), o nascimento da dívida e a assunção. 2. DIvIDAS ASSUMIVEIS . A assunção de dívida alheia exige que o adimplemento possa ser objetivamente feito pelo assuntor ou assumente e não haja sido pré-excluída pelo negócio jurídico ou outro fato jurídico de que se irradiou a dívida (e. g., se a obrigação é de fazer e somente pode ser adimplida pelo devedor, cf. Código Civil, arts. 878 e 880, a assunção está impedida, ou pelo menos dificultada). A bilateralidade do contrato e a complexidade da prestação não são obstáculos à assunção da divida. Não só dívidas de prestações fungíveis podem ser objeto de assunção de dívida (E. GOLPMANN-H. LILIENTHAL, Das Biirgerliche Gesetzbuch, 1, 449; HANS REICHEL, fie Schuldmitiiberuahme, 331; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 589 s.; sem razão, F. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 831). Obrigações de não fazer podem ser assumidas, se é de conceber-se na espécie e in casu (P. OERTMANN, Recht der SchuldverMltnisse, 331). Se a dívida futura é de surgimento impossível, nula é a assunção de divida alheia. A assunção de dívida alheia pode ser condicional ou a termo, inclusive pode ser condicionada ao não-pagamento pelo devedor liberado (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 714). A dívida mutilada ou sem obrigação, a dívida prescrita e a obrigação natural (F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhiíltnisse, 397) podem ser assumidas. 3.DÍVIDAS SECUNDÁRIAS. As dividas secundárias ou acessórias entende-se que estão incluídas no objeto da assunção. E. g., os interesses da mora. Quanto aos interesses convencionais já vencidos, não. A cláusula ou pacto em contrário pode pré-excluir a inclusão; bem assim, pode alterar o negócio jurídico, quanto ao objeto, o pacto posterior. 4.DIVIDA LITIGIOSA. Se alguém está ou vai estar em lide, como demandado, a propósito de dívida, nada impede que outrem assuma a dívida. Resta saber-se se a decisão tem eficácia de coisa julgada contra o assuntor ou assumente e seus sucessores, ou somente contra o devedor cuja dívida foi por outrem assumida (certos, A. MENDELSSOHN-BARTHOLDY, Grenzen der Rechtskraft, 426 s.; K. HELLWIG, Wesen und sub jektive Begrenzung der Rechtskraft, 18 s.; L. ENNECCERUS, Leh,rbuch, 1, 2, 285; II. REHBEIN, Das Euirgerliche Gesetzbuch, II, 419; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldi’erMltnisse, 397; HAVERKAMP, Zur Lehre von der Schuldtibernahme, Deutsche JuristelkZeitung, VI, 530; sem razão: E. STROHAL, Schuldtibernahme, Jherings Jahrbúcher, 57, 898; HANS REICHEL, Di. SchuldmitiÂbernahme, 533; CLAUDIUS VON SCHWERIN, Uber den Reptil! der Rechtsnachfolge, 69; EMIL JÂOOBY, Ist der Schuldúhernehmer “Rechtsnachfolger” im Sinne der §§ 325, 727, 729 Z.P.O., Deutsche Juristen-Zeitung, IX, 212). STEIN-JONAS (Kommentar zur Zivilprozessordnung, , 143 ed., 830, nota 44, e outras edições, § 825) ficaram com a opinião contrária, mas, de lege ferenda, com a solução verdadeira. No sistema jurídico brasileiro, não importa perguntar-se se o assumente é sucessor, ou se o não é. Desde que o devedor se libera com a assunção da divida pela terceiro, sucessão há.

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§ 2.855. Assunção de divida alheia e outros institutos jurídicos 1.PRECISÕES . A comparação do instituto da assunção de dívida alheia com outros institutos em que de algum modo se mude ou se aluda ao sujeito passivo apenas pode ter interésse ilustrativo, dada a tipicidade mesma do contrato de assunção de dívida alheia. 2. NovÃção. A assunção de dívida é instituto que não se pode confundir com a novação. Na novatio há outra relação jurídica onde pode acontecer que o sujeito passivo não seja o mesmo da relação jurídica extinta. Na assunção de dívida,a relação jurídica persiste: só se lhe muda o sujeito passivo. Há sucessão singular na dívida. Em direito romano, a novação operava-se pela exprornissão, negócio jurídico entre o credor e terceiro pelo qual o nôvo devedor surgia, ou pela dELEgatio debiti, se era o devedor que procurava ao credor nôvo devedor. No direito romano, era a novação com mudança do devedor que exercia a função da assunção de dívida alheia, tal e mo a construiu o direito contemporâneo. Hoje, os dois institutos existem, inconfundíveis. A confusão entre a assunção de dívida alheia e a novação foi causa do êrro de B. vON SALPIUS (Novation und DELEgation nach ràrnischem RecAÍ, 493 e 509), a propósito do conceito daquela. Menor não foi o de MENZEL (Zur Lehre von der Schuldúbernahme, Griinhuts Zeitschriff, 11, 397 s.), no tê-la como conseqUência de promessa de dclegação. Se o credor, tendo recebido de outrem letra de câmbio, nota promissória, ou outro título, libera o devedor, não se pode dizer que o terceiro haja assumido a dívida: houve novação, com mudança de devedor. 3.TRANSMISSÃO DE CRÉDITO E ASSUNÇÃO. Se A empresta a 13 a quantia z e E transfere a A a ação contra O, a quem com a quantia emprestada comprou a mercadoria ainda não entregue, a fim de que a guarde em penhor, há o contrato de empréstimo, a cessão da ação (ou da pretensão e da ação) e o pacto de empenhar. Se, em vez disso, o pacto foi para que A se pagasse com as mercadorias por certo preço, houve transmissão do crédito mesmo, com dação em soluto resultante da outorga de poder de o credor receber a mercadoria para se pagar. 4. AssINAÇÃO. A assinação ou dELEgação é a manifestação de vontade pela qual o assinante autoriza o assinado a fazer a terceiro a prestação, por conta do assinante, e o assinatário a receber a prestação em nome próprio. Há dupla autorização. Não se confunde com a assunção de divida alheia, que é mudança do sujeito passivo da relação jurídica. O assinatário não deixa de ser credor do assinante. Não há transiação da divida. 5.ASSUNÇÃO DE PASSIVO. Na convenção entre sócios pela qual um dELEs assume ativo e passivo da sociedade não há assunção de dívida, nem assunção de adimplemento (O. WARNETER, Komment ar, 1, 601) mas sim sucessão em patrimônio. 6.ASSUNÇÃO DE DIVIDA ALHEIA E CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO. A assunção de dívida alheia de modo nenhum se -confunde com o contrato a faVor de terceiro. Naquela, a obrigação do que assume a dívida é conforme, em seu conteúdo, a do antigo devedor (identidade, que é conceito à base do conceito de sucessão). É certo que, na assunção de dívida alheia, o terceiro se faz devedor, em benefício do antigo devedor; porém o que caracteriza o contrato a favor de terceiro é ser próprio o conteúdo do contrato, donde poder o promitente opor ao terceiro as exceções oriundas do contrato, e de modo nenhum exceções que emanem da relação jurídica entre o promissârio e o terceiro <credor). § 2.856. Eficácia da assunção de divida alheia 1. LIBERAÇÃO. A eficácia liberatória classifica a assunção de dívida. Se não libera, a cumulatividade ressalta. Se libera e não deixa persistir a relação jurídica, não é assunção de dívida alheia. 2.INICIO DA EFICÁCIA. A eficácia começa com a conclusão do contrato entre o credor e o terceiro: o devedor deixa de o ser; o assuntor ou assumente põe-se em seu lugar, simultàneamente. Ésse negócio jurídico é ato de disposição, porque dispõe o credor de ELEmento do seu crédito.

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Se a assunção de dívida se concluiu entre o devedor e o terceiro, há dois momentos que se têm de considerar: o em que se inicia a eficácia do contrato entre ELEs (contrato que pode ser condicionado, por exemplo, ao consentimento do credor dentro de certo prazo, porém não se presume ter sido, ainda em caso de dúvida) e o em que o credor consente, expressa ou tâcitamente. Ali, a eficácia é, de ordinário, a partir da conclusão do contrato de assunção de dívida alheia. Aqui, a partir do consentimento, se não foi estabELEcido outro momento; mas eficácia ex hino. Se a respeito da dívida há lide ao tempo da assunção de dívida entre o credor e o devedor, discutiu-se qual a influência que a assunção de divida pode ter no litígio. Ora, a litispendência não pré-exclui o poder de qualquer das partes de dispor do bem litigioso, nem de ceder a pretensão ou a ação exercida: apenás é ineficaz em relação à outra parte. A entrada no processo depende da eficácia substitutiva. Se o contrato foi entre o devedor e terceiro, tal entrada não é a líbito do’devedor, nem do credor: qualquer dELEs é interessado para promover a entrada do assuntor na relação jurídica processual, com ou sem litisconsórcio conforme a espécie, isto é, com substituição completa ou não. Se o contrato foi entre o credor e o terceiro, nada mais se pode fazer para que a substituição na relação jurídica processual não se dê: o devedor está liberado e legitimado à ação e o sucessor na dívida (sem razão, PAUL RNOKE, fie Sondernachfolge in die Schuld bei der befreienden Schuldúbernahme, Jherings Joúhrbiicher, 60, 463; E. MEISTER, fie Veràusserunq mi Streit befangener Sachen und Abtretung rechtshdngiger Artspr-uohe naoh § 265 ZPO., 64). Se o devedor ignorou até ofim a assunção de dívida, tem ELE e.rceptio doU se é o caso, ou a condict ia, se o credor se enriojueceu injustificadamente com a execução da sentença mais os proveitos que tirou do contrato de assunção unifigurativa de divida. 3. DIvIDAS ACESSóRIAS. A assunção de divida concluída entre o terceiro e o credor determina a sucessão na dívida e, ainda em caso (le dúvida, nas dividas acessórias, inclusive quanto às dívidas de juros, porém, na dúvida, não se compreendem os juros convencionais vencidos (L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, II, 485; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 285; mas G. PLANCK, Kornmentar, II, 1, 598, e E. STROHAL, Schuldúbernahrne, Jhe2’ings Jahrbúcher, 57, 315, entendiam que, na dúvida, se entendiam não incluídos os juros vencidos, ainda moratórios). A assunção de dívida concluída entre o terceiro e o devedor determina, <,brigacionalmente, a sucessão na dívida, porém essa depende do negócio jurídico unilateral do credor. O que o terceiro assume são a dívida e as dívidas acessorias, inclusive as de juros, salvo, ainda na dúvida, os juros convencionais vencidos ao assumir-se a dívida. As fianças e os direitos de penhor, legais, subsistem (P. KNOKE, fie Sondernachfolge in die Schuld bei befreiender Schúldíibernahme, Jherings Jahrbúcher, 60, 437; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhíiltnissc, , 5 ed., 2; PALANDT, Bhir.qerlich,es Gesetzbuch, 428; contra: FR. LEONHARD, Aligemeines Schnldrecht, 698; li. SIBER, Schuldrceht, 151; H. KRESS, Lehibuch des Allgemeinen Schuldrechts, 529). Ao credor convém antes de contratar com o assuntor, ou de consentir com a assunção de divida pelo terceiro, indagar da atitude do fiador, ou do empenhante, a fim de não perder o direito pessoal ou real de garantia. O consentimento do fiador, ou do empenhante, pode ser anterior, simultâneo ou posterior à assunção de dívida (O. voN GIERKE, Schuldnachfolge und Haftung, Festschrift fiir MARTITZ, 59; FR. LEoNIÇARD, Aligemeines Schuldrecht, 697; contra: H. SIBER, Sob uldrceht, 151; PALANDT, § 428). Todavia, cumpre distinguir: o consentimento prévio ou simultâneo nenhum problema oferece; o consentimento posterior tem-se de construir como ratificação do ato de gestão de negócios alheios, praticado pelo devedor, ou do ato de gestão de negócios alheios, praticado pelo credor. Por isso mesmo não há pensar-se em consentimento posterior se, ali, o devedor, ou, aqui, o credor foi explícito em Que a fiança ou o penhor não estaria incluído, como acessório, na dívida assumida. 4.OBJEÇÕES E EXCEÇÕES. O assuntor tem contra o devedor, na assunção unifigurativa de dívida, as objeções e exceções de qualquer contraente de dívida abstrata. O que importa é saber-se que, contra o credor, quer na assuncão unifigurativa quer na assunção bifigurativa de dívida, pode alegar nulidade ou anulabilidade do contrato de assunção de dívida e as relações jurídicas que haja entre ELE e o credor. Se o credor se enriqueceu sem causa, tem contra ELE a condictio; idem, contra o devedor, se tal ocorreu. Contra o credor, o assuntor tem as objeções e exceções que remontem ao tempo anterior à assunção da dívida, porque a assumiu tal qual era, salvo, se, ao assumir, renunciou a alguma, o que só se pode dar por cláusula expressa e, na dúvida, não se entende ter havido. O assuntor não pode alegar contra o credor compensação com o crédito de que é titular o antigo devedor. Não tem poder de disposição quanto a esse crédito. Mas pode alegar compensação com crédito próprio já vencido. O assuntor não pode exercer ações e opor ao credor as exceções oriundas de relações jurídicas entre ELE e o

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devedor anterior, exceções que podem ter servido de fundamento à assunção da dívida (e. g., exceção non adimpleti contractus, ação de redibição). Quanto às objeções e exceções que nasceram após a assunção de divida, ainda que antes da manifestação de vontade do credor, não as tem o assuntor (F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhãllnísse, 406; L. KUHLENBECK, J. i. Staudingcrs Kornmentar, II, 499; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 722; sem razão: O. PLANCK, Kommenear, II, 1, 608; P. OERTMANN, Recht &r SchuldverMltnmsse 340; H. DERNEURO, Das Biirgerliche Recht, II, 1, 436; E. STROHAL, Schuldúbernahme Jherings Jahrbhcher, 57, 447; R. HEIL, Die Lebre von der Schuldij bernah me, 86). A regra jurídica sobre objeções e exceções e assunção de dívida é jus dia positit’um. O que foi alegado ou oposto ao tempo da assunção de dívida e antes da aprovação terá eficácia com a aprovação pelo credor, porque há retroeficácia dessa. Ocurso da prescrição não se interrompe com a assunção da divida, nem com a comunicação ao credor. Se o contrato de assunção de dívida foi entre o terceiro e o credor ou se o credor aprovou a assunção de dívida (PAUL RNOICE, Die Sondernachfolge in die Schuld hei der befreienden Schuldúbernahme, Jherings Jahrb’Ucher, 60, 424; G. PLANCK, Komrnentar, II, .1,609), há interrupção. O credor não tem direito de retenção por dívida do anterior devedor conexa à divida assumida, salvo se quanto à dívida conexa houve eficácia da assunção de dívida (HANS REICHEL, fie Schuldmitúbcrnahrne, 391; W. WESTERKAMP, B’Urgschaft un.d Sch,uldbeitritt, 436; sem razão: O. PLANCK, Komrnentar, II, 1, 610, e E. STROHAL, Schuldúbernahme, Jhering. Jabrbiicher, 57, 366). Quanto às dívidas de alimentos, sujeitas às regras jurídicas dos arts. 399 e 401 do Código Civil, a divida, que o terceiro assume, não é mais divida de alimentos; a abstração impõe tôdas as conseqüencias. O assuntor não tem tal objeção ou exceção, quando a necessidade de sustento sobrevém ao antigo devedor (O. PLANCK, Komrnentar, II, 1, 610; L. KUHLENBECK, J. v. Standin gera Kommentar, II, 499; E. STROHAL, SchuldObernahme, Jherings JahrbUcher, 57, 328; sem razão: RADICKE, Das beneficium com petentiae des Schenkers bei der Verbúrgung und hei der Schuldúbernahme, Archiv flir Riirgcrliches J?echt, 32, 403; CARL CROME, System, II, 357, nota 7; F. SCHOLLMETER, Recht der Schuldverhãltnisse, 406), quer ao assuntor (O.PLANCE, Kommentar, II, 1, 610; O. WARNEYER, Kovnmentar, 1, 722; sem razão: HANS REICHEL, fie Schuldmitiibernahme, 891; W. WEsTERKAMP, Búrgschaft und Schuldbeitritt, 436). As garantias que são dadas ao credor são garantias do crédito. A fiança extingue-se, com a aprovação da assunção de divida pelo credor, porque bastaria a simples outorga de moratória ad devedor (Código Civil, art. 1.502), e tem de garantir pessoalmente. No direito brasileiro, a hipoteca não se extingue pela assunção transíativa de divida (aliter, no direito alemão, § 418). A aprovação não tem o caráter de renúncia às garantias reais. Nem o penhor se extingue se sobrevém aprovação da assunção de dívida alheia. 5.CONCURSO DE CREDORES. A dívida assumida é tratada no concurso de credores do assuntor como dívida sua, sem que se possa trazer ao presente o que teria sido a colocação dela se o concurso fôsse de credores do devedor antigo (cp. C. HERz, Beitrap zur Lehre von der Schíddiibernahme, 79; W. GROHMANN, Der § 416 DOR. und die Angebotstheorje, 79). § 2.857. Duas espécies de assunção liberatória de dívida 1.PRECISÃO DO ASSUNTO. Já falamos (§ 2.820) dos institutos que constituem a assunção de divida alheia e dos que se assemelham a ela. Há assunções de dívida liberatórias ( pelas quais o devedor se libera e há a traslação da divida) e assunções que não liberam (assunções cumulativas de divida). Aqui somente nos interessam as assunções liberatórias ou transíativas, porque nesta Parte 1 do Título II apenas temos de versar o assunto das transmissões de crédito e de dívidas, de pretensões, ações e exceções. Onegócio jurídico bilateral entre o terceiro e o credor, portanto sem colaboração do antigo devedor, faz o adquirente colocar-se no lugar do antigo devedor. Adquire a divida, que é, patrimonialmente, menos. Aliter, se o contrato é entre o terceiro e o devedor, negócio jurídico bilateral que não tem eficácia transíativa: só a aprovação do credor lha confere. 2.DUAS ESPÉCIES. A diferença entre a assunção de divida feita entre o terceiro e o credor e a assunção de divida entre o terceiro e o devedor está, evidentemente, na própria estrutura. Assim, naquela, há contrato que

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libera o devedor e desde logo insere na relação jurídica o terceiro, que passa a ser o devedor; nessa, há o contrato entre o terceiro e o devedor, há comunicação de qualquer dos dois ao credor e há a manifratação unilateral de vontade, receptícia, do credor. SeçÃo 1 ASSUNÇÃO UNIFIGURATIVA DE DIVIDA ALHEIA § 2.858. Conceito e natureza 1.CONCEITO. Chama-se assunção unifigurativa de divida, tomada de dívida, a de um ramo só ou de um galho, a assunção em que a relação jurídica é entre terceiro e credor, de jeito que não mais se precisa de qualquer ato para que a substituição do devedor se dê. Assunção unifigurativa de dívida é a assunção em virtude (le contrato com o credor; bifigurativa, a em virtude de contrato com o devedor, seguido e aí está o bis do consentimento do credor. 2.NATUREZA. O contrato de assunção de divida concluído entre o terceiro e o credor tem eficácia liberatória. O credor não renuncia à dívida, mas libera o devedor. Se o sistema jurídico concebe a liberação como fato que depende do devedor, tem de reputar só eficaz a transiação após consentimento, ou, pelo menos, comunicação a esse. Se, em vez disso, considera que a liberação pode ser por ato de outrem, ou, até, fato puro, porque não há prejuízo para ELE, a eficácia transiativa pode consumar-se antes de qualquer notificação, comunicação ou outro ato que se dirija ao devedor. No sistema jurídico brasileiro, não há por onde se exigir mais do que se exigiria à cessão de crédito. E há razão para nada se exigir, salvo como ELEmento de ciência do devedor de que está liberado e não mais precisa pagar. Se não sabe que não é mais devedor, as despesas que faz para pagar são por conta do credor, inclusive as de depósito em consignação e de levantamento do depósito. § 2.859. Eficácia da assunção unifigurativa de dívida 1.CONCLUSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO BILATERAL. Concluído o negócio jurídico entre o terceiro e o credor, inicia-se a eficácia entre contraentes e a respeito da dívida. A substituição pode dar-se sem que o devedor o saiba. 2.EFICÁCIA DA COMUNICAÇÃO AO DEVEDOR. A comunicação ao devedor apenas evita que ELE proceda como se devedor ainda fôsse. No que os seus atos forem praticados por nao ter o credor ou o terceiro feito a comunicação, nenhuma responsabilidade tem e pode exercer as pretensões de reembólso e pelo enriquecimento injustificado do credor ou do terceiro. A sentença proferida na ação entre o devedor e o credor tem eficácia de coisa julgada material quanto ao assuntor, porque esse é sucessor do devedor, quer o contrato de assunção de divida tenha sido entre o credor e o terceiro, quer entre esse e o devedor, tendo-se dado o negócio jurídico unilateral do credor (cf. KONRAD HELLWIG, Die Vertràge aul Leistung an Dritte, 179 s., e Wesen und sub jektive Regrenzung der Rechtskraft, 819 5.; F. SCHOIJLMEYER, Recht der Schuldverhtiltnisse, 897; A. MENDELSSOHN-BARTHOLDY, Grenzen der Rechtskraft, 455 s.; contra, sem razão: O. FISCRER, Von den subjektiven Grenzen der Rechtskraft, Jherings Jahrbiicher, 40, 174; CARL CROME, System, 1, 517, e II, 360; HANS LESSING, Regriff der Rechtsnachfolge, 7; C. VON SCHWERIN, tber den Eegriff der Rechtsnachfolge, 68 5.; 1<. R. ROMEICK, Zur Teehnik, 1H, 82 5.; RICI-IARD SCHMIDT, Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechts, 766). Na assunção bifigurativa de dívida, sucessão só se dá após o negócio jurídico do credor; na assunção unifigurativa de dívida, com a conclusão do contrato entre o credor e o terceiro se inicia. O que nada tem com a dívida em si não pode

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atingir quem só é sucessor na divida. SEÇÃO II ASSUNÇÃO BIFIGURATIVA DE DIVIDA ALHEIA § 2.860. Contrato entre terceiro e devedor 1.PRELIMINARES SÓBRE ASSUNÇÃO BIFIGURATIvA DE DÍVIDA E SUA EFICÁCIA. Diz-se bifigutativa a assunção de dívida entre o terceiro e o devedor, porque para a eficácia translativa e de mister que o credor admita a substituição. A assunção de dívida feita entre terceiro e o credor libera o devedor e obriga o assuntor. O credor dispõe do crédito contra o devedor; o terceiro faz-se devedor; o devedor deixa de o ser. Se o assumente não se torna devedor, o (levedi ‘í não se libera. Se o credor não podia dispor do crédito, a assunção de dívida é ineficaz, pôsto que possa vir a eficacizarse. A simultaneidade tios efeitos de liberai’ e de const it LI ir é ind iminúvel. Se a assunçà’: de divida foi entre ausentes, a eficácia é a partir do momento em que se ir;» dv a ace1taao (Código Civil, art. 1.086), ou conforme o art. 1.084. No nioniento em que começa a eficácia, o devedor antigo é liberado e o assuntor se torna devedor. 10(1Cm os contritentes estabELEcer outro momento para o coméço da eficácia, mas o devedor na” o deixa (le ter sido se se fixou dias a qua anterior à conclusão do contrato de assunção de dívida alheia. Ovalor do crédito mais depende da aptidão do devedor a pagar, da sua solvabilidade, do que de qualquer outro ELEmento. Daí a importância da substituição do devedor. Substituição, dissemos; porque a assunção da dívida, antes ou sem essa substituieno, mais interessa ao devedor. Desde que se pensa em transiatividade tem de ser exigido o consentimento do credor. pois que se lhe impõe outro devedor. Se é ELE mesmo quem contrata a assunção, contrata quem consente e a sua manifestação de vontade tem eficácia pronta, sem se precisar da manifestação de vontade 2.REGRAS JURÍDICAS TÍPICAS. No Código Civil alemão, § 415, alínea 8a, há duas regras jurídicas que merecem exame: a)enquanto o credor não se manifesta, é de entender-se, na dúvida, que o terceiro fica obrigado ao deve anterior a solver a dívida; 6) se recusa a aprovação ou consentimento posterior (na lei, “Genehmigung”), ocorre o mesmo. São, pois, jus interpretativum. Na falta de regra jurídica, a respeito, temos de resolver a questão com a doutrina mais aconselhável. A assunção de dívida está feita e, ex hypothesi, só depende de manifestação de vontade do credor para a eficácia transíativa. O texto alemão permitiu que, enquanto não ocorre ou se não ocorre a aprovação, se considere concluído contrato de assuncão de adiniplernento (Erfdllungsúbernabme ou que se repute somente com a eficácia de tal contrato o contrato de assunção de dívida (G. PLANa, Komrnentar, II, 1, 604). Isso seria identificar os dois contratos, ou podar a eficácia do contrato de assunção de dívida alheia. Ora, o contrato de assunção de dívida tem eficácia mais extensa que a do contrato de assunção de adimplemento, mesmo se ainda não se deu, ou se não ocorre a traslação. No direito brasileiro, o que cumpre é dizer-se que o contrato de assunção de dívida alteia produz efeitos exceto o traslativo, que não é déle desde a sua conclusão e ainda que a manifestação favorável de vontade do credor seja denegada. Durante o tempo em que se espera a manifestação de vontade do credor ou após a recusa, não pode o assuntor solver, se não o poderia como terceiro (Código Civil, art. 930 e paragrafo único). Todavia, se sol)revm a esperada aprovacão, a eficácia ex tune torna solução pelo devedor o que fôra solução pelo terceiro (e. g., o credor ignora o pagamento, por ser domiciliado fora, ou estar ocasionalmente fora). § 2.861. Comunicação do negócio jurídico ao credor 1. NECESSIDADE. A assunção de dívida bifigurativa, ou horizontal, isto é, entre os dois sujeitos passivos, tem de ser comunicada, por um dELEs, ao credor, para que esse ratifique, atribuindo-lhe a eficácia liberatória, salvo se foi comunicado, antes, por um dELEs, que se ia concluir a assunção da dívida e o credor consente. A exigência de ato de ambos os sujeitos passivos (e. g., E. SCHOLLMEVER, Recht der Sckuldverhdltnisse, 401 s. é exagêro inadmissível. O que se pode discutir é se o consentimento prévio, ou a ratificação, somente é eficaz se houve a comunicação de vontade feita pelo devedor ou pelo assumente. Entendiam que é dispensável G.

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PLANa, nas edições anteriores à 43 ed., § 415, comentário 8, e H. DERNBUR6 (Das Biirgerliche Recht, II, 1, 434) ; mas é de assentar-se que os contraentes podem ter interesse em que se não comunique, desde logo, ao credor, ou que não se comunique, ou que só se comunique em dia certo, ou quando algum fato ocorrer. 2.TEORIAS A RESPEITO DA COMUNICAÇÃO AO CREDOR. A respeito da comunicação ao credor há três teorias: a teoria da disposição (Verfúgungstheorie), que vê na manifestação de vontade negocial do devedor ato dispositivo, no próprio nome, do crédito do credor, ato dispositivo que precisa ter eficácia no tocante ao credor, de modo que se faz mister o consentimento desse, ou a ratificação; a teoria da oferta (Angebotstheorie) a teoria da representação (Vertretungstheorie). A primeira preponderou (H. GÚRGENS, Singularsuccessãon in die Schuld, Jahrbiicher fúr die Dogmatilc, VIII, 271; F. REGELSBERCER, Die Schuldúbernahme und die §§ 414-416 des 8GB., Jherings Jahrbúcher, 39, 472; J. UNGER, Schnidiibernohme, 12; O. voN GIERRE, Schuldnachfolge und Haftung, Festschrift flir E. VON MARTITZ, 54; G. PLANa, Kommentar, II, 1, 600; L. KUHLENBECK, ,1, v. Staudingers Kommentor, II, 488; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 334; E. GOLDMANN-H. LILIENTHAL, Das Bi)rqr,-liche Gesetzbuch, 1, 450, nota 8; CARL CROME, System, II, 852; E. ENDEMANN, Lchrbuch, 1, 887; L. ENNECCERUS, Lchrbuch, II, 289 s.). A segunda, a teoria da oferta, foi a que sustentaram W. VON BLUME (Beitráge zur Auslegung des deutschen 8GB., Jherings Jahrbiicher, 89, 415), E. HELLWIO (Die Vertrâge au’ Leistung an Dritte, 160) e outros. A. VON TUHR (Der Augemeine Teu, II, 9, 217), que antes já.a havia sustentado, em artigo de revista, acabou por se satisfazer com a comunicação ao credor e declaração unilateral de vontade desse. Pela teoria da representação, E. STROHAL (Schuldubernahme, Jherings Jahrbiicher, 57, 439). A comunicação é comunicação do que ocorreu; não é negócio jurídico (sem razão, FRANZ HAACKE, Die $chuldiibernahme des § 416 RGB., 33). Ê apenas ato jurídico stricto sensu. Comunica-se sem se ofertar, sem se iniciar incursão no patrimônio do credor. As regras jurídicas de capacidade e outros pressupostos de validade dos atos jurídicos stricto sensu incidem. Se a invalidade atinge apenas a comunicação feita por um dos interessados, a outra vale. Se nenhuma houve que valesse, a manifestação de vontade do credor é ineficaz (Tn. Kípp, em B. WINDSCHEID, Lehrbuch, 9. ed., 412 5.; sem razão, RICHARD HORN, Sebulduber-nalime, 75). Se o credor é absolutamente incapaz, tem de ser feita comunicação ao representante legal. Se coincide que é o devedor o representante legal, tem de ser nomeado curador especial (Código Civil, art. 387; BRETTNER, fie Schuldúbernahme beim Grundschuldserwerl, Gruchots Beitrâge, 42, 794) ou tutor ad hoe (cf. art. 413, II), pois a dívida pode sobrevir ao exercício da tutela. Alguns autores vêem na comunicação feita pelo devedor, em vez de pelo terceiro, “representação” do assurnente <e. g., A. VON TUHR, Partie Générale du Code fédéral des Obligations, II, 768) ; mas sem razão. Poder para comunicar tem qualquer dos figurantes, porque resulta do fim que ELEs colunaram: a obtenção da transíação. Qualquer dos figurantes de acordo de transmissão de propriedade imobiliária também o tem, porque o fim é a obtenção do registro. A comunicação ao credor pode ser tácita. O que é preciso é que tenha o credor conhecimento exato do que se lhe comunica. Trata-se de comunicação, e não de oferta, o que afela o Código suíço das Obrigações, art. 176, alínea 1a (“Le remplacement de l’ancien débiteur et sa liberation s’opêrent par un contrat entre le reprenant et le créancier”). A teoria que vê na comunicação oferta levaria a construir a assunção bifigurativa de dívida alheia como contrato entre, de um lado, o devedor e o terceiro e, do outro, o credor, foi repelida, a despeito de ainda a quererem sustentar, hoje, PH. HECI< (Grundriss des Sob uldrechts, 223) e JOSE? ESSER (Lehrbuch des Schuldrechts, 189), com a estrutura de contrato entre o terceiro e o credor. A manifestação de vontade do credor seria aceitação. 3.COMUNICAÇÃO DE SIMPLES. OFERTA DE CONTRATO DE ASSUNÇÃO DE DIvIDA. A comunicação pode ser de haver oferta do terceiro ou de haver oferta do devedor, para que o outro aceite se o credor consente prêviamente. Se o credor consente e o contrato se perfaz, há a transíação da dívida. Se o credor não consente e o contrato se perfaz, assunção de dívida há; o que não há é transíação. Em todo caso, a qualquer tempo, pode o credor vir a consentir, dito ratificar (melhor “aprovar”), porque a denegação de consentimento não é irrevogável: trata-se de “não” a que pode sobrevir “sim” (sem razão, A. vaN TUHR, Der Aligemeine TeU, II, 2, 246). No direito alemão, permite-se nova comunicação com a possibilidade de ser dado o consentimento, qu lhes fôra negado (O. PLANCK, Korgmentar, II, 1, 608; L.KUHLENBECK, J. v. Staudingers Komment ar, II, 489; E. DERNBURG, Das Ritrgerliche Recht, II, 1, 484, nota 4). No direito brasileiro, o que se há de entender é que o consentimento do credor, após a denegação, pode ser eficaz se a assunção de divida se concluiu e se permaneceu a vontade de obter translação, ou se sobreve-lo

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outra comunicação. § 2.862. Consentimento do credor 1.SOLUÇÃO CIENTÍFICA. A melhor e mais acorde com a ciência, de todas as construções da assunção bifigurativa de divida, é a que tem a manifestação de vontade do credor como simples manifestação de vontade em negócio jurídico unilateral, não como ELEmento de acordo, pôsto qu3 haja passo para a ingressão na sua esfera jurídica. Tem-se, portanto, de evitar qualquer influência do contratualismo suíço que transformou, com a teoria do contrato, em aceitação o consentimento do credor (cp. Código Civil suíço, arts. 176-180). Não há, no ato do credor, aceitação, que fizesse bilateral o negócio jurídico do credor; há negócio jurídico unilateral. Trata-se de manifestação unilateral de vontade receptícia. Do contrato de assunção de divida alheia resulta, para o terceiro, perante o devedor, o dever de solver a dívida. Após a manifestação de vontade do credor, a divida é do terceiro, não mais do devedor que obteve que outrem a assumisse. É preciso que se não confunda com a relação jurídica entre o devedor e o terceiro a eficácia do ato dispositivo, unilateral, do credor. Repugna-nos considerar a assunção de divida bifigurativa ou horizontal como ato de disposição de direito alheio por parte do devedor. Disporia ELE do que pertence ao credor. Tão-pouco, é de admitir-se a explicação pela oferta, OU pela representaçao O que em verdade se passa é que o contrato entre o devedor e o terceiro se perfaz e apenas lhe falta a eficácia de substituição. A substituição é efeito, efeito no tocante ao patrimônio do credor. A esse incumbe consentir, ou não consentir. A expressão “ratificar”, de que se usa para se designar a manifestação de vontade do credor depois de concluído o contrato entre o devedor e o terceiro, não esta em sentido próprio (Tomo 1V, 419) Dilata-se-lhe o sentido. O ato do credor é de eficácia semelhante a da transcrição da aquisição da propriedade imobiliária no registro, pôsto que só em relação ao credor: com o consentimento, prévio ou posterior, a substituição ocorre. Ato de disposição só há ao consentir o credor. Daí o fundamento para a teoria da eficacização traslativa. A teoria da separação entre o negócio jurídico bilateral de assunção de dívida e o negócio jurídico unilateral da translação, pelo consentimento do credor, não podia surgir de iironto e teve as suas primeiras grandes dificuldades na polémica levantada pelos que exigiam figurar o credor, necessâriamente, na assunção de dívida (sz o credor teria de ser presente à própria assunção bifigurativa; cf. O. BÀHR, tiber die Vertràge zu gunsten Dritter und Uber die Schuldúbernahme, Archh’ fiji die civiltstische Pra.ris, 67, 176 s.; Zur Beurteilung des Entwurfs eines BOR., Kritische Virrtetjahrssúhrift, 30, 364-374; F. VON CZOERNIC, Zur Lehre von der persdnlichen Haftung (iCS Kãufers ciner belasteteu Liegenschaft fúr die Hypothekarschulden, Griinhuts Zeitschrift, 17, 105-143; Tu. Ku’, Zur Lehre von der SchuldUbernahme, Jherings Jahrbiicher, 36, 361 s.; 1.DERNBURG, fie Schuldverhãltnisse, 356 s.). Tudo isso foi superado (cf. F. REGELSEERGER, tYber (lie Vertràge zu g’insten Dritter und Ober Schuldúbernahme, AreFiji’ fiir die eivilistische Praxis, 67, 18 s., 25 s.; e Die Schuldtibernahme und die § 414--416 des BGB., Jherings Jahrbucher, 39, 472 s. ; W. FLUHME, Lhe Theor-ien der Passiv-Successãon, 24 5.; R. HORN Schuldhbernahrne, 35 s.). A manifestação de vontade do credor entra no mundo jurídico como negócio jurídico unilateral. Não é ato jurídico stricto sensu, não é assentimento, própriamente dito; nem, tão-pouco, simples ELEmento de negócio juridico bilateral, que seria com-. posto pela concordância dela com oferta coletiva do devedor e do terceiro (Tu. RIFE), ou com a oferta do terceiro (W VON BLUME, L. SEUFFERT), nem ratificação, por já ter havido incursão na esfera jurídica do credor (Verfúgungstheorie). A incursão ainda não se deu quando o credor se pronuncia. Não é o mesmo o que se passa quando alguém inicia gestão de negocioss alheios, ou exerce representação sem ter poderes . Contrato, como é a assunção de dívida, tem de provir de duas manifestações de vontade, de oferta e de aceitação, porém o ato do credor, se oferta houve entre devedor e terceiro, de modo nenhum é aceitação. Se foi o devedor quem ofertou, cabe ao terceiro aceitar, ou não; se foi o terceiro que ofertou, aceita, ou não, a oferta o devedor. A construção da assunção de dívida bifigurativa como oferta dos contraentes ao credor seria oferentes seriam os dois contraentes e haveria contrato entre ELEs e o credor. Ora, do credor não depende a conclusão do contrato de assunção de divida entre o terceiro e o devedor; o que dELE depende é a eficácia substitutiia, a transíação da dívida, a mudança do sujeito passivo.

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2.CONsENTIMENTO EXPRESSO . O consentimento do credor pode ser expresso ou tácito. É de entender-se que o credor tàcitamente consentiu se recebe, sem reserva, o pagamento parcial que lhe faz o assuntor ou assumente, ou de juros, com alusão a ser em próprio nome, ou se admite a interpelação feita pelo assuntor, ou alegação de compensação. Não há, porém, consentimento tácito se o credor recebe o pagamento como se a assunção fôsse apenas assunção cumulativa, ou assunção de adimplemento. Se o credor exige do assuntor o adimplemento da obrigação, ou interpela o assuntor, ou contra ELE exerce pretensão à medida cautelar ou à condenação, ou à execução, há consentimento tácito. Se houve comunicação ao credor, qualquer ato dELE que se possa considerar de contacto com o terceiro como assumente da dívida, ou como futuro assumente da divida, consentimento é. Oque importa é que o credor manifeste a vontade de que a substituição do sujeito passivo se dê. Pode ELE consentir supêrfluamente, embora em que o terceiro assuma a dívida, cumulativamente. Não há, então, consentimento em que se opere a transíação da dívida. Para que à dívida se substitua o devedor, é preciso que tenha havido assunção de dívida entre o terceiro e o credor, ou entre o terceiro e o devedor, e, na última espécie, que o credor consinta na eficácia substitutiva do sujeito passivo. Se o que foi contratado foi assunção cumulativa de dívida e o credor consentiu em assunção transíativa de divida alheia, a traslação não ocorre: porque se consentiu em negócio jurídico que não existia. Idem, se o negócio jurídico era de assuncão de divida, portanto, para a transiação, e o credor só consentiu em assunção cumulatíva de dívida. 3.DEVER DO RECEPTOR DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO CREDOR. Se o consentimento do credor chega ao devedor, ou ao terceiro, tem esse figurante dever de comunicá-lo, tempestivamente, ao outro (F. SCHOLLMEYER, Rechi der Sebuidverhàltnisse, 400; L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Komrnentar, II, 489). Não é preciso que o credor envie o consentimento ao figurante que lhe comunicou estar por ser feita, ou ter sido concluí-da a assunção de dívida. É de repelir-se a doutrina suíça da necessidade de ser dirigido ao assuntor o consentimento do credor e só se poder dirigir ao devedor se houve outorga de tal poder. A qualquer dos figurantes pode ser dirigido o consentimento do credor, que é manifestação unilateral de vontade receptícia mas endereçável a qualquer dos interessados (já assim, A.KRETTNER, Die Schul dii bernahme nach dem 11GB., 44; RICHÃRD HORN, Schuldiibermahme, 74; W. GROHMANN, Der § .416 11GB. und die Angebotstheorie, 55; FRANZ HAACKE, Die SchuMiibernahme des § .416 11GB., 45, e a doutrina dominante), tocando ao que recebe a manifestação de vontade do credor comunicá-la aos outros. 4.FORMA DO CONSENTIMENTO DO CREDOR. A forma do consentimento é a que se exige, in caeu, para o contrato de assunção de dívida (lez specialis), ou para o contrato que se quer alterar com a mudança do sujeito passivo. Assim, no contrato de compra-e-venda de imóvel, se terceiro assume a dívida há de ser exigida a escritura pública (Código Civil, art. 124, II. A razão está em que se altera o contrato, e não em que se trata de assentimento necessarlo à validade do ato (Código Civil, art. 132, não invocável, por isso, na espécie). Não é de admitir-se, portanto, a afirmativa de O. PLANCK (Kommentar, II, 1, 602) sobre ser aformal o consentimento, ainda quando lez specialis exija determinada forma à assunção de divida; e de acolher-se o que escreveu o juiz LIPPMANN (Beitrâge zur Theorie der Schuldúbernahme des Búrgerlichen Gesetzbuchs, Arehiv fr die cávilistische Praxis, 107, 101 s.). 5.EFICÁCIA ANTES DO CREDOR SE MANIFESTAR. Até que se dê o consentimento do credor, que é negócio jurídico unilateral, à parte portanto do negócio jurídico de assunção de dívida, que se concluiu ou que se vai concluir entre terceiro e devedor, os dois figurantes estão ligados pelo contrato que fizeram, ou pela oferta que um fêz ao outro. Não há revogabili-dade do contrato que concluíram; há revogabilidade da oferta, se não se concebeu como irrevogável, ou não se fêz tal. Após o contrato de assunção de dívida e antes do consentimento, ou depois dELE, somente se pode pensar em distraio, a despeito da impropriedade terminológica do § 415 do Código Civil alemão, verbo “aufheben”, agravado por alguns tradutores e expositores que falam de “revogar”, em vez de “suprimir”. Distratar é que é. O que pode ser revogado é a comunicação ao credor, enquanto não há consentimento dELE, ou se não correu o prazo para a revogabilidade, ou para se ter como manifestado o consentimento do credor. Aliás, a revogação da comunicação somente poderia ser feita por acordo entre os dois figurantes da assunção de dívida por se fazer ou já feita (O.

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PLANCIC, Komrnentar, II, 1, 602; P. OERTMANN, Redil der Schuldverhàltnisse, 285). Dir-se-á que, se é certo que a assunção unifigurativa de dívida dispensa o consentimento do devedor, a revogação somente pelo devedor, na assunção bifigurativa de dívida, deixaria a eficácia da comunicação feita pelo terceiro e o consentimento do credor perfaria a assunção unilateral de dívida. Mas esse argumento pecaria duplamente: por confundir “comunicação” e “oferta” e por considerar “aceitação” o que apenas fôra “consentimento”. Cair-se-ia na teoria da oferta <cp. K. HELLWIG, Die Veríráge auf Leistung an Dritte, 167). Seria outro, já bifigurativo, o contrato de assunção de dívida, e nada obsta a que o assuntor, que teme, por exemplo, a invalidade do negócio jurídico da assunção bifigurativa, comunique a assunção bifigurativa e ofereça ao credor a assunção unifigurativa (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 716). 6.PRAZO PARA QUE O CREDOR SE PRONUNCIE. Qualquer dos dois figurantes pode dar prazo ao credor para manifestar a vontade (consentir ou não), tendo-se por denegado o consentimento se dentro do prazo não se envia ou não se recebe. A manifestação de vontade do consentinte não precisa ser dirigida a quem marcou o prazo (E. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 286, texto e nota 7). Se cada contraente marcou um prazo, o que importa é o prazo mais curto (L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kom ment ar, II, 4S9; G. PLANCK, Komment ar, II, .7, 604; CARL CROME, System, II, 354, nota 33; E. STROHAL, Schulditbernahme, Jherings Jahrbiicher, 57, 468; TH. Rípp, em B. WINDSCHEID, tehrbuch, fl, 93 ed., 403; sem razão: E. OERTMANN, Rechi der Schuldverhãltnisse, 336; E. GOLDMANN-H. LILIENTRAL, Das Biirgerliche Gesetzbuch, 1, 452; 1<. R. ROMEICK, Zur Teehnik, 1, 49, e Fristbestimmung, Deutsche Juristen-Zeitung, VI, 49). A manifestação de vontade do credor não pode ser com alterações ao que foi estabELEcido no negócio jurídico entre o devedor e o terceiro. Consentimento com alterações, é, aí, desaprovação, dissentimento, negação de atribuir eficácia translativa ao negócio jurídico alheio. A eficácia do consentimento é a partir da eficácia da assunção de divida. Portanto, ex tuno (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 602; E. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhtiltnisse, 398; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 717; sem razão: 1<. HELLWTC, Die Vertrdge auf Leistung an Dritte, 162; E.. STRO!IAL, Schuldflbernahme, Jherings Jahrtrúcher, 57.446). As interpelações, denúncias e atos semelhantes praticados pelo credor, permanecem eficazes (G. PLANCK, Kominentar, II, 1, 602; E. STROHAL, Schuldtibernahme, Jherings Jahrbiicher,. 57, 448). A manifestação de vontade do credor, aprobatória, de regra exsurge após a comunicação que se lhe fêz. Durante o tempo em que o devedor e o assuntor aguardam a manifestação de vontade do credor não fica em suspenso a assunção de divida alheia. O que falta é a eficácia transíativa, que só O negócio jurídico unilateral do credor pode determinar. Até a manifestação de vontade do credor, os figurantes do contrato de assunção de dívida alheia podem distratá-lo. A manifestação de vontade do credor pode ser dada antes de qualquer comunicação, ou de ter sido concluída assunção de dívida alheia. Mais: para que se facilite, eventualmente, a assunção. Se o consentimento foi prévio, com a conclusão da assunção de dívida começa a eficácia (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, TI, 291; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 717). Pressupõe-Se, porém, que tenha havido a comunicação ou o aproveitamento do consentimento pelo credor (H. TRXNKNER, Die Schuldtibernahme, &ichsisches Archiv, VII, 593; sem razão, G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 608, que dispensa comunicação ou conhecimento pelos contraentes da assunção de dívida). Não se pode mais deixar só à interpretação dizer se o credor, aprovando, liberou ou não (assim queria R. SALEILLES, De La Cessãon de., d,ettes, 145). Tôda concepção do assuntor como devedor “autorizado”, antes da manifestação de vontade do credor (e. g., W. VON BLUME, Novation, DELE gation und Schulditbertraguttg, 109 s.), é falsa. Nenhuma autorização tem ELE do devedor; a própria comunicação ao credor ELE a faz em nome próprio, porque já assumiu. No sistema jurídico brasileiro, temos de entender que, se B assumiu a dívida de A, em contrato com A, e C, credor, não consente na transíação, a necessidade de nova assunção de dívida somente ocorre se a primeira foi concebida sob a condição resolutiva de não consentir o credor. Não cabem no sistema jurídico brasileiro os argumentos, e. g., de V. A. Oro (Das Eecht der Schuldverhãltnisse des BGB., Stíehsisches Arehiv, VIII, 746) e de H. TRÂNKNER (Die Schuldbbernahme, Sdehsisches Árchiv, VII, 598).

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SEÇÃO III ASSUNCÃO DE PATRIMÔNIO E ASSUNÇÃO DE DIVIDAS 2.863. Conceito e natureza 1.AQUISIÇÃO DE PATRIMÔNIO. Na aquisição de patrimônio, o adquirente obriga-se a solver as dívidas do alienante, como se fôra o próprio devedor que as solvesse. A assunção das dívidas é, então, cumulativo, com a particularidade, em todo caso, de ser restrita às fórcas do património. Já ai se acentua diferença entre tal assunção e a ordinária assunção cumulativa de dívida. A responsabilidade do assuntor não vai além do que vale o patrimônio assumido. O adquirente só responde rum viribus. De jeito que assumir as dívidas A, B e C e assumir patrimônio em que há as dívidas A, B e C não é o mesmo, se o patrimônio do assuntor daria para se solverem as dívidas e o patrimônio assumido não dá. Qualquer pacto entre o devedor e o assumente em que esse diga que o alienante fica sem qualquer responsabilidade é ineficaz contra os credores, pOsto que vinculante entre os contraentes da assunção de patrimônio. É indiferente ter-se concebido a título gratuito ou a título oneroso o contrato de assunção do patrimônio (O. WARNEYER, Konimentar, 1, 724). 2.INICIO DA RESPONSABILIDADE DO ASSUNTOR. A responsabilidade do assuntor começa com a conclusão do contrato. e não da transferência do ativo; de jeito que pode ser demandado antes da posse dos bens do patrimônio (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 615). Se há pluralidade de adquirentes, há solidariedade passiva (O. VON GIERRE, Schuldnachfolge und Haftung, Festschrift fiir F. VON MARTITZ, 63). O contrato de assunção de patrimônio o Ver’mãgensÁibernahnevertrag ocorre não só quando se conclui contrato de transferência do patrimônio, que contém acórdo de transmissão de cada bem, crédito, divida, pretensão, obrigação, ação e exceção, em globo, como também se se concluem muitos contratos relativos a cada ELEmento, com a mesma importância prática do contrato único (O. VON GIERKE, Schuldnachfolge und Haftung, Festschrift flir F. VON MARTITZ, 67). O contrato de assunção de patrimônio pode ser condicional ou a prazo. A responsabilidade pode ser concernente a créditos condicionais e a prazo. Não altera a estrutura do negócio jurídico o terem-se pré- -excluido da assunção de patrimônio objetos ou créditos que não tenham grande significação em relação ao todo. É sem rELEvância ter o assuntor conhecimento das dívidas que estão no patrimônio, ou não ter tal conhecimento (O. WÁRNEYER, Kommentar, 1, 725). A responsabilidade solidária passiva pode referir-se a partes do patrimônio (O. PLANCK, Xommentar, 1, 1, 617; P.OERTMANN, Recht der Schzddverhizltnisse, 344), quer no tocante a devedores quer a assuntores. Pode a assunção ser somente de parte indivisa. Não há responsabilidade solidária se a alienação é de patrimônio especial em liquidação e precluíram os prazos para apresentação de créditos (nega-o A. VON TImE, Der Aligemeine TeU, 1, 571; afirma-o O. VON GIERKE, Vereine ohne Rechts/4kigkeit, 49), § 2.864. Eficácia da assunção de patrimônio 1.TRANSMISSÃO DE PATRIMÔNIO E ASSUNÇÃO SEM TRANSMISSÃO. Quando se adquire um patrimônio, há assunção das dividas. Se o patrimônio é herança, a transmissão das dívidas opera-sei porque assim estabELEceu a lei. Se o testador atribuiu a divida apenas a algum dos herdeiros ou legatários, há atribuIção cumulativa, solidária. Se o credor consente, ou se os credores consentem com a transmissão, ela se opera, a respeito de cada divida. Se a transmissão é entre vivos, o ativo transfere-se, mas as dividas não. Pari que as dividas se transfiram, é preciso que consinta cada credor. Todavia, com a aquisição do patrimônio dá-se a assunção das dividas pelo

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adquirente. Donde surgir a figura da assunção cumulativa de dividas. Desde o momento em que se conclui o contrato, qualquer credor pode exercer a sua pretensão então existente, não somente contra quem foi o titular do patrimônio até então como contra o adquirente do patrimônio. Não importa se no instrumento do contrato se falou de total dos direitos e dívidas, ou de patrimônio, ou de emprêsa (ou estabELEcimento), ou em particular de cada bem e divida. Se o acordo de transmissão só mencionou parte dos bens do patrimônio, ou se apenas se referiu a alguns bens determinados, mas, em verdade, atingiu, essencialmente, o patrimônio mesmo, tem-se de entender que houve assunção cumulativa das dívidas. Não importa se foram feitos contratos separados, com a mesma ou com diferentes pessoas. 2.LIMITAÇÃO OBJETIVA DA RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. A responsabilidade do adquirente do patrimônio é objetivamente limitada, à semelhança do que acontece com a dos herdeiros (Código Civil, ad. 1.587). O ônus da prova do excesso, do ultra vires, incumbe ao adquirente. Quando se transfere a firma ou emprêsa comercial, ou industrial, o adquirente assume cumulativamente a divida. Só há liberação do alienante se todos os credores consentirem, ou, a respeito de cada dívida, se o credor respectivo consentir. É preciso que se não confundam tais regras jurídicas, extraídas dos próprios institutos da assunção transíativa ou liberatória de dívida alheia e da assunção cumulativa, com as que concernem à proteção dos credores contra a fraude contra ELEs (e. g., Código Civil, art. 107). Não se tem de propor qualquer ação de constituição negativa contra o alienante. SEÇÃo IV ASSUNÇÃO CUMULATIVA DE DIVIDA § 2.865. Conceito e natureza 1.ASSUNÇÃO UNIPIGURATIVA CUMULATIVA. O terceiro pode assumir, perante o credor, a divida alheia, sem que se estipule a liberação do devedor. Chamar-se a tal assunção de dívida alheia assunção confirmativa é evidentemente impróprio. Poder-se-ia dizer multíplice. Melhor é assentar-se o nome de assunção cumulativa de dívida. <No direito brasileiro, tôda assunção de dívida entre devedor e terceiro é cumulativa, até que o credor consinta e se transfira a dívida, liberado o devedor. Tôda assunção de dívida entre credor e terceiro tem-se por liberatória e, pois, transíativa, salvo se foi assente que somente seria cumulativa.) Na assunção cumulativa de divida, o anterior credor não se libera e o terceiro faz-se segundo devedor, sendo a dívida a mesma. O credor pode ir contra qualquer dos dois. Aliás; pode dar-se que ocorram três ou mais assunções. A assunção cumulativa de dívida favorece o credor, que passa a ter dois ou mais devedores em vez de um, e nenhum alcance tem quanto à transmissão. Dai ser dispensável o consentimento do credor d. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, ed. de 1954, 328; FR. LEoNITARD, Aligemeines Schuldrecht, 699; WEIGELIN, Schuldbeitritt, 9; PH. RECK, Grnndriss des SchuZdrechts, 218; sem razão, W. WESTERKAMP, RUrgschaft und Schíddbeitritt, 224 s.). A relação oriunda da assunção cumulativa de dívida é de direito de obrigações, puramente pessoal (= não transiativa da dívida). 2.ASSUNÇÃO BIFIGURATIVA CUMULATIVA. A assunção cumulativa só estabELEcida entre devedor e outrem implica estipulação a favor de terceiro, que é o credor, porém não contrato a favor de terceiro prôpriamente dito, porque a obrigação do devedor que se cumula ao outro se há de reger, em seu conteúdo, conforme a obrigação já existente do devedor originário. 3.FINALIDADES DA ASSUNÇÃO CUMULATIVA DE DIVIDA. De ordinário, a assunção cumulativa de dívida concerta-se com a finalidade de maior segurança ao credor. Em vez de um só, há dois ou mais devedores. Com isso, facilita-se a prorrogação do prazo da dívida, ou o aumento, ou evita-se a execução forçada imediata, ou prevista. A diferença em relação à fiança está em que o fiador responde por dívida alheia e o assuntor, na assunção em geral, por dívida própria, em lugar (assunção liberatória de dívida alheia) ou aó lado do devedor já existente (assunção cumulativa de divida). A obrigação do fiador depende da existência e conteúdo da dívida do devedor afiançado, que é devedor

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principal. A obrigação do assuntor, na assunção cumulativa de dívida, tem conteúdo próprio, pôsto que de regra coincidente com o conteúdo da obrigação do devedor originário. Nem sempre é fácil pois o norncn inris, que se empregou, pode ser errado dizer-se se foi prestada fiança, ou se foi assumida, cumulat ivamente, dívida alheia. Na duvidas, entende-se que se afiançou. Todavia, na interpretação cio negócio juridico, convém atender-se aos usos e costumes. Tratando-se, por exemplo, de locação de prédios, é de entender-se que se deu fiança pelos alugueres futuros, e não que se assumiu dívida alheia futura. Se se prometeu avalizar títulos cambiários que ainda têm de ser emitidos, em caso de dúvida é de julgar-se que se assumiu dívida futura, ou que se pré-contratou, o que é mais acorde com o negócio jurídico. Os negócios jurídicos resultantes de cartas ou bilhetes em que se diz “pode entregar as chaves”, “garanto o que A comprar aí no seu armazém”, “fico responsável pelo meu lado, a que muito agradou a roupa que me fêz e quer urgentemente que lhe faça algumas”, são fianças. AquELEs em que se escreve “sei que a dívida de E é de .r e fico responsável ela” são casos de assunção cumulativa de dívida. credor a assunção cumulativa de dívida e o credor vai contra o assuntor, pode esse alegar que o negócio jurídico da assunção cumulativa ainda não tem eficácia em relação ao credor, o que odispensa de qualquer objeção ou exceção. § 2.866. Eficácia da assunção cumulativa de dívida 1.CUMULAÇÃO. OBJEÇÕES E EXCEÇÕES. O devedor assumente somente pode opor as objeções e exceções fundadas na relação jurídica entre o credor e o devedor originário. Se não foi comunicada ao credor a assunção cumulativa da divida, ainda não tem o credor pretensão e ação contra o assuntor. Após a comunicação, pode o credor liberar o devedor <o que transforma a assunção cumulativa de dívida em assunção liberatória), ou apenas tomar conhecimento da assunção cumulativa dc clívi<Ia de que se lhe deu notícia. 2.O QUE O ASSUNTOR PODE OPOR. O assuntor pode alegar nulidade, anulabilidade ou ineficácia do negócio jurídico da assunção cumulativa de dívida. O assuntor não pode alegar compensação de crédito que pertence ao devedor originário ou anterior. Não lhe é dado opor qualquer exceção tirada (lo negócio jurídico básico entre ELE e o devedor. Se não foi comunicada . CAPITULO VIII ASSUNÇÃO E TRANSMISSÃO LEGAIS DE DIVIDA § 2.867. A chamada “assunção legal de divida” 1.CONCEITO. Quem assume, obra por moto próprio. Daí a impropriedade da expressão “assunção legal de dívida”. Mas a impropriedade é a mesma que se censurou à cessão legis:

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quem cede também obra de moto próprio. Mais se atende, numa e noutra espécie, à eficácia do que à fonte. 2.“MODuS OPERANDI”. A transmissão legal de divida ou se opera pela transmissão de patrimônio a outra pessoa, ou pela transmissão de algum direito que esteja gravado, ou sobre o qual haja obrigação ligada ao bem, ou por fôrça de lez specialis. Em todos os casos, o devedor deixa de ser (“vedor, e outrem, que o não era, passa a dever. De regra, transmitem-se o direito, as pretensões e as ações, porém não é de afastar-se, a priori, que só se transfira o direito, extinguindo-se as pretensões e ações, ou só as pretensões ou as ações. § 2.868. Espécies de transmissão legal de divida 1.PATRIMÔNIO HEREDITÁRIO. As dívidas compreendidas no património do decujo transmitem-se, ainda se há testamento em que diversamente se disponha, aos herdeiros universais. A herança”, diz o art. 1.796 do Código Civil, “responde pelo pagamento das dividas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros cada qual em proporção da parte, que na herança lhe coube”. O testador pode dizer que a divida tal será paga com os bens tais, de modo que a herança somente responde se os bens apontados não bastarem. De qualquer modo, no que se atribuiu ao herdeiro ou legatário, não se pode falar de transmissão legal. A transmissão legal das dívidas do falecido, respeitado o art. 1.587, 1. parte, do Código Civil, é jus cogens. 2.OUTROS PATRIMÔNIOS. No direito brasileiro, o patrimônio , em si, pode ser objeto de negócio jurídico, inclusive de ato de disposição. O art. 57 do Código Civil tem alcance que lhe dá situação particular em direito comparado. Outrossim, o art. 714. O direito sobre o patrimônio é transmissível, por ato unitário, e apenas a eficácia transíativa quanto a determinados bens e dívidas depende das regras jurídicas especiais. Em geral, as dividas transferem-se, legalmente, sob a forma de assunção cumulativa de dividas. Desde o momento da conclusão do contrato, os credores podem exercer as pretensões que no momento existirem, quer contra quem foi o titular quer contra quem o no momento (sucessor no patrimônio). A responsabilidade do adquirente limita-se ao que lhe foi’ cedido, como ativo. Tal responsabilidade é de direito cogente. 3.TRANSMISSÕES LEGAIS A RESPEITO DE BENS SINGULARES. Ás vêzes, a lei liga a certo bem dividas que a ELE concernem; de jeito que sucede nas dívidas, por lei quem negocialmente ou por lei sucede na titularidade do bem. É o assunto dos impostos territoriais e prediais. Ou a assunção legal é transíativa, ou é cumulativa. Só a respeito daquela se pode falar de transmissão legal de divida. CAPITULO XX ASSUNÇÃO E TRANSMISSÃO DE DIVIDA. JUDICIAIS § 2.869. Conceito de assunção e transmissão judiciais de divida 1.ASSUNÇÃO POR ATO JUDICIAL. Sempre que a lei dá ao juiz o poder de fazer responsável alguém pela dívida de outrem, há assunção por ato judicial: o terceiro fica no dever de solver a dívida. Tal assunção coacta pode ser cumulativa ou transitiva. 2.TRANsMISsÃo JUDICIAL DE DIVIDA. Se a assunção coacta produz translação, isto é, liberação do devedor e inserção do terceiro na relação jurídica de divida, há transmissão judicial de divida. Sempre que o juiz, para comodidade da parte, atribui a um dos herdeiros certa divida, ou certas dívidas, há transmissão judicial. É preciso que se não confunda tal espécie com aquela em que o juiz apenas homologa partilha de bens e dívidas, por terem os interessados acordado na distribuição dELEs e delas, ou somente delas.

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§ 2.870. Eficácia da transmissão judicial 1.DECISÃO JUDICIAL E EFICÁCIA. A transmissão judicial, como a atribuição cumulativa judicial, só se opera com a eficácia constitutiva ou executiva da decisão. Por isso mesmo, em principio, depende do trânsito em julgado da decisão que constituiu ou transferiu a dívida (eficácia de coisa julgada formal da decisão). Nada obsta a que, pelo teor da decisão, a eficácia seja a partir de certo momento no passado ou no futuro, inclusive no tocante a interesses (dividas acessórias). 2.CREDOR E ATO JUDICIAl DE ATRIBUIÇÃO DE DIVIDA O credor tem de consentir na transmissão judicial, para que ela se possa produzir. É o que ocorre, nos inventários e partilha, quando se ordena a audiência dos credores sobre a partilha se alguma divida é atribuida a um ou alguns dos herdeiros. Enquanto o credor não consente, não há a eficácia transiativa; se não consente, ou nio foi ouvido, a decisão judicial somente tem o efeito de atribuição cumulativa de dívida (e. g., responde o herdeiro; se ELE não solve, a herança). Há de entender-se,se nada se dispôs diversamente, que há solidariedade (respondem o herdeiro e a herança). O segundo devedor deve o mesmo que o anterior. Se um paga, extingue-se o crédito. CAPITULO 1 NEGÓCIO JURIDICO, OBJETO DE TRANSMISSÃO § 2.871. Créditos e dividas, pretens5es e obrigações 1.CESSÃO E ASSUNÇÃO TOTAIS. Nos sistemas jurídicos, as legislações, em geral, só se preocuparam com as regras jurídicas sobre a cessão de créditos singulares e a assunção de dívidas alheias singulares. Não se pensou em redigir o que regularia a cessão de todos os créditos e a assunção de tôdas as dívidas oriundos de relação jurídica fundamental. No entanto, há, na teoria e na prática, como perfeitamente inserta no sistema jurídico, a substituição do declarante, nos negócios jurídicos unilaterais, ou do contraente ou acordante, nos negócios jurídicos bilaterais. Têm-se, assim, o problema da substituição do promitente unilateral e o problema da substituição do que acordou ou contratou. Alguns juristas tentaram desconhecer ou negar a transferência global, a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico: haveria apenas transferências de direitos, singularmente (e. g., E. SCHOLLMEYER, Recht der Schulclverhdltnisse, 361; H. SIBER, em G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 548 s.) ; mas sem razão. Conforme veremos, a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico é mais do que a soma das transferências de créditos e dívidas, pretensões e obrigações ou ações. O Código Civil brasileiro prevê a transferência da posição jurídica de locatário no contrato de locação (arts. 1.201, parágrafo único, e 1.197; Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1989, arta. 136, inciso 1.0, e 178, a), IX). Se há cessão do crédito garantido com direito real de penhor, com a obtenção da posse da coisa empenhada, dá-se a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico. Posteriormente, II. SIBER (Die schuldrechtliche Vertragsfreiheit, Jherings Jahrbúcher, 70, 294 s.) mudou, completamente, de opinião, frisando tratar-se de figura assepte, a da transferência unitária e integral do contrato. Entendamos:da posição subjetiva no negócio jurídico. Empregamos, por vêzes, as expressões “transferência do negócio jurídico”, “transferência do contrato”, “negócio jurídico transferendo”, “negócio jurídico transferido”. Advirta-se, porém, em que há elipse em qualquer delas. O que se transfere não é o negócio jurídico, mas a posição do figurante do negócio jurídico. Há transferência, da posição do figurante, que a outorga, no negócio jurídico, e não desse. Negócio jurídico transferendo está por posição subjetiva transferenda no negócio jurídico. Não há negócio jurídico transferido, mas sim posição subjetiva transferida no negócio jurídico. O que se transfere é a titularidade e a passividade: o

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que se muda é o sujeito. Não se trata de negócio jurídico plurilaterál, de formação progressiva. O que se transfere são os ELEmentos ativos, transferência totalmente eficaz, na cessão de créditos (Código Civil, art. 1.069) e de outros direitos (art. 1.078), com a notificação do devedor ou sujeito passivo, e os ELEmentos passivos, a respeito dos quais são de invocar-se, por analogia, os princípios que regem a assunção de dívidas. O figurante permanecente é, aí, o sujeito ativo e passivo, que consente, por declaração unilateral de vontade. Mas há plus, de que falaremos. t. 2.TRANSFERÉNCIA DOS DIREITOS E DEVERES DO PROMITENTE UNILATERAL. O promitente unilateral pode ser substituído por outrem, desde que não haja prejuízo para os beneficiados. Por exemplo: prometeu A que daria x a quem descobrisse certa fórmula, ou que daria o prêmio de x a quem vencesse em concurso. Se B entende que há de substituir A, em próxima falência, porque a fórmula ou o concurso lhe interessa, ou por outro motivo, pode fazê-lo. Em tudo que ofender os interesses dos beneficiados, ou concorrentes, a substituição n5o se dá, no tocante à dívida de x. Enquanto a promessa unilateral de A pode ser revogada, assunto que se terá de versar, oportunamente, a propósito de promessas unilaterais em geral, pode A fazer-se substituir, integralmente. Cumpre, porém, advertir-se em que, enquanto a declaração unilateral de vontade é revogável (cf. Código Civil, ad. 1.514), pode o promitente fazer-se substituir por outrem. A promessa cumulativa, essa, por ser sem qualquer prejuizo para o unus ex publico, ou beneficiado, de modo nenhum precisa de atenção ao comêço da irrevogabilidade. a.ACÔRBOS E CONTRATOS. Nos acordos, como o de transmissão, e nos contratos unilaterais, a substituição tem de atender aos princípios dos dois institutos, a cessão de créditos e a assunção de dívida alheia, mas pode haver a figura da transferência da posição subjetiva. Nos contratos bilaterais, a figura da posição subjetiva no contrato, chamada, por elipse, transferência de contrato, acentua-sé, e apresenta caracteres dignos de exame. O Código Civil, art. 1.201, parágrafo único, alude à transmissão negocial da posição subjetiva no contrato, ao dizer, a propósito do locatário: “Pode também ceder a locação, consentindo o locador”. O legislador sabia, perfeitamente, que sublocar não é “ceder” a locação: quem subloca não deixa de ser locador; deixa de ser locador quem cede a subjetiva no contrato de locação. Aí, ceder ficou em sentido mais largo do que tem em cessão, cessío: abrange ceder e assumir. A expressão “cessão de contrato”, imprecisa e deficiente, foi a que mais freqúentemente se apresentou no comércio e na indústria, a despeito da complExidade do ato jurídico (cessão de direitos mais assunção de dividas, além de ELEmentos próprios de conteúdo que alhures apontaremos). Em ciência, a explicação exige precisões rigorosas. Também se empregou e se emprega a expressão “venda de contrato”, que denuncia ter-se levado muito longe a idéia de circulação do contrato. Ressalta o mesmo defeito que se notou na expressão “cessão de contrato”: só se refere a direitos, e não a dívidas, ao lado ativo, e não ao lado ativo e ao lado passivo do contrato bilateral ou somente oneroso. Trata-se, apenas, da substituição negocial do contraente, mantido o contrato, com as suas relações. A declaração unilateral de vontade, por parte do figurante permanecente, libera o transferente de seus débitos e afasta-o das situações passivas em que se acha, O adquirente fica só. A transferência dos créditos simultâneamente ocorre. 4.O QUE SE TRANSFERE, NA SUBSTITUIÇÃO DO DECLARANTE UNILATERAL OU DO CONTRAENTE. A regra é transferir-se tôda a eficácia (cessão de direito é transferência de efeito, como o é assunção transíativa de dívida) mais a posição, tôda, de declarante unilateral ou de contraente. Direitos presentes, direitos futuros, pretensões presentes e futuras, ações presentes e futuras, dividas presentes e futuras, obrigações presentes e futuras, passam ao outorgado, não, porém, como efeitos realizados e previstos, mas sim porque se transmite a própria posição subjetiva no negócio jurídico, com os seus ELEmentos irradiadores, ativos e passivos. O outorgante ou obtém lucro com essa transferência ou se desvencilha da posição jurídica em que está, porque também é de interesse de outrem adquiri-la. É preciso, porém, que se dissocie o negócio jurídico abstrato da transferência do negócio jurídico, tratado, aí, como bem alienável, e o negócio jurídico subjacente, por vêzes inserto no mesmo ato. Tal inserção não é necessária, nem torna gratuito ou oneroso o negócio jurídico de transferência.

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A sucessão é a título particular, ou universal, e consiste em pôr-se no lugar do figurante do negócio jurídico (promitente pnilateral ou contraente) o terceiro. O negócio jurídico é o objeto do negócio jurídico básico, pelo qual o promitente ou contraente se obriga a transferir a posição subjetiva no negócio jurídico e ao qual sucede o acórdo de transferéncia (negócio jurídico dispositivo e assuncional), que é abstrato. Daí poder-se fazer escritura de transmissão da posição subjetiva no negócio jurídico (negócio jurídico objeto) sem se aludir a preço, ou, em geral, a qualquer causa. Se a causa aparece é porque se juntaram no mesmo instrumento o negócio jurídico causal e o negócio jurídico abstrato. § 2.872. Negócios jurídicos de Posição subjetiva transferível e transferência 1. TRANSFERIBILIDADE TOTAL. Para que se possa transferir a posição subjetiva no negócio jurídico, é de mister que sejam cessiveis os direitos, pretensões e ações que dELE emanem, ou possam emanar, e assumiveis as dívidas e obrigações que dELE se irradiem, pôsto que alguns ou algumas não sejam cessiveis ou assumiveis. Se o óbice à credibilidade ou a assumibilidade é de natureza negocial, ainda que derivada da natureza do negócio jurídico de que resulta a posição subjetiva transferenda, quase sempre é afastável pela vontade do outorgante e do outro figurante do negócio jurídico de que resulta a posição subjetiva trans ferenda. A respeito dos contratos bilaterais e unilaterais com encargos, exsurgiu na doutrina e chegou a fórmula legislativa a regra jurídica de ser incessível 6 contrato cujas prestações já foram feitas (cp. Código Civil italiano, art. 1.406). Se somente resta um ou alguns direitos, pretensões ou ações, claro é que só se trataria de cessão desses direitos, pretensões, ou ações. Se sôrnente resta uma ou algumas dívidas, o caso seria de assunção transíativa de dívida alheia ou dessas dívidas alheias. Mas o fato de alguma ou algumas dívidas, obrigações ou ações se haverem extinguido por adimplemento não pode obstar a que se transfira o negócio jurídico. O que é necessário para que ocorra a figura que aqui nos interessa é que não se restrinja o acOrdo de transmissão à substituição da figura do credor, ou do devedor. Hão de ainda existir ELEmentos ativos e passivos, que possam ser atingidos pelo acordo de transmissão. 2.CONSTRUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO DE TRANSFERÉNCIA DA POSIÇÃO SUBJETIVA NO NEGÓCIO JURÍDICO. A doutrina procurou construir, com rigor científico, a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico. (a) Houve a teoria da decompotição (Zerlegungstheorie, Zerlegungskonstruktion), que admite a transmissão da posição jurídica no negócio jurídico por ser transmissão de créditos e de dívidas (cessão de direitos mais assunção transíativa de dividas). Segundo ela, haveria negócios juridicos transíativos que exauririam o conteúdo da transferência do negócio jurídico (OTTO vos GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 185 5.; H. DEMELIUS, Vertragstibernahme, Jherings Jahrbiicher, 72, 241 5.; CARL CROME, S2,stem, II, §§ 198-199; A. VON TUHR, Der Aligemeine TeU, 1, 220 e 226; L. ENNECCERUS, Lehrbuck, II, § 87). Tal. teoria debulha a espiga de milho, mas não se adverte de que não pode debulhá-la tôda. A cessão de todos os créditos e de tôdas as pretensões presentes e futuras e a assunção de tôdas as dividas e obrigações exaurem o conteúdo do negócio jurídico de transferência de posição subjetiva em negócio jurídico? Não. De fora ficariam, e. g., os direitos formativos (e. g., o direito de resolução ou de denúncia vazia ou cheia) e faculdades unidas à posição de figurante. A relação jurídica fundamental (e. g., de compra, de troca, de locação, de empreitada) ultrapassa a soma dos direitos e dividas que derivam do negócio jurídico, É relação jurídica fundamental, e não soma de relações jurídicas de crédito ou de divida. A teoria da decomposição que melhor se chamaria teoria da composição ou da soma muito influiu nos diferentes sistemas jurídicos europeus, mais ou menos sem crítica. Não se prestava atenção à unitai-Ledade do negócio jurídico de transferência, nem a que a soma dos créditos, dívidas, pretensões e ações não exaure o negócio jurídico, em si e em seus efeitos. Aqui e ali, alguns juristas viam, de relance, que a interdependência dos ELEmentos ativos e passivos constitui plus. (b)A teoria unitária atende à falta de exaustão da cessão de créditos, junta à assunção de dividas alheias, em relação ao negócio jurídico em seu todo; e repeliu a redução da transferência da posição subjetiva no contrato

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àquELEs dois institutos. A figura aparece, então, em seus caracteres distintivos. É interessante observar-se que foi o negador radical do instituto quem lhe deu, mais tarde, a estruturação mais científica (H. SIBER, Die schuldrechtliche Vertragsfreiheit, Jherings Jahrbiicker, 70, 294 s., pôsto que ainda com falhas e senões. (c)A teoria da complexidade negocial sustentou que há na transferência da posição subjetiva no negócio jurídico cessão de créditos e assunção de dívidas, o que implica, por se referir a todos os créditos (dever-se-ia dizer: a todos os créditos, direitos e faculdades) e a tôdas as dividas (dever-se-ia dizer: a tôdas as dívidas e situações passivas), transmissão integral da posição subjetiva no negócio jurídico. O negócio jurídico de transmissão e um 5, por ser global e por ser o que os figurantes querem. Ao tratarmos dos contratos bilaterais, mais de espaço falaremos das três teorias e de pormenores do instituto, que não caberiam neste Titulo II. § 2873.Análise do negócio jurídico de transmissão da posição subjetiva em negócio jurídico 1.NEGÓCIO JURÍDICO SEM TRANSLAÇÃO E NEGÓCIO JURIDICO TRANSLATIVO. (a) No negócio jurídico são figurantes necessários um dos figurantes do negócio jurídico objeto e o terceiro. AquELE é o outorgante; esse, o outorgado, que também assume as dívidas como efeito do negócio jurídico objeto. O figurante que fica na relação jurídica pode não tomar parte no negócio jurídico, porque o seu consentimento só é indispensável para a eficácia transtativa. Assim, se se quer a transferência, concerta-se o negócio jurídico entre o figurante do negócio jurídico em vista (figurante sainte) e a pessoa que se quer pôr no lugar dELE (figurante entrante) o figurante, que fica, do negócio jurídico objeto (figurante permanecente), consente, prévia, simultânea ou posteriormente, para que se dê a transferência. A intervenção do figurante permanecente é indispensável, à diferença do que se passa em relação à assunção transíativa de dívidas, porque, na transferência da posição subjetiva no negócio jurídico, a transmissão das dívidas e outras situações passivas somente se dá se os créditos e as outras situações ativas se transferem. A interdependência e. ai, característica. Ésse é o ponto mais rELEvante da doutrina da transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. A liberação do figurante sainte, a respeito das dívidas e mais situações passivas, em relação ao figurante permanecente, não poderia operar-se sem o consentimento desse. A interdependência impõe a mesma sorte às dívidas do figurante permanecente. Aqui, na prática, tem-se de verificar o que quiseram o figurante outorgante e o figurante outorgado, isto é, se a) foi a transmissão da posição subjetiva, ou se b) foi a simples acessão subjetiva ao contrato (Vertragsbeitritt), em que se cedem os direitos porém não se dá a transmissão das dívidas, que são assumidas a Intere do outorgante, conforme a figura da assunção cumulativa da divida (Schíddmitilbernahflte), ou se e) se cederam os créditos e não as dívidas, ou se houve ri) acessão subjetiva total ao negócio jurídico, isto é, não-transferência. Se a), o consentimento do outro figurante do negócio jurídico em vista é indispensável à transferência assim dos créditos como das dívidas e mais efeitos do negócio jurídico. Se b), há a quebra da interdependência dos ELEmentos ativos e passivos, de modo que se opera a cessão dos créditos e dos mais ELEmentos ativos, que se hajam mencionado, sem se assumirem, translativamente, as dívidas e os mais ELEmentos passivos (assunção só cumulativa). Se o), não há cogitar-se de negócio jurídico sobre negócio jurídico. Se d), ainda que se comunique ao outro figurante do negócio jurídico objeto da acessão subjetiva o que ocorreu e ELE nada oponha, nenhuma transferência se produz, porque só foi essa a vontade dos figurantes do negócio jurídico objeto da convenção de cumulatividade. Adiante referir-nos..emos a essa espécie. (b)Transferência de dívidas pode haver sem consentimento do devedor; não, sem consentimento do credor. Transferência de créditos há sem que o devedor consinta, razão por que apenas se lhe notifica o acordado para a eficácia em relação a die. Transferência da posição subjetiva no negócio jurídico exige que consinta o figurante permanecente, que é tão interessado no status quo quanto o figurante sainte. Se foi estabELEcido que não haveria transferência, mas apenas acessão subjetiva, o figurante, não convencionante, não precisa consentir, porque a notificação basta. Nenhum prejuízo há para ELE em que outrem aceda ao negócio jurídico em que e d evedor e credor. 2.PRECIsÕEs CONCEPTUAIS. (a) Se foi querida a transferência, foi querido efeito transíativo que depende do consentimento do outro figurante. a)Pode dar-se que o negócio jurídico de transferência tenha sido acordo entre o outorgante e outro figurante do negócio jurídico objeto. Então, há oferta do outorgante, já munida do consentimento prévio do outro figurante

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do negócio jurídico objeto, e a declaração de vontade do outorgado, cessionário..assuntor contém aceitação. A transferência é, então, imediata à aceitação. b)Se no negócio jurídico de transferência figuram os dois interessados do negócio jurídico transferendo e o outorgado, o consentimento foi simultâneo, à semelhança do que se passa com a assunção bifigurativa de divida alheia. A transferência é coe tânea. Alguns pensam na figura do negócio jurídico de oferta dúplice, na espécie 19, e não de declaração unilateral de vontade do figurante permanecente. Os figurantes seriam três, e não dois, com o consentimento do figurante permanecente do negócio jurídico transferendo. O negócio jurídico só se aperfeiçoaria com o consentimento desse figurante permanecente. Na doutrina italiana, NArOLI (Alcuni aspetti della cessãone del contratto secondo il nuovo codice civile, Giurispr-udenza completa delia Corte .Suprema di Cassazione, 22, 1, 819 s.) concebeu a chamada “cessão de contrato” do Código Civil italiano, arts. 1.406-1.408, como contrato entre o cedente e o terceiro, sendo o consentimento do cedido (?I) ELEmento externo ao negócio da cessão. Estava, quanto à estruturação, certo. Mas outro caminho, o do negócio jurídico trilateral, tomaram outros (e. g., E. COLAGROSSO, Teoria general e deile Obbligazioni e dei Contratti, 216; MARCELLO ANDREOLI, La Cessãone del Contratto, 89 s.). E erraram. c)A transferência do negócio jurídico pode ser convencionada entre o figurante sainte e o entrante (cessionário -assuntor). Então, há vinculação entre ELEs, mas dependente do consentimento posterior do outro figurante do negócio jurídico transferendo. Ésse consentimento não faz plurilateral o negócio jurídico. Apenas se configura como declaração unilateral de vontade. Reagem contraisso juristas que se aferraram à noção, falsa, de “venda de contrato”. Mas, em verdade, quem dispõe é o figurante sainte; não dispõe, rigorosamente, do contrato, ou de outro negócio jurídico, mas sim da sua posição subjetiva no negócio jurídico, no contrato. A existência (ex kypothesi) de ELEmentos ativos a favor do figurante que fica é que faz necessária a sua aprovação do que, a respeito desses ELEmentos ativos, estabELEceram o outorgante e o outorgado. Apenas, devido àznterdependéncia dos ELEmentos ativos e passivos, tal consentimento é quanto ao todo da posição subjetiva do figurante sainte no contrato. (b)Quando teve de referir-se à transferência de contrato (na espécie, contrato bilateral), o Código Civil, art. 1.201, parágrafo único, disse que o locatário pode “ceder a locação, consentindo o locador”, O texto permite que se construa a transferência negocial de negócio jurídico com os últimos resultados da ciencia. evitando-se, assim, a influência de leituras em tôrno do Código Civil italiano (arts. 1.406-1.408). “Ceder a locação” está, aí, por “transferir a posição subjetiva de locatário”. 8.REGRAS JURÍDICAS SOBRE O NEGÓCIO JURÍDICO DE TRANSFERÊNCIA. O negócio jurídico entre o figurante sainte e o figurante entrante está subordinado às regras jurídicas sobre negócios jurídicos em geral (existência validade e eficácia) e às concernentes aos negócios jurídicos dispositivos abstratos, em que há dois figurantes. 4.ACESSÃO SUBJETIVA A NEGÓCIO JURÍDICO, SEM TRANSFERÊNCIA. À semelhança do que ocorre com a assunção de dívida alheia, pode dar-se que a acessão ao negócio jurídico seja cessão-assunção cumulativa. O nôvo figurante se põe ao lado, e não no lugar do figurante que outorga a cessão-assunção (melhor: acessão subjetiva). O acedente se faz devedor solidário. Como credor, ou é credor solidário, ou credor em mão -comum, ou credor conjunto, mas a solução depende da relação jurídica entre o figurante que sai e o que entra. Na dúvida, é solidário, porque, a despeito do art. 896 do Código Civil, tal solidariedade resultou de vontade dos figurantes, se notificação se fêz ao outro figurante do negócio júrídico acedido. § 2.874. Consentimento do figurante permanecente 1.CONCEITO E ExPRESSÃO. Já frisamos que o consentimento do figurante permanecente é declaração unilateral de vontade, negócio jurídico unilateral. Discute-se se pode ser tácito. No direito brasileiro, a forma escrita é exigida à cessão de crédito e à própria notificação ao debitor cessus ou à declaração de ciência por esse, e a notificação e a declaração são menos do que a declaração do figurante permanecente, que é negocial. O art. 1.069 do Código Civil é, pois, obstáculo à manifestação tácita de vontade. Todavia há a possibilidade de incidir .o ar’t. 141, parágrafo único, do Código Civil. A inserção do nome do adquirente nos livros comerciais é prova escrita. No direito italiano, pretendeu-se que o consentimento do figurante permanecente pode ser tácito (E.

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COLAGROSSO, Teoria qenerale deile Obbligazio’ni e dei Contratti, 316; F. MESSINEO, Ma.nuale di Diritto civile e commereiale, II, 521; MARCELLO ANDREOLI, La Cessãone dei Contratto, 40, que aliás não o admite em todos os casos, por ser exigido o escrito ao negócio jurídico de que se transfere a posição subjetiva). Não pode haver resposta a priori, salvo a de se exigir que a forma da declaração do figurante permanecente seja a que se exigiria, por lei, para o distrato. Está, em verdade, a dispor da posição jurídica <cf. Código Civil, art. 1.098, 1. parte) e não se há de dispensar a forma exigida ao distrato. A analogia impõe-se (§2.875, 1). 2.INVALIDADE E INEFICÁCIA. A declaração do figurante permanecente é nula, anulável ou ineficaz nos mesmos casos em que o são os outros negócios jurídicos. 8. NEGOCIALIDADE DO CONSENTIMENTO. O figurante permanecente pode ter razões 1para repelir transferência, como ser de valor incontrastável para ELE a pessoa do que quer transferir a posição subjetiva, ou não lhe merecer confiança o adquirente. Porém não está adstrito a dizer porque recusa o consentimento, nem o consentimento precisa ter qualquer razão ou fundamento. Resta saber qual a consequência, que tem, para o negócio jurídico entre o que se propõe a sair da posição subjetiva e o que nela quer entrar, a, recusa do consentimento por parte do figurante permanecente. Se se ‘adota a teoria dos três figurantes, tem-se, lôgicamente, de se entender que caiu no vácuo o negócio jurídico entr duas pessoas apenas. Faltaria ELEmento essencial do negócio jurídico. O consentimento não é, conforme dissemos, ELEmento constitutivo; apenas se exige para a eficácia translativa. Tem-se de entender que os dois figurantes ficam vinculados, salvo se consideraram condição resolutiva a denegação do consentimento pelo figurante permanecente. Mas aí se trataria de determinação mexa ao negócio jurídico entre o figurante que queria sair e o figurante que queria entrar. A declaração unilateral do figurante permanecente é estranha ao que se passou ou se passa entre aquELEs. O que resta do negócio jurídico entre o figurante que queria sair e o que se prestava a entrar na relação jurídica fundamental é o que se conclui dos termos do negócio jurídico. Se é de entender-se que persiste, os atos do outorgado são atos em nome do outorgante e, para adimplemento, é interenado, no sentido do Código Civil, art. 980. É absurdo dizer-se que, faltando o consentimento do figurante permanecente, o negócio jurídico éinexistente. É, no tocante à liberação do outorgante e, pois, no tocante à transferência, ineficaz. Nos casos em que os figurantes do negócio jurídico, uma de cujas posições subjetivas se quer transferir, inseriram no negócio jurídico a cláusula de transferibilidade apenas notificada, ou por declaração no documento do negócio jurídico, o consentimento é prévio. Donde resulta que a eficácia transíativa se opera contemporâneamente à conclusão do negócio jurídico entre o figurante sainte e o terceiro. 4.CONSENTIMENTO PRÉVIa E TRANSFERÉNCIAS SUCESSIVAS. Se o figurante permanecente consentiu prêviamente em que se transferisse a posição subjetiva do outro figurante, ou de algum dELEs, é questão de interpretação a de se saber se foi para uma transferência, ou para quaisquer que se seguissem. A natureza do negócio jurídico pode determinar que as transferências só se façam a certa data, ou perjôdicamente, e os figurantes podem estabELEcer tais restrições, negocialmente. Se nada se disse, nem se estipulou, o consentimento prévio entende-se dado para quantas transferências sobrevierem. A cada uma delas o adquirente se insere na posição subjetiva do alienante e esse se libera. 5.CONSENTIMENTO PRÉVIO E DUAS OU MAIS TRANSFERÊNCIAS PELO MESMO FIGURANTE SAINTE. Se o figurante alienante faz dois ou mais negócios jurídicos de transferência, tudo se passa à semelhança do que ocorre com a multiplicidade de acórdos de transferência da propriedade imobiliária: apenas, no caso desses, a eficácia transíativa advém da transcrição, e, no daquELEs, é a notificação ao figurante permanecente. Não se argumente que poderia esse preferir outra, de que tivesse ciência posteriormente. A notificação cria ao figurante permaecente três caminhos: ou recusa a declaração unilateral de vontade, ou a faz com ressalva da não-liberação do figurante outorgante (zt sem que fique liberado o figurante outor gante), ou consente, sem restrições. Ainda no caso da recusa, a notificação foi-lhe feita, e conhece ELE que há alguém que se tornou interessado, no sentido do art. 980 do Código Civil. Se, em vez de recusar o consentimento, consente com a ressalva de se não liberar o transferente, transferência há, embora continue ligado à relação jurídica, subsidiàriamente, o que deixou de ser figurante. Se o consentimento foi sem restrições, questão não há. A analogia com a cessão de crédito, no tocante à notificação, impõe-se ao intérprete (Código Civil, art. 1.070). Quanto aos outros negócios jurídiêos de transferência, já os concluiu quem não mais tinha a

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posição subjetiva que disse ter. § 2.875. Circulação da posição subjetiva no negócio jurídico 1. TRANSFERÊNCIA DA POSIÇÃO JURÍDICA POR INSTRUMENTO SEPARADO. De regra, para se atribuirem a outrem os créditos, dívidas e mais situações ativas e passivas nos negócios jurídicos, ou se faz escritura pública (Código Civil, arts. 134 e 183), ou escrito particular (instrumento particular, Código Civil, ad. 185; Código Comercial, art, 22). Se o negócio jurídico cuja posição subjetiva se vai transferir foi feito por escritura pública, que não era exigida, na espécie, por lei, o fato de se ter informado por instrumento público não impõe que a transferência da posição subjetiva o seja. Transferência não é distrato; e o art. 1.098, lA parte, do Código Civil só se referiu ao distrato. Aliter, se a escritura pública é exigida por lei. A declaração unilateral de vontade do figurante permanecente tem de obedecer à regra jurídica do art. Q93, 1? parte, por analogia. A situação muda (§ 2.874, 1). Se ao negócio jurídico se exigia, por lei, escritura pública, a cessão tem de ser por escritura pública. Se no negócio jurídico, que se fêz por escritura pública, sem que por lei fôsse exigida, há alusão à cessão futura, ou às cessões futuras, interpreta-se, na dúvida, que foi exigida a escritura pública para as transmissões do contrato. A declaração unilateral do figurante permanecente há de ser tida como subordinada à forma do negócio jurídico de que resultaram as relações jurídicas em que é sujeito, ativo ou passivo. No instrumento com que se fêz o negócio jurídico objeto pode ter-se incluido a cláusula de instrumentação pú blica das transferências das posições subjetivas <arg. ao Código Civil, art. 138), ou delas e das cessões ou assunções de dívidas, o que, na dúvida, se há de ter por estabELEcido. Se a escritura pública é exigida por lei ao negócio jurídico, há de entender-se que também o é para a transferência da posição subjetiva nELE. Se o negócio jurídico transferendo é civil e a escritura pública não é de exigir-se, rege o art. 185 do Código Civil, combinado com o art. 1.067. Se é comercial, tem-se de atender ao art. 22 do Código Comercial, onde se estatui que “os escritos de obrigações relativas a transações mercantis, para as quais se não exija por êste Código prova de escritura pública, sendo assinados por comerciantes, terão fé contra quem os houver assinado, seja qual fôr o seu valor”. Também em direito comercial há o princípio de que, feito por instrumento público o negócio jurídico sem ser de exigir-se, esse fato não importa para a transferência da posição subjetiva. Se é necessária a escritura pública para o negócio jurídico, também o é para a transferência da posição subjetiva e para a declaração de vontade do figurante permanecente. 2. TRANSFERÊNCIA DA POSIÇÃO JURÍDICA NO MESMO INSTRUMENTO. Aqui, temos de defender a inteireza do sistema jurídico brasileiro contra perturbadoras influências de sistemas jurídicos menos rigorosos em técnica jurídica, O fato de se fazer no instrumento particular (a escritura pública não está em causa, porque não há, no direito brasileiro, circulacão da escritura pública, e a possibilidade de caberem, naturalmente, no papel do instrumento público, sem o ofenderem, declarações de vontade assinadas, com os requisitos do art. 135 do Código Civil ou do art. 22 do Código Comercial, é mínima), o fato de se declarar, com os requisitos do art. 135 do Código Civil, ou do art. 22 do Código Comercial, que se transfere o negócio jurídico enformado pelo instrumento particular, de modo nenhum é endôsso. t preciso não se tomar a pELE pelo animal. O endôsso é lançado no dorso, quiçá sem qualquer declaração, mas exige que o sistema jurídico o haja permitido ( que não só o instrumento, mas o titulus seja endossável). Com a eficácia de transíação, o negócio jurídico passa a ter como titular da posição subjetiva outorgada o adquirente. O figurante saído está liberado e nenhum direito ou situação ativa tem mais. O transferente fica responsável ao adquirente pela existência da posição subjetiva, que transferiu (analogia do art. 1.078 do Código Civil). Mas o art. 1.078 é ius dispositivi. Se há transmissibilidade prêviamente consentida e inseribilidade do negócio jurídico de transferência no documento do negócio jurídico cuja posição subjetiva se vai transferir, a conclusão daquELE determina a transferência do que foi instrumentado no documento. § 2.876. Eficácia do negócio jurídico de transferência da posição subjetiva 1.EFICÁCIA PRÉTRANSLATIVA. Antes de se operar a transferência da posição subjetiva, o outorgante

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(figurante sainte) está vinculado, tal como se passa com o outorgante no acordo de transmissão da propriedade. Falta a eficácia translativa. Se o figurante permanecente não consente na transferência, os próprios créditos e outros direitos que se teriam transferido (com eficácia contra o devedor, por simples notificação), na cessão de créditos ou de direitos, não se transferem, porque, sendo de ELEmentos ativos e passivos o objeto cuja titularidade se quis transferir, a interdependência entre ELEs muda o trato jurídico em relação aos créditos e direitos. Não se transferiram as dividas e demais situações passivas; esses não se transferem. Do que acima se disse é de tirar-se: a)Existe princípio de interdependéncia interna, no negócio jurídico de transmissão da posição subjetiva em negócio jurídico, ou nas próprias acessões totais a negócios jurídicos, razão por que a cessão dos créditos e direitos fica dependente da assunção transiativa ou cumulativa das dívidas. b)O consentimento do figurante pernianecente é necessário a qualquer transferência de posição ativa ou passiva, e não só à transferência da posição ativa. 2.EFICÁCIA TRANSLATIVA DO NEGÓCIO JURÍDICO. O que primeiro se transfere, lôgicamente, é o efeito vinculativo. Por isso mesmo, pode ser transferido o negócio jurídico que esteja sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial. Depois vêm os primeiros efeitos que atingiram, ou que atingiriam o transferente. Transferemse os créditos, as dívidas, as pretensões, as obrigações e as ações e os direitos formativos, bem como as situações passivas que comportam e as faculdades ativas e passivas. No que toca ao figurante permanecente, o alienante deixa de ser co -figurante (salvo em caso de transferência parcial da poslção subjetiva). Figurante é o adquirente. Um saiu para que o outro entrasse. AquELE deixou de ser titular de direitos e perdeu qualquer situação ativa, para que o outro se fizesse titular e tomasse o seu lugar nas situações ativas. Quanto às dívidas e situações passivas, está liberado o transferente. Se o figurante permanecente consente, não há questões que dai surjam. Se consente, mas ressalva a não-liberação do figurante sainte, a transferência produz-se no momento mesmo em que consente; apenas o figurante saído ou ex-figurante passa à situação de obrigado subsidiário. Se, por exemplo, o figurante entrado não adimple, pode ir contra êie o figurante permanecente. A eficácia transiativa sói ser após á conclusão do negócio jurídico entre o figurante sainte e o entrante. Todavia, o consentimento do figurante permanecente que é o que lhe falta, pode ter sido já declarado, ou dado concomitantemente O consentimento concomitante é que faz a ilusão das três figuras do negócio jurídico. Se o consentimento foi prévio, a eficácia produz-se com a conclusão do negócio jurídico entre o figurante sainte e o figurante entrante. Se, em cláusula ou acordo posterior, os figurantes do negócio jurídico, cuja posição subjetiva se quer transferir, estabELEceram a desnecessidade do consentimento posterior, entende-se que prêviamente o deram, ainda que se lance na via do instrumento do negócio jurídico que ficou ao outorgante a declaração de transferência Não se trata de endôsso, êrro de técnica que aparece no Código Civil italiano, art. 1.407, alínea 2.. É preciso, está visto, que todos os ELEmentos do negócio jurídico, cuja posição subjetiva se vai transferir, constem do documento, no sual se insira a cláusula de consentimento prévio, ou de pacto posterior, que o diga. No sistema jurídico brasileiro, não se trata de endôsso, mas de simples consentimento prévio, que permite o negócio jurídico de transferência da posição subjetiva no mesmo instrumento, se há lugar para isso (= se não ofende a instrumentação do negócio jurídico lançado e há espaço no papel para se exprimirem as duas vontades acordantes). Para que se pudesse cogitar de endôsso, seria de mister que o negócio jurídico fôsse por simples assinatura; e exsurgiria o problema de ser de admitir-se, ou não, o endôsso em branco. Não se trata de endôsso. O figurante permanecente deu, antes, o seu consenti-mente, exigida, ou não, comunicação. Na dúvida, entende-se que mio a exIgiu; porque, se o consentimento prévio foi dado com a permissão de lançarem no título as declarações, o instrumento se tornou titulo de legitimação: qualquer crédito, por exemplo, somente pode ser exigido mediante a apresentação do instrumento e respectivo negócio jurídico de transferência. Cumpre ter-se em vista que na cláusula ou pacto de consentimento prêviamento dado não está incluída a cláusula ou pacto de transformação do documento em título de legitimação, nem vice versa. As combinações possíveis são: a) cláusula ou pacto de consentimento prévio, sem dispensa de comunicação; b) cláusula ou pacto de consentimento prévio, com dispensa de comunicação e, pois, com a transformação do documento em título de legitimação; e) transformação do documento em título de legitimação sem consentimento prévio; d) nem cláusula nem pacto de consentimento prévio, nem de transformação do documento em titulo de legitimação, o que faz, se foi lançado no mesmo documento o negócio jurídico de transferência, ser necessário o consentimento do figurante permanecente. Se cabia no documento o nôvo

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negócio jurídico, ELE prova que houve tal negócio juridico, e não mais do que isso. A confusão da figura com o endôsso tem inconvenientes graves. Quem fala de endôsso alude à transferência por simples assinatura, formalmente, e à obrigação do endossante pelo inadimplemento da prestação da parte do responsável originário, ou de quem o endossante houve o que endossou. Regra jurídica como a do art. 2.012 do Código Civil italiano gritaria no sistema jurídico brasileiro. O legislador italiano acolheu perigoso faz-de-conta que é endôsso. 3. Posíção SUBJETIVA DO FIGURANTE ENTRADO. Tendo--se operado a transferencia, o figurante entrado pode exercer quaisquer direitos contra o figurante permanecente, inclusive as pretensões, ações e exceções por inadimplemento, ação de resolução ou resilição do negócio jurídico, ação de indenização por perdas e danos, exceção non adimpleti contractus ou non rita adimpleti contractua. Ofigurante saido não garante a solvência do figurante permanecente, se a isso não se obrigou (arg. ao art. 1.074 do Código Civil). Se houve cláusula ou pacto posterior de ser responsável, entende-se que só assegurou o que concerne à soma capital, acessórios e despesas. Se não houve a cláusula ou pacto posterior, o figurante alienante pode exigir o preço por que firmou o acordo de transferência, ainda que o figurante permanecido haja caído em insolvência, ou por outro motivo tenha deixado de solver. Ainda que não tenha havido a cláusula ou o pacto posterior, pode o adquirente pedir a resolução do negócio jurídico de transferência se o que foi transferido não foi o descrito no documento. Mas essa resolução não atinge o figurante permanecente, exceto no que concerne ao futuro, após a coisa julgada da decisão judicial e notificação a ELE, ou intimação, se foi chamado à relação jurídica processual, como assistente equiparado a litisconsorte (Código de Processo Civil, art. 93), quando as circunstâncias do pleito não o fazem litisconsorte. Ofigurante entrado não pode opor exceções que acaso teria o figurante saído contra o figurante permanecente, fundadas em relações estranhas ao negócio jurídico cuja posição subje. tiva se transferiu, nem o poderia ésse, a respeito de exceções que teria contra o figurante saído. Ofigurante permanecente pode, por exemplo, Opor ao nôvo figurante a exceção non adimpleti contractus, a exceção non rite adimpleti contractas, propor a ação de resolução ou de resilição do negócio juridico cuja posição subjetiva foi cedida. Se nesse negócio jurídico havia cláusula de resolução automática em caso de inadimplemento, resolve-se o negócio jurídico de conformidade com a cláusula, com as conseqüencias correspondentes. 4.GARANTIAS DOS DIREITOS TRANSFERIDOS E GARANTIAS QUE FORAM DADAS AO FIGURANTE PERMANECENTE. O Código Civil, art. 1.066, já foi examinado em seu conteúdo exato, e aqui apenas haveríamos de remeter ao que foi exposto no § 2.827 (cessão de créditos). Quanto ás dívidas e demais situações passivas, cumpre observar que igual analogia cabe com a assunção de divida alheia (§§ 2.854 e 2.856). A fiança global quanto ao negócio jurídico (dita “fiança ao contrato”), não só ao que se há de prestar ou contraprestar, como se passa com a fiança pelos alugueres, essa, também só subsiste se foi inserta a cláusula de subsistir, como se do negócio jurídico garantido consta o consentimento prévio para as transferências, ou uma transferência, ou se o fiador estendeu a fiança, ao ser feito o negócio jurídico de transferência. 5.NEGÓCIO JURÍDICO DE TRANSFERÊNCIA E NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE OU SOBREJACENTE. Entre o transferente da posição subjetiva no negócio jurídico e o adquirente há o negócio jurídico da transferência, que é abstrato, e sob ELE ou sobre ELE pode haver negócio jurídico causal (negócio jurídico subjacente ou sobrejacente). É da maior importância que se distinga desse aquELE. Ésse pode não ter existido, nem vir a existir. A transferência da posição subjetiva no negócio jurídico não é contrato de compra-e-venda, nem doação, nem qualquer outro negócio jurídico causal. Como a cessão de crédito e a assunção de dívida alheia; é negócio jurídico abstrato, O negócio jurídico subjacente ou sobrejacente (que, aliás, também poderia ser abstrata, como se A transferisse a posição subjetiva no negócio. jurídico em substituição de nota promissória ou de duplicata mercantil em que era endossante) não regula a transferência, nem as relações entre o alienante ou adquirente e o figurante permanecente, e sim tão só as relações internas entre o transferente e o adquirente. § 2.877. . Transferência com ressalva de não-liberação 1. REFERÉNCIA A ESPÉCIE. A espécie pode ocorrer se o consentimento é simultâneo, ou posterior à

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conclusão -do negócio jurídico de transferência; mas também se o consentimento foi prévio e restrito pela ressalva. No último caso, à conclusão do negócio jurídico de transferência, a transferência produz-se, sem que se libere o figurante saído. 2. EFICÁCIA DA RESSALVA. Com o ingresso do terceiro na relação jurídica, se o figurante permanecente consentiu sob ressalva de não-liberação, os créditos e outros direitos ou situações ativas vão ao adquirente, bem como as dividas e outras situações passivas, mas o transmitente continua vinculado, passivamente. Aqui, duas construções seriam possíveis: uma <a), influenciada pela teoria da decomposição, veria na transferência apenas cessão de créditos e direitos, e não assunção dc dívidas; outra (b), atendendo à interdependência dos ELEmentos ativos e passivos, consideraria consumada a transferência de todos, ficando vinculado, a despeito disso, devido à ressalva de não-liberação, o transmitente. O vínculo sobrevive à transferência. A opinião <a não poderia fazer sujeito passivo o adquirente, porque transferência, ex hypothesi, não se teria dado. A opinião (b) atende à interdependência dos ELEmentos ativos e passivos, à unitariedade do negócio jurídico, e estabELEce que a transferência se dá para todos ELEs. Se transferência há, não se pode pensar em que o figurante entrado só responda subsidiàriamente; subsidiàriamente há de responder o figurante saído, não liberado. Salvo, advirta-se, se há cláusula ou pacto posterior de solidariedade (não- se presume solidariedade, Código Civil, art. 896). O interesse do figurante outorgante estava na transferência, - o do terceiro, em adquirir; o figurante permanecente não recusa o consentimento, mas restringe-o. Ainda com tal restrição, o transferente é favorecido, porque alguém lhe fica à frente no adimplemento e nas coliseqilências do não-adimplemento. Não se diga que a responsabilidade do transferente é a de fiador. Tal seria a sua situação jurídica se houvesse, de moto próprio, assumido a responsabilidade, acessêriamente, como acontece se assume, perante o adquirente, responsabilidade pelo figurante permanecente. O transferente não liberado pode opor as exceções derivadas do negócio jurídico cuja posição subjetiva foi transferida, porém não as que se liguem a outro negócio jurídico dELE com o figurante permanecente. A obrigação é própria, porque se transferiu e houve a ressalva. O transferente e o adquirente podem estipular a solidariedade quanto às dividas e demais situações pssivas. Então, a notificação ao figurante permanecente tem a conseqúência de eficácia em relação a ELE, qualquer que seja a sua atitude. Salvo se na estipulação da solidariedade se fêz dependente da transferência a solidarização. Mas, ainda nesse caso, se o figurante permanecente consente com ressalva da não-liberação, o figurante saído responde solidàriamente. Direitos e deveres transferiram-se, com o negócio jurídico e o consentimento do figurante permanecente, devido ao complexo unitário do negócio jurídico cuja posição subjetiva se transferiu ao figurante entrado. CAPÍTULO II TRANSFERÊNCIA LEGAL DA POSIÇÃO SUBJETIVA NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS § 2.878. Generalidades 1.TRANSFERÊNCIA LEGAL A CAUSA DE MORTE E TRANSFERÊNCIA ENTRE VIVOS. A transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos também ocorre ex lege. O que é de mister é que os pressupostos necessários e suficientes se componham, isto é, que se complete o suporte láctico, para que a regra jurídica sobre transferência incida. A transferência legal mais freqUente, se o negócio jurídico não se extingue com a morte do figurante, é a transferência hereditária legal (Código Civil, arts. 1.572-1.576). A herança e, pois, os herdeiros sucedem no total dos ELEmentos ativos e passivos, mas dentro das fôrças da herança (Código Civil, art. 1.587). Se não houve testamento, negócio jurídico unilateral, a transmissão é legal. 2.TRANSMISSÃO LEGAL ENTRE VIVOS. A transmissão entre vivos resulta de regra jurídica, lez specialis. De ordinário, regra jurídica escrita, mas pode dar-se que o sistema jurídico faça, em seus princípios, ressaltar a regra jurídica especial.

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3.EXECUÇÃO FORÇADA E LOCAÇÃO. Com a execução forçada, dá-se a transferência da propriedade, mas o credor execitante não se pode reputar mais credor do que o locatário. Não se trata de mudança da titularidade por ato de alienação,e sim de aplicação da lei, uma vez que o Estado, após o monopólio estatal da justiça, executa pelo devedor. Nem seria de aconselhar-se que se pudesse romper o vinculo do devedor com a execução por ato do credor. O bem locado, por exemplo, é bem do credor menos o que vale a locação. Se a execução forçada ocorre, com a interrupção da locação sem prazo determinado, ou com prazo determinado, se não houve o registro da cidusuti de continuação (Código Civil, art. 1.197), a locação pode cessar, ou prorrogar-se. 1 § 2.879. Exemplificações de transferências legais entre vivos 1.ALGUNS TEXTOS LEGAIS. (a) Estatui o art. 1.463 do Código Civil: “O direito à indenização pode ser transmitido a terceiros, como acessório da propriedade, ou de direito real sObre a coisa segura”. No parágrafo único, acrescenta-se: “Opera-se essa transmissão de pleno direito quanto à coisa hipotecada, ou penhorada, e, fora desses casos, quando a apólice o não vedar”. Penhorada está, aí, por “empenhada”. Todavia, penhorada a coisa segura, a transmissão opera-se a favor de quem, no momento, tiver legitimação, segundo o art. 1.463. O adquirente e o sucessor no direito real limitado ingressam, ex lege, na relação jurídica de seguro. Já o Código Comercial, art. 676, disse: “Mudando os efeitos segurados de proprietário durante o tempo do contrato, o seguro passa para o nôvo dono, independente de transferência da apólice, salvo condição em contrário” (queria referir-se a “cláusula em contrário”). É de pôr-se em relêvo que já a seu tempo o Código Comercial estabELEcia a transferência ipso jure. Para a mentalidade dominante outrora, a alienação da coisa segura tinha de pôr térmo ao negócio jurídico do seguro, por se tratar de simples contrato, com efeitos só obrigacionais (pessoais), e não reais. A alienação da coisa segura não poderia importar automática transferência da posição subjetiva no contrato de seguro. O adquirente fôra pessoa estranha ao contrato de seguro. Posteriormente, ainda se quis explicar a transferência da posição subjetiva no contrato de seguro mediante a alusão à “emprêsa”, mas, em verdade, a emprêsa pode não existir. Trata-se, diz o Código Comercial, art. 676, de transferência ex lege da posição subjetiva do segurado. Com a circulação da propriedade, o seguro circula. Isso pôs em letra de lei a técnica legislativa brasileira, já em 1850. No suporte fáctico da coisa segura não precisa estar mais do que a transferência da propriedade ou do direito real, ou grave o valor, ou grave o uso. Não há um momento em que a coisa segura deixe de estar segura. O assegurador pode opor ao adquirente tôdas as exceções que seriam oponíveis ao alienante, uma vez que se fundem no contrato de seguro. Ficam de fora as exceções que seriam pessoais ao alienante. Se o seguro foi de coletividade, ou de patrimônio, transfere-se como fôra concebido. Se o seguro foi feito por pessoa que tinha interesse na conservação, ou no valor da coisa, a transferência dos seus direitos importa na transferência, ex lege, do seguro (e. g., seguro feito pelo titular do direito de anticrese, hipoteca, ou penhor, ou, até, de locação). Com a transferência ex lege, o alienante libera-se de tôdas as suas dividas e demais situações passivas. O adquirente é que se põe no seu lugar. Em todo caso, é preciso que a transferência seja comunicada ao segurador, para que não solva a quem não está legitimado. Tal notificação é de regrar-se pelo art. 1.069, 1a parte, do Código Civil, analôgicamente. Só a pode suprir a declaração escrita de que faia o mesmo art. 1.069, 2a parte. Trata-se apenas de conhecimento necessário à eficácia perante o segurador. Se a notificação ainda não foi feita ao segurador, o figurante, que aliena o bem seguro, responde ao segurador, e. g., pelos prêmios vencidos, e, dando-se sinistro, o pagamento, que o alienante receba, ]ibera o segurador. O art. 1.463 do Código Civil, como o art. 676 do Código Comercial, é ias dispositivum. Ambas as regras jurídicas têm por fundamento a vontade dos figurantes da alienação, que se haveria, de lege ferenda, de presumir. Se a alienação foi notificada, por engano ou falsamente, ao segurador, sem que ELE conhecesse a cláusula ou pacto posterior de não-transferência da posição subjetiva de segurado, e o segurador solve, em caso de sinistro, a divida de seguro, libera-se como se tivesse havido a transferência. No caso de apólices ao portador ou à ordem, a transferência obedece a outros princípios, e de notificação não se precisa. (b)Nos contratos de trabalho, a transferência da posição subjetiva de empregador também se opera ex lege, em caso de mudança do titular do direito de propriedade ou de estrutura jurídica da emprêsa. Está no art. 448 do Decreto-lei n. 7.889, de 21 de agosto de 1945: “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da emprêsa

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não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”. “Mudança na propriedade” está, ai, por transferência do domínio, ou da enfiteuse, ou constituição de direito real de uso, usufruto, habitação, ou anticrese, ou, ainda, de direito pessoal de locação, ou de comodato, ou oriundo de qualquer outro contrato semelhante. A regra jurídica, de que se trata, é protectiva. Ao legislador pareceu que é acertado amparar, na emergência, o empregado. A posição subjetiva de empregador transmite-se tal como estava, de modo que, por exemplo, as prorrogação após certo prazo, que se completar na véspera, no dia da transferência, ou no dia seguinte, têm de ser respeitadas. Idem, a propósito de tempo de serviço, ou antiguidade. Lê-se no Código Civil, art. 1.236: “A alienação do prédio agrícola, onde a locação de serviços se opera, não importa a rescisão do contrato” (entenda-se “cessação”, “resolução”, porque o termo “rescisão” é revelador de pouca cultura do redator do art. 1.236), “salvo ao locador opção entre continuá-lo com oadquirente da propriedade, ou com o locatário anterior”. Se opta pela continuação com o adquirente, a transferência não é legal, é em virtude de exercício de direito formativo. (c)Nos casos de falência, os contratos bilaterais não se resolvem com a falência e podem ser executados pelo síndico, se entende que há conveniência para a massa (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 43, cf. art. 44). Como exemplo, tome-se o caso do art. 44, VII; do Decreto-lei n. 7.661: se a locação do imóvel está amparada pelo Decreto. n. 24.150, de 20 de abril de 1934 (renovação de contrato de locação), a transferência opera-se, e o despejo somente se pode decretar se o atraso no pagamento dos alugueres excede de dois meses e o síndico, intimado, não purga a mora. 2. TRANSPARÊNCIAS LEGAIS SEM REGRAS JURÍDICAS . As transferências legais podem resultar da incidência de regras jurídicas não escritas e apenas reveladas. Ou (a) porque na espécie resulte de suporte fáctico a que a regra jurídica sobre transferência legal corresponda, ou (b) porque para instituto não regulado por lei, mas existente no sistema juridico, haja esse dt conter a regra jurídica. Exemplo de (a) temos nos contratos de serviço com motoristas de automóveis. A posição subjetiva do empregador transfere-se e tem o empregado o direito de despedir-se. Exemplo de (b) temos no contrato consorcial ou contrato de consórcio, em seus três graus: a) o contrato de consórcio, que organiza, internamente, a atividade e as pessoas de que ELE cogita, para uma, algumas ou tôdas as finalidades que costuma ter o consórcio; b) o contrato de consórcio, que organiza, externamente, ou também externamente, a atividade e as pessoas, de modo que os consortes ou consorciados obtenham os fins ou o fim do consórcio; e) o contrato de consórcio, que, para a consecução do fim ou dos fins do consórcio, constitui sociedade, personificada ou não. As finalidades do consórcio são, de regra, o regramento dos preços, e cláusulas de venda (e. g., preço mínimo, ou, mais raramente, preço máximo), a restrição do importe da produção, ou da distribuição (e. g., conforme zonas), a repartição dos mercados entre os consortes ou consorciados, a concentração das vendas em órgão comum ou agência comum. Com a transferência da titularidade da emprêsa consorciada, o adquirente insere-se, ex lege (mas, aí, lei não escrita), na posição subjetiva da entidade que tinha, antes, a emprêsa. Se a aquisição é por ato entre vivos, ou a causa de morte, podem os figurantes, ou o figurante, estabELEcer que a aquh sição legal não se opere; e podem resolvê-lo os consorciados permanecentes, se o contrato de consórcio lhes permite a pré- -exclusão ou exclusão da transferência legal. Na dúvida, entende-se constituído intuitu rei, e não intuitu personue, o Consórcio. Cumpre, ainda, observar-se que a pré-exclusão ou exclusão pode ser de acordo com a espécie de sociedade que se concebeu. A transferência em virtude emancipação estatal de empresa ou resulta do negócio jurídico, que é a encampação, ou de lei, que diga, por exemplo, que “qualquer encampação de navios marítimos costeiros se entende com transferência ao Lóide Brasileiro”. CAPÍTULO III TRANSFERÊNCIA JUDICIAL DA POSIÇÃO SUBJETIVA NO NEGÓCIO JURíDICO

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§ 2.880. Princípios gerais - 1. ATo DO JUIZ E TRANSFERÊNCIA. Assim como há a cessão judicial de créditos e a transferência judicial de divida, há a transferência judicial da posição subjetiva no negócio jurídico. Se, por exempló, o negócio jurídico vai à herança, ex lege, ou a algum sucessor a causa de morte, por fôrça de testamento, e por ser conveniente à partilha o juiz atribui a um só dos herdeiros, ou a outrem que aquELE a quem tocaria, pela sucessão a causa de morte, a posição subjetiva no negócio jurídico, a transferência é judicial, e não legal nem. negocial. 2.REMISSÃO AOS PRINCÍPIOS CONCERNENTES Ã TRANSFERÊNCIA NEGOCIAL. O adquirente está exposto às objeções e-. exceções a que estaria se a transferência fôsse negocial. Passa-se o mesmo com o figurante saido. O figurante permanecente precisa ser notificado. Se houve consentimento prévio, não mais t de pensar-se em ter de fazer declaração de vontade o 1 igurante permanecente. Se não houve, a transferência judicial está exposta a que o figurante permanecente não consinta, ou só-mente consinta com a ressalva de não-liberação do titular anterior. Os princípios que a esse respeito expusemos têm, aqui, todo cabimento. § 2.881. Eficácia transiativa, nas transferências judiciais 1.COISA JULGADA FORMAL E TRANSFERÊNCIA. - Antes do transitar em julgado a decisão que determinou a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico não há qualquer transferência . Todavia, também no tocante às transferências judiciais havemos de atender a que, se não houve consentimento prévio do figurante permanecente, não 4há transferência . Se o consentimento foi dado com ressalva da não-liberação,transferência há. Apenas continua obrigado o figurante saldo. 2.Execução FORÇADA. A adjudicação ou arrematação da posição subjetiva no negócio jurídico é modo judicial de transferência, porque o negócio jurídico com que se transfere é entre o Estado e o adjudicatário ou arrematante.modo, no que se atribuiu ao herdeiro ou legatário, não se pode falar de transmissão legal. A transmissão legal das dívidas do falecido, respeitado o art. 1.587, 1. parte, do Código Civil, é jus cogens. 2.OUTROS PATRIMÔNIOS. No direito brasileiro, o patrimônio , em si, pode ser objeto de negócio jurídico, inclusive de ato de disposição. O art. 57 do Código Civil tem alcance que lhe dá situação particular em direito comparado. Outrossim, oart. 714. O direito sobre o patrimônio é transmissível, por ato unitário, e apenas a eficácia transíativa quanto a determinados bens e dívidas depende das regras jurídicas especiais. Em geral, as dividas transferem-se, legalmente, sob a forma de assunção cumulativa de dividas. Desde o momento da conclusão do contrato, os credores podem exercer as pretensões que no momento existirem, quer contra quem foi o titular quer contra quem o no momento (sucessor no patrimônio). A responsabilidade do adquirente limita-se ao que lhe foi’ cedido, como ativo. Tal responsabilidade é de direito cogente. 3.TRANSMISSÕES LEGAIS A RESPEITO DE BENS SINGULARES. Ás vêzes, a lei liga a certo bem dividas que a ELE concernem; de jeito que sucede nas dívidas, por lei quem negocialmente ou por lei sucede na titularidade do bem. É o assunto dos impostos territoriais e prediais. Ou a assunção legal é transíativa, ou é cumulativa. Só a respeito daquela se pode falar de transmissão legal de divida. CAPITULO XX ASSUNÇÃO E TRANSMISSÃO DE DIVIDA. JUDICIAIS

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§ 2.869. Conceito de assunção e transmissão judiciais de divida 1.ASSUNÇÃO POR ATO JUDICIAL. Sempre que a lei dá ao juiz o poder de fazer responsável alguém pela dívida de outrem, há assunção por ato judicial: o terceiro fica no dever dç solver a dívida. Tal assunção coacta pode ser cumulativa ou tranglativa. 2.TRANsMISsÃo JUDICIAL DE DIVIDA. Se a assunção coacta produz translação, isto é, liberação do devedor e inserção do terceiro na relação jurídica de divida, há transmissão judicial de divida. Sempre que o juiz, para comodidade da parte, atribui a um dos herdeiros certa divida, ou certas dívidas, há transmissão judicial. É preciso que se não confunda tal espécie com aquela em que o juiz apenas homologa partilha de bens e dívidas, por terem os interessados acordado na distribuição dELEs e delas, ou somente delas. § 2.870. Eficácia da transmissão judicial 1.DECISÃO JUDICIAL E EFICÁCIA. A transmissão judicial, como a atribuição cumulativa judicial, só se opera com a eficácia constitutiva ou executiva da decisão. Por isso mesmo, em principio, depende do trânsito em julgado da decisão que constituiu ou transferiu a dívida (eficácia de coisa julgada formal da decisão). Nada obsta a que, pelo teor da decisão, a eficácia seja a partir de certo momento no passado ou no futuro, inclusive no tocante a interesses (dividas acessórias). 2.CREDOR E ATO JUDICIAl DE ATRIBUIÇÃO DE DIVmA. Ocredor tem de consentir na transmissão judicial, para que ela se possa produzir. É o que ocorre, nos inventários e partiIhaa, quando se ordena a audiência dos credores sobre a parti-lha se alguma divida é atribuida a um au alguns dos herdeiros. Enquanto o credor não consente, não há a eficácia transiativa; se não consente, ou nio foi ouvido, a decisão judicial somente tem o efeito de atribuição cumulativa de dívida (e. g., responde o herdeiro; se ELE não solve, a herança). Há de entender-se,se nada se dispôs diversamente, que há solidariedade (respondem o herdeiro e a herança). O segundo devedor deve o mesmo que o anterior. Se um paga, extingue-se o crédito. Parte II. Transmissão total ou substituição subjetiva nas relações jurídicas obrigacionais coma toda CAPITULO 1 NEGÓCIO JURÍDICO , OBJETO DE TRANSMISSÃO § 2.871. Créditos e dividas, pretens5es e obrigações 1.CESSÃO E ASSUNÇÃO TOTAIS. Nos sistemas jurídicos, as legislações, em geral, só se preocuparam com as regras jurídicas sobre a cessão de créditos singulares e a assunção de dívidas alheias singulares. Não se pensou em redigir o que regularia a cessão de todos os créditos e a assunção de tôdas as dívidas oriundos de

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relação jurídica fundamental. No entanto, há, na teoria e na prática, como perfeitamente inserta no sistema jurídico, a substituição do declarante, nos negócios jurídicos unilaterais, ou do contraente ou acordante, nos negócios jurídicos bilaterais. Têm-se, assim, o problema da substituição do promitente unilateral e o problema da substituição do que acordou ou contratou. Alguns juristas tentaram desconhecer ou negar a transferência global, a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico: haveria apenas transferências de direitos, singularmente (e. g., E. SCHOLLMEYER, Recht der Schulclverhdltnisse, 361; H. SIBER, em G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 548 s.) ; mas sem razão. Conforme veremos, a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico é mais do que a soma das transferências de créditos e dívidas, pretensões e obrigações ou ações. O Código Civil brasileiro prevê a transferência da posição jurídica de locatário no contrato de locação (arts. 1.201, parágrafo único, e 1.197; Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1989, arta. 136, inciso 1.0, e 178, a), IX). Se há cessão do crédito garantido com direito real de penhor, com a obtenção da posse da coisa empenhada, dá-se a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico. Posteriormente, II. SIBER (Die schuldrechtliche Vertragsfreiheit, Jherings Jahrbúcher, 70, 294 s.) mudou, completamente, de opinião, frisando tratar-se de figura assepte, a da transferência unitária e integral do contrato. Entendamos:da posição subjetiva no negócio jurídico. Empregamos, por vêzes, as expressões “transferência do negócio jurídico”, “transferência do contrato”, “negócio jurídico transferendo”, “negócio jurídico transferido”. Advirta-se, porém, em que há elipse em qualquer delas. O que se transfere não é o negócio jurídico, mas a posição do figurante do negócio jurídico. Há transferência, da posição do figurante, que a outorga, no negócio jurídico, e não desse. Negócio jurídico transferendo está por posição subjetiva transferenda no negócio jurídico. Não há negócio jurídico transferido, mas sim posição subjetiva transferida no negócio jurídico. O que se transfere é a titularidade e a passividade: o que se muda é o sujeito. Não se trata de negócio jurídico plurilaterál , de formação progressiva. O que se transfere são os ELEmentos ativos, transferência totalmente eficaz, na cessão de créditos (Código Civil, art. 1.069) e de outros direitos (art. 1.078), com a notificação do devedor ou sujeito passivo, e os ELEmentos passivos, a respeito dos quais são de invocar-se, por analogia, os princípios que regem a assunção de dívidas. O figurante permanecente é, aí, o sujeito ativo e passivo, que consente, por declaração unilateral de vontade. Mas há plus, de que falaremos. . 2.TRANSFERÊNCIA DOS DIREITOS E DEVERES DO PROMITENTE UNILATERAL. O promitente unilateral pode ser substituído por outrem, desde que não haja prejuízo para os beneficiados. Por exemplo: prometeu A que daria x a quem descobrisse certa fórmula, ou que daria o prêmio de x a quem vencesse em concurso. Se B entende que há de substituir A, em próxima falência, porque a fórmula ou o concurso lhe interessa, ou por outro motivo, pode fazê-lo. Em tudo que ofender os interesses dos beneficiados, ou concorrentes, a substituição n5o se dá, no tocante à dívida de x. Enquanto a promessa unilateral de A pode ser revogada, assunto que se terá de versar, oportunamente, a propósito de promessas unilaterais em geral, pode A fazer-se substituir, integralmente. Cumpre, porém, advertir-se em que, enquanto a declaração unilateral de vontade é revogável (cf. Código Civil, ad. 1.514), pode o promitente fazer-se substituir por outrem. A promessa cumulativa, essa, por ser sem qualquer prejuizo para o unus ex publico, ou beneficiado, de modo nenhum precisa de atenção ao comêço da irrevogabilidade. a.ACÔRBOS E CONTRATOS. Nos acordos, como o de transmissão, e nos contratos unilaterais, a substituição tem de atender aos princípios dos dois institutos, a cessão de créditos e a assunção de dívida alheia, mas pode haver a figura da transferência da posição subjetiva. Nos contratos bilaterais, a figura da posição subjetiva no contrato, chamada, por elipse, transferência de contrato, acentua-sé, e apresenta caracteres dignos de exame. O Código Civil, art. 1.201, parágrafo único, alude à transmissão negocial da posição subjetiva no contrato, ao dizer, a propósito do locatário: “Pode também ceder a locação, consentindo o locador”. O legislador sabia, perfeitamente, que sublocar não é “ceder” a locação: quem subloca não deixa de ser locador; deixa de ser locador quem cede a pmição subjetiva no contrato de locação. Aí, ceder ficou em sentido mais largo do que tem em cessão, cessío: abrange ceder e assumir. A expressão “cessão de contrato”, imprecisa e deficiente, foi a que mais freqúentemente se apresentou no comércio e na indústria, a despeito da complExidade do ato jurídico (cessão de direitos mais assunção de dividas, além de ELEmentos próprios de conteúdo que alhures apontaremos). Em ciência, a explicação exige precisões rigorosas. Também se empregou e se emprega a expressão “venda de contrato”, que denuncia ter-se levado muito longe a

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idéia de circulação do contrato. Ressalta o mesmo defeito que se notou na expressão “cessão de contrato”: só se refere a direitos, e não a dívidas, ao lado ativo, e não ao lado ativo e ao lado passivo do contrato bilateral ou somente oneroso. Trata-se, apenas, da substituição negocial do contraente, mantido o contrato, com as suas relações. A declaração unilateral de vontade, por parte do figurante permanecente, libera o transferente de seus débitos e afasta-o das situações passivas em que se acha, O adquirente fica só. A transferência dos créditos simultâneamente ocorre. 4.O QUE SE TRANSFERE, NA SUESTITUÍÇÃO DO DECLARANTE UNILATERAL OU DO CONTRAENTE. A regra é transferir-se tôda a eficácia (cessão de direito é transferência de efeito, como o é assunção transíativa de dívida) mais a posição, tôda, de declarante unilateral ou de contraente. Direitos presentes, direitos futuros, pretensões presentes e futuras, ações presentes e futuras, dividas presentes e futuras, obrigações presentes e futuras, passam ao outorgado, não, porém, como efeitos realizados e previstos, mas sim porque se transmite a própria posição subjetiva no negócio jurídico, com os seus ELEmentos irradiadores, ativos e passivos. O outorgante ou obtém lucro com essa transferência ou se desvencilha da posição jurídica em que está, porque também é de interesse de outrem adquiri-la. É preciso, porém, que se dissocie o negócio jurídico abstrato da transferência do negócio jurídico, tratado, aí, como bem alienável, e o negócio jurídico subjacente, por vêzes inserto no mesmo ato. Tal inserção não é necessária, nem torna gratuito ou oneroso o negócio jurídico de transferência. A sucessão é a título particular, ou universal, e consiste em pôr-se no lugar do figurante do negócio jurídico (promitente unilateral ou contraente) o terceiro. O negócio jurídico é o objeto do negócio jurídico básico, pelo qual o promitente ou contraente se obriga a transferir a posição subjetiva no negócio jurídico e ao qual sucede o acórdo de transferéncia (negócio jurídico dispositivo e assuncional), que é abstrato. Daí poder-se fazer escritura de transmissão da posição subjetiva no negócio jurídico (negócio jurídico objeto) sem se aludir a preço, ou, em geral, a qualquer causa. Se a causa aparece é porque se juntaram no mesmo instrumento o negócio jurídico causal e o negócio jurídico abstrato. § 2.872. Negócios jurídicos de Posição subjetiva transferível e transferência 1. TRANSFERIBILIDADE TOTAL. Para que se possa transferir a posição subjetiva no negócio jurídico, é de mister que sejam cessiveis os direitos, pretensões e ações que dELE emanem, ou possam emanar, e assumiveis as dívidas e obrigações que dELE se irradiem, pôsto que alguns ou algumas não sejam cessiveis ou assumiveis. Se o óbice à credibilidade ou a assumibilidade é de natureza negocial, ainda que derivada da natureza do negócio jurídico de que resulta a posição subjetiva transferenda, quase sempre é afastável pela vontade do outorgante e do outro figurante do negócio jurídico de que resulta a posição subjetiva trans ferenda. A respeito dos contratos bilaterais e unilaterais com encargos, exsurgiu na doutrina e chegou a fórmula legislativa a regra jurídica de ser incessível 6 contrato cujas prestações já foram feitas (cp. Código Civil italiano, art. 1.406). Se somente resta um ou alguns direitos, pretensões ou ações, claro é que só se trataria de cessão desses direitos, pretensões, ou ações. Se somente resta uma ou algumas dívidas, o caso seria de assunção transíativa de dívida alheia ou dessas dívidas alheias. Mas o fato de alguma ou algumas dívidas, obrigações ou ações se haverem extinguido por adimplemento não pode obstar a que se transfira o negócio jurídico. O que é necessário para que ocorra a figura que aqui nos interessa é que não se restrinja o acOrdo de transmissão à substituição da figura do credor, ou do devedor. Hão de ainda existir ELEmentos ativos e passivos, que possam ser atingidos pelo acordo de transmissão. 2.CONSTRUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO DE TRANSFERÊNCIA DA POSIÇÃO SUBJETIVA NO NEGÓCIO JURÍDICO. A doutrina procurou construir, com rigor científico, a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico. (a) Houve a teoria da decomposição (Zerlegungstheorie, Zerlegungskonstruktion), que admite a transmissão da posição jurídica no negócio jurídico por ser transmissão de créditos e de dívidas (cessão de direitos mais assunção transíativa de dividas). Segundo ela, haveria negócios juridicos transíativos que exauririam o conteúdo da transferência do negócio jurídico (OTTO vos GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 185 5.; H. DEMELIUS, Vertragstibernahme, Jherings Jahrbiicher, 72, 241 5.; CARL CROME, S2,stem, II, §§ 198-199; A. VON TUHR, Der Aligemeine TeU, 1, 220 e 226; L. ENNECCERUS, Lehrbuck, II, § 87). Tal. teoria debulha a espiga de milho, mas não se adverte de que não pode

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debulhá-la tôda. A cessão de todos os créditos e de tôdas as pretensões presentes e futuras e a assunção de tôdas as dividas e obrigações exaurem o conteúdo do negócio jurídico de transferência de posição subjetiva em negócio jurídico? Não. De fora ficariam, e. g., os direitos formativos (e. g., o direito de resolução ou de denúncia vazia ou cheia) e faculdades unidas à posição de figurante. A relação jurídica fundamental (e. g., de compra, de troca, de locação, de empreitada) ultrapassa a soma dos direitos e dividas que derivam do negócio jurídico, É relação jurídica fundamental, e não soma de relações jurídicas de crédito ou de divida. A teoria da decomposição que melhor se chamaria teoria da composição ou da soma muito influiu nos diferentes sistemas jurídicos europeus, mais ou menos sem crítica. Não se prestava atenção à unitai-Ledade do negócio jurídico de transferência, nem a que a soma dos créditos, dívidas, pretensões e ações não exaure o negócio jurídico, em si e em seus efeitos. Aqui e ali, alguns juristas viam, de relance, que a interdependência dos ELEmentos ativos e passivos constitui plus. (b)A teoria unitária atende à falta de exaustão da cessão de créditos, junta à assunção de dividas alheias, em relação ao negócio jurídico em seu todo; e repeliu a redução da transferência da posição subjetiva no contrato àquELEs dois institutos. A figura aparece, então, em seus caracteres distintivos. É interessante observar-se que foi o negador radical do instituto quem lhe deu, mais tarde, a estruturação mais científica (H. SIBER, Die schuldrechtliche Vertragsfreiheit, Jherings Jahrbiicker, 70, 294 s., pôsto que ainda com falhas e senões. (c)A teoria da complexidade negocial sustentou que há na transferência da posição subjetiva no negócio jurídico cessão de créditos e assunção de dívidas, o que implica, por se referir a todos os créditos (dever-se-ia dizer: a todos os créditos, direitos e faculdades) e a tôdas as dividas (dever-se-ia dizer: a tôdas as dívidas e situações passivas), transmissão integral da posição subjetiva no negócio jurídico. O negócio jurídico de transmissão e um 5, por ser global e por ser o que os figurantes querem. Ao tratarmos dos contratos bilaterais, mais de espaço falaremos das três teorias e de pormenores do instituto, que não caberiam neste Titulo II. § t873.Análise do negócio jurídico de transmissão da posição subjetiva em negócio jurídico 1.NEGÓCIO JURÍDICO SEM TRANSLAÇÃO E NEGÓCIO JURIDICO TRANSLATIVO. (a) No negócio jurídico são figurantes necessários um dos figurantes do negócio jurídico objeto e o terceiro. AquELE é o outorgante; esse, o outorgado, que também assume as dívidas como efeito do negócio jurídico objeto. O figurante que fica na relação jurídica pode não tomar parte no negócio jurídico, porque o seu consentimento só é indispensável para a eficácia transtativa. Assim, se se quer a transferência, concerta-se o negócio jurídico entre o figurante do negócio jurídico em vista (figurante sainte) e a pessoa que se quer pôr no lugar dELE (figurante entrante) o figurante, que fica, do negócio jurídico objeto (figurante permanecente), consente, prévia, simultânea ou posteriorniente, para que se dê a transferência. A intervenção do figurante permanecente é indispensável, à diferença do que se passa em relação à assunção transíativa de dívidas, porque, na transferência da posição subjetiva no negócio jurídico, a transmissão das dívidas e outras situações passivas somente se dá se os créditos e as outras situações ativas se transferem. A interdependência e. ai, característica. Ésse é o ponto mais rELEvante da doutrina da transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. A liberação do figurante sainte, a respeito das dívidas e mais situações pasE vas, em relação ao figurante permanecente, não poderia operar-se sem o consentimento desse. A interdependência impõe a mesma sorte às dívidas do figurante permanecente. Aqui, na prática, tem-se de verificar o que quiseram o figurante outorgante e o figurante outorgado, isto é, se a) foi a transmissão da posição subjetiva, ou se b) foi a simples acessão subjetiva ao contrato (Vertragsbeitritt), em que se cedem os direitos porém não se dá a transmissão das dívidas, que são assumidas a Intere do outorgante, conforme a figura da assunção cumulativa da divida (Schíddmitilbernahflte), ou se e) se cederam os créditos e não as dívidas, ou se houve ri) acessão subjetiva total ao negócio jurídico, isto é, não-transferência. Se a), o consentimento do outro figurante do negócio jurídico em vista é indispensável à transferência assim dos créditos como das dívidas e mais efeitos do negócio jurídico. Se b), há a quebra da interdependência dos

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ELEmentos ativos e passivos, de modo que se opera a cessão dos créditos e dos mais ELEmentos ativos, que se hajam mencionado, sem se assumirem, translativamente, as dívidas e os mais ELEmentos passivos (assunção só cumulativa). Se o), não há cogitar-se de negócio jurídico sobre negócio jurídico. Se d), ainda que se comunique ao outro figurante do negócio jurídico objeto da acessão subjetiva o que ocorreu e ELE nada oponha, nenhuma transferência se produz, porque só foi essa a vontade dos figurantes do negócio jurídico objeto da convenção de cumulatividade. Adiante referir-nos..emos a essa espécie. (b)Transferência de dívidas pode haver sem consentimento do devedor; não, sem consentimento do credor. Transferência de créditos há sem que o devedor consinta, razão por que apenas se lhe notifica o acordado para a eficácia em relação a die. Transferência da posição subjetiva no negócio jurídico exige que consinta o figurante permanecente, que é tão interessado no status quo quanto o figurante sainte. Se foi estabELEcido que não haveria transferência, mas apenas acessão subjetiva, o figurante, não convencionante, não precisa consentir, porque a notificação basta. Nenhum prejuízo há para ELE em que outrem aceda ao negócio jurídico em que é devedor e credor. 2.PRECIsÕEs CONCEPTUAIS. (a) Se foi querida a transferência, foi querido efeito transíativo que depende do consentimento do outro figurante. a)Pode dar-se que o negócio jurídico de transferência tenha sido acordo entre o outorgante e outro figurante do negócio jurídico objeto. Então, há oferta do outorgante, já munida do consentimento prévio do outro figurante do negócio jurídico objeto, e a declaração de vontade do outorgado, cessionário..assuntor contém aceitação. A transferência é, então, imediata à aceitação. b)Se no negócio jurídico de transferência figuram os dois interessados do negócio jurídico transferendo e o outorgado, o consentimento foi simultâneo, à semelhança do que se passa com a assunção bifigurativa de divida alheia. A transf erência é coe tânea. Alguns pensam na figura do negócio jurídico de oferta dúplice, na espécie 19, e não de declaração unilateral de vontade do figurante permanecente. Os figurantes seriam três, e não dois, com o consentimento do figurante permanecente do negócio jurídico transferendo. O negócio jurídico só se aperfeiçoaria com o consentimento desse figurante permanecente. Na doutrina italiana, NArOLI (Alcuni aspetti della cessãone del contratto secondo il nuovo codice civile, Giurispr-udenza completa delia Corte .Suprema di Cassazione, 22, 1, 819 s.) concebeu a chamada “cessão de contrato” do Código Civil italiano, arts. 1.406-1.408, como contrato entre o cedente e o terceiro, sendo o consentimento do cedido (?I) ELEmento externo ao negócio da cessão. Estava, quanto à estruturação, certo. Mas outro caminho, o do negócio jurídico trilateral, tomaram outros (e. g., E. COLAGROSSO, Teoria general e deile Obbligazioni e dei Contratti, 216; MARCELLO ANDREOLI, La Cessãone del Contratto, 89 s.). E erraram. c)A transferência do negócio jurídico pode ser convencionada entre o figurante sainte e o entrante (cessionário -assuntor). Então, há vinculação entre ELEs, mas dependente do consentimento posterior do outro figurante do negócio jurídico transferendo. Ésse consentimento não faz plurilateral o negócio jurídico. Apenas se configura como declaração unilateral de vontade. Reagem contraisso juristas que se aferraram à noção, falsa, de “venda de contrato”. Mas, em verdade, quem dispõe é o figurante sainte; não dispõe, rigorosamente, do contrato, ou de outro negócio jurídico, mas sim da sua posição subjetiva no negócio jurídico, no contrato. A existência (ex kypothesi) de ELEmentos ativos a favor do figurante que fica é que faz necessária a sua aprovação do que, a respeito desses ELEmentos ativos, estabELEceram o outorgante e o outorgado. Apenas, devido àznterdependéncia dos ELEmentos ativos e passiv os, tal consentimento é quanto ao todo da posição subjetiva do figurante sainte no contrato. (b)Quando teve de referir-se à transferência de contrato (na espécie, contrato bilateral), o Código Civil, art. 1.201, parágrafo único, disse que o locatário pode “ceder a locação, consentindo o locador”, O texto permite que se construa a transferência negocial de negócio jurídico com os últimos resultados da ciencia. evitando-se, assim, a influência de leituras em tôrno do Código Civil italiano (arts. 1.406-1.408). “Ceder a locação” está, aí, por “transferir a posição subjetiva de locatário”. 8.REGRAS JURÍDICAS SOBRE O NEGÓCIO JURÍDICO DE TRANSFERÊNCIA. O negócio jurídico entre o figurante sainte e o figurante entrante está subordinado às regras jurídicas sobre negócios jurídicos em geral (existência validade e eficácia) e às concernentes aos negócios jurídicos dispositivos abstratos, em que há dois figurantes.

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4.ACESSÃO SUBJETIVA A NEGÓCIO JURÍDICO, SEM TRANSFERÊNCIA. À semelhança do que ocorre com a assunção de dívida alheia, pode dar-se que a acessão ao negócio jurídico seja cessão-assunção cumulativa. O nôvo figurante se põe ao lado, e não no lugar do figurante que outorga a cessão-assunção (melhor: acessão subjetiva). O acedente se faz devedor solidário. Como credor, ou é credor solidário, ou credor em mão comum, ou credor conjunto, mas a solução depende da relação jurídica entre o figurante que sai e o que entra. Na dúvida, é solidário, porque, a despeito do art. 896 do Código Civil, tal solidariedade resultou de vontade dos figurantes, se notificação se fêz ao outro figurante do negócio júrídico acedido. § 2.874. Consentimento do figurante permanecente 1.CONCEITO E ExPRESSÃO. Já frisamos que o consentimento do figurante permanecente é declaração unilateral de vontade, negócio jurídico unilateral. Discute-se se pode ser tácito. No direito brasileiro, a forma escrita é exigida à cessão de crédito e à própria notificação ao debitor cessus ou à declaração de ciência por esse, e a notificação e a declaração são menos do que a declaração do figurante permanecente, que é negocial. O art. 1.069 do Código Civil é, pois, obstáculo à manifestação tácita de vontade. Todavia há a possibilidade de incidir .o ar’t. 141, parágrafo único, do Código Civil. A inserção do nome do adquirente nos livros comerciais é prova escrita. No direito italiano, pretendeu-se que o consentimento do figurante permanecente pode ser tácito (E. COLAGROSSO, Teoria 411 qenerale deile Obbligazio’ni e dei Contratti, 316; F. MESSINEO, Ma.nuale di Diritto civile e commereiale, II, 521; MARCELLO ANDREOLI, La Cessãone dei Contratto, 40, que aliás não o admite em todos os casos, por ser exigido o escrito ao negócio jurídico de que se transfere a posição subjetiva). Não pode haver resposta a priori, salvo a de se exigir que a forma da declaração do figurante permanecente seja a que se exigiria, por lei, para o distrato. Está, em verdade, a dispor da posição jurídica <cf. Código Civil, art. 1.098, 1. parte) e não se há de dispensar a forma exigida ao distrato. A analogia impõe-se (§2.875, 1). 2.INVALIDADE E INEFICÁCIA. A declaração do figurante permanecente é nula, anulável ou ineficaz nos mesmos casos em que o são os outros negócios jurídicos. 8. NEGOCIALIDADE DO CONSENTIMENTO. O figurante permanecente pode ter razões 1para repelir transferência, como ser de valor incontrastável para ELE a pessoa do que quer transferir a posição subjetiva, ou não lhe merecer confiança o adquirente. Porém não está adstrito a dizer porque recusa o consentimento, nem o consentimento precisa ter qualquer razão ou fundamento. Resta saber qual a conseqtência, que tem, para o negócio jurídico entre o que se propõe a sair da posição subjetiva e o que nela quer entrar, a, recusa do consentimento por parte do figurante permanecente. Se se ‘adota a teoria dos três figurantes, tem-se, lôgicamente, de se entender que caiu no vácuo o negócio jurídico entr duas pessoas apenas. Faltaria ELEmento essencial do negócio jurídico. O consentimento não é, conforme dissemos, ELEmento constitutivo; apenas se exige para a eficácia translativa. Tem-se de entender que os dois figurantes ficam vinculados, salvo se consideraram condição resolutiva a denegação do consentimento pelo figurante permanecente. Mas aí se trataria de determinação mexa ao negócio jurídico entre o figurante que queria sair e o figurante que queria entrar. A declaração unilateral do figurante permanecente é estranha ao que se passou ou se passa entre aquELEs. Oque resta do negócio jurídico entre o figurante que queria sair e o que se prestava a entrar na relação jurídica fundamental é o que se conclui dos termos do negócio jurídico. Se é de entender-se que persiste, os atos do outorgado são atos em nome do outorgante e, para adimplemento, é interenado, no sentido do Código Civil, art. 980. É absurdo dizer-se que, faltando o consentimento do figurante permaneQente, o negócio jurídico éinexistente. É, no tocante à liberação do outorgante e, pois, no tocante à transferência, ineficaz. Nos casos em que os figurantes do negócio jurídico, uma de cujas posições subjetivas se quer transferir, inseriram no negócio jurídico a cláusula de transferibilidade apenas notificada, ou por declaração no documento do negócio jurídico, o consentimento é prévio. Donde resulta que a eficácia transíativa se opera contemporâneamente à conclusão do negócio jurídico entre o figurante sainte e o terceiro.

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4.CONSENTIMENTO PRÉVIa E TRANSFERÉNCIAS SUCESSIVAS. Se o figurante permanecente consentiu prêviamente em que se transferisse a posição subjetiva do outro figurante, ou de algum dELEs, é questão de interpretação a de se saber se foi para uma transferência, ou para quaisquer que se seguissem. A natureza do negócio jurídico pode determinar que as transferências só se façam a certa data, ou perjôdicamente, e os figurantes podem estabELEcer tais restrições, negocialmente. Se nada se disse, nem se estipulou, o consentimento prévio entende-se dado para quantas transferências sobrevierem. A cada uma delas o adquirente se insere na posição subjetiva do alienante e esse se libera. 5.CONSENTIMENTO PRÉVIO E DUAS OU MAIS TRANSFERÊNCIAS PELO MESMO FIGURANTE SAINTE. Se o figurante alienante faz dois ou mais negócios jurídicos de transferência, tudo se passa à semelhança do que ocorre com a multiplicidade de acórdos de transferência da propriedade imobiliária: apenas, no caso desses, a eficácia transíativa advém da transcrição, e, no daquELEs, é a notificação ao figurante permanecente. Não se argumente que poderia esse preferir outra, de que tivesse ciência posteriormente. A notificação cria ao figurante permaecente três caminhos: ou recusa a declaração unilateral de vontade, ou a faz com ressalva da não-liberação do figurante outorgante (zt sem que fique liberado o figurante outor gante), ou consente, sem restrições. Ainda no caso da recusa, a notificação foi-lhe feita, e conhece ELE que há alguém que se tornou interessado, no sentido do art. 980 do Código Civil. Se, em vez de recusar o consentimento, consente com a ressalva de se não liberar o transferente, transferência há, embora continue ligado à relação jurídica, subsidiàriamente, o que deixou de ser figurante. Se o consentimento foi sem restrições, questão não há. A analogia com a cessão de crédito, no tocante à notificação, impõe-se ao intérprete (Código Civil, art. 1.070). Quanto aos outros negócios jurídiêos de transferência, já os concluiu quem não mais tinha a posição subjetiva que disse ter. § 2.875. Circulação da posição subjetiva no negócio jurídico 1. TRANSFERÊNCIA DA POSIÇÃO JURÍDICA POR INSTRUMENTO SEPARADO. De regra, para se atribuirem a outrem os créditos, dívidas e mais situações ativas e passivas nos negócios jurídicos, ou se faz escritura pública (Código Civil, arts. 134 e 183), ou escrito particular (instrumento particular, Código Civil, ad. 185; Código Comercial, art, 22). Se o negócio jurídico cuja posição subjetiva se vai transferir foi feito por escritura pública, que não era exigida, na espécie, por lei, o fato de se ter enformado por instrumento público não impõe que a transferência da posição subjetiva o seja. Transferência não é distrato; e o art. 1.098, lA parte, do Código Civil só se referiu ao distrato. Aliter, se a escritura pública é exigida por lei. A declaração unilateral de vontade do figurante permanecente tem de obedecer à regra jurídica do art. Q93, 1? parte, por analogia. A situação muda (§ 2.874, 1). Se ao negócio jurídico se exigia, por lei, escritura pública, a cessão tem de ser por escritura pública. Se no negócio jurídico, que se fêz por escritura pública, sem que por lei fôsse exigida, há alusão à cessão futura, ou às cessões futuras, interpreta-se, na dúvida, que foi exigida a escritura pública para as transmissões do contrato. A declaração unilateral do figurante permanecente há de ser tida como subordinada à forma do negócio jurídico de que resultaram as relações jurídicas em que é sujeito, ativo ou passivo. No instrumento com qu se fêz o negócio jurídico objeto pode ter-se incluido a cláusula de instrumentação pú blica das transferências das posições subjetivas <arg. ao Código Civil, art. 138), ou delas e das cessões ou assunções de dívidas, o que, na dúvida, se há de ter por estabELEcido. Se a escritura pública é exigida por lei ao negócio jurídico, há de entender-se que também o é para a transferência da posição subjetiva nELE. Se o negócio jurídico transferendo é civil e a escritura pública não é de exigir-se, rege o art. 185 do Código Civil, combinado com o art. 1.067. Se é comercial, tem-se de atender ao art. 22 do Código Comercial, onde se estatui que “os escritos de obrigações relativas a transações mercantis, para as quais se não exija por êste Código prova de escritura pública, sendo assinados por comerciantes, terão fé contra quem os houver assinado, seja qual fôr o seu valor”. Também em direito comercial há o princípio de que, feito por instrumento público o negócio jurídico sem ser de exigir-se, esse fato não importa para a transferência da posição subjetiva. Se é necessária a escritura pública para o negócio jurídico, também o é para a transferência da posição subjetiva e para a declaração de vontade do figurante permanecente. 2. TRANSFERÊNCIA DA POSIÇÃO JURÍDICA NO MESMO INSTRUMENTO. Aqui, temos de defender a

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inteireza do sistema jurídico brasileiro contra perturbadoras influências de sistemas jurídicos menos rigorosos em técnica jurídica, O fato de se fazer no instrumento particular (a escritura pública não está em causa, porque não há, no direito brasileiro, circulacão da escritura pública, e a possibilidade de caberem, naturalmente, no papel do instrumento público, sem o ofenderem, declarações de vontade assinadas, com os requisitos do art. 135 do Código Civil ou do art. 22 do Código Comercial, é mínima), o fato de se declarar, com os requisitos do art. 135 do Código Civil, ou do art. 22 do Código Comercial, que se transfere o negócio jurídico enformado pelo instrumento particular, de modo nenhum é endôsso. t preciso não se tomar a pELE pelo animal. O endôsso é lançado no dorso, quiçá sem qualquer declaração, mas exige que o sistema jurídico o haja permitido ( que não só o instrumento, mas o titulus seja endossável). Com a eficácia de transíação, o negócio jurídico passa a ter como titular da posição subjetiva outorgada o adquirente. § 2.876. EFICÁCIA DA TRANSFERENCIA o figurante saído está liberado e nenhum direito ou situação ativa tem mais. O transferente fica responsável ao adquirente pela existência da posição subjetiva, que transferiu (analogia do art. 1.078 do Código Civil). Mas o art. 1.078 é ius dispositivtttn. Se há transmissibilidade prêviamente consentida e inseribilidade do negócio jurídico de transferência no documento do negócio jurídico cuja posição subjetiva se vai transferir, a conclusão daquELE determina a transferência do que foi instrunientado no documento. § 2.876. Eficácia do negócio jurídico de transferência da posição subjetiva 1.EFICÁCIA PRÉTRANSLATIVA. Antes de se operar a transferência da posição subjetiva, o outorgante (figurante sainte) está vinculado, tal como se passa com o outorgante no acordo de transmissão da propriedade. Falta a eficácia translativa. Se o figurante permanecente não consente na transferência, os próprios créditos e outros direitos que se teriam transferido (com eficácia contra o devedor, por simples notificação), na cessão de créditos ou de direitos, não se transferem, porque, sendo de ELEmentos ativos e passivos o objeto cuja titularidade se quis transferir, a interdependência entre ELEs muda o trato jurídico em relação aos créditos e direitos. Não se transferiram as dividas e demais situações passivas; esses não se transferem. Do que acima se disse é de tirar-se: a)Existe princípio de interdependéncia interna, no negócio jurídico de transmissão da posição subjetiva em negócio jurídico, ou nas próprias acessões totais a negócios jurídicos, razão por que a cessão dos créditos e direitos fica dependente da assunção transiativa ou cumulativa das dívidas. b)O consentimento do figurante pernianecente é necessário a qualquer transferência de posição ativa ou passiva, e não só à transferência da posição ativa. 2.EFICÁCIA TRANSLATIVA DO NEGÓCIO JURÍDICO. O que primeiro se transfere, lôgicamente, é o efeito vinculativo. Por isso mesmo, pode ser transferido o negócio jurídico que esteja sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial. Depois vêm os primeiros efeitos que atingiram, ou que atingiriam o transferente. Transferemse os créditos, as dívidas, as pretensões, as obrigações e as ações e os direitos formativos, bem como as situações passivas que comportam e as faculdades ativas e passivas. No que toca ao figurante permanecente, o alienante deixa de ser co -figurante (salvo em caso de transferência parcial da poslção subjetiva). Figurante é o adquirente. Um saiu para que o outro entrasse. AquELE deixou de ser titular de direitos e perdeu qualquer situação ativa, para que o outro se fizesse titular e tomasse o seu lugar nas situações ativas. Quanto às dívidas e situações passivas, está liberado o transferente. Se o figurante permanecente consente, não há questões que dai surjam. Se consente, mas ressalva a não-liberação do figurante sainte, a transferência produz-se no momento mesmo em que consente; apenas o figurante saído ou ex-figurante passa à situação de obrigado subsidiário. Se, por exemplo, o figurante entrado não adimple, pode ir contra êie o figurante permanecente. A eficácia transiativa sói ser após á conclusão do negócio jurídico entre o figurante sainte e o entrante. Todavia, o consentimento do figurante permanecente que é o que lhe falta, pode ter sido já declarado, ou dado concomitantemente O consentimento concomitante é que faz a ilusão das três figuras do negócio jurídico. Se o consentimento foi prévio, a eficácia produz-se com a conclusão do negócio jurídico entre o figurante sainte e o

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figurante entrante. Se, em cláusula ou acordo posterior, os figurantes do negócio jurídico, cuja posição subjetiva se quer transferir, estabELEceram a desnecessidade do consentimento posterior, entende-se que prêviamente o deram, ainda que se lance na via do instrumento do negócio jurídico que ficou ao outorgante a declaração de transferência Não se trata de endôsso, êrro de técnica que aparece no Código Civil italiano, art. 1.407, alínea 2.. É preciso, está visto, que todos os ELEmentos do negócio jurídico, cuja posição subjetiva se vai transferir, constem do documento, no sual se insira a cláusula de consentimento prévio, ou de pacto posterior, que o diga. No sistema jurídico brasileiro, não se trata de endôsso, mas de simples consentimento prévio, que permite o negócio jurídico de transferência da posição subjetiva no mesmo instrumento, se há lugar para isso (= se não ofende a instrumentação do negócio jurídico lançado e há espaço no papel para se exprimirem as duas vontades acordantes). Para que se pudesse cogitar de endôsso, seria de mister que o negócio jurídico fôsse por simples assinatura; e exsurgiria o problema de ser de admitir-se, ou não, o endôsso em branco. Não se trata de endôsso. O figurante permanecente deu, antes, o seu consenti-mente, exigida, ou não, comunicação. Na dúvida, entende-se que mio a exIgiu; porque, se o consentimento prévio foi dado com a permissão de lançarem no título as declarações, o instrumento se tornou titulo de legitimação: qualquer crédito, por exemplo, somente pode ser exigido mediante a apresentação do instrumento e respectivo negócio jurídico de transferência. Cumpre ter-se em vista que na cláusula ou pacto de consentimento prêviamento dado não está incluída a cláusula ou pacto de transformação do documento em título de legitimação, nem vice versa. As combinações possíveis são: a) cláusula ou pacto de consentimento prévio, sem dispensa de comunicação; b) cláusula ou pacto de consentimento prévio, com dispensa de comunicação e, pois, com a transformação do documento em título de legitimação; e) transformação do documento em título de legitimação sem consentimento prévio; d) nem cláusula nem pacto de consentimento prévio, nem de transformação do documento em titulo de legitimação, o que faz, se foi lançado no mesmo documento o negócio jurídico de transferência, ser necessário o consentimento do figurante permanecente. Se cabia no documento o nôvo negócio jurídico, ELE prova que houve tal negócio juridico, e não mais do que isso. A confusão da figura com o endôsso tem inconvenientes graves. Quem fala de endôsso alude à transferência por simples assinatura, formalmente, e à obrigação do endossante pelo inadimplemento da prestação da parte do responsável originário, ou de quem o endossante houve o que endossou. Regra jurídica como a do art. 2.012 do Código Civil italiano gritaria no sistema jurídico brasileiro. O legislador italiano acolheu perigoso faz-de-conta que é endôsso. 3. Posíção SUBJETIVA DO FIGURANTE ENTRADO. Tendo-se operado a transferencia, o figurante entrado pode exercer quaisquer direitos contra o figurante permanecente, inclusive as pretensões, ações e exceções por inadimplemento, ação de resolução ou resilição do negócio jurídico, ação de indenização por perdas e danos, exceção non adimpleti contractus ou non rita adimpleti contractua. Ofigurante saido não garante a solvência do figurante permanecente, se a isso não se obrigou (arg. ao art. 1.074 do Código Civil). Se houve cláusula ou pacto posterior de ser responsável, entende-se que só assegurou o que concerne à soma capital, acessórios e despesas. Se não houve a cláusula ou pacto posterior, o figurante alienante pode exigir o preço por que firmou o acordo de transferência, ainda que o figurante permanecido haja caído em insolvência, ou por outro motivo tenha deixado de solver. Ainda que não tenha havido a cláusula ou o pacto posterior, pode o adquirente pedir a resolução do negócio jurídico de transferência se o que foi transferido não foi o descrito no documento. Mas essa resolução não atinge o figurante permanecente, exceto no que concerne ao futuro, após a coisa julgada da decisão judicial e notificação a ELE, ou intimação, se foi chamado à relação jurídica processual, como assistente equiparado a litisconsorte (Código de Processo Civil, art. 93), quando as circunstâncias do pleito não o fazem litisconsorte. Ofigurante entrado não pode opor exceções que acaso teria o figurante saído contra o figurante permanecente, fundadas em relações estranhas ao negócio jurídico cuja posição subje. tiva se transferiu, nem o poderia ésse, a respeito de exceções que teria contra o figurante saído. Ofigurante permanecente pode, por exemplo, Opor ao nôvo figurante a exceção non adimpleti contractus, a exceção non rite adimpleti contractas, propor a ação de resolução ou de resilição do negócio juridico cuja posição subjetiva foi cedida. Se nesse negócio jurídico havia cláusula de resolução automática em caso de inadimplemento, resolve-se o negócio jurídico de conformidade com a cláusula, com as conseqüencias

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correspondentes. 4.GARANTIAS DOS DIREITOS TRANSFERIDOS E GARANTIAS QUE FORAM DADAS AO FIGURANTE PERMANECENTE. O Código Civil, art. 1.066, já foi examinado em seu conteúdo exato, e aqui apenas haveríamos de remeter ao que foi exposto no § 2.827 (cessão de créditos). Quanto ás dívidas e demais situações passivas, cumpre observar que igual analogia cabe com a assunção de divida alheia (§§ 2.854 e 2.856). A fiança global quanto ao negócio jurídico (dita “fiança ao contrato”), não só ao que se há de prestar ou contraprestar, como se passa com a fiança pelos alugueres, essa, também só subsiste se foi inserta a cláusula de subsistir, como se do negócio jurídico garantido consta o consentimento prévio para as transferências, ou uma transferência, ou se o fiador estendeu a fiança, ao ser feito o negócio jurídico de transferência. 5.NEGÓCIO JURÍDICO DE TRANSFERENCIA E NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE OU SOBREJACENTE. Entre o transferente da posição subjetiva no negócio jurídico e o adquirente há o negócio jurídico da transferência, que é abstrato, e sob ELE ou sobre ELE pode haver negócio jurídico causal (negócio jurídico subjacente ou sobrejacente). É da maior importância que se distinga desse aquELE. Ésse pode não ter existido, nem vir a existir. A transferência da posição subjetiva no negócio jurídico não é contrato de compra-e-venda, nem doação, nem qualquer outro negócio jurídico causal. Como a cessão de crédito e a assunção de dívida alheia; é negócio jurídico abstrato, O negócio jurídico subjacente ou sobrejacente (que, aliás, também poderia ser abstrata, como se A transferisse a posição subjetiva no negócio. jurídico em substituição de nota promissória ou de duplicata mercantil em que era endossante) não regula a transferência, nem as relações entre o alienante ou adquirente e o figurante permanecente, e sim tão só as relações internas entre o transferente e o adquirente. § 2.877. . Transferência com ressalva de não-liberação 1. REFERÉNCIA A ESPÉCIE. A espécie pode ocorrer se o consentimento é simultâneo, ou posterior à conclusão -do negócio jurídico de transferência; mas também se o consentimento foi prévio e restrito pela ressalva. No último caso, à conclusão do negócio jurídico de transferência, a transferência produz-se, sem que se libere o figurante saído. 2. EFICÁCIA DA RESSALVA. Com o ingresso do terceiro na relação jurídica, se o figurante permanecente consentiu sob ressalva de não-liberação, os créditos e outros direitos ou situações ativas vão ao adquirente, bem como as dividas e outras situações passivas, mas o transmitente continua vinculado, passivamente. Aqui, duas construções seriam possíveis: uma <a), influenciada pela teoria da decomposição, veria na transferência apenas cessão de créditos e direitos, e não assunção dc dívidas; outra (b), atendendo à interdependência dos ELEmentos ativos e passivos, consideraria consumada a transferência de todos, ficando vinculado, a despeito disso, devido à ressalva de não-liberação, o transmitente. O vínculo sobrevive à transferência. A opinião <a não poderia fazer sujeito passivo o adquirente, porque transferência, ex hypothesi, não se teria dado. A opinião (b) atende à interdependência dos ELEmentos ativos e passivos, à unitariedade do negócio jurídico, e estabELEce que a transferência se dá para todos ELEs. Se transferência há, não se pode pensar em que o figurante entrado só responda subsidiàriamente; subsidiàriamente há de responder o figurante saído, não liberado. Salvo, advirta-se, se há cláusula ou pacto posterior de solidariedade (não- se presume solidariedade, Código Civil, art. 896). O interesse do figurante outorgante estava na transferência, - o do terceiro, em adquirir; o figurante permanecente não recusa o consentimento, mas restringe-o. Ainda com tal restrição, o transferente é favorecido, porque alguém lhe fica à frente no adimplemento e nas coliseqilências do não-adimplemento. Não se diga que a responsabilidade do transferente é a de fiador. Tal seria a sua situação jurídica se houvesse, de moto próprio, assumido a responsabilidade, acessoriamente, como acontece se assume, perante o adquirente, responsabilidade pelo figurante permanecente. O transferente não liberado pode opor as exceções derivadas do negócio jurídico cuja posição subjetiva foi transferida, porém não as que se liguem a outro negócio jurídico dELE com o figurante permanecente. A obrigação é própria, porque se transferiu e houve a ressalva. § 2.877.__TRANSFERÊNCIA COM RESSALVA O transferente e o adquirente podem estipular a solidariedade quanto às dividas e demais situações pssivas. Então, a notificação ao figurante permanecente tem a conseqúência de eficácia em relação a ELE, qualquer que

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seja a sua atitude. Salvo se na estipulação da solidariedade se fêz dependente da transferência a solidarização. Mas, ainda nesse caso, se o figurante permanecente consente com ressalva da não-liberação, o figurante saído responde solidàriamente. Direitos e deveres transferiram-se, com o negócio jurídico e o consentimento do figurante permanecente, devido ao complexo unitário do negócio jurídico cuja posição subjetiva se transferiu ao figurante entrado. CAPÍTULO II TRANSFERÊNCIA LEGAL DA POSIÇÃO SUBJETIVA NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS § 2.878. Generalidades 1.TRANSFERÊNCIA LEGAL A CAUSA DE MORTE E TRANSFERÊNCIA ENTRE VIVOS. A transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos também ocorre ex lege. O que é de mister é que os pressupostos necessários e suficientes se componham, isto é, que se complete o suporte láctico, para que a regra jurídica sobre transferência incida. A transferência legal mais freqUente, se o negócio jurídico não se extixigue com a morte do figurante, é a transferência hereditária legal (Código Civil, arts. 1.572-1.576). A herança e, pois, os herdeiros sucedem no total dos ELEmentos ativos e passivos, mas dentro das fôrças da herança (Código Civil, art. 1.587). Se não houve testamento, negócio jurídico unilateral, a transmissão é legal. 2.TRANSMISSÃO LEGAL ENTRE VIVOS. A transmissão legal entre vivos resulta de regra jurídica, lez specialis. De ordinário, regra jurídica escrita, mas pode dar-se que o sistema jurídico faça, em seus princípios, ressaltar a regra jurídica especial. 3.EXECUÇÃO FORÇADA E LOCAÇÃO. Com a execução forçada, dá-se a transferência da propriedade, mas o credor exeejitante não se pode reputar mais credor do que o locatário. Não se trata de mudança da titularidade por ato de alienação,e sim de aplicação da lei, uma vez que o Estado, após o monopólio estatal da justiça, executa pelo devedor. Nem seria de aconselhar-se que se pudesse romper o vinculo do devedor com a execução por ato do credor. O bem locado, por exemplo, é bem do credor menos o que vale a locação. Se a execução forçada ocorre, com a interrupção da locação sem prazo determinado, ou com prazo determinado, se não houve o registro da cidusuti de continuação (Código Civil, art. 1.197), a locação pode cessar, ou prorrogar-se. 1 § 2.879. Exemplificações de transferências legais entre vivos 1.ALGUNS TEXTOS LEGAIS. (a) Estatui o art. 1.463 do Código Civil: “O direito à indenização pode ser transmitido a terceiros, como acessório da propriedade, ou de direito real sObre a coisa segura”. No parágrafo único, acrescenta-se: “Opera-se essa transmissão de pleno direito quanto à coisa hipotecada, ou penhorada, e, fora desses casos, quando a apólice o não vedar”. Penhorada está, aí, por “empenhada”. Todavia, penhorada a coisa segura, a

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transmissão opera-se a favor de quem, no momento, tiver legitimação, segundo o art. 1.463. Oadquirente e o sucessor no direito real limitado ingressam, ex lege, na relação jurídica de seguro. Já o Código Comercial, art. 676, disse: “Mudando os efeitos segurados de proprietário durante o tempo do contrato, o seguro passa para o nôvo dono, independente de transferência da apólice, salvo condição em contrário” (queria referir-se a “cláusula em contrário”). É de pôr-se em relêvo que já a seu tempo o Código Comercial estabELEcia a transferência ipso jure. Para a mentalidade dominante outrora, a alienação da coisa segura tinha de pôr térmo ao negócio jurídico do seguro, por se tratar de simples contrato, com efeitos só obrigacionais (pessoais), e não reais. A alienação da coisa segura não poderia importar automática transferência da posição subjetiva no contrato de seguro. O adquirente fôra pessoa estranha ao contrato de seguro. Posteriormente, ainda se quis explicar a transferência da posição subjetiva no contrato de seguro mediante a alusão à “emprêsa”, mas, em verdade, a emprêsa pode não existir. Trata-se, diz o Código Comercial, art. 676, de transferência ex lege da posição subjetiva do segurado. Com a circulação da § 2.878 E 2.879. TRANSF. LEGAL DA POSIÇÃO SUBJETIVA 425 propriedade, o seguro circula. Isso pôs em letra de lei a técnica legislativa brasileira, já em 1850. No suporte fáctico da coisa segura não precisa estar mais do que a transferência da propriedade ou do direito real, ou grave o valor, ou grave o uso. Não há um momento em que a coisa segura deixe de estar segura. O assegurador pode opor ao adquirente tôdas as exceções que seriam oponíveis ao alienante, uma vez que se fundem no contrato de seguro. Ficam de fora as exceções que seriam pessoais ao alienante. Se o seguro foi de coletividade, ou de patrimônio, transfere-se como fôra concebido. Se o seguro foi feito por pessoa que tinha interesse na conservação, ou no valor da coisa, a transferência dos seus direitos importa na transferência, ex lege, do seguro (e. g., seguro feito pelo titular do direito de anticrese, hipoteca, ou penhor, ou, até, de locação). Com a transferência ex lege, o alienante libera-se de tôdas as suas dividas e demais situações passivas. O adquirente é que se põe no seu lugar. Em todo caso, é preciso que a transferência seja comunicada ao segurador, para que não solva a quem não está legitimado. Tal notificação é de regrar-se pelo art. 1.069, 1a pafle, do Código Civil, analôgicamente. Só a pode suprir a declaração escrita de que faia o mesmo art. 1.069, 2a parte. Trata-se apenas de conhecimento necessário à eficácia perante o se gurador. Se a notificação ainda não foi feita ao segurador, o figurante, que aliena o bem seguro, responde ao segurador, e. g., pelos prêmios vencidos, e, dando-se sinistro, o pagamento, que o alienante receba, ]ibera o segurador. Oart. 1.463 do Código Civil, como o art. 676 do Código Comercial, é ias dispositivum. Ambas as regras jurídicas têm por fundamento a vontade dos figurantes da alienação, que se haveria, de lege ferenda, de presumir. Se a alienação foi notificada, por engano ou falsamente, ao segurador, sem que ELE conhecesse a cláusula ou pacto posterior de não-transferência da posição subjetiva de segurado, e o segurador solve, em caso de sinistro, a divida de seguro, libera-se como se tivesse havido a transferência. No caso de apólices ao portador ou à ordem, a transferência obedece a outros princípios, e de notificação não se precisa. (b)Nos contratos de trabalho, a transferência da posição subjetiva de empregador também se opera ex lege, em caso de mudança do titular do direito de propriedade ou de estrutura jurídica da emprêsa. Está no art. 448 do Decreto-lei n. 7.889, de 21 de agosto de 1945: “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da emprêsa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”. “Mudança na propriedade” está, ai, por transferência do domínio, ou da enfiteuse, ou constituição de direito real de uso, usufruto, habitação, ou anticrese, ou, ainda, de direito pessoal de locação, ou de comodato, ou oriundo de qualquer outro contrato semelhante. A regra jurídica, de que se trata, é protectiva. Ao legislador pareceu que é acertado amparar, na emergência, o empregado. A posição subjetiva de empregador transmite-se tal como estava, de modo que, por exemplo, as prorrogação após certo prazo, que se completar na véspera, no dia da transferência, ou no dia seguinte, têm de ser respeitadas. Idem, a propósito de tempo de serviço, ou antiguidade. Lê-se no Código Civil, art. 1.236: “A alienação do prédio agrícola, onde a locação de serviços se opera, não importa a rescisão do contrato” (entenda-se “cessação”, “resolução”, porque o termo “rescisão” é revelador de pouca cultura do redator do art. 1.236), “salvo ao locador opção entre continuá-lo com oadquirente da propriedade, ou com o locatário anterior”. Se opta pela continuação com o adquirente, a

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transferência não é legal, é em virtude de exercício de direito formativo. (c)Nos casos de falência, os contratos bilaterais não se resolvem com a falência e podem ser executados pelo síndico, se entende que há conveniência para a massa (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 43, cf. art. 44). Como exemplo, tome-se o caso do art. 44, VII; do Decreto-lei n. 7.661: se a locação do imóvel está amparada pelo Decreto. n. 24.150, de 20 de abril de 1934 (renovação de contrato de locação), a transferência opera-se, e o despejo somente se pode decretar se o atraso no pagamento dos alugueres excede de dois meses e o síndico, intimado, não purga a mora. 2. TRANSPARECIAS LEGAIS SEM REGRAS JURÍDICAS As transferências legais podem resultar da incidência de regras jurídicas não escritas e apenas reveladas. Ou (a) porque na espécie resulte de suporte fáctico a que a regra jurídica sobre transferência legal corresponda, ou (b) porque para instituto não regulado por lei, mas existente no sistema ju ridico, haja esse dt conter a regra jurídica. Exemplo de (a) temos nos contratos de serviço com motoristas de automóveis. A posição subjetiva do empregador transfere-se e tem o empregado o direito de despedir-se. Exemplo de (b) temos no contrato consorcial ou contrato de consórcio, em seus três graus: a) o contrato de consórcio, que organiza, internamente, a atividade e as pessoas de que ELE cogita, para uma, algumas ou tôdas as finalidades que costuma ter o consórcio; b) o contrato de consórcio, que organiza, externamente, ou também externamente, a atividade e as pessoas, de modo que os consortes ou consorciados obtenham os fins ou o fim do consórcio; e) o contrato de consórcio, que, para a consecução do fim ou dos fins do consórcio, constitui sociedade, personificada ou não. As finalidades do consórcio são, de regra, o regramento dos preços, e cláusulas de venda (e. g., preço mínimo, ou, mais raramente, preço máximo), a restrição do importe da produção, ou da distribuição (e. g., conforme zonas), a repartição dos mercados entre os consortes ou consorciados, a concentração das vendas em órgão comum ou agência comum. Com a transferência da titularidade da emprêsa consorciada, o adquirente insere-se, ex lege (mas, aí, lei não escrita), na posição subjetiva da entidade que tinha, antes, a emprêsa. Se a aquisição é por ato entre vivos, ou a causa de morte, podem os figurantes, ou o figurante, estabELEcer que a aquh sição legal não se opere; e podem resolvê-lo os consorciados permanecentes, se o contrato de consórcio lhes permite a pré- -exclusão ou exclusão da transferência legal. Na dúvida, entende-se constituído intuitu rei, e não intuitu personue, o Consórcio. Cumpre, ainda, observar-se que a pré-exclusão ou exclusão pode ser de acordo com a espécie de sociedade que se concebeu. A transferência em virtude emancipação estatal de emprêsa~u resulta do negócio jurídico, que é a encampação, ou de lei, que diga, por exemplo, que “qualquer encampação de navios marítimos costeiros se entende com transferência ao Lóide Brasileiro”.CAPÍTULO III TRANSFERÊNCIA JUDICIAL DA POSIÇÃO SUBJETIVA NO NEGÓCIO JURíDICO § 2.880. Princípios gerais - 1. ATo DO JUIZ E TRANSFERÊNCIA. Assim como há a cessão judicial de créditos e a transferência judicial de divida, há a transferência judicial da posição subjetiva no negócio jurídico. Se, por exempló, o negócio jurídico vai à herança, ex lege, ou a algum sucessor a causa de morte, por fôrça de testamento, e por ser conveniente à partilha o juiz atribui a um só dos herdeiros, ou a outrem que aquELE a quem tocaria, pela sucessão a causa de morte, a posição subjetiva no negócio jurídico, a transferência é judicial, e não legal nem. negocial. 2.REMISSÃO AOS PRINCÍPIOS CONCERNENTES Ã TRANSFERÊNCIA NEGOCIAL. O adquirente está exposto às objeções e -. exceções a que estaria se a transferência fôsse negocial. Passa-se o mesmo com o figurante saido. O figurante permanecente precisa ser notificado. Se houve consentimento prévio, não mais t de pensar-se em ter de fazer declaração de vontade o 1 igurante permanecente. Se não houve, a transferência judicial está exposta a que o figurante permanecente não consinta, ou só-mente consinta com a ressalva de não-liberação do titular anterior. Os princípios que a esse respeito expusemos têm, aqui, todo cabimento.

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§ 2.881. Eficácia transiativa, nas transferências judiciais 1.COISA JULGADA FORMAL E TRANSFERÊNCIA. - Antes do transitar em julgado a decisão que determinou a transferência da posição subjetiva no negócio jurídico não há qualquer transferencia. Todavia, também no tocante às transferências j udiciais havemos de atender a que, se não houve consentimento prévio do figurante permanecente, não 4há transferêcia. Se o consentimento foi dado com ressalva da não-liberação, transferência há. Apenas continua obrigado o figurante saldo. 2.Execução FORÇADA. A adjudicação ou arrematação da posição subjetiva no negócio jurídico é modo judicial de transferência, porque o negócio jurídico com que se transfere é entre o Estado e o adjudicatário ou arrematante.