Trabalho Pacano
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CENTRO UNIVERSITÁRIO BARÃO DE MAUÁ PÓS-GRADUAÇÃO– HISTÓRIA, CULTURA E SOCIEDADE
O USO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS PARA ENTENDER A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO ESTADO DE SÃO PAULO APÓS A DÉCADA DE 1950
Trabalho apresentado para o módulo de Sociologia do Cursode Pós-Graduação em História, Cultura e Sociedade do Centro
Universitário “Barão de Mauá
Aluno: Tiago Barban ZucolotoDocente: Prof. MS. Fábio Augusto Pacano
Ribeirão PretoOutubro de 2010
Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade.
Confúcio
1. Introdução
A contribuição de Karl Marx para as ciências sociais e para a historiografia é inegável.
Em boa parte de seus estudos ele não se dedicou especificamente a historiografia, apesar dos
historiadores marxistas considerarem vários de seus estudos como historiográficos
(Hobsbawm, 1998b, p. 159)1. Não se pretende aqui elaborar uma pesquisa exaustiva da
produção de Marx, tal não é o objetivo desse trabalho. Mesmo porque a produção científica de
Karl Marx e imensa é extremamente complexa. Seria muita pretensão querer se arrogar
semelhante objetivo.
Objetiva-se analisar o marxismo através da produção no historiador Eric Hobsbawm e
da escola dos annales através das obras: “Sobre história” do citado autor e “Uma história dos
annales (1921-2001) de Carlos Antonio Aguirre Rojas. Pode parecer pretensão querer analisar
o marxismo sem ter lido o próprio Karl Marx, mas fazê-lo seria praticamente impossível já
que sua obra é extensa e variadíssima, tratando não só de historiografia, mas também de
sociologia, economia, etc. Não se pretende esgotar o assunto no presente trabalho, já que, a
análise dos trabalhos de Marx é extremamente complexa e exigiria anos de estudo.
Analisar-se-á primeiramente o texto de Eric Hobsbawm e posteriormente, o de Carlos
Rojas, fazendo por fim a conclusão referente aos dois textos e, sempre que possível, expor-se-
á o que os dois autores dizem a respeito da questão sob análise.
Finalmente, pretende-se entender em que a obra marxista e os annales contribuem
para o entendimento da imigração italiana após 1950.
1 ______. O que os historiadores devem a Karl Marx? In: ______. Sobre história. São Paulo, Companhia das Letras, 1998. p. 156.
1.1. O que os historiadores devem a Karl Marx?
Para Eric Hobsbawm o século XIX não foi o século em que a ciência histórica evoluiu
em seu entendimento e dos historiadores em si também. A história é a ciência que analisa e
coloca sob um cunho crítico os fatos a que se propõe estudar, e o desenvolvimento da
compreensão desses acontecimentos através do tempo. Mas, quais são os fatos que devam ser
analisados atentamente pelo historiador?
Ao responder a essa questão obtém-se então um “depende”.
Em alguns países os fatos entendidos como aqueles dignos de observação, análise,
aqueles que devem ser estudados são os institucionalmente importantes. São os fatos que o
“Estado” elegeu como importantes dignos de nota.
O enfadonho, entretanto, é que, perceber-se-ia que esses fatos estariam adstritos ao
tempo cronológico. O que, com certeza, é um critério não muito apreciado pelos historiadores.
Para o autor seria a história no singular (Hobsbawm, 1998b, p. 156).2 Seria aquela história da
política, da guerra, da diplomacia; ou então, simplesmente tratada como “a história ensinada
pelos professores, relativa a reis, batalhas e tratados “(Hobsbawm, 1998b, p.156)3. Neste caso
são aquelas obras em que as pessoas, o povo, não toma parte e que por isso são vazias de
significado. Segundo Hobsbawm (1998b, p.156)4 seriam histórias que se tratadas com
erudição e método poderiam ser classificadas com epítetos descritivos como constitucional,
econômica, eclesiástica etc. Nesse ponto, o autor faz uma crítica dizendo que, os
historiadores, pela sua inocência, poderiam ser chamados de positivistas, ou seja, aqueles
historiadores que aceitam escrever ou falar de um dado fato ocorrido em um lugar
determinado, dando a ele um pensamento científico popularizado5, melhor dizendo, um
entendimento de senso comum; e assim os documentos poderiam ser organizados e dispostos
como aqueles que dão a “verdade exata da história”6.
Após esse momento, passa-se a ter vez a história do período pós-moderno, ou da
história pós-moderna, caracterizado pela “saída de cena”das análises econômicas, e
sociológicas da história para dar espaço a abordagens mais específica, como a história dos
usos e costumes, do vestuário etc., onde se deixa para trás as macro-análises e surgem então
as micro-análises de questões que se quer tinham espaço anteriormente.
2 Ibdem, p. 1563 Ibid. p. 1564 Ibid., p. 156.5 Ibid., p. 156.6Ibid., p. 156.
Hobsbawm menciona que a ciência histórica do século XIX tinha ajudado muito
pouco o homem a compreender essas questões temporais. Buscando um referencial
materialista no lugar de um idealista, levou-se ao declínio da história política e a ascensão da
história econômica e sociológica (1998b, p. 156).7 Para o autor a única corrente de
pensamento que teria ajudado o homem a compreender os problemas sociais; além do
marxismo seria o positivismo e, a melhor contribuição do mesmo para o entendimento dessas
questões seria o darwinismo social, forma também popular como ficou conhecida,
genericamente teoria de Charles Darwin nos fenômenos sociais. Para o autor as contribuições
dos autores positivistas para o entendimento dos fatores sociais seriam especulativos ou
meramente metafísicos (Hobsbawm, 1989b, p. 158).
A contribuição de uma escola de pensamento para a formação da historiografia
moderna se deu principalmente com o marxismo. Conceitos como o de classe social, luta de
classes, determinismo econômico, sucessão de sistemas socioeconômicos foram todos
introduzidos por Marx e seus seguidores, os historiadores marxistas, que deram conta de
perpetuar, ou pelo menos estudar Marx. Na França, a revista dos annales, com seus autores
mais determinantes como Braudel, Lefebvre, etc. são considerados como influenciados pelo
marxismo.
Citando então Hobsbawm:
Inversamente, existem países na Ásia e América Latina nos quais a transformação, quando não a criação, da historiografia moderna quase pode ser identificada à penetração do marxismo. Desde que se aceite que, em termos globais, a influência foi considerável, não precisamos levar o assunto mais longe no presente contexto.
Dessa forma Hobsbawm traz as regras do que é para ele o marxismo vulgar:
1) A economia é a principal determinante histórica. O fator econômico é fundamental do
qual depende os demais;
2) O modelo de base e superestrutura em uma relação de dominância e dependência;
3) A idéia de interesse e luta de classes, retirado do Manifesto Comunista;
4) O determinismo econômico – leis históricas e inevitabilidade histórica – de forma que
Marx acreditava no desenvolvimento constante da sociedade em que o contingente
humano, os trabalhadores seriam sempre excluídos – isso seria uma regra rígida e
imposta que tende a repetir-se não havendo alternativas na história;
5) O interesse particular de Marx pela história do desenvolvimento capitalista e da
industrialização;
7 Ibid., p. 156.
6) As agitações das classes oprimidas passariam agora a serem atribuídas às idéias de
Marx.
Todas essas características do marxismo vulgar passaram a ser associadas aos
movimentos contestatórios das classes oprimidas de maneira generalizada, mas que
efetivamente não representavam Marx.
Fica claro aqui quando Hobsbawm cita R. Stammler (1998b, p. 159)8, que o
materialismo histórico passou a ser uma referência extremamente poderosa, assim, da forma
como se expressa Hobsbawm, todos os conflitos advindos na história passariam a ser
explicados por ele, pela luta de classes. De acordo com Hobsbawm (1998, p. 161)9:
O grosso do que consideramos como a influência marxista sobre a historiografia certamente foi marxista vulgar no sentido acima descrito. Consiste na ênfase geral sobre os fatores econômicos e sociais na história, dominante a partir da Segunda Guerra Mundial apenas em uma minoria de países (por exemplo, até recentemente, a Alemanha Ocidental e os Estados Unidos), e que continua a ganhar terreno. Devemos repetir que essa tendência, embora sem dúvida produto da influência marxista não tem nenhuma ligação com o pensamento de Marx.
A aplicação do pensamento e teorias desenvolvidas por Marx, ou então por autores
seguidores de suas ideais sob uma ótica ingênua e parcial (marxista vulgar) aconteceu e
acontece muito ainda, mas, o autor defende que tal situação não deva prevalecer, pois existem
conceitos e posicionamentos científicos que são atribuídos a Karl Marx e ele sequer teve
contato ou expressou tais idéias em algum momento de sua produção.
As críticas que são feitas ao pensamento de Marx são duas:
A primeira delas aplica-se nas sociedades capitalistas industriais desenvolvidas do
século XX. Para essas sociedades é fundamental que não se inspire revolução social, já que o
nível de tensão existente nessas sociedades não é suficiente para tanto. As sociedades
tradicionais segundo esse modelo seriam aquelas que carecem de modernidade e, as
sociedades modernas são aquelas que já atingiram esse patamar. Com certeza essas teorias se
aplicam a um número muito reduzido de sociedades.
A segunda crítica diz respeito a aplicação do conceito de “evolução” à teoria das
sociedades humanas e o próprio Marx não queria que tal fosse feito. De acordo com essas
idéias deve-se entender que as sociedades ditas primitivas resolvem seus problemas com tanta
facilidade quanto às sociedades brancas do Alasca, ou seja, não criam problemas para si
próprias.
8 Ibid., p. 159.9 Ibid., p. 161.
Para Marx a idéia de evolução social estaria intimamente ligada à idéia de evolução
natural, tanto que segundo Marx e Engels, citado por Hobsbawm a primeira teria se tornado
mero subproduto da segunda (Hobsbawm, 1998b, p. 164).10
A principal crítica que foi feita à classificação das sociedades como estruturais-
funcionais está no fato de que então dever-se-ia fazer uma classificação hierárquica das
sociedades onde uma deveria ser colocada como superior a outra. Isso justificaria o domínio
de uma sobre a outra, de forma que os civilizados deveriam, naturalmente, dominar os
bárbaros. Os antropólogos e sociólogos negaram-se a fazer tal escalonamento e, na verdade
não há esse escalonamento efetivo, de forma que os esquimós resolvem tão bem seus
problemas como os habitantes brancos do Alasca, como mencionado a pouco (Hobsbawm,
1998b, p. 164)11
O que deve ficar claro é que Hobsbawm não fez um escalonamento das sociedades
entre as mais evoluídas e as menos evoluídas como se negaram a fazer os sociólogos e os
antropólogos, mas, deixou claro que a evolução social se dá apenas em um sentido: das
sociedades menos evoluídas para as mais evoluídas, senão vejamos:
Além disso, uma vez que o processo e o progresso do controle do homem sobre a natureza não envolvem apenas mudanças nas forças de produção (novas técnicas, por exemplo), mas nas relações sociais de produção , implica uma certa ordem de sucessão dos sistemas socioeconômicos.12
Assim, atingindo certo degrau de maior evolução, essa sociedade não retrocede de
forma a voltar para um degrau menos evoluído novamente. Então, em um período de
transição podem conviver em um mesmo espaço elementos de uma sociedade menos
evoluída, com elementos de uma sociedade mais evoluída, como por exemplo, em uma
sociedade feudal, conviver com o capital mercantil, mas nunca com a burguesia industrial. 13(Hobsbawm, 1998b, p. 168.)
1.2. Marx e a história
O material histórico de Karl Marx é bastante volumoso, mas Marx raramente tratou
em separo do assunto – história – a maior parte dos estudos de Marx sobre história estão
relacionados à política e a economia.14Outros assuntos são tratados por Marx, mas sempre
10 Ibid., p. 164.11 Ibid., p. 164.12 Ibid., p. 166.13 Ibid., p. 168.14 HOBSBAWM, E. Marx e a história. In: ______. Sobre história. São Paulo, Companhia das Letras, 1998. p. 173.
referentes à economia e política. Hobsbawm, (1998a, p. 173) quando se refere a Marx deixa
transparecer seu entendimento do que seja utensilagem mental:
O “homem” era a chave para a anatomia do “macaco”. Claro que não se trata de um procedimento anti-histórico. Implica que o passado não pode ser entendido exclusiva e primordialmente em seus próprios termos: não só porque ele é parte de um processo histórico, mas também porque somente esse processo histórico nos capacitou a analisar e compreender coisas relativas a esse processo e ao passado.
Para Hobsbawm, Marx teve pouco interesse pelo período de transição entre o
feudalismo e o capitalismo, na verdade quem se interessou realmente por esse período da
história foi o grande companheiro de Marx, Friedrich Engels (Hobsbawm, 1998a, p. 173).
Segundo Hobsbawm (1998a, p. 174)15 Marx, em sua principal obra O Capital Marx
faz três ou quatro referências ao protestantismo, mas o importante mesmo sobre esse assunto é
a discussão que dela derive sobre o protestantismo e o modo capitalista de produção. Quem
realmente discute a ética protestante e o espírito do capitalismo é Max Weber, em sua obra
intitulada A ética protestante e o espírito do capitalismo, onde o autor faz um paralelo entre o
entendimento de que os protestantes têm do trabalho, e a possibilidade de, através dele,
angariar riqueza e, a partir daí, deixar claro para si e para os outros que a graça de Deus lhe
tocou e, a compreensão dos católicos sobre o trabalho, que esse está diretamente ligado à
escravidão e que por isso, é algo ruim e, a relação, no mínimo curiosa, de que a maioria dos
países que foram colonizados por protestantes deram origem a países desenvolvidos e a
maioria dos países que foram colonizados por países católicos deram origem a países
subdesenvolvidos.16
Dentro de todos esses questionamentos Marx entende que as sociedades capitalistas
desenvolvidas inevitavelmente chegariam a um ponto em que ocorreria a passagem do
capitalismo ao socialismo. Talvez uma explicação para o fracasso do socialismo real é que as
sociedades em que ele se deu não eram sociedades de capitalismo desenvolvido e, portanto,
que riquezas seriam divididas ao proletariado, se as sociedades em que se eram não possuíam
riquezas, não estavam maduras para que se fizesse tal divisão, eram sociedades basicamente
agrícolas. Uma questão que se levanta então é a seguinte: será que a passagem do capitalismo
para o socialismo nunca se dará? O capitalismo é realmente um modo de produção
hegemônico? A tal ponto, que a política que apregoa o socialismo teve que se rearranjar
diante da falência do socialismo real. Parece que os modelos que ainda levam o socialismo a
diante tiveram que fazer um modelo hibrido entre o socialismo e o capitalismo, tal é o caso da
15 Ibidem., p. 174.16 Informação ministrada em aula.
China, ou então, teve de se isolar, diante da intransigência de um, e outro, como fez os
Estados Unidos com Cuba.
1.3. Todo povo tem história
De acordo com Eric R. Wolf citado por Hobsbawm (1998c, p. 186), as sociedades
existem e interagem entre si, com certeza o momento em que os mundurucus da Amazônia
foram analisados pelos etnógrafos do século XIX, sua interação com as sociedades do
“homem branco” era uma. Se os antropólogos e sociólogos voltarem a essas sociedades hoje,
a leitura que se fará do dia-a-dia dessas mesmas populações será outra. As coletividades não
existem umas separadas das outras, elas estão em constante interação e mútua modificação;
por isso seu estudo deve ser constante. A partir daí, Hobsbawm (1998c, p. 186-189) procura
explicar como se dão as relações entre os modos-de-produção “parentesco” ou “tributário”
internamente ao entendimento que Wolf faz, mas, sinceramente, uma compreensão mais
detalhada dessas questões demandaria a leitura em separado dos textos de Wolf para entender
melhor qual é o debate que se estabeleceu.
2. Uma história dos Annales (1921-2001)
O estudo da história dos Annales é importante para se compreender, entender o que a
historiografia européia produziu após o advento do socialismo real e o marxismo científico e a
ocorrência da Primeira e Segunda Guerras, ou seja, um período extremamente conturbado da
história européia e conseqüentemente de sua historiografia.
A revista dos Annales, e toda sua produção, apareceu no cenário científico como uma
alternativa ao modelo marxista, grande repositório da ciência histórica até então. Durante
seus oitenta anos de existência, como um projeto intelectual de quase um século, a revista
passou por algumas fases, o que denotou o amadurecimento do projeto e, o conseqüente
diálogo entre os Annales e o marxismo, para posterior produção em conjunto.
O curso e a leitura da obra de Rojas (2004, 183p.)17 foi importante para que se tomasse
primeiro contato com esse importante “capítulo” da historiografia ocidental, algo ignorado
durante o curso de graduação. Mais leituras serão importantes para o amadurecimento do
tema e o questionamento que se pretende produzir com esse trabalho, vale dizer: o marxismo,
17 ______. Os annales no singular, os annales no plural. In: :______. Uma história dos annales (1921-2001). Maringá: Eduem, 2004.
as ciências sociais e os Annales na produção historiográfica atual. Portanto, entendimento
ainda em aberto da questão.
2.1. Os primeiros Annales e sua injunção historiográfica
O surgimento do projeto dos Annales dá-se claramente com o objetivo de preencher o
vazio teórico deixado com a interrupção momentânea de publicação da revista alemã
Vierteljahrschrift fur Sozial und Wirtschaftgeschichte. A partir desse processo, o núcleo
teórico europeu desloca-se da Alemanha para a França, a partir de 1870 e depois, a sucessão
histórica da Primeira e Segunda Guerra Mundial (Rojasb, 2004, p. 33).
Com o desenvolvimento da economia francesa desenvolve-se também o projeto dos
Annales. Os institutos de Economia, Demografia e Estatística ajudam a desenvolver a história
quantitativa, um viés mais geográfico à temática historiográfica.
A produção de Claude Levi-Strauss é o principal referencial na Antropologia para o
período até 1930, quando os Annales vão ser contrários ao estruturalismo que surge na
lingüística, filosofia, economia, psicanálise e, inclusive, no marxismo.
O fortalecimento do proletariado nos mais diversos países europeus, vão fomentar o
desenvolvimento do marxismo em suas várias vertentes nacionais. O desenvolvimento dos
Annales de Braudel vai dar-se à superação da primeira fase da revista, interposto por um
pequeno intervalo “de clara transição dentro da corrente”18 (Rojas b, 2004, p. 37).
Os Annales de Braudel, no entanto, embora tenham continuado e, simultaneamente, superado os primeiros Annales, não surgiram imediatamente após esses últimos, mas depois de tudo um período intermediário de clara transição dentro da corrente. Desse modo, a segunda etapa annalista, filha da conjuntura social do segundo pós-guerra, será subdividida em duas outras etapas, claramente diferenciadas: uma que abarca o período entre os anos de 1941 e 1956 e o até de 1956 até 1968.
A revista então até 1941 é dirigida por Marc Bloch e Lucien Febvre. Os dois rompem
seu relacionamento intelectual; de 1941 até a morte de Marc Bloch a revista passa por um
período de transição a qual o próprio Fernand Braudel diz que Lucien Febvre não foi capaz
de preencher.
“Sem Marc Bloch e sua contribuição cotidiana para a construção da revista, houve o fim da dupla que construiu e manteve vigente o projeto intelectual dos primeiros Annales. Entre 1941 e 1956, Lucien Febvre limitou-se a manter e reproduzir o mesmo projeto intelectual do período de 1929-1941”19
Gesta-se então um novo projeto intelectual: os Annales Braudelianos entre os anos de
1956-1968.
18 Ibidem,, p.3719 Ibid., p. 38
Os terceiros Annales franceses são fruto da revolução cultural de 1968 e da nova
conjuntura global que ela inaugura. (Rojas b, 2004, p. 38)20
Os terceiros Annales passam a ter um desenvolvimento científico completamente
diferente do primeiro e do segundo abandona-se a história econômica e social, a história
global é dita impossível e é substituída pela história geral substituem-se as perspectivas
amplas pela historiografia mais pontual, monográfica e empírica, surge então a micro-história.
Os Annales desse período são os mais conhecidos, paradoxalmente ao fato de serem aqueles
em que a historiografia francesa perdeu sua hegemonia, os historiadores passam a análise da
história cultural como, do discurso, das práticas discursivas, das ideologias, do imaginário,
esse amplo campo problemático passa a ser chamado de história das mentalidades.21
Os Annales das mentalidades e da antropologia histórica: os anos de 1968
O papel da mulher foi radicalmente repensado depois da revolução de 1968, as
relações conjugais e familiares se transformaram ao ponto das mulheres passarem, cada vez
mais a assumir importantes papeis no mundo do trabalho, muitas vezes sem deixar seus postos
na economia doméstica. A pílula anti-concepcional lhe deu liberdade sobre o corpo, a
sexualidade e a maternidade. Assim, a família perdeu parte de sua importância para constituir
a personalidade dos indivíduos e, cada vez mais a socialização passou a ser feita pela escola,
pelo bairro ou pelos meios de comunicação (Rojas a, 2004, p. 109)22.
Diversas escolas historiográficas voltadas para a micro-história ficaram conhecidas
nessa época como a já conhecida história das mentalidades francesa, antropologia histórica
russa, a micro-história italiana, etc.
O enfoque historiográfico deixou de lado a geografia, a economia e a sociologia que
tinham sido tão importantes para o período e se aliou à antropologia, a filosofia e a psicologia
social. Passaram a ser investigadas a família, as tradições, os odores, a sensibilidade, os
imaginários populares, o nascimento da idéia de purgatório, a cosmovisão de um moleiro do
século XVI, a história da loucura ou da razão punitiva, a vida privada, ou a vida cotidiana,
etc.23
A história nesse período se popularizou e passou a competir com a literatura passando
a ser produzida e editada em larga escala.20 Ibid. p.3821 Ibid. p. 41.22 ROJAS, C. A. A. Os annales das mentalidades e da antropologia histórica: os anos de 1968 - . In:______. Uma história dos annales (1921-2001). Maringá: Eduem, 2004.23 Ibid., p. 110.
Fernand Braudel talvez estivesse indo na “contra-mão” da história pois queria
desenvolver uma historiografia mais global, ao passo que os demais historiadores estavam
desenvolvendo uma história mais especifica, particular.
O projeto dos terceiros Annales era então o da antropologia histórica e das
mentalidades, não se desenvolvia em torno de um único arcabouço histórico (Rojas a, 2004, p.
115). A historiografia passa a se dedicar a estudos mais locais, a temas mais delimitados, a
obras muito menos ambiciosas e mais monográficas.
(...), portanto, a uma espécie de ecletismo ideológico e metodológico confesso, que aceita ecumenicamente qualquer posição epistemológica, teórica e historiográfica desde que essa conflua com o tratamento da problemática comum articuladora das mentalidades24
Deixando em segundo plano a historiografia econômica e social os Annales deixam de
tirar proveito dos marxismos contemporâneos a 1968 abandonando também a perspectiva da
história global.
A geração do terceiros Annales por não ter um esquema central, não teve também uma
“linha diretriz” em seu projeto, como bem observou Braudel. Assim os Annales de Marc
Bloch desenvolveram-se em torno de uma história comparativa e global já os de Lucien
Febvre em torno de uma história-problema. Já a história das mentalidades e a antropologia
histórica não se desenvolveram em torno de um paradigma metodológico nem perspectivas
teóricas específicas, apenas um campo problemático novo.25
Desta forma, os Annales de 1968-1989 desenvolveram-se em torno de uma
multipolaridade historiográfica além da pluralização e coexistência de múltiplas linhas
intelectuais.
Essa geração dos Annales gera o que poderia ser chamado de um paradoxo: é a
geração dos Annales que foi mais divulgada na mídia, que ficou mais conhecida, em
contrapartida não é a uma geração hegemônica francesa
Referências Bibliográficas
HOBSBAWM, E. Marx e a história. In: ______. Sobre história. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.(A)
______. O que os historiadores devem a Karl Marx? In: ______. Sobre história. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.(B)
24 Ibid., p. 115.25 Ibid., p. 117.
______. Todo povo tem história. In: Sobre história. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.(C)
ROJAS, C..A.A. Uma história dos Annales (1921- 2001). Maringá: Eduem, 2004.
ROJAS, C. A. A. Os annales das mentalidades e da antropologia histórica: os anos de 1968 - . In:______. Uma história dos annales (1921-2001). Maringá: Eduem, 2004.(A)
______. Os annales no singular, os annales no plural. In: :______. Uma história dos annales (1921-2001). Maringá: Eduem, 2004.(B)
_____. Contra o termo escola dos annales. In:______. Uma história dos annales (1921-2001). Maringá: Eduem, 2004. (C)
______. Outra vez a conjuntura 1968-1989: annales marxistas ou marxistas annalistas? In: :______. Uma história dos annales (1921-2001). Maringá: Eduem, 2004.(D)