Trabalho Ergonomia Real

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Centro Universitário Leonardo Da Vinci NEAD – Núcleo de Ensino a Distância

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DAVID GARCIA SILVAEMERSON MACHADO PEREIRAFELIPE FORTUNATO CARDOSO

FRANK MENDONÇA GARCIAGUILHERME FORTUNATO CARDOSO

ERGONOMIA E SEGURANÇA NO TRABALHO

Trabalho de Ergonomia e Segurança no Trabalho Curso de tecnologia em Segurança no Trabalho do Centro Universitário Leonardo da Vinci - Uniasselvi

Orientador: Prof. Sérgio

Capivari de Baixo2011

SUMÁRIO

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1. Os precursores da ergonomia............................................................................................. 2

2. As máquinas não lutam sozinhas........................................................................................ 7

3. O batismo da ergonomia..................................................................................................... 9

4. A evolução da ergonomia.................................................................................................. 10

5. A ergonomia e os novos conflitos homem X máquina....................................................... 13

6. Definições de ergonomia................................................................................................... 16

6.1 Ergonomia: ciência ou tecnologia ...............................................................................18 6.2 Uma proposta de definição 20

7. Afluentes, efluentes e fronteiras da ergonomia 24

8. Tipificação da ergonomia 27 8.1. Quanto ao objeto de atuação 27 8.2. Quanto ao objetivo da intervenção 29 8.3. Quanto às ênfases 31

9. Ergonomia: segurança, produtividade e qualidade 37

10. Temas atuais em ergonomia 38

11. A ergonomia no Brasil 42 11.1 A implantação da Ergonomia no Brasil 42 11.2 A Associação Brasileira de Ergonomia 44 11.3 O SisCEB – Sistema de Certificação do Ergonomista Brasileiro 44

12. Bibliografia recomendada em Ergonomia 47 12.1 Livros 47 12.2 Jornais científicos na área de Ergonomia 49 12.3 Jornais científicos em áreas afins a Ergonomia [português] 50

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1.OS PRECURSORES DA ERGONOMIA

Desde civilizações antigas, o homem sempre buscou melhorar as ferramentas, os instrumentos e os utensílios que usa na sua vida cotidiana. Existem exemplos de empunhaduras de foices, datadas de séculos atrás, que demonstram a preocupação em adequar a forma da pega às características da mão humana, de modo a propiciar mais conforto durante sua utilização.

Enquanto a produção se dava de modo artesanal, era possível obter formas úteis, funcionais e ergonômicas sem excessivos requisitos projetuais. A produção em série - em larga escala ou mesmo em poucas unidades - impossibilita, no entanto, técnica e economicamente, a compatibilização e a adequação de produtos a partir do uso e de adaptações sucessivas.

Paradoxalmente, a evolução tecnológica, com suas maravilhosas máquinas informacionais, voadoras e “inteligentes”, exigiu e enfatizou a necessidade de conhecer o homem. Depois de contínuos avanços em engenharia, onde o homem se adaptou, mal ou bem, às condições impostas pelos maquinismos, evidenciou-se que os fatores humanos são primordiais. Mais ainda, em sistemas complexos, onde parte das funções classicamente executadas pelos homens pode ser alocada às máquinas, uma incorreta adequação às capacidades humanas pode invalidar a confiabilidade de todo o sistema. Assim, faz-se necessário conhecer a priori os fatores determinantes da melhor adaptação de produtos, máquinas, equipamentos, trabalho e ambiente, aos usuários, operadores, operários, manutenidores (aqueles responsáveis pela manutenção), indivíduos em geral e pessoas portadoras de deficiências.

A ergonomia se constituiu a partir da reunião de psicólogos, fisiólogos e engenheiros. A psicologia e a fisiologia são as duas principais ciências que fornecem aos ergonomistas referências sobre o funcionamento físico, psíquico e cognitivo do homem. O desempenho do homem no trabalho é cada vez mais complexo e a ergonomia ampliou progressivamente o campo de seus fundamentos científicos. A inteligência artificial, a semiótica, a antropologia e a sociologia passaram a fazer parte do acervo de conhecimentos do ergonomista.

Embora, como veremos adiante, o nascimento “oficial” da ergonomia possa ser definido com precisão, o seu primórdio remonta ao primeiro homem pré-histórico, quando este escolheu uma pedra ou pedaço de madeira, de formato que melhor se adaptasse a forma e movimentos de sua mão, para usá-los como arma. Durante séculos o homem dependeu de ferramentas e utensílios rústicos construídos para abrigá-lo, auxiliá-lo na sobrevivência e tornar sua vida mais tolerável. Esta adaptação de objetos artificiais ao ambiente natural foi produzida de forma artesanal até o advento da era mecanizada.

Com a revolução industrial, e a conseqüente produção em série de bens de consumo, a relação direta entre produtor e consumidor passou a incorporar a figura do intermediador (ou revendedor).

O produto que era antes encomendado de acordo com as necessidades específicas do usuário, passou a ser produzido em série de forma a atender as necessidades de um universo bem mais amplo de usuários.

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O século 18 testemunhou o surgimento das primeiras fábricas mecanizadas, que caracterizavam-se por ser sujas, barulhentas, perigosas, escuras e as jornadas de trabalho atingiam correntemente 12, 14 ou mesmo 16 horas por dia, com o emprego de crianças na produção industrial, algumas vezes a partir dos 3 anos e, mais freqüentemente, a partir dos 7 anos. Tal prática veio a se consolidar, no século seguinte, como um período de desenvolvimento do capitalismo industrial com um substancial crescimento da produção, êxodo rural e concentração de novas populações urbanas. DEJOUR (1998) aponta esta época como sendo de absoluta falta de higiene, promiscuidade, esgotamento físico, acidentes de trabalho, subalimentação com a criação para condições de uma alta morbidade, alta mortalidade e de uma longevidade dramaticamente reduzida. Ainda, segundo o autor, a luta pela saúde entre os operários do século passado, identifica-se com a luta pela sobrevivência: “viver, para o operário, é não morrer”.

A fase de incubação da Ergonomia durou aproximadamente um século, começando em cerca de 1850 e permanecendo até o término da Segunda Guerra Mundial. Nesta fase há diversas tentativas de aplicar os conhecimentos emergentes de fisiologia, antropometria e psicologia para melhorar o trabalho humano.

De acordo com LAVILLE (1986), MONOD e VALENTIN (1979) e VALENTIN (1978), são vários os estudos e pesquisas que antecederam a criação da ergonomia. Um resumo destes é apresentado a seguir.

Físicos e fisiólogos

As informações sobre os “componentes humanos” dos sistemas humanos-máquinas começaram a ser sistematicamente coletadas antes do aparecimento oficial da ergonomia. São os pesquisadores - físicos e fisiologistas -, que se interessam pelo estudo do homem em atividade, para compreender o funcionamento do organismo humano, que geram as primeiras informações sistemáticas sobre a máquina humana. Cumpre registrar a contribuição de três grandes gênios: a) Leonardo da Vinci (em 1500) que descreveu a amplitude dos movimentos articulares, estudou os segmentos funcionais e o deslocamento do centro de gravidade; b) Coulomb (1736-1806) que publicou em 1775 suas primeiras memórias “Sobre a força dos homens”, avaliando através de experiências e cálculos, os meios de trabalho cotidianos e as reações compensatórias dos trabalhadores; e c) Lavoisier (1743-1794) que realizou experiências sobre “O homem em trabalho e em repouso”, baseado na análise de gases respiratórios a partir de uma tarefa descrita com precisão (método utilizado atualmente). No início deste século, Jules Amar fornece as bases da ergonomia do trabalho físico estudando os diferentes tipos de contração muscular (dinâmica e estática). Interessa-se pelos problemas de fadiga, pelas influências do meio ambiente (temperatura, ruído, iluminação). Multiplica os sistemas de registro. Seu livro "O motor humano", de 1914, descreve métodos de avaliação e técnicas experimentais e fornece as bases fisiológicas do trabalho muscular e relaciona-as com as atividades profissionais.

Médicos e higienistas Os médicos higienistas preocuparam-se, desde cedo, com a saúde do trabalhador. Os primeiros registro apontam para Arnauld de Villeneuve (1235-1313) que no século XIII

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estudou o que denominou como “os males das profissões”, com referências sistemáticas a fatores ambientais - como calor, umidade, toxidez - e problemas posturais de operadores de diversos ofícios. No século XVII, Ramazzini, verdadeiro criador da medicina do trabalho, interessa-se pelas conseqüências das condições de trabalho e descreve, através de monografias, as primeiras doenças profissionais: problemas oculares de pessoas que fabricam pequenos objetos, custos humanos posturais dos alfaiates, danos a coluna vertebral relacionados a movimentação de cargas pesadas, surdez dos caldeireiros de Veneza. No século XVIII, Tissot interessa-se pela climatização dos locais de trabalho e propõe a criação de serviços nos hospitais para atender artesãos doentes. No mesmo período, Patissier realiza as primeiras estatísticas sobre mortalidade e morbidade da população operária. No século seguinte, Villermé faz estudos sobre as condições de trabalho em várias fábricas de diversas regiões da França, que resultam num relatório (de 1840) sobre o estado físico dos operários. Este documento propicia as primeiras medidas legais de proteção à criança no trabalho e de limitação da jornada de trabalho.

Psicólogos Os psicólogos criam na Alemanha, nos Estados Unidos e, depois, na Inglaterra, a partir do início do século, os primeiros institutos e centros de pesquisa com o objetivo de estudar o trabalho. Na França, pode-se citar o trabalho de J.M. Lahy, cuja repercussão foi profunda e influencia correntes atuais até hoje. A preocupação da psicologia empresarial com métodos para avaliar as diferenças individuais, de modo a definir critérios de recrutamento, privilegiou a psicologia diferencial e enfatizou pesquisas sobre liderança. À parte algumas tentativas isoladas, somente na metade deste século é que a psicologia passa a desenvolver pesquisas sobre a atividade do homem no trabalho. Entretanto, os métodos de pesquisas nas áreas de recrutamento, seleção e treinamento sofreram adaptações. Como conseqüência, o estudo do comportamento nas empresas passou a ser supervisionado por pesquisadores que, antes, não se identificavam com a psicologia empresarial. Por volta de 1930, alguns especialistas passaram a defender a necessidade de modificar o estilo das relações entre os trabalhadores e a chefia, em vez de mudar apenas os aspectos materiais do trabalho. O estudo de Elton Mayo e de Rothis Berger na Western Electric origina a Escola de Relações Humanas - Estados Unidos, que se propõe a enfrentar os problemas de produção mas também os acidentes, a fadiga industrial, a psicopatologia do trabalho, etc. Com a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu-se uma nova categoria de maquinaria que não necessita da força muscular do operador, mas de suas aptidões sensoriais, de percepção, cognição, resolução de problemas e tomada de decisões. O desempenho da tarefa de um operador de radar, por exemplo, não exige, virtualmente, nenhum esforço físico, mas impõe severas condições quanto a capacidade sensorial, atenção e competência para decidir. Esta nova espécie de máquinas levantou questões complexas e inusitadas sobre as habilidades psíquicas e mentais do homem. Condições de trabalho adversas – caracterizados por ambientes físicos (temperatura, pressão, ruído, vibração, etc), químicos (produtos manipulados, vapores, gases tóxicos, poeiras fumaças, etc) e biológicos (vírus, bactérias, parasitas, fungos), aliados a uma organização do trabalho (divisão do trabalho, conteúdo da tarefa, relações de poder, etc) desumanos – podem repercutir na saúde mental e no estado físico dos trabalhadores. Esta área é particularmente investigada por uma disciplina conhecida como psicopatologia do trabalho.

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Engenheiros e organizadores do trabalho

Os engenheiros e organizadores do trabalho estudam as atividades profissionais na perspectiva de aumentar o rendimento do homem no trabalho. Vauban, no século XVII, e Belidor, no século XVIII, tentam medir a carga do trabalho físico diário nos próprios locais de trabalho. Declararam que uma carga demasiadamente elevada acarreta esgotamento e doenças, preconizando uma melhor organização das tarefas para elevar o rendimento.

Mais tarde, engenheiros como Vaucanson e Jacquard implantariam os primeiros dispositivos automáticos para suprimir alguns postos de trabalho particularmente penosos, como os da tecelagem.

No final do século XIX, iniciam-se as investigações sistemáticas para pesquisar como a tarefa que o indivíduo desempenha e/ou os mecanismos que o rodeiam determinam a capacidade humana para o trabalho.

Dentre os organizadores do trabalho, alguns definem como precursor da ergonomia Frederick Winslow Taylor, pai da “administração científica do trabalho”, campeão obstinado da “racionalização do trabalho”, das análises e das medidas sistemáticas. Em 1911, Taylor publica sua obra “Princípios de administração científica”, que influencia toda a organização do trabalho nas empresas dos Estados Unidos, da Europa e dos países socialistas. Taylor defendia que o trabalho deveria ser cientificamente observado de modo que, para cada tarefa, fosse estabelecido o método correto de executá-la, com um tempo determinado, usando ferramentas apropriadas. A implantação do taylorismo precisou vencer a resistência dos trabalhadores qualificados. Como dizia Taylor, a análise do trabalho objetivava a apropriação do saber operário pela gerência e, conseqüentemente, o controle das tarefas e dos trabalhadores.

Como exemplo das investigações de Taylor, podemos citar seu estudo, de 1918, sobre a movimentação de minérios de ferro e do carvão com auxílio de pás. Taylor concluiu que a carga de trabalho aumentava quando o material era o minério de ferro. Seu problema era então determinar qual a carga por pá que permitiria que um bom operário movesse uma quantidade máxima de material por dia. De início, usaram-se pás grandes que acomodavam cargas maiores por pá, depois passou-se a fornecer uma pá pequena para o operário que movimentava o minério de ferro e uma pá grande que era usada para deslocar material mais leve, como cinzas, de tal forma que em ambos os casos o peso de material por pá fosse de cerca de nove quilos. Diminuiu-se assim a fadiga do trabalhador e aumentou-se o rendimento no trabalho. Taylor levou esta filosofia ao extremo ao propor que a gerência determinasse os métodos e os tempos da produção de modo que o trabalhador se concentrasse unicamente em sua tarefa produtiva. Os trabalhadores deveriam ser controlados, medindo-se a produtividade de cada um e pagando-se incentivos salariais aqueles mais produtivos. Além de visar apenas a melhoria da produção e não a qualidade de vida dos trabalhadores, o sistema Taylor limitava-se apenas ao estudo das atividades motoras e negligenciava as atividades perceptivas e mentais.

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Ainda no início do nosso século, Frank e Lillian Gilbreth, com seus estudos de movimentos e gerência de oficinas, deram continuidade às análises e medidas sistemáticas para a racionalização do trabalho. No ano de 1911, os Gilbreth publicam o livro "Motion study; a method for increasing the efficiency of workman", com o famoso estudo sobre assentamento de tijolos pelos pedreiros de alvenaria. Gilbreth projetou um andaime que se podia elevar ou descer rapidamente, o que permitia que o operário trabalhasse no nível que melhor lhe conviesse. Uma prateleira mantinha os tijolos e a argamassa em suas posições mais adequadas. Cuidou-se também de arrumar os tijolos no palete para facilitar a retirada pelo pedreiro e de otimizar a espessura e plasticidade da argamassa. A implantação destas propostas possibilitou que os operários de construção civil assentassem 350 tijolos homem/hora em vez dos anteriores 120 homem/hora, o que significou um incremento de praticamente 200% na produtividade.

Podem-se ainda citar, como exemplo das análises de Frank e Lillian Gilbreth, o trabalho de equipes cirúrgicas em hospitais, que resultaram em procedimentos até hoje em uso: o cirurgião obtém um instrumento solicitando-o à instrumentadora, que o colocava sobre a mão do cirurgião na posição correta de uso. Antes do trabalho dos Gilbreth, os cirurgiões apanhavam seus instrumentos numa bandeja e, praticamente, gastavam mais tempo procurando os instrumentos do que propriamente operando os pacientes. De acordo com SANDERS e MACCORMICK (1993) o casal Gilbreth pode ser considerado como um dos pioneiros do que, mais tarde, se desenvolveu e transformou-se para dar origem à ergonomia. Os estudos de Taylor e do casal Gilbreth deram origem a um ramo da engenharia industrial que hoje se conhece como estudo de tempos e movimentos.

Nos anos seguintes, os engenheiros que se ocupavam dos estudos de tempos e movimentos desenvolveram inúmeros princípios sobre a economia de movimentos, a programação das atividades da tarefa e o planejamento da organização do trabalho - princípios que se difundiram por toda a indústria moderna. Seja nos Estados Unidos, na Europa, na Rússia (com o Stakanovismo), até a década de 60, os métodos e propostas da administração científica do trabalho não sofreram qualquer questionamento ou foram objeto de qualquer proposta de mudança. Somente nos anos 70 discutem-se novas formas de organizar o trabalho: o enriquecimento do trabalho, o alargamento das tarefas, o trabalho em equipes. Em relação ao re-planejamento da tarefa, da maquinaria, dos equipamentos, ferramentas e ambiente de trabalho, podem-se considerar os engenheiros especialistas em tempos e movimentos como precursores da ergonomia. No entanto, cumpre observar, que a análise do trabalho que eles realizavam visava unicamente o aumento do rendimento do trabalho. O principal critério de avaliação eram os índices de produção individual. Mais ainda, o modelo de desempenho do homem em que se fundamentavam é análogo ao do funcionamento de uma máquina. A ênfase da engenharia de tempos e movimentos centra-se no homem apenas como fonte de força mecânica, que deve funcionar no mesmo passo da máquina, acompanhar o seu ritmo, de modo ininterrupto, sem qualquer autonomia. O homem transforma-se, assim, num componente padronizado, intercambiável, em uma peça do maquinismo, numa acepção oposta aquela preconizada pela ergonomia.

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2. AS MÁQUINAS NÃO LUTAM SOZINHAS

Durante a Segunda Guerra Mundial, o impulso acelerado resultante das mudanças tecnológicas - aviões cada vez mais velozes e radares para detectar aviões inimigos, submarinos e sonares - colocam o homem em situações de extrema pressão ambiental, física e psicológica. Os equipamentos militares exigem dos operadores decisões rápidas e execução de atividades novas em condições críticas, que implicam quantidade de informações, novidade, complexidade e riscos de decisões que envolvem possibilidade de erros fatais. Exacerbam-se, então, as incompatibilidades entre o progresso humano e o progresso tecnológico.

Como diz CHAPANIS (1959):

"Uma importante lição de engenharia, proveniente da Segunda Guerra Mundial, é que as máquinas não lutam sozinhas. A guerra solicitou e produziu maquinismos novos e complexos, porém, geralmente, essas inovações não faziam o que se esperava delas. Tal ocorria porque excediam ou não se adaptavam às características e capacidades humanas. Por exemplo, o radar foi chamado “olho da armada”, mas o radar não vê. Por mais rápido e preciso que seja, será quase inútil, se o operador não puder interpretar as informações apresentadas na tela e decidir a tempo. Similarmente, um avião de caça, por mais veloz e eficaz que seja, será um fracasso se o piloto não puder voá-lo com rapidez, segurança e eficiência".

Assim, cabe ao homem avaliar a informação, decidir e agir. Ao se desconsiderar os fatores humanos, têm-se como resultado as falhas dos sistemas. O projeto de engenharia é eficaz, mas o desempenho não é eficiente. Buscam-se explicações e a solução mais fácil é afirmar que a culpa é do homem - o erro humano, a falha humana, o ato inseguro. No entanto, acusar o homem de negligência, descaso, desobediência ou ignorância, não resolve o problema.

CHAPANIS (1972), apresenta uma ilustração bastante esclarecedora sobre o erro humano. No final da Segunda Guerra Mundial, em dezembro de 1945, Fitts e Jones deram início a uma pesquisa para apurar se alguns acidentes aéreos rotulados de “erro do piloto” não resultariam, na realidade, de projetos imperfeitos ou inadequados. Entrevistaram-se 500 pilotos e as análises demonstraram que muitos dos acidentes possuíam importantes elementos em comum.

Avião Esquerda

Centro Direita

B-25 Afogador Hélice Mistura

C-47 Hélice Afogador Mistura

C-82 Mistura Afogador Hélice

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CHAPANIS (1972) relata,

"Coloque-se no lugar de um piloto que já voou centenas de horas num B-25 e, ao aterrissar seu avião - quando acompanha ao mesmo tempo inúmeros outros movimentos internos e externos ao avião -, verifica a necessidade de maior rotação nos motores. Naturalmente, por uma questão de hábito, a mão dirige-se ao lugar de sempre, pois, afinal de contas, centenas de horas de experiência o ensinaram a fazer isso e sempre deu certo. Mas, grande surpresa, o comando não é nesse lugar!

"(...) Já não lhe aconteceu alguma vez pedir emprestado o carro de um amigo e ficar confuso porque os comandos - seta, farol, etc. - deste automóvel são diferentes? Quando se fica confuso num automóvel, quase sempre é possível encostar o veículo numa vaga ou num acostamento até que venha a calma e a recuperação. Mas com o piloto de um avião é muito diferente. Ele não tem o mínimo tempo para parar e fazer uma apreciação exata da situação.”

A “falha humana” propicia perdas para o sistema: aviões atingidos pelos inimigos e que não cumprem a sua missão de bombardear os alvos programados, ou cidades inteiras expostas a ataques por não se detectarem nos radares, a tempo, as informações sobre violações do espaço aéreo.

Difícil selecionar o homem que não erre, principalmente quando se necessitam mais e mais pilotos para conduzir os modernos bombardeiros. A urgência e a precisão de renovar os efetivos - pilotos de guerra morrem em combate e há de se renovar a frota e a equipe - também impossibilitam intensificar e prolongar o treinamento para corrigir as deficiências da seleção.

Aviões custam caro. Conquistar a confiança da população civil é fundamental para o esforço de

guerra. Existe uma interface no sistema humano-máquina2 cujos aspectos técnicos devem-se considerar no momento do projeto: há de se adaptar as máquinas às características físicas, cognitivas e psíquicas do homem.

Engenheiros juntam-se aos psicólogos e fisiólogos para adequar operacionalmente equipamentos, ambiente e tarefas aos aspectos neuropsicológicos da percepção sensorial (visão, audição e tato), aos limites psicológicos de memória, atenção e processamento de informações, às características cognitivas de seleção de informações, resolução de problemas e tomada de decisões, à capacidade fisiológica de esforço, adaptação ao frio ou ao calor, e de resistência às mudanças de pressão, temperatura e biorritmo. Nasce a ERGONOMIA!.

A ergonomia enquanto disciplina tem suas origens na II Guerra Mundial, quando se agrava o conflito entre o homem e a máquina e, por outro lado, falham as formas tradicionais de resolução deste conflito - a seleção e o treinamento.

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3. O BATISMO DA ERGONOMIA

O termo Ergonomia é utilizado pela primeira vez, como campo do saber específico, com objeto próprio e objetivos particulares, pelo psicólogo inglês K. F. Hywell Murrel, no dia 8 de julho de 1949, quando pesquisadores resolveram formar uma sociedade para “o estudo dos seres humanos no seu ambiente de trabalho” - a “Ergonomic Research Society” (PHEASANT, 1997). Nesta data, em Oxford, criou-se a primeira sociedade de Ergonomia, que congregava psicólogos, fisiologistas e engenheiros ingleses, pesquisadores interessados nas questões relacionadas à adaptação do trabalho ao homem.

Num sentido amplo, todavia, o termo “trabalho” aplica-se a qualquer atividade humana com qualquer propósito, particularmente se ela envolve algum grau de experiência ou esforço. Ao definir ergonomia em relação ao trabalho humano, utiliza-se em geral, a palavra trabalho com este sentido amplo. Buscava-se um termo de fácil tradução para outros idiomas, que permitisse derivação de outras palavras - ergonomista, ergonômico, etc. - e que não implicasse que uma disciplina fosse mais importante que outra. Foi proposto o neologismo “Ergonomia”, que compreende os termos gregos “ergo” (trabalho) e “nomos” (normas, regras). Entretanto, a etimologia do vocábulo não define, precisamente, o objeto desta disciplina.

A origem do termo “ergonomia” remonta a 1857, quando o polonês Wojciechj Jastrzebowski deu o seguinte título para uma de suas obras: “Esboço da ergonomia ou ciência do trabalho baseada sobre as verdadeiras avaliações da Ciência da Natureza”. Define-se então a ergonomia como a ciência de utilização das forças e das capacidades humanas. Cumpre registrar a impressão conjunta, em forma de edição comemorativa, do trabalho de Jastrzebowski pelo Instituto Polonês de Proteção ao Trabalho e a Associação Internacional de

Ergonomia (IEA), na ocasião do seu 14o. Congresso Internacional, em San Diego, nos Estados Unidos, no ano de 2000.

O termo Ergonomia é utilizado na maior parte do mundo. A exceção fica por conta dos Estados Unidos e Canadá, nos quais as expressões que mais se aproximam são: human factors (fatores humanos), human factors engineering (engenharia dos fatores humanos), engineering psychology (esta expressão poderia ser traduzida por ergopsicologia), man-machine engineering (engenharia homem-máquina) e human performance engineering (engenharia do desempenho humano). De acordo com, MONTMOLLIN e BAINBRIDGE (1984), embora seja possível fazer distinções entre os termos Ergonomia e Fatores Humanos existe uma tendência para a adoção do termo Ergonomia. No início dos anos noventa, a Human Factors Society - Associação Americana de Ergonomia – realizou uma consulta junto aos seus associados para a incorporação do termo "ergonomia" na sua denominação oficial (LAUGHERY, 1992), passando então a ser denominada Human Factors and Ergonomics Society. No Brasil, adotou-se o uso do termo ergonomia, consolidado com a difusão dos primeiros livros aqui escritos: “Ergonomia: notas de aulas”, IIDA e WIERZZBICKI (1968) e “Ergonomia: a racionalização humanizada do trabalho”, VERDUSSEN (1978).

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4. A EVOLUÇÃO DA ERGONOMIA

Após a guerra, os ergonomistas voltaram a sua atenção para as centenas de máquinas que cercam nosso cotidiano. Aí, descobriram que muitos dos mesmos erros de projeto que atormentavam marinheiros, soldados e aviadores, existiam - e ainda existem - nas fábricas, nas estradas, na sinalização urbana, nos tratores, caminhões, automóveis e mesmo num fogão doméstico. Instrumentos que os operadores interpretam com dificuldade, controles que iludem a dona de casa, sinais de trânsito que confundem motoristas, placas de sinalização que não orientam os transeuntes - estas e outras centenas de exemplos são todos provas de projetos inadequados, de incompatibilidades no sistema homem-tarefa-máquina, determinados pela falta de adaptação às características físicas, psíquicas e cognitivas humanas.

Fatos marcantes do início da história da ergonomia ocorreram na segunda metade da década de quarenta. Nesta década houve a publicação dos dois primeiros livros em ergonomia: Human factors in air transport design, de autoria de R. C. McFarland, foi publicado em 1946 pela McGraw-Hill e, três anos após, foi publicado o livro de Chapanis, Garner e Morgan entitulado Applied experimental psychology: human factors in engineering design. Este último com diversas edições subseqüentes. Durante os anos que se seguiram, realizaram-se conferências, surgiram novas publicações de ergonomia e novos laboratórios, assim como empresas de consultoria. O ano de 1957 foi um ano importante para a ergonomia uma vez que, na Inglaterra, editou-se o primeiro jornal científico nesta área de conhecimento: Ergonomics, publicado pela Ergonomics Research Society. Nos Estados Unidos, se forma a Human Factors Society. Surge, ainda neste mesmo ano, a primeira edição do livro Human factor engineering and design, de Ernest J. McCormick, atualmente na sua sétima edição. Em 1958, J.M. Faverge, J. Leplat e B. Guiguet publicaram, pela Presses Universitaires de France, a obra L'adaptation de la machine à l'homme. Em 1959, forma-se a IEA - International Ergonomics Association -, para congregar as várias sociedades de fatores humanos e ergonomia que já existiam. No mesmo ano, Alphonse Chapanis edita o seu livro Research techniques in human engineering, pela John Hopkins Press. Nos vinte anos seguintes, entre 1960 e 1980, ocorreram um rápido crescimento e expansão da ergonomia. Até 1960, nos Estados Unidos, ela concentrava-se essencialmente no complexo militar industrial. Com a corrida pelo espaço, a ergonomia torna-se uma importante parte dos programas da NASA. Mais importante ainda: paralelamente a esta expansão além das fronteiras militares, as indústrias começam a reconhecer a importância da contribuição da ergonomia para o projeto de estações de trabalho e produtos manufaturados. A Ergonomia na década de 60, difundiu-se para os meios de transporte e, posteriormente, para os sistemas fabril e agrícola, até atingir o trabalho em escritórios. Apesar disto, a ergonomia continuou desconhecida do público em geral.

Em 1961, realizou-se o 1o. Congresso da IEA, em Estocolmo, na Suécia, poucos anos mais tarde, em 1963, criou-se a SELF - Société d'Ergonomie de Langue Française - que agrupa profissionais da França, da Suíça, da Bélgica e de Luxemburgo. O quadro 1 apresenta os Congressos da Associação Internacional de Ergonomia ocorridos e os próximos já definidos pela Associação. De acordo com esta tabela, pode-se observar que até o final da década de setenta, com apenas uma exceção, todos os congressos ocorreram na Europa. Tal tendência passou a se alterar nas décadas seguintes.

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1961 – 1o. Congresso da IEA, em Estocolmo, Suécia.

1964 - 2o. Congresso Trienal da IEA, em Dortmund, República Alemã, (FRG);

1967 - 3o. Congresso Trienal da IEA, em Birmingham, Inglaterra;

1970 - 4o. Congresso Trienal da IEA, em Strasbourg, França;

1973 - 5o. Congresso Trienal da IEA, em Amsterdam, Holanda;

1976 - 6o. Congresso Trienal da IEA, em College Park, Estados Unidos;

1979 - 7o. Congresso Trienal da IEA, em Varsóvia, Polônia;

1982 - 8o. Congresso Trienal da IEA, em Tóquio, Japão;

1985 - 9o. Congresso Trienal da IEA, em Bournemouth, Inglaterra;

1988 - 10o. Congresso Trienal da IEA, em Sydney, Austrália;

1991 - 11o. Congresso Trienal da IEA, em Paris, França;

1994 - 12o. Congresso Trienal da IEA, em Toronto, Canadá;

1997 - 13o. Congresso Trienal da IEA, em Tampere, Finlândia.

2000 – 14o. Congresso Trienal da IEA, em San Diego, Estados Unidos

2003 – 15o. Congresso Trienal da IEA, em Seul, Coréia

2006 – 16o. Congresso Trienal da IEA, em Masstricht, Holanda

2009 – 17º. Congresso Trienal da IEA, China

Quadro 1 - Relação dos congressos anuais da Associação Internacional de Ergonomia passados

A ergonomia continuou a crescer a partir dos anos 80. Um novo tema ocupa os ergonomistas: o trabalho com terminais de vídeo. A revolução dos computadores coloca a ergonomia em cartaz. Divulgam-se computadores ergonomicamente projetados, apresentam-se softwares com interfaces amigáveis e os fatores humanos no escritório aparecem em muitos artigos de jornais e revistas que lidam com computadores e pessoas. A tecnologia informatizada propiciou novos desafios para a ergonomia. Novos dispositivos de controle, apresentação de informações via telas de computador e o impacto de novas tecnologias sobre as pessoas constituem-se em áreas de atuação do ergonomista.

O papel da ergonomia nas indústrias nucleares e de controle de processo cresce após os acidentes em Three Miles Island, nos Estados Unidos; Bhopal, na Índia e Chernobyl na Ucrânia.

Nos dias atuais, uma outra área que está contribuindo para o aumento da difusão da ergonomia são os litígios sobre confiabilidade de produtos. As cortes solicitam a avaliação de especialistas em ergonomia na análise de produtos envolvidos em acidentes durante o uso.

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Os últimos vinte anos testemunharam uma ampla revolução tecnológica que foi responsável por novas formas de relação usuário X produto, trabalhador X sistema de produção. Estas novas formas de relação originaram novos conflitos que serão discutidos a seguir. O quadro 2, abaixo, apresenta, de forma sucinta, a evolução tecnológica e os enfoques da ergonomia nos últimos quarenta anos.

Anos 40/50 • Ergonomia militar

Anos 60/70 • Ergonomia civil: siderurgia e meios de transportes • Início da corrida espacial • Indústria [estações de trabalho, produtos manufaturados].

Anos 80 • Ergonomia do software • Automatização de escritórios • Controle de usinas nucleares e de processo [Three Miles Island, Chernobyl e Bhopal].

Anos 90 • Geração de sistemas de informação, de multimídias, de hipertextos e de programas aplicativos • Informatização de postos de trabalho • Participação na elaboração de normas técnicas • Participação em litígios judiciais • Macroergonomia

Novo século • Manufatura híbrida, automação e robótica • Usabilidade de produtos e sistemas complexos • Tráfego e transporte • Idosos e envelhecimento.

Quadro 2 - Evolução tecnológica e enfoques da ergonomia

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5. A ERGONOMIA E OS NOVOS CONFLITOS HOMEM X MÁQUINA

Uma análise especial deve ser direcionada ao que ocorreu a partir da década de oitenta, com a participação da ergonomia na renovação produzida pela Informática. Mais uma vez, a preocupação com os fatores humanos não acompanhou pari passu o progresso tecnológico. Do mesmo modo que se enfatizava o funcionamento eficaz durante o projeto de máquinas energizadas a vapor, eletricidade e petróleo, com a microeletrônica ocorreu o mesmo. O projeto de computadores, a implantação de centros de processamento de dados, a geração de sistemas de informação, multimídias, hipertextos e programas aplicativos contemplam primordialmente o funcionamento - a capacidade e velocidade dos componentes, a conservação, a manutenção das máquinas, a rapidez no uso. A interação entre as máquinas e os seus usuários raramente foi uma consideração a priori - e, no caso da informatização, nada mudou -, daí a importância da ergonomia.

A informatização de postos de trabalho gera mudanças profundas nos hábitos, atitudes e esquemas operatórios das diversas atividades profissionais. As melhorias resultantes da implantação de computadores exigiram o aumento do nível cultural dos trabalhadores e resultaram na mudança das aspirações destes, em relação ao trabalho, e na modificação da sua visão sobre as condições de trabalho.

A implantação de estações de trabalho computadorizadas compreende um excelente exemplo de como o progresso técnico pode ser bem ou mal utilizado em proveito ou prejuízo do operador humano. Quando não se consideram os fatores fisiológicos e psicológicos dos usuários, ocorrem insatisfações e queixas. Caso se contemplem variáveis ergonômicas como, entre outras, usabilidade da interface, visibilidade, legibilidade, medidas antropométricas, propiciam-se bem-estar e conforto para os operadores.

A informatização de tarefas ocasiona a mudança de atividades e funções, a modificação dos espaços e das estações de trabalho, transformações da operacionalização dos serviços de escritório, alterações na estrutura das comunicações. Acrescente-se ainda o fechamento de postos de trabalhos com profundas repercussões sociais.

A atividade de entrada intensiva de dados, por exemplo, se caracteriza por uma descentralização horizontal, acompanhada de um aumento de trabalho repetitivo. Ocorreu, então, uma desqualificação do trabalho devida ao parcelamento da tarefa, falta de significado da informação tratada, especialização restrita dos operadores. Os corolários são, por um lado, uma sobrecarga pela intensificação do ritmo de trabalho e, por outro lado, uma sub-carga pela monotonia. Nas duas situações, incrementam-se as possibilidades de erro e de problemas físicos e psíquicos para o operador.

A automatização de sistemas produtivos, como as indústrias de processo - química, cimento etc. -, cria situações de trabalho onde o operador responsável pelo controle e regulação do sistema permanece isolado e deve manter uma constante vigilância por muitas horas, seja durante o dia ou à noite. Cabe a este operador acompanhar o bom andamento do processo de fabricação e intervir com rapidez em caso de incidentes. Este tipo de tarefa, embora aparentemente não implique em qualquer esforço do operador, ocasiona altos níveis de tensão

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para o homem. Os incidentes ou acidentes são raros, mas quando ocorrem são de larga proporção e acarretam sérios riscos para o sistema e para os próprios operadores, como no caso de explosão de caldeiras, por exemplo. São muitas as informações a selecionar, as variáveis a interpretar e várias as possibilidades de solução. Tudo em muito pouco tempo e envolvendo decisões

que são sempre urgentes. Em dezembro de 1984, o escapamento de gases tóxicos na usina da Union Carbide, em Bhopal, na Índia, provocou a morte de cerca de 2.500 pessoas.

Como escreveu MONTMOLLIN (1996), as conclusões de uma enquete do New York Time, que o Le Monde reproduziu em 30 de janeiro de 1985, diziam que os empregados ao descobrirem um escapamento comunicaram o fato a um contramestre, que lhes respondeu que verificaria o problema depois de tomar seu chá. Este mesmo contramestre declarou, no entanto, que apenas fora informado de um escapamento de água. A matéria do New York Times, ainda segundo MONTMOLLIN, declara que os empregados disseram que, em desacordo com o regulamento, a direção da fábrica desativara uma unidade de resfriamento de gás, vários meses antes do acidente. Em continuação, o New York Times afirma que o escapamento começou duas horas depois que um trabalhador - cuja formação não era adequada - recebeu a ordem de limpar uma tubulação cuja vedação não estava perfeita - contrariamente, mais uma vez, às normas de segurança. Os trabalhadores estimaram que a reação química que desencadeou a catástrofe provavelmente teve este fato como origem.

De acordo com os parâmetros da ergonomia, as comunicações, a oposição entre o prescrito e o real, a formação dos trabalhadores encontra-se entre as principais causas de acidentes desse tipo. Por mais que se tente sanar as falhas humanas e eliminar o erro humano através de sistemas automatizados, não se consegue prescindir do homem como controlador - a ele cabe inclusive intervir e decidir nos momentos de pane total. O papel do profissional de ergonomia nas indústrias nucleares e de controle de processo cresceu substancialmente após os acidentes das usinas de Three Mile Island, nos Estados Unidos, e Bhopal, na Índia. Nos Estados Unidos, a US Nuclear Regulatory Commission determinou, a partir do acidente na usina de Three Mile Island, que todas as salas de controle de usinas nucleares passassem por uma revisão ergonômica para identificar e corrigir deficiências de projeto. Do mesmo modo que o radar não é o “olho da armada”, o computador não pensa. Entretanto, buscam-se máquinas “inteligentes” que resolvam problemas e tomem decisões sozinhas, desconsiderando-se as capacidades humanas. A automação e a robótica estão aí, a exigir novos equipamentos e a colocar novos problemas - como a produção de sistemas de apoio a decisão, expert systems, etc. A revolução industrial substituiu o trabalho humano no que se refere à energia física necessária para manipular materiais. A automação vem substituir o trabalho humano no processamento de informações, na determinação do que fazer e como fazer. A ergonomia mais uma vez sai em campo para adaptar estes programas às características cognitivas do operador humano. O trabalho das “salas de controle” dos operadores de terminais de vídeo e o projeto de ajudas informatizadas e de sistemas de comunicação são agora campos de atuação do ergonomista.

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Em dezembro de 1984, o escapamento de gases tóxicos na usina da Union Carbide, em Bhopal, na Índia, provocou a morte de cerca de 2.500 pessoas.

Como escreveu MONTMOLLIN (1996), as conclusões de uma enquete do New York Time, que o Le Monde reproduziu em 30 de janeiro de 1985, diziam que os empregados ao descobrirem um escapamento comunicaram o fato a um contramestre, que lhes respondeu que verificaria o problema depois de tomar seu chá. Este mesmo contramestre declarou, no entanto, que apenas fora informado de um escapamento de água. A matéria do New York Times, ainda segundo MONTMOLLIN, declara que os empregados disseram que, em desacordo com o regulamento, a direção da fábrica desativara uma unidade de resfriamento de gás, vários meses antes do acidente.

Em continuação, o New York Times afirma que o escapamento começou duas horas depois que um trabalhador - cuja formação não era adequada - recebeu a ordem de limpar uma tubulação cuja vedação não estava perfeita - contrariamente, mais uma vez, às normas de segurança. Os trabalhadores estimaram que a reação química que desencadeou a catástrofe provavelmente teve este fato como origem.

De acordo com os parâmetros da ergonomia, as comunicações, a oposição entre o prescrito e o real, a formação dos trabalhadores encontra-se entre as principais causas de acidentes desse tipo.

Por mais que se tente sanar as falhas humanas e eliminar o erro humano através de sistemas automatizados, não se consegue prescindir do homem como controlador - a ele cabe inclusive intervir e decidir nos momentos de pane total.

O papel do profissional de ergonomia nas indústrias nucleares e de controle de processo cresceu substancialmente após os acidentes das usinas de Three Mile Island, nos Estados Unidos, e Bhopal, na Índia. Nos Estados Unidos, a US Nuclear Regulatory Commission determinou, a partir do acidente na usina de Three Mile Island, que todas as salas de controle de usinas nucleares passassem por uma revisão ergonômica para identificar e corrigir deficiências de projeto.

Do mesmo modo que o radar não é o “olho da armada”, o computador não pensa. Entretanto, buscam-se máquinas “inteligentes” que resolvam problemas e tomem decisões sozinhas, desconsiderando-se as capacidades humanas. A automação e a robótica estão aí, a exigir novos equipamentos e a colocar novos problemas - como a produção de sistemas de apoio a decisão, expert systems, etc. A revolução industrial substituiu o trabalho humano no que se refere à energia física necessária para manipular materiais. A automação vem substituir o trabalho humano no processamento de informações, na determinação do que fazer e como fazer. A ergonomia mais uma vez sai em campo para adaptar estes programas às características cognitivas do operador humano. O trabalho das “salas de controle” dos operadores de terminais de vídeo e o projeto de ajudas informatizadas e de sistemas de comunicação são agora campos de atuação do ergonomista.

Parafraseando CHAPANIS (1959), tem-se que:

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"Uma importante lição de engenharia, proveniente das catástrofes, é que as máquinas não controlam sozinhas. A automação solicitou e produziu maquinismos novos e complexos, porém, geralmente, essas inovações não fazem o que se espera delas. Tal ocorre porque excedem ou não se adaptam às características e capacidades humanas. Por exemplo, o computador foi chamado “sistema inteligente”, mas o computador não pensa. Por mais rápido e preciso que seja, será quase inútil, se o operador não puder interpretar as informações apresentadas na tela e decidir a tempo. Similarmente, um sistema de controle, por mais informatizado e eficaz que seja, será um fracasso se o controlador não puder monitorá-lo e regulá- lo com rapidez, segurança e eficiência". 15

A ergonomia passa a ter então a sua importância alicerçada no estudo dos limites, limiares, capacidades do homem, suas características físicas e psíquicas. Sendo assim, qualifica-se para definir parâmetros ergonômicos para o projeto de produtos, processos produtivos (métodos e planejamento, programação e controle da produção), sistemas de informação, ambientes arquiteturais e treinamento para o trabalho de forma a propiciar segurança, saúde, conforto, bem estar e melhoria da qualidade de vida das pessoas.

6. DEFINIÇÕES DE ERGONOMIA

A IEA – Associação Internacional de Ergonomia, em seu 15o. Congresso, ocorrido no ano de 2000, na cidade de San Diego, Estados Unidos, apresentou a seguinte definição de ergonomia:

• “A ergonomia (ou fatores humanos) é a disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos do sistema e a aplicação da teoria, princípios, dados e métodos ao design a fim de otimizar o bem-estar humano e a melhoria de desempenho do sistema”.

Assim, de acordo com a IEA, os praticantes da ergonomia devem:

• Contribuir para o planejamento, projeto e a avaliação de tarefas, postos de trabalho, produtos, ambientes e sistemas para torna-los compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas.

• Intervir, a partir de uma compreensão abrangente na abordagem do trabalho, levando em conta considerações de ordem física, cognitiva, social, organizacional, ambiental e outros aspectos relevantes.

O Quadro 1.2, abaixo, apresenta os domínios de especialização da ergonomia, apontados pela IEA.

Ergonomia Física Ergonomia Cognitiva Ergonomia Organizacional Refere-se as características da anatomia humana, antropometria, fisiologia e biomecânica em sua relação a atividade física.

Refere-se aos processos mentais, tais como percepção, memória, raciocínio e resposta motora conforme afetam interações

Refere-se a otimização dos sistemas sócio-técnicos, incluindo suas estruturas organizacionais, políticas e de processos.

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Estuda: a postura no trabalho, manuseio de materiais, movimentos repetitivos, distúrbios músculo-esqueletais relacionados ao trabalho, projeto de posto de trabalho, segurança e saúde.

entre seres humanos e outros elementos de um sistema. Estuda: carga mental de trabalho, tomada de decisão, performance especializada, interação homem computador, stress e treinamento, conforme estes se relacionam aos projetos envolvendo seres humanos e sistemas.

Estuda: comunicações, projeto de trabalho, organização temporal do trabalho, trabalho em grupo, projeto participativo, novos paradigmas do trabalho, cultura organizacional, organizações em rede, teletrabalho e gestão da qualidade.

Também é importante registrar a definição que a IEA apresentou para a ergonomia em seu Congresso realizado em 1969:

• “A ergonomia é o estudo científico da relação entre o homem e seus meios, métodos e espaço de trabalho. Seu objetivo é elaborar, mediante a contribuição de diversas disciplinas científicas que a compõem, um corpo de conhecimentos que, dentro de uma perspectiva de aplicação, deve resultar numa melhor adaptação ao homem dos meios tecnológicos e dos ambientes de trabalho e de vida” (Congresso da Associação Internacional de Ergonomia, 1969).

Cumpre observar que diversos autores apresentaram definições de ergonomia. Alguns a classifica como ciência, outros como tecnologia. Alguns destacam os aspectos sistemáticos e comunicacionais, enquanto outros focalizam a questão da adaptação da máquina ao homem.

Algumas, das mais significativas definições, estão apresentadas a seguir.

• "Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e o seu trabalho, equipamento e ambiente e, particularmente, a aplicação dos conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos desse relacionamento" (Ergonomic Research Society e IV Congresso Internacional de Ergonomia, 1969).

• “É uma disciplina que pretende ajudar os membros individuais da força de trabalho a produzirem a níveis economicamente aceitáveis para o empregador, enquanto, ao mesmo tempo, desfrutam de um alto padrão de bem-estar fisiológico e emocional” (TICHAUER, 1978).

• “Ergonomia é o estudo do comportamento humano em relação ao seu trabalho. O objeto desta pesquisa é o homem no seu trabalho em relação com o seu ambiente espacial. A pesquisa ergonômica é usada na adaptação das condições de trabalho à natureza física e psicológica do homem e isto resulta no mais importante princípio da Ergonomia – adaptar a tarefa ao homem” (GRANDJEAN, 1980).

• “É o conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários para a concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficácia” (WISNER, 1987).

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• “A Ergonomia é o estudo da adaptação do trabalho ao homem. O trabalho aqui tem uma acepção bastante ampla, abrangendo não apenas aquelas máquinas e equipamentos utilizados para transformar os materiais, mas também toda a situação em que ocorre o relacionamento entre o homem e seu trabalho. Isto envolve não somente o ambiente físico, mas também os aspectos organizacionais de como esse trabalho é programado e controlado para produzir os resultados desejados” (IIDA, 1990).

• “A única e específica tecnologia da ergonomia é a tecnologia da interface homem-sistema. A ergonomia como ciência trata de desenvolver conhecimentos sobre as capacidades, limites e outras características do desempenho humano e que se relacionam com o projeto de interfaces, entre indivíduos e outros componentes do sistema. Como prática, a ergonomia compreende a aplicação de tecnologia da interface homem-sistema a projeto ou modificações de sistemas para aumentar a segurança, conforto e eficiência do sistema e da qualidade de vida.

No momento, esta tecnologia única e especial possui pelo menos quatro componentes principais identificáveis que, do mais antigo ao mais recente, são os seguintes: tecnologia da interface homem-máquina ou ergonomia de “hardware”; tecnologia da interface homem-ambiente ou ergonomia ambiental; tecnologia da interface usuário-sistema ou ergonomia de “software” e tecnologia da interface organização-máquina ou macroergonomia” (HENDRICK, 1991).

• “A Ergonomia objetiva o design de equipamentos, sistemas técnicos e tarefas de forma a melhorar a segurança, saúde, conforto e desempenho do homem”. (…) As situações

inseguras, não saudáveis, desconfortáveis ou ineficientes no trabalho ou na vida diária são

evitadas levando-se em conta as capacidades físicas e psicológicas e as limitações

humanas” (DUL e WEERDMEESTER, 1994).

• “Ergonomia é um corpo de conhecimentos sobre as habilidades, limitações e outras características humanas que são relevantes para o design. Projeto ergonômico é a aplicação da informação ergonômica ao design de ferramentas, máquinas, sistemas, tarefas, trabalhos e ambientes para o uso humano seguro, confortável e efetivo.

A palavra significante nestas definições é design, porque ela nos separa de disciplinas puramente acadêmicas como antropologia, fisiologia e psicologia” (CHAPANIS, 1996).

“A Ergonomia, também conhecida como fatores humanos, é uma disciplina científica que trata da interação entre os homens e a tecnologia. A Ergonomia integra o conhecimento proveniente das ciências humanas para adaptar tarefas, sistemas, produtos e ambientes às habilidades e limitações físicas e mentais das pessoas” (KARWOWSKI, 1996).

• PHEASANT (1997), afirma que a abordagem ergonômica em relação ao design pode ser resumida como: “O princípio do design centrado no usuário Se um objeto, um sistema ou um ambiente é projetado para o uso humano, então seu design deve se basear nas características físicas e mentais do seu usuário humano.

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O objetivo é alcançar a melhor integração possível entre o produto e seus usuários, no contexto da tarefa (trabalho) que deve ser desempenhada. Em outras palavras: Ergonomia é a ciência que objetiva adaptar o trabalho ao trabalhador e o produto ao usuário“. “O aspecto singular que particulariza a ergonomia – e que faz dela uma disciplina única – é a interseção do domínio comportamento com a tecnologia física, principalmente o design de equipamentos. Eu sei de muitos especialistas em ergonomia que a consideram como uma forma de psicologia, mas eu contexto esta assunção veementemente – ela deslegitima a ergonomia. A psicologia não trata da tecnologia, a engenharia não se interessa pelo comportamento humano, a não ser quando a ergonomia exige. O foco principal da ergonomia é o desenvolvimento de sistemas, que é a tradução dos princípios comportamentais para o design de sistemas físicos” (MEISTER, 1998).

Diante das diversas definições expostas, pode-se observar que cada qual representa a formação ou linha de pensamento do respectivo autor. Muitas classificam a ergonomia como ciência, outras como tecnologia. Tal distinção será detalhadamente discutida a seguir.

6.1 Ergonomia: ciência ou tecnologia?

Como foi visto anteriormente, alguns autores classificam a ergonomia como ciência, outros como tecnologia. Alguns destacam os aspectos sistemáticos e comunicacionais, enquanto outros focalizam a questão da adaptação da máquina ao homem.

No entanto, a questão onde aparecem mais divergências é, sem dúvida, o caráter científico da ergonomia. É como se os ergonomistas, no afã de afirmar a seriedade da nova disciplina, buscassem no termo ciência um status que a tecnologia, por sua proximidade com a técnica, não possui. Cabe, portanto, esclarecer este ponto, para que a ergonomia possa se definir como tecnologia.

Segundo BUNGE (1980), entende-se habitualmente por tecnologia a técnica que emprega o conhecimento científico. Por exemplo, distingue-se a técnica da costureira da tecnologia da indústria da confecção. Em geral, não se distingue a tecnologia moderna da engenharia. Caso se aceite esta igualdade, onde situar a bioengenharia, a tecnologia educacional e outras disciplinas que não participam da produção? Para evitar tais dificuldades, deve-se adotar uma definição de tecnologia que considere os fins e os meios da tecnologia.

"Um corpo de conhecimento é uma tecnologia se, e somente se, 1) é compatível com a ciência contemporânea e controlável pelo método científico, e 2) é empregado para controlar, transformar ou criar coisas ou processos, naturais ou

sociais". (BUNGE, op. cit.). Observe-se que, segundo esta definição, uma tecnologia pode ter ou não uma interseção com alguma ciência. Todas as tecnologias tradicionais - as engenharias e as tecnologias biológicas - têm algo em comum com a ciência, à parte o método. Ao contrário, algumas das tecnologias novas, tais como a pesquisa operacional e a informática, apenas partilham com a ciência seu método. Logo, compreendem-se como tecnologia todas as disciplinas orientadas para a prática, sempre que usem o método científico. Em qualquer processo tecnológico de alto nível, como o observado numa refinaria de petróleo, numa rede telefônica, num hospital moderno, tanto os pesquisadores (não tanto,

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porém, os técnicos) como os administradores ou dirigentes utilizam numerosas ferramentas conceituais, como a química orgânica, o eletromagnetismo, a teoria das filas de espera e a teoria das decisões. No caso de serem inovadores ou criativos, os pesquisadores ou aqueles que têm o poder decisório tentarão ou mesmo inventarão novas teorias ou novos procedimentos. Em suma, a tecnologia não está separada da teoria nem é mera aplicação da ciência pura: tem uma componente criativa particularmente manifesta na pesquisa tecnológica e no planejamento de políticas tecnológicas. Uma teoria tecnológica pode ser relevante para a ação, seja porque forneça conhecimento sobre os objetos da ação (máquinas, por exemplo) seja porque trate da própria ação (por exemplo, as decisões que precedem e controlam a fabricação ou o uso das máquinas). Os dois tipos de teoria consistem em teorias tecnológicas. A do primeiro exemplo é uma teoria tecnológica substantiva - e compreende, essencialmente, aplicações das teorias científicas a situações aproximadamente reais. É o caso do geólogo que realiza prospecções de petróleo utilizando a paleontologia - embora nem a paleontologia nem a geologia se ocupem diretamente da indústria petrolífera. A do segundo exemplo é uma teoria tecnológica operativa - e se refere às operações de complexos humano-máquina em situações aproximadamente reais. O que as teorias tecnológicas operativas utilizam não é o conhecimento científico substantivo, mas sim o método da ciência. Ainda, de acordo com a exposição baseada em BUNGE, não há porque tratar tecnologia como algo menor e, conseqüentemente, é desnecessário classificar a ergonomia como ciência para validá-la. A ergonomia constitui-se claramente como tecnologia substantiva quando aplica teorias científicas, como a fisiologia, a psicologia, a sociologia, para adaptar máquinas e equipamentos às características humanas. Por outro lado, ao construir modelos das relações entre homens e máquinas, ao utilizar conceitos probabilísticos, ao absorver informações empíricas e enriquecer seu quadro de predições, ao ser, portanto, empiricamente contrastável, embora sem o mesmo rigor da ciência, a ergonomia afirma-se como teoria tecnológica operativa. Apesar das diferenças entre ciência, estudo científico e tecnologia, todos os ergonomistas, entretanto, consideram os seguintes aspectos:

• a utilização de dados científicos sobre o homem;

• a origem multidisciplinar destes dados (anatomia, fisiologia, neurofisiologia, psicofisiologia, psicologia, sociologia, antropologia) e a interdisciplinaridade da ergonomia;

• a aplicação ao dispositivo técnico, à organização do trabalho e ao treinamento dos parâmetros e recomendações propostos pela ergonomia;

• a Com o objetivo de englobar estes aspectos e explicitar o campo de atuação da ergonomia, assim como seus objetivos, propõe-se, a partir de MORAES (1990) e MORAES e SOARES (1989), a definição apresentada nos próximos parágrafos. Conceitua-se a ergonomia como tecnologia projetual das comunicações entre homens e máquinas, trabalho e ambiente. De acordo com a classificação de Mário Bunge para tecnologia, a ergonomia atua tanto como teoria tecnológica substantiva quanto como teoria tecnológica operativa. Como teoria tecnológica substantiva, a ergonomia busca, através de pesquisas descritivas e experimentais, sobre limiares, limites e capacidades humanas (a partir de dados da fisiologia, da neurofisiologia, da psicofisiologia, da psicologia, da psicopatologia, da biomecânica

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ocupacional, bem como da anatomia e da antropometria), fornecer bases racionais e empíricas para adaptar ao homem (i) bens de consumo e de capital, (ii) meios e métodos de trabalho, (iii) planejamento, programação e controle e processos de produção e (iv) sistemas de informação.

Como teoria tecnológica operativa, a ergonomia objetiva, através da ação, resolver os problemas da relação entre homem, máquina, equipamentos, ferramentas, programação do trabalho, instruções e informações, solucionando os conflitos entre o humano e o tecnológico, entre a inteligência natural e a “inteligência” artificial nos

sistemas homens-máquinas1.

perspectiva do uso destes dispositivos técnicos pela população normal dos trabalhadores, com suas capacidades e limites, sem implicar numa seleção que escolha os “homens certos”;

• a adaptação ao homem de máquinas, ambientes e trabalho;

• os objetivos de segurança, conforto e bem-estar.

6.2 Uma proposta de definição

Com o objetivo de englobar estes aspectos e explicitar o campo de atuação da ergonomia, assim como seus objetivos, propõe-se, a partir de MORAES (1990) e MORAES e SOARES (1989), a definição apresentada nos próximos parágrafos. Conceitua-se a ergonomia como tecnologia projetual das comunicações entre homens e máquinas, trabalho e ambiente. De acordo com a classificação de Mário Bunge para tecnologia, a ergonomia atua tanto como teoria tecnológica substantiva quanto como teoria tecnológica operativa. Como teoria tecnológica substantiva, a ergonomia busca, através de pesquisas descritivas e experimentais, sobre limiares, limites e capacidades humanas (a partir de dados da fisiologia, da neurofisiologia, da psicofisiologia, da psicologia, da psicopatologia, da biomecânica ocupacional, bem como da anatomia e da antropometria), fornecer bases racionais e empíricas para adaptar ao homem (i) bens de consumo e de capital, (ii) meios e métodos de trabalho, (iii) planejamento, programação e controle e processos de produção e (iv) sistemas de informação. Como teoria tecnológica operativa, a ergonomia objetiva, através da ação, resolver os problemas da relação entre homem, máquina, equipamentos, ferramentas, programação do trabalho, instruções e informações, solucionando os conflitos entre o humano e o tecnológico, entre a inteligência natural e a “inteligência” artificial nos sistemas homens-máquinas.

Segundo MONTMOLLIN (1971), as comunicações entre o homem e a máquina definem o trabalho. A partir de COUFFIGNAL (1966), conforme os conceitos da cibernética, define-se máquina como um mecanismo físico objetivado, que visa a substituir o homem na execução de uma ação. De acordo com McCORMICK e SANDERS (1982), MURRELL (1965) e SHACKEL (1974), pode-se afirmar que, quando se diz que o homem funciona como parte de um sistema humano-máquina, o conceito comum de máquina é demasiadamente restritivo. Conforme as referências da cibernética e para esses autores, ergonomistas, a palavra “máquina” significa, então, tudo aquilo que compreende virtualmente qualquer tipo de objeto físico, artefato, aparato, dispositivo, equipamento, utensílio, meio de trabalho, qualquer coisa, qualquer mecanismo físico objetivado com o qual o indivíduo executa alguma atividade, com um propósito.

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O lápis com o qual escrevemos, a raquete com que jogamos, a pá com a qual cultivamos o jardim, a enxada, o martelo e o serrote, o balde de massa e a pá do pedreiro, nessa acepção, são tão máquinas quanto o carro ou a bicicleta que dirigimos, o torno mecânico, a serra elétrica manual, a correia transportadora, o painel de controle de uma refinaria, o console de monitoração de uma usina, uma régua de cálculos, uma calculadora, um computador. De acordo com MEISTER & RABIDEAU (1965), por sistema humano-máquina compreendem-se situações diferentes: • a combinação homem + utensílios; o posto de trabalho (a díade um homem +uma máquina);

Tais conflitos se expressam através de custos humanos do trabalho para o operador, como fadiga, doenças profissionais, lesões temporárias ou permanentes, mutilações e mortes. Também se expressam através de acidentes, incidentes, erros excessivos, paradas não controladas, lentidão e outros problemas de desempenho, assim como danificação e má conservação de máquinas e equipamentos. Isto comumente acarreta em redução no nível de produção, desperdício de matérias-primas, baixa qualidade dos produtos - o que acaba por comprometer a produtividade e a qualidade do sistema homens-máquinas. Com base nos enfoques sistêmico e informacional, a ergonomia como tecnologia operativa trata de definir para projetos de produtos, estações de trabalho, sistemas de controle, sistemas de informação, diálogos computadorizados, organização do trabalho, operacionalização da tarefa e programas instrucionais, os parâmetros interfaciais, instrumentais, informacionais, acionais, comunicacionais, cognitivos, interacionais, movimentacionais, espaciais/arquiteturais, físico-ambientais, químico-ambientais, securitários, operacionais, organizacionais, instrucionais, do espaço interno, urbanos, psicossociais e de acessibilidade. Exemplos de tais parâmetros são apresentados a seguir.

• interfaciais: configuração, morfologia, arranjo físico, dimensões, envoltórios acionais de máquinas, equipamentos, consoles, bancadas, painéis e mobiliários;

• instrumentais: configuração, conformação, arranjo físico e topologia, priorização, ordenação, padronização, compatibilização e consistência de painéis de supervisão (sinópticos, mostradores) e/ou comandos;

• informacionais: visibilidade, legibilidade, compreensibilidade e quantidade de informação, priorização e ordenação, padronização, compatibilização e consistência, componentes sígnicos - caracteres alfanuméricos e símbolos iconográficos -, de sistemas de sinalização de segurança ou de orientação, de painéis sinópticos, telas de monitores de vídeo e mostradores, de manuais operacionais e apoios instrucionais; avisos/advertências e comportamento dos usuários em relação às situações de risco.

• acionais: configuração, conformação, apreensibilidade, dimensões, movimentação e resistência de comandos manuais e pediosos;

• comunicacionais: articulação e padronização de mensagens verbais por alto-falantes, microfones e telefonia; qualidade de equipamentos de comunicação oral;

• cognitivos: compreensibilidade, consistência da lógica de codificação e representação, compatibilização de repertórios, significação das mensagens; processamento de informações, coerência dos estímulos, das instruções e das ações e decisões envolvidas na tarefa, compatibilidade entre a quantidade de informações, complexidade e/ou riscos envolvidos na tarefa; qualificação, competência e proficiência do operador;

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• interacionais: navegação em hipertextos, páginas da web, considerando consistência, orientação X desorientação do usuário (onde estou?, para onde vou?), arquitetura da informação, gerência de conteúdo, e-writing, legibilidade, destaque das informações, metáforas e ajudas ao usuário.

• movimentacionais: limites de peso para levantamento e transporte manual de cargas, segundo a distância horizontal da carga em relação à região lombar da coluna vertebral, o curso vertical do levantamento ou abaixamento da carga, a conformação da carga, a freqüência de manipulação da carga.

o sistema homens-máquinas - um conjunto de elementos humanos e não humanos submetidos a interações (como, por exemplo, a torre de controle de um aeroporto, uma central de controle operacional de uma usina, as rotativas de impressão e os operadores encarregados de manipulá-la e de manutení-la, a sala de operação com o paciente, o cirurgião, sua equipe, instrumentadores, enfermeiros, aparatos e equipamentos).

espaciais/arquiteturais: aeração, insolação e iluminação do ambiente; isolamento acústico e térmico; áreas de circulação e layout de instalação das estações de trabalho; ambiência gráfica, cores do ambiente e dos elementos arquiteturais;

• físico-ambientais: iluminação, ruído, temperatura, vibração, radiação, pressão, dentro dos limites da higiene e segurança do trabalho, e considerando as especificidades da tarefa;

• químico-ambientais: toxicidade, vapores e aerodispersóides; agentes biológicos (microorganismos: bactérias, fungos e vírus), que respeitem padrões de assepsia, higiene e saúde;

• securitários: controle de riscos e acidentes, pela manutenção de máquinas e equipamentos, pela utilização de dispositivos de proteção coletiva e, em último caso, pelo uso de equipamentos de proteção individual adequados, pela supervisão constante da instalação dos dutos, alarmes e da planta industrial em geral;

• operacionais: programação da tarefa, interações formais e informais, ritmo, repetitividade, autonomia, pausas, supervisão, precisão e tolerância das atividades da tarefa, controles de qualidade, dimensionamento de equipes;

• instrucionais: programas de treinamento, procedimentos de execução da tarefa; reciclagens e avaliações;

• organizacionais: parcelamento, isolamento, participação, gestão, avaliação, jornada, horário, turnos e escala de trabalho, seleção e treinamento para o trabalho;

• do espaço interno: circulação e fluxo de pessoas, máquinas e materiais, consideração das atividades a serem desempenhadas e de movimentação dos operadores para realizá-las.

• urbanos: planejamento e projeto do espaço da cidade, sinalização urbana e de transporte, terminais rodoviários, ferroviários e metroviários, áreas de circulação e integração, áreas de repouso e de lazer.

• psicossociais: conflitos entre indivíduos e grupos sociais; dificuldades de comunicações e interações interpessoais; falta de opções de descontração e lazer.

• de acessibilidade: sejam equipamentos, meios de transporte ou espaços interiores e exteriores, considerações em seu planejamento, de forma que possam ser utilizados com autonomia pelas pessoas portadoras de deficiências.

O objeto da ergonomia, seja qual for a sua linha de atuação, ou as estratégias e os métodos que utiliza, é o homem no seu trabalho trabalhando, realizando a sua tarefa cotidiana, executando as suas atividades do dia-a-dia. Esse trabalho real e concreto compreende o

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trabalhador, operador, o manutenidor, o instrutor ou usuário no seu local de trabalho, enquanto executa sua tarefa, com suas máquinas, ferramentas, equipamentos e meios de trabalho, num determinado ambiente físico e arquitetural, com seus chefes e supervisores, colegas de trabalho e companheiros de equipe, e mais as interações e comunicações formais e informais, num determinado quadro econômico-social, ideológico e político. A ergonomia partilha assim o seu objetivo geral - melhorar as condições específicas do trabalho humano - com a higiene e a segurança do trabalho. Os organizadores do trabalho também estudam o trabalho real para determinar procedimentos mais racionais e formas mais produtivas de efetuar a tarefa. Várias são as ênfases, as estratégias, métodos e técnicas. No entanto, é imprescindível enfatizar que a ergonomia orienta-se prioritariamente para a aplicação.

Cumpre ressaltar que a singularidade da ergonomia está justamente na sua práxis2, que integra o estudo das características físicas e psíquicas do homem, as avaliações tecnológicas do sistema produtivo, a análise da tarefa, com a apreciação, o diagnóstico, a projetação, a avaliação e a implantação de sistemas homens-tarefas-máquinas. O ergonomista, junto com engenheiros, arquitetos, desenhistas industrias, analistas e programadores de sistema, organizadores do trabalho, psicólogos, médicos e enfermeiros do trabalho, propõe mudanças e inovações, sempre a partir de variáveis fisiológicas, psicológicas e cognitivas humanas e segundo critérios que privilegiam o ser humano.

O atendimento aos requisitos ergonômicos possibilita maximizar o conforto, a satisfação e o bem-estar; garantir a segurança; minimizar constrangimentos, custos humanos e carga cognitiva, psíquica e física do operador e/ou usuário; e otimizar o desempenho da tarefa, o rendimento do trabalho e a produtividade do sistema humano-máquina. Finalmente, cabe asseverar que a ergonomia tem como centro focal de seus levantamentos, análises, pareceres, diagnósticos, recomendações, proposições e avaliações, o HOMEM como ser integral. A vocação principal da ergonomia é recuperar o sentido antropológico do trabalho, gerar o conhecimento atuante e reformador que impede a alienação do trabalhador, valorizar o trabalho como agir humano através do qual o homem se transforma e transforma a sociedade, como livre expressão da atividade criadora, como superação dos limites da natureza pela espécie humana.

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7. AFLUENTES, EFLUENTES, E FRONTEIRAS DA ERGONOMIA

O recorte da ergonomia se faz através do seu objeto - o ser humano em seu trabalho, trabalhando em situação real -, de seus múltiplos recortes do sistema homem-tarefa-máquina e da ênfase na análise da tarefa (trabalho e atividades). Cumpre, portanto, observar que o sistema humano-tarefa-máquina pode ser um shopping center, um hospital, uma sala de controle, uma agência bancária, um terminal rodoviário, um laboratório de análise, uma galeria de exposições, um parque, uma banca de jornal, um banheiro público para deficientes, um sistema de sinalização de uma universidade, um console de controle, a estação de trabalho de um digitador, um banco de praça, etc. A ergonomia como tecnologia substantiva implica interações com várias ciências - as disciplinas afluentes. A ergonomia como tecnologia operativa compreende interações com diversas tecnologias projetuais - as disciplinas efluentes.

• Disciplinas afluentes são aquelas que fornecem subsídios (i) sobre os aspectos físicos e mentais do homem (anatomia, antropometria, biomecânica ocupacional, fisiologia do trabalho, medicina do trabalho, psicologia do trabalho, psicologia experimental, psicologia cognitiva); (ii) sobre as interações sociais e culturais das relações de produção (sociologia do trabalho, economia do trabalho, antropologia) e (iii) sobre a comunicação humana (semiótica).

• Disciplinas efluentes são aquelas para as quais a ergonomia - a partir da abordagem sistêmica, da modelação das comunicações, da análise da tarefa e de experimentos com variáveis controladas - define requisitos ergonômicos de projeto de produtos e estações de trabalho, de ambiente espacial, de elementos de comunicação visual, de ambiente físico, de operacionalização da tarefa, de programas de treinamento, de sistemas de informação, de sistemas gerenciais, de projeto de software (hipertextos) e programas de comunicação. São elas: desenho industrial, engenharia do produto, programação visual, plant layout, arquitetura, espaço construído, conforto ambiental, engenharia de segurança, engenharias de produção e de transportes, organização do trabalho, recursos humanos e engenharias de sistemas e de software.

Ao trabalhar as comunicações nos sistemas humanos-tarefas-máquinas, a ergonomia considera uma interação sistêmica e dinâmica onde o homem e sua “máquina” dialogam, influenciam e sofrem as influências do ambiente operacional, organizacional, da ambiência física. Contemplam-se igualmente os aspectos fisiológicos, biomecânicos, psíquicos e cognitivos, a tomada de informações, a resolução de problemas, a decisão, a manipulação de comandos. Estudam-se as condições reais de trabalho, as atividades concretas da tarefa, com a visão das restrições tecnológicas do processo produtivo e da organização disciplinar do trabalho. Alvenaria, armação, teares, tornos, tratores, computadores, salas de controle, liquidificadores, furadeiras, automóveis, etc., são objeto da apreciação, do diagnóstico, da avaliação e da projetação ergonômica.

Conhecendo os limites, limiares, capacidades do homem, suas características físicas e psíquicas, o ergonomista passa a participar do processo de geração de projetos de sistemas, de estações de trabalho, de equipamentos, de produtos, de organização do trabalho, dos processos produtivos (métodos e planejamento, programação e controle da produção), de tarefas, de sinalização, da ambiência física, do ambiente espacial e arquitetural, do entorno urbano, de programas de capacitação e treinamento, de higiene e segurança do trabalho, da seleção e transferência de tecnologia. Busca-se, essencialmente, definir parâmetros

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ergonômicos que propiciem a segurança, a saúde, o conforto e o bem-estar de usuários e trabalhadores em seus ambientes de trabalho e lazer.

8. TIPIFICAÇÃO DA ERGONOMIA

Pode-se classificar a ergonomia de acordo com (i) o seu objeto de atuação (sistemas, produção/produto, informacional/gestual e transferência de tecnologia,); (ii) segundo o objetivo de intervenção (correção/concepção/transformação, proteção/desenvolvimento) e (iii) os tipos de ênfases (comportamental, cognitiva, sóciotécnica ou experimental).

8.1 Quanto ao objeto de atuação

São os tipos de ergonomia referentes ao seu campo de atuação: ergonomia de sistemas, ergonomia do produto, ergonomia de produção, ergonomia informacional, ergonomia gestual, ergonomia de transferência de tecnologia.

(i) Ergonomia de sistemas

Num sistema produtivo ou de controle, a tarefa do operador e a maneira como ele a executa dependem do desempenho de outros postos anteriores. Por outro lado, o produto das atividades do operador alimenta um outro posto com o qual ele pode estar em relação direta, no caso de um trabalho em equipe (informações numa sala de controle centralizado, por exemplo, ou o material processado, no caso de indústrias de transformação). Ocorrem também relações indiretas, quando o operador recebe ou fornece entradas ou saídas de partes do seu trabalho de, ou para, outros postos com os quais não interage.

Estas interações desenvolvem-se como um fluxo (a nível horizontal) ou hierarquicamente (num nível vertical). Considera-se, então, não o posto de trabalho (a díada humano-máquina) mas o conjunto dos diferentes elementos humanos, informacionais e materiais em interação. Deste modo, objetiva-se definir a configuração do sistema (mais ou menos informatizado), alocação de funções para o homem e para a máquina, a competência e o dimensionamento da equipe e a repartição de responsabilidades e atividades entre os operadores. A partir de critérios humanos (minimização da carga física, cognitiva e psíquica) trata-se de otimizar o funcionamento do sistema como um conjunto holístico e teleológico. Não existe descontinuidade entre a ergonomia dos sistemas e a ergonomia dos postos de trabalho - os problemas sociotecnológicos resultantes das relações entre as tecnologias e as características das populações de trabalhadores propiciam a interação entres estes dois enfoques da ergonomia.

Ergonomia do produto

A ergonomia do produto analisa de maneira aprofundada os artefatos e seus efeitos na relação com o homem. Trata da concepção de objetos para fabricação em escala industrial, e prioriza as relações do usuário, operador, consumidor, manutenidor, com o produto em função das zonas:

• interfacial: perfil, dimensões, alcances, arranjo físico

• instrumental: arranjo, topologia, de painéis informacionais e de comando

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• informacional: visibilidade, legibilidade e compreensibilidade de componentes sígnicos (caracteres alfanuméricos e símbolos iconográficos)

• acional: apreensibilidade e movimentação de comandos

• comunicacional: audibilidade e posicionamento de alto-falantes, microfones e telefones.

Tal distinção, no entanto, não repercute nos métodos que o ergonomista utiliza. Parte-se sempre do enfoque sistêmico e das comunicações/interações entre homens e máquinas, através da análise da tarefa ou das tarefas e tomam-se sempre como parâmetros de avaliação os custos humanos físicos, cognitivos ou psíquicos do trabalho.

Durante o projeto de produtos de consumo ou de bens de capital, o designer ou o engenheiro de produto consideram, além das funções estruturais e moventes, de resistência e produtibilidade, econômicas, semióticas e estáticas, as funções de uso do produto. Os métodos e técnicas da ergonomia permitem levantar as comunicações e interações que expressam tais funções. Os insumos da antropometria propiciam o correto dimensionamento. Já as referências da fisiologia da visão, da percepção e cognição possibilitam a definição dos componentes instrumentais e informacionais apropriados. Finalmente, as informações da biomecânica permitem a determinação de componentes acionais adequados. Estes elementos em conjunto contribuem para a análise de usabilidade do produto. Entende-se usabilidade como a adequação entre o produto e as tarefas a cujo desempenho se destina, da adequação com o usuário que o utilizará, e da adequação ao contexto em que será usado. Para isto, deve incorporar características como: facilidade de aprendizagem, efetividade, atitude.

Ergonomia da produção

Já a ergonomia da produção contempla os meios de produção, os métodos e processos, o dimensionamento de equipes, a operacionalização da tarefa, a organização do trabalho e o ambiente de trabalho. Faz parte de seu âmbito, entre outros, o estudo das posturas, esforços físicos e mentais e os efeitos dos horários e turnos sobre o organismo humano.

Cabe ainda mencionar que a ergonomia de produção implica também a ergonomização dos produtos e meios de trabalho, tais como, máquinas, ferramentas, dispositivos de informação. Do mesmo modo, a ergonomia do produto, ao conceber um objeto a ser fabricado, deve considerar a ergonomização da produção deste mesmo produto, a partir da seleção de matérias-primas não agressivas, da tecnologia e dos processos e maquinários menos predatórios à força de trabalho.

Ergonomia informacional

A ergonomia informacional contempla a percepção e a cognição (seleção de informações, resolução de problemas, tomada de decisão). Campo bastante complexo, como diz FAVERGE (1966), abarca aspectos de linguagem verbal e iconográfica (significação, codificação e decodificação) e o estudo dos “canais de comunicação” do ser humano (sensoriais, neurofisiológicos, motores). Seu objetivo é a definição de componentes informacionais.

Ergonomia gestual

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A ergonomia gestual abrange os sistemas de respostas ao nível psicomotor (movimentos, posturas, deslocamentos). Envolve problemas biomecânicos e musculares e trata da manipulação e movimentação de comandos e cargas.

Ergonomia de transferência de tecnologia

Transferir uma máquina, um processo técnico de fabricação, uma fábrica inteira, dentro de uma mesma região, de uma região para outra num mesmo país, de um país para outro, ou de um continente para outro, exige o conhecimento das características da população que os utilizará e do local onde se situará. Uma indústria não pode ter as mesmas características arquiteturais em um país tropical e em um país frio.