TRABALHO DE PERICLITAÇÃO

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1 1. Introdução A periclitação da vida e da saúde é uma das subclassificações de crimes da parte especial do Código Penal , correspondendo ao terceiro capítulo que está dentro do título dos crimes contra a pessoa . No Código Penal Brasileiro os crimes de periclitação da vida e da saúde são: Perigo de contágio venéreo ; Perigo de contágio de moléstia grave ; Perigo para a vida ou saúde de outrem ; Abandono de incapaz ; Exposição ou abandono de recém-nascido ; Omissão de socorro ; Maus-tratos . No Código Penal Brasileiro, os crimes de periclitação da vida e da saúde, e suas particularidades, estão definidos nos artigos CP 130 a 136. Distinção entre crime de dano e crime de perigo: DANO: redução ou supressão do gozo de um bem juridicamente tutelado. PERIGO: probabilidade de dano. Teorias sobre o crime de perigo: Teoria Objetiva: estado de fato ou trecho da realidade. Teoria Subjetiva: mera criação do espírito humano. Teoria Mista: realidade objetiva aliada a um juízo mental.

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1. Introdução

A periclitação da vida e da saúde é uma das subclassificações de crimes

da parte especial do Código Penal, correspondendo ao terceiro capítulo que

está dentro do título dos crimes contra a pessoa.

No Código Penal Brasileiro os crimes de periclitação da vida e da saúde

são:

Perigo de contágio venéreo ;

Perigo de contágio de moléstia grave ;

Perigo para a vida ou saúde de outrem ;

Abandono de incapaz ;

Exposição ou abandono de recém-nascido ;

Omissão de socorro ;

Maus-tratos .

No Código Penal Brasileiro, os crimes de periclitação da vida e da saúde, e

suas particularidades, estão definidos nos artigos CP 130 a 136.

Distinção entre crime de dano e crime de perigo:

DANO: redução ou supressão do gozo de um bem juridicamente tutelado.

PERIGO: probabilidade de dano.

Teorias sobre o crime de perigo:

Teoria Objetiva: estado de fato ou trecho da realidade.

Teoria Subjetiva: mera criação do espírito humano.

Teoria Mista: realidade objetiva aliada a um juízo mental.

A melhor teoria para definir o perigo é a mista ou integrativa, para a qual o

perigo é tanto uma hipótese quanto um trecho da realidade.

Perigo abstrato e perigo concreto: Perigo abstrato é presumido pelo

legislador, com base na experiência comum, como resultante natural de certas

ações físicas.

Perigo concreto ocorre quando a situação de perigo exige demonstração e

prova.

Alguns entendem a existência do crime de perigo quando há possibilidade

de dano, mas para a maioria, é necessário que haja probabilidade de dano.

Distinção entre Dolo de dano e dolo de perigo: Não há diferença ontológica.

No primeiro caso, o agente quer provocar um dano efetivo (previsibilidade mais

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vontade de atingir o resultado); no segundo, o fim visado é criar ou aceitar uma

situação potencialmente perigosa.

Perigo comum e perigo individual: O perigo comum ocorre quando o agente

coloca em risco simultaneamente um número indeterminado de pessoas ou

bens (artigos 250 a 258, Título VIII, Capítulo I). O perigo individual se dá

quando o agente atinge um indivíduo particularizado (artigos 130 a 137, Título

I, Capítulo III).

Subsidiariedade: o crime de perigo é sempre subsidiário; ocorrendo dano,

este prevalece, absorvendo o perigo.

2. Perigo de Contágio Venéreo

Art. 130. “Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato

libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está

contaminado: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1º. Se é intenção do agente transmitir a moléstia: Pena – reclusão, de 1 (um)

a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 2º. Somente se procede mediante representação.

Conceito: Consiste em submeter alguém ao risco de contrair moléstia

venérea por meio de relação sexual, tendo consciência e vontade, sabendo, ou

devendo saber, que é portador da doença.

Objeto jurídico: SAÚDE, isto é, o ser humano, do ponto de vista da sua

incolumidade fisiológica.

O que é “moléstia venérea?” O art. 130 é norma penal em branco cuja

complementação deve ser buscada nos regulamentos de saúde pública, que

arrolam as seguintes doenças venéreas: sífilis, blenorragia, cancro mole ou

cancro venéreo simples, linfogranuloma inguinal ou adenite inguinal

superaguda. AIDS não é moléstia venérea, mas doença sexualmente

transmissível (DST).

Sujeito ativo: Homem ou mulher portador de moléstia venérea. O

exercício da prostituição não exclui o crime, porque a saúde é bem

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indisponível, não podendo falar de consentimento ou aceitação do risco da

contaminação.

A contaminação pelo cônjuge constitui grave violação do dever

matrimonial (Lei 6.515/77, art. 5º) sendo motivo justo para o divórcio.

Elemento subjetivo: Segundo a doutrina clássica, há três modalidades:

a) dolo eventual: o agente sabe estar contaminado; b) culpa strictu sensu,

nesta modalidade, o agente não tem certeza, mas deveria saber da

contaminação; c) dolo direto de dano ele conhece a contaminação e

efetivamente quer transmitir a doença. Em qualquer dessas espécies, fica claro

que a ignorância da moléstia exclui o dolo.

Tipo objetivo: a ação física se realiza mediante conjunção carnal ou

qualquer dos sucedâneos da cópula normal (felação ou fellatio in ore), coito

cunnilingus, pennilingus, annilingus, coito anal e inter femora).

É imprescindível contato físico direto entre os sujeitos? O beijo pode

transmitir moléstia venérea? Exige-se contato corpóreo direto entre os sujeitos

do delito. Se a amante contagia o marido e este sua esposa, a primeira

responderá pelo contágio do segundo, e este pelo da terceira. Ocorrendo

contágio por outro meio que não o contato sexual, incidirá o do art. 131. O beijo

voluptuoso pode servir de meio à transmissão de algumas doenças venéreas,

tais como a sífilis.

Havendo efetiva transmissão da doença há crime de dano?

Resultando efetiva transmissão da moléstia venérea, tem-se a lesão corporal

dolosa (Noronha); Damásio de Jesus e Celso Delmanto consideram que há

exaurimento do delito; Custódio da Silveira opta pela lesão corporal dolosa ou

culposa, conforme o animus do agente; para Heleno Cláudio Fragoso, se há

apenas dolo de perigo e a moléstia é transmitida, o agente responde por

simples culpa.

Consumação e tentativa: A consumação ocorre com a conjunção carnal

ou a prática libidinosa, sendo desnecessário efetivo contágio. Admite-se

tentativa na modalidade dolosa, mais facilmente detectável na forma do § 1º

(dolo direto de dano).

Ação penal: Somente se procede mediante representação da vítima (§

2º). Trata-se de ação pública condicionada, pois depende necessariamente da

representação do ofendido ou de quem a represente, como condição de

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procedibilidade.

3. Perigo de Contágio de Moléstia Grave

Art. 131: “Praticar, com o fim de transmitir moléstia grave de que está

contaminado, ato capaz de produzir contágio: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4

(quatro) anos, e multa”.

Conceito, ação física e elemento subjetivo. Distingue-se do tipo anterior

porque só admite modalidade dolosa, ou seja, deve necessariamente estar

presente o dolo específico de contagiar (dolo de dano). Portanto, é, de fato,

crime de dano e não de perigo. Abrange moléstias venéreas, quando

transmitidas por outro meio fora o contato sexual direto, e outras enfermidades

graves e contagiosas, tais como tuberculose, tifo, lepra, sarampo, febre

amarela, hepatite, entre outras.

A tipicidade configura outra hipótese de norma penal em branco, pois

sua descrição exige a complementação por normas de saúde pública, que

definem as doenças venéreas, doenças graves e contagiosas, exigindo a

notificação obrigatória do médico às secretarias estaduais de saúde. A

transmissão pode ocorrer de forma direta (aperto de mão, beijo, aleitamento,

etc.) ou indireta (por meio de utensílios, roupas, vasilhames, instrumentos,

objetos, etc.). Nesse ponto, difere do art. 130, que só se configura com o

contato direto. Se culposa a transmissão, há lesão ou homicídio culposo,

conforme o caso.

4. Perigo para a Vida ou a Saúde de Outrem

“Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime

mais grave”.

Conceito: Forma genérica dos delitos do Capítulo IV, do Código Penal,

que inclui todas as formas de perigo para a vida ou a saúde não enquadráveis

em algum dos tipos precedentes. É delito eminentemente subsidiário, como

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denota a redação usada pelo legislador “se o fato não constitui crime mais

grave”.

Objeto jurídico: Vida e saúde da pessoa humana.

Sujeitos do delito: Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo.

Ação física: Crime ação livre, a criação do perigo pode ser qualquer

ação que coloque em risco a incolumidade física de alguém. O perigo é

concreto, exigindo efetiva demonstração caso a caso.

Elemento subjetivo: Dolo direto de perigo.

Forma qualificada: O parágrafo único, introduzido pela Lei 9.777, de

29.12.98, acrescento uma forma qualificada ao delito do art. 132, prevendo

aumento da pena em um terço se a exposição a perigo decorre do transporte

de pessoas para a prestação de serviços em desacordo com as normas legais.

Na verdade, a inspiração original do legislador era justamente conferir proteção

aos retirantes da seca nordestina e aos bóias-frias contratados em suas

regiões de origem, que eram levados em caminhões conhecidos como “pau-de-

arara” para a “cidade grande” ou para realizarem a colheita em fazendas.

Mais recentemente, com o problema crônico do transporte de

trabalhadores realizado em condições precárias de segurança realizado, que

não raro provocam tragédias de grandes proporções, houve por o legislador

revigorar a norma, dotando-o de uma forma qualificada de conduta

caracterizada no transporte de realizado em desacordo com as normas legais

previstas no Código de Trânsito Brasileiro.

5. Abandono de Incapaz

“Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou

autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos

resultantes do abandono”. Pena: detenção, de seis meses a três anos.

Objeto jurídico: A norma visa proteger menores, anciãos, incapazes e

todas as demais pessoas com menores possibilidades de se defender

sozinho dos perigos da vida.

Sujeitos da infração:

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Sujeito ativo: todo aquele que tem o dever de zelar pela vítima. É,

portanto, crime próprio, porque exige essa qualidade especial do agente, que

é a relação de dependência com a vítima e o garante ou garantidor. Tal dever

de garantia decorre de:

1) lei;

2) contrato ou convenção (enfermeiros, médicos, babás, diretores de

colégio, guias de excursão, etc);

3) qualquer fato, lícito ou ilícito, capaz de gerar a dependência

(recolhimento de pessoa abandonada, condução de incapaz em viagem,

carona, caçada, etc).

O que se deve entender por cuidado, guarda, vigilância ou autoridade?O

que diz a doutrina? Nelson Hungria, “cuidado significa assistência a pessoas

que, de regra, são capazes de valer a si mesmas, mas que, acidentalmente,

venham a perder essa capacidade (Ex. o marido é obrigado a cuidar da

esposa enferma e vice-versa). Guarda é a assistência a pessoas que não

prescindem dela, e compreende, necessariamente, a vigilância. Essa pode

ser alheia (ex. guia alpino vigia a segurança de seus companheiros de

ascensão, mas não os tem sob sua guarda). Finalmente, a assistência

decorrente da relação de autoridade é a inerente ao vínculo de poder de uma

pessoa sob a outra, quer a potestas, seja de direito público, quer de direito

privado”.

Sujeito passivo: pessoa incapacitada para enfrentar sozinha os riscos do

abandono; quem não tem condições físicas ou psíquicas de cuidar de si. Não

é incapacidade civil, mas aquela decorrente da menoridade ou de outras

circunstâncias que inabilitem a vítima, total ou parcialmente, temporária ou

permanentemente, para defender-se, sozinha, do estado de abandono, tais

como menores, doentes físicos e mentais, velhos, ébrios, entre outros.

Eventual consentimento da vítima não exclui antijuridicidade ou culpabilidade,

pois a vida e a saúde são indisponíveis.

Tipo objetivo (ação física): abandonar, descuidar, largar ou desassistir.

Geralmente, é conduta omissiva (deixar de prestar cuidados indispensáveis),

mas admite forma comissiva, como ocorre se a vítima é levada para local

determinado para então ser colocada em situação de risco. É crime de perigo

concreto.

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Tipo subjetivo: dolo, vontade de abandonar a vítima, ciente do risco do

abandono, consciente de que é responsável pela sua segurança. Não há

crime se ficar à distância, observando o abandonado, e zelando para que o

perigo não acarrete probabilidade de dano. Caso deseje a morte ou lesão,

haverá homicídio tentado, lesões corporais ou, eventualmente, infanticídio.

Formas qualificadas: se resulta lesão corporal grave ou morte (§§ 1º e

2º). Se há dolo de dano, configura-se lesão corporal grave ou homicídio. A

pena é agravada em 1/3, se há abandono em local ermo ou quando praticado

contra ascendente, descendente, cônjuge, irmão, tutelado ou curatelado (§ 3º,

Inciso I e II).

Conflito aparente de normas:

1) há omissão de socorro (art. 135) quando inexistir relação de

dependência;

2) ocorre o abandono de recém-nascido (art. 134) se o motivo do

abandono for o de ocultar desonra própria;

3) cogita-se de homicídio ou lesões corporais, consumados ou tentados,

se estiverem presentes o animus necandi ou nocendi;

4) distingue-se, ainda, do crime de abandono material, (art. 244),

porque, neste tipo, não se exige perigo para a vida ou a saúde da vítima.

6. Exposicão ou Abandono de Recém-nascido

“Art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra

própria. Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Conceito: Constitui forma privilegiada em relação ao tipo do art. 133. É o

assassinato do filho pela própria mão durante o parto ou logo após.

Objetividade jurídica: A incolumidade pessoal e segurança do recém-

nascido.

Sujeito Ativo: Trata-se de crime próprio, pois só quem é mãe pode

cometê-lo (na gravidez extramatrimonial, adulterina ou incestuosa) ou o pai (no

caso de filho adulterino ou incestuoso). Essa posição é controvertida. Contra:

Euclides Custódio da Silveira, Celso Delmanto; A favor: Mirabete e Damásio de

Jesus.

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A prostituta pode ser sujeito ativo do crime de abandono de recém-

nascido? NÃO, porque, pela sua qualidade, o nascimento de um filho não

acarreta qualquer constrangimento; não tem caráter desonroso.

Sujeito Passivo: O recém nascido, mas há controvérsia sobre o limite de

tempo para o fim de considerar recém-nascido. Para Hungria, “o limite de

tempo da noção de recém nascido é o momento em que a délivrance se torna

conhecida de outrem, fora do círculo da família”. Magalhães Noronha opina

com a expressão ”poucos dias”. Flamínio Fávero, 7 dias; Fragoso, 30 dias;

Mirabete e Damásio, até a queda do cordão umbilical.

Tipo objetivo: expor é remover a vítima para local diverso daquele onde

é assistido (Damásio); abandonar é omitir-se na prestação de assistência; para

alguns, como Delmanto, são expressões sinônimas; para Noronha é

redundância; Mirabete afirma que o legislador procurou apenas evitar dúvidas.

Trata-se de crime de perigo concreto, exigindo demonstração de que a vítima

ficou exposta a um perigo plausível, capaz de comprometer a saúde ou a vida,

por lapso de tempo considerável.

Formas qualificadas: são aquelas das quais decorre a morte ou lesão

grave do recém-nascido(§§ 1º e 2º).

Tipo subjetivo: Vontade de expor ou abandonar recém-nascido, ciente

da obrigação de garante e do perigo à sobrevivência da vítima. É dolo direto e

específico, onde o fim especial (elemento normativo da conduta) da ação é

ocultar desonra própria. No concurso de terceiro, há co-autoria ou participação,

pois as circunstâncias elementares do tipo são comunicáveis.

Consumação e tentativa: A consumação ocorre no momento do

abandono, ou seja, quando a vítima fica exposta ao perigo. É crime

instantâneo, que admite tentativa na forma comissiva.

Conflito aparente de normas: homicídio e infanticídio: o primeiro exige o

dolo de dano enquanto no abandono o dolo é de perigo. Inexistindo o elemento

subjetivo do injusto (ocultação da desonra própria), não havendo relação de

parentes (pai/mãe) ou não sendo recém-nascido, há abandono de incapaz.

Também não se confunde com crimes contra a assistência familiar (art. 244 e

247), onde o abandono é moral, e não físico.

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7. Omissão de Socorro

“Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem

risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou

ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses

casos, socorro à autoridade competente. Pena – detenção, de um a seis

meses, ou multa”.

Conceito: Trata-se da obrigação moral de amparo e proteção aos mais

fracos erigida à condição de dever legal. Na tipificação, estão previstas duas

condutas: deixar de prestar assistência e não pedir, nesses casos, o socorro da

autoridade pública.

Objetividade Jurídica: A vida e a incolumidade física do indivíduo,

mediante tutela da sua segurança.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa, existindo ou não vínculo jurídico anterior

entre os sujeitos. Se há essa vinculação, configura-se um dos tipos anteriores.

Normalmente, há proximidade entre autor e vítima, mas pode ocorrer a

omissão se o agente estiver distante da vítima (médico que toma conhecimento

de pessoa ferida, necessitando de cuidados, mas não presta assistência). O

autor não pode ser responsável pela situação de perigo. Não comete o crime

quem fere alguém, seja culposamente ou com animus necandi ou laedendi,

deixando-o privado de socorro. No caso, responderá por lesão corporal ou

homicídio, doloso ou culposo (aqui, a omissão qualificada o delito - art. 121, §

4º e 129, § 7º).

Sujeito passivo:

a) criança abandonada ou extraviada: é a vítima das figuras precedentes

ou a criança que se perdeu dos pais ou responsáveis;

b) pessoa inválida: quem por motivo de doença, deficiência, senilidade,

embriaguez, etc., não tem forças para conjurar o perigo.

c) pessoa ferida: alguém lesionado, física ou psiquicamente, mesmo

sem gravidade.

A vítima deve estar desamparada, incapacitada para valer-se a si

mesma, necessitando de auxílio, sendo irrelevante seu consentimento.

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Tipo objetivo: É crime omissivo puro, realizável por duas condutas:

1) deixar de prestar assistência, quando seja possível fazê-lo sem risco

pessoal. O dever de assistência é limitado pela possibilidade e capacidade do

sujeito ativo, apuráveis caso a caso;

2) não pedir socorro à autoridade pública. O agente não escolhe entre

prestar socorro ou pedir auxílio: essas condutas são ditadas pelas

circunstâncias. O pedido de socorro (ao delegado de polícia, pronto-socorro,

corpo de bombeiros, etc.) só é admitido quando o agente, por si próprio, não

tem condições de prestar socorro, por estar acima de sua capacidade.

Não se exige ao sujeito arriscar sua vida ou integridade pessoal,

podendo eventualmente configurar-se o estado de necessidade. É comum, nos

delitos automobilísticos, alegar temor de linchamento como justificativa da

omissão. Isso deve ser demonstrado e provado em cada caso. Se várias

pessoas estiverem em condições socorrer, a ação de uma desobriga as

demais.

Elemento subjetivo: dolo de perigo, direto ou indireto (eventual). Implícito

o elemento subjetivo do tipo: intenção de omitir-se, tendo consciência do perigo

a que expõe p sujeito passivo pela omissão.

Consumação e tentativa: consuma-se no momento em que o agente

deixou de agir quando devia, diante da situação de perigo para a vítima e das

condições que permitiriam o socorro sem risco pessoal. A consumação é

instantânea. O retorno do agente ao local, prestando o socorro exigido pela

situação de perigo não elide a tipicidade. Sendo crime omissivo puro, não cabe

tentativa.

Formas qualificadas: Nos termos do parágrafo único, “a pena é

aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza

grave, e triplicada, se resulta morte”.Para que a pena seja agravada, é

necessário demonstrar que o resultado não ocorreria e o agente tivesse

prestado o socorro. Evidenciado que tal resultado ocorreria independentemente

da diligência empregada pelo autor, não se aplica a qualificadora. Discutível a

omissão quando a vítima falece instantaneamente após o atropelamento.

Confronto e distinção: Havendo dever jurídico do agente em cuidar da

vítima, poderá ocorrer outro crime, v.g. o homicídio, lesões corporais culposas,

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abandono de incapaz, etc.

8. Maus-tratos

“Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua

autoridade, guarda ou vigilância, para o fim de educação, ensino tratamento ou

custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer

sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de

correção ou disciplina:

Pena – detenção, de 02 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1º. Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 2º. Se resulta morte:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

§3º. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra

pessoa menor de 14 (quatorze) anos.

Conceito: trata-se de delito de ação múltipla, pois de várias maneiras

pode ser cometido: privação de alimentos ou de cuidados, sujeição a trabalho

excessivo ou abuso dos meios de correção e disciplina. Algumas dessas

formas não prescindem de habitualidade para sua configuração.

Objetividade Jurídica: Tal como nos artigos precedentes, tutela-se a

incolumidade física da pessoa humana (vida e saúde), que não pode ser

exposta ao perigo. O ECA criou duas figuras penais muito parecidas, além de

criar a figura qualificada do § 3º. (arts. 232 e 233, da Lei 8.069 –ECA).

Sujeito Ativo: Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido por

parte de quem tenha autoridade, guarda ou vigilância sobre a vítima. É mister a

existência de prévia relação jurídica de natureza subordinante entre agente e

vítima, podendo essa relação ser natureza civil ou administrativa. Exs. Pais,

tutores, curadores, professores, patrões enfermeiras, carcereiros, etc. Essa

subordinação deve estar ligada a atividades educativas, tratamento ou

custódia.

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Sujeito Passivo: Quem está sob autoridade, guarda ou vigilância do

autor: filhos, pupilos ou curatelados, discípulos, empregados, enfermos, presos,

etc. Exclui-se a mulher. A vítima estará subordinada ao agente para fins de

educação (atividade docente para aperfeiçoar a capacidade individual), ensino

(no sentido restrito do termo, ou seja, educação básica), tratamento (cuidados

médicos ou responsabilidade pela subsistência da vítima) ou custódia

(detenção física da vítima, autorizada na lei).

Tipo objetivo: Crime de ação múltipla, admitindo várias formas de

cometimento. Maus tratos são condutas que expõem a vida e a saúde da

vítima através de uma das formas previstas no tipo, a saber:

a) privação de alimentos ou cuidados indispensáveis. Exige reiteração

de conduta;

b) sujeição à trabalho excessivo ou inadequado;

c) abuso dos meios de correção ou disciplina

Tipo Subjetivo: Exclusivamente doloso, exige a vontade deliberada e

consciente de praticar qualquer uma das ações descritas no tipo. Não há

vontade de lesionar, mas apenas o dolo de perigo, consubstanciado na

consciência do agente de estar expondo sua vítima à probabilidade concreta de

um dano físico ou psicológico.

Consumação e Tentativa: Consuma-se o crime quando presente a

situação de perigo. Trata-se de perigo concreto, que deve ser aferido em cada

caso. Algumas modalidades exigem reiteração de conduta; outras, basta uma

só ação para configurar o crime. Admite-se a tentativa nas formas comissivas.

Excludente de criminalidade: Estado de necessidade: a jurisprudência

tem admitido a exclusão de crime quando os pais humildes necessitam

trabalhar, deixando filhos amarrados ou presos dentro de casa.

Formas Qualificadas. §§ 1º e 2º.

Causa especial de aumento § 3º.

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9. Conclusão

O presente artigo trata do conflito aparente que surgiu entre a Lei nº

9437/97 e o art. 132 do Código Penal brasileiro quanto à adequação típica do

fato de disparo de arma de fogo.

Antes de qualquer coisa, é importante apontarmos algumas definições

acerca do conflito aparente de normas, para depois adentrarmos na análise

mais profunda do tema proposto.

O ordenamento jurídico é composto por inúmeras normas, que ao serem

aplicadas ora se harmonizam ou se integralizam, ora se excluem. Resta ao

intérprete o papel de determinar qual a norma a ser aplicada ao caso concreto,

tendo-se, às vezes, a impressão de que duas normas são aplicadas ao mesmo

fato. O termo "impressão", empregado anteriormente, está intimamente ligado

ao "aparente", utilizado para qualificar um conflito de normas; pois como

leciona Damásio de Jesus não há "conflito ou concurso de disposições penais,

mas exclusividade de aplicação de uma norma a um fato, ficando excluída

outra em que também se enquadra".

O mesmo autor cita dois pressupostos do conflito "aparente" de normas:

a) unidade de fatos;

b) pluralidade de normas identificando o mesmo fato como delituoso.

Ausentes qualquer um desses requisitos, inexiste o conflito "aparente"

de normas.

Para a solução do conflito "aparente" que se possa instalar, a doutrina

aponta certos princípios norteadores da atividade do intérprete, a saber: a)

Princípio da especialidade; b) Princípio da Subsidiariedade e c) Princípio da

Consunção.

No que tange ao tema em questão, torna-se imprescindível tecermos

algumas considerações acerca do Princípio da Subsidiariedade, o qual se

aplicaria ao caso em tela.

Sempre que se falar em subsidiariedade de uma norma, deve-se ter em

mente a primariedade de uma outra, apesar das duas normas descreverem

graus de violação do mesmo bem jurídico, a infração definida pela norma

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subsidiária é de menor grau que a principal, ficando, pois absorvida por esta.

Tal raciocínio deve ser feito no caso concreto, nunca em abstrato.

A subsidiariedade pode ser:

          a) expressa – quando a norma subordina, no próprio corpo da lei, sua

aplicação à não-aplicação de outra, de maior gravidade punitiva.

          b) tácita – quando, segundo Damásio de Jesus, "uma figura típica

funciona como elementar ou circunstância legal específica de outra, de maior

gravidade punitiva, de forma que esta exclui a simultânea punição da primeira

(...)”

Voltemos, agora, ao conflito normativo proposto no início, analisando

primeiramente a aplicação do art. 132 do CP, antes da edição da Lei nº

9.437/97 , e em segunda análise, as alterações trazidas por esta à aplicação

daquele tipo penal.

O Código Penal brasileiro trata em seu art. 132 do crime de periclitação

da vida ou saúde de outrem, que consiste em "expor a vida ou saúde de

outrem a perigo direto e eminente", tendo como objeto jurídico o direito à vida e

à saúde das pessoas humanas.

O delito tipificado no art. 132 do CP tem como sujeito passivo qualquer

pessoa, sendo exigido apenas que este seja determinado, pois se trata de

crime de perigo individual, e não de perigo comum descrito nos arts. 250 e ss.

do CP. De acordo com o tipificado neste artigo, vários fatos poderiam ser

enquadrados no tipo penal, entre eles, o disparo de arma de fogo a pessoa

determinada, com o qual o agente tinha apenas a vontade livre e consciente de

expor a vida ou a saúde desta a perigo direto e eminente (elemento subjetivo

do tipo, representada pelo dolo de perigo). Situação diferente se fosse o

disparo feito a esmo, incidindo, pois o art. 28 do Decreto-Lei n.º 3.688/41 (Lei

das Contravenções Penais), que tratava da contravenção de disparo de arma

de fogo, rezando "Disparar arma de fogo em lugar habitado ou em suas

adjacências, em via pública ou em direção a ela: Pena – prisão simples, de 1 a

6 meses, ou multa." Funciona este dispositivo apenas como tipo subsidiário da

figura principal do art. 132 do CP. Assim entendiam nossos tribunais: TAPR:

"Comprovando-se, estreme de dúvidas, ter o réu voluntariamente disparado

seu rifle na via pública e local habitado, deve ser condenado como incurso no

art. 28 da Lei das Contravenções Penais, desclassificando-se a imputação

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inicial por crime de perigo, CP, art. 132"(RT 633/333); TJSC: "Se o disparo de

arma de fogo não foi dirigido contra a vítima, mas de forma tal que constitua

perigo comum, em local em que se encontravam diversas pessoas, justifica-se

a desclassificação do delito do art. 132 do CP para o art. 28 da Lei das

Contravenções Penais" (RT, 544/424).Em relação ao disparo de arma de fogo,

a situação sofreu alterações com a edição da Lei n.º 9.437 de 20 de fevereiro

de 1997, com a qual foi introduzido no nosso ordenamento jurídico um novo

delito – DISPARO DE ARMA DE FOGO, previsto no art. 10, § 1º, III do

seguinte teor: "III- disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado

ou em suas adjacências em via pública ou em direção a ela, desde que o fato

não constitua crime mais grave". Como efeito imediato da referida lei, tem-se a

criminalização da conduta de disparo de arma de fogo, com a revogação do

citado art. 28 do Estatuto das Contravenções Penais.

O crime de disparo de arma de fogo tem como objeto jurídico à

incolumidade pública; seu sujeito passivo seria um número indeterminado de

pessoas. Trata-se, assim como o tipo do art. 132 do CP, crime de perigo

presumido.

Acerca da problemática sobre o conflito aparente de normas, após a

edição da Lei n.º 9.437/97, deparou-se com a situação do agente que dispara

uma arma de fogo com a intenção de expor sua vida ou saúde a um risco

eminente de lesão, tendo o intérprete a dúvida quanto à adequação típica deste

fato – se estaria tipificado no art. 132 do CP, por se tratar de pessoa

determinada ou encontra o fato tipificado na conduta descrita na Lei em análise

no seu art.10, § 1º, III?

A questão se resolve pelo princípio da subsidiariedade, o sujeito da

situação descrita, apesar de praticar a ação nuclear contra pessoa

determinada, enquadra-se perfeitamente no art.10, § 1º, III da Lei 9.437/97,

pois o tipo se contenta com a produção do disparo para sua consumação,

sendo, segundo Fernando Capez, "presumido jure et de jure o perigo". Além,

deve o intérprete seguir a regra expressa de aplicação prevista no art. 132 do

CP – "(...) se o fato não constitui crime mais grave.", ou seja, sendo ao fato

"aparentemente" aplicado duas normas, uma delas a prevista art. 132 do

Código Penal, deve verificar a gravidade do delito a fim de se nortear sua

aplicação, como já decidiu o TJSP – "O crime de perigo de vida ou saúde de

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outrem tem caráter subsidiário" (RJTJESP 42/364) e, também, o TACRSP: "O

delito do art. 132 do CP é eminentemente subsidiário, isto é, só deve ser

reconhecido quando fato não constitui crime mais grave" (JTACRIM 41/253).

Sendo, pois, impossível de verificar entre o art. 132 do CP e o art. 10, § 1º, III

da Lei 9.437/97, qualquer concurso formal de crimes, estando vedada pela

subsidiariedade expressa prevista naquele dispositivo do diploma penal

brasileiro.

13. Referência

NUCCI, Guilherme de Souza. CÓDIGO PENAL COMENTADO. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2002.

MIRABETE, Julio Fabbrini. CÓDIGO PENAL INTERPRETADO. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas S.a,2000.