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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS EM FACE DAS GARANTIAS JUSFUNDAMENTAIS DOS USUÁRIOS LUCIO LUCAS BERVIAN São José, junho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS

CURSO DE DIREITO

SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS EM FACE DAS GARANTIAS JUSFUNDAMENTAIS DOS USUÁRIOS

LUCIO LUCAS BERVIAN

São José, junho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS

CURSO DE DIREITO

SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS EM FACE DAS GARANTIAS JUSFUNDAMENTAIS DOS USUÁRIOS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori

São José, junho de 2008

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LUCIO LUCAS BERVIAN

SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS EM FACE DAS GARANTIAS JUSFUNDAMENTAIS DOS USUÁRIOS

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do titulo de bacharel em

Direito e aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas,

da Universidade do Vale do Itajaí, Campus São José.

Área de concentração: Direito Administrativo

Profª. Elisabete Wayne Nogueira

Responsável pelo Núcleo de Práticas Jurídicas

São Jose, 19 de junho de 2008.

Prof. Luiz Henrique Urquhart Cademartori, Dr.

ORIENTADOR

Profª. Maria Lucia Navarro Lins Brzezinski, MSc.

MEMBRO

Prof. Roberto Wöhlke, Esp.

MEMBRO

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 19 de junho de 2008.

LUCIO LUCAS BERVIAN

Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Lucio Lucas Bervian, sob o título

Suspensão dos serviços públicos essenciais em face das garantias jusfundamentais

dos usuários, foi submetida em 19 de junho de 2008 à banca examinadora composta

pelos seguintes professores: Prof. Luiz Henrique Urquhart Cademartori, Dr.,

Orientador, Profª. Maria Lucia Navarro Lins Brzezinski, MSc., Membro e Prof.

Roberto Wöhlke, Esp. e aprovada com a nota 9,50 (nove e cinqüenta).

São José, 19 de junho de 2008.

Prof. Luiz Henrique Urquhart Cademartori, Dr.

Orientador e Presidente da Banca

Profª. Elisabete Wayne Nogueira, MSc.

Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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Algumas pessoas marcam a nossa vida para sempre, umas porque nos ajudam a concretizar sonhos, outras porque nos desafiam a construí-los. No meu caso, uma pessoa em especial marcou minha trajetória acadêmica e foi essencial para que eu vencesse os desafios desta jornada, minha esposa, amada, mulher, amiga, meu porto seguro e minha força pra vencer os desafios. Obrigado pelo incentivo e o apoio em todos os momentos minha Luciana!

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço à Deus, pela força que me

concedeu para chegar até aqui e por me guiar pelo

caminho certo nos momentos de incerteza.

Ao amor da minha vida, Luciana Merlin Bervian, pelo

carinho, amor, atenção e apoio incondicional. Sem

você eu não teria chegado até aqui. Te amo!

Aos meus pais, Adelar e Mariza, pelo amor e pelo

exemplo de vida, força e caráter que me ensinaram.

Às minhas irmãs Angela e Adelaine, meus sobrinhos

Gustavo e Gabriele, meus cunhados Luis Carlos e

Luiz Antonio e meus sogros Antonio e Gessi pelo

apoio e pensamento positivo

À meu professor orientador pelos conhecimentos

divididos.

Aos colegas de universidade pelos momentos

vividos nestes anos de academia.

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“O mundo é como um espelho que devolve a cada

pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos. A

maneira como você encara a vida é que faz toda

diferença”.

Luís Fernando Veríssimo

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RESUMO

Esta pesquisa investigou a partir de uma matriz teórica garantista, a possibilidade de suspensão dos serviços públicos essenciais. Foram elucidados alguns aspectos históricos da consagração do serviço público no direito administrativo, seguido dos conceitos sobre os serviços públicos. Nesta esteira, foram abordados os princípios que norteiam a prestação dos serviços públicos, com base na Lei n.º 8987/95. Neste contexto, foram estudados alguns aspectos da Teoria Garantista, enfocando os conceitos introdutórios do Estado Constitucional e/ou Democrático de direito e da importância dos direitos fundamentais e suas garantias, bem como os aspectos inerentes a validade, vigência e eficácia normativas desta teoria e suas diferenças e peculiaridades em relação ao positivismo jurídico. O estudo das garantias fundamentais considerou os princípios constitucionais que servem de base aos direitos e a proteção dos usuários contra a suspensão dos serviços públicos essenciais. Nesse ínterim, foram referenciadas as leis infraconstitucionais que regulamentam a prestação destes serviços e disciplinam a relação entre os usuários e seus prestadores. De acordo com a Teoria Garantista, as normas infraconstitucionais devem ter conteúdo condizente com os princípios dos direitos fundamentais e garantias dispostos expressa ou implicitamente na Constituição, para que possam ser consideradas válidas. Verificou-se que o Estado Democrático de Direito possui suas raízes intimamente ligadas aos fundamentos da Teoria Garantista, porém, a efetivação dos direitos garantidos constitucionalmente, nem sempre é observada na criação das normas infraconstitucionais, o que implica na promulgação de leis com conteúdo antigarantista. No caso da suspensão dos serviços públicos essenciais, procurou-se demonstrar que o modo como se procede a suspensão da prestação dos serviços se caracteriza como uma atuação contrária aos direitos fundamentais e princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito brasileiro, sob o ponto de vista do garantismo. Por fim, procurou-se demonstrar a atuação dos operadores do direito frente ao poder discricionário da Administração Pública e apresentar jurisprudências acerca do assunto.

Palavras-chave: Suspensão. Serviços públicos essenciais. Garantismo.

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RESUMEN

Este trabajo investigó a partir de una matriz teórica del garantismo, la posibilidad de suspensión de los servicios públicos esenciales. Fueron elucidados algunos aspectos históricos de la consagración del servicio público en el derecho administrativo, seguido de los conceptos sobre los servicios públicos. En este plan, fueron abordados los principios que nortean la prestación de los servicios públicos, con base en la Ley n.º 8987/95. En este contexto, fueron estudiados algunos aspectos de la teoría del garantismo, enfocando los conceptos introductorios del Estado Constitucional y/o Democrático de derecho y de la importancia de los derechos fundamentales y sus garantías, bien como los aspectos inherentes a validad, vigencia y eficacia normativas de esta teoría y sus diferencias y peculiaridades en relación al positivismo jurídico. El estudio de las garantías fundamentales consideró los principios constitucionales que sirven de base a los derechos y a la protección de los usuarios contra la suspensión de los servicios públicos esenciales. En ese ínterin, fueron referenciadas las leyes infraconstitucionales que reglamentan la prestación de estos servicios y disciplinan la relación entre los usuarios y sus prestadores. De acuerdo con la Teoría del Garantismo, las normas infraconstitucionales deben tener contenido condecente con los principios de los derechos fundamentales y garantías dispuestos expresa o implícitamente en la Constitución, para que puedan ser consideradas válidas. Se verificó que el Estado Democrático de Derecho posee sus raíces íntimamente ligadas a los fundamentos de la teoría del garantismo, pero, la efectivación de los derechos garantidos constitucionalmente, no siempre es observada en la creación de las normas infraconstitucionales, lo que implica en la promulgación de leyes con contenido antigarantista. En el caso de la suspensión de los servicios públicos esenciales, se buscó demostrar que el modo como se procede la suspensión de la prestación de los servicios se caracteriza como una actuación contraria a los derechos fundamentales y principios constitucionales del Estado Democrático de Derecho brasileño, bajo el punto de vista del garantismo. Por fin, se buscó demostrar la actuación de los operadores del derecho frente al poder discricionario de la Administración Pública y presentar jurisprudencias acerca del asunto.

Palabras-clave: Suspensión. Servicios públicos esenciales. Garantismo.

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SUMÁRIO

RESUMO .....................................................................................................................8

RESUMEN...................................................................................................................9

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

CAPITULO 1 ................................................................................................................................. 16

OS SERVIÇOS PÚBLICOS NO DIREITO BRASILEIRO ................................................... 16

1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONSAGRAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO NO

DIREITO ADMINISTRATIVO .................................................................................... 16

1.2 SERVIÇOS PÚBLICOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ................................. 19

1.3 SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL .................................................................... 22

1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS .......................... 26

1.4.1 Princípio da regularidade .................................................................................. 28

1.4.2 Princípio da continuidade .................................................................................. 29

1.4.3 Princípio da eficiência ....................................................................................... 30

1.4.4 Princípio da segurança ..................................................................................... 32

1.4.5 Princípio da atualidade ...................................................................................... 33

1.4.6 Princípio da generalidade ................................................................................. 34

1.4.7 Princípio da cortesia .......................................................................................... 35

1.4.8 Princípio da modicidade .................................................................................... 36

CAPITULO 2 ................................................................................................................................. 38

TEORIA GARANTISTA ................................................................................................................. 38

2.1 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS ...................................................................... 38

2.1.1 O Estado Constitucional e/ou Democrático de Direito ...................................... 38

2.1.2 Os direitos fundamentais .................................................................................. 41

2.2 GARANTISMO COMO TEORIA JURÍDICA ...................................................... 44

2.2.1 Garantismo jurídico: aspectos destacados ....................................................... 44

2.2.2 Validade, vigência e eficácia normativas na teoria garantista ........................... 46

2.3 A TEORIA JURÍDICA GARANTISTA EM FACE DO POSITIVISMO ................ 48

2.3.1 A teoria positivista crítica garantista .................................................................. 48

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2.3.2 Direitos fundamentais e garantias ..................................................................... 51

2.3.3 O modelo garantista de legitimidade ................................................................. 54

CAPITULO 3 ................................................................................................................................. 56

SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS EM FACE DAS GARANTIAS JUSFUNDAMENTAIS ......................................................................... 56

3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ....................................... 56

3.2 DA SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS ........................ 60

3.3 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO ................................................................. 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 80

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 82

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa investigou a partir de uma matriz teórica garantista, a

possibilidade de suspensão dos serviços públicos essenciais em face das garantias

jusfundamentais de seus usuários. O estudo das garantias fundamentais considerou

os dispositivos constitucionais que tratam da prestação de serviços públicos pela

Administração Pública de forma direta ou indireta; dos princípios constitucionais que

servem de base aos direitos e a proteção dos usuários destes serviços, bem como

das leis infraconstitucionais que regulamentam a prestação dos serviços públicos

essenciais e disciplinam a relação entre os usuários destes serviços e seus

prestadores.

Os motivos que ensejaram o presente estudo, relativo à ilegalidade da

suspensão dos serviços públicos essenciais, têm seu fundamento principal no fato

de que estes serviços são considerados indispensáveis ao desenvolvimento e

funcionamento da sociedade e, portanto, devem ser submetidos ao princípio da

continuidade do serviço público. O não atendimento deste princípio pode gerar na

sociedade como um todo um mal muito maior do que o inadimplemento individual de

seus usuários, pois os serviços essenciais abrangidos neste caso detêm

fundamental importância para a coletividade. Assim, se ocorrer a negativa na

prestação destes serviços ao usuário, pela Administração Pública, poderá ocorrer

como conseqüência o surgimento de situações prejudiciais a coletividade. Um

exemplo disto seria o caso do fornecimento de água e tratamento de esgoto que

atingem não só o usuário individual, mas também as pessoas que têm contato com o

ambiente em que este vive.

Ainda em relação à suspensão de serviços públicos essenciais, é importante

analisar sua ilegalidade sob o foco do direito à ampla defesa, contraditório e devido

processo legal, princípios estes que vedam a possibilidade do prestador de serviços

efetuar a suspensão dos mesmos através do exercício arbitrário das próprias razões.

Além disso, resta estudar se a subsunção do fornecimento de serviços públicos

essenciais não destoa do princípio da dignidade da pessoa humana e da proteção

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do usuário, uma vez que a satisfação das necessidades de interesse público é vital

ao desenvolvimento e funcionamento da sociedade.

Considerando-se a sistemática legal e constitucional de proteção ao usuário,

optou-se nesta pesquisa por analisar a aplicação deste sistema a partir de uma

abordagem garantista em respeito aos fundamentos de proteção dos indivíduos.

Estes fundamentos, a priori, encontram-se dispostos na Constituição Federal e,

dentro da concepção garantista, devem servir de fundamento para a atuação da

Administração Pública implementada pelo Estado Democrático de Direito, para

atender às necessidades dos cidadãos que compõe a sociedade.

Para que seja atingido o objeto geral mencionado foram delineados os

seguintes objetivos específicos:

a) Descrever a evolução histórica e conceitual da noção de serviço

público;

b) Especificar as características que ensejam a classificação de um

serviço público como essencial;

c) Identificar os princípios norteadores dos serviços públicos com base na

Lei 8.987/95;

d) Caracterizar a abordagem garantista enquanto teoria jurídica do Estado

Democrático de Direito;

e) Relacionar os direitos fundamentais e garantias e a suspensão da

prestação dos serviços públicos essenciais;

f) Descrever o papel do Poder Judiciário frente ao poder discricionário da

Administração Pública.

Quanto à metodologia empregada, em primeira instância, utilizou-se o

raciocínio dedutivo como abordagem investigatória. Sobre este tipo de abordagem

destaca-se o silogismo, ou seja, a construção lógica a partir de duas preposições

chamadas premissas, onde se retira uma terceira, nelas logicamente implicadas,

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denominada conclusão dos estudos. De acordo com Oliveira (1999, p. 62) o método

dedutivo “Trata-se de um raciocínio puramente formal, no qual a conclusão não

fornece um conhecimento novo, ao contrario da indução; isto por que a dedução já

esta implícita nos princípios”.

Partindo da análise do conceito de Oliveira, destaca-se que as premissas1

desta pesquisa consideram que os serviços públicos essenciais são vitais ao

desenvolvimento da sociedade e que a lei prevê que estes tipos de serviços devem

ser contínuos. Portanto, determinou-se como hipótese de pesquisa2 que a

suspensão dos serviços públicos essenciais, da maneira como é efetuada no Brasil,

é ilegal.

A técnica de pesquisa utilizada foi a observação de documentação indireta

que se subdivide em pesquisa documental, realizada em documentos como leis e

acórdãos, que podem ser encontradas em arquivos públicos ou particulares,

bibliotecas, sites da internet, etc.; e pesquisa bibliográfica em livros, artigos e outros

meios de informação em periódicos (revistas, boletins, jornais).

Com intuito de ordenar o estudo com coerência aos temas relatados, esta

pesquisa foi dividida em três capítulos de forma simétrica e lógica.

No Capítulo 1, aborda-se aspectos da consagração dos serviços públicos no

direito administrativo, sua previsão na Constituição Federal de 1988, bem como a

classificação e os princípios que norteiam a prestação destes aos usuários, tendo

como base o disposto no parágrafo 1.º do artigo 6.º da Lei 8987/95.

Em seguida, no Capítulo 2, apresenta-se a Teoria Garantista, onde se enfoca

aspectos relativos ao Estado Constitucional e/ou Democrático de Direito, as

1 “[...] uma premissa é uma fórmula considerada hipoteticamente verdadeira, dentro de uma dada inferência.” (ENCICLOPEDIA WIKIPÉDIA, 2008a).

2 “A Hipótese é uma proposição que se admite de modo provisório como princípio do qual se pode deduzir pelas regras da lógica um conjunto dado de proposições, ou um mecanismo da experiência a explicar”. [...] No método científico, a hipótese é o caminho que deve levar à formulação de uma teoria. O cientista, na sua hipótese, tem dois objetivos: explicar um fato e prever outros acontecimentos dele decorrentes (deduzir as consequencias). (ENCICLOPEDIA WIKIPÉDIA, 2008b).

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diferenças e particularidades desta teoria em relação ao Positivismo e a importância

referenciada por esse modelo jurídico aos direitos fundamentais e garantias

representadas pelos princípios constitucionais explícitos e implícitos.

A partir dos fundamentos dos Capítulos 1 e 2, o Capítulo 3 aborda

diretamente o tema desta pesquisa, ou seja, a suspensão dos serviços públicos

essenciais, em fase das garantias jusfundamentais de seus usuários, dentro da ótica

da Teoria Garantista, perpassando pelo princípio da dignidade da pessoa humana e

da continuidade da prestação de serviços públicos essenciais. Além disso, aborda-

se o papel do Poder Judiciário, em especial dos juízes, no controle da atuação

discricionária da Administração Pública.

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CAPITULO 1

OS SERVIÇOS PÚBLICOS NO DIREITO BRASILEIRO

Neste capítulo, faz-se uma incursão acerca dos fundamentos sobre os

serviços públicos. Perpassando pelos diversos autores, são elucidados os aspectos

históricos da consagração do serviço público no direito administrativo, seguido dos

conceitos destes, na Constituição Federal. Nesta esteira é embasado o serviço

público essencial, e, por fim, os princípios norteadores dos serviços públicos.

1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONSAGRAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO NO

DIREITO ADMINISTRATIVO

A teoria acerca das primeiras noções de serviço público surgiu na França, no

início do século XX, com a criação da chamada Escola de Serviço Público, a qual

era chefiada por Leon Duguit. A primeira concepção de serviço público surgiu no

período do Estado Liberal e era bastante ampla, pois abrangia todas as atividades

desempenhadas pelo Estado. Houve, inclusive, a idéia de substituição da noção de

soberania pela de serviço público, a qual abrangia toda a matéria relacionada com o

direito público. (DI PIETRO, 2006, p. 110).

Medauar (2003, p.368), ao comentar a concepção de serviço público

defendida pela referida Escola, aduz que “Para esta escola o serviço público era a

idéia mestra do direito administrativo e o Estado seria uma cooperação de serviços

públicos, organizados e controlados pelos governantes.” Portanto, para a autora em

comento, a referida escola idealizava a concepção de Estado como uma grande

máquina prestadora de serviços públicos.

Esta concepção de serviço público adotava os critérios: subjetivo, o qual

considerava que só era serviço público aquele prestado pelo Estado; material, o qual

entendia que a atividade exercida deveria atender as necessidades coletivas para

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ser considerada ‘serviço público’; e formal, a qual considerava que o regime jurídico

aplicado deveria ser exclusivamente público. Este tipo de classificação foi válido em

sua origem, pois, “o serviço público abrangia as atividades de interesse geral,

prestadas pelo Estado sob regime jurídico publiscista.” (DI PIETRO, 2006, p. 112).

Ocorre que, com o afastamento do Estado das concepções liberais, em

meados do século XX, ocorreu certa dissociação da noção de serviço público tal

como considerado em sua origem, gerando a primeira crise em relação à noção de

serviço público. Esta pretensa crise resultou do fato de que o Estado passou a atuar

em ramos de atividades antes exercidas apenas por particulares, o que eliminou a

noção subjetiva de que o serviço público só poderia ser executado pelo Estado e foi

inserida neste contexto a atuação de entidades privadas, que passaram a atuar sob

o regime de direito público privado. (MEDAUAR, 2003).

A partir destas constatações definiu-se a noção de serviço público dentro do

direito administrativo como “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para

que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de

satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou

parcialmente público.” (DI PIETRO, 2006, p. 114).

Neste mesmo sentido complementa Gasparini (2006, p. 288), acerca da

concepção de serviço público dentro do direito administrativo:

Os administrados, para o bom desempenho de suas atribuições na sociedade, necessitam de comodidades e utilidades. Umas podem ser atendidas pelos meios e recursos que cada um dos membros da comunidade possui; outras só podem ser satisfeitas através de atividades a cargo da Administração Pública, a única capaz de oferecê-las com vantagem, segurança e perenidade. Todas as atividades da Administração Pública, destinadas ao oferecimento de comodidades e utilidades com essas características, constituem serviços públicos.

Importante também a conceituação proposta por Bandeira de Mello (2003, p.

612), acerca de serviço público:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral,

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mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça, às vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.

Assim, restou instituído que os serviços públicos seriam as atividades

exercidas pela Administração Pública na procura da satisfação das necessidades da

sociedade. Porém, a Administração Pública não deveria exercer atividades que a

iniciativa privada detinha condições de desenvolver, devendo, nestes casos, se ater

em atuar como um órgão fiscalizador a fim de garantir o desenvolvimento destes

empreendimentos de iniciativa particular. Ao menos em lei, esta noção prevalece no

âmbito das democracias liberais que têm como exemplo no Brasil o Art. 173 da

Constituição Federal, o qual determina que “Ressalvados os casos previstos nesta

Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será

permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante

interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

No Brasil, a noção de serviço público teve recepção expressa na Constituição

de 1988, a qual fornece alguns parâmetros e referenciais para sua definição.

Portanto, no Brasil, só são considerados serviços públicos aqueles definidos

constitucionalmente ou através de leis ordinárias que tenham sido editadas em

consonância com as diretrizes estabelecidas pelo texto constitucional. (GROTTI,

2003, p. 88)

Segundo Di Pietro (2006, p. 114-116), esta concepção de serviço público

desenvolvida no Brasil, adota os critérios subjetivo, material e formal, porém, com

algumas modificações em relação a sua definição original, vista anteriormente.

Nesta nova concepção, o critério subjetivo prevê a criação do serviço público pelo

Estado de acordo com a importância e necessidade para a coletividade, sendo que a

sua prestação pode ser efetuada pelo próprio Estado ou pela iniciativa privada, por

meio de concessão, permissão ou de pessoas jurídicas criadas com essa finalidade.

Em relação ao critério formal, a autora destaca que a definição do regime

jurídico aplicado é determinado por lei, e, dependendo de suas características, pode

ser público ou privado. Porém, a previsão de regime jurídico privado é híbrida, pois

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não se aplica o regime comum, utilizado nos casos de empresas privadas, na sua

totalidade, em razão da natureza dos serviços prestados.

No que tange ao critério material, a autora aduz que o serviço público é

atividade que visa o interesse da coletividade sem que haja um objetivo de auferir

lucro com o desenvolvimento desta atividade, ou seja, a busca por rentabilidade não

é seu objetivo primordial, e sim, a satisfação das necessidades públicas.

Já Bandeira de Mello (2003, p. 615), adota apenas os critérios material e

formal para compor a noção de serviço público. Através da conjugação destes dois

elementos, o Autor conclui que o critério material consiste somente em um suporte

fático de onde se extrai a noção jurídica de serviço público, assim, este critério seria

insuficiente para caracterizá-lo, pois pode existir não só no serviço público, mas

também em outras atividades governamentais. Por fim, complementa o autor que o

serviço prestado somente poderá ser considerado público quando regido pelo

regime de direito administrativo, configurando uma atividade administrativa pública

prestada sob regime de Direito Público.

1.2 SERVIÇOS PÚBLICOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Como visto anteriormente, no Brasil o serviço público tem previsão

constitucional em vários artigos. Para Grotti (2003, p. 89), alguns destes artigos

dispõem sobre seu aspecto subjetivo (Arts. 37, XIII3; 39 § 7.º4; 136 §1.º, II5 dentre

outros), mais ligado ao aparato administrativo do Estado e outros mais ligados ao

aspecto objetivo, ou seja, na prestação das atividades de natureza pública (Arts. 21,

3 Art. 37, XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público. 4 Art. 39, § 7º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade. 5 Art. 136, §1.º, inciso II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

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X6, XI7, XII8, XIV9; 30, V10; 37, § 6.º11; 139, VI12; 145, II13; 17514, dentre outros).

Acentua a referida autora:

A amostra é bem expressiva de que a Constituição brasileira acolhe a categoria de serviço público, e de que inspira a atuação do Poder Público também na idéia de prestação de um sistema de serviços. Trata-se de atividades de titularidade do Poder Público, que não se desnaturam quando sua execução é delegada a particulares, pois a Constituição fixa um vínculo orgânico com a Administração, ao dispor, no caput do Art.175, que incumbe ao Poder Público a prestação de serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão (GROTTI, 2003, p. 89).

Em contrapartida, para Justen Filho (2005, p. 484), as atividades

consideradas como serviços públicos pela Constituição, nem sempre serão

entendidas como tal. Para o Autor, uma atividade só terá status de serviço público

quando envolver “[...] a prestação de utilidades destinadas a satisfazer direta e

imediatamente os direitos fundamentais.” Complementa ainda o referido Autor que,

havendo “[...] oferta de utilidades desvinculada da satisfação dos direitos

fundamentais, existirá uma atividade econômica em sentido estrito [...]” e não um

serviço público.

6 Art. 21, X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional. 7 Art. 21, XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais 8 Art. 21, XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) portos marítimos, fluviais e lacustres. 9 Art. 21, XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio. 10 Art. 30, V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial. 11 Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 12 Art. 139,VI - intervenção nas empresas de serviços públicos. 13 Art 145, II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. 14 Art. 175 Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

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Já o posicionamento de Di Pietro (2006, p. 116), ao comentar sobre os

aspectos que envolvem a prestação de serviços considerados públicos através de

particulares, se faz no sentido de que não basta ter o serviço público finalidade de

promover o bem estar público, deve também ter previsão atribuindo ao Estado esse

objetivo. E afirma ainda a Autora que, a partir destes apontamentos, denota-se que

“[...] todo serviço público visa atender a necessidades públicas, mas nem toda

atividade de interesse público é serviço público.”

Para Justen Filho (2005, p. 486), o problema acerca da constatação de que

um serviço considerado público pela Constituição pode atender realmente à

satisfação das necessidades fundamentais da população, e, assim, possa ser

classificado como serviço público, se resolveu com a previsão de que “[...] a

publicização de certa atividade e as hipóteses em que figurará serviço público”

caberá à lei ordinária, a qual atenderá os dispositivos constitucionais que se referem

aos serviços públicos.

Exemplo típico da determinação de que leis ordinárias seriam responsáveis

pela regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos aos serviços públicos

é a Lei 8.987/9515, que regulamenta o Art. 175 da Constituição. O referido artigo

dispõe acerca da prestação de serviços públicos e prevê que a prestação deve ser

efetuada de maneira adequada a atender às necessidades dos usuários, nos

seguintes termos:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado.

15 LEI Nº 8.987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.

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Para Justen Filho (2005, p. 488), este artigo quer deixar claro que o serviço

público deve ser prestado pelo Estado, porém este poderá atribuir sua gestão a

particulares. Complementa o Autor que nos casos em que a prestação for feita por

particulares, “Não se aplicam os princípios da livre iniciativa, uma vez que a

prestação do serviço incumbe ao Estado. Nem se poderia cogitar de livre

concorrência, pois a titularidade estatal se retrata no monopólio estatal.”

Portanto, a partir desta imposição determinada constitucionalmente, deixou-se

para o legislador ordinário a tarefa de instituir os parâmetros de aplicação e

regulamentação do dispositivo constitucional em apreço. Assim, a fim de

regulamentar este dispositivo constitucional, foi instituída a Lei 8.987/95, a qual

dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos,

estabelecendo alguns requisitos básicos na prestação dos serviços públicos.

Impende salientar que tais requisitos, embora estejam dispostos em lei relativa à

concessão e permissão de serviços públicos, também são aplicáveis à

Administração Pública quando esta os presta diretamente.

1.3 SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL

Conforme abordado anteriormente, os serviços públicos são aqueles em que

o Poder Público, visando atender às necessidades dos usuários, disponibiliza

através do regime de direito administrativo, diversas atividades visando o

atendimento das necessidades da coletividade. Segundo a ótica de Di Pietro (2006,

p. 120-124) os serviços públicos podem ser classificados como:

a) Próprio (atende às necessidades coletivas e é executado pelo Estado ou

concessionários e permissionários) e impróprio (atende às necessidades

coletivas e não é executado pelo Estado, mas somente por ele

autorizados, regulamentados e fiscalizados).

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b) Administrativo (atende às necessidades internas ou prepara outros

serviços que serão prestados ao público16); Comercial ou industrial (a

administração pública executa, diretamente ou indiretamente, para atender

às necessidades coletivas de ordem econômica) e social (atende às

necessidades coletivas onde a atuação do Estado é essencial, porém,

divide a atuação com a iniciativa privada).

c) Uti singuli (tem por finalidade a satisfação individual e direta das

necessidades dos cidadãos) e uti universi (prestadas à coletividade, mas

usufruídos indiretamente pelos indivíduos).

d) Originários ou congênitos (atividade essencial do Estado – tutela do

direito) e derivados ou adquiridos (atividade facultativa – social,

comercial e industrial do Estado).

e) Exclusivos (podem ser executados pelo Estado ou particular, desde que

autorizado pelo Poder Público) e não exclusivos (prestados pelo Estado

ou por particulares, no primeiro caso são chamados de próprios e no

segundo de impróprios).

Frente ao exposto, destaca-se que é fundamental o interesse atendido pelos

serviços, a fim de determinar a essencialidade ou não essencialidade destes à

coletividade. Quanto à essencialidade dos serviços públicos, Di Pietro (2006, p. 123)

destaca o exposto por Caio Tácito (1975), que enfatiza que esta “[...] passou a

abranger tanto os encargos tradicionais de garantias de ordem jurídica, como as

prestações administrativas que são emanadas dos modernos direitos econômicos e

sociais do homem [...]”, havendo, todavia,

[...] uma sensível diferença entre os serviços públicos que, por sua natureza, são próprios e privativos do Estado e aqueles que, passíveis em tese de execução particular, são absorvidos pelo Estado, em regime de monopólio ou de concorrência com a iniciativa privada. (p. 123).

16 Di Pietro (2006, p. 122) destaca que essa expressão é equivoca, pois costuma ser usada em sentido mais amplo para abranger todas as funções administrativas e também para indicar os serviços que não são usufruídos diretamente pela comunidade.

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Neste momento, frente à necessidade do tema abordado neste estudo e pela

especificidade da discussão, entende-se que não se pode discutir sobre serviços

públicos essenciais sem considerar a associação do conceito de serviço público ao

de função administrativa, diretamente relacionada às funções do Estado. A respeito,

vale, ainda que breve, mencionar que:

O conceito público e sua amplitude são variáveis segundo o âmbito da intervenção do Estado na ordem econômica, sendo que, de acordo com a opção política espalhada no ordenamento jurídico de cada país, caberá maior ou menor número de serviços para o Estado, ou, mediante processo de privatização, serão colocados tais serviços nas mãos de particulares. (SCARTEZZINI, 2006, p. 56).

Bandeira de Mello (1979, p. 65) complementa destacando que:

[...] o serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público [...].

Neste contexto, infere-se que o serviço público consiste em prestação de

utilidades essenciais à coletividade. Em relação à essencialidade dos serviços

públicos, Meirelles (2005) faz algumas considerações, porém, o referido autor

classifica os serviços essenciais como serviços públicos e os não essenciais como

serviço de utilidade pública. Ensina o autor, em relação aos serviços públicos

essenciais:

Serviços públicos: propriamente ditos, são os que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado. Por isso mesmo, tais serviços são considerados privativos do Poder Público, no sentido de que só a Administração deve prestá-los, sem delegação a terceiros, mesmo porque geralmente exigem atos de império e medidas compulsórias em relação aos administrados. (MEIRELLES, 2005, p. 324)

Complementando o conceito do autor, destaca-se o Art. 9º, § 1º da

Constituição Federal, o qual define que serviços públicos essenciais: "São

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necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em

perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população."

Ainda em relação aos serviços públicos essenciais, a Lei 7.783/8917 elenca

em seu Art. 10, determinadas atividades prestadas pelo Poder Público, direta ou

indiretamente, ou ainda por terceiros, consideradas essenciais à população:

a) tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

b) assistência médica e hospitalar; c) distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; d) funerários; e) transporte coletivo; f) captação e tratamento de esgoto e lixo; g) telecomunicações; h) guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

i) processamento de dados ligados a serviços essenciais; j) controle de tráfego aéreo; k) compensação bancária.

Este rol de atividades serve como um bom indicativo acerca dos serviços

considerados essenciais à população, porém, nada impede que se junte a estes

outros serviços, uma vez que a sociedade vive constantes mudanças em suas

necessidades. Além disso, como o Brasil é um país de dimensões muito grandes e

com muita diversidade social, nada obsta que um serviço seja considerado essencial

em determinada região, enquanto que em outra não o seja.

Ainda se faz necessário mencionar, mesmo que breve, o conceito de serviços

não essenciais, que de acordo com Meirelles (2005) são:

Serviços de utilidade pública: são os que a Administração, reconhecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os membros da coletividade, presta-os diretamente ou aquiesce em que sejam prestados por terceiros (concessionários ou autorizatários), nas condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e risco dos prestadores, mediante remuneração dos usuários. (p. 324-325).

17 LEI Nº 7.783, DE 28 DE JUNHO DE 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

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Meirelles (2005) aduz que é fundamental para que o serviço seja considerado

essencial, o fato deste visar a satisfação das necessidades da sociedade e a

garantia de sua subsistência e desenvolvimento, ou seja, dirigir-se ao bem comum.

Outrossim, o serviço oferecido com o intuito de facilitar a vida do usuário na

coletividade, proporcionando-lhe conforto e bem estar, de acordo com as suas

conveniências individuais, deve ser considerados não essencial.

1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Assim como todo instituto possui um regime jurídico sedimentado em

princípios que o diferenciam, dando-lhes identidade própria, também os serviços

públicos submetem-se a um conjunto de normas que os diferenciam das demais

atividades realizadas pelo Estado. A doutrina diverge quanto à nomenclatura,

número, conteúdo e valor jurídico dos princípios aplicados aos serviços públicos.

Grotti (2003, p. 256-257) comenta essa diversidade de entendimentos entre os

doutrinadores:

O que há são pontos comuns entre os diferentes serviços públicos, princípios fundamentais que se aplicariam sem distinção de seu modo de exercício, que lhes conferem prerrogativas e restrições especiais em relação aos particulares. Isso não impede que os serviços sejam regidos por outras regras e princípios específicos, de acordo com as peculiaridades da atividade exercida, de forma a possibilitar o atendimento de seus objetivos. Tais princípios acham-se consagrados no direito positivo de cada sociedade sob várias formulações normativas e visam assegurar a qualidade do serviço e oferecer garantias ao usuário.

Portanto, não importa a nomenclatura ou quantidade de princípios utilizados

pelos doutrinadores a fim de sedimentar a prestação de serviços públicos, o que se

deve buscar é atender ao fim para os quais estes foram criados, aplicando-se a eles

regras que assegurem seu cumprimento eficaz.

A par da divergência doutrinária acerca dos princípios que devem reger a

prestação de serviços públicos, a Lei 8.987/95 estabeleceu, no parágrafo 1.º do Art.

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6º, que estes necessitam ser prestados de maneira adequada à satisfação de seus

usuários, e, para atender a esta disposição, devem satisfazer às condições previstas

na referida lei, ou seja, regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,

generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. Convém salientar

que a lei em comento não classifica as supracitadas condições para prestação de

serviço público adequado como princípios e sim como critérios de adequação dos

serviços. A classificação destes critérios como princípios resulta de construção

doutrinária, a qual será adotada nesta pesquisa.

Gasparini (2006, p. 296-297) conclui que os princípios supracitados, quando

não cumpridos pelos órgãos a quem se concedeu ou permitiu a realização de

alguma atividade da qual o Poder Público seria responsável, permitem à

Administração Pública tomar medidas administrativas ou judiciais a fim de

restabelecer o cumprimento adequado dos serviços prestados por aqueles. Aduz

ainda o Autor que tais providências não são de mera discricionariedade

administrativa, caracterizando-se como atos dos quais a Administração Pública não

tem qualquer disponibilidade.

Meirelles (2005, p.387-388) complementa Gasparini ensinando que o dever

de prestar serviço público adequado deve ser feito no interesse da coletividade e,

em virtude disto, a Administração Pública tem poder de regulamentar e controlar sua

prestação, podendo inclusive fiscalizar “desde a organização da empresa até sua

situação econômica e financeira, seus lucros, o modo e a técnica da execução dos

serviços, bem como fixar as tarifas em limites razoáveis [...]”.

Portanto, em se tratando de serviços públicos, deve-se atentar para os

princípios que norteiam sua prestação, sendo que, por ser uma atividade precípua

do Estado, este pode invocar os referidos princípios a fim de regulamentar a atuação

de quem detém concessão ou permissão de prestação de serviços públicos, uma

vez que:

[...] não é possível se alcançar um conceito de serviço público absoluto. É preciso a observação de cada caso concreto. Mas uma vez determinado que uma atividade é serviço público, isso produzirá efeitos quanto às prerrogativas, obrigações e relações com os

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usuários. Uma delas é a obrigação de se observar os princípios. (KANAYAMA, 2006, p. 199)

Isto posto, passar-se-á ao estudo destes princípios, tendo como base o

disposto na Lei 8.987/95, a qual servirá de parâmetro para determinar os princípios

que são analisados na presente pesquisa.

1.4.1 Princípio da regularidade

Segundo Gasparini (2006, p. 297), a regularidade se justifica pela exigência

de um padrão de qualidade e quantidade, as quais devem ser impostas pela

Administração pública, em caso de concessão ou permissão, ou cumpridas por esta

quando responsável diretamente pelos serviços prestados. Argüi ainda que, para ser

regular, o serviço deve atender às exigências dos usuários, sem deixar de lado “as

condições técnicas exigidas pela própria natureza do serviço público e as condições

de sua prestação.”

Outrossim, Grotti (2003, p. 287) argumenta, ao comentar que a maioria dos

doutrinadores tratam os princípios da continuidade e regularidade de maneira

indistinta, que estes se diferenciam em razão de que o primeiro “[...] se refere à

realização ininterrupta do serviço público, segundo a natureza da atividade

desenvolvida e do interesse a ser atendido [...]”, enquanto que o segundo “[...] se

vincula à prestação devida de acordo com as regras, normas e condições

preestabelecidas par esse fim, ou que lhe sejam aplicáveis.” Complementa ainda a

Autora que um serviço pode muito bem ser prestado continuamente, porém, sem

regularidade, ou seja, este pressupõe a existência daquele, no entanto a

continuidade independe do serviço ser regular ou não.

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1.4.2 Princípio da continuidade

Trata-se de um princípio que visa garantir o atendimento das necessidades

dos usuários de serviços públicos de forma ininterrupta. Este princípio teve sua

previsão consagrada pelo Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe em seu

Art. 22 que “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,

permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a

fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,

contínuos.”

O princípio da continuidade caracteriza o regime dos serviços públicos, no

qual a prestação de serviço regular não deve ser suspensa ou interrompida. Destaca

Bagatin (2006, p. 30-31) que, a priori, este princípio não pode ser confundido com a

gratuidade da prestação dos serviços públicos, devendo ser analisada a

possibilidade de suspensão ou não destes, em virtude da falta de pagamento por

meio da análise do caso concreto.

Para Faria (2004, p. 293), é dever da administração pública prestar serviço

público continuadamente, devendo inclusive, nos casos em que o serviço é prestado

indiretamente, usar das prerrogativas que o direito lhe confere a fim de cumprir esta

designação. No mesmo sentido já se posicionou Scartezzini (2006):

Qualquer que seja a forma de prestação, direta ou indireta, o princípio da continuidade deve ser fielmente observado como garantia da finalidade pública a ser colimada. Com efeito, os serviços públicos devem funcionar bem, como legitimação da própria existência do Estado. (p. 87)

Complementa Gasparini (2006, p. 297), o fato de o serviço público dever ser

prestado continuamente não exclui a possibilidade deste; em casos de emergência,

após aviso acerca de problemas técnicos, ou de segurança, ou em caso de falta de

pagamento pelos usuários, ser interrompido a fim de sanar eventuais problemas

alheios ao prestador de serviços.

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Di Pietro (2006, p. 88) enumera algumas conseqüências importantes que

decorrem deste princípio, como a vedação da possibilidade de greve nos serviços

públicos, que embora não seja uma determinação absoluta, prevê alguns limites

para que possa ocorrer; a impossibilidade da parte que contrata com a

Administração Pública de invocar o princípio do exceptio non adimpleti contractus18

nos contratos de prestação de serviços públicos; a possibilidade da Administração

Pública “[...] utilizar os equipamentos e instalações da empresa que com ela

contrata, para assegurar a continuidade do serviço”; em caso de necessidade,

admitir a aplicação dos institutos da suplência, delegação e substituição, a fim de

preencher temporariamente vagas em aberto nas funções públicas; e por fim “[...] a

possibilidade de encampação da concessão de serviço público.”

Portanto, verifica-se que o Poder Público deve procurar manter sempre a

continuidade da prestação dos serviços públicos, principalmente os essenciais,

porém, em determinados casos a sua interrupção pode ser admitida, desde que

atendidos certos requisitos dispostos em lei.

1.4.3 Princípio da eficiência

O princípio da eficiência, segundo Gasparini (2006, p. 297), pressupõe a

busca pelo resultado prático dos serviços prestados aos usuários. Acentua que estes

“[...] devem ser prestados sem desperdício de qualquer natureza, evitando-se,

assim, onerar os usuários por falta de método ou racionalização no seu

desempenho.”, ou seja, deve-se procurar ter o mínimo de gastos possíveis a fim de

18 Exceção de contrato não cumprido. Este princípio confere à Administração Pública a possibilidade de invocá-lo para alterar o contrato firmado de forma unilateral. Além disso, a Administração Pública detém várias prerrogativas em relação a quem com ela contrata, conforme o disposto no artigo 58 da Lei 8.666/ 93. Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III - fiscalizar-lhes a execução; IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços

vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.

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baratear sua prestação e diminuir o custo para os usuários, porém, sem deixar de

prestar tais serviços de acordo com as necessidades da coletividade.

Para Silva (2007, p. 671), o princípio da eficiência, mais que um conceito

construído juridicamente, é na verdade um conceito econômico que serve para

qualificar as atividades prestadas pelo poder público. O autor define este princípio

como:

Numa idéia muito geral, eficiência significa fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das necessidades públicas importam em relação ao grau de utilidade alcançado. Assim, o princípio da eficiência, introduzido agora no art. 37 da Constituição pela EC-19/98, orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe a menor custo. Rege-se, pois, pela regra da consecução do maior benefício com o menor custo possível. (SILVA, 2007, p. 671)

Ainda em relação ao princípio em apreço, conceitua Di Pietro (2006, p. 98):

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

Assim, através da aplicação do princípio da eficiência estar-se-ia melhorando

a organização do Estado como um todo, possibilitando que sua atuação fosse mais

efetiva, permitindo assim, a prestação de serviços públicos de maneira mais

condizente com as necessidades dos usuários. Além disso, a aplicação desse

princípio possibilita que os serviços sejam prestados com o menor custo possível

aos usuários, porém, sem perder sua qualidade e a satisfação das necessidades

dos usuários.

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1.4.4 Princípio da segurança

O principio da segurança visa garantir que a execução dos serviços públicos

seja disponibilizada sem que ocorram riscos aos usuários quando estes forem

utilizar o serviço, bem como do prestador ao fornecê-lo.

Este princípio impõe aos prestadores de serviços públicos a responsabilidade

pelos danos que causarem a terceiros, conforme estabelece expressamente o Art.

37, 6.º da Constituição Federal de 1988. Silva, (2007, p. 674) comenta que esta

previsão advém das determinações emanadas do Estado de Direito e que o dever

de indenizar, em caso de danos, independe de comprovação destes, bastando para

tal a comprovação da ocorrência do dano ter sido causada pelo prestador de serviço

público. O autor define esta previsão como doutrina do risco administrativo, na qual

“O terceiro prejudicado não tem que provar que o agente procedeu com culpa ou

dolo, para lhe correr o direito ao ressarcimento dos danos sofridos.”

Para Gasparini (2006, p. 298), “Nada deve ser menosprezado se puder, por

qualquer modo, colocar em risco os usuários do serviço público ou terceiros ou,

ainda, bens públicos e particulares.”

Por sua vez, Grotti (2003, p. 293) ensina que:

Podem ser exigíveis as precauções e a segurança legitimamente esperadas que não inviabilizem a prestação do próprio serviço. O item segurança pressupõe uma relação de custo-benefício, cujo objeto é o interesse público, envolvendo, pois, uma ponderação das vantagens e desvantagens das medidas atinentes à diminuição dos riscos.

Por fim, complementa a Autora, que o risco a ser evitado pode ser tanto de

ordem física como emocional e que a proteção deve se estender não só ao usuário,

mas a todos que tiverem contato com o serviço prestado.

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1.4.5 Princípio da atualidade

Para Gasparini (2006, p. 298), este princípio pressupõe a constante

atualização das técnicas e equipamentos responsáveis pela prestação de serviços

aos usuários, visando “[...] oferecer à coletividade de usuários o que há de melhor,

dentro das possibilidades da outorga.”

Já para Grotti (2003, p. 296), a atualização dos serviços deve ser avaliada

analisando-se a relação custo-benefício decorrente da mesma, uma vez que os

custos da atualização poderão acarretar no aumento da contraprestação por parte

dos usuários, correndo-se o risco de inviabilizar sua fruição por determinadas

camadas sociais da população. No entanto, complementa a Autora: “[...] a

manutenção de técnicas cientificamente ultrapassadas poderá constituir-se em fonte

geradora de ineficiência e de insegurança do serviço.”

Por fim, complementa Justen Filho (2005, p. 490), referindo-se ao princípio da

mutabilidade ou adaptabilidade, o qual pela definição do autor, infere-se tratar do

mesmo princípio nomeado como da atualidade pelos outros doutrinadores já citados:

A mutabilidade retrata a vinculação do serviço público à necessidade a ser satisfeita e às concepções técnicas de satisfação. É da essência do serviço público sua adaptação conforme a variação das necessidades e a alteração dos modos possíveis de sua solução. Há um dever para a Administração de atualizar a prestação do serviço, tomando em vista as modificações técnicas, jurídicas e econômicas supervenientes.

Além disso, salienta o autor, não há que se falar em direito adquirido quando

se tratar de prestação de serviços conforme contratado originariamente, pois estes

estão em constante modificação, assim como a sociedade em si.

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1.4.6 Princípio da generalidade

Este princípio encontra-se disposto, além da Lei 8987/95, nos Arts. 5.º e 37

da Constituição de 1988, uma vez que destes artigos emanam precipuamente os

princípios da igualdade e impessoalidade. O princípio da generalidade, também

chamado por alguns de princípio da igualdade ou impessoalidade, segundo

Gasparini (2006, p. 298), se refere ao fato de que se os usuários atenderem às

condições exigidas para sua obtenção devem receber o serviço em condições de

igualdade com todos os demais. No mesmo sentido é o posicionamento de Di Pietro

(2006, p. 120), o qual aduz que não deve haver distinções de caráter pessoal na

prestação de serviços públicos.

Justen Filho (2005, p. 489) complementa, acerca do referido princípio, que

todos que se encontrem em igualdade de condições não podem sofrer restrições ao

acesso dos serviços públicos. Aduz ainda que, “Nesse ponto, o intérprete se depara

com a conhecida dificuldade inerente ao princípio da isonomia, relacionada ao

problema de identificar os limites da igualdade.” A partir desta constatação, o Autor

prega que podem ocorrer discriminações, desde que sejam “[...] fundamentadas em

critérios adequados.” e transparentes, e que esta discriminação não inviabilize a

prestação do serviço.

Por outro lado, Silva (2007, p. 667) comenta que este princípio pode ser

aplicado também sob o ponto de vista que “[...] os atos e provimentos administrativos

são imputáveis, não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade

administrativa em nome do qual age o funcionário”, ou seja, o agente é apenas o

instrumento que manifesta a vontade do Estado.

Di Pietro (2006, p. 85) também compartilha da mesma idéia de Silva (2007),

ao acrescentar que o princípio em comento “[...] tanto pode significar que esse

atributo deve ser observado em relação aos administrados como a própria

Administração.” Na visão da autora, o primeiro sentido significaria que este princípio

estaria relacionado à finalidade da Administração pública, a qual não pode prejudicar

ou beneficiar pessoas determinadas e no segundo teria a mesma conotação já

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referida por Silva, ou seja, a que a impessoalidade se referiria ao agente que presta

o serviço em nome do Estado.

Portanto, este princípio encontra fundamento, acima de tudo, na própria

concepção de Estado, enquanto prestador de serviços públicos, pois se trata de

dever garantido constitucionalmente, sem distinções, e disponível a todos os

usuários, os quais devem ser tratados indistintamente, uma vez que não se trata de

um favor ou conveniência do Poder Público a sua disponibilização a todos os

usuários.

1.4.7 Princípio da cortesia

Segundo Grotti (2003, p. 299), o princípio da cortesia visa garantir, a todos

que usufruem os serviços públicos um atendimento condizente com a urbanidade e

civilidade com que todos devem ser tratados, sendo um dever de quem está

prestando o serviço e um direito do cidadão, ser atendido de acordo com o que se

quer dispor com tal princípio. Outrossim, acrescenta a Autora, que hoje em dia já são

disponibilizados meios para os usuários reclamarem, quando não atendido o

princípio da cortesia na prestação dos serviços.

Na mesma linha de pensamento, Gasparini (2006, p. 298) aduz que a

prestação em consonância com o já comentado, “[...] não é favor do agente ou da

Administração Pública, mas dever de um e de outro [...]”. Assim, o princípio da

cortesia advém do fato de que todos devem ser tratados com o devido respeito,

sendo que o prestador do serviço, no caso o Estado, representado pelo agente

público, deve atender ao usuário como um cliente a quem se tem o dever de prestar

um serviço, o qual é direito seu receber.

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1.4.8 Princípio da modicidade

O princípio da modicidade visa garantir o acesso a prestação de serviços da

maneira menos onerosa possível. Conforme leciona Gasparini (2006, p. 299), os

serviços públicos não devem visar a obtenção de lucro, o valor cobrado pela

prestação destes deve que ser suficiente apenas para “[...] remunerar os benefícios

recebidos e permitir o seu melhoramento e expansão.” Argüi ainda o referido Autor

que “[...] em situações excepcionais o Poder Público pode subsidiar seu custo ou

consentir na utilização de outras fontes de receitas [...]” nos termos do Art. 11 da Lei

8.987.

Bandeira de Mello (2003, p. 618) aduz que a modicidade é corolário essencial

na prestação de serviços públicos, devido a sua importância para as pessoas a

quem se destinam, sendo que, “[...] pagar importâncias que os onerassem

excessivamente e, pior que isto, que os marginalizassem.” seria um grande

impropério. Igualmente, complementa o Autor, num país como o Brasil, onde a

maioria da população é pobre ou miserável, “[...] é obvio que o serviço público, para

cumprir sua função jurídica natural, terá de ser remunerado por valores baixos,

muitas vezes subsidiados.”

Para Justen Filho (2005, p. 491), o princípio da modicidade na prestação de

serviços públicos influi inclusive na concepção destes, uma vez que não teria

cabimento disponibilizar um serviço público que não fosse acessível aos usuários

em geral. Além disso, argumenta que se deve contribuir na medida da capacidade e

da intensidade dos benefícios auferidos. Por fim, complementa que, aos indivíduos

carentes, o acesso ao serviço público deve ser custeado por outrem, através de

subsídios oriundos dos cofres públicos e contribuições dos demais usuários.

Feitas essas considerações acerca da origem e evolução histórica da

concepção de serviço público, bem como os princípios instituídos por lei para

garantir sua prestação a fim de atender às necessidades dos usuários, passar-se-á

agora ao estudo da Teoria Garantista, a qual será utilizada como matriz teórica para

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desenvolvimento da problemática acerca da possibilidade de suspensão dos

serviços públicos essenciais.

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CAPITULO 2

TEORIA GARANTISTA

O capítulo 2 vislumbra a Teoria Garantista enfocando os conceitos

introdutórios no que tange o Estado Constitucional e/ou Democrático de direito e os

direitos fundamentais. Dentre os conceitos abordados pela teoria do garantismo

jurídico destacam-se os aspectos inerentes a validade, vigência e eficácia

normativas dentro da concepção garantista e suas diferenças e peculiaridades em

relação ao positivismo jurídico. Por fim, aborda-se a importância dos direitos

fundamentais e garantias na perspectiva da Teoria Garantista.

2.1 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS

2.1.1 O Estado Constitucional e/ou Democrático de direito19

O Estado Constitucional de direito fundamenta-se em regras e limites que

constituem e determinam seu funcionamento enquanto regime democrático. Em sua

concepção, procura idealizar a garantia dos direitos das pessoas que são a base

deste Estado e não apenas “[...] valores externos ou condições axiológicas, mas

também vínculos estruturais de toda a dinâmica que nele se perfaz.”

(CADEMARTORI, 2001, p. 67)

19 Cumpre salientar que para a presente pesquisa, entender-se-á que Estado Constitucional de Direito e Estado Democrático de Direito possuem a mesma conceituação, haja vista os autores pesquisados utilizarem destas duas definições como sinônimas, ora referindo-se ao Estado como Constitucional de Direito, ora como Democrático de Direito.

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Cademartori (2007) ao analisar os aspectos que determinaram a aparição

deste Estado Constitucional de Direito, em substituição ao Estado de Direito

Legislativo ou liberal comenta em relação a estes que:

A crise destas visões da lei e do poder legislativo acabou por questionar a capacidade dos mesmos para regular adequadamente a vida social e política, supondo assim a definitiva superação do Estado legislativo de Direito enquanto modelo de ordenação social e a necessidade de restaurar a eficácia do direito como limite de poder. (CADEMARTORI, 2007, p. 17)

O autor ensina ainda que, em razão desta crise firmou-se a necessidade de

se criar uma ordem normativa superior e vinculante, a qual poderia assegurar “a

máxima vinculação de todos os poderes do Estado e da sua produção normativa.”

Esta nova visão é resultado do fato de que as normas constitucionais passaram a ter

poder vinculante e o próprio Estado tem o dever de respeitar seus comandos

normativos. Por fim, complementa Cademartori (2007, p. 24), que a “forma política

que é conhecida hoje como Estado Democrático de Direito, que tem como

característica a constitucionalização de Direitos Naturais”, é quem legitima a

democracia contemporânea e concretiza os direitos fundamentais positivados pelas

constituições.

Canotilho (2002, p. 97-100) ensina que o Estado Democrático de Direito deve

cumprir às exigências implantadas pela Constituição, no que tange às limitações do

poder político, ou seja, o Estado submete-se ao direito, e assevera que a soberania

popular juridicamente regulada serve de ligação entre o Estado de Direito e o Estado

Democrático, a fim de estruturar o moderno Estado Democrático de Direito.

Cademartori (2001, p. 47) contribui, salientando que “A instauração desse

novo Estado também coincidiu com o surgimento de constitucionalismo, corrente

esta que via na Constituição um instrumento de proteção e garantia das liberdades

do cidadão, estabelecendo limitações às prerrogativas dos governantes.”

Já Ferrajoli (2006, p. 790) complementa que este modelo de Estado, derivado

das modernas Constituições, caracteriza-se no plano formal pelo princípio da

legalidade, o qual subordina o Poder Público “[...] às leis gerais e abstratas que lhe

disciplinam as formas de exercício e cuja observância é submetida a controle de

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legitimidade por parte dos juízes delas separados e independentes [...]” e; no plano

substancial na busca pela garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, ou seja,

“[...] por meio da incorporação limitadora em sua Constituição dos deveres públicos

correspondentes, isto é, das vedações legais de lesão aos direitos de liberdade e

das obrigações de satisfação dos direitos sociais, bem como dos relativos poderes

dos cidadãos de ativarem a tutela judiciária.”

O referido autor frisa que:

Graças a estas duas fontes, não existem, no Estado de Direito, poderes desregulados e atos de poder sem controle: todos os poderes são assim limitados por deveres jurídicos, relativos não somente à forma, mas também aos conteúdos de seu exercício, cuja violação é causa de invalidez judicial dos atos e, ao menos na teoria, de responsabilidade de seus autores. (FERRAJOLI, 2006, p.790)

Silva (2007, p.120), ao comentar acerca do Estado Democrático de Direito

refere-se à Constituição de 1988 asseverando que através desta, aquele obteve

subsídios para concretizar “as exigências de um Estado de justiça social, fundado na

dignidade da pessoa humana.” O referido autor destaca ainda que:

[...] a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social. E se a Constituição se abre para as transformações políticas, econômicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevará de importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que possa continuar a desempenhar uma função conservadora, garantindo a sobrevivência de valores socialmente aceitos. (2006, p. 121-122)

Por fim, Bortoli (2004, p. 100) ensina que o modelo normativo, próprio do

Estado Democrático de Direito, caracteriza-se “[...] no plano formal, pelo princípio da

legalidade, em virtude do qual todo poder público [...]” subordinam-se as formas de

exercício disciplinadas nas leis gerais e abstratas e submetem-se ao controle de

legitimidade efetuado pelos juízes, os quais são independentes e separados do

Estado; já no plano substancial, infere-se que todos os poderes estatais devem

buscar a garantia dos Direitos fundamentais dos cidadãos, por meio da observação

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do que dispõe a Constituição acerca dos deveres públicos, dos direitos de liberdade,

da satisfação dos Direitos Sociais e da possibilidade dos cidadãos requererem a

tutela judicial.

2.1.2 Os direitos fundamentais

Os direitos fundamentais estão na ordem dos direitos que, conforme apregoa

Castro (2003, p. 244), “[...] tanto o Estado quanto a sociedade devem respeitar,

como condição do progresso individual e coletivo, inclusive, e especialmente, para a

permanência dos esquemas institucionais do convívio social traçados dois séculos

atrás.”. Na concepção do autor, o ser humano é o princípio e o fim da sociedade e

do Estado e merece a tutela do poder público, o qual se justifica em razão daquele.

O referido autor defende que os direitos fundamentais possuem uma

reconhecida função social, o que impende determinar que as normas constitucionais

que os regulamentam estendem sua eficácia às relações públicas e privadas, a fim

de garantir condições minimamente dignas de igualdade entre os homens, enquanto

seres individuais, e complementa:

É pois, com relação ao grupo social como um todo, abrangendo a sociedade, o Estado e as comunidades de Estados, que o indivíduo e as multidões de indivíduos reivindicam ascensão aos patamares da dignidade humana, na convicção de que a consagração secular dos direitos fundamentais não busca somente a salvaguarda atomizada da individualidade de um ser determinado, mas, por certo, da individualidade de todos os seres coletivamente inseridos na sociedade, responsáveis que são, de per si e em conjunto, pelo destino comunitário. Nessa visão revisitada do liberalismo, que não deixa de ser a porta de entrada da social democracia, os preceitos constitucionais consagradores dos direitos fundamentais protegem determinados bens e valores e obrigam de modo indistinto, tanto os Poderes Públicos quanto a sociedade civil, conformando axiologicamente o sentido de ordenação (jurídica) das relações sociais. (p. 244-245).

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Para Cademartori (2007, p. 26-29), os direitos fundamentais têm como

principais características a primazia do interesse dos cidadãos frente ao Estado e é

resultado da concepção individualista da sociedade na qual os indivíduos livres e

iguais proporcionam o novo paradigma de legitimação do Estado. Para o autor, os

direitos fundamentais são fruto de condições reais ou históricas que fundamentam

sua criação, e, por isso mesmo, estão em constante criação, ou seja, conforme

surgem novas exigências sociais surgem também novos direitos fundamentais, a fim

de satisfazer àquelas. Além disso, complementa o autor, os direitos fundamentais

são usufruíveis por todos, indistintamente e seu fundamento de validade advém de

um consenso universal da humanidade, a qual não pode dispor de seus

mandamentos.

Silva (2007, p. 178-179) complementa que estes direitos são “direitos

fundamentais do homem” e os conceitua como “[...] situações jurídicas, objetivas e

subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade

da pessoa humana”. Além disso, indicam “[...] situações jurídicas sem as quais a

pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive [...]”,

sendo que, tais situações devem atender “[...] a todos, por igual, devem ser, não

apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.”

Sarmento (2001, p. 60/61) destaca que os direitos fundamentais possuem um

núcleo essencial, o qual dispõe acerca do “limite dos limites” de proteção destes. E

sobre esse conteúdo essencial dos direitos fundamentais o autor destaca duas

teorias, a absoluta e a relativa. A teoria absoluta apregoa a delimitação abstrata do

conteúdo essencial, sendo que esta delimitação não pode ser ultrapassada sob

hipótese alguma, “[...] nem mesmo quando a invasão possa ser justificada pela

proteção a outros direitos fundamentais de mesma hierarquia.”. A teoria relativa

defende que o núcleo fundamental dos direitos fundamentais deve ser delineado de

acordo com cada caso em concreto, por meio da análise dos direitos em jogo. Neste

caso, aplicar-se-ia o princípio da proporcionalidade e da ponderação dos referidos

direitos.

Complementando, Cademartori (2007, p. 31) ensina que os direitos

fundamentais, antes considerados normas programáticas encontradas nas

constituições, a partir do fim da segunda guerra mundial, passaram a ter força

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normativa. Nas palavras do autor, “Isso implica levar os direitos fundamentais a

sério, ou seja, surge então a exigência de ter de operar com essa nova espécie

normativa.” Para o autor, essas normas de direitos fundamentais possuem

enunciados principiológicos, o que acarreta em inúmeras vezes, ao confronto entre

os princípios que delas emanam. Nestes casos, como não há hierarquia entre os

princípios, esses conflitos devem ser decididos levando-se em conta o que é mais

justo ao caso em apreço.

Acerca dessa possibilidade de confronto entre princípios que estabelecem

direitos fundamentais, Sarmento (2001) explica que, para resolução destes conflitos,

deve-se utilizar o método da ponderação de bens, o qual, segundo o autor,

encontra-se intimamente ligado ao princípio da hermenêutica constitucional, uma

vez que ambos preocupam-se em analisar o caso concreto, sem, contudo,

descuidar-se das dimensões normativas da Constituição. O autor ensina ainda que:

O equacionamento das tensões principiológicas só pode ser empreendido à luz das variáveis fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído a cada cânone constitucional em confronto. E a técnica de decisão que, sem perder de vista os aspectos normativos do problema, atribui especial relevância às suas dimensões fáticas, é o método de ponderação de bens. (p. 55)

Igualmente, o referido autor destaca a importância do princípio da

proporcionalidade no controle da constitucionalidade dos atos do Poder Público e na

realização da ponderação de bens, a fim de analisar os interesses em jogo nos

casos de conflitos de princípios constitucionais detentores de direitos fundamentais.

Enfim, numa tentativa de delinear o entendimento acerca do equacionamento

e da ponderação de bens relacionados às questões que envolvam direitos

fundamentais, importante é o entendimento de Cademartori (2001):

Com efeito, muitos desses direitos, quais sejam, os fundamentais, devem prevalecer sobre quaisquer interpretações de cunho utilitarista, hoje apresentados sob a roupagem de interesse geral ou interesse público, utilizadas inúmeras vezes pela Administração na sua atuação discricionária. Assim sendo, tais direitos passam a ser limitações intransponíveis pelo Poder Público na sua interação com os administrados. (p. 175).

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2.2 GARANTISMO COMO TEORIA JURÍDICA

2.2.1 Garantismo jurídico: aspectos destacados

Ao falar-se de garantismo jurídico devem destacar-se três aspectos que

definem e justificam sua aplicação nos mais diversos campos do ordenamento

jurídico. O primeiro destes aspectos diz respeito à designação do garantismo como

um modelo normativo de direito baseado na estrita legalidade, própria do Estado de

direito.

Ferrajoli (2006, p. 786) ensina que este modelo, precipuamente aplicado ao

direito penal, tem aplicação adequada a todo o sistema constitucional, “[...]

sobretudo pelos mecanismos de invalidação e de reparos idôneos, de modo geral, a

assegurar efetividade aos direitos normativamente proclamados [...] a fim de conferir

a Constituição “[...] o controle e a neutralização do poder e do direito ilegítimo.”

Cademartori define que:

Esse modelo permite ao estudioso analisar um determinado sistema constitucional para verificar eventuais antinomias entre as normas inferiores e seus princípios constitucionais, bem como incoerências entre as práticas institucionais efetivas e as normas legais. A partir daí, poderá inferir-se o grau de garantismo do referido sistema, ou seja, o grau de efetividade da norma constitucional. (2007, p. 97)

O segundo aspecto a ser destacado dentro da Teoria Garantista diz respeito

à validade, efetividade e vigência das normas, compreendidas em relação às

diferenças existentes entre si. Nesse desiderato, Ferrajoli argumenta que:

Neste sentido, a palavra garantismo exprime uma aproximação teórica que mantém separados o “ser” do “dever ser” no direito; e, aliás, põe como questão teórica central, a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos normativos (tendentemente garantistas) e práticas operacionais (tendentemente antigarantistas), interpretando-a com a antinomia – dentro de certos limites, fisiológica e, fora destes, patológica – que subsiste entre validade (e não

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efetividade) dos primeiros e efetividade (e invalidade) das segundas. (2006, p.786)

A partir destas constatações, o autor pretende deixar claro as divergências

existentes no ordenamento jurídico em relação “[...] a normatividade e realidade,

entre direito válido e direito efetivo, um e outro vigentes.” (2006, p. 786)

Cademartori (2007, p. 97-98) por sua vez, complementa que “A abordagem

teórica neste caso permite estabelecer uma diferença entre ser e dever ser no

Direito [...]” apontando como principal divergência neste modelo normativo a

tendência garantista de sua concepção e a aplicação tendencialmente antigarantista

de sua prática efetiva, formando um modelo normativo válido, com aplicação prática

efetiva, porém ineficaz.

O terceiro aspecto a ser destacado na Teoria Garantista se refere à

percepção do garantismo como filosofia política justificada pelos interesses e bens

externos ao direito e ao Estado. Para Ferrajoli:

Neste último sentido o garantismo pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o “dever ser” do direito. E equivale à assunção, para os fins da legitimação e da perda da legitimação ético-política do direito e do Estado, do ponto de vista exclusivamente externo. (2006, p. 787)

A partir destes aspectos, Ferrajoli (2006, p.811-812) destaca que na Teoria

Garantista, num primeiro momento tem-se um modelo de ordenamento capaz de

invalidar o poder exercido contrariamente ao disposto nas normas superiores que

tutelam os direitos fundamentais, num segundo momento, há criação de uma teoria

jurídica capaz de deslegitimar as normas vigentes inválidas e num terceiro momento,

permite-se instituir uma doutrina filosófico-política que critica e deslegitima “[...] o

exterior das instituições jurídicas positivas, baseadas na rígida separação entre

direito e moral, ou entre validade e justiça, ou entre ponto de vista jurídico ou interno

e ponto de vista ético-político ou externo ao ordenamento.”

A partir da análise desses três aspectos acerca do garantismo, que a Teoria

Garantista, embora fundamentada dentro do direito penal, possui elementos

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aplicáveis a todos os segmentos do direito, sendo possível aplicar seu modelo “[...]

com referência a outros direitos fundamentais e a outras técnicas e critérios de

legitimação, modelos de justiça e modelos garantistas de legalidade [...]”

(FERRAJOLI, 2006, p. 788) análogos ao aplicado ao direito penal.

2.2.2 Validade, vigência e eficácia normativas na teoria garantista

Como visto anteriormente, o garantismo tem sua fundação embasada no

conceito individualista e apresenta uma estrutura hierarquizada de normas que

visam limitar o poder político. Assim, Cademartori considera que a Teoria Garantista,

embora tenha derivado da Teoria Garantista Penal, possui o modelo ideal de

legitimação do Estado de Direito. O autor ensina que:

Em nível epistemológico, essa teoria embasa-se no conceito de centralidade da pessoa, em nome de quem o poder deve constituir-se e a quem deve o mesmo servir. Esta concepção instrumental do Estado é rica em conseqüências, tanto como teoria jurídica quanto visão política, dado que as mesmas vêem o Estado de Direito como um artifício criado pela sociedade, que é logicamente anterior e superior ao poder político. (2007, p. 91)

Em relação à validade, a teoria positivista prega que esta se relaciona ao

procedimento adotado na criação das normas. Porém, a Teoria Garantista somou a

este procedimento um novo elemento. Segundo Cademartori (2007, p. 99-100), a

partir da concepção do Estado Constitucional de Direito, analisando às normas sob a

ótica do garantismo, estas somente terão validade se, além de adotarem os

procedimentos previstos em normas superiores, atenderem também ao conteúdo

substancial destas, ou seja, os direitos fundamentais que delas emanam, no sentido

de impor limitações e imperativos negativos ou positivos ao poder de legislar do

Estado.

Neste sentido, importante a contribuição de Bortoli:

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Com relação à validade, o Garantismo rompe com a tradição positivista que reduzia a validade de uma norma à sua eficácia ou à sua mera validade formal ao demonstrar que uma norma, para ser válida, deve obedecer não somente aos seus requisitos procedimentais, mas também aos substanciais. A correspondência aos critérios formais de produção normativa, por sua vez, vai ser conceituada pelo Garantismo como vigência. (2004, p.102)

Assim, na visão da Teoria Garantista a definição de validade feita pela teoria

positivista se refere à legitimidade das normas e não a sua validade, sendo que,

para essa teoria, uma norma vigente pode ser considerada válida ou inválida, ou

ainda, eficaz ou ineficaz. (CADEMARTORI, 2007, p. 100)

Já em relação à ótica defendida pelo Garantismo em relação à vigência das

normas, colhe-se o ensinamento de Bortoli (2004), o qual aduz que:

O Garantismo defende que a coerência e a plenitude não são propriedades do Direito vigente, mas ideais limites do Direito válido, refletindo o dever-ser das normas em relação com as superiores e não o ser do Direito. No Estado de Direito, as normas hierarquicamente superiores se apresentam como normas em relação às inferiores e estas como fatos em relação às superiores. (2004, p. 103)

A partir destas constatações, Cademartori (2007) define a visão teórica geral

do Garantismo em relação à distinção que este imputa às normas. Ensina o autor

que, para a Teoria Garantista:

a) Uma norma é “justa” quando responde positivamente a determinado critério de valoração ético-político (logo, extrajurídico);

b) Uma norma é “vigente” quando é despida de vícios formais; ou seja, foi emanada ou promulgada pelo sujeito ou órgão competente, de acordo com o procedimento prescrito;

c) Uma norma é “válida” quando está imunizada contra vícios materiais; ou seja, não está em contradição com nenhuma norma hierarquicamente superior;

d) Uma norma é “eficaz” quando é de fato observada pelos seus destinatários (e/ou aplicada pelos órgãos de aplicação). (p. 101-102)

Ferrajoli (2006) define esta relação existente entre normas e direitos válidos,

vigentes e eficazes ou efetivos ao discorrer acerca do normativismo e do realismo

em que se divide o direito contemporâneo. Ensina o autor que:

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Conseqüentemente, como se disse, “direito vigente” não coincide com “direito válido”: é vigente, ainda que inválida, uma norma efetiva que não obtempera todas as normas que regulam a sua produção. Nem coincide, de outra parte, com “direito efetivo”: é vigente, ainda que não efetiva, uma norma válida não obtemperada pelas normas às quais regula a produção. (p. 803)

Por fim, complementa Cademartori (2001, p. 156), que a validade das normas

poderá ser auferida quando estas não contiverem vícios materiais e não forem

contraditórias a outras normas hierarquicamente superiores; serão vigentes se

atenderem à forma procedimental prevista em normas superiores e; serão eficazes

quando observadas pelos seus destinatários e aplicadas pelos órgãos competentes.

2.3 A TEORIA JURÍDICA GARANTISTA EM FACE DO POSITIVISMO

2.3.1 A teoria positivista crítica garantista

Verifica-se que o garantismo possui uma visão própria acerca da definição de

validade, vigência e eficácia que o difere da visão adotada pelo positivismo jurídico

implantado pelo Estado Moderno, “[...] caracterizado pela forma estatal do Direito e

pela forma jurídica do Estado [...]’ (CADEMARTORI, 2007, p. 103)

Ferrajoli (2006, p. 804) argumenta que a teoria de direito garantista “[...] se

configura principalmente como crítica do direito positivo vigente não meramente

externa, ou política, [...]”, mas também interna ou jurídica, posto que preocupada

com os contornos de invalidade e inefetividade das normas oriundas deste modelo

de direito.

A partir desta constatação acerca da teoria jurídica garantista, Cademartori

(2007, p. 104) ensina que o objeto de pesquisa desta é construir uma crítica interna

ao Direito positivo vigente, analisando seus aspectos em relação à ineficácia e

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invalidade. Ao referir-se a esta perspectiva de estudo fundada no âmbito do

Garantismo, o autor assevera que:

De fato, denuncia ele como “ideológicas” tanto as orientações normativistas, que confundem vigência com validade, quanto as teorias realistas, que reduzem a validade à eficácia. As primeiras são tidas por ideológicas por contemplarem apenas o direito válido, esquecendo-se de sua possível ineficácia; as segundas porque apreciam apenas as normas eficazes, deixando de lado a sua possível invalidade. O resultado dessas operações simplificadoras é a legitimação ideológica do Direito inválido vigente: de um lado, por ser ignorado como não vigente, e do outro lado por ser tido como válido. (2007, p. 103)

Para Cademartori (2007, p. 105-106), outro elemento importante estudado

pela Teoria Jurídica Garantista diz respeito ao papel do jurista em explicitar as

características estruturais do Direito vigente - que, segundo a visão garantista, são a

incompletude e incoerência existentes entre os níveis normativos, os quais se

apresentam “[...] como normativo com respeito ao inferior e como fáctico com

respeito do nível superior” – por meio de juízos de invalidade das normas inferiores e

ineficácia das superiores.

Cademartori (2007, p. 106-107) observa em relação aos juízos de vigência e

validade das normas que, o primeiro refere-se a caracteres descritivos, pois se

relacionam a promulgação das normas “[...] por autoridades competentes e a

observância do devido procedimento de edição [...]”, enquanto que o segundo possui

uma carga axiológica acentuada. Para o autor, estas características – as quais ele

define como condições formais de vigência e condições substanciais de validade -

são encontradas nas normas superiores e constituem-se em requisitos de fato para

sua existência e garantias ao respeito dos valores, principalmente constitucionais,

que as normas devem ter, a fim de se evitar antinomias.

Bortoli (2004) complementa, em relação à crítica realizada pelo Garantismo

ao positivismo jurídico dogmático, ao referir-se ao papel desempenhado pelo jurista

garantista:

Outra característica que revela o teor crítico do Garantismo em relação ao positivismo jurídico dogmático é a tarefa incumbida ao jurista garantista de denunciar as antinomias e lacunas do

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ordenamento mediante juízos de invalidade das normas inferiores e de ineficácia das superiores. Pois a coerência e a plenitude do ordenamento não são propriedades do Direito vigente, mas de ideais limites do Direito válido que não refletem o ser do Direito, mas o dever ser das normas inferiores em sua relação com as superiores. O Direito vigente se caracteriza como incompleto e incoerente devido às violações de fato das proibições impostas ao legislador. (BORTOLI , 2004, p. 105)

Assim, segundo Ferrajoli (2006), a tarefa do jurista segundo o modelo

garantista seria explicar a incoerência e incompletude das normas

[...] mediante juízos de invalidade sobre aquelas inferiores e correlativamente de não efetividade sobre aquelas superiores. É assim que a crítica do direito positivo, sob o ponto de vista do direito positivo, tem uma função descritiva das antinomias e das suas lacunas, e ao mesmo tempo prescritiva da sua auto-reforma, mediante invalidação das primeiras e integração das segundas. (p. 810)

Ainda em relação ao papel do jurista garantista, Ferrajoli (2006, p. 804-805)

argumenta que as orientações críticas garantistas, as quais ele define como

“juspositivismo crítico”, se refletem “[...] no modo de conceber o trabalho do juiz e do

jurista, pondo em questão dois dogmas do juspositivismo dogmático: a fidelidade do

juiz à lei e a função meramente descritiva e valorativa do jurista na observação do

direito positivo vigente.”

Cademartori (2007, p. 107) complementa ainda que, para esse desiderato,

ganha espaço relevante a atividade discricionária de quem aplica as normas ao

interpretá-las, o que implica na “[...] ilegitimidade da autoridade judiciária sem,

contudo, comprometer o modelo de Estado de Direito de forma importante eis que

tal modelo comporta esses espaços de ilegitimidade [...]”.

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2.3.2 Direitos fundamentais e garantias

Pode-se destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil é um dos

principais instrumentos de proteção dos direitos fundamentais. Sarlet (2006)

comenta que o constituinte brasileiro

[...] deixou transparecer de forma clara e inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e especialmente) aquilo que se pode – e nesse ponto parece haver consenso – denominar de núcleo essencial de nossa Constituição formal e material. (p. 61)

De modo geral salienta-se que os direitos são declarados e as garantias

estabelecem-se em função dos direitos como meios de proteção. Cademartori

(2007, p. 107) ensina que embora as garantias e os direitos fundamentais possam

ser considerados tecnicamente distintos, para muitos autores estas expressões são

consideradas sinônimas, sobretudo se levar-se em consideração, no caso do Brasil,

que a Constituição Federal de 1988 não faz distinção entre as duas espécies de

expressões.

Silva (2007, p. 412) não compartilha do pensamento daqueles que

consideram as expressões em análise sinônimas. Para o autor “[...] os direitos são

bens e vantagens conferidos pela norma, enquanto as garantias são meios

destinados a fazer valer esses direitos, são instrumentos pelos quais se asseguram

o exercício e gozo daqueles bens e vantagens.”

Assim, para o autor, os direitos fundamentais, os quais ele denomina como

“direitos fundamentais do homem”, referem-se aos princípios ideológico-políticos que

destinam-se a designar situações de maneira concreta e material, para garantir à

pessoa humana sua convivência em sociedade de maneira digna, livre e igual aos

demais indivíduos. (SILVA, 2007, p. 178)

Cademartori (2007, p. 110) complementa que estes direitos fundamentais

possuem certa hierarquia entre si e entende que aqueles considerados superiores

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não podem ser limitados, sendo considerados pelo garantismo como ‘direitos

fundamentais absolutos. Neste mesmo sentido, Ferrajoli (2006), ao referir-se aos

princípios de direito penal mínimo, ensina que:

Estes mesmos princípios – de justificação externa e, se constitucionalizados, de legitimação interna – assinalam, de resto, a existência de direitos fundamentais por assim dizer absolutos, porque hierarquicamente supra-ordenados a todos os outros e não limitados por nenhuma razão, tampouco a tutela de outros direitos fundamentais [...] (p. 843)

Já as garantias, as quais Silva (2007, p. 188-189) divide em gerais e

constitucionais, seriam: as gerais, destinadas a conferir aos direitos fundamentais

existência e efetividade; e as constitucionais responsáveis por determinar “[...]

imposições, positivas ou negativas, aos órgãos do Poder Público, limitativas de sua

conduta, para assegurar a observância ou, no caso de violação, a reintegração dos

direitos fundamentais.”

Portanto, conforme ensina Silva (2007):

Nesse sentido, essas garantias não são um fim em si mesmas, mas instrumentos para a tutela de um direito principal. Estão a serviço dos direitos fundamentais, que, ao contrário, são um fim em si, na medida em que constituem um conjunto de faculdades e prerrogativas que asseguram vantagens e benefícios diretos e imediatos a seu titular. Podem-se auferir tais vantagens e benefícios sem utilizar-se das garantias. Mas estas não conferem vantagens nem benefícios em si. (p. 189)

Para Bortoli (2004), as garantias têm papel fundamental para estruturação do

positivismo voltado a existência e o cumprimento dos direitos fundamentais. O autor

dá especial relevância ao papel da Constituição, como norma orientadora do Estado

e do Direito para atingir este desiderato. Por fim o autor ressalta que:

Os distintos elementos ou valores, tanto os direitos fundamentais quanto os direitos subjetivos e os interesses legítimos, cuja garantia ou preservação se pretende no Estado Constitucional, são analisados como garantias da manutenção da posição central da pessoa no direito e frente ao Estado e como instituições ou instrumentos que vão permitir que o sistema jurídico e a atuação dos

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poderes públicos estejam abertos a todo o momento às exigências e expectativas formuladas ex parte populi. (p. 107)

Ferrajoli (2006, p. 844) destaca dois princípios desenvolvidos dentro das

garantias penais, objeto de estudo do Garantismo, segundo o qual possuem caráter

geral. São eles o princípio da legalidade e o princípio da submissão à jurisdição. O

primeiro porque impõe ao Poder Público, os pressupostos, os órgãos responsáveis e

os procedimentos a serem adotados na prestação dos direitos sociais e o segundo

para garantir a possibilidade de se acionar em juízo os sujeitos responsáveis por

eventuais lesões aos direitos fundamentais liberais ou sociais, a fim de que estas

sejam sancionadas e removidas.

Canotilho (2002) complementa acerca dos princípios da legalidade e

submissão à jurisdição, asseverando que:

Por outras palavras: no direito de acesso aos tribunais inclui-se o direito de obter uma decisão fundada no direito, embora dependente da observância de certos requisitos ou pressupostos processuais legalmente consagrados. Por isso, a efetivação de um direito ao processo não equivale necessariamente a uma decisão favorável; basta uma decisão fundada no direito quer seja favorável quer desfavorável às pretensões deduzidas em juízo. (p. 494)

Ainda no âmbito das garantias, Cademartori (2007, p. 208) faz uma distinção

entre as garantias consideradas por ele, as negativas e as positivas. As garantias

negativas seriam responsáveis por limitar o poder normativo infraconstitucional e as

proibições de fazer, no que tange aos direitos de liberdade, e as garantias positivas

consistiriam em prestações individuais e sociais.

Por fim, Cademartori (2001, p. 27) define as garantias, sob o enfoque da

Teoria Garantista, como “[...] uma técnica de limitação da atuação do Estado no que

se refere aos direitos fundamentais de liberdade [...]”, ou ainda, como meio de

implementação dos direitos sociais. Assim, conforme o autor supracitado, dentro da

perspectiva desenvolvida pela Teoria Garantista, esta tanto pode referir-se a uma

organização jurídica como ao posicionamento assumido pelos operadores do direito

ao realizarem sua aplicação ou modificação.

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2.3.3 O modelo garantista de legitimidade

Em relação à legitimidade, Cademartori (2007, p. 221) ensina que o modelo

garantista representa um ideal de limitação e imposição normativa de atuação do

governo em seus ordenamentos e ressalta o papel do intérprete do direito na

realização deste desiderato, uma vez que estas limitações e imposições nem

sempre encontram-se explícitas nas normas superiores. Para o autor em comento, o

modelo garantista de legitimidade:

[...] avalia o poder de acordo com critérios postulados por valores superiores e externos ao Estado, assegura a manutenção da tarefa do poder como estrutura voltada à satisfação dos interesses da sociedade, e, na medida, é uma teoria mais apta ao julgamento da instância política. (p. 220)

Ferrajoli (2006, p. 845) classifica a legitimação, sob o ponto de vista

garantista, em formal e substancial. “A legitimação formal é aquela assegurada pelo

princípio da legalidade e pela sujeição do juiz à lei.” Já a legitimação substancial

advém da “[...] função judiciária e da sua capacidade de tutela ou garantia dos

direitos fundamentais do cidadão.”

O referido autor ensina que sob o âmbito do direito administrativo estas

espécies de legitimação não possuem um nexo tão estreito como na ótica do direito

penal. Porém, considera que mesmo na jurisdição civil e administrativa a lei

desempenha importante papel como fonte de legitimação formal “[...] para a

existência de uma motivação ao menos em parte cognitiva, cuja validade é conexa

com a fundamentação legal e seus argumentos [...]”.

Para Ferrajoli (2006, p. 845), a afirmação supracitada advém do fato de que

na jurisdição administrativa a legitimação substancial dos direitos fundamentais

tutelados tem natureza diversa do direito penal e sua satisfação não prescinde de

verdade ou enumeração exaustiva, daí sua relativa independência da legitimação

formal. O autor complementa ainda:

Mais exatamente, a legalidade civil e administrativa não requerem a exata denotação dos casos específicos em concreto, mas podem

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ainda incorporar cláusulas gerais ou critérios valorativos; a motivação das correspondentes sentenças não deve necessariamente compor-se de meras proposições assertivas, mas pode ainda incluir juízos de valor; e a sua validade substancial não é tão maior quanto mais aproximadamente lhe é possível predicar-lhe “verdade processual”, mas simplesmente quanto mais ela é razoavelmente fundada ou argumentada com referência a direitos fundamentais. (p. 846)

Cademartori (2007, p. 208) complementa que a legitimidade formal refere-se

às competências e procedimentos utilizados para tomar decisões que vinculem toda

a comunidade e a substancial corresponde às garantias dos direitos fundamentais,

liberdade e igualdade social. Por fim, o referido autor ensina que:

De outra parte, a teoria garantista da legitimação, a partir da assunção da idéia-base do Estado como instrumento da sociedade, repõe uma vinculação dessa estrutura de poder a valores que têm por centro a dignidade da pessoa. Em casos como o do nosso país, onde a sociedade vê-se continuamente avassalada por medidas legislativas (oriundas do Executivo ou não) que muitas vezes colocam-na a serviço de uma racionalidade econômica alheia a seus interesses, a adoção desse enfoque heteropoiético pode fornecer um travejamento teórico que resgate a valorização da pessoa como ontologicamente anterior ao Estado fundado por ela. (p. 235)

Assim, partindo da matriz teórica garantista apresentada neste capítulo,

procurar-se-á dentro da perspectiva desta teoria, demonstrar no terceiro capítulo

desta pesquisa a possibilidade, ou não, da suspensão dos serviços públicos

essenciais, em face do inadimplemento dos usuários, tendo em vista o papel do

Estado Constitucional de Direito frente à sociedade e seus direitos fundamentais,

com ênfase ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao papel dos operadores

do direito na resolução de possíveis antinomias, na resolução de conflitos inerentes

à prestação de serviços públicos essenciais.

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CAPITULO 3

SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS EM FACE

DAS GARANTIAS JUSFUNDAMENTAIS

Conforme abordado nos capítulos anteriores, a prestação de serviços

públicos está pautada na observância de diversos princípios, os quais permitem aos

usuários receberem serviços públicos adequados às suas necessidades. Restou

definido que os serviços públicos essenciais devem ser postos a disposição dos

usuários, atendendo-se principalmente ao dever de continuidade na prestação

destes, conforme previsão legal contida no Código de Defesa do Consumidor.

Viu-se que, de acordo com a Teoria Garantista, as normas infraconstitucionais

devem ter conteúdo condizente com os princípios dos direitos fundamentais

dispostos expressa ou implicitamente na Constituição, para que possam ser

consideradas válidas. Verificou-se que o Estado Democrático de Direito possui suas

raízes intimamente ligadas aos fundamentos da Teoria Garantista, porém, a

efetivação dos direitos garantidos constitucionalmente, nem sempre é observada na

criação das normas infraconstitucionais, o que implica muitas vezes na promulgação

de leis com conteúdo antigarantista, gerando antinomias.

No caso da suspensão de serviços públicos essenciais, procurou-se

demonstrar neste capítulo que o modo como se procede a suspensão da prestação

dos serviços se caracteriza como uma atuação contrária aos direitos fundamentais e

princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito brasileiro sob o ponto de

vista do garantismo. Neste sentido, a proclamação do principio da dignidade da

pessoa humana assenta as conclusões iniciais deste estudo.

3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana pressupõe que as pessoas

devam ter condições de vida digna. Dentro da ótica garantista, este princípio possui

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grande relevância, uma vez que, conforme assinalado anteriormente, a Teoria

Garantista defende que o Estado deve atuar em prol da satisfação das necessidades

dos indivíduos, ou seja, a legitimação estatal tem sua razão de ser na

disponibilização de meios para conferir aos membros da sociedade condições de

vida digna. Neste sentido importa destacar o que ensina Rosa (2005):

Com efeito, a Teoria Geral do Garantismo, entendida como modelo de Direito, está baseada no respeito à dignidade da pessoa humana e seus Direitos Fundamentais, com sujeição formal e material das práticas jurídicas aos conteúdos constitucionais. Isso porque, diante da complexidade contemporânea, a legitimação do Estado Democrático de Direito deve suplantar a mera democracia formal, para alcançar a democracia material, na qual os Direitos Fundamentais devem ser respeitados, efetivados e garantidos, sob pena de deslegitimação paulatina das instituições estatais. (p. 04)

No Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana foi constituído como

um dos fundamentos da Constituição Federal de 1988, na qual restou determinado:

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana;

Silva (2006) sustenta a importância deste fundamento ao proclamar que este

“[...] é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do

homem, desde o direito à vida.”. O autor acrescenta que:

Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará à realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art.205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. (p. 105)

Nesse sentido, assume extrema relevância o pensamento de Moraes (2006),

ao referir-se acerca dos fundamentos da República Federativa do Brasil, ao ensinar

que a dignidade da pessoa humana:

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Concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos [...] (p. 16).

Canotilho (2002, p. 225-226), por sua vez, ensina que o princípio da dignidade

da pessoa humana constitui-se no núcleo essencial de existência do Estado, o qual

deve ter este princípio como base dos limites e fundamentos de seu domínio político.

Numa tentativa de delinear este entendimento, Sarlet (2006), após discorrer

acerca da evolução do conceito do princípio da dignidade da pessoa humana, desde

a antigüidade clássica, passando pelos ensinamentos de Tomás de Aquino, Kant e

Hegel, acaba por concluir que o princípio em apreço ocupa,

[...] um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, do que dá conta a sua já referida qualificação como valor fundamental da ordem jurídica, para expressivo número de ordens constitucionais, pelo menos para as que nutrem a pretensão de constituírem um Estado Democrático de Direito. (p. 38)

Nesta mesma linha de pensamento, Castro (2003) destaca o princípio em

apreço como epicentro dos direitos fundamentais do homem e eixo central do

Estado Democrático de Direito, na medida em que este se configura como protetor

dos direitos humanos radicados essencialmente na dignidade. Para o autor,

[...] no que toca aos direitos fundamentais do homem, impende reconhecer que o princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se o epicentro do extenso catálogo de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, que as constituições e os instrumentos internacionais em vigor em pleno terceiro milênio ofertam solenemente aos indivíduos e às coletividades. (p.15-16)

Há que se ressaltar que a prestação de serviços públicos deve atender à

satisfação dos direitos fundamentais, os quais, por sua vez, têm como núcleo de

formação a defesa incondicional da dignidade da pessoa humana. Importa

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esclarecer que não se está procurando com essa afirmação desconsiderar a atuação

do Estado na busca do interesse público. Como bem diz Domingos (2006):

O que se pretende demonstrar é tão-somente a necessidade de se visualizar o fenômeno jurídico e, portanto, também os institutos do Direito Administrativo, a partir de um paradigma ético-humanista. Neste sentido, reconhece-se que os serviços públicos estão ligados àquelas atividades, executadas sob regime de direito público, que visam satisfazer necessidades ligadas a direitos fundamentais. É sob esta perspectiva que se deve apreender o conteúdo do interesse público: a defesa incondicional da dignidade da pessoa humana. (p. 91)

Nessa linha argumentativa, infere-se que o serviço público é o meio de

atuação que o Estado utiliza para fornecer as utilidades necessárias para satisfação

dos direitos fundamentais, ou seja, como bem assevera Breus (2006, p. 263), “[...]

significa que o serviço público é um dos principais meios de assegurar a existência

digna do ser humano, por isso a sua fundamental importância dentro do

ordenamento jurídico brasileiro.”.

Por fim, impende reportar-se aos ensinamentos de Sarlet (2006) acerca da

atuação positiva ou negativa do Estado a fim de garantir a eficácia do princípio da

dignidade da pessoa humana:

Consoante já restou destacado, o princípio da dignidade da pessoa impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica ( numa perspectiva que se poderia designar de programática ou impositiva, mas nem por isso destituída de plena eficácia) que o Estado deverá ter como meta permanente, proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos, [...] Assim, percebe-se, desde logo, que o princípio da dignidade da pessoa humana não apenas impõe um dever de abstenção (respeito), mas também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a dignidade dos indivíduos.(p. 110-111)

Diante do exposto, fica evidenciado que os direitos fundamentais e as

garantias possuem intima ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana,

haja vista que a observância e a realização daqueles implica no reconhecimento e

respeito a este princípio. Feita esta constatação, passar-se-á ao estudo de direitos

fundamentais e garantias aplicáveis à atuação do Estado como prestador de

serviços públicos, condizentes com o objetivo de atender às necessidades dos

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usuários, proporcionando-lhes o mínimo de dignidade e a possibilidade de

suspensão destes serviços sob a ótica destes princípios e garantias.

3.2 DA SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS

De acordo com o que já restou delimitado anteriormente, os direitos

fundamentais e as garantias possuem papel destacado dentro do Estado

Democrático de Direito, o qual tem sua legitimidade reconhecida a medida que

disponibiliza aos indivíduos os meios necessários para satisfação de suas

necessidades.

Conforme apregoa Moraes (2006, p. 25), há que se refletir sobre os

fundamentos de proteção do homem contra o poder exercido pelo Estado, pois o

poder delegado pelo povo a seus representantes não é absoluto, tendo como

limitação, a previsão de direitos e garantias individuais e coletivas, indissoluvelmente

ligados à noção de limitação do poder.

Nesse sentido assume extrema relevância destacar que os direitos

fundamentais visam afiançar e consagrar o respeito à dignidade da pessoa humana,

uma vez que são essenciais à vida, pois oriundos da própria condição humana e

previstos pelo ordenamento constitucional de forma explicita ou implícita, não

podendo ser alterados ou abolidos. Além dos direitos fundamentais, têm-se as

garantias que se destacam como meios oferecidos para a proteção destes direitos.

É necessário comentar que o Estado, ao disponibilizar aos usuários os

diversos serviços públicos e, em especial os essenciais, deve pautar-se pelo

atendimento das necessidades transindividuais e individuais de seus destinatários.

Numa tentativa de delinear o entendimento acerca da relação entre os direitos

fundamentais e os serviços públicos, Domingos (2006) comenta:

Impende admitir, neste sentido, que a qualificação de determinada atividade como “serviço público” deve ter como critério preponderante a supremacia e indisponibilidade dos direitos

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fundamentais. Ou seja, referida atividade deve se destinar a suprir demandas cuja satisfação não admite qualquer transigência, por estar diretamente vinculada ao princípio máximo da supremacia da dignidade da pessoa humana. (p. 82)

Para o autor, a prestação de serviços públicos no Estado Democrático de

Direito “[...] subordina-se a um critério excelso e anterior à supremacia do interesse

público, qual seja, a supremacia e indisponibilidade dos direitos fundamentais.”, ou

seja, o Estado não pode utilizar o interesse público como “desculpa” para não prover

os direitos fundamentais aplicáveis à realização do princípio da dignidade da pessoa

humana. E acrescenta:

Ora, os direitos fundamentais, especialmente aqueles ligados à dignidade da pessoa humana, apresentam-se ínsitos aos indivíduos justamente como conseqüência de sua condição primeira e original de “pessoa humana”. Esses direitos são apriorísticos e indisponíveis, independendo de qualquer mediação (inclusive do Direito) para que sejam reconhecidos. E daí advém sua indisponibilidade. São estes valores que justificam a existência do Estado e do próprio Direito. Em última análise, trata-se do “fim” – objetivo máximo – a ser atingido pelo Estado (o “meio” concebido para atingir tal desiderato). (Domingos, p. 85-86)

Infere-se da análise ao que restou demonstrado anteriormente que os direitos

fundamentais empregados para satisfação do mínimo necessário para os indivíduos

terem dignidade, constitui-se em dever do Estado Democrático de Direito, como é o

brasileiro. Neste aspecto ganha relevância a atuação estatal por meio da

disponibilização dos serviços públicos essenciais. Conforme conclui Domingos

(2006, p. 88) “[...] os serviços públicos aparecem como forma de realização do

interesse público, na medida em que seu regime jurídico apresenta-se estruturado

com base no escopo primordial de satisfazer o princípio máximo da dignidade da

pessoa humana.”, com o intuito de satisfazer às necessidades fundamentais dos

indivíduos inseridos na sociedade.

Impende salientar que de acordo com os fundamentos deste estudo, os

princípios dos serviços públicos estão diretamente relacionados com a realização

efetiva dos direitos fundamentais e determina ao Estado o dever de garantir sua

disponibilidade a todos os usuários, uma vez que a prestação da atividade pública

deve ser colocada a disposição de todos sem discriminação.

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Neste sentido, destaca-se inicialmente o caput do Art. 5.º da Carta Magna

onde preceitua que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, [...]”. Vê-se nesta disposição, que nas palavras de Silva (2006, p. 190)

trata-se de uma declaração formal, porém, com intuito de primar pelo direito de

igualdade, o qual deve servir de orientação ao intérprete ao considerar os direitos

fundamentais do homem, a ligação com a definição que Sarlet (2006) dá ao princípio

da dignidade da pessoa humana:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (p. 60)

Essa constatação contribui para realçar a importância de reconhecer o direito

fundamental ao tratamento igualitário a todos, sem distinções de qualquer natureza,

a fim de assegurar condições mínimas de dignidade. Castro (2003, p. 360) defende

que o ideário igualitário foi “[...] o eixo central do projeto constituinte de

transformação social.” implantado pela Constituição Federal de 1988. Para o autor, o

princípio da igualdade irradiou seus efeitos “[...] com a magnitude de valor

protagonista no cenário jurídico constitucional, a todos os demais direitos e garantias

individuais e coletivos que integram a extensa relação de direitos fundamentais.” que

justificam a interpretação da Constituição voltada à promoção da igualdade cultural,

social e econômica.

Para esta pesquisa, alguns direitos fundamentais e/ou garantias dispostas no

art. 5.º da Constituição Federal ganham especial relevância na análise da

possibilidade de suspensão dos serviços públicos essenciais. Primeiramente

destaca-se o inciso XXXV, o qual determina que “a lei não excluirá da apreciação do

Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”.

O dispositivo supracitado diz respeito à garantia constitucional de acesso a

justiça, a qual, segundo Canotilho (2002, 487), ao referir-se à garantia do acesso

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aos tribunais, constitui-se em “[...] princípio estruturante do Estado de direito.”. Para

o autor:

[...] no direito de acesso aos tribunais inclui-se o direito de obter uma decisão fundada no direito, embora dependente da observância de certos requisitos ou pressupostos processuais legalmente consagrados. Por isso, a efetivação de um direito ao processo não equivale necessariamente a uma decisão favorável; basta uma decisão fundada no direito quer seja favorável quer desfavorável às pretensões deduzidas em juízo. (p. 494)

Torna-se evidente a importância desse princípio para garantir a aplicação da

justiça e do direito através da prestação jurisdicional. Neste sentido, oportuno citar o

comentário de Silva (2006):

A primeira garantia que o texto revela é a de que cabe ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição, pois sequer se admite mais o contencioso administrativo que estava previsto na Constituição revogada. A segunda garantia consiste no direito de invocar a atividade jurisdicional sempre que se tenha como lesado ou simplesmente ameaçado um direito, individual ou não, [...] (p. 431)

O autor continua sua análise à garantia dos indivíduos poderem invocar a

proteção jurisdicional para tutela de seus direitos, agregando dois novos elementos

a esta previsão constitucional, a possibilidade de garantia da plenitude de defesa e o

devido processo legal, assegurado pelos incisos LIV e LV do art. 5.º da Constituição

Federal:

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Moraes (2006, p. 26) ensina que as garantias referidas nos incisos

supracitados têm como corolário lógico a defesa dos indivíduos, seja em processo

judicial ou administrativo e conceitua o que entende por ampla defesa e

contraditório:

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Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito de defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

Feitos estes apontamentos acerca das garantias e direitos fundamentais,

cumpre agora analisar se os mesmos são respeitados pelo Poder Público quando da

suspensão na prestação dos serviços públicos essenciais. Para esse desiderato,

convém ressaltar que os serviços públicos, conforme já restou mencionado no

primeiro capítulo desta pesquisa, devem ser pautados pelos diversos princípios que

visam garantir a prestação destes de maneira adequada.

Além disso, ganha importância a visão expressa pela Teoria Garantista, a

qual defende um modelo de Estado voltado para atender aos direitos fundamentais

dos indivíduos, os quais, conforme já explanado, têm estreita ligação com o princípio

da dignidade da pessoa humana, que por sua vez constitui-se em fundamento do

Estado Democrático de Direito brasileiro.

Conforme já restou aqui disposto, a suspensão dos serviços públicos

essenciais encontra óbice no artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, o qual

determina que “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,

permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a

fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,

contínuos.”.

Ao analisar-se a proposição acima referida poder-se-ia afirmar que a

suspensão dos serviços públicos essenciais é ilegal, pois a Lei determina que estes

devem ser prestados, em consonância com o princípio da continuidade, já estudado

no capítulo I desta pesquisa. Porém, em razão da previsão contida no artigo 6.º, 3.º,

inc. I e II da Lei n.º 8.987/95, esta afirmação muitas vezes não é observada pelos

prestadores de serviços públicos essenciais. O referido artigo dispõe:

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§ 3.o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Com base neste artigo, os prestadores de serviços públicos essenciais muitas

vezes deixam de prestá-los, ferindo o princípio da continuidade. Ocorre que, sob a

ótica do garantismo jurídico, a prestação de serviços públicos e, mais ainda os

essenciais, são colocados à disposição dos usuários a fim de garantir-lhes o

atendimento de seus direitos fundamentais. Diante disso, entende-se que os

mesmos não podem ser suspensos por um ato discricionário do Poder Público.

Nesse ínterim, a presente pesquisa vale-se mais uma vez dos ensinamentos de

Cademartori (2001) ao considerar que nas questões que envolvam direitos

fundamentais, estes prevalecem sobre toda e qualquer interpretação auferida pelo

Poder Público, seja de interesse geral ou público, ou seja, os direitos fundamentais

representados neste caso, pelos serviços públicos essenciais, constituem-se em

limitações a atuação discricionária de seus prestadores.

Cumpre salientar que pensar em serviço público como direito fundamental é

ter a certeza de se aplicar efetivamente a Constituição Federal, é dar vida ao artigo

5º LXXVIII parágrafo 2º, no qual está definido que os direitos e garantias

fundamentais expressos na constituição não excluem outros decorrentes do regime

e dos princípios por ela adotados.

Importante especificar, deste modo, que o Poder Público deve prestar os

serviços públicos essenciais em conformidade com os direitos fundamentais, pois

tratam-se de serviços disponibilizados aos indivíduos para atendimento de suas

necessidades básicas, o que os torna imprescindíveis. Assim, de acordo com o que

já foi analisado nessa pesquisa, a suspensão destes deveria atender ao disposto na

Constituição Federal, mais precisamente na parte que trata da garantia ao devido

processo legal.

Ocorre que, no tocante à suspensão dos serviços públicos essenciais, o corte

na prestação acontece, na maioria das vezes, sem que seja oportunizado ao usuário

o direito de insurgir-se ao ato levado a efeito pelo ente prestador do serviço. Nessa

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esteira, não lhe é oportunizado o direito ao contraditório e a ampla defesa. A decisão

de realizar o corte parte diretamente do prestador de serviços públicos, configurando

uma situação que não encontra amparo na legislação pátria, que, conforme já

exposto, determina, no inciso LIV do Art. 5.º da Constituição Federal, que “ninguém

será privado da liberdade, ou de seus bens, sem o devido processo legal”, ou seja,

sem que lhe seja oportunizado o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Vê-se, portanto, que o Poder Público, no que tange a prestação de serviços

públicos disponibilizados diretamente pela administração pública ou por meio de

concessão ou permissão, não tem atendido aos direitos fundamentais e garantias

constitucionais dos usuários, uma vez que a suspensão destes serviços não atende

às disposições constitucionais que se referem à garantia do devido processo legal.

Sob o ponto de vista da Teoria Garantista, Rosa (2005) refere-se aos limites

da atuação do Estado, em consonância com os preceitos constitucionais, os quais

podem ser aplicados ao objeto desta pesquisa:

A Teoria Garantista representa, ao mesmo tempo, o resgate e valorização da Constituição como documento constituinte da sociedade. Esse resgate Constitucional decorre justamente da necessidade da existência de um núcleo jurídico irredutível/fundamental capaz de estruturar a sociedade, fixando a forma e a unidade para resolução de conflitos emergentes, elencando os limites materiais do Estado, as garantias e direitos fundamentais e, ainda, disciplinando o processo de formação político/jurídico do Estado. (p.15).

Oportuno citar o comentário de Scartezzini (2006) que, ao reportar-se aos

princípios da razoabilidade e proporcionalidade, implícitos na Constituição Federal,

refere-se à suspensão dos serviços públicos, argüindo que:

Esse direito de corte, inerente à prestação do serviço, como conseqüência do não cumprimento do dever do usuário de pagar a tarifa, deve ser exercido com a devida moderação, informado pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Insta cotejar valores e verificar qual deles deve preponderar: o direito do concessionário de ser remunerado pelo serviço prestado, a fim de evitar colapso do fornecimento com prejuízo de toda a comunidade, se esse inadimplemento ganhar proporção expressiva; ou os direitos à vida digna, à segurança, à saúde. (p. 113).

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O autor complementa que para essa questão não há como estabelecer uma

regra absoluta, somente alguns parâmetros podem ser estabelecidos para nortear as

situações, as quais devem ser analisadas individualmente, com suas peculiaridades.

Nesse sentido, uma vez mais ganha força o entendimento de que o corte no

fornecimento de serviços públicos essenciais não deve ser realizado como um ato

discricionário de seus fornecedores e sim através de um procedimento que

possibilite ao usuário insurgir-se quanto ao ato da Administração Pública.

Conforme explicita Cademartori (2001, p. 147), ao referir-se ao papel da

Administração Pública no atual modelo de Estado Democrático de Direito, “[...] a

Administração não pode eximir-se dos direitos e interesses dos cidadãos, já que ela

própria é uma manifestação da subordinação do Estado ao social, ou seja, ao

externo.”.

Dessa maneira, como a atuação da Administração Pública na prestação dos

serviços públicos encontra-se desprovida de substrato constitucional material, cabe

aos operadores do direito, por meio dos instrumentos públicos capazes de garantir

os direitos fundamentais, atuarem na busca do atendimento ao modelo de validade

das normas e atos conforme a Teoria Garantista, ou seja, de acordo com os direitos

fundamentais e garantias constitucionais. Para isso ganha especial relevância o

controle jurisdicional dos atos administrativos no modelo garantista.

3.3 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO

Por meio dos fundamentos acerca dos serviços públicos essenciais e a Teoria

Garantista, buscou-se investigar a partir de uma matriz teórica garantista a atuação

da Administração Pública na disponibilização e na suspensão dos serviços públicos

essenciais. A figura a seguir, ilustra a estrutura do pensamento deste estudo, tendo

no núcleo os elementos da matriz garantista e nas laterais as influências/forças das

teorias sobre serviço público essencial e o garantismo.

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Figura: Matriz do estudo.

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

De acordo com o que já foi apresentado nesta pesquisa percebe-se que o

Estado Democrático de Direito brasileiro, embora tenha na sua concepção um

modelo criado de acordo com o que defende a Teoria Garantista, muitas vezes não

segue o que estabelece esta teoria. Isso fica claro, se for comparada à figura

apresentada à atuação da Administração Pública na suspensão dos serviços

públicos essenciais. O que se percebe é a inobservância aos princípios

constitucionais consagradores dos direitos fundamentais e garantias dos indivíduos.

Nesse sentido, ganha relevância a atuação dos operadores do direito, a fim

de tutelar a observância do conteúdo material da Constituição, nos atos praticados

pela Administração Pública. Dito isso, cabe apresentar a percepção de Rosa (2005)

no que tange a necessidade de pautar-se a atuação jurídica e social pelos princípios

constitucionais, a qual ele define como uma das tarefas dos operadores do direito

garantistas no Estado Democrático de Direito:

Com efeito, é dever primevo dos atores jurídicos a compreensão adequada da Constituição Federal, concretizando-a na sua maior extensão possível, primordialmente no tocante aos Direitos Fundamentais. Existe a necessidade orgânica de convergência das práticas jurídicas e sociais aos regramentos Constitucionais relativos

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aos Direitos Fundamentais, estabelecendo-se, portanto, um sistema de garantias simultâneo de preservação e realização. (p.18)

Cademartori (2001) defende essa idéia e destaca principalmente o papel a ser

desenvolvido pelos julgadores ao verificarem nos casos concretos se houve lesão ao

direito garantido constitucionalmente, na atuação administrativa. O autor se refere à

função jurisdicional para atender este desiderato argumentando que:

Sob essa ótica, o juiz, no exercício da sua função, somente está vinculado ao Direito, e num sentido mais favorável, aos direitos fundamentais dos cidadãos garantidos constitucionalmente, e cuja relevância deixa de ser vista apenas sob o aspecto formal-instrumental, passando a ter prevalência substancial na defesa destes direitos. (p.146).

Ainda sob essa linha de entendimento, o referido autor enfatiza a importância

de se realizar o controle da atividade administrativa pelo Poder Judiciário:

Isso tudo significa que o controle a ser realizado pelo Judiciário da atividade administrativa terá sempre como base os direitos fundamentais constitucionais, considerados, agora, sob um aspecto substancial e primacial, posto que eles traduzem os valores morais e políticos da sociedade. Dessa maneira, esses valores morais e políticos são configurados nos direitos fundamentais e estes, por sua vez, convertem os direitos dos cidadãos no elemento último que outorga sentido ao controle sobre a atividade administrativa. (p. 148).

No que tange aos serviços públicos essenciais, esse controle deve ser

exercido com o intuito de estruturar a atuação da Administração Pública. Nesse

ínterim, conforme ensina Cademartori (2001, p. 158), sob a ótica da Teoria

Garantista, os atos da Administração Pública devem adequar-se “[...] aos princípios

escorados nos direitos fundamentais e nos respectivos valores morais e políticos

que eles traduzem.”, ou seja, devem atentar-se aos critérios de justiça interna e

externa do ato praticado.

Feitas estas considerações acerca do papel do Poder Judiciário em relação à

suspensão dos serviços públicos essenciais, cumpre demonstrar, através de

algumas decisões prolatadas pelo egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a

importância da atuação do Poder Judiciário, a fim de evitar prejuízos aos cidadãos

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que, muitas vezes, têm seu direito usurpado por ato unilateral dos prestadores dos

serviços em apreço. Saliente-se que os acórdãos apresentados não têm pretensão

de esgotar as decisões exaradas pelo Tribunal catarinense acerca do assunto, e

sim, ilustrar a relevância da atuação jurisdicional nos feitos que envolvam o direito ao

recebimento de serviços públicos essenciais.

Administrativo. Corte de energia elétrica. Não comprovada a alegação de fraude no medidor. Não observados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Prática abusiva. Não provada notificação prévia (art. 6º, § 3º, da Lei n. 8.987/95) e conseqüente oportunidade de contraditório, o corte no fornecimento de energia elétrica por suposta fraude no consumo é ilegal. Utilizar-se de meio coercitivo para obrigar o pagamento do débito decorrente de um furto de energia, sem ao menos ter comprovado a fraude, viola os princípios ao contraditório e à ampla defesa assegurados pela Constituição Federal. (Apelação Cível n. 2003.030119-4, de Araranguá. Relator: Des. Pedro Manoel Abreu. Data da decisão 30/07/2005).

A decisão referida apresenta no voto prolatado por seu relator, vários

argumentos que corroboram com o que foi apresentado ao longo deste estudo, no

que tange aos direitos dos usuários não serem privados do fornecimento de serviços

públicos essenciais sem possibilidade de antes fazer uso do contraditório e da ampla

defesa. Colhe-se do acórdão:

[...] Existem algumas espécies de prestações sem as quais a vida cotidiana se torna impraticável. Trata-se da prestação dos chamados serviços essenciais, tais como o fornecimento de água, energia elétrica, entre outros. São serviços essenciais e indispensáveis e que, por isso, recebem tratamento especial da legislação, notadamente no que se refere à continuidade de sua prestação. O art. 22 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor dispõe que "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". O cerne do presente litígio gira em torna da responsabilidade do autor na fraude evidenciada do medidor de energia elétrica situado no domicílio deste. Extrata-se dos autos que a empresa ré, ao realizar as inspeções rotineiras, detectou a violação em seu equipamento, o que teria ocorrido, pelo intento de burlar a avaliação do consumo de energia. Efetuou, então, cálculo unilateral requerendo o pagamento dos valores corretos, sob pena de corte no fornecimento de energia, ou seja, utilizou-se de meio coercitivo sem ter comprovado a suposta fraude, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa, insculpidos no inciso LV, do artigo 5º, da Lex Mater.

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In casu, não restou comprovada a responsabilidade do usuário quanto à pratica de fraude. O boletim de autorização de parcelamento, repita-se, realizado de maneira unilateral, revela a pressão exercida sobre o consumidor para que aceitasse, sem defesa, as diferenças impostas pela concessionária. Aqui, vale destacar que não se está pactuando com qualquer irregularidade em detrimento dos interesses da ré. Entretanto, para a admissão do corte de energia elétrica faz-se necessária a instauração do devido processo no âmbito criminal ou mesmo administrativo, até para que o próprio consumidor possa defender-se, o que, na espécie, efetivamente não ocorreu. Com efeito, compete à concessionária investigar a prática de irregularidades praticadas e tomar as medidas cabíveis para evitar seu prejuízo, que afinal atinge toda a coletividade. Porém não pode atuar fora dos seus limites, coagindo o consumidor a cumprir suas próprias decisões, sem a plena certeza da autoria da irregularidade. Corroborando o raciocínio apresentado, confira-se julgado do STJ em caso similar: "Está em discussão ameaça concreta de corte de energia elétrica, alicerçada, ao que se depreende do apelo, na existência de débito decorrente da prática de furto imputado à apelada. Cumpre dizer que a eminência da prática do ato lesivo é inquestionável, reconhecida pela própria concessionária". "Num primeiro momento, não há negar que a energia é bem essencial, constituindo-se em serviço público indispensável e subordinado, em regra, ao princípio da continuidade de sua prestação" (ROMS n. 8.915/MA, rel. Min. José Delgado). Assim, a verificação da legalidade da suspensão de seu fornecimento deve ser precedida de percuciente análise dos motivos que a ensejaram. Conforme acentuou o digno Magistrado de primeiro grau, Dr. Pedro Aujor Furtado Júnior, "a concessionária concluiu que o autor agiu fraudulentamente em seu medidor, com base em perícia não contestada em inquérito policial (sem destino certo comprovado nos autos) e resolveu a manu militari aplicar a sanção mais gravosa, e ainda impondo multas e outros encargos, exigindo do consumidor um parcelamento que se sabia certo, já que sem ele a energia permaneceria cortada" (in verbis, pág. 72). Não pode a empresa ré proceder o corte de energia como forma de coagir ao pagamento de multa imposta na ausência de provas robustas que comprovem a responsabilidade do usuário quanto a prática de má-fé. Cumpridos os requisitos legais, é legítimo o corte no fornecimento de energia elétrica a consumidor inadimplente ou que esteja a fraudar o consumo. Todavia, repita-se, não provada notificação prévia (art. 6º, § 3º, da Lei n. 8.987/95) e conseqüente oportunidade de contraditório, o corte no fornecimento de energia elétrica por suposta fraude no consumo é ilegal. À vista disso, não há como afirmar que o autor cometeu crime sem sentença transitada em julgado, sem regular processo administrativo, com contraditório e amplo exercício do direito de defesa. Não se pode permitir a aplicação de qualquer penalidade ao cidadão, protegido pelas normas garantistas da Constituição da República, e

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amparado, em última instância, pelas normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Desse modo não é concebível que a concessionária julgue e execute suas próprias decisões, sem possibilitar ao consumidor o direito à defesa, sob a acusação de furto de energia. [...]

Nesta mesma perspectiva, colhe-se outras decisões do egrégio Tribunal de

Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL - DANOS MORAIS - CELESC - INTERRUPÇÃO ILEGAL NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA - AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. A concessionária atuou alheia ao princípio constitucional de continuidade do serviço público essencial, efetuando indevidamente o corte, pois o recorrido já o havia quitado por meio de débito automático em conta corrente, cometendo, dessa forma, ato ilícito que lhe causou danos morais a serem reparados. Não provada notificação prévia (art. 6º, § 3º, da Lei n. 8.987/95) e conseqüente oportunidade de contraditório ao usuário, o corte no fornecimento de energia elétrica por suposta fraude no consumo é ilegal. PAGAMENTO EFETUADO EM CASA LOTÉRICA - ERRO DE DIGITAÇÃO - CULPA ATRIBUÍDA A TERCEIRO - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA - CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS DO CASO - DANO MORAL. A concessionária prestadora de serviço público está submetida à responsabilidade objetiva, prevista no art. 37, § 6º da Carta Maior, bastando a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta daquela para que se configure o dever de indenizar. (Apelação cível n. 2006.044803-3, de Joinville. Relator: Des. Volnei Carlin. Data da decisão: 17/05/2007).

APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA - CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA - FRAUDE NO MEDIDOR - NÃO OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO - PRÁTICA ABUSIVA - ATO ILEGAL - NECESSIDADE DE COMPRVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO USUÁRIO PELA SUPOSTA FRAUDE - RECURSO DESPROVIDO. Não provada notificação prévia (art. 6º, § 3º, da Lei n. 8.987/95) e conseqüente oportunidade de contraditório ao usuário, o corte no fornecimento de energia elétrica por suposta fraude no consumo é ilegal. Utilizar de meio coercitivo para obrigar ao pagamento do débito decorrente de furto de energia sem a observância de procedimento adequado caracteriza violação aos princípios do contraditório e ampla defesa assegurados pela Constituição Federal, possuindo o

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consumidor direito líquido e certo de continuar recebendo o serviço até que se apure sua efetiva responsabilidade pela eventual fraude, respeitado o princípio do devido processo legal. (Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2006.034431-9, de Gaspar. Relator: Des. Cid Goulart. Data da decisão: 17/04/2007).

APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA - CELESC - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ESTADUAL - INEXISTÊNCIA DE INTERVENÇÃO DA UNIÃO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL - CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA - POSSIBILIDADE EM CASOS RESTRITOS, TAIS COMO INADIMPLÊNCIA, DESDE QUE DEVIDAMENTE EFETUADA A PRÉVIA NOTIFICAÇÃO - AVISO REALIZADO EM RELAÇÃO A APENAS UMA FATURA QUE, ENTRETANTO, FOI PAGA EM PRAZO HÁBIL - IMPOSSIBILIDADE DE SUSTAÇÃO DO SERVIÇO - RECURSO DESPROVIDO. O serviço de fornecimento de energia elétrica, essencial ao bem-estar, tanto individual quanto coletivo, de toda a sociedade, mostra-se fundamental à consubstanciação do princípio da dignidade do ser humano, de modo que a interrupção no seu fornecimento somente se faz possível em situações excepcionais. A regra é a continuidade da prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica cuja interrupção, no entanto, constitui a exceção, sendo possível, no caso de inadimplemento, somente quando efetivado o prévio aviso que faculta ao devedor o pagamento da quantia devida, evitando, por conseguinte, a dispendiosa movimentação do aparato judicial. (Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2003.012349-0, de Blumenau. Relator: Des. Anselmo Cerello. Data da decisão: 10/10/2003).

Além das decisões supracitadas, podem-se citar ainda decisões do Superior

Tribunal de Justiça, as quais demonstram o que já foi apresentado anteriormente, no

que tange ao fato de que as leis muitas vezes possuem aspectos ou teor

compatíveis com as concepções garantistas. Porém, na hora de efetivar-se a

aplicação destas, tem-se um resultado que pode ser denominado como

antigarantista. Nestas decisões têm-se inúmeras referências aos princípios que

devem nortear a relação entre a Administração Pública e os usuários de serviços

públicos essenciais, concluindo pela impossibilidade de suspensão destes. No

entanto, em virtude do caráter uniformizador das decisões do Superior Tribunal de

Justiça, as posições defendidas nos votos prolatados, não são mantidas, em prol da

segurança jurídica, conforme segue:

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ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA DE ÁGUA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 22 E 42 DA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR). ENTENDIMENTO DO RELATOR. ACOMPANHAMENTO DO POSICIONAMENTO DA 1ª SEÇÃO DO STJ. PRECEDENTES. 1. Recurso especial interposto contra acórdão que considerou ilegal o corte no fornecimento de água como meio de coação ao pagamento de contas atrasadas. 2. Não resulta em se reconhecer como legítimo o ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de água e consistente na interrupção de seus serviços, em face de ausência de pagamento de fatura vencida. A água é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 3. O art. 22 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor assevera que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. O seu parágrafo único expõe que, “nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste código ”. Já o art. 42 do mesmo diploma legal não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Tais dispositivos aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 4. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afrontaria, se fosse admitido, os princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. O direito de o cidadão se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 5. Caracterização do periculum in mora e do fumus boni iuris para sustentar deferimento de liminar a fim de impedir suspensão de fornecimento de água. Esse o entendimento deste Relator. 6. No entanto, embora tenha o posicionamento acima assinalado, rendo-me, ressalvando meu ponto de vista, à posição assumida pela ampla maioria da 1ª Seção deste Sodalício, pelo seu caráter uniformizador no trato das questões jurídicas no país, que vem decidindo que “é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (L. 8.987/95, Art. 6º, § 3º, II) ”(REsp nº 363943/MG, 1ª Seção, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 01/03/2004). No mesmo sentido: EREsp nº 337965/MG, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 08/11/2004; REsp nº 123444/SP, 2ª T., Rel. Min João Otávio de Noronha, DJ de 14/02/2005; REsp nº 600937/RS, 1ª T., Rel. p/ Acórdão, Min. Francisco Falcão, DJ de 08/11/2004; REsp nº 623322/PR, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 30/09/2004.

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7. Com a ressalva de meu ponto de vista, homenageio, em nome da segurança jurídica, o novo posicionamento do STJ. 8. Recurso especial provido. (REsp. nº 822.090 – RS. Relator: Min. José Delgado. Data do julgamento: 11/04/2006).

ADMINISTRATIVO. CORTE DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR. LEGALIDADE. 1. A 1ª Seção, no julgamento do RESP nº 363.943/MG, assentou o entendimento de que é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (Lei 8.987/95, art. 6º, § 3º, II). 2. Ademais, a 2ª Turma desta Corte, no julgamento do RESP nº 337.965/MG entendeu que o corte no fornecimento de água, em decorrência de mora, além de não malferir o Código do Consumidor, é permitido pela Lei nº 8.987/95. 3. Ressalva do entendimento do relator, no sentido de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica - como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos posto essenciais para a sua vida, curvo-me ao posicionamento majoritário da Seção. 4. A aplicação da legislação infraconstitucional deve subsumir-se aos princípios constitucionais, dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República e um dos primeiros que vem prestigiado na Constituição Federal. 5. Deveras, in casu, não se trata de uma empresa que reclama uma forma de energia para insumo, tampouco de pessoas jurídicas portentosas, mas de uma pessoa física miserável, de sorte que a ótica tem que ser outra. O direito é aplicável ao caso concreto, não o direito em tese. Imperioso, assim tenhamos, em primeiro lugar, distinguir entre o inadimplemento de uma pessoa jurídica portentosa e o de uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica. 6. Em segundo lugar, a Lei de Concessões estabelece que é possível o corte considerado o interesse da coletividade, que significa não empreender o corte de utilidades básicas de um hospital ou de uma universidade, tampouco o de uma pessoa que não possui módica quantia para pagar sua conta, quando a empresa tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança. A responsabilidade patrimonial no direito brasileiro incide sobre patrimônio devedor e, neste caso, está incidindo sobre a própria pessoa! 7. Ressalvadas, data máxima vênia, opiniões cultíssimas em contrário e sensibilíssimas sob o ângulo humano, entendo que 'interesse da coletividade' a que se refere à lei pertine aos municípios, às universidades, hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos. 8. Por outro lado, é mister considerar que essas empresas consagram um percentual de inadimplemento na sua avaliação de

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perdas, por isso que é notório que essas pessoas jurídicas recebem mais do que experimentam inadimplementos. 9. Destacada a minha indignação contra o corte do fornecimento de serviços essenciais de pessoa física em situação de miserabilidade e absolutamente favorável ao corte de pessoa jurídica portentosa, que pode pagar e protela a prestação da sua obrigação, submeto-me à jurisprudência da Seção. 10. Embargos de divergência rejeitados, por força da necessidade de submissão à jurisprudência uniformizadora. (REsp 337965/MG. Relator: Min. Luiz Fux. Data da decisão : 22/09/2004).

ADMINISTRATIVO. CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. RECONHECIMENTO, PELO MUNICÍPIO, DA INADIMPLÊNCIA DO PAGAMENTO DA TARIFA RELATIVA À ILUMINAÇÃO PÚBLICA. "UNIDADES PÚBLICAS ESSENCIAIS". ILEGALIDADE. SEGURANÇA PÚBLICA. INTERESSE DA COLETIVIDADE. GARANTIA. PRINCÍPIOS DA ESSENCIALIDADE E CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. OBSERVÂNCIA. 1. A Corte Especial, no julgamento do AgRg na SS 1497/RJ, perfilhou o entendimento de que: "AGRAVO REGIMENTAL - SUSPENSÃO - DEFERIMENTO - FORNECIMENTO DE ENERGIA - CORTE POR INADIMPLÊNCIA - MUNICÍPIO - POSSIBILIDADE. 1. A interrupção do fornecimento de energia elétrica por inadimplemento não configura descontinuidade da prestação do serviço público. Precedentes. 2. O interesse da coletividade não pode ser protegido estimulando-se a mora, até porque esta poderá comprometer, por via reflexa, de forma mais cruel, toda a coletividade, em sobrevindo má prestação dos serviços de fornecimento de energia, por falta de investimentos, como resultado do não recebimento, pela concessionária, da contra-prestação pecuniária. 3. Legítima a pretensão da Concessionária de suspender a decisão que, apesar do inadimplemento, determinou o restabelecimento do serviço e a abstenção de atos tendentes à interrupção do fornecimento de energia, porque a questão relativa à eventual compensação de dívidas recíprocas não foi objeto da ação mandamental em que originada a decisão objeto do pedido de suspensão. 4. Agravo não provido." 2. Destarte, é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta. 3. A Lei de Concessões, entretanto, estabelece que é possível o corte desde que considerado o interesse da coletividade (artigo 6º, § 3º, inciso II, da Lei 8.987/95), que significa não empreender o corte de utilidades básicas de um hospital ou de uma universidade, quando a empresa tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou que a suspensão no fornecimento implicaria em ofensa ao interesse da coletividade, uma vez que "... a iluminação pública é serviço essencial ao bem-estar e segurança da população, que não pode ser punida com o corte, pois

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é ela que, ao fim e ao cabo, sofrerá o ônus. É o cidadão, que paga seus tributos regularmente, que será penalizado. Não se pode olvidar, ainda, que se trata de uma concessão do serviço que deveria, sim, ser prestado pelo Estado. Por razões que ora não importam, o Estado concede a um particular a prestação deste serviço. E o fornecedor, no caso, dispõe dos mecanismos legais para se ressarcir, que é a ação de cobrança, não podendo lançar mão de meios nitidamente coercitivos para tanto.(...)". Segundo o Tribunal de origem, "há na espécie, nitidamente, afronta ao interesse público, com infringência, inclusive, de direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Efetivamente, o corte da energia elétrica ocasionaria todo tipo de transtornos, destacando-se entre eles a insegurança pública, tendo em vista que uma cidade às escuras propiciaria um campo fértil aos acidentes de automóveis, roubos e furtos, gerando um verdadeiro caos urbano. Destarte, correta a afirmação de que a energia elétrica é um bem essencial à vida na sociedade urbana moderna, não podendo ser o seu fornecimento suspenso unilateralmente, sem o embasamento, no mínimo, de uma decisão transitada em julgado". 5. O corte de energia nas repartições públicas municipais (Prefeitura municipal, escolas, Secretaria de Saúde e de Obras) e nos logradouros públicos atinge serviços públicos essenciais, gerando expressiva situação de periclitação para o direito dos munícipes. 6. As normas administrativas devem ser interpretadas em prol da administração, mercê de impedir, no contrato administrativo a alegação da exceptio non adimplenti contractus para paralisar serviços essenciais, aliás inalcançáveis até mesmo pelo consagrado direito constitucional de greve. 7. Deveras, este relator, a despeito da jurisprudência majoritária desta Corte, tem ressalvado o entendimento de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica – como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos, posto essenciais para a sua vida. O interesse da coletividade abrangeria não apenas o interesse público em sentido amplo (necessidades coletivas), como também o de uma pessoa que não possui módica quantia para pagar sua conta: em primeiro lugar, há que se distinguir entre o inadimplemento de uma pessoa jurídica portentosa e o de uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica. 8. In casu, não se trata de corte de energia uti singuli, vale dizer: da concessionária versus o consumidor isolado, mas, sim, do corte de energia em face do Município e de suas repartições, o que pode atingir serviços públicos essenciais. A supressão da iluminação pública de Município afronta a expectativa da população no recebimento de serviço público essencial, constituindo ainda grave risco de lesão à ordem pública, atingindo toda a coletividade municipal. 9. Ademais, sucede que, na hipótese em comento, o inadimplemento municipal sequer é absoluto, uma vez que se encontra noticiado nos autos a quitação das faturas referentes às repartições públicas, sendo tão-somente confesso o atraso atinente à iluminação pública. 10. Precedente da Segunda Turma, da relatoria do Ministro Castro Meira, pugna pela impossibilidade de suspensão do fornecimento de

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energia elétrica de "unidades públicas essenciais", verbis: "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE. INADIMPLEMENTO. UNIDADES PÚBLICAS ESSENCIAIS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTS. 22 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E 6º, § 3º, II, DA LEI Nº 8.987/95. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL INDEMONSTRADA. (...) 2. O artigo 22 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), dispõe que: "os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". 3. O princípio da continuidade do serviço público assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor deve ser amenizado, ante a exegese do art. 6º, § 3º, II da Lei nº 8.987/95 que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. 4. Quando o consumidor é pessoa jurídica de direito público, prevalece nesta Turma a tese de que o corte de energia é possível, desde que não aconteça de forma indiscriminada, preservando-se as unidades públicas essenciais. 5. A interrupção de fornecimento de energia elétrica de Município inadimplente somente é considerada ilegítima quando atinge as unidades públicas provedoras das necessidades inadiáveis da comunidade, entendidas essas - por analogia à Lei de Greve – como "aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população", o que se perfaz na hipótese. (...) 7. Recurso especial improvido.” (REsp 791713/RN, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 01.02.2006) 11. Recurso especial desprovido. (REsp 721119/RS. Relator: Ministro LUIZ FUX. Data do julgamento: 11/04/2006).

Infere-se da análise aos acórdãos prolatados pelo Tribunal de Justiça de

Santa Catarina e do Superior Tribunal de Justiça, que os atos da Administração

Pública, praticados diretamente ou indiretamente, através de suas concessionárias

ou permissionárias, deveriam pautar-se pelo atendimento aos princípios que regem

a prestação de serviços públicos e, especialmente, no caso do objeto da presente

investigação, àqueles princípios relativos a prestação de serviços públicos

essenciais.

Verifica-se nas Jurisprudências juntadas, as quais, como já foi dito

anteriormente, tem o objetivo de ilustrar o que foi estudado nesta pesquisa, a

importância de reportar-se aos direitos fundamentais e garantias constitucionais, a

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fim de proporcionar aos usuários a possibilidade de insurgirem-se quanto aos atos

praticados pela Administração Pública, em especial à suspensão dos serviços

públicos essenciais.

Denota-se ainda a importância da teoria defendida pelo Garantismo Jurídico

para o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos, garantindo-lhes o

mínimo de dignidade humana. A importância de se observar os princípios

constitucionais e o problema da promulgação de leis infraconstitucionais contrárias

ao que preceitua a Constituição, o que acarreta na interpretação dos fundamentos

constitucionais de acordo com o que dispõem estas leis infraconstitucionais, quando

deveria ser ao contrário, ou seja, estas leis é que deveriam adaptar-se ao que a

Constituição determina para terem validade, sob a ótica da Teoria Garantista.

Para este desiderato, salienta-se, mais uma vez, a importância do Poder

Judiciário, em especial os juízes, conforme bem observa Cademartori (2001):

Em termos mais claros, afirma-se que o único sentido que o juiz pode dar à norma é o melhor desde a perspectiva constitucional, vale dizer, o que melhor garanta os direitos fundamentais da pessoa e torne mais efetivas as normas constitucionais ao reduzir o desvio entre estas e a realidade social e jurídica. [...] Nessa medida, o juiz está vinculado ao Direito e à lei, mas somente na configuração que estes termos assumem na perspectiva garantista, que é a da proteção e implementação dos direitos fundamentais na sua dimensão mais ampla: formal e substancial, ou seja, da vigência e da validade sendo que ambas precisam estar em conformidade com o ordenamento jurídico.

Por fim, cumpre salientar que as jurisprudências supracitadas têm por objetivo

corroborar com o entendimento apresentado ao longo desta pesquisa, bem como,

salientar o papel do Poder Judiciário na garantia da observância dos direitos

fundamentais e das garantias constitucionais, que fundamentam a prestação de

serviços públicos essenciais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi apresentado nesta pesquisa conclui-se que os serviços

públicos essenciais são regidos pelo Direito Administrativo, o qual embasa a

atividade jurídica do Estado e a Administração Pública. Logo, o serviço público é

incumbência do Estado. Nesta concepção, destaca-se que a Administração Pública

é responsável por fornecer serviços públicos aos seus usuários, quer seja através de

uma prestação direta do ente público ou através de serviços concedidos, permitidos

ou autorizados, sob controle ou fiscalização do Estado.

Nesse desiderato, o Direito Administrativo, ao regular a atuação do Estado na

prestação de serviços públicos, dispõe acerca das características inerentes a estes,

classificando-os de acordo com o fim a que se destinam. Igualmente, estabelece

direitos fundamentais e garantias, representadas por postulados que devem ser

respeitados para proporcionar a disponibilização de serviços adequados às

necessidades dos usuários. Para este fim, a Lei 8987/95, o Código de Defesa do

Consumidor e a Constituição Federal elencam princípios que proporcionam maior

segurança ao cidadão em sua relação com a Administração Pública.

Em relação a estas garantias e direitos fundamentais, destaca-se o princípio

da continuidade dos serviços públicos essenciais, previsto no Código de Defesa do

Consumidor, o qual determina a impossibilidade de constranger os usuários destes

serviços com ameaças de corte em seu fornecimento. Outrossim, destacam-se os

princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, devido processo legal e

dignidade da pessoa humana, os quais garantem ao usuário a possibilidade de

justificar seu inadimplemento e não ser privado de um serviço essencial para sua

vida em sociedade através de um ato, muitas vezes abusivo, do prestador de

serviços públicos essenciais.

Considerando os princípios supracitados, impende assegurar mecanismos

para implementar, efetivamente, os direitos fundamentais e garantias explicitados.

Neste ínterim, evidenciasse a importância do modelo de Estado Democrático de

Direito na acepção apregoada pela Teoria do Garantismo Jurídico, onde o indivíduo

é o fim maior a que se destina a existência do Estado. Nesta concepção, os direitos

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fundamentais e as garantias dos indivíduos devem servir como fundamento da

atuação da Administração Pública, a qual não pode furtar-se de pautar sua atuação

na busca do bem comum e para essa aspiração é relevante a prestação continua

dos serviços públicos essenciais.

Cabe lembrar o pensamento de Cademartori (2001, p. 181), que diante desse

quadro, exalta a atuação do Poder Judiciário, o qual, sob os parâmetros da Teoria

do Garantismo Jurídico, deve efetuar o controle e a adequação axiológica-

constitucional dos atos da Administração Pública, a fim de garantir que o juiz aprecie

“[...] na sua inteireza, quaisquer atos oriundos do Poder Público, tendo como

parâmetros as garantias constitucionais e os direitos fundamentais cuja diretriz

política estará referida à primazia do administrado frente à Administração.”

Essas reflexões permitem afirmar que, sob a ótica da Teoria do Garantismo

Jurídico, a suspensão dos serviços públicos essenciais, da maneira como é efetuada

no Brasil, é ilegal, uma vez que não possibilita aos seus usuários utilizarem os meios

previstos constitucionalmente ou através de leis infraconstitucionais, para

insurgirem-se quanto ao ato que os priva da utilização destes serviços.

Impende salientar ainda, o papel dos operadores do direito, com vistas a

efetivar a observância dos diretos fundamentais e das garantias dispostas na

Constituição, aplicáveis a prestação de serviços públicos essenciais pela

Administração Pública, com o intuito de proporcionar aos indivíduos o mínimo

necessário para atender suas necessidades, bem como contribuir para o

desenvolvimento e funcionamento da sociedade.

Por derradeiro, conclui-se que somente quando os serviços públicos,

proporcionarem a efetividade dos princípios fundamentais que regem toda

sociedade, será possível vislumbrar a efetiva realização dos direitos e garantias

fundamentais com o respeito incondicional a dignidade da pessoa humana.

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