Lucio cardoso
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UNIESP – FACULDADE DIADEMA
LETRAS
Disciplina: Literatura Brasileira
Profª Elizabeth Franke
LÚCIO CARDOSO
CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA
Rosana Ferraza Pires dos Santos
RA 0050040817
V sem Letras – matutino
DIADEMA
2014

Cardoso, Lucio (1912 - 1968)
BIOGRAFIA
Joaquim Lúcio Cardoso Filho (Curvelo MG
1912 - Rio de Janeiro RJ 1968). Romancista,
poeta, dramaturgo, tradutor e artista plástico. Aos
2 anos é levado para Belo Horizonte e depois para
o Rio de Janeiro, para onde se transfere
definitivamente em 1929. Adolescente, escreve
peças teatrais somente para os amigos. Um
desses textos, O Reduto dos Deuses, é elogiado
pelo escritor Aníbal Machado (1894 - 1964), que o
incentiva a seguir a carreira literária.
Publica em 1934 seu primeiro romance, Maleita, sobre a fundação de uma
cidade no interior de Minas Gerais; e, em 1935, lança Salgueiro, sobre a vida
nos morros cariocas. Mas é somente com A Luz no Subsolo, de 1936, que
encontra seu caminho, uma ficção introspectiva. Em 1939 faz sua única
incursão pela literatura infantil, Histórias da Lagoa Grande, e dois anos depois
publica Poesias, compilação de trabalhos escritos na década anterior. Nos
anos 1940 trabalha incessantemente, escreve peças de teatro, faz traduções e
colabora com crônicas policiais nos jornais. Interessado em cinema, inicia em
1949 as filmagens do longa-metragem A Mulher de Longe, inacabado, e em
1961 escreve o roteiro de Porto das Caixas, de Paulo César Saraceni (1933).
No ano seguinte, sofre um derrame cerebral, que paralisa o lado direito de seu
corpo, passa então a dedicar-se à pintura. Expõe seus trabalhos em São
Paulo, Rio e Belo Horizonte.
* * * * *
Joaquim Lúcio Cardoso Filho nasceu em Curvelo, Minas Gerais, a 14 de
agosto de 1912 e faleceu em 28 de setembro de 1968, na Clínica Doutor Eiras,
Rio de Janeiro, vítima de derrame cerebral. Era filho de Joaquim Lúcio Cardoso
e de Maria Venceslina Cardoso. Em 1913, transferiu-se com a família para Belo
Horizonte, onde passou sua primeira infância e fez os estudos elementares no
Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Em março de 1923, a família muda-se
para o Rio de Janeiro, e Lúcio foi matriculado no Instituto Lafayette. No ano
seguinte retorna à capital mineira, a fim de complementar estudos no Colégio
Arnaldo. Em 1929, retorna ao Rio de Janeiro. Apesar de ser considerado um
péssimo aluno, lia tudo que lhe caía às mãos: a obra de Eça de Queirós, os
romances de Conan Doyle, os contos de Hoffmann¹. Desta época data a sua

primeira experiência de dramaturgo, a peça Reduto dos Deuses, que mereceu
elogios de Aníbal Machado, e, segundo o próprio autor, era "pretensiosa e
anarquista". Além dos romancistas russos, começou a ler Oscar Wilde entre
outros.
Inicia então suas experiências como romancista e faz publicações em
jornais. Conhece Augusto Frederico Schmidt, que possuía uma editora
instalada no mesmo prédio em que Lúcio trabalhava.
Em 1934, editou Maleita, muito bem recebido pela crítica, em especial a
do temido Agripino Grieco ².Por causa do assunto de seu primeiro romance foi
agrupado entre os regionalistas; entretanto, sua produção tem muito mais
afinidade com o grupo "espiritualista" de Cornélio Pena, Schmidt, Otávio de
Faria, Vinicius de Morais.
Em 1935, publicou Salgueiro, romance de cunho social bem ao gosto da
época e, no ano seguinte, A Luz no Subsolo, que mereceu elogiosa carta de
Mário de Andrade. A este se seguiram diversos volumes de novelas e poesias,
além de romances, atingindo sua obra o clímax com Crônica da Casa
Assassinada (1959).
Em 1961, publica Diário I (1949 a 1951), ao qual iriam seguir-se os
volumes II a V, que ficaram na intenção, pois em 1962 sofreu um derrame
cerebral, o primeiro, que o incapacitou de escrever. Otávio de Faria organizou
para a José Olympio o Diário II (1952 a 1962) que juntamente com o I, foi
publicado postumamente (1970) sob o título Diário Completo.
Lúcio Cardoso costumava dedicar-se à pintura e ao desenho como
elemento subsidiário à função literária. Concebia plasticamente os cenários de
suas peças, a feição de suas personagens e os locais em que se desenrolava
a ação dos romances. Depois que foi atingido pelo derrame, encontrou na
pintura outro meio de expressão.
Lúcio Cardoso realizou quatro exposições individuais em galerias de arte
do Rio de Janeiro - Goeldi (1965) e Décor (1968) -, e de São Paulo - Atrium
(1965). Em Belo Horizonte, no Automóvel Club de Minas Gerais (1966).
Em 1966 recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de
Letras, por conjunto de obra. Dedicou-se com empenho às artes cênicas, como
autor, roteirista e produtor. Fundou um teatro de câmara, sediado na Tijuca,
onde lançava suas peças com o auxílio de grandes nomes como, entre outros,
os de Henriette Morineau, Sérgio Brito, Ítalo Rossi. Estendeu
concomitantemente esta atividade à televisão e ao cinema, tendo sido
importante sua contribuição para o Cinema Novo.

Obras publicadas - primeiras edições
Romance
Maleita - 1934
Salgueiro – 1935
A Luz no Subsolo – 1936
Mãos Vazias – 1938
A Desconhecida – 1940
Dias Perdidos – 1943
Inácio – 1944
A Professora Hilda – 1946
O Anfiteatro – 1946
O Enfeitiçado – 1954
Crônica da Casa Assassinada – 1959
O Viajante - 1970*
Poesia
Poesias – 1941
Novas Poesias – 1944
Poemas Inéditos - 1982*
Memória
Diários – 1961
Diário Completo - 1970*
Infantil
Histórias da Lagoa Grande - 1939
Teatro
O Reduto dos Deuses – 1929

O Escravo – 1945
O Filho Pródigo - s.d.
O Coração Delator - s.d.
Angélica - s.d.
Cinema
Com os Olhos no Chão – 1959
Porto das Caixas - 1959
* publicação póstuma
ESTILO
A cultura solar do Brasil, cheia de festas, alegria, otimismo, risos e
fantasias também abriga uma vertente sombria, sinistra. É neste espaço que se
encontra a literatura do mineiro Lúcio Cardoso (1913-1968). Seu universo
atormentado é, em sua essência, de desespero e solidão.
Este mineiro, que viveu no Rio de Janeiro a maior parte de sua vida e
que também foi pintor, quando um derrame o afastou da escrita, pode ser
definido também como um gótico brasileiro. Num rápido olhar, isto poderia
parecer um contra-senso, mas numa observação minuciosa não é. Lúcio
buscava as sombras, tinha referências muito próximas daquele estilo célebre e
provou que, em pleno Brasil, era possível encontrar uma legítima obra gótica
adaptada e misturada ao nosso caldeirão cultural. O sol e a luz eram inimigos
que levavam seus protagonistas a usar a sombra e as trevas como referência e
salvação.
Lúcio Cardoso é um caso raro em nossa literatura. Homossexual em
conflito, pintor em gênese, escritor de fato, lutador agoniado, ele descobriu uma
passagem secreta em nossa forma de ver o mundo, em nossa alma brasileira,
muitas vezes inconformada e deslocada. Descobriu que existe, sim, um lado de
trevas em todas as nossas luzes. E que é mais comum do que se imagina.
OBRAS
Maleita
Uma das principais, e talvez a mais equivocada ideia sobre uma suposta
existência de um goticismo no Brasil se dá justamente pelo fator de importação
de conceitos, uma drenagem de criatividade que não se resolve no processo

da criação final, ou melhor, no resultado obtido e exposto. Tanto pior. O juízo
de que em um país tropical, abençoado por Deus, seria impossível, senão
ridículo, investir numa estética de sombras, numa cultura melancólica, num
desejo obscuro.
As premissas acima são válidas, se aplicadas a ferro e fogo, ou além, se
atestadas na forma de utilização básica deste goticismo. Porém,
paradoxalmente, as duas posições são fraquíssimas se analisadas em seus
próprios dogmas. A primeira coisa a se contextualizar são as posições que
permitem um resultado positivo das ideias contrárias ao goticismo.
Num rápido mapeamento de qualquer tipo de produção artística articulada
dentro de uma proposta gótica, a impressão sobressalente resulta na absoluta
conclusão de protótipos e arquétipos prontos para o uso em consumo.
Apesar de uma enorme gama de críticos literários do país esquecer
completamente da existência deste estilo no Brasil e de também não
classificarem nenhum autor como parte integrante dela, basta um rápido
vasculhar em certas obras para descobrir que sim, existe algo que pode ser
denominado literatura gótica brasileira.
Um dos casos mais representativos é justamente Lúcio Cardoso. Todo o
conjunto de sua obra é um resplandecer deste sombreamento da literatura
brasileira. Não seria demasiado apontá-lo como o maior representante deste
gótico nacional.
Teoria das sombras
Em certo sentido, seria um contra-senso existir em um país cheio de sol algo
voltado para as sombras. Reside aí o grande retrato incoerente. Em nossa
literatura regional é muito comum encontrar personagens que tenham um
cunho enfeitiçado pelas sombras, pela contra-luz, pela vida em constante fuga
da luz solar, que aquece e acaba por drenar as forças. Por isso, em muitas
situações, encontramos uma centena de pessoas nascidas e criadas
efetivamente direcionadas em busca desta sombra. Assim é Maleita (uma outra
forma de denominar a malária), publicado originalmente em 1934.
Um homem é mandado a Pirapora (MG) para organizar a cidade, transformá-la
em um pólo de desenvolvimento. Mas o que encontra, como em um bom
romance gótico, é um fantasma a atormentá-lo. Um fantasma não no sentido
literal, mas como representação da própria cidade.

Algumas explicações de cunho histórico se fazem necessárias: de uma
maneira, os descendentes dos portugueses seriam eternamente
estigmatizados com a ideia de um paraíso.
Este é o personagem principal de Lúcio Cardoso. Em busca de seu paraíso,
encontra a malemolência dos moradores da cidade, a rude introdução dos
imigrantes do norte, transformando o local em um verdadeiro caldo assustador,
uma cidade que o persegue a cada passo, a cada momento. Não à toa, os
festejos realizados nas cidades parecem rituais demoníacos.
Promíscua, a cidade vai acabando com seu suposto desbravador. Vem a
maleita. Vem também a varíola. A inimizade corre nas veias de todos. Naquele
ambiente soberbo, às margens do rio São Francisco, a história de horror ganha
cada vez mais força, destruindo, dizimando a vontade do homem, como num
bom romance gótico, melancólico e aniquilador.
Maleita é uma obra impressionante, ainda mais quando se leva em
consideração que é o primeiro trabalho de Lúcio Cardoso. É uma amostra
prática que este estilo existe na literatura brasileira.
Salgueiro
Salgueiro é um romance denso e
complexo, em que o Morro ganha
contornos de protagonista. Neste
segundo romance de Lúcio
Cardoso, publicado em 1935, o
então jovem escritor já revela um
enorme talento na construção
psicológica dos personagens. Estes
são movidos por uma “força
selvagem” que os conduzem a um
“destino atormentado”, para usar as
palavras do autor.
Dividido em três partes – O Avô, O Pai e O Filho –, o morro do
Salgueiro, no Rio de Janeiro, é construído como um lugar à parte, um problema
incrustado na cidade.

A narração em terceira pessoa dá a impressão de um narrador quase
ausente, como se a ação se desenrolasse sozinha. Mas, aos poucos, o
narrador participa de um modo mais ativo, principalmente quando explora o
modo de ser dos personagens. O recurso, usado com habilidade, deixa antever
a precisão técnica de Lúcio Cardoso.
As três partes do romance expõem a história de três gerações de
homens sem perspectivas. Ao longo da narrativa, o leitor percebe que o morro
adquire vida própria, enquanto os personagens vão se descaracterizando,
transformando-se em coisas. A fome e o desemprego geram uma população
de miseráveis, e aqui a miséria é narrada sem meias palavras. Em certos
momentos, é difícil perceber a diferença entre os trapos, a sujeira, a lama, os
cachorros e as pessoas. Tudo e todos são nivelados pela miséria.
É significativo como o morro revela aspectos contraditórios: não são as
personagens que delineiam o espaço, ou atuam sobre ele. A impressão é que
o morro configura os personagens. Trata-se de um mundo à parte, um lugar de
exilados. Ou exilados de uma vida digna.
O romance marca uma diferença bem definida entre o morro, o alto, e os
domínios da cidade. O trecho em que dois personagens vão para um hospital é
notável: o branco das paredes, dos lençóis e dos móveis faz as mulheres
pensar que seria impossível morrer num lugar tão limpo e imaculado.
Entre os personagens há uma espécie de ódio generalizado ou uma
dificuldade para expressar outro sentimento que não seja o ódio. Mas que outro
sentimento é possível esperar de pessoas que vivem à margem da sociedade?
Este romance precocemente maduro tenta responder a essa pergunta.
Daí a surpreendente atualidade da arte narrativa de Lúcio Cardoso, que em
sua obra soube explorar como poucos a loucura e o martírio de seres cindidos
e atormentados.
A luz no subsolo
"Nem sei bem. Tenho medo de mim e tenho medo
dos outros. Não sei como encarar os homens. Às
vezes penso que tenho direito a tudo, que sou o
mais forte. Mas - compreende você? - essa
liberdade é demasiado para mim. Não sei o que
fazer da minha solidão"

Dividido em quatro partes, "A luz no subsolo" começa com um prólogo
anunciando o abandono de Maria, uma empregada do casal Madalena e Pedro
que resolve ir embora, aparentemente sem motivo. Ela alega que está indo
embora por causa "dele", porque não aguenta mais a sombra dele pairando
sobre a casa, isso a está angustiando demais. Não demora muito para
entendermos que "ele" é Pedro. E Madalena não tenta fazer nada para impedir
a sua ida, pelo contrário, ela entende bem esse sentimento. Vai até a casa de
sua mãe para tentar arrumar uma solução, porque Madalena também não pode
ficar sozinha na casa com ele.
No encontro com essa mãe alcoólatra e com uma irmã covarde, que
tinha desejos de abandonar tudo e conhecer o mundo, mas sucumbiu a ficar
encarcerada naquele interior, Madalena começa a rememorar o dia em que
conheceu Pedro e como sua vida se transformou a partir de então. Tudo foi
miserável e solitário desde o princípio, um amor cheio de culpa e miséria, que
ao invés de trazer alento, traz angústia e medo. Pedro é professor e aos
poucos fica claro o ódio que Madalena sente por ele gostar mais dos livros do
que dela, sempre envolvido em um e outro, e nunca conversando com ela. O
prólogo tem fim com o abandono definitivo da casa por Maria, como alguém
que conseguiu se livrar das garras do mal rondante.
A presença da religiosidade é algo marcante nos livros de Lúcio, mas
nesse ela se sobressai logo na nomeação dos personagens: Maria, Pedro e
Madalena. A primeira, a única que poderia ser uma espécie de salvação (a
mãe do salvador) abandona o barco logo no começo, deixando os pecadores
sozinhos, à espera de alguém que os resgate. A atmosfera angustiante que
ressalta a relação de ódio que o escritor tinha com sua terra natal fica clara
logo no princípio. Parece que estamos mergulhados em uma noite constante,
não há sol pra os habitantes daquela cidadezinha no interior de Minas Gerais.
Depois do prólogo há a primeira parte intitulada "Os laços invisíveis",
que trata da chegada de Emanuela (em hebraico Emanuel significa "Deus mais
perto de nós"), uma menina inocente e bonita, que acabou de sair de uma
infância feliz de brincadeiras com os seus irmãos. A presença da inocência de
Emanuela, ao invés de dar leveza ao ambiente, torna-o ainda mais escuro e
opressor, como aquela luz que nos cega quando é jogada diretamente nos
olhos. Pedro é atraído para essa luz, mas com o intuito de apagá-la e não de
se deixar levar por ela. Madalena, por sua vez, fica mais atormentada com o

ciúme e a falta de amor, algo que é escancarado pela presença da menina.
Também ela percebe que não consegue amar sem medo, culpa e julgamento.
Nessa parte do livro também é apresentado o personagem Bernardo, marido
de Cira, a irmã de Madalena, e que nutre uma paixão também doentia pela
cunhada. Sim, nos livros de Lúcio Cardoso todos os amores são patológicos,
não há nada bonito e com vida.
O livro segue com mais duas partes chamadas "Noturno" e "Os
evadidos" que falam principalmente sobre a chegada da mãe de Pedro, Adélia
e os desdobramentos que a presença de Emanuela vai ter sobre os habitantes
da casa. Também essa relação entre mãe e filho é adoecida, assim como a de
Madalena com a sua mãe alcoólatra. Existe também um elo de ligação entre
Madalena e Pedro na infância que mostra um pouco porque eles são assim,
algo aconteceu de muito grave que os fizeram mergulhar nesse poço sem luz.
E tudo isso é brilhantemente explorado por Lúcio em um momento onde a
loucura se apossa totalmente dos personagens. Parece que existem dois
caminhos para a salvação: fugir e abandonar tudo ou morrer. Mas como fugir
sem levar consigo a podridão do que viveram por tanto tempo. É possível?
"Madalena percebia que nesses instantes penetrava novamente no paraíso
perdido da sua infância. Sorria: é com a vida que nós adquirimos a impureza. E
curvando-se sobre as flores rasteiras, onde os insetos passeavam, concluía:
força é procurar o antigo berço para nos sentirmos limpos do lodo que a vida
acumula em nossos ombros..." (pg. 262)
Diários
Católico confesso, deixou em seu Diário (1961), escrito entre os anos de
1949 a 1962, um relato bastante contundente sobre sua homossexualidade, e
as dúvidas e culpas geradas pela sua orientação sexual. Lúcio Cardoso
integrava numa vertente mais geral da literatura brasileira, caracterizada pelo
subjetivismo, que daria a literatura de, entre outros, Clarice Lispector – a qual
manteria uma ligação amorosa platônica com Lúcio Cardoso nos anos 60.
Trechos
“Não sei se há em mim um vício central da natureza, sei apenas que é nela,
nessa paixão voraz e sem remédio, que encontro afinidade para as minhas
cordas mais íntimas.”

“Não é perder que me aflige – porque perdemos tudo, e seria inútil lutar. É
perder dessa maneira, sem uma palavra, como uma flor viva que atirássemos
ao fundo de uma sepultura. Ai, como eu me enganava, como eu me engano a
meu próprio respeito! Julgo-me muito mais frio do que sou, e na verdade a
ausência das pessoas me causa uma profunda perturbação. (Sei que despisto,
que não me refiro exatamente ao que devo – porque ao certo, era de X, era da
sua ausência que devia falar…)”
“O demônio é pequeno, magro e fala quase sem cansar. Está, como eu,
estirado nu numa das tábuas da prateleira da sauna, e não parece estonteado
com os vapores, tal como me acontece. De vez em quando comunica-me que o
meu banho está errado e que não sigo exatamente as regras finlandesas:
tenho de descer do canto sufocante onde me abrigo e deixar-me vergastar
furiosamente com um chicote de folhas de eucaliptos. Em seguida sentar-me
numa tina cheia d’água fria – e logo após subir de novo para a minha prateleira,
onde quase sufoco, mal divisando o meu interlocutor através de espessas
ondas de vapor. Não há dúvida de que era precisamente aqui que eu devia
encontrá-lo. Revela-se logo um velho amigo da minha família, enquanto eu
tremo interiormente, pensando em tudo o que poderá suceder. Possui um sítio
não sei onde, uma máquina fotográfica com que apanhará instantâneos
nossos, mil e uma pequenas utilidades. Recuso-me ao ridículo de sair da
sauna correndo nu para me atirar ao rio; prefiro vestir-me calmamente, e só
assim consigo livrar-me do importuno mestre de banhos a vapor.”
“Um problema existe, sim, e grave, mas há vinte anos que eu me debato dentro
dele, e é possível que, ultrapassando-o, nada mais me afaste desses
sacramentos que são a base de toda a vida eterna.”
“Ontem, num bar com Vito Pentagna, conversamos longamente sobre X. talvez
eu tenha exagerado os meus sentimentos, mas hoje, procurando examinar com
atenção o que se passa comigo, sinto que não tenho muito o que discordar do
que disse: mais ou menos os meus sentimentos permanecem os mesmos. Não
sei o que mais lamentar – mas nesta fidelidade, apesar de tudo, encontro uma
garantia contra as minhas tendências à desordem e à dispersão. É pelo menos
o que recolho de melhor nesta pesada prova que já tem a duração de dois
anos.”
“Rompendo ontem com X, atingi o final de um movimento que vem caminhando
há muito tempo. Pensando hoje nos detalhes, imagino que talvez tenha sido
injusto mas, ainda assim, não é mais tempo para recuar, já que no futuro a
única coisa que me espera é o longo trabalho que tenho a fazer. Pensando em
certos detalhes da vida de X, sua pobreza, suas dificuldades, o escuro porão
em que mora, sua timidez feita de orgulho e em geral suas dificuldades na vida
prática, sinto uma enorme pena. É uma coisa triste não poder auxiliar as

pessoas como seria necessário; mas também não posso me sacrificar mais e,
tudo o que foi vivido, vai para este poço fundo onde guardamos as lembranças,
algumas delas, como esta, das melhores de nossa vida.”
“Num carro, a caminho do Alto da Boa Vista, sigo com alguns jovens – alguns
extremamente jovens – que se embriagam e rompem ampolas de Kelene, em
cujo rótulo leio anestesiante. Sim, é fértil em recursos essa mocidade, mas do
que precisamente procura ela se anestesiar? Nenhum deles sofre de algum
mal profundo – e no entanto, esse mal pior de não sofrer de mal nenhum… – e
são hábeis e versados nessas coisas de éter e entorpecentes, pronunciando
esse nome – Kelene – com familiaridade, nome sem dúvida mais que usual nos
hospitais, mas que ouço pela primeira vez e onde julgo distinguir inquietas
ressonâncias, sombrias previsões e não sei que tom amputado e doloroso, que
reflete salas de hospitais, asilos de alienados e antros escuros de vícios –
todos os lugares enfim onde a alma impaciente pode passear sem arroubos
finais seus gritos destruidores. Kelene, mesmo inocente, tem no frio do seu jato
efêmero e cristalino, toda uma melodia secreta de delírios fúnebres, alvorecer
em êxtase e desabrochamento de deliquescências reprimidas. E o que me
espanta é que esses jovens moderados, de atitudes e costumes mais que
burgueses, a isto se atirem com gritos de prazer e estremecimentos animais:
como que da sombra alguma coisa mais primitiva e mais antiga do que o
próprio homem, acorda em suas faces necrosadas o gosto do imundo.”
“É que o prazer não me interessa. Sempre o que me interessou foi o amor, e
agora que vejo perder-se a possibilidade dele (ai de mim) sinto que não me
interesso por outra coisa, e que o prazer sozinho não vale nada e não tem
atrativos para mim.”
“Aproveito todas as aquisições da idade: afasto-me da carne pura e simples,
sentindo que nela não há prazer e nem enriquecimento, mas somente
melancolia e pobreza. Ah, existe um momento em que ser casto não é difícil —
e a ele eu me atiro com todas as forças do ser. Não, não se pode imaginar a
necessidade que eu tenho de pureza e de tranquilidade — minha impressão é
a de que recomeço a viver.”
“Montherlant diz — e não pode haver testemunho mais insuspeito — que o
homossexualismo é “a própria natureza”. No que tem razão, pois no ato de
duas pessoas do mesmo sexo se unirem, há um esforço da natureza para se
realizar até mesmo sem os meios adequados.”
“Não, a carne não é importante — pelo menos não o é senão em determinada
idade. Eu me pergunto se tantas pessoas que eu vejo, exclusivamente
dominadas pela carne, pela ânsia do prazer, se não serão assim.
exclusivamente por uma questão de vício, de hábito, de covardia ante a

necessidade de mudar a forma de vida, de procurar o divertimento em formas
mais elevadas e menos deprimentes.”
“Estranho dom: Deus deu-me todos os sexos.”
“Aqui está alguém que eu conheço e cujo retrato encontro estampado em todos
os jornais. T. possui dezoito anos, tez pálida, cabelos muito pretos e olhos
intensamente azuis. Olhos que vivem nesta face com a melodia agreste dos
felinos. Quando o conheci, surpreendeu-me a força que manifestava, calada e
secreta. Fugiu de casa, agrediu algumas pessoas, roubou perto de trezentos
mil cruzeiros, foi condenado e eu o revi, mais tarde, na penitenciária, numa
visita que fiz àquela casa. Não trocamos palavra, ele trabalhava na seção de
consertos de rádio e eu o reconheci imediatamente, pela extraordinária
particularidade de seus olhos agudos, vigilantes, se bem que tivesse crescido
muito e guardasse em todos os gestos um jeito novo de defesa. (Lembrei-me
particularmente de um dia de carnaval, quando me levou à casa onde então
morava um sórdido barracão, em companhia de um preto que ele espancava
continuamente. Embriagou-se nesta noite e quebrou todos os móveis que
existiam lá dentro. Eu o contemplava, cheio de admiração.) Agora acaba de
fugir pelos esgotos da prisão, onde esteve durante dezoito horas, emergindo
rasgado, mordido pelos insetos e coberto de lama, num dos bueiros da cidade.
Preso de novo, declarou aos jornais que não suporta a monotonia da vida. E eu
me lembro mais uma vez daqueles olhos sem repouso, autoritários, capazes de
todos os extremos, que tentei evocar numa peça que nunca saiu da gaveta,
intitulada Olhos de Gato. O que ousei pensar, decerto fica muito aquém da
realidade. Ó grande Deus, equívoco da paixão e do crime!”
Clarice Lispector e o amor por Lúcio Cardoso

Quando se conheceram, em 1940, Clarice tinha 20 anos, e Lúcio -
brilhante e sedutor -, 28. Mas era um amor impossível: Lúcio era um
homossexual assumido. Havia, porém, um segundo impedimento: os dois eram
"parecidos demais". Mesmo assim, foi esse amor não correspondido que levou
Clarice a cultivar a solidão - condição essencial para a escrita. Mais que isso:
foi o fracasso no amor que a empurrou para a literatura. Por meio de Lúcio, ela
passou a frequentar as rodas literárias do "grupo introspectivo", que se reunia
no Bar Recreio, no Rio de Janeiro. Chegou, assim, à poesia metafísica de
Augusto Frederico Schmidt e encontrou sua ascendência "mística" em Cornélio
Penna e Octavio de Faria, essenciais para a sua obra. Foi Lúcio Cardoso quem
sugeriu o título de seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem (1943).
Foi ele, ainda, quem lhe mostrou que as anotações dispersas, que ela tomava
às tontas e pareciam incoerentes, eram, na verdade, o seu método.
O Coração Selvagem de Lúcio Cardoso
"O mal, para mim, não foi uma entidade literária, ou uma
sombra apenas entrevista no horizonte humano. Soube com
pungente intensidade o que ele significa em nossas vidas, e
muitas vezes toquei seu corpo com meus dedos
queimados... já que a dura contingência humana me fez tão
propício ao seu fascínio"
[Lúcio Cardoso, Diário Completo]
“(...) estou procurando, estou procurando. Estou tentando
entender.”
[Clarice, A Paixão Segundo G. H.]
Escreve-se uma carta não pelo prazer do grande texto, mas para
mobilizar alguém. Essa mobilização do outro bem que Clarice Lispector tentou
nas cartas enviadas a Lúcio Cardoso – ela que quando escrevia carta utilizava,
graças a seu olhar multiplicador de imagens, “um anzol compridíssimo, cuja
isca bate no Rio de Janeiro para pescar resposta”. Resposta sempre avara.
Lúcio assumira uma legenda de mistérios e incógnitas para manter-se distante
ou talvez perto, muito perto com seu coração selvagem. Uma estranha
proximidade contra a qual Clarice frequentemente protestava: “Lúcio, como vai
você? Responda...”.
São vinte as cartas conhecidas de Clarice endereçadas a Lúcio, num
período que vai de 1941 a 1947, de diferentes cidades: Belo Horizonte, Belém,

Nápoles, Rio de Janeiro. Quase todas cartas de amor, de um amor que ficou
suspenso, mudo, em face às intermitentes palavras de Clarice, desafiadoras,
latentes ou, efeito contrário, a bloquear qualquer possibilidade de
relacionamento amoroso, quando todas as tentativas resultaram vãs.
Clarice e Lúcio se conheceram em 1940, no Rio de Janeiro, na sede da
Agência Nacional, onde ela trabalhava como redatora. Tinha 20 anos, ele 28. E
esse não é um fato externo que importa apenas à biografia e à lenda dos dois
escritores. Para eles o tempo começa a contar-se por esse encontro. Por vezes
a realidade dissolve-se em ambiguidades, ironias, nuanças devastadoras, de
tal forma que a história pessoal passa a importar pelos oblíquos e indiretos
jogos de motivações, ainda que incompletos, como marca do estilo e da vida
do artista. Uma vida “não relatável” e “não vivível”, diria Clarice.
A primeira carta, datada de Belo Horizonte, junho de 1941, narra uma
paixão de perder-se e também de perder, retiradas as possibilidades de se
afirmar a presença do outro: “quanto ao teu fantasma, procuro-o intimamente
pela cidade”. O pulso do amor batia forte, mas Lúcio insistia em não pegá-lo na
travessia – grande dissipador. Para ele, nada mais sórdido do que a
proximidade. E o silêncio, a imediata recusa.
Em 1943, Clarice casa-se com Maury Gurgel Valente, diplomata, que
não havia entrado na história, nem nas cartas de Clarice que, endereçadas a
Lúcio, ainda assim se avolumavam. O interesse afetivo e intelectual pelo amigo
não se desfez, surpreendentemente se manteve intenso. Ela então lhe mostra
um manuscrito que considerava um esboço despretensioso; ele o lê e percebe
um romance pronto; escolhem juntos o título “Perto do Coração Selvagem”.
O livro seria publicado no início de 1944, dez dias depois, Clarice se
transfere com o marido para Belém, onde residira por seis meses. O mundo
imerso na irrealidade e no desnorteamento de uma guerra imprevisível,
enquanto os combates pessoais prosseguem. A necessária deriva.
“Belém, 6 de fevereiro de 1944. Estou aqui meio perdida. Faço
quase nada. Comecei procurar trabalhar e começo de novo a me
torturar, até que resolvo a não fazer programas; então a liberdade
resulta em nada e eu faço de novo programas, e me volto também
contra eles. Tenho lido o que me cai nas mãos. Caiu-me plenamente
nas mãos “Madame Bovary”, que reli. Aproveitei a cena da morte
para chorar todas as dores que tive e as que não tive. – Eu nunca
tive propriamente o que se chama “ambiente”, mas sempre tive
alguns amigos. Aqui só tem “mutuca”, (isso é besouro, mas por que
não chamar tudo mutuca logo de uma vez?).”

A presença de Clarice em Belém é mais do que uma vaga referência
emocional. Foi aqui que toda a repercussão de sua estreia revolucionária veio
encontrá-la, entre as paredes de um quarto no Hotel Central, na Presidente
Vargas. É o caso do artigo de Lúcio, no Diário Carioca:
“Poucas vezes temos visto um tão exacerbado individualismo, uma
tão lenta e obstinada sondagem do seu próprio eu, como faz a
autora de ‘Perto do Coração Selvagem’. Deste mundo
essencialmente feminino, cheio de imagens, de sons, de claridades
azuis, brancas e esverdeadas, de folhas novas e manhã ainda
cheirando a mato, Clarice Lispector consegue nos transmitir uma
imagem poderosa e viva: não há dúvida de que estamos diante de
uma singular personalidade, que sabe captar do mundo exterior e
interior, e muitas vezes da sua fusão, uma vida perfeita. Nesta
estranha narrativa, onde o romance se esfuma para converter muitas
vezes numa rica cavalgada de sensações, a poesia brota como uma
fonte nova e pura”.
O artigo valeu como se Lúcio tivesse respondido a sua primeira carta,
mas ela sabia não se tratar de uma resposta, e sim da voz selvagem de
demônios, entre exílios e expulsões, silenciando o coração de Lúcio.
“Imagine que eu estava junto à mesa, pronta para escrever para
você e contar coisas, quando bateram à porta e trouxeram-me, vindo
do Rio, o que você publicou no Diário Carioca... Fiquei assustada
com o que você diz – que é possível que o meu livro seja o mais
importante. Tenho vontade de rasgá-lo e ficar livre de novo (é
horrível a gente estar completa). Sei que não é isso que você quis
dizer. Quanto ao meu meio sucesso me perturbar, às vezes, ele me
deixa saciada e cansada. Ás vezes, embora possa parecer falso, me
desanima, não sei porquê. Parece que eu esperava um começo
mais duro e, tenho a impressão, seria mais puro. Enfim, tudo isso é
tolice minha”.
Mestre de bruxarias incrustadas na carne e no verbo, Lúcio lhe faria
amar qualquer coisa viva, talvez mesmo uma barata, desde que em silêncio. O
inexprimível nada a oscilar:
“Alô Lúcio, isto é apenas para perguntar como você vai. O quê? Ah,
estou bem, obrigada. O quê? Ah, sim, você talvez tenha razão. Que
você tem me escrito muito? Sim, recebo sempre suas cartas; até ia
lhe dizer que não me escrevesse tanto porque você pode se cansar.
O quê? Que você faz isso por amizade? É claro, pois foi o que
pensei. Que você me mandou seus livros? realmente, todos os dias
recebo um. Se eu li seu poema ‘Miradouro’? sim, li e gostei tanto,

tanto. O quê? desculpe, não estou mais ouvindo, a distância é
grande, minha ‘aura’ está acabando e o esforço desta comunicação
é tão sobrehumano que mal tenho força de assinar”.
Lúcio fazia um mínimo de gestos, reduzia tudo a quase nada, não
fossem as palavras de Clarice a narrar uma paixão em que o caso amoroso
não era do outro mais o outro, mas do outro menos o outro. A própria reversão
das iniciais do nome de Clarice Lispector (CL) e de Lúcio Cardoso (LC) talvez
insinuasse a impossibilidade de se tocar sequer as extremidades “queimadas”
dos dedos, numa despedida; não realizada na pessoa amada a alquimia única
e vibrante que o tempo ousa ser. Contudo, de um jeito ou de outro, nem a
beleza, nem o amor escapam a ele. Paixão de perder e não de exceder.
Excesso também é vazio, sabeis.
Clarice seguiu acompanhando o marido por diversos postos
diplomáticos. De Nápoles, a 26 de março de 1945, estica ou condensa outra
carta/isca: “Lúcio, me escreva e conte coisas. Ou então não escreva, que
posso eu fazer? Um dia desses fui ver a lava do Vesúvio. Tenho um pedaço
feio de lava para você. Depois de um ano ainda estava quente; é uma extensão
enorme, negra, de vinte a trinta metros de altura; a gente anda sobre casas,
igrejas, farmácias soterradas. A erupção foi em março de 1944 e quando chove
sai fumaça ainda.”
Mesmo sem querer – avessa que era a dar pistas sobre seu texto –,
Clarice faz aqui, com sutileza ímpar, uma das mais belas descrições de sua
obra. Passados quase 30 anos de sua morte, ocorrida a 9 de dezembro de
1977, essa escritura permanece “quente” e “é uma extensão enorme” de um
território engendrado por ausências e vazios, que não se captura, quando
muito se rivaliza pelos subterrâneos inventivos da palavra, atravessados por
poucos: um Lúcio Cardoso, Guimarães Rosa, Osman Lins. Quem mais? Tanto
que, nas tardes de chuvas intensas como as que caem sobre Belém, “sai
fumaça ainda” de suas palavras.
Crônica de Clarice para Lúcio Cardoso
Lúcio, estou com saudade de você, corcel de fogo que você era, sem limite
para o seu galope.
Saudade eu tenho sempre. Mas, saudade tristíssima, duas vezes.
A primeira quando você repentinamente adoeceu, em plena vida, você que era
vida. Não morreu da doença. Continuou vivendo, porém era homem que não
escrevia mais, ele que até então escrevera por uma compulsão eterna gloriosa.
E depois da doença, não falava mais, ele que já me dissera das coisas mais
inspiradas que ouvidos humanos poderiam ouvir. E ficara com o lado direito

todo paralisado. Mais tarde usou a mão esquerda para pintar: o poder criativo
nele não cessara.
Mudo ou grunhindo, só os olhos se estrelavam, eles que sempre haviam
faiscado de um brilho intenso, fascinante e um pouco diabólico.
De sua doença restaria também o sorriso: esse homem que sorria para aquilo
que o matava. Foi homem de se arriscar e de pagar o alto preço do jogo.
Passou a transportar para as telas, com a mão esquerda (que, no entanto, era
incapaz de escrever, só de pintar) transparência e luzes e levezas que antes
ele não parecia ter conhecido e ter sido iluminado por elas: tenho um quadro,
de antes da doença, que é quase totalmente negro. A luz lhe viera depois das
trevas da doença.
A segunda saudade já foi perto do fim.
Algumas pessoas amigas dele estavam na ante-sala de seu quarto no hospital
e a maioria não se sentiu com força de sofrer ainda mais ao vê-lo imóvel, em
estado de coma.
Entrei no quarto e vi o Cristo morto. Seu rosto estava esverdeado como um
personagem de El Greco. Havia a Beleza em seus traços.
Antes, mudo, ele pelo menos me ouvia. E agora não ouviria nem que eu
gritasse que ele fora a pessoa mais importante da minha vida durante a minha
adolescência. Naquela época ele me ensinava como se conhecem as pessoas
atrás das máscaras, ensinava o melhor modo de olhar a lua. Foi Lúcio que me
transformou em “mineira”: ganhei diploma e conheço os maneirismos que amo
nos mineiros.
Não fui ao velório, nem ao enterro, nem à missa porque havia dentro de mim
silêncio demais. Naqueles dias eu estava só, não podia ver gente: eu vira a
morte.
Estou me lembrando de coisas. Misturo tudo. Ora ouço ele me garantir que eu
não tivesse medo do futuro porque eu era um ser com a chama da vida. Ora
vejo-nos alegres na rua comendo pipocas. Ora vejo-o encontrando-se comigo
na ABBR, onde eu recuperava os movimentos de minha mão queimada e onde
Lúcio, Pedro e Míriam Bloch chamavam-no à vida. Na ABBR caímos um nos
braços do outro.
Lúcio e eu sempre nos admitimos: ele com sua vida misteriosa e secreta, eu
com o que ele chamava de “vida apaixonante”. Em tantas coisas éramos tão
fantásticos que, se não houvesse a impossibilidade, quem sabe teríamos nos
casado.

Helena Cardoso, você que é uma escritora fina e que sabe pegar numa asa de
borboleta sem quebrá-la, você que é irmã de Lúcio para todo o sempre, por
que não escreve um livro sobre Lúcio? Você contaria de seus anseios e
alegrias, de suas angústias profundas, de sua luta com Deus, de suas fugas
para o humano, para os caminhos do Bem e do Mal. Você, Helena, sofreu com
Lúcio e por isso mesmo mais o amou.
Enquanto escrevo levanto de vez em quando os olhos e contemplo a caixinha
de música antiga que Lúcio me deu de presente: tocava como em cravo a Pour
Élise. Tanto ouvi que a mola partiu. A caixinha de música está muda? Não.
Assim como Lúcio não está morto dentro de mim.
POESIAS
POEMA
Quando na escuridão o teu riso retinia,
eu chamava baixinho: Egito ...
E ela desnudava a espádua onde estava gravada
como marca de fogo, a rosa do amor.
Egito! O ar palpitava como se um pássaro voasse
e eu fechava os olhos - tão grande era a paixão que me queimava.
Às vezes, quando a noite nos envolvia na sua ânsia mortal,
sentia o seu coração bater - e dizia comigo que ela era humana
e sua alma estava aprisionada à minha.
Mas nós ainda jazíamos por trás das grandes muralhas.
As flores faziam-na fremir como dedos vorazes,
as cantigas dos rios deixavam-na febril,
o grito dos chacais causava-lhe desmaios.
Egito! Ó Egito, por que me abandonaste,
por que envenenaste o ar que eu respirava?

Junto de ti as violetas fenecem, o mel se torna ácido,
junto de ti o meu amor não é senão castigo e tormento.
Ah, de que terrível noite nasceste, ó desejo,
de que fonte de amargura, ó luz crepuscular!
Egito! Mistério do céu infinito
desdobrado sobre mim como negro sudário —
que força me revelará o teu verdadeiro nome,
Esmeralda, Safira, constelação de astros efêmeros e malditos!
POEMA DO FERRO E DO SANGUE
Esqueceram os campos revolvidos
onde vegetam perdidos
os ossos obscuros
calcinados
de dez milhões de mortos.
Esqueceram as cruzes improvisadas
erguendo para o alto
preces de galhos retorcidos.
E esqueceram o rumor das granadas
revolvendo a terra e os vivos
devorando os mortos
destruindo.
ÚNICO POEMA DE AMOR

tudo tão calmo
a vida dormindo
como agora que tombasse sem murmúrio
na planície do meu pensamento ...
folhas mortas que não voam,
pássaros imóveis que não cantam,
água parada que não corre ...
e teu corpo como um lírio sobre a terra,
e a terra muda impregnada de perfume,
teus olhos grandes como flores noturnas,
flores que se abrem na doçura do silêncio
e minha sombra como uma nuvem perdida
debruçada sobre teus cabelos imóveis
que bóiam na água da planície...
ROMANCE PSICOLÓGICO
O gênero romance psicológico tem como principal característica a
imersão nas razões dos motivos, escolhas e ações dos seres humanos, no
fluxo inconsciente das memórias que passa a determinar o comportamento dos
personagens. Ao contrário de outros tipos de romance, onde o ambiente
sociocultural é fator crucial para o desenvolvimento da trama, o psicológico
apega-se à análise das decisões e motivos íntimos.
O gênero ganharia reconhecimento no final do século XIX, quando a
obra prima Dostoiévski foi traduzida do russo para outras línguas: Crime e
Castigo (1866), que apresenta um personagem atormentado por sua memória
após cometer um assassinato.

Na literatura inglesa, um clássico do romance psicológico é O Morro dos
Ventos Uivantes (Wuthering Heights), de Emily Brontë, escritora britânica. Em
suas páginas, a autora apresenta um imenso campo em que podem ser feitas
interpretações das instâncias psíquicas dos personagens (superego, id e ego.
O marco inicial do romance psicológico no que se refere à literatura do
Brasil foi escrito por Machado de Assis. Com seu livro, Dom Casmurro, o autor
apresenta personagens multifacetados e analisa profundamente as
características psicológicas de cada um deles. Ainda na literatura brasileira,
outros títulos de romances considerados psicológicos são: Crônicas da Casa
Assassinada, de Lúcio Cardoso, A Menina Morta, de Cornélio Pena, São
Bernardo, de Graciliano Ramos, Laços de Família e Perto do Coração
Selvagem, duas obras de Clarice Lispector.
Lúcio Cardoso e sua "Crônica da Casa Assassinada"
O romance acompanha a ruína de uma
aristocrata família mineira. Uma saga que se
desenrola nos limites de uma casa de fazenda. A
casa desempenha o papel principal: os
personagens são feitos do cimento da casa e esta,
da carne dos seus habitantes. A perspectiva dos
temores que habitam a casa, da casa que sangra,
que sofre, que abriga os mais trágicos segredos.
Crônica da Casa Assassinada reconstrói de maneira admirável o clima
de morbidez que envolve os ambientes e os seres. Fixa a angústia de um amor
que se crê incestuoso. Em vez de referências diretas, são as cartas, os diários
e as confissões das pessoas que conheceram a protagonista (e dela própria),
que vão entrar como partes estruturais do livro, tornando a narrativa incomum e
que costuram com maestria a história dos Meneses, centrada na presença de
uma mulher desconhecida..
A obra surpreende antes de tudo pelo seu fôlego, e também pelo uso
apropriado e coerente de vários instrumentos narrativos, cada um deles a
cargo de um narrador diferente. Enquanto viaja devagar por uma trilha escura,
à margem da qual se sucedem os sinais de desvios psicológicos e conflitos de
natureza moral, o leitor testemunha a demorada queda da casa dos Meneses,
tradicional família mineira - esse reduto de dominação e violência discreta que
o autor fez questão de atacar sem piedade.
A agonia de Nina, protagonista da obra, sua alma presa a um corpo
carcomido pelo câncer, é a ramificação da metástase que condena a casa e

contagia seus habitantes com a degeneração da propriedade produtiva
transformada em um cemitério de mortos-vivos.
A essência do livro, Lúcio desenharia em linhas duras, num depoimento
na época do lançamento:
"Meu movimento de luta, aquilo que viso destruir e incendiar pela visão de
uma paisagem apocalíptica e sem remissão é Minas Gerais. Meu inimigo é
Minas Gerais. O punhal que levanto, com aprovação ou não de quem quer
que seja é contra Minas Gerais. Que me entendam bem: contra a família
mineira. Contra a literatura mineira. Contra o jesuitismo mineiro. Contra a
religião mineira. Contra a concepção de vida mineira. Contra a fábula
mineira"
O depoimento do autor explicita as motivações que impulsionam a
narrativa em torno e por dentro dos Meneses, tradicional família da aristocracia
decadente de Minas Gerais. Para investir contra Minas Gerais, Lúcio Cardoso
acompanha a crescente desagregação das relações entre os familiares, a
cidade e a casa. Não há especificamente a representação de símbolos
regionalistas, uma vez que o romance deslinda os complexos universos
interiores das personagens, que mal conseguem dialogar entre si ou produzir
discursos coerentes. Há, sim, a construção e a representação alegórica de
elementos regionalistas dentro de uma perspectiva subjetiva, quando, por
exemplo, ao final do romance, a população da cidade é dizimada por uma
epidemia:
"(...) ia a meio a triste epidemia que liquidou nossa cidade. A Chácara dos
Meneses foi das últimas a tombar, se bem que seu interior já houvesse sido
saqueado pelo bando chefiado pelo famoso Chico Herrera. Vejo-a ainda, com
seus enormes alicerces de pedra, simples e majestosa como um monumento
em meio à desordem do jardim. A caliça já tinha quase completamente
tombado de suas paredes, as janelas, despencadas, batiam fora dos caixilhos,
o mato invadia francamente as áreas outrora limpas e subiam pelos degraus já
carcomidos - e, no entanto, para quem conhecia a crônica de Vila Velha, que
vida ainda ressumava ela, pelas fendas abertas, pelas vigas à mostra, pelas
telhas tomadas, por tudo enfim, que constituía seu esqueleto imóvel, tangido
por tão recentes vibrações." (Cardoso, 2008, p. 495)
Conhecido por travar polêmicas com os escritores nordestinos
regionalistas de seu tempo, Lúcio Cardoso não nutria simpatia por esse tipo de
literatura, enveredando por outras searas estéticas. Esse fato torna Crônica da
casa assassinada um romance muito particular da história da literatura
brasileira, porque não se enquadra facilmente em um único tipo de produção
literária. O tom intimista com que é realizada a exploração de personagens
enigmáticas como Nina, que seduz seu suposto filho, André, dá forma e

sustentação para a contestação da cultura mineira, lida na desagregação das
tradicionais formas de relação familiar.
Composta por meio de cartas enviadas e não respondidas, de trechos
de diários, de depoimentos, de confissões parciais, a narrativa é fragmentada,
não-linear e sem nexos explícitos de causa e consequência. As primeiras
páginas com que depara o leitor são parte do diário de André. Ele nos conta o
momento final das tramas ainda a serem apresentadas, mergulhando na
profunda dor e revolta que lhe causara a morte de Nina, mulher da capital
carioca que aporta no conservadorismo rural sustentado pela casa dos
Meneses. Encerrado em seu relacionamento, André se sente profundamente
traído pela perda de seu objeto de desejo. Vivendo alienado de todos e do
mundo, sua fuga e sua separação da casa dos Meneses ao fim da narrativa,
depois do enterro da mãe, não significam uma possível libertação da
engrenagem da dor em que se encontrava preso:
"18 de... de 19... - (meu Deus, que é a morte? Até quando, longe de mim, já
sob a terra que agasalhará seus restos mortais, terei de refazer neste mundo o
caminho do seu ensinamento, da sua admirável lição de amor, encontrando
nesta o aveludado de um beijo - ‘era assim que ela beijava' - naquela um modo
de sorrir, nesta outra o tombar de uma mecha rebelde dos cabelos - todas,
todas essas inumeráveis mulheres que cada um encontra ao longo da vida, e
que me auxiliarão a recompor, na dor e na saudade, essa imagem única que
havia partido para sempre ?...)" (Cardoso, 2008, p. 19)
O testemunho de André faz ressoar um trauma fundamental, insuperável
e aponta para a imagem do sobrevivente de guerra, para o qual a tragédia se
perpetua ainda que a realidade afirme o contrário. Essa é a guerra da qual
André não consegue se libertar e que o impede de construir sua própria
identidade, indelevelmente cindida pela pressão exercida pelos Meneses, que
o queriam afastado da influência materna.
O passado paira sobre a Chácara, insinuando-se, a cada novo evento,
como um fantasma que continuamente ronda e oprime os vivos. Abrindo
fissuras na realidade aparente, a imagem das ruínas perpassa diversos níveis
narrativos: está na impossibilidade de comunicação entre os personagens, na
fragmentação dos discursos, na corrosão das estruturas da casa, no fim
mesmo da cidade Vila Velha e dos seus habitantes.
O próprio título do livro já anuncia o enigma em que ele se constituirá, ao
se debruçar sobre as lembranças angustiadas e desconexas dos vários
personagens, que não se fiam na memória que construíram sobre suas
relações com os outros e com a realidade. O relato que se anuncia como
sendo uma crônica carece de verdade, porque não há fatos claros e objetivos.
Assim, cabe ao leitor desvelar o assassino e reconstituir o crime que baila entre

sofisticadas técnicas narrativas, trabalhadas por uma linguagem meticulosa,
que se desdobra em descrições quase líricas não fosse a exploração aguda
dos perfis psicológicos elaborados e o grotesco que surge dos dramas
apresentados:
"Decerto, quando as pessoas não nos interessam, esmaecem em torno a nós
com a indiferença dos objetos. Alberto, para mim, sempre fora o jardineiro, e
jamais conseguira identificar sua presença senão daquele modo. Eis que
agora, pelo simples manejo da existência de Nina, eu o descobria como havia
descoberto a mim mesma. Este deve ser, Padre, o primeiro dom essencial do
demônio: despojar a realidade de qualquer ficção, instalando-a na sua
impotência e na sua angústia, nua no centro dos seres." (Cardoso, 2008, p.
110)
Trecho da primeira confissão de Ana a Padre Justino, único em missão
sacerdotal na pequena e mítica cidade de Vila Velha, esse registro se
encontrará com a última parte do romance, quando, em uma carta do mesmo
Padre, o incesto sugerido entre Nina e André era uma ficção tecida
cuidadosamente para vestir a inveja que movia a confessa. Somente no último
depoimento, é que se abre a fenda interpretativa desse romance, apenas
insinuada em momentos anteriores. Ao virar pelo contrário os sentidos
engendrados, o leitor pode elucidar os mistérios que acompanham a narrativa.
Nessa perspectiva, Deus e Diabo, bem e mal ocupam lugares opostos
no plano literário: o pecado está com aqueles que se eximem de experimentar
a vida em sua plenitude e não com os que a conhecem em todas as suas
facetas e contradições:
"Deus é quase sempre tudo o que rompe a superfície material e dura do nosso
existir cotidiano - porque Ele não é o pecado, mas a Graça. Mais ainda: Deus é
acontecimento e revelação. Como supô-lo um movimento estático, um ser de
inércia e de apaziguamento? Sua lei é a da tempestade, e não a da calma."
(Cardoso, 2008, p. 508)
O veredito de Padre Justino divide os aspectos narrativos: de um lado,
Nina e seus modos e valores cariocas, urbanos; de outro, Ana e seus modos e
valores mineiros, interioranos. Dentre as duas, a tempestade está
inegavelmente ao lado da criatura que movimenta a família, desestabilizando a
inércia dos que passivamente acompanham a decadência da casa, da cidade e
a putrefação das relações entre as pessoas.
Ao praticar a leitura às avessas, vê-se que Ana, segundo seu próprio
ponto de vista, é a representação do mal, por evidenciar a verdade que por
tanto tempo se esforçou para encobrir: ela trai o marido, Demétrio, com o
jardineiro, Alberto, amante de Nina, e gera André, filho atribuído a Nina e a
Valdo.

Padre Justino, após longa incursão interior, empurrado pelo terror diante
da verdade contada por Ana, encontra uma possibilidade para perdoá-la, já
que, contrariamente às expectativas, o mal está a serviço de Deus, porque
rompe com a estagnação demoníaca da vida:
"precisamente em nome desse mal que era uma oposição às suas noções
morais, desse mal que eu lhe concedia como a suprema indulgência que se
concede a um moribundo. Que ele, em última instância, revestido afinal das
formas dessa Graça que ela tanto renegara, apaziguasse suas penas e lhe
desse certeza de que vivera, padecera e usara sua essência mortal até o
último clarão." (Cardoso, 2008, p. 508)
O pecado maior é mesmo este: a inércia que mantém as aparências sob
o véu da calma e da tranquilidade. Deus, sendo ação, não está na pacata
cidade de Vila Velha, no passado, nas forças regressivas. Eis a palavra do
escritor contra Minas Gerais, contra a família mineira, contra os valores
regionais. Eis o regionalismo que surge da exploração dos universos íntimos e
da sondagem existencial das personagens.
O suposto incesto vai se naturalizando na medida em que se acentua a
degradação das relações entre os familiares. O horror com que se lê nas
primeiras páginas os prazeres sexuais de que desfrutam mãe e filho é
substituído gradativamente pela desconfiança de que a verdade dos fatos é
provisória e eternamente contestável:
"- Sim, mãe - balbuciei, deixando pender a cabeça.
Ela lançou-me um olhar onde brilhava ainda mais um pouco de sua velha
cólera:
- Mãe! Você nunca me chamou de mãe... por que isto agora?
E eu, atônito, sem poder impedir que o espelho tremesse em minhas mãos:
- Sim, Nina, voltarão os velhos tempos." (Cardoso, 2008, p. 25)
André descreve seu último encontro com Nina em um turbilhão de
imagens que condensam a entrada do leitor no romance por inseri-lo, sem
qualquer preâmbulo, no centro nervoso da narrativa. O relacionamento
incestuoso é o mote para que se percorra a história da família Meneses, que se
esforça até a morte para manter o estoicismo dos tempos idos ainda que a
Chácara não produza mais riquezas, os irmãos não saibam administrá-la, as
relações estejam esgarçadas. Em lugar de os novos acontecimentos no seio da
família provocarem atrito e, portanto, alguma transformação, como quer uma
perspectiva utópica que se abra para a construção de relações justas e

igualitárias, as experiências, duramente silenciadas, impedem que os sujeitos
se reconheçam uns nos outros e que as relações mudem.
A artificialidade que pauta a vida dos Meneses leva Nina a procurar o
Pavilhão, ambiente desprezado e abandonado dentro da Chácara. Em
oposição a casa, central, esse espaço, periférico, adquire crescente
importância na narrativa. É Nina que o elege como espaço privilegiado, ao
retirar-se para lá junto com Valdo. Também é aí onde Nina vive seus primeiros
encontros sexuais com André e com o jardineiro, Alberto. Da paixão à morte, o
Pavilhão, já completamente destruído, abrigará as tragédias que virão: a
condenação de Nina ao exílio, a morte do jardineiro, a confissão de Ana ao
Padre e sua solitária morte:
"E foi ali - lembra-se? - que passamos realmente os mais belos dias de nossa
vida em comum. Ali, naquele Pavilhão abandonado e coberto de hera, com
largas janelas de vidro mais ou menos intactas, e que flamejavam ao sol da
tarde, e comungavam tão intimamente com o mundo vegetal que nos cercava,
ali aprendi a conhecer o amor e a aguardar o filho que havíamos gerado."
(Cardoso, p. 80 e 81)
Valdo é uma entre as estranhas criaturas desse romance a lutar pela
manutenção das artimanhas mentirosas, que sustentam a narrativa. Para
conquistar Nina, dona de beleza e mistérios incomuns, ele se passa por
homem rico do interior. Sua farsa é, contudo, desmontada por seu irmão,
Demétrio, que o contesta no primeiro jantar em família, proferindo um agressivo
discurso contra a fachada construída por Valdo. Betty, aquela que será a fiel
servidora de Nina na casa dos Meneses, testemunha a cena:
"(...) Dona Nina apenas ergueu as sobrancelhas e declarou com frieza:
- Casei-me com um homem rico.
- Rico? Foi isto o que ele lhe disse? - gritou o Sr. Demétrio.
- Foi.
Ele, que se inclinara exageradamente sobre a mesa, voltou a tombar para trás,
e com tanta força que temi vê-lo cair, arrastando a cadeira.
- Mas não tem nem onde cair morto! Devemos aos empregados todos, à
farmácia, ao banco do povoado... Não, esta é forte demais.
Só aí a patroa pareceu perder a calma. Atirando o guardanapo sobre a mesa, e
com um tremor nos lábios, exclamou:
- Ah, Valdo, isto é uma humilhação!" (Cardoso, 2008, p. 64)

Visto por Nina como responsável pelo afastamento entre Valdo e ela e,
consequentemente, entre ela, a Chácara e a infância do suposto filho, Demétrio
nutre, segundo Ana, uma paixão incontrolável e não assumida pela cunhada, o
que se revela em suas investidas constantes contra ela. Desse Meneses, não
há nada mais do que o olhar dos outros sobre ele e suas ações. Essa ausência
falta ao leitor que compõe o sentido do texto não com pouco esforço através
das outras vozes textuais, distribuídas na narrativa de modo aparentemente
aleatório.
Também para Ana, Nina é objeto de atração e de repulsa, menos por
disputar a atenção de Demétrio, a qual, aliás, nunca obtivera, do que por
percebê-la plena da vida que seduzira Alberto:
"Ela aproximou-se por trás dos meus ombros:
- Pena que tivéssemos amado o mesmo homem.
Voltei-me, e toda a cólera havia retornado ao meu coração:
- Você! Bradei com um desprezo indizível.
Deixou pender os braços e sorriu tristemente:
- Eu sim, que é que tem? - E com uma expressão onde eu reconhecia a antiga
Nina: - Pensa que eu também não posso amar um jardineiro?" (Cardoso,
2008, p. 299)
O médico e o farmacêutico, junto com o padre, formam o olhar estrangeiro
sobre a família dos Meneses, que gozaram de imensa reputação em tempos
idos como atesta o segundo depoimento do médico, ao escrever sob a
necessidade de buscar elucidar os estranhos fatos que acompanharam a vida
na Chácara:
"Não é do meu gosto remexer essas coisas que considero mortas, se bem que
nem todas tenham sido convenientemente esclarecidas e nem tudo signifique
uma acepção aos entes que delas participaram. Além do mais, acredito que
uma família, como a dos Meneses, que tanto lustro deram à história do nosso
Município, tenha direito ao silêncio que vem buscando através dos anos e que
não consegue, pela violência dos fatos que viveu - e que no entanto só nos
merece compreensão e esquecimento. Pesa-me a consciência, no entanto,
ocultar fatos que poderiam elucidar alguns daqueles mistérios que na época
tanto abalaram nosso povoado. Pensando bem, este é o motivo por que me
encontro aqui, reajustando sobre o passado essas lentes, que apesar de
trêmulas só procuraram servir à verdade." (Cardoso, 2008, p. 144)

O esforço do médico de "reajustar as lentes", para contar os fatos que à
época testemunhou, e "servir à verdade", apesar de respeitar o silêncio dos
Meneses, é o esforço que o leitor deve realizar se quiser entender, através da
armação literária, as relações entre ficção e contexto histórico. Conhecê-las é,
pois, prática exaustiva, porque requer coragem para os sujeitos desafiarem as
tradições e vencerem a inércia, a que se habituaram.
Como Ana declara mais adiante ao Padre, o preço pago para participar
da família dos Meneses é calar os crimes cometidos e testemunhados,
colocando-se à margem da história. Mas nem por isso a realidade perde a
força de seu conteúdo de verdade, correndo a base das relações, do espaço,
da Chácara, da própria identidade das pessoas. Mortos, a casa sucumbe à
tragédia da estagnação diante do caos. Talvez por isso sejam salvos os
pecadores, porque contestam a lei imutável das coisas.
Timóteo, o irmão marginalizado pelos Meneses, por seus
comportamentos esdrúxulos, incorpora o louco que, em lapsos temporais, é o
visionário lúcido capaz de enxergar a verdade das tramas. Depois da morte de
Nina, carcomida pelo câncer que tornava o ar da Chácara insuportavelmente
fétido, ele sai do quarto em que estivera confinado por toda vida, para, menos
do que prestar homenagem à morta, sua única amiga, vingar-se da família.
Também para Timóteo a morte, a estagnação era o estado natural das
coisas, da sua vida, da Chácara dos Meneses. Sua figura grotesca,
imensamente gorda, adornada com joias antigas de família e com os velhos
farrapos das roupas de uma tia lendária, irradia o ar de fatalidade que envolve
cada momento da narrativa. Quando sua voz é silenciada por outros discursos
que se sucedem no texto, a narrativa ganha ainda mais tensão, porque se
fortalece a desconfiança de que algo ocorre sob a aparente inação dos
personagens. Exilado dentro da própria casa, Timóteo pode ser lido como uma
espécie de alegoria do Estado mineiro, ao carregar os símbolos e a opulência
de um passado morto, cujo sentido histórico, completamente deslocado de seu
contexto original, nada mais significa a não ser a necessidade urgente de
transformá-lo em memória.
Nina rompe com a imutabilidade aparente dos Meneses, oferecendo,
assim, a possibilidade de remissão dos pecados de seus moradores. Para
tanto, sua trajetória evidencia que é preciso assumir as consequências da ação
na realidade, as quais, invariavelmente, contestam a tradição e os valores
regionais. É aí que se encerra o foco regionalista desse romance intimista: na
própria ausência e na negação dos elementos regionalistas.
Tal é a atitude que o livro exige do leitor, caso queira libertar-se do
inferno. É preciso remexer os entulhos e viver o caos. O leitor, depois de

cumprir a leitura das mais de quinhentas páginas, descobre que desde o início
da trama narrativa também ele era vítima das aparências, pois o incesto, afinal,
não ocorrera. André foge da casa sem conhecer a verdade e Valdo, que nem
sequer desconfiava do que seu suposto filho pensava estar vivendo, abandona
o território dos Meneses. O cadáver de Nina, mesmo enterrado, faz vibrar a
urgência de se enxergar através da cortina, por entre alguma brecha possível.
Esse desejo de rever o passado para que se faça a justiça é o que movimenta
Padre Justino em seu último depoimento:
"Não sei o que essa pessoa procura, mas sinto nas palavras com que solicitou
meu depoimento uma sede de justiça. E se acedo afinal - e inteiramente - ao
seu convite, é menos pela lembrança total dos acontecimentos - tantas coisas
se perdem com o correr dos tempos... - do que pelo vago desejo de
restabelecer o respeito à memória de um ser que muito pagou neste mundo,
por faltas que nem sempre foram inteiramente suas." (Cardoso, 2008, p. 495)
De fato, há um cadáver em putrefação em plena luz do dia. Trata-se da
própria cultura mineira que se nega a enterrar os mortos e a compor uma
memória histórica capaz de fazer justiça com o passado. Eis o cadáver que a
crônica apresenta ao leitor, concretizando o desejo de Lúcio Cardoso de
destruir a "fábula mineira".
Resumo do enredo
Quando Nina, recém-casada com Valdo chega à chácara dos Meneses,
vinda do Rio de Janeiro — depois de sucessivos adiamentos que levam seu
marido a uma situação de desconfiança e ciúme — fica sabendo logo na
primeira refeição com a família, da difícil situação econômica em que esta se
encontra: Valdo a tinha enganado. Demétrio, talvez por alguma desforra de
briga familiar ou simplesmente por inveja, faz questão de revelar a verdadeira
situação econômica da família, em meio a áspero diálogo com seu irmão,
chega inclusive a dizer que Valdo não tinha enviado o dinheiro que prometera a
Nina para a viagem até a chácara porque não o possuía.
A vida monótona na chácara Meneses vai pouco a pouco desconsolando
Nina, pouco acostumada a essa vida do campo. Depois de muito insistir com
Valdo, passa a morar com ele no "pavilhão" que ficava afastado da casa onde
moram os demais e, nesse ambiente, tem uma temporada feliz.
Entretanto, e aproveitando-se dessa situação, Nina pôde começar um
romance oculto com o jardineiro Alberto, até que um dia foi surpreendida por
Demétrio em atitude suspeita, apesar de não ser de todo conclusiva. Demétrio
não deixa de fazer um escândalo de Nina, mesmo esperando o primeiro filho,
decide abandonar a chácara e voltar para o Rio.

Por causa desse incidente, Valdo fica bastante desolado e tenta o
suicídio. Nina, ao ver a reação do marido, como que movida de compaixão,
volta atrás na sua decisão de partir. No entanto, esse sentimento dura pouco e,
passado o primeiro momento, volta para o Rio.
As atitudes de Nina são sempre abusivamente falsas. Engana a todos
defendendo seus interesses. Mente dizendo ser sincera. Estando já no Rio,
chega a escrever a Valdo dizendo que apenas pensou remotamente no
jardineiro, depois de ter negado tantas vezes qualquer envolvimento. A Ana, do
mesmo modo, confessa abertamente ter-se apaixonado e relacionado com ele,
com a finalidade exclusiva de fazê-la sofrer e escandalizá-la, desabafando todo
ódio que sentia por ela.
Sua decisão definitiva de abandonar a chácara é tomada pelas
revelações de Timóteo e Betty, a empregada, que tinham escutado a conversa
entre Valdo e Demétrio, quando discutiam e decidiam mandar Nina embora.
Timóteo é um personagem totalmente excêntrico; sempre trancado em
seu quarto vestia-se com as roupas se sua mãe, mas chegou a ganhar a
amizade de Nina
Betty sempre muito fiel e prudente, é amiga e fiel servidora de todos e
chega mesmo a ser conselheira apesar de não estar totalmente a par dos
fatos.
Para Ana a partida de Nina representa um grande triunfo e alívio, pois
não se pode conter na sua inveja e inferioridade e por outro lado (como só ao
final do livro se revela), tinha-se apaixonado por Alberto exatamente quando
descobre o romance deste com Nina e faz tudo por ganhar a preferência dele,
do qual acaba por esperar um filho.
A sua vida com Demétrio era tediosa e o seu ciúme cresce dia a dia.
Persegue Nina em suas saídas e encontros furtivos e chega mesmo a
enfrentar-se com ela.
O que encobriu suas faltas foi a saída de Nina, pois aproveitando-se do
conselho que o médico lhe dera: "já não anda bem de saúde", obtém
permissão de viajar para o Rio e tentar convencer Nina a voltar, ou pelo menos
trazer o filho do Valdo. Em virtude deste fato, oculta a sua gravidez e pode dar
a luz a seu filho no Rio de Janeiro.
Quanto a Alberto, no dia em que soube da partida definitiva de Nina,
suicidou-se. Um pouco antes, para agravar o seu estado emocional, tinha sido
despedido por Demétrio, mas mesmo assim não fora embora. O Autor
habilmente faz parecer pelo relato de Ana que Nina teria jogado um revólver

pela janela propositalmente, o qual é apanhado pelo jardineiro que espreitava
pelo jardim uma conversa de Nina e Valdo.
Ana ainda o vê agonizante, mas já não pode fazer mais nada. Antes riu
porque suspeitava dessas consequências, mas apenas aguardou os
acontecimentos.
Somente depois de quinze anos é que Nina volta a manifestar-se a
Valdo. Pede-lhe dinheiro e depois diz que vai regressar à chácara, para o que é
seu, principalmente seu filho, André.
Passou todo esse tempo, como antes de casar-se, protegida por um
coronel amigo de seu pai, o qual a sustentava sem nada exigir.
Entretanto abandona o bom amigo e regressa à chácara, iniciando logo
um estranho e apaixonado romance com seu aparente filho, André.
Ana logo desconfia e descobre a situação seguindo-os e no fundo
procurando uma vingança contra Nina, por seu recalque e ciúme.
Valdo, pela atitude do filho, começa a desconfiar e tenta dialogar com
Nina, a qual reage fulminantemente, surpreendida de que seu marido pudesse
desconfiar dela e do próprio filho. Até que um dia Nina revela padecer uma
doença e pede dinheiro para tratar-se no Rio. Parte no dia seguinte, depois da
anuência de Valdo (que por sinal não acredita) e sem dizer nada a ninguém.
Durante 15 dias que passa no Rio, vai ao médico, examina-se e se
comprova o estágio muito avançado da enfermidade e o pouco tempo de vida
que terá. No último dia de Rio de Janeiro encontra-se com o coronel, dizendo
que voltava para ficar e que era sincera com ele; no entanto, consegue fazer
com que ele compre todo um guarda-roupa novo para si e desaparece sem
nenhuma outra satisfação.
Regressa à chácara e pouco tempo depois tem que guardar o leito até o
dia do seu falecimento.
Para André, a sua vida se transforma quando conhece Nina e a paixão
por ela o cega totalmente. Vive como um adolescente apaixonado, sem
perceber direito a dimensão do seu pecado. Não entende muito o que ocorre e
também não se esforça por fazê-lo, somente querendo dar vazão ao seu
sentimento.
O último capítulo do livro "Pós-escrito numa carta do Pe. Justino", traz a
grande revelação final. Ana luta contra a sua consciência. A sua maldade e
frustração haviam sido demasiadamente grandes. Tinha ido morar no

"Pavilhão" e estava moribunda, quando manda chamar o Pe. Justino. Queria
dizer-lhe tudo a bem da verdade e que todos soubessem, André era seu filho
natural e não de Nina e Valdo.
Entretanto o que mais lhe doía é que Nina devia sabê-lo (nunca teve
certeza disto). Deu-se esta circunstância exatamente porque quando foi ao Rio
buscar Nina, entrou em contacto com ela após o nascimento de André. Nina
disse-lhe ter deixado o filho de Valdo no hospital e que não sabia mais dele, e
aproveitando-se disso, Ana trouxe André à chácara como sendo o filho de Nina
e Valdo. Na verdade, ela não tinha ido ao hospital buscá-lo, como dissera a
Nina.
Assim como durante toda a sua vida, Ana morre sem esboçar
arrependimento, mas apenas um remorso profundo por ter agido errado. O Pe.
Justino não pode tentar mais nada apesar de compreender bem o estado
daquela alma e da gravidade do seu pecado.
Considerações finais
“A Crônica da Casa Assassinada” é uma história surpreendentemente
bem escrita e com uma trama tão dinâmica que o leitor se sente um refém do
autor.
Lúcio Cardoso escreveu uma das obras mais belas e mais chocantes da
literatura brasileira. Tratando de temas polêmicos como homossexualismo e o
relacionamento incestuoso, Lúcio rompeu barreiras impostas pela sociedade,
sendo seu livro aclamado por muitos, porém detestado por outros no momento
de sua publicação. A obra é uma viagem no tempo, para a época em que o
coronelismo perdia suas raízes e o interior começava a se tornar parte dos
acontecimentos urbanos.
Com personagens inesquecíveis como Nina, Valdo e Timóteo Meneses,
esse livro pretende levar o leitor a uma reflexão, no qual o questionamento
sobre o certo, o errado e o que é imposto pela sociedade é uma parte principal
da trama. Seria o status social visto uma necessidade de sobrevivência? Até
que ponto o jogo de aparências deve ser mantido para que as pessoas possam
admirar a falsidade de se ter uma vida perfeita?
É um livro imperdível que além de entreter de forma extraordinária o
leitor apresenta um papel social maior: questionar a racionalidade dos seres
humanos, a valorização das emoções e principalmente, até quando a
manutenção do status pode trazer uma efetiva felicidade.

Notas
¹ Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann (Königsberg, 24 de Janeiro de 1776 — Berlim, 25
de Junho de 1822) foi um escritor romântico, compositor, desenhista e jurista alemão, sendo
sobretudo conhecido como um dos maiores nomes da literatura fantástica mundial. Suas
histórias foram a base da famosa ópera de Jacques Offenbach, Os Contos de Hoffmann, em
que Hoffman aparece como personagem.
² Agripino Grieco (Paraíba do Sul RJ 1888 - Rio de Janeiro RJ 1973). Crítico literário, poeta,
contista, tradutor, jornalista. Sua importância no meio literário, do início da década de 1920 à
década de 1950, está diretamente ligada ao fato de permanecer todo esse tempo escrevendo
diariamente em importantes jornais, com suas colunas caracterizadas pelo ecletismo e pelo
tom polêmico e satírico, tratando de escritores brasileiros, estrangeiros e lançamentos.
Referências
CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa Assassinada. 5.ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004.
SANTOS, Cássia dos. Polêmica e controvérsia em Lúcio Cardoso. Campinas:
Mercado das Letras, 2001.
http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/Xsemanadeletras/comunicacoes/Sullivan-
da-Silva-Flores.pdf
http://www.uel.br/eventos/sepech/sumarios/temas/conformismo_e_religiao_a_c
riacao_do_espaco_provinciano_na_obra_de_lucio_cardoso.pdf
http://catalisecritica.wordpress.com/2011/05/24/cronica-da-casa-assassinada-
lucio-cardoso/
http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/22021/22021.PDF
http://www.vermelho.org.br/prosapoesia/noticia.php?id_noticia=173110&id_sec
ao=133