Sumário...Petrarca Cancioneiro Csnzonicre (Rerum Vulgarium Fragmenta) (composto entre 1342e1374)...

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Revisão tipográfica:Manuela Ramos

Título original:Spektrum der Literatur

Coordenação:Prof. Doutor Olívio Caeiro

Tradução:Dr." Maria Lídia Rodrigue

Dr." Maria da A sunção Pinto CorreiaDr," Maria Filomena Guarda

Maqueta e sobrecapa:Fernando Rochinha Diogo

Fotomecãnica:Regracomp

C> Círculo de Leitores e Bertelsmann Lexikothek Verlag GmbHEdição exclusiva para a língua portuguesaComposto por Fotocompográfica, Lda.

Impresso e encadernado em Agosto de 1991por Printer Portuguesa, Ind. Gráfica, Lda.

Edição n." 2979Depó ito legal n." 48651/91

ISB 972-42-0355-7 (obra completa)ISBN 972-42-0368-9 (vol. 1)

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SumárioA literatura na Pré-História e na Antiguidade 8A dança e o canto 8 - O aparecimento da literatura escri-ta 10- O cântico religioso 12 - As primeiras epopeias 12- A literatura grega 13 - A epopeia 14 - O poema di-dáctico 14 - A lírica 17- A tragédia 18 - A comédia 21- A literatura em prosa 22 - Helenismo 23 - A litera-tura romana 24 - O drama 24 - A epopeia 25 - Osneotéricos 26 - A elegia amorosa 27 - A literatura latinaem prosa 27.

o primeiro livro de Moisés 28Homero: lIíada 31Esopo: Fábulas 34Safo: Poemas 36Sófodes: Antígona 38Aristófanes: Lisístrata 41Tucídides: A Guerra do Peloponeso 44Platão: República 47Cícero: Filípicas 50Horácio: Odes 53Virgílio: Geórgicas 56Tácito: Anais 59

Literatura e formação cultural na Europa medieval62A tradição da «Idade Média» 62 - Os fundamentos 62 -A reforma cultural e o Estado centralizado 66 - Cri e edeclínio do rena cimento carolíngio 67 - A literatura e aformação na viragem do século 69 - As mudanças radi-cais do século XI 70 - As novas forças: ciência e cortesia71 - Novos centro 76 - Cultura urbana 77 - O Renas-cimento italiano 79 - O humanismo europeu 80.

A Canção de Rolando 82Walther von der Vogelweide: Poemas 85

A poesia trovadoresca 88O amor como literatura na Idade Média 92Dante: A Divina Comédia 103

Petrarca: Cancioneiro 106Villon: O Grande Testamento 109Gil Vicente: As Barcas 112Rabelais: Gargântua e Pantagruel 115Camões: Os Lusíadas 118Cervantes: D. Quixote 122

O pícaro 125Início de uma tradição: o Lazaril/o de Tormes 125 - So-bre a e trutura do romance picaresco 127 - O pícaro e amoral 130 - A magia da erenidade 132.

Lope de Vega: Fuente Ovejuna 133Montaigne: Os Ensaios 135Torcato Tasso: Jerusalém Libertada 138Sbakespeare: A Tempestade 141Grimmelshausen: As Aventuras de Simplício Simpli-císsimo 144

Da sociedade feudal à sociedade burguesa 147A evolução da Alemanha um caso à parte 147 - O novosistema económico 148 - A nova imagem do Mundo 149- A literatura inglesa 151 - A literatura france a 156-A literatura alemã 163 - A literatura portugue a 168.

Vieira: Sermão da Sexagésima 171Racine: Fedra 175Molíere: O Misantropo 177Choderlos de Lados: As Ligações Perigosas 180Swift: As Viagens de Gulliver 183

O Robinson Crusoe e as suas imitações 186Robinson Crusoe 186 - A Ilha de Fe/senburg 187 - ORobinson Crusoe como livro infantil 188.

Literatura utópica 190Definições de utópico 190 - Formas do utópico 191- Outópico no mito e no conto maravilhoso 191 - Romancesutópicos 192 - Utopia e ciência 192 - Da utopia à ficçãocientífica 196.

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Sterne: Tristram Shandy 197Voltaire: Cândido 199Diderot/D' Alembert: A Enciclopédia 202Beaumarchais: O Dia Louco, ou as Bodas de Fígaro205Sade: Justína 208Franklin: Autobiografia 211

O espaço público da burguesia e a literatura 214Importância geral do espaço público literário 214 - Atransformação ocial e os espaço público históricos 215- O pressupostos político-económicos da burguesia noséculo XVTII 216 - O espaço público político de dobra-seno literário 216 - A importância de Lessing para o espaçopúblico literário burguês 219 - A decadência do espaçopúblico burguês 220.

Wieland: Aristipo e Alguns dos Seus Contemporâ-neos 222Goethe: A Paixão do Jovem Werther 224Schiller: Os Salteadores 227Moritz: Anton Reiser 230Hõlderlin: O Arquipélago 232Bonaventura: Vigílias 235Kleist: Noivado em São Domingos 237Jean Paul: O Cometa 240

A literatura na era burguesa 243A posição do arti ta na ordem social burguesa 243 - Divi-são do trabalho. A educação do homem pela arte 244 -Desilusão, sonho e esperança 246 - A política napoleó-nica e os direitos burgueses 246 - O espaço público bur-guês e a possibilidade de eficácia da arte 247 - O caminhopara a interioridade 248 - Crítica desfavorável 249 - Na-poleão e a transformação da Europa 249 - Literaturapolítica 250 - Restauração 252 - Frentes internacionais254 - Os movimentos de independência nacional 255 -Intelectuais na política de intervenção 255 - A revoluçãode 1848 256 - A revolução industrial 257 - A investiga-ção sistemática nas ciências naturais 257 - Os primórdiosdo movimento operário 257 - O século das migrações 258- A literatura da grande cidade 259 - A evolução doromance 260 - A arte do romance como ciência social 261- A evolução da lírica moderna 262 - Silêncio e isola-mento 263 - Imagem e negação da realidade 263.

Goethe: Fausto 264

Para o desenvolvimento do teatro burguês 267Progressos limitados 270 - Mundo fantástico e campo debatalha 272.

HotTmann: O Vaso de Oiro 275

Índice 277

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Apresentação

Porquê uma Panorâmica Literária?Vivemos na era da tecnocracia. As actividades quotidianas e o comportamento humano estãohoje condicionados à tirania dos números, ao enquadramento numa planificação, à meraexistência no quadro da informâtica. Somos, porque o papel que desempenhamos no palco davida exige de cada um de nós um perfil como tal delineado; agimos, porque as imposiçõesprofissionais e outras nos condicionam a um esquema horário e a normas de actuaçãopredeterminadas; existimo ,porque a nossa identidade se encontra devidamente registadano computador. Donde, nestes tempos, o desenvolvimento espectacular das matemáticas,da economia planejada, do comandamento electrónico. Subsistimos neste mundo, afinal,sob o domínio das ciências exactas.E;, todavia, ainda hoje permanecem, como um substrato indestrutivel, as ciências do espírito.A história cabe o registo da evolução do homem ao longo dos tempos, naquilo que de positivo elerealizou, para consolação de termos vindo ao mundo, 0!J em quanto de negativo se transviou,como exemplo dos caminhos que não devemos trilhar. A filosofia cumpre a exploração dessedomínio oculto que é o espírito, um atributo que até ao indivíduo automatizado dos nossostempos confere a consciência do privilégio entre os outros seres da criação. A arte nas suasmúltiplas manifestações -a música, as artes plásticas, a criação literária- cabe a função deexprimir, através de uma inventiva [antasiosa, o impacte que sobre o espírito desencadeiam osfactores do mundo ambiente e até os mecanismos mais longínquos da mera recordação. Por isso,a humanidade dos nossos dias continua a buscar no contacto com a literatura um dos seus meiosde refúgio contra a materialidade do universo envolvente. Nunca, como hoje, tanto se produziu etanto se publicou, nos domínios da difusão cultural e das múltiplas formas da invenção literária.Justifica-se, pois, como oportuno e altamente proveitoso, o lançamento em Portugal destePanorama da Literatura Univer aI. Nele se abrange, em conspecto vasto e aprofundado, aanálise histórica do fenómeno literário, desde os seus rudimentos pré-histáricos, ainda anterioresà invenção da escrita, até à complexa diversidade dos nossos tempos. Cada um dos capítulos destelongo percurso é confiado à competência de grandes especialistas alemães e, na adaptação parao leitor português, novos capítulos foram introduzidos, a cargo de peritos nacionais, a fim dese completar a panorâmica.De assinalar são sobretudo os critérios inovadores que presidiram à concepção deste historial.com vista a torná-lo mais profícuo e mais sugestivo para os seus utentes. Em vez do relatopuramente [actual, optou-se por uma multiplicidade de abordagens de natureza crítica, cada umadelas visando uma dada manifestação literária característica de um momento histôrico erelacionando-a precisamente com o conspecto cultural e a sociedade dessa época. E a literaturacomo tradução de uma ambiência humana sui generis.Para ilustração complementar a cada um destes sectores temporais, segue-se a apresentação, porcapítulos autónomos, dos seus autores mais representativos, através da análise de uma das suasobras capitais, com irradiação para a globalidade da respectiva produção literária. De notartambém o recurso, por vezes, ao testemunho de obras programáticas, científicas e outras, sempreque o enquadramento histórico o justifique, bem como a focagem de outros campos do sabersusceptíveis de ilustrar o papel que a literatura desempenha na expressão do espírito humano.A versão dos textos para português foi confiada a um grupo de competentes germanistas, tãoversados no domínio da língua alemã como no das ciências literárias. Os aparatos bibliográficosem apêndice permitirão ainda complementar a sede de conhecimentos que a leitura geral venhaporventura a despertar.Assim, com todas as características acima apontadas e a preocupação do rigor que presidiu à suapublicação, tudo nos leva a crer que este Panorama da Literatura Universal poderá constituir umprazer instrutivo para amplas camadas de leitores, desde os estudiosos da matéria até aosinúmeros sedentos da cultura, aqueles a quem a aridez do mundo envolvente conduz a umainteriorização no refúgio do pensamento.

aLÍVIO CAEIRO

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Rita Marnoto

PetrarcaCancioneiro

Csnzonicre (Rerum Vulgarium Fragmenta) (composto entre 1342e 1374)Lírica de Francisco Petrarca (20.7.1304-18.7.1374)

Nas páginas desta obra FranciscoPetrarca fala-nos da sua expe-

riência amorosa, apresentando-a,porém, de uma forma substancial-mente inovadora, se tivermos em Ii-

nha de conta a tradição poética que oprecedeu. O trovadores provençais eos stilnovistas (grupo de poetas italia-nos activo nos finais do século XIIl),Ovídio e Virgílio, além de muitos tex-

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tos religiosos, são algumas das fontesque assimila e recria. Mas é funda-mentalmente a importância conce-dida à subjectividade do amante e aminuciosa atenção com que são des-crito o mais íntimo movimentos dasua interioridade a diferenciar este li-rismo do modelo do amor cortês.Com o magistério poético de Pe-trarca, nasce uma nova forma de can-tar o amor, que será imitada porucessivas gerações de poetas petrar-

quis ta . Se o Cancioneiro é o pequenolivro de que as damas de corte se fa-zem sempre acompanhar (chamam--lhe o «Petrarcazinho», diminutivoque se faz sinal do apreço afectivo quelhe dedicam), e em cujas páginas en-contram o reflexo directo da suaspróprias vivências sentimentais, todosos grande poetas do Rena cimentose propõem imitar o eus temas e oseu e tilo.

Ma as suas página englobam nãosó poemas de tema amoroso, comotambém compo ições de empenha-mento civil; assim os sonetos em quecritica a depravação que grassa nacúria papal, então sediada em Avi-nhão, ou a célebre canção «Itália rni-nha, e bem que o falar eja em vão».

E este o primeiro cancioneiro quenão e resume à compilação de poe-mas de várias proveniências, sendoantes, na sua totalidade, de autoria deum só poeta. O título de Cancioneirofoi-lhe concedido, aliás pelos seusleitores, por uma questão de hábito;Petrarca atribuiu-lhe, na realidade,um título em latim, Rerum VulgariumFragmenta (Fragmentos de coisas vul-

Retrato de Petrarca. de autor anónimo.Florença, Museu dos Ofícios.

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PETRARCA

gares), provavelmente para o distin-guir das anteriore compilações e parachamar à atenção, como humani ta,para a importância assumida, na suafeitura, pela lição dos antigo.

E ta recolha seleccionada e orde-nada compreende 317 sonetos,29 canções, 9 sextinas, 7 baladas e4 madrigais. Petrarca trabalhou nelaaté aos último anos da sua vida, qua-se como se se tratasse de um diário.Cada composição era escrita de ante-mão numa pequena folha de papel, edepois sucessivamente aperfeiçoada elimada, até er in erida num ponto doCancioneiro de forma alguma e colhi-do ao acaso, o que implicava, muitasvezes, a reordenação do todo. É que,embora a obra seja constituída poruma série de textos independentes,estabelecem-se entre eles íntimos elosde ligação. O seu agrupamento empequenos núcleo ora obedece a cri-térios de ordem temática e estilística,ou se ba eia em contraposições estéti-co-formais, permitindo também, emmuito caso , uma espécie de diálogotextual à distância entre os diver opoema, empre de acordo com umprincípio de equilíbrio entre unidadee variedade. Foi o próprio Petrarca,demais a mais, a dividi-Ia em duasparte, intomaticamente delimitadaspor textos que assumem um signifi-cado fulcral no âmbito da lírica pe-trarquesca, o oneto inicial «VÓ queou vis em rima e parsa o orn» ondeo livro é apresentado ao público, e ascançõe com que e abre e termina aegunda parte, «Eu vou pensando, e

no pensar me assalta/Uma piedadetão grande de mim mesmo», expre -são acabada e extrema do sofrimentodo amante, e a famosa canção à Vir-gem, «Virgem bela, que de sol ve -tida». Embora avulte, na egundaparte, um tom elegíaco, as etiquetaatravés das quais o leitores vindourovieram a designar cada uma dela , emvida e em morte, parecem-nos inade-quadas. Se no primeiro núcleo sepressente a morte de Laura, tambémno segundo, a par do tema do docesonho com a amada morta a sua fi-gura é evocada enquanto viva.

Sabe-se que a mulher que inspirouo Cancioneiro e chamava Laura, em-bora as pesquisas tendentes a identifi-car a sua figura civil não se tenhamrevelado, até à data, concludentes.Petrarca observa, a este propósito, anorma cortesane ca que pre creve o

Ro to do Cancioneiro.

egredo do nome da amada. Daí osjogos de palavras entre o eu nome,Laura, «I' aura» (a brisa), «I' auro»(o ouro) e «lauro» (o louro, plantafrequentemente associada ao mito deDafne, a ninfa que se transformou emloureiro para escapar à fúria amorosade ApoIo).

No tratado intitulado Secretum, aper onagem Francisco é acu ada porSanto Ago tinho de cantar Laura porvaidade, já que o seu nome era pare-cido com «laurea» -a consagraçãoliterária- e com «lauro» - o louroque coroa os poetas célebres -, etambém o eu amigo Giacomo Colon-na o acusa, numa carta, de ter criadouma personagem de ficção. Cremo,no entanto, que e ta figura femininaque perpassa as páginas de toda aobra de Petrarca não deixará de terum sustentáculo factual. É com muitorealismo que, ao responder ao amigoColonna, Petrarca invoca o sofri-mento tanto e piritual, como físico, eenquanto tal incontestável, que a suapaixão lhe inculca, ou que, no Se-cretum, refere os sucessivos partosque deformaram O corpo de Laura(o amor por uma mulher casada era per-feitamente aceite pelos cânones epo-cai ); e recorde-se igualmente a notaaposta na folha de guarda de um doscódices que lhe era mais caro, Vir-gílio, onde, entre vicis itude que eprendem com a biografia de pessoase pecialmente queridas, regi ta a datada morte de Laura, ocorrida a 19 deMaio de 1348, e recorda o dia fatal doenamoramento, quando a viu pelaprimeira vez, na Igreja de Santa Cla-ra, em Avinhão, a 6 de Abril de 1327.

Tudo leva a crer, portanto, que opoeta se tivesse de facto apaixonadopor uma mulher real, que encontrouem Avinhão, embora essa figura fossetransposta para a e fera lírica deacordo com os seus ideais estético--literários.

Laura é retratada como uma mu-lher loura, cujos dotes físicos sãoenfatizados através de uma série deimagens naturai : os eu cabelos ãoouro, a sua tez neve, o olho dois sóiou dua estrelas, as pestana ébano,a face rosas, os lábios coral, os den-tes marfim; mas a sua beleza é mani-festamente uperior à da atureza,bem como à de uma érie de entida-

des mitológicas. O louvor da figura fí-sica não tem razão de ser, no entanto,à margem do do seus predicados aní-mico , entre os quai avultam a pure-za angelical, a honestidade, a humil-dade, a corte ia e a gravidade.

A evocação da figura feminina é in-cindível de um momento no tempo ede um lugar no espaço que a enqua-dram. Petrarca tem uma consciênciamuito aguda da inexorável passagemdo tempo, em consonância, aliá, comum dos autores da Antiguidade cujaleitura aprecia de sobremaneira, Sé-neca. O Cancioneiro é todo ele e can-dido por uma érie de compo içõesque a sinalam o aniver ário do ena-moramento, a quais, ao mesmotempo que conferem um andamentonarrativo à recolha, vão recordando osucessivo escoamento de anos, mesese dias. Lembrar as «claras, frescas edoces águas» tem razão de ser, por-que foi nelas que, numa determinadaocasião, Laura banhou o eu pés.

ão que o elementos da aturezacircundante ejam descrito com por-menor; é que ele valem obretudopela re onâncias interiores que im-plicam.

Ao tema da atureza associa- e demuito perto uma certa voluptuosi-dade na dor. Petrarca escreveumesmo dois tratados em que faz aapologia do afastamento dos vícios damundanidade, De Vita Solitaria e DeOtio Religio a. Célebre o oneto «Sóe pensativo, os mais deserto campo /vou medindo a pas o tardos e len-tos», cujo ritmo compas ado e fazum só com a própria gestualidade do

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PANORAMA DA LITERATURA UNlVERSAL I

caminhante que percorre locai inós-pitos e com a sua amargura, e no quala comunhão entre o amante e o am-biente que o circunda é levada até àssuas últimas consequências. O prota-gonista procura na Natureza confortopara a mágoa que o dilacera, mas elainterpreta e ecoa tão fielmente o seupesar, que ainda o agudiza mais.

Laura ctistingue-se, logo à partida,das mulheres cantadas pelos anteces-sores de Petrarca, na medida em quea sua presença, sem deixar de ser eva-nescente, ganha um grau de materia-lidade que nem as inspiradoras dapoesia dos stilnovistas, nem a própriaBeatriz, de Dante, alguma vez haviamostentado. Da mesma feita, contudo,envolve-a um halo de divindade quedela faz uma presença angelical umemissário dos Céus na Terra. Estatutoque tem como correlato as hesitaçõesque se colocam ao poeta em relaçãoà índole do amor que lhe dectica.

Sendo a mulher mensageira doAlém o amor não poderá deixar dese erigir, à maneira stilnovista, emexercício de aperfeiçoamento espiri-tual; mas Petrarca associa a esse senti-mento, como os provençais, o impul-so do desejo, o que é corroborado

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pelo de taque conferido à presença fí-sica de Laura. O amante encontra-se,por isso, numa situação dilacerante:por um lado, não consegue adoraraquela que tanto ama como simplesespírito desligado do corpo, mas, poroutro, sabe que qualquer tipo de as-piração mundana fará cair por terra aintegridade e, como tal, o carácterexemplar da ua vivência amorosa.

E este o pano de fundo conceptuala partir do qual poderemos compreen-der melhor um dos aspectos do estilodo Cancioneiro que mais celebrizou oseu autor, o uso sistemático da antí-tese, do oxímoro, ou de outras figurasde contraposição, para exprimir os es-tados contractitórios e as incertezas ex-perienciadas pelo enamorado: «Nãoencontro paz, nem estou em guerraze temo e espero; e ardo, e sou um geloj'e vôo sobre o céu, e jazo em terra./e nada agarro, e todo o mundo abraço.»(Versos certamente presentes na me-mória de Camões quando escreve:«Amor é um fogo que arde sem se ver1é ferida que dói e não se sentezé umcontentamento descontente.»)

Um dos grandes críticos de Petrarca,Ugo Dotti, atribui-lhe a chamada «des-coberta da consciência moderna». As

oCombatecontraoAmor, obra atribuídaa BartoJomeu di Giovsnni, inspiradona linha do tema do Cancioneiro,de Petrsrcs. Londres, NationaJ GaJlery.

hesitações e as questões que, nestas cir-cunstâncias, se colocam ao poeta sãomúltiplas e dilacerantes. Mas o que émais surpreendente é a precisão comque descreve os mais íntimos movi-mentos da sua subjectividade e a luci-dez com que analisa todos os meandrosdo seu eu. «Porque cantando a dor sedesacerba», confessa Petrarca. O can-to é, ao mesmo tempo, veículo de cla-rificação interior e desabafo amoroso,e é através dele que o homem se con-fronta não só com os obstáculos que selhe colocam, entre religiosidade, fatali-dade e racionalidade como tambémconsigo próprio. É esta a medida dagrandeza do homem moderno.

Assim, a figura de Laura adquireum valor simbólico, que se sobrepõe aqualquer tipo de questão acerca doseu estatuto civil. Laura passa a en-carnar todos os desafios, todas asquestões cósmicas, todas as possibili-dades de apreensão do mundo real, eo amor passa a ser, como até aí nuncao fora, um sentimento e uma formade existir que ultrapassa em muito oefémero da paixão: «Fez-me procurardesertos países, feras e ladrões rapa-ces, híspido dumos, duras gentes ecostumes, e todos os erros que intri-cam peregrinos montes, vales, palu-des, e mares e rios, mil laços por todaa parte armados.»

BIBLIOGRAFIAUmberto Bosco, Petrercs, Bari,Laterza, 1961 (2.' edição revista);Ugo Dotti, Petrercs e la scopertadella conscienza moderna, Milão,FeltrineUi, 1978; Raffaele Ama-turo, Petrarca, Bari, Laterza, 1981;Michele Feo, «Petrarca ovveroI'avanguardia dei Trecento», inStudi Petrarcheschi, I, 1983; EmestHatch Wilkins, Vita deI Perarca ela formazione de] «Csnzoaiere»,ao cuidado de Remo Cesarini, Mi-lão, Feltrinelli, 1985; José V. dePina Martins, «Francesco Petrar-ca premier des modernes», in Hu-menisme et Renaissance de I'Italieau Portugal. Les deux regards deJsnus, Lisboa-Paris, FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1989.