SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL...

239
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL O hiperespetáculo da dissolução do sujeito nas redes sociais de relacionamento Cíntia Dal Bello Doutorado em Comunicação e Semiótica São Paulo 2013

Transcript of SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL...

Page 1: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA

NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL O hiperespetáculo da dissolução do sujeito

nas redes sociais de relacionamento

Cíntia Dal Bello

Doutorado em Comunicação e Semiótica

São Paulo

2013

Page 2: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA

NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL O hiperespetáculo da dissolução do sujeito

nas redes sociais de relacionamento

Cíntia Dal Bello

Doutorado em Comunicação e Semiótica

São Paulo

2013

Page 3: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

CÍNTIA DAL BELLO

SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA

NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL O hiperespetáculo da dissolução do sujeito

nas redes sociais de relacionamento

Tese apresentada à Banca Examinadora em

cumprimento à exigência parcial para obtenção do

título de Doutora em Comunicação e Semiótica pelo

Programa de Estudos Pós-Graduados em

Comunicação e Semióticada Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PEPGCOS-PUC/SP).

Área de Concentração: Signo e significação nas

mídias

Linha de Pesquisa: Cultura e ambientes mediáticos

Orientação: Prof. Dr. Eugênio Rondini Trivinho.

São Paulo

2013

Page 4: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

BANCA EXAMINADORA

_______________________

_______________________

_______________________

_______________________

_______________________

_______________________

Page 5: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

DEDICATÓRIA

À Irinéia, Solina, Antônia e Sancha:

luzes e exemplos em minha vida.

A meus pais, Márcia e Américo,

minha origem, minha fundação,

os quais espero honrar, sempre,

e ser, sempre, digna extensão.

O que seria de mim sem vocês?

A meu amado esposo, Vagner,

por trilhar a meu lado

esse longo e intempestuoso caminho,

suportando-me e, comigo,

minhas dores.

Obrigada, guerreiro!

A meus filhos, Lucas, Matheus e Pedro,

única e exclusivamente

por serem quem são.

Minhas bênçãos.

Page 6: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

AGRADECIMENTOS

Há algum tempo, tenho me dedicado à prática meditativa. Nesses momentos de profunda e íntima

comunhão, quando considero tudo o que vivi e aprendi nesses últimos quatro anos, intenso

sentimento de gratidão inunda meu corpo. Agora, chegado o momento de externar meus

agradecimentos, não encontro palavras suficientes para expressar o quanto sou grata à Vida pelas

pessoas que conheci, pelos amigos que fiz, pelos mestres que me instigaram e pelos sucessivos

eventos que marcaram a jornada. Para mim, não se trata de cumprir uma formalidade. Tenho

firme convicção de que jamais chegaria a esse ponto sem o apoio incondicional de alguns e o

reconforto de partilhar a jornada com outros, tão apaixonados pelo exercício da pesquisa quanto eu.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que me orgulho de ter integrado, no Mestrado e no

Doutorado, o Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS/PUC-SP). Espero honrar, como pesquisadora, o

nome dessa instituição que me acolheu tão generosamente e também meu orientador, Professor

Doutor Eugênio Trivinho, a quem prezo por sua inteligência, competência, profissionalismo e,

sobretudo, por sua sensibilidade. Professor, o senhor constitui, para mim, exemplo vivo daquilo

que projeto ser no exercício da docência e da pesquisa. Graças a sua atenciosa orientação, pude

desenvolver autonomia, densidade teórica e criticidade. Obrigada.

A convivência com outros grandes mestres, em sala de aula ou em eventos científicos, constituiu

fator motivacional indispensável. Aos Professores Doutores Christine Greiner, Maria Lucia

Santaella, Norval Baitello Jr. e Oscar Cesarotto – obrigada. Também sou grata aos Professores

Doutores Malena Contrera e Mauro Wilton de Sousa pelas valiosas contribuições que fizeram à

pesquisa durante a Banca de Qualificação.

Agradeço aos amigos e pesquisadores do CENCIB - Centro Interdisciplinar de Pesquisas em

Comunicação e Cibercultura (PUC-SP/COS), do CISC - Centro Interdisciplinar de Semiótica da

Cultura e da Mídia (PUC-SP/COS), do Sociotramas - Grupo de Estudos Multitemático em Redes

Sociais (PUC-SP/TIDD) e do Plurimídia - Perspectivas Plurais das Mídias (Uninove).

Page 7: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

Aos alunos e professores do Colégio Argumento/Objetivo, dos cursos de Publicidade e

Propaganda e especialização em Comunicação em Redes Socias da Universidade Nove de Julho,

dos cursos de Comunicação Social e especialização em Gestão Estratégica da Comunicação da

Universidade Braz Cubas, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade

Paulista – UNIP; e aos queridos Angela Pintor dos Reis, Ariovaldo Folino Jr., Cecília Saito,

Cristina Palhares, Debora Cristine Rocha, Fernanda Rabaglio, Gabriela Pavanato, Gustavo

Cavalheiro, Heloisa Prates Pereira, Jorge Marcelo Nomura, Paulo Alves, Pedro Del Picchia,

Rafael Tosi, Vanderlei de Oliveira, Walmir Rodrigues Bello e Wilson Dourado, agradeço pelas

inúmeras discussões a respeito do tema investigado, nos mais diferentes contextos: aulas,

palestras, encontros, seminários.

Agradeço, com ênfase, à CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior, pelo apoio financeiro que possibilitou o desenvolvimento desta pesquisa.

Sandra e André Dal Bello, meus irmãos; Jorge Miklos e Patrícia Fanaya, meus amigos: como sou

grata pelos preciosos laços que existem entre nós! Dilva Rosa dos Santos, minha querida: que

maravilha poder caminhar, espaçosa e livre, pelos corredores estreitos!

E, por fim, expresso minha gratidão a todos os homens e mulheres que, ao longo de suas vidas,

deram-se ao trabalho de pensar e depositar suas ideias em registros que encheram minha alma de

perguntas e poesia, ironia e perplexidade, tornando-se, senão corresponsáveis, ao menos

coparticipantes desta obra que, sob a dedicada orientação do Prof. Dr. Eugênio Trivinho,

comprometi-me a tecer.

Page 8: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

O único conhecimento válido é o que se

alimenta de incerteza e o único pensamento

que vive é o que se mantém na temperatura de

sua própria destruição.

Edgar Morin

Page 9: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

9

SUMÁRIO

RESUMO ...................................................................................................................................... 13

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 19

DE QUE SONHOS E PESADELOS É FEITA A EXPERIÊNCIA DE TELE-EXISTIR? .................................. 21 Sobre a organização dos capítulos ..................................................................................................................... 22 Sobre o percurso................................................................................................................................................. 28

PARTE I: MEDOS E PROMESSAS DO TELE ....................................................................... 31

CAPÍTULO 1 - TELEPRESENÇA E TELE-EXISTÊNCIA: DESDOBRAMENTOS CONCEITUAIS ............. 33 1.1 Tecnologia, comunicação e sentidos de presença ........................................................................................ 34 1.2 Vende-se telepresença, experimenta-se tele-existência ................................................................................ 40 1.3 Tele-existência como redenção: o imaginário pós-humano ......................................................................... 47 1.4 Tele-existência cibermediática ..................................................................................................................... 51

CAPÍTULO 2 – COMUNICAÇÃO, PRESENÇA E AUSÊNCIA ............................................................ 57 2.1 Mídia como re-existência ............................................................................................................................. 58 2.2 Rumo à espectralidade ................................................................................................................................. 60 2.3 Ausência como problema .............................................................................................................................. 66

CAPÍTULO 3 - TELE-EXISTÊNCIA COMO IMPERATIVO DE ÉPOCA ............................................... 73 3.1 Tempo real e vazio pós-histórico .................................................................................................................. 73 3.2 Em busca de onipotência .............................................................................................................................. 77 3.3 Compulsão e violência.................................................................................................................................. 80

PARTE II: ESPECTRALIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA E PROJEÇÃO DO SUJEITO

HIPERESPETACULAR ............................................................................................................. 85

CAPÍTULO 1 - NULODIMENSIONALIDADE CIBERESPACIAL ........................................................ 87 1.1 Novas paragens na paisagem digital ............................................................................................................ 92 1.2 Territorialidades imaginadas ....................................................................................................................... 97

CAPÍTULO 2 - A ESPECTRALIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA .............................................................. 113 2.1 Projeção subjetiva ...................................................................................................................................... 116 2.2 Arranjamentos tecnoimagéticos ................................................................................................................. 119 2.3 Tensões de mimicry .................................................................................................................................... 121 2.4 Facetas e interfaces: a transposição sígnica .............................................................................................. 126 2.5 O bunker ontológico do perfil-sujeito ......................................................................................................... 131

CAPÍTULO 3 - TELE-EXISTÊNCIA GLOCAL............................................................................... 135 3.1 A superação da dicotomia global-local ...................................................................................................... 137 3.2 A experiência antropológica do glocal ....................................................................................................... 139 3.3 O sujeito glocal cibermediático e hiperespetacular ................................................................................... 141

PARTE III: DISSOLUÇÃO HIPERESPETACULAR: JOGOS DE (IN)VISIBILIDADE E

AGONIA ..................................................................................................................................... 145

CAPÍTULO 1 – O IMAGINÁRIO HIPERESPETACULAR E A FENOMENOLOGIA DO ―APARESER‖ .... 147 1.1 Do espetáculo ao hiperespetáculo .............................................................................................................. 150 1.2 Iconofagia, mediosfera e desejo de visibilidade ......................................................................................... 157 1.3 Espelhos e vitrines cibermediáticas ............................................................................................................ 162

Page 10: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

10

1.4 Visibilidade/vigilância ................................................................................................................................ 167 CAPÍTULO 2 – A DINÂMICA AGONÍSTICA DOS JOGOS DE PERFORMANCE CIBERMEDIÁTICA ..... 173

2.1 A obscuridade de agon ............................................................................................................................... 176 2.2 O desejo de ser visto e o medo de ser vigiado ............................................................................................ 179 2.3 Privacidade e transparência ...................................................................................................................... 185 2.4 Subjetividade performática ......................................................................................................................... 189 2.5 Estética do desaparecimento e dissolução do sujeito ................................................................................. 193 2.6 A cultura do botão “curtir” e a agonia da inapreensão do agora ............................................................. 198

CAPÍTULO 3 – O NÃO-SER DO SER-PRA-SEMPRE: UMA INTERPRETAÇÃO EXISTENCIALISTA .... 205 3.1 Presença e existência.................................................................................................................................. 205 3.2 Subjetividade como devir ............................................................................................................................ 210 3.3 Ser-na-ausência e ser-pra-sempre .............................................................................................................. 214

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 217

SEM CHÃO: A TENDÊNCIA OBJETIVANTE .................................................................................... 218

REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 223

SOBRE A AUTORA .................................................................................................................. 237

Page 11: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

11

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Sistema de telepresença comercializado pela Embratel/Cisco (out. 2007). ................................. 41 Figura 2. Sala de e-learning no Second Life – Curso ―ABC do EaD‖ (2007). ............................................ 42 Figura 3. Primeira transmissão holográfica na televisão (2008). ................................................................ 43 Figura 4. Mutual telexistence: TELESAR II (2005). .................................................................................. 45 Figura 5. Hapitc telexistence: TELESAR V (2011). ................................................................................... 46 Figura 6. TELESAR V e seu teleoperador (jun. 2011). .............................................................................. 46 Figura 7. Exemplo de postagem no ritmo do gerúndio - Facebook (21 fev. 2013)..................................... 55 Figura 8. Brasileiros reinam nas redes sociais digitais (4 fev. 2013). ......................................................... 93 Figura 9. Blog Thata e sua vida. Destaque para o número de membros (fev. 2013). .................................. 94 Figura 10. Blog ―Pensar Enlouquece. Pense Nisso‖. Destaque para o plugin do Facebook (fev. 2013). ... 94 Figura 11. Recurso "compartilhar notícia‖ com destaque para redes sociais (fev. 2013). .......................... 95 Figura 12. Comparação entre o mapa-mundi das redes sociais: 2009-2012. Vincenzo Cosenza (dez. 2012).

..................................................................................................................................................................... 96 Figura 13. Mapa das comunidades online 2007 produzido pelo site de humor XKCD. ............................. 99 Figura 14. Mapa das comunidades online 2010 produzido pelo site de humor XKCD. ........................... 100 Figura 15. Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown (5 ago. 2010). .................................... 101 Figura 16. Página de login do Club Penguin, rede social da Disney (fev. 2013). ..................................... 103 Figura 17. Promoção de lançamento de ―ilhas‖ no Second Life (29 out. 2007). ....................................... 104 Figura 18. Foto de excursão organizada pela Agência Turistas do Second Life. ...................................... 104 Figura 19. Dragon City, social game desenvolvido pela Social Point (fev. 2013). .................................. 106 Figura 20. Farmville 2, social game desenvolvido pela Zynga (fev. 2013). ............................................. 106 Figura 21. Clash of Clans, social game desenvolvido pela Supercell (fev. 2013). ................................... 107 Figura 22. Social Empires, social game pela Social Point (fev. 2013). .................................................... 107 Figura 23. Jurassic Park Builder, social game da Ludia (fev. 2013). ....................................................... 108 Figura 24. Página inicial do Facebook (13 mar. 2013). ............................................................................ 109 Figura 25. Página Inicial do Google+ (13 mar. 2013). ............................................................................. 109 Figura 26. Página incial do Orkut (13 mar. 2013). .................................................................................... 109 Figura 27. Página inicial do Linkedin (13 mar. 2013). .............................................................................. 110 Figura 28. Página inicial do Twitter (13 mar. 2013). ................................................................................ 110 Figura 29. Página de entrada da e-Harmony (13 mar. 2013). ................................................................... 116 Figura 30. Área de perguntas e respostas do site de relacionamento ParPerfeito (13 mar. 2013). ........... 117 Figura 31. Perfil do Orkut com imagem de identificação do Club Penguin (11 abr. 2010). ..................... 120 Figura 32. Perfil de ―Deus‖ no Twitter - @ocriador (15 mar. 2013)......................................................... 123 Figura 33. Várias páginas e perfis de ―Gina Indelicada‖, fake profiles do Facebook. (14 mar. 2013). .... 123 Figura 34. Fake profile de Jorge M. Bergoglio, o Papa Francisco, no Twitter (15 mar. 2013). ............... 124 Figura 35. Um perfil chamado ―eu mesmo‖ – Orkut (jun. 2010). ............................................................. 125 Figura 36. Imagem do filme The so coal network, do Greenpeace (set. 2010)......................................... 128 Figura 37. Imagem retirada do Blog Pérolas do Orkut (2009). ................................................................ 132 Figura 38. Vestido-Facebook, criação da estudante Lana Dumitru. (nov. 2010). ..................................... 132 Figura 39. Usuária do Second Life exibe seu avatar. (9 set. 2007). ........................................................... 133 Figura 40. Exemplo de identidade-perfil no Facebook. (jan. 2013). ......................................................... 133 Figura 41. Cena do videoclipe "Agora eu tenho iPhone" (da TIM). Banda Seminovos (2 jun. 2011). .... 142 Figura 42. Perfil do Orkut (26 ago. 2007). ................................................................................................ 152 Figura 43. Perfil de Orkut Buyukkokten no Orkut (13 jun. 2013). ........................................................... 152 Figura 44. Amigos de Vagner Araújo – Facebook (31 out. 2013). ........................................................... 153 Figura 45. Seguidores de Vander Oliveira – Facebook (13 jun. 2013). .................................................... 154 Figura 46. Página de acesso à rede social Pheed. (21 mar. 2013). ............................................................ 155 Figura 47. Imagem do álbum Instagram do Facebook de Julie Fernanda (16 dez. 2012). ....................... 158 Figura 48. Cartoon ―Cézanne, o tataravô do Instagram‖. Autoria desconhecida. .................................... 159

Page 12: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

12

Figura 49. Miniaturas das fotos de perfil de Bruna no Facebook (20 jun. 2013). ..................................... 164 Figura 50. Miniaturas das fotos do álbum ―Eu‖ – perfil de Lucas no Facebook (20 jun. 2013). .............. 164 Figura 51. Página inicial do aplicativo The Museum of Me (27 jun. 2013). .............................................. 166 Figura 52. Cena final do tour pelo museu de Cíntia Dal Bello (27 jun. 2013). ......................................... 166 Figura 53. Recurso ―promover‖ – Facebook. (7 ago. 2013). .................................................................... 178 Figura 54. Configuração de privacidade no Orkut (27 out. 2011). ........................................................... 181 Figura 55. Perfil de Estela Estrela no Orkut (dez. 2006). ......................................................................... 182 Figura 56. Recurso visualizações - publicação no grupo Restaurante do Clube St. Moritz (7 ago.2013). 183 Figura 57. Montagem de usuários ironizando a espionagem digital norte-americana. (2013). ................. 184 Figura 58. QG do Club Penguin (jan. 2011). ............................................................................................ 187 Figura 59. Menu de configuração da opção "Assinado" no Facebook (out. 2011). .................................. 191 Figura 60. Rankings sobre usuários brasileiros no Twitter (12 out. 2011). ............................................... 192 Figura 61. Exemplos de #FF no Twitter (set. 2011). ................................................................................. 192 Figura 62. Multidão na praça São Pedro em 2005 e 2013 (14 mar. 2013). ............................................... 196 Figura 63. Cena da propaganda tailandesa Disconnect to connect, da DTAC (28 set. 2010). .................. 196 Figura 64. Botão "curtir" do Facebook. .................................................................................................... 198 Figura 65. Conjunto de respostas/reações a um tweet no Twitter (jan. 2012) ........................................... 200 Figura 66. Conjunto de respostas/reações a um scrap no Orkut (jan. 2012). ............................................ 200 Figura 67. Tabulação do total de respostas/reações a um scrap no Orkut (jan. 2012). ............................. 200 Figura 68. Conjunto de respostas a um vídeo no Youtube (jan. 2012). ..................................................... 201 Figura 69. Janela que apresenta o fluxo de ações e interações no Facebook (04 abr. 2013). ................... 202 Figura 70. Janela de bate-papo do Facebook (04 abr. 2013). .................................................................... 202 Figura 71. Fotos e notas de Oscar Monteiro Filho. ................................................................................... 218 Figura 72. Tirinha de ―Os malvados‖. ....................................................................................................... 219

Page 13: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

13

RESUMO

Page 14: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 15: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

15

Esta pesquisa tem por objetivo compreender o fenômeno da tele-existência

cibermediática – existência em tempo real facultada por plataformas ciberculturais de

comunicação e relacionamento, em dispositivos tecnológicos fixos ou móveis – para dimensionar

sua repercussão socioantropológica e, a partir da análise da relação entre subjetividade, tele-

existência e visibilidade cibercultural, pensar o estatuto do sujeito na dimensão hiperespetacular.

Seu objeto de estudo é o corpo sígnico, espectral, arranjamento sígnico-imagético que confere

organicidade aparente ao usuário para presentificá-lo nos ambientes comunicacionais. Na

delimitação do corpus, trata-se de observar perfis, avatares e outras interfaces de projeção

subjetiva em redes sociais, metaversos e social games para compreender o processo imperativo

de espectralização live da existência, decorrente da naturalização do desejo de autoexposição. Isto

posto, a principal questão norteadora da pesquisa é: se a projeção da existência no cyberspace

tem por objetivo delinear o sujeito em meio a fluxos informacionais, conferindo-lhe visibilidade

cibermediática, por que o efeito, via de regra, concorre para a sua dissolução ou invisibilidade?

Para tal problemática, acenam-se as hipóteses de que tele-existir, embora percebido como

agradável passatempo, constitui disputa agonística pelo centro da cena mediática, o que leva à

produção desmesurada de informações como estratégia para manter o usuário continuamente em

destaque. Todos querem ――apareSer‖‖ porque temem a insignificância, correlata ao medo de

inexistir. Como doravante a existência só parece adquirir sentido quando passa pela instância

(ciber)mediática, o eixo de constituição do sujeito no cyberspace deslocou-se de ―quem sou eu‖

para ―em que estou pensando/fazendo‖. Entretanto, por efeito de saturação informacional e

excesso de visibilidade, todo ato de projeção é, simultaneamente, dissolução – (in)visibilidade.

Como metodologia, o projeto previu a realização de pesquisa bibliográfica e de estudo

qualitativo de campo, pautado na netnografia (assim traduzida em seus elementos principais:

ingresso não-invasivo nas plataformas citadas, levantamento exploratório de perfis e avatares,

observação participante e realização de entrevistas não-estruturadas com usuários). O quadro

teórico de fundamentação da pesquisa, de base interdisciplinar (filosófica, sociológica,

antropológica e psicanalítica), inclui o pós-modernismo filosófico, o pós-estruturalismo francês, a

semiótica da cultura, a sociodromologia fenomenológica, e deverá fornecer os referenciais

epistemológicos necessários para a análise do objeto de estudo, para a checagem das hipóteses e

para a resolução do problema de pesquisa.

Palavras-chave: Cibercultura, visibilidade mediática, tele-existência, subjetividade,

hiperespetacularização, redes sociais digitais.

Page 16: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 17: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

17

ABSTRACT

The objective of this research is to understand the phenomenon of cybermediatic tele-existence –

existence in real time enabled by cybercultural communication and relationship platforms in

fixed or mobile devices – to gauge their socio-anthropological impact and, based on an analysis

of the relationship between subjectivity, tele-existence and cybercultural visibility, examine the

individual‟s status in the hyper-spectacular dimension. The object of study is the spectral, signic

corporality, the signic-imagerial arrangement, which gives the user an apparent organicity that

renders him present in communication environments. The delimitation of the corpus involves the

observation of profiles, avatars and other interfaces of subjective projection in social networks,

metaverses and social games to understand the imperative process of continuous spectralization

of existence resulting from the natural desire for self-exposure. Having stated the above, the main

question guiding this research is: If the projection of existence in cyberspace is aimed at

providing a thumbnail sketch of the individual in the midst of information flows, giving him

cybermediatic visibility, why is its effect usually that of contributing to his dissolution or

invisibility? To answer this question, we propose the hypothesis that to tele-exist, albeit

perceived as a pleasant pastime, constitutes an agonistic dispute for the mediatic center stage,

which leads to the excessive production of information as a strategy to keep the user continually

in the limelight. Everyone wants to “appear” because they fear insignificance, which is

associated with the fear of nonexistence. Because existence from now on seems to make sense

only when it passes through cybermediatic hyper-spectacularization, the essence of the

individual‟s composition in cyberspace has shifted from “Who I am” to “What I‟m

thinking/doing.” The effect of the information saturation and excessive visibility resulting from

this shift is that every act of projection simultaneously becomes one of dissolution – (in)visibility.

The methodology for this research consisted of a literature survey and a qualitative field study,

based on netnography (translated into its main elements: noninvasive entry into the

aforementioned platforms, exploratory survey of profiles and avatars, participant observation,

and unstructured interviews with users). The theoretical foundation of this interdisciplinary

research (philosophical, sociological, anthropological and psychoanalytical), which provided the

necessary epistemological frameworks for the analysis of the object of study, for checking

hypotheses, and for solving the research problem, includes philosophical postmodernism, French

post-structuralism, cultural semiotics and phenomenological sociodromology.

Keywords: Cyberculture, mediatic visibility, tele-existence, subjectivity, hyper-

spectacularization, digital social networks.

Page 18: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 19: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

19

Introdução

Page 20: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 21: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

21

De que sonhos e pesadelos é feita a experiência de tele-existir?

Em face da adesão, em escala planetária, às plataformas ciberespaciais de

relacionamento e projeção subjetiva – redes sociais digitais, metaversos, aplicativos e social

games –, e do significativo aumento do número de horas dedicadas a elas, em parte graças à

crescente popularização do acesso à Internet e dos dispositivos tecnológicos que providenciam

conexão móvel e contínua – netbooks, smartphones, tablets –, impõe-se a necessidade premente

de investigar o estado always on como nova modalidade de ser, estar, compreender-se e

relacionar-se com a alteridade e com o mundo. Na presente Tese, esse estado, naturalizado pela

prática cotidiana e considerado agradável passatempo, condiciona o usuário de teletecnologias a

existir em tempo real; e tele-existir implica projeção constante e idealmente contínua de si na

espectralidade de alta visibilidade facultada pelas redes. A produção desmesurada de

informações, com o intuito de delinear e projetar significativo sujeito, concorre imediatamente

para a sua dissolução ou invisibilidade: a avalanche informacional que flui pelos estreitos

corredores de visibilidade das plataformas cibermediáticas, provocada por todos os indivíduos

ávidos por ―apareSer‖1, torna cada qual obsoleto desde a origem, em permanente estado de

manutenção ou atualização. Projeção e dissolução do sujeito, portanto, são intrínsecos e

conformam um regime agônico de (in)visibilidade: a disputa pelas áreas de visibilidade

privilegiada nas plataformas ciberculturais (ou centro da cena, metaforicamente) conduz à

projeção hipertrófica, que gera saturação da atenção e dos ambientes virtuais de convivência,

crise que soterra as manifestações subjetivas em paisagens digitais rapidamente tornadas remotas,

requerindo mais informações para voltar ao centro da cena – o que fatalmente redundará em

novas dissoluções e invisibilidades. Tele-existir é ser/estar inevitavelmente always on: em busca

da reconfortante certeza de que são alguém, os sujeitos esmeram-se, como Sísifos absurdos, a

alcançar o topo da visibilidade cibermediática para, terminado o esforço, rolarem novamente para

a invisibilidade, e assim sucessivamente, como se isso fosse, realmente, vida – eis o âmago da

Tese.

1 Veja-se o Capítulo 1 da Parte III – O imaginário hiperespetacular e a fenomenologia do apareSer.

Page 22: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

22

Sobre a organização dos capítulos

Para sustentar a Tese, os nove Capítulos foram distribuídos em três Partes. A

primeira, de caráter introdutório, visa a apresentação das imbricações e desdobramentos

conceituais dos termos telepresença e tele-existência desde a década de 1980 para situar, no

âmbito da comunicação virtual, o recorte preciso da pesquisa – a tele-existência em plataformas

ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva, ou tele-existência cibermediática. Parte,

então, do artigo seminal de Eugênio Trivinho sobre existência em tempo real (2007b) para pensar

a dimensão antropológica da angústia que impele o ser humano à superação de seus limites e

recuperar, com base na Teoria das Mídias e na Semiótica da Cultura, os fundamentos dessa

prática comunicativa, inferindo os medos e as promessas que transformam a tele-existência em

compulsão e imperativo característicos da época vigente, em que pós-modernidade,

neonarcisismo e conformação dromocrática da existência comparecem coimplicados.

Como resultado de extensa revisão bibliográfica, observou-se que telepresença

(MINSKY, 1980) e tele-existência (TACHI, 1980) podem ser tomados como sinônimos e

referem-se, geralmente, a experimentos de presença remota que objetivam fazer com que o

teleoperador tenha a impressão de estar no local em que o avatar robótico se encontra. Essa

impressão, gerada pela transmissão de estímulos sonoros, visuais e táteis como temperatura,

pressão e textura, também pode ocorrer em experiências de realidade virtual, em que o

teleoperador imerge em mundos sintéticos que simulam lugares reais ou imaginários, gerados por

computador (SHERIDAN, 1992). Para além da realidade virtual e das tecnologias de simulação

restritas aos laboratórios dos grandes centros científicos, a investigação sobre as sensações de

telepresença geradas pelo uso de mídias cotidianas (BRACKEN; SKALSKI, 2010) abarca

sistemas de videoconferência, computadores, smartphones, home-theater, cinema, rádio e

televisor de alta-definição, entre outros. Neste caso, a sensação de presença ocorre quando a

tecnologia provê a ilusão de que a experiência não é mediada (LOMBARD, DITTON, 1997): o

sujeito pode experimentar a sensação de estar presente em outro lugar ou de que o outro, como

entidade mediática, está diante de si.

A tele-existência cibermediática, ou existência em tempo real (TRIVINHO, 2007b),

difere dos experimentos de presença remota conforme tratam Minsky e Tachi, pois o cibernauta,

Page 23: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

23

ao contrário do teleoperador que se maquiniza para poder receber as impressões captadas pelo

sensível avatar robótico, porta dispositivos tecnológicos cada vez mais leves e pequenos, de

rápido acesso ao perfil ou avatar cibermediático que lhe confere corporeidade e identidade.

Difere, também, das experiências de alta imersão em realidades virtuais – a tele-existência, glocal

(TRIVINHO, 2007a) por excelência, põe-se na fissura/urdidura da dimensão do lugar, do corpo, e

da dimensão comunicacional das redes, o que torna cada vez mais complicado manter a oposição

entre atual e virtual. Por fim, ainda que comungue de alguns aspectos característicos da pesquisa

acerca da presença mediática – tal como o engajamento da imaginação (GERRIG, 1993;

BIOCCA; LEVY, 1995) e a compreensão de presença como ―ilusão perceptual de não-mediação‖

(LOMBARD, DITTON, 1997), a tele-existência cibermediática afasta-se dela por não comportar

dicotomias como ―partida‖ e ―chegada‖, ―aqui‖ e ―lá‖. Fenômeno complexo e paradoxal, atinente

às tecnologias do glocal2, a tele-existência investigada requer análise que tensione as cisões de

base dual, recompondo os códigos binários na estranha realidade das experiências híbridas.

Cumpre salientar, entretanto, que o entusiasmo presente no manifesto de Minsky e

nas experiências de Tachi não se reproduz na presente pesquisa. Embora permaneça atenta ao

fato de que o termo fatalmente evoca o imaginário pós-humano de modificação ou superação da

condição humana, não se coaduna com essa perspectiva, interessando-se, antes, por questionar o

prefixo tele para compreender quais são os medos e as promessas que levam a humanidade a

buscar redenção na distância concreta do mundo e da alteridade. Tendo em vista a comutação da

visibilidade em principal valor, considera que é a legitimidade mesma da existência o que está em

cheque, razão pela qual tele-existir não implica apenas registrar e publicizar aquilo que acabou de

ser vivido, mas viver para gerar impressões, conquistar audiência, raiar no horizonte do olhar do

outro. Trata-se, portanto, de uma nova forma de lidar com o medo da morte, da inexistência e da

insignificância, própria do reconhecimento – ou da não-aceitação – da efemeridade humana. Nos

rincões tecnológicos de visibilidade hiperespetacular e cibermediática, emergem as promessas de

superação do corpo, do tempo, do espaço e da morte. Nesse processo, a tele-existência constitui o

ápice de uma ―escalada abstracional‖ (FLUSSER, 2008) que providencia o devido afastamento

do ―perigoso‖ mundo multissensorial do corpo e dos volumes; seus fundamentos situam-se muito

antes do surgimento do glocal: encontram-se desde a invenção e fixação das imagens e da escrita

em suportes que, vencendo distâncias e resistindo à passagem do tempo, possibilitam a

2 Discussão que será aprofundada no Capítulo 3 da Parte II – Tele-existência glocal.

Page 24: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

24

presentificação do ausente para audiências longínquas ou futuras (PROSS, 1971; BAITELLO

JR., 2005, 2010). O encantamento exercido pelos media pode ser tributário do fato de que são,

primeiramente, vestígios de presença; então, registros físicos que fazem re-existir, ao menos no

imaginário, aquele que está longe ou não existe mais; agora, veículos de aparição espectral que

anulam o espaço e domesticam o tempo, tornando presente aquele que está efetivamente distante.

Destarte, após delinear a especificidade do objeto de estudo em contraste com outras

linhas de investigação e tecer considerações sobre a relação entre media, presença e ausência

tendo por base a Teoria das Mídias e a Semiótica da Cultura, a primeira parte encerra-se com a

caracterização da tele-existência como violento imperativo de época, modos operandi que

arrebata os nativos de uma sociedade (tempo/espaço/cultura) inundada pela sensação de vazio

(pós-modernidade) e pela ausência de sentido (pós-história), alvo das pressões exercidas pelo

tempo real que a modelizam como dromocracia (TRIVINHO, 2007a). Onisciência panorâmica e

onipresença relativa, propiciadas pelas teletecnologias de comunicação, minam qualquer pleito à

desejada onipotência por escassez de presença e engajamento autênticos: à colonização do tempo

real corresponde o abandono do corpo social; à tele-existência corresponde o abandono da

existência em prol da performance hiperespetacular. O fascínio que exerce, entretanto, não

permite que se considere seriamente a dromoaptidão (TRIVINHO, 2007a) requerida como uma

espécie de servidão, nem que se sinta as dores causadas pela tecnodependência. Compulsão

generalizada, mais ou menos arrefecida pelo egocentramento neonarcisista (LASCH, 1983;

1990), conforma a face obscura do despojado ser/estar nas plataformas ciberculturais de

relacionamento e projeção subjetiva.

A segunda Parte ocupa-se de situar redes sociais, metaversos, aplicativos e social

games em meio à nulodimensionalidade ciberespacial, destacando a importância dessas

territorialidades imaginadas que abrigam a tele-existência. Disseca-se o processo de projeção

subjetiva em arranjamentos tecnoimagéticos que funcionam como corporeidades espectrais

quando o indivíduo está online e fazem surgir um efeito de sujeito. Na espectralização da

existência, a experimentação do eu como persona hiper-real articula parâmetros de representação

e simulação que confundem ainda mais realidade e ficção.

Indissoluvelmente vinculada às tecnologias do glocal, a tele-existência cibermediática

é uma experiência de desdobramento subjetivo por projeção hiperespetacular, no qual se institui

um sujeito que é, antes, efeito efêmero dessa projeção, espectro composto na superfície das telas.

Page 25: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

25

Para compreender essa afirmação, a segunda Parte da pesquisa trata da crescente virtualização do

mundo, da liquidação dos referenciais, do apagamento do contexto concreto de existência e da

transformação generalizada de coisas em ―não-coisas‖ (FLUSSER, 2007). Trata, também, do

quanto a concepção de cyberspace como realidade paralela, marginal e subversiva perdeu vigor

na medida em que a rápida alternância entre os estados on e off-line dificulta qualquer tentativa

de separação entre as referências ―aqui‖ e ―lá‖. A conformação de ―territórios digitais

informacionais‖ (LEMOS, 2009), híbridos oriundos da acintosa sobreposição do espaço

eletrônico de fluxos informacionais ao espaço-mundo, atesta a transformação do cyberspace em

universo formal em que todos estão inseridos, matriz cultural que ressignifica o mundo, conforma

subjetividades pré-existentes e gera novas mentalidades e sensibilidades. Nesse sentido, a tele-

existência cibermediática corresponde imediatamente à experiência antropológica de ser/estar

glocal, uma nova forma de ser/estar simultaneamente em vários lugares e, também, não ser e não

estar.

A partir da escalada abstracional notada por Flusser (2007), considera-se o

cyberspace como exemplar sine qua non do último grau de abstração, nulodimensionalidade por

excelência, composta por códigos binários que tudo reduzem a zero e um, pontos intangíveis,

inimagináveis e inconcebíveis, embora constatáveis e computáveis. Caminhar rumo à

nulodimensionalidade parece ter se tornado a única direção possível dado os ocasos do sentido de

história e da fé teleológica que movia e animava os sujeitos modernos. Mediante o vazio (que

importa o passado?) e o abismo (que futuro?), resta à perplexa humanidade criar imagens

técnicas, ontologicamente diferentes das imagens tradicionais uma vez resultantes dos jogos de

cálculos que computam pontos. As imagens técnicas são mosaicos que disfarçam o vazio e

tornam habitável a inabitável nulodimensionalidade ciberespacial. Projetam as plataformas –

comunidades virtuais, redes sociais, metaversos – que abrigam e assentam a tele-existência.

Doravante conquistado, o tempo real transforma-se em espaço ―navegável‖, entremeado por

paragens digitais onde é possível circunscrever-se, manifestar-se, ser alguém. A vitalidade com

que os indivíduos lançam-se à construção e manutenção de perfis e avatares, entes sígnicos que

correspondem a sua corporeidade nas plataformas ciberculturais, denota não apenas a ânsia por

registrar e publicizar o cotidiano, mas também o quanto passaram a viver nas redes sociais

digitais. Nessas territorialidades imaginadas, desgarradas do compromisso de corresponder ao

espaço geofísico, gigantescos assentamentos espectrais de convivência, com fronteiras arredias e

Page 26: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

26

ao mesmo tempo muito bem delineadas – haja vista a necessidade de identificação no portal de

entrada de cada rede ou metaverso –, convocam à desmesurada e contínua espectralização da

existência.

Espectralizar-se, portanto, implica manifestar-se como imagem, viver entre imagens,

relacionar-se com imagens, presenciar por meio de imagens e estar presente como imagem.

Significa tornar-se mais real que o real, hiper-real (BAUDRILLARD, 1981). Mesmo quando a

projeção subjetiva pretende ser representativa, engendra simulações e dissimulações que tornam a

dicotomia realidade-ficção impossível de ser mantida. O efeito de sujeito que emerge das

atividades de tele-existir é hiperespetacular e faz jus à subjetividade narcisista que caracteriza a

pós-modernidade. Cumpre observar e analisar o cyberspace como nulodimensionalidade, as

plataformas como superfícies imaginadas (FLUSSER, 2008, p. 38) e os perfis e avatares como

imagens-técnicas que, como véus de maia alegremente tecidos, recobrem a subjetividade na

azáfama de tele-existir. Rasgá-los, desconcertante objetivo da Tese que se apresenta, permite que

se compreenda o processo de virtualização que permeia o ser/estar nas redes digitais de

relacionamento.

Após dimensionar a tele-existência como cibermediática e glocal, a pesquisa, na

terceira Parte, tratará de caracterizá-la como jogo de performance hiperespetacular, cuja

dinâmica, agonística, torna a dissolução do sujeito intrínseca a sua projeção. Para tanto, parte da

lógica espetacular para compreender o imaginário próprio da cultura mediática, cuja promoção,

ao longo do século XX, sedimentou a visibilidade como desejável valor, normalizou o

comportamento autoexpositivo e o discurso autorreferencial vigentes na cibercultura, atinentes ao

―apareSer‖ tele-existencial. À indexação instantânea da existência pelas tecnologias do tempo

real que conformam tempos e espaços de tele-existência segue-se a instalação da lógica da

transparência e da vigilância, facetas indeléveis da visibilidade. Compreendidos os aspectos

inerentes à naturalização do desejo de autoexposição e hiperespetacularização da vida pessoal,

delineia-se a tensão entre o desejo de ser visto e o medo de ser vigiado que tangencia os jogos de

(in)visibilidade travados entre os tele-existentes. Nesse contexto, a fenomenologia do ―apareSer‖,

do qual a tele-existência deriva, implica novo ethos que regula a compreensão de vida e morte,

existência e inexistência, a partir da capacidade de ser ou não ser visível. Constata-se a

supremacia da visibilidade como valor absoluto, preponderante sobre outros possíveis

indicadores de performance (como autoridade, reputação ou poder de influência), e o delírio

Page 27: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

27

singular de adentrar e permanecer no imaginário cibermediático [apresentado como dimensão da

Mediosfera (CONTRERA, 2010)] para nele realizar sonhos olimpianos (MORIN, 1969) de fama

e sucesso.

Eis a estética do desaparecimento e sua correlata agonia: toda projeção da

subjetividade na espectralidade cibercultural, embora vise à circunscrição do sujeito, contribui,

simultaneamente, para a dissolução do mesmo por efeito de excesso informacional e saturação da

atenção da audiência. Em meio à eco-logia3 peculiar das plataformas de operação em tempo real,

o indivíduo tele-existente padece de obsolescência imediata graças ao fato de que os tempos e

espaços de alta visibilidade são corroídos por acirrada concorrência. Como todos acedem aos

imperativos da tele-existência, o fluxo de publicações torna-se ininterrupto, quase a seguir o

próprio fluxo da vida, e a imagem publicada há alguns segundos não cumpre mais a tarefa de

presentar o agora, devendo ser compulsoriamente substituída por outra para manter aquele que se

manifesta em permanente projeção, longe do anonimato e da invisibilidade, da periferia ou das

sombras cibermediáticas que, decididamente, decretam a morte simbólica. Tal assédio,

sensivelmente mais agressivo com a popularização dos dispositivos móveis de conexão e

rastreamento contínuos, deslocou os eixos de organização do discurso autorreferencial. Antes, a

manifestação subjetiva nas redes sociais orientava-se pelo eixo ―Quem sou eu‖, norteador de

projeções que primassem por coesão e coerência identitárias. Após a entrada do Twitter no

cenário cibercultural, as plataformas redesenharam seus eixos para questões que assumem a

fugacidade e o devir da existência, solicitando permanentemente satisfações sobre ―o que está

acontecendo‖ ou ―no que estou pensando agora‖. Subjetividade no gerúndio, intermitente, em

tempo real, always on. Assim, a despeito do caráter lúdico que reveste a prática da tele-

existência, é preciso denunciá-la como tecnologia extrema de sistematização do registro da vida

no tempo do eterno presente. Neste sentido, o ―apareSer‖ tele-existencial deixa de ser apenas uma

forma de passar o tempo: na instantânea correnteza do viver, exige o registro e a publicização da

própria vida.

Essa exigência, quando absolutamente tudo parece digno de ser compartilhado em

rede, adquire as cores brandas da celebração, mas nem por isso deixa de ter variantes perversas,

como a sobreescrição da existência pelo seu registro hiperespetacular ou a concorrência entre

3 Eco-logia, ou lógica do eco, é um termo utilizado por Baitello Jr. (2005, p. 52-53) para aludir à capacidade de

rápida reprodução das imagens na era da visualidade.

Page 28: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

28

ambos, real e hiper-real, com sequestro de parte do tempo de vida em favor da publicização

simultânea. Fatalmente, surge a supervalorização do online sobre o off-line e, com ela, cruel

inversão: viver nas redes, viver para poder registrar, no lugar de simplesmente viver e,

eventualmente, compartilhar nas redes aquilo que foi naturalmente vivido.

Sobre o percurso

Somos testemunhas, colaboradores e vítimas de revolução cultural cujo âmbito

apenas adivinhamos. (FLUSSER, 2008, p. 15).

Seguir os sonhos que as tecnologias do tele inspiram - transcendência, redenção,

transgressão de limites – implica encontrar os pesadelos. A chama da revolução em curso,

todavia, não dá mostras de que está perto de se apagar. Embora clarifique muitos aspectos da

triste condição humana no contexto pós-moderno e ilumine algumas possibilidades maravilhosas,

contém suas próprias armadilhas ou ―acidentes‖, como diria Virilio (2000).

O percurso de construção lógica da Tese partiu de hipótese cuja inspiração,

primeiramente, foi a experiência própria, como colaboradora e vítima do processo em curso

desde 2006, a partir do Orkut, experiência que encontrou ressonância na observação e no

testemunho da vivência de muitos outros, a saber: pouco mais de mil pré-adolescentes e

adolescentes, alunos do Ensino Fundamental e Médio do Colégio Argumento-Objetivo de

Ermelino Matarazzo – São Paulo, ouvidos presencialmente ao longo da realização da palestra

intitulada Você está no Orkut?; dois mil adultos – alunos de graduação e pós-graduação,

professores, pesquisadores e profissionais da área, participantes de comunidades e fóruns sobre

cibercultura e redes sociais, usuários assíduos de Facebook e Twitter, cujo contato ocorreu, com

raríssimas exceções, exclusivamente pelas redes sociais; e sete crianças entre seis e onze anos

pertencentes ao grupo familiar, cujo comportamento foi observado tanto nas redes quanto in loco.

No processo, diversos pesquisadores engajados em investigações correlatas foram

ouvidos em grupos de trabalho privilegiados onde foi possível apresentar fragmentos da pesquisa

em andamento, como o Simpósio Nacional de Cibercultura – 4ª e 5ª edições (DAL BELLO,

2010; DAL BELLO, 2011), o XXI Encontro Nacional da COMPÓS (DAL BELLO; ROCHA,

2012a), o I CONFIBERCOM – Congresso Mundial de Comunicação Ibero-Americana (DAL

BELLO; NOMURA, 2011), o 10º Congreso de La Asociación Internacional de Semiótica Visual

– AISV 2012 – Buenos Aires (DAL BELLO; FOLINO JR., 2012), o II Seminário Internacional

Page 29: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

29

de Pesquisa sobre Consumo (DAL BELLO; ROCHA, 2012b), reuniões e seminários científicos

promovidos pelo CENCIB – Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Comunicação e

Cibercultura nos projetos Glocal (2011 e 2012) e Comunicação e Velocidade (2013), nos

encontros e seminários promovidos pelo Grupo de Estudos Multitemáticos sobre Redes Sociais

SOCIOTRAMAS (2011 e 2012) e ao longo do desenvolvimento da obra Hikikomori: a vida

enclausurada nas redes sociais (SAITO; GREINER, 2013).

Além do mergulho netnográfico nas mais diversas plataformas – redes sociais como

Orkut, Facebook, Twitter, Linkedin, Google Plus, Blogger, Youtube; metaversos como Second

Life e Club Penguin e social games como Mafia Wars e Farmville –, realizou-se, com o apoio

dos alunos de pós-graduação em Comunicação em Redes Sociais da Universidade Nove de Julho,

dois eventos-experimentos sobre Visibilidade Mediática Cibercultural com os objetivos de

discutir a fenomenologia do ―apareSer‖ e, empiricamente, conduzir a hashtag #apareSer ao top

trends do Twitter – resultados alcançados, analisados e apresentados em artigo científico (DAL

BELLO, 2011).

Por fim, encontrar os pesadelos implica assumi-los. Paulatinamente, a hipótese

transformou-se em posicionamento, cuja amplitude crítica afina-se com o pensamento dos vários

pesquisadores elencados ao longo da Tese. Percebeu-se que o sonho encantado da projeção

subjetiva – que o always on torne-se always live – contém, no avesso, o horror de sua imediata

dissolução. Tentar ―ser-pra-sempre‖ na espectralidade do espaço nulo, espaço ciber, como forma

de multiplicar a presença e otimizar o aproveitamento do tempo de vida é, também e

inadvertidamente, forma de retirar-se do mundo, negar o corpo, aniquilar o espaço e o outro.

Intensificação de ausência, cristalização da vida, objetificação de si, interrupção do devir e

sujeição à tecnodependência.

Page 30: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 31: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

31

PARTE I: Medos e promessas do tele

Page 32: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 33: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

33

CAPÍTULO 1 - Telepresença e tele-existência: desdobramentos conceituais

Os termos tele-existência e telepresença comparecem em diversas experiências de

telerrobótica e telecomunicação que envolvem desde as ciências da cognição e a psicologia social

até a cibernética, a inteligência artificial e as tecnologias de realidade virtual. Nesse âmbito, são

tomados por sinônimos1 (TACHI et al., 2012) e designam a possibilidade de operação concreta

em localidade remota por meio de um fantoche robótico que, além de movimentar-se, ver, ouvir e

manipular objetos, captura e transmite sensações táteis que dão ao operador a sensação de estar

realmente inserido no contexto físico em que está o robô, com a vantagem de não correr os

mesmos riscos que ele. Dessa forma, as manifestações subjetivas devidamente transmitidas e

reproduzidas impactam a localidade remota enquanto os dados desse ambiente são, igualmente,

levados até o operador, tornando-o presente em outro lugar que não aquele em que está. Pode-se

dizer que a relação que se estabelece, nesse caso, é visceral: luvas, capacete e todo um aparato

teletecnológico recobre o corpo do teleoperador para conectá-lo ao slave-robot que lhe serve de

―corpo‖ a distância. Tais experimentos, que remontam à década de 1950, ganharam, em 1980,

fôlego novo com o manifesto de Minsky e os empreendimentos laboratoriais de Tachi.

Na década de 1990, estudos sobre presença possibilitaram dois interessantes

desdobramentos: (1) o uso do termo telepresença para as experiências de imersão em ambientes

virtuais, em que há conexão tecnológica entre teleoperador e avatar virtual, e (2) para nominar as

sensações provocadas pelo uso de mídias cotidianas como a televisão ou o cinema, em que a

suspensão temporária do sentido de mediação, graças ao envolvimento dos sentidos e o

engajamento da imaginação na narrativa, leva os telespectadores a sentirem-se presentes no

contexto da história que estão assistindo ou, ao contrário, torna presentes aqueles que, fictícios ou

não, aparecem por meio da tela. A emergência de salas de cinema aparelhadas com recursos 3D,

em que a imagem salta da tela, e 4D, com estímulos táteis, visuais e olfativos que complementam

o envolvimento com a história (cadeiras que tremem ou se deslocam conforme os movimentos de

1 Conforme apresentado no Tópico 3.1 do Capítulo 3 da Parte III – Presença e existência, com base em Heidegger

(2011), presença e existência não são sinônimos, embora compareçam imbricados.

Page 34: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

34

câmera, emissão de odores, luzes que se acendem na sala simulando, por exemplo, a queda de um

raio), dá mostra do potencial desta linha de estudos.

A partir desse levantamento preliminar, precisa-se o recorte objetal/temático da

pesquisa: a tele-existência cibermediática. Este fenômeno comunicacional extremo, naturalizado

pela prática cotidiana, relaciona-se à disseminação de plataformas ciberespaciais de sociabilidade

espectral – comunidades virtuais, sites de relacionamento, redes sociais digitais, metaversos e

social games. As tecnologias de conexão necessárias são menos viscerais que aquelas que

subsidiam as experiências de presença remota ou de imersão em ambientes de realidade virtual;

entretanto, os pequenos gadgets, indispensáveis, são mantidos sempre próximos, ao alcance dos

olhos e dos dedos, em todas as situações do dia-a-dia. Smartphones, tablets, laptops e netbooks

são tecnologias de projeção subjetiva para manifestação à distância, ubíqua e em tempo real que

gozam, sem dúvida, da ilusão perceptual de não-mediação identificada nos estudos sobre

telepresença e mídia cotidiana, e geram, por meio do engajamento a que os indivíduos se lançam,

interessante efeito de existência.

Ao longo do mapeamento conceitual, é possível perceber aproximações e diferenças

entre as diferentes experiências de presença remota, virtual, mediática e cibermediática; mas, sem

dúvida, todas comparecem banhadas pelo imaginário pós-humano de redenção por meio das

teletecnologias, que ampliam a capacidade de intervenção e experiência para além dos limites do

corpo e da existência concreta, projetando a subjetividade de teleoperadores, gamers,

telespectadores e cibernautas em ambientes inalcançáveis e inabitáveis, campos imaginários ou

subjetivos, campos nulodimensionais.

1.1 Tecnologia, comunicação e sentidos de presença

O termo telepresença foi adotado por Minsky (1980), fundador do Laboratório de

Inteligência Artificial do MIT (Massachusetts Institute of Technology), para enfatizar a

importância do feedback sensorial de alta qualidade e motivar o desenvolvimento de tecnologias

de transmissão da sensação tátil a distância, cujo primeiro experimento remonta à 1954. 2 Sem

restringir-se à teleoperação de objetos, a presença remota combina teorias de controle e feedback,

2 Segundo Minsky (1980), mãos mecânicas controladas remotamente foram construídas pelo Argonne National

Laboratories, em Illinois, em 1947. Mas, apenas em 1954, Ray Goertz, cientista do Argonne, desenvolveu um

sistema de feedback com motores elétricos para que o operador tivesse a sensação, ainda que rudimentar, de pressão,

resistência e textura.

Page 35: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

35

pesquisas de simulação física em tempo real, psicologia de percepção espacial e estudos sobre a

inter-relação entre sistemas eletrônicos e organismos humanos (ou interactive computation).

Embora mencione, dentre possíveis explorações, a criação de work clubs e a redução de custos de

tempo e energia na medida em que uma pessoa pode realizar diferentes tarefas em diferentes

lugares, Minsky (1980) destaca com entusiasmo a manutenção preventiva de usinas nucleares e

plataformas terrestres ou marinhas de petróleo, a construção e operação de estações espaciais de

baixo custo, a criação de novas técnicas médico-cirúrgicas e a eliminação de perigos físico-

químicos em diversos setores da indústria. O principal desafio, entretanto, está em reproduzir o

sentido de ―estar lá‖, razão pela qual questiona: ―A telepresença poderá substituir efetivamente

aquilo que é real? Seremos capazes de utilizar com conforto e naturalidade os dispositivos

artificiais, levando-os a trabalhar em conjunto com os mecanismos sensoriais dos organismos

humanos?‖3

Percebe-se que, para Minsky, o que define as experiências de telepresença não é

como tornar o operador presente para outras pessoas em um lugar diferente do qual está, mas

como levá-lo a sentir-se em outro ambiente físico. Trata-se de pensar a telepresença como

transporte (GERRIG, 1993) ou extensão tecnológica da percepção ―de uma situação geográfica e

temporal remota, que envolva a reciprocidade entre observador e observado‖ (ARAÚJO, 2005, p.

24).

Na década de 1990, Sheridan (1992) ampliou a definição para abarcar a experiência

sensorial propiciada pela imersão em ambientes de realidade virtual, preferindo utilizar o termo

―presença‖. Conforme Araújo (2005, p. 26), a partir da publicação, em 1992, do jornal Presence:

Teleoperators & Virtual Environments, vinculado ao MIT, as discussões voltaram-se para a

diferenciação entre presença remota, com o sentido de ação concreta a distância no mundo físico,

e presença virtual, compreendida como imersão em mundos sintéticos, simulados artificialmente.

O debate também tensionou o conceito de presença ―real‖ ao questionar sua circunspecção à

realidade objetiva (MANTOVANI; RIVA, 1999).

Bracken e Skalski (2010), pesquisadores do grupo Presence and Popular Media e

organizadores do livro Telepresence in everyday life, salientam que os estudos sobre telepresença

não devem restringir-se às experiências laboratoriais de alta imersão e dedicam-se a pensá-la no

3 ―Can telepresence be a true substitute for the real thing? Will we be able to couple our artificial dispositivos

tecnológicos naturally and comfortably to work together with the sensory mechanisms of human organisms?‖

(tradução nossa).

Page 36: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

36

âmbito do cotidiano, facultada por meios de comunicação familiares. Embora a realidade virtual

não tenha se popularizado como sonhado na década de 1990, os meios de comunicação de massa,

em crescente convergência com redes de informação e plataformas digitais, têm expandido seu

potencial de criar sensações de telepresença, o que requer observar níveis de imersão,

envolvimento, realismo, presença social e espacial. Para eles, o desenvolvimento desse campo de

investigação, com a devida introdução da telepresença à disciplina da Comunicação, deve muito a

Frank Biocca, professor de telecomunicação e diretor do Media Interface and Network Desing

(M.I.N.D.) Laboratory – Michigan State University, coautor do livro Communication in the Age

of Virtual Reality (BIOCCA; LEVY, 1995), e a Matthew Lombard, professor-pesquisador

associado ao Department of Media Studies and Production of Scholl of Media and

Communication – Temple University (Philadelphia), para quem a sensação de presença é

alcançada quando os recursos envolvidos provêm a ilusão de que a experiência mediada é não-

mediada, conforme indicam a seguir.

Tecnologias emergentes como realidade virtual, simuladores de corrida,

videoconferência, home theater e TV de alta definição são desenvolvidas para

conferir aos usuários uma ilusão de que a experiência mediada não é

mediada, uma percepção definida aqui como presença. Mídias tradicionais

como telefone, rádio, televisão e filme, entre tantos outros, oferecem algum grau

de presença também. (LOMBARD; DITTON, 1997; grifo nosso). 4

Desse mapeamento conceitual, verifica-se que os termos telepresença e tele-

existência são aplicados com o sentido de presença remota, presença virtual e presença mediática.

Ainda que tais nomenclaturas possam ser contestadas sob a alegação de que estão coimplicadas –

afinal, todas são ―remotas‖, pois operacionalizam a sensação de estar presente a distância ou

tornam presente algo distante; todas são ―virtuais‖, já que a sensação de estar presente a distância

decorre de simulações que buscam traduzir ou criar esta sensação potencial; e são ―mediáticas‖,

pois dependentes de artefatos tecnológicos que providenciam algum tipo de comunicação entre as

partes, não necessariamente constituindo um consagrado veículo do que se convencionou chamar

de ―mídia‖ –, optou-se por mantê-las por uma questão didática. Assim, tem-se o seguinte

esquema:

4 ―A number of emerging technologies including virtual reality, simulation rides, vídeo conferencing, home theater,

and high definition television are designed to provide media users with an illusion that a mediated experience is not

mediated, a perception defined here as presence. Tradicional media such as the telephone, radio, television, film,

and many other offer a lesser degree of presence as well‖ (tradução nossa).

Page 37: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

37

a) Telepresença ou tele-existência como presença remota: quando, por meio de

complexo sistema telerrobótico de comunicação bidirecional, o operador é capaz

de ―sentir-se‖ em outro local – o local em que está o mecanismo de captação de

impressões como temperatura, densidade e textura, além de ―ver‖ e ―ouvir‖ o que

acontece neste ambiente. Neste caso, o avatar é robótico, corporeidade maquínica

que se movimenta em cenário físico e reproduz a vontade de seu mestre;

b) Telepresença ou tele-existência como presença virtual: quando, por meio de

tecnologias imersivas, suspende-se ou minimiza-se as impressões do entorno para

que a atenção do usuário (gamer) seja inundada por dados oriundos de um mundo

sintético, gerado por computador, permitindo a ele caminhar pelo ambiente e

interagir por meio de um avatar digital com os objetos virtuais que lhe são

apresentados;

c) Telepresença ou tele-existência como presença mediática: quando, pelo uso de

meios de comunicação familiares (telefone, cinema, televisão, computador), o

sujeito experimenta a sensação de ser transportado para outro lugar que não

aquele em que está (being there) ou, ao contrário, pode sentir que algo ou alguém

foi trazido para o lugar em que se encontra (it´s here).

Intersecções e diferenças podem ser observadas nas definições: tanto na presença

remota quanto na presença virtual, o corpo do teleoperador ou do gamer é recoberto por

tecnologias de controle remoto e feedback sensorial; a diferença reside no fato de que o

envolvimento das mãos, dos olhos e dos ouvidos, no primeiro caso, objetiva reconstituir as

impressões sensórias de outro lugar, distante porém real; e, no segundo caso, tais impressões são

simuladas para criar um efeito de realidade para os mundos sintéticos. O esforço de imersão, em

ambas, é grande, mas pode-se dizer que, no segundo caso, as tecnologias operam no sentido de

isolar o gamer do local em que está para melhor engajar seus sentidos e sua imaginação no

mundo virtual. Por outro lado, as tecnologias que facultam presença mediática são mais sutis,

menos invasivas, o que requer esforço adicional, por parte do ouvinte ou do telespectador, para

que o envolvimento ocorra. As mídias familiares podem colocar seus usuários em contato, ao

vivo, com realidades remotas, ou levá-los a experimentar contextos fantásticos e obras ficcionais

como se fossem reais – vários sucessos cinematográficos dão testemunho disso. Obviamente, a

experiência pode ser ampliada ou intensificada quando ocorre em ambientes melhor equipados;

Page 38: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

38

mas, mesmo nas salas de televisão com home theater e tela grande de alta definição ou nas salas

de cinema com tecnologia 3D e 4D a experiência não é tão visceral quanto na presença remota ou

virtual – o que não implica ser menos significativa ou envolvente. Em todas essas experiências,

verifica-se o uso das tecnologias empregadas como forma de transporte, canais que alongam o

alcance da percepção, projetando a sensação de ―estar lá‖, e/ou trazem para perto aquilo que está

longe, comunicando estímulos imagéticos e sonoros.

Isso posto, advoga-se que o efeito de presença/existência que se obtém com a

utilização cotidiana de dispositivos tecnológicos que providenciam conexão às redes

computacionais de telecomunicação em tempo real exige uma nova definição. Sem dúvida,

constitui um desdobramento refinado das tecnologias de presença mediática que são capazes,

segundo Lombard e Ditton (1997), de produzir o que esses autores chamaram de ―we are

together‖ – a sensação de presença em um ambiente virtual compartilhado que não se traduz nem

como ―aqui‖, nem como ―lá‖. Acredita-se, entretanto, que a experiência propiciada pela

participação em um espaço ciber, nulodimensional5, em que se projeta a si mesmo como

imagem-técnica para encontrar o outro em tempo real, seja bastante diferente das experiências

mediáticas relacionadas a ouvir radionovelas, assistir a filmes ou jogar videogames,

principalmente pelo fato de que, nesta modalidade, é possível espectralizar a própria existência6

no momento mesmo em que ela ocorre e, de forma ainda mais radical, condicionar-se a ―viver‖

nas redes e plataformas ciberespaciais. Por tais razões, optou-se por designar o recorte objetal

desta pesquisa como tele-existência cibermediática.

Cumpre salientar, ainda, que as diversas experiências de presença propiciadas pelas

tecnologias e pelo aparato mediático de comunicação, ainda que definidas precariamente como

remota, virtual, mediática e cibermediática, podem ser consideradas e tensionadas a partir de

outra perspectiva. Dentre os estudos empreendidos por filósofos, psicólogos, teóricos da

comunicação, cientistas da computação, engenheiros, artistas e pesquisadores das ciências

cognitivas, Lombard e Ditton (1997) identificaram seis definições de presença que se inter-

relacionam: (1) presença como rica experiência social, quando o ambiente comunicativo gerado

pelos media é percebido como caloroso, pessoal, intimista e imediato; (2) presença como

realismo, o que envolve a capacidade do media de reproduzir, de forma plausível, pessoas,

5 Veja-se o Capítulo 1 da Parte II – A nulodimensionalidade ciberespacial.

6 Veja-se o Capítulo 2 da Parte II – A espectralização da existência.

Page 39: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

39

objetos e eventos reais (social realism) ou fictícios (perceptual realism); (3) presença como

transporte, quando o usuário sente-se em outro lugar, seja um ambiente remoto, um ambiente

virtual ou a cena de um filme – ―You are there”, ou sente que algo se tornou presente em seu

ambiente graças ao médium – “It is here”, ou que acessa um ambiente virtual compartilhado que

não se situa nem ―aqui‖, nem ―lá‖ – ―We are together‖; (4) presença como imersão em mundos

virtuais; (5) presença da entidade mediática como ator social, relativa à sensação, a despeito da

comunicação ser unilateral, de que se pode interagir com a aparição na televisão ou o ator virtual

no computador; (6) presença do meio como ator social, em que o hardware (televisão,

computador) é tratado como se fosse uma entidade sensível e/ou inteligente com o qual se pode

interagir. Após identificar essas seis categorias, os autores destacam que há uma ideia central

compartilhada por todas: a conceituação de presença como ilusão perceptual de não-mediação.

Com base nessa sistematização dos estudos sobre presença, percebe-se que a ideia de

telepresença como transporte, recorrente nas experiências de presença remota, virtual e

mediática, é apenas uma das possibilidades de compreensão do fenômeno. Além disso, o sentido

de ―estar lá‖ não se restringe às tecnologias de imersão em ambientes virtuais ou extensão da

percepção para lugares remotos7: desde as narrativas da tradição oral, verifica-se a possibilidade

de ―transportar‖ alguém para o tempo e o espaço em que os eventos narrados ocorrem (GERRIG,

1993; BIOCCA; LEVY, 1995), o que envolve o engajamento da imaginação. Mais recentemente,

telefone, cinema, televisão e virtual tours também propiciam, ainda que em graus diferentes, a

sensação de ―estar lá‖, evocando respostas que permitem pensar a telepresença como uma forma

de out-of-the-body experience (RHEINGOLD, 1991, p. 256), com pontos de partida do entorno

físico – ―não estar aqui‖ – e chegada ao ambiente mediático – ―estar lá‖. Para Kim e Biocca

(1997), em artigo que reflete sobre telepresença e televisão, a sensação de estar lá (chegada) pode

não ser tão significativa quanto a sensação de partida, mas a sensação de não estar presente no

ambiente físico intensifica-se quando a percepção da mediação desaparece8.

7 No Capítulo 2 – Comunicação e mediatização da presença, a ideia de que a imagem e escrita constituem

estratégias que lidam com a questão da duração da presença no tempo e sua disseminação no espaço será

devidamente apresentada, mas com base na Teoria das Mídias (PROSS, 1971) e na Semiótica da Cultura

(BAITELLO JR., 2001, 2005, 2010). 8 ―[...] the sense of „being there‟ that we call arrival may not be equivalent to or as powerful as the sense of

departure, the sense of „not being here‟ in the physical environment. It is possible that the experience of departure

occurs when the sense of mediation disappears‖ (grifo nosso).

Page 40: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

40

Em consonância, Lombard e Ditton (1997) ressalvam que mesmo a relação com o

mundo concreto é, no mínimo, mediada pelo corpo, e a despeito de todas as possíveis

caracterizações do termo, inclusive no sentido religioso, propõem que o conceito de ―presença‖

seja compreendido como ―ilusão perceptual de não-mediação‖, expressão assim justificada:

O termo ―perceptual‖ indica que este fenômeno envolve respostas contínuas, em

tempo real, dos sistemas de processamento sensorial, cognitivo e afetivo que se

relacionam com objetos e entidades do ambiente pessoal. Uma ―ilusão de não-

mediação‖ ocorre quando a pessoa não consegue perceber ou reconhecer a

existência de um médium no ambiente comunicativo e responde como se ele não

estivesse lá. Embora, em certo sentido, todas as nossas experiências sejam

mediadas por sistemas de sensorialidade intrapessoal e perceptual, ―não-

mediado‖, aqui, é definido como experiências que não são produzidas por

tecnologia humana (observe-se que, sob essa definição, até mesmo aparelhos

auditivos e óculos são considerados mídia, colocando-se entre nosso ambiente e

nosso sistema perceptual). 9

Para Kim e Biocca (1997), ―presença‖ deve ser considerada menos uma ontologia

que um estado de consciência, uma percepção ou resposta sensorial a certos estímulos, quer

sejam não-mediados, no caso da presença em ambientes físicos, ou mediados, quando envolve

tecnologias de presença remota, imersão em ambientes virtuais ou recepção de conteúdos

cinematográficos e televisivos. Toda ―presença‖ deve ser entendida como uma construção

psicosociocultural, inclusive quando envolve o mundo imaginário dos sonhos, dos devaneios e

das alucinações. Telepresença é apenas mais uma de suas facetas – uma faceta que tem

encontrado amplo mercado.

1.2 Vende-se telepresença, experimenta-se tele-existência

O termo telepresença, diferentemente de tele-existência10

, comparece bastante

difundido em diversas áreas (indústria, treinamento militar, medicina, entretenimento, educação,

9 ―The term „perceptual‟ indicates that this phenomenon involves continuous (real time) responses of the human

sensory, cognitive, and affective processing systems to objects and entities in a person´s environment. An „illusion of

nonmediation‟ occurs when a person fails to perceive or acknowledge the existence of a medium in his/her

communication environment and responds as he/she would if the medium were not there. Although in one sense all

of our experiences are mediated by our intrapersonal sensory and perceptual systems, „nonmediated‟ here is defined

as experienced without human-made technology (note that under this definition even hearing aids and eyeglasses are

media that „come between‟ our environment and our perceptual system)‖ (tradução nossa). 10

Para o termo telepresence, o Google retorna 45.600.000 resultados, enquanto que, para o termo tele-existence, são

apenas 8.660.000. (Pesquisa realizada em 6 fev. 2013).

Page 41: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

41

artes) e sua aplicação comercial, ainda que não seja exatamente aquela sonhada por Minsky

(1980), é oferecida há algum tempo. Anúncios sobre a prestação de serviços de telepresença para

grandes corporações pululam nas redes e apelam, invariavelmente, para a vantagem da redução

dos custos com viagens de negócio – nesse caso, a ideia de telepresença como transporte reitera-

se. Para a superação eficiente da distância geográfica, empresas oferecem plataformas

tecnológicas para a realização de teleconferências em alta resolução e projetos de instalação de

salas que proporcionam uma experiência ―realista‖ graças à projeção da imagem dos

participantes em tamanho real, ocupando pontos de ―presença‖ em uma mesa de reunião

equipada com aplicativos de colaboração que garantem interoperabilidade. Nesse sentido, não se

trata apenas de gerar a sensação de ―estar lá‖, mas de gerar um espaço compartilhado

mutuamente – o que Lombard e Ditton (1997) caracterizaram como ―We are Together‖. No

Brasil, o serviço (figura 1) está disponível desde 2007, oferecido pelos parceiros Embratel e

Cisco (SISTEMA, 2007).

Figura 1. Sistema de telepresença comercializado pela Embratel/Cisco (out. 2007).

No mercado educacional, plataformas de ensino a distância exploram recursos de

comunicação síncrona como chats e tele-conferências para possibilitar a interação em tempo real

Page 42: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

42

entre professores-mediadores e alunos 11

. A incorporação de games, metaversos e mundos

virtuais colaborativos como o Second Life 12

instiga a experimentação de novas práticas e

vivências da telepresença em situações de e-learning, conforme inventariado por Mattar Neto

(2009, 2012). Para esse pesquisador, colaboração e encontros síncronos não precisam mais se

limitar à espacialidade das páginas web; nos ambientes virtuais em 3D, as interações são

enriquecidas por memórias espaciais geradas pelo fato do participante estar inserido, por meio de

um avatar digital, em uma sala de aula, sala de reuniões ou qualquer outro ambiente simulado,

como demonstrado na figura 2. Mattar Neto e Valente (2007) consideram que a ―vivência‖ de

aulas e discussões promovidas nesses moldes pode facilitar os processos de retenção e

aprendizagem. Ferramentas diversas possibilitam a realização de projetos colaborativos e

simulações individuais ou em grupos, além de atrelar uma atmosfera de diversão.

Figura 2. Sala de e-learning no Second Life – Curso “ABC do EaD” (2007).

A holografia, correlata ao sentido de presença em que objetos e pessoas distantes são

trazidos de outro lugar para o ambiente do usuário da mídia – “It is here” (LOMBARD;

DITTON, 1997), também tem sido experimentada como recurso telepresencial em performances

artísticas, shows e eventos. No mercado, é oferecida principalmente para a transmissão

11

Almeida (2003) lembra que a educação a distância não é um fenômeno recente. O uso de correspondências e, após,

a incorporação dos meios de comunicação audiovisuais associados a materiais impressos antecedem o

desenvolvimento de recursos multimídia e ambientes virtuais de aprendizagem associados à Internet. 12

Ambiente virtual colaborativo em que os usuários apresentam-se e relacionam-se por meio de avatares.

Page 43: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

43

simultânea de palestras, reproduzindo em outro local a presença espectral do palestrante por meio

de áudio e imagem 3D em tempo real13

. Em 2008, a holografia foi integrada ao jornalismo

durante a cobertura das eleições presidenciais norte-americanas. A CNN utilizou 35 câmeras de

alta definição e 20 computadores para ―teleportar‖ a imagem da correspondente Jessica Yellin

(figura 3) do estúdio de Chicago para o estúdio em Nova York (CNN, 2012). A celebração à

―incrível tecnologia‖, com referência à saga Star Wars, de George Lucas, foram inevitáveis

(MOREIRA, 2008).

Figura 3. Primeira transmissão holográfica na televisão (2008).

Embora o termo telepresença esteja mais em evidência, para Tachi, diretor fundador

da Sociedade Robótica do Japão e professor no Departamento de Física da Informação e

Computação da Universidade de Tóquio, telepresença e tele-existência são conceitos com pouca

ou nenhuma diferenciação, propostos independentemente nos Estados Unidos e no Japão,

conforme segue:

O conceito de prover ao operador a sensação natural de existência a fim de

facilitar as tarefas de manipulação robótica remota hábeis foi chamado de

13

A empresa Angraksus oferece o serviço no Brasil. Veja-se http://www.telepresenca.art.br/.

Page 44: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

44

"telepresença" por Minsky (1980) e "tele-existência" por Tachi (1980). (TACHI

et.al, 2012, p. 5440).14

Tachi dedica-se, sobretudo, ao desenvolvimento de sistemas robóticos15

, mas admite

que a imersão em ambientes de realidade virtual também pode caracterizar tele-existência. Por

essa razão, divide as experiências em duas categorias: tele-existência no mundo real, em que o

ambiente realmente existe em lugar remoto e é acessado via robô a partir do lugar em que o

teleoperador se encontra (realidade transmitida), e tele-existência em mundo virtual, que não

existe a não ser no computador – realidade sintética que simula um lugar real ou imaginário

(TACHI, 2010, p. 2-3). As duas categorias, entretanto, não excluem a possibilidade de hibridação

– tele-existência em ambientes mistos.

Tele-existência é um conceito fundamental que se refere à tecnologia em geral

que permite que um ser humano experimente uma sensação, em tempo real, de

estar num local que não seja a sua posição real e interaja com o meio remoto,

que pode ser real, virtual ou uma combinação de ambos. Ele também se refere a

um tipo avançado de sistema de teleoperação que permite que um operador

execute, com destreza, tarefas remotas, com a sensação de estar em um robô

substituto trabalhando em um ambiente remoto. Tele-existência no ambiente real

através de um ambiente virtual é também possível. (TACHI et.al, 2012, p. 5440). 16

Tachi (2010) também lembra que, de acordo com o American Heritage Dictionary,

uma das definições possíveis para ―virtual‖ é ―efeito de existência‖. Assim, por meio da realidade

virtual, seres humanos podem experienciar eventos em ambientes digitais, sintetizados por

computador, como se ―lá‖ estivessem de fato. Embora ambos os conceitos – realidade virtual e

tele-existência – expressem a mesma coisa de maneiras diferentes, Tachi observa que o primeiro

é correntemente utilizado para designar metaversos, mundos virtuais ou ambientes digitais

imersivos, enquanto tele-existência refere-se a uma espécie de concretude, corporeidade

14

―The concept of providing an operator with a natural sensation of existence in order to facilitate dexterous remote

robotic manipulation tasks was called "telepresence" by Minsky (1980) and "telexistence" by Tachi (1980)‖

(tradução nossa). 15

Dentre suas realizações científicas constam o Guide Dog Robot (cão guia para cegos) e o desenvolvimento de

sistemas avançados de interação entre humanos e robôs, com a sensação de presença em tempo real (telexistence). 16

―Telexistence is a fundamental concept that refers to the general technology that allows a human being to

experience a real-time sensation of being in a place other than his/her actual location and to interact with the remote

environment, which may be real, virtual, or a combination of both. It also refers to an advanced type of teleoperation

system that allows an operator at the controls to perform remote tasks dexterously with the feeling of being in a

surrogate robot working in a remote environment. Telexistence in the real environment through a virtual

environment is also possible‖ (tradução nossa).

Page 45: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

45

maquínica ou robótica que permite não apenas a atuação remota sobre um ambiente físico, mas

também a sensação de ―estar lá‖.

Das pesquisas empreendidas no Tachi Laboratory at the University of Tokyo,

destacam-se os robôs de tele-existência. Em 2005, o TELExistence Surrogate Anthropomorphic

Robot - TELESAR II (figura 4) foi construído para o Aichi World Exposition. Esse sofisticado

sistema master-slave foi munido com recursos para comunicação verbal e não-verbal, além de

tecnologia de projeção retroreflexiva (RPT) que projeta, na cabeça e no tronco do robô, imagens

em tempo real do teleoperador. Assim, ―ações de comunicação-não verbal como gestos e apertos

de mão podem ser aplicadas juntamente com a comunicação verbal convencional porque um robô

de manipulação ‗mestre-escravo‘ está no lugar do ser humano‖ (TACHI et.al, 2012, p. 5440)17

. O

projeto de Mutual telexistence foi aprimorado em 2010, em versão móvel batizada de TELESAR

IV.

Figura 4. Mutual telexistence: TELESAR II (2005).

Em 2011, Tachi apresentou ao mundo o TELESAR V (figura 5). Desenvolvido para

operar na radioativa Fukushima, este robô de tele-existência é capaz de reproduzir fielmente os

movimentos humanos e retransmitir ao teleoperador, por meio de sensores, não apenas o que

―vê‖ e ―ouve‖, mas também o que ―sente‖, pois possui sensibilidade tátil na ponta dos dedos para

temperatura, pressão e textura (AVATAR, 2011). A experiência tem por objetivo fazer com que o

operador sinta seu slave robot como uma expansão de sua consciência corporal (bodily

consciousness).

17

―[…] nonverbal communnication actions such as gestures and handshakes could be performed in addition to

convencional verbal communication because a master-slave manipulation robot was used as the surrogate for a

human‖ (tradução nossa).

Page 46: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

46

Figura 5. Hapitc telexistence: TELESAR V (2011).

Para Tachi (2010), o desenvolvimento da tele-existência tem o poder de emancipar os

seres humanos das restrições de tempo e espaço. Tal entusiasmo aproxima suas experiências do

que Di Felicce (2010, p. 78) considera como trespassing do humano, ou seja, ―uma transgressão

ontológica capaz de transpor o intransponível e de pensar o extremo e o ‗não-homem‘‖. Neste

caso, os robôs de tele-existência fazem mais que produzir um ―efeito de existência‖, mas

viabilizam uma nova forma de conceber a presença humana no mundo a partir da violação das

fronteiras hierárquicas entre orgânico e inorgânico, com imbricações, hibridações e relações

simbióticas entre ser humano e coisa ou artefato sintético que superam antigas dicotomias.18

Figura 6. TELESAR V e seu teleoperador (jun. 2011).

18

Além da superação das diferenças entre orgânico e inorgânico, da qual ciborgues e robôs constituem figuras de

síntese, outras formas de trespassing do humano são aventadas por Di Felice (2010, p. 78): humano e divino (a qual

corresponde a figura do anjo como ser ultra-humano, extensão rumo ao divino), homem e animal (do que surge a

figura do minotauro como aberração híbrida que deve ser expurgada por supremo ato heróico), vida e morte (onde

habitam figuras monstruosas como o ser ressuscitado pelo Dr. Frankenstein ou o imortal conde Drácula de Bram

Stoker).

Page 47: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

47

Na relação redentora, entretanto, observa-se que o controle da supermáquina (slave

robot) só é possível quando o operador reveste-se de maquinismos de última geração que

sobreescrevem a realidade de seu entorno com os dados da distante realidade. De um lado, a

máquina com finos traços antropomórficos; de outro, o ser humano e sua couraça tecnológica

(figura 6). No sistema master-slave, quem é escravo de quem? Tal composição guarda a ironia

de que a prometida libertação possui novas outras correntes, hi-techs.

1.3 Tele-existência como redenção: o imaginário pós-humano

Dentre as poucas obras que versam sobre tele-existência, o livro Advances in

artificial reality and tele-existence, organizado por Liang et. al (2006), reúne mais de cem artigos

apresentados na 16th Internacional Conference on Artificial Reality and Telexistence – ICAT –

China. Os autores, em sua maior parte cientistas da computação, tratam de ecossistemas,

ambientes e realidades virtuais, sistemas colaborativos digitais, técnicas de navegação em rede,

realidade aumentada e mista, inteligência artificial, interação entre homem e robô, modelos de

percepção virtual para avatares inteligentes, simulação em tempo real, ubiquidade, computação

vestível e pervasiva. Embora o teor seja altamente descritivo, o conjunto da obra sinaliza que o

conceito de tele-existência resvala nas problemáticas inerentes à categoria semântica do pós-

humano.

Pós-humano, como lembra Santaella (2009, p. 101-120), é expressão polissêmica e

controversa frequentemente utilizada por pensadores da ciberarte e da cibercultura. Por pressagiar

―o futuro de outra espécie de corpo, nas interfaces do humano e do maquínico‖ (p. 105), contexto

em que o Manifesto Ciborgue, de Donna Haraway (1985), ficou mundialmente famoso, ora

provoca sentimentos triunfalistas, ora intensifica angústias e inquietações. Sua trama de sentidos,

que envolve palavras como ―pós-orgânico‖ e ―pós-biológico‖, aponta para a obsolescência e a

possibilidade de superação do corpo humano (SIBILIA, 2002, p. 13).

Embora, aparentemente, o super-homem nietzscheniano tenha sido a primeira

elocubração sobre a necessidade de superar, não aperfeiçoar, a espécie humana, foi o triunfo do

pensamento cibernético, durante as Conferências Macy sobre Cibernética (1943-1954), que

preparou o campo para o desenvolvimento das ideias de trans e pós-humano (RÜDIGER, 2011,

Page 48: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

48

p. 211-216). Felinto e Santaella (2012) também sinalizam o nascimento do pós-humano na

cibernética de primeira ordem, uma vez que:

[...] a analogia proposta entre o funcionamento do orgânico e do maquínico

arrancou o humano do privilégio de sua irredutibilidade. Surgiu, assim, uma

nova maneira de pensar o humano como um sistema de processamento da

informação que apresenta similaridades com qualquer máquina dotada de certa

inteligência. (FELINTO; SANTAELLA, 2012, p. 27).

De toda forma, como lembra Rüdiger (2009, p. 85), ―desde Nietzsche, o pós-humano

inscreve-se reflexivamente na agenda intelectual da humanidade ocidental‖, o que pode ser

inferido a partir da ideia de que o homem não passa de ―uma corda estendida entre o animal e o

super-homem‖ (NIETZSCHE, 1998, p. 31) ou de assertivas como ―a humanidade não é um fim,

mas meio‖, apenas ―matéria de experimentação, um enorme excedente de fracassos, campo

arruinado‖ (ibid., p. 120).

O paradigma do pós-humano é problemático e provavelmente transitório. Mas, como

apontam Di Felice e Pireddu (2010, p. 29-30), não deixa de ser útil na medida em que recoloca,

sob diferentes perspectivas, a relação entre homem e técnica. Ao arregimentar o debate sobre a

crise do pensamento antropocêntrico e humanista, o pós-humano dilui dicotomias cada vez mais

insustentáveis como natural e artificial, natureza e cultura, material e imaterial, orgânico e

inorgânico, real e ficcional, sujeito e objeto. Tensões que, mediante a humanização da máquina, a

automatização do humano e a emergência da subjetividade-máquina, evocam paradigmas em

crise tais como corpo, identidade, vida, inteligência, consciência e realidade; no horizonte mítico

do pós-humano, simbiontes, cyborgs, robôs, androides, extensões tecnológicas e corpos híbridos

parecem inaugurar novos modos ou modelos de existência em torno dos quais paira uma

deslumbrada expectativa de redenção, antecipada, como lembra Regis (2012, p. 81-131), por

diversas narrativas ficcionais.

A despeito do caráter aparentemente delirante das fantasias que a ideia de pós-

humano inspira, Rüdiger (2011, p. 219) salienta a necessidade de reconhecer-se um coletivo

disposto ―a fazer da natureza humana objeto de experimentação‖, uma vez que se entende

―menos como sujeito do que como projétil lançado contra o humano pela ciência e tecnologia

maquinísticas‖. Assinala, com clareza, que os movimentos pós-humanistas não se limitam ao

campo da especulação futurista ou da pesquisa tecnológica de vanguarda, reverberando

―intelectualmente uma sensibilidade cultural e um projeto tecnológico que podem abalar nosso

mundo histórico rapidamente‖; e reconhece, com base na engenharia genética, na medicina

Page 49: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

49

restauradora, na realidade virtual e na exploração de outros mundos, dentre outras façanhas

tecnológicas, que ―já está em curso um processo bastante perturbador e profundo de modificação

da condição humana‖ (ibid., p. 220). O pós-humano, como senha de acesso ao pensamento

tecnológico que subjaz proposições, pesquisas e comportamentos pretensamente universalistas,

emerge como utopia ciborgue que traduz, ao mesmo tempo que organiza e orienta, um tipo de

consciência epocal, relativa ao capitalismo tecnocrático.

Conforme escrevem crítica ou reflexivamente Langdon Wiener, Donna

Haraway, Katherine Hayles e tantos outros, cujo número agora se multiplica,

convém pensar doravante se os seres humanos não estão a ponto de se tornarem,

se não mesmo de se converterem nos organismos cibernéticos de que vez por

outra nos fala a ficção científica do século XX. (RÜDIGER, 2009, p. 91).

Esta pesquisa, atenta ao imaginário19

que a tele-existência engendra, alimenta e

mobiliza, ao passo que resulta dele, mas longe de compartilhar do mesmo entusiasmo que

caracteriza o manifesto de Minsky, as experiências de Tachi e a perspectiva ufanista de grande

parte dos teóricos do pós-humano, alinha-se à abordagem de Paul Virilio, Jean Baudrillard,

Francisco Rüdiger, Ciro Marcondes e Eugênio Trivinho para propor que se observe, criticamente,

como o uso disseminado de redes sociais digitais, metaversos e social games inscreve um novo

sentido para o conceito de tele-existência, no qual o sujeito, em seu desejo por ―apareSer‖20

,

emerge fadado a agônico desaparecimento, o que enceta o comportamento compulsivo e a

dependência tecnológica para os quais não se atenta no cotidiano. A despeito de todas as

vantagens que a propaganda tecnocrática já divulgou, cabe a insistência na perspectiva teórico-

crítica. Afinal,

19

O termo imaginário, nesta pesquisa, é utilizado no sentido de ―além multiforme e multidimensional de nossas

vidas, e no qual se banham igualmente nossas vidas. É o infinito jorro virtual que acompanha o que é atual, isto é,

singular, limitado e finito no tempo e no espaço. É a estrutura antagonista e complementar daquilo que chamamos

real, e sem a qual, sem dúvida, não haveria o real para o homem, ou antes, não haveria realidade humana‖ (MORIN,

1969, p. 84). Trata-se de um ―sistema projetivo que se constituiu em um universo espectral e que permite a projeção

e a identificação mágica, religiosa ou estética‖ (ibid., p. 85). É, como lembra Machado da Silva (2012, p. 11-12), um

reservatório que ―agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que realizam o imaginado,

leituras da vida e, através de um mecanismo individual/grupal, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e

de aspirar ao estar no mundo. O imaginário é uma distorção involuntária do vivido que se cristaliza como marca

individual ou grupal. Diferente do imaginado – projeção irreal que poderá se tornar real –, o imaginário emana do

real, estrutura-se como ideal e retorna ao real como elemento propulsor‖. E é, também, um motor, ―sonho que realiza

a realidade, uma força que impulsiona indivíduos e grupos‖, funcionando como um ―catalisador, estimulador e

estruturador dos limites das práticas‖ (ibid., p. 12). 20

O conceito, proposto e investigado desde 2007 (DAL BELLO, 2011), será tratado no Capítulo 1 da Parte III – O

imaginário hiperespetacular e a fenomenologia do apareSer.

Page 50: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

50

[...] cumpre lembrar que se, de um lado, o progresso técnico é um dos eixos

através dos quais aprendemos a buscar alívio para nossos sofrimentos e

condições mais favoráveis de sobrevivência, por outro ele também pode se

tornar, como é fato constatado na história, uma das formas de obtermos poderio

político sobre os outros, impormos privilégios econômicos e praticarmos todo o

tipo de violência contra a natureza e nossa própria espécie. (RÜDIGER, 2011, p.

222).

Se a relação entre tele-existência e imaginário pós-humano fica evidente quando são

considerados as experiências telerrobóticas ou o desenvolvimento de mecanismos geradores de

realidade artificial, transmitida ou híbrida, o mesmo não acontece quando se apresentam os

comportamentos que caracterizam a tele-existência cibermediática. Afinal, o prefixo ―pós‖, de

certo modo, sugere a chegada de um momento que fatalmente rompe e supera o estado atual – e

embora já seja possível ser ubíquo e existir em tempo real, a distância, projetando-se nas redes

telecomunicacionais por meio de imagens-técnicas, torna-se difícil caracterizar tal experiência

como ―pós-humana‖. Isso porque, em primeiro lugar, o uso de comunicadores instantâneos e

plataformas ciberespaciais de comunicação e relacionamento não é comumente apontado como

uma experiência de tele-existência, nem percebido por seus usuários como tal. A tele-existência

cibermediática é vivida com tanta entrega e despojamento que, dada sua disseminação,

normalizou-se, tornou-se atividade diária e banal, aparentemente bastante distante dos enredos

ficcionais que balizam o imaginário pós-humano. Ainda assim, alimenta-se dele e o alimenta.

As tecnologias que sustentam a tele-existência cibermediática, aquelas que viabilizam

o tempo real (VIRILIO, 2000) e o fenômeno glocal (TRIVINHO, 2007a), também irrigam e

derivam deste imaginário particular; sob a chave do pós-humano, do ciborgue ou do híbrido, tal

imaginário, ―rede etérea e movediça de valores e de sensações partilhadas concreta ou

virtualmente‖ (MACHADO DA SILVA, 2012, p. 9), reverbera em todo aparato teletecnológico a

promessa de que distanciar-se de si mesmo, do outro e do mundo é a resposta para a superação

dos medos e a conquista para a redenção da frágil e limitada condição humana. Portanto, mesmo

que não se perceba na tele-existência cibermediática a realização integral das profecias pós-

humanistas, o entusiasmo com que tantos se lançam diariamente às redes sociais digitais e

metaversos demonstra a força invisível e poderosa desse imaginário, para o qual a superação do

humano ou, ao menos, de seus limites, é o eixo articulador de todos os seus possíveis sentidos.

Page 51: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

51

1.4 Tele-existência cibermediática

O desenvolvimento das tecnologias do tempo real (VIRILIO 2000) e do glocal

(TRIVINHO, 2007a) introduziu no cotidiano a possibilidade de existir em tempo real, fenômeno

que se disseminou principalmente com a emergência21

de lúdicas plataformas ciberculturais de

relacionamento e projeção subjetiva, mais especificamente as redes sociais digitais ou redes

sociais na Internet (RECUERO, 2009), acomodando-se à rotina de milhares de pessoas. No

âmbito acadêmico, entretanto, a radicalidade do fenômeno tem recebido pouca atenção crítica,

razão pela qual Trivinho (2007b), em artigo seminal22

, propõe-se a compreender o que significa,

social e historicamente, existir em tempo real.

Inicialmente, deve-se levar em consideração o fato de que se trata de um fenômeno

cibercultural, derivado da penetração e da predominância da comunicação eletrônica em tempo

real e dos processos de digitalização ou virtualização da existência em todos os seus aspectos.

Cibercultura, em sua noção ampliada, é um contexto sociotecnocultural que ―abarca tanto o

arranjamento material, simbólico e imaginário contemporâneo, quanto os processos sociais

internos (estruturais e conjunturais) que lhe dão sustentação‖; é, sem dúvida, o ―estágio mais

avançado da dromocracia mediática consolidada ao longo do século XX‖, apropriadamente

denominado por Trivinho de ―dromocracia cibercultural‖ (TRIVINHO, 2007b, p. 4-7).

Correspondente ao capitalismo tardio, a natureza da cibercultura é transpolítica – está ―para além

da capacidade de administração, gerenciamento e controle por parte das instituições políticas

herdadas da modernidade‖ (Ibid., p. 7). Todas as evidências sinalizam que a cibercultura, assim

compreendida, é um advento que se põe como categoria de época, ―conceito nuclear e

articulatório que, abarcando a lógica do movimento do real, nomeia o contemporâneo‖ (ibid., p.

7). Nesse contexto, o fenômeno da existência em tempo real ―constitui o supra-sumo das

modalidades de experiência mediática possíveis e vigentes (vale dizer, de apropriação social dos

media e redes)‖ (TRIVINHO, 2007b, p. 11). Embora tenha se consolidado no âmbito da

21

Embora várias redes sociais na Internet datem da década de 1990, como Classmates.com (1995), SixDegrees

(1997) e Blogger (1999), pode-se pensar em ―emergência‖ a partir de 2006, com a popularização do MySpace (2003)

nos Estados Unidos e do Orkut (2004) nos Estados Unidos e no Brasil. Outras redes significativas podem ser

mencionadas: Linkedin (2003), Hi5 (2003), Delicious (2003), Facebook (2004), Flickr (2004), Vimeo (2004),

Youtube (2005), Twitter (2006), Tumblr (2007), Foursquare (2009), Formspring.me (2009), Instagram (2010). Cabe

lembrar que a troca de mensagens e o compartilhamento de arquivos em comunidades virtuais já eram possíveis

antes das redes sociais, por listas de e-mail, plataformas de fóruns ou comunicadores instantâneos. 22

Versão estendida do artigo consta em obra publicada em 2012 (TRIVINHO, 2012, p. 71-104).

Page 52: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

52

comunicação de massa, conforme apresentado no Capítulo 1, é na cibercultura que assume

―silhueta social e tecnocultural mais acabada – como processo condicionado e legitimado pela

experiência coletiva e assim culturalmente sintetizado como um modo de existência” (Ibid., p. 8).

Para desenhar o conceito, Trivinho parte da noção de existência como problematizada

pela filosofia existencialista e fenomenológica23

e a relaciona com as tecnologias do tempo real

sem deixar de caracterizá-lo como um processo comunicacional. Assim, existência em tempo

real:

Nomeia o processo comunicacional pelo qual algo se põe e se expõe, isto é,

existe e se faz visível ou pode ser sentido na luz da velocidade da luz‖ e implica,

por outro lado, ―fazer-se ser no mesmo sentido (como processo, próprio do ―ser‖

como verbo, não, obviamente, como algo dado (e pronto), como ―substância‖,

por assim dizer). (TRIVINHO, 2007b, p. 9).

A operacionalização processual do fenômeno ocorre por meio do espectro

(GUILLAUME, 1989) ou do simulacro (BAUDRILLARD, 1981). Por configurar um ―modo de

exposição ou ‗transparenciação‘ do mundo, de seus entes (sujeitos e coisas), eventos e demais

processos, literalmente a partir e através dessas unidades sígnicas geradas pelos media

eletrônicos‖ (TRIVINHO, 2007b, p. 9), é possível inferir que existir em tempo real relaciona-se

intrinsecamente com a visibilidade mediática, guardando, porém, uma sutileza sui generis que

situa a experiência muito além da definição de ―existir à distância‖:

A existência em tempo real se funda, necessariamente, não na mediatização de

referentes no mundo, mas na própria conversão mediática do real numa profusão

de ‗presentantes‟ sígnicos simulacionais, capazes, como tais, de vigorarem

como realidade primeira, aparo fenomênico absoluto de referência para a relação

com o outro e com o si-próprio, com o social, com a história e com a natureza.

(Ibid., p. 10).

Nesse sentido, pensar a existência em tempo real nas plataformas ciberespaciais – ou

tele-existência cibermediática – implica compreendê-la como narrativa cotidiana que brinca com

as possibilidades de ser e não-ser na superfície agônica do efêmero, sob o auspício das

tecnologias de glocalização. A aura leve e lúdica 24

das projeções subjetivas, ao recobrir a

23

Trivinho (2007b, p. 8-9) toma a noção de existência concebida no exercício de reflexão realizado por pensadores

como Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty e Marcuse sobre ―o que significa algo, ou melhor, a existência de algo (seja

ele o que for), para a percepção e para o pensamento ou, antes, (a indagação sobre) por qual razão existe algo antes

de haver nada (ou por que, antes de haver nada, há a ‗coisa‘)‖. Nesse sentido, toda existência pressupõe percepção de

uma presença, algo que é-sendo, constância. 24

Essa relação, observada a partir das categorias de mimicry e agon (CAILLOIS, 1990), bem como a caracterização

do uso das plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva como ―passatempo‖, serão apresentadas

Page 53: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

53

acirrada disputa por atenção e visibilidade, nubla a percepção da compulsividade inerente à tarefa

de tele-existir e como esse comportamento, ao contrário de celebrar a existência por meio de

sucessivos registros, consome-a. Dentro de tal dinâmica, delinear o conceito de tele-existência

cibermediática exige que seja caracterizada como glocal25

e hiperespetacular26

, o que será

providenciado ao longo desta obra.

O contraste entre as experiências de telepresença e tele-existência, mapeadas no

início deste Capítulo, e o que se designa por tele-existência cibermediática pode ser proveitoso

para melhor caracterizar ou precisar o recorte que foi estudado ao longo da pesquisa. Com

relação às experiências de presença remota ou virtual, pode-se dizer que o tipo cibermediático é

mais sutil. Exatamente porque não têm por objetivo provocar o efeito de existência viabilizado

pelo complexo tecnológico de realidade transmitida ou realidade virtual, os aparatos que provém

acesso às redes sociais são mais simples. No lugar do ―espetaculoso‖ teleoperador do robô

TELESAR V, com todos os seus apetrechos maquínicos, o usuário comum das redes sociais

incorporou os gadgets, cada vez menores, mais finos, leves e móveis. São trazidos junto ao corpo

e acessados com agilidade. A distinção entre off-line – e todo o ritual de preparação para uso do

slave robot ou entrada na virtual cave – e online torna-se cada vez mais imprecisa; o usuário das

redes sociais acede com docilidade ao imperativo estado always on – termo utilizado por

Kerckhove (2010, p. 157) para expressar a hipótese de que, no contexto das tecnologias da

eletricidade analógica e digital que estendem o corpo e amplificam os processos mentais,

considerados os ambientes wireless que providenciam acesso irrestrito, permanente e ubíquo às

extensões e ambientes tecnológicos, a mente humana esteja ―sempre ligada e conectada à grande

rede‖. Manter-se always on significa que a dicotomia aqui e lá, em que há um ponto de partida

(not being here) e um ponto de chegada (being there) bem delineados no ato de plugar-se a um

robô, a um ambiente simulado ou mesmo ao elevar o nível de atenção e envolvimento durante o

consumo de produtos mediáticos como filmes ou novelas, está doravante superada pelo híbrido e

paradoxal estado de estar aqui e lá ao mesmo tempo – o glocal.

Além disso, no lugar do avatar robótico das experiências de Tachi, está um

arranjamento dinâmico de dados pessoais que configura uma espécie de organicidade-aparente ou

no Capítulo 2 da Parte III – A dinâmica agonística dos jogos de performance cibermediática. Acerca da disputa por

visibilidade que caracteriza os ambientes de sociabilidade espectral, veja-se Trivinho (2010). 25

O que é providenciado com a devida profundidade no Capítulo 3 da Parte II – Tele-existência glocal. 26

A caracterização da tele-existência cibermediática como hiperespetacular na Parte III – Dissolução

hiperespetacular: jogos de (in)visibilidade e agonia.

Page 54: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

54

duplo espectral, corporeidade sígnica que é equivalente à corporeidade nulodimensional,

categoria de Flusser retomada por Baitello Jr. ao tratar da abstração do corpo ou sua

transformação:

[...] em um ponto, em um número, em uma fórmula abstrata qualquer que

considere apenas um aspecto de nosso existir. [...] E, como número, como pura

quantificação, este corpo passou a ser nulodimensional, não ocupando mais

nenhum espaço que não seja o espaço virtual do não-espaço‖ (BAITELLO JR.,

2005, p. 66).

Trata-se de intermitente identidade-perfil que alcança, na tele-existência

cibermediática, o status de perfil-sujeito sempre que deixa de apresentá-lo ou representá-lo para

ser presentação, aparição-presença fantasmagórica que se expõe em ambientes de alta

visibilidade, compartilhados com outros igualmente convertidos em imagem-técnica. Conforme

Trivinho (2007b, p. 10):

No caso de existir em tempo real, que, como ato processual, envolve,

particularmente, o modo mediático pelo qual, por exemplo, um sujeito se põe na

e através da rede, o processo remete à qualidade dinâmica de ser unicamente

quando como espectro representativo-simulacional do referente (o próprio

sujeito) assim ‗presentado‘ em tempo real – estatuto de ser que somente assim

pode subsistir, ao mesmo tempo em que somente assim o sujeito consegue se

constituir, isto é, como ser, em correspondência ao que, em regra, requer o

tempo real como ditame de época.

Tal definição escapa à concepção tecnicista: tele-existência é menos o resultado

determinado pelo uso de tecnologias de transporte que estimulam a percepção de presença do

teleoperador em um ambiente remoto ou simulado que um processo comunicacional em que

existir equipara-se a ser/estar visível para o outro no momento mesmo em que vive (apresentado,

nesta pesquisa, como ―apareSer‖). A experiência encerra ―o significado ontológico e

tecnocultural do que é ‗viver‘ no e como espectro, através e a partir dele‖ (ibid., p. 10).

Além de configurar evidência inconteste do império das tecnologias do imaginário

(MACHADO DA SILVA, 2012) e ensejar uma reflexão crítica sobre o estatuto do sujeito na

dimensão hiperespetacular do glocal, o fenômeno, como significativa experiência sociocultural, é

expressão de época que pode revelar muito sobre a ―civilização mediática avançada‖ vigente – ou

―dromocracia cibercultural‖ (TRIVINHO, 2007), razão pela qual elegeu-se tal objeto. Não

obstante, concorda-se com Trivinho (2007b, p. 3) sobre a premência de compreendê-lo.

Prescindir de apreender esse fenômeno – num tempo em que ele se encontra

banalizado pela absorção das redes digitais no cotidiano –, mais que implicar

renúncia à elaboração reflexiva da lógica da vida humana em condições

Page 55: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

55

mediáticas avançadas, põe em risco o próprio fundamento do empreendimento

teórico sobre o processo civilizatório atual.

Nesse sentido, a tele-existência que se deseja investigar não se limita à criação e

manutenção de diários públicos ou à construção de avatares, perfis e identidades virtuais como

interfaces interativas de comunicação e relacionamento, embora envolva esses aspectos; antes,

diz respeito ao quanto grande parte do tempo de existência deixou de ser vivido para ser

publicizado no momento mesmo em que ocorre, pois praticamente já não há distância ou

diferença entre a ocorrência do evento e sua divulgação. Submetida ao valor da visibilidade, a

existência converte-se em tele-existência – é existência em tempo real, experiência de

imediatismo gerada pelo justo acoplamento da vida às plataformas cibermediáticas, ética-estética

reality show em uma sociedade confessional.

A produção ininterrupta de informações sobre si, pautada pelo ritmo do gerúndio –

No que você está pensando? (Facebook); O que está acontecendo? (Twitter) –, parece atender à

necessidade de legitimar recorrentemente a existência nos tempos e espaços ciberculturais de alta

visibilidade, conforme exemplifica a figura 7; mas, sob o assédio da interatividade que requer

conexão contínua, devoção desdobrada e devolutiva veloz, a indexação da existência em tempo

real tem, ao contrário, um caráter devorador, já que invisibilidade corresponde à inexistência e

toda manifestação nas redes torna-se rapidamente obsoleta.

Figura 7. Exemplo de postagem no ritmo do gerúndio - Facebook (21 fev. 2013).

Este caráter devorador que, na Tese, é apresentado como a intrínseca dissolução de

tudo o que é projetado para tele-existir, denota a instabilidade desta solução tecnológica para os

medos ancestrais que assombram e assolam a humanidade: a inexistência e a insignificância ou,

em outros termos, a morte, a solidão, o não-reconhecimento. Por essa razão, ousa propor que os

Page 56: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

56

artifícios de comunicação, dentre os quais a existência em tempo real, ou tele-existência

cibermediática, sejam pensados como estratégias de resistência, superação e redenção cujo

desenvolvimento, ao longo do tempo histórico, aporta e aposta, interessantemente, no que Flusser

(2008) irá chamar de nulodimensionalidade – o cúmulo da abstração e do distanciamento

alcançado pelas tecnologias do tele.

Page 57: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

57

CAPÍTULO 2 – Comunicação, presença e ausência

Em oposição às concepções tecnicistas, propõe-se pensar a dimensão antropológica

dos termos telepresença e tele-existência a partir da consideração do significado do prefixo grego

tele, que indica distância, afastamento. A rigor, pode-se dizer que todo aquele que está distante,

mas consegue fazer-se presente seja por carta, telefone ou e-mail, torna-se, de certo modo,

presente a distância; também é indiferente se a distância suprimida é acidental ou substancial

(WOLFF, 2005): mostrar a fotografia do filho que, naquele momento, está na escola (ausência

acidental – distância geográfica) ou do avô já falecido (ausência substancial – distância temporal)

produz um efeito de presença na percepção do outro, para o qual aquele que está ausente passa a

existir. Em que pese o sentido etimológico do prefixo tele, é preciso esclarecer que os termos

telepresença e tele-existência são recentes e estão vinculados às tecnologias de comunicação

eletro-mecânicas, eletrônicas e digitais. Por essa razão, para os casos em que a subjetividade

ausente torna-se presente por mídia que não opere em tempo real, será adotada a expressão

―presença do ausente‖. O que se deseja frisar, de toda forma, é que a articulação entre

comunicação, presença e ausência não constitui uma novidade. Se é possível sugerir que as

tecnologias do tele são estratégias humanas para lidar com seus anseios, faz-se necessário dizer

que, antes delas, já estavam em operação outras formas de comunicação para a superação dos

limites espaço-temporais. No fundo, concorda-se com Flusser, para quem:

A comunicação humana é um artifício cuja intenção é nos fazer esquecer a

brutal falta de sentido de uma vida condenada à morte. [...] Sem dúvida não é

possível viver com esse conhecimento da solidão fundamental e sem sentido. A

comunicação humana tece o véu do mundo codificado, o véu da arte, da ciência,

da filosofia e da religião, ao redor de nós, e o tece com pontos cada vez mais

apertados, para que esqueçamos nossa própria solidão e nossa morte, e também a

morte daqueles que amamos. (FLUSSER, 2007, p. 90-91).

Isso posto, investigar os medos e as promessas que o tele das tele-tecnologias de

comunicação arregimenta implica reconhecer o ancestral desejo de superação dos limites

humanos em relação ao tempo, ao espaço e ao próprio corpo. Telepresença e tele-existência

constituem o ápice de uma ―escalada abstracional‖ (FLUSSER, 2008) cujos fundamentos

remontam à fixação da mensagem em suportes físicos, conferindo-lhe durabilidade no tempo e

transportabilidade no espaço ao apartar do sujeito sua manifestação e alongar a extensão de seu

ato comunicativo. Nesse sentido, as categorias da Teoria da Mídia (PROSS, 1971), retomadas

Page 58: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

58

recorrentemente nos estudos de Baitello Jr. (2001, 2005, 2010) sobre Semiótica da Cultura,

podem ser bastante elucidativas sobre a relação entre comunicação, presença e ausência.

2.1 Mídia como re-existência

Diferentemente do que ocorre na comunicação presencial, que tem no corpo seu

principal veículo e requer o compartilhamento do mesmo tempo e espaço1 por emissor e receptor,

artefatos como pedra, argila, madeira, pele de animal, cerâmica, tecido, pergaminho, papel

possibilitam a permanência dos sinais de presença humana, a depender exclusivamente da

conservação dos media. Na Teoria da Mídia, tais suportes são tratados como mídias secundárias

que abrigam os vestígios deixados pelo corpo, mídia primária por excelência. Conforme explica

Baitello Jr. (2010, p. 62):

Na comunicação por meios secundários, os corpos deixam marcas sobre outros

suportes, extracorporais, sendo estes suportes os portadores de mensagens até

outros corpos, que então podem estar distantes uns dos outros, separados por

milhas e milhas ou por séculos e séculos. Estas marcas, no princípio muito

simples, vão se transformando em sistemas complexos de sinais, desde

pictogramas a ideogramas ou alfabetos, criando diversas formas de escritas.

Desde a composição de imagens e a invenção da escrita, que nasce como inscrição2 e

guarda ancestral relação com a imagem3, até o desenvolvimento das artes gráficas, da indústria da

impressão e da fotografia, estão em cheque a amplificação e a conservação da presença, o registro

do fugaz. Eis que a mídia secundária confere ao ser humano uma possibilidade de escape, ainda

que imaginário e/ou ilusório, de sua infeliz e fatal condição de mortalidade e impermanência.

Observa-se que toda tecnologia de comunicação é, antes, uma tecnologia de criação e

aperfeiçoamento dos suportes, instituindo condições para que a comunicação humana suporte a

devoração do tempo e sublime as dores do espaço4. Tal drama de superação da mortalidade do

1 Veja-se o Tópico 2.2.1 do Capítulo 2 – Comunicação e presença – o corpo como mídia primária.

2 Acerca dessa afirmação, o levantamento etimológico feito por Flusser (2010, p. 25) pode ser bastante esclarecedor:

―‗Escrever‘ origina-se do latim ‗scribere‟, que significa ‗riscar‘ (ritzen). E a palavra grega ‗graphein‘ significa

‗gravar‘ (graben). Portanto, escrever era originalmente um gesto de fazer uma incisão sobre um objeto, para o qual

se usava uma ferramenta cuneiforme (um ‗estilo‘). Certamente não se escreve mais assim. Hoje, ao escrever, usa-se

normalmente tinta sobre uma superfície. Não há mais inscrições, ao contrário, escreve-se por meio de sobrescrição.

Escreve-se hoje sem estilo‖. 3 Conforme Baitello Jr. (2005, p. 35): ―A imagem é uma forma de escrita. Isso não se questiona, porque a escrita

nasceu da simplificação dos registros iconográficos, dos desenhos e das pinturas. A relação entre as duas é

indissolúvel porque ambas pertencem ao universo da visualidade‖. 4 Inspirado na frase-emblema de Flusser: ―Espaço, aqui estão as minhas dores‖ (BAITELLO JR., 2010, p. 101).

Page 59: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

59

corpo por meio da pretensa imortalidade da mídia explicaria, ao menos em parte, a importância e

o encantamento que os meios de comunicação exercem ao longo do tempo. Afinal, na medida em

que torna presente para o receptor o ausente emissor, a mídia secundária trata de fazer reexistir –

ou seja, novamente existente, ao menos na dimensão imaginária, mas, nem por isso, com menor

efeito de presença, o ausente. Em essência, a mídia secundária é um incrível urro de resistência

contra a inexistência, desejo de permanecer existente mesmo após a morte concreta, na lembrança

dos contemporâneos e, para além dela, na própria história da humanidade, graças à durabilidade

dos suportes em que se inscreveu, deixando parte de si. Conforme Pross (1971, p. 126 apud

SANTOS, 2009, p. 14):

Desde os tempos mais remotos o homem ambicionava propagar seu catálogo de

significados para além dos limites de seu grupo primário, ou seja, de sua família,

bando, clã, tribo ou vizinhança. O homem demonstra um impulso irresistível de

se comunicar além do espaço e do tempo, buscando transmitir o seu nome

através de sinais de som, imagem e escrita.

A comunicação em tempo real, entretanto, só se tornou possível com o advento da

eletricidade e a invenção de suportes típicos da mídia terciária, capazes de comunicação

instantânea como o telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão e, mais recentemente, o computador

e outros dispositivos tecnológicosde operação em rede. Neste caso, a manifestação subjetiva, para

vencer o espaço entre emissor e receptor requer dispositivos de produção, transmissão,

veiculação, conexão, recepção e decodificação que conformam complexos aparatos, processos e

sistemas comunicativos.

Na espectralidade típica de cada suporte da mídia terciária, surgem formas

radicalmente novas de registrar, conservar, irradiar, distribuir e manifestar a presença humana, ou

melhor, os efeitos dessa presença. Ao diminuir as distâncias até quase anulá-las, o tempo real da

dimensão comunicacional torna possível a tele-audição, a televisão, a telepresença e a

ubiquidade. Doravante, os limites do tempo, do espaço e do corpo são superados em prol de uma

manifestação subjetiva espectral e especular que é da ordem do espetáculo, na cultura de massa, e

do hiperespetáculo, na cibercultura, como será oportunamente aprofundado5.

Interrogar o tele a partir da Teoria da Mídia permite que se perceba que tanto a mídia

secundária quanto a mídia terciária lidam com o medo da inexistência (morte concreta e

esquecimento) e da insignificância (morte simbólica e invisibilidade). Entretanto, a mídia

5 Veja-se Tópico 1.2 do Capítulo 1 da Parte III – Do espetáculo ao hiperespetáculo.

Page 60: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

60

secundária prima pela conservação e reprodução da presença – seus suportes facultam re-

existência e exalam uma preocupação com a permanência (produção voltada para o futuro;

recepção respeitosa do passado). A mídia terciária, para lidar com a insignificância, faz mais que

multiplicar a presença – seus suportes facultam onipresença e tele-existência, veiculação

amplificada que brinda ao instante, ao momento, ao agora, radical conversão de produção e

recepção sobre o tempo presente, a despeito do espaço.

2.2 Rumo à espectralidade

É interessante notar que, na passagem da comunicação presencial (mídia primária)

para a comunicação não-presencial (mídia secundária), e desta para a comunicação presencial à

distância (mídia terciária6), há uma escalada sutil rumo à abstração (FLUSSER, 2008), à

espectralidade, ao mundo dos simulacros e das imagens fantasmagóricas – destino contrário ao

desejo primordial de imortalidade. Como lembra Contrera (2002, p. 54), trata-se de uma fuga da

mortalidade, da finitude humana: ―Na carne, morremos. Na imagem, somos, instantaneamente,

ilusoriamente eternos‖.

Tabela 1. Comunicação presencial e comunicação mediatizada

1. Comunicação presencial

2. Comunicação mediatizada

2.1 Não-presencial 2.2 Presencial a distância Correspondência com a Teoria da

Mídia (Pross)

Mídia primária (corpo como suporte).

Mídia secundária (suportes físicos).

Mídia terciária (suportes elétricos, eletrônicos e digitais).

Graus de abstração (Flusser)

Multissensorialidade (mundo da profundidade, das circunstâncias e dos volumes manipuláveis).

Bidimensionalidade da imagem (mundo das superfícies, da imaginação e do pensamento mágico). Unidimensionalidade da escrita (mundo das linhas, da conceituação e do processo).

Zero ou nulodimensionalidade (jogo de mosaicos, mundo do cálculo e das imagens-técnicas).

Relação tempo-espaço

Tempo e espaço compartilhados por emissor e receptor (equivalência).

A mensagem, apartada do emissor, sobrevive ao tempo e desloca-se no espaço, alcançando outras audiências.

Com a anulação do espaço, emissor e receptor voltam a compartilhar o mesmo tempo (comunicação ao vivo ou em tempo real).

Relação presença-existência

A presença e a existência (ente) são coincidentes no ato comunicativo.

A presença evocada pelo suporte comparece apartada do ente (ausente). O ato comunicativo prescinde da presença do emissor – é não-presencial.

A manifestação subjetiva a distância faz voltar a coincidir presença e existência. Prescinde da presença dos corpos no mesmo espaço, mas não no mesmo tempo.

Conceito Presença Presença-ausência Telepresença

6 Cumpre alertar que a mídia terciária também provê comunicação não-presencial, mas sua diferença, em relação à

mídia secundária, está em inaugurar a comunicação mediatizada presencial a distância.

Page 61: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

61

A distinção entre comunicação presencial imediata e comunicação mediatizada

(tabela 1), tomando por base a articulação das categorias da Teoria da Mídia [Pross (1971 apud

BAITELLO JR., 2001, p. 231-238)] em relação à temporalidade e à espacialidade, e também o

modelo fenomenológico da história da cultura proposto por Flusser (2008, p. 17-18), composto

por quatro estágios não lineares que indicam alienação ou afastamento do ser humano do mundo

concreto, permitem que sejam delineados e contrastados os conceitos de presença, presença-

ausência e telepresença. Essas relações serão demonstradas nos próximos tópicos.

2.2.1 Comunicação e presença – o corpo como mídia

Só há presença verdadeira no mundo – no mundo que é próprio da experiência

sensível – pela intermediação do ego-centramento de um presente-vivo, ou seja,

através da existência de um corpo próprio vivendo aqui e agora. (VIRILIO,

1993, p. 104).

A comunicação presencial tem no corpo sua mídia primária e requer que emissor e

receptor compartilhem o mesmo tempo e espaço. Para Baitello Jr. (2010, p. 62), esta é a principal

característica da mídia primária, razão pela qual pode ser chamada de presencial. Deve-se

observar, no desdobramento dessa constatação, que a mídia primária relaciona-se a todas as

formas de mediação produzidas a partir do corpo – recurso biológico do indivíduo. Pensar o

corpo como meio de comunicação elementar envolve considerar que postura, gestualidade,

formas de olhar e expressões faciais, odores, sons articulados, inarticulados e oralidade

(linguagem verbal) expressam significados mais ou menos padronizados, sem os quais não seria

possível a socialização dos grupos humanos primevos e o desenvolvimento das culturas –

destarte, a interpretação da comunicação na mídia primária envolve a compreensão ou retomada

do contexto de enunciação (momento, lugar e cultura compartilhados).

Para Pross (1971, p. 129 apud SANTOS, 2009, p. 10-11), o corpo expressa,

consciente ou inconscientemente, o estado de espírito do indivíduo, e essa comunicação produz

uma impressão no outro, que pode reagir à informação recebida também de forma consciente ou

inconsciente. Além disso, a qualidade da comunicação dependerá, em parte, dos conhecimentos e

habilidades presentes nos envolvidos no ato comunicativo:

O emissor deve dominar a gestualidade e a mímica, e o receptor deve entender

os movimentos figurativos realizados pelos grupos de gestos, compreendendo

assim a mensagem. O mensageiro deve saber correr, cavalgar ou dirigir para

Page 62: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

62

garantir a transmissão da sua mensagem. (PROSS, 1971, p. 127 apud. SANTOS,

2009, p. 10).

A mídia primária opera de forma imediata, sem mediação de outros recursos ou

aparatos mediáticos que não o corpo físico. E, conforme lembra Pross (1971, p. 128 apud.

SANTOS, 2009, p. 9), é na mídia primária, ou seja, no corpo, que toda comunicação humana

começa e termina. Sobre essa questão, Baitello Jr. (2010, p. 62-63) observa que há

cumulatividade – a mídia terciária contém a secundária e a primária, por exemplo, mas ―isto não

significa que a comunicação presencial seja a mais simples ou a mais fácil, e também não quer

dizer que a comunicação terciária seja mais complexa por requerer maior número de etapas de

mediações‖.

Outro aspecto fundamental relativo à mídia primária é que, pelo fato de emissor e

receptor compartilharem o mesmo tempo e o mesmo espaço, o processo comunicativo dota-se de

complexidade multissensorial. Trata-se do autêntico mundo do tato, do olfato e do paladar,

sentidos que concorrem para a instituição de vínculos afetivos com a localidade e com o outro,

sentidos de proximidade (cf. BAITELLO JR., 2005, p. 38). No hit ec nunc, o ato comunicativo é

ponte que se lança sobre o abismo presencial que margeia cada um, manifestação subjetiva

desejosa de intersubjetividade. Nos primórdios, o nascimento da linguagem e o florescimento da

cultura da oralidade entrelaçam-se silenciosamente com o desenvolvimento da comunicação e a

instituição das comunidades.

No âmbito da comunicação imediata, a presença do ente que se expressa e a presença

daquele para quem se expressa não estão dissociadas da efetiva existência de ambos no mundo

físico, concreto. Assim, tudo o que exala do ser vivo, de forma consciente ou não, é mensagem;

comunicação é sinônimo de vida e somente aquele que não vive mais é incapaz de qualquer

expressão. O reconhecimento do corpo como mídia que possibilita a manifestação da

subjetividade encarnada requer que se eleve ao status de ato comunicativo gestos tão primordiais

quanto respirar. Afinal, o corpo, com seu potencial e suas limitações, suas inscrições culturais e

seu imaginário, configura mediação primordial entre sujeito e entorno. É agente de codificação e

decodificação, consciente e inconscientemente, criando realidades. A referência a que se faz ao

designar tal comunicação como imediata não é, portanto, no sentido de ausência de

intermediação, mas ausência de intervalo de tempo para transmissão da comunicação –

característico da comunicação mediatizada não-presencial. Em consonância com as proposições

de Pross, Baitello Jr. (2010, p. 105) chama atenção para a necessidade de se problematizar a

Page 63: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

63

questão do corpo nos estudos relativos à mídia secundária e terciária na medida em que constitui

o ponto de partida e de chegada de toda comunicação, mesmo aquela que se efetua pela via do

não-presencial, o que ―põe em xeque o próprio conceito de comunicação como simples conexão‖.

A dimensão presencial, portanto, pertence ao corpo, tem profundidade, constitui o

campo da manipulação dos volumes e da transformação do mundo em circunstância. Para Flusser

(2008, p. 18), ―a manipulação é o gesto primordial; graças a ele o homem abstrai o tempo do

mundo concreto e transforma a si próprio em ente abstraidor, isto é, em homem propriamente

dito‖.

Na categoria da comunicação presencial, ―presença‖ traduz-se por subjetividade-

corpo manifestante no aqui-agora. É imediata, requer contiguidade entre emissor e receptor, não

admite intervalos ou interrupções temporais no processo de comunicação, tal como é

característico da comunicação mediatizada não-presencial. O imediatismo das comunicações

instantâneas possíveis na mídia terciária é ilusório: ao dispensar a profundidade e a plenitude do

espaço, não proporciona ―presença‖ efetiva, apenas efeito de presença ou telepresença.

2.2.2 Comunicação e presença-ausência – a importância dos suportes

Diferentemente da comunicação presencial, cujo suporte é o corpo, o uso de

representantes mediáticos leva para longe do emissor sua mensagem – e a distância a ser vencida

pode ser a do território, tornando presente em uma localidade aquele que está longe, em outro

lugar; e também a distância no tempo, tornando presente para gerações futuras aquele que

efetivamente existiu e testemunhou uma época passada. Assim, pode-se dizer que a comunicação

não-presencial, aquela possível graças à inscrição da manifestação subjetiva em um suporte físico

qualquer (pedra, cerâmica, papiro, couro, tecido, papel, fotografia), funda com a mediatização da

presença o paradoxo da presença-ausência, o que implica radical rompimento com os limites do

corpo em relação ao tempo e ao espaço.

[...] com a mídia secundária inauguram-se a permanência e a sobrevida

simbólicas após a presença do corpo. Com a escrita e seus precursores (as

imagens gravadas sobre suportes duráveis) impõe-se o homem sobre a morte e

seu tempo irreversível, vencendo simbolicamente seu maior e mais poderoso

adversário. O grande trunfo da escrita não é, portanto, a velocidade, mas a

lentidão que permite cifrar e decifrar enigmas. O tempo lento da escrita e da

leitura permite alongar a percepção do tempo de vida. (BAITELLO JR., 2001, p.

235).

Page 64: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

64

A comunicação não-presencial possibilitada pela mídia secundária é aquela que, ao

apartar a mensagem do emissor, confere-lhe longevidade (vitória sobre o tempo) e alcance de

novos horizontes (vitória sobre o espaço), ou seja, as capacidades de permanecer no tempo e de

se deslocar no espaço. Mas, há que se frisar que esse desgarramento é absoluto: a mensagem, na

independência forjada pelos suportes físicos da mídia secundária, sobrevive e circula a despeito

da consciência, da presença ou da existência daquele que foi seu autor. Exige do receptor, quanto

mais afastado no tempo e no espaço encontra-se ele do emissor, mais cuidado no processo de

decifração, com a recuperação de contextos e a verificação de informações; abre-lhe também a

possibilidade de rever, reler, contemplar; acessar a memória física (registro imagético ou

simbólico) para resgatar a presença e conviver, durante a contemplação ou a leitura, com aquele

que se torna novamente presente graças ao duradouro registro.

Cabe salientar que, se à mídia primária corresponde o mundo multissensorial e a

oralidade, a mídia secundária torna preponderante o visual. A comunicação, na mídia primária, se

faz graças à presença do corpo. Na mídia secundária, a presença do corpo deixa sobre os suportes

seus vestígios para, então, ser abolida, tornada desnecessária na medida em que se atribui a outros

corpos, mediáticos, a responsabilidade de representá-la, levá-la adiante no tempo e no espaço.

Imagem e escrita irmanam-se no campo da visualidade. Isso significa que a imagem,

como inscrição, é um tipo de escrita e a escrita, nascida nos pictogramas, um tipo simplificado de

imagem (BAITELLO JR., 2005). Embora relacionadas à categoria da mídia secundária – imagens

e textos necessitam de suportes físicos para existirem –, o surgimento da escrita marca o

surgimento do homem histórico (FLUSSER, 2008, p. 16-17). O processo de abstração segue sua

escalada na passagem da circunstância palpável para a cena imaginada, da tridimensionalidade

dos volumes para a bidimensionalidade das imagens e desta para os textos que alinhavam as

cenas para poder contá-las – terceiro gesto abstraidor, que extrai das imagens a largura e funda a

capacidade de conceituação, de organizar em linhas os elementos arrancados às imagens. Ainda

conforme Flusser: ―A consciência imaginativa não pode conceber desenvolvimento linear, apenas

o retorno eterno. O gesto produtor de imagens tradicionais é gesto pré-histórico, magia a serviço

do mito‖ (ibid., p. 21).

O encantamento que reveste a mídia secundária (tornar presente o ausente) deve-se,

sobretudo, à persistência desta consciência imaginativa que se deixa tomar pelo eterno retorno

propiciado pela contemplação das imagens, próprio do pensamento mágico-mítico, e pela

Page 65: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

65

imersão no tempo lento da escrita, cuja decifração faz emergir outra realidade, ―uma

temporalidade distinta, aquela da permanência, da perenidade, da imortalidade‖ (BAITELLO JR.,

2005, p. 33). Tais reflexões permitem pensar que toda discussão acerca da aura das obras de arte

cogita, de certo modo, o reconhecimento do encanto que reveste o suporte da manifestação

humana singular, e que a invenção da prensa de tipos móveis, na aurora da era da

reprodutibilidade técnica, engendrou as revoluções socioeconômicas e culturais de seu tempo ao

multiplicar, com livros, panfletos e jornais, os sujeitos históricos da era moderna.

2.2.3 Comunicação eletrônica e telepresença – imagem-técnica

Embora a mídia terciária possa ser assíncrona e unilateral (portanto, não-presencial,

como ocorre durante a veiculação de gravações sonoras, filmes ou material digital postado na

rede para consulta), desde a invenção do telégrafo apresenta vocação para a interatividade

síncrona e dialógica. A telepresença, portanto, só se torna efetivamente possível com o

surgimento dos suportes elétricos, eletrônicos e digitais capazes de operar no tempo real que

comprime ou suprime o espaço para que emissor e receptor possam compartilhar o mesmo

instante, o mesmo tempo presente que, no final, não é nem o tempo de um, nem o tempo do

outro, mas outro tempo.

Conforme a complexidade tecnológica dos aparatos, o ato comunicativo transfigura-

se em ambiente comunicacional, espaço virtual ou espectralidade que abriga as manifestações

subjetivas e possibilita o encontro com o outro, a despeito da distância geográfica doravante

vencida como indica o sufixo ―tele‖. A problematização sobre a natureza desse ―espaço‖ forjado

pelo tempo-máquina da comunicação instantânea – não-lugares comunicacionais para os quais

marcadores como perto-longe ou dentro-fora não fazem sentido – será aprofundada quando o

conceito de glocal (TRIVINHO, 2007a) for abordado7. Entretanto, é preciso adiantar que os

ambientes comunicacionais da mídia terciária constituem abstração tão radical e inabitável que só

é possível adentrá-los como espectro – ser nulodimensional, imagem técnica. E a imagem-

técnica, em oposição à imagem tradicional, não representa a circunstância palpável. Ela resulta da

computação de dados mínimos, pixels, bits e outros pontos nulodimensionais que, segundo

Flusser (2008, p. 17):

7 Veja-se o Capítulo 3 da Parte II – Tele-existência glocal.

Page 66: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

66

[...] não são manipuláveis (não são acessíveis às mãos) nem imagináveis (não

são acessíveis aos olhos) e nem concebíveis (não são acessíveis aos dedos). Mas

são calculáveis (de calculus = pedrinha), portanto tateáveis pelas pontas de

dedos munidas de teclas.

A imagem-técnica que faculta telepresença não é representação; é simulação de

superfície, mosaico, jogo, resultado automatizado e variável de acordo com a manipulação dos

dados disponíveis, projeção espectral.

A imagem tradicional é produzida por gesto que abstrai a profundidade da

circunstância, isto é, gesto que vai do concreto rumo ao abstrato. A

tecnoimagem é produzida por gesto que reagrupa pontos para formarem

superfícies, isto é, por gesto que vai do abstrato rumo ao concreto. (Ibid., p. 19).

Telepresença, portanto, é a capacidade de fazer-se presente mesmo distante; não é

presença, mas projeção de presença. Ao invés de conceber essa categoria como um tipo de

comunicação não-presencial, pois, diferentemente da mídia primária, emissor e receptor não

estão presentes no mesmo espaço, prefere-se pensá-la como presencial a distância, uma vez que a

temporalidade compartilhada entre os pólos é a mesma.

Cumpre frisar que as bases da mídia terciária fundam-se sobre os sentidos de

distância (visão, audição), razão pela qual Baitello Jr. (2005, p. 29) alerta para o fato de que toda

proximidade propiciada pelos suportes é ilusória: ―As imagens que nos cercam restringem nossa

própria capacidade e autonomia de gerar vínculos mais sadios, reais, de carne e osso, que nos

alimentem a necessidade humana de fazer parte de um tempo e um espaço de vida‖.

Providenciam, sem dúvida, uma espécie de retorno à oralidade (com o rádio, o telefone e, depois,

com a comunicação audiovisual) ao acompanhar, registrar e publicizar a velocidade da vida em

movimento (com o registro cinematográfico, televisivo e digital). Mas, exatamente porque falta

profundidade, esta vida, mediatizada no momento em que ocorre e irradiada para muito além do

alcance imediato daquele que se expressa, torna-se encantadoramente mais vívida.

2.3 Ausência como problema

Como apontado em Dal Bello (2009, p. 114-117), a produção de imagens é uma

solução para o problema da ausência, seja ela causada pela distância física ou pelo fim daquele

que um dia existiu. Relaciona-se, portanto, com ―a angústia do aniquilamento de si mesmo‖ e

com o ―horror à decomposição‖ (MORIN, 2005, p. 123), colocando-se no lugar daquilo que não

está ou recompondo aquilo que não mais é. Para Debray (1994, p. 20), as imagens arcaicas que

Page 67: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

67

jorram dos túmulos são uma recusa ao nada, uma forma de prolongar a vida. Entretanto, não

podem fazê-lo sem evocar aquilo que pretendem superar. São presenças na ausência, presenças

do ausente. Tal caráter ambivalente explica porque, diante de uma imagem, a saudade pode se

tornar insuportavelmente maior.

Desafiar e negar a morte pressupõe uma convivência com o medo, implica em

viver sob o signo do medo. Assim, imagens são, por natureza, fóbicas. Evocam e

atualizam o medo primordial da morte, uma vez que elas originariamente foram

feitas para vencer a morte. O medo da morte é que nos conduz a emprestar a

vida e a longa vida aos símbolos. Pois é em sua longa vida que prorrogamos e

prolongamos a nossa própria vida, simbolicamente. (BAITELLO JR., 2005, p.

17).

Conservar ou prolongar a vida por meio de imagens é uma estratégia que resvala,

indubitavelmente, na mitologia do duplo. O duplo é uma figura do imaginário, imagem que

corresponde à capacidade humana do indivíduo perceber-se como outro, por vezes irreconhecível

para si próprio. Experiência universal que ―revela essa duplicação espontânea que constitui a

consciência arcaica de si‖ (MORIN, 2005, p. 86), reflete a presença da alteridade na

subjetividade nos diálogos internos que o sujeito trava consigo mesmo. Destarte, ―cada um vive

acompanhado do seu próprio duplo: não tanto uma cópia exata, mas mais, contudo, que um alter

ego: ego alter, um eu-próprio outro‖ (Id., 1997, p. 44).

Materialmente, tal estranhamento pode ocorrer na contemplação da sombra, do

reflexo ou do retrato; quando o indivíduo ouve a gravação da própria voz ou assiste a si mesmo

na tela. O duplo também corresponde à aparição desmaterializada do fantasma e habita, sob as

mais variadas formas, sonhos e pesadelos, lendas, contos e traillers: está na sombra travessa e

fugidia de Peter Pan; no macabro retrato de Dorian Gray; ou como bem lembra Felinto (2008),

está no sósia que William Wilson, personagem de Poe, assassina, decretando sua própria morte, e

também no espectro que se destaca da exibição de um filme para perpetrar horrores (como no

filme O Chamado). Para Morin (1997, p. 44), o duplo é:

[...] efetivamente, essa imagem fundamental do homem, anterior e íntima

consciência de si próprio, imagem reconhecida no reflexo ou na sombra,

projetada no sonho, na alucinação, assim como na representação pintada ou

esculpida, imagem fetichizada e magnificada nas crenças duma outra vida, nos

cultos e nas religiões.

A perturbação comumente associada a este imaginário está ligada ao fato do duplo

ser ―uma imagem que comunica, que anuncia aquilo que desejaríamos manter não dito: nosso

lado negro, nossa condição mortal‖ (FELINTO, 2008, p. 33). O duplo é expressão do desejo de

Page 68: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

68

imortalidade, aquilo que, apesar de ser feito à imagem e semelhança de alguém, torna-se

repentinamente dessemelhante. Mesmo como sombra ou reflexo indomável, remete diretamente

àquele do qual é cópia. Por isso, embora o duplo exerça ―um poder dominador sobre os

humanos‖, sua autonomia é dependente ―dos espíritos e das culturas que os alimentam‖

(MORIN, 2005, p. 303): ainda que desprovido de realidade física, assim como os mitos e as

ideias que habitam a Noosfera, é impossível negar-lhe realidade e existência objetivas próprias

(Id., 1998, p. 139).

A mitologia do duplo é vital para a compreensão da instituição da tele-existência na

dimensão da mediosfera, ou esfera do imaginário mediático (CONTRERA, 2010, p. 19) que,

oriunda e participante da noosfera, abarca o imaginário cibermediático8 em que duplos digitais ou

espectros virtuais conformam a organicidade-aparente dos sujeitos telepresentes. Na medida em

que a Noosfera é resultado e matriz geradora das sociedades e das culturas, a Mediosfera

configurará o imaginário característico das sociedades industrial e pós-industrial, da cultura

mediática e da cibercultura; afinal, entre os seres da Mediosfera estão

[...] a visibilidade e a questão da imagem (como forma contemporânea residual

da aparição hierofânica), a eletricidade, o culto à tecologia e à hipertrofia do

símbolo ‗dinheiro‘. Esses são, no sentido moriniano da palavra, demônios que

habitam a esfera mediática, nossa única comum e inequívoca forma de

religiosidade contemporânea. (Ibid., p. 22).

No âmbito da comunicação presencial, o duplo é o gêmeo, a sombra, o reflexo, o eco,

o outro, a alucinação, lugar de inscrição e comunhão, no sujeito, de intimidade e estranhamento,

presença do eu mesmo-outro para si. Mais recentemente, a fantasia do duplo tem dirigido a

humanidade rumo ao clone. Para Baudrillard (1981, p. 123-132), trata-se de sua materialização

por via genética, proliferação do idêntico por metástase da espécie, para além da morte e do sexo,

realizando no plano biológico aquilo que já se opera no simbólico.

A clonagem, a escritura automática ready-made e sua identificação com uma

fórmula minimal (seu código mental e comportamental), já tem sua inscrição

reflexa nas redes operacionais amplamente realizadas. Os clones já estão aí, os

seres virtuais já estão aí – somos todos replicantes! (Id., 1999, p. 172-173).

Todo esforço de duplicação revela empreendimento inaudito de superação do

problema da morte (ausência), contrapondo-lhe uma solução de conservação da presença. Na

8 Os conceitos de noosfera e mediosfera são apresentados em profundidade no Tópico 1.2 do Capítulo 1 da Parte III

– Iconofagia, mediosfera e desejo de visibilidade.

Page 69: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

69

(possível) solução final dos clones, a imortalidade é garantida pela replicação do mesmo sempre

que se fizer necessário.

A solução possível pela mídia secundária é tornar simbolicamente presente o ausente.

Tal encantamento subjaz práticas antigas de tanatopraxia, como a mumificação, e está na

invenção das máscaras mortuárias, imagos modeladas diretamente sobre o rosto do morto. Como

lembra Wolff (2005, p. 32):

A necessidade de imagens nasce da preocupação do homem de fazer com que

novamente seja, em simples aparência, aquilo que não pode mais ser, o passado

ou a morte. Mas, assim que ele consegue, assim que o retrato fica semelhante, é

como se o passado ou o morto tivessem eles mesmos o poder de existir em

imagens. [...] Ela tem o poder de representar o ausente. Ela pode também criar a

ilusão de que é o próprio ausente que se apresenta.

A capacidade da imagem de tornar presente, por vezes intensamente presente, aquele

que não está, aquele que já não é e aquele que nunca esteve presente constitui o que Wolff (2005,

p. 31) considera como os três graus de poder da imagem (tabela 2).

Tabela 2. Os três graus de poder da imagem (WOLFF, 2005).

Primeiro grau Segundo grau Terceiro grau

Tipo de ausência

Ausência acidental. Ausência substancial. Ausência absoluta.

Poder da imagem

Presentificar aquele que existe, mas está ausente.

Presentificar aquele que não mais existe.

Presentificar aquele que jamais existiu.

Regime de visibilidade

Torna visível uma ocorrência presente.

Torna visível uma ocorrência passada.

Torna visível uma ocorrência atemporal

(invisível por natureza, da ordem do imaginário, do mítico e do religioso).

No primeiro grau, Wolff trata daquilo que está acidentalmente ausente; neste caso, a

mídia torna presente, por meio de carta, retrato ou fotografia, aquele que não está próximo, mas

ainda existe. Ainda que haja um delay na entrega da mensagem devido à dificuldade de superar a

distância geográfica, esta diz respeito a uma ocorrência presente.

No segundo grau, relativo ao que está substancialmente ausente, a mídia torna

presente aquele ou aquilo que existiu um dia, mas não mais; não há equivalência entre presença e

existência, embora a qualidade do registro possa tornar a presença tão vívida que possa ser

percebida como existência (status de realidade imaginária). Aqui, a questão não é vencer o

Page 70: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

70

espaço, mas o tempo diabólico9 e devorador. Cartas, diários, retratos e fotografias, testemunhas

de uma época, tornam visível uma ocorrência passada: a criança que não existe mais, pois

cresceu; a paisagem pacata que urbanizou-se tão rapidamente que tornou-se irreconhecível; o

sorriso ou as angústias daquele que, então, mal podia adivinhar o dia da própria morte.

No terceiro grau, o ausente que se torna presente é aquele que nunca existiu; a

imagem, portanto, não tem a função de representar; mais que isso, ascende à condição de avatar,

corpo material em que ocorre a manifestação do mítico, do divino ou de seres fantásticos,

―metaforização ou tradução de um Ser supremo e etéreo em contato com o real e físico‖

(CAVALHEIRO, 2011, p. 10). Esta presença-ausência transcende as limitações humanas de

tempo e espaço. Em síntese, tem-se que:

No mais baixo grau, a imagem é o representante visível de uma outra coisa

visível, que apenas ocasionalmente é invisível. No mais alto grau, aquele da

representação divina, a imagem visível tem o poder de representar o invisível –

é a maior ambição da imagem (ou sua maior ilusão, conforme o ponto de vista).

Mas, entre os dois, as imagens visíveis têm o poder de representar as coisas

passadas ou os seres defuntos, que não são nem inteiramente visíveis nem

inteiramente invisíveis. (WOLFF, 2005, p. 31).

Mas, como pensar os três graus de poder da imagem quando se trata de imagem

técnica, comunicação ao vivo ou em tempo real?

A comunicação presencial mediatizada opera prioritariamente em tornar visível uma

ocorrência presente, em conferir visibilidade a um acontecimento no mesmo instante em que

ocorre. Com a anulação do espaço entre os pólos da comunicação, o poder de presentificação do

emissor ausente intensifica-se até, praticamente, tornar-se banal. Além disso, toda ocorrência

veiculada por telefone, rádio, televisão ou internet é ou pode ser registrada no ato em que ocorre.

Gravações telefônicas ou backup de chats, adiante, tornam-se registros sobre ocorrências

passadas. Nas redes sociais digitais, diversos perfis correspondem à presentificação de usuários

cuja ausência é substancial: são memoriais daqueles que morreram. Outros, chamados fake

profiles, dão ―corpo‖ a personagens fictícios, tornando visível algo que é invisível por natureza

(terceiro grau de poder da imagem).

A questão da duplicação e conservação da presença, portanto, é inerente às três

categorias de mídia (primária, secundária, terciária) e engendra sonhos de imortalidade que são

capitalizados, também, pelo paradigma do pós-humano. Para Virilio, com o desenvolvimento da

9 Flusser sugere íntima relação entre a queda do diabo e a correnteza do tempo, equivalentes ao ―progressivo afastar-

se do mundo das suas origens‖ (2006, p. 33).

Page 71: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

71

tecnologia de retorno do esforço, que possibilita a transmissão de sensações táteis, por ora graças

ao feedback proporcionado por luva de dados e, futuramente, por vestimentas que recobrirão o

corpo inteiro, será possível:

[...] a produção industrial de um desdobramento da personalidade; não a

clonagem do homem vivo, mas sim a criação técnica de um dos mitos mais

antigos: o mito do duplo, de um duplo eletro-ergonômico de presença espectral,

outra denominação do fantasma ou do morto vivo. (VIRILIO, 1993, p. 104-105).

Baudrillard (1981) está certo ao dizer que a clonagem apenas realiza na esfera do

biológico o que já ocorre há muito tempo no simbólico: a mídia espelha a realidade, deforma-a e

conforma-a para torná-la melhor do que é, mais real do que o real, um esforço radical de

superação de todos os seus males, inclusive a morte.

Page 72: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 73: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

73

CAPÍTULO 3 - Tele-existência como imperativo de época

Para além da simulação de ―efeitos de existência‖, desde aqueles que estão

circunscritos a laboratórios de alta tecnologia e performances artístico-experimentais até os que

são comercializados como produtos corporativos, educacionais ou de entretenimento, tendo em

vista a emergência e conseqüente penetração das plataformas ciberculturais de relacionamento e

projeção subjetiva em diversos espaços e tempos do cotidiano, tele-existir conforma-se não

apenas como modus operandi possível a um número cada vez maior de usuários em todo mundo,

mas também como imperativo de época cujo registro evoca problemáticas relativas ao fenômeno

glocal e à dromocracia cibercultural (TRIVINHO, 2007a), à colonização do tempo real

(VIRILIO, 2000) e à espectralização da existência (DAL BELLO, 2009).

No vácuo da pós-modernidade, em meio ao neo-narcisismo que caracteriza o

retraimento sobre o tempo presente e sobre o sentimento de ―eu‖, tele-existir corresponde à busca

por onipotência, sempre irrealizável. Sua convocação, naturalizada por difuso discurso

publicitário e reiterada nas práticas diárias, invade todos os tempos e espaços, condicionando e

convertendo a multissensorialidade do mundo e da existência em nulodimensionalidade. Dada a

invisibilidade das violências perpetradas pelo tempo real, a tele-existência cibermediática, ou

seja, ser/estar glocal em plataformas ciberculturais de alta visibilidade mediática, é percebida

como passatempo sem graves consequências, a despeito da compulsividade com que tantos se

lançam à tarefa. Observar a relação entre o tempo real e a sensação de vazio e falta de sentido que

caracterizam a pós-modernidade pode revelar-se bastante útil para a compreensão da abrangência

do fenômeno.

3.1 Tempo real e vazio pós-histórico

O tempo real de operação das novas tecnologias não tem relação com o tempo

histórico. O tempo histórico é um tempo local, complexo e múltiplo, carregado de sentido linear

(passado, presente, futuro) que encontra eco na trajetividade em que se inscreve (partida, viagem,

chegada). O tempo real abole o espaço, esvazia-o de sentido e retira do tempo sua profundidade

(passado) e sua perspectiva (futuro), coadunando-se perfeitamente com o neonarcisismo que

matiza a pós-modernidade.

Page 74: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

74

A crença de que a sociedade não tem futuro, embora se baseie em certo realismo

sobre os perigos do devir, também incorpora uma incapacidade narcisista de

identificar-se com a posteridade ou de sentir-se parte do fluxo da história.

(LASCH, 1983, p. 77).

Para Virilio (2000, p. 61-62), o tempo real é tempo mundial, único, instauração da

supremacia do presente, do qual emerge ―a possibilidade de uma história ‗presentificada‘ que se

denomina atualidade ou news‖. A espetacularização da história, história que só se faz no presente

e em função da possibilidade de registro mediático, é ―pós-história‖ (FLUSSER, 2008, p. 59) ou

transistória, ―esfera onde os acontecimentos não acontecem realmente, precisamente porque eles

são produzidos e transmitidos ‗em tempo real‘; e onde eles não têm significado, porque podem

ter todos os significados possíveis‖ (BAUDRILLARD, 2001, p. 57-58). A apresentação do

contexto em que a tele-existência se põe como fenômeno epocal é fundamental para a

compreensão dos fatores que a transformam em um imperativo que penetra todos os tempos e

espaços da existência.

Carregado de potencialidades negativas, esse acontecimento ímpar – a criação do

tempo real, um tempo único e positivo, atópico, acrônico e pós-histórico, sob a égide da

velocidade da luz –, representa ―o tempo de uma história sem história e de um planeta sem

planeta, de uma Terra reduzida à imediatidade, à instantaneidade e à ubiqüidade, e de um tempo

reduzido ao tempo, isto é, ao que se passa instantaneamente‖; tal acontecimento é cataclísmico,

pois compreende ―uma liquidação e um extermínio do espaço-mundo – um planeta relativo, local

– e de um tempo – o tempo dos homens – em benefício de um outro espaço e de um outro tempo‖

(VIRILIO, 2000, p. 88). Ou, em outros termos:

Como viver verdadeiramente se o aqui não o é mais e se tudo é agora? Como

sobreviver amanhã à fusão/confusão instantânea de uma realidade que se tornou

ubiquitária se decompondo em dois tempos igualmente reais: o tempo da

presença aqui e agora e aquele de uma telepresença à distância, para além do

horizonte das aparências sensíveis? (Id., 1993, p. 103).

De certo modo, as metáforas epistemológicas do cyberspace como universo paralelo

ou espaço híbrido procuram apreender e traduzir o que é esse outro espaço/tempo que consome a

experiência mundana e implica novas formas de ser/estar (subjetividade) e relacionar-se

(sociabilidade). Ora percebidos como realidade à parte, ora como concomitante à realidade

Page 75: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

75

sensível, os ambientes comunicacionais sustentados pelo tempo real conformam eco-logia1

própria, alimentada por processos de espectralização que convertem (reduzem) toda

multissensorialidade em conjuntos de dados (nulodimensionalidade) continuamente rearranjados

que tornam presente via texto, som e/ou imagem – tecnoimagem – aquilo que, de corpo presente,

não poderia manifestar-se.

Assim, a comunicação em tempo real confere uma espécie de onisciência (tudo poder

saber mesmo que não haja tempo para se aprofundar – consciência panorâmica, de superfície, ou

sublimação da inconsciência por excesso de consciência) e onipresença (poder estar em todo

lugar sem estar em lugar algum) que inviabilizam o pleito à onipotência (paralisia de qualquer

projeto político por escassez de presença autêntica e excesso de simulacros). Eis a era espectral

da pós-história, com a instituição de um ―falso presente, um presente in effigie, sem corporeidade,

sem presença, um presente sem vida e sem surpresas‖ (BAITELLO JR., 2005, p. 30).

Tanto o abandono do corpo territorial, do corpo social e do corpo próprio em prol do

corpo espectral (VIRILIO, 2000, p. 53) quanto a sistemática colonização do corpo humano, em

movimento, por tecnologias de rastreamento, indexação e conexão contínua são consequências

retroalimentadoras da iminência do vazio (não há passado!) e do abismo (não há futuro!2),

mensageiros aterradores da desolação pós-histórica que se segue à queda das grandiosas

metanarrativas constitutivas da modernidade e do sentido de história, mito que ―subentendia ao

mesmo tempo a possibilidade de um encadeamento ‗objetivo‘ dos acontecimentos e das causas, e

a possibilidade de um encadeamento narrativo do discurso‖ (BAUDRILLARD, 1981, p. 65).

Mediante o colapso dos sonhos modernos, a desesperança e a crise de confiança, conjugadas com

o clima de catástrofe iminente disseminado pela mídia, levam à retração narcísica sobre o tempo

presente como estratégia de sobrevivência (LASCH, 1983); ou, como explica Lipovestsky (1989,

p. 49):

Quando o futuro se mostra ameaçador e incerto, resta a retração sobre o

presente, que não pára de ser protegido, arranjado e reciclado numa juventude

sem fim. Ao mesmo tempo que põe o futuro entre parêntesis, o sistema procede

à ‗desvalorização do passado‘, impaciente por cortar as amarras das tradições e

1 Conforme Baitello Jr. (2005, p. 52-53), diferentemente da ecologia, a eco-logia diz respeito à lógica do eco que

caracteriza a reprodutibilidade irrefreada e tautológica de imagens (ou era da visibilidade). A repetição das

impressões superficiais incide em lembranças epidérmicas (ausência de memória profunda). 2 Para Lasch (1983, p. 76), ―uma sociedade que teme não ter futuro muito provavelmente dará pouca atenção às

necessidades da geração seguinte, e o sempre presente sentido de descontinuidade histórica – o câncer de nossa

sociedade – cai, com efeito particularmente devastador, sobre a família‖.

Page 76: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

76

territorialidades arcaicas e por instituir uma sociedade sem base de ancoragem

nem opacidade; juntamente com esta indiferença pelo tempo histórico, instaura-

se o ‗narcisismo coletivo‘, sintoma social da crise generalizada das sociedades

burguesas, incapazes de enfrentar o futuro sem desespero.

À medida que o processo de abstração avança da unidimensionalidade, dimensão da

historicização do mundo, para a nulodimensionalidade, fase de desintegração dos conceitos em

pontos, rompem-se os fios condutores da mentalidade moderna e emerge, com a consciência pós-

histórica, um problema existencial pós-moderno para o qual, talvez, as imagens técnicas sejam

um tipo de solução.

Não se pode viver em tal universo vazio com consciência destarte desintegrada.

É preciso que obriguemos os pontos a se juntarem, que os integremos, que

tapemos os intervalos, a fim de concretizarmos tal universo e tal consciência

radicalmente abstratos. (FLUSSER, 2008, p. 24).

É entre os pontos múltiplos e caoticamente dispersos dos conceitos desintegrados

que as imagens técnicas se erguem para dissimular o nada, o vazio, a falta de sentido da história e

do projeto moderno; constatações doloridas às quais a pós-modernidade não pode furtar-se a não

ser esgueirando-se, alucinada e delirante, na hiper-realidade de seus simulacros.

Tabela 3. Relação imagem, texto, imagem técnica (Flusser, 2002; 2008)

Imagem Texto Imagem-técnica

Período Pré-história História Pós-história

Dimensão Bidimensional Unidimensional Zero ou nulodimensional

Relação Domínio de imagens (ideias), ausência de textos (conceitos)

Tradução de imagens (ideias) em textos (conceitos)

Processo circular que retraduz textos em imagens

Pensamento Circular (eterno-retorno) Linear (histórico) Pontual

Fase Imaginação do mundo e ritualização do ato

Historicização do mundo e autoconsciência do homem

Desintegração do mundo e existencialização da consciência humana

A computação associada à telecomunicação, ao realizar a imagem técnica audiovisual

e digital, possibilita a urbanização do tempo real, a conformação de plataformas colonizáveis

sobre o nada-tecnológico dos fluxos informacionais, o surgimento das infovias, a simulação da

presença à distância e a projeção da subjetividade em tele-existência,―acidentes do tempo real‖

(VIRILIO, 2000) a que todos são compelidos, seduzidos pela propaganda que congraça os novos

dispositivos tecnológicos e conclama, renitente, à espectralização generalizada do mundo e da

existência.

Page 77: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

77

3.2 Em busca de onipotência

[...] toda sociedade reproduz sua cultura – suas normas, suas presunções

subjacentes, seus modos de organizar as experiências – no indivíduo, na forma

da personalidade. Como disse Durkheim, a personalidade é o indivíduo

socializado. (LASCH, 1983, p. 58).

A virtualização do mundo, bem como a consequente naturalização da tele-existência

como única via de legitimação ou significação da vida, ocorre como sutil violência porque o

contexto socioeconômico e cultural que as abrigam configura-se de forma a promovê-las e torná-

las desejáveis.

A esse contexto, ele mesmo resultante da convergência entre pós-modernidade,

cultura mediática (de massa e cibercultural) e dromocracia (TRIVINHO, 2007a), somam-se os

sintomas da cultura narcisista que, antes de serem tomados como amor ou encantamento

desmesurado pela própria imagem, revelam medos, ansiedades, frustrações e pulsões mortíferas

que transformam imagens em armaduras ou abrigos3. Lipovetsky (1989, p. 69), sobre a era do

vazio, lembra que ―a sociedade hedonista só em superfície engendra a tolerância e a indulgência;

na realidade, nunca a ansiedade, a incerteza, a frustração conheceram maiores proporções. O

narcisismo nutre-se mais de ódio do que de admiração pelo Eu‖.

Em meados do século XX, a partir do pós-guerra, os estudos psicanalíticos

deslocaram-se do id para o ego, já que, nos consultórios, começaram a aparecer indivíduos com

―insatisfações difusas‖: humor oscilante, sensação de depressivo vazio, auto-estima caótica,

fantasia de onipotência, comportamento sexual promíscuo, envolvimentos emocionais

superficiais, hipocondria. Tal constatação corrobora a ideia de que ―esta patologia representa uma

versão intensificada da normalidade‖ (LASCH, 1983, p. 63); traços do narcisismo patológico são

facilmente reconhecíveis quando considerado o conjunto de traços culturalmente reproduzidos na

atualidade (fenômeno social), o que permite pensar o neo-narcisismo como representativo da

personalidade pós-moderna:

[...] hábil em administrar impressões que transmite aos outros, ávido de

admiração, mas desdenhando daqueles a quem manipula para obtê-la,

insaciavelmente faminto de experiências emocionais com as quais preencher um

vazio interior; aterrorizado com o envelhecimento e com a morte. (Ibid., p. 63).

3 Sobre a configuração da tecnologia como bunker e, mais particularmente, a bunkerização da existência no contexto

glocal, veja-se Trivinho (2007a, p. 306 a 317). O encapsulamento técnico-imagético da subjetividade em perfis de

redes sociais – imagem como bunker – e sua relação com as características da cultura narcisista foram tratados em

Dal Bello (2009, p. 88). Veja-se também análise sobre o processo de bunkerização vivido pelos hikikomoris

japoneses (idem, 2013).

Page 78: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

78

O novo desespero, conforme lembra Lipovetsky (1989, p. 71), pode ser traduzido

pela frase ―Se eu ao menos pudesse sentir alguma coisa!‖. Tal insensibilidade, ou ―sensibilização

epidérmica‖, conjugada com profunda apatia, deserção do político, indiferença histórica e

desprendimento emocional, habilitam o indivíduo a sobreviver em meio à instabilidade.

Em nossa época, a sobrevivência, e com ela a realidade do mundo exterior, o

mundo das associações humanas e das memórias coletivas, apresenta-se cada

vez mais problemática. O desvanecimento de um mundo durável, comum e

público – podemos conjeturar – intensifica o medo da separação, ao mesmo

tempo que enfraquece os recursos psicológicos que tornam possível enfrentar tal

medo de forma realista. Esse processo liberou a imaginação dos

constrangimentos externos, mas a expôs mais diretamente que antes à tirania das

compulsões e angústias. (LASCH, 1990, p. 177).

O vazio que se segue ao desmoronamento ou desintegração das metanarrativas que

organizavam e alinhavavam a modernidade passa a ser constitutivo do mundo intrapsíquico; pari

passu a erosão dos grandes sistemas sociais, o hiperinvestimento no eu, bem como a consequente

atomização dos indivíduos, é cúmulo de um crescente processo de personalização que, longe de

valorizar o sujeito, dessubstancializa-o sem necessariamente romper com a mentalidade

dicotômica e cartesiana. Nesse sentido, Lipovetsky alerta para o fato de que a pós-modernidade

não configura um momento absolutamente inédito na história, uma ruptura em relação à

modernidade, definindo-se, antes, ―pelo prolongamento e generalização de uma de suas

tendências constitutivas, o processo de personalização, e correlativamente pela redução

progressiva da sua outra tendência, o processo disciplinar‖ (1989, p. 106). Ainda assim, o

momento guarda alguma originalidade, como a ―predominância do individual sobre o universal,

do psicológico sobre o ideológico, da comunicação sobre a politização, da diversidade sobre a

homogeneidade, do permissivo sobre o coercivo‖ (ibid., p. 107). Como processo, corrói o social e

também o ―eu‖:

O neo-narcisismo não se contentou com neutralizar o universo social,

esvaziando as instituições dos seus investimentos emocionais; também o Eu,

desta feita, se vê corroído, esvaziado da sua identidade, o que paradoxalmente

sucede em virtude do seu hiper-investimento. Como o espaço público se esvazia

emocionalmente por excesso de informações, de solicitações e de animações: o

Eu tornou-se um ‗conjunto frouxo‘. Por toda a parte, eis que o real pesado

desaparece, e é a dessubstancialização, última figura da desterritorialização, que

condena a pós-modernidade. (Ibid., p. 53).

O avançar do processo de abstração que culmina na tele-existência pode ser tomado à

guisa de fuga coletiva realizada de forma caótica e fragmentária para os platôs flutuantes da

visibilidade mediática cibercultural, situados muito além da alienação da sociedade espetacular

Page 79: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

79

para fundar outra alienação, hiperespetacular. Destarte, metaversos e redes sociais digitais são,

por enquanto, os melhores modelos de plataformas que providenciam projeção subjetiva e

hospedagem na inóspita nulodimensionalidade ciberespacial. A urbanização do tempo real, cuja

densidade demográfica é passível de verificação, deve muito à promoção da tele-existência.

Produção e consumo desenfreados de imagens, desde a comunicação de massa, e sua

versão up to date,produção e promoção de si como imagem (inconstante, difusa e flutuante;

técnica, virtual e hiper-real; corpo sígnico que realiza, na virtualidade, a tele-existência) para

deleite próprio e apreciação alheia (conforme a dinâmica narcisista) –, põe-se como estratégia de

preencher o vazio interior e entre si e o outro, forma de ―passatempo‖ que afasta velhos

fantasmas produzindo novos. Pois, na medida em que imagens são a presentificação da ausência,

portanto do vazio, sua reprodução, longe de efetivamente diminuir as distâncias, só pode

contribuir para o alargamento dos abismos. A empreitada em que a humanidade tem se lançado,

nos últimos anos, corrobora devastação de proporções titânicas: aceder docilmente à hiper-

realidade, ―titânico já no superlativo que o designa‖, como lembra Contrera (2004, p. 88), é

legitimar a estética da quantidade, do excesso, da velocidade e do caos. Destarte, o titanismo é

um traço cultural humano que abriga a tendência à autodestruição ao conjugar vacuidade e

excesso, expansão ilimitada e ponto de colapso (CONTRERA, 2004, p. 83-87); seus valores

exercem grande fascínio na modernidade e, de certo modo, caracterizam-na.

No universo da comunicação, a hiperexposição e a superinformação configuram

claramente o cenário de saturação no qual submerge todo o aparato midiático e

no qual impera a quantidade e a pseudo-eficiência do mais, do melhor e

especialmente do mais rápido, às custas do sacrifício do sentido, do corpo e dos

vínculos comunicativos, defasando enormemente as conexões sociais. (Ibid., p.

83-84).

A cultura mediática de massa e cibercultural, ao ―romper as distinções entre ilusões e

realidade‖ (LASCH, 1990, p. 170), fomenta a fantasia de onipotência, extrapolação dos limites

do corpo e do território, embora constitua franca impotência na medida em que contribui para a

fragmentação social ou, mais radicalmente, a atomização dos indivíduos. O paradoxo assim se

revela:

O culto das relações pessoais, que se torna cada vez mais intenso à medida que

diminui a esperança de soluções políticas, esconde um profundo desencanto

pelas relações pessoais, assim como o culto da sensualidade implica um repúdio

da sensualidade em todas as suas formas, com exceção das mais primitivas. A

ideologia do crescimento pessoal, superficialmente otimista, irradia um profundo

desespero e resignação. É a fé dos que não têm fé. (Id., 1983, p. 77-18).

Page 80: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

80

Tais sinalizações indicam que a celebração reinante nas plataformas ciberculturais de

relacionamento e projeção subjetiva, cujo apelo discursivo recai sobre a possibilidade de

construção de fraternidade universal sem precedentes, é falacioso, e tal fraternidade só pode ser

da ordem dos espectros: fantasmagórica, ilusória, irreal.

3.3 Compulsão e violência

O ideal cínico da cibercultura é o Homo velox com a consciência feliz e

despreocupada do Homo ludens. Dessa maneira, a violência da técnica avançada

adquire, de tão invisível, o ar que lhe talha a sofisticação e a imunidade que

também a redime de todo questionamento público. (TRIVINHO, 2007a, p. 75).

Como imperativo de época, a convocação à tele-existência é enunciação que ecoa por

toda parte: encontra ressonância no imaginário cibercultural, invade o tempo do trabalho e do

lazer, valida-se nas práticas socioculturais e coaduna-se à lógica do capitalismo tardio pós-

industrial. Emerge de capilar estrutura invisível, a dromocracia cibercultural4, e é, sem dúvida,

violência sutil perpetrada pela velocidade tecnológica contra o espaço, o tempo, o corpo, a

subjetividade e a alteridade,―suave estupro do ser pela técnica alçada a fator apolítico

aparentemente inofensivo‖ (ibid., p. 98). Acomoda-se no seio do neo-narcisismo como silencioso

adestramento social por auto-sedução, que sociabiliza dessocializando e viabiliza o processo que

glorifica o indivíduo e pulveriza o social (LIPOVETSKY, 1989, p. 53). Concede aos filhos da

cultura mediática seu rincão de visibilidade e a possibilidade de cavar acesso à mídia tradicional

que, doravante submetida ao ritmo e à pauta das redes digitais, busca sincronizar-se com o que

acontece no cyberspace tanto ou mais do que em relação ao tempo cotidiano das localidades,

reconhecimento que irriga a supremacia da tele-existência sobre a existência, a sedução dos

signos vazios, o fascínio pela falta de profundidade. Em outras palavras:

É essa dimensão a menos que faz o espaço da sedução e torna-se uma fonte de

vertigem. Pois, se todas as coisas têm por vocação divina achar um sentido, uma

estrutura em que embasem seu sentido, sem dúvida tem também uma nostalgia

diabólica de se perder em meio às aparências, na sedução de sua imagem.

(BAUDRILLARD, 1991, p. 77).

4 Segundo Trivinho (2007a, p. 101-102), a dromocracia é ―um regime transpolítico – invisível como a violência da

velocidade – erigido no contexto de um regime político tradicional e visível, a democracia (aqui tomada no sentido

formal e abstrato, em seu modelo tipicamente estatal, herdado do direito burguês). Nessa perspectiva, a dromocracia

cibercultural comparece, em palavras precisas, como um regime eclipsado na dinâmica tecnológica da democracia

contemporânea, ou, vice-versa, essa democracia não é, hoje, senão a forma sintomaticamente protuberante da

dromocracia cibercultural. Esta não se consubstancia em nenhum fator palpável, materialmente identificável e

comprovável. Ela é, ipsis literis, processo‖.

Page 81: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

81

De certo modo, a tele-existência é formalização ética-estética da interiorização da

lógica publicitária: discurso transparente e superficial que procura traduzir, atualizar e promover

a subjetividade em suas aparições episódicas, embora estas estejam tornando-se menos esparsas e

mais duradouras com a popularização dos dispositivos de conexão móvel e acesso contínuo,

alçando-a à status de sujeito em ambientes de alta visibilidade mediática para melhor disfarçar o

fato de que o gozo reside em torná-la objeto (de desejo, de consumo, de entretenimento). Para

Baudrillard (1981, p. 113-122), o fascínio outrora concedido à publicidade, ainda imaginário e

especular, por sua capacidade de simplificação absoluta, absorção de todas as linguagens e

operação superficial, em ―grau zero de sentido‖, deslocou-se para as linguagens cibernéticas, a

digitalidade e o microprocesso que radicalizam a destruição de intensidades e aceleram a inércia:

Como os signos na publicidade, desmultiplicamo-nos, fazemo-nos transparentes

ou inúmeros, fazemo-nos diáfanos ou rizoma para escapar ao ponto de inércia –

pomo-nos em órbita, sintonizamo-nos, satelizamo-nos, arquivamo-nos [...].

Saturação superficial e fascínio. (Ibid., p. 118).

Quando as tecnologias do tempo real operam a acronia (intemporalidade) e a atopia

(espaço transformado em fluxo de imagens), colocam em ocaso ―a ordem simbólica da cultura,

pois uma ‗virtualidade real‘ ou uma ‗realidade virtual‘ pressupõem que a distinção entre presença

e ausência se reduza a estar presente ou estar ausente na rede ou no sistema multimídia‖ (CHAUÍ,

2006, p. 72). Nesse sentido, para Baudrillard (1996, p. 56), o virtual ocupa o lugar do real em vez

de ter no real sua destinação.

Diversas violências invisíveis ocorrem simultaneamente: a sublimação da aparência

tecnologicamente cerzida instaura a desvalorização do corpo próprio como lugar de construção

da identidade; a convivência narcísica em ambientes de operação tele-existencial corroboram a

fragmentação ou pulverização do corpo social; a crença, difusa e totalitária, de que a existência só

tem significado ou legitimidade quando devidamente publicizada em esferas de alta visibilidade

mediática viola e altera a percepção do indivíduo sobre si mesmo, levando-o a produzir

acontecimentos para efeito de registro e promoção pessoal,submissão radical da existência ao

imperativo da tele-existência.

Celebrada como passatempo, a atividade de tele-existir sequestra a atenção e aliena

tempo de vida, tornando o indivíduo alheio a tudo o que lhe é próximo e instantaneamente íntimo

Page 82: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

82

do que se lhe apresenta, em espectro, na superfície sedutora das telas. Dromoaptidão5 e

tecnodependência6, indiscerníveis, levam ao engajamento compulsivo. A invencível coerção é

provocada pelo fascínio da auto-sedução: ao sinalizar e assegurar sua presença na espectralidade

cibercultural, o indivíduo angaria satisfação intensa, embora fugaz e evasiva,razão do seu eterno

retorno às plataformas. Para Flusser (2008, p. 68-69), a vontade generalizada de distração e

divertimento, típica da cultura de massa, traduz uma espécie de ―consenso em prol da

inconsciência, do desmaio‖. Isolamento e dispersão tornam-se ideais de felicidade possíveis

graças à produção e consumo de imagens-técnicas. Eis que, no horizonte da tele-existência, o

cinismo reside em poder ser e estar entre imagens para sentir-se, de fato, alguém. Divertir-se com

isto é prestar-se à voluntarismo desatento ao fato de que todos se tornaram vítimas e promotores

de um regime dromocrático de (in)visibilidade que tudo virtualiza para melhor indexar.7

Cumpre, ainda, denunciar o caráter agônico da empreitada: apesar do cyberspace

providenciar, com ineditismo, largo acesso à uma espécie de dimensão olimpiana do star sistem

(MORIN, 1969), a satisfação de oferecer-se ao olhar do outro é proporcionalmente maior quando

a atenção é conquistada em esferas mediáticas de visibilidade mais disputadas. Acirra-se, também

no cyberspace, a concorrência por audiência, por feedback, pelos tempos/espaços de projeção

subjetiva com maior abrangência ou densidade espectral,o que torna o centro da cena mediática

ou cibermediática, como lembra Trivinho (2010), cerne de difusa competição.

Entretanto, a atividade de tele-existir também capitaliza, em meio aos jogos de

(in)visibilidade, o aspecto lúdico que Caillois (1990) chamou de mimicry: brincar de ser outro,

ser alguém, mais real do que o real, lança sombras sobre a ansiedade que compele a

transformação das tecnologias de comunicação telepresencial em ambientes comunicacionais de

tele-existência: é preciso ser/estar online, always on, sempre visível, sob pena de desaparecer em

meio ao volumoso devir informacional. Assim, a tele-existência é um fenômeno paradoxal: opera

em plataformas de alta visibilidade mediática para tornar visível (presente) o invisível (ausência

acidental); e quanto mais visibilidade proporciona, mais invisibilidade produz – simultaneamente,

5 O termo, cunhado por Trivinho (2007a), diz respeito à capacidade de operação em meio à velocidade facultada

pelas tecnologias do tempo real, o que exige capital cognitivo conforme e domínio das senhas de acesso. Denota,

portanto, a incorporação da violência da época, traduzida na premente necessidade de corresponder aos imperativos

do ―ser veloz‖. 6 Sobre os fatores que contribuem para a instituição da dependência do glocal e suas tecnologias, veja-se Barbosa

(2008). 7 As ideias serão retomadas e aprofundadas no Capítulo 2 da Parte III – A dinâmica agonística dos jogos de

performance cibermediática.

Page 83: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

83

por efeito do excesso informacional que satura a atenção da audiência. O sujeito cibermediático,

glocal e hiperespetacular, em sua intermitente projeção, é (in)visível: sua dissolução lhe é

intrínseca.

Page 84: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 85: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

85

PARTE II: Espectralização da existência

e projeção do sujeito hiperespetacular

Page 86: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 87: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

87

CAPÍTULO 1 - Nulodimensionalidade ciberespacial

Comunidades online, sites de relacionamento, canais de compartilhamento, mídias

sociais. Ao longo do tempo, diversos projetos (sites, metaversos, aplicativos) fermentaram sob

esses rótulos, substituindo-os conforme alterava-se a compreensão da natureza dos serviços

disponibilizados aos usuários da Internet. Uma consideração dos aspectos imanentes, entretanto,

permite que sejam pensados basicamente como plataformas ciberculturais de relacionamento e

projeção subjetiva (DAL BELLO, 2009), na medida em que providenciam, na

nulodimensionalidade ciberespacial, o encontro com o outro, ou melhor, com a alteridade

espectral, desde que atendida a contrapartida de construção de um perfil ou avatar que tem por

função identificar o novo membro ou associado.

A crescente virtualização do mundo implica uma nova experiência sensorial do

espaço que conjuga três aspectos: (1) a anulação das distâncias geográficas como efeito da

aceleração dos deslocamentos físicos e simbólicos característicos da transformação da sociedade

em dromocracia; (2) a projeção das localidades, doravante indexadas pela visibilidade

cibercultural das redes e consideradas significativas quando convertidas em contextos de

glocalização; e (3) a consumação de uma espacialidade utópica e rarefeita, mosaico

cadeiloscópico de fluxos e nós, cuja dimensão, planetária, abraça o mundo sem prender-se

efetivamente a ele. Atrela, consequentemente, uma nova consciência temporal, pós-moderna,

desgarrada do tempo histórico-local e desprovida, pela instantânea presentidade que faculta, de

qualquer preocupação ético-política com o futuro. Na esteira das crises que solaparam os sólidos

referenciais em que se moldava a subjetividade e erguia-se o sujeito moderno, vivencia-se a

possibilidade de experimentar outras formas, descompromissadas e neonarcisistas, de ser

alguém.1 Afinal, ―o entorno está se tornando progressivamente mais impalpável, mais nebuloso,

mais fantasmagórico, e aquele que nele quiser se orientar terá de partir desse caráter espectral que

lhe é próprio‖ (FLUSSER, 2007, p. 55).

Trata-se da transformação de coisas em não-coisas (ibid., p. 54), informações

inapreensíveis, embora decodificáveis e passíveis de recombinação no jogo dos cálculos. Mas,

essa transformação não se restringe à invenção de uma nova matriz, ―líquida‖, de representação

do mundo, da subjetividade e da alteridade; ela efetivamente contribui para a ―liquidação‖ dos

1 Conforme apresentado no Capítulo 3 da Parte I: Tele-existência como imperativo de época.

Page 88: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

88

referenciais na medida em que desenha, na espectralidade cibercultural, novos modelos

existenciais.

O gradativo apagamento do contexto concreto e do tempo ordinário, ou sua

transformação em não-coisas, pode ser inferido da nuvem de ideias que permeia o imaginário

ciberespacial. Inicialmente compreendido como universo paralelo e subversivo, o cyberspace

comparecia como alternativa marginal ao espaço-mundo. Esse contraste, de certo modo,

preservava as diferenças e reforçava as qualidades inerentes de cada um. Com a popularização

dos dispositivos de acesso móvel e a emergência das mídias locativas, advogou-se que esta chave

de compreensão do fenômeno – o paralelo – não mais convinha e, com ela, o próprio termo –

cyberspace – haveria de tornar-se obsoleto. Afinal, as fronteiras entre on e off-line tornaram-se

indistintas e o que era percebido como vivência alternativa e bem localizada tornou-se

experiência ordinária espraiada pelo cotidiano. Conforme lembra Santaella (2010a, p. 70-71), a

inaquedação da dualidade que contrapõe cyberspace e mundo físico sustenta a argumentação de

autores como Pang (2008) e Hinchcliffe (2005).

Entretanto, se há uma extinção em curso a ser considerada, não é a do cyberspace,

que da condição de cenário marginal cyberpunk ascendeu a lócus prioritário de organização da

existência e articulação de todas as suas dimensões. Sobreposto à concretude mundana, instituiu

indistinto intercâmbio com o espaço-tempo natural e deixou de ser um universo paralelo para

tornar-se aquele em que todos estão mergulhados, tocando suas vidas e vivendo suas paixões.

Se é verdade que o ciberespaço desceu para a terra, não é preciso jogar fora essa

gigantesca criança junto com a água do banho, pois negar o ciberespaço

significa negar um meta-hiperdocumento pervasivo que cresce de modo

interativo e que permeia todas as esferas, camadas e todos os meandros da vida

humana. Os dispositivos móveis não apagaram o ciberespaço. Ao contrário,

tornaram-no ainda mais onipresente. (SANTAELLA, 2010a, p. 71).

Lemos (2009, p. 43-44) considera que as relações entre espaço eletrônico e espaço

urbano criam territórios digitais informacionais, zonas invisíveis de controle total da informação

acessíveis por senhas e ancoradas na infraestrutura física que suporta as redes telemáticas. Para

ele, retomando a polaridade de Castells (1999), esses territórios resultam da fusão entre espaço de

fluxos (o cyberspace) e o espaço de lugar2. Nesta heterotopia do controle e acesso a informações

digitais, processos de desterritorialização e territorialização hibridizam-se.

2 Para Castells (1999, p. 512), um lugar é ―um local cuja forma, função e significado são independentes dentro das

fronteiras da contigüidade física‖. Embora não constitua, necessariamente, uma comunidade, suas características

Page 89: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

89

Assim, por exemplo, os meus sites, Blogs, podcasts, minha comunidade, minha

rede de relacionamento, são formas de territorialização no ciberespaço global.

Crio minhas zonas de controle informacional em meio ao fluxo planetário de

possibilidades desterritorializantes. Um processo não existe sem o outro. As

tecnologias informacionais como o telefone celular, palms ou laptops, são

dispositivos pelos quais exercemos controle informacional. Esse lugar de

controle constitui o meu território digital, formado pelo espaço telemático, por

senhas de acesso e lugares físicos de conexão. No entanto, embora

territorializado, posso realizar efetivamente movimentos de fuga, de

desterritorialização. (LEMOS, 2009, p. 44).

Longe de sinalizar a decadência do cyberspace, embora seja essa a perspectiva de

alguns acadêmicos, a metáfora dos espaços híbridos deve ser interpretada como a vitória do on

sobre o off, cujos tentáculos abarcam e fazem soçobrar o espaço-mundo, a alteridade concreta e o

corpo próprio, considerados ―obsoletos‖. Os territórios informacionais, ―constituídos, cada vez

mais, não apenas por ‗pontos de presença‘ (acesso por cabos, preso a um determinado espaço de

lugar), mas por zonas amplas de acesso nas quais é possível acessar informação em mobilidade

na interface entre o espaço eletrônico e o espaço físico das cidades‖ (ibid., p. 44), atestam isso.

Desdobrado em cibercultura, pode-se conceber o cyberspace como matriz de novas mentalidades

e sensibilidades, quer seja pela formação das novas gerações ou pela conformação das

subjetividades pré-existentes, asseguradas pelos rumos coercitivos impostos por transpolíticos

processos globalizantes.3

Ainda que esteja nele toda maquinaria de redes físicas e hardwares geradores da

dimensão comunicacional-telemática, o mundo sensível, pretensamente objetivo, se apequena,

engolido e ressignificado pelo cyberspace. Esse fato confirma-se diariamente na disposição

íntima de suprimir o espaço para superar as distâncias, de deslizar pela vida em alta velocidade,

de louvar o diminuto (miniaturização) e de adequar o corpo à tirania das imagens, o que implica

delineadoras definem ou marcam a experiência das pessoas. O problema reside no fato de que o poder, organizado

nos fluxos globais, impõe sua lógica sobre o espaço de lugar, abstraindo do conhecimento o seu significado. A

―esquizofrenia estrutural‖ entre as duas lógicas espaciais tende para a segmentação e segregação dos lugares, ―cada

vez menos relacionados uns com os outros, cada vez menos capazes de compartilhar códigos culturais‖ (ibid., p.

518). E, a não ser que se instituam ―pontes culturais, políticas e físicas entre essas duas formas de espaço, poderemos

estar rumando para a vida em universos paralelos, cujos tempos não conseguem encontrar-se porque são trabalhados

em diferentes dimensões de um hiperespaço social‖ (ibid., p. 518). O território digital informacional de Lemos

(2009) é, de certo modo, campo nascido da intersecção entre os dois pólos. E essa intersecção geradora de híbridos,

conforme Trivinho (2007a), é o glocal. 3 Rudiger (2011, p. 291) define ciberespaço da seguinte forma: ―Espaço criado artificialmente pelas convergências

entre o mundo online gerado pelas redes telemáticas e as projeções digitais e imaginárias dos sujeitos que, direta ou

indiretamente, interagem por seu intermédio, deve seu nome à obra do escritor William Gibson‖. Para Santaella

(2010a, p. 88), ciberespaço ainda é ―uma metáfora suficientemente sugestiva para abrigar o universo em evidente

evolução das redes e dos usos que podem ser feitos delas‖ e deve ser concebido, antes, como ―um mundo virtual

global, hipercomplexo, mas coerente, independente de como se acede a ele e como se navega nele‖.

Page 90: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

90

anulá-lo para que se possa viver entre ―não-coisas‖. Flusser (2008) lembra que, no último estágio

da Idade Moderna, o gigantismo era uma tendência que, possivelmente, buscava negar o seu

oposto, rumo ao encolhimento. No início do século XX:

[...] aparece a suspeita de que o ‗enorme‘ (o que não se enquadra nas medidas

humanas) não é apenas o grande mas igualmente o pequeno, e que o núcleo do

átomo talvez seja mais ‗enorme‘ do que as galáxias. Pois essa outra tendência,

dando as costas ao grande e visando o pequeno, vem emergindo e passa a ser

observável em toda parte. (Ibid., p. 133).

O desprezo pelo tamanho é relativo ao desprezo pelo mundo dos volumes, pelo

próprio corpo e pela alteridade concreta. ―A moral burguesa baseada em coisas – produção,

acumulação, consumo – cede lugar a uma nova moral. A vida nesse ambiente que vem se

tornando imaterial ganha uma nova coloração‖ (id., 2007, p. 55-56). Ruma-se para a

nulodimensionalidade, e o cyberspace é exemplo sine qua non deste ponto máximo da escalada

abstracional flusseriana.

Admite-se, com Flusser (2008, p. 18-19), que o propósito da abstração ―é o de tomar

distância do concreto para poder agarrá-lo melhor‖, o que torna a história da cultura ―não uma

série de progressos, mas dança em torno do concreto‖ que, paradoxalmente, torna cada vez mais

difícil o retorno a ele e sua efetiva apreensão. Nesse sentido, o processo de codificação tornou-se

hipercomplexo, com aumento gradativo de camadas de mediação que providenciam o necessário

afastamento das circunstâncias concretas. Quando a profundidade é abstraída, as circunstâncias

palpáveis são transformadas em cenas, contextos imaginados, superfícies bidimensionais que

providenciam o pensamento mágico-mítico; postas em sequência, as imagens transformam-se em

linhas, processos, textos, conceitos – unidimensionalidade fundante da mentalidade histórica.

Rompidos os fios que alinhavavam a subjetividade moderna e tornavam possível a concepção de

sujeito e identidade como entidades coesas e lineares, chega-se ao último grau de abstração, que

desmancha as linhas em pontos e inaugura a era do vazio e a ética da dispersão, com seus pontos,

instantes, partículas, quanta e bits não-manipuláveis, nem imagináveis ou concebíveis: a

nulodimensionalidade.

A nulodimensionalidade é fruto da desconfiança em relação às linhas e textos a partir

da conscientização de que ―a ordem ‗descoberta‘ no universo pelas ciências da natureza é

projeção da linearidade lógico-matemática dos seus textos‖, ou seja: ―o pensamento científico

concebe conforme a estrutura dos seus textos assim como o pensamento pré-histórico imaginava

conforme a estrutura de suas imagens‖ (ibid., p. 17). Se à modernidade correspondem

Page 91: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

91

metanarrativas e processos que se desenrolam com vistas ao futuro, o ocaso do sentido de história

inaugurará, ante a visão aterradora do nada, a consciência pós-história.

Os pontos nos quais tudo se desintegra não têm dimensão, são imensuráveis.

Entre tais pontos, intervalos se abrem. Não se pode viver em tal universo vazio

com consciência destarte desintegrada. É preciso que obriguemos os pontos a se

juntarem, que os integremos, que tapemos os intervalos, a fim de concretizarmos

tal universo e tal consciência radicalmente abstratos. (Ibid., p. 23).

Nessa perspectiva, o cyberspace, como espaço eletrônico ou espaço de fluxos,

universo paralelo ou, em síntese com os espaços urbanos, território digital informacional, é

entendido, nesta Tese, como nulodimensionalidade ciberespacial sobre a qual imagens técnicas

são projetadas na ―tentativa de juntar os elementos pontuais em nosso torno e em nossa

consciência de modo a formarem superfícies e destarte taparem os intervalos‖ (ibid., p. 24). É

assim que as plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva tornam

―habitável‖ o invisível deserto dos códigos binários, constituindo reconfortantes ―lugares‖ para os

quais sempre é possível retornar, apesar do dinamismo das conexões. A despeito das ilusões que

engendram, as plataformas são projetos formais que modelizam, no inóspito e dinâmico

cyberspace, um mundo tecnoimaginário (id., 2007, p. 136). Em essência, também são códigos

tecnológicos, mas dispostos como tecnoimagens que facultam a ilusão de que há algo em vez do

característico nada da dimensão nulodimensional. Sobre a abstração impalpável e o inimaginável

abismo, em meio ao campo do virtual, as imagens técnicas são o resultado sempre provisório da

junção de elementos pontuais, zeros e uns, acidente programado que torna visível as virtualidades

das quais derivam. São miragens.

Nelas, aquilo que é alegremente chamado de ―relacionamento‖ é conjunto, ou

coleção, de relações múltiplas e efêmeras, possibilidades de conexão e desconexão que ensejam a

sociabilidade de superfície. A transitoriedade dos arranjamentos subjetivos que compõem as

apresentações pessoais não é devidamente percebida, razão pela qual os termos identificação e

identidade plural (não necessariamente coesa, coerente e permanente) são mais adequados que

identidade4 para nominar o processo de circunscrição do sujeito e promoção do eu. Ainda assim,

as plataformas ciberculturais obliteram sua própria fluidez, transformando-se em pontos de

4 Embora não sejam responsáveis pelos fenômenos de fragmentação, multiplicação ou implosão do sujeito moderno

e sua indefectível identidade, as plataformas ciberculturais de comunicação, relacionamento e projeção espectral da

subjetividade concorrem para sua potencialização.

Page 92: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

92

referência sobre os quais parece possível ―assentar‖ a existência e desfrutar de ilusória

estabilidade.

1.1 Novas paragens na paisagem digital

Não é fácil conceber o cyberspace tal como realmente é por tratar-se de máxima

abstração, produto inimaginável do processamento acelerado de códigos binários. Ainda assim,

abundam metáforas reforçadoras de que se trata de espaço navegável, em cujo fluxo é possível

transitar (infovias), com pontos de entrada (portais), estações de parada – sites, homepages, salas

de bate-papo, fóruns – e endereço para correspondência – e-mails. Nesse sentido, pode-se dizer

que redes sociais digitais conformam novas paragens, sedutores rincões de alta visibilidade

mediática que redesenham a paisagem tecnoimaginária do cyberspace. Antes, porém, de analisá-

las como territorialidades projetadas na espectralidade ciberespacial, ―estáveis‖ redutos sobre o

eletrônico espaço de fluxos, cumpre apresentar e apreender sua emergência como fenômeno

comunicacional de dimensões globais.

O boom das redes sociais em todo mundo pode ser demonstrado no entrecruzamento

de três conjuntos de dados: pela larga adesão de usuários, pelo aumento da frequência de uso e

pela proliferação de novas plataformas, principalmente as chamadas redes sociais de nicho5.

Segundo o relatório Social Media Around the World 2012, da Insight Consults, sete em cada 10

internautas são membros de ao menos uma rede social – uma população estimada em 1,5 bilhão

de pessoas; e, dentre os usuários das redes sociais, 6 em cada 10 acessam seus perfis ao menos

uma vez por dia, frequência de uso que tende a aumentar com a popularização do mobile e de

social apps. 6

Dentre as diversas novas redes que despontaram nos últimos anos, Instagram e

Pinterest parecem ser as mais promissoras, embora o nível de conhecimento ainda seja

relativamente baixo. Além da concorrência, os novos entrantes precisam lidar com a resistência:

embora os usuários (95%) não tenham a intenção de deixar de usar redes sociais, 60% deles não

5 Instagram e Pinterest lideraram a categoria ―redes sociais de nicho‖ em 2012. No início de 2013, a Fortune listou

as sete redes sociais com grande potencial de crescimento: Pheed; Thumb, Medium, Chirpify, Flavyr, Chirp e

Conversations (SEVEN, 2013). 6 A Insight Consults entrevistou, no total, 7.827 pessoas, acima de 15 anos, de 19 países: Estados Unidos, Canadá,

Brasil, Argentina, Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Bélgica, República Tcheca, Romênia, Polônia,

Holanda, Rússia, China, Índia, Japão e Austrália (SOCIAL, 2012).

Page 93: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

93

desejam associar-se a uma nova rede. Tal comportamento talvez explique o chamado Google

Plus paradoxe: apesar do alto índice de conhecimento, a adoção é baixa.

Para a Nielsen (2012), desde a emergência da primeira rede social, há duas décadas,

as redes sociais não apenas continuam em expansão como se tornaram, verdadeiramente, um

fenômeno global, fazendo parte da vida diária de milhões de pessoas em todo o mundo. No

Brasil, o estudo Net Insight 2013, produzido pelo Ibope Media, aponta a liderança da

subcategoria member communities no quesito ―tempo gasto‖: 10 horas e 26 minutos por pessoa

em janeiro de 2013. Jogos online (3h20min), e-mail (2h18min), comunicadores istantâneos

(2h15min) e vídeos/filmes (1h52min) ocupam as posições seguintes. Em relação a janeiro de

2012, a audiência das redes sociais cresceu 13,5%. De acordo com The Wall Street Journal, a

média de uso das redes sociais pelos brasileiros está bastante acima da média mundial

(BRASILEIROS, 2013), como se pode observar na figura 8.

Figura 8. Brasileiros reinam nas redes sociais digitais (4 fev. 2013).

Pode-se dizer que, de certo modo, essas redes redesenharam a paisagem digital da

web ao apropriar-se de recursos pré-existentes (fotologs, comunicadores instantâneos e

mecanismos de busca, por exemplo) e impor sua lógica de identificação e vinculação a outras

categorias de sites, como provedores de email, blogs (figuras 9 e 10), portais de notícias (figura

11), games, sites corporativos e hotsites, cujas interfaces absorveram recursos como perfil, área

de membros, leitores ou seguidores e plugins para ―curtir‖ ou compartilhar conteúdos. Também

não se pode esquecer que a dinâmica das redes sociais instituiu, senão consolidou, novos

Page 94: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

94

comportamentos de caráter sociocultural, conferindo um sentido bastante peculiar às ideias de

curtir, compartilhar, mobilizar e colaborar.

Figura 9. Blog Thata e sua vida. Destaque para o número de membros (fev. 2013).

Figura 10. Blog “Pensar Enlouquece. Pense Nisso”. Destaque para o plugin do Facebook (fev. 2013).

Page 95: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

95

Figura 11. Recurso "compartilhar notícia” com destaque para redes sociais (fev. 2013).

Apesar de novas redes e aplicativos sociais surgirem todos os anos, verifica-se uma

tendência à concentração de usuários em poucas grandes redes. De acordo com a Insight Consults

(2012), o usuário médio predispõe-se a utilizar até duas redes, geralmente Facebook e Linked In

ou Facebook e Twitter (SOCIAL, 2012). Nesse sentido, torna-se compreensível porque os mapas

produzidos pelo italiano Vicenzo Cosenza, a partir de dados do Google Trends for Websites e do

Alexa.com, tornaram-se, gradativamente, menos coloridos: ao comparar o panorama mundial de

junho de 2009 com o de dezembro de 2012 (figura 12), verifica-se que, das dezessete redes

sociais inicialmente mapeadas como líderes regionais (Facebook, Orkut, Friendster, V Kontakte,

Nasza-Lasa, Wretch, Odnoklassniki, QZone, Cyworld, Lidè, lwlw, Hyves, Maktoob, Zing, One,

Hi5, Mixi), apenas cinco sobreviveram soberanas ao avançar do Facebook, com destaque para a

V. Kontakte, na Rússia, e a QZone, na China. No Brasil, o Orkut conseguiu manter-se invicto até

setembro de 2011, quando foi ultrapassado pela rede de Mark Zuckeberg. 7

7 O fato do Facebook conseguir ultrapassar o Orkut em número de usuários antes da estimativa mais otimista foi

noticiado por vários veículos (FACEBOOK, 2012a). Entretanto, no final de 2012, apesar da baixa frequência (4,21%

de participação de visitas em dezembro de 2012, segundo a Hitwise), o Orkut ainda compareceu como a terceira rede

preferida dos brasileiros, abaixo do Facebook (com 63,40% de visitas no mesmo período) e do Youtube (18,50%).

Page 96: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

96

Figura 12. Comparação entre o mapa-mundi das redes sociais: 2009-2012. Vincenzo Cosenza (dez. 2012).

Cabe lembrar, ainda, que dos vinte sites mais acessados em todo o mundo em 2012, o

primeiro, com 836,7 milhões de visitantes únicos e mais de 1 bilhão de usuários, é uma rede

social: o Facebook, acima do Google (782,8 milhões) e do Youtube (721,9 milhões). Na lista,

Na sequência, constam Ask.fm, com 2,50%, Twitter, com 2,06%, Yahoo! Answers Brasil (1,42%), Badoo (1,08%),

Google+ (0,076%), e Windows Live (0,73%) (FACEBOOK, 2013).

Page 97: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

97

também figuram o Blogger (229,9 milhões e o Twitter (189,8 milhões), além de quatro sites

chineses. 8

Todos esses dados, em conjunto, parecem sintomáticos do quanto a experiência

socioantropológica de ser cibermediático é sedutora. Tal condição exige estar em constante

estado de alerta, hiperconectado, disponível, atualizado; viver para administrar impressões e

apresentar-se como colagem dinâmica de vídeos, fotos, letras de música, scraps ou mensagens de

cento e quarenta caracteres; recriar o corpo, transformar-se em imagem, vestir-se de avatar;

desgarrar-se de si, poder ser outro, ser alguém. Colecionar amigos, batalhar seguidores, curtir,

tuitar, compartilhar. Sob o imperioso tele-existir, na azáfama de construir e prestar constante

manutenção a perfis e avatares, os indivíduos fazem mais que publicizar a própria vida. Vivem-

na para que possam ter algo para compartilhar. Ou, mais ainda: passam a ―viver‖ nas redes

sociais, o que é possível quando são compreendidas como ―plataformas‖ sobre o mar

nulodimencional do cyberspace, onde perfis e avatares corporificam a subjetividade,

organicidades aparentes que delineiam identidades e projetam sujeitos em meio aos difusos

fluxos informacionais. Se é nessas paragens da paisagem digital que os usuários investem grande

parte do seu tempo de vida, cumpre compreendê-las.

1.2 Territorialidades imaginadas

Sherry Turkle, em entrevista a Casalegno (1999, p. 117-123), diz interessar-se pelos

lugares online que se caracterizam pela não-transitoriedade, estimulando o sentimento de

pertença, a possibilidade de permanência e de convívio, além de gerar efeitos de identidade.

Embora não se sinta à vontade para chamar tais lugares de ―comunidades‖, Turkle sinaliza que,

neles, ―tecem-se histórias pessoais‖ e obtém-se a gratificação do feedback instantâneo do outro,

com quem pode-se compartilhar memórias e experimentar diferentes aspectos de si mesmo. A

pesquisadora crê que ―enquanto os especialistas continuam a falar do real e do virtual, as pessoas

constroem uma vida na qual as fronteiras são cada vez mais permeáveis‖, razão pela qual aboliu o

termo ―real‖ para referir-se àquilo que as pessoas vivem quando não estão online. Afinal, ―se as

8 Os dados que constituem o ranking são da ComScore (2012). A lista completa, em ordem decrescente, foi assim

divulgada: Facebook.com, Google.com, Youtube.com, Wikipedia.org, Live.com, QQ.com (buscador chinês),

Microsoft.com, Baidu.com (buscador chinês), MSN.com, Blogger.com, Ask.com, Taobao.com (loja online chinesa),

Bing.com, Sohu.com, Apple.com, WorkdPress.com, Sina.com.cn, Amazon.com. (OS 20, 2013).

Page 98: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

98

pessoas gastam tanto tempo e energia emocional no virtual, por que falar do material como se

fosse o único real?‖.

Sem dúvida, tais ―colônias‖ estão trespassadas por vinculações múltiplas, com base

em interesses e afinidades não necessariamente fixadas no território geofísico ou em relações de

parentesco, e alimentam a ilusão de constituírem base segura para a instalação da subjetividade e

a promoção de um sujeito sem reservas. Inegavelmente, conformam interessante desdobramento

cultural sobre a realidade físico-biológica, uma dimensão de sobrevivência psíquica

(BYSTRINA, 1995, p. 5) cujos textos mostram a faceta socializante da cibercultura, com novas

formas de sociabilidade, trocas e experiências subjetivas, novas formas de ser, estar e perceber o

outro nas fronteiras cada vez mais indistintas entre mundo concreto e digital. A segunda realidade

vivenciada nos ―espaços‖ virtuais propicia, como todo fenômeno cultural, ―aquele momento em

que a autoconsciência se manifesta, ou seja, quando o homem é objeto do cultivo do próprio

homem‖ (BAITELLO JR., 1999, p. 28) e aprofunda, de maneira ímpar, a problemática da relação

entre subjetividade, representação e simulação, acabando por implodir a dicotomia realidade-

ficção, bem como a conceituação moderna de sujeito e identidade.

Embora seja complicado assumir como ―comunidades‖ ou ―colônias‖ sites como

Facebook, Twitter, Linded In e similares, é possível concebê-los como uma espécie de superfície

demarcada sobre a qual os indivíduos estabelecem enormes assentamentos espectrais. O conjunto

de ideias evocado pelo uso da palavra ―plataforma‖, preferencialmente adotada neste estudo,

remete à sensação corriqueira de que as redes sociais digitais constituem lócus de convivência

onde é possível entrar, estar, participar e compartilhar a vida; são bases de apresentação a partir

das quais pode emergir o sujeito, devidamente enunciado, delineado, projetado e promovido em

meio à indistinção que caracteriza os fluxos informacionais do cyberspace. Trata-se, obviamente,

de uma metáfora que alude à ilusão de que a navegação pela liquidez dos fluxos pode

desembocar em um ―território‖ com fronteiras bem definidas, uma vez que, para adentrá-lo, é

preciso identificar-se. Tais plataformas são territorialidades imaginadas, conforme os exemplos a

seguir podem demonstrar.

Em 2007, o site de humor XKCD produziu um mapa em que comunidades online são

representadas como países ou ilhas (figura 13) e o tamanho dos territórios equivale à quantidade

de membros que cada uma possuía na época. Uma rosa-dos-ventos indica como as comunidades

foram organizadas: ao norte, aquelas com enfoque prático (Yahoo, Windows Live, AOL); ao sul,

Page 99: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

99

as dedicadas às atividades intelectuais (Blogs, Wikipedia e as ilhas IRC); a oeste, comunidades

com foco na vida real (My Space, Orkut, Facebook, Friendster, Xanga, LJ) e, ao leste, aquelas

com foco na web (Last.FM, Second Life, WoW, Digg). A área ocupada pelas comunidades com

foco na vida real é bastante vasta, com destaque para o My Space, cujo ―litoral‖ é banhado pelo

―Golfo do Youtube‖.

Figura 13. Mapa das comunidades online 2007 produzido pelo site de humor XKCD.

Uma atualização deste mapa foi lançada em 2010 (figura 14), e o nível de

detalhamento situa as redes sociais entre o território do email e do sms. Nele, Youtube deixa de

ser um golfo para tornar-se uma ilha; Twitter e Skype apresentam expressivo tamanho, embora

Page 100: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

100

nada se iguale ao Facebook, com subárea reservada para o social game Farmville, cujo

concorrente, Happy Farm, é vizinho. O mapa aproxima, para melhor visualização dos indivíduos,

as diminutas regiões da Blogosphere, situada no Sea of Opinions, e dos Fóruns. Embora a rede

QQ, chinesa, seja grande, ocupa posição marginal e aparece cercada por uma ―grande muralha‖

(Great Firewall).

Figura 14. Mapa das comunidades online 2010 produzido pelo site de humor XKCD.

Page 101: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

101

Figura 15. Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown (5 ago. 2010).

Page 102: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

102

O mapa do XKCD de 2007 serviu de inspiração para que o Flowtown produzisse em

2010 a sua própria versão (figura 15), com base em dados extraídos de fontes diversas (Usa

Today, Alexa.com, Compete.com, MSNBC.com, Wikipedia.com, About.com, Facebook.com,

Twitter.com, Tech Crunch.com, Sulake.com, The Wall Street Journal). Nele, o Facebook, com

500 milhões de membros, comparece como um dos maiores territórios, abaixo apenas do Google

Empire. Outros aspectos interessantes: as redes sociais são margeadas pelo Sea of Personal

Information; Linked In, Tumblr e Foursquare aparecem mapeados e, ao norte, jazem as redes que

não existem mais (Land of Defunct Social Networks).

Diferentemente das representações de Cosenza, cujo esforço está em demonstrar

quais redes são predominantes em cada país, os mapas da XKCD e da Flowtown resultam de um

exercício imaginativo que procura reproduzir, a partir de dados quantitativos e uma boa dose de

ironia e humor, uma espécie de territorialidade espectral completamente desgarrada do território

geofísico. Obviamente que tal empreitada, ainda que se valha da correspondência entre a

dimensão dos territórios e o número de membros, é impossível: graças à arquitetura e à dinâmica

sociotécnica das redes, cada acesso reconfigura a paisagem digital, atualizando-a, e isso ocorre de

tal forma que um mesmo ambiente, acessado simultaneamente por vários internautas, será

diferente para cada um. A natureza das imagens-técnicas torna-se explícita: como resultado

provisório do jogo computacional de variáveis pontuais, elas projetam um mundo sobre a

nulodimensionalidade ciberespacial, cuja ―estabilidade‖ pode ser imaginada, embora seja apenas

efeito provisório da tecnologia de simulação.

Ainda assim, esses mapas capitalizam o imaginário cibermediático: ―ali‖, no inefável

continente das redes sociais digitais, é possível plantar uma bandeira, estabelecer uma

―comunidade‖ e dizer: ―Eu existo. Eu estou aqui‖. Diferentemente de outros rincões da web, em

que a navegação pelos fluxos informacionais ocorre despida de identificação pessoal e

aparentemente não deixa rastros, as redes sociais conformam ―colônias‖ para as quais sempre é

possível retornar e onde a identificação é condição sine qua non de acesso. Mesmo as redes

sociais voltadas para o público infantil, como o Club Penguin, da Disney (figura 16), não fogem

dessa lógica: para poder brincar, a criança precisa ter uma conta de acesso, o que lhe dá o direito

de criar o seu avatar-pinguim e circular pelos vários ambientes da rede. Trata-se de um mundo de

fantasia recheado de jogos, eventos, narrativas de aventura e personagens próprios, alguns com

status de celebridade; mas, a participação ilimitada nesse mundo só é garantida às crianças

Page 103: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

103

associadas, aquelas cujos pais pagam taxas mensais ou anuais de filiação. Neste universo, a

principal vantagem para os assinantes consiste em poder comprar itens diversos, desde roupas e

acessórios para personalizar o avatar, até animais de estimação e artigos de decoração para iglus.

Figura 16. Página de login do Club Penguin, rede social da Disney (fev. 2013).

Metaversos são mundos digitais em que espaços para viver e conviver são

representados em três dimensões. Os cenários-ambientes, gerados por sistema dinâmico que se

atualiza a partir da contribuição, interferência ou interação dos usuários, são povoados por

avatares que abrigam subjetividades humanas e/ou robóticas. No Second Life, os usuários podem

comprar suas próprias ―ilhas‖, como propagado pelo anúncio da figura 17, para desenvolverem

estações turísticas, pontos comerciais, projetos artísticos, teleconferências, instalações

educacionais e de entretenimento, entre outras possibilidades de rentabilizar o investimento. Em

2007, uma ―ilha‖ de 65 mil metros quadrados na Mainland.Brasil (conjunto oficial de ilhas do

território brasileiro no Second Life, mantido, na época, pela desenvolvedora Kaizen Games e pelo

portal iG) custava 4.900 reais, com custo de manutenção mensal de 990 reais. Estima-se que,

desde 2010, quando o Second Life viveu seu melhor momento – 20 milhões de contas abertas,

300 mil acessos diários, 30 mil ilhas/regiões e 60 milhões de dólares por mês em transações

comerciais (SECOND, 2010) –, a Linden Lab deixou de faturar cerca de 1.400.000 dólares

mensais, com o fechamento de 4600 ilhas/regiões (SECOND, 2012).

Page 104: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

104

Figura 17. Promoção de lançamento de “ilhas” no Second Life (29 out. 2007).

Figura 18. Foto de excursão organizada pela Agência Turistas do Second Life.

A agência de viagens Turistas do Second Life, criada por um grupo de entusiastas

brasileiros em 2009, é sintomática do nível de complexidade do metaverso. Hacsa Karillion,

Page 105: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

105

avatar de Patrícia Rocha9, especializou-se em conduzir grupos de turistas para passear ou

explorar rincões inusitados da plataforma (figura 18). A contratação dos serviços pode ser feita

in-world e parte da experiência consiste em fotografar momentos da vida online. No Blog da

agência10

, os registros dos passeios – fotos e vídeos – ficam disponíveis para consulta. Conforme

Hacsa, o alto custo de manutenção das ilhas, associado à ingerência daqueles que se arriscam a

ingressar na plataforma, levou ao desaparecimento dos lugares. Ainda segundo ela:

As ilhas aparecem e somem com a mesma rapidez e esse foi um dos motivos que

me levaram a criar o Blog Turistas do SL, para ter um acervo de fotos das lands

que já existiram para que gerações futuras possam conhecer um pouco do SL de

2009 até os dias de hoje. (Depoimento de Hacsa Karillion – 24 mar. 2013).

Os usuários do Second Life constumam ser chamados de ―residentes‖, mas fixar

residência não é, exatamente, uma necessidade. Explorar o metaverso, portanto, torna-se um

interessante passatempo. Embora os próprios usuários compartilhem dicas de viagens, não existe

concorrência direta para o tipo de serviço que Hacsa oferece. Segundo ela:

A busca por ambientes diferentes é grande e não existem concorrentes. Na

realidade o que existem são outros Blogs (nacionais e internacionais) onde os

próprios usuários compartilham suas dicas de viagens com quem tenha interesse.

A própria Linden Lab (desenvolvedora do programa) oferece um guia de viagens

super vasto com as lands (lugares) separados por categorias. (Depoimento de

Hacsa Karillion – 24 mar. 2013).

Hacsa Karillion chegou a ser garota-propaganda de campanhas de divulgação de

lugares ―reais‖. Mas, a marcação de fronteira entre os dois mundos é bem forte.

De fato, o Second Life é um outro mundo, uma outra vida. Se bem explorado, ele

pode trazer inúmeros benefícios reais aos seus usuários. O SL é um ambiente

onde todos os sonhos podem ser realizados, não existem limites para a

imaginação e os relacionamentos constituídos ali, sejam de trabalho, parceria,

amizade e etc., ultrapassam as barreiras territoriais da vida real e modificam o

pensamento e visão de mundo dos usuários. (24 mar. 2013).

Territorialidades imaginadas também podem ser pensadas em relação a social games

que seguem a fórmula do Farmville. Dos 25 aplicativos mais populares em 2012, seis apresentam

o mesmo objetivo: construir e gerir um espaço delimitado – fazenda, vila, cidade, império ou

parque temático, desenvolvendo relações com os outros jogadores – desde a comercialização de

itens até o estabelecimento de alianças ou declarações de guerra (FACEBOOK, 2012b). Muros,

9 Patrícia Rocha, relações públicas, é profissional de mídias sociais e vive em Brasília. Concedeu entrevista por e-

mail, dada em 24 de março de 2013, e autorizou o uso das imagens associadas ao Blog Turistas do SL. 10

Disponível em: http://www.turistasdosl.com. Acesso em: 28 mar. 2013.

Page 106: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

106

cercas e portais são elementos comuns nesse tipo de social game: indicam a ocupação do espaço

tecnoimaginário e arrefecem o sentimento de propriedade privada: ―minha fazenda‖, ―minha

vila‖, ―minha cidade‖. Colocadas lado a lado, as telas dos jogos apresentam a mesma visão

panorâmica dos pequenos impérios em construção, como pode ser observado nas figuras 19 a 23.

Figura 19. Dragon City, social game desenvolvido pela Social Point (fev. 2013).

Figura 20. Farmville 2, social game desenvolvido pela Zynga (fev. 2013).

Page 107: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

107

Figura 21. Clash of Clans, social game desenvolvido pela Supercell (fev. 2013).

Figura 22. Social Empires, social game pela Social Point (fev. 2013).

Page 108: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

108

Figura 23. Jurassic Park Builder, social game da Ludia (fev. 2013).

Dentro das redes sociais digitais, os social games constituem redes particulares,

proporcionando novas formas de relacionamento entre ―amigos‖. Antes deles, nos fóruns das

comunidades do Orkut, era comum encontrar jogos de sociabilidade com o objetivo de por em

relação os diferentes membros, solicitando que eles expressassem sua opinião sobre os demais, o

que ocorria a despeito da temática do fórum ou da proposta da comunidade (DAL BELLO,

2009).

Por fim, é preciso lembrar que, em contraposição ao ideário de acesso irrestrito aos

conteúdos e livre circulação da informação pelas infovias da Internet, muitas redes sociais

digitais lançaram-se como clubes fechados, comunidades virtuais cuja entrada só era possível por

meio de convite enviado por aqueles que estavam ―dentro‖. Mesmo após a abertura, quando se

tornou desnecessário conhecer alguém que já pertencesse ao clube para desfrutar das delícias de

ser/estar ―ali‖, a premissa da identificação prevaleceu: não é possível passear pelo Second Life

sem ter/ser um avatar, ou visitar perfis sem converter-se, por sua vez, em perfil passível de

visitação. As senhas de acesso ao centro de operação subjetiva pretensamente inviolável e

instransferível, congruente à identidade informada, são exigidas em todas as redes sociais –

Facebook, Google+, Orkut, Lindekin, Twitter, como pode ser observado nas figuras 24 a 28. A

filiação é sempre custosa: exige investimento de tempo na construção e manutenção da

identidade virtual, avatar ou perfil, além da busca de conhecidos, em atividades de

relacionamento, compartilhamento e consumo de informações variadas.

Page 109: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

109

Figura 24. Página inicial do Facebook (13 mar. 2013).

Figura 25. Página Inicial do Google+ (13 mar. 2013).

Figura 26. Página incial do Orkut (13 mar. 2013).

Page 110: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

110

Figura 27. Página inicial do Linkedin (13 mar. 2013).

Figura 28. Página inicial do Twitter (13 mar. 2013).

Para Vander Spartan, 36 anos, criador da maior comunidade brasileira de jogadores

de Mafia Wars no Facebook, os games tornaram-se fonte de atração de usuários para o Facebook

na época em que o Orkut ainda era líder. Mas, embora tenha constituído um diferencial até o

lançamento de aplicativos como Buddy Poke e Colheita Feliz, o que impulsionou o ―êxodo‖

Orkut-Facebook foi o desgaste pessoal vivido por muitos usuários em relação às conseqüências

implicadas na participação em uma rede de alta visibilidade e poucos recursos de privacidade. Os

brasileiros ―migraram‖ para o Facebook em busca de uma nova chance; construíram novos perfis

Page 111: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

111

e predispuseram-se a não cometer os mesmos erros, dentre eles ligar-se a desconhecidos, ter

muitos ―amigos‖ e expor-se em demasia.

Por outro lado, os brasileiros heavy users do Facebook designaram a chegada de

novos compatriotas como temerável processo de ―Orkutização‖ ou ―favelização do Face‖. Veja-

se, por exemplo, dois virulentos comentários sobre a possibilidade do Facebook superar o Orkut

(O ORKUT, 2010) em número de usuários:

Acredito que se uma migração massiva dos usuários brasileiros do Orkut para o

Facebook ocorresse, simplesmente haveria uma mudança de endereço de

todas as mazelas. Tudo o que se faz de ruim lá seria despejado no Facebook. E

considerando o quanto os usuários do Facebook devem se julgar melhores que

os do Orkut (mais inteligentes, mais educados, mais cultos…), não seria de

espantar que estes fugissem rapidinho pra qualquer outro serviço semelhante,

que seria eleito o novo queridinho dos hypados, só pra manter sua casta

protegida. Afinal, ―eles não se misturam com essa gentalha…‖ (Daniel LC – 12

mai 2010; grifo nosso).

Já pensou essa ―massa‖ no Twitter? Os americanos vão querer matar esses

gafanhotos… (Gerson – 4 mai 2010; grifo nosso).

Cumpre salientar que tais plataformas são da ordem da visibilidade hiperespetacular,

são miragens de uma territorialidade que, no fundo, é pulsão de tempo disfarçado de lugar. Por

meio de refinada espectralização da existência, providenciam a colonização do tempo real; por

essa razão, não abrigam pessoas, mas imagens evanescentes que se pretendem identitárias das

subjetividades que projetam; tampouco propiciam o relacionamento entre pessoas, mas a

mediação entre elas por meio das imagens que escolheram ostentar.

Page 112: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 113: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

113

CAPÍTULO 2 - A espectralização da existência

Para adentrar o inabitável universo dos códigos binários e existir em tempo real, é

preciso tornar-se uma presença espectral e assumir uma existência fantasmagórica na hiper-

realidade das plataformas ciberespaciais. Tal existência, intangível e inefável, torna-se visível

quando assume, em redes sociais, social games e metaversos, a forma de perfil ou avatar. Ambos

devem ser entendidos como elementos ímpares no processo de espectralização da existência, são

tecnoimagens, no sentido flusseriano, que compõem uma espécie de organicidade sígnica que

reveste e delineia a subjetividade nos tempos e espaços nulodimensionais. São corporeidades que

tornam possível a tele-existência e a colonização das plataformas de relacionamento que também

são, por sua vez, imagens técnicas. Esta afirmação requer a apresentação de alguns conceitos, tais

como espectralidade, simulacro e hiper-real.

Conforme cunhada por Guillaume (1982 apud TRIVINHO, 1998, p. 123-124), a

noção de espectralidade diz respeito ao fato de a telecomunicação refratar os elementos

multissensoriais, fragmentando-os para realizar-se por meio de alguns, ao passo que abole outros.

Intimamente ligada aos sentidos de distância (visão, audição), corrobora o desmantelamento do

mundo da profundidade, dos volumes, dos odores e dos sabores; suprime o território geográfico

e, com ele, distâncias e fronteiras; inscreve as manifestações subjetivas em suportes igualmente

espectrais (elétricos, eletrônicos, digitais) e reduz a complexidade do corpo a simulacro, cuja

completude é operada no plano do imaginário a partir de alguns elementos: a voz, a imagem do

rosto, o conjunto de informações icônicas e textuais que conforma a persona inscrita no perfil ou

avatar cibermediáticos. Destarte:

A existência eletrônica espectral em tempo real, especialmente o seu braço mais

sofisticado e doravante hegemônico, a tele-existência no universo virtual,

processa-se à sombra de um cenário funéreo – sombra cuja representação

conceitual mais apropriada radica no recurso à metáfora, por timbrada que seja:

a tele-existência não se positiva sem, ao mesmo tempo, estruturar,

irrecorrivelmente, de outro lado, o cemitério da materialidade do mundo, assim

como, de resto, de todos os elementos que lhe constituem a forma herdada.

(TRIVINHO, 2007a, p. 341).

A ascensão da manifestação desmaterializada, teoricamente segura por realizar-se a

distância e em tempo real, em detrimento da comunicação presencial, em que o corpo é sentido

como um fardo, implica, fatalmente, a supressão da alteridade concreta relativa ao outro e ao si

mesmo-outro. Afinal, ―o tempo real é um gênero de buraco negro onde nada penetra sem ser

Page 114: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

114

esvaziado de sua substância‖ (BAUDRILLARD, 1999, p. 73). De fato, o simulacro desgarra-se

do referente original e desvincula-se do compromisso de representar alguém. Esse rompimento

com uma substância e uma realidade que lhe são anteriores inaugurará, inicialmente, a percepção

da espectralidade cibercultural como dimensão paralela hiper-real e caminhará, gradativamente,

para a substituição da existência pela tele-existência sob os auspícios da metáfora dos espaços

híbridos ou intersticiais1. Todos os referenciais são liquidados em prol de uma ―ressurreição

artificial nos sistemas de signos‖ (id., 1981, p. 9). O sucessivo desdobramento da subjetividade

para além dos contornos do corpo, circunscrita em aparições espectrais audiovisuais ou digitais

múltiplas e ubíquas, não é senão extensão radical da era da reprodutibilidade benjaminiana que

põe em ocaso a aura da unicidade corpórea, ―operação de dissuasão de todo o processo real pelo

seu duplo operatório‖ (ibid., p. 9). Interessantemente, pode-se dizer que a virtualização da

existência, no always on que caracteriza a prática cotidiana de projeção e atualização dos duplos

digitais, visa à afirmação nostálgica da individualidade e à recuperação da aura perdida.

Impelidos irremediavelmente pela melancolia do único (TRIVINHO, 2010), os usuários

devotam-se a definir quem são, ainda que os principais eixos de interpelação dos sujeitos tenham

se deslocado do pontual ―Quem sou eu?‖ para os dinâmicos ―O que está acontecendo?‖ ou ―Em

que estou pensando?‖. Toda atuação nas redes sociais digitais reduz-se à infinita definição do ―si

mesmo‖.

As noções de simulacro e hiper-real são fundamentais para a compreensão dos

espectros virtuais ou duplos digitais que identificam e ―corporificam‖ a subjetividade operante.

Conforme Chauí (2006, p. 82), a raiz etimológica de simulacrum é latina, vem de similis, o

semelhante, de onde deriva o verbo simulare, tomar a aparência, significado que abriga sentidos

opostos: representar exatamente (cópia) e fingir ou simular ser algo que não é. O termo

simulacro, portanto, pode ser compreendido como representação, quando aponta para um

referente que lhe é exterior, ou como simulação quando, autorreferente, rompe com qualquer

realidade fora de si. Para Baudrillard (1981, p. 13), a simulação, ao contrário da representação

fundamentada na equivalência utópica entre signo e real, ―parte do signo como reversão e

aniquilamento de toda a referência‖, o que promove o assassinato do real. Na representação, a

imagem é reflexo de uma realidade profunda, embora também possa deformá-la ou mascarar a

ausência de profundidade; mas, na simulação, a imagem ―não tem relação com qualquer

1 Conforme apresentado no Capítulo 1 da Parte II – A nulodimensionalidade ciberespacial.

Page 115: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

115

realidade: ela é o seu próprio simulacro puro‖ (ibid., p. 13). Na representação, a distinção

ontológica entre o que é real e o que não é, na medida em que a imagem ―reproduz certos

aspectos da aparência visível‖ de algo ou alguém (WOLFF, 2005, p. 21), ainda é possível. Mas,

na simulação, com a perda de referências e juízos de valores, não faz sentido separar o verdadeiro

do falso, o real do artificial, o original da cópia. Tampouco faz sentido procurar pelo duplo como

desdobramento artificial ou imaginário umbilicalmente vinculado a um corpo. O universo da

simulação ―não se trata de um universo duplo, ou mesmo de um universo possível, nem possível,

nem impossível, nem real, nem irreal: hiper-real‖ (BAUDRILLARD, 1981, p. 155).

A partir dessas considerações, é possível afirmar que as manifestações subjetivas

espectrais são simulacros, tecnoimagens que se colocam no lugar de alguém não para representá-

lo na espectralidade da dimensão comunicacional do cyberspace, mas para simulá-lo. Esses

duplos que habitam os fluxos cibermediáticos são hiper-reais, simulacros que, por efeito da

simulação, engendram realidade própria, hiper-realidade que parasita o tempo de vida daqueles

que operam as redes a título de passatempo. O vampirismo dos simulacros deixa atrás de si o

desaparecido ―cadáver do Real‖ (id., 2001, p. 68) e engendra o que Baitello Jr. (2005) chamou

apropriadamente de iconofagia2.

Projeções subjetivas implicam a construção de um lugar de fala particular em

plataformas ciberculturais de alta visibilidade mediática, de onde emerge, devidamente

circunscrito, ainda que o delineamento seja provisório e recorrentemente negociado nos jogos de

sociabilidade, um sujeito. O conjunto dinâmico de informações textuais, imagéticas e

multimediáticas, dispostas em perfis ou modeladas como avatares, é tecido para ―materializar‖ ou

―concretizar‖ tal aparição, lençóis sobre o fantasma na máquina que, ao mesmo tempo,

amortalham o cadáver do real. Dado o fato de que a existência, na nulodimensionalidade

ciberespacial, ocorre em tempo real, a aparição-presença que emerge corresponde a um tipo

específico de sujeito, o intermitente e agonizante sujeito glocal, efeito resultante da transposição

sígnica contínua da dimensão do lugar, do corpo, para os ambientes comunicacionais das redes e

metaversos.

2 Veja-se o Tópico 1.2 do Capítulo 1 da Parte III – Iconofagia, mediosfera e desejo de visibilidade.

Page 116: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

116

2.1 Projeção subjetiva

Dentre os aspectos imanentes das plataformas ciberculturais, a projeção subjetiva é

tão ou mais importante que o relacionamento, embora o apelo mercadológico centre-se,

invariavelmente, na possibilidade de encontrar o outro. Na página de entrada da eHarmony

(figura 29), por exemplo, salienta-se que ―todos os dias milhares de novas pessoas se cadastram a

procura de um amor verdadeiro‖, mas a rede não se limita a ser um site de encontros, pois presta-

se a indicar ―pessoas compatíveis em dimensões como humor, personalidade e até mesmo planos

futuros‖. O texto é encerrado com uma provocação: ―E então, o que você está esperando? Não

está curioso para saber quem combina com você?‖.

Figura 29. Página de entrada da e-Harmony (13 mar. 2013).

Para descobrir quem combina consigo, o indivíduo precisará preencher de forma

detalhada um perfil que faça jus à ideia de ―si mesmo‖ que deseja veicular. E, provavelmente, o

sucesso da empreitada dependerá de como a subjetividade foi in-formada3 neste artefato

3 Para Flusser (2007), informar é um conceito que ―significa impor forma à matéria‖ (p. 31). Ocorre, entretanto, que

―as informações que hoje invadem nosso mundo e suplantam as coisas são de um tipo que nunca existiu antes: são

informações imateriais‖ (p. 54), impalpáveis e inapreensíveis, embora decodificáveis (daí Flusser chamá-las de

Page 117: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

117

identitário, razão pela qual uma usuária da rede ParPerfeito, preocupada com sua performance,

pergunta: ―Meu perfil está ruim?‖ (figura 30).

Figura 30. Área de perguntas e respostas do site de relacionamento ParPerfeito (13 mar. 2013).

Nas redes, pululam conselhos ministrados por especialistas em relacionamentos

virtuais que, invariavelmente, recaem sobre a importância de construir um bom perfil. Fundo,

pose e figurino, bem como a qualidade da imagem da foto de identificação, podem contribuir

para chamar a atenção do outro e despertar seu interesse; o texto descritivo que compõe o perfil

precisa combinar objetividade, criatividade, bom humor e simpatia. Percebe-se que para obter

algum sucesso, medido pela quantidade de ―outros‖ que se aproximam para interagir, é preciso

conjugar espontaneidade e vivacidade com racionais estratégias de marketing pessoal, deve-se

projetar uma imagem de alegria, abertura e positividade. De acordo com Frederico Mattos,

psicólogo especialista em relacionamento amoroso:

Fotos antigas, embaçadas, parciais, com fundo ruim, cores gritantes, poses

estranhas, sorrisos forçados, paisagem, bichinhos, plantas, caras fúnebres e olhos

mal humorados serão usados contra você. Busque tirar uma foto o mais

espontânea possível, de tal forma que a imagem capture sua vivacidade. [...]

Enumere suas características físicas, psicológicas e sociais mais interessantes.

Nada de lamentações, coisas negativas ou restrições, isso será conhecido a

seu tempo, depois que a intimidade der conta de fazer superar um defeito aqui e

outro ali. [...] Esteja de coração aberto para qualquer informação que surgir sem

―não-coisas‖ e chamar atenção para o caráter nebuloso e fantasmagórico do novo ambiente). Nesse sentido, in-

formar-se é por-se na forma desta ―não-coisa‖ espectral, o perfil.

Page 118: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

118

rebater, criticar ou lamentar. Tenha um olhar positivo sobre o mundo, seja

inspirador, mas sem ser cafona. (PAQUERA, 2013; grifo nosso).

Cumpre salientar que a projeção subjetiva ocorre em ―plataformas ciberculturais

hiperespetaculares‖ (DAL BELLO, 2009), ou seja, plataformas de alta visibilidade

cibermediática onde o outro é convertido em audiência e existir só faz sentido no exaustivo

exercício de constituir-se como protagonista do próprio show, o ―show do eu‖, como chamou

Sibilia (2008). As doces promessas da visibilidade, inculcadas no imaginário coletivo pela

indústria cultural desde a emergência da sociedade do espetáculo debordiano, fascinam e

encantam; são o canto da sereia que arrasta os indivíduos para o mar nulodimensional dos

códigos binários, onde podem, finalmente, ainda que como espectros fabulosos de si mesmos,

tele-existir. Marcondes Filho (2012, p. 160), atento ao caráter narcísico das redes e a satisfação

que alimenta o eu que se exibe, salienta:

[...] este eu encontra felicidade no ato de ser visto, ser procurado, ser acessado.

Assim ele constrói seu sentido de existência. Por isso, nas narrativas, o que

aparece em primeiro lugar é ele novamente, o autor-narrador contando suas

peripécias inacreditáveis, suas bizarrices, sua imbecilidade, tanto faz, o conteúdo

é o que menos importa, importa atrair, como diz o ethos da televisão comercial.

Não existe o conceito de ‗baixo nível‘ na Net, como não há na TV aberta. Como

diria Niklas Luhmann, o ‗código‘ do sistema cibercultural não é qualidade/não

qualidade (este seria o código da liberatura, da antiga obra de arte etc.), mas o da

visibilidade/não visibilidade, é isso que interessa, apenas isso.

Por projeção subjetiva, portanto, deve-se entender a sobreposição dos seguintes

sentidos: (1) o eu como projeto, idealização ou empreendimento, construção vaidosa e contínua

de si, ainda que por vezes descuidada de certos resguardos, formalizada em identidades-perfis em

permanente estado de manutenção que o apresentam, simulam e representam, constituindo o local

de enunciação do eu como sujeito; (2) o eu como imagem projetada sobre a superfície da pele e

das telas, portanto aparência orientada para a conquista da admiração alheia, produto mediático

que busca ser, ao mesmo tempo, objeto de desejo e de consumo, e (3) o eu como objeto de

promoção, com vistas a alcançar distinção e tornar-se proeminente, reconhecido e legitimado no

olhar do outro, com o qual disputa o centro da cena mediática e alterna os papeis de show e

audiência do show alheio. Essas três concepções estão em consonância com os sentidos do termo

―projeção‖: ato ou efeito de (a) prolongar-se, lançar-se em um ambiente de alta visibilidade; (b)

delinear-se; (c) figurar-se, representar-se; (d) destacar-se, ter importância; (e) exibir-se –, devem

ser compreendidas como sintomáticas da emergência de um novo tipo de subjetividade,

Page 119: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

119

alterdirigida e exteriorizada, evadida dos redutos modernos da intimidade, lançada longe de

qualquer sentido de permanência e profundidade, livre de qualquer compromisso com as

categorias da sinceridade ou da autenticidade. 4

Nesse contexto, a projeção subjetiva diz respeito à empiria de construção, atualização

e promoção de perfis e avatares, corporeidade sígnica que delineia os intermitentes sujeitos

cibermediáticos e glocais em um regime (in)visibilidade cuja agonia coloca sob suspeita qualquer

promessa sussurrada.

2.2 Arranjamentos tecnoimagéticos

A navegabilidade em redes sociais e metaversos está condicionada à projeção dos

indivíduos em corpos espectrais: não é possível acessar o conteúdo do Orkut sem ter/ser um

perfil do Orkut; não é possível ―caminhar‖ pelo Club Penguin sem ter/ser um avatar-pinguim.

Ainda que o cyberspace não deva mais ser interpretado como universo paralelo, o acesso a

determinados rincões demanda registro próprio, da identificação à construção de uma espécie de

organicidade-aparente, o espectro virtual.

Assim, os espectros virtuais que viabilizam a tele-existência cibermediática devem

ser entendidos como arranjamentos sígnico-imagéticos, constructos singulares que, por sua

natureza de interface, facultam constituição, projeção, aparição, simulação, representação,

presentificação e permanência dos usuários nas plataformas ciberespaciais de alta visibilidade

mediática. É o que, no cyberspace, conferirá ao usuário um ―corpo‖ ou ―lugar de fala‖ que

circunscreverá sua subjetividade e a partir do qual poderá existir em tempo real, exercendo

efetivamente o status de sujeito cibermediático e glocal.

Os aspectos gráficos que fazem o sujeito ―apareSer‖ na nulodimensionalidade

ciberespacial podem ser de dois tipos: (1) conjunto dinâmico de páginas que abrigam

informações textuais, imagéticas, audiovisuais e hipertextuais – como as identidades-perfis – e

(2) representação gráfica em 3D – como os avatares de metaversos como o Second Life, redes

sociais como o Club Penguin ou social games como o Buddy Poke. A convergência entre os

4 Os principais significados para o termo ―projeção‖ são indicados a seguir: ―1) Ato ou efeito de projetar. 2)

Arremesso, lanço. 3) Ato de projetar uma imagem sobre uma superfície. 4) Imagem assim formada. 5) Exibição de

um filme cinematográfico, projetando as suas imagens sobre uma tela. [...] 9) Saliência, proeminência. 10) fig

Importância, destaque‖ (Dicionário eletrônico Michaelis/UOL).

Page 120: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

120

arranjamentos também é possível. Na figura 31, o perfil do Orkut contém como foto de

identificação uma imagem do avatar que o usuário (Lucas XD, 10 anos) utiliza no Club Penguin.

Além disso, sem sair da plataforma, o usuário faz uso do avatar gerado pelo aplicativo

BuddyPoke para manifestar sentimentos e ações relacionadas a seus amigos.

Figura 31. Perfil do Orkut com imagem de identificação do Club Penguin (11 abr. 2010).

Tais arranjamentos podem ser considerados uma espécie de nó de articulação em que

são negociados, dispostos e ordenados os múltiplos fragmentos subjetivos na proposição de uma

silhueta, um atavio, um projeto para exposição pública, ou hiperespetacularização cibercultural.

Por meio dele, o usuário enverga/ostenta sua organicidade aparente, movimenta-se pelas redes

sociais e metaversos, publiciza seus pensamentos, registra e projeta sua presença, comunica-se,

relaciona-se e vincula-se a outras interfaces subjetivas (o outro). Vê-se e dá-se a ver como

―alguém‖, o que confere sentido e legitima a existência.

Perfis e avatares também podem ser compreendidos como interfaces de manifestação

subjetiva, projeções ímpares que circunscrevem seus usuários em meio à miríade de páginas que

formam as plataformas de convívio do cyberspace. Desprovido delas, o indivíduo torna-se

invisível e indiferenciado em sua navegação pelos fluxos informacionais; ainda que continue

passível de rastreamento pelas tecnologias de indexação e hipergerenciamento, não pode ser

visualizado por outros usuários que estejam, simultaneamente, visitando o mesmo site. Eis o que

Page 121: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

121

ocorre, por exemplo, nas páginas e-commerce das livrarias virtuais: apesar do acesso simultâneo

ao mesmo conteúdo, um visitante não distingue o outro, guiando-se, no máximo, por marcadores

de presença como contadores, Rankings, comentários ou designações genéricas como ―quem

comprou este livro também comprou...‖.

Perfis e avatares, portanto, revestem as subjetividades operantes e, por suas

características e funções, pode-se dizer que estão diretamente ligados à autoimagem e à

autoestima dos usuários, ainda que sejam fruto de elaborado processo de ficcionalização do eu.

Além disso, a projeção destes constructos constitui boa parte do ―passatempo‖ de tele-existir nas

plataformas de comunicação e relacionamento, atividade compatível com a categoria lúdica do

mimicry (CAILLOIS, 1990), conforme apresentado a seguir.

2.3 Tensões de mimicry

Algo se afrouxa naquela fadiga de ter que ser eu, nessa condenação existencial e

nessa compulsão de ser si mesmo, obedecendo às verdades inscritas na própria

interioridade insondável. (SIBILIA, 2008, p. 111).

Dentre as quatro categorias pensadas por Caillois (1990) em sua reflexão sobre os

jogos – agôn (jogos de competição), mimicry (jogos de representação), inlix (jogos de

velocidade) e alea (jogos de azar) –, verifica-se que o uso das plataformas ciberespaciais de

relacionamento e projeção subjetiva reveste-se das características de mimicry. Sua dinâmica

lúdica distribui papeis e institui um espaço-tempo imaginário, compartilhado por aqueles que

brincarão de ser outro alguém. Corresponde à diversão do ―faz-de-conta‖: ao brincar de

―casinha‖, a menina age como se a comida e a boneca fossem ―de verdade‖; garotos sentem-se

mais motivados para brincar de pega-pega quando cabe a alguns o papel de ―polícia‖ e a outros, o

de ―ladrão‖. A diferença entre os dois exemplos, entretanto, é que no primeiro, a interpretação do

papel de mulher adulta, mãe e dona de casa não ocorre dentro de um cenário de competição; no

segundo, a encenação dos papeis de polícia e ladrão inscreve-se sob os auspícios agôn. A

possibilidade de sobreposição ou combinação de mais de um tipo de jogo já havia sido aventada

por Caillois (1990).

Inúmeros brinquedos, acessórios, fantasias e produtos de entretenimento assediam

mercadologicamente o universo do mimicry. RPGs (rolling play games) e videogames, por

exemplo, solicitam que os jogadores assumam determinados personagens e interajam entre si de

Page 122: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

122

acordo com o script que embala o enredo, embora possuam aberturas para acomodar a

criatividade dos jogadores. Mimicry, entretanto, não é engodo, mas suspensão convencionada e

temporária dos referenciais concretos para que se possa desfrutar dos universos da representação

e da simulação.

A imersão em plataformas hiperespetaculares constitui um passatempo e, como tal, é

permeada pela lógica lúdica do mimicry. Nas atividades de projeção subjetiva, pode-se

experimentar o eu como personagem ou criar e interpretar ―sujeitos de ficção‖ (FONSECA

FILHO, 2012), popularmente conhecidos como fake profiles. Em ambos os casos, subjaz o

fascínio da ―dissimulação da realidade e a simulação de uma realidade outra‖ (CAILLOIS, 1990,

p. 43), onde os sujeitos jogam para construir outra realidade, mais real. Está em questão ―jogar a

crer, a fazer crer a si próprio ou a fazer crer os outros que é outra pessoa. Esquece, disfarça,

despoja-se temporariamente da sua personalidade para fingir uma outra‖ (ibid., p. 39-41).

Diversos sujeitos de ficção povoam as redes sociais digitais. Com mais de um milhão

de seguidores, @ocriador, no Twitter, define-se como ―onipresente, onisciente, onipotente e

online‖ (figura 32). No Facebook, Gina Indelicada, em página criada à revelia da empresa de

palitos, promete responder as perguntas dos indivíduos, e o faz de forma ácida e irreverente.

Além de conquistar mais de 2,7 milhões de usuários (RICCK, 2012), gerou moda: outras páginas

e perfis de Gina Indelicada surgiram (figura 33). Os dois casos remetem a personagens que

obviamente são fictícias, mas a designação fake profile não se restringe a essa modalidade. Em

março de 2013, em menos de 24 horas após sua ascenção à Papa, o recém criado perfil de Jorge

M. Bergoglio no Twitter já possuía quase 140 mil seguidores (figura 34). Mas, não são apenas as

celebridades que são alvo desse tipo de ―brincadeira‖, pessoas comuns também podem descobrir

que seus dados pessoais estão duplicados em perfis e páginas que não controlam, ou que

perderam o acesso ao próprio perfil, que passa a ser conduzido por outro a sua revelia. Nesse

último caso, muito comum na época em que o Orkut era líder no Brasil, o autor da invasão

costumava alterar o nome do perfil para ―hackeado‖, designação que indicava que a conta havia

sido ―tomada‖.

Page 123: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

123

Figura 32. Perfil de “Deus” no Twitter - @ocriador (15 mar. 2013).

Figura 33. Várias páginas e perfis de “Gina Indelicada”, fake profiles do Facebook. (14 mar. 2013).

Page 124: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

124

Figura 34. Fake profile de Jorge M. Bergoglio, o Papa Francisco, no Twitter (15 mar. 2013).

Mesmo quando o indivíduo decide operar a projeção subjetiva a partir do parâmetro

da representação, em que o perfil ou avatar deverá corresponder fidedignamente a si, recai-se

sobre o seguinte problema: a figura do "eu mesmo" não passa de uma ilusão de permanência,

continuidade e coerência sustentada por narrativas e artefatos identitários, ―algo que

habitualmente oferecemos ao mundo social como definidor de nós mesmos" (BARROS FILHO;

LOPES; ISSLER, 2005, p. 16). A despeito do caráter autobiográfico da identidade-perfil e da

―contundente auto-evidência‖ do eu que se exibe, trata-se sempre de uma ―ficção necessária‖,

como lembra Sibilia (2008, p. 31):

Embora se apresente como o mais insubstituível dos seres e a mais real, em

aparência, das realidades, o eu de cada um de nós é uma entidade complexa e

vacilante. Uma unidade ilusória construída na linguagem a partir do fluxo

caótico e múltiplo de cada experiência individual. Mas se o eu é uma ficção

gramatical, um centro de gravidade narrativa, um eixo móvel e instável onde

convergem todos os relatos de si, também é inegável que se trata de um tipo

muito especial de ficção. Pois além de se desprender do magma real da própria

Page 125: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

125

existência, acaba provocando um forte efeito no mundo: nada menos que eu, um

efeito-sujeito.

Nesse sentido, soçobram tanto a pretensão das plataformas ciberculturais de fazer

convergir subjetividade e identidade-perfil de tal forma que se possa dizer que cada perfil

corresponde a uma pessoa ―real‖, de ―carne e osso‖, quanto o rótulo fake profile para designar

perfis ―inventados‖, descompromissados de representar alguém de ―verdade‖. Em 2012, o

Facebook identificou que 83 milhões dos 855 milhões de usuários ativos eram perfis duplicados,

falsos ou maliciosos (disseminadores de spam ou malware), uma situação que tensiona sua

premissa básica: ser uma plataforma em que as pessoas usam suas identidades reais (PERFIS,

2012).

Figura 35. Um perfil chamado “eu mesmo” – Orkut (jun. 2010).

A dicotomia realidade-ficção, entretanto, é difícil de ser mantida quando se percebe

que, ao envergar um fake profile (como o da figura 35), o indivíduo sente-se mais à vontade para

ser ele mesmo, dando vazão a facetas de sua personalidade que dificilmente sustentaria se não

fosse o anonimato propiciado pelo pseudônimo, enquanto a construção da identidade-perfil

―pública‖ passa por sanções com vista a providenciar a necessária adequação entre autoimagem e

imagem social. Posta em circulação, a ―narrativa identitária‖ redefine-se incessantemente,

Page 126: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

126

resultado sempre provisório dos embates ―entre o social e o sujeito, entre as múltiplas

representações enunciadas sobre esse último – e por ele flagradas - e a forma, sempre criativa e

singular, pela qual as rearticula‖ (BARROS FILHO; LOPES; ISSLER, 2005, p. 19). A motivação

que leva à construção do fake pode ser simples: resguardar, perante alguns públicos,

determinados aspectos da vida pessoal. Deseja-se compartilhar pensamentos, sentimentos e

experiências sem o ônus de assumi-los publicamente.

Neste caso, o eu que emerge nos palcos hiperespetaculares das plataformas

ciberculturais é tão ou mais performático que os sujeitos de ficção circunscritos em fake profiles,

fazendo jus à subjetividade narcisista. No processo de espectralização da existência, o sujeito

cibermediático e glocal combina estratégias de representação e simulação: ao encenar a si

mesmo, reinventa-se. Torna-se mais real que o real, ainda que deseje parecer consigo mesmo.

Neste caso, não apenas o perfil "eu mesmo" (figura 35), fake por princípio, mas todo perfil em

que o usuário imagina reconhecer-se é, de certo modo, ficcional e hiperespetacular, resultado

lúdico das tensões provocadas por mimicry.

2.4 Facetas e interfaces: a transposição sígnica

Conforme explicado anteriormente, as plataformas ciberculturais de relacionamento e

projeção subjetiva constituem territorialidades imaginadas com fronteiras de acesso bem

definidas5. Logo na ―entrada‖, exige-se que o indivíduo identifique-se e, caso não seja membro,

que providencie o devido registro de seus dados pessoais. Afinal, interfaces de exibição da

subjetividade, tais como perfis, avatares e páginas pessoais (Blogs), são uma espécie de centro

egoístico de atuação que aguça a sensação de ser sujeito, um artefato identitário dinâmico que o

―corporifica‖ em meio aos fluxos informacionais. A despeito das trocas intersubjetivas, a

dinâmica que pauta o uso dos instrumentais é egocêntrica, narcisista e autorreferencial –

relacionamento e comunicação prestam-se antes às estratégias de projeção do eu na visibilidade

cibercultural do que propriamente ao desejo de interagir para conhecer pessoas e aprofundar

relações, razão pela qual se afirma que a projeção subjetiva é uma atividade tão ou mais relevante

que desenvolver ou cultivar relacionamentos pela rede. A projeção subjetiva almeja ―cativar‖ o

5 Veja-se o Tópico 1.1. do Capítulo 1 d Parte II – Novas paragens na paisagem digital.

Page 127: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

127

outro, no sentido mesmo de torná-lo cativo, presa, troféu de caça, item adicional na coleção

particular de ―amigos‖ ou ―seguidores‖.

Nesse contexto, identificar-se não se limita à entrega de dados pessoais. Significa

construir um perfil e interligá-lo a outros, denominados ―amigos‖, ―seguidores‖ ou ―contatos‖, de

tal forma que cada perfil corresponda a uma pessoa identificável no ―mundo real‖. De certo

modo, os depoimentos trocados entre amigos, no Orkut, têm por função certificar a existência

concreta daquele usuário. Os testemunhos sobre suas qualidades é devidamente incorporados à

composição da identidade-perfil.

As implicações inerentes à convergência entre identidade e perfil foram exploradas

em trabalho anterior (DAL BELLO, 2009), quando a expressão ―identidade-perfil‖ foi proposta

para designar o resultado dos processos de circunscrição do sujeito em plataformas ciberculturais

de alta visibilidade mediática com o objetivo de distingui-lo do entorno nulodimensional. A

transposição sígnica, ou seja, a conversão de si em conjunto de informações decodificáveis pela

linguagem das máquinas, opera sob a lógica da identificação/diferenciação e articula

simultaneamente os parâmetros da representação/simulação (BAUDRILLARD, 1991; SFEZ,

1994; DEBRAY, 1994). Destarte, nas tensões provocadas por mimicry, o eu que se pretende

fidedignamente representado não deixa de possuir traços ficcionais, assim como o fake profile

pode revelar, à sombra ou sob a máscara, aquilo que alguém efetivamente é. Embora os espectros

ou duplos virtuais constituam instrumentos dinâmicos de identificação, podem não corresponder

à identidade publicamente conhecida do indivíduo, ou, quando sim, não revelar em absoluto o

seu ser.

A identidade-perfil abre possibilidades variadas de experiência subjetiva, o que

envolve representação, simulação e dissimulação. De todo modo, há relação direta entre

identidade e indexação: a produção desenfreada de informações pessoais no processo de

virtualizaçao da existência e transposição sígnica da subjetividade para plataformas ciberculturais

alimenta poderosos bancos de dados e dá margem ao hipergerenciamento dos conteúdos

publicados. Assim, o sujeito que emerge também é objeto passível de apropriação para fins de

especulação, entretenimento, vigilância, marketing ou pesquisa, entre outras possibilidades.

Embora alguns níveis de restrição e privacidade possam ser programados pelos usuários, a

identidade-perfil providencia acesso a conteúdos (páginas e perfis corporativos ou de pessoas

Page 128: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

128

físicas) que nada mais são que os demais indivíduos, convertidos em objetos e trajetos

hipermediáticos.

O processo de construção do perfil, ou transposição sígnica, envolve,

invariavelmente, as seguintes etapas: anuição aos termos de uso e às políticas de privacidade,

informação de dados pessoais, publicação de uma imagem de identificação, indicação do nome e

sobrenome relacionados a essa imagem, vinculação (envio de pedidos de ―amizade‖ e busca

orientada por conhecidos que já estejam na rede) e produção de conteúdo (compartilhamento de

textos, fotos e vídeos, próprios ou de outrem). Uma cena do filme The so coal network, criado

pelo Greenpeace em sua guerra para que o Facebook adote uma postura ecologicamente correta,

ilustra de forma magnânima tal transposição: inscrever-se nos bancos de perfis das plataformas

corresponde à violenta entrega de si mesmo, a ponto da total despersonalização (figura 36).

Figura 36. Imagem do filme The so coal network, do Greenpeace (set. 2010).

Pensar o significado de identidade em uma cultura de simulação, interface e

superfície, representativa dos valores vigentes na pós-modernidade, implica novas considerações

sobre a subjetividade. Turkle (1997), ao debruçar-se sobre o tema, verificou que a experiência

subjetiva de fragmentação, multiplicidade, descentralização e ubiquidade característica da pós-

modernidade correspondem à possibilidade de operação simultânea em várias janelas

computacionais.

[...] as janelas tornaram-se uma poderosa metáfora para pensar no eu como um

sistema múltiplo e fragmentado. O eu já não se limita a desempenhar diferentes

papeis em cenários e momentos diferentes [...]. A prática vivida nas janelas é a

Page 129: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

129

dum eu descentrado que existe em muitos mundos e desempenha muitos papeis

ao mesmo tempo. (Ibid., p. 18).

Para alguns usuários, inclusive, "A vida real é só mais uma janela e normalmente não

é a que mais me agrada" (ibid., p. 18). As vivências do eu como constructo dinâmico e da

identidade como plural tornam-se, graças à experiência cotidiana nas redes, cada vez mais

palpáveis, embora não sejam exatamente uma novidade:

Uma das contribuições mais revolucionárias de Freud foi ter proposto uma visão

radicalmente descentrada do eu, mas a sua mensagem foi várias vezes

obscurecida por alguns de seus seguidores, que insistiam em atribuir ao ego uma

autoridade executiva superior no governo do eu. Todavia, estas tendências

recentralizadoras foram por sua vez questionadas periodicamente por membros

do próprio movimento psicanalítico. As ideias jungianas sublinharam que o eu é

o lugar de encontro de diversos arquétipos. A teoria das relações objectais

referiu o modo como as coisas e as pessoas que povoam o mundo vêm viver

dentro de nós. Mais recentemente, os pensadores pós-estruturalistas tentaram

descentrar o ego duma forma ainda mais radical. Na obra de Jacques Lacan, por

exemplo, os complexos encadeamentos de associações que constituem o

significado para cada indivíduo não conduzem a qualquer instância final ou

nuclear. Sob a bandeira de um regresso a Freud, Lacan insistia que o ego é uma

ilusão. Com isto, ele estabelece a ponte entre a psicanálise e a tentativa pós-

moderna de retratar o eu como um domínio discursivo, e não uma coisa real ou

uma estrutura permanente da mente humana. (Ibid., p. 263).

As múltiplas interfaces de projeção subjetiva (perfis, páginas, avatares e canais de

vídeo e podcasts), relativas a ou operadas por uma mesma pessoa, dão mostras da

impossibilidade de considerar-se seriamente o conceito moderno de identidade. Segundo Turkle

(1997), se antes a rápida alternância entre identidades não era bem vista – bígamos, travestis,

falsários ou pessoas com personalidade desdobrada no pior sentido, como visto em "O médico e o

monstro" eram considerados desviantes –, a manifestação subjetiva por meio de diversas

identidades perdeu seu caráter marginal. A identidade tornou-se fluida; é desejável saber alternar

entre as identidades múltiplas que constituem as diversas facetas do eu e estas diversas facetas

não necessariamente organizam-se ao redor de um eixo ou núcleo "essencial".

Cada era constrói as suas próprias metáforas, tendo em vista o bem-estar

psicológico do indivíduo. Há não muito tempo, a estabilidade era socialmente

valorizada e culturalmente reforçada. Papeis rígidos atribuídos a cada um dos

sexos, trabalho repetitivo, o desejo de ter o mesmo tipo de emprego ou

permanecer na mesma cidade ao longo de toda a vida, tudo isto fazia da

consistência um elemento central nas definições de saúde. No entanto, estes

mundos sociais estáveis entraram em colapso. Nos nossos dias, a saúde é

descrita em termos de fluidez, mais do que estabilidade. O que conta é a

capacidade de mudar e adaptar-se – a novos empregos, novas perspectivas de

Page 130: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

130

carreira, novos papeis atribuídos a cada um dos sexos, novas tecnologias. (Ibid.,

p. 381).

Cabe salientar que toda vez que o usuário ―adentra‖ a plataforma com seu login e

senha a identidade-perfil construída o reveste, razão pela qual é possível pensá-la como uma

espécie de corporeidade sígnica ou espectral que lhe dá forma, tornando-o visível. Somente

através dessa organicidade-aparente o usuário pode atuar, quer seja manifestando seus

pensamentos ou sentimentos, quer seja movendo-se entre outros perfis para deixar, neles, seu

rastro. E, toda vez em que ocorre a conversão simultânea da vida em conteúdo mediático, a

identidade-perfil ascende ao status de perfil-sujeito, deixando de apenas apresentá-lo ou

representá-lo para torná-lo presente, processo que Virilio (2005) irá chamar de presentação.

No processo de transposição sígnica e composição de perfis, corrompem-se as

categorias estanques do modelo matemático da comunicação: ao in-formar-se, o sujeito-objeto

também torna-se parte do trajeto, é emissor-mensagem-canal que não se limita a participar da

rede-sistema, mas a integra como possibilidade de navegação. Quando, ao circular pelos perfis

alheios, deixa comentários ou registra suas impressões, não pode fazê-lo sem derramar nós de

retorno a si. De certo modo, quanto mais interage, mais visibilidade obtém.

O corpo físico deixa de ser o centro de gravidade, interesse ou organização da

subjetividade, que se desloca para as múltiplas contas de acesso às redes. É a partir delas que a

subjetividade adquire a capacidade de tornar-se presente a distância, ubíqua e tele-existente.

Exprime-se como ―eu‖ e, na prática da autoexposição, realiza contínuo exercício identitário que

rostifica a identidade-perfil, confere sentido à vida e garante a necessária sensação de

―mesmidade‖. Ainda que este ―eu‖ seja insuspeita aventura da linguagem, instituição de nó

articulatório de pensamentos, sentimentos e percepções em meio à subjetividade atravessada

pelos vários discursos que permeiam seu vir-a-ser, é ele quem aponta irremediavelmente para

aquilo que qualifica a experiência pessoal como intransferível.

Se a subjetividade diz respeito à sensação de ser alguém, ser sujeito é um efeito que

está condicionado às circunstâncias de expressão dessa subjetividade na construção, manutenção

e atualização de suas formas espectrais.

Page 131: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

131

2.5 O bunker ontológico do perfil-sujeito

As identidades-perfis introduzem o indivíduo nas plataformas e o apresentam. De

certo modo, também o representam quando não estão online. Isso significa que é possível visitar

perfis mesmo que seus ―donos‖ não estejam presentes, quer seja para consultar os conteúdos ali

disponíveis ou deixar mensagens. Nesse caso, os perfis são artefatos de representação, põe-se no

lugar de alguém em sua ausência; e por ausência, entenda-se alguém sem capacidade ou

possibilidade de interagir em tempo real por dromoinaptidão momentânea (ausência acidental) ou

definitiva (ausência substancial), status off-line. São objetos passíveis de apropriação e, também,

parte do trajeto de navegação.

Entretanto, quando o indivíduo está online, a identidade-perfil passa a presentá-lo,

torna-o presente a distância. Conforma uma espécie de corpo-sígnico tecnológico que possibilita

existência em tempo real: é subjetividade conformada em aparição-presença. Por isso, não se

trata apenas de ter um perfil, mas de sê-lo. Tal convergência fica patente em expressões populares

como ―Te encontrei no Orkut!‖ ou ―Me acha lá no Facebook‖, confusão absoluta entre

subjetividade e artefato de identificação.

Ser um perfil subverte a lógica da representação. Para envergá-lo como corpo

tecnoimaginário, é preciso construí-lo de tal forma que se assemelhe à autoimagem ou à imagem

que se deseja promover. E o processo de espectralização que, em tese, é simples transposição de

si da dimensão dos lugares sensíveis para a dimensão comunicacional das redes de alcance

global, não consegue fazê-lo sem assujeitar a existência ao regime de visibilidade do ―apareSer‖.

Nesse sentido, não é o perfil que ―espelha‖, bem ou mal, a realidade do sujeito, mas o sujeito que

passa a viver sua existência na expectativa de veiculá-la em um ambiente de alta visibilidade

mediática. Em face da perspectiva de obter sempre mais audiência, o sujeito investe tempo de

vida em tele-existir. Digitaliza-se. Publiciza seu cotidiano. Habita os ambientes virtuais. E, de

certo modo, passa a viver em função da possibilidade de ser visto, uma vez que o olhar de

aprovação do distante outro atesta e valida sua existência. Por essa razão, quando o indivíduo

passa a ser um perfil, pode-se dizer que é o perfil que passa a abrigar (ter) um sujeito, revestindo-

o. Tal ideia é bem demonstrada nas duas imagens a seguir. A primeira, retirada do Blog Pérolas

do Orkut, foi escolhida por retratar a identidade-perfil como fantasia (figura 37). Para além do

sentido literal, as identidades-perfis são aparições fantásticas que se alinham, graças à raiz

Page 132: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

132

etimológica, à falage dos fantasmas, dos espectros, das visões e manifestações imaginárias.

Pertencem ao reino da fantasia. Além disso, aponta o poder de assujeitamento exercido pelas

identidades-perfis, que indexam a vida, arrolam a alteridade, suprimem o corpo e condenam os

sujeitos à contínua ostentação de si mesmos, para o quê devem sustentar a fantasia que envergam.

Supremacia do perfil-sujeito.

Figura 37. Imagem retirada do Blog Pérolas do Orkut (2009).

Figura 38. Vestido-Facebook, criação da estudante Lana Dumitru. (nov. 2010).

Na figura 38, a identidade-perfil, transformada em vestido, objeto de moda, recobre o

corpo feminino com os dados de identificação pessoal. Não há, na performance, qualquer traço de

Page 133: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

133

crítica sobre a inversão: o sujeito transforma-se no suporte de veiculação da imagem que deveria

exibi-lo. Em ambas as figuras, os corpos espectrais ganham tangibilidade. Fugidos da dimensão

tecnoimaginária, reproduzem sobre a substância corpórea, como fantasia ou veste inusitada,

aquilo que fazem em relação à subjetividade nos ambientes digitais.

Figura 39. Usuária do Second Life exibe seu avatar. (9 set. 2007).

Figura 40. Exemplo de identidade-perfil no Facebook. (jan. 2013).

Page 134: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

134

Pode ser difícil conceber a identidade-perfil como ―corpo‖, uma vez que a

subjetividade jaz esparramada em conteúdos múltiplos. Com os avatares6, entretanto, é diferente:

a representação/simulação da subjetividade toma forma que se destaca do cenário digital,

percorrendo-o sem confundir-se com ele. Ainda que, no Second Life, seja possível ter/ser um

avatar com chifres e asas ou no Club Penguin o usuário apresentar-se como um avatar-pinguim, a

subjetividade manifesta-se como corpo gráfico e suas possibilidades de interação dependem dos

recursos disponíveis em cada plataforma. O toque em botões de ação, no Second Life, por

exemplo, torna possível ao avatar sentar-se, dormir, dançar, voar, correr e fazer sexo (figura 39).

Por fim, cumpre salientar que é justamente a intangibilidade do corpo-sígnico o que

aguça a sensação de segurança ontológica. A identidade-perfil (figura 40) ―encapsula‖ a

subjetividade, confere-lhe status de sujeito e, a partir desse bunker ontológico, ele pode atuar.

Nesse sentido, é janela de visibilidade cibermediática que confere acesso direto à autoestima e

palco que possibilita o exercício da mitologização do sujeito. A fantasia de que não pode ser

tocado insufla o senso comum de que as atividades no cyberspace constituem passatempos

inconseqüentes, como se a atuação na rede e a experimentação da tele-existência não

reverberassem na realidade sensível, físico-corpórea.

6 Para aprofundamento no tema, veja-se Cavalheiro (2011).

Page 135: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

135

CAPÍTULO 3 - Tele-existência glocal

Tele-existir, compreendido como existir em tempo real, não seria possível sem as

tecnologias que tornam o glocal possível. Sensível desde o advento do telégrafo e da telefonia,

este fenômeno comunicacional foi delineado como conceito apenas recentemente, quando

percebido como ―produto sociocultural do desenvolvimento dos vetores de aceleração técnica e

tecnológica da vida humana‖ (TRIVINHO, 2007a, p. 324). Trata-se de um conceito seminal para

o quadro teórico-epistemológico concernente à dromocracia cibercultural1 e seu desenho

conceitual, de partida, acentua a natureza complexa e paradoxal que lhe é própria:

Glocal não prevê o isolamento da dimensão do global em relação à dimensão do

local, e vice-versa; não pressupõe, portanto, nem globalização ou globalismo,

nem localização ou localismo, desatados. A aglutinação significante e a mescla

de sentidos que marcam o glocal fazem dele invenção tecnológica de imbricação

de processos contrastantes, sem que, no entanto, se desfigure a sua condição de

terceira natureza, de terceira via, não redutível nem a um nem a outro processo

implicado. (Ibid., p. 242).

Embora observe-se o uso corrente do termo para traduzir a adaptação de estratégias

globais, de caráter econômico, mercadológico ou comunicacional, às especificidades de cada

localidade, o glocal, tal como proposto por Trivinho (2007a), é uma categoria crítica que não

celebra o positivismo dos discursos hegemônicos de conformação tecnológica de uma aldeia

global; antes, denuncia-o sem, tampouco, comungar com a ideia estanque de apropriação local

dos conteúdos globais que circulam tautológicos pelas redes como discurso cultural de

resistência.

O conceito é imprescindível para a compreensão da tele-existência porque delineia a

relação espaço/tempo característica da fissura/urdidura entre a dimensão física dos lugares e o

tempo real da comunicação, pondo-se como ―laço sociotécnico invisível e irreversível entre o

contexto concreto da existência (...) e o universo áudio/visual da rede global‖ (ibid., p. 284) que

projeta o local na rede global e especifica o global no local simultaneamente. Esse laço traduz a

naturalização da violência empreendida pela técnica e pela velocidade; providencia o

agenciamento dos tempos locais2, o enredamento dos contextos concretos da experiência humana

e a conversão/redução de subjetividades em espectros, cujo processo foi apresentado nesse

1 Conforme Trivinho (2007a), a expressão diz respeito à organização sociotranspolítica e antropológica da vida

contemporânea, calcada na violência da técnica e da velocidade em sua fase tardia, a cibercultural. 2 Trivinho assevera que ―o glocal é, do ponto de vista social-histórico, menos um indexador do global que do local‖

(2007a, p. 259).

Page 136: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

136

capítulo. Por propiciar a simultaneidade entre aqui e lá, dentro e fora, mundo sensível e dimensão

comunicacional, existência e tele-existência, o fenômeno glocal é mais que simples justaposição

entre termos. Os conteúdos em circulação pelas redes, embora percebidos como locais ou globais

do ponto de vista do polo de produção/emissão ou por suas características estético-culturais –

distinções qualitativas de segunda ordem –, são, igualmente e sobretudo, glocais. Por essa razão,

o efeito de sujeito que emerge do processo de espectralização da subjetividade nas redes e

metaversos investigados é do tipo glocal cibermediático.

Como desdobramento inexorável deste fenômeno em sua versão ciberespacial, a

glocalização da existência legitima a virtualização das práticas sociais e contribui para a

reprodução social-histórica da civilização mediática, através do que ―se aprofunda e se sofistica

cada vez mais o modelo comunicacional-publicitário de mundo, de vida e de ser‖ (ibid., p. 274).

O conceito, portanto, compreende o grampo técnico invisível que, posto entre as

realidades física e digital, torna-as indistintas em sua conjunção; mas, não se contenta em

descrevê-lo, nem a nomear a relação espaço/tempo a partir do advento das tecnologias do tempo

real. Antes, reitera e convoca à releitura crítica do processo civilizatório empreendido pela

dromocratização da sensibilidade humana ao longo do desenvolvimento da cultura mediática no

século XX e seu aprofundamento no início do século XXI. Refletir criticamente sobre a

emergência do sujeito glocal como efeito da tele-existência implica, sob tal prisma conceitual, a

consideração das diversas cofusões, inversões e hibridismos que, embora próprios da pós-

modernidade (TRIVINHO, 2001, p. 44), potencializam-se com o glocal: próximo-distante,

interior-exterior, sedentário-nômade, uno-múltiplo, realidade-ficção, permanência-fugacidade,

excesso-escassez. A respeito dos paradoxos gerados pelas redes, Sfez (1994, p. 270) salienta:

Aqui não é o princípio da linearidade e da causalidade que é prejudicado; é o da

não-contradição que sofre importantes modificações. Um objeto que pode ser

isso e aquilo, que eu esteja aqui e lá, dentro e fora – e eis-me diante de um

estranho mecanismo!

No que tange à Tese, interessará, particularmente, o fato de que o par de opostos

visibilidade-invisibilidade, doravante (in)visibilidade, é responsável por diluir ou decompor o

sujeito glocal no ato mesmo de sua projeção na paragem digital das redes sociais. Para tanto,

busca-se comprender na sociossemiótica os processos simbólicos de superação das dicotomias e

como o glocal naturaliza paradoxos e articula hibridismos.

Page 137: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

137

3.1 A superação da dicotomia global-local

A compreensão do cyberspace como universo paralelo, conforme apresentado

anteriormente3, baseia-se na oposição binária entre local e global. O desenvolvimento da

condição glocal erradica tal dicotomia na medida em que as fronteiras entre próximo e distante

deixam de existir e os pólos de partida e chegada, graças à intermitente velocidade que faz

circular a comunicação em rede, jazem indiferenciados. O glocal inaugura e institui uma nova

possibilidade de ser/estar – aqui e lá ao mesmo tempo.

Apesar da tendência pós-moderna de eliminar fronteiras até então ―declaradamente

sagradas‖, reconhecendo a diversidade e a complexidade do mundo, a demarcação de áreas

opostas permitiu ao ser humano entender ―o que é o sagrado e o profano, o público e o privado,

as classes sociais, os povos, os diversos segmentos da sociedade etc.‖ (BYSTRINA, 1995, p. 11).

Diversos pares de opostos referenciam a experiência e orientam a percepção humana. Dia e noite,

céu e terra, vida e morte, jovem e velho, masculino e feminino, entre outros, são códigos culturais

que demarcam a alteridade. Dicotomias têm raízes arcaicas, provavelmente ditadas pela

percepção da diferença entre os gêneros (masculino e feminino) e pela consciência da

bifacialidade da aparência corpórea em lados opostos (esquerdo e direito). Excludentes,

organizam-se em pólos sob a regência assimétrica de outras dicotomias: bem e mal, positivo e

negativo, força e fragilidade. Para exemplificar, no par vida-morte, conforme Bystrina (1995, p.

8), a morte é considerada um mal, pólo negativo por vezes mais forte que a vida – razão pela qual

―em todas as culturas o homem aspira sempre a uma imortalidade, ou seja, à vida após a morte‖.

Os códigos culturais binários são, portanto, antitéticos e assimétricos. A superação

das fronteiras que instituem podem ser superadas por diversas estratégias simbólicas. Dentre elas,

Bystrina (ibid., p. 8-9) menciona (1) a identificação entre os pólos que elimina a oposição

(seguindo o exemplo, a morte torna-se uma espécie de vida e a vida uma espécie de morte); (2) a

inversão radical dos valores (frente à dor insuportável da perda, a morte pode ser encarada como

passagem para uma vida melhor, tornando-se um pólo mais positivo que o da vida); (3) a

supressão da negação por meio de composições triádicas (a terra, em relação ao céu, é marcada

como pólo negativo; entretanto, quando comparada ao inferno, torna-se positiva) e (4) a

mediação da polaridade por elementos intermediários (a partir da composição triádica anterior, a

terra providencia a mediação entre céu e inferno). Como lembra Landowski (2002, p. 3):

3 Retome-se o Capítulo 1 da Parte II – A nulodimensionalidade ciberespacial.

Page 138: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

138

[...] é o princípio do primado epistemológico da relação sobre os termos que

está na base do procedimento semiótico, tanto como projeto de construção de

uma teoria geral da significação quanto como método de análise dos discursos e

das práticas significantes. Porque, para que o mundo faça sentido e seja

analisável enquanto tal, é preciso que ele nos apareça como um universo

articulado – como um sistema de relações no qual, por exemplo, o ‗dia‘ não é a

‗noite‘, no qual a ‗vida‘ se opõe à ‗morte‘, no qual ‗cultura‘ se diferencia da

‗natureza‘, no qual o ‗aqui‘ contrasta com um ‗acolá‘ etc.

A relação entre local e global também apresenta assimetrias. Verifica-se uma

tendência socioeconômica e cultural de sobrevalorização de tudo o que se apresenta sob o rótulo

de ―global‖. Subjugado pelo ―sistema ideológico que justifica o processo de globalização‖,

enaltecendo-o e considerando-o como único caminho histórico possível (SANTOS, 2000, p. 36),

o ―cidadão do lugar‖ é levado inevitavelmente a almejar a condição de ―cidadão do mundo‖. A

instituição do nomadismo característico de época que arrasta as populações para a ―aldeia global‖

pode revelar-se como escape, evasão ou fuga de lugares condenados à mediocridade periférica, à

marginalidade, à guerra, à fome e à morte. Por essa razão, Bauman (1999, p. 95-96) considera o

―acesso à mobilidade global‖ como o mais elevado fator de estratificação social. Nesse sentido,

Sousa Santos (2010) tece considerações interessantes sobre linhas abissais visíveis e invisíveis

que vigoram, ainda hoje, na mentalidade e paisagem ocidentais, repartindo o mundo em dois

lados: metrópole e colônia. No contexto contemporâneo, refugiados, terroristas e imigrantes

indocumentados, de formas distintas, trazem consigo ―a linha abissal global que define a exclusão

radical e a inexistência jurídica‖ (SOUSA SANTOS, 2010, p. 42). Sem a pretensão de esgotar

todas as ilustrações possíveis, cabe mencionar também a fascinação com a alteridade e a

politização de identidades locais como contraposição às pressões do discurso hegemônico

totalitarista, embora as dinâmicas de identificação no contexto da globalização operem, ao

mesmo tempo, recrudescimento e diluição (HALL, 2004). Nesse sentido, a assimetria entre os

termos se inverte com o destaque da importância ou revitalização do local em relação ao global.

Na fenomenologia do glocal, a superação da dicotomia local-global põe-se para além

da ritualização da passagem entre aqui e acolá. Ao retomar as estratégias simbólicas mapeadas

por Bystrina (1995), é possível perceber que há identificação entre os pólos e a projeção dos

valores de um sobre o outro: o glocal comparece à percepção como mediador, já que é por meio

da condição glocal que o local pode projetar-se globalmente e o global manifestar-se localmente.

Além disso, na composição triádica que estabelece com os pólos originários, a assimetria é

suprimida. A homogeneização dos locais sob as diretrizes socioeconômicas e culturais do ―ser

Page 139: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

139

global‖ ocorre pari passu à revitalização do local, que passa a ser tão importante ou interessante

quanto os coteúdos de caráter global.

Entretanto, o glocal não se limita a zona fronteiriça que promove o trânsito entre o

próximo e o distante, pois ao fundi-los e torná-los indistintos, alavanca-se como novíssimo

campo de ação e tempo de vivência, onde é possível ser e estar sem ser e sem estar – tele-existir.

3.2 A experiência antropológica do glocal

Todos os hibridismos 4 que caracterizam a experiência antropológica do glocal

nascem da transformação de antíteses demarcadoras da alteridade, constituintes dos códigos

universais de base dual, em paradoxos.

Princípio original de fusão compulsória, que representa a indexação tecnológica

do local em prol do global, o glocal é a fonte de todas as mesclas ulteriores, a

saber, entre o imaginário e o real, entre o público e o privado, entre o próximo e

o distante, entre o centro e a periferia, entre o interior e o exterior, entre o

movimento e a paralise, até entre a guerra e a paz, e assim por diante – mesclas

características de uma cultura que sabidamente não corresponde à lógica da

modernidade. (TRIVINHO, 2007a, p. 325).

O híbrido surge quando o paradoxo deixa de ser um procedimento de construção

textual que agrupa significados contrários ou contraditórios em uma mesma unidade de sentido

(figura da linguagem e do pensamento) para constituir-se em realidade lógica tecnologicamente

possível. Para Sfez, o paradoxo pode ser considerado sintoma e símbolo de uma era de fronteiras

frágeis e confusas, povoada por simulacros5 que obliteram ―a distinção verdadeiro/falso,

real/imaginário, verdade/mentira‖ (1994, p. 274).

É assim que, no território/momento glocal, a distância que separa corpos não impede

a comunicação em tempo real com o outro, desde que ambos estejam devidamente convertidos

em espectros, embora o investimento na teleinteração possa implicar, por seu turno, o isolamento,

como distanciamento cognitivo e até afetivo, daqueles que estão fisicamente presentes,

obedecendo a uma nova economia de atenção 6; neste caso, os distantes tornam-se mais próximos

4 O termo é empregado no sentido de ―mistura entre elementos diversos para a formação de novo elemento

composto‖, ―reunião íntima de coisas diversas e/ou opostas‖ (SANTAELLA, 2010, p. 82). 5 Sfez (1994) faz distinção entre os simulacros platônicos (considerados inferiores ou paradigmáticos em relação

àquilo que representam) e os epicurianos (que não referenciam nada fora de si mesmos). O termo é empregado no

segundo sentido e está em consonância com a proposição de Baudrillard (1981) sobre a era da simulação. 6 A inflação da visibilidade, conforme Baitello (2005, p. 14), provoca a rarefação da capacidade de apelo das

imagens, uma espécie de fadiga do olhar. ―Quando o apelo entra em crise, são necessárias mais e mais imagens para

Page 140: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

140

do que os próximos/distantes. Seria injusto, entretanto, não aludir ao fato de que as relações

locais ganharam novos contornos com a popularização das redes sociais digitais; nestas

plataformas, embora o desconhecido ainda seja interessante e abrigado sob a designação de

―amigo‖, há um retraimento generalizado sobre contextos familiares, razão pela qual os

conteúdos de interesse local ou pessoal parecem ter primazia sobre a pauta global. A esse

respeito, Turkle, em entrevista concedida à Casalegno (1999), sinalizou a mesma percepção:

[...] dizia-se que o fabuloso no Web era a possibilidade de conversar com

alguém, na Austrália, que tinha uma coleção de selos igual a nossa. O

sentimento atual tende a ressaltar que o Web enriquece as relações de quem

também se encontra face a face. O movimento passou do global ao local. Creio

que continuará nesse sentido. Então, o Web será apreciado por permitir, ao

mesmo tempo, o desenvolvimento dos nossos vínculos nos níveis planetário e

local.

Além disso, a projeção hiper-real (BAUDRILLARD, 1981) da subjetividade em

ambientes virtuais pode transbordar e afetar as relações presenciais. O caso da garota que pensa

confirmar, no conjunto de comunidades do Orkut do novo namorado, tudo o que ele falou sobre

si mesmo, ou o caso do rapaz que considera enfadonho falar sobre si mesmo no contexto

presencial compartilhado com uma pretendente porque, afinal, já está tudo na rede, são bastante

sintomáticos.

Tais contaminações corroboram a compreensão do glocal como contexto paradoxal

que articula hibridismos muitas vezes inomináveis. Também sinalizam a sobrevalorização do

simulacro como estratégia de projeção da subjetividade e delineamento do sujeito na visibilidade

mediática ciberespacial, o que incorre, fatalmente e ao mesmo tempo, em sua dissolução em meio

ao excesso informacional que engendra. Por essa razão, não é possível pensar os pares de opostos

visibilidade-invisibilidade separadamente: ambos, dada a natureza do glocal, tornam-se

indiscerníveis e compõem um regime de (in)visibilidade.

se alcançar os mesmos efeitos. O que se tem então é uma descontrolada reprodutibilidade‖, o que resulta em mais

distração. Nessa nova economia da atenção, a comunicação interpessoal presencial e cotidiana, desnuda de

audiovisuais, aplicativos, advergames e hiperlinks, ainda guarda a vantagem da proximidade – responsável pela

criação de ―vínculos mais sadios, reais, de carne e osso, que nos alimentem a necessidade humana de fazer parte de

um tempo e um espaço de vida‖ (ibid., p. 29).

Page 141: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

141

3.3 O sujeito glocal cibermediático e hiperespetacular

A disposição íntima para a espectralização da existência e a dócil realização das

atividades concernentes à transposição sígnica – registro, seleção, tratamento e composição das

informações no arranjamento dinâmico que se caracterizará como identidade-perfil ou perfil-

sujeito, obra sempre em processo – podem ser consideradas uma tendência irreversível e

crescente de glocalização da experiência subjetiva. Na medida em que as tecnologias de acesso às

redes, sobretudo móveis e portáteis, popularizam-se, o glocal se espraia pelo tempo de vida e

pelos espaços de convivência. Ser cibermediático e ascender ao status de sujeito hiperespetacular

exige ―dromoaptidão‖ específica, propriamente cibercultural, com o necessário desenvolvimento

de competências cognitivas, pragmáticas e econômicas que garantam as operações de projeção,

comunicação, relacionamento, deslocamento, permanência, acesso, de acordo com os ditames do

tempo real (TRIVINHO, 2007a, p. 72). Trata-se não apenas de portar os equipamentos, possuir as

senhas de conexão e saber lidar com as linguagens de acesso às plataformas em rede, mas

também de acompanhar a lógica de mercado que rege, sob pena de exclusão e estigmatização

social, contínua reciclagem – morte simbólica com reverberações muito significativas no

contexto concreto da existência, haja vista que o crescente processo de virtualização do mundo só

faz alargar a dependência das tecnologias ciberculturais. Ser dromoapto, portanto, é aderir, ainda

que involuntária ou inconscientemente, à invisível violência perpetrada pelo regime de

velocidade que instaura o modelo de vida dromocrático. É preciso ser dromoapto para não

soçobrar às sucessivas ondas de renovação de hardwares, softwares, linguagens, modos de

conexão e de disponibilidade interativa. A atuação no glocal cibercultural assim o exige.

[...] aos privilegiados dromoaptos, a rede, o real virtualizado, o ultranovo; aos

novos miseráveis, o território geográfico, o real convencional, o desterro num

cenário tão antigo e démodé quanto a história da humanidade. Na cibercultura, a

regra – ao contrário do que comumente se pensa – não é a inclusão, mas a

exclusão. (Ibid., p. 109).

A partir dessas considerações, é possível entender o senso de oportunidade da Tim:

quatro meses após o lançamento da música ―Eu não tenho iPhone‖7, dedicada a ―todos os

excluídos do mundo Mac‖, os Seminovos foram convidados a gravar uma nova versão, ―Agora

eu tenho iPhone (da TIM)‖ (figura 41). No vídeo, os novos usuários de iPhone 3GS, agradecidos

7 O vídeo está disponível em http://www.Youtube.com/watch?v=iroerRXfWfk. (02 fev. 2011). Acesso em: 04 abr.

2013.

Page 142: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

142

ao plano promocional da teleoperadora, pulam felizes diante da câmera, beijando o dispositivo

tecnológico recém-conquistado e cantando: ―Mesmo com o que eu ganho / Na Tim eu me dei

bem / Olha aqui o meu neném‖.

Figura 41. Cena do videoclipe "Agora eu tenho iPhone" (da TIM). Banda Seminovos (2 jun. 2011).

Pode-se dizer que a dromoaptidão requerida pelo processo de espectralização da

existência, ou pela manutenção do estado always on, implica promiscuidade

corpo/máquina/mente/rede sem precedentes. E não se trata apenas de pensar a tecnologia como

edulcorada extensão de algumas faculdades humanas, da qual pode apartar-se com facilidade,

mas como vitalidade, coração pulsante que irriga toda condição de ser/estar glocal. De certo

modo, o contexto induz à tecnodependência, normalizando-a, e as conseqüências de tal simbiose,

embora aventadas pelo imaginário pós-humano, ainda estão longe de serem devidamente

alcançadas.

Ao simbolizar a indexação do campo próprio pelas tecnologias do tempo real, o

glocal leva a efeito, de maneira severamente ‗afável‘, o agenciamento não só do

corpo e do psiquismo, mas também da existência como um todo. É através da

condição glocal que doravante se desenrola, estrutural e prioritariamente, a

mistura homogênea reificada entre ser, técnica e o social. (TRIVINHO, 2007a,

p. 362).

Page 143: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

143

Cumpre frisar que se trata de crescente círculo vicioso: quanto mais dromoaptos

tornam-se os sujeitos, maior o alcance da glocalização; quanto mais o glocal penetra as dobras da

existência, mais dromoaptos precisam ser os sujeitos. E, na medida em que as diferenças entre

existir e tele-existir tornam-se indistintas, palavras como ―imersão‖ ou ―acesso‖ perdem o

sentido; o território informacional digital oriundo do acoplamento entre espaço urbano e espaço

de fluxos (LEMOS, 2009) corresponde à homogênea realidade em que tudo e todos, o tempo

todo, são e podem ser indexados. Neste horizonte extremo, referências dicotômicas como partida

e chegada, interior e exterior, online e off-line, utilizadas para pensar ou traduzir as experiências

telepresenciais mais ou menos imersivas, interativas ou não, não sobreviverão. Ser always on

requer manutenção constante da veloz alternância entre a dimensão dos lugares e das redes

ciberespaciais, de forma que ambas comparecem sempre cofusas. É ser/estar glocal o tempo todo.

Nesse sentido, ser cibermediático implica permanecer em estado de hiperconexão

para responder com agilidade às demandas em rede, mover-se no ―território informacional

digital‖ (LEMOS, 2009) e dar satisfação constante de sua atual localização. Assediado

incessantemente por questões orientadoras, o sujeito cibermediático atua no gerúndio e publiciza

o que está ―pensando‖, ―sentindo‖, ―fazendo‖. A dromoaptidão é competência fundamental à

atividade de existir em tempo real; mas, devido ao potencial de visibilidade mediática que

facultam, as redes sociais digitais fazem surgir um tipo específico de sujeito: o sujeito

hiperespetacular, correlato à subjetividade pós-moderna e narcisista, desdobrada para além dos

contornos do corpo graças às tecnologias de conexão e interatividade, arredia às concepções de

interioridade, intimidade, privacidade, profundidade, identidade, sinceridade ou autenticidade, ao

menos como compreendidas na sociedade moderna e disciplinar. Este sujeito, efeito de presença

na tele-existência das plataformas ciberespaciais, produto dinâmico das manifestações subjetivas

que excessivamente frisam e projetam um eu, é aparição sempre provisória e negociada, espectro

fabuloso que aponta um alguém, dourando-o de visibilidade, ao passo em que dele escapa, pois

os processos de espectralização da existência e de transposição sígnica tendem a torná-lo, sempre,

mais real que o real. Nesse sentido, é performático, hiper-real e hiperespetacular: no horizonte

inatingível das telas, no palco provisório das redes, o sujeito raia intermitente, existe enquanto

visível, e a disputa por visibilidade implica que assuma, always on, o papel de protagonista no

eterno presente do tempo real que habita. Para tanto, precisa ser imagem, adentrar o fluxo de

imagens e viver para as imagens. Deve ―apareSer‖.

Page 144: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 145: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

145

PARTE III: Dissolução hiperespetacular:

jogos de (in)visibilidade e agonia

Page 146: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 147: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

147

CAPÍTULO 1 – O imaginário hiperespetacular e a fenomenologia do “apareSer”

Quanto mais vemos, menos vivemos, quanto menos vivemos, mais necessitamos

de visibilidade. E quanto mais visibilidade, tanto mais invisibilidade e tanto

menos capacidade de olhar. (BAITELLO JR., 2005, p. 86).

No âmbito da reflexão crítica sobre cibercultura, subjetividade e identidade (DAL

BELLO, 2007, 2009), forjou-se o neologismo ―apareSer‖ com o objetivo de nominar a natureza

híbrida e complexa do ser/estar glocal em ambientes de alta visibilidade mediática. A fusão dos

termos aparecer e ser pretende superar a dicotomia aparência-essência para focar o fenômeno em

sua fluidez, em sua dinâmica de mostrar-se e ocultar-se no jogo infindável e angustiante do vir-a-

ser1. Desde as incursões netnográficas no Orkut, em 2007, constituintes da investigação de campo

que resultou na Dissertação (DAL BELLO, 2009) que precede a atual pesquisa, a separação

dessas dimensões mostrou-se insustentável, bem como qualquer tentativa de assegurar seriamente

um lugar indefectível para o sujeito do cogito.

O rompimento com a perspectiva metafísica funda-se no reconhecimento de que as

representações ou conceitos que se possa erigir a respeito dos entes devidamente reduzidos a

objetos empíricos não dão conta da totalidade dos modos de ser destes mesmos entes, pois o

sentido de ser, longe de estar encrustado no ente como substância oculta revelada parcial ou

totalmente pelo rigor científico, é aquilo que emerge/submerge na trama de significados que

tecem o mundo fenomênico em que os seres humanos são/estão.

Na tradição metafísica, a instabilidade da aparência, nas inúmeras possibilidades de

ser, deve ser superada em prol de uma formalização que providencie um conhecimento estável e

controlável acerca do que o mundo é. Conforme lembra Critelli (2006, p. 21-22):

Por obra do cogito o mundo pode vir a ser representado. Isto é, reapresentado

através de ideias claras e distintas, portanto precisas e imutáveis. Na

representação do mundo, o mundo renasce estável e seguro, e é assim que sua

realidade é constituída e controlável.

Ocorre, entretanto, que é próprio da ontologia do ser não deixar-se capturar ou

cristalizar-se, ainda que o ente o seja. Mediante a liberdade da existência e a angústia do nada do

1 Cumpre ressaltar, antecipando considerações apresentadas no Capítulo 3 da Parte III – O não-ser do ser pra

sempre: uma interpretação existencialista, que há uma grande diferença entre aparecer como ser-no-mundo, fluxo e

devir, e o ―apareSer‖ tele-existencial, que diz respeito a ser-imagem técnica na nulodimensionalidade ciberespacial.

Page 148: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

148

qual surgem e no qual desaparecem os homens, a questão do sentido de ser permanece em aberto

e qualquer resposta, conforme admite a fenomenologia, sempre será relativa e provisória. Ainda

assim, é uma alternativa de compreensão mais interessante que a episteme metafísica, pois não

ignora a fluidez da vida, do mundo, do existir.

Investigar o fenômeno da tele-existência como aquilo que se dá em função da

(in)visibilidade cibermediática exige que se observem e interpelem os modos de ―apareSer‖ como

agônico jogo de projeção e dissolução; exige que se assumam a impermanência do aparecer e,

consequentemente, do próprio ser como dinâmica fenomênica, ou seja, ocorrência,

acontecimento, movimento, devir; mas nunca como essência ou substância ―legítima‖ que está

por trás da ―enganosa‖ aparência, como supõe a metafísica, ainda que muitos indivíduos

dediquem-se a erigir uma representação/simulação ideal de si mesmos, projeto que os consome,

pois dado o fato de que é impossível finalizar-se a contento, está sempre ―em construção‖. Tal

edificação, no fundo, é uma entificação.

Apreendido no modo de um constructo ideal – o conceito -, o ser patencia-se,

então na ideia ou representação. E estas, por sua vez, pelo seu poder de

manifestação, isto é, de se exporem de modo patente e permanente, têm também,

o caráter de entes. (Ibid., p. 42).

Aparecer, ser e existir são coincidentes na fenomenologia e implicam a apreensão dos

entes não como coisas em si, mas presenças-no-mundo, conjunto de manifestações que,

provisórias, relativas e contextuais, desvelam seu ser, ser que aparece e desaparece no palco do

mundo mediante o testemunho da alteridade humana. Assim, existir é sempre coexistir e ser é

necessariamente ser percebido por alguém. O que não se manifesta, uma vez que não é percebido,

não existe. O significado de algo ou alguém, portanto, não é atributo da ―substância‖ que a

aparência bem ou mal revela, mas constituído na relação com um olhar. Esse olhar, longe de

corresponder ao sujeito do conhecimento ou a uma consciência dada a priori, é aquilo que

acontece no momento mesmo em que se depara com o manifestar-se do ser de outrem. Não há

precedência de um sobre o outro. Daí Sartre (2011) referir-se à consciência como ato de

conhecer, de lançar-se, movimento que, sempre exterior a si, torna-se consciente de si, para-si, no

confronto relacional. De pronto, a fenomenologia existencialista admite a impossibilidade de

conhecer algo em sua totalidade, como verdade definitiva, pois ―a coisa se mostra, sempre, para

um certo olhar” e ―todo olhar vê somente aquilo que está exposto à luz, e não vê aquilo que o

ente apresenta de si sob o escuro, ocultado. É a isto que se refere a intencionalidade da

Page 149: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

149

consciência‖ (CRITELLI, 2006, p. 67-68). Para cada olhar, para cada perspectiva, uma forma de

ser, aparecer, manifestar-se.

Mas a lógica do ―apareSer‖ tele-existencial difere da dinâmica fenomenológica

aparecer/ser/existir. Em primeiro lugar porque não trata de presença-no-mundo, mas telepresença,

presença despida de corpo/sujeito, embora seja deste uma reverberação, uma emanação, uma

manifestação. Mas, esta presença não deseja ser apenas vestígio, pleiteia o status de sujeito e, no

lugar do corpo, propõe sua corporeidade espectral. Na coexistência a distância, busca o outro que

lhe dará significado e sentido existencial; mas, no processo, abdica de ser ocorrência, evento e

devir para emoldurar-se, circunscrever-se, dar-se como imagem, representação. Por outro lado,

também retira do olhar do outro o fato de ser um acontecimento qualitativo, um ―durante‖ que

não perdura, mas se modifica. O olhar só interessa na medida em que pode ser apreendido como

―par de olhos‖, substância classificável, passível de arquivo e rastreamento, contagem e

inventariado como bens autorreferentes. ―Tenho tantos amigos‖ diz mais sobre si mesmo do que

sobre todos os outros. Congela um conceito, uma ideia, uma aura sobre aquele que se põe a

―apareSer‖. Ainda que se proponha a observação do ―apareSer‖ a partir da perspectiva

fenomenológica, é preciso apontar que sua dinâmica nutre-se da mentalidade metafísica.

―apareSer‖ é esparramar uma sequência de incontáveis petrificações de si, da vida, do mundo:

imagens técnicas que ousam reter o fluxo, o devir, até que outra imagem seja necessária para

represá-los em novas cristalizações. Nesse sentido, sob sua lógica:

[...] a subjetividade torna-se identidade, o conteúdo é forma, o interior está no

exterior, a essência na aparência, a realidade na representação, a imagem vira

corpo, a visibilidade confere invisibilidade (em meio ao excesso), o privado

torna-se público, a multiplicidade reune-se sob a unidade de uma identidade e a

universalidade do ser humano esparrama-se na pluralidade de formas de vir a ser

e publicizar-se. O sujeito busca seus contornos, mas confunde-se com a rede na

qual é produzido. (DAL BELLO, 2011, p. 11).

Inquirir sobre o ―apareSer‖ tele-existencial implica pensar sobre a natureza do olhar

que a manifestação cibermediática busca e do olhar que se forma diante das telas, a partir do

reconhecimento da lógica coercitiva que impera nas redes hiperespetaculares e do fato

insofismável de que para ser, ser reconhecidamente alguém, torna-se cada vez mais

imprescindível estar nos media.

Page 150: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

150

1.1 Do espetáculo ao hiperespetáculo

O termo ―apareSer‖ apresenta vocação para abarcar todos os regimes de visibilidade e

produtos da indústria cultural, das revistas de celebridades a programas de auditório e reality

shows. Salienta-se, entretanto, que o advento do cyberspace tornou mais fácil ser mediaticamente

visível, pois a exposição de si na Internet não depende, conforme Bruno e Pedro (2004), de

instâncias decisórias centralizadoras que julgam quem é digno ou não de visibilidade. Destarte,

nas plataformas ciberculturais, todos podem ―apareSer‖, podem ter o seu rincão performático, a

sua oportunidade de brilhar e chamar a atenção da grande mídia. Não à toa, utiliza-se a expressão

―fenômeno mediático‖ para qualificar aquele que alcança expressivo destaque nos meios de

comunicação.

Como saldo dos esforços empreendidos no cyberspace, aparições em programas de

televisão ou capas de revista e oportunidades no mercado fonográfico, cinematográfico e editorial

consagram as personalidades do momento. Absolutamente adequadas à lógica de mercado,

alçadas ao status de celebridades, tais pessoas gozam da aura dos olimpianos de Morin (1969) e

das vedetes de Debord (1967), ainda que não consigam mantê-la sem o apoio tácito e interessado

dos media, dada a aceleração dos processos de reciclagem de novas estrelas. Nesse sentido,

Primo (2009) lembra que o uso de webcams, Blogs e videologs pode contribuir para a construção

de significativa audiência, mas a elevação de alguém à celebridade mediática depende de sua

conversão em produto da indústria cultural com larga exposição nos meios de comunicação de

massa. Como exemplo, retoma o caso da blogueira Raquel Pacheco, que se tornou famosa por

contar na rede as aventuras que viveu como a garota de programa Bruna Surfistinha: ―a

reformatação de seus posts no formato livro e a massiva exposição na mídia foram fundamentais

para seu amplo reconhecimento como uma celebridade. Para a massa, o blog tornou-se conhecido

apenas em um segundo estágio‖ (PRIMO, 2009, p. 12).

Nem todos fazem uso das redes sociais para alcançar o estrelato mediático, assim

como nem todos que têm esse objetivo obtém sucesso ou o tipo de visibilidade idealizada. Mas,

há um aspecto imanente que caracteriza fundamentalmente a fenomenologia do ―apareSer‖ tele-

existencial e perpassa todas as projeções subjetivas nas plataformas ciberculturais: o imaginário

hiperespetacular partilhado no contexto neonarcisista da pós-modernidade.

Assim como a pós-modernidade corresponde a uma intensificação de vários aspectos

da modernidade, não necessariamente rompendo com eles, o hiperespetáculo deve muito ao

Page 151: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

151

imaginário espetacular gestado no escuro das salas de cinema, parido em pôsteres e capas de

revista, alimentado pelo discurso autorreferente dos programas de televisão e, hodiernamente,

pelo hiperjornalismo dos paparazzi. Machado da Silva insiste: ―O hiperespetáculo não é a

eliminação do espetáculo‖ (2007, p. 34). Sem dúvida, o imaginário hiperespetacular, ao qual

estão intimamente ligadas as tecnologias do tempo real, deve ao imaginário espetacular instituído

pelos meios de comunicação de massa e pela indústria cultural a serviço do capitalismo moderno

uma de suas principais características: o estabelecimento da visibilidade mediática de larga escala

como critério de legitimação ou valorização de algo ou alguém.

A partir desse critério, torna-se compreensível porque o hiperespetáculo constitui um

salto entre assistir e existir, ser audiência e ter existência. Levando-se em conta a coincidência

fenomenológica entre ser, aparecer e existir, a condição de espectador, na invisibilidade das salas

de televisão ou cinema, não é mais suficiente. Após aprender a admirar astros e estrelas, aqueles

que aparecem e são vistos por todos, almeja-se a visibilidade máxima para máximo

reconhecimento da existência. Como lembra Morin (1969, p. 75), as membranas translúcidas das

telas de cinema ou de televisão que isolam o espectador também facultam a ele a possibilidade de

ver melhor ou sonhar mais:

Assim, o espetáculo moderno é ao mesmo tempo a maior presença e a maior

ausência. É insuficiência, passividade, errância televisual e, ao mesmo tempo,

participação na multiplicidade do real e do imaginário.

O hiperespetáculo não rompe com a lógica espetacular, mas a entroniza e maximiza.

É ela que organizará o desabrochar cotidiano de si nas redes telecomunicacionais e ditará as

dinâmicas de relacionamento com o outro, aquele que interessa na medida em que compõe cativa

audiência. Nas plataformas ciberculturais hiperespetaculares, trata-se de deixar de ser espectador

para ser o próprio espetáculo e conquistar uma legião de fãs. Nesse sentido, é bastante

sintomático que o ícone ―fãs‖ exista no Orkut desde seu lançamento, em 2004, sobrevivendo às

contínuas alterações no layout do perfil, o que não se pode dizer de os indicadores ―confiável‖,

―legal‖ e ―sexy‖. A estrela perdeu a cor e a posição de destaque, mas ainda está ―lá‖, como pode

ser visto comparando-se as figuras 42 e 43.

Page 152: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

152

Figura 42. Perfil do Orkut (26 ago. 2007).

Figura 43. Perfil de Orkut Buyukkokten no Orkut (13 jun. 2013).

Page 153: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

153

Sem ferramentas adequadas para mensurar o ―sucesso‖ do espetáculo próprio, os

usuários do Orkut rapidamente apropriaram-se da quantidade de amigos como referencial de

popularidade (DAL BELLO, 2009, p. 47-48). Adicionar amigos tornou-se uma ―febre‖ e como o

Orkut não permitia mais de mil amigos por perfil, os indivíduos passaram a abrir novos perfis

toda vez que o último havia alcançado o seu limite. No Facebook, como pode ser observado na

figura 44, a informação sobre a quantidade de amigos ainda é relevante, apresentando-se com os

outros dois principais elementos de identificação: foto e nome.

Figura 44. Amigos de Vagner Araújo – Facebook (31 out. 2013).

Após a ascensão do Twitter em 2009, uma nova dinâmica, mais complexa, foi

incorporada ao jogo hiperespetacular: conquistar seguidores tornou-se mais significativo que

adicionar amigos, pois não exige reciprocidade e cria assimetria entre os usuários. Ou seja: o

usuário não precisa seguir as pessoas que são seus followers, diferentemente do que ocorre na

Page 154: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

154

relação amigo-amigo, em que o envio de um convite de amizade, uma vez aceito, pontua

igualmente os dois lados envolvidos. Nesse sentido, ter muitos seguidores é mais interessante ou

significativo que ter muitos amigos, razão pela qual vários usuários do Twitter valem-se do #FF

(Friday Following) para divulgarem a si mesmos e recomendarem outros perfis que consideram

merecedores de serem seguidos.

Figura 45. Seguidores de Vander Oliveira – Facebook (13 jun. 2013).

Pode-se dizer que a lógica de follower introduzida pelo Twitter e adotada pelo

Facebook (figura 45) aprimora o que, inicialmente, foi chamado de fãs pelo Orkut. ―Fã‖, do

inglês fan, oriundo de fanatic, implica fervor excessivo ou persistente por algo ou alguém que

goza de alguma fama. O termo comparece associado à ideia de culto e assim como o termo

―seguidor‖, sinônimo de adepto, relaciona-se com o imaginário religioso. Ter fãs ou seguidores

significa ser alvo de admiração irrestrita, ser ouvido e observado por muitos, ser objeto de culto, a

ponto do follower virar um stalker, um ―perseguidor‖2. Stalking, entretanto, não é um termo

novo: é utilizado desde o final da década de 1980 para apontar a perseguição insistente a

celebridades (AMOROSO, 2010). Thompson (2012, p. 266), em seus estudos sobre mídia e

modernidade, lembra que o tipo de intimidade possível a partir dos meios de ―quase interação

2

Page 155: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

155

mediada‖ – televisão, cinema – pode tornar o ídolo um objeto de veneração dada sua ausência e

inacessibilidade. Dentro dessa lógica, a capacidade de arregimentar seguidores em torno de si, ou

melhor, no rastro de suas manifestações, está diretamente ligada à capacidade de distinguir-se e

impor-se, de disputar a atenção alheia e angariar algum reconhecimento. A temática do

espetáculo retorna: cada plataforma ciberespacial é o grande palco em que cada um pode

―apareSer‖.

Após os fãs do Orkut, os amigos do Orkut, do Facebook e os seguidores do Twitter, a

promissora plataforma Pheed, lançada no final de 2012, propõe que os indivíduos tenham

assinantes, usuários dispostos a pagar para ter acesso ao conteúdo de um determinado perfil. O

convite é sedutor: Express yourself (figura 46).

Figura 46. Página de acesso à rede social Pheed. (21 mar. 2013).

No Pheed, por meio de contas pagas, os usuários podem cobrar pela visualização de

os conteúdos que publicam, compostos por mensagens de texto de até 420 caracteres, arquivos de

imagem, áudio e vídeo. Além disso, podem usar o aplicativo para alimentar perfis no Twitter e no

Facebook, otimizando tempo e recursos na tarefa de multiplicar-se pelas várias redes. Leva ao

extremo, portanto, a possibilidade de converter-se em conteúdo hiperespetacular dado

deliberadamente ao consumo de seus assinantes, com vistas a angariar projeção mediática. Em

Page 156: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

156

meio à gratuidade que marca a abordagem mercadológica de diversas plataformas ciberculturais,

a possibilidade de obter seguidores dispostos a pagar pelo acesso ao conteúdo pessoal só faz

reforçar o jogo hiperespetacular: tornar-se uma celebridade no Pheed é mais significativo ou

relevante que no Twitter, já que os followers devem pagar para poder ―seguir‖.

É preciso lembrar, entretanto, que o ―apareSer‖ tele-existencial ocorre em ambiente

de alta visibilidade mediática e implica, necessariamente, superexposição de si. Diferentemente

do espetáculo, o hiperespetáculo ciberespacial não tem script, é a própria vida que se desenrola

diante de ululante plateia; também não tem bastidores – em tempos de tele-existência, a

privacidade perdeu sua aura, seu valor. O sujeito espetacular, apagado e invisível na sua condição

de espectador, enlevado pelo que vê e o faz sonhar, deseja abandonar sua realidade cotidiana, já

que apenas o que os media mostram parece existir realmente.

O espetáculo pressupunha um outro mundo invisível, um antiespetáculo, a

transparência absoluta. O hiperespetáculo entroniza a visibilidade. Tudo é

simbólico. Tudo é imaginário. Nada há por detrás da imagem, nenhum truque a

desvendar, nenhuma missão a cumprir. Nada há para ser demonstrado. Somente

para ser mostrado. O hiperespetáculo não é o fim da história, mas somente uma

história sem fim ou o fim de uma novela, que terá continuação no dia seguinte.

Logo vem a próxima, sempre igual e diferente, eterno retorno da imagem como

cola social e como simulacro de interação delegada. É a radicalidade que se

esfacela. (MACHADO DA SILVA, 2007, p. 34).

No fundo, a visibilidade hiperespetacular não ocorre em um palco único e grandioso,

capaz de captar absolutamente todos os olhares em sua direção; ocorre em vitrines múltiplas,

janelas simultâneas e telas de formatos variados espalhadas como pontos pela rede, donde

emergem e desaparecem sujeitos hiperespetaculares. Por isso, todo aquele que se pretende

protagonista da própria história é, no máximo, conteúdo hipermediático oferecido para consumo

imediato. Por excesso de difusão, o sujeito torna-se difuso. Seu ―estado de dependência pelo

reconhecimento público e mediático (...) levou à total desrealização do próprio sujeito (...), que se

converte em matéria-prima do aparato de visibilidade mediática‖ (CONTRERA, 2010, p. 51).

Por essa razão, pode-se dizer que hiperespetáculo é um termo que alude e ao mesmo

tempo extrapola a proposição debordiana. Diz respeito à subversão da lógica da representação na

medida em que a imagem arrebenta o limite entre palco e plateia para tornar-se a ambiência que

envolve a todos (DEBRAY, 1994). Para Couchot (1993), no virtual, sujeito, objeto e imagem

desalinham-se.

Page 157: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

157

Em outras palavras, aquilo que, na Teoria da Comunicação, é chamado

genericamente de mensagem é, no cyberspace, susceptível de acolher em seu

interior os próprios usuários, por meio de seus espectros verbo-imagético-

virtuais. Tal mistura virtual-heterogênea entre sujeito e objeto jamais foi ou será

possível no processo de comunicação interpessoal e de massa. (TRIVINHO,

2001, p. 126).

No hiperespetáculo, os antigos e invisíveis telespectadores transformam-se em

coparticipantes das narrativas imagéticas que irrompem nas telas, tornando-se mais que

receptores interativos. Machado (2007, p. 216) usa o termo ―teleator‖ para aludir à participação

ativa e engajada nos meios digitais e lembra que esse agenciamento incorre em ―hipérbole do

sujeito‖, ―uma espécie de narcisismo radical e autorreferenciado, em que a única identificação

possível é a do sujeito com ele mesmo‖. Trivinho (2001, p. 125-126) considera os cibernautas

―indivíduos teleinteragentes ciberespaciais‖ que adentram o ―infouniverso‖.

A compreensão do caráter compulsivo do tele-existir cibermediático implica a

premissa de que os novos processos de subjetivação no contexto neonarcisista da pós-

modernidade3 devem muito à inseminação do imaginário pela lógica da sociedade do espetáculo.

O desejo de visibilidade que impera na prática da tele-existência deve ser considerado na relação

entre hiperespetáculo, iconofagia e mediosfera.

1.2 Iconofagia, mediosfera e desejo de visibilidade

Quando tudo é tela, a imagem torna-se a única realidade visível. (MACHADO

DA SILVA, 2007, p. 33).

No hiperespetáculo, os indivíduos não se limitam a produzir e consumir imagens. O

processo de espectralização, sem o qual não é possível adentrar a inabitável

nulodimensionalidade ciberespacial, tem por consequência a redução/abstração da complexidade

multissensorial do ser. Diferentemente do aparecer como ser/existir no mundo para um olhar,

―apareSer‖ é ser imagem-técnica. Os indivíduos são imagens, habitam-nas, vivem por elas.

Diagnóstico semelhante foi feito por Trivinho (2007b, p. 10) ao tratar do fenômeno da existência

em tempo real: ―Essa experiência encerra, grosso modo, o significado ontológico e tecnocultural

do que é ‗viver‘ no e como espectro, através e a partir dele‖.

3 Veja-se o Capítulo 3 da Parte I – Tele-existência como imperativo de época.

Page 158: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

158

Tal promiscuidade permite que se diga, sem exageros, que os indivíduos se

alimentam de imagens, ao passo que, por sua vez, são por elas devorados, tal é a proposição de

Baitello Jr. (2005) ao tratar da era da iconofagia. Nesse sentido, observa-se um interessante

exemplo ligado às redes sociais digitais: antes de realizar as refeições, tornou-se comum

fotografar e publicizar o prato (figura 47), preferencialmente em tempo real.

O "crime" parece irresistível: você está em um restaurante fino, o prato chega

bonito e apetitoso e, mesmo com água na boca, você para tudo para tirar uma

foto da comida e postar no seu Instagram, Facebook ou Twitter. A prática é tão

disseminada no mundo – e desagradável – que alguns estabelecimentos já

proíbem clientes de fotografar os pratos. (IKEDA, 2013).

A produção incessante e desmesurada de imagens parece não aplacar a insaciável e

irascível fome de imagens. Aliás, conforme Baitello Jr. (2005, p. 54), ―cada vez menos se comem

alimentos, cada vez mais se comem imagens de alimentos (embalagens, cores, formatos,

tamanhos, padrões etc.)‖.

Figura 47. Imagem do álbum Instagram do Facebook de Julie Fernanda (16 dez. 2012).

Aplicativos de fotos como o Instagram4, no vácuo da popularização do acesso à

Internet por meio de dispositivos tecnológicos de conexão móvel e contínua, associada à

integração de câmeras digitais a smartphones, tablets e netbooks, contribuiram para a

4 O Instagram foi lançado em outubro de 2010 e comprado pelo Facebook em abril de 2012.

Page 159: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

159

intensificação das práticas autoexpositivas e autorreferenciais nas redes sociais. Além de

facilitarem a publicação imediata das cenas capturadas, esses aplicativos possibilitam a aplicação

de filtros pré-configurados que hiper-realizam-nas. Graças a eles, os cibernautas não precisam

mais escrever onde estão ou com quem estão. Podem, simplesmente, postar uma foto.

Espectralização instantânea.

Em consonância, o irônico cartoon ―Cézanne, o tataravô do Instagram‖ revela o

sentido implícito na prática autoexpositiva de publicar imagens de refeições: a pressuposição de

que o outro precisa saber, no instante mesmo em que acontecem, coisas tão banais quanto ―o que

vou comer agora‖ (figura 48).

Figura 48. Cartoon “Cézanne, o tataravô do Instagram”. Autoria desconhecida.

O traço neonarcisista da indiscriminada publicização de si não pode ser

desconsiderado. Tele-existir é uma estratégia de afastamento do outro que implica, ao mesmo

tempo, uma espécie de intimidade voyeur. Convocado a assumir o papel de audiência, o outro

observa, tudo sabe, mas não pode aproximar-se, não pode tocar aquilo que vê. Como apresentado

anteriormente5, tal comportamento é fruto da cultura narcisista que caracteriza a pós-

5 Tópico 3.2 do Capítulo 3 da Parte I – Em busca de Onipotência.

Page 160: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

160

modernidade, mas há outro aspecto subjacente ao desejo de visibilidade que precisa ser

considerado: o fato da subjetividade alterdirigida, comumente contraposta ao sujeito introspectivo

da modernidade disciplinar, ter emergido sob a vigorosa mediosfera desenvolvida ao longo do

século XX.

De acordo com Contrera (2010, p. 56-57), a mediosfera não é uma esfera à parte da

noosfera, mas pode ser entendida como o imaginário próprio da sociedade mediática. Noosfera é

um neologismo introduzido por Teilhard de Chardin em O Fenômeno Humano que conjuga noûs

(em grego, espírito, psique) e sphaíra, do latim sphaera (esfera) para designar a ―‗camada

pensante‘ que, após ter germinado nos fins do Terciário, se expande desde então por cima do

mundo das Plantas e dos Animais: fora e acima da Biosfera, uma Noosfera‖ (1994, p. 197). Essa

realidade hiperfísica de dimensões planetárias ―tem na Humanidade sua base física‖ (ibid., p.

120). Morin (1998, p. 140) retoma o termo para designar, em consonância com Chardin e o

conceito de ―mundo três‖ de Popper, o universo de signos, símbolos, imagens e ideias no qual a

humanidade vive imersa. Nesse sentido:

[...] a noosfera está presente em toda visão, concepção, transação entre cada

sujeito humano com o mundo exterior, com os outros sujeitos humanos e, enfim,

consigo mesmo. A noosfera tem certamente uma entrada subjetiva, uma função

intersubjetiva, uma missão transubjetiva, mas é um elemento objetivo da

realidade humana. (Ibid., p. 146).

Para Morin, é impossível negar existência e realidade próprias aos mitos e ideias que

habitam a noosfera. São seres do espírito (ibid., p. 139). Trata-se do ―mundo das ideias, dos

espíritos/mentes, dos deuses, entidades produzidas e alimentadas pelos espíritos humanos na

cultura‖ (id., 2005, p. 303).

Pode-se dizer, conforme Contrera (2010), que conteúdos arquetípicos, míticos e

milenares, devidamente tratados por meios de comunicação de massa e pelas tecnologias digitais,

objetos de recontextualizações que invariavelmente os afasta de suas raízes originais e os

transforma em estereótipos pela redução simbólica que sofrem, são ―seres do espírito‖

pertencentes a um universo próprio, a mediosfera. Não por acaso, concorda-se com Morin (1969,

p. 83) que o culto às estrelas, a despeito da cultura de massa ser ―fundamentalmente estética e

profana‖, secreta uma mitologia própria.

Se, como lembra Machado da Silva (2012, p. 51), ―a noosfera é feita de imaginários‖,

é preciso considerar o quanto os media, como dispositivos suaves e difusos, inoculam o

imaginário, provocando, pela produção excessiva de sentidos, uma crise de sentido sem

Page 161: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

161

precedentes. São, sem dúvida, poderosas ―tecnologias do imaginário‖ que, na sociedade do

espetáculo, ―trabalham pela povoação do universo mental como sendo um território de sensações

fundamentais‖. Eis o alinhamento entre mediosfera, iconofagia e hiperespetáculo: as imagens

mediáticas em circulação alimentam as almas, levando-as a crer que não existe sentido fora do

mundo das imagens; por isso, todos querem participar do ―show da vida‖, viver seu próprio

espetáculo. Tele-existir é ―apareSer‖. E ―apareSer‖ é ser hiperespetacular, por-se como imagem

entre imagens e continuamente renovar sua própria aparição, consumindo-as, consumindo-se e

pondo-se como objeto de desejo e de consumo. A esse respeito, Baitello Jr. (2012, p. 124-125)

assevera:

A iconofagia também ocorre quando pautamos nossa vida pelas imagens,

desejamos ser como as imagens (dos corpos esculturais, dos ídolos, dos rostos

perfeitos, das peles sem rugas nem cicatrizes do tempo, dos cabelos sedosos e

sempre lisos e esvoaçantes, dos narizes de padrão Barbie e tantos outros

modelos desejados), queremos ser como as imagens ideais. Perdemos o contato

com o nosso corpo real, com o mundo das diversidades infinitas de corpos, de

rostos, de narizes, de cabelos e peles. Alimentamo-nos com imagens e nos

transformamos em imagens. Os exemplos dramáticos de enfermidades como

anorexia, bulimia e obesidade mórbida nos desafiam a pensar sobre os efeitos

danosos de uma sociedade da imagem sobre os corpos reais.

Torna-se compreensível a vivacidade do desejo de visibilidade que consome tantos

nas práticas tele-existenciais de autoexposição: o imaginário, devidamente semeado pelas

narrativas mediáticas que viscejam nos mais diversos meios e formatos, tomado pelas figuras e

pelos valores da mediosfera, assume o ―apareSer‖ como prioridade vital. Apoiadas em Debord

(1967) e Fridman (2000), Bruno e Pedro (2004, p. 4) tecem a seguinte consideração:

Num mundo que se apresenta sob a forma de imagem espetacular, a vida real é

experimentada como pobre e fragmentária, movendo os indivíduos a contemplar

e a consumir passivamente tudo o que lhes falta em sua existência real. O

espetáculo é, assim, o sequestro da vida e a cisão do mundo em realidade e

imagem.

Espectralização da existência e hiperespetacularização nas plataformas ciberculturais

são intrínsecas: a projeção de si visa à conquista da visibilidade mediática para, nela, o sujeito

autoafirmar-se. Ressalte-se, inclusive, o fato de que espectro e espetáculo comungam a mesma

raiz latina, specto, e são da ordem da visualidade. Nos termos de Chauí (2006, p. 81-82),

pertencem ―ao campo da visão‖.

Page 162: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

162

1.3 Espelhos e vitrines cibermediáticas

As práticas autoexpositivas que caracterizam o ―apareSer‖ tele-existencial guiam-se,

invariavelmente, pelas referências sancionadas no e pelo universo mediático. A sedimentação da

mediosfera, graças à lógica espetacular, torna-se patente em análises robustas como a realizada

por Almeida (2013): considerando o universo das adolescentes na web, a pesquisadora percebeu

que a postagem de autorretratos tem por finalidade angariar a aprovação dos ―amigos‖, expressa

em comentários positivos ou número de likes. As imagens especulares têm por objetivo compor

uma corporeidade espetacular6 pronta para consumo: ―as intencionalidades e lapidações dos atos

de edição não tem outra função predominante senão a produção visual de sujeitos objetificados

para o olhar do outro‖ (ibid., p. 207). Essa corporeidade espetacular raramente desvia-se dos

modelos mediáticos, o que requer a consideração das questões éticas que rondam os corpos fake

que aparecem em anúncios publicitários e revistas femininas de grande circulação. No processo

de autoestilização, as jovens cibernautas aplicam vários tipos de ―efeitos-cosméticos‖ às imagens.

Por isso, Almeida (2013, p. 67) considera que ―as fotos do Facebook são publicitárias, encenação

estratégica do sujeito‖. Nas redes, busca-se projetar a mesma aura que irradia das imagens das

estrelas, a qualidade de Visus (CANEVACCI, 1990, p. 71).

Visus é o visível, é o que faz com que astros e estrelas tornem-se adorados e

desejados pelas multidões, um visus imortal e divino, que subtrai a fluidez

diacrônica transformando seus detentores em entidades sincrônicas, intatas,

visíveis, inatingíveis e sagradas. [...] Celebridades que intensificam seu Visus

idilicamente carregam consigo o peso mortífero, sempre à beira do

desaparecimento pessoal. Marilyn Monroe, James Dean, Elvis Presley, John

Lennon, entre outros fazem parte do rol de visus fortes e vidas fragilizadas.

(ALMEIDA, 2013, p. 190).

Em consonância com tais considerações, apresentou-se em 2012 (cf. DAL BELLO;

ROCHA, 2012b) o caso de Bruna Grilá para apontar o caráter narcisista do excesso de imagens

de si em circulação nas redes sociais e exemplificar o processo de conversão do sujeito em objeto

6 Almeida (2013, p. 186) emprega a expressão para ―delinear o escopo da utilização de conceitos já arraigados em

diversos campos do conhecimento com algumas particularidades, que não abarcam a literalidade do tom marxista de

Debord, nem a plenitude da fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty, tampouco dá conta de envolver todas as

complexidades psicanalíticas instauradas no Estádio do Espelho de Lacan, mas ao mesmo tempo empresta dos três

algumas contribuições. Em poucas palavras-chave designamos: imagem corpo + figura exposta + trabalhada +

normativizada + visualizável + intencionalizada para a aceitação = corporeidade espetacular‖. Explica, também, que

a corporeidade espetacular pode ser primária, envolvendo toda uma disciplina anatomofisiológica, portanto

tridimensional, e secundária, bidimensional, relativa aos autorrepresentações. Sua pesquisa dedica-se sobretudo ao

segundo tipo.

Page 163: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

163

de desejo e de consumo, além de contribuir para a desmistificação do consenso de que as

plataformas ciberculturais são sites de relacionamento quando, no fundo, o outro é convertido em

―status de bens‖ (TEIXEIRA, 2005, p. 160), satélite marginal indispensável na composição do

star sistem pessoal. Embora as diversas imagens que compõem os álbuns Eu, Grilá II e Grilá III,

disponíveis no perfil do Orkut da usuária, aparentem abertura de sua intimidade, providenciam e

aprofundam o afastamento. As poses que faz diante da câmera, em frente ao espelho ou sob a

lente que ela mesma opera para garantir a qualidade da versão de si que apresentará, sequestram

sua humanidade e posicionam–na entre as intocáveis estrelas.

Fotografias que preconizam a paralisação do sujeito, retirado do curso de suas

ações eventuais necessariamente é uma fotografia posada. E toda pose é uma

fabricação despida de qualquer espontaneidade. (ALMEIDA, 2013, p. 153).

Por meio de seu ensaio fotográfico caseiro, Bruna goza da aura das modelos. Dá-se

ao mundo em uma projeção imaginária e hiper-real, sem permitir a quem quer que seja que a

toque. O fato da capacidade de experimentar ter se desligado do necessário encontro foi

diagnostica por Thompson (2012, p. 266) e, antes deste, por Morin (1969, p. 74), quando lembra

que o espectador ―puro‖, embora possa ―ver‖ em toda parte, não tem condições de ―aderir

corporalmente àquilo que contempla‖. Nesse sentido, as imagens são armaduras, bunkers,

fechamento sobre si como estratégia de sobrevivência, no sentido conferido por Lasch (1990). Eis

porque tal prática de autoexposição é narcisista. É cativa do olhar do outro, que só interessa como

cativa audiência. Por temer a dependência emocional, superficializa as relações, o que contribui

para que se tornem insatisfatórias.

Permanece o vazio e o medo que podem, por sua vez, estar na raiz do excesso

informacional sobre si predominante em tais plataformas. Neste caso, o excesso

corresponderia à busca por algo que preencha a sensação de vazio e as imagens,

a necessária proteção que assegura ao eu um espaço/tempo de articulação com o

temido outro. São sua armadura. Por meio delas, pode expor-se com o

sentimento de não correr tantos riscos assim. (DAL BELLO; ROCHA, 2012a, p.

3).

A criação de álbuns autorreferentes são uma prática comum, inclusive entre meninos.

Uma rápida comparação entre as imagens do álbum ―Fotos do perfil‖, de Bruna (figura 49), e as

imagens do álbum ―Eu‖, de Lucas (figura 50), ambos disponíveis no Facebook, revelará os

mesmos elementos: imagens produzidas, posadas em frente a espelhos, com presença da câmera

fotográfica, quase sempre operada pelo(a) próprio(a) ―modelo(a)‖.

Page 164: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

164

Figura 49. Miniaturas das fotos de perfil de Bruna no Facebook (20 jun. 2013).

Figura 50. Miniaturas das fotos do álbum “Eu” – perfil de Lucas no Facebook (20 jun. 2013).

Page 165: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

165

Sem dúvida, o excesso de imagens de si evidencia, em primeiro lugar, a necessidade

de apreender o ser-sendo que cada um é. Barros Filho (2005, p. 17) lembra que ―representações e

relatos sobre si estão sempre atrasados‖, daí a necessidade de renovação constante das imagens

do perfil. Entretanto, cada nova imagem, embora pretenda romper a cristalização da vida contida

na anterior, não providencia mais que nova cristalização. Em segundo lugar, a repetição temática,

a começar pelos títulos de álbuns autorreferentes como ―Eu‖ ou ―Eu mesmo‖, parece reafirmar

aquilo que se pretende apreender: ―Quem eu sou‖.

Para Baitello Jr. (2005, p. 55-56), as imagens, em sua proliferação autônoma, bastam-

se a si mesmas, deixando de ser janelas para o mundo para tornarem-se janelas para si próprias.

―Tal fenômeno de autorreferência implica em supressão do mundo em favor das representações

bidimensionais em circuito fechado, ou seja, as imagens se referem sempre e apenas a imagens‖.

Na passagem da função-espelho para a função-vitrine, as imagens tornam-se soberbas ovelhas

desgarradas. Elementos caóticos e fragmentários que constituem prosaica narrativa sobre o eu e

contribuem diretamente para sua representação-simulação: apontam para alguém ao mesmo

tempo em que o hiper-realizam, tornando-o outro..

São semblantes performáticos, a sua melhor tradução, o melhor enquadramento,

que parte da referência do corpo carnal e metamorfoseia-se nas intervenções

corrigíveis uma, duas, três vezes ou mais. Tornar-se "bela" como as atrizes e

celebridades não é mais um luxo permitido para poucos ou um sonho

inalcançável [...]. É o sonho de todos se tornarem objeto midiático. As

fotografias se tornam os novos espelhos, de bidimensionalidades longânimas,

mais condescendentes com nossas aspirações do que o reflexo duro do espectro.

Fitamos o resultado, envolto em uma atmosfera sublime como se fosse a

realidade. (ALMEIDA, 2013, p. 71).

Os perfis, parte daquilo que habitualmente é oferecido ―ao mundo social como

definidor de nós mesmos‖ (BARROS Filho, 2005, p. 16), são espaços de construção identitária

que se revelam como espelhos, evidenciando e circunscrevendo o eu em meio à miríade de

páginas e fluxos informacionais do cyberspace. Cada perfil totaliza o universo de informações

esparramadas por/sobre o cibernauta, e tal conjunto totalizador o ―corporifica‖ como alguém,

tema que se aproxima bastante da proposição de Almeida (2013) sobre ―corporeidade

espetacular‖. Mas, justamente por ser uma projeção subjetiva, a atuação nas plataformas

ciberculturais nunca perde de vista a função-vitrine.

Como vitrines, implicam que o usuário maneje todos os artifícios na composição

de um duplo encantador, projetado como sujeito-objeto que desperte o interesse

do outro, que suscite comentários, que alcance audiência – celebração sem a

Page 166: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

166

qual o usuário sentir-se-á, paradoxalmente, menos ele próprio. Afinal, outros

imaginários se cruzarão com o que o eu julga ser. (DAL BELLO; ROCHA,

2012a, p. 6-7).

Nesse sentido, o aplicativo The Museum of Me, desenvolvido pela Intel em 2011, é

exemplar. A partir dos diversos dados disponibilizados no perfil do indivíduo, o aplicativo cria

um ambiente 3D futurista para exibir uma síntese sobre quem ele é. Os ―melhores amigos‖, as

principais ―fotos‖, os mapas de ―localização‖, as ―palavras‖ que aparecem com mais frequência

nas postagens e, por fim, fotos e vídeos que o indivíduo ―curtiu‖ são agenciados no processo. O

ambiente assume a aura suntuosa das galerias de arte (figura 51), mas, no fundo, é mais triste e

solitário que um museu, assumindo ares de mausoléu.

Figura 51. Página inicial do aplicativo The Museum of Me (27 jun. 2013).

Figura 52. Cena final do tour pelo museu de Cíntia Dal Bello (27 jun. 2013).

Após permitir que o aplicativo rastreie e filtre suas informações, o indivíduo é levado

a um vídeo em que passeia pelo próprio museu. O tour termina em uma sala onde braços

Page 167: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

167

robóticos selecionam imagens aleatórias, não pertencentes aos álbuns do indivíduo, para montar

um mosaico de seu rosto e mostrá-lo interligado a diversos outros, formando uma galáxia de

conexões (figura 52). Após a exibição do filme, o usuário retorna ao seu perfil do Facebook, onde

um álbum com cinco imagens registra os melhores momentos da visitação.

É importante frisar que a seleção feita pelo aplicativo não necessariamente reflete a

ideia que o indivíduo tem de si mesmo. Por outro lado, os algoritmos que balizam a escolha dão

conta de quem o indivíduo é no instante em que é avaliado: pela quantidade de interações que

mantém com esta ou aquela pessoa, deduzem quem são seus melhores amigos; pela repercussão

que certas fotos causam no ambiente, determinam quais são as mais importantes. O sistema,

obviamente, não consegue apreender entrelinhas ou distinguir ironias. Por isso, dá como certo

que a palavra mais utilizada pelo indivíduo e, portanto, aquela que deve servir para expressar algo

absolutamente relevante sobre ele, é a palavra ―que‖.

Função-espelho e função-vitrine se imbricam aqui. O ―arquivo visual de sua vida

social‖, como o aplicativo é publicitariamente definido em sua página, parece celebrar a vida,

mas aproxima-se muito das homenagens póstumas. O sentido que se deseja imprimir quando,

nesta Tese, os termos ―cristalização‖ e ―petrificação‖ são empregados para caracterizar as

imagens-técnicas, torna-se literalmente visível. No ambiente futurista, não há vida. Neste cenário

pós-humano, post-mortem, após singularizar o sujeito, o tour caminha para a sua dissolução.

Quem é este que se apresenta no museu? Um mosaico de tantos outros. Mais um dentre tantos

outros. Projeção-dissolução. Memorial de memórias efêmeras, mausoléu virtual que não abriga

nem o cadáver, nem suas cinzas, apenas bits e bytes imortais.

1.4 Visibilidade/vigilância

O ―apareSer‖ tele-existencial abarca o uso confessional da Internet (BAUMAN,

2008) e o comportamento generalizado de evasão de privacidade e de exposição da intimidade

(SIBILIA, 2008) que transforma as redes sociais digitais em ―palcos hiperespetaculares de

publicação de sujeitos‖ (DAL BELLO, 2008). O termo denomina o fruto do processo de

naturalização do desejo de autoexposição que desenvolveu-se, paulatinamente, ao longo do

século XX graças à colonização do imaginário popular pelas indústrias cultural, da moda e da

publicidade, dada a larga penetração dos meios de comunicação de massa instituintes de uma

Page 168: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

168

sociedade espetacular e, correlatamente, um imaginário próprio – a mediosfera (CONTRERA,

2010). Nesse sentido, ―apareSer‖ denomina o conjunto de práticas socioculturais de

autoexposição com vistas à legitimação da existência. E, dentre elas, a tele-existência

cibermediática e glocal comparece como novo modus vivendi, epocal, cujo sentido nutre-se

diretamente dos conteúdos inoculados pelos meios de comunicação, poderosas tecnologias do

imaginário ou ―dispositivos de cristalização de um patrimônio afetivo, imagético, simbólico,

individual ou grupal‖ que mobilizam e estimulam indivíduos e coletividades (MACHADO DA

SILVA, 2012, p. 47).

Olimpianos e vedetes são referências importantes na consideração dos conteúdos

mobilizadores que habitam a mediosfera. Para Morin (1969), a promoção de indivíduos à

condição de heróis mediáticos pelos meios de comunicação de massa confere-lhes uma aura

―olimpiana‖; a dimensão divina que envergam seduz, fascina e induz à adoção de estilos de vida,

modelos de comportamento e consumo em larga escala como formas de acesso a uma vida de

luxo, amor e felicidade ideais. Entretanto, a condição humana e mortal dos novos deuses, exposta

e explorada pelos mesmos meios, é o que provocará a identificação dos demais.

A imprensa, o rádio, a televisão, nos informam sem cessar sobre sua vida

privada, verídica ou fictícia. Eles vivem de amores, de festivais, de viagens. Sua

existência está livre da necessidade. Ela se efetua no prazer e no jogo. Sua

personalidade desabrocha sobre a dupla face do sonho e do imaginário. Até

mesmo seu trabalho é uma espécie de grande divertimento, votado à glorificação

de sua própria imagem, ao culto de seu próprio ―Double‖ (duplo). (Ibid., p. 79).

Para Debord, as vedetes espetaculares concentram em si a condição superficial do

―viver aparente‖. Ao figurar ou encarnar estilos de vida e de compreensão da sociedade, são

menos indivíduos com qualidades autônomas que modelos de identificação: ―As pessoas

admiráveis nas quais o sistema se personifica são bem conhecidas por não serem aquilo que são‖

(DEBORD, 1967, §61).

Pari passu a exposição massiva a tais modelos, a reflexão sobre o processo de

naturalização do desejo de exposição mediática não pode ignorar o fato de que, na cultura

ocidental, o desenvolvimento de técnicas de visualização com os mais variados fins responde a –

e também fomenta – um sistema social em que a imagem é absolutamente relevante. Conforme

Almeida (2013, p. 184), a importância que a imagem ultrassonográfica assumiu, sobrepondo-se,

muitas vezes, ao contato proprioceptivo/tátil, corresponde a toda uma geração de adolescentes

que ―já nasceram sob a égide da observação, sendo vistos como imagens desde o ventre de suas

Page 169: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

169

mães‖. A intimidade com as tecnoimagens e seus aparelhos é tão ―natural‖ que crianças muito

pequenas, além de posar para foto, já sabem pedir para ver como ficaram na tela de preview da

câmera. Nas redes, é comum encontrar perfis de crianças, algumas ainda nem nascidas, que são

carinhosamente cuidados por seus pais até que possam assumi-los quando tiverem ―idade‖. Outro

sintoma interessante é o fato de que, nas plataformas ciberculturais como o Facebook, mensagens

textuais só reverberam quando são editadas como imagem.

Somos procurados muito mais por nossas fotografias e vídeos do que por nossas

opiniões, ressaltando especialmente as fotografias postadas nos álbuns e perfis,

plasmando a aparência corporal em seus atos mais triviais e incentivando a

construção imagética da vivência no cotidiano. E quanto mais imagens postadas,

mais interessante é a performance na rede, sendo digna de ser

acompanhada/seguida pelos olhos alheios. (Ibid., p. 43).

Ascender ao panteão dos olimpianos, entretanto, tem seu preço. Afinal, todo regime

de visibilidade institui, por lhe ser intrínseco, uma instância de vigilância. Esta, na sociedade

espetacular instaurada pelas tecnologias do imaginário, será diferente do modelo precedente

preponderante – o panóptico.

Conforme Foucault (1979, 2010), no registro panóptico, a exposição é um fator

coercitivo, dado em função da disciplina e do controle para a conformação de corpos dóceis, bem

adaptados à ordem das instituições normativas. A instituição da visibilidade é estratégica: deve

prevenir fugas, revoltas e traições, deve garantir o exercício do poder de poucos sobre muitos.

Na sociedade espetacular, observa-se o oposto: por meio das telas de cinema e

televisão, muitos passam a observar poucos, os ―eleitos‖, aqueles que congraçam do privilégio de

serem conhecidos. Bauman (1999, p. 60), retomando expressão cunhada por Mathiesen (1997),

lembrará que o regime sinóptico de visibilidade ―seduz as pessoas à vigilância‖. Diferentemente

do panóptico, em que a visibilidade/vigilância ocorre em sistema de enclausuramento, portanto,

local, no sinóptico, os indivíduos não são arrancados de suas localidades: podem acessar a rede

extraterritorial a partir de suas próprias residências para aceder ao encanto de ver/vigiar, é global.

Para ele:

Os poucos que são observados são as celebridades. Podem ser do mundo da

política, do esporte, da ciência, do espetáculo ou apenas especialistas em

informação famosos. De onde quer que venham, no entanto, todas as

celebridades exibidas colocam em exibição o mundo das celebridades – um

mundo cuja principal característica é precisamente a condição de ser observado.

(Ibid., p. 61).

Page 170: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

170

Se, entretanto, pode-se levantar a hipótese de que o registro sinóptico, relativo à

sociedade do espetáculo e aos meios de comunicação de massa, sobretudo à televisão, é

responsável em grande parte pela instituição do desejo de ser visto, estar na mídia, participar do

universo dos notáveis mediáticos7, é preciso lembrar que o modelo de visibilidade/vigilância que

vigora no hiperespetáculo cibercultural imiscui as tecnologias precedentes e implica, ainda, as

possibilidades de indexação, rastreamento e arquivamento, conferindo visibilidade aos

deslocamentos no tempo de uso das redes e no espaço físico-geográfico (BRUNO, 2008a). Mas,

sem dúvida, as tecnologias do imaginário não apenas facultaram referências para os processos de

projeção e identificação como evocaram e consolidaram uma espécie de subjetividade

alterdirigida, ávida, por um lado, em consumir a diversidade de materiais simbólicos com os

quais ―vai tecendo uma narrativa coerente da própria identidade‖ (THOMPSON, 2012, p. 268) e,

por outro, em por-se ou expor-se também como referência válida. Nem por isso o caráter ativo,

criativo ou engajado de tal empreitada deixa de ser condicionado. Deve ser considerado o fato,

tratado por Bruno (2008b, p. 49), de que a publicação de fotos e vídeos caseiros no cyberspace

transporta a relação visibilidade-vigilância da dimensão do controle para a dimensão do

entretenimento. Imagens que fomentam uma ―estética do flagrante‖ são:

[...] muito similares àquelas que os paparazzi, as câmeras escondidas, os reality-

shows, as pegadinhas e as videocassetadas nos habituaram a ver. Eis porque

essas imagens de vigilância são também imagens do espetáculo. Imagens que

divertem, entretêm, dão prazer, convidam ao voyeurismo e promovem uma

reversibilidade jocosa entre o anônimo e o célebre, o público e o privado, pois

aplicam à vida corrente e às pessoas comuns o mesmo procedimento escópico e

atencional outrora reservado às celebridades da grande mídia ou ao interesse do

grande público.

Thompson (2012, p. 270-271) admite que, ao incorporar as referências mediáticas,

cada vez mais o self organiza-se como um projeto reflexivo, cuja narrativa é constantemente

retomada, renovada, revisada. Em contraste com as narrativas olimpianas, cada um pode tomar a

si mesmo sob outra luz, uma nova luz. Mas, o autor sublinha que tal promiscuidade com os media

não comparece despida de aspectos negativos.

Desejo de ser visto, autoexposição e superexposição mediática retroalimentam-se em

um movimento circular acelerado. A superexposição institucionalizada e sancionada pelos media

fomenta o desejo de ser visto tal qual o outro; o desejo de ser visto leva à prática da

7 Diversos programas de auditório, no lastro de Gongo Show, e mais recentemente os reality shows, exploram este

desejo para constituir suas atrações.

Page 171: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

171

autoexposição, e a superexposição, uma vez que incorre em excesso informacional, institui novos

parâmetros e critérios que pautam o ambiente concorrencial. Nas plataformas ciberculturais pode

haver espaço para todos, mas o tempo, ainda que as operações ocorram em tempo real, ainda é

escasso. O tempo de ocupação de um espaço privilegiado no feed de notícias do Facebook, por

exemplo, dura apenas até o depósito de novos conteúdos que fatalmente soterram as publicações

anteriores. Ainda que sejam recuperáveis por meio de mecanismos internos de busca, perderam o

brilho da ―atualidade‖. Por isso diz-se que o excesso informacional provocado pela

superexposição renova e aguça o desejo de ser visto.

A explosão demográfica das redes sociais digitais, que possibilitam a

manifestação subjetiva e a promoção do ―eu‖ para uma audiência cativa formada

por amigos ou seguidores, assinala o quanto tais plataformas parecem

corresponder à necessidade de ser reconhecidamente alguém, democratizando o

acesso à realização do sonho de ser star em um star system particular. Por

confundir-se tão intimamente com o imaginário do espetáculo, a visibilidade

facultada pelos meios de comunicação torna-se imprescindível e desejável –

ainda que traga consigo, pois lhe é intrínseca, a faceta da vigilância. (DAL

BELLO; ROCHA, 2012a, p. 15).

Assim, pode-se dizer que as subjetividades que colonizam a nulodimensionalidade

ciberespacial, projetadas e reprojetadas nos mais variados artefatos sígnicos de identidade, estão,

antes e ao mesmo tempo, colonizadas pelo imaginário de sucesso, fama e realização que

conforma a mediosfera. Fruto da confluência das culturas mediática, narcisista e pós-moderna

que regeram o século XX e consolidam, no século XXI, a era da visibilidade mediática e da

dromocracia cibercultural (TRIVINHO, 2007a), a subjetividade alterdirigida nutre-se do vazio

que lhe permitirá desenvolver sua corporeidade espetacular, sua dimensão tele-existencial.

Afinal, como lembra Machado da Silva (2007, p. 32): ―O espetáculo era uma imagem do mundo.

O hiperespetáculo é uma imagem de si mesmo‖.

Page 172: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 173: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

173

CAPÍTULO 2 – A dinâmica agonística dos jogos de performance cibermediática

A passagem do regime panóptico de visibilidade/vigilância (FOUCAULT, 1979,

2010) para o regime sinóptico (MATHIESEN, 1997 apud BAUMAN, 1999), em que a imagem

aprisiona por seu apelo sedutor, exige que se façam mais algumas considerações a respeito da

cultura de massa, especificamente sobre seu caráter lúdico e sua vocação para o lazer para, então,

compreender por que a tele-existência cibermediática é vivenciada como uma forma de

passatempo.

O lazer moderno, resultado da efervescência entre as pressões sindicais e a

organização burocrática do trabalho, não se reduz ao tempo de repouso ou recuperação das forças

para início de nova jornada. Também difere radicalmente do tempo orgânico das festas e dos ritos

religiosos que colocavam em comunhão as coletividades tradicionais; este último, corroído pela

fragmentação em fins de semana, feriados e férias, retraiu-se mediante a administração

disciplinar da vida. Para Morin (1969, p. 72-73), a cultura de massa instala-se exatamente neste

tempo livre conquistado do tempo de trabalho e instituído a despeito das relações comunitárias e

familiares, tempo em que o indivíduo, além de desempenhar o papel de consumidor, pode

exercitar sua individualidade em hobbies e outras atividades que devolvam, após a

despersonalização sofrida no âmbito do trabalho, a sensação de ser alguém. E, brincando com o

termo inglês para ―férias‖, Morin (ibid., p. 80) dispara: ―Da vacância dos grandes valores nasce o

valor das grandes vacances‖.

Estandarte máximo da ética do lazer, a cultura de massa recrudesce proposições

adjacentes como ―vida pessoal‖, ―indivíduo privado‖ e lazer como estilo de vida; exacerba as

necessidades de consumo, bem-estar e lazer como formas de autoafirmação; afasta-se de qualquer

temática que não conduza a uma concepção lúdica da vida e alimenta ininterruptamente o fluxo

de passatempos que cumprem, antes mesmo de divertir, a prodigiosa tarefa de matar o tempo e

afastar a angústia existencial. Apenas a busca pela autorrealização, pelo prazer e pela felicidade

ideais dos olimpianos imprime sentido ao presente e justifica o indivíduo. Destituído dos valores

do passado e das grandes visões transcendentes do futuro, resta ao indivíduo desfrutar a própria

vida, consumindo-a.

O consumo dos produtos se torna, ao mesmo tempo, o autoconsumo da vida

individual. Cada um tende, não mais a sobreviver na luta contra a necessidade,

Page 174: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

174

não mais a se enroscar no lar familiar, não inversamente, a consumir sua vida na

exaltação, mas a consumir sua própria existência. (Ibid., p. 73).

Jogo e espetáculo, no diagnóstico acurado de Morin sobre o Zeitgeist do século XX,

são elementos centrais; embora presentes nas festas e atividades antigas de lazer, amplificam-se

graças às tecnologias de difusão da cultura de massa e instalam-se como perspectivas,

expectativas e valores de vida. Em várias atividades lúdicas ambos os termos comparecem

implicados de forma complementar, desde a estadia em estações de férias, com rotina planificada

de passeios, jogos e festas que simula o estilo de vida despreocupado e glamouroso de astros e

estrelas de cinema, até a visitação turística guiada que transforma a viagem em fluxo ininterrupto

de imagens para registro fotográfico e posterior utilização em rituais de exibição/narração do que

foi ―vivido‖, o que aproxima de forma imprevisível turismo e cinema. Também lembra o quanto,

apesar do isolamento que as membranas de vidro das telas proporcionam, algum ―suco‖ vem

irrigar o cotidiano, fomentando e nutrindo de referências mediáticas as relações interpessoais; de

certo modo, comentar o que foi visto na televisão também constitui uma forma de passar o

tempo.

Assim, simultaneamente com o espetáculo, a cultura do lazer desenvolve o jogo.

Dualidade ao mesmo tempo antagonista – uma vez que o espetáculo é passivo, o

jogo ativo e complementar, que não apenas se registra no lazer, mas também o

estrutura em parte. Efetivamente, uma parte do lazer tem tendência a tomar a

forma de um grande jogo-espetáculo. (Ibid., p. 76).

Na esteira das proposições de Morin, pode-se dizer que o ―apareSer‖ tele-existencial

nas plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva radicaliza a relação entre

jogo e espetáculo, confirmando a tendência aventada na década de 1960. Reconhecer, entretanto,

que ser/estar, ou ―apareSer‖, nas plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção

subjetiva possui uma dimensão lúdica não significa congraçar com sua dinâmica. Muito pelo

contrário: chamar a atenção para o fato de que redes sociais e metaversos são vivenciados como

entretenimento tem por objetivo demonstrar que, apesar da tônica, essa concepção guarda

conseqüências bastante graves.

Alguns de nós sentem-se tentados a encarar a vida no ciberespaço como algo de

insignificante, uma fuga à realidade ou uma diversão sem grandes implicações.

Estão enganados. As nossas experiências no reino do virtual são uma coisa séria.

Submestimá-las é correr sérios riscos. Devemos compreender a dinâmica das

experiências virtuais para antever quem poderá estar em perigo, bem como para

utilizar essas experiências de forma mais útil. (TURKLE, 1997, p. 402).

Page 175: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

175

Entreter-se significa por-se em suspensão entre dois pólos, tempo-durante cuja

importância está justamente em não ser tão importante quanto aquele que passou e aquele que

virá. Relaxamento, distração, diversão. Talvez seja interessante inquirir sobre a razão das

imagens-técnicas adquirirem tal relevância no âmbito da diversão. O consumo de filmes e

programas de televisão, somado ao consumo dos conteúdos hipermediáticos, dá margem a que se

pense no tipo de empreitada a qual a humanidade tem-se lançado. Tais formas de passar o tempo

são escolhas sobre como preencher o vazio que a passagem do tempo produz, como distrair-se da

angústia que a percepção do avançar do tempo causa no ser que é, sem dúvida, um ser-para-a-

morte, e para o qual a passagem do tempo é, sempre, aproximar-se da verdade final. Viver é

aquilo que se faz entre os pólos do nascimento e do desaparecimento; é, de certo modo, entreter-

se. A tendência à ludicidade, desde a manipulação das estruturas fundamentais até a interpretação

do ambiente como contexto de jogos, não passou despercebida à Flusser (2011, p. 129-136); sua

arguta compreensão do consentimento generalizado à dispersão que marca a busca pela felicidade

em meio às imagens-técnicas merece ser apresentada.

Para Flusser (2008, p. 68-69), há vontade e consenso de diversão; uma espécie de

ética dispersiva, contra qualquer tentativa de concentração, reunião ou recolhimento, coloca-se

como forma de sossegar a ―consciência infeliz‖, expressão hegeliana que se refere ao

desdobramento da consciência como consciência de si mesma. Assim, o indivíduo dispersado não

vive o impasse de sair para conquistar o mundo, correndo o risco de perder-se nele, ou, recolhido

para encontrar-se, perder o mundo; para ele, ―não há distinção entre ‗dentro‘ e ‗fora‘, porque é

precisamente no canto mais íntimo que o mundo me encontra‖ (ibid., p. 68). Mas se, conforme

algumas teses, a ―consciência infeliz‖ é a única possível, a felicidade só poderá ocorrer como

inconsciência ou desmaio.

O indivíduo dispersado e distraído, o indivíduo inconsciente, passa a ser

elemento de massa, do ‗coletivo inconsciente‘, e as imagens que o divertem

passam a ser os sonhos do coletivo. Sonhos de massa. Vista assim, a atual

dispersão da sociedade se afigura tendência rumo à cultura de massa, à

inconsciência geral, à felicidade. (Ibid., p. 69).

Pode-se objetar, obviamente, que o jogo de performance cibermediática a que se

assiste todos os dias nos perfis e outros espaços projeção subjetiva e de sociabilidade digital está

bastante longe desse mórbido cenário, tal a vivacidade tenaz com que os indivíduos fazem

questão de afirmar suas posições de sujeito, reforçando diariamente diferenças e semelhanças

justamente para destacarem-se da ―massa‖. Ainda assim, a dispersão permanece como elemento

Page 176: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

176

central e não está, apenas, no fato de que cada um pode distrair-se brincando de ser alguém,

alguém que conhece muita gente e é conhecido por muitos. O reluzente isolamento do ―eu‖, a

despeito dos perfis constituírem interfaces relacionais, não ocorre apenas na instância simbólica,

mas invade a concretude da vida: é corriqueiro encontrar indivíduos absolutamente distraídos,

concentrados em seus gadgets, quer seja em tempos de deslocamento e espera, quer seja em

espaços nos quais ocorre o desconfortável encontro com o outro (elevadores, filas, pontos de

ônibus, corredores de shopping, salas de aula, praças de alimentação).

Ser/estar em plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva

constitui a principal atividade daqueles que estão conectados, atividade a que subordinam a maior

parte do tempo que passam na Internet. O caráter lúdico reside, em primeiro lugar, na dinâmica

do mimicry, que envolve, de acordo com Caillois (1990, p. 39 - 43), o prazer de brincar de ser

outro, de engendrar uma ilusão, de suspender a realidade por um dado tempo em prol da invenção

de um real mais real do que o real, em conformidade com a noção de hiper-real

(BAUDRILLARD, 1981). É graças ao mimicry que as plataformas podem ser experimentadas

como parte do reino da mímica e das máscaras, dos disfarces e dos artifícios, sem regras precisas

a não ser o imperativo de fascinar, não necessariamente ludibriar, o espectador1. Ou seja: a

encenação do si-próprio e a (re)presentação da vida por meio de artefatos sígnicos (perfis,

avatares, nicknames) na paisagem digital comparece como estratégia primordial no jogo da

performance cibermediática, um jogo espetacular (mimicry) que, por reiterar o mérito pessoal e

basear-se no desejo por reconhecimento em difusa disputa, torna-se agonístico. Eis a segunda

dinâmica, menos óbvia apesar de intensa: agon. A conjunção de mimicry e agon permite que se

observe, nos jogos que se instauram nas redes, o regime de (in)visibilidade que, fatalmente,

incidirá na estética do desaparecimento.

2.1 A obscuridade de agon

No fundo, o que está em questão no ―apareSer‖ tele-existencial é competir pelo

estreito foco de visibilidade, travando com o outro silenciosa batalha cujo objetivo é submetê-lo à

condição de observador-admirador, aquele que irá compor a massa de testemunhas que ratifica o

status do indivíduo como protagonista-mor de sua própria história. Todo instrumental de

1 Veja-se o Tópico 2.3 do Capítulo 2 da Parte II – Tensões de mimicry.

Page 177: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

177

comunicação e relacionamento disponibilizados nas plataformas é arregimentado na batalha

(DAL BELLO, 2009). Portanto, parte do passatempo reside em projetar-se (mimicry) para ganhar

visibilidade, evidência (agon). Trata-se de conquistar o olhar, a atenção e a admiração do outro:

mais do que querer ser visto, deseja-se ser efetivamente existente e significativo para a alteridade.

Apresentar-se como arranjamento textual-imagético ―apropriável unicamente pelo

olhar‖, sob os imperativos narcísicos da época, tem seu significado alargado para ―existir de

alguma forma (como simulacro) perante o conjunto dos sentidos percepcionais da alteridade‖

(TRIVINHO, 2010, p. 3). Eis o que rege todas as estratégias de espectralização tecnologicamente

possíveis: a sedução do ―apareSer‖, em que ―olhar passa a significar apropriar-se. E deixar-se

olhar significa deixar-se apropriar‖ (BAITELLO JR., 2005, p. 20).

O contexto, sem dúvida, é agonístico. A busca por reconhecimento perante o outro

redunda em obscurecê-lo, relegando-o à sombra ou à margem da cena, reduzido ―à condição de

instrumento de autoconfirmação pessoal‖ (BAUMAN, 2008, p. 148). A concorrência pelo centro

cibermediático das atenções envolve violência sutil, invisível, de ordem simbólica e natureza

relacional, em decorrência de estar vinculada umbilicalmente ao desejo do único:

[...] um desejo historicamente residual de glória, substrato pulsional-imaginário

da vontade de potência [para evocar Nietzsche (1947)] na modalidade específica

de uma vontade orientada (de maneira reducionista e instrumental) ao

reconhecimento ou prestígio, à reputação ou fama. (TRIVINHO, 2010, p. 5).

Portanto, pode-se dizer, com segurança, que o regime de visibilidade que se instaura

nas plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva é, também, de

invisibilidade, pois a disputa pelos espaços e tempos visíveis, os mais visíveis, implica fatalmente

o seu oposto para alguém. O Facebook, sensível a essa problemática, percebeu uma nova forma

de rentabilizar sua plataforma vendendo posição de destaque, no feed de notícias dos usuários,

para publicações pagas que são devidamente sinalizadas como patrocinadas (figura 53).

Page 178: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

178

Figura 53. Recurso “promover” – Facebook. (7 ago. 2013).

Além de promover o olvido da alteridade, o regime de (in)visibilidade facultado pelo

glocal ciberespacial também opera a desvalorização da privacidade em prol de um mundo mais

transparente, aberto e conectado2. O discurso publicitário corrente, amparado por pesquisadores e

profissionais de tecnologia, não apenas reconhece como fato a crescente diluição das fronteiras

entre público e privado como estimula a evasão de privacidade, ao menosprezá-la, afinal, o

rentável modelo de negócio das plataformas ciberculturais baseia-se em conferir visibilidade e

identidade para melhor indexar e dispor dos perfis (DAL BELLO, 2010, p. 11). Reitera-se

incansavelmente o senso comum de que é desejável ser visível porque ser visível é ser desejável.

E ambos, ser visível e ser desejável, impelem à tele-existência e conferem um sentido à

existência.

Além de sonhar com a fama, outro sonho, o de não mais se dissolver e

permanecer dissolvido na massa cinzenta, sem face e insípida das mercadorias,

de se tornar uma mercadoria notável, notada e cobiçada, uma mercadoria

comentada, que se destaca da massa de mercadorias, impossível de ser ignorada,

ridicularizada ou rejeitada. Numa sociedade de consumidores, tornar-se uma

mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos e os

contos de fada. (BAUMAN, 2008, p. 22).

A dinâmica é sempre agônica, pois o resultado da empreitada de adentrar e habitar a

nulodimensionalidade ciberespacial é, também, sempre provisório. Tal empreitada, conforme

visto, requer que a complexidade dos corpos e da existência seja abstraída e a subjetividade seja

codificada. Como imagem-técnica, não-coisa, translada-se para uma forma exotópica e

2 As políticas de privacidade, desenvolvimento de recursos e comercialização de espaços publicitários no Facebook

seguem tais diretrizes. Veja-se a reportagem Cada vez mais exposição no Facebook, de Sbarai (2010).

Page 179: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

179

transorgânica (VILLAÇA, 2007, p. 38) de existir, é in-formada nos parâmetros dados pelas

plataformas ciberespaciais, preenchendo formas atemporais (FLUSSER, 2007, p. 27) que

conferem uma ―corporeidade espectral‖, uma ―identidade temporária‖ e/ou um ―lugar transitório‖

a partir do qual se delineia um efêmero efeito de sujeito, correlato à supremacia da subjetividade

neonarcisista e performática.

Converter-se em conjunto de informações para assumir o status de sujeito implica

aceder à condição de objeto. Objeto desejante do desejo do outro, sujeito consumado para ser

veiculado, circulado, multiplicado, consumido. De saída, todo sujeito glocal, cibermediático e

hiperespetacular é objeto em agonia: só consegue ser emissor quando se põe como mensagem, só

existe quando é decodificado por alguém.

2.2 O desejo de ser visto e o medo de ser vigiado

Os jogos de (in)visibilidade e performance hiperespetacular que regem a tele-

existência cibermediática guardam outro aspecto inquietante: exatamente porque todo regime de

visibilidade implica um tipo ou possibilidade de vigilância, o desejo de ser visto não ocorre sem o

receio de ser objeto de indesejável perscrutínio. Uma reflexão a respeito, com o objetivo de

compreender sua dinâmica, requer a formulação da seguinte pergunta: O que busca aquele que

tele-existe, que quer ―apareSer‖?

Eis a hipótese que se levanta, presumida a partir em outros estudos já encetados

(DAL BELLO, 2009, 2011): quem quer ―apareSer‖ busca, na instância da visibilidade mediática,

legitimar a própria existência mediante a sinalização de reconhecimento daqueles que

compõem sua rede de contatos, sua audiência potencial. Assim o faz impelido por todas as

referências do imaginário mediático que foram destiladas pelas tecnologias do imaginário

instituintes de significativa mediosfera. A preponderância da visibilidade como valor exponencial

relega à margem outros valores ainda significativos, como autoridade e reputação. Em outras

palavras: para tornar-se visível e alcançar a ―fama‖, muitas pessoas abrem mão de sua

privacidade para expor a vida em minúcias; algumas sacrificam sua imagem pessoal como

estratégia para ―apareSer‖. É possível que muitas, fascinadas com os números dos contadores de

acessos, amigos, seguidores ou assinantes, não percebam o que essas ações, a longo prazo,

podem acarretar. Afinal, visibilidade não corresponde, necessariamente, à autoridade ou

Page 180: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

180

reputação, podendo inclusive produzir o efeito contrário do pretendido. A mensuração desses

valores constituintes do capital social3 digital perpassa aspectos absolutamente relativos e

subjetivos, difíceis de serem auferidos no "piloto automático" de softwares experimentais que

pretendem traduzir em números o grau de influência ou indicar, como um termômetro, se a

reputação está mais ou menos positiva.

O desejo de ser visto é sintomático da cultura narcisista que toma vulto em meio à

incerteza, à efemeridade, ao medo e ao vazio pós-modernos. A visibilidade oferecida pelas redes

sociais digitais cumpre, sem dúvida, o papel de reiterar a presentidade de cada existência, já que

ser reconhecido e admirado pelo outro é imprescindível para a manutenção da identidade, com a

vantagem adicional de não expor o indivíduo aos constrangimentos ou perigos imediatos da

interação face-a-face; mas requer, a medida em que os conteúdos se tornam cada vez mais

efêmeros, as competências de operar na velocidade do tempo real e manter-se always on para não

sucumbir à invisibilidade causada pela avalanche contínua de novas postagens em timelines ou

feeds de notícias. Jogos de (in)visibilidade implicam saber e poder ser glocal e hiperespetacular.

Saber e poder tele-existir. Ser dromoapto (TRIVINHO, 2007a), ou seja, possuir capital cognitivo

para dominar as senhas de acesso às plataformas em rede e ter condições econômicas de arcar

com a renovação constante de hardwares e softwares.

A despeito da rapidez com que os conteúdos substituem-se uns aos outros e dos

novos valores que delineiam a época e modelizam as subjetividades, tudo o que tenha se tornado

visível na rede é integralmente recuperável ou indexável (BRUNO, 2012). A experiência

brasileira com as redes sociais registra, desde o Orkut, a tensão entre o desejo de ser visto,

reconhecido, admirado, e o medo de ter a privacidade invadida, ser ostensivamente vigiado. É

preciso lembrar que, em 2004 o acesso ao Orkut era restrito aos internautas convidados por

membros. Teoricamente, essa estratégia deveria assegurar que apenas pessoas confiáveis

frequentassem o ambiente virtual, facultando aos usuários a oportunidade de encontrar velhos

amigos e fazer novas amizades baseadas em interesses comuns, razão pela qual tantas

comunidades virtuais foram criadas; nesse sentido, tornar privadas as informações do perfil seria

um contrasenso.

3 A respeito de capital social, recomenda-se a leitura introdutória de Recuero (2009).

Page 181: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

181

Entretanto, em abril de 2006, a plataforma implementou o registro dos últimos

visitantes do perfil4. O problema é que o Orkut não avisou previamente que ativaria a ferramenta

e, da noite para o dia, muitos internautas insuspeitos foram flagrados visitando os perfis de ex-

companheiros, desconhecidos e desafetos. Após inúmeras reclamações, o Orkut tornou o recurso

opcional (figura 54). Em outros termos, para resguardar a privacidade de sua navegação, os

usuários são obrigados a abrir mão de saber quem são seus visitantes.

Figura 54. Configuração de privacidade no Orkut (27 out. 2011).

Criar um fake profile foi a solução encontrada por muitos: sob a máscara, age-se no

anonimato sem deixar de conhecer e acompanhar os dados de visita do perfil oficial. A figura 55

4 Em consulta realizada em novembro de 2011, o recurso ainda estava ativo.

Page 182: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

182

retrata um caso, no mínimo, paradoxal: Estela Estrela, fake profile criado para hostilizar outros

usuários regularmente identificados, utiliza o espaço ―Quem sou eu‖ para deixar uma zangada

mensagem a um deles, que visita seu perfil sem deixar ―nome‖ (figura 55). Isso é possível

porque, sendo fake, ela não se incomoda em deixar rastros digitais nos perfis alheios, razão pela

qual deixa o recurso ativado em seu perfil; entretanto, não obtém o registro dos visitantes que

desativaram o recurso em seus próprios perfis.

Figura 55. Perfil de Estela Estrela no Orkut (dez. 2006).

Saber quem acessa o perfil, apesar da precariedade do registro (apenas dados

recentes), é uma forma de mensurar ou apreender algo sobre a audiência, o que é desejável no

contexto de autoexposição voluntária. O texto de apresentação da comunidade virtual Eu sei q vc

visita o meu perfil 5, inaugurada em 26 abr. 2006, capta bem o ―clima‖ da época:

Finalmente temos aquilo que faltava ao Orkut! Um viva à ferramenta que mostra

quem XERETOU em nosso perfil... Qts vezes vcs ñ se perguntaram: quem será

q fuça no meu perfil? Pois bem, agora temos como saciar a nossa curiosidade,

ainda q muitas pessoas desativaram essa maravilha de ferramenta chamada

'visualizador de perfil', ainda tem muitos, e acredito q seja a maioria q ainda

usa... [...] Se vc tb viu alguém nas suas visualizações e ela não deveria estar lá,

este é o seu lugar... (26 abr. 2006).

5 Disponível em: http://www.Orkut.com/Community?cmm=12211497&hl=pt-BR. 1804 membros. Acesso em: 27

out. 2011.

Page 183: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

183

Com a epidemia de fake profiles que se seguiu, novos recursos foram implementados,

conforme inventariado a seguir: restrição de quem pode enviar scraps (set. 2007), proteção de

conteúdos (foto e vídeo) sob ―cadeados‖ e registro dos dez últimos visitantes (nov. 2007); acesso

ao scrapbook restrito a amigos (dez. 2007). Em 2010, foi introduzida a possibilidade de manter

uma conversa privada via scrapbook; a opção de segmentar os amigos em ―grupos‖ e comunicar-

se com eles isoladamente só surgiu em agosto e, no mesmo ano, antes de anunciar que

implementaria recurso semelhante, o Facebook viu-se alvo de uma série de ações civis em prol

de ferramentas mais simples de configuração da privacidade, na contramão do discurso corrente,

até então, de que a privacidade não tinha mais valor; foi, inclusive, capa da Times (FLETCHER,

2010), mote de reportagem crítica sobre a forma como estava se apropriando dos dados de seus

usuários.

Apesar de todas as configurações extras, várias delas disponíveis nas demais

plataformas, o recurso de registro dos visitantes do perfil só existe no Orkut e perdeu, em meio a

outras opções, a força ou a importância que teve à época de seu lançamento. No Facebook,

entretanto, ferramentas que revelam a quantidade de visualizações por conteúdo publicado,

indicando inclusive quem o acessou, estão disponíveis para os administradores de grupos e

páginas, como pode ser observado na figura a seguir (figura 56).

Figura 56. Recurso visualizações - publicação no grupo Restaurante do Clube St. Moritz (7 ago.2013).

Page 184: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

184

A disseminação da tele-existência cibermediática e da visibilidade como valor

exponencial incita os indivíduos aos jogos de performance hiperespetacular. Os cibernautas

ignoram ou minimizam os possíveis riscos ou consequências indesejáveis da super autoexposição

no âmbito de suas vidas. E, mesmo aqueles que configuram as diversas opções de controle de

privacidade, não escapam das varreduras automáticas que permitem a inserção dirigida de

publicidade nos perfis. Dada a dificuldade de excluir com eficiência as informações que,

descontextualizadas, tornaram-se inconvenientes nas redes, uma nova área de atuação

profissional passou a viscejar: empresas especializadas no apagamento de arquivos.

Interessantemente, insucessos subsequentes na lúdica atividade de ―apareSer‖ ou tele-existir

levam alguns a desejar o anonimato, a indiferença, a obscuridade. Querer ―desaparecer‖ pode,

inclusive, chegar ao extremo do suicídio, assertiva que, infelizmente, pode ser exemplificada pelo

caso de Amanda Todd, vítima de intensa perseguição virtual e até agressões físicas após praticar

sexting com um desconhecido (SUICÍDIO, 2012).

Ocorre, entretanto, que os jogos de (in)visibilidade não se restringem à esfera do

indivíduo e sua privacidade; a promoção da transparência tem se objetificado em políticas

comerciais, publicitárias e políticas de exploração dos dados, para os mais variados fins, daqueles

que se fazem visíveis. O tema da espionagem digital empreendida pelos Estados Unidos, por

exemplo, não passa ao largo e reacende antigos temores.

Figura 57. Montagem de usuários ironizando a espionagem digital norte-americana. (2013).

Em reação às declarações de Barack Obama sobre o fato da Agência Nacional de

Segurança dos EUA recolher e analisar dados oriundos de operadoras de telefonia e plataformas

ciberculturais (OBAMA, 2013), a série de imagens ―Obama is checking your email‖ (TUMBLR,

Page 185: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

185

2013) e outras charges, como demonstra a figura 57, que foram publicadas e compartilhadas em

redes como Tumbrl, Twitter e Facebook sintetizam a insatisfação que toda possibilidade de

monitoramento causa. Mesmo após o presidente norte-americano ter assegurado que o objetivo é

identificar terroristas e que os conteúdos telefônicos e digitais não são ouvidos/lidos sem ordem

judicial, reacende-se o debate em torno do direito à privacidade. Conclui-se, portanto, que o

medo de ser vigiado, subjascente, ainda que tímido, ao desejo de ser visto, não é de todo

infundado, embora seja recorrentemente menosprezado.

2.3 Privacidade e transparência

―Abrir mão da privacidade‖ porque a ―privacidade não tem valor‖ são ideias que

permeiam o retumbante discurso mediático de que é preciso tornar o mundo ―mais aberto‖ e

―conectado‖, capitaneado principalmente por Mark Zuckerberg, fundador do Facebook.

Interessantemente, as políticas de privacidade não deixaram de existir; antes, tornaram-se mais

complexas para garantir a exploração comercial dos dados pessoais depositados nas plataformas

(DAL BELLO, 2010).

A despeito das preocupações que cercam o debate, mais e mais pessoas têm

compartilhado dados particulares cotidianamente por meio das redes. Neste novo contexto

cultural, a autoexposição nos meios de comunicação é exercida compulsivamente – visibilidade e

subjetividade jazem intrínsecas, validando o trocadilho “Apareço, logo existo”. Ou seja: só existe

aquele que alcança a dimensão hiperespetacular, expondo-se massivamente nas telas da televisão

ou nas interfaces das redes; aquele que e é visto/reconhecido pelo outro, tomando-lhe a atenção.

O preço inconteste da desejada visibilidade, entretanto, é a possibilidade de ficar à mercê da

vigilância alheia. Afinal, para viver nesse mundo ―mais aberto‖ e ―conectado‖ é preciso tornar

transparentes espaços e momentos privados para que a desejada visibilidade possa finalmente

raiar.

As tensões entre privacidade e transparência não são novas e relacionam-se

intimamente com questões de poder. Cabe lembrar que a arquitetura do panopticon de Benthan

tem por objetivo principal transformar o olhar em exercício do poder. A invenção do panóptico,

aplicável a internatos, hospitais, fábricas, prisões e escolas, instituições circunscritas ou

ambientes fechados que zelam pelo aspecto disciplinar e uniformizador dos comportamentos

Page 186: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

186

(SANTAELLA, 2010, p. 155), correspondeu à premente necessidade de controle de poucos sobre

muitos na incessante inflação das cidades, ao cabo das Revoluções Francesa e Industrial,

materializando, na prática, a visibilidade como estratégia de submissão e dissuasão. Obviamente,

a crescente complexização da sociedade tornou o modelo insuficiente para o exercício da

vigilância contínua, embora ele ainda vigore, isoladamente ou em conjunto com outras

tecnologias de visibilidade e vigilância mais eficientes.

Para Foucault (1979, p. 216-217), a fórmula disciplinar moderna considera a

privacidade um rincão de obscuridade e articulação de interesses particulares, razão pela qual

tudo deve estar visível para que possa ser melhor vigiado. Foucault faz notar que, sob o termo

―escuridão‖, subentende-se tudo aquilo que impede a ―visibilidade das coisas, das pessoas, das

verdades‖. Para os revolucionários do século XVIII, não se trata apenas de demolir câmaras

escuras em que se articula a arbitrariedade política, mas também ―os caprichos da monarquia, as

superstições religiosas, os complôs dos tiranos e dos padres, as ilusões da ignorância, as

epidemias‖ (ibid., p. 216). A sociedade transparente ideal, nesse sentido, é aquela em que cada

um, tendo interiorizado o olhar do vigia, exerce uma vigilância contínua sobre e contra si mesmo.

Sua estratégia central, conforme Bauman (1999, p. 56), ―era fazer os súditos acreditarem que em

nenhum momento poderiam se esconder do olhar onipresente de seus superiores, de modo que

nenhum desvio de comportamento, por mais secreto, poderia ficar sem punição‖.

A transposição do modelo panóptico para a leitura da dinâmica visibilidade-vigilância

nos meios de comunicação da cultura mediática e na cibercultura apresenta uma série de

limitações, afinal, foi concebido para a manutenção da rotina e da ordem em locais físicos

fechados e populosos, cujos integrantes não estão ali presentes necessariamente por livre e

espontânea vontade (ibid., p. 58-59). Entretanto, pode-se dizer que, nas plataformas ciberculturais

de relacionamento e projeção subjetiva, é possível encontrar resquícios da ideologia disciplinar:

para controlar o conteúdo publicado pelos usuários, as redes conferem a seus membros a

possibilidade de denunciar comportamentos inadequados. Do ponto de vista da arquitetura, o

modelo de vigilância centralizadora e omnividente do panóptico não pode ser imediatamente

aplicável à nuvem difusa de informações que trafegam pelas redes; mas, ao trocar a palavra

―camarada‖ para ―amigo‖, verifica-se a atualidade da proposição moderna: “cada camarada

torna-se um vigia”.

Page 187: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

187

A disseminação da cultura da delação pode ser observada, também, no Club Penguin,

rede social da Disney em que as crianças interagem entre si por meio de avatares. No metaverso,

cada ―pinguim‖ tem seu iglu e pode percorrer vários ambientes participando de jogos, festas e

outras atividades. Acessórios para o avatar só podem ser comprados por usuários assinantes,

embora todos os ―pinguins‖ recebam moedas como remuneração pelo desempenho nos jogos

disponíveis. No âmbito da preocupação com a segurança dos participantes, está a estratégia de

convidar os próprios ―pinguins‖, assinantes ou não, a trabalharem como ―espiões‖, sendo a

principal tarefa reportar os mal-educados. No QG, cujo acesso só é permitido aos espiões,

observa-se a proliferação de monitores, como se houvesse uma rede de câmeras filmando cada

―lugar‖ do metaverso (figura 58), simulando ampla cobertura escópica, cujo caráter tecnológico

é, sem dúvida, mais sofisticado. Mas, de fato, a atuação dos pinguins-espiões inscreve-se na

matriz da vigilância panóptica, pois depende do que cada um testemunha por si.

Figura 58. QG do Club Penguin (jan. 2011).

A questão da segurança não apenas justifica a delação como inteligente recurso

contra abusos de várias espécies como reforça o discurso mediático de desvalorização da

Page 188: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

188

privacidade, em ressonância com as constatações da academia. Sua crescente obsolescência

aproxima-se do sonho revolucionário que ansiava por uma sociedade transparente, em que tudo

pudesse estar à vista, à luz, embora o caráter da transformação em curso seja transpolítico e

obedeça à lógica do capitalismo tardio.

Ao longo do século XX, outros regimes de vigilância surgiram e foram sobrepostos

ao modelo panóptico, compondo a complexa malha na qual visibilidade, vigilância, identidade e

indexação se mostram quase indiferenciadas. São eles: o escópico, relativo à proliferação de

“câmeras de registro e visualização de imagens, em lugares estratégicos de ambientes abertos e

fechados” (SANTAELLA, 2010, p. 155), que podem registrar a ação transgressora ou coibi-la

por efeito de sua presença, tal como nos cartazes “Sorria, você está sendo filmado”; e o digital,

que opera por rastreamento das informações inseridas nos diversos bancos de dados mediáticos e

ciberculturais. Segundo Santaella (ibid., p. 157), ambos os regimes são indiciais, mas o caráter

icônico do modelo escópico de vigilância (que leva a ver) não permite a mesma velocidade de

monitoramento e cruzamento de informações do modelo digital, simbólico (que permite ver

através).

Os processos de indexação sígnica de lugares e pessoas devem ser alavancados com a

popularização dos dispositivos móveis de conexão contínua e plataformas ciberculturais de

geolocalização integradas a redes sociais digitais, como é o caso do Facebook e sua parceria com

o Foursquare. As condições de vigilância por rastreamento têm se tornado cada vez mais sutis,

difusas em ambientes inteligentes que operam silenciosa extração de dados graças à computação

ubíqua e pervasiva. Nesse contexto, quase não há onde se esconder.

Na era da mobilidade, lugares são antes pontos de um fluxo contínuo de

vigilância e cada um deles está conectado aos outros, fornecendo ―a mais

completa rendição da textura da vida cotidiana‖. Todos os nossos passos são

submetidos ao escrutínio e os objetos de que fazemos uso (carros, fones,

computadores, eletricidade) tornaram-se ferramentas para a vigilância. O

movimento não é um meio para se evadir da vigilância, bem ao contrário,

tornou-se o próprio meio de vigilância (Bennet e Regan, 2004, p. 453). Tudo

isso com a facilidade jamais sonhada por Max Weber, Franz Kafka ou George

Orwell. (Ibid., p. 159-160).

Mas haverá quem não queira ser visto? Bauman (1999, p. 58-59) assevera que a

participação nos bancos de dados ciberculturais é percebida como fator de inclusão, mobilidade e

distinção, razão pela qual é voluntária e desejável.

Page 189: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

189

O discurso pela composição de um mundo mais aberto e transparente incorre,

necessariamente, na inscrição generalizada de tudo e todos nos bancos de dados ciberculturais. A

transparência, neste caso, aplica-se contra a opacidade de muros, paredes, cofres, baús e diários,

mantenedores modernos da privacidade, da intimidade e dos segredos individuais, na medida em

que são devidamente duplicados (ou simulados) e abertos à visitação fantasmática. Mas a

mudança significativa, entretanto, não está nas novas tecnologias empregadas para tornar público

o privado e garantir a visibilidade de tudo e todos, mas na aceitação social indiscriminada de que

é preciso ser/estar visível para ser reconhecidamente alguém.

As tecnologias do imaginário [...] inserem-se na (des)ordem do ‗panórgico‘: a

vivência como imersão total na caogênese cotidiana. No panóptico, o Big

Brother tudo espiona. No panórgico, reality shows, por exemplo, cada um se

exibe para o Grande Olho. No panóptico, o Grande Irmão invade a privacidade

de todos. No panórgico, a privacidade invade o espaço público por conta

própria. O panóptico era, paradoxalmente, voyeur e inercial. O panórgico é

exibicionista e contemplativo. (MACHADO DA SILVA, 2012, p. 59).

Se antes os mecanismos de identificação feriam a privacidade do sujeito moderno,

romântico e introspectivo e eram sentidos como uma verdadeira invasão, a larga adesão às redes

sociais digitais parece testemunhar, na modernidade tardia, o arrefecimento do sentimento de

―eu‖ em perfis e avatares publicizados nas instâncias mediáticas da visibilidade ciberespacial

(DAL BELLO, 2010). À tele-existência cibermediática corresponde, de certo modo, uma espécie

de subjetividade alterdirigida, fabulosa e performática.

2.4 Subjetividade performática

Os jogos de (in)visibilidade ocorrem no limite entre o significativo e a

insignificância, na tensão entre o desejo de apareSer e o medo de expor-se em demasia. Não têm

outra finalidade senão o regozijo fugidio de ter mensagens retuitadas (Twitter), curtidas,

compartilhadas e comentadas (Facebook), ou sentir-se admirado pelo tamanho da carteira de

seguidores, amigos e assinantes, importante componente para a mensuração da performance

subjetiva. Na medida em que o cyberspace é experienciado, sobretudo, como ―território digital

informacional‖ (LEMOS, 2009) e o exercício da ―fabulação/mitologização do real‖ (MACHADO

DA SILVA, 2012, p. 77) por meio das teletecnologias concorre para a indistinção entre real e

Page 190: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

190

imaginário, depreende-se que o capital social digital oriundo do comportamento nas redes é

indissociável do capital social total.

Doravante, nas civilizações mediadas pela teletécnica, as tecnologias do

imaginário serão, cada vez mais, responsáveis pela fabulação/mitologização do

real, a ponto de que real e imaginário atingirão formas praticamente indistintas.

(MACHADO DA SILVA, 2012, p. 77).

Dentre os valores que concorrem para a composição do capital social digital, ser/estar

visível na esfera cibermediática parece ter preponderância sobre os demais, pois possibilita a

vivência de ―ser popular‖ ou o exercício de ―ser uma autoridade reconhecida‖. Ou seja: é preciso

―ser visível‖ para ―ter audiência‖ e ―ter influência‖. Entretanto, o caráter lúdico que permeia os

ambientes virtuais de relacionamento tolhe, muitas vezes, a compreensão de que os jogos de

(in)visibilidade lidam tanto com o efêmero quanto com o perene, o que complica os processos de

construção da reputação online e de manutenção do capital social digital. Ambos envolvem

cuidado contínuo tanto com a identidade online quanto com o conjunto vivo de interações com

amigos, seguidores e contatos nas plataformas ciberculturais.

Para mensurar o capital social de um indivíduo nesse contexto não basta observar o

tamanho ou a estrutura da rede pessoal. Esses dados são importantes, mas dizem respeito apenas

à quantidade e distribuição de pontos potenciais de audiência e visibilidade de cada ator, como

lembra Recuero (2009). Potenciais porque não há como garantir que todos os amigos ou

seguidores serão efetivamente atingidos pelas mensagens publicadas; basta lembrar que o

Facebook, dentre as alterações que promoveu em reação ao lançamento do Google Plus,

introduziu o botão assinar. Equivalente ao follow do Twitter, o usuário do Facebook realiza uma

assinatura para receber as atualizações de alguém, amigo ou não. Conforme mostra a figura 59, é

possível configurar a assinatura e inclusive cancelá-la, o que seria o mesmo que dizer ―Não tenho

interesse em receber notícias desse usuário, embora ele seja meu ‗amigo‘‖. Fica patente a

instituição de um novo indicador: angariar um grande número de assinantes, de preferência entre

não-amigos, constitui significativa medida de popularidade. A mesma lógica tangencia a rede

Pheed, com o plus de que as assinaturas para seguir determinados perfis são pagas.

Page 191: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

191

Figura 59. Menu de configuração da opção "Assinado" no Facebook (out. 2011).

Dentre os indicadores de performance, a quantidade de contatos (amigos, seguidores,

fãs, leitores, membros, assinantes) aponta o dimensionamento da popularidade. Aliás, o

imaginário coletivo contemporâneo6 tende a interpretar o grande número de amigos como

sinônimo de ―ser popular‖ e a traduzir a quantidade de seguidores ou leitores como ―ser

influente‖. Em ambos os casos, está manifesto o desejo de ser conhecido, reconhecido, querido e

diferido – o desejo do único, como apresentado por Trivinho (2010), que justifica a ―corrida‖

pelo agenciamento de mais e mais contatos que inflam a rede pessoal sem contribuir para torná-la

efetivamente valorosa para o usuário. Mas, a aferição do grau de influência do usuário sobre sua

rede e, consequentemente, de sua reputação online, não é tão simples quanto alguns softwares ou

sites especializados levam a crer, pois depende da análise qualitativa dos aspectos quantitativos, o

que relativiza os valores preponderantes e reconsidera aspectos comumente negligenciados nos

jogos de (in)visibilidade de acordo com o contexto de vida e construção identitária de cada

usuário.

6 No processo de desenvolvimento desta pesquisa, durante o 1º semestre de 2010, foi realizada a palestra ―Você está

no Orkut? Pelo uso consciente e moderado das redes sociais‖ para cerca de mil alunos do Ensino Fundamental e

Médio, distribuídos em sessões de 50 minutos. Nessa circunstância, foi possível verificar, in loco, a reação geral

quando era apresentado um perfil com poucos ―amigos‖, invariavelmente negativa.

Page 192: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

192

Figura 60. Rankings sobre usuários brasileiros no Twitter (12 out. 2011).

A nota geral dada pelo TwitRank aos usuários do Twitter (figura 60), por exemplo,

baseia-se na combinação de dois fatores: influência e popularidade. A influência é mensurada a

partir das interações dos seguidores com o perfil. Influente, portanto, é aquele constantemente

mencionado ou cujas mensagens recebem muitos retweets. Para o cálculo da popularidade, o

número de seguidores é considerado, mas não só. Conforme texto disponibilizado pelo site, ―uma

pessoa popular é aquela que é muito seguida, que possui prestígio e influência. Ter milhares de

seguidores nem sempre é uma referência para popularidade‖. O envolvimento do usuário com o

Twitter, demonstrado pela frequência de atualizações e postagens, também contribui para a

consolidação da nota. Tem-se, ao término dos processamentos, a publicação de rankings

diversos, tais como ―os mais seguidos‖, ―quem mais segue‖, ―quem mais tuíta‖ e ―os mais

listados‖.

Figura 61. Exemplos de #FF no Twitter (set. 2011).

A conversão do outro em número, de acordo com esta prática, contribui para a

composição do discurso autorreferente baseado na quantidade. A preponderância da quantidade

de conexões sobre a qualidade dos relacionamentos viceja em estratégias como dar #FF (Follow

Page 193: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

193

Friday) no Twitter (figura 61) ou encaminhar convites de amizade para pessoas desconhecidas.

Aliás, as plataformas incentivam essa prática ao indicar possíveis novos contatos a partir das

pessoas que já estão ―adicionadas‖. Registre-se, também, que lotes de amigos e seguidores

podem ser adquiridos de forma ilegal como estratégia de angariar expressividade nas redes.

A despeito dos indicadores serem frágeis ou questionáveis, é interessante notar que a

abordagem da performance dos usuários nas redes sociais digitais revela as dimensões de agon e

mimicry (CAILLOIS, 1990) inerentes aos jogos de (in)visibilidade, desdobrando o conceito de

performance em duas faces indissociáveis: como ato de superação de si e dos demais, rendimento

espetacular que implica destaque, sucesso e singularização (EHRENBERG, 2010) - agon; e como

comportamento restaurado, codificado e socialmente compartilhado (SCHCHNER, 2003), entre o

ritual e o happening, com abertura para a encenação de si e controle mais preciso das máscaras

ou papeis sociais - mimicry.

A dinâmica dos jogos de (in)visibilidade envolve, portanto, dois modos

concomitantes e performáticas de produção subjetiva. Um é de teor agonístico, competitivo, uma

vez que as redes sociais digitais proporcionam projeção nos tempos e espaços de visibilidade

mediática ciberespacial mas não pode por todos, ao mesmo tempo, no desejado e disputado

centro da cena. A essa ideia, apresentada por Trivinho (2010), deve-se acrescentar que a

competitividade, embora acirrada e presente, não é sentida como tal devido ao segundo modo de

performance subjetiva, permeada pela lúdica do mimicry, relativa aos jogos de representação.

Para vencer a disputa e apareSer, ganhar o centro da cena e chamar a atenção para si

sobrepujando todos os demais, parece que vale inclusive sacrificar a própria reputação.

Obviamente que, em tempos pós-modernos, da superfície e do simulacro (TURKLE, 1997), cabe

lembrar que "reputação", como todos os demais constructos modernos, está se liquefazendo.

2.5 Estética do desaparecimento e dissolução do sujeito

O hiperespetáculo é contínuo aparecer-desaparecer de imagens no horizonte estreito

das telas de laptops, smartphones, tablets e outros dispositivos tecnológicosmunidos de telas, e

tal dinâmica só faz aumentar uma crise de visibilidade sem precedentes. Nele, produção

excessiva e super-exposição esvaziam as imagens de valor e sentido. Transitórias e efêmeras, são

rapidamente substituídas por outras na disputa por atenção, disputa que hiperestimula e fadiga o

Page 194: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

194

olhar, que deixa de ver ou não apreende por muito tempo aquilo que viu. Pode-se dizer que, se a

ideologia da transparência instituiu com sucesso o desejo por visibilidade, criou também o seu

oposto: a invisibilidade. É esse monstro, a invisibilidade, correlato às ideias de inexistência e

insignificância, que faz com que o jogo da (in)visibilidade jamais cesse.

A crise é um paradoxo que se funda no excesso informacional e desdobra-se em

vários tipos de invisibilidade ou ―estética do desaparecimento‖ (VIRILIO, 2000, p. 23-24), desde

aquilo que não é visto dado o grande número de estímulos visuais que solicitam a atenção e

fadigam os olhos, tornando-os incapazes de enxergar, até a invisibilidade do corpo próprio, do

outro e do entorno sempre que os olhos, fascinados diante da encantadora tela, não conseguem

desviar-se para o aqui-agora. O outro, comutado em número – mais um amigo, mais um

compartilhamento, mais um comentário, mais uma ―curtida‖ –, também se torna invisível. E o eu,

em sua pretensão de posicionar-se como sujeito, dada à rotina agônica de permanecer sempre

visível, precisa manter-se always on para não soçobrar à dissolução que é intrínseca ao ato de sua

projeção. Assim, ―quanto mais se quer expor, mostrar, tornar visível, tanto mais se consegue

apenas aparentar, esconder, simular ou ofuscar‖ (BAITELLO JR., 2005, p. 21); trata-se da crise

da capacidade de apelo das imagens: ―Quando o apelo entra em crise, são necessárias mais e mais

imagens para se alcançar os mesmos efeitos. O que se tem então é uma descontrolada

reprodutibilidade‖ (ibid., p. 14).

Para Kamper (1994 apud BAITELLO JR., 2005, p. 18), a hipertrofia invasiva e

descontrolada das imagens provoca a fadiga do olhar. A solicitação recorrente e extrema do

sentido de visão provoca uma espécie de insensibilidade ou cegueira por falta de interesse,

recurso de sobrevivência mediante a sobrecarga de estímulos em uma era de reprodutibilidade.

No hiperespetáculo cibercultural, é comum observar o excesso de fotos sobre um mesmo evento

ou pessoa, e tal abundância é sintomática da escassez de sentido que assola uma época em que

todos os símbolos diretores da modernidade jazem esvaziados. Neste caso, o olhar deixa de ver

não porque a imagem-objeto está ausente, mas porque está em demasia.

Vários fatores contribuem para a profusão de imagens nas redes. A passagem do

sistema analógico para o digital e a gradativa popularização das câmeras digitais, seguida de sua

inserção como recurso em outros dispositivos, como o telefone celular, simplificaram o ato de

fotografar. A exibição das imagens em suportes que não dependem do custoso processo de

revelação ou impressão tornou possível o agradável exercício de registrar o desenrolar da vida em

Page 195: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

195

seus detalhes mais banais. Assim como a introdução da fotografia assumiu o lugar da produção

do retrato, tornando mais acessível o registro de eventos importantes como nascimentos,

batizados, aniversários, casamentos e, inclusive, velórios, as imagens digitais sinalizam que tudo

tornou-se digno de nota e publicização. Conforme avançam as tecnologias de rede e conexão

disponíveis, percebe-se um novo salto: além de ser profusamente registrada, as cenas da vida

merecem ser compartilhadas em tempo real, simultaneamente ao momento em que ocorrem.

Ser/estar glocal, entretanto, exige o desenvolvimento da capacidade de, ao mesmo tempo, viver o

aqui/agora e publicizá-lo imediatamente, o que não é fácil e exige rápida tomada de decisão entre

as opções; invariavelmente, decide-se pelo registro, como lembra Almeida (2013, p. 46):

As pessoas corporificadas nos locais assistem a tudo pelas telinhas dos celulares

e câmeras. Este é o paradoxo de estar presente e transformar o instante para ser

visto na ausência. Não se vive a presentidade, senão quando esta for observada

na sua qualidade de ausência espaço-temporal.

A profusão de imagens aumenta em conformidade com o número de dispositivos em

circulação e a disposição de portá-los e utilizá-los. Desde reuniões familiares e intimistas até a

realização de eventos mais sofisticados, multiplica-se a presença das câmeras e do desejo de

registrar o momento a partir do ponto de vista próprio, ainda que o equipamento ou o

posicionamento não sejam os mais apropriados; mesmo que as redes sejam utilizadas para a troca

de imagens, todos querem garantir o seu registro. Uma comparação7 entre dois momentos vividos

na Praça São Pedro, por ocasião da morte do Papa João Paulo II, em 2005, e a sucessão do Papa

Bento em 2013, ilustra o ponto.

O aumento exponencial de imagens em circulação incide em excesso informacional

que, ao competir por atenção, contribui para inviabilizar a concentração. Por outro lado, a adesão

generalizada à espectralização simultânea da vida e do mundo, ilustrada pela figura 62, permite

que se pense sobre outro tipo de invisibilidade: aquela em que o entorno desaparece, uma vez que

os olhos estão absortos em enxergar o ao vivo por meio das telas.

Uma interessante propaganda tailandesa, intitulada Disconnect to connect (figura 63),

toca um aspecto nevrálgico: a sofreguidão por tele-existir leva o sujeito glocal e hiperespetacular

a ignorar aqueles que compartilham consigo o tempo-espaço vicário, de forma que possa manter-

se disponível para a existência nas redes. Na ânsia por tornar-se visível, sua atenção, dirigida para

7 Comparação postada por Tom MacIsaac do portal Verve Mobile.

Page 196: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

196

a tela do smartphone, do tablet ou do laptop, torna invisível quem está ao seu redor. É nesses

termos que se compreende o extermínio sistemático da alteridade, do espaço e do corpo próprio.

Figura 62. Multidão na praça São Pedro em 2005 e 2013 (14 mar. 2013).

Figura 63. Cena da propaganda tailandesa Disconnect to connect, da DTAC (28 set. 2010).

Page 197: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

197

Mas, dentre todas as invisibilidades possíveis, existe aquela que ocorre por

soterramento informacional, causa principal da dissolução do sujeito. Nesse sentido, conforme

Baitello Jr. (2005, p. 53), ―a lógica da sociedade imagética pensa a curto e curtíssimo prazo, o

prazo da última repetição, da última reprodução, que já estará obsoleta antes mesmo do término

de sua curta vigência‖.

A busca por visibilidade e reconhecimento neste regime de ―transparência das

aparências transmitidas imediatamente a distância‖ (VIRILIO, 1999, p. 116) gera excesso,

expresso pela quantidade de perfis e avatares administrados concomitantemente (atividade que

exige disponibilidade ou mesmo uso de aplicativos que reproduzem informações em plataformas

diferentes) e pela quantidade de mensagens (scraps, tweets, imagens e links) publicados nos

diversos ambientes. A batalha pelo domínio da cena mediática passa necessariamente pela

presentação contínua – always on, sem o que não é possível marcar e manter posição privilegiada

no feed de notícias do Facebook ou na timeline do Twitter, espaços de visibilidade pública em

que diferentes manifestações subjetivas entrelaçam-se. O convite à telexistência é expresso pelas

perguntas ―No que você está pensando agora?‖ e ―What´s hapening?”, indicativas da pressão

sobre o ―agora‖, a modalidade temporal por excelência da tele-existência.

A obsolescência das mensagens passa a ser computada a partir do momento da

publicação; pela lógica do jogo da performance mediática, não é interessante comentar, retuitar

ou ―curtir‖ mensagens ―antigas‖, pois elas perdem posição de visibilidade pública para as novas

informações postadas a não ser que sejam republicadas, passando-se por ―novas‖. Considerando-

se a grande quantidade de amigos e seguidores às quais os indivíduos estão vinculados e a grande

quantidade de mensagens que circulam nos corredores ciberculturais comuns, entrecortando-se e

apagando-se mutuamente, é possível afirmar que essas plataformas, exatamente pela alta

visibilidade que proporcionam, corroboram para a invisibilidade e a dissolução, efeitos diretos da

obscenidade e da obesidade informacionais (BAUDRILLARD, 1996, p. 23-31): transparência

dos segredos, redundância e saturação dos sistemas. Nesse sentido:

Obesidade e obscenidade formam a figura contrapontual de todos os nossos

sistemas [...]. Assim a esfera social, à medida que se expande, absorve

inteiramente a esfera política. Mas a própria esfera política é obesa e obscena – e

no entanto, ao mesmo tempo, ela está se tornando cada vez mais transparente.

Quanto mais ela se distende, mais ela virtualmente cessa de existir. (Id., 2001, p.

51).

Page 198: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

198

A impermanência do suporte em que a subjetividade se inscreve, típica da ―estética

do desaparecimento‖ vigente (VIRILIO, 2000, p. 23-24), conduz fatalmente ao esgarçamento por

fragmentação ou multiplicação das manifestações que se apresentam no ―horizonte trans-

aparente‖ (Idem, 2005, p. 104) das redes sociais digitais. Na miríade complexa, paradoxal e

híbrida dos cenários de visibilidade mediática ciberespacial, o sujeito cibermediático, glocal e

hiperespetacular jaz (in)visível, diluído por excesso de projeção, perdido no obeso desdobrar de

corpos-sígnicos, duplos espectrais e simulacros, ofuscado pela luz obscena que quer por tudo à

mostra, agora e sempre, para que alguém possa, por compaixão ou ligeira simpatia, registrar seu

olhar sobre ele com singelo ―curtir‖.

2.6 A cultura do botão “curtir” e a agonia da inapreensão do agora

O botão ―curtir‖ (figura 64), lançado pelo Facebook em abril de 2010, é um recurso

bastante representativo do quanto são lúdicas as dinâmicas que tecem a tele-existência nas

plataformas ciberculturais, além de configurar um sintoma do macro-contexto no qual

convergem as culturas dromocrática (TRIVINHO, 2007a), pós-moderna (TURKLE, 1999) e

narcisista (LASCH, 1983; LIPOVETSKY, 1989).

Figura 64. Botão "curtir" do Facebook.

Suprasumo da velocidade, o botão ―curtir‖ equivale à rápida devolutiva. É, sem

dúvida, valioso recurso de interatividade, com o qual sinaliza-se de forma econômica que um

dado conteúdo foi observado. Ao clicar em ―curtir‖, o outro não permanece no vácuo, no silêncio

ou na incerteza sobre o quanto sua mensagem reverberou. Trata-se de instrumento pragmático,

sem grandes exigências para cumprir sua função. O feedback ocorre na velocidade de um clique,

processo tão mais simples e rápido que digitar um comentário, texto que, em comparação, seria

revelador da capacidade (ou incapacidade) de articular, verbalmente, pensamentos e sentimentos

despertados pela publicação. Não se trata apenas de demonstrar o nível de interesse pelo assunto,

Page 199: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

199

mas a própria boa vontade para com o outro. Em plataformas allways on, um botão como esse é

essencial: misto de feedback veloz e bastião diplomático.

À medida que a vida e a subjetividade transferem-se para a superfície das telas por

meio dos processos de espectralização, imbricando-se no emaranhado das redes tecnológicas e

ensejando formas de sociabilidade sempre mais complexas, características pós-modernas

transformam-se em valores cada vez mais celebrados. No final das contas, em meio à enxurrada

de informações que chegam a todo instante, o botão ―curtir‖ oferece a possibilidade de reação

instantânea em face daquilo que aparece e será rapidamente substituído por outro conteúdo no

estreito e concorrido espaço de visibilidade hiperespetacular de cada plataforma, seja o feed de

notícias ou a timeline. Ode à impermanência, à fluidez, à fragmentação, à superficialidade, o

botão ―curtir‖ é invenção que saúda a pós-modernidade.

Por comungar e representar os valores pós-modernos, refletindo a falta de

compromisso com o outro, a falta de tempo para abordar com profundidade os assuntos

propostos, o botão ―curtir‖ também é indicativo de uma cultura cada vez mais narcisista,

conforme acepção de Lasch (1983). Precisa-se do outro como audiência para o show do eu

(SIBILIA, 2008). Nesse caso, o botão ―curtir‖ não colabora para a instituição ou manutenção de

relacionamentos (vínculos) entre pessoas, mas construção de relações (conexões) baseadas em

um comportamento reativo. Por um lado, reflete a busca por feedback quantificável, afinal, o

número de pessoas que curtem determinada mensagem se torna parâmetro de medição da

performance individual nas plataformas – e, por outro, configura estratégia de multiplicação dos

pontos de visibilidade: ao clicar em ―curtir‖, o indivíduo deixa na mensagem do outro a sua

bandeira, o seu nome, o seu "Eu estive aqui"; um nó hipertextual de retorno a si mesmo.

É impressionante o quanto a cultura do botão ―curtir‖ introjetou-se e resplandesce na

forma como os indivíduos interagem e navegam. Mesmo fora do Facebook, busca-se

automaticamente o botão, que pode ser adicionado a blogs, sites ou portais de notícias por meio

da instalação de um pluggin. Quando o site não faz uso desse recurso, surge uma espécie de

desapontamento, fruto do quanto sua lógica foi incorporada ao comportamento reativo de

navegação pelos conteúdos. Do ponto de vista dos publicadores, mesmo que o ―curtir‖ não seja

um parâmetro confiável sobre o quanto, de fato, alguém está envolvido ou engajado com o grupo

ou a página, o número de pessoas que ―curtiram‖ o conteúdo confere grata satisfação.

Page 200: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

200

Embora outras plataformas não possuam recurso idêntico, observa-se que, no Twitter,

dar RT (retweet) é uma forma de demonstrar que o conteúdo agradou e tem alguma relevância

(figura 65). Nesse caso, tem mais relação com a lógica do botão ―Curtir‖ do que propriamente

com a opção ―Compartilhar‖.

Figura 65. Conjunto de respostas/reações a um tweet no Twitter (jan. 2012)

No Orkut, também é possível expressar de forma rápida a impressão que alguma

publicação (scrap) causou. À pergunta ―Gostou?‖, entretanto, existem 11 possibilidades de

resposta via emoticom, inclusive algumas que indicam desagrado (figura 66). Essas informações

são computadas e a tabulação das respostas apresentada ao final do scrap (figura 67). No

Youtube, além do ―Like”, há o ―unlike‖ (figura 68), conferindo visibilidade à contabilidade dos

insatisfeitos.

Figura 66. Conjunto de respostas/reações a um scrap no Orkut (jan. 2012).

Figura 67. Tabulação do total de respostas/reações a um scrap no Orkut (jan. 2012).

Page 201: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

201

Figura 68. Conjunto de respostas a um vídeo no Youtube (jan. 2012).

O apelo dromológico das plataformas não se revela apenas no botão ―curtir‖. No

Facebook, os indivíduos podem acompanhar em tempo real a atuação dos demais: uma janela

(figura 69) reproduz, instantaneamente, o que os outros usuários acabaram de fazer na

plataforma, quer tenham curtido, comentado, compartilhado um conteúdo (foto, texto, vídeo,

link) ou atualizado suas informações (foto de identificação, foto de capa, alteração de dados na

timeline, criação de álbuns de fotos). O fluxo de documentação da vida e das interações é

contínuo, mais ou menos veloz a depender da quantidade de amigos online. O status on,

indicador da transformação da identidade-perfil em perfil-sujeito, também pode ser visualizado:

na janela do bate-papo (figura 70), o círculo verde indica quem está conectado naquele exato

momento, tecnicamente disponível para conversar. Além disso, é possível classificar as

mensagens que aparecem no feed de notícias em ―mais recentes‖ ou ―principais histórias‖, tudo

para que o sujeito cibermediático, glocal e hiperespetacular não perca, em meio ao grande

volume de informações gerado pelos demais tele-existentes, o que acabou de acontecer e aquilo

que ganhou sobrevida por ser considerado relevante graças ao número de pessoas que curtiram,

comentaram ou compartilharam. Da mesma forma que recebe todo esse pacote para consumo, sua

presença e ações são devidamente indexadas, compondo o fluxo de tantas outras janelas e

interfaces.

Page 202: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

202

Figura 69. Janela que apresenta o fluxo de ações e interações no Facebook (04 abr. 2013).

Figura 70. Janela de bate-papo do Facebook (04 abr. 2013).

Considerando-se o regime de (in)visibilidade, não é possível tratar da estética do

desaparecimento sem abordar os eixos de organização do discurso de autoapresentação e

manifestação nas plataformas ciberculturais, ou seja, a estética do aparecimento.

Observa-se que o deslocamento do eixo de organização do discurso de

autoapresentação migrou do ―Who?‖, que se aproximava de um projeto reflexivo sobre o eu, para

Page 203: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

203

o ―Where? What?‖. É importante lembrar que os usuários brasileiros do Orkut, desde 2004,

alteravam constantemente as informações contidas no campo ―Quem sou eu‖, o que

possivelmente motivou a plataforma a introduzir o campo ―Status‖; no Facebook, o campo

―Quem sou eu‖ não ocupa espaço privilegiado no perfil e calca-se em informações estáveis como

local de nascimento ou empresa em que trabalha. Em 2009, o crescimento do Twitter, com o

convite ―What´s happening?‖ como mote para a postagem de mensagens de 140 caracteres, levou

outras redes sociais a redesenharem o layout de suas interfaces, incorporando questões como ―No

que você está pensando agora?‖ (Facebook) ou o campo para compartilhamento rápido de

mensagens, fotos, vídeos e links (Orkut e Facebook). Quer seja por pressão da prática cotidiana

ou pela popularização de novos formatos e dinâmicas comunicacionais, o fato é que a ênfase que

rege o ―apareSer‖ está posta na documentação em tempo real da vida em movimento,

geolocalizável, o que é facilitado pelos diversos dispositivos móveis de acesso à Internet. A

agonia da inapreensão do agora deriva da instituição de um novo tempo, o tempo real, e

relaciona-se com uma nova forma de viver, viver para administrar impressões.

Page 204: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 205: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

205

CAPÍTULO 3 – O não-ser do ser-pra-sempre: uma interpretação existencialista

Nada mais ilusório do que a verdade sobre o homem. Nunca saberemos por que

estamos aqui. A grande pergunta da filosofia – por que existe algo em vez de

nada? – foi respondida com uma ironia: porque sim. (MACHADO DA SILVA,

2012, p. 73).

A compreensão das experiências relativas à tele-existência cibermediática exige que

se pense a relação entre presença e existência. Na perspectiva heideggeriana, presença e

existência estão imbricadas na questão do ser (o Dasein 1); são conceitos que não são sinônimos,

mas se complementam em uma relação estrutural que alude ao ser humano. Constituinte do ser-

aí, essa relação implica a participação concreta em um espaço (o mundo) e um tempo (o contexto

histórico), a partir dos quais ser é necessariamente estar (presença) e, também, vir-a-ser, ser devir

(eksistere). Embora Heidegger não se assuma como um existencialista – para ele, a existência é

um dos aspectos ligados à compreensão do que é o ser, sua questão maior –, sua ontologia rompe

com a metafísica clássica (considerada, por ele, uma onto-teologia, na medida em que, de Platão

e Aristóteles até os filósofos modernos, a tradição filosófica ocidental esqueceu a questão do ser

para situar-se no horizonte do ente) para pensar o ser como aquele que não pode ser concebido

fora do mundo; ele está presente no mundo e se faz no mundo. Este capítulo propõe uma

interpretação existencialista da tele-existência cibermediática, fundamentalmente glocal e

hiperespetacular, partindo da compreensão da relação entre presença, existência e subjetividade

como devir.

3.1 Presença e existência

Para Heidegger (2011, p. 102-103), a presença ―tem seu próprio ‗ser no espaço‘‖; ser-

no-mundo é uma propriedade indispensável para a compreensão da espacialidade existencial da

presença. E, embora não seja sinônima ―nem de homem, nem de ser humano, nem de

humanidade‖, a presença evoca o ―processo de constituição ontológica de homem, ser humano e

humanidade‖2. Para levantar a questão do sentido do ser, é preciso assumir que ser-no-mundo é

1 Cf. nota explicativa (N1) do tradutor, ―a palavra Dasein passa a ser usada na língua filosófica alemã no século

XVIII como tradução da palavra latina praesentia. Logo em seguida passa também a traduzir o termo existentia,

sendo por isso comumente usada no aleão moderno na acepção de existência. Em Ser e tempo, traduz-se, em geral,

para as línguas neolatinas pela expressão ―ser-aí‖, être-là, esser-ci etc.‖ (HEIDEGGER, 2011, p. 561). 2 Cf. nota explicativa (N1) do tradutor (HEIDEGGER, 2011, p. 561).

Page 206: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

206

participar da temporalidade, perceber-se como existente em um ambiente histórico, material e

espiritual particular. E, como ser finito, fadado à morte, o homem só pode apreender a dimensão

fundamental (ou significado profundo) da existência e viver de forma autêntica quando alcança a

consciência desse limite extremo. ―O esclarecimento do ser-no-mundo mostrou que, de início, um

mero sujeito não ‗é‘ e nunca é dado sem mundo. Da mesma maneira, também, de início, não é

dado um eu isolado sem os outros‖ (ibid., p. 172). Ser-aí é ser-com; presença é sempre presença

compartilhada, copresença; o mundo é sempre mundo compartilhado e o viver é sempre

convivência3. Eis a dinâmica difusiva do ser.

Heidegger (2011, p. 85) também diferencia existência de ser simplesmente dado (que,

na ontologia tradicional, é compreendido como existentia – ou o ser em-si de Sartre). Indica que

―o ser simplesmente dado é o modo de ser de um ente que não possui o caráter de presença‖

(ibid., p. 170). Desta concepção resulta que, embora outros entes sejam, só o homem existe.

Existir é uma qualidade ou capacidade que singulariza o ente humano e diz respeito à ―riqueza

das relações recíprocas entre presença e ser, entre presença e todas as entificações, através de

uma entificação privilegiada, o homem‖4. Presença, portanto, não é sinônimo de existência. Mas

―é na presença que o homem constrói o seu modo de ser, a sua existência, a sua história etc.‖5.

É na presença que se há de encontrar o horizonte para a compreensão e possível

interpretação do ser. Em si mesma, porém, a presença é ―histórica‖, de maneira

que o esclarecimento ontológico próprio deste ente torna-se sempre e

necessariamente uma interpretação ―referida a fatos históricos‖ (Ibid., p. 79).

De acordo com o existencialismo6, reconhecer-se um ser-para-a-morte em meio à

azáfama cotidiana tornam patentes o absurdo do mundo e a falta de sentido da vida. Essa

corrente filosófica considera que nada é dado à priori (Deus está morto7) e, portanto, concebe o

3 Cf. nota explicativa (N34) do tradutor (HEIDEGGER, 2011, p. 570-571).

4 Cf. nota explicativa (N2) do tradutor (HEIDEGGER, 2011, p. 562).

5 Cf. entrevista de Heidegger ao Der Spiegel, Rev. Tempo Brasileiro, n. 50, jul-set.1977.

6 ―O termo existencialismo foi criado pelo filósofo alemão Karl Jaspers como depreciativo para Sartre, Heidegger e

outros, de quem ele queria distinguir suas próprias teses essencialmente existencialistas. De fato, poucos pensadores

chamados de existencialistas aceitaram a designação‖ (ROHMANN, 2000, p. 150). Embora não seja o caso de Sartre

e Merleau-Ponty, Heidegger recusa o enquadramento, argumentando que ―as reflexões acerca da existência são, na

sua filosofia, apenas introdução à análise do problema do Ser, e não propriamente da existência pessoal‖ (ARANHA;

MARTINS, 2003, p. 356). 7 Segundo Nietzsche (2008, 153-154), ―a noção ‗Deus‘, inventada como noção-antítese à vida – tudo nocivo,

venenoso, caluniador, toda a hostilidade mortal contra a vida enfeixada em uma unidade horrível! O conceito ‗além‘,

inventado como ‗mundo verdadeiro‘ para arrancar o valor ao único mundo existente – a fim de não deixar à nossa

realidade terrena nenhum objetivo, nenhuma razão, nenhuma tarefa! A noção ‗alma‘, ‗espírito‘, e por fim até a de

‗alma imortal‘, inventada para desprezar o corpo, torná-lo enfermo – ‗santo‘ –, para tratar com uma frivolidade

Page 207: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

207

homem como responsável pelo sentido que imprime a sua própria existência no ato contínuo de

viver. Embora reconheça que o homem sente-se impelido, invariavelmente, a determinar um

propósito para sua vida, o existencialismo posiciona-se contra a teleologia da natureza humana;

nesse sentido, eis a máxima sartreana de que a existência precede a essência8: em meio a

profundo desamparo9, ―o homem não é senão o seu projeto, só existe na medida em que se

realiza, nada é portanto, nada mais que o conjunto de seus atos, nada mais do que a sua vida‖

(SARTRE, 1978, p. 13). Pode, entretanto, optar por assumir a responsabilidade por seus atos –

sua liberdade, sua consciência, seu ser – ou viver de forma inautêntica, absorto nas atividades ou

passatempos que caracterizam a mediocridade mundana. Nas palavras de Flusser (2008, p. 97):

―Esta a nossa liberdade: opormos ao concreto estúpido do nada da morte a rede frágil e

imaginária da liberdade‖.

O existencialismo sartreano bebe na fenomenologia de Husserl, para quem é

necessário voltar às coisas mesmas, para conceber a consciência como intencionalidade, uma

espécie de movimento ou olhar que busca apreender o mundo e as coisas do mundo (seres em-si)

sem recair no paradigma realista (primado do objeto) ou idealista (primado do sujeito). A

consciência não é essência ou substância pensante no interior de um sujeito, mas vazio, vento

livre que se lança em direção às coisas, ato de conhecer. A consciência é sempre consciência de

alguma coisa; e é nessa relação que mundo e consciência surgem, simultaneamente.

Por certo, poderíamos aplicar à consciência a definição que Heidegger reserva

ao Dasein e dizer que é um ser para o qual, em seu próprio ser, está em questão

o seu ser, mas seria preciso completá-la mais ou menos assim: a consciência é

um ser para o qual, em seu próprio ser, está em questão seu ser enquanto este

ser implica outro ser que não si mesmo. (SARTRE, 2011, p. 35; grifos do autor).

Diferentemente do ser em-si (aquilo que é o que é e, por isso, não pode remeter a si

mesmo porque está pleno de si, ser opaco), Sartre define a consciência como um para-si, aquilo

que não é o que é e é o que não é, um tem-de-ser, ser que pode tornar-se presente a si sem nunca

conseguir ser si-mesmo, um ser que não pode coincidir com seu ser-em-si, que não se reduz ao

terrível todas as coisas que na vida merecem seriedade, as questões de alimentação, moradia, dieta espiritual,

tratamento a doentes, limpeza, clima!‖. 8 O primado da existência frente à essência é apresentado por Heidegger como uma das características da presença

(HEIDEGGER, 2011, p. 86). 9 ―No século XIX, o filósofo dinamarquês Kierkegaard foi o primeiro a descrever a angústia como experiência

fundamental do ser livre ao se colocar em uma situação de escolha. Mais tarde, no século seguinte, os existencialistas

continuam o caminho por ele aberto, tentando compreender a singularidade da escolha livre.‖ (ARANHA;

MARTINS, 2003, p. 356).

Page 208: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

208

seu ente; sobre a passagem, Sartre (id., p. 531-532) alude ao poder petrificador do olhar do outro,

perante o qual, tal como o mito da Medusa, o para-si vê-se reduzido à coisa entre coisas, ser-em-

si-no-meio-do-mundo. E, na medida em que a consciência é esse vazio, é esse nada, só pode

buscar aquilo que é fora de si mesma. O conhecimento, portanto, é um modo de ser.

O conhecer não é uma relação estabelecida a posteriori entre dois seres, nem

uma atividade de um desses seres, nem uma qualidade, propriedade ou virtude.

É o próprio ser do Para-si enquanto presença a..., ou seja, enquanto tem-de-ser

seu ser fazendo-se não ser certo ser ao qual está presente. Significa que o Para-si

só pode ser à maneira de um reflexo que se faz refletir como não sendo

determinado ser. (Ibid., p. 236).

Ao questionar o quem da presença cotidiana, Heidegger encontra o caráter de si-

mesmo, aquilo que se mantém idêntico apesar das múltiplas mudanças pelas quais passa e deve

ser assumido como ―movimentação, como espacialidade e temporalidade‖10

, distinguindo-se

precisamente de toda ideia de ‗em-si‘ do ser simplesmente dado. Mas, disso não resulta uma

concepção de isolamento do eu ou do sujeito previamente dado que toma os outros como plano

de fundo sobre o qual se destaca.

Os outros, ao contrário, são aqueles dos quais, na maior parte das vezes, não se

consegue propriamente diferenciar, são aqueles entre os quais também se está.

[...] À base desse ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo é sempre o

mundo compartilhado com os outros. O mundo da presença é mundo

compartilhado. O ser-em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundano desses

outros é copresença. [...] Esse modo de encontro mundano mais próximo e

elementar da presença é tão amplo que a própria presença nele, de saída, já

encontra a si mesma, desviando o olhar ou nem mesmo vendo ―vivências‖ e

―atos‖. A presença encontra, de saída, a ―si mesma‖ naquilo que ela empreende,

usa, espera, resguarda – no que está imediatamente à mão no mundo

circundante, em sua ocupação. (HEIDEGGER, 2011, p. 174-175; grifos do

autor).

A relação entre presença e mundo não corresponde à relação sujeito-objeto: enquanto

esta última refere-se ao problema do sujeito que transita da interioridade para uma esfera exterior

de modo a obter conhecimento sobre um objeto, na relação presença-mundo ―dentro‖ e ―fora‖

não constituem fronteiras distintas. A presença está, desde o início, junto ao que compreende. É o

para-si de Sartre.

Ao dirigir-se para... e apreender, a presença não sai de uma esfera interna em

que antes estava encapsulada. Em seu modo de ser originário, a presença já está

10

Cf. nota explicativa (N36) do tradutor, si-mesmo não corresponde à consciência, inconsciente ou personalidade,

mas ao ―processo ontológico-existencial de constituição e concretude da presença em sua realização própria e

exclusiva‖. Assim, ―o si-mesmo nunca está constituído, nunca é ou está ‗em si‘‖ (HEIDEGGER, 2011, p. 571).

Page 209: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

209

sempre ‗fora‘, junto a um ente que lhe vem ao encontro no mundo já descoberto.

E o deter-se determinante junto ao ente a ser conhecido não é uma espécie de

abandono da esfera interna. De forma nenhuma. Nesse ‗estar fora‘, junto ao

objeto, a presença está ‗dentro‘, num sentido que deve ser entendido

corretamente, ou seja, é ela mesma que, como ser-no-mundo, conhece. E, mais

uma vez, a percepção do que é conhecido não é um retorno para o ‗casulo‘ da

consciência (Bewusstsein) com uma presa na mão, após se ter saído em busca de

apreender alguma coisa. De forma nenhuma. Quando, em sua atividade de

conhecer, a presença percebe, conserva e mantém, ela, como presença,

permanece fora. (HEIDEGGER, 2011, p. 109; grifos do autor).

Conforme explica Leopoldo e Silva (2012), o para-si (consciência como não-ser) é a

negação (ou nadificação) do ser em-si (ser pleno, denso): a realidade humana não é dotada de ser

consolidado, é movimento transcendente para chegar a si mesma, o que nunca alcança. ―Com

efeito, é por meio daquilo de que é consciência que esta se distingue aos próprios olhos e pode ser

consciência (de) si; uma consciência que não fosse consciência de alguma coisa seria consciência

(de) nada‖ (SARTRE, 2011, p. 234). Presença e existência não podem ser pensadas sem implicar

a questão da consciência, mas esta coloca-se de forma radicalmente nova, como movimento para

fora. Se é movimento, é vazio, é nada. E só pode perceber-se como alguma coisa no encontro

com o mundo, em relação com outros entes. Consciência é abertura, relação e posicionamento; a

existência humana, ou a realidade do homem, deve ser entendida como eterno ―devir‖. Neste

processo, existir não é algo da ordem do ser, mas do tornar-se, deslizamento contínuo para fora

de si que incorre em constante transcendência. Ser humano é ser projeto e projeção. É gozar de

liberdade para reinventar-se; e, embora o ser humano seja livre para tudo, não pode livrar-se do

perpétuo transcender-se que define seu ser. Deste paradoxo resulta outra máxima sartreana: ―O

homem está condenado a ser livre‖.11

A relação entre presença e existência é patente: não é possível ser humano (Dasein)

sem estar presente; estar presente é existir. E existir é justamente o que torna a presença no

mundo contínua ausência ou negatividade, pois a consciência, não sendo redutível ao ente uma

vez que é, paradoxalmente, não-ser, só poderá definir-se por efeito de oposição, é aquilo que não

é, é aquele que ainda não é e, por isso, não é aquilo que é; é um vir-a-ser, devir. O ser humano,

11

Embora admita que todo projeto existencial não seja abstrato, pois ocorre na história, Sartre discorda da

proposição marxista de que o sujeito é reflexo das condições objetivas. Assegura sua concepção de que ser sujeito é

ser livre, pois o ser humano, no limite, é aquilo que faz com o que fazem dele. Estabelece, assim, um rigor ético que

não aceita a subordinação da consciência a não ser por má fé (LEOPOLDO E SILVA, 2012). Mas, de toda forma, o

paradoxo permanece: ―A liberdade é liberdade de escolher, mas não liberdade de não escolher. Com efeito, não

escolher é escolher não escolher. Daí resulta que a escolha é o fundamento do ser-escolhido, mas não fundamento do

escolher. E daí a absurdidade da liberdade‖ (SARTRE, 2011, p. 592).

Page 210: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

210

portanto, nunca está onde pode ser apreendido como fenômeno; como objeto do conhecimento,

transforma-se em ente, coisa entre as coisas do mundo, ser em-si. Por essa razão, para Sartre

(2011, p. 531-532), o olhar do outro equivale ao olhar petrificante da Medusa que objetifica

aquilo que vê. E, embora a estátua de pedra eternize o presente, já não possui o brilho da presença

– não existe.

3.2 Subjetividade como devir

Para além da esfera fisiológica (ente) ou biológica (vivente), Heidegger entende o

humano como aquele que, por meio da linguagem, goza de relação privilegiada com a esfera do

ser, e que, diferentemente dos demais viventes, pobres-de-mundo, sabe-se mortal, um ser-para-a-

morte. 12

Não congraça a definição de homem como animal racional (embora seja uma verdade,

conduz à interpretação do homem como ente – organismo animal que pensa, e não como ser); em

sua Carta sobre o Humanismo (HEIDEGGER, 1991), considera que tal definição não o distingue

essencialmente dos demais viventes e nem coloca a humanitas (dignidade) do homem em nível

suficientemente elevado (ESPOSITO, 2010, p. 231-232). Auschwitz e Hiroshima são exemplos

extremos da falência da tradição humanista e da crença na racionalidade, verdadeiros pontos de

não-retorno, dramas que não puderam ser evitados e, desconfia-se, tenham sido sonhados e

gestados no âmago desta concepção de natureza humana. ―A bestialização do humano,

experimentada nos campos de extermínio nazistas, a partir desse ponto de vista, encontraria a

própria raiz na confusão categórica entre homem e animal, de onde o conceito humanístico de

humanitas é definido desde o início‖ (ibid., p. 233).

Ao romper com o humanismo, apontando a falência da racionalidade como definidora

do que é o humano, e preconizar a interrogação sobre o humano para além de seu caráter animal,

Heidegger situa-se entre aqueles (como Nietzsche e Darwin, por exemplo) que reinstalam o

debate acerca do que é ser humano e insuflam teorias sobre o inumano, o trans-humano e o pós-

12

Segundo Esposito (2010, p. 233): ―Ainda segundo o filósofo alemão, afirmar que é a linguagem que faz o homem

como tal significa defini-lo exatamente a partir de sua insuperável contraposição ao silêncio animal‖. Santaella

(2010, p. 135-136) defende a tese de que a fala é uma tecnologia híbrida entre o natural e o artificial, primeira mídia,

a qual todas as outras ―mídias, técnicas e tecnologias externas estão umbilicalmente ligadas [...]. Nessa medida, a

casa do ser, pensada por Heidegger, é, de saída, uma casa tecnológica, pois a fala humana já carrega em si a marca

do inatural. Como foi lembrado mais de uma vez por Freud e também por Lacan, porque fala o ser humano não é

natural e só pode estar na natureza de modo paradoxal‖. Por essa razão, nenhuma pretensa ―naturalidade‖ da fala

deve opor-se à ―artificialidade‖ de outras mídias.

Page 211: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

211

humano. Para Santaella (2010, p. 109), ―o pós-humanismo heideggeriano é evidentemente um

pós-humanismo historicamente anterior aos debates que, sob o nome de pós-humano, emergiram

sob efeito de uma pluralidade de fatores resultantes dos avanços tecnológicos‖. Esposito (2010, p.

234), entretanto, lembra que, apesar da nítida crítica ao humanismo, os pressupostos que balisam

o pensamento heiddegeriano, tais como ―recusa da noção biológica de natureza humana,

contraposição absoluta do homem às outras espécies viventes, subvalorização do corpo como

dimensão primária da existência‖ –, não provocam a desejada ruptura. Sartre, de certo modo,

também compartilha desses pressupostos ao situar o humano em uma dimensão radicalmente

histórica, já que nada é além daquilo que se faz, um ser sempre fora de si, com tendência à

transcendência de sua condição natural. Conforme Esposito (id., p. 237-238):

Ainda que inserido em uma série de condições materiais que o precedem, o

homem experimenta a própria humanidade autêntica exatamente no ponto em

que se destaca delas para se projetar segundo a própria decisão de existência.

Sua natureza não interessa senão na medida em que é superada. Submetida a

uma historização integral, a dimensão da existência termina por situar-se a uma

distância radical da vida. Ou também: a vida assume um caráter humano

somente na subtração do próprio significado biológico.

No rastro da implosão do sujeito universal (racional, incorpóreo, abstrato e imortal,

compreendido como essência ou substância interior, centrada, unívoca, unitária, coesa e

coerente), até então correlato à natureza humana, surge a subjetividade como devir e suas figuras

derivadas: múltipla, polifônica, desviante, reinvenção constante, obra-em-processo, ―local de

experimentação contínua‖, ―corpo pleno a advir‖ que perdura ―sem jamais existir como tal‖

(DOEL, 2001, p. 88; grifos do autor).

Nós não nos deparamos com uma subjetividade já dada, adequada e organizada;

antes, somos chamados a produzi-la. Confrontados com as condições que

encontramos na nossa vida diária, algo precisa ser feito, e a chave para esta ação

é questão de assumir extremos. Isso é exatamente o oposto de se virar em

direção a um ser já dado, já formado, porque ser é acima de tudo, vir a ser,

evento, produção. (GUATTARI, 1992, p. 215).

Retomando-se a concepção deleuziana, pensar o ser humano como devir é encontrar

subjetividade onde antes havia sujeito e entendê-la como acontecimento. Aliás, ―o que há não são

sujeitos, mas a pura articulação de algo externo com as implicações que isso repercute nas

individualidades e nos objetos‖ (MARCONDES FILHO, 2004, p. 213). O sujeito, quando muito,

deve ser percebido como efeito, não como causa, dos fenômenos sociais. Devir é conceber

multiplicidade onde antes havia substância, evento no lugar de essência, movimento de

Page 212: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

212

constituição e desaparição das singularidades que emergem no mundo em toda sua

multiplicidade. Por essa razão, devir é processo e emergência contínuos que escapam às

cristalizações da história.

O que a história capta do acontecimento é sua efetuação em estados de coisa,

mas o acontecimento em seu devir escapa à história. [...] O devir não é história;

a história designa somente o conjunto de condições, por mais recentes que

sejam, das quais desvia-se a fim de ‗devir‘, isto é, para criar algo novo.

(DELEUZE, 1992, p. 210-211).

Devir não é ser história, mas ser-aí em uma dada temporalidade, na interface com o

mundo, com as coisas do mundo, estabelecendo com elas uma relação simbiótica que não deve

ser entendida como a soma entre as partes. ―Isso significa que o devir é sempre o que está entre

dois (...). Um devir é sempre um devir-outro em Deleuze‖ (VASCONCELLOS, 2005, p. 152-

153). Devir é desdobrar-se, existir em uma zona de indiscernibilidade. Essa abertura para

hibridismos concebe tanto o devir-animal quanto o devir-maquínico como constitutivos do

humano; nesse sentido, Esposito (2010) advoga que a natureza humana13

, depois do humanismo,

deve assumir sua relação com a teriosfera (mundo animal) e com a técnica.

A técnica não necessariamente contraposta à natureza; ao contrário, deriva dela,

no sentido de que a natureza humana apresenta uma tecnicidade originária,

assim como técnico é, per se, cada movimento do nosso corpo e cada som da

nossa voz. [...] Desse ponto de vista, portanto, medida sobre o plano filogênico,

cada tecnologia é, a princípio, biotecnologia. Certamente, e justamente por isso,

a técnica não é só produção de manufaturados, mas também transformação

daquele que os produz, é alteração, além da matéria e do ambiente, também do

homem. (ESPÓSITO, 2010, p. 246).

Guattari (1993, p. 177-182), ao considerar os processos ou agenciamentos de

produção da subjetividade, reconhece que não faz sentido ―o homem querer desviar-se das

máquinas já que, afinal das contas, elas não são nada mais do que formas hiperdesenvolvidas e

hiperconectadas de certos aspectos de sua própria subjetividade‖; entretanto, o diagnóstico da

―máquino-dependência‖ ou ―entrada em máquina‖ da subjetividade contemporânea leva-o a

investigar os ―equipamentos coletivos de subjetivação‖ correspondentes à ―idade da

informatização planetária‖ e inquirir se o ―reposicionamento fundamental do homem em relação

ao seu meio ambiente maquínico e ao meio ambiente natural (que aliás tendem a coincidir)‖, a

13

―[...] a natureza humana não é um todo que progride em direção ao melhor, mas o resultado, sempre modificável,

de um conflito inexaurível entre tipologias biológicas diversas que competem para se afirmarem‖ (ESPOSITO, 2010,

p. 239).

Page 213: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

213

partir de práticas individuais e sociais de autorreferência, auto-valorização e auto-organização da

subjetividade, possibilitará a superação da opressão ―mass-midiática‖ (consensual) rumo a uma

era pós-midiática (dissensual), caracterizada por reapropriação e re-singularização do uso da

mídia.

Tecnologias de comunicação operam no cerne da subjetividade humana - não

apenas em sua memória e inteligência, mas também em sua sensibilidade, afetos,

e fantasias inconscientes. […] A produção maquínica de subjetividade trabalha

no sentido do que há de melhor e de pior. No primeiro caso, a criação - a

invenção de novos universos de referência; e no pior sentido, a mediatização age

no entorpecimento mental que bilhões de indivíduos estão condenados

atualmente. (GUATTARI, 1992, p. 194).

Assumir o ser como devir é antever linhas de fuga (retomada da liberdade sartreana?)

que possibilitam o escape do agenciamento disciplinar, cuja técnica fundamental é o

confinamento (FOUCAULT, 1979, 2010). Substâncias unívocas podem ser confinadas,

assujeitadas e uniformizadas; mas, justamente porque o ser do humano não se define por tal

substancialidade, novos agenciamentos coletivos, empreendidos por máquinas cibernéticas

instauradoras de uma sociedade em que o confinamento é substituído por ―controle contínuo e

comunicação instantânea‖ (DELEUZE, 1992, p. 216), avançam sobre o espraiar difuso do ser-

devir, alcançando-o (e também perdendo-o) no exercício pleno de sua ―liberdade‖. Ainda que

haja novas formas de delinquência ou resistência, Deleuze não crê que um novo comunismo,

transversal, possa ser instaurado graças à retomada da palavra, agora universal, pelas minorias.

Uma vez que controle e comunicação encontram-se equivalentes, o silêncio criativo é a única

saída, ainda que radical.

Talvez a fala, a comunicação, estejam apodrecidas. Estão inteiramente

penetradas pelo dinheiro: não por acidente, mas por natureza. É preciso um

desvio da fala. Criar foi sempre coisa distinta de comunicar. O importante talvez

venha a ser criar vacúolos de não-comunicação, interruptores, para escapar ao

controle. (Ibid., p. 217).

Se ser-aí ou ser para-si implica um estar no tempo e no espaço a partir do qual pode-

se observar a subjetividade humana como dinâmica existencial (ek-sistência) e devir, que tipo de

presença e existência são possíveis na acronia e atopia do tele-existir?

Page 214: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

214

3.3 Ser-na-ausência e ser-pra-sempre

A adesão e a aderência ao presente fazem da cultura de massa a cultura de um

mundo em transformação sucessiva; mas, cultura no devir, ela não é cultura do

devir. Ela permite ao homem aceitar, mas não assumir sua natureza transitória e

evolutiva. [...] Não há mais cegueira, fuga ou divertimento na adesão ao

presente. Os grandes valores transcendentes foram gastos pelo devir acelerado

de uma civilização projetada no tempo irreversível. Os valores baseados no

consumo da vida presente sucedem-no. O sentimento de que é preciso buscar a

verdade e o sentido nas aparências fenomenais torna-se dominantes. O sendo

torna-se a realidade essencial. (MORIN, 1969, p. 185).

Retomando-se a concepção heideggeriana, presença é o que qualifica o homem como

ser-aí enquanto ainda-é. A presença, portanto, é sempre pendente, inconclusa, um poder-ser (vir-

a-ser, devir) que só se interrompe quando ela não é mais um ente. ―O fim de um ente, enquanto

presença, é o seu princípio como mero ser simplesmente dado‖, embora esse corpo morto seja

―‗mais‘ do que uma coisa material, destituída de vida. Nele encontra-se algo não-vivo, que

perdeu a vida‖ (HEIDEGGER, 2011, p. 312), que abandona o tempo e o mundo compartilhados.

Observa-se que presença não se reduz a corpo, mas não pode prescindir dele.

Tampouco pode prescindir de participar de um tempo e um espaço, de conviver com outros. É

ser-no-mundo, ser-com. Mas, também, é ser-para-a-morte.

Conforme apresentado anteriormente14

, a invenção de suportes para a inscrição,

conservação, manifestação e multiplicação da presença evoca estratégias de superação do tempo,

do espaço e dos limites do corpo próprio para lidar com o medo da inexistência (não mais ser) e

da insignificância (não ser alguém capaz de marcar ―presença‖). Desde o raiar da telepresença,

equivalente aos suportes elétricos, eletrônicos e digitais das mídias terciárias, inaugura-se a

disseminação em tempo real de presenças descorporificadas, desterritorializadas e

reterritorializadas em corporeidades robóticas ou espectrais. Mas, embora o discurso corrente

insista em considerar que tais práticas são instauradoras de novos modos de ser, telepresenças não

são presenças. São efeitos de presença no vácuo da ausência daquele que se pretende presente.

Telepresença é ausência que se pretende presença. E se é, fundamentalmente, ausência, que modo

de ser (como Dasein, ser-aí) pode fundar?

Nenhum. Pois ser-aí é ser-no-mundo. Ser é estar.

Ser telepresente é ser-ausente (não-estar), o que é apropriado para poder adentrar,

habitar e mover-se pela dimensão inabitável da nulodimensionalidade pós-histórica. E se na

14

Veja-se o Tópico 2.2 do Capítulo 2 da Parte I – Rumo à espectralidade.

Page 215: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

215

ausência do caráter de presença não é possível existir (desdobrar-se), a decorrente tele-existência

não poderá, nunca, assumir o significado de transcendência e autorreflexão; é cristalização do ser

em avatar robótico, espectro virtual ou conjunto de dados ―rostificados‖ (DELEUZE;

GUATTARI, 1996, p. 41), recorrentemente atualizados, para que possa manifestar-se em

ambientes inóspitos e/ou inalcançáveis e habitar redes, ambientes virtuais e bancos de dados. É

conceber-se como ente, ser em-si, objeto pleno que se põe para ser conhecido e que,

diferentemente do para-si sartreano, incorre em inconsciência, desmaio e opacidade.

Tabela 4. Presença e telepresença: contrapontos

Presença Telepresença

Ser-no-mundo Ser-na-ausência

Corpo Corpo maquínico (robô) ou espectral (imagem)

Espaço Nulodimensionalidade (desterritorialização)

Tempo Tempo real (convergência de momentos)

Ser-com: presença compartilhada

Ser-sem: ubiquidade, multiplicação da “presença”

Consciência (ato de conhecer) Inconsciência (ser conhecido)

Tabela 5. Existência e tele-existência: contrapontos

Existência Tele-existência

Ser-para-a-morte: finitude que produz sentido (totalização)

Ser-para-sempre: negação da morte e da vida (fragmentação)

Para-si (autorreflexão) Em-si (opacidade)

Negatividade (é aquilo que não é) Positividade (é o que é)

Ausência na presença (por devir) Presença na ausência (por cristalização)

Vir-a-ser (para-si) Ser-a-ver (em-si)

Transcendência Cristalização

A argumentação articula os atributos arrolados nas tabelas 1 e 2: em contraposição a

ser-no-mundo, a telepresença implica ser-na-ausência (de corpo, de espaço, de tempo histórico,

de mundo). É ausência que se disfarça de presença pela animação de entes maquínicos ou

manifestação a distância por meio de espectros digitais. A comutação de presença em

telepresença, embora possa ser pensada como consequência do ser-aí e para-si situar-se em zona

de intercâmbio e indiscernibilidade com técnicas e tecnologias (devir-máquina), não conduz à

transcendência: a tentativa de transferir presença para a nulodimensionalidade só produz

contingências, cristalizações da consciência que, muito longe de possibilitar o vir-a-ser, reduzem-

na àquilo que é o que é (em-si, ser simplesmente dado). Ausenta-se, portanto, do mundo da

Page 216: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

216

consciência transcendente (ato de conhecer e capacidade de re-conhecer-se reinventando-se

continuamente) para alinhar-se à falange dos seres plenos (que se dão a ver/conhecer, mas não

possuem a capacidade de tornarem-se presentes a si mesmos). Telepresença não é presença

compartilhada e finita, mas efeito de presença multiplicado ao infinito. Mediante a fatalidade de

ser-para-a-morte, o homem busca apaziguar sua angústia no eterno presente do ser-para-sempre:

ausenta-se da vida para negar a morte que lhe é inerente. Eis a felicidade do eterno sorriso que

Medusa pode proporcionar: o não-ser do ser-pra-sempre.

Page 217: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

217

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 218: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

218

Sem chão: a tendência objetivante

Figura 71. Fotos e notas de Oscar Monteiro Filho.

Há algum tempo, dentre o legado deixado por meu avô materno, eu e minha mãe

encontramos algumas fotos antigas e o diário do meu bisavô. Após folhear as páginas amareladas

e ler os textos escritos por ele com letra caligráfica, reparei que as poucas fotografias ganharam

cor, ganharam vida. Deixaram de ser marrons, acinzentadas, antigas. Recuperaram o contexto. E,

nelas, os olhos de meu bisavô voltaram a brilhar. Graças ao duplo registro, textual e imagético,

meu bisavô, Oscar Monteiro Filho, gráfico, pai de seis filhos, que chegou a completar bodas de

prata mas morreu muito antes de me conhecer, passou a gozar da minha afeição, passou a existir

para mim.

―Passou a existir para mim‖, repito eu, tentando ecoar, estupefata, a profundidade

dessa afirmação.

Compartilho essa singular experiência, vivida aos quatorze anos, para tecer minhas

considerações finais a respeito da problemática que me consumiu e encantou ao longo do

desenvolvimento desta Tese sobre tele-existência e subjetividade em plataformas ciberculturais.

A experiência antropológica de ser-estar always on tem um ―q‖ de cerrada resistência, forma de

Page 219: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

219

aplacar uma velha-nova angústia — a inexorável passagem do tempo, a indefectível chegada da

morte.

Entretanto, essa resistência não é nova: ela existe desde que o ser humano descobriu-

se um ser-para-a-morte. Nesse sentido, toda mídia é exercício humano de resistência, interessante

solução simbólica para o problema da conservação ou duplicação da presença. Desde a

mumificação dos corpos e produção de máscaras mortuárias modeladas sobre o rosto dos

cadáveres — imagos das quais deriva a palavra ―imagem‖ — até a geração de imagens indiciais

(como as palmas de mãos ancestrais gravadas no fundo das cavernas) e icônicas, somados os

registros escritos fundadores da História, a beleza moderna dos retratos, a pretensa precisão da

fotografia e toda produção audiovisual e digital que marca o nosso tempo… Eis o mesmo

problema: como evitar as sombras da velhice, como enganar a morte, como continuar presente,

re-existir?

Asseguro: o esforço diário de manter-se continuamente conectado às plataformas

tele-existenciais – ou always on – é a nova aposta da humanidade rumo ao always live. Opta-se

pelo alinhamento à falange dos espectros e fantasmas ciberespaciais, prestando contínua

manutenção às imagos virtuais que revestem as aparições. Rende-se, como nunca!, homenagem à

vida: tudo é fotografado e publicizado no momento mesmo em que é vivido. Nada, por mais

cotidiano ou banal que seja, pode ser desperdiçado, ficar à margem, sem registro. Mas a

resistência toma, rapidamente, forma de desistência: rendidos ao encanto do mundo das imagens,

onde o tempo não passa e nada muda nunca!, inverte-se o sentido. Tele-existir deixou de ser meio

para tornar-se fim. É o próprio fim. Buraco negro que suga o chão da existência e o tempo de

vida.

Figura 72. Tirinha de “Os malvados”.

Page 220: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 221: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

221

Tal aposta, entretanto, não é exatamente nova. Apenas recicla, ou aprimora, as

aplicações do modelo metafísico que orienta o ser/estar no Ocidente. A esse respeito, Flusser, em

belíssimo ensaio (2011, p. 19-36), pergunta-se como é possível, após Auschwitz, após a

―reificação derradeira de pessoas em objetos informes, em cinza‖ (ibid., p. 22), continuarmos a

pisar o chão da cultura que produziu incomparável evento. Afinal:

[...] Auschwitz não é infração de modelos de comportamento ocidental, é, pelo

contrário, resultado de aplicação de tais modelos. A nossa cultura deixou cair

sua máscara mistificadora em Auschwitz, e mostrou seu verdadeiro rosto. Rosto

de monstro objetivador do homem. (Ibid., p. 22-23).

A tendência ocidental à objetivação continua em funcionamento. Flusser lembra, com

assertividade, que as técnicas sociais que transformavam homens em cinzas, embora menos

brutais ou primitivas como se pode observar no processo de ―robotização da sociedade‖,

permanecem. E, independentemente da forma que venha a tomar:

[...] será sempre manipulação objetivante do homem. Embora os aparelhos do

futuro imediato não sejam necessariamente fornos de incineração, serão todos, e

não apenas os nucleares, aparelhos para o aniquilamento do homem. (Ibid., p.

26).

Os resultados desta pesquisa aproximam-se muito do que Flusser (2011, p. 26-27)

intuiu como tendência ocidental ao extermínio: as tecnologias do tele são, de certo modo,

refinamento do programa que prima pela aniquilação ao objetivar e desumanizar os homens.

Distraídos alegremente das motivações que tornam atraente a empreitada, os

indivíduos buscam o ser-para-sempre do hiper-real, do hiperespetacular. Na tela, imagens e

mensagens esplendorosas do eu não sabem quando deixarão de ser indícios para tornarem-se

epitáfios ou adornos de sarcófagos virtuais. Nelas, as almas já foram deixadas. Porque, no real,

pálidos zumbis, cansados e concentrados em alimentar suas imagens de vida com a seiva dos

momentos, mal esperam para sucumbir. Parecem viver em dobro, intensamente, ao passo que mal

vivem. Esfolam-se no esforço trans ou pós-humano de desdobrarem-se, de re-existirem, de

―apareSer‖. De alcançar, por meio do always on, o always live.

Page 222: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 223: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

223

Referências

Page 224: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 225: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

225

ANGRAKSUS. Disponível em: http://www.telepresenca.art.br/. Acesso em: 10 jan. 2012.

ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. Tecnologia e educação a distância: abordagens e

contribuições dos ambientes digitais e interativos de aprendizagem. In: 23ª Reunião Anual da

ANPED, Poços de Caldas, 2003. Disponível em: http://

www.anped.org.br/reunioes/26/trabalhos/mariaelizabethalmeida.rtf. Acesso em: 2 jul. 2012.

ALMEIDA, Mariane Tojeira Cara. A imagem das adolescentes na web: a busca pela

corporeidade espetacular, 2013. 249 p. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

AMOROSO, Danilo. O que são stalkers e por que são tão perigosos? 20. Set. 2010.

Tecmundo.com. Disponível em: http://www.tecmundo.com.br/privacidade/5411-o-que-sao-stalkers-e-

por-que-sao-tao-perigosos-.htm. Acesso em: 20 jun. 2013.

ARANHA, Maria Lucia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à

filosofia. São Paulo: Moderna, 2003.

ARAÚJO, Yara Rondon Guasque. Telepresença: interação e interfaces. São Paulo: PUCSP-

EDUC: FAPESP, 2005.

AVATAR Robot Telexistence transmite visão, audição e toque – TELESAR V. #DigInfo. 11

jun. 2011. Disponível em:

http://www.Youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=ZMF0p15GPYg#!. Acesso em: 2

jul. 2012.

BAITELLO JR., Norval. O animal que parou os relógios. São Paulo: Annablume, 1999.

_________. O tempo lento e o espaço nulo: mídia primária, secundária e terciária. In: FAUSTO

Neto, Antônio et al. (Org.). Interação e sentidos no ciberespaço e na sociedade. Porto Alegre:

EDIPUCRS, 2001. (Coleção Comunicação, 11. COMPÓS; v.2).

_________. A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo: Hackers, 2005.

_________. A serpente, a maçã e o holograma: esboços para uma teoria da mídia. São Paulo:

Paulus, 2010. (Coleção Comunicação).

_________. O pensamento sentado: sobre glúteos, cadeiras e imagens. São Leopoldo: Unisinos,

2012.

BARBOSA, Barbara Conceição de Oliveira. Ciberespaço e dependência: uma análise dos

vínculos do humano com o glocal interativo como habitus , 2008. 83 p. Dissertação (Mestrado

em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2008. Disponível em: http://www.sapientia.pucsp. br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=7797.

BARROS FILHO, Clóvis; LOPES, Felipe; ISSLER, Bernardo. Comunicação do eu: ética e

solidão. Petrópolis: Vozes, 2005.

BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. São Paulo: Relógio D‘Água, 1981.

_________. Da sedução. São Paulo: Papirus, 1991.

_________. As estratégias fatais. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

Page 226: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

226

_________. Tela-total: mito-ironias na era do virtual e da imagem. Porto Alegre: Sulina, 1999.

_________. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

1999.

_________. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2008.

BRACKEN, Cheryl Campanella; SKALSKI, Paul D.Telepresence in everyday life: an

introduction. In: ------ (Orgs.). Immersed in media: telepresence in everyday life. New York:

Routledge, 2010.

BIOCCA, Frank; LEVY, M. R. Communication in the age of virtual reality. Hillsdale, NJ:

Lawrence Erlbaum Associates, 1995.

BONNINGTON, Christina. Japanese telexistence robot is like a real-life avatar. 9 nov. 2011.

Gadget Lab. Disponível em: http://www.wired.com/gadgetlab/2011/11/TELESAR-telexistence-

robot/. Acesso em: 2 jul. 2012.

BRUNO, Fernanda. Monitoramento, classificação e controle nos dispositivos de vigilância

digital. Revista Famecos, 36, 2008a, p. 10-16.

_________. Controle, flagrante e prazer: regimes escópicos e atencionais da vigilância nas

cidades. Revista Famecos, 37, 2008b, p. 45-53.

_________. Rastros digitais: o que eles se tornam quando vistos sob a perspectiva da teoria ator-

rede? In: XXI Encontro Nacional da COMPÓS, 21., 2012, Universidade Federal de Juiz de

Fora - UFJF.

BRASILEIROS ficam quase 10h30 navegando em redes sociais, diz Ibope. 20 fev. 2013. UOL.

Disponível em: http://idgnow.UOL.com.br/Internet/2013/02/20/brasileiros-ficam-quase-10h30-

navegando-em-redes-sociais-diz-ibope/. Acesso em: 28 fev. 2013.

BRUNO, Fernanda; PEDRO, Rosa. Entre aparecer e ser: tecnologia, espetáculo e subjetividade

contemporânea. In: IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, 4., 2004. Porto Alegre:

Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação - Intercom, 2004.

BYSTRINA, Ivan. Tópicos da semiótica da cultura. São Paulo: Centro Interdisciplinar de

Semiótica da Cultura e da Mídia, PUC-SP, 1995. Cópia reprográfica. 40 f.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. (A era da informação:

economia, sociedade e cultura; v. 1).

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990.

CANEVACCI, Massimo. Antropologia da comunicação visual. São Paulo: Brasiliense, 1990.

CASALEGNO, Federico. Sherry Turkle: fronteiras do real e do virtual. Revista Famecos. Porto

Alegre, dez. 1999, n. 11, p. 117-123.

Page 227: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

227

CAVALHEIRO, Gustavo Augusto Tavares. A sociedade do avatar: do eu heteronímico ao

cibercultural, 2011. 127 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em:

http://www.sapientia.pucsp. br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=11649.

CHARDIN, Teilhard de. O fenômeno humano. São Paulo: Cultrix, 1994.

CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.

CNN hologram tv first. Youtube. disponível em:

http://www.Youtube.com/watch?v=thOxW19vsTg. Acesso em: 2 jul. 2012.

CONTRERA, Malena Segura. Mídia e pânico: saturação da informação, violência e crise

cultural na mídia. São Paulo: Annablume, 2002.

_________. O titanismo na comunicação e na cultura: os maiores e os melhores do mundo. In:

LEMOS, André. et al.Livro da XII COMPÓS: Mídia.BR. Porto Alegre: Sulina, 2004.

________. Mediosfera: meios, imaginário e desencantamento do mundo. São Paulo: Annablume,

2010.

COUCHOT, Edmond. Da representação à simulação. In: PARENTE, André (Org.). Imagem-

máquina: a era das tecnologias do virtual. São Paulo: Ed. 34, 1993.

CRITELLI, Mára Dulce. Analítica do sentido: uma aproximação e interpretação do real de

orientação fenomenológica. São Paulo: Brasiliense, 2006.

DAL BELLO, Cíntia. A espectralização da existência: indexação sígnica em comunidades

virtuais de relacionamento. In: IX Seminário Internacional da Comunicação, 9., 2007, Porto

Alegre. Simulacros e (dis)simulações na sociedade hiperespetacular. Porto Alegre: PUCRS,

2007. p. 47-64. Disponível em: <http:// WWW.pucrs.br/eventos/sicom/textos/gt03.pdf> . Acesso

em: 10 nov. 2007.

_________. Cibercultura e subjetividade: uma investigação sobre a identidade em plataformas

virtuais de hiperespetacularização do eu, 2009. 130 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação e

Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em:

http://www.sapientia.pucsp. br/tde_busca/ arquivo.php? codArquivo=9410.

_________. Sorria, você está sendo indexado! A questão da privacidade em plataformas

ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva. In: Simpósio Nacional de Cibercultura,

4., 2010. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura, 2010.

Disponível em:

http://www.abciber2010.pontaodaeco.org/sites/default/files/ARTIGOS/1_REDES_SOCIAIS/C%

C3%ADntia%20Dal%20Bello_REDESSOCIAIS.pdf.

_________. Visibilidade mediática cibercultura: apontamentos sobre a fenomenologia do

―apareSer‖. In: Simpósio Nacional de Cibercultura, 5., 2011. São Paulo: Associação Brasileira

de Pesquisadores em Cibercultura, 2011.

_________. Identidade-bunker em redes sociais: a problemática dos hikikomoris. In: SAITO,

Cecília Noriko Ito; GREINER, Christine (Orgs.). Hikikomori: a vida enclausurada nas redes

sociais. São Paulo: Intermeios, 2013.

Page 228: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

228

DAL BELLO, Cíntia; FOLINO JR., Ariovaldo. (In)visibilidad en las redes sociales digitales. In:

10º Congreso de La Asociación Internacional de Semiótica Visual – AISV, 10., 2012. Buenos

Aires: Associação Internacional de Semiótica Visual, 2012.

DAL BELLO, Cíntia; NOMURA, Jorge Marcelo. Perfis brasileiros em redes sociais: uma análise

das imagens de identificação. In: 1º Congresso Mundial de Comunicação Ibero-Americana,

1., 2011. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – ECA-USP,

2011.

DAL BELLO, Cíntia; ROCHA, Debora Cristine. Visibilidade, vigilância e naturalização do

desejo de autoexposição. In: XXI Encontro Nacional da COMPÓS, 21., 2012, Universidade

Federal de Juiz de Fora - UFJF. Disponível em:

http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1799.doc. Acesso em: 20 dez. 2012.

_________. A projeção do sujeito como objeto de desejo e de consumo nas redes sociais digitais.

In: II Seminário Internacional de Pesquisa: CONSUMO – Afetividades e Vínculos - A cidade,

o lugar, o produto, 2., 2012b, PUC-SP. Disponível em:

http://siepconsumo.com.br/2012/pdf/Sess%C3%A3o%20de%20Comunica%C3%A7%C3%A3o

%20V/A%20projecao%20do%20sujeito%20como%20objeto%20de%20desejo.pdf. Acesso em:

20 dez. 2012b.

DEBORD, Guy. Sociedade do espetáculo. 1967. Disponível em:

<http://www.cisc.org.br/portal/biblioteca/socespetaculo.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2007.

DEBRAY, Regis. Vida e morte da imagem. Petrópolis: Vozes, 1994.

DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Feliz. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 3. Rio de

Janeiro: Ed. 34, 1996.

DI FELICE, Massimo. Estéticas pós-humanistas e formas atópicas do habitar. In: DI FELICE,

Massimo; PIREDDU, Mario (Orgs.). Pós-humanismo: as relações entre o humano e a técnica na

época das redes. São Paulo: Disfusão, 2010.

DI FELICE, Massimo; PIREDDU, Mario (Orgs.). Pós-humanismo: as relações entre o humano e

a técnica na época das redes. São Paulo: Disfusão, 2010.

DOEL, Marcus. Corpos sem órgãos: esquizoanálise e desconstrução. In: SILVA, Tomaz Tadeu

da (Org.). Nunca fomos humanos: nos rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

EHRENBERG, Alain. O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão

nervosa. São Paulo: Idéias & Letras, 2010.

ESPOSITO, Roberto. A natureza humana depois do humanismo. In: DI FELICE, Massimo;

PIREDDU, Mario (Orgs.). Pós-humanismo: as relações entre o humano e a técnica na época das

redes. São Paulo: Disfusão, 2010.

Page 229: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

229

EU sei q vc visita meu perfil. Orkut. Disponível em:

http://www.Orkut.com/Community?cmm=12211497&hl=pt-BR. 1804 membros. Acesso em: 27

out. 2011.

FACEBOOK ultrapassa Orkut no Brasil, aponta ComScore. Veja.17 jan. 2012a. Disponível em:

http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/Facebook-ultrapassa-Orkut-no-brasil-aponta-

comscore. Acesso em: 28 fev. 2013.

FACEBOOK lança lista com 25 games mais populares na rede social em 2012. 5 dez. 2012b.

Disponível em: http://www.tecmundo.com.br/novidade/33669-Facebook-lanca-lista-com-25-

games-mais-populares-da-rede-social-em-2012.htm. Acesso em: 28 fev. 2013.

FACEBOOK foi a rede social mais acessada do Brasil em dezembro. G1. 28 jan. 2013.

Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/01/Facebook-foi-rede-social-mais-

acessada-do-brasil-em-dezembro.html. Acesso em: 28 fev. 2013.

FELINTO, Erick. A imagem espectral: comunicação, cinema e fantasmagoria tecnológica.

Cotia: Ateliê, 2008.

FELINTO, Erick; SANTAELLA, Lúcia. O explorador de abismos: Vilém Flusser e o pós-

humanismo. São Paulo: Paulus, 2012. (Coleção Comunicação).

FLETCHER, Dan. How Facebook is redefining privacy. Time. 20 mai. 2010. Disponível em:

http://www.time.com/time/business/article/0,8599,1990582-1,00.html. Acesso em: 17 set. 2010.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio

de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

_________. A história do diabo. São Paulo: Annablume, 2006. (Coleção Comunicações).

_________. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo:

Cosac Naify, 2007.

_________. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo:

Annablume, 2008. (Coleção Comunicações).

_________. A escrita: há futuro para a escrita? São Paulo: Annablume, 2010. (Coleção

Comunicações).

_________. Pós-história: vinte instantâneos e um modo de usar. São Paulo: Annablume, 2011.

(Coleção Comunicações).

FONSECA FILHO, Zadoque Alves da. Sujeitos de ficção no Orkut: por que um dia chamamos

esse lugar de País das Maravilhas? São Paulo: Annablume, 2012.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

_________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

FRIDMAN, Luis Carlos. Vertigens pós-modernas: configurações institucionais

contemporâneas. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000.

Page 230: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

230

GERRIG, Richard. J. Experiencing narrative worlds. New Haven, CT: Yale University Press,

1993.

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

_________. Da produção de subjetividade. In: PARENTE, André (Org.). Imagem-máquina: a

era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

GUILLAUME, Marc. Téléspectres. Traverses, n. 26, out. 1982, p. 18-28.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

HARAWAY, Donna. A cyborg manifesto: science, technology, and socialist-feminism in the late

twentieth century. In: ------. Simians, cyborgs, and woman: the reinvention of nature. New

York: Routledge, 1985. p. 149-182.

HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. São Paulo: Moraes, 1991.

_________. Ser e tempo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

HINCHCLIFFE, Dion. Will web-2.0 kill cyberspace? 2005. Disponível em:

http://web2.socialcomputingmagazine.com/web2cyberspace.htm. Acesso em: 29 mar. 2013.

IKEDA, Ana. Etiqueta digital: críticos apontam gafes de quem posta fotos de comida em

restaurantes. UOL. 11 abr. 2013. Disponível em:

http://tecnologia.UOL.com.br/noticias/redacao/2013/04/11/etiqueta-digital-ao-tirar-fotos-de-

comida-criticos-de-gastronomia-apontam-pecados-mortais.htm. Acesso em: 16 abr. 2013.

KAMPER, Dietmar. Bildstörungen: im orbit des imaginären. Stuttgart: Cantz, 1994.

KERCKHOVE, Derrick De. O novo totem do pós-humano. In: DI FELICE, Massimo;

PIREDDU, Mario (Orgs.). Pós-humanismo: as relações entre o humano e a técnica na época das

redes. São Paulo: Difusão Ed., 2010. p. 145-161.

KIM, Taeyong; BIOCCA, Frank. Telepresence via television: tow dimensions of telepresence

may have different connections to memory and persuasion. Journal of Computer-Mediated

Communication, vol. 3, 2. Indiana: september, 1997. Disponível em:

http://jcmc.indiana.edu/vol3/issue2/kim.html. Acesso em: 31 jan. 2013.

LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro: ensaios de sociossemiótica. São Paulo: Perspectiva,

2002.

LASCH, Christopher. Cultura do narcisismo. Rio de Janeiro: Imago, 1983.

___________. O mínimo eu: sobrevivência psíquica em dias difíceis. São Paulo: Brasiliense,

1990.

LEMOS, André. Cibercultura como território recombinante. In: TRIVINHO, Eugênio;

CAZELOTO, Edilson (Orgs.) A cibercultura e o seu espelho: campo de conhecimento

Page 231: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

231

emergente e nova vivência humana na era da imersão interativa. São Paulo: ABCiber; Instituto

Itaú Cultural, 2009. Disponível em: http://www.abciber.com/publicacoes/livro1/. Acesso em: 05

mar. 2013.

LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Fenomenologia e existencialismo. [Palestra proferida em

Balanço do século XX. Paradigmas do século XXI. Fundadores do Pensamento].Disponível em:

http://www.Youtube.com/watch?v=Z2XPHjSYBfw&feature=related. Acesso em: 5 jul. 2012. 54

min.

LIANG, Ronghua et. al. (Orgs). Advances in artificial reality and tele-existence. Berlim:

Springer-Verlag, 2006.

LOMBARD, Matthew; DITTON, Theresa. At the heart of it all: the concepto of presence.

Journal of Computer-Mediated Communication, vol. 3, 2. Indiana: september, 1997.

Disponível em: http://jcmc.indiana.edu/vol3/issue2/lombard.html. Acesso em: 29 jan. 2013.

LYPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa:

Relógio D´Água, 1989.

MACHADO, Arlindo. Sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço. São

Paulo: Paulus, 2007. (Coleção Comunicação).

MACHADO DA SILVA, Juremir. Jean Baudrillard: o elogio radical da parte maldita. Revista

Famecos. n. 10. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.

_________. Depois do espetáculo (reflexões sobre a tese 4 de Guy Debord). In: GUTFREIND,

Cristiane Freitas; MACHADO DA SILVA, Juremir. Guy Debord: antes e depois do espetáculo.

Porto Alegre: EDPUCRS, 2007.

_________. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2012. (Coleção Cibercultura).

MANTOVANI, Giuseppe; RIVA, Giuseppe. ―Real‖ presence: how different ontologies generate

different criteria for presence, telepresence, and virtual presence. Journal Presence:

teleoperators and virtual environments, vol. 8 (5), 1999, p. 538-548. Disponível em:

http://mitpress.mit.edu/journal-home.tcl?issn=10547460. Acesso em: 31 jan. 2013.

MATHIESEN, Thomas. The viewer society: Michel Foucault´s ―Panopticon‖ revisited. In:

Theoretical Criminology, 1997, p. 215-234.

MATTAR NETO, João Augusto; VALENTE, Carlos. Second Life e Web 2.0 na educação: o

potencial revolucionário das novas tecnologias. São Paulo: Nova Tec, 2007.

MATTAR NETO, João Augusto. Second Life e mundos virtuais em educação. 3 jul. 2009. De

Mattar. Disponível em: http://Blog.joaomattar.com/2009/07/03/second-life-mundos-virtuais-em-

educacao/. Acesso em: 2 jul. 2012.

Page 232: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

232

________. Second Life e educação. De Mattar. Disponível em:

http://Blog.joaomattar.com/2009/07/03/second-life-mundos-virtuais-em-educacao/. Acesso em: 2

jul. 2012.

MARCONDES FILHO, Ciro. O escavador de silêncios: formas de construir e de desconstruir

sentidos na Comunicação: nova teoria da comunicação II. São Paulo: Paulus, 2004. (Coleção

Comunicação).

_________. Fascinação e miséria da comunicação na cibercultura. Porto Alegre: Sulina,

2012.

MINSKY, Marvin. Telepresence. Jun. 1980. Omni. Disponível em:

http://web.media.mit.edu/~minsky/papers/Telepresence.html. Acesso em: 2 jul. 2012.

MOREIRA, Daniela. CNN usa holografia para cobrir eleições. Info online. 5 nov. 2008.

Disponível em: http://info.abril.com.br/aberto/infonews/112008/05112008-2.shl. Acesso em: 28

jun. 2012.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense,

1969.

_________. O cinema ou o homem imaginário. Tradução: António-Pedro Vasconcelos. São

Paulo: Relógio d´Água, 1997.

_________. O método I: a natureza da natureza. Mira-Sintra: Publicações Europa-america, 1997.

_________. O método IV: as ideias. Porto Alegre: Sulina, 1998.

_________. O método V: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2005.

NET Insight 2013. Ibope Media. 2013. Disponível em: http://www.slideshare.net/ivilabessa/net-

insights-25aedjaneiro2013. Acesso em: 28 fev. 2013.

NIELSEN 2012. Nielsen. Disponível em: http://Blog.nielsen.com/nielsenwire/social/2012/.

Acesso em: 28 fev. 2013.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. El nihilimo: escritos póstumos. Barcelona: Península, 1998.

_________. Ecce homo: de como a gente se torna o que a gente é. Porto Alegre: L&PM, 2008.

O Orkut será superado pelo Facebook no Brasil? Websinder. 2 mai. 2010. Disponível em:

http://webinsider.UOL.com.br/2010/05/03/o-Orkut-sera-superado-pelo-Facebook-no-brasil/.

OBAMA: ―Congresso sempre concordou com a espionagem dos cidadãos‖. 7 jun. 2013. Olhar

Digital. UOL. Disponível em: http://olhardigital.UOL.com.br/noticia/obama-congresso-sempre-

soube-e-concordou-com-a-espionagem-de-cidadaos/35092. Acesso em: 7 ago. 2013.

OS 20 sites mais acessados do mundo. Olhar digital. 7 fev. 2013. Disponível em:

http://olhardigital.UOL.com.br/jovem/digital_news/noticias/os-20-sites-mais-acessados-do-mundo.

Acesso em: 28 fev. 2013.

Page 233: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

233

PANG, Alex Soojung-Kim. Mobility, convergence, and the end of cyberspace. In: NYÍRI,

Kristóf (ed.). Integration and ubiquity. Towards a philosophy of telecommunications

convergence. Viena: Passagen Verlag, 2008.

PAQUERA virtual. ParPerfeito. http://www.parperfeito.com.br/Artigos/opshow/articleid1097/p-

1/f-1/n-1/?orig=0. Acesso em: 13 mar. 2013.

PERFIS falsos colocam busca por anúncios no Facebook em risco. 10 dez. 2012. Disponível em:

http://www1.folha.UOL.com.br/tec/1198960-perfis-falsos-colocam-busca-por-anuncios-no-

Facebook-em-risco.shtml. Acesso em: 14 mar. 2013.

PRIMO, Alex. Existem celebridades da e na Blogosfera? Reputação e renome em Blogs. In:

XVIII Encontro Nacional da COMPÓS, 18., 2009, Minas Gerais. Disponível em:

http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1017.pdf. Acesso em: 23 mai. 2013.

PROSS, Harry. Medienforschung. Darmstadt: Carl Habel, 1971.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção

Cibercultura).

REGIS, Fátima. Nós, ciborgues: tecnologias de informação e subjetividade homem-máquina.

Curitiba: Champagnat, 2012.

RHEINGOLD, H. Virtual reality. New York: Summit Books, 1991.

RICCK Lopes, criador de Gina Indelicada, revela segredospor trás de perifl. Época negócios. 19

out. 2012. Disponível em:

http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Carreira/noticia/2012/08/ricck-lopes-criador-de-gina-

indelicada-revela-segredos-por-tras-de-perfil.html. Acesso em: 14 mar. 2013.

ROHMANN, Chris. O livro das ideias: um dicionário de teorias, conceitos, crenças e pensadores

que formam nossa visão de mundo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.

RÜDIGER, Francisco. Notas sobre o pós-humanismo. In: TRIVINHO, Eugênio (Org.). Flagelos

e horizontes do mundo em rede: política, estética e pensamento à sombra do pós-humano. Porto

Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura).

_________. As teorias da cibercultura: perspectivas, questões e autores. Porto Alegre: Sulina,

2011. (Coleção Cibercultura).

SAITO, Cecília Noriko Ito; GREINER, Christine (Orgs.). Hikikomori: a vida enclausurada nas

redes sociais. São Paulo: Intermeios, 2013.

SANTAELLA, Lucia. Pós-humano, um conceito polissêmico. In: TRIVINHO, Eugênio (Org.).

Flagelos e horizontes do mundo em rede: política, estética e pensamento à sombra do pós-

humano. Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura).

_________. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. (Coleção

Comunicação).

Page 234: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

234

_________. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiliquidade.

São Paulo: Paulus, 2010a. (Coleção Comunicação).

_________. Pós-humano, pós-humanismo, anti-humanismo: discriminações. In: DI FELICE,

Massimo; PIREDDU, Mario (Orgs.). Pós-humanismo: as relações entre o humano e a técnica na

época das redes. São Paulo: Disfusão, 2010b.

SANTOS, Karin Christina Heidel de Oliveira Santos. Estudos dos conceitos fundamentais da

teoria da mídia de Harry Pross uma teoria dos multi-meios, 2009. 111 p. Monografia resultante

de Projeto de Iniciação Científica (Graduação em Comunicação e Multimeios) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em:

http://www.youblisher.com/p/61332-Estudos-dos-conceitos-fundamentais-da-teoria-da-midia-de-

Harry-Pross/. Acesso em: 30 abr. 2012.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.

Rio de Janeiro: Record, 2000.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os

Pensadores).

______. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

SCHECHNER, Richard. O que é performance. O percevejo, UNIRIO, n. 12, Rio de Janeiro,

2003.

Second Life: 20 milhões de contas e subindo. Mundo Linden.7 ago. 2010. Disponível em:

http://mundolinden.wordpress.com/2010/08/07/second-life-20-milhoes-de-contas-e-subindo/.

Acesso em: 5 mar. 2013.

Second Life será distribuído no Steam. Mundo Linden.19 dez. 2012. Disponível em:

http://mundolinden.Blogspot.com.br/2012/12/second-life-sera-distribuido-no-steam.html. Acesso

em: 5 mar. 2013.

SEVEN social networks to watch in 2013. CNN. 10 jan. 2013. Disponível em:

http://money.cnn.com/gallery/magazines/fortune/2013/01/10/2013-social-

networks.fortune/8.html. Acesso em: 28 fev. 2013.

SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. São Paulo: Loyola, 1994.

SIBILIA, Paula. O homem pós-orgânico: corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de

Janeiro: Relume-Dumará, 2002.

_________. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

SISTEMA de telepresença chega ao mercado nacional. G1. 10 out. 2007. Disponível em:

http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL147988-6174,00-

SISTEMA+DE+TELEPRESENCA+CHEGA+AO+MERCADO+NACIONAL.html. Acesso em:

28 jun. 2012.

Page 235: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

235

SHERIDAN, Thomas. B. Musings on telepresence and virtual presence. Presence: teleoperators

and virtual environments, 1, 1992, p. 120-126.

SOCIAL media around the world. Insight Consults. 2012. Disponível em:

http://www.slideshare.net/InSitesConsulting/social-media-around-the-world-2012-by-insites-

consulting. Acesso em: 28 fev. 2013.

SOUSA SANTOS, Boaventura. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma

ecologia de saberes. In: SOUSA SANTOS, Boaventura de; MENESES, Maria Paula (Org.).

Epistemologias do sul. São Paulo: Cortez, 2010. (p. 31-82).

SUICÍDIO de garota vítima de cyberbullying comove o Canadá. Veja. 16 out. 2012. Disponível

em: http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/suicidio-de-vitima-de-ciberbullying-comove-

canada. Acesso em: 7 ago. 2013.

SUSUMU Tachi (perfil e biografia). Wikipedia. Disponível em:

http://pt.wikirv.wikia.com/wiki/Susumu_Tachi. Acesso em: 20 fev. 2012.

TACHI, Susumu. Telexistence. London: World Scientific, 2010.

_________.; MINAMIZAWA, K.; FURUKAWA, M.; FERNANDO, C. L. Telexistence: from

1980 to 2012. In: 2012 IEEE/RSJ International Conference on Intelligent Robots and

Systems. Vilamoura, Algarve, Portugal: Oct., 2012.

TEIXEIRA, Marcos do Rio. Vicissitudes do objeto. Salvador: Ágalma, 2005.

THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes,

2012.

TRIVINHO, Eugênio. Redes: obliterações no fim de século. São Paulo: Annablume, 1998.

_________. O mal-estar da teoria: a condição da crítica na sociedade tecnológica atual. Rio de

Janeiro: Quartet, 2001.

_________. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática

avançada. São Paulo: Paulus, 2007(a). (Coleção Comunicação).

_________. Cibercultura e existência em tempo real: contribuição para a crítica do modus

operandi de reprodução cultural da civilização mediática avançada. e-COMPÓS – Revista da

COMPÓS – Associação Brasileira de Programas de Pós-Graduação em Comunicação, São Paulo,

n. 9, ago. 2007(b). Disponível em: http://www.compos.org.br/data/biblioteca_173.pdf Acesso

em: 25 jun. 2008.

_________. Visibilidade mediática, melancolia do único e violência invisível na cibercultura:

significação social-histórica de um substrato cultural regressivo da sociabilidade em tempo real

na civilização mediática avançada. In: XIX Encontro Nacional da COMPÓS, 19., 2010, Rio de

Janeiro. Disponível em: http://www.compos.org.br/data/biblioteca_287.pdf. Acesso em: 25 ago.

2011.

________. Glocal: visibilidade mediática, imaginário bunker e existência em tempo real. São

Paulo: Annablume, 2012.

Page 236: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

236

TUMBLR ironiza espionagem americana e reúne imagens em que Obama está lendo seu e-mail.

Tecnologia UOL. Disponível em http://tecnologia.UOL.com.br/album/2013/06/19/tumblr-

ironiza-espionagem-americana-e-reune-imagens-em-que-obama-esta-lendo-seu-e-

mail.htm#fotoNav=12. Acesso em: 7 ago. 2013.

TURISTAS do Second Life. Disponível em: http://www.turistasdosl.com. Acesso em: 28 mar.

2013.

TURKLE, Sherry. A vida no ecrã: a identidade na era da internet. Lisboa: Relógio D´Água, 1997.

VASCONCELLOS, Jorge. A ontologia do devir de Gilles Deleuze. Kalagatos – Revista de

Filosofia do Mestrado Acadêmico em filosofia da UECE. Fortaleza, v. 2, n. 4, Verão 2005, p.

137-167.

VILLAÇA, Nízia. A edição do corpo: tecnociência, artes e moda. Barueri: Estação das Letras,

2007.

VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

_________. A bomba informática. São Paulo: Estação da Liberdade, 1999. _________. Cibermundo: a política do pior. Lisboa: Teorema, 2000.

_________. O espaço crítico: e as perspectivas do tempo real. São Paulo: Ed. 34, 2005.

WOLFF, Francis. Por trás do espetáculo: o poder das imagens. In: NOVAES, Adauto (Org.).

Muito além do espetáculo. São Paulo: Senac, 2005.

Page 237: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

237

Sobre a autora

Page 238: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown
Page 239: SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA NA ERA DA … · 2017-02-22 · NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL ... 2.2 Rumo à espectralidade ... Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown

239

Cíntia Dal Bello é técnica em Publicidade pelo Colégio Argumento-Objetivo (1995) e bacharel em

Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Cruzeiro do Sul (1999). Fez duas

especializações: Marketing e Comunicação pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero (2002)

e Cultura e Meios de Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP (2006).

Concluiu seu mestrado em 2009 e o doutorado em 2013, ambos no Programa de Comunicação e Semiótica

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS-PUC-SP) e com apoio financeiro da

CAPES. Sua pesquisa versa sobre as relações entre cibercultura, identidade, subjetividade, visibilidade e

tele-existência, com particular interesse pelas redes sociais digitais. Tem experiência profissional nas áreas

de marketing escolar, criação publicitária e consultoria em comunicação e marketing. É membra da

ABCiber – Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura e do CENCIB: Centro Interdisciplinar

de Pesquisa em Cibercultura (PUC-SP), onde integra, atualmente, o Projeto ―Comunicação e Velocidade‖,

financiado pelo CNPq. Também participa do Grupo de Estudos Multitemáticos sobre Redes Sociais

Sociotramas (PUC-SP – TIDD). Atuou como coordenadora de marketing, professora e orientadora do

Curso Técnico em Publicidade do Colégio Argumento-Objetivo de 1996 a 2002. Tornou-se professora

universitária em 2003 e, após lecionar por 5 anos no Curso de Comunicação Social (Jornalismo e

Publicidade e Propaganda) e nos Cursos de Tecnologia em Comunicação e Marketing, Produção Gráfica e

Produção Publicitária da UNICID, foi convidada a assumir a coordenação do Curso de Comunicação

Social - Publicidade e Propaganda da UNINOVE, sua atual ocupação. No percurso, também lecionou para

os cursos de Pós-Graduação em Gestão Estratégica da Comunicação (Universidade Brás Cubas) e

Comunicação em Redes Sociais (UNINOVE). Em 2012, foi Professora-Tutora do módulo ―Acesso e

Inclusão‖, ministrado em AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, do curso lato sensu de Docência

Universitária da UNINOVE. Acumula experiência acadêmica e profissional em Criação Publicitária,

Redação Publicitária e Planejamento de Campanha, entre outras disciplinas afins. Em seu portfólio,

constam a organização de mais de vinte eventos e a realização de mais de sessenta jobs para os mais

diversos clientes, além do desenvolvimento de workshops e mini-cursos. Possui diversos artigos

publicados em periódicos e anais de eventos. Em 2013, publicou artigo sobre ―Identidade-bunker‖ no livro

―Hikikomori – A vida enclausurada nas redes sociais‖, organizado por Cecília Saito e Christine Greiner.

Desde 2010, é autora do blog "Cibercultura, Consumo e Publicidade"

(http://www.cintiadalbello.blogspot.com).