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    Rudolf Steiner

    Antropologia meditativaContribuio prtica pedaggica

    Quatro conferncias proferidas em Stuttgart (Alemanha), de 15 a 22

    de setembro de 1920

    Traduo:Rudolf Lanz

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    15 de setembro de 1920

    O processo pedaggico vivo

    Meus queridos amigos, eu tinha a inteno de oferecer-lhes, durante estes dias que

    posso passar aqui, uma espcie de complementao a vrios assuntos expostos nos cursospedaggicos introdutrios do ano passado1; s que os dias disponveis so to poucos, e,conforme acabo de ouvir, os compromissos para os prximos dias so tantos, que malposso falar de qualquer programao ou dizer se haver uma complementao s poucaspalavras introdutrias que vou pronunciar hoje.

    O que hoje pretendo dizer, nesta introduo, so alguns acrscimos ao que foiexposto no ano passado, a respeito do prprio professor e educador como tal. O que voudizer sobre a essncia do professor ter um carter aforstico, de modo que spaulatinamente se configurar melhor para os Senhores, medida que for trabalhado porseu prprio pensar e sentir. Cumpre chamarmos a ateno dos professores e, ao fazeresse chamado, fazemo-lo baseados na Cincia Espiritual de orientao antroposfica, a

    partir da qual pretendemos criar a pedagogia necessria nossa poca para anecessidade de o professor ter um sentimento, uma sensibilidade em relao ao queconstitui a essncia do esotrico. No tempo atual, na poca da democracia, na poca dascomunicaes de massa, difcil ter um sentimento real e verdadeiro do que se querexpressar com o termo esoterismo, pois hoje em dia se acredita que o que verdadeiro verdadeiro e o que correto correto; e tendo o verdadeiro e o correto encontradoalguma formulao, ento isso deveria ser exposto publicamente, da forma como sepensou t-lo corretamente formulado. Ora, na vida real no assim que acontece; a ascoisas se comportam de forma bem diferente. Na vida real, acontece que s se podedesenvolver certas atuaes quando se cuida, dentro da alma, dos impulsos para elascomo se de um relicrio sagrado. E especialmente o professor teria necessidade de cuidarde muitas coisas como se fossem um relicrio sagrado, considerando-las como algo a ser

    cultivado apenas nas ocasies e reunies que acontecem no corpo docente. De antemo,uma frase como essa no parece ser muito compreensvel; mas ela se tornar clara para osSenhores. Eu teria de dizer muitas coisas para torn-la compreensvel; contudo, ela co-mear a s-lo quando eu disser o que vem a seguir.

    Essa frase que acabo de mencionar possui, hoje, um significado abrangente para acivilizao do mundo. Ao pensarmos hoje na educao da juventude, devemos ter sempreem mente o fato de estarmos plasmando os sentimentos, as representaes mentais e osimpulsos volitivos da prxima gerao; devemos estar cnscios de que nos cabe, a partirda poca presente, preparar a prxima gerao para determinadas tarefas que devem serrealizadas no futuro da humanidade.

    Ora, ao fazermos tal afirmaco surge logo a pergunta: de onde vem a situao

    calamitosa em que a humanidade se encontra atualmente? A humanidade chegou a essasituao calamitosa porque se fez totalmente dependente da maneira especfica como ohomem ocidental costuma formar representaes mentais e sensaes.2

    Pode-se dizer que se hoje algum na Europa Central falar, por exemplo, de Fichte,Herder ou mesmo Gethe3 estar, no fundo, muito mais distante de um verdadeiro impulso

    1Cursos realizados por ocasio da fundao da Escola Waldorf Livre de Stuttgart, em 1919. Divididos em trsciclos ministrados paralelamente (manh, tarde e noite) durante catorze dias, foram publicados em trsvolumes subseqentes (293, 294 e 295) da Edio Completa (Gesamtausgabe). Ed. brasileira sob o ttulocoletivo A arte da educao, 3 vols. [vol. I: O estudo geral do homem, uma base para a pedagogia, trad.Rudolf Lanz e Jacira Cardoso (2. ed. So Paulo: Antroposfica, 1995); vol. II: Metodologia e didtica, trad.Rudolf Lanz (So Paulo: Antroposfica, 1992); vol. III: Discusses pedaggicas, trad. Rudolf Lanz (em preparo)].(N.E.)

    2Steiner, que dirige essas palavras a um pblico alemo, habitante da Europa Central, entende por homensocidentais ou povos ocidentais os habitantes da Frana, da Inglaterra, dos Estados Unidos, etc. (N.T.)3 Johann Gotlieb Fichte (17621814), filsofo alemo defensor do idealismo tico; Johann Gottfried von

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    espiritual inerente a esses pensadores do que daquilo que se pensa e sente em Londres,Paris, Nova Iorque ou Chicago e isso principalmente ao se tratar de um indivduo decerta projeo na vida pblica, seja como jornalista, autor de livros populares ou coisasemelhante (mesmo se este estiver pensando e atuando em Berlim ou Viena). Aconteceque os impulsos ligados cosmoviso dos povos ocidentais tm inundado toda a nossacivilizao, e toda a nossa vida pblica est impregnada por eles. E devemos acrescentarque isso ocorre em escala toda especial na arte da educao pois desde o ltimo terodo sculo XIX os povos da Europa Central se deixaram influenciar, em todos esses assuntos,pelos povos ocidentais. As pessoas que discutem, dentre outras coisas, questeseducacionais, parece at natural raciocinar de acordo com a mentalidade que nos chegade l.

    Se os Senhores procurarem a origem de tudo o que, em matria de pedagogia, sejulga sensato na Europa Central, iro encontr-la, por exemplo, nas idias de HerbertSpencer4 ou de gente similar. No se costuma investigar os numerosos caminhos pelosquais as idias como as de Spencer ou semelhantes tm penetrado nas mentes quedeterminam, na Europa Central, os parmetros das questes espirituais. Mas essescaminhos existem esto a. E se considerarmos o esprito de uma doutrina pedaggica

    tal como se manifesta, por exemplo, em Fichte nem quero entrar nos detalhes ,veremos que no s esse esprito algo totalmente diferente do que hoje se costumaconsiderar pedagogia sensata, como ainda constataremos a incapacidade dos homensmodernos para dar, ao seu pensar e sentir, uma orientao tal que as idias de Herder ouFichte possam realmente ser compreendidas a ponto de ganharem continuidade. Entofazemos no mbito da pedagogia, da arte pedaggica, a experincia segundo a qual setornou princpio bsico o contrrio do que deveria prevalecer. Quero chamar sua ateno,a esse respeito, para uma observao feita por Spencer.

    Spencer acha que o ensino baseado na observao deveria ser ministrado de forma apassar diretamente s investigaes e pesquisas do cientista.5 O que deveria, ento, serfeito na escola? Deveramos ensinar as crianas de maneira tal que, ao tornarem-se

    adultas e terem a oportunidade de continuar o que houvessem recebido na escola a res-peito dos minerais, vegetais, animais, etc., e pudessem vir a ser autnticos cientistas oufilsofos. verdade que muitas vezes isso contestado, mas na prtica costuma-seassumir a atitude que acabo de descrever. Assim se age por serem os livros didticosredigidos com esse intuito, no havendo pessoa alguma que cogite de modificar ou aboliresses livros. A verdade que, por exemplo, os livros didticos sobre botnica foramredigidos para futuros botnicos, mas no para indivduos comuns; da mesma maneira, oslivros didticos sobre zoologia so escritos para futuros zologos, e no para sereshumanos em geral.

    O fato curioso que se deveria almejar exatamente o oposto ao que Spencerconsidera como sendo princpio pedaggico. No podemos imaginar, no ensino das quatroprimeiras sries, erro maior do que educar os alunos de acordo com um mtodo de ensino

    em que uma matria por exemplo, relativa a plantas e animais possa ser continuadade maneira a, mais tarde, fazer do aluno um botnico ou um zologo. Ao contrrio,atinge-se algo bem mais correto do que o princpio de Spencer ao ministrar, sobre plantase animais, um ensino que evite de as crianas se transformarem em botnicos ou zologos.Pois ningum deveria tornar-se botnico ou zologo pelo que aprende no primeiro grau, esim por sua inclinao particular, que se manifestaria no decorrer da vida por meio daseleo no mbito de uma arte pedaggica correta. Por sua inclinao particular! Istosignifica que um indivduo ser botnico se possuir inclinao para tal; e se acaso possuirinclinao para ser zoologo, ento poder s-lo. Essa escolha dever tambm levar em

    Herder (17441803), poeta e filsofo cultural alemo; Johann Wolfgang von Gethe (17491832), poeta,escritor e pesquisador da natureza, considerado o maior expoente da literatura alem. (N.E.)

    4Filsofo ingls (18201903) fundador da filosofia evolutiva ou sinttica. (N.E.)5V. Herbert Spencer, Die Erziehung in intellektueller, moralischer und physischer Hinsicht (Leipzig, 1910).(Cf. N.E. orig.)

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    conta o carma predeterminado, a lei do destino. Isso deve ocorrer ao constatarmos: nestereside um futuro botnico, naquele um futuro zologo. Nunca o ensino de primeiro graudeve constituir uma espcie de preparo para uma rea cientfica particular.

    Mas vejam s o que ocorreu ultimamente: infelizmente, foram nossos cientistas quefizeram a pedagogia. Pessoas acostumadas a um raciocnio cientfico fizeram a pedagogia,contribuindo de maneira relevante para sua elaborao. Isso significa que prevaleceu aopinio de que o professor de escola tem alguma coisa a ver com o cientista; chegou-se apostular que a formao do professor fosse cientfica, quando ambos, na realidade oprofessor e o cientista , devem ser coisas totalmente diversas. Se o professor se tornarum cientista, se procurar pensar cientificamente num sentido mais restrito ele poderfaz-lo como indivduo, mas no como professor , ocorrer freqentemente o seguinte:ele ser na classe, perante seus alunos ou entre seus colegas, uma espcie de figuraesquisita, dessas sobre as quais se fazem piadas. O Baccalaureus de Gethe6, no nvelsuperior, no to raro quanto em geral se pensa.

    E no fundo, ao perguntarmos a ns mesmos se devemos estar do lado dos alunos quefazem piadas sobre o professor ou do lado deste ltimo, diante da situao da pedagogiaatual temos vontade de apoiar os alunos. Pois o resultado de tudo isso visto em nossas

    universidades. O que so elas? Institutos de ensino para jovens mais maduros ou institutosde pesquisa? Querem ser os dois ao mesmo tempo e, por isso, tornaram-se as caricaturasque so hoje. Costuma-se at frisar como sendo uma das qualidades mais positivas denossas universidades o fato de elas serem, simultaneamente, institutos de pesquisa e deensino. Mas isso o que justamente introduz, nessas instituies de ensino superior, adesordem que se apodera da pedagogia quando esta realizada por cientistas. Essadesordem passa em seguida ao ensino mdio e, finalmente, s escolas primrias. Nunca demais ponderar que a arte pedaggica deve partir da vida, e no de um pensamentocientfico abstrato.

    Ora, o peculiar nesse caso o fato de a cultura ocidental ter gerado uma pedagogiaorientada pela cincia, ou at pelas Cincias Naturais, ao passo que tudo o que havia em

    Herder e Fichte, em Jean Paul7

    , em Schiller8

    e outras personalidades anlogas constituauma pedagogia buscada diretamente na vida, mas hoje relegada ao esquecimento.Pois bem: a misso histrica dos povos da Europa Central cultivar, de certa

    maneira, essa pedagogia como uma questo esotrica; pois muitas coisas tero deconstituir um patrimnio comum a toda a humanidade, para que uma melhora social possaacontecer no futuro. Mas os impulsos que nascero da cultura espiritual concretamentepeculiar Europa Central, em relao arte pedaggica, no podero ser compreendidospelos povos ocidentais; ao contrrio, iro deix-los descontentes. Isso s poder ser-lhesdito quando eles resolverem pisar o solo esotrico da Cincia Espiritual. Em relao a tudoo que nestes ltimos quarenta anos foi considerado com tanto orgulho pela Alemanha, emrelao a tudo a que se atribuiu grande prosperidade na Alemanha, a Alemanha estperdida. Tudo isso est passando para o domnio dos povos ocidentais. A esse respeito

    nada h a fazer s nos resta a esperana de podermos possibilitar uma suficientecompreenso da trimembrao do organismo social9 para que os povos ocidentais seaproximem dessa compreenso.

    No entanto, quanto contribuio que possa ser dada justamente arte pedaggica,a Europa Central tem algo a oferecer ao mundo, algo que nenhum outro seja um orien-

    6 Bacharel, personagem do Fausto. Como estudante pr-universitrio, ele ambiciona a erudio acadmica(Quero ficar muito erudito, / perceber tudo o que h na terra, / e tudo o que no cu se encerra, / natura ecincia, ao infinito) e zombado, sem se dar conta, por Mefistfeles. (Cit. em trad. Jenny Klabin Segall. Cf.Gethe, Fausto, 1. parte [3. ed. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991]). (N.E.)7Pseudnimo do escritor alemo Johann Paul Friedrich Richter (17631825). (N.E.)8Johann Friedrich Schiller (17591805), escritor, poeta e dramaturgo. (N.E.)9Concepo sociolgica de Steiner pela qual se reconhecem trs reas interagentes no organismo social: acultural-espiritual, a jurdico-administrativa e a econmica. V.tb. RudolfSteiner, Ofuturo social, trad. HeinzWilda (So Paulo: Antroposfica, 1986); Economia viva, mesmo trad. (So Paulo: Antroposfica, 1995); RudolfLanz, Nem capitalismo nem socialismo (So Paulo: Antroposfica, 1990). (N.E.)

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    tal, seja um ocidental pode oferecer-lhe. Devemos estar cientes de que nada podemosesperar de qualquer atuao daquela mentalidade que, partindo do Ocidente, tem-se re-velado quase imprescindvel em certas reas da civilizaco moderna. Para a artepedaggica cujo cultivo propomos, nada devemos esperar daquele lado.

    Existe uma publicao de Herbert Spencer, sobre educao, extremamenteinteressante. Spencer rene a uma srie de teses, de princpios como ele as denomina sobre a educao intelectual do homem.10Um desses princpios defendido por ele comnfase toda especial: no ensino, nunca se deve partir do abstrato, mas sempre doconcreto, elaborando o assunto a partir de cada caso. Pois bem: ele escreve seu livrosobre educao. Antes de abordar qualquer coisa de concreto, deparamo-nos com umaselva das piores abstraes realmente, uma ruidosa futilidade abstrata , e esse homemnem percebe que est expondo princpios considerados por ele imprescindveis.., eaplicando exatamente o oposto desses princpios. Eis um exemplo de como um grandefilsofo atual, considerado um lder, est em contradio total com o que nos vemoferecer.

    No ano passado, os Senhores j viram que nossa pedagogia no deve apoiar-se emprincpios educativos abstratos, em afirmaes gerais como No se deve apresentar

    criana coisa alguma de fora, mas desenvolver sua individualidade, etc.... Os Senhoressabem que nossa arte pedaggica deve ser erigida sobre uma autntica sintonizao denossos sentimentos com a natureza infantil; que ela deve basear-se, em sentido maisamplo, no conhecimento do ser humano em desenvolvimento. Ns reunimos muitoselementos sobre a essncia do homem em evoluo por ocasio do primeiro curso e, maistarde, durante as conferncias para professores. Quando, como mestres, conseguimospenetrar nessa essncia do homem em desenvolvimento, a partir de tal conhecimentoque surge a melhor maneira de procedermos. A esse respeito, ns, mestres, devemostransformar-nos em artistas. Assim como impossvel o artista recorrer a um livro sobreesttica a fim de pintar ou esculpir conforme princpios de esttica, o professor jamaisdeveria ensinar recorrendo a um daqueles receiturios pedaggicos. O professor necessita

    de uma verdadeira compreenso do que o homem realmente e do que vem a serenquanto se desenvolve no decorrer da infncia. Ento necessrio principalmentetermos conscincia do seguinte:

    Digamos que estejamos ensinando, na primeira srie, crianas de seis ou sete anos.Se ao cabo de um ano, durante o qual nos dedicamos a essa primeira classe, no dissermosQuem foi que aprendeu mais? Fui eu, o professor!, nosso ensino no ter estado alturae ter sido ruim. Se afirmarmos que no incio do ano escolar concebemos maravilhososprincpios pedaggicos, que seguimos os grandes mestres da pedagogia e que fizemos tudopara realizar esses princpios pedaggicos e se de fato houvermos realizado esse intento, certamente teremos ministrado um pssimo ensino. Em compensao, nosso ensinoser o melhor possvel se a cada manh entrarmos na classe trmulos e hesitantes, e se nofim do ano dissermos a ns mesmos: Foi voc quem mais aprendeu durante todo esse

    tempo. Pois essa confisso Foi voc quem mais aprendeu depende do que realmentetivermos feito, e isto depende de termos tido constantemente o seguinte sentimento:Voc cresce medida que leva as crianas crescer, percebendo, no mais nobre sentidoda palavra, que voc mesmo no sabe muito, mas que em voc cresce uma certa fora aotrabalhar com as crianas. Teremos ento, s vezes, a sensao de que, embora no sepossa fazer muito com este ou aquele tipo de criana, pelo menos fizemos um esforo. Deoutras crianas teremos aprendido isto ou aquilo devido ao seu dom particular. Em outraspalavras: samos da luta diferentes do que ramos ao entrar; e aprendemos o que nosabamos um ano antes, quando comeamos a dar aulas. No fim do ano escolar, podemosdizer-nos: Sim, s agora voc sabe o que deveria ter feito! Trata-se de um sentimentobem real. Nisto reside um certo segredo. Se no incio do ano escolar os Senhores

    100 Spencer se reporta aos princpios do pedagogo suo Johann Heinrich Pestalozzi (17461827). (Cf. N.E.orig.)

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    possussem todas as capacidades que agora possuem, seu ensino teria sido ruim. OsSenhores ministraram um bom ensino por terem aprendido custa de um esforo! Pensemnisso preciso apresentar-lhes este paradoxo : os Senhores educaram bem por nosaberem o que s aprenderam no fim do ano; e porque teria sido prejudicial se, no inciodo ano, j soubessem o que aprenderam no fim.

    Para muita gente importante saber essas coisas; porm mais importante que osaibam os professores; pois trata-se de um caso especial de uma verdade e de um co-nhecimento universais: o saber como tal pouco importa a que se refira no pode terqualquer valor prtico quando pode ser captado mediante princpios abstratos ou repre-sentado interiormente por meio de idias. Valor prtico s tem aquilo que conduz a esseconhecimento, aquilo que est a caminho desse conhecimento; pois o saber queconquistamos da mesma maneira como o saber que adquirimos aps ter ensinado duranteum ano, esse saber s tem seu valor depois da morte da pessoa. S depois da morte essesaber atinge uma realidade que novamente lhe permite continuar a formar o ser humano,voltar a formar o prprio ser humano individual. Durante a vida o que tem valor no osaber pronto, mas o trabalho que conduz a ele; e esse trabalho tem um valor especialquando se trata da arte pedaggica. A se d o mesmo que nas artes. No acredito que

    exista um verdadeiro artista que no diga, ao terminar uma obra: S agora voc seriacapaz de faz-la. No acredito que algum seja um verdadeiro artista se estiversatisfeito com qualquer obra que tenha executado. Certamente ele pode ter uma piedadeegosta pelo que fez, mas no fundo no pode estar satisfeito com isso. Quando terminada,um obra de arte perde, tambm para quem a fez, grande parte do interesse. Essa perdade interesse provm do tipo peculiar de saber que adquirimos por produzirmos algo; poroutro lado, o elemento vivo, a fonte de vida, reside no fato de algo ainda no se havertransformado em saber.

    isso o que ocorre com toda a nossa constituio humana. Nossa cabea est topronta quanto se pode dizer que algo esteja, pois plasmada a partir das foras de nossavida anterior: a cabea demasiado madura.11Todas as cabeas humanas so demasiado

    maduras inclusive as imaturas. Mas todo o resto da nossa constituio de natureza talque fornece o germe para a formao de nossa cabea na prxima vida terrena. Essaconstituio restante brota e viceja algo inacabado. algo que at nossa morte norevela sua verdadeira forma, ou seja, a forma das foras que nela atuam. E o fato de norestante de nossa constituio se encontrar justamente a vida em seu fluir algodemonstrado em sua estrutura: a ossificao nessa constituio restante reduzida a ummnimo, enquanto na cabea chega ao mximo.

    Este tipo peculiar da mais ntima modstia, este sentimento do prprio vir-a-ser, algo que deve sustentar o professor; pois de tal sentimento emana mais do que quaisquerprincpios abstratos. Se na sala de aula procedermos com a conscincia de que bomfazer tudo imperfeitamete, pois assim que tudo possui vida, ento estaremos ensinandobem. Mas se, ao contrrio, na sala de aula estivermos embevecidos com nossa prpria

    perfeio pedaggica a ponto de lamber os dedos de satisfao, ento certamenteestaremos ensinando mal.

    Imaginem que os Senhores tenham ministrado o ensino na primeira srie, depois nasegunda, na terceira, etc., passando por todas as aflies, desiluses e at mesmo su-cessos. No fim de cada ano dialogam consigo prprios, numa atitude mental como a quedescrevi, e ei-los voltando, digamos, da oitava para a primeira srie. Alguns diro: Bem,agora vou comear com algo que j aprendi; vou acertar em tudo, serei um timoprofessor. Porm isso no acontecer. Sua experincia ser bem diferente. No fim dosegundo, do terceiro e de cada ano escolar posterior, os Senhores reconhecero oseguinte, desde que tenham trabalhado dentro do esprito correto: Aprendi sobrecrianas de sete, oito ou nove anos o que s se pode aprender trabalhando com elas; sei,

    11V. Rudolf Steiner,A arte da educao (cit. v. n. p. 11), vol. 1: Oestudo geral do homem, urna base paraa pedagogia. (N.E.)

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    no final de cada ano escolar, como deveria ter agido. Mas ao chegarem ao quarto ouquinto ano, novamente no sabero como proceder. que a essa altura iro corrigir o queter sido sua convico ao cabo de um ano de aulas dadas. Desta maneira, quandoterminarem a oitava srie e fizerem todas as correes, e quando tiverem a sorte derecomear com uma primeira srie.., estaro na mesma situao. Todavia, seu ensino serdado dentro de um esprito diferente.

    Se os Senhores realizarem seu magistrio com um ceticismo interior, autntico enobre, e no com o ceticismo ftil do qual falei, esse ceticismo lhes proporcionar umafora nova e impondervel, que os capacitar a alcanar resultados mais amplos com ascrianas confiadas a seus cuidados. Sem dvida, isso o correto; mas o efeito na vida serapenas diferente; no melhor, mas diferente. Eu diria que a qualidade do que os Senhoresrealizam com as crianas no ser muito melhor do que da primeira vez ser apenasoutra. Os Senhores conseguiro algo diferente na qualidade, mas no algo a mais naquantidade. Essa diferena na qualidade , no fundo, suficiente. Pois tudo o queassimilamos, da forma indicada, por meio do nobre ceticismo e da humildade interiornecessrias, ter como resultado o fato de fazermos dos seres humanos individualidadescom I maisculo. No podemos ter duas vezes a mesma classe e entregar ao mundo duas

    vezes cpias do mesmo molde pedaggico! Podemos entregar ao mundo formaesdiferenciadas pelo individualismo do ser humano. Produzimos na vida a diversidade, masesta no resulta de princpios abstratos, e sim de uma compreenso mais profunda davida, tal como acabamos de expor.

    Como vem, o importante no professor , antes de tudo, a posio que ele assumeperante sua profisso sagrada. Isso significativo, pois o que mais importa no ensino e naeducao so os elementos imponderveis, O professor que entra na sala de aula com estamentalidade consegue algo que outro no consegue. Como na vida cotidiana, nem sempreo fisicamente grande o fator determinante muitas vezes o pequeno; assim, o fatordecisivo nem sempre o que conseguimos com belas palavras, e sim aquela sensao,aquele sentimento que formamos em ns antes de entrar na sala de aula. Uma coisa em

    particular de grande importncia: devemos, antes de entrar em classe, livrarnos denossa personalidade individual, limitada, como se fosse a pele de uma cobra. J quesomos apenas um ser humano como se diz com certa vaidade , pode acontecer-nosmuita coisa entre o fim das aulas do dia anterior e o comeo do dia seguinte. Talveztenhamos recebido uma reclamao de um credor, ou brigado com o cnjuge comoacontece muitas vezes na vida. So fatos que nos deixam indispostos, e tais indisposiesvm a ser o pano de fundo para o nosso estado de nimo. Mas pode haver tambm estadosalegres de alma. Talvez o pai de um aluno que goste de voc lhe tenha enviado, depois deuma caada, uma lebre ou, sendo voc uma professora, um buqu de flores. Taisestados de alma ocorrem, naturalmente, na vida. Como professores, no entanto, devemoseducar-nos para deix-los de lado, falando apenas sobre o contedo que devemos trans-mitir. Ao tratar de um assunto, devemos ser capazes de faz-lo de forma trgica, desde

    que isto lhe seja pertinente, para depois passar, em nossa exposio, a uma forma hu-morstica, enquanto nos entregamos completamente ao assunto. Devemos ser capazes deperceber o reflexo na classe, em resposta a uma exposio trgica a sentimentalidadeou o humor. Quando tivermos essa capacidade, perceberemos que o trgico, o sentimentalou o humorstico significam algo extraordinrio para a alma das crianas. Se impregnarmoso ensino com uma alternncia entre humor, sentimentalidade e tragdia, se passarmos deuma disposio anmica para outra e vice-versa, se tivermos a capacidade de passar de umclima de peso para uma certa leveza mas sem forar, simplesmente acompanhando ocontedo , produziremos para a vida anmica algo que corresponde, no organismocorpreo, inspirao e expirao.

    Na aula, no devemos apenas ensinar intelectualmente, mas levar em conta os

    ambientes anmicos. Pois o que so o trgico, a sentimentalidade, o ambiente anmicocarregado? So como uma inspirao no organismo, quando este ento se enche de ar. O

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    trgico significa o seguinte: procuramos contrair nosso corpo fsico cada vez mais in-tensamente, at perceber, ao efetuar essa contrao, que nosso corpo astral est sendocada vez mais expulso do corpo fsico. Um ambiente humorstico significa que paralisamoso corpo fsico e expandimos o astral, abrangendo nossa redondeza de modo a constatar enquanto no apenas percebemos, por exemplo, um rubor, mas nos integramos nele queestamos estendendo nosso corpo astral sobre o rubor e penetrando nele. Rir nada mais seno expulsar de nossa fisionomia o corpo astral do nosso rosto. O riso um expirarastral. Mas se quisermos aplicar essas coisas, teremos de possuir um certo sentimento dedinmica. Nem sempre conveniente cairmos, sem transio, de uma situao carregadae grave para o humorstico; mas sempre encontraremos, no ensino, os meios para impedirque a alma infantil se prenda ao trgico e grave e fazer, ao contrrio, com que ela possarespirar enquanto passa de um estado anmico a outro.

    Com estas consideraes procurei, guisa de introduo, indicar-lhes algo que oprofessor deve alcanar conscientemente; trata-se de matizes de disposies anmicas, eestas so to importantes como as regras da pedagogia especializada.

    16 de setembro de 1920

    As trs foras bsicas da educao

    Naturalmente no poderemos educar ou lecionar se, ao faz-lo, de certo modo noformos capazes de captar em esprito o ser humano global pois na poca do desenvolvi-mento da criana esse ser humano global ainda muito mais importante do que maistarde. Como sabemos, esse ser humano global inclui o eu, o corpo astral, o corpo etrico eo corpo fsico. Esses quatro membros da natureza humana no se acham desenvolvidos demaneira uniforme; eles se desenvolvem das mais diversas maneiras, e devemos distinguirclaramente entre o desenvolvimento dos corpos fsico e etrico e o do corpo astral e doeu. As manifestaes exteriores desse desenvolvimento diferenciado aparecem como osSenhores j sabem, das exposies feitas por mim aqui e ali na troca dos dentes enaquela transformao que, na poca da maturidade sexual, efetua-se no homem sobforma de mudana de voz e na mulher tambm de maneira perceptvel, embora diferente.A essncia do fenmeno igual mudana de voz no homem, mas no organismo femininose verifica de um modo mais amplo, estendendo-se sobre todo o organismo em vez delimitar-se a um rgo, como se observa no organismo masculino.

    Os Senhores sabem que entre a troca dos dentes e a mudana de voz, ou maturidadesexual, situa-se aquele perodo que, de modo genrico, corresponde ao ensino das quatroprimeiras sries; mas tambm os anos posteriores mudana de voz, ou o que lhecorresponde no organismo feminino, devem ser criteriosamente levados em conta no

    ensino e na educao em geral.Recordemos o que a troca dos dentes significa. Ela a manifestao externa do fatode no perodo anterior, do nascimento at a troca dos dentes, os corpos fsico e etrico doorganismo infantil serem fortemente influenciados pelo sistema neuro-sensorial, isto , decima para baixo. At aproximadamente o stimo ano de vida, os corpos fsico e etricorecebem as influncias mais atuantes da cabea. Nela esto concentradas as foras queexercem a maior influncia nesses anos em que cabe imitao papel to importante; e otrabalho plasmador no resto do organismo no tronco e nos membros resulta deirradiaes que partem da cabea em direo aos corpos fsico e etrco desse resto doorganismo, ou seja, do tronco e dos membros. O que irradia da cabea da criana para oscorpos fsico e etrico, at as pontas do dedos das mos e dos ps, uma atividade daalma, embora emane do corpo fsico; trata-se da mesma atividade que mais tarde atua naalma como intelecto ou memria s que aps a troca dos dentes a criana comea a

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    pensar de forma que suas lembranas se tornem mais conscientes. Toda a transformaoque ocorre na vida anmica da criana evidencia que a partir dos sete anos atuam nela,como foras da alma, determinadas foras anmicas que antes disso so ativas noorganismo, atuam no organismo. Todo o perodo at a troca dos dentes, durante o qual acriana cresce, resultado das mesmas foras que depois dos sete anos aparecem comoforas do intelecto.

    Temos a uma colaborao bem real entre a alma e o corpo, ao passo que aos seteanos de idade a alma se emancipa do corpo e no atua mais nele, mas por si mesma. Como stimo ano, as foras que nascem no corpo como foras anmicas comeam a atuar,fazendo-o at a encarnao seguinte. Ento so rechaadas as foras que do corpo irra-diam para cima e, de outro lado, so retidas as foras que irradiam da cabea para baixo.Desse modo temos, na poca da troca dos dentes, a mais forte luta entre as foras quebuscam seu caminho de cima para baixo e as que irradiam de baixo para cima. A troca dosdentes a manifestao fsica dessa luta entre os dois tipos de foras as foras que maistarde aparecem na criana como foras do intelecto, da razo, e aquelas que devem serusadas de preferncia no desenhar, no pintar e no escrever. Todas as foras que entoirrompem, ns as empregamos ao desenvolvermos a escrita a partir do desenhar; pois

    essas foras querem transformar-se em atividades de modelagem, desenho e outras.Trata-se das foras que deixam de atuar quando se trocam os dentes as forasmodeladoras que antes plasmaram o corpo da criana e que mais tarde, quando os dentesso trocados, aproveitamos para conduzir a criana pintura, ao desenho, etc. Trata-se,principalmente, daquelas foras que o mundo espiritual depositou na criana; foi graas aelas que a alma infantil viveu no mundo espiritual antes da concepo. Elas atuamprimeiro como foras corpreas, plasmando a cabea, e mais tarde, a partir dos sete anos,como foras anmicas.

    De forma que, para o perodo a partir dos sete anos, ns simplesmente tiramos dedentro da criana, para nossa atuao pedaggica, aquilo que a ela exercitava inconscien-temente como imitao quando essas foras intervinham inconscientemente em seu corpo.

    Se mais tarde a criana vier a ser um escultor, um desenhista ou um arquiteto mas umarquiteto autntico, que trabalhe a partir das formas , isso acontecer pelo fato de esseser humano possuir a disposio para reter em seu organismo, e principalmente na cabea,parte das foras que irradiam para o organismo; ento essas foras da infncia continuaroa irradiar. Se elas no forem detidas se ao trocarem-se os dentes tudo passar para ocampo anmico , teremos crianas sem disposio para o desenho, para a escultura oupara a arquitetura; elas nunca podero ser escultores.

    Eis o segredo: essas foras se relacionam com o que perfizemos entre a morte e onovo nascimento. Aquilo de que se necessita, na atuao pedaggica, como sentimento devenerao, e que pode ter um carter religioso, pode ser obtido mediante a seguinteconscientizao: no fundo, as foras que colhemos da criana ao redor dos seis anos, paraempreg-las no aprendizado do desenho e da escrita, o mundo espiritual quem as envia;

    portanto, o mundo espiritual as envia para baixo e a criana o transmissor, de modo quens trabalhamos efetivamente com as foras enviadas pelo mundo espiritual. Quando essavenerao perante o divino-espiritual permeia o ensino, este realiza milagres. Se osSenhores tiverem o sentimento de estarem em relao com as foras emanadas dosmundos espirituais na poca anterior ao nascimento, se tiverem esse sentimento queproduz uma profunda venerao, vero que pela presena desse sentimento sero capazesde atuar mais do que por meio de qualquer excogitao intelectual a respeito do quefazer. Os sentimentos do professor so os recursos pedaggicos mais importantes; e essavenerao algo que exerce sobre a criana uma imensa influncia plasmadora.

    O que ocorre com a criana na poca da troca dos dentes significa, portanto, umatransformao de foras espirituais, atravs da criana, para dentro do mundo fsico.

    Outro processo realiza-se nos anos da puberdade; mas este vai-se preparandopaulatinamente, por todo o cicio que decorre dos sete aos catorze ou quinze anos. Nessa

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    poca vem surgindo, nas regies anmicas ainda no iluminadas pela conscincia pois aconscincia ainda est-se formando, sendo que recebemos constantemente, e de forma in-consciente, irradiaes provenientes do mundo exterior , algo que agora se tornalentamente consciente depois de ter irradiado j do mundo exterior e permeado a crianacom seus raios a partir de seu nascimento, contribuindo para a estruturao do corpoinfantil e introduzindo-se na criana, nas foras plasmadoras.

    Trata-se novamente de outras foras. Enquanto as foras plasmadoras penetram nacabea vindo de dentro, essas outras foras vm agora do exterior e descem para dentrodo organismo. Essas foras que atuam do mundo exterior sobre o corpo, atravs da cabea elas impregnam as foras plasmadoras e contribuem na estruturao do corpo infantil apartir dos sete anos , no posso design-las seno dizendo que se trata de forasidnticas s que atuam na fala e na msica. Essas foras so recebidas do mundo.

    As foras de natureza musical so recebidas do mundo exterior, do mundo extra-humano, da observao da natureza, da observao dos processos que se realizam nanatureza e, principalmente, da observao de suas regularidades e irregularidades. Tudo oque ocorre na natureza perpassado por uma msica misteriosa: a projeo terrestre damsica das esferas. Em cada planta, em cada animal est incorporado um tom da msica

    das esferas. Isto tambm ocorre em relao ao corpo humano, porm no vive mais nafala humana, ou seja, no vive mais nas manifestaes da alma, e sim nas formas docorpo, etc.

    Tudo isso a criana acolhe inconscientemente; da advm o fato de as crianasserem, em to alto grau, dotadas para a msica. Elas assimilam tudo isso no organismo.Tudo o que vivenciam como formas dinmicas, como caractersticas lineares, comoelementos plsticos, origina-se de dentro, do mbito da cabea; em contrapartida, tudo oque recebido por elas como estrutura sonora, como contedo lingstico, advm de fora.E a isso que advm de fora se contrape, por sua vez agora, porm, um pouco mais tar-de, ao redor dos catorze anos , o elemento espiritual de carter lingstico-musical, quepouco a pouco comea a desenvolver-se de dentro. Estas correntes se encontram no-

    vamente no organismo inteiro, no caso da mulher, e principalmente na regio dalaringe, no caso do homem, provocando a mudana de voz. Todo o processo resulta, pois,de uma luta de um elemento volitivo oriundo de dentro contra um outro elementovolitivo, oriundo de fora; e nessa luta que se exprime a mudana de voz e tudo o que semanifesta na puberdade. Trata-se de uma luta de foras lingstico-musicais interiorescontra foras lingstico-musicais exteriores.

    De um modo geral, at os sete anos o ser humano permeado mais por forasplsticas e menos por foras musicais, ou seja, as foras musicais e lingsticas permeiamo organismo em escala menor. A partir dos sete anos, porm, o elemento musical-lingstico que se torna particularmente ativo no corpo etrico. A isso vem opor-se o eu eo corpo astral: um elemento volitivo advindo de fora luta contra um elemento volitivo quevem de dentro, e isso se manifesta no acontecimento da puberdade. Alis, manifesta-se

    tambm exteriormente, no fato de existir entre o masculino e o feminino uma diferenaexplcita na tonalidade da voz. Os campos vocais do homem e da mulher coincidem apenasem parte; a voz feminina atinge altura maior e a do homem desce at o nvel do baixo.Isso corresponde exatamente estrutura do resto do corpo, que se forma a partir da lutaentre as referidas foras.

    Essas coisas demonstram que na vida anmica lidamos com algo que tambm participada estruturao do organismo, mas para finalidades bem determinadas. Todas aselucubraes abstratas que se encontram nos livros de Psicologia e nas explanaespsicolgicas emanadas da cincia moderna, toda essa conversa do paralelismo pscof-sico12, nada fazem seno documentar a ignorncia de nossos filsofos, que nada sabem

    12Aluso a Gottlieb Friedrich Lipps (18651931) e seu livro Grundriss der Psychophysik (Leipzig, 1899), ondeele define sua nova cincia como investigao da relao entre as vivncias subjetivas da conscincia e osacontecimentos objetivos da natureza. (CL N.E. orig.)

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    sobre a verdadeira relao entre o anmico e o corpreo. Ora, o anmico no se relacionacom o corpreo de acordo com as teorias absurdas inventadas pelos paralelistaspsicofsicos; na verdade, trata-se de uma atuao bem concreta do anmico no corpo enovamente uma reao, sobre a qual logo passaremos a falar. At os sete anos, oelemento plstico-arquitetnico atua junto com o lingstico-musical: porm isso semodifica no stimo ano, de modo que a relao entre o lingstico-musical, de um lado, eo plstico-arquitetnico, de outro, torna-se diferente. Mas durante todo o tempo at apuberdade prossegue tal interao entre o plstico-arquitetnico, que atua a partir dacabea, onde tem sua sede, e o lingstico-musical, que vem de fora para atravessar acabea e de l espalhar-se para dentro do organismo.

    Disso se v que tambm a fala humana, principalmente o elemento musical, contribuipara a formao do homem; de incio eles plasmam o homem, e em seguida detm-se,concentrando-se perto da laringe; deixam ento de passar pelo portal como antes. Antesdisso, a linguagem que transforma nossos rgos at o sistema sseo. Quem olhar para oesqueleto humano observando a diferena entre o homem e a mulher fazendo-o com oolhar psicofsico autntico, e no com o olhar psicofsico bitolado de nossos filsofosatuais ver nesse esqueleto um trabalho musical corporificado, que se desenrola na

    interaco entre o organismo humano e o mundo exterior. O esqueleto humano deveria sercompreendido como se tocssemos uma sonata e conservssemos sua forma por meio dealgum processo espiritual de cristalizao e assim encontraramos as formas principais,as formas dispositvas no esqueleto humano! Isso comprovaria tambm a diferena entre ohomem e o animal. A situao do animal a seguinte: o que assimilado do elementolingstico-musical muito pouco do lingstico, mas muito do musical o atravessaporque, de certa forma, ele no possui o isolamento do homem, que conduz mutao.Tambm no esqueleto animal temos uma impresso musical; mas nesse caso a correlaomusical s existiria se juntssemos vrios esqueletos animais, por exemplo, num museu. Oanimal revela sempre uma unilateralidade em sua estrutura.

    Tais coisas precisam, portanto, ser levadas em conta; elas nos mostram os

    sentimentos que deveramos desenvolver. Um cultivo maior de nossa relao com o pr-natal nos conduz a uma intensificao do sentimento de venerao; nosso entusiasmo peloensino se v intensificado devido ao nosso aprofundamento nas outras foras do homem. Oensino lingstico-musical permeado, de certa forma, por um elemento dionisaco, aopasso que um elemento apolneo est presente no ensino do desenho e da pintura. Oensino da msica e das lnguas ministrado por ns com entusiasmo, e o outro comvenerao.

    As foras plsticas opem-se com maior vigor, e por isso so detidas j no stimo anode idade. As outras reagem mais fracamente, e por isso so contidas apenas aos catorzeanos. No se trata de fora ou fraqueza fsica, mas da presso exercida em sentidocontrrio. Como as foras plasmadoras, por serem maiores, iriam dominar o organismohumano, a contrapresso mais forte. Por isso elas precisam ser detidas mais cedo, aopasso que as outras foras so deixadas por mais tempo no organismo pela direouniversal. O homem permeado pelas foras musicais durante um perodo maior do quepelas foras plasmadoras.

    Se os Senhores deixarem amadurecer essas idias e por elas se entusiasmarem,podero constatar o seguinte: apelando ao que existe de lingstico e musical na idade dosprimeiros anos escolares quando ainda se trava aquela luta, podendo-se ainda atuarsobre o corpo, e no apenas sobre a alma prepara-se aquilo que atuar para alm damorte, que ser levado pelo homem para alm da morte. sobre isso que atuamos,essencialmente, por meio de tudo o que ensinamos criana durante o tempo dosprimeiros anos escolares, em matria de msica e de lnguas. Isso nos d um certoentusiasmo, pois sabemos que estamos preparando o futuro. Ao trabalharmos, porm, com

    as foras plasmadoras, relacionamo-nos com algo situado antes do nascimento, antes daconcepo e isso nos proporciona um sentimento de venerao. Com o elemento lin-

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    gstico-musical ns atuamos sobre o futuro. Nisso empregamos nossas prprias foras,sabendo que estamos fecundando o germe lingstico-musical com algo que no futuroatuar por meio da fala e da msica, depois de termos abandonado o envoltrio fsico. Amsica fsica por ser um reflexo das esferas celestes no elemento do ar. O ar , de certamaneira, o meio que torna fsicos os sons, e o ar dentro da laringe, por sua vez, tornafsica a linguagem; ao passo que o elemento no-fsico no ar da linguagem, no ar damsica, aquilo que ir desenvolver sua verdadeira atuao s depois da morte. Isso nosproporciona um certo entusiasmo por nosso ensino, por sabermos que com isso estamosatuando para dentro do futuro.

    Creio que no futuro a Pedagogia consistir em no se falar mais no ensino da maneiracomo ocorre hoje, e sim por meio de idias e representaes mentais que podero trans-formar-se em sentimentos. Pois nada mais importante do que ns, professores, estarmosem condies de desenvolver a venerao e o entusiasmo necessrios para praticarmos oensino com venerao e entusiasmo. Venerao e entusiasmo eis as foras bsicasocultas que devem espiritualizar a alma do professor.

    Quero apenas acrescentar para que os Senhores compreendam ainda melhor oassunto que o elemento musical vive principalmente no corpo astral. Depois da morte, o

    homem ainda conserva seu corpo astral durante certo tempo. Enquanto ele o conserva atdespoj-lo os Senhores conhecem isso de meu livro Teosofia13 ainda existe no homem,depois da morte, uma lembrana da msica terrena; mas trata-se apenas de uma espciede reminiscncia. Da o fato de tudo o que o homem assimilou de musical em sua vidacontinuar, depois da morte, atuando como uma lembrana musical at o momento em queele se desprende do corpo astral. Ento a msica terrena se transforma, na existnciapost-mortem, em msica das esferas, conservando-se como tal at pouco tempo antes deum novo nascimento. Os Senhores compreendero o assunto mais facilmente sabendo quetoda a msica que o homem assimila na Terra tem um papel relevante na formao de seuorganismo anmico depois da morte. Este recebe sua configurao durante esse perodo dokamaloka. Esse o lado bom da fase do kamaloka, e sabendo dessas coisas podemos

    amenizar para as pessoas o que os catlicos chamam de purgatrio o que no ocorrequando lhes poupamos essa viso; alis, elas devem t-la, sob pena de permaneceremimperfeitas caso no tenham uma viso do que fizeram de imperfeito. Porm nsintroduziremos uma chance de o homem ser melhor estruturado em sua prxima vida senaquele perodo aps a morte, onde ainda possui seu corpo astral, ele puder ter muitaslembranas do mbito da msica. Isto pode ser objeto de um estudo, mesmo num nvelainda relativamente baixo de ocultismo. Basta os Senhores acordarem durante a noitedepois de terem ouvido um concerto, e percebero que voltaram a vivenciar todo oconcerto antes de acordar. Agora o aproveitaro at melhor, se lhes acontecer de acordarassim, durante a noite, depois do concerto: a vivncia ser bem fiel. A o elementomusical se grava no corpo astral, permanecendo e vibrando nele durante uns trinta anosdepois da morte. O elemento musical continua a vibrar por muito mais tempo do que o

    lingstico; o lingistico como tal se perde relativamente cedo depois da morte, restandodele apenas o extrato espiritual. O musical se conserva enquanto conservado o corpoastral.

    O elemento lingstico pode ser-nos de grande benefcio aps a morte,principalmente se o tivermos recebido com freqncia da forma como muitas vezesdescrevo a arte da recitao. Naturalmente tenho todo o motivo para ressaltar que estaminha caracterizao da arte da recitao no poder ser compreendida corretamente seno levarmos em conta o destino peculiar do corpo astral depois da morte. O assunto deveser abordado mais ou menos da maneira como costumo fazer nas conferncias sobre

    13 Ed. brasileira em trad. Daniel Brilhante de Brita (5. ed. So Paulo: Antroposfica, 1996). (N.E.)

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    eurritmia.14 Nesse caso, como se fosse preciso falar na linguagem dos botocudosi.15 Defato, isso mesmo: vistos do ngulo situado alm do limiar, os homens parecemrealmente botocudos, e s do outro lado do limiar so verdadeiros homens. E ns s noslivramos do enfoque como botocudos quando nos aprimoramos para dentro do mbitoespiritual; por isso a raiva, cada vez mais visvel, dos botocudos contra nossas aspiraes.

    Quero ainda chamar sua ateno pois especialmente na arte pedaggica isto levado altamente em considerao, e podemos elabor-lo pedagogicamente para umacaracterstica peculiar dessa luta que mencionei inicialmente, de modo que pudemos versua manifestao na troca dos dentes, e na luta posterior, cujo equivalente a mudanade voz, sendo peculiar a essa luta o fato de ter uma caracterstica especial: tudo o queparte da cabea para baixo na poca que precede o stimo ano de idade tem o aspecto deuma agresso contra o que, de dentro, vem ao seu encontro. E tudo o que atua de dentroem direo cabea, subindo e opondo-se corrente que desce dela, como uma defesa.Um tem o aspecto de ataque; o outro, que atua de dentro, apresenta-se como umadefesa.

    E novamente semelhante o que acontece no elemento musical. O que atua dedentro para fora tem o aspecto de uma agresso, e o que atua de cima, da cabea para

    baixo atravs do organismo, parece uma defesa. Se no tivssemos a msica, forasterrveis viriam tona no homem. Estou convencido de que tradies oriundas dos velhosmistrios estiveram atuando at os sculos XVI e XVII, e de que certas pessoas aindaestavam escrevendo e falando sob essa influncia repercutida dos mistrios, embora emparte desconhecessem seu sentido. Mas em muitos fenmenos relativamente recentestemos meras reminiscncias de antigos conhecimentos dos mistrios. Por esse motivo,sempre me causaram uma profunda impresso estas palavras de Shakespeare: O homemque no tem msica dentro de si [...] serve para a traio, o assassinato e a perfdia! [...]No confiem nele! 16

    Nas antigas escolas de mistrios, os alunos eram avisados do seguinte: o que atua nohomem agredindo de dentro para fora, precisando constantemente ser rechaado e detido

    pela natureza humana, constitui a traio, o assassinato e a perfdia; e na msica quetemos a fora contra-posta a isso. A msica a defesa contra as foras lucifricas datraio, do assassinato e da perfdia que afloram do cerne do ser humano. Todos ns atemos em ns a traio, o assassinato e a perfdia, e no toa que o mundo contm oelemento lngstico-musical, isso sem falar da alegria que nos proporciona. O mundopossui esse elemento para fazer o homem ser homem. Temos de lembrar que, em outrostempos, os antigos mestres dos mistrios costumavam dizer as coisas de maneira maisconcreta. Em vez de traio, assassinato e perfdia em Shakespeare as origens jeram confusas eles teriam falado em serpente, lobo e raposa. A serpente, o lobo e araposa so rechaados da natureza humana mais ntima pelo elemento musical. Osmestres dos antigos mistrios sempre teriam usado formas animais para designar as forasque sobem das profundezas humanas e ainda precisam ser humanizadas. E o fato que ns

    teremos o verdadeiro entusiasmo quando virmos a serpente traioeira subir da criana, equando lutarmos contra ela mediante o ensino lingstico-musical; o mesmo acontece como lobo assassino e com a raposa prfida ou com o gato. Isso o que nos pode impregnarcom o verdadeiro, o sereno entusiasmo, e no com aquele flamejante, lucifrico, o nicoque se conhece hoje em dia. Enfim: temos de discernir entre ataque e defesa.

    O homem possui em si dois nveis de defesa. Primeiro existe a defesa dentro dele

    14Publicadas na Rudolf Steiner Gesamtausgabe (Edio Completa de Rudolf Steiner [Dornach: Rudolf SteinerVerlag]) sob os ttulos Eurythmie. Die Offenbarung der sprechende Seele, GA 277; Die Entstehung andEntwickelung der Eurythrnie, GA 277a; Eurythmie als sichtbarer Gesang. Ton-Eurythmie-Kurs, GA 278; Eu-rythmie als sichtbare Sprache. Laut-Eurythme-Kurs, GA 279. (N.E.)15Analogia com membros das tribos indgenas brasileiras que utilizavam o botoque (adereo em forma de

    rodela encaixado principalmente no beio inferior) e que at o sculo XVI habitaram terras da atual Bahia. Aaluso, comum na poca, referiase a pessoas incultas em geral. (N.E.)16 Trecho de O mercador de Veneza. (N.E.)

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    prprio: ela se manifesta na troca dos dentes, aos sete anos; depois vem o que eleassimilou do elemento lingstico-musical, onde rechaa o que, dentro dele, anseia por vir tona. Porm esses dois campos de batalha se encontram efetivamente dentro dohomem: o lingstico-musical principalmente na periferia, em direco ao mundo exterior,e o plstico-arquitetnico no centro, em direo ao mundo interior.

    Existe, contudo, um terceiro campo de batalha, situado no limite entre o corpoetrico e o mundo exterior. O corpo etrico sempre maior do que o corpo fsico,projetando-se a partir dele em todas as direces. Temos a mais um campo de batalha; aluta realiza-se a mais sob a influncia da conscincia, as passo que as duas outras sepassam na inconscincia. A terceira realiza-se mais na conscincia. Ela se desenrola ao vir tona o resultado do que se passa entre o homem e o elemento plstico-arquitetnico, deum lado, e entre o homem e o lingstico-musical, de outro, no momento em que esteltimo, depois de penetrar no corpo etrico, alcana o corpo astral, sendo assim desviadopara a periferia. Isto faz nascer tudo o que perpassa os dedos quando se desenha ou pinta,fazendo da pintura uma arte que abrange mais o mundo exterior. O desenhista e o pintorpartem, em seu trabalho, de algo disponvel em seu interior; j o msico tem de trabalharbaseado numa atitude de entrega de si mesmo ao mundo. Aquilo que se realiza na pintura

    e no desenho e ns educamos a criana para isso, fazendo com que ela desenhe formase linhas uma luta travada na periferia, essencialmente entre duas foras atuantes:uma de fora para dentro e outra de dentro para fora. A que vai de dentro para foraprocura constantemente despedaar o homem, continuando o trabalho de dar-lhe forma,porm de maneira sutil. Essa fora quer transformar-nos preciso diz-lo de maneira maisradical: na realidade isso no to drstico, mas na medida em que eu exagerar osSenhores me entendero melhor , essa fora de dentro para fora quer inchar nossosolhos, fazer crescer um papo, engrossar o nariz e as orelhas; tudo tende a intumescer parafora. Porm existe a outra fora; ns a sugamos do mundo exterior, e ela impede esseentumescmento. E quando fazemos um trao ou desenhamos algo, trata-se de um esforode desviar para fora aquilo que, vindo de dentro, procura deformar-nos.

    um complicado movimento reflexo o que executamos ao pintar, desenhar ourealizar qualquer trabalho grfico. Quando desenhamos ou estamos diante de uma tela,temos realmente um raiar da conscincia, a sensao de no deixarmos penetrar em nsalgo que se acha l fora; as formas e traos so como muros ou separaes de aramefarpado. Os desenhos so como arames farpados com os quais interceptamos, impedimosde agir o que anseia por destruir-nos de dentro. Por isso, o ensino do desenho atua melhorquando partimos do homem. No ensino da eurritmia, ao estudarmos os movimentos que amo quer fazer, ao pedirmos s crianas que mantenham as formas, os movimentos queelas querem fazer, com tudo isso detemos a linha que quer ter um efeito destruidor eela deixar de ter esse efeito destruidor. Se principiarmos por fazer desenhar as formaseurrtmicas e, em seguida, descrevermos a partir delas o desenho e a escrita,conseguiremos algo que no fundo a natureza humana deseja e que se relaciona com seu

    vir-aser. E, com referncia eurritmia, deveramos tambm saber que nosso corpo etricotem constantemente a tendncia a pratic-la; ela algo que o corpo etrico pratica comoque espontaneamente. Na eurritmia, ns nada fazemos senao discernir os movimentos queo corpo etrico quer realizar; ele realmente faz esses movimentos, s sendo impedido derealiz-los quando os fazemos executar pelo corpo fsico. Quando ns os fazemos executarpelo corpo fsico, esses movimentos so retidos no corpo etrico, retroagindo de modosalutar sobre ns.

    isso, de certa forma, que no homem j se exterioriza tanto de maneira higinico-teraputica quanto didtico-pedaggica. Tais coisas s sero compreendidas quando sou-bermos que algo ansioso por manifestar-se na organizao etrica deve ser bloqueado naperiferia, por meio dos movimentos do corpo fsico. Com a eurritmia, bloqueia-se um

    elemento volitivo; com o desenho e com a pintura, um elemento intelectual. Narealidade, porm, trata-se de ambos os plos de uma mesma coisa.

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    Se impregnarmos esse processo com o sentimento e incorporarmos essa sensibilidadeprofunda aos nossos dons pedaggicos, teremos o terceiro sentimento de que necessi-tamos: o sentimento que sempre nos deveria permear, em particular no ensino dasquatro primeiras sries de que o homem, ao ingressar no mundo, fica exposto a umasituao da qual devemos proteg-lo por meio do ensino. Caso contrrio, ele seextravasaria no mundo de maneira excessiva. O homem sempre tem a tendncia a tornar-se animicamente raqutico, a tornar seus membros raquticos, a transformar-se numgnomo. Ao ensin-lo e educ-lo, ns o plasmamos. A melhor maneira de sentir esse efeitoplasma-dor consiste em observar a criana fazer um desenho; mas a devemos intervircorrigindo o desenho, de forma que o resultado no seja nem o que a criana quer nem oque nos queremos, e sim uma combinao de ambos. O melhor resultado ser alcanadose eu conseguir aplanar o que a criana deixa passar por seus dedos, desde que ao mesmotempo eu possa acompanhar isso com meus sentimentos, compartilhando de suas vivnciascom meu sentir. Se eu fizer disso um sentimento que me permeie, a criana ter umaproteo contra uma ligao excessiva com o mundo exterior.

    Devemos fazer com que a criana se integre lentamente, e no com demasiadarapidez, no mundo exterior. Devemos manter constantemente uma mo protetora sobre a

    criana, e esse o terceiro sentimento.Venerao, entusiasmo e sentimento protetor eis as trs atitudes que constituem a

    panacia, o remdio universal na alma do educador e do professor. Se quisssemosexpressar artisticamente algo como uma sntese da incorporao da arte e da pedagogia,deveramos elaborar o seguinte:

    Venerao pelo que precede a existncia da criana. Indicao entusistica do que se sucede criana. Gesto protetor em relao ao que a criana vivencia.17

    nessa moldagem da natureza docente que tambm estaria caracterizada da melhor

    maneira a manifestao externa do professor. nessas coisas que se v o quanto insatisfatrio expressarmos por meio dalinguagem convencional algo a ser dito a partir das intimidades dos mistrios do Cosmo. Aoutilizarmos a fala exterior para tais assuntos, sentimos a necessidade de umacomplementao. Nesta altura, a expresso lingstica abstrata anseia por transformar-seem algo artstico. Por isso eu quis encerrar desta maneira.

    Eis o que devemos aprender: devemos aprender a produzir em ns algo dessa atitudeanmica do futuro, segundo a qual a posse da mera cincia dar ao homem a sensao deque ele um aleijo anmico-espiritual. Quem for apenas cientista no sentir o impulsode transformar o cientfico em algo artstico, mesmo se apenas pela formao dospensamentos. s no elemento artstico que compreendemos o mundo. Mas sempre sepode dizer que aquele a quem a natureza desvenda seu mistrio sente um anseio nostl-

    gico pela arte.18Cada qual deveria imbuir-se do seguinte sentimento:

    Enquanto mero cientista, voc um luntico! S quando transformar seu organismofsico-anmico-espiritual, quando seu saber assumir forma artstica, que voc ser umhomem. No fundo, a evoluo futura conduzir e para isto o pedagogo deve contribuir da cincia compreenso artstica do mundo, do aleijo de nascena ao ser humano

    17 Steiner acompanhou cada uma dessas sentenas com um gesto. Numa anotao de Caroline vonHeydebrand consta: Venerao (mos postas em orao) [na anotao estenogrfica: as duas mos para cima,inclinando-se uma para a outra com as pontas dos dedos]; entusiasmo (mo apontando); sentimento protetor(brao direito como no B eurrtmico). (N.E. orig.)18Frasede Gethe em Spruche in Prosa, a qual, na ntegra, a seguinte: Aquele a quem a natureza comea

    a desvendar seu segredo manifesto experimenta um anseio irresistvel por sua intrprete mais digna: a arte.(Apud Rudolf Steiner, Arte e esttica segundo Gethe, trad. Marcelo da Veiga Greuel [So Paulo: Antro-posfica, 1994]). (N.E.)

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    pleno.

    21 de setembro de 1920

    Antropologia espiritual e pedagogia

    Na vida, importante que as relaes entre o indivduo e seu meio ambiente sejamcorretamente reguladas. Ns podemos comer e digerir de maneira adequada os produtosfornecidos pelo mundo exterior; mas no nos alimentaramos bem se ingerssemos comoalimento produtos que j tivessem, at certo ponto, sido digeridos. Isso demonstra quecertas coisas tm de ser assimiladas do exterior sob determinada forma, tornando-seimportantes para a vida pelo fato de continuarem a ser processadas pelo prprio homem.

    O mesmo acontece em reas mais elevadas, como por exemplo na pedagogia, na arteda educao. O que importa na arte de educar aquilo que aprendemos e aquilo que oeducador, enquanto lida com o ensino, deve inventar a partir do que aprendeu. Quandoaprendemos a pedagogia como uma cincia composta de vrias teses e vrios princpiosbem formulados, isso, para a arte de educar, significa o mesmo que escolher paraalimentar-se alimentos j pr-digeridos por outras pessoas. Mas quando, por outro lado,assimilamos a antropologia, o conhecimento da essncia do ser humano pelo aprendizado,chegando assim a compreender o homem, ento acolhemos o que corresponde aos ali-mentos oferecidos pela natureza. Na prtica do ensino, a prpria arte pedaggicadesponta desse conhecimento do homem para cada caso individual. A cada instante elatem de ser inventada pelo professor. Isso o que eu gostaria de colocar no incio de nossasconsideraes de hoje.

    No ensino e na educao, entretecem-se de forma curiosa duas coisas: de um lado,pela audio, aquilo que eu gostaria de chamar de elemento musical, de elemento sonorodo mundo; de outro, o elemento imagtico do mundo, que se manifesta atravs da viso.

    Obviamente, outras qualidades sensoriais se misturam ao que transmitido ao homempela audio e pela viso; tambm podem ter importncia para o ensino, porm umaimportncia secundria, e no to grande como a da viso e a da audio.

    Ora, trata-se realmente de compreendermos esses processos at corporalidade. Acincia exterior distingue, nos homens, entre os chamados nervos sensrios que iriamdos sentidos at o crebro ou at um rgo central, transmitindo percepes erepresentaes e os chamados nervos motores que se dirigiriam do rgo central aosrgos motores, colocando-os em movimento. Como os Senhores sabem, temos decontestar essa distino, do ponto de vista da cincia inicitica. No existe,absolutamente, distino alguma entre os chamados nervos sensoriais e os nervos motores.Ambos so um e o mesmo ser, e no fundo os nervos motores de nada servem caso no se

    perceba o rgo motor e o prprio movimento no instante em que devemos mover-nos;eles nada tm a ver com a impulso da vontade como tal. Portanto, poderemos dizer quetemos nervos dirigidos da periferia para o centro e nervos que correm do centro para osterminais dos rgos de movimento. No fundo, porm, trata-se de feixes nervososhomogneos, e o essencial que esses feixes nervosos homogneos so interrompidos: acorrente anmica inervadora que se dirige, por exemplo, de um nervo sensrio ao centro interrompida no centro, tendo de saltar o que no altera a natureza da correnteanmica inervadora , como uma fasca ou corrente eltrica num transformador ao serinterrompida a transmisso, para o chamado nervo motor, o qual porm, em nenhumsentido vem a ser diferente, sendo exatamente igual ao nervo sensrio. Ele apenas apropriado para perceber o processo do movimento e o prprio rgo motor. Porm existealgo que nos permite olhar de forma particularmente ntima para todo esse processo

    orgnico, onde correntes anmicas e processos corporais se interpenetram.Suponhamos, como ponto de partida, que estamos entregues percepo de uma

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    imagem. Estamos, pois, entregues percepo de algo que nos transmitido princi-palmente pelo rgo da viso: um desenho, qualquer forma existente ao nosso redor enfim, algo que se torna nossa propriedade anmica devido ao fato de possuirmos olhos. A preciso diferenciar trs atividades internas bem distintas: Primeiro, o perceberenquanto tal; esse perceber se realiza no rgo da viso. Em seguida temos de distinguirdele o compreender; e aqui convm estarmos conscientes de que todo compreender nos facultado pelo sistema rtmico do homem, e no pelo sistema neurosensorial. O sistemaneuro-sensorial s nos proporciona o perceber, ao passo que s compreendemos, porexemplo, qualquer processo imagtico pelo fato de o processo rtmico, que reguladopelo corao e pelo pulmo, prosseguir atravs do lquor cerebrospinal em direo aocrebro. Essas vibraes que acontecem no crebro, tendo seu estmulo no sistemartmico do homem, na verdade possibilitam corporeamente o compreender: ns somoscapazes de compreender devido ao fato de respirarmos.

    Os Senhores vem como muitas vezes, hoje, essas coisas so consideradaserradamente pela Fisiologia! Acredita-se que a compreenso tenha algo a ver com osistema nervoso, quando em realidade consiste no fato de o sistema rtmico acolher etransformar aquilo que percebemos e representamos mentalmente. Estando o sistema

    rtmico relacionado ao compreender, este estabelece uma relao ntima com o sentir dohomem. Quem cultivar uma ntima observao de si mesmo perceber as relaes entre ocompreender e o sentir propriamente dito. No fundo, precisamos sentir a verdade de algocompreendido se acaso quisermos profess-lo. Ento o resultado do conhecimento com-preensivo e o elemento anmico do sentir se renem dentro de ns justamente por meiodo sistema rtmico.

    No entanto, existe uma terceira atividade: assimilar o assunto de forma que amemria possa conserv-lo. Temos, portanto, de distinguir em cada um desses processos apercepo, a compreenso e um processamento interior tal, do contedo compreendido,que a memria possa conserv-lo. E este terceiro elemento est ligado ao sistemametablico. Os processos metablicos ntimos e muito sutis que se realizam no organismo,

    aos quais devemos dedicar nossa ateno e que devem ser conhecidos por ns enquantoeducadores relacionam-se com a memria, com a capacidade de lembrar.Convm observar quo diferentes, na capacidade de lembrar, so as crianas plidas

    daquelas que tm a cor da pele sadia e vermelhinha; ou quo diferentes so, no aspectorecordativo, as diferentes raas humanas. Essas coisas baseiam-se nas diferenciaes eprocessos mais sutis do nosso metabolismo. Se, como educadores, formos capazes de aju-dar uma criana plida proporcionando-lhe um sono sadio, de modo que intimamente elafique mais sensvel aos processos mais sutis do metabolismo, com isso estaremos pres-tando uma ajuda sua memria. Mas tambm poderemos ajudar sua memriaestabelecendo a correta pulsao entre seu mero escutar e seu trabalhar por si mesma.

    Suponha-se que estejamos fazendo a criana escutar demais; ela chegar a perceber,e em ltimo caso at a compreender,j que respira constantemente, mantendo o liquor

    em movimento; porm sua vontade no estar sendo suficientemente solicitada. Ora,como os Senhores sabem, a vontade est ligada ao metabolismo. Se deixarmos a crianaacostumar-se demasiadamente a olhar e escutar, sem faz-la trabalhar por si mesma eativando-lhe insuficientemente a vontade, no a estaremos educando nem ensinando bem,pois a elaborao interna relaciona-se com o metabolismo e a vontade. necessrio,portanto, achar a pulsao correta entre o olhar ou escutar e o trabalhar por si. No bem guardado na memria o que, no homem, no foi elaborado de forma a fazer avontade atuar sobre o metabolismo, incentivando assim a capacidade de relembrar nodecorrer do tempo. Essas so sutilezas, na fisiologia, que gradualmente tero de ser bemcompreendidas com a Cincia Espiritual.

    Enquanto tudo isso se refere vivncia imagtica relacionada com a viso, a situao

    diferente ao se tratar de fenmenos sonoros, mais ou menos musicais; refiro-me no sao elemento musical na prpria msica que apenas um exemplo particularmente

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    ilustrativo e concludente , mas a tudo o que se relaciona com o audvel, vivendo mais nafala, e assim por diante. a tudo isso que me refiro quando falo sobre fenmenos sonoros.Nestes, o processo por mais paradoxal que isso parea oposto ao que acabo dedescrever. A organizao sensria do ouvido se relaciona intmamente com todos os nervosque a fisiologia moderna chama de motores, mas que na realidade so idnticos aos nervossensrios. Tudo o que vivenciamos como sonoro percebido pelos feixes de nervosinerentes organizao dos nossos membros. Tudo o que musical precisa primeiropenetrar profundamente em nosso organismo e para isso os nervos do ouvido j soorganizados , atingindo o mbito onde normalmente s a vontade atua nos nervos, paraento ser percebido corretamente. Os territrios do organismo que facultam a memria,no caso das vivncias imagticas, so os que facultam a percepo quando se trata domusical, do audvel. Se procurarmos no organismo aquelas partes que facultam a memriapara as percepes visuais, encontraremos nelas os nervos que permitem a prpriapercepo no caso das percepes auditivas. Foi por isso que Schopenhauer19 e outrosrelacionaram to intimamente a msica com a vontade. no mbito onde as repre-sentaes visuais so lembradas ou seja, nas reas da vontade que as representaesauditivas so percebidas. A compreenso realiza-se tambm, no caso das representaes

    auditivas, por meio do sistema rtmico. significativo o fato de ocorrerem, na constituio humana, interligaes to

    curiosas. Nossas representaes visuais se renem s auditivas, entretecendo-se numa vidaanmica interior comum, pelo fato de serem ambas compreendidas por intermdio dosistema rtmico. Tudo o que percebemos compreendido por meio do sistema rtmico. Asrepresentaes visuais so percebidas por meio do organismo segregado da cabea, e asrepresentaes auditivas mediante todo o organismo dos membros. As representaesvisuais formam uma corrente para dentro do organismo; as representaes auditivasformam uma corrente do organismo para a frente.

    Os Senhores precisam ligar tudo isso ao que eu disse na primeira aula o que bemvivel quando se sente o processo. Pelo fato de os dois mundos se encontrarem no sistema

    rtmico, surge, em nossa vida anmica, algo que encerra conjuntamente vivnciasacsticas e visuais. E o musical, o audvel, relembrado na mesma rea onde o visvel temseus rgos neuro-sensoriais. Esses so ao mesmo tempo os rgos a fisiologia exteriorchama-os, de acordo com as aparncias, de rgos neuro-sensoriais que na realidade sorelacionados com o metabolismo, facultando o metabolismo mais sutil da regio ceflica edando origem s recordaes musicais. nas mesmas reas onde se realiza a percepodas representaes visuais que surge a recordao musical, ou mesmo de tudo o que audvel. nas mesmas reas onde percebemos o visvel que relembramos o audvel, e nas mesmas reas onde relembramos o visvel que percebemos o audvel. E ambos seentrecruzam como uma lemniscata no sistema rtmico, onde se interpenetram e sesuperpem.

    Quem algum dia analisou esse relembrar musical, essa memria musical considerada

    to bvia pelos homens mas que to maravilhosa e enigmtica, descobre o quo dife-rente ela da memria visual. A memria musical tem seu fundamento em determinadaorganizao sutil do metabolismo na cabea; por seu carter geral ela tem afinidade coma vontade e, por isso, com o metabolismo. Contudo, est localizada numa rea corporaldiferente da rea recordativa das representaes visuais, que tambm so relacionadas

    19Arthur Schopenhauer (17881860), filsofo cuja obra completa (Arthur Schopenhauers smtliche Werke inzwlf Bnden [Stuttgart-Berlim, J. G. Cotta, 18941) recebeu introduo de Rudolf Steiner intitulada O mundocomo vontade e representao mental (Die Welt als Wille and Vorstellung terceiro tomo, livros 3 e 4). Nocap. A idia platnica consta, entre outras coisas: A msica , na verdade, uma objetivao e reproduoto imediata de toda a vontade como o o prprio mundo, como o so as idias, cuja manifestao maisvariada produz o mundo das coisas individuais. A msica, portanto, de modo algum , como as outras artes, a

    reproduo das idias, e sim reproduo da prpria vontade, cuja objetividade tambm so as idias: porisso mesmo que o efeito da msica muito mais poderoso e penetrante do que o das outras artes pois essasfalam apenas de sombras, mas ela fala da essncia. (Cf. N.E. orig.)

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    com a vontade.Ponderando todos esses aspectos, os Senhores tambm podero fazer atuar em sua

    alma toda a complexidade do processo da fala. Neste processo, encontramos algo que atuade dentro e no qual se realiza o ato de compreender, devido estreita afinidade dosistema rtmico com o rgo da fala. Porm a compreenso realiza-se de forma curiosa, epara que os Senhores possam inteirar-se plenamente do assunto, quero lembrar-lhes aTeoria das Cores de Gethe.20 Alm de chamar de quente o lado vermelho-amarelo domundo das cores e de frio o lado azul-violeta, Gethe aproxima a percepo das cores dapercepo dos sons; ele v, de certa forma, no lado vermelho-amarelo do espectro umsoar diferente do que ocorre no lado azul-violeta, e estabelece uma relao entre isso eas modalidades maior e menor, que j constituem aspectos bastante ntimos das vivnciassonoras. Essas idias encontram-se nos trechos no-editados de suas obras cientficas, osquais foram depois publicados na edio de Weimar e acrescentados por mim no ltimovolume da edio de Krschner.21 E j podemos constatar o seguinte: ao transferirmospara o interior do homem o que, na teoria das cores de Gethe, se caracteriza mais pelomodo de descrever, algo especial se revela. No interior do homem, o que primeiro residena fala o soar. Sim, na fala vive o soar, mas esse soar , em certo sentido, modificado.

    Eu diria que o soar permeado por algo que o abafa no falar. E no se trata apenas deuma analogia, mas de um fato relacionado com processos reais quando dizemos que o sompropriamente dito recebe uma colorao quando se fala. O mesmo que ocorre com a corexterior quando a percebemos em sua tonalidade no percebemos nela qualquer som,mas ouvimos ressoar algo em cada cor , ocorre tambm interiormente: no enxergamoscor alguma ao dizer i ou u, como tampouco ouvimos sons ao ver a cor amarela ou azul.Mas a mesma vivncia que temos ao perceber a tonalidade de uma cor, ns a temosquando vivenciamos o som que reverbera da fala. A o mundo visual e o mundo dos sons seinterpenetram. A cor que enxergamos l fora no espao possui um carter visual bemmanifesto e um carter sonoro ntimo, que penetra em ns tal como descrevi numa dasltimas aulas. O que chega de dentro, como fala, superfcie do homem traz

    manifestamente um carter sonoro, mas na emisso dos fonemas possui um ntimo cartercromtico que aflora cada vez mais, do modo como descrevi, em pessoas at os sete anosde idade.

    Como se v, o elemento cromtico permanece manifesto principalmente no mundoexterior, e o elemento sonoro principalmente no mundo interior do homem; sob essa su-perfcie no mundo exterior ondeia a msica csmica, e sob a superfcie do que soa nointerior do homem ondeia e movimenta-se um elemento astral misteriosamente colorido.

    E se os Senhores compreenderem a autntica linguagem, esse maravilhoso organismodestacvel do homem, sentiro simultaneamente, ao ressoar a fala a partir do serhumano, todas as vibraes do corpo astral encerradas nas ondulaes coloridas que setransmitem diretamente linguagem. Normalmente elas tambm atuam no homem; masnesse caso entram numa movimentao especial, concentram-se na regio da laringe,

    recebendo impulsos do Sol e da Lua, e isso produz como que um jogo no corpo astral,manifesto exteriormente nos movimentos da laringe. E agora temos a seguintepossibilidade, ao menos como imagem visual: escutamos uma lngua qualquer, olhamospara o corpo astral, que logo transmite suas vibraes ao corpo etrico, e isso faz todo oprocesso parecer ainda mais ntimo; desenhamos ento o processo todo, e s teremosmovimentos fundamentados no organismo humano obtendo assim aquela eurritmia 22que

    20 Publicada originalmerite nos vols. III a V dos Escritos cientficos de Gethe [GethesNaturwissenschaftliche Schriften], editados e comentados por R. Steiner na Literatura Nacional Alem[Deutsche National-Literatur, 18831887] de Krschner. Reed. em 5 vols. na Edio Completa[Gesamtausgabel de Rudolf Steiner, GA-Nr. 1 ae (Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1975). (N.E. orig.)[V. tb. Gnter Kollert, O cosmo das cores (So Paulo: Religio & Cultura, 1992) e J. W. Gethe, Doutrina das

    cores. Apresentao, seleo e trad. Marco Gianotti (So Paulo: Nova Alexandria, 1993).]210p. cit., vol. V, 2 parte, pp. 102 ss. (Gethe sobre Johann Leonhard Hoffmann). (N.E. orig.)22Arte antroposfica do movimento (v. bibliografia na p. 35). (N.E.)

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    sempre executada pelos corpos astral e etrico juntos quando o homem fala. No podehaver qualquer arbitrariedade simplesmente trazido para a visibilidade o quenormalmente ocorre de maneira sempre invisvel.

    Por que fazemos isso hoje em dia? Ns o fazemos porque nos cabe fazerconscientemente as coisas que antes fizemos inconscientemente; pois toda evoluo dohomem consiste numa descida, para o sensorial, daquilo que antes existia apenasespiritualmente, no supra-sensvel. Os gregos, por exemplo, ainda pensavam com a alma;seu pensar ainda era inteiramente anmico. Os homens modernos, mormente desdemeados do sculo XV, pensam com o crebro. O materialismo efetivamente uma teoriatotalmente correta para o homem moderno. Pois o que os gregos ainda vivenciavam naalma passou a deixar, pouco a pouco, uma impresso no crebro, transmitindo-se a degerao em gerao, sendo que os homens modernos j pensam com as impressesdeixadas no crebro, isto , mediante processos materiais. Isso tinha de acontecer assim.S que devemos novamente subir e acrescentar a essa evoluo uma elevao do homemaos resultados que vm do mundo supra-sensvel. Por isso, gravao do antigo elementoanmico no corpo devemos opor o plo oposto, ou seja, o livre captar da realidadeespiritual supra-sensvel por meio da Cincia Espiritual. Mas para que a humanidade possa

    continuar a evoluir, essa descida do supra-sensvel ao sensorial deve ser realizadaconscientemente. Devemos colocar conscientemente o corpo do homem, esse corposensorial, numa mobilidade visvel tal como a que at agora s ocorria no plano invisvel,inconsciente para ns. Ns damos conscientemente continuidade ao caminho dos deusespor termos assumido o trabalho iniciado por eles: a gravao do pensar no crebro,levando a eurritmia do supra-sensorial para o sensorial. Caso no o fizssemos, ahumanidade cairia paulatinamente num sonho anmico; ela adormeceria. Ento todo tipode coisa fluiria dos mundos espirituais para o eu e o corpo astral do homem, mas isso sedaria sempre durante o estado de sono, nunca podendo haver, ao despertar, a trans-ferncia para o organismo fsico.

    Quando se pratica a eurritmia, tanto os eurritmstas quando os espectadores so

    beneficiados na vida; ambos recebem disso algo essencial. Nos prprios eurritmistas oorganismo fsico transformado, pelos movimentos da eurritmia, num rgo receptivoapropriado para o mundo espiritual, porque os movimentos querem descer do mundoespiritual. De certa forma, os eurritmistas se tornam rgos receptores de processos domundo espiritual ao prepararem seu corpo para isso. Nos espectadores, o que existe demovimentos relativos ao seu corpo astral e ao seu eu so intensificados pelos movimentosda eurritmia. Se aps uma apresentao de eurritmia os Senhores pudessem acordarrepentinamente no meio da noite, constatariam estar possuindo interiormente muito maisdo que aps terem ouvido uma sonata num concerto noturno e despertado durante o sono;no caso da eurritmia, o fenmeno muito mais intenso, pois fortalece a alma por faz-laconviver vivamente com o supra-sensvel. S que nesse caso deve reinar uma certaprofilaxia pois quando h exagero a alma erperneia, durante a noite, no mundo

    espiritual, enquanto o homem deve dormir, e esse espernear seria, no mbito anmico,equivalente ao nervosismo fsico.

    Essas coisas nos levam a perceber de maneira cada vez mais real esse maravilhosoedifcio da entidade humana. De um lado ela se nos apresenta descendentemente nofsico, onde tudo indica que nada existe no corpo que no seja espiritualizado, e de outrolado vemos o anmico-espiritual almejando que nada mais de natureza anmico-espiritualno homem deixe de elaborar a vivncia fsica. E especialmente interessante deixarmosatuar em ns fatos como os que mencionei hoje, considerando-os como estmulos. Se, porexemplo, agora os Senhores formarem para si vvidas idias meditativas sobre toda a vidado elemento musical no homem nos mbitos volitivos do plano visvel, e depois sobre avivncia recordativa no mbito musical, sobre a vida das recordaes musicais nas reas

    da representao mental no plano audvel se reunirem todas essas coisas e formaremdisso idias meditativas , ento podero ter certeza de que sero estimulados para uma

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    profunda capacidade inventiva, da qual necessitam como educadores perante a criana.Todas as consideraes de uma pedagogia baseada na Cincia Espiritual, como as que

    tecemos aqui, visam a um conhecimento mais ntimo do homem. Contudo, pensandomeditativamente sobre elas os Senhores faro com que continuem a atuar em seu ntimo.

    Vejam, ao comerem um po com manteiga os Senhores esto executando um atoconsciente; contudo no podero influenciar o que vem em seguida, quando o po passapelo complicado processo de digesto, apesar de esse processo no deixar de acontecer esua vida em geral depender muito dele. Ora, ao estudarem a antropologia como temosfeito, primeiro os Senhores a vivenciam conscientemente; ao meditarem em seguida sobreela, ocorre em seu ntimo um processo digestivo anmico-espiritual, e isso o que os tor-nar pedagogos e educadores. Assim como o metabolismo os torna seres humanos vivos,essa digesto de uma verdadeira antropologia pela meditao os transformar em edu-cadores. Sua postura diante da criana ser outra, desde que os Senhores assimilem o quedecorre de uma verdadeira antropologia antroposfica. O que feito de ns, o que atuaem ns e faz de ns educadores, realiza-se pela assimilao de tal antropologia por meioda meditao. E consideraes como a de hoje, quando repetidamente despertadas emns, poro em movimento toda a nossa vida anmica, mesmo se a ela dedicarmos apenas

    cinco minutos por dia. Seremos indivduos to fecundos em pensamentos e sentimentosque tudo isso passar a jorrar de ns. Meditem noite sobre antropologia, e pela manhficar bvio: com relao ao Joozinho convm proceder assim ou assado ou: aquelamenina precisa disto ou daquilo. Em suma, os Senhores sabero o que aplicar em cadacaso especial.

    Na vida humana, importante estabelecer uma colaborao entre o interior e oexterior. Nem preciso muito tempo para isso. Se os Senhores tiverem recebido a forasuficiente, em trs segundos de trabalho interior criaro um manancial de linguagem,aplicvel educao, suficiente para um dia inteiro. O tempo deixar de ter relevnciaquando se tratar de dar vida ao supra-sensorial. O esprito possui outras leis. Da mesmamaneira como os Senhores tm, ao despertar, um pensamento cujo contedo se estende

    por semanas mas atravessou sua cabea numa frao de tempo que mal pde serespecificado, o que lhes emana do esprito pode ento, inversamente, prolongar-se. Assimcomo no sonho tudo se concentra, o que emana do esprito vai-se prolongando. Assim, pormeio de tal familiarizao meditativa com a antropologia antroposfica os Senhorespodero conseguir, aos 40 ou 45 anos, ser capazes de percorrer em cinco minutos toda atransformao interior do homem necessria ao seu ensino, e que na vida exterior ostornar totalmente diferentes do que tero sido antes.

    de tais coisas que falam os livros escritos por pessoas experientes nesse mbito. preciso compreender isso, mas preciso compreender tambm que o que vivenciado poralgumas individualidades em escala bem especial, podendo lanar sua luz sobre toda avida, no caso do educador deve desenrolar-se em escala restrita. Ele deve assimilar a an-tropologia, compreender a antropologia por meio da meditao, lembrar-se da

    antropologia: ento a recordao se transformar em vida interior pulsante. No se trataapenas de uma recordao comum, mas de um recordar-se que gera novos impulsosinteriores. Ento a lembrana vem jorrando da vida espiritual, e ao nosso trabalho externose transmite algo como terceira etapa: compreenso meditativa se segue o relembrarcriador, inventivo, que ao mesmo tempo um acolher do mundo espiritual.

    Portanto, temos primeiramente uma assimilao ou percepo da antropologia,depois uma compreenso uma compreenso meditativa dessa antropologia ao nosrecolhermos cada vez mais interiormente para onde essa antropologia recebida por todoo nosso sistema rtmico e, finalmente, o relembrar da antropologia a partir doespiritual. Isso significa criar pedagogicamente a partir do esprito, transformar-se em artepedaggica. Isso deve tornar-se convico, isso deve tornar-se disposio animica.

    Assim, os Senhores devem contemplari ser humano de modo a sentirem, tambm a,continuamente essas trs etapas em si mesmos. E quanto mais chegarem a dizer a si

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    prprios: Aqui est meu corpo exterior, aqui est minha pele, que encerra em mimaquele que assimila a antropologia, aquele que compreende meditativamente a antropolo-gia, aquele que fecundado por Deus ao recordar a antropologia quanto maistrouxerem em si esse sentimento, tanto mais sero educadores, e educadores docentes.

    22 de setembro de 1920

    O equilbrio fsico-espiritual na educao

    Se observarmos o homem em sua constituio e depois aplicarmos esse conhecimentoao ser humano em formao, criana, concluiremos que dos mundos espirituais queadvm, sobre uma espcie de asas astrais, a entidade individual23 do homem. Aoobservarmos a criana em seus primeiros anos de vida como ela se desenvolve, comogradualmente leva, de seu mais profundo mago, a fisionomia para a superfcie do corpo,

    como ganha cada vez mais poder sobre seu organismo , o que vemos ento , emessncia, a incorporao do eu. Observando essa incorporao do eu, poderemoscaracterizar de vrias maneiras o que efetivamente acontece e os Senhores jconhecem duas maneiras principais de caracterizar isso.

    Nos ltimos tempos tenho falado freqentemente sobre como, com troca dos dentes,aquilo que atua de modo organizador no corpo fsico se emancipa e, no fundo, forma ainteligncia. assim que se pode descrever o processo de certo ngulo. Pode-se tambmfaz-lo como em outras ocasies, quando foi acrescentado o material para a compreensodo homem a partir de um outro ponto de vista, tendo-se ento dito o seguinte: com atroca dos dentes que nasce o corpo etrico; o corpo fsico do homem vem luz com o nas-cimento, e o corpo etrico ao redor dos sete anos. Assim, o que de um lado pode serdenominado nascimento do corpo etrico idntico ao que, de outro lado, pode serdesignado como a emancipao da inteligncia em relao ao corpo fsico. Trata-seapenas de uma descrio bilateral do mesmo fato. No fundo, este s compreendidocorretamente quando reunimos numa sntese as duas concepes. Na Cincia Espiritual,no possvel fazer uma caracterizao a no ser abordando a coisa de diversos lados edepois considerando globalmente as diversas acepes resultantes. Exatamente como numnico tom no pode ser dada uma melodia, tampouco os Senhores podem abranger comuma nica caracterizao o contedo da Cincia Espiritual; preciso definir acaracterstica de diversos lados. Isso o que, em tempos passados, pessoas que realmentesabiam algo a esse respeito chamavam de ouvir tudo junto, ouvir as diversas explicaesreunidas.

    Ora, o que acontece a seguir? O eu, que j vem descendo com o nascimento, de certa

    forma aflui para aquilo que efetivamente se libera seja este denominado corpo etricoou inteligncia , estruturando-o paulatinamente, de modo que nessa poca ocorre umainterpenetrao entre o eu eterno e aquilo que ento se forma a inteligncia que seest liberando, o corpo etrco nascente.

    Observando o perodo seguinte, dos sete aos catorze anos portanto, at apuberdade , novamente poderemos dizer, de um lado, que um elemento volitivo, umelemento musical , de certa forma, acolhido. O processo sera melhor descrito desseprimeiro lado se dissermos acolhido, pois trata-se do elemento musical localizadorealmente no mundo exterior. Na verdade, tudo o que acolhido de musical, de sonoro,vibra atravs do corpo astral. Assim este emancipado da relao que anteriormentepossua com toda a natureza humana. Por isso podemos, de outro lado, dizer a respeito dacriana: com a puberdade sucede o nascimento do corpo astral.

    23 No original, Ichheit em traduo literal, egoidade. (N.E.)

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    Mas novamente o eu que agora, como elemento eterno, se une ao que a seemancipa; e assim do nascimento puberdade, isto , at o fim das quatro primeirassries e ainda mais tarde, temos um constante fortalecimento do eu em toda aconstituio humana. Dos sete anos em diante, o eu ainda se firma somente no corpoetrico; antes, porm, quando o homem um imitador, o eu se firma no corpo fsicojustamente graas a essa atividade imitativa; e mais tarde, ainda depois da puberdade, oeu se firma no corpo astral. Portanto, trata-se de uma constante permeao da naturezahumana pelo eu, o que ocorre concretamente da maneira como eu disse.

    Todo esse mundo de fatos tem uma imensa importncia para o educador. que nofundo todo ensino e toda educao deveriam, de certa maneira, ocorrer de maneira toartstica conforme indiquei no artigo sobre o elemento artstico na educao, no ltimonmer