Steckel, Daniela. O. G. Veredas e Atalhos
Transcript of Steckel, Daniela. O. G. Veredas e Atalhos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
VEREDAS E “ATALHOS”
RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE ELITES POLÍTICAS EM SERGIPE
DANIELA DE OLIVEIRA GOMES STECKEL
Orientador: Prof. Dr. Ernesto Seidl
São Cristóvão, Cidade Universitária Aloysio Campos
Março/ 2010
Dissertação submetida à avaliação do Mestrado em
Sociologia, do Núcleo de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da UFS, no período 2009.1.
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“A História é um cemitério de aristocracias.”
- Vilfredo Pareto
“Le difficile n’est pas de monter, mais en montant
de rester soi.”
- Jules Michelet
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Resumo
Esse trabalho se propõe a analisar os padrões de recrutamento e
seleção de elites políticas em Sergipe, tendo como foco a 16ª
legislatura da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe, compreendida no período de 2007-
2011. Investigam-se os diversos tipos de recursos utilizados como forma de capital político e as
lógicas que os interligam nos processos de inserção no campo da política. Desta
forma, o principal objeto de estudo são os recursos utilizados como
forma de entrada e de manutenção nas estruturas de poder, suas formas de legitimação e de
combinação num esquema multiposicional.
Abstract
This work proposes to study elite recruiting and selection patterns in
Sergipe, focusing on the 16th legislature of Sergipe State's congress, taking place between
2007-2011. It researches the various types of political resources used as political capital and the
logics that link them on the insertion processes on the political field. In this way, the main
subject are the resources used for admittance and support of the power structures, the forms of
legitimation and combination in a multiposicional scheme.
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LISTA DE SIGLAS
AL – Assembléia Legislativa
ALESE – Agência de Notícias da Assembléia Legislativa de Sergipe
APESC – Associação dos Profissionais de Ensino de São Cristóvão
CC – Cargo de Confiança na Administração Pública
CEASA – Central de Abastecimento do Estado de Sergipe
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica
CEPS – Centro de Profissionais de Ensino de Sergipe
CODISE – Companhia de Desenvolvimento Industrial e Recursos Minerais de Sergipe
CRM – Conselho Regional de Medicina
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DEM – Democratas
DENEM – Direção Nacional dos Estudantes de Medicina
DESO – Companhia de Saneamento de Sergipe
EMDAGRO – Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe
EMURB – Empresa Municipal de Obras e Urbanização
ETF – Escola Técnica Federal
FIT – Faculdades Integradas Tiradentes.
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FUNCAJU – Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Esportes.
FUNDAT – Fundação Municipal do Trabalho5
IURD – Igreja Universal do Reino de Deus
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP – Partido Progressista
PR – Partido da República
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSC – Partido Social Cristão
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
PT do B – Partido Trabalhista do Brasil
PV – Partido Verde
SINTESE – Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica da Rede Oficial do Estado de
Sergipe
SINTRASE – Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público do Estado de Sergipe
TCE – Tribunal de Contas do Estado
UBM – União Brasileira de Mulheres
UFS – Universidade Federal de Sergipe
UNE – União Nacional dos Estudantes
UJS – União da Juventude Socialista
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UNIT – Universidade Tiradentes
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ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 01. Distribuição de parlamentares com parentes na política x posicionamento
geográfico.................................................................................................................................. 20
Quadro 02. Cargo de ingresso na carreira política.....................................................................64
Quadro 03. Número de mandatos anteriores à 16ª legislatura na AL........................................65
Quadro 04. Cargo de ingresso na política eletiva...................................................................... 68
Quadro 05. Parlamentares vinculados a sindicatos e/ou movimentos estudantis...................... 70
Quadro 06. Evolução da Bancada do PT na AL-SE (1987 – 2010).......................................... 74
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 01. Distribuição de parlamentares por gênero.............................................................. 23
Gráfico 02. Origem dos parlamentares: Profissão dos pais....................................................... 32
Gráfico 03. Origem dos parlamentares: Instituições de ensino................................................. 34
Gráfico 04. Idade dos parlamentares......................................................................................... 35
Gráfico 05. Nível de escolaridade dos parlamentares................................................................36
Gráfico 06. Titulação acadêmica dos parlamentares – Cursos da 1ª graduação........................37
Gráfico 07. Idade de entrada na política eletiva........................................................................ 40
Gráfico 08. Profissões exercidas antes do primeiro mandato.................................................... 46
Gráfico 09. Idade de entrada na política (incluindo cargos não-eletivos)................................. 67
Gráfico 10. Parlamentares vinculados a sindicatos e/ou movimentos estudantis......................72
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SUMÁRIO
Resumo / Abstract................................................................................................................... 04
Agradecimentos....................................................................................................................... 09
Introdução................................................................................................................................ 11
Cap. I – Herdeiros na política: entre “vocações” e construções ........................................ 19
Cap. II – Do exercício profissional à política como profissão............................................. 44
Cap. III – Militância Estudantil e Sindicalismo: Trampolins para a política eletiva?..... 72
Considerações finais................................................................................................................ 88
Bibliografia.............................................................................................................................. 92
Anexos......................................................................................................................................100
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Agradecimentos
“A partir de certo ponto, não há retorno. Este é o ponto
que é preciso alcançar”. – Franz Kafka.
Este trabalho foi marcado por muitas pausas. Cada retomada era sempre muito
difícil. Mais difícil, porém, era a idéia de desistir, quando outras urgências se apresentavam. E
nesses momentos em que se fazia difícil até caminhar, não faltaram mãos para me ajudar a
levantar. E foram tantas as manifestações de apoio e exortações, vindas de tantas fontes
diferentes, que prefiro não citar nomes, para não cometer a falha de esquecer alguém
importante. À minha família e a todos os amigos, muito obrigada.
No entanto, nada disso seria possível sem a participação fundamental do meu
orientador, Prof. Ernesto Seidl, que me apresentou uma nova perspectiva de análise dentro da
sociologia política e, consequentemente, novos objetos. Não só pela ampliação do meu
horizonte intelectual, mas também, pela cortesia, sempre; pelas críticas e, sobretudo, pela
paciência ao me guiar, eu o agradeço.
Sou grata também aos professores Paulo Neves, Ulisses Rafael e Rogério Proença,
os quais, mais do que lições de sociologia, ensinaram, muitas vezes, lições de vida.
E como não poderia deixar de ser, agradeço sinceramente, a todos aqueles que
colaboraram para tornar este projeto uma realidade, especialmente a Tarciso Menezes, pelo
empenho em abrir alguns canais de acesso e a todos os entrevistados, em particular aos
deputados André Moura e Mardoqueu Bodano, pela atenção, receptividade e boa vontade, que,
ao contrário de todas as negativas, colocaram-se inteiramente à disposição para colaborar,
mesmo durante o período pré-eleições e de recesso.
Dedico esse trabalho à minha filha, Emily Clark, por respeitar o meu tempo, como
poucas crianças fariam; e ao meu irmão Marcelo Bahia Gomes (in memorian), que embora
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fosse sempre o outro lado da moeda, me fazia lembrar o quão importante é continuar. Sim,
desistir não é uma opção. Sigamos em frente.
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Introdução
O presente trabalho tem como objetivo analisar os padrões de recrutamento e
seleção de elites políticas em Sergipe, com foco na 16ª legislatura da Assembléia Legislativa do
Estado de Sergipe, a qual compreende o período de 2007-2011, observando a reconversão de
múltiplos recursos em capitais políticos, bem como as lógicas que conectam esses recursos nos
processos de inserção no campo da política.
Segundo Seidl (2008: 7 – 9), a renovação do interesse nas Ciências Sociais pela
temática das elites deve-se, sobretudo, ao reposicionamento desses estudos sob um novo
referencial, no qual as “elites” ou grupos dirigentes passam a ser apenas um ponto de partida
para a análise das estruturas de dominação e de poder em lugares e tempos diversos, suas
formas de legitimação e lógicas de ação. Essas lógicas peculiares a espaços sociais dotados de
múltiplas dimensões assumem orientações e princípios específicos a cada uma delas, revelando
muito mais que a caracterização de uma elite, mas as suas bases sociais e os caminhos
percorridos para alcançar determinadas esferas de poder.
Embora a definição da noção seja imprecisa, são tomados como “elites” os grupos
que exercem funções importantes no topo das hierarquias sociais – independente do campo de
atuação ser político, administrativo, militar, religioso ou cultural.
“As elites não consistem unicamente na soma do conjunto dos grupos ou dos atores que ocupam posições dominantes nos domínios político, econômico e administrativo e não são apenas uma categoria da estratificação social; elas propõem modelos de comportamento, possuem sistemas de valores e interesses, constituem grupos de influência e, à vezes, de pressão.
O uso da noção de elites não significa adesão à teoria das elites (Pareto, Michels, Mosca, etc.) que se constituíra em oposição ao marxismo e que nega a diferença entre os regimes democráticos modernos e os regimes aristocráticos do passado. Ela sugere, pelo menos quando a noção é utilizada no plural, que a sociedade em que estas elites se inserem é diversificada e que o regime político é pluralista, por oposição a um conjunto social que seria relativamente
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homogêneo (notadamente no caso de uma ditadura)”. (SAINT MARTIN: 2008; 48-49).
A observação dessa pluralidade permite à sociologia estudos que vão além da mera
definição de grupos ocupacionais, revelando noções consideráveis na caracterização das
sociedades ou nas alterações de suas bases sociais.
Nesse sentido, consideramos o problema do recrutamento e seleção de elites
políticas a partir da reconversão de recursos sociais em capital político. A observação de
pesquisa voltou-se para as candidaturas vitoriosas das 26 lideranças políticas da Assembléia
Legislativa do Estado de Sergipe – isto é, as 24 cadeiras titulares e as 02 suplentes – no período
que circunscreve a 16ª legislatura. Estas lideranças foram escolhidas pelo papel representativo
que exercem na política local. O eventual afastamento dos titulares por motivos pessoais ou
profissionais, bem como as renúncias aos cargos em função das vitórias nas eleições municipais
ocorridas durante a pesquisa – a exemplo do Dep. César Mandarino, prefeito eleito no
município de Itaporanga D’Ajuda e de Valmir Monteiro (Valmir da Madeireira), prefeito eleito
no município de Lagarto – não alteraram o seu escopo. A pesquisa foi efetuada a partir de
entrevistas, levantamento de informações acerca de notícias veiculadas em jornais, artigos,
dados do TRE, da ALESE - Agência de Notícias da Assembléia Legislativa de Sergipe e
discursos proferidos pelos parlamentares na tribuna da Assembléia Legislativa.
A sociografia, através da descrição e interpretação de trajetórias e, mais
especificamente, o uso da prosopografia como ferramenta metodológica permitem identificar
variáveis sócio-culturais que influenciam este processo. A prosopografia (método das
biografias coletivas) visa desvendar características comuns a grupos sociais específicos em
determinado período histórico. Vista como uma ferramenta auxiliar aos métodos quantitativos,
a prosopografia admite a observação de certas causalidades e condicionantes sociais de certos
grupos. Através dos perfis traçados é possível identificar os mecanismos coletivos de
recrutamento e seleção que definem suas trajetórias sociais (HEINZ; 2006: 9). Pela definição
de Lawrence Stone:“A prosopografia é a investigação das características comuns do passado de um grupo de atores na história através do estudo coletivo
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de suas vidas. O método empregado consiste em definir um universo a ser estudado e então a ele formular um conjunto de questões padronizadas – sobre nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posições econômicas herdadas, local de residência, educação e fonte de riqueza pessoal, ocupação, religião, experiência profissional e assim por diante (...). O propósito da prosopografia é dar sentido à ação política e ajudar a explicar a mudança ideológica ou cultural, identificar a realidade social, descrever e analisar com precisão a estrutura da sociedade e o grau e natureza dos movimentos que se dão em seu interior”. (STONE, apud HEINZ, op.cit.).
O emprego do método sociográfico não implica no estabelecimento de conexões
deterministas, pois não é a pertença a determinada comunidade, grupo profissional ou social
que está em jogo, mas o desempenho desses atores políticos diante das interpretações e
apropriações desses códigos politicamente, permitindo um reconhecimento por parte dos
eleitores em potencial, fomentando adesões e negações.
Para isso, utilizou-se como fonte de pesquisa as trajetórias de vida, levantadas por
intermédio de entrevistas com os parlamentares, assessores e, em casos particulares, artigos
escritos por terceiros e publicados em jornais locais. Através desse material é possível analisar
os processos de conversão de múltiplos recursos no capital político que possibilitou o
recrutamento e seleção dos respectivos parlamentares de acordo com suas trajetórias políticas.
Infelizmente, não pudemos contar com material de campanha – salvo os jingles dos então
candidatos a deputados Gilmar Carvalho e Prof. Wanderlê – o que teria sido de grande valia,
pois este tipo de material mostra-nos como o candidato se apresenta a algumas bases
específicas ou ao eleitorado como um todo, posto que as campanhas eleitorais são tidas como
um momento de recomposição das conexões entre o campo social e o campo político, com o
objetivo de assegurar a legitimação da representação (BARREIRA, 1998). Infelizmente, de
acordo com os partidos e assessores, todo material de campanha é utilizado na campanha, “até
o último santinho”, não sendo guardado nada para registro.
O referido recorte cronológico justifica-se pelo interesse em analisar o perfil da
atual elite parlamentar, considerando ser este um quadro dinâmico e, por isso, mutável, ainda
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que nesta mutabilidade sejam deixadas bases de herança. A partir deste recorte, a primeira fonte
de pesquisa foi a ficha de inscrição de candidatura, disponibilizada pelo TRE, na qual constam
alguns indicadores demográfico-sociais e político-eleitorais como idade, sexo, estado civil,
profissão, escolaridade, filiação partidária, naturalidade e bens declarados. Também foi
pesquisado na Escola do Legislativo, informações complementares como atividades
profissionais as quais os deputados exerçam concomitantemente à sua função política,
experiência profissional e experiências políticas representativas.
Coradini (2008) observa que o conjunto de recursos atuais ou potenciais ligados a
redes de relações duráveis são frutos de estratégias de um investimento social orientado de
forma consciente ou inconsciente dentro de um campo, no sentido legitimar as “elites” no topo
das estruturas de dominação. Considerando que o surgimento de grupos políticos não se dá de
forma linear e constante, a observação dos indivíduos partícipes de determinado grupo, permite
o estudo da formação e desenvolvimento da carreira dos políticos profissionais inseridos no
mesmo (PHELIPPEAU; 1997). A importância desse estudo está, sobretudo, na possibilidade de
perceber as diferentes modalidades de recursos que possibilitam a entrada na política local, não
se resumindo a mera caracterização do perfil sócio-político dos parlamentares da 16ª legislatura
da AL-SE.
Há de se considerar a inexistência de estudos anteriores sobre as formas de
recrutamento e seleção de elites políticas em Sergipe. Embora o estudo sobre “elites” não seja
um tema propriamente novo no campo da sociologia, o aspecto inovador deste trabalho, no
âmbito local, está na orientação teórica a qual ele se filia, cuja abordagem privilegia a análise
das diferentes lógicas de ação social que legitimam essas elites, fundamentada na noção de
campos e de capitais de Pierre Bourdieu1. No âmbito nacional, vários estudos dedicam-se a
1 A idéia de campo emerge como uma configuração de relações dadas socialmente. Através da distribuição das diversas formas de capital os agentes participantes em cada campo obtém as capacidades adequadas ao desempenho das funções e à prática das lutas que o atravessam. As relações existentes no interior de cada campo definem-se independentemente da consciência humana. Na estrutura objetiva do campo (hierarquia de posições, tradições, instituições e história) os indivíduos adquirem um corpo de disposições, que lhes permite agir de acordo com as possibilidades existentes no interior dessa estrutura objetiva.
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compreender o problema das formas de legitimação social através da reconversão de recursos
sociais em capital político em diferentes grupos dirigentes, a exemplo dos trabalhos de
Coradini, Grill e Marenco, que se dedicam a estudar os mecanismos de legitimação de
diferentes elites políticas; Seidl, cujo olhar volta-se sobre as elites militares e eclesiásticas do
Rio Grande do Sul; Reis, que analisa carreiras construídas sobre repertórios ligados à “luta
contra a ditadura” no Brasil, entre outros autores.
Na ausência de estudos sobre o mesmo tema, tomou-se como referência – para fins
de observação da elite política sergipana em sua historicidade – a obra “Eleições em Sergipe
(1985-2000)” de Ibarê Dantas (2002), o qual faz uma rica descrição das dez eleições ocorridas
nesse período, com o intuito de perceber como se deu o processo de construção da democracia
no Estado após o fim do regime autoritário. De acordo com seu relato é possível perceber um
processo muito lento, marcado pela emergência de duas forças políticas conservadoras, antes
aliadas, cindidas em dois grupos “tradicionalmente identificados com a dominação militar”: os
alvistas (ligados a João Alves Filho) e os franquistas (ligados à Família Franco), apontados
pela oposição então incipiente como as oligarquias do cimento e da cana, respectivamente.
Embora eventualmente surgissem algumas personalidades de destaque, credenciados como
políticos de oposição2, não raras eram as alianças com os grupos situacionistas. O fenômeno da
rotatividade partidária é apontado como outro elemento mantenedor da estrutura de poder. Os
aspectos ideológicos ressalvam ainda a rigidez dessa estrutura:
“Em termos ideológicos, se houve mudança na bancada de parlamentares sergipanos na esfera federal e estadual [no pleito de 1986], foi para o conservadorismo. A única novidade foi a eleição de dois parlamentares do PT. Fora desse fato, as bancadas das duas coligações na Assembléia tornaram-se ainda mais conservadoras. A maioria formada por chefes políticos do interior, 8 (oito) dos quais ex-prefeitos, em geral afeitos aos métodos clientelistas tradicionais”. (DANTAS, op. cit: 60)
2 No pleito de 1985, Jackson Barreto (PMDB), considerado então “a personalidade da oposição combativa de maior destaque na capital” lançou-se como candidato da Aliança Democrática (PFL, PMDB, PCB, PC do B e MR8), mesmo sendo pressionado por setores da esquerda a disputar a eleição em uma faixa própria, pois estes não viam com bons olhos uma aliança com o governo do PFL. (DANTAS, 2002: 30-31)
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O pleito de 1989 foi marcado pelo fortalecimento do grupo ligado aos Franco, que
apoiou o candidato eleito para a presidência, Fernando Collor de Mello, com destaque para a
atuação do senador Albano Franco, o qual viria a se tornar presidente da CNI no governo
Collor. No ano seguinte, os dois grupos rivais mais fortes do Estado viriam a se aliar,
garantindo mais uma vez a manutenção do status quo até as eleições de 1994, quando, segundo
avalia Dantas, o quadro político local passou por uma renovação significativa, em função da
eleição de dois senadores da coligação que fazia oposição ao governo, respectivamente,
Antonio Carlos Valadares (PP) e José Eduardo Dutra (PT) e três deputados federais: Jerônimo
Reis (PMN), Bosco França (PMN) e Marcelo Deda (PT); apesar da eleição de Albano Franco
para o governo do Estado, com o apoio de João Alves. Em 1996, as eleições municipais
surpreendem, não só pela penetração dos grupos esquerdistas no interior, como também pela
aliança do PT com o PFL no segundo turno das eleições, agravando as diferenças internas no
Partido dos Trabalhadores. Os desgastes e cisões ocorridos entre os oposicionistas nesse pleito,
entre outros fatores, tornaram a derrota do governador Albano Franco mais difícil, o qual foi
reeleito em 1998, trazendo consigo a terceira geração dos Franco, um para a Câmara dos
Deputados e outro para a Assembléia. Finalmente, em 2000, Marcelo Déda (PT) assume a
Prefeitura Municipal de Aracaju.
Do período estudado pelo historiador Ibarê Dantas ao período que marca o recorte
desta pesquisa há um lapso de sete anos, durante os quais novos agentes passaram a atuar no
campo da política sergipana, interagindo com agentes já conhecidos na política. A
heterogeneização das elites políticas não representa a extinção dos antigos mecanismos de
reconversão política, mas uma diversificação de recursos de entrada, seja para estabelecer-se
como membro dessa elite, seja para manter sua condição diante das transformações intrínsecas
ao espaço de concorrência política.
A grande dificuldade imposta na fase da pesquisa empírica foi a realização das en-
trevistas com os parlamentares. A impossibilidade de acesso foi agravada pelo momento políti-
co. A fase inicial da pesquisa de campo coincidiu com o período pré-eleições municipais. Com
alianças se formando, negociações partidárias, buscas por apoios e legitimações de candidatu-16
ras, seja das próprias, seja na defesa das candidaturas de seus correligionários, poucos foram os
parlamentares que nesse momento dispuseram de um tempo em sua agenda para auxiliar essa
pesquisa com a narrativa de suas trajetórias por eles mesmos. Passado o período eleitoral, logo
veio o recesso parlamentar. Com o retorno à normalidade, a Assembléia Legislativa estabele-
ceu-se novamente como ponto obrigatório para a pesquisa de campo.
Sobre o reduzido número de entrevistas é preciso esclarecer que, embora todos os
gabinetes tenham sido contactados mais de uma vez, por diversos canais, em sua grande
maioria, o acesso ao deputado foi dificultado ou inviabilizado. Muitas vezes foram necessárias
várias visitas para conseguir contato tão somente com assessores, alguns dos quais
questionavam os fundamentos científicos dessa pesquisa, a fim de justificar a negativa da
entrevista. Houve ainda recusas peremptórias em colaborar, sob o argumento que a pesquisa
não interessava ao deputado. A ausência da entrevista, sobretudo as inúmeras idas e vindas sem
sucesso à Assembléia Legislativa e às sedes dos partidos, embora tenham atrapalhado o
desenvolvimento e o cronograma do trabalho, não causou grandes impactos negativos no que
diz respeito ao levantamento dos dados. Obviamente, um trabalho que se pauta em trajetórias é
enriquecido com o olhar em primeira pessoa. A falta da entrevista, entretanto, não inviabiliza a
pesquisa. Sendo figuras públicas, muitos dos parlamentares, em algum momento de suas vidas,
deram entrevistas sobre suas trajetórias ou mesmo revelaram aspectos considerados
importantes, em alguns de seus discursos, acerca dos caminhos trilhados por eles mesmos.
De acordo com SAWICKI (1999:139 - 141), a análise quantitativa das origens
sociais, os sistemas de alianças e credenciais acadêmicas - não apenas as ocupações e os níveis
de riqueza e de qualificação de propriedade – abriu um novo escopo de questionamentos das
possíveis reconversões de capitais não-políticos em capitais políticos. Apesar da dificuldade em
se trabalhar uma base de dados para análise, muitas vezes, incompletos e com informações
limitadas, sobre questões que, a priori, parecem óbvias. Há ainda o problema da codificação das
características sociais em cima de dados fragmentados, o que dificulta a construção de um
trabalho sociográfico confiável.
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O trabalho está dividido em quatro partes. No primeiro capítulo a pesquisa se volta
sobre as heranças políticas. A maneira como as representações e as práticas ligadas às relações
familiares influenciaram a decisão de ingressar na política e, através do capital delegado,
serviram de capital político possibilitando essa empreitada. O segundo capítulo volta-se para o
capital profissional e o capital associativo, analisando de que maneira o exercício profissional
tem contribuído como um atalho para o triunfo eleitoral. O terceiro capítulo visa analisar a
militância estudantil e sindical como recursos de entrada no campo político e seus efeitos na 16ª
legislatura da AL. A última parte apresenta algumas considerações acerca do perfil da 16ª
legislatura dados os recursos políticos de seus parlamentares, observando a importância do uso
de múltiplos recursos para assegurar a continuidade do agente na esfera política, a guisa de
abertura para novos questionamentos, pois este trabalho não tem a menor pretensão de oferecer
um tratamento completo ou definitivo do assunto. Escrever sobre política, tomando como base
a progressão de carreira de agentes políticos que ainda estão atuando e construindo essas
carreiras, com dados muitas vezes fragmentados, constitui-se numa tarefa extremamente
complexa. O que importa, acima de tudo, é a possibilidade de que as questões aqui suscitadas
permaneçam abertas e possam suscitar novas questões.
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Capítulo I – Herdeiros na política: entre “vocações” e construções.
Um dos principais atrativos do regime democrático é a crença na possibilidade de
acesso a vagas para todos os cidadãos dentro do aparato político do Estado, na medida em que a
escolha desses representantes é feita mediante voto popular. Diferente de outros regimes
políticos, nos quais há um predomínio do uso da força físico-militar, a atividade política na
democracia abre espaço para uma luta de caráter simbólico acerca do sentido das coisas,
manifesta através de diferentes competências (GAXIE, 2004: 11). Os embates políticos
emergem dentro de condições peculiares, sob certos determinantes econômicos e sociais, onde
se estabelecem os cortes entre os agentes politicamente ativos e os agentes politicamente
inativos.
Segundo Pierre Bourdieu (1996a: 31), o campo político é o lugar em que se
organiza a competição em torno do controle do aparelho do Estado, um espaço onde se
constituem relações de poder e de dominação. Mas o campo também é um mercado onde a
vida política pode ser descrita segundo a lógica da oferta e da procura, um lugar onde são
gerados, na concorrência entre os agentes que estão envolvidos, produtos políticos, problemas,
programas, análises, conceitos, acontecimentos, aos quais os cidadãos comuns, devem escolher
como meros consumidores.
Entretanto, as relações de força dentro de um campo político dependem do
reconhecimento, da capacidade de angariar apoio e votos dos mais diversos grupos e
instituições, através de redes sociais tecidas a partir de múltiplos recursos. Mas o que leva
determinados indivíduos a acreditar que estão aptos para desempenhar esta tarefa? Que
mecanismos e modalidades de recursos sociais os colocam em condição de legitimar sua
posição de representantes políticos dentre tantos candidatos à ocupação de cargos eletivos?
O período eleitoral, ou, usando o conceito de Moacir Palmeira, o “tempo da
política” é a ocasião, por excelência, em que os agentes buscam legitimar a condição de
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representantes do povo, reafirmando suas posições nas suas diversas esferas de atuação, tendo
como fim o uso político dos recursos sociais de cada uma dessas esferas. O voto, que segundo
Palmeira (1992 e 1996) tem, para o eleitor, o significado de adesão, isto é, de posicionamento
social; é caracterizado por Gaxie (apud GRILL: 2008), numa analogia entre o mercado político
e o mercado econômico, como uma transação condicionada pelas disposições sociais dos
agentes em disputa.
No meio desses embates, a transmissão e apropriação de patrimônios políticos
acumulados por grupos familiares emergem como um trunfo eleitoral, através da valorização de
“tradições políticas familiares”. O recrutamento de novas lideranças no seio da própria elite
política e a conseqüente transmissão do poder entre membros da mesma família ou de parentela
simbólica apresenta-se como um dos caminhos de resgate ou perpetuação do reconhecimento,
pois a reclamação da qualidade de “especialista político” está diretamente ligada aos
movimentos de retenção de “tradições familiares” dentro do espaço político.
Quadro 01. Distribuição de parlamentares com parentes na política x posicionamento
geográfico:
Parentes na PolíticaCapital 04Interior 11Capital + Interior3 02Sem vínculo c/ parentesco 09Total 26
Fonte: Entrevistas e Repertórios Biográficos
3 A projeção política de uma família em dois espaços distintos, simultaneamente, pode ser justificada pela quantidade de membros atuantes na política diacronicamente, como é o caso da família Franco. Entretanto, o segundo caso apontado, revela uma dinâmica diferente, de construção de uma nova “tradição familiar” com uma base eleitoral no interior do Estado. Essa dinâmica, cada vez mais freqüente, implica disputa do poder executivo de determinado município após o agente ter alcançado um posto de maior destaque como Deputado Estadual.
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No universo da 16ª legislatura da Assembléia Legislativa de Sergipe, 65,3% dos
parlamentares estiveram imersos em uma ambiência política dentro do domínio familiar, fator
que os tornam herdeiros políticos em potencial de alguns recursos sociais. Na definição de
Patriat (apud GRILL: 2008), a “herança política” é uma forma de atuação política que se
sustenta sobre vínculos de parentesco consangüíneo ou por aliança. A projeção dessa herança
pode tanto ter um alcance mais amplo, atingindo todo o Estado, como se organizar,
fundamentalmente, em seus municípios, a depender da quantidade de recursos mobilizados. Os
herdeiros dessas “tradições” não se constituem em membros de um grupo homogêneo. Ao
contrário, antes de se lançar numa disputa em nível estadual, 76,4% deles precisam reafirmar
sua força política em âmbito local, considerando as peculiaridades de cada disputa municipal,
porque nem sempre essas famílias possuem hegemonia política no seu município, o que implica
no enfrentamento com outros grupos ou famílias que lhes polarizam na instância local.
A origem familiar dos agentes remete à essência do conceito de habitus – interações
que permitem incutir nos agentes sociais disposições duráveis, competências treinadas,
inclinações estruturadas para pensar, sentir e agir de determinada maneira, influenciando suas
respostas às coações e requisições do meio social em que vivem – sendo perceptível através de
elementos como profissão dos pais, nível de escolaridade, a rede de relacionamentos e o lugar
de nascimento, entre outros.
Na política municipal, o predomínio de lideranças pessoais imprime às suas
eleições um caráter personalista, segundo o qual, ser natural de outra localidade (“forasteiro”,
termo comumente utilizado) é demérito. A delimitação do território sob a bandeira
municipalista, busca sua afirmação sobre ‘lealdades primordiais’ vinculadas à solidariedade
familiar, ao parentesco, à amizade e à vizinhança. Apesar disso, ser conhecidíssimo em
determinada região não basta como garantia de elegibilidade. Segundo Palmeira (1996: 46-47)
a lealdade na política é um compromisso estabelecido, sobretudo, pelo vínculo pessoal, através
de “múltiplos fluxos de trocas”, pequenos favores liquidados ao longo do tempo. O modelo
favor/ajuda não representa necessariamente uma promessa explícita de voto, mas sim um
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vínculo tácito criado com o eleitor, que faz com que a sua resposta emocional seja votar
naturalmente no seu benfeitor.
A identificação familiar impregnada no sobrenome e nos laços consangüíneos cons-
titui conexões com espaços de reconhecimento sócio-políticos pré-definidos, através de diver-
sas formas de interações e pressões sociais. Os métodos de acumulação e transferência da he-
rança política baseiam-se na reputação coletiva familiar e nos alicerces de fidelidade acumula-
das pelo grupo familiar, como é possível perceber através da fala da deputada Susana Azevedo:
“Na primeira vez em que disputou eleição no ano de 1988 pelo PFL, foi eleita em 6º lugar. Reconhece que esta conquista deve muito a seus pais, ao tio Gui-do Azevedo e aos amigos. ‘Poucas pessoas me conheciam. Eu era a filha de Tertuliano Azevedo. O nome da família pesou muito na primeira eleição’”. (Depoimento da Deputada Susana Azevedo em entrevista concedida ao jorna-lista Osmário Santos, publicada no Jornal da Cidade em 12/03/1995).
O gênero também é um indicador que afeta significativamente a escolha das carrei-
ras. Segundo Bourdieu (2001), os efeitos sociais da ação familiar, das lógicas impostas pelas
censuras veladas e pelas afirmações categóricas também determinam a divisão de trabalho entre
os sexos, a partir de ações educativas, que influenciam de forma preponderante a busca do reco-
nhecimento.
“A ação educativa (...) acaba se exercendo de forma privilegiada so-bre os meninos: especialmente estimulados a adquirir a disposição para entrar na illusio originária cujo lugar é o universo familiar, eles serão, por conta disso, mais sensíveis à sedução dos jogos sociais que lhes são socialmente reservados e possuem como móvel de interesse uma ou outra dentre as diferentes formas de dominação”. (BOURDI-EU, 2001: 203).
Embora as estratégias familiares priorizem os filhos, homens, o número de vagas
ocupadas por mulheres na Assembléia Legislativa aumentou de 15,38% em 1999 para 23% em
2003, percentual que se manteve na 16ª legislatura.
22
Gráfico 01. Distribuição de parlamentares por gênero:
DISPOSIÇÃO POR GÊNERO
22
20 20
4
6 6
0
5
10
15
20
25
14ª LEGISLATURA 15ª LEGISLATURA 16ª LEGISLATURA
HOMENSMULHERES
Fonte: Dados TRE
É interessante observar que, dentre as seis parlamentares em questão, cinco
conviviam com uma ambiência política no espaço doméstico. Dentre essas últimas, duas
possuem irmãos também políticos; uma tem no irmão – falecido cedo – uma referência
histórica de militância, embora não sejam propriamente contemporâneos; outra possui apenas
irmãs – as quais também se submeteram à aprovação familiar para entrada na política; e a
última, era a filha mais nova em uma família com 16 filhos, cujo pai é qualificado por ela como
feminista4.
A condição de “herdeiro” de uma liderança prévia não é dada naturalmente no
berço. Ela se apresenta como resultado de um processo seletivo interno, pois ao assumir a
condição de “especialista da política” em uma família tradicionalmente atuante no âmbito da
política eleitoral, avoca-se com o sobrenome, não só o reconhecimento do status da origem
familiar, mas também os deveres para com a perpetuação da tradição. A tradição nesse caso não
está relacionada a ideologias ou projetos políticos, mas sim à permanência da família nas
4 .“Ele queria que nós, mulheres, suas filhas, tivéssemos uma profissão e que nos interessássemos por arte, literatura e que fossemos independentes. Nos incentivou a ter opinião própria e defendê-las. Ele era um feminista, defendia e incentivava um papel de destaque para as mulheres. Ele adorava a vida, era um otimista, deixou essa herança". Dep. Dep Tânia Soares (op. cit.)
23
esferas do poder. O processo seletivo, que começa na família, privilegia os membros mais aptos
à disputa, de acordo com as qualidades tidas como critérios de valor para a concorrência com
chances de vitória no campo eleitoral:
“Na casa dos seus pais, política sempre esteve em todas as refeições, no respirar e no transcorrer dos dias. Desde cedo, ajudando o pai em campanhas políticas, deu os primeiros passos fundamentais para a decisão de disputar eleição para a Câmara dos Vereadores. Para se candidatar, teve que ser, inicialmente, aprovada em convenção familiar. ‘Tinha duas irmãs que estavam querendo, mas fui eleita porque acharam que eu era a mais extrovertida, mais comunicativa’” (Depoimento da Deputada Susana Azevedo em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos, publicada no Jornal da Cidade em 12/03/1995).
O esforço para angariar o apoio da família, se é exigido dos filhos, configura-se
numa tarefa ainda mais complexa para os agentes que são recebidos na família através da união
matrimonial com um de seus membros, considerando que o neófito na família não recebeu os
mesmos estímulos passados para os filhos e, sendo genro, também não dá continuidade ao so-
brenome familiar. Nesses casos, o respaldo da família extensa tem quer ser conquistado através
do estabelecimento de relações de confiança, como revela o depoimento do Dep. Augusto Be-
zerra.
“Minha esposa vem de uma família política, então, quando nos casa-mos, comecei a trabalhar, nas minhas escolas, o nome dessas pessoas que eram nossos parentes através de minha esposa. Eram deputados, prefeitos do interior do estado, de Tobias Barreto. (...) Meu gosto pela política surgiu do intuito de ajudar os familiares. Foi quando chegou um momento em que me vi tão envolvido, que resolvi dispu-tar um mandato político. No início foi difícil, porque as pessoas que estavam sempre ligadas à política eram da família da minha esposa, não da minha família, então eu tive certa restrição. Da primeira elei-ção (1986), eu participei sem chance nenhuma. Só participei para ver como era o quadro, sem ter grandes respaldos políticos.” (Depoimen-to do Dep. Augusto Bezerra, concedido em entrevista no dia 18/11/2009, para essa pesquisa).
As virtudes tidas como características do perfil político não são meramente apresen-
tadas aos possíveis herdeiros. Ao contrário, o processo de construção do indivíduo político pas-
24
sa por um processo não-mecânico5 de repetições de disposições transmitidas e herdadas em
consonância com os sentidos práticos no que tange às regras dos jogos sociais e suas recompen-
sas simbólicas.
Em todos os casos, a admiração pelos valores e pela “mentalidade” de alguns de
seus parentes – especialmente do “político fundador” – é evidente. O recrutamento em bases
familiares é quase sempre evocado como uma disposição natural de “carisma” e “vocação”,
diante do qual a transmissão de poder, objetivamente, não tem papel representativo. Os legados
familiares – imbuídos de significado histórico, relações sociais, capitais econômicos, culturais
e políticos – passam a figurar nos discursos, em diversos momentos, como recursos
secundários, subordinados ao “dom”, compreendido como “herança” ou “veia política”.
“Ele [César Mandarino] é neto de Nicola Mandarino, filho de Umberto Napoleone Mandarino, engenheiro agrônomo, que são fazendeiros do Município de Itaporanga D’Ajuda (...) O pai de César Mandarino foi um político tradicional de Itaporanga, tem uma grande percepção dos problemas sociais das camadas mais necessitadas e o filho seguiu a veia política do pai. César foi vice-prefeito aos 22 anos, exatamente. Dentro dessa caminhada que o pai dele já tinha feito lá” (Depoimento de João Amaral, assessor do Dep. César Mandarino, em entrevista concedida para esta pesquisa, em 04/11/2008).
A tradição familiar, construída sobre um conjunto de reputações e bases políticas,
que dão sustentabilidade a esses grupos, é o reconhecimento de um status social. Esse status
confere ao herdeiro o privilégio do reconhecimento e, em contrapartida, exige do mesmo a res-
ponsabilidade de dar continuidade ao “projeto familiar”. A absorção da memória familiar como
um recurso político implica na construção de uma nova identidade social, embora o nascimento
de um novo agente político dentro de uma família de políticos seja sempre apontado como uma
disposição de vocação. Apresentando a perspectiva de Bourdieu, Grill afirma:
5 Segundo Bourdieu, o processo de inculcações de disposições não ocorre de forma mecânica, pois estas passam por uma série de ajustamentos infinitesimais necessários a uma trajetória social. O destaque é dado pelo autor para evitar a interpretação da noção de habitus por meio de uma representação mecanicista da aprendizagem, que pode ver no conceito uma variante social do que se entendia por “caráter”: um destino fixo e imutável. (BOURDIEU; 2001)
25
“A ‘vocação política’ é, então, o produto do encontro entre disposi-ções, investimentos e coações referentes ao espaço político que se define pela aquisição de uma libido social. As recompensas simbóli-cas provenientes da adesão ao universo político dependem da crença no jogo e da predisposição em agir em nome da satisfação em jogá-lo.” (GRILL, 2003: p.119 - 120).
Segundo Bourdieu (2001: p. 200), o processo de formação pelo qual alguém se tor-
na aquilo que é – camponês, padre, professor ou político – é prolongado, continuo e insensível,
mesmo quando sancionado por ritos de passagem. Começa na infância, em alguns casos antes
do nascimento, mobilizando o desejo socialmente elaborado dos pais e prossegue sem grandes
conflitos, na maior parte das vezes. Nos relatos dos parlamentares, um ponto em comum, acer-
ca de suas relações de parentesco, não raro os caminhos pelos quais a família enveredou são
destacados pelos mesmos não como uma influência sobre a decisão de trilhar a mesma senda,
mas sim, como se esta fosse a estrada natural por onde deveriam seguir. O relato do Dep. An-
dré Moura é o melhor exemplo dessa “hereditariedade profissional” constituída no interior do
grupo familiar transformado em libido social:
“A minha infância, (...) foi convivendo com política dentro de casa. Meu pai se elegeu vereador, se elegeu deputado estadual em seu primeiro mandato em 1978, na oposição; em 1982 foi reeleito deputado no grupo de oposição, defendendo a candidatura de João Alves. (...) Em 1990, meu pai foi candidato a deputado estadual. Eu tinha na época 18 anos e já tinha um envolvimento político, porque com 14, 15 anos eu já acompanhava meu pai. Eu viajava com meu pai para o interior, eu andava com ele aonde ele ia ao interior do Estado, quando eu não estava estudando, (...) Minha mãe até reclamava porque eu não queria ir à praia, brincar com os amigos, ir ao shopping... Eu não queria, eu queria ir com meu pai para o interior do Estado, para onde ele ia, aqui na capital, fazer o programa de rádio de manhã cedo, ele fazia aquelas campanhas sociais de arrecadação de doações para pessoas carentes, eu ia com ele. Então eu trocava esse momento de ir pra um cinema, ir pra uma praia, ir para o shopping, sair com os amigos e jogar bola, pra acompanhar meu pai politicamente, que era o que eu gostava de fazer.”. (Depoimento do Dep. André Moura em entrevista concedida para esta pesquisa em 04/06/2008).
Também no Deputado João das Graças é assinalado o ‘gene’ da política na família,
que assegura a perpetuação da mesma no controle do aparato administrativo de um município.
26
Essa necessidade de perpetuação fomenta o surgimento de lideranças políticas dentro da
família, como forma de garantir a coesão e a unidade política por um período sem contestação.
A dinâmica da política municipal, pela proximidade dos municípios vizinhos e convergência
de problemas, logo assume um caráter regionalista, neste caso, abrangendo todo o sertão
sergipano, estabelecido como base política.
“O primeiro prefeito da história de Graccho Cardoso, em 1950, foi um tio do Dep. João das Graças, José Eunápio dos Santos6. O seu pai foi prefeito em 1976, Humberto Joaquim dos Santos. De lá pra cá a disputa política foi praticamente em uma família. (...) Acho que [a decisão de entrar para a política] está no sangue, porque ele [João das Graças] sempre foi um cara de andar no sertão, conhecidíssimo naquela região [Graccho Cardoso, Aquidabã, Glória e Porto da Folha]”. (Depoimento de Humberto dos Santos Junior, irmão e assessor do Dep. João das Graças, em entrevista concedida para esta pesquisa em 05/11/2008).
Ainda sobre os laços familiares, Mattei Dogan (1999: 192-193) sinaliza a
transmissão hereditária, no caso francês, como uma possibilidade dos filhos da nobreza,
grandes proprietários rurais perpetuarem a condição de status familiar. O ponto em comum com
o caso local é que, assim como os nobres franceses em seus “feudos”, os filhos de políticos do
interior do Estado, notadamente proprietários de terra, costumam ter uma boa votação em sua
“região”. Dogan aponta ainda para um outro tipo de “vocação hereditária”, distinta das
anteriores, a vocação oposicionista, manifesta no seio da burguesia francesa, notadamente
republicana. É possível fazer uma analogia deste com outro fenômeno: a emergência de uma
tendência oposicionista, entre os agentes oriundos da chamada “classe média”, filhos de
profissionais liberais, envolvidos direta ou indiretamente nas lutas pela democratização do país,
no período da ditadura militar. Segundo Reis (2001), a reivindicação de um “pertencimento
geracional” por agentes que ingressaram na política nos movimentos de contestação ao regime
6 José Eunápio dos Santos, também conhecido como “Gato”, vereador do município de Aquidabã, foi o emancipador do município de Graccho Cardoso, antes Povoado do Tamanduá. Ele foi também o primeiro prefeito. Também foram prefeitos do município seu irmão Humberto (pai do Dep. João das Graças); seus sobrinhos: Moisés dos Santos, João, Erílio e Eunápio; e o marido de sua sobrinha, Gisélio. Em referência ao político-fundador, esse agrupamento político é conhecido em Graccho Cardoso como “os Gatos”.
27
militar manifesta-se como a apropriação desses repertórios de mobilização, com o fim de
legitimar a ocupação de posições em diversos domínios. Isso só foi possível em função da
dinâmica de reformulação exigida pelo momento de crise, aliado à expansão do espaço dos
possíveis políticos e intelectuais.
Três parlamentares reivindicam para si uma ascendência oposicionista de
contestação ao golpe de 1964 e ao regime militar. Ao avocarem tal “tradição de lutas
democráticas”, os discursos dos parlamentares sublinham, de outro modo, a importância do
uso do passado como trunfo eleitoral. Enquanto os “herdeiros” usam o passado através da
valorização do sobrenome familiar, da “vocação política” e dos vínculos de lealdade, os agentes
que reivindicam esse “pertencimento geracional” buscam com isso a sua legitimação como
agente político ao oferecer às comunidades um sentimento de identidade ligado a fatos
históricos. A representação do período de transição para a democracia no Brasil foi
acompanhada pela construção da imagem de “heróis” cotidianos em prol da liberdade, mártires
ou não, incorporada nos discursos políticos dos que avocam para si a bandeira oposicionista,
ainda que as a própria configuração de oposição seja redefinidas em função de diferentes
configurações históricas. O caso da Dep. Ana Lúcia, cujo irmão, o poeta Mário Jorge – já
falecido – foi preso e torturado durante o regime militar pode ilustrar uma conjuntura histórica
propícia à gestação de novas lógicas de legitimação política.
“A minha casa sempre acolheu as pessoas que passavam por aqui clandestinamente no período da Ditadura Militar, inclusive artistas perseguidos pelo golpe militar, a exemplo de Gonzaguinha e Reinaldo Gonzaga, que foram hóspedes da minha casa, depois de terem sido presos pelo fato da peça que vieram apresentar ter sido considerada subversiva, no final de década de 60”. (Depoimento da Deputada Ana Lúcia em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos, publicada em 25/05/2002, no portal Infonet).
Não só os exemplos dentro de casa, mas também as dificuldades enfrentadas pela
família são destacadas, como forma de reafirmar o “pertencimento geracional”, valorizar a
política como “vocação” e as conquistas posteriormente alcançadas:
28
“Da infância, muitas marcas ligadas à política. Seu pai foi cassado pelo Golpe Militar de 1964 e houve a necessidade de mudança de cidade. ‘Tivemos que nos mudar para o Rio de Janeiro, onde tudo era difícil, porque ninguém oferecia emprego a um comunista’”. 7
(SANTOS, 2002, p. 750).
Uma forte influência familiar foi relatada de forma emotiva pela Dep. Tânia Soares.
Mergulhando nos espaços e nas experiências do meio familiar, ela reconstrói a sua bagagem de
heranças:"Papai verdadeiramente era um intelectual, um sonhador, um humanista, um comunista. Foi dirigente do "Partidão" em Estância: Prestes e Gregório Bezerra contaram com sua ajuda para se esconder e fugir da repressão quando passaram por Sergipe. Por sua vez, papai contou com a ajuda de grandes empresários, seus amigos, para ajudar a seus companheiros em fuga. Sempre fugindo da repressão, papai chegava se esgueirando nas fazendas da família da minha mãe para fugir nos mangues da fazenda do meu avô, ou nos Pilões da minha tia Nininha, irmã da minha mãe. (...) Ele foi preso em 54 [sic] e ficou na carceragem da Marinha, ali na Rua da Frente, na mesma cela que seu Bittencourt, ferroviário comunista e muito meu amigo hoje. Eu tenho muito orgulho da herança que meu pai me deixou: a sua visão de mundo, uma visão universal, de igualdade, de solidariedade, de amizade, de desprendimento e de gostar de todos sem distinção. Ele me deixou a certeza de que o mundo estava sempre em evolução e que o nosso papel era lutar para construir esse mundo novo. A maior alegria do meu pai foi eu ter entrado pro PC do B, ainda em 1982. Ele queria que nós, mulheres, suas filhas, tivéssemos uma profissão e que nos interessássemos por arte, literatura e que fossemos independentes. Nos incentivou a ter opinião própria e defendê-las. Ele era um feminista, defendia e incentivava um papel de destaque para as mulheres. Ele adorava a vida, era um otimista, deixou essa herança" (Depoimento da Deputada Tânia Soares em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos, publicada em 07/02/2006, no portal Infonet).
Um valioso elemento para a formação de lideranças políticas é o potencial do agente
em arregimentar apoios de outras lideranças políticas, definindo-se como um mediador legítimo
de um grupo, em diversos espaços, lógicas e contextos. Nesse sentido merece algum destaque o
levantamento da origem social e familiar da Dep. Celinha Franco.
7 Depoimento da Deputada Susana Azevedo em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos publicada no Jornal da Cidade em 12/03/1995 e posteriormente no livro Memória dos políticos de Sergipe do século XX. Grifo do autor.
29
Filha de Manoel do Prado Franco e Maria Ribeiro Franco, Celinha Franco sempre
esteve “cercada de personalidades políticas”. Seu pai foi por três vezes prefeito de
Laranjeiras, município de Sergipe. Seus tios paternos, Albano e Walter Franco, ocuparam
diversos cargos eletivos de destaque na arena política. O primeiro foi presidente da CNI
(Confederação Nacional das Indústrias), Deputado Estadual, Senador da República e
Governador do Estado de Sergipe. O segundo foi Senador e Deputado Federal. Por sua vez, o
seu avô, Augusto Franco, foi deputado federal (1967-1971), senador (1971-1979) e governador
de Sergipe (1979-1982), só para citar as linhas mais próximas da árvore paterna.
Segundo Ibarê Dantas (2002: 212), a família Franco tem como prática a
diversificação dos investimentos econômicos, assim como dos investimentos políticos,
incluindo a pluralidade partidária dentro da família como estratégia de manutenção de poder8. É
possível atribuir à família Franco uma projeção no espaço político local e nacional e,
consequentemente, inferir diferentes capitais acumulados ao longo de gerações, capaz de
promover reconversões favoráveis à trajetória política de seus descendentes, aos quais cabe a
tarefa de atualizar este capital, por mais que a família possua um notório reconhecimento e
trânsito nas esferas de poder. A construção da tradição política exige algumas pré-condições,
tais quais a aceitação desses agentes como referência no campo político, ainda que local; a
fixação dessas referências no imaginário social ao longo do tempo e o reconhecimento desses
papéis no que tange um passado comum.
Segundo Saint Martin (2008), cada grupo de elites incorpora estratégias de
reprodução específicas tendo em vista a manutenção de sua posição e a perpetuação através de
seus descendentes. A principal característica comum aos diferentes grupos de elites é o
acúmulo das diferentes espécies de capitais: capital econômico, escolar, cultural, social, poder
simbólico. É, sobretudo, a “obsessão pela transmissão” desses capitais. “Para se entrar no
estreito círculo das elites é necessário aquilo que não se pode adquirir, o tempo”. (SAINT
MARTIN: 2008; 57)
8 Dantas aponta para a ida de Antônio Carlos Franco para o PMDB em 1997, “formando um aglomerado heterogêneo de políticos circunstancialmente juntos para fins eleitorais” (DANTAS; 2002: 212).
30
De acordo com Grill (2008: 129), a constituição de heranças políticas se baseia em
certas percepções sobre as quais as redes de reciprocidade e as relações de parentesco possuem
um peso significativo como matriz de relações sociais passíveis de serem reconvertidas em
capital político. O reconhecimento do status e do valor de um patrimônio familiar manifesta-se
não só como uma benesse, mas também como um ônus, devido ao montante de deveres
impostos pela tradição do nome que carrega. Barros Filho (2007: 33-34) ressalta a natureza
subliminar ou, em suas palavras, “desinteressada” de como se processa o investimento
familiar nos filhos, seja na instituição escolar, seja na interiorização dos gostos específicos,
cujo resultado de sucesso é identificado na percepção de vocações e no posterior
desenvolvimento desses “talentos naturais”.
Segundo Bourdieu (2002: 68), as redes de relações, mesmo as relações de
parentesco, não são um dado natural, nem mesmo um dado social, mas sim, o resultado de um
processo de conservação e de estabelecimento, consciente ou inconscientemente orientadas no
sentido da produção de relações sociais que possibilitem inserção e reconhecimento em
determinado grupo. Analisando o quadro de origens sociais, a partir da profissão exercida
pelos pais dos parlamentares da 16ª legislatura, é possível perceber a ampliação dessas redes
sociais por estes últimos através do acúmulo de diferentes recursos em sua trajetória. Dentro
do universo das informações levantadas acerca da atividade profissional dos pais [22 de 26
parlamentares], embora apenas 18% tenham exercido algum cargo político eletivo, 59% deles
eram homens de posses, cuja rede de relações sociais estendia-se também ao campo da
política. Os outros 41% é composto de agentes dispostos nas camadas economicamente menos
abastadas, cuja principal preocupação era poder sustentar suas famílias, ainda que houvesse
ligeiras mudanças no padrão de vida, definindo a preocupação de alguns como maiores que a
de outros.
31
Gráfico 02. Origem dos parlamentares: Profissão dos pais:
ORIGEM PAIS - 16ª LEGISLATURA
5
2
1 1
2
5
1 1 1
2
4
0
1
2
3
4
5
6
AUTÔNOMO/ S
ERVIÇOS
POLÍTIC
O
POLÍTIC
O/ RADIA
LISTA
POLÍTIC
O/ INDUSTR
IAL
POLITIC
O/ EMPRESÁRIO
COMERCIANTE
EMPRESARIO
MÉDICO
PRORPIETÁRIO
RURAL
SERVIDOR P
UBLICO
NÃO INFO
RMADO
Fonte: Entrevistas e Repertórios Biográficos
Já as mães, que exercem um papel preponderante na formação da família ao
centralizar a tarefa de dona de casa, quer possuam uma atividade profissional ou não,
compõem um grupo de análise mais homogêneo. Dentro do quadro levantado, 68,18% delas
dedicavam-se apenas a cuidar de suas famílias; já 31,82% conciliaram a tarefa de mãe e dona
de casa, com uma atividade profissional; sendo que 13,63% eram professoras. Segundo Brito
(2004: 96) famílias com parcos recursos, a limitação da oferta escolar – particularmente em
cidades do interior – além das desvantagens sociais ligadas ao gênero, conduziam as mulheres
a uma carreira na área pedagógica. Acompanhando o marido que já exerciam mandatos, 9%
delas ingressaram no campo da política, assumindo um cargo público eletivo.
A convivência com a ambiência política permite uma absorção intuitiva do fazer
político, além das habilidades herdadas, em paralelo com todo o investimento escolar e
profissional empreendido pelos agentes. As disposições sociais, os hábitos do meio em que se
32
processa a formação do indivíduo, o treino social e as atitudes que lhes são mais úteis no dia-a-
dia também são socialmente incorporadas, como os saberes e o savoir-faire, que interferem no
rendimento escolar e nas escolhas futuras. Os mesmos saberes não exprimem as mesmas
atitudes e não estão ligados aos mesmos valores: enquanto para uns esses saberes provém da
aprendizagem escolar, para outros, aqueles advêm em primeiro lugar do meio familiar. O
depoimento do Dep. Antônio Passos revela a valorização da formação acadêmica como recurso
a ser reconvertido em capital político, ainda que o exercício da política não fosse empreendido
nas disputas eleitorais:
“Desde criança já pensava em fazer alguma coisa que pudesse ajudar o pai na política 9. ‘A carreira que deslumbrava mais nessa área era o Direito. Só que Chico Passos tinha uma idéia: queria que a gente fizesse Direito, mas não era para o exercício da política. Queria ter um filho no Poder Judiciário. Terminou a gente ficando no Executivo e no Legislativo’ (risos)”. (Depoimento do Deputado Antônio Passos em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos, publicada em 03/05/2006, no portal Infonet).
A socialização dos indivíduos ocorre em diversos domínios da sociedade, como a
cultura, a religião, a tecnologia e a política, nos quais tomam lugar as diversas experiências,
que contribuem particularmente para o processo de construção da identidade social e da auto-
imagem do indivíduo em relação ao sistema político e às instituições da sociedade. Se o
sistema escolar provoca uma eliminação tanto maior, quanto mais se caminha para as classes
desfavorecidas, é pertinente analisar o background escolar dos referidos deputados estaduais.
“Não se pode compreender o modo de funcionamento das elites, a distribuição do poder e as lutas pelas posições de poder sem levar em conta o peso da formação, as instituições de socialização e a concorrência em que estão envolvidos as grandes école e seus ex-alunos, bem como os grands corps. Estudar os sistemas de ensino secundário e superior e as relações das escolas ou universidades com o Estado surge como ponto de partida indispensável a um estudo sociológico das elites. A socialização e a formação dos membros das futuras elites dependem estreitamente das instituições educativas (escolas de elite, privadas ou públicas, grandes liceus, grandes écoles,
9 Grifo nosso, para destacar a fala do jornalista Osmário Santos, da fala do deputado Antônio Passos. 33
etc.) que favorecem a estruturação dos grupos, a constituição de redes e a aprendizagem de modos de gestão das relações e do exercício da autoridade”. (SAINT MARTIN: 2008; 52)
Gráfico 03. Origem dos parlamentares: Instituições de ensino.
TIPOS DE INSTITUIÇÃO DE ENSINO
3
0
5
77
6
0
1
0
1
2
3
4
5
6
7
8
PRIMÁRIO E GINÁSIO CIENTÍFICO / TECNICO OU PROFISSIONALIZANTE
MUNICIPAL
ESTADUAL
PARTICULAR
FEDERAL
Fonte: Entrevistas e Repertórios Biográficos
O levantamento e confirmação dos dados escolares foi uma tarefa difícil, uma vez
que a maioria dos dados foi “garimpado”. Dentro do universo levantado [15 de 26], tanto no
ensino fundamental, quanto no ensino médio10, percebe-se a maior incidência de estudo em
escolas públicas. Alguns fatores contribuem para esse fato: 1) a época em que os parlamentares
fizeram os seus estudos: 88,46% dos deputados têm mais de 40 anos de idade. Para essas
gerações, estudar em determinados colégios estaduais era sinônimo de ensino de qualidade, a
exemplo do Colégio Atheneu Sergipense, durante muito tempo o centro formador da “elite
intelectual” sergipana. Apenas um dos parlamentares não concluiu o ensino médio, optando
por se dedicar ao trabalho na empresa familiar e, posteriormente, à política.
10 Respectivamente, antigos primário + ginásio e científico.34
Gráfico 04. Idade dos parlamentares – 16 ª Legislatura
Idade - Parlamentares 16ª legislatura
02468
1012
Idade 21 - 29 30 - 39 40 - 49 50 - 59 Acima de60
Fonte: Dados TRE
2) A origem 46,15% dos deputados são oriundos de municípios do interior sergipano, na
maioria dos quais a educação básica e o ensino fundamental do primeiro ciclo são cursados em
grupos municipais, devido a limitação da oferta. A necessidade de continuar os estudos
estimula a vinda para a capital, evidenciando uma preocupação da família.
Dentro do universo identificado [14 de 26], oito parlamentares fizeram o curso
científico [ou o curso técnico equivalente] em escolas de prestígio: quatro no Atheneu,
considerado o colégio estadual modelo durante várias décadas; três em escolas particulares
católicas de renome, um deles através de uma bolsa de estudos; e um na Escola Técnica
Federal. Um traço comum da maior parte desses deputados, no que tange à trajetória escolar, é
o itinerário escolar em instituições de ensino com condições privilegiadas.
Do universo total de parlamentares da 16ª legislatura, 80,76% concluíram o ensino
superior, dos quais 20,07% deram continuidade aos estudos: 15,38% fizeram cursos de
especialização em suas respectivas áreas e somente um, o Dep. Rogério Carvalho concluiu os
cursos de mestrado e doutorado. O elevado índice encontrado na variável “formação 35
acadêmica” um perfil “técnico-profissional”, passível de se legitimar, facilmente, como um
“discurso de autoridade” dentro de cada área do saber. Isso é potencialmente válido no que
tange a questões específicas, voltadas, por exemplo, para a área da saúde ou da educação.
Gráfico 05. Nível de escolaridade dos parlamentares – 16 ª Legislatura
GRAU DE ESCOLARIDADE
18
1
3
4
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
SUPERIOR COMPLETO SUPERIOR CURSANDO SUPERIOR INCOMPLETO MÉDIO COMPLETO
Fonte: Entrevistas e Repertórios Biográficos
36
Gráfico 06. Titulação acadêmica dos parlamentares – Cursos da 1ª graduação:
TITULAÇÃO ACADÊMICA - 1ª GRADUAÇÃO
3
4
2
1
2
1
3
1 1 1
ADMINISTRAÇÃO
DIREITO
ENGENHARIA CIVIL
GEOGRAFIA (L
IC)
JORNALIS
MO
MATEMÁTICA (L
IC)
MEDICIN
A
PEDAGOGIA
QUIMIC
A (LIC
)
QUIMIC
A INDUSTRIA
L
A elevada titulação em Direito chama a atenção para a idéia comumente difundida
de que o exercício profissional na área do Direito facilita a entrada na política, entretanto,
cumpre notar que do universo de parlamentares formados em direito 50% exerceu a profissão,
ainda assim por pouco tempo, antes de serem alçados a cargos de chefia na burocracia estatatal
ou eletivo, como é o caso de Antonio Passos e Venâncio Fonseca. Antônio Passos resume
assim a sua trajetória profissional:
“Já formado e inscrito na Ordem dos Advogados, monta escritório e começa a trabalhar juntamente com o colega de faculdade José Afonso do Nascimento. (...) Mais adiante, o advogado Afonso Nascimento deixa o escritório de Antônio Passos. Outros profissionais da área também fizeram parte da história da vida de Antônio Passos como advogado. ‘Trabalhei muito na área civil e criminal’.
Quando completou 18 anos de idade, em 1969, começa a trabalhar como funcionário público estadual, no Instituto de Previdência do Estado (Ipes). ‘Era um escritutário datilógrafo. Depois fui assumindo determinadas funções administrativas. Fui chefe do setor de identificação, chefe da carteira de empréstimo e quando me formei comecei a auxiliar o Dr. Ismael Costa Moura
37
no setor jurídico, mas passamos alguns dias, pois fomos eleitos prefeito da cidade de Ribeirópolis’
Anos depois, volta ao Ipes na condição de procurador. Em 1993, foi diretor de Patrimônio do Estado e no ano de 1994 assume a diretoria financeira da Deso”. (Depoimento do Deputado Antônio Passos em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos, publicada em 03/05/2006, no portal Infonet).
Venâncio Fonseca, por sua vez, ainda que contasse com uma longa tradição
política familiar, inicialmente dedica-se à posição de procurador do Estado, cargo do qual está
licenciado para exercer seu mandato. Já os deputados Armando Batalha e Susana Azevedo
nunca exerceram a profissão. A opção de Susana Azevedo pela titulação em Direito é oriunda
da sua relação com a vida política:
“‘Na Tiradentes, então Faculdades Integradas, o curso superior de Direito. Ingressei no curso de Relações Públicas, tendo concluído dois períodos. Depois fiz vestibular para Direito, formando-me no ano de 1989’. Em vista de sua atuação na política, aplicou os conhecimentos do Direito na vida pública, mas não deixou de fazer uma reciclagem, a exemplo do curso de pós-graduação em Direito Público, concluído no ano de 1993. (...)
Em 1983, [foi] dirigir a creche da Fundação Renascer, antiga Febem. No Cemec, trabalhou de perto com menores carentes, experiência que considera uma das mais proveitosas em sua vida. ‘Pude ver o sofrimento daquelas crianças que tinham saudades da mãe’. Na Febem, passou por vários setores, chegando a ser chefe de gabinete da presidência. Também foi assessora do Cenan, que lida com menores infratores. Passou pela Secretaria de Justiça, chegando a trabalhar no Departamento Penitenciário como assessora e como estagiária de Direito. Assessorou a Secretaria de Administração na época em que era secretário o coronel José Sizino da Rocha. (...) Na casa dos seus pais, política sempre esteve em todas as refeições, no respirar e no transcorrer dos dias. Desde cedo, ajudando o pai em campanhas políticas, deu os primeiros passos fundamentais para a decisão de disputar eleição para a Câmara dos Vereadores”. (Depoimento da Deputada Susana Azevedo em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos, publicada no Jornal da Cidade em 12/03/1995).
Comprovadamente, o exercício profissional nas profissões liberais permite uma
maior reconversão deste como recurso político, entretanto, é o reconhecimento – consciente ou
inconsciente – da importância da titulação e do capital escolar como recurso a ser reconvertido
em capital político, levou o deputado Gilmar Carvalho – que não teve na juventude a
oportunidade de fazer um curso superior – a ingressar no curso de Direito (UNIT). O aumento e
diversificação dos investimentos na aquisição de recursos culturais e escolares se estabelecem 38
como estratégia para ocupação de postos dirigentes. É importante observar que as estratégias de
reconversão dão lugar a deslocamentos no espaço social, através, oras do abandono de posições
instituídas – muitas vezes desvalorizadas ou ameaçadas pelos agentes que há muito as
ocupavam –; oras do acúmulo de posições; ou ainda da entrada de novos agentes em esferas
onde a presença de membros do seu grupo era pouco significativa. Estas estratégias dependem,
em um grau mais amplo, da condição do aparelho reprodução; do nível dos recursos
econômicos, culturais, sociais e simbólicos que os diversos grupos procuram reproduzir; além
da avaliação acerca das oportunidades de conservação da posição ocupada, considerando as
perspectivas em relação ao futuro.
Pensar em perspectivas de futuro nos leva a analisar a estrutura etária da 16ª
legislatura11. Segundo Charle (1987: 55), este dado é tanto mais simples, quanto o mais
ambíguo, porque as tendências demográficas podem afetar o seu significado (aumento
da expectativa de vida, investimento nos estudos para consolidar ou chegar a uma nova
posição) assim como sua trajetória. A idade de admissão seria variável de acordo com a
posição hierárquica de uma categoria em um determinado campo. Ao contrário do caso
francês, estudado por Charle, percebemos um quadro relativamente jovem, na composição da
16ª AL, ainda que os agentes mais jovens sejam notadamente “herdeiros políticos”. A
estratégia adotada pelas famílias é a tentativa de ocupar o maior número possível de cargos
públicos eletivos, simultaneamente, em diferentes esferas: executivo municipal e legislativo
estadual, a fim de garantir apoio a seus projetos políticos.
11 Vide gráfico na página 33. 39
Gráfico 07. Idade de entrada na política eletiva – 1º mandato
IDADE DE ENTRADA NA POLÍTICA ELETIVA - 1º MANDATO
1
6
4
5
10
0
2
4
6
8
10
12
ATÉ 25 26-30 31-35 36-40 41 +
Fonte: ALESE
Observando o gráfico de entrada na política eletiva, apesar de 38,46% dos
parlamentares ter se elegido para o primeiro mandato com mais de 41 anos, isso não quer dizer
que já não tivessem entrado no campo político anteriormente, seja através da militância, de
atuações nas reivindicações sindicais ou das relações profissionais12, revelando uma opção ou
tendência para a política.
Contrariamente à essa tendência de entrada precoce na política, quando a família
está inserida na dinâmica de lutas eleitorais, a opção pelo ingresso no metier político por parte
do Dep. Arnaldo Bispo deu-se de forma tardia, não por uma influência, mas pela “necessidade
de dar sustentação” aos projetos políticos do irmão, Luciano Bispo.
“Em 1982, houve uma questão no município e meu irmão, Luciano Bispo era filiado a um partido só por uma questão de amizade com o pessoal. Eu não era filiado a partido nenhum. Ele sempre foi
12 O uso político das relações profissionais, sobretudo, a entrada no campo da política, faz-se bastante evidente em determinadas profissões, como as ligadas à imprensa, sobretudo quando se faz “jornalismo político”. Mas essa é uma questão a ser analisada com maior detalhamento no próximo capítulo.
40
querido, aberto com os colegas e houve uma questão lá: afastaram o prefeito na época. Meu irmão saiu como candidato, perdeu a primeira campanha, continuou trabalhando e aí se entusiasmou com a política e em 1988 foi candidato a prefeito novamente. Ganhou. Foi prefeito por três vezes no município de Itabaiana. Nesse período eu não me envolvia também. Ele fazia a parte política e eu nunca me envolvi. Em determinado período ele apoiou alguns candidatos e, como diz um amigo meu, a coisa mais certa na política é a traição. Todos que ele apoiou o traíram, seja pra deputado estadual ou deputado federal. Nessas circunstâncias, ele achou que deveria então colocar meu nome. Eu não quis. Resisti, a família resistiu, mas depois eu fui e perdi a eleição por um voto pra deputado estadual. (...) Assumi como desafio, eu fui para outra eleição e me elegi com o dobro dos votos que eu tive na eleição anterior (...) Eu precisava dar um apoio a meu irmão e que ele precisava de uma sustentação, porque ele já estava no terceiro mandato” (Depoimento do Dep. Arnaldo Bispo concedido em entrevista para esta pesquisa em 05/06/2008).
Itabaiana é reconhecida por sua economia centrada na atividade empresarial, além
de ser o quarto colégio eleitoral de Sergipe, com quase 60 mil eleitores13, no qual, no último
pleito, Luciano Bispo foi eleito para o seu quarto mandato com 52,92% dos votos. A
disposição do Dep. Arnaldo Bispo em entrar para o jogo da política se manifesta de acordo
com uma necessidade conjuntural, segundo a estratégia corrente de situar o maior número
possível de “homens de confiança” em cargos que garantam a sustentabilidade do grupo
político. Assim, o agente neófito faz o seu debut na política contando com a influência da
família, que visa angariar o maior número de apoios possíveis, traduzidos em votos. O neófito,
após a sua entrada, utiliza recursos próprios para arregimentar o seu próprio capital político, a
fim de garantir, através das relações atualizadas, a sustentação parlamentar exigida pela
política municipal. As relações familiares sustentam, assim, as práticas de manutenção no
poder municipal através de acordos políticos, reiterados nas redes sociais de apoios externos e
internos, com o objetivo de assegurar o recebimento de recursos no plano da gestão de recursos
para o município. Por outro lado, é o apoio local que assegura a eleição no âmbito estadual.
Logo, fecha-se um ciclo. Se “a coisa mais certa na política é a traição”, se os vínculos
estabelecidos entre deputados e prefeitos são frágeis e podem ser facilmente dissolvidos,
13 Dados da Estatística Eleitoral de Sergipe, divulgada em 2008 pelo T.R.E. – Sergipe.41
manter o maior número de cargos possíveis dentro da família evidencia-se como estratégia de
solidificação desses compromissos.
Segundo Bezerra (1999) um dos aspectos que levariam à ruptura dos laços entre
parlamentares e prefeitos é a ineficiência dos primeiros em conseguir levantar recursos para o
município.A avaliação negativa por parte do prefeito em relação à atuação do parlamentar
também quanto aos benefícios que proporciona pode levar à quebra do compromisso, em
função da situação ser muitas vezes interpretada como falta de consideração ou
descumprimento de acordos. A situação inversa também pode ocorrer, embora não tenha sido
identificado nenhum caso nesse trabalho. Em todo caso, esse também não é o foco da
discussão. Se a conduta é compreendida como traição é certo que a liderança municipal
dificilmente utilizaria de novo os recursos de suas bases para a eleição desse parlamentar.
Um caso de “herança política” por aliança é ilustrado pelo ingresso do Dep. Luiz
Garibaldi na disputa por cargos eletivos. Após o projeto AGLURB (1986), responsável pela
melhoria dos transportes coletivos em Aracaju, Garibaldi foi convidado a assumir a diretoria
técnica da EMURB (1989), onde conheceu Almeida Lima, à época, presidente do órgão. Em
1994, quando Almeida Lima assumiu a Prefeitura de Aracaju, foi convidado a ocupar a
presidência da EMURB, permanecendo no cargo até ser apresentando por Almeida Lima como
seu candidato à Prefeitura de Aracaju. Embora não tenha sido eleito, sua votação foi uma boa
medição de popularidade nas urnas, o que o incentivou a disputar o pleito seguinte, no qual foi
eleito deputado estadual. Embora a sua entrada na política tenha ocorrido pelas mãos do ex-
prefeito Almeida Lima, a transferência de votos – sempre limitada e provisória, ainda que
passível de ser renovada em diferentes pleitos – não pode ser vista como o principal recurso
político, ainda que traga em si um capital simbólico de reconhecimento e de fidelidade. Nesse
caso, a associação com a imagem de competência na ocupação de um cargo público
representou um trunfo primordial para a conquista da representação parlamentar nas urnas.
No que concerne às condições do uso do passado familiar como uma estratégia
política é possível perceber uma combinação maior desta forma de capital com outros recursos,
42
como o uso dos títulos escolares e participação bem sucedida na administração pública, a
exemplo de Rogério Carvalho na Saúde e Garibaldi Mendonça na EMURB, entre outros.
Embora os símbolos familiares sejam fenômenos tão intrínsecos à tarefa de classificação dos
agentes políticos quanto à demarcação de genealogias partidárias e linhagens políticas, é
possível perceber o esforço na diversificação de recursos sociais a serem reconvertidos em
capitais políticos. Esse esforço representa, sim, uma nova dinâmica de recrutamento e seleção,
evidenciando um espaço onde a concorrência acirrada obriga os seus agentes a ampliar o
cabedal de recursos disponíveis, tendo em vista a profissionalização na política.
43
Capítulo II – Do exercício profissional à política como profissão
Na medida em que o prestígio político depende tanto do reconhecimento inter pares
– a fim de assegurar o apoio a candidaturas e alianças políticas – quanto do eleitorado, a
somatória de diversos recursos e experiências proporciona uma maior desenvoltura dos agentes
na arena política. O uso das relações estabelecidas no exercício profissional como recurso
político é compreendido como o estabelecimento de vínculos e de um prestígio profissional,
passível de se estabelecer como uma liderança sem precisar, necessariamente, ser inserido
dentro do campo político por um agente que já atua no mesmo, graças ao reconhecimento de
competências tidas como necessárias ou válidas para o campo político (CORADINI: 2001a).
Embora determinadas profissões sejam vistas como proeminentemente políticas, a exemplo das
carreiras nas áreas jurídicas, em função da arte da oratória; e das carreiras ligadas ao
jornalismo, devido ao forte interesse da imprensa na atividade política (WEBER, 2006), a
concorrência no mercado político privilegia agentes que desempenham múltiplos papéis. Desta
forma, o exercício profissional por si não é suficiente para assegurar sua conversão em capital
político, definido por Bourdieu como:
“(...) uma forma de capital simbólico, crédito firmado na crença e no reconhecimento (…) O capital pessoal de «notoriedade» e de «popularidade» – firmado no fato de ser conhecido e reconhecido na sua pessoa (de ter um «nome», uma «reputação», etc.) e também no fato de possuir um certo número de qualificações específicas que são a condição da aquisição e da conservação de uma «boa reputação» – é frequentemente produto da reconversão de um capital de notoriedade acumulado em outros domínios (…)” (BOURDIEU, 1989: 187-191)
A habilidade em arregimentar seguidores através de uma organização política, é
dinamizada, essencialmente, através da dominação carismática, segundo WEBER (2001: 354) –
o tipo de devoção afetiva evocada por lideranças que manifestam dons intelectuais ou de
oratória que provocam arrebatamento emotivo, justificando assim o destaque de determinadas
profissões no campo da política, ainda segundo o mesmo autor, em A Política como Vocação.
44
Embora o capital profissional, em muitos casos, não seja o principal recurso social utilizado no
campo político, ele representa um trunfo significativo na somatória de capitais. Segundo André
Marenco (1997), a atuação profissional representa um trunfo na medida em que abre um espaço
para a retórica. A linguagem, particularmente política, permite a reconversão de relações
firmadas no exercício profissional em capitais políticos, bem como a imagem de um
profissional competente, apto a resolver problemas com desenvoltura, liderar acordos ou
estabelecer negociações.
Dentre as profissões cujo reconhecimento popular se configura como base de
recursos eleitorais estão as chamadas “profissões liberais”, destacadamente, médicos e
advogados, que estabelecem com seus “pacientes” e “clientes” uma relação baseada no
“humanitarismo” e, principalmente, no estabelecimento de um vínculo de confiança tendo em
fim a solução de problemas específicos, que necessitam de um especialista. Essa relação de
confiança também é fundamental quando o problema é metafísico e a solução passa pelas mãos
de um padre ou pastor. Em todos os casos citados, o número de pessoas atendidas é
potencialmente grande, considerando-se, inclusive, serem estas as atividades principais dos
agentes.
Há ainda, dentre essas profissões, aquelas que embora não estabeleçam um contato
direto com seus “clientes”, conseguem uma grande repercussão de sua imagem. Por estarem
ligados à mídia, jornalistas e radialistas que atuam, principalmente, como comentaristas
políticos, em programas que oferecem um espaço para as críticas da população, conseguem
utilizar-se da sua atuação no exercício profissional como recurso eleitoral, por serem
“formadores de opinião”. A observação das relações profissionais anteriores ao primeiro
mandato dos parlamentares da 16ª legislatura, nos oferece a seguinte composição de profissões
auto-declaradas: 15,38% de professores [7,69% destes são sindicalistas, ao passo que 3,84%
atuam como empresário do ramo educacional]; 11,53% são médicos [destes 3,84% atua como
empresário no ramo da saúde]; 30,76% são empresários de outros ramos, incluindo pecuaristas;
11,53% são formados em direito, mas apenas 7,69% declaram advocacia como profissão;
11,53% declaram-se administrador; 7,69% atuam como radialistas, concomitantemente com a 45
atividade parlamentar; 3,84% declaram-se pastor como profissão; 3,84% apresentam-se como
operário, embora sua principal função profissional antes do primeiro mandato, fosse
representação sindical e 3,8% declaram-se jornalista, também com passagem pela
representação sindical.
Gráfico 08. Profissões exercidas antes do primeiro mandato:
PROFISSÕES
3
2
9
1 1
3
1 1
3
2
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
ADMINIS
TRADOR
ADVOGADO
EMPRESÁRIO
ENGENHEIRO
JORNALIS
TA
MÉDICO
OPERÁRIO
PASTOR
PROFESSOR
RADIALISTA
Fonte: TRE/ ALESE/ Entrevistas e Repertórios Biográficos
2.1. Os radialistas e jornalistas:
A categoria dos jornalistas atribui para si certa autoridade no espaço social. A
capacidade de falar e serem ouvidos possibilita um sem número de negociações, muitas delas
travadas por meio do discurso. Em função dessas negociações, pela própria natureza de seu
46
trabalho, os jornalistas estabelecem constantemente uma ampliação e atualização de redes
sociais, não apenas como uma estratégia de jogo, mas como uma necessidade intrínseca à sua
existência profissional, parte da regra do jogo. A consolidação dessa rede de relações sociais
permite o acesso à notícia, traduzido em ascensão profissional, quanto maior a sua rede de
relações, pois estas são incorporadas como uma forma de competência profissional. Esta
disposição, fruto da inserção do agente em diversas esferas sociais, possibilita a reconversão de
seus recursos profissionais em capital político de acordo com as redefinições dos mecanismos
de legitimação dos papéis dos jornalistas (PETRARCA: 2008; 175 – 177).
Ao analisar a condição profissional pregressa como indicativo de recursos sociais
passíveis de reconversão em recursos políticos é possível perceber, em um caso específico,
como esta escolha está intimamente relacionada a um projeto de reconversão futura, construído
num longo caminho. A influência de uma concepção romântica do jornalismo baseada no
princípio da responsabilidade social, por um lado, a crença no poder da imprensa como
formadora de opinião, por outro, aliados à necessidade da divulgação de idéias a fim de
angariar simpatizantes a movimentos e causas eram as principais forças motrizes dos jornais
cunho político-partidários, sindicais ou associados a diversos movimentos. É nesse contexto
que se insere a entrada de Tânia Soares na categoria jornalista. Tendo concluído o científico,
abdicou de cursar Ciências Sociais na Universidade da Paraíba – onde havia sido aprovada no
concurso vestibular, em 1982 – a fim de continuar ajudando o PC do B na área de
comunicação:
“A [minha] participação política se deu através do jornal Tribuna da Luta Operária e aí a minha relação com o PC do B. Vendia o jornal aos sábados, às seis horas da manhã, no mercado de Aracaju e na praia de bar em bar. À noite, nos reuníamos para discutir as decisões do partido, que clandestino era proibido de se organizar. Era o início dos anos 80 (...) No período de matrícula desisti. Já tinha responsabilidades políticas com o partido e não queria me afastar. Conversei com o meu pai e ele mais uma vez me apoiou e depois convenci o resto da família (...) Na época, o curso [de Jornalismo] não existia na UFS. Fiz faculdade na Tiradentes. Foi um período bastante movimentado em que atuei na defesa da qualidade do ensino. Em 1996 terminei a faculdade” (Depoimento
47
da Deputada Tânia Soares em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos, publicada em 07/02/2006, no portal Infonet).
A importância da profissão, neste caso, estaria vinculada sobremaneira à
redefinição das relações com a própria profissão, como observa Coradini (2006a: 76), na
medida em que o candidato é apresentado como uma liderança ligada a determinados grupos
profissionais, a serviço de causas decorrentes de uma trajetória de militância.
“[Através do Jornal Tribuna Operária] era a forma que o partido tinha de propagar suas idéias legalmente. Em 1984, fui convidada por um grupo de jovens (Aldo Rebelo, hoje, presidente da Câmara dos Deputados; Javier Alfaia, deputado estadual na Bahia; Fredo Ebeling, ex-presidente da UNE; Clara Araújo, professora da UFRJ e outros), para fundar uma entidade para representar a juventude brasileira que almejava uma sociedade socialista. Assim, surgiu a União da Juventude Socialista (UJS) uma das maiores entidades de juventude da América Latina, presente em todo território nacional.
Já em 1986, novamente em São Paulo, fui convidada por um grupo de mulheres que lutava contra a ditadura e participavam do movimento de anistia para fundar uma entidade feminina autônoma e que representasse a corrente emancipacionista no movimento feminista. A partir desta reunião, fundamos a União Brasileira de Mulheres (UBM). Militei ainda como dirigente sindical no Sintrase.
Participei ativamente de todos os movimentos políticos para a redemocratização do país e do nosso Estado: Diretas Já, Campanha de Tancredo Neves, Fora Collor, Anistia, Reforma Agrária, Voto aos 16 anos, Luta pela Legalidade dos Partidos de Esquerda”. (Depoimento da Deputada Tânia Soares em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos, publicada em 07/02/2006, no portal Infonet).
É possível apreender também aqui uma perspectiva apontada por Oliveira (2008;
111) em seu estudo sobre elites culturais, militantismo e defesa de causas ambientais, acerca da
importância dada por esses agentes em colocar a formação escolar e acadêmica à serviço do
engajamento político ligado a diversos tipos de movimentos sociais como base para sua
formação profissional e para o seu exercício.
Em contrapartida ao longo trajeto percorrido com acúmulo de recursos em diversas
bases sociais, a força do rádio tem sido utilizada por alguns de seus profissionais como um
trampolim para a conquista do êxito nos pleitos eleitorais. A rede de relações constituídas ao
48
longo de anos, no exercício dessa profissão, tem se mostrado em diversos casos um eficiente
atalho para a vitória nas urnas. Os próprios radialistas-políticos admitem a vantagem
competitiva frente a outros candidatos “desconhecidos” oriundos de outras profissões, graças à
imagem construída a partir da relação diária com milhares de ouvintes durante anos. Imagens
comumente associadas a porta-vozes do povo, em programas de cunho político, combativo,
levando questões e problemas da população para o poder público.
“Os locutores e apresentadores da rádio e da televisão dispõem de um instrumento importante de ‘popularização’ da candidatura junto às camadas de mais baixa renda, o que tende a baratear suas campanhas e facilitar o êxito eleitoral. Já os jornalistas tendem a ser mais ‘populares’ numa fatia menor do eleitorado, possivelmente de níveis mais elevados de escolaridade” (RODRIGUES: 2002, 57).
O rádio passa a ser o espaço do confronto, quando as etapas da burocracia estatal
não funcionam ou quando o ouvinte não sabe os caminhos a seguir pra encontrar as soluções
que precisa, no que concerne a questões com o Estado. E o radialista, por conseqüência, passa a
ser o “herói” das camadas populares, aquele que fala sem medo de retaliações, que “mata a
cobra e mostra o pau” 14, como qualquer cidadão gostaria de fazer.
A identificação com as camadas mais populares não param por aí. Em se tratando
dos dois parlamentares-radialistas que ocupam cadeiras na AL, Adelson Barreto e Gilmar
Carvalho, é comum, em seus discursos, enfatizarem suas origens sociais por serem egressos
das camadas sociais mais populares. As dificuldades enfrentadas são expostas como troféus,
marca da identificação com as camadas populares. Adelson Barreto encarna o papel do homem
humilde, que não esquece as suas origens. Embora sua prática seja criticada por Gilmar
Carvalho como “política assistencialista”, suas trajetórias guardam muitas similaridades.
Assim como Gilmar, Adelson Barreto também vem de uma família desprovida de recursos
materiais e também começou a trabalhar ainda criança para ajudar em casa. Entretanto, ainda
14 Bordão utilizado pelo jornalista Fernando José em seu programa de televisão, eleito prefeito de Salvador em 1988 pelo PMDB. Já o bordão do deputado-radialista sergipano, Gilmar Carvalho, é “o cancão vai piar”, em alusão ao pássaro (considerado o observador da caatinga), que pia ao menor sinal de algo estranho para avisar os outros animais.
49
que ambos tenham posições políticas bastante distintas, um ponto comum se destaca: o uso
extensivo do discurso da pobreza.
“‘Para se ter uma idéia, minha família era tão pobre que de madrugada eu já estava acordado para buscar frutas para alimentar meus pais e seus oito filhos. Recebia algumas frutas que não passavam pela seleção dos feirantes. Frutas manchadas, amadurecidas demais, mas todas elas eram indispensáveis em nossa casa diante da situação de pobreza de nossa família’. De tanto ir à Ceasa acabou conquistando um emprego para vender frutas aos 12 anos de idade. ‘Eu chegava em casa da escola por volta da meia-noite, ia dormir à 1 hora, acordava às 3h para estar na Ceasa às 4h para vender frutas’(...) ‘Como não tinha recurso, minha mãe no quintal da nossa residência plantou cidreira. Quando um filho estava com dor de cabeça, cidreira... cortou o pé, cidreira... dor de barriga, cidreira.... Todo tipo de doença o mesmo chá: cidreira, porque era o remédio que a minha mãe tinha. É por isso que as pessoas não entendem o fato de eu entrar na vida pública e amparar, sobretudo, as pessoas carentes. Alguns condenam’”15. (Depoimento do Dep. Adelson Barreto concedido em entrevista ao jornalista Osmário Santos, publicado em 03/04/2006 no Portal Infonet).
De feirante a office-boy da Codise, comerciário e, posteriormente, funcionário da
Secretaria de Segurança Pública após aprovação em concurso de provimento de cargos
públicos, que lhe possibilitou iniciar trabalhos assistenciais em comunidades pobres. O
trabalho assistencial levou-o à equipe de Laércio Miranda, então vereador de Aracaju e
também radialista. A projeção do seu trabalho levou-o a ser convidado a fazer parte da equipe
da TV Jornal, empresa de comunicação do ex-governador João Alves e sua esposa. O
programa, sensacionalista, dividia-se em duas partes, a primeira, policial, apresentada pelo
policial civil Otoniel Rodrigues Amado, o "Bareta" e a segunda, alegadamente de “cunho
social”, apresentada por Adelson Barreto que visitava famílias com dificuldades em suas casas
e conclamava a sociedade a ajudar. O programa recebia doações que eram repassadas para os
necessitados sob as lentes televisivas.
15 http://igc.infonet.com.br/imprimir.asp?codigo=12422&catalogo=5&inicio=24
50
“Nós fazíamos o programa chamado Rede Cidade. Bareta fazia a parte de polícia e eu a parte social. Isso em 1995”. Em 1996 se candidata a vereador de Aracaju pelo PFL. Não tinha carro, equipe na rua, não tinha santinhos. Recebia 500 santinhos do partido e pedia aos colegas que tirassem cópias. “Pensava que daria para uma campanha toda. Que nada, começamos pela manhã e por volta das 9h não tinha mais nada. Me lembro que teve uma grande quantidade de pessoas que tive de colocar o meu número em uma das mãos para servir de lembrete no dia da eleição. Para a minha surpresa, fui o vereador mais votado de Aracaju. Ganhei o primeiro lugar da eleição municipal de 1996. Para se ter uma idéia, naquela época um vereador se elegia com 1.200 votos. Nós tivemos 4.600 votos. Dava para eleger três vereadores. Trabalhei tanto que na última semana amanhecia o dia trabalhando. A eleição foi no domingo e no domingo desmaiei. Fui internado no Hospital São José e quando acordei, na quarta-feira, fui saber do resultado” (Depoimento do Dep. Adelson Barreto concedido em entrevista ao jornalista Osmário Santos, publicado em 03/04/2006 no Portal Infonet).
A exposição midiática representou um trunfo preponderante para o alcance deste
resultado, pois permitiu a aproximação entre os espaços sociais e políticos, entretanto, o
programa, baseado no modelo favor/ajuda concede ao agente, em uma perspectiva subjetiva, a
possibilidade da construção de símbolos de identificação com a clientela-eleitorado, que lhe
permite ser um porta-voz de interesses coletivos.
Acima disso, cria-se um vínculo de gratidão pelo bem recebido, comumente
retribuído com o voto. Atendimentos como medicação, encaminhamento médico, alimentos,
cadeiras de rodas ou quaisquer benefícios ligados à saúde ou que tirem o necessitado de uma
situação de risco, não são “pagos” com o voto apenas pela lógica da retribuição. O sentido do
discurso que o embasa é a possibilidade de oferecer ao agente um instrumental maior – no caso
o do poder público – para assistir mais pessoas. O agente, cujas virtudes são tidas como
necessárias para um representante do povo se faz presente no cotidiano desse cidadão além do
tempo da política; fora do tempo das promessas. Segundo Moacir Palmeira, “a lealdade
política, a lealdade do voto é adquirida via compromisso: (...) a lealdade política tem a ver
com o compromisso pessoal, com favores devidos a uma determinada pessoa, em
determinadas circunstâncias” (1996: 46).
51
Pó sua vez, Gilmar Carvalho conta do primeiro trabalho aos 12 anos como feirante;
dos fretes que fazia com carrinho de mão na frente do supermercado; da venda de picolés aos
domingos no campo de futebol até o primeiro contato com o rádio, no serviço de som da
cidade de Itabaiana:
“Ele [Pereira da Silva, dono do serviço de som] também era um sapateiro. Tinha vindo de Feira de Santana e, por lá, já tinha trabalhado em rádio. Por ser amigo de meu pai, deu-me oportunidade de ficar lendo os comerciais. Ele ficava impressionado, porque eu fazia a coisa toda decorada e chegava a improvisar em cima do texto. Foi aí, na Voz da Cidade de Itabaiana, que iniciei minha trajetória na Comunicação” 16.(SANTOS, 2002: 294).
O reconhecimento popular, entretanto, só se deu através da criação do Programa
Impacto, que o alçou à Rádio Jornal e em seguida à Rádio Liberdade, ambas em Aracaju, cujo
formato se insere no modelo jornalismo-denúncia, além do atendimento aos ouvintes.
“Enche-me de alegria saber que o meu trabalho tem produzido resultados positivos e que não tem sido em vão. Nós resolvemos muitos problemas do povo, sem precisar dar feiras, remédio, mas no próprio encaminhamento de seus problemas. Vou contar um fato. Houve um colapso de água e nós, com ajuda do jurista Carlos Brito, montamos um posto de atendimento às pessoas e elas subscreviam um documento para que servisse de peça para que o Carlos Brito entrasse na Justiça contra Deso. Conseguimos, na época, mais de cinco mil assinaturas, com uma rádio que tinha apenas quilo de potência” 17. (SANTOS, 2002: 296-297).
O uso extensivo do discurso da pobreza como forma de identificação com as
camadas mais carentes do eleitorado une-se também ao ideário do “self-made man”, aquele
que emergiu da pobreza graças ao seu talento, disciplina, persistência e, sobretudo, do trabalho
árduo e honesto. Segundo Pierre Bourdieu (2000: 61), o poder das palavras se estabelece na
relação entre um corpo social encarnado na imagem do porta-voz, cujo discurso de autoridade
16 Depoimento do Dep. Gilmar Carvalho concedido em entrevista ao jornalista Osmário Santos. 17 Depoimento do Dep. Gilmar Carvalho concedido em entrevista ao jornalista Osmário Santos.
52
é reconhecido pelos agentes socialmente moldados para reconhecê-lo como autoridade e como
seus representantes. Daí a importância de centrar-se no ethos do cidadão digno e honesto ser
uma vantagem significativa no plano retórico, construir uma imagem de trabalhador sob os
pilares da honestidade e retidão moral.
O jornalista se auto-referencia e traça estratégias de reafirmação de sua autoridade
na maneira como organiza seu discurso, arrogando-se porta-voz de determinada camada, ao
mesmo tempo em que vincula a sua imagem a valores como “liberdade de imprensa”,
sobretudo, liberdade de expressão. Tal imagem se fortalece diante da difusão de notícias como
o recebimento de ameaças, o que permite o agente auto-refenciar-se não no papel de vítima,
mas no papel de homem de coragem, respeitado pela sua capacidade de enfrentamento. O
discurso do Dep. Gilmar Carvalho ilustra esse tipo de estratégia:
“Gilmar Carvalho fala sobre as ameaças que recebe: ‘ameaças são ameaças veladas, principalmente, do tempo que trabalhei na Capital do Agreste. Acho que foi o início do trabalho jornalístico. Mas, foram ameaças veladas que não chegaram a ser diretas. Depois disso, não recebi ameaças, não. Diziam que iam me pegar, mas nunca chegaram diretamente a mim para isso’. Ele diz que sua família é intranqüilizada por causa da sua postura no rádio: Intranqüilizam até hoje (...) Se fosse no tempo da UDN e do PSD, pelo que Gilmar fala do governador num recente programa, não sairia vivo da rádio. ‘Acredito nisso. Esse rádio que a gente faz hoje, não daria certo no passado. Eu não tenho medo. Mas, se amanhã ou depois, alguém colocar uma arma e eu tremer, quer dizer que não sou doente. Homem frio é um homem doente. Agora digo que não tenho medo, porque tenho uma coragem que dá fé e certeza de que estou fazendo a coisa certa. As autoridades, depois das denúncias, chegam até você. Elas chegam brandas. Entendo que alguma coisa deve mudar. As autoridades precisam entender que elas são empregadas do povo’.”. (SANTOS, op.cit).
A partir do enfrentamento, a utilização da polêmica como um recurso político pode
até ser vista como uma estratégia circunstancial, reafirmando a riqueza daquilo que pode vir a
ser um capital político, se estimulado por acontecimentos peculiares, em dadas conjunturas
histórico-sociais.
53
Cabe aqui observar um episódio específico envolvendo o Dep. Gilmar Carvalho.
No referido episódio, o deputado foi indiciado pela polícia e denunciado pela Promotoria de
Justiça, sob a acusação de ter arquitetado a compra de um Chevette e ateado fogo no veículo
em frente ao Palácio de Despacho, durante uma manifestação de taxistas contra a violência
urbana no final de 2004, gestão do governador João Alves Filho18. O deputado optou pela
renúncia do seu mandato na Assembléia para poder disputar as eleições de 2006, a ser
novamente encaminhado para a Comissão de Ética da AL e correr o risco da cassação, o que
levaria à perda de seus direitos eleitorais por até oito anos19.
Não obstante tenha renunciado, o então ex-deputado e radialista, veiculava em seu
programa de rádio a transferência da responsabilidade de sua decisão para o então governador
João Alves Filho, qualificando-a como “cassação branca” 20. O discurso do vitimizado passa a
ser, mais uma vez, utilizado na arena política sergipana21, como recuso a fim de compadecer o
eleitorado:
“Meu amigo da bancada governista ligou para mim quando eu terminei o programa, disse: ‘Gilmar, você sabe que eu não estive no plenário’. E eu disse: ‘eu sei que você não esteve’. ‘Mas você não queira saber’ e começou a chorar... Um deputado da bancada governista e quando foi falar começou a chorar, pelas pressões que recebeu para ir ao plenário de qualquer jeito para dar coro, para iniciar o processo de cassação do deputado Gilmar Carvalho, chorou, chorou e quase não consegue terminar a conversa comigo. Então se fosse um processo eminentemente jurídico, eu enfrentaria, porque, sobre este episódio, sequer acusação formal contra mim, não há, (...) Então eu não vou enfrentar um processo que é um jogo de cartas marcadas (...) Em nenhum instante eu demonstrei angústia com essa renúncia, nessa medida forçada por instrumento da ameaça da cassação. E eu disse a eles exatamente o seguinte: eu não chorei, nem sinto nenhuma vontade de chorar, porque vocês todos, aqueles, que aqui estão (...) e aqueles que não puderam ouvir, me dão a certeza de que eu não estou só (...) Tiraram-me o mandato, mas não me tiraram a fé, a esperança, o sonho conosco não acabou
18 Fontes: Correio de Sergipe (02/12/2005): http://www.correiodesergipe.com/lernoticia.php?noticia=10584; Cinform (21/11/2005): http://www.cinform.com.br/blog/jozailtolima/40; 19 Fonte: Correio de Sergipe (07/12/2005): http://www.correiodesergipe.com/lernoticia.php?noticia=10721; Infonet (05/12/2005): http://infonet.com.br/politica/ler.asp?id=42155&titulo=politicaeeconomia20 Fonte: Relatório TRE-SE – Representação # 331 – Classe 29. in: http://www.tre-se.gov.br/servicos_judiciarios/acordaos/2006/acordao_0043_06_Rp_0331.pdf21 O mesmo recurso já havia sido utilizado amplamente pelo ex-prefeito Jackson Barreto á época da sua cassação, quando em campanha para eleger o seu sucessor. Vide Dantas (op. cit.).
54
(...) Eu faço um apelo para que você [eleitor] não me abandone” (Fonte: Relatório do processo contra propaganda eleitoral extemporânea – TRE-SE; fls. 14-16 )
O forte apelo emocional evidencia-se nas palavras do radialista, que se apresenta
como vítima de um governo despótico, perseguido por defender o povo, evocando memórias
de práticas associadas ao período ditatorial, ao qual o então governador estivera vinculado no
passado, sempre em tom de denúncia.
“Não tenho a menor dúvida [de que seria cassado pela Comissão de Ética], ia apenas cumprir a formalidade, nós estamos num tribunal político, num tribunal de exceção (...) O que nós temos nesse país são verdadeiros tribunais de exceção”. (Idem; fl. 13)
Apesar de declarar-se vítima e inocente22, Gilmar Carvalho, na campanha de 2006,
utiliza-se de toda a polêmica instaurada em torno de sua renúncia como recurso eleitoral, num
jingle de campanha dúbio, bastante sugestivo e cheio de referências:
“Gilmar Carvalho tá (sic) na área, Sergipe vai pegar fogo Com fé e esperançaNinguém pode lhe parar Tentaram lhe derrubarMas ele está ali de novoNa certeza da vitóriaNinguém vai mais segurar (...). E é fogo, e é fogoNinguém pode derrubar quem luta pelo povo (...).Eu trouxe pra vocês uma novidadeÉ bem diferente, Sergipe vai ver:Gilmar e seu chevette pedem a cidadeNão deixe calar essa voz que luta por você”.(Jingle de campanha veiculado em 2006 23)
Segundo Barreira (2006 b) os rituais intrínsecos às campanhas eleitorais
possibilitam o entendimento do sentido da política em seus mecanismos sociais e culturais,
22 O deputado foi inocentado pelo STJ, o qual decidiu pelo trancamento da ação penal movida pelo MP, declarando a nulidade das provas apresentadas. O julgamento ocorreu em 18/11/2008. Fonte: http://www.nenoticias.com.br/lery.php?var=123866700723 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=LjGyYdx4DSA
55
demarcando tanto os princípios da ordem política estabelecida, quanto a zona limítrofe de
afirmação do princípio de autoridade e negação dos valores de unidade no interior do campo
político. Dissidências, alianças, confrontos comumente mantidos nos bastidores, nesses
momentos emergem.
Destarte, o jingle de campanha resgata a polêmica iniciada um ano antes – e
reacendida exaustivamente pelo radialista, no programa de rádio Jogo Aberto, até a
determinação do Judiciário de não mais veicular propaganda eleitoral extemporânea – como
centro do seu discurso eleitoral. Tendo sido “vítima” de uma injustiça, de uma “cassação
branca”, o radialista trazia no discurso a lógica da “justiça” a ser feita pelo eleitorado a fim de
continuar a tarefa à qual fora incumbido pelo povo e impedido de executar. Simbolicamente,
sua reeleição seria a resposta do povo aos desmandos dos governantes. Na dubiedade do jingle
– que dá margem à interpretação do fato julgado como uma ocorrência verídica – está a
tentativa de angariar a simpatia da camada da população descontente com o governo João
Alves e sua política de segurança pública e da incompreensão das camadas menos esclarecidas
de como atear fogo num bem de sua propriedade poderia se constituir um crime.
A polêmica utilizada como recurso político, pode vir associada a diversos outros
elementos, quase sempre visando transformar ou potencializar a emergência de sentimentos
hostis em relação ao adversário em votos. Esse tipo de capitalização foi estudado por Irlys
Barreira, num cenário político um tanto mais mórbido. Em “Campanhas em família: as veias
abertas das disputas eleitorais” (2006), Barreira evidencia o luto utilizado como recurso
eleitoral, após o assassinato do prefeito de Acaraú. Toda a polêmica foi gerada em torno do
luto, exacerbando sentimentos à radicalização, numa campanha em que a candidata-viúva não
discursava, “chorava com o microfone na mão” marcando o pleito como o espaço de
ressarcimento de uma dívida moral. (BARREIRA: 2006a).
Guardadas as devidas proporções, as campanhas que evocam valores universais
como solidariedade, justiça, fé, liberdade de expressão, encontram um terreno fértil para
multiplicar adesões eleitorais na identificação daquilo que a sociedade projeta como ideal.
56
“Os sentimentos, como matéria de investigação não restrita ao plano das investigações psicológicas, oferecem perspectivas relevantes à análise, considerando-se o contexto cultural de sua ocorrência e o papel que ocupam na dinâmica dos conflitos simbólicos que atravessam o campo da política. Os sentimentos podem ser vistos como dimensão expressiva da teatralidade política, com seus espaços e estratégias de aparecimento público, entre os quais emerge o momento específico das campanhas eleitorais. (...) A conversão dos sentimentos em retóricas da denúncia aciona também valores coletivos, (...) sendo o “julgamento do povo”, através do voto, a afirmação dos mecanismos de credibilidade política. A eficácia política dos sentimentos estaria, portanto, na capacidade de recuperar fortemente as regras de fidelidade e pertença social” (BARREIRA: 2006; 315-316).
2.2. Os médicos e advogados:
O modelo de construção de vínculos afetivos com o eleitorado, baseado no
parâmetro favor/ajuda, também é comumente utilizado por profissionais da saúde e do direito,
se não na forma material, mas de assistência profissional, não é um recurso único. Segundo
Coradini: “As relações estabelecidas no exercício de determinadas profissões são equivalentes ou afins com a política eleitoral e, em segundo lugar, (...) a natureza dessas relações poderiam ser apreendidas enquanto eleitorais ou ‘políticas’, seja pelo profissional em pauta, seja pelos seus eleitores em potencial. É nesse sentido que esse tipo de relação se torna interessante, enquanto um problema no exame da formação prévia de liderança para sua reconversão em recursos eleitorais, visto que se constitui num caso limite que, pelo menos à primeira vista, dispensaria outras formas de mediação e inserção social para o ingresso na ‘política’”. (CORADINI: 2001; 20)
Embora o trabalho tenha em vista a racionalização de diferentes recursos e as
lógicas que os subsidiam, isso não quer dizer que as ações sejam empreendidas pelos
agentes de forma objetiva e consciente. No que diz respeito aos médicos, em alguns casos,
os recursos eleitorais se manifestam tendo como base o reconhecimento pela dedicação à
comunidade e serviços prestados.
57
É o caso da dep. Angélica Guimarães e do Dep. Luis Mitidieri, os quais
desempenharam suas funções profissionais, durante muito tempo, no interior do Estado,
respectivamente, nos municípios de Japoatã e Boquim, angariando assim o reconhecimento
das comunidades em que viviam, através dos serviços prestados à população.
Por outra via trilhou o Dep. Rogério Carvalho, constituindo uma rede de recursos
diferenciada dos seus colegas de legislatura. Embora sua estrada para a política também
partisse da titulação escolar, sobretudo, do movimento estudantil e, posteriormente,
classista, sua trajetória é marcada por um investimento efetivo em capitais escolares, dando
seguimento a diversas especializações, focadas em projetos de políticas públicas para o setor
da saúde; colocados em prática quando assumiu a Secretaria Municipal de Saúde de
Aracaju, combinando o exercício profissional de especialista em Saúde com a ocupação de
cargos na burocracia estatal24, numa espécie de “expansão horizontal”. (CORADINI: 2000).
Apesar da leitura feita pela maioria dos autores acerca da facilidade de reconversão
de recursos estabelecidos no exercício profissional do direito para o campo da política, é
possível perceber no caso sergipano, apesar de 15,38% dos parlamentares terem formação
acadêmica em direito, todos exerceram pouco ou nada esta profissão; tendo sido logo alçados a
posições de comando em órgãos públicos, em função das redes sociais estabelecidas através
das relações familiares.
2.3. Os professores:
Poder-se-ia dizer que a atuação dos professores da 16ª Legislatura fosse
eminentemente classista, não fosse esse um bloco tão heterogêneo. Mesmo os dois agentes
egressos de associações e sindicatos de profissionais do magistério, destacam-se pelo uso de
recursos tão diversos. Enquanto a dep. Ana Lúcia mantém as suas bases no movimento
sindical, o dep. Prof. Vanderlê atua principalmente, tendo em vista a manutenção de suas bases
24 A atuação em cargos técnicos da burocracia estatal será tratada com mais detalhamento num item específico. 58
municipalistas, em São Cristóvão, enquanto espraia suas relações para organizações não-
governamentais com temática ambientalista. De acordo com Oliveira (2008: 216) o
militantismo ambientalista pode ser percebido como uma estratégia de reconversão profissional
para a ocupação de posições de destaque em esferas sociais variadas. No campo da política, as
retribuições advindas do engajamento em movimentos ambientalistas são amplas e plenas de
possibilidades.
A Dep. Conceição Vieira, por sua vez, estende seus recursos a organizações não-
governamentais voltadas para a temática do movimento negro e para questões da mulher.
Apesar das relações dos professores com causas de diferentes setores da sociedade, minorias
sociais ou não, os três possuem um ponto de convergência em suas trajetórias políticas: o
exercício de cargos na burocracia pública, desempenhando a função de Secretários de
Educação25.
Já o dep. Augusto Bezerra, dono de vários colégios em Aracaju, teve no modelo
favor/ajuda o principal instrumento de entrada na política, considerando que, em alguns dos
seus colégios, chegava a ofertar bolsas de estudo de até 100%. Em seu discurso, valoriza a
importância de uma educação de qualidade e divulga o desejo de oferecer “oportunidades
para que o jovem carente de recursos financeiros pudesse concluir o Ensino Médio com
qualidade, preparando-se para o Vestibular e tornar-se universitário, no caminho da sua
independência profissional” (Depoimento do Dep. Augusto Bezerra concedido ao jornalista
Osmário Santos, publicado no portal Infonet).
Segundo Moacir Palmeira, o compromisso estabelecido com o eleitor através do
modelo favor/ajuda fora de período eleitoral cria uma relação personalizada de lealdade, que se
reafirmará no “tempo da política” em forma de voto, porque este se estabelece como uma
forma de adesão. O comprometimento, quase sempre familiar, se manifesta através da
exposição pública do voto, em fachadas pintadas, bandeiras, camisas e adesivos, revelando o
posicionamento social do eleitor, que tende a votar espontaneamente no seu benfeitor, sem que
25 Ana Lúcia foi Secretária de Educação do município de Aracaju; Conceição Vieira, Secretária de Educação do município de Japaratuba e Prof. Vanderlê, Secretário de Educação do município de São Cristóvão, vide anexo.
59
isso se configure, necessariamente em “compra de votos”. Em outro depoimento, desta vez
cedido para esta pesquisa, o Dep. Augusto Bezerra reconhece a relação personalizada
estabelecida com as famílias dos alunos de suas escolas:
“Logicamente, minhas primeiras eleições foram, basicamente, através dos alunos e suas famílias, os quais incentivaram e apoiaram minha candidatura a vereador de Aracaju e daí por diante minha carreira. Na minha escola hoje não estou mais em sala de aula, porém sinto que minha presença mesmo fora de sala de aula tem um significado muito grande”. (Depoimento do Deputado Augusto Bezerra concedido para esta pesquisa em xx/xx/2009)
2.4. Empresários e administradores:
Embora metade do quadro da 16ª Legislatura seja composto de empresários e
administradores, este aspecto não costuma ser destacado em seus discursos, dentro ou fora do
período de campanha política. Apresentar-se como representante da classe empresarial
significa levantar questões e disputas ideológicas baseadas nas teorias de classes, que põem
diferentes grupos – frutos da lógica da representação – num campo dos embates; a qual
resultaria numa estratégia contraproducente, pois inevitavelmente os parlamentares que se
apresentam como empresários têm sua imagem associada a “grupos de pressão” ou “grupos de
interesses”. “Se as relações com o mundo empresarial são tidas como politicamente importantes, eleitoralmente ou como elaboração de imagem há uma espécie de minimização dessa condição de empresário em seu sentido mais estrito. Ao contrário, outros tipos de candidatura tendem a ressaltar a condição social de origem e os vínculos com a mesma como recurso eleitoralmente importante”. (CORADINI; 2001a: 96)
Assim, a utilização de outros recursos faz-se necessária: discursos municipalistas ou
regionalistas; filiações e, principalmente, desempenho em mandatos anteriores, já que 84,61%
desses empresários tiveram passagem prévia por cargos eletivos.
60
2.5. Os líderes religiosos:
A despeito das críticas que advenham da inserção de lideranças religiosas na
categoria profissional, essa decisão foi tomada em cima das formas como os próprios agentes
declararam suas categorias profissionais antes da entrada na política eletiva. Ainda que existam
pastores que digam “pastor não é uma profissão” (Cf. Coradini: 2001; 134), já que as igrejas
evangélicas possuem alguma flexibilidade em relação à esta atividade, pois não requerem
dedicação exclusiva ou profissional, no caso em questão o agente estava à disposição da Igreja,
“fazendo a obra missionária” com dedicação exclusiva. Atualmente, o Dep. Mardoqueu
Bodano, pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, é o único membro das lideranças
religiosas no quadro da Assembléia Legislativa.
Os critérios estabelecidos pela Igreja Universal para o lançamento da candidatura
de determinado membro, exige, primeiramente, que ele não seja um neófito na instituição. Esse
membro deve contar com o reconhecimento dos fiéis, como também deve atuar na mídia. A
exposição midiática é um pré-requisito essencial, pois permite o reconhecimento e
identificação com o candidato-pastor por parte dois fiéis, embora não seja garantia de vitória
nas eleições. O carisma institucional, aliado ao uso massivo dos meios de comunicação
propagando um discurso carregado de elementos morais e característicos da simbologia do
campo religioso repercute positivamente no campo da política, graças ao poder simbólico que
se estabelece na relação de cumplicidade entre aqueles que falam e aqueles que ouvem. “O
poder das palavras só se estabelece sobre aqueles que estão dispostos a ouvi-las e a escuta-
las, em suma, a crer” (BOURDIEU: 2000; 61)
Pastor Mardoqueu possuía a peculiaridade de não ser “filho da terra”, um elemento
considerado negativo em períodos de campanha política, pois denotaria a falta de vínculo com
o local. Entretanto, era detentor das demais virtudes compreendidas pela IURD como
fundamentais para um mediador entre as leis dos homens e a lei de Deus. Em primeiro lugar,
está a empatia com os fiéis, os quais guardam consigo um forte sentimento de identificação
61
relativo às suas origens sociais. A “origem humilde” traduz-se não só como uma trajetória de
“‘sofrimento e proximidade social com os adeptos ou ‘irmãos’” (CORADINI, 2001a: 125),
mas, sobretudo, como um reflexo da sua ‘redenção’, da ‘ação do Senhor’ sobre a sua vida,
caracterizando-o como o ungido ou escolhido, não só pela Igreja, mas por Deus. Em seguida, o
suporte midiático permite a difusão da mensagem, permitindo uma exposição de longo alcance
e conseqüente reconhecimento, mais rapidamente que as pregações limitadas ao espaço físico
da Igreja. “Após esse período, a liderança da igreja – pelo trabalho que realizei nos estados por onde passei e principalmente nos dois períodos em que estive em Sergipe, onde fui o pastor líder do Estado na parte primeiro espiritual e administrativa; pelo trabalho para que o candidato da igreja viesse a ser eleito pelo povo do Estado, com a ajuda do povo da igreja; pelo trabalho executado em meios de comunicação como rádio e televisão – veio ao Estado e executou um levantamento: ‘Se tivéssemos que colocar uma pessoa para ser candidato a um cargo de deputado estadual, quem seria apoiado e indicado pelos pastores e auxiliadores da Igreja? ’. Na época (2000), foi indicado pela maioria que eu voltasse para cá. Eu estava muito bem no Rio de Janeiro, mas me enviaram de volta a Sergipe para me candidatar a Deputado Estadual. Até então eu não tinha nenhuma pretensão política, pelo contrário, em 1998 recebi uma incumbência da igreja: “Escolha o nome de uma pessoa que é filho da terra”. Até então a igreja não havia lançado nenhum candidato ao cargo de deputado estadual, e temiam que houvesse rejeição a uma pessoa de fora. Assim sendo, indiquei o pastor Heleno (...), auxiliei na sua candidatura, percorrendo o estado em campanha. Ele não era conhecido de nome e graças a Deus naquela época ele competiu no partido PTB e obteve 7.736 votos. Assim pude ter um respaldo porque nunca tendo trabalhado com política conseguimos eleger um candidato pastor e membro de uma igreja evangélica que não era conhecido. Esse foi um dos maiores motivos para me trazerem de volta ao Estado. (...) Comecei a trabalhar nas cidades, nas igrejas e em 2002 meu nome foi lançado para deputado estadual.” (Depoimento do Dep. Mardoqueu Bodano, concedido em entrevista para esta pesquisa).
O recrutamento e seleção de elites políticas nos espaços evangélicos operaram-se
seguindo uma lógica de deslocamento de fronteiras e re-significação de práticas religiosas. A
relação entre pastor e sua congregação, baseada no carisma, fortalece o vínculo de dependência
dos fiéis convertidos. Segundo a Igreja, o testemunho do seu líder leva a ‘Verdade Revelada’.
Envolvidos em uma série de discussões morais, os políticos evangélicos buscam uma
62
modalidade de legitimação fundada na ética religiosa, na acumulação de bens simbólicos no
campo religioso, devidamente convertidos para o âmbito político (ORO: 2003).
2.5. Cargos de Confiança:
O uso dos cargos de destaque na administração governamental como recurso de
entrada na política eletiva revela sua compatibilidade de códigos e lógicas sociais. Tal fato se
torna ainda mais evidente na medida em que a administração é bem sucedida. A relação com o
governo também pode funcionar como um trunfo político a depender da circunstância histórica
em que está inserido, mas a condição de evidência em que o cargo coloca o agente é um
diferencial significativo entre ser um técnico, cujo mérito é reconhecido apenas inter pares ou
um técnico a quem compete decisões políticas, cuja competência está submetida ao crivo da
população, que embora não possua o know how das soluções, é capaz facilmente de identificar
os problemas macro, na medida em que se sente afetada.
Em 57,69% dos casos estudados, o exercício de cargos na burocracia estatal
contribuiu significativamente para a consolidação da imagem de competência profissional por
se tratar de atribuições em cargos não-eletivos que exigiam competência técnica e alinhamento
político com o planejamento estratégico do governo, seja ele na administração municipal ou
estadual.
63
Quadro 02. Cargo de ingresso na carreira política
Cargo Quantidade de casosVereador 06Deputado Estadual 07Prefeito 03Cargos Administrativos (nomeação) 10Total 26
Fonte: Entrevistas e Repertórios Biográficos
Em 38,46% dos casos, o exercício de cargos na burocracia estatal representou ainda
a porta de entrada para a política eletiva. De acordo com Grill (2008: 37) a combinação desses
dados com os registros da idade em que os agentes ingressaram no campo político, são
indicativos de um recrutamento precoce ou se este ocorreu seguindo um processo lento e
gradual. Dentro do universo dos agentes que ingressaram na política pública através da
ocupação de cargo público, metade atingiu esse espaço utilizando – entre outros recursos – a
apresentação de sua qualificação técnica e da posse de títulos acadêmicos, enquanto a outra
metade o fez acionando, basicamente, a rede de relacionamentos familiares e/ou político-
partidários, embora exista a possibilidade da ativação de recursos subjacentes.
2.6. De exercício de cargos eletivos anteriores:
É grande o número dos deputados estaduais reeleitos, que investem o capital
político de que dispõem na busca de um novo mandato. 88,46% dos parlamentares da 16ª
legislatura já exerceram mandato por cargo eletivo pelo menos uma vez, possuindo experiência
na política eletiva, como é possível ver na tabela a seguir:
64
Quadro 03. Número de mandatos anteriores à 16ª legislatura na AL
NÚMERO DE MANDATOS ANTERIORES À 16ª LEGISLATURA NA AL
CARGO DEPUTADO VEREADOR DEP. EST. DEP. FED. PREFEITO MANDATOS EXERCIDOS
Adelson Barreto 1 1 2Ana Lucia Menezes 1 1André Moura 2 2Angélica Guimarães 2 2Antonio Passos 3 2 5Armando Batalha 1 2 3Arnaldo Bispo 2 2Augusto Bezerra 1 2 3Celinha Franco 1 1César Mandarino 2 2
Conceição Vieira 1 1Francisco Gualberto 1 1Garibalde Mendonça 2 2João das Graças 1 1 2Luiz Mitidieri 3 3Pastor Mardoqueu 1 1
Paulinho de Varzinhas 0
Professor Wanderlê 0Rogério Carvalho 0Susana Azevedo 2 3 5Ulices Andrade 4 4Valmir Monteiro 2 2Venâncio Fonseca 3 3Zeca da Silva 2 2Gilmar Carvalho 2 2Tânia Soares 2 1 3
Fonte: Entrevistas e Repertórios Biográficos
Dos 26 parlamentares, apenas três não tinham experiência prévia em cargos
eletivos, embora dois deles – Paulinho de Varzinhas e Rogério Carvalho – tivessem
desempenhado a função de secretário municipal e secretário municipal e estadual,
65
respectivamente. Os outros 23 parlamentares que ocupam cadeiras na 16ª Legislatura já
ocuparam cargos de vereador, prefeito, revelando o reconhecimento pela atuação
administrativa ou política desempenhada ou ainda o apelo a este, tendo em vista a legitimação
das candidaturas (CORADINI, 2001a).
É possível perceber na 16ª Legislatura da AL – SE um fenômeno observado em
outros estudos sobre profissionalização política: a concentração de mandatos nas mãos de
poucos agentes e a permanência dos mesmos em cargos eletivos por vários mandatos. (GRILL,
2008). Tomando como base apenas o cargo de deputado estadual tem-se 63,38% dos
parlamentares reeleitos26. Paralelamente, cabe observar27 que 42,30% dos parlamentares
conquistaram o seu primeiro cargo eletivo com menos de 35 anos de idade, um número
levemente inferior ao apresentado nas pesquisas de Grill em relação às lideranças políticas do
Rio Grande do Sul e do Maranhão:
“Com base nos dados coletados é possível observar que mais da metade dos parlamentares dos dois estados inauguraram na carreira eletiva (ocuparam o primeiro cargo conquistado em pleitos eleitorais) com menos de 35 anos. Esse ingresso precoce se torna ainda mais visível quando é considerada a idade detida nos primórdios da ocupação dos cargos (incluindo eletivos e nomeações), quer dizer, 70% dos casos estrearam com idade inferior a 35 anos, mais da metade antes dos 30 anos e entre 23% no Rio Grande do Sul e 25% no Maranhão antes dos 25 anos” (GRILL: 2008; 37).
A entrada precoce na política parece ser um resultado da convergência de itinerários
individuais e recursos familiares adquirem eficácia eleitoral na medida em que: 1) maximiza-se
o investimento da família no reconhecimento do “nome” e resgata na memória coletiva os
“feitos” dos fundadores, valorizando-os como benfeitores locais; 2) Marca a distinção entre os
membros da família, valorizando a “veia política” familiar, ressaltada pela precocidade da
entrada do agente na política – a exemplo dos deputados Paulinho de Varzinhas e André
Moura, cuja precocidade foi estimulada pelo contato direto com o metier político na esfera
26 Vide Quadro 03. Número de mandatos anteriores à 16ª legislatura na AL – pág. 62. 27 Vide Gráfico 06. Idade de entrada na política eletiva – 1º mandato
66
doméstica; 3) Por uma conseqüência natural a essas modalidades de recursos, dado o
reconhecimento inter pares e a familiaridade, o acesso a postos, nomeações, cargos na
burocracia pública e ainda aos órgãos de imprensa são facilitados em função do potencial de
trânsito desses agentes no espaço social. (GRILL: 2008)
Incluindo as nomeações para cargos de destaque político na burocracia estatal, é
possível observar que, em Sergipe, 53,85% dos parlamentares estrearam na política com menos
de 35 anos; 23,07% entre 26-30 anos e apenas 7,69% com menos de 25 anos. Apesar da sutil
diferença, pode-se dizer que os parlamentares sergipanos iniciaram suas carreiras relativamente
jovens.
Gráfico 09. Idade de entrada na política (incluindo cargos não-eletivos)
IDADE DE ENTRADA NA POLÍTICA (INCLUINDO CARGOS NÃO-ELETIVOS)
2
6 6
4
8
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
ATÉ 25 26-30 31-35 36-40 41 +
Fonte: ALESE
Esse fato tornar-se-ia ainda mais evidente se considerada a militância exercida
pelos agentes nos setores sindicais, estudantis ou de movimentos sociais, visto que a ascensão
de partidos tradicionalmente oposicionistas às esferas dos poderes executivo municipal e
estadual (PT e PC do B), propiciou uma abertura para a estréia de militantes já experimentados
67
na retórica política como novos agentes na burocracia estatal e, posteriormente, nas campanhas
eleitorais.
Quadro 04. Cargo de ingresso na política eletiva
Cargo Quantidade de casosVereador 6Deputado Estadual 15Prefeito 5Total 26
Fonte: ALESE
Ao analisar o primeiro cargo eletivo conquistado urnas é possível perceber que a
maioria dos parlamentares iniciou a sua carreira eletiva na Assembléia Legislativa. Tomando
este universo de deputados estaduais que iniciaram a sua ocupação de cargos no topo há
hierarquia política, é possível perceber que 66,7% deles exerceram um cargo político por
nomeação na burocracia estatal, sugerindo um peso significativo da máquina administrativa
sobre as eleições. “Quando se observam os percursos políticos seguidos pelos agentes que iniciaram suas carreiras em posições periféricas (principalmente vereador) e alcançaram posições de destaque na política estadual (como é o caso do cargo de deputado federal), evidencia-se um espaço político mais competitivo e aberto. Quando prevalece o “ingresso por cima” na carreira política eletiva, quer dizer, diretamente pela ocupação de cargos mais altos na hierarquia política, o controle e a seleção prévia por parte dos agentes já estabelecidos ou das máquinas políticas se mostram decisivos”. (GRILL: 2008; 40)
No caso do Rio Grande do Sul – embora o período estado seja maior que o nosso
(1945-2006) – Grill observou a existência de um processo de diversificação social e a
68
tendência à ampliação do acesso à “elite” política, ao passo que no Maranhão o acesso à aleite
política revelou-se mais restrito.
A reduzida proporção de eleitos sem experiência legislativa ou administrativa
prévia parece indicar a cristalização de certos pré-requisitos para o ingresso nesse espaço
político. Conquanto os dados não sejam unidimensionais, há indicações do aumento dos
deputados estaduais eleitos com experiência pregressa no âmbito da política municipal –
vereadores, prefeitos e vice-prefeitos de cidades interioranas, secretários municipais. Talvez
reflexo de uma oportunidade provocada pelo calendário eleitoral. O vereador que se candidata
a deputado corre poucos riscos políticos, pois, caso derrotado, preserva seu mandato. O mesmo
acontece com o deputado que se candidata à eleição para as prefeituras municipais.
É importante lembrar a observação de Coradini (2001): para que o uso dos cargos
públicos como critério de legitimação seja possível, faz-se necessário um critério de seleção
prévio no qual uma série de recursos como origens sociais, vinculações locais, militância
partidária, atuações assistenciais ou filantrópicas e condições profissionais foram usados.
A ocupação prévia de cargos políticos eletivos como recurso eleitoral permite o
eleitorado a avaliação da atuação do agente no mandato anterior, mas também permite ao
agente o fortalecimento de diversas bases sociais e acessos que não teria se não tivesse
investido num cargo eletivo. Contudo, é possível perceber ainda uma atuação no sentido não só
da manutenção dos cargos, mas do seu monopólio. Observando o quadro abaixo é possível
identificar que na Assembléia Legislativa de Sergipe 61,54% dos parlamentares possuem
parentes que construíram carreiras na política eletiva. Nesse conjunto, 42,30% possuem
ascendentes que exerceram ou exercem cargos políticos; 15,38% possuem membros da família
extensa – entendendo-se como família extensa os parentes pela via matrimonial: sogros,
cunhados, genros, marido de sobrinhas, etc. – que atuam ou atuaram em cargos públicos;
3,85% possuem descendentes exercendo um cargo público e 30,77% têm membros da mesma
geração no exercício da política em cargos eletivos.
69
Traçando um comparativo com os dados apresentados por Grill acerca do
monopólio de cargos eletivos nas “famílias de políticos” no Rio Grande do Sul e no Maranhão,
vê-se que em Sergipe o índice de parlamentares cujos ascendentes exercem ou exerceram
cargos políticos é maior que nos outros dois estados da federação acima citados,
respectivamente, 25% e 30%; o número de descendentes é consideravelmente maior, 16% no
Rio Grande do Sul e 22% no Maranhão; já o número de membros da mesma geração tem um
índice equivalente: 31% no Rio Grande do Sul e 40% no Maranhão.
O monopólio de cargos políticos e de cargos eletivos revela-se, em períodos de
campanha, um trunfo significativo, em função da possibilidade de utilização da máquina
administrativa, ainda que esta prática esteja impregnada de uma conotação negativa,
permitindo inúmeras críticas por parte dos adversários políticos.
Quadro 05. Parlamentares com parentes que atuam ou atuaram na política eletiva
Parlamentar Ascendentes Descendentes Mesma geração Família extensaAdelson Barreto Ana Lúcia André Moura 2 Angélica Guimarães 1 Antonio Passos 1 Armando Batalha 2 Arnaldo Bispo 1 Augusto Bezerra 1Celinha Franco 5 1 César Mandarino 1 1 Conceição Vieira Francisco Gualberto Garibaldi Mendonça João das Graças 2 3 1Luiz Mitidieri 1 1Pastor Mardoqueu Paulinho de Varzi-nhas 1 Prof. Wanderlê 1 1
70
Rogério Carvalho Susana Azevedo 2 Ulices Andrade 1 1 Valmir Monteiro Venâncio Fonseca 1 1 Zeca da Silva Gilmar Carvalho Tânia Soares 1
Fonte: Entrevistas e Repertórios Biográficos
O acúmulo de diversos recursos – “herança política”; o capital escolar, com base na
titulação, o capital profissional proveniente do exercício da profissão, bem como também a
ocupação de cargos públicos – revela-se de importância fundamental para formação de
lideranças na medida em que se avança na construção de uma carreira política, pois representa
a possibilidade de ampliação das bases eleitorais a outros segmentos da sociedade.
Embora guarde distinções, pela natureza da profissão, os princípios de adesão que
dão legitimidade à candidatura de padres, pastores ou membros de seitas religiosas possuem –
pelo alcance a diversas esferas sociais – acesso a uma ampla rede de relações sociais passíveis
de reconversão em capital político.
71
Capítulo III – Militância Estudantil e Sindicalismo: Um trampolim para política eletiva
Uma outra forma de ingresso na política é através de vinculações associativo-
sindicais, que podem se apresentar em modalidades diversas de acordo com o itinerário do
agente em questão, isto é, sejam estas suas ocupações da carreira, a área do saber a que se
dedicou, sua titulação escolar, o patrimônio financeiro ou mesmo a filiação partidária. Dentro
do universo estudado, 19 dos 26 parlamentares não possuem nenhum envolvimento
associativo-sindical, o que representa 73,07%. Dentre os 07 parlamentares restantes, 05 foram
sindicalistas e 05 militaram no movimento estudantil.
Gráfico 10. Parlamentares vinculados a sindicatos e/ou movimentos estudantis
Fonte: Entrevistas e Repertórios Biográficos
Um ponto significativo a se observar é que dentre os parlamentares que também
fizeram uso do capital associativo-sindical como recurso político, o Dep. André Moura possui
72
uma peculiaridade em seu vínculo com o movimento estudantil. Ao passo que Tânia Soares,
Rogério Carvalho, Ana Lúcia e Conceição Vieira militaram no movimento estudantil
universitário, André Moura exerceu a militância no movimento secundarista, participando do
Grêmio Estudantil Tancredo Neves no Colégio Estadual Graccho Cardoso. Posteriormente,
André Moura viria a fundar o “PFL Jovem” em Sergipe ao lado de João Alves Neto, neto do
ex-governador João Alves.
Outro aspecto distintivo é o grau de escolarização: dentro deste grupo estão os
parlamentares com mais elevada titulação acadêmica da Assembléia, contando apenas duas
exceções sem titulação universitária. O exame dos itinerários permite a abertura de uma
perspectiva multidimensional e cumulativa das análises da trajetória individual com os aspectos
vinculados às disposições sociais dos militantes, frutos da pluralidade de inserções que
convergem para o seu engajamento. As disposições para a participação política estão
intimamente ligadas à diversidade de condições sociais de origem e dos respectivos capitais
(sociais, econômicos, políticos e culturais) possuídos pelos diferentes agentes sociais. Segundo
SEIDL (2009), a expansão do acesso a programas de estudo, beneficiando camadas mais baixas
da sociedade, pela aplicação do princípio meritocrático contribui decisivamente no processo de
recomposição de grupos sociais e profissionais, sob critérios de acúmulo de notoriedade e
reconhecimento social.
É interessante observar que dos sete parlamentares que participaram em algum
momento de suas vidas políticas de movimentos sindicais ou estudantis, quatro estrearam suas
carreiras em posições periféricas, como vereadores, a saber, Conceição Vieira, Tânia Soares,
Francisco Gualberto; e André Moura, como prefeito de um município do interior28 (Pirambu).
Outrossim, ainda que este último tenha passagens na militância estudantil, este não pode ser
considerado propriamente um militante, nem a militância seu principal recurso social
convertido como capital político, já que seu primeiro cargo eletivo foi como chefe do executivo
28 Embora consideremos as prefeituras de municípios do interior do Estado como uma posição periférica dentro da hierarquia política, é importante ressaltar a importância desses prefeitos para consolidação das bases dos parlamentares, tanto no âmbito estadual, quanto federal, como explicita Marcos Otávio Bezerra no livro “Em nome das ‘bases’: política, favor e dependência pessoal”. (1999).
73
do município de Pirambu, seguindo os passos de seu pai, atualmente conselheiro do TCU,
Reinaldo Moura.
Embora a especialização política através da militância esteja quase sempre
associada a uma origem humilde (GRILL: 2008), um fato distintivo em relação aos demais
parlamentares desse conjunto, os quais ingressaram na carreira eletiva no topo da hierarquia
política, está diretamente relacionado à conjuntura política local. Dentre os sete, seis são
egressos de partidos tradicionalmente oposicionistas, enquanto apenas um compunha o bloco
situacionista, à época do pleito que elegeu a 16ª legislatura da AL. As eleições de 2006
simbolizaram uma mudança no cenário político sergipano, marcando o “fim” de um período de
alternância política entre os grupos situacionistas liderados pelos grupos ligados a João Alves e
Albano Franco, embora este último, o então governador na época da disputa eleitoral,
compusesse o bloco aliado do PT. Junto à eleição de Marcelo Déda para governador em 2006
fazia-se necessária uma maioria qualificada na Assembléia Legislativa, para assegurar a base de
sustentação do governo. Tal cenário político de eleição envolta num clima de mudança,
associada a elevada popularidade de Deda, assegurou ao PT a maior ocupação de cargos da
Assembléia Legislativa desde o início das eleições diretas.
Quadro 06. Evolução da Bancada do PT na AL-SE (1987 – 2010)
Legislatura Número de Parlamentares (PT)11ª legislatura 212ª Legislatura 213ª Legislatura 214ª Legislatura 115ª Legislatura 216ª Legislatura 4
Fonte: ALESE
Vale ressaltar que o ingresso em um partido ou movimento não se dá de forma
racionalizada, pois é a conseqüência do cruzamento de um determinado número de condições e 74
condicionantes, como as relações familiares, a construção de uma identidade social, os
interesses materiais e de reconhecimento. O processo de acumulação de um capital militante
está diretamente fundado nas competências e práxis militantes, podendo ser definido como:
“[uma incorporação] sob a forma de técnicas, de disposições a agir ou simplesmente obedecer, (...) [que] abrange um conjunto de saberes e de savoir-faires mobilizáveis no momento das ações coletivas, das lutas inter ou intra-partidárias, mas também exportáveis, passíveis de conversão para outros universos, e, assim, suscetíveis de facilitar certas ‘reconversões’” (MATONTI E POUPEAU: apud REIS, 2008: 87)
Visando compreender o acesso dos ex-militantes de esquerda a postos de poder, no
caso de Minas Gerais, Canêdo (2008) aponta para elementos marcantes dos mecanismos
sociais passíveis de reconversão política: o engajamento militante ligado a movimentos
radicais da década de 1960 era feito por agentes cujas mães, professoras primárias, possuíam
um projeto familiar de ascensão social pela formação escolar sustentado na meritocracia,
implicando num superinvestimento intelectual, como também numa grande enorme cobrança
emocional, considerando que, em sua maioria, estes estudantes esquerdistas formavam a
primeira geração de cursos superior na família. Toda a liderança militante mineira deste
período estudou em escolas secundárias de qualidade.
“Grande parte das lideranças dos anos 1960, debutou na política dentro da Faculdade de Ciências Econômicas e na Escola Estadual Central de BH, criada em 1968 com uma bela arquitetura de Niemeyer. Estas duas escolas representam um caso limite de engajamento na medida em que podem ser consideradas ao mesmo tempo um viveiro de militantes e um lugar de acumulação de fatores contraditórios da super seleção escolar”. (CANEDO, 2008: 8 – 9).
Assim como no caso mineiro estudado por Canedo, o investimento escolar foi
supervalorizado no seio das famílias dos parlamentares egressos da militância estudantil de
esquerda, os quais também representaram a primeira geração portadora de diploma de curso
75
superior em suas famílias. O investimento em titulação é consequentemente acompanhado por
um investimento na ampliação das redes de relações.
O destaque das redes de relações no que tange ao recrutamento político dá-se em
função destas beneficiarem e serem beneficiadas por um espaço social marcado pela fluidez
entre os domínios sociais, permitindo uma maior mobilidade entre diferentes meios para os
agentes em questão, sem a implicação de uma readaptação de recursos, a exemplo do Dep.
Rogério Carvalho, o qual ao ingressar no curso de medicina da UFS em 1986 ingressou na
pastoral universitária, onde participou da militância do movimento estudantil. No ano seguinte
virou coordenador do grupo da pastoral universitária, o que lhe propiciou o encontro com o
movimento nacional da pastoral da juventude estudantil. Em seguida foi presidente do Centro
Acadêmico de Medicina no período de 1988 até 1991.
Em 1990 disputou a eleição para o DCE, mas a chapa se retirou por suspeita de
fraude no pleito contra o PC do B e na seqüência Rogério Carvalho decidiu sair do movimento
geral e se dedicar ao movimento estudantil de área. Em 1991, articulou-se nacionalmente, e no
Encontro Científico de Estudantes de Medicina, em Belém, no mesmo ano, foi eleito
presidente da direção nacional de estudantes de medicina, posteriormente organizando o
Congresso de Estudantes de Medicina em Sergipe. A partir daí tornou-se uma referência no
movimento estudantil setorial e foi eleito secretário de políticas educacionais da UNE, membro
da executiva da UNE.
As brigas e disputas entre as correntes do movimento estudantil e do PT, PC do B,
levou-o à decisão de sair da executiva e mudar-se para São Paulo, onde fez residência na
UNICAMP, em Saúde Pública – Medicina Preventiva e Social. Já em Campinas, foi eleito
Secretário Geral no Congresso de Médicos Residentes. Três meses depois foi eleito presidente
da Associação Nacional de Médicos Residentes. Participou da Comissão Nacional de
Residência Médica, na qual houve a rediscussão de todo o sistema de especialidades médicas.
Em 1997, foi aprovado no concurso para médico fiscal. Depois de aprovado começou a
participar de algumas discussões do sindicato mediando conflitos. A convite do presidente do
76
sindicato, que estava terminando o mandato, participou da chapa, elegendo-se presidente do
Sindicato dos Médicos em Campinas com 70% dos votos dos filiados. Em 1999, foi eleito
presidente da Federação dos Médicos do Estado de São Paulo pelos sindicatos, reeleito em
2000. Em 2001, Marcelo Déda ganhou a eleição para a Prefeitura de Aracaju e o convidou para
ser Secretário Municipal de Saúde.
Como Secretário de Saúde, aplicou o projeto “Aracaju: Saúde todo dia”, que fora
sua dissertação de mestrado: implantou o SAMU (Rede de Urgência e Emergência articulada à
rede hospitalar); montou a Rede de Atenção à Saúde da Família e os Centros de
Especialidades. A mudança na forma de administrar causou polêmicas, mas a administração de
Rogério Carvalho na Saúde Municipal obteve reconhecimento. Considerando que tudo que se
desempenha na esfera pública é passível de legitimação, a condição de representante de classe,
de uma “base” eleitoral ou até mesmo o exercício de um cargo de destaque na administração
pública concede ao agente a possibilidade de uma avaliação pública diferenciada nos pleitos
eleitorais em relação aos candidatos que não possuem uma base de sustentação ou parâmetro
de comparação.
Similar é a trajetória da Dep. Tânia Soares: Em 1975, mudou-se para Aracaju,
matriculando-se no Colégio São José, onde fundou um grupo de jovens. No Científico
transferiu-se para o Colégio Arquidiocesano.
“[Foi] um tempo em que o trabalho com a Igreja começou a se misturar com a política. Foi uma época de descobertas e de fortalecer uma tomada de consciência. A participação política se deu através do jornal Tribuna da Luta Operária e aí a minha relação com o PC do B. Vendia o jornal aos sábados, às seis horas da manhã, no mercado de Aracaju e na praia de bar em bar. À noite, nos reuníamos para discutir as decisões do partido, que clandestino era proibido de se organizar.”29
Concluído o científico, desistiu de ir para a Universidade da Paraíba, cursar
Ciências Sociais, para se dedicar à luta política, auxiliando o partido na área de comunicação,
29 Depoimento da Deputada Tânia Soares em entrevista concedida ao jornalista Osmário Santos, publicada em 07/02/2006, no portal Infonet.
77
ponto de partida para mais adiante fazer jornalismo na FIT – Faculdades Integradas Tiradentes.
Em 1984, com apoio de integrantes da UNE, fundou a UJS. Em 1996, foi convidada a fundar
uma entidade feminina autônoma, que representasse a corrente emancipacionista no
movimento feminista. A partir daí surgiu a UBM – União Brasileira de Mulheres. Após
terminar a faculdade, nesse mesmo ano, ingressou no funcionalismo público estadual, logo
participando do SINTRASE – Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público do Estado de
Sergipe como dirigente sindical. Em 1996, disputou o cargo de vereadora de Aracaju pelo PC
do B, pleito do qual saiu vitoriosa.
É certo que o valor de determinados recursos modificam-se com o tempo.
Especialmente em se tratando da hierarquização militante, especialmente quando os agentes
avocam o pertencimento geracional a uma época marcada por “lutas contra a ditadura”.
Segundo REIS (2008), a hierarquização é estabelecida a partir dos tipos de recursos utilizados
na ação contestatória, desde o momento de ingresso na luta, o tempo dedicado à militância e às
causas, a participação em ações arriscadas que culminaram em prisões, torturas, exílios, etc.
“Um fator chave de hierarquização militante é a combinação de risco e prejuízo, melhor disponibilizada para aqueles que ingressaram nos anos sessenta. Porém a análise dos dados revela que a manutenção de uma posição favorável depende do armazenamento daqueles trunfos e da aquisição de outros oportunizados nos momentos posteriores e que, não raro, se constituem em critérios de hierarquização intelectual e se relacionam aos investimentos culturais e escolares”. (REIS: 2008; 121)
É nesse contexto que se estabelecem os recursos sociais que possibilitaram o
ingresso da Dep. Ana Lúcia na política eletiva. Filha de uma família de classe média desfrutou
de um ambiente intelectual fecundo no âmbito familiar: o tio e padrinho, Osman Hora Fontes –
procurador da República durante muitos anos, professor da Faculdade de Direito – influenciou
a sua formação intelectual, como a do seu irmão, Mário Jorge Vieira Menezes30, poeta e
30 Mário Jorge foi o primeiro poeta concretista de Sergipe. Em função da publicação de ‘Revolição' (1968) – primeiro e o único trabalho publicado em vida, Mário Jorge foi encarcerado e torturado, no período do regime
78
estudante de direito, que foi preso e torturado durante o regime militar. O pai, Claudomir
Andrade Vieira, atuava no campo social, através do Lions Club. Ana Lúcia estudou em escolas
particulares a maior parte de sua vida escolar, tendo optado por ser professora aos 13 anos de
idade. A decisão teria sido motivada pela expulsão do seu irmão, Mário Jorge, do Colégio
Atheneu, por questões políticas e ideológicas. Ingressou na militância política na UFS, em
1972, participando do Centro Acadêmico de Pedagogia, ainda no período militar e embora
avoque o pertencimento geracional, sobretudo, em função da participação do seu irmão; o
envolvimento de Ana Lúcia na política intensifica-se somente após 1979, durante o processo
de redemocratização do país, juntamente com a opção partidária de esquerda e o movimento
sindical.
O conjunto de recursos e influências herdados no meio familiar e no processo de
sociabilização constituem um capital simbólico significativo, capaz de influenciar as
disposições dos agentes para determinadas escolhas, que se refletem nos investimentos em
adesões a causas, bens culturais e títulos escolares (REIS, 2008). A utilização da titulação
escolar tem um valor significativo, sobretudo, quando inscrito no movimento sindical classista
de professores. Entretanto, este recurso torna-se muito mais eficiente quando associado a um
círculo de sociabilidades de contatos “qualificados”.
Em 1976, tornou-se professora efetiva do Estado, mediante concurso público.
Durante o processo de redemocratização do país, assumiu sua opção partidária, período em que
conheceu os professores Diomedes Silva, Ruy Belém e Varjão, cuja opção política era de
oposição ao governo e também estavam ingressando na rede estadual de ensino. Em 1986,
junto com estes professores criou o CEPS - Centro de Profissionais de Ensino de Sergipe - que
dava a condução política ao movimento dos educadores. Em 1990, após uma grande greve
contra a suspensão dos salários dos professores, a antiga Associação do Magistério tornou-se o
SINTESE, do qual Ana Lucia viria a se tornar presidente dois anos depois. 63.4% dos votos da
capital e interior do Estado. Em 1990, filiou-se ao PT, tornando-se a principal liderança do
Estado da tendência Articulação de Esquerda. Em 2000 saiu do SINTESE e assumiu a
militar. Mário Jorge faleceu em 1973, num acidente de carro e virou o marco dessa geração em Sergipe. 79
Secretaria Municipal de Educação – colocando em prática o projeto Escola Aberta – na qual
permaneceu até 2002, quando disputou as eleições para deputada estadual.
Os usos das biografias como recursos políticos são muito mais evidentes no caso
dos parlamentares-militantes. Dentre os sete parlamentares citados, cinco possuem um website
no qual apresentam sua trajetória política, valorizando os aspectos relacionados à militância em
diferentes movimentos sociais, em alguns casos, ainda, ressaltando a humilde origem social:
Conceição Vieira, Francisco Gualberto, Ana Lúcia, Tânia Soares e Prof. Wanderlê. Em seu
site, Conceição Vieira apresenta o seu perfil:
“CONCEIÇÃO VIEIRA, natural de Aracaju. Filha de Maria Augusta dos Santos (costureira) e Manoel Vieira Santos (profissional autônomo - falecido). (...) Estudando sempre em escola pública , concluiu sua formação superior pela Universidade Federal de Sergipe-UFS, no curso de Geografia. Enquanto estudante nessa instituição, militou no Diretório Central de Geografia e História no cargo de 1ª secretária Geral. Posteriormente, fez Pós-Graduação em Educação pela Paz e Resolução de Conflitos pela UFS e Universidade da Jacome na Espanha, tornando-se Psicopedagoga Institucional e Terapeuta Holística.(...) Ao longo de sua história de vida, desenvolveu diferentes experiências profissionais, destacando-se as mais voltadas para o campo da educação. Foi professora em várias escolas da rede pública e privada. Num determinado momento de sua vida, renunciou sua carreira como funcionária pública estadual e municipal, dedicando-se à luta pela educação integral, pela organização comunitária e pela justiça social. A implementação dessas ações deu-se através da criação de entidades para atender, especialmente à crianças e adolescentes. Ainda hoje, fruto do seu trabalho somado à de outras pessoas que acreditaram na proposta, existe a instituição Um Lugar ao Sol, no município de Japaratuba – SE, que atende 600 crianças e adolescentes. Articulado a esse trabalho, fez nascer um projeto de criação da Cooperativa de Mulheres Vendedoras de Camarão também no município de Japaratuba, onde por alguns anos, assumiu tarefas na vida política local, chegando a ser Secretária de Educação e Cultura.
A partir de 1990, a militância política da Conceição se intensifica, ocupando a Presidência do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores de Aracaju e do Diretório Estadual do PT em Sergipe. Em 2000, foi candidata a vereadora, o que lhe permitiu o lugar de 1ª. Suplente. Em 2001, com a vitória do PT na eleição municipal, assumiu o cargo de Presidente da Fundação Municipal do Trabalho - FUNDAT onde desenvolveu projetos na área de geração de emprego e renda. Em 2002, foi convidada pelo partido a ser candidata a vice-governadora na chapa do então senador Zé Eduardo Dutra, candidato
80
a governador pela Coligação Muda Sergipe, quando obtiveram mais de 45% dos votos. Em 2003, as mudanças ocorridas na Câmara de Vereadores, possibilitou que Conceição assumisse como vereadora por alguns meses, afastando-se em seguida, para assumir o cargo de Secretária de Assistência Social e Cidadania na PMA. A partir de abril 2004, a Conceição retorna ao Legislativo onde cumpre seu primeiro mandato parlamentar, sendo também a primeira vereadora mulher do PT em Aracaju”.(Fonte: Site Oficial de Conceição Vieira 31).
Apesar de apresentar repetidas vezes a militância estudantil em sua trajetória de
vida, a ênfase nos movimentos de ações sociais insere o agente num debate acerca do processo
de construção da democracia, voltado para uma agenda de “problemas sociais”. Compõe esse
quadro de identificação com o eleitorado a sua origem social pobre. O elevado investimento
acadêmico-cultural em títulos escolares legitima o seu discurso no que tange à adesão às
“causas” sociais ligadas à educação e à geração de emprego e renda; paralelamente, as
questões étnicas e de gênero corroboram com a sua posição de representante dos movimentos
femininos ou feministas e dos movimentos negros.
A origem social humilde também é apresentada por Francisco Gualberto, ainda que
este enfatize as dificuldades encontradas em sua trajetória, com intuito não só de encontrar
identificação social, mas também de estabelecer um vínculo emocional de solidariedade, ao
mesmo tempo em que incorpora a imagem de “self-made man” em seu repertório. Em seu site
oficial, Francisco Gualberto é assim apresentado:
“Conheça um pouco sobre Francisco Gualberto, operário que começou a vida como cortador de lenha.
Um dos mais aguerridos sindicalistas da história de Sergipe, Francisco Gualberto da Rocha, é hoje um parlamentar que defende com eficiência e determinação as bandeiras de luta dos operários e de toda a classe trabalhadora no Estado. Francisco Gualberto nasceu em Caipe Velho, em São Cristóvão, município localizado a 25 km de Aracaju, Sergipe, no dia 23 de maio de 1956. Filho único, Gualberto pouco teve contato com os pais. Antes mesmo de completar 8 anos de vida, ele já tinha perdido seus pais.
Seu genitor, José Gualberto Rocha, era um pernambucano nascido na cidade de Cipó e funcionário do antigo DR, órgão que cuidava da
31 http://www.conceicao.vieira.nom.br/principal.jsp?page=8&sessao=biografia81
manutenção das estradas pelo Nordeste. Em uma das passagens por Sergipe, José Gualberto conheceu a mãe de Francisco Gualberto, Josefa Marques da Conceição. O trabalho, no entanto, considerado de alta periculosidade, rendeu ao pai de Gualberto uma forte asma que o levou à morte apenas cinco anos depois do nascimento do filho. Dois anos depois, Gualberto perdeu a mãe devido a uma doença até hoje não identificada. “Estes fatos praticamente me obrigaram a começar muito cedo minha vida operária”, recorda” (...)
A busca pela sobrevivência desde cedo, as lutas contra a desigualdade social e a ditadura militar fizeram Gualberto se envolver com o mundo da política logo cedo. Aos 18 anos, Gualberto já era filiado ao MDB, partido de oposição à Arena, que governava o Brasil com mãos de ferro, sem democracia. ‘Naquela época, eu já entendia que não podia estar ao lado dos poderosos. Pelo contrário, precisava reagir. Junto com o pessoal do PCB e do PC do B, que na época existiam clandestinamente, participávamos de movimentos populares’, recorda.
Foi na época da fábrica de tecidos da indústria Pedro Amado, em 1971, que Francisco Gualberto teve seu primeiro contato com o sindicalismo. Para lutar pela causa da categoria, ele se filiou ao Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Têxtil, na cidade de São Cristóvão. ‘Em 1976, ajudamos a eleger Lauro Rocha, o primeiro prefeito de oposição no Estado. Passei a trabalhar na prefeitura, mas no final de 1979 fui processado por um atrito que tive com o defensor da Arena, que quase me levou à morte. Pressionado por aqueles que defendiam a ditadura militar naquela ocasião, fui obrigado a vir para Aracaju’, disse.
A vinda para a capital sergipana, no entanto, não afastou Francisco Gualberto da política. Pelo contrário. Sempre ligado ao mundo sindical, ele passou a participar do núcleo dos petroquímicos da Nitrofértil e, junto com os companheiros sindicalistas, começou a discutir a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) em Aracaju, em 1980. ‘Naquela época já éramos bem organizados. Tanto que, depois da fundação do PT, passamos a contribuir com o partido. Mensalmente, uma parcela dos nossos salários na fábrica era destinada ao fortalecimento do PT”, afirma Gualberto que, curiosamente, apesar de fundador do partido na capital, só foi se filiar ao PT no dia 14 de abril de 1983’.”. (Fonte: Site Oficial do Dep. Francisco Gualberto32).
Simultaneamente à fundação do PT, Francisco Gualberto participou da criação da
Central Única dos Trabalhadores em Sergipe, entidade que viria a presidir anos depois, por
duas oportunidades, tendo presidido também o Sindicato dos Químicos de Sergipe. Em função
da insatisfação com o processo de aliança estabelecido pelo PT na campanha municipal de
1992, do qual o núcleo de petroquímicos da Nitrofértil - grupo do qual Gualberto fazia parte –
32 Fonte: http://www.franciscogualberto.com.br/historico.htm82
discordava, desligou-se do partido e, em 2003, o grupo decidiu trazer o Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado (PSTU) para o Estado, com o objetivo de estabelecer uma alternativa
de esquerda mais radical. Assim, 54 pessoas dissidentes do PT, incluindo Francisco Gualberto,
trocaram o PT pelo PSTU. Em 2000, de volta ao Partido dos Trabalhadores, elege-se vereador
do município de Aracaju. Já em 2002, ocupou a posição de segunda suplência na eleição para
deputado estadual, assumindo o mandato após o assassinato do deputado Joaldo Barbosa, em
janeiro de 2003 e, consequentemente, do afastamento do então deputado Antônio Francisco –
1º suplente – que foi preso e condenado pela morte do deputado Joaldo.
No âmbito dos movimentos sociais, insere-se o Prof. Wanderlê. Ainda que este se
apresente como professor e tenha um histórico de atuação no movimento sindical classista, é
através dos movimentos ambientalistas e da atuação municipalista, que Wanderlê hoje visa
capitalizar novos recursos sociais para sua legitimação política. Filho de família humilde,
nasceu na Vila Operária da Fabrica Têxtil Pedro Amado, município de São Cristóvão, onde o
avô , o pai, a mãe e as tias trabalhavam. Estudou em escolas públicas até terminar o curso
ginasial, dando continuidade aos estudos na Escola Técnica Federal, após aprovação no exame
de seleção para o curso de Eletrônica. Concluído o curso na E.T.F (atual CEFET), prestou
vestibular na Universidade Federal de Sergipe em 1981, sendo aprovado em quarto lugar para
o curso de Licenciatura em Matemática. Sua trajetória é assim descrita pelo jornalista Osmário
Santos:
“Na universidade, a insatisfação com as injustiças sociais com que convivia, sobretudo pela participação na vida religiosa, bastante presente no município de São Cristóvão, foi combinada com o contato com as idéias socialistas, o que foi de extrema importância para o amadurecimento pessoal e político. ‘Nessa época também fui o idealizador do I Encontro Cultural de São Cristóvão, realizado em 1982, com grande sucesso junto à juventude, apesar das imensas dificuldades’. Diz que o grande objetivo era abrir espaço para os artistas locais. Todos os que se apresentaram eram do município. ‘A UFS deu um apoio muito importante, através da confecção dos cartazes. Nos anos de 1983 e 1984 realizamos, de forma voluntária, o primeiro pré-vestibular gratuito para os estudantes do município. Uma experiência bastante enriquecedora enquanto ser humano e
83
educador. Hoje nos orgulha o fato de que muita gente formada que participou desse cursinho, inclusive com doutorado’.
Em 1983, ainda estudando na universidade, consegue o primeiro emprego em São Cristóvão, dando aulas na Escola de Primeiro e Segundo Graus Elisio Carmelo, nos cursos de Contabilidade e Magistério. ‘Após um ano e meio fui demitido, juntamente com os saudosos professores Diomédes, Cláudio Miguel (do Grupo Cataluzes), Amaral, e as professoras Teresa Cristina, Betezabel, Valdice (do Grupo Imbuaça), além de vários outros. O motivo foi a organização da primeira greve de professores na cidade. Nesse momento, reunimos os professores para fundar a Associação dos Profissionais de Ensino de São Cristóvão (Apesc), cuja principal bandeira era ter direito a receber o salário mínimo e o contracheque, por incrível que possa parecer’.
Participa também da elaboração do Estatuto do Magistério de São Cristóvão. ‘Por essa atuação fiquei dois anos sofrendo perseguições políticas, sendo impedido de trabalhar em qualquer escola’.Só em 1986, com a aprovação no concurso para professor da Prefeitura de Aracaju, volta a trabalhar. ‘Nesse momento me envolvi fortemente no movimento sindical, através da então Apema, Associação dos Profissionais de Ensino do Município de Aracaju (que deu origem ao atual Sindipema)’”. (Depoimento concedido ao jornalista Osmário Santos e publicado no site Infonet em 08/03/2007).
Envolvido com a luta sindical, filiou-se ao PT, atuando na fundação do diretório de
São Cristóvão, em 1986. Em 1988 foi candidato a vereador, mas não foi eleito. Em 1990, foi o
candidato mais votado do município de São Cristóvão. A campanha, popularmente conhecida
como “Campanha da Garrafa”, contou com o apoio da comunidade: os moradores da cidade
doavam garrafas para serem vendidas e ajudar na arrecadação de recursos. Em 1983, em
função dos problemas de saúde de sua esposa, afastou-se da luta política, tendo retornado
apenas em 1996, após o seu falecimento, com o intuito de ajudar a coordenar a campanha do
irmão Zezinho da Everest para prefeito, fato que se repetiu em 1998 e 2002 quando o mesmo
se candidatou a deputado estadual.
Apenas em 2004, Zezinho elegeu-se para a Prefeitura de São Cristóvão. A
candidatura de Prof. Wanderlê, então filiado ao PMDB, para deputado estadual veio no pleito
seguinte, sob a alegação da necessidade de São Cristóvão ter um deputado estadual que
representasse o município; subliminarmente, para dar sustentação ao mandato político de
Zezinho da Everest. Esse apelo à população, evidenciado no jingle da campanha, foi, segundo 84
o deputado, compreendido pela população em sua importância. O jingle da campanha de Prof.
Wanderlê consistia tão somente na exaltação de suas qualidades morais e do seu vínculo com o
município: “Eu voto em Prof. Wanderlê
Sou amigo de São Cristóvão
Prof. Wanderlê é um amigo, é um homem da gente (...)
É de garra, coragem, homem de valor
Nesse eu acredito, posso confiar
Sou amigo de São Cristóvão, em Wanderlê vou votar
O meu voto é consciente (...)
Pra ver São Cristóvão mais forte, Professor Wanderlê (...)
Pra Sergipe melhorar (...)
Como esse não existe igual
Meu Deputado Estadual”
(Jingle de Campanha do Dep. Wanderlê em 2006 33).
Dado o seu afastamento de quase duas décadas do movimento sindical e da política
eletiva, Prof. Wanderlê precisou recompor o seu repertório de recursos sociais, atualizando-os
de acordo com a agenda de “problemas sociais”, assim como a Dep. Conceição Vieira. A
reduzida possibilidade de identificação com as chamadas “minorias sociais” implica na
mobilização, por parte do agente de outras modalidades de apresentação de si mesmo,
fundadas nos atributos que possuem e nas percepções apreendidas – ou assim desejado – pela
comunidade a quem se reporta. Da origem humilde à longa trajetória de lutas sindicais e
disputas eleitorais à sua apresentação como o “Al Gore Sergipano34” reitera a renovação dos
recursos sociais utilizados como recurso político pelo deputado, enfatizado no blog do site
oficial do deputado:
“Não tenho dúvida de que a importância destes atos de Wanderlê só terá seu real valor devidamente avaliado daqui a muitos anos, quando
33 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=M7bN5N3wphE 34 Embora o texto “Nós também temos o nosso ‘Al Gore’” tenha sido escrito por Edmilson Araújo, a publicação do mesmo na página oficial do deputado obviamente não se deu sem o aval do Deputado e sua equipe de assessores.
85
olharmos para trás e percebermos o quanto ele estava certo em suas convicções. As ironias de que ele é vítima por parte de chamados “políticos experientes”, que afirmam que o meio ambiente “não dá voto”, só poderão ser avaliadas com o resultado das próximas eleições. E não me perguntem pelo seu partido, perguntem-me pelas suas atitudes. Para mim, é motivo de alegria perceber que nós temos, sim, o nosso “Al Gore”, que responde pelo nome de Professor Wanderlê. Isto é bom para Sergipe e para o mundo!” (ARAUJO, Edmilson. In. Nós também temos o nosso “Al Gore”! – texto publicado no blog do site oficial do Dep. Prof. Wanderlê em 30/09/2009. 35)
Considerando os itinerários dos agentes em diferentes momentos históricos, é
possível apreender as mudanças nos recursos utilizados, as diferentes formas de se auto-
apresentar, com trunfos e repertórios de mobilização política renovados. Embora a modalidade
de legitimação dos recursos ligados ao sindicalismo possa apresentar diferentes variáveis –
levando em consideração a amplitude e capacidade de organização da “categoria” ao qual está
vinculado – no caso de Sergipe, um Estado que não possui um pólo industrial considerável,
destaca-se o sindicalismo ligado ao funcionalismo público, sejam professores da rede pública,
policiais militares, profissionais ligados à rede de saúde pública e ainda, a empresas públicas.
Nesse sentido, quanto mais forte a categoria, maior a representatividade da liderança
“classista”.
Segundo Coradini (2001b), é nesse ponto que a liderança sindical se confunde com
a liderança partidária, colocando-se diante da sociedade – através de seu discurso – como um
defensor não apenas de uma categoria, mas de uma problemática social. Esse basicamente tem
sido o mote do sindicato dos professores de nível fundamental e médio da rede pública de
ensino, que na última eleição, além de eleger Ana Lúcia para a Assembléia Legislativa,
também elegeu o Dep. Iran Barbosa para a Câmara dos Deputados.
Outro aspecto a se considerar, é a forte relação entre o domínio de um capital
cultural forte e a possibilidade de transformar esse capital num mecanismo de expansão do
movimento sindical, o qual assume características diferenciadas, pois a condição de professor
coloca a categoria profissional num outro patamar, pois suas lutas – ao requererem melhores
35 Fonte: http://professorwanderle.com.br/?p=81486
condições de trabalho, se confundem com a “causa da educação”, reconhecidamente uma das
principais problemáticas político-sociais.
Um dos grandes trunfos dos militantes em movimentos sociais e sindicalistas é o
vínculo a uma “causa”, seja ela social ou de classe, posto que causas sociais e discussões
classistas oferecem aos agentes a possibilidade de reconhecimento das suas ações de forma
mais eficiente, reconhecimento traduzido em capital simbólico de valor, facilmente conversível
em capital político.
87
Considerações finais:
A partir da análise dos dados levantados e investigados ao longo desse trabalho é
possível apreender a existência de um sistema multiposicional de recursos, no processo de
legitimação da representação parlamentar na Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe,
através de ações e estratégias nem sempre conscientes, muitas vezes acionadas como uma re-
ação natural. Novas formas de legitimação política têm sido incorporadas nos processos de
disputas eleitorais, co-existindo com estratégias tradicionalistas revelando o caráter dinâmico
da política, em consonância com as mudanças sofridas pela sociedade, cujas demandas – em
parca ou larga medida – também se alteram ao longo do tempo.
É possível perceber ainda – e apesar dessas transformações – a forte presença dos
grupos familiares, ainda que novos grupos tenham conseguido se estabelecer no cenário
político, buscando não só formas de assegurar sua perpetuação nas esferas do poder político de
forma diacrônica, como também, procurando alastrar esse poder através do controle do maior
número possível de cargos políticos, em sincronia, o qual é repetidamente utilizado como
forma de capital político.
Se por um lado o uso eleitoral das origens sociais, ainda que a posição social
ocupada não guarde mais vínculos com a origem, é bastante presente, buscando levar o eleitor
à identificação, atuado como agente dotado de conhecimento de causa das necessidades sociais
da população; por outro a sua omissão faz-se de fundamental importância como forma de
tornar a imagem do candidato mais próxima daquela que compõe a sua base social. Nesse
sentido, outro recurso bastante presente são os apelos municipalistas, através dos quais, os
agentes emergem como porta-vozes de determinada cidade ou região. A vinculação regional
não se faz só na forma de discursos, mas também e principalmente, no esforço para captação
de recursos e desenvolvimento de projetos que atendam os anseios da população local ou, ao
menos, do prefeito do município e sua base.
88
A atuação profissional como recurso, também estabelece relações com as origens
sociais, especialmente na medida em que se inserem na esfera dos movimentos políticos, seja
avocando um pertencimento geracional, seja incorporando outras formas de representação
como lideranças sindicais. Este recurso é potencializado na medida em que é associado ao
investimento cultural e, mais especificamente, à titulação escolar. Vista por esse prisma, a
atuação profissional se estabelece diante de certas comunidades, através do modelo
favor/ajuda, seja na forma de facilitação de atendimentos, de encaminhamentos para soluções
de problemas ou de auxilio filantrópico – em maior ou menor escala a depender da profissão,
mais frequentemente no caso de profissionais liberais – reafirmando a sua presença,
especialmente fora do período eleitoral, momento no qual se estabelece um elo afetivo com o
eleitor traduzido em compromisso político. Ampliando a soma de recursos, a atuação
profissional associada a uma elevada titulação acadêmica e um amplo círculo de sociabilidade,
representam, juntos, a principal via de acesso à vida política através dos cargos políticos da
burocracia estatal.
A busca pela diversificação dos recursos se manifesta como uma forma de
ampliação das bases. Essa pode se dar a partir da representação de grupos e da associação de
sua imagem a causas sociais, tendendo a definir a ação política como global e angariar a
simpatia de setores distintos da sociedade. Diferentes esferas parecem dar lugar à conversão de
recursos socais em capitais políticos, desde o uso das emoções à apresentação meramente
meritocrática dos protagonistas, os quais estabelecem relações com outros campos,
possibilitando o surgimento de novas possibilidades de recursos e, assim, novas formas de
fazer política.
Outro ponto merecedor de destaque é o alto índice de escolarização característico
da 16ª legislatura, revelando no perfil desses agentes, escolhas e práticas profissionais que
estabelecem vínculos com a esfera política. Em alguns casos, as escolhas acadêmicas e
profissionais foram visivelmente condicionadas por um projeto político prévio. O uso da
titulação, da formação profissional e da afirmação do agente como um intelectual possibilita a
emergência dos discursos de autoridade, especialmente no caso dos médicos, e a conseqüente 89
reconversão desses recursos em capital político. O valor simbólico dado à titulação acadêmica
é bastante representativo, ainda que não exista a pretensão de exercer a profissão, ao ponto de
levar parlamentares de volta aos bancos universitários.
A 16ª legislatura da AL, apesar de não trazer muitos agentes novos para esta casa,
na sua composição, pode ser considerada uma formação relativamente jovem, diferente da
imagem gerontocracia arraigada no imaginário social, devido à associação do controle do
poder Estatal às chamadas oligarquias36. O aumento da participação feminina na composição
nas duas últimas legislaturas também merece destaque.
Significativo também é o elevado índice de parlamentares cuja experiência prévia
se deu na ocupação de cargos da burocracia pública. Nesse sentido, a ocupação prévia funciona
como um meio de validação das “competências” necessárias a um administrador público. Esta
validação bem sucedida, quando combinada com os diversos recursos sociais adquiridos ao
longo de suas trajetórias, permite uma ampliação expressiva das bases políticas do agente. O
exercício de cargos eletivos também funciona como recurso, neste caso, associado às
“realizações” efetuadas, comumente seguidas do apelo à população pela continuidade do
trabalho que começou a ser desenvolvido.
Várias questões merecem mais pesquisas: Quais as transformações que se
produziram na esfera da política sergipana? Em que medida a trajetória política da “elite” atual
está relacionada a mudanças estruturais? Como a incorporação de novas modalidades de
legitimação política afeta essas possíveis mudanças? A resposta para essas perguntas
implicaria a necessidade de um trabalho analítico-comparativo de larga periodização a fim de
compreender os diferentes aspectos das veredas que levam à política – ou seus atalhos – em
momentos singulares.
Sem a pretensão de encerrar o assunto – e mesmo sem a condição de oferecer
respostas, neste trabalho, para estas questões – destacamos a importância que a lógica
característica do jogo político desempenha, não só sobre o processo de reprodução dessas
36 Conferir obra de Ibarê Dantas.90
estratégias, como também sobre o surgimento de novas formas possíveis de legitimação, que é,
ao fim, o principal resultado da soma dos recursos.
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Relatório do processo contra propaganda eleitoral extemporânea –
TRE-SE – Representação # 331 – Classe 29: http://www.tre-
se.gov.br/servicos_judiciarios/acordaos/2006/acordao_0043_06_Rp_0331.pdf
NE Notícias (02/04/2009) in. http://www.nenoticias.com.br/lery.php?var=1238667007
Dep. Francisco Gualberto – Site oficial: http://www.franciscogualberto.com.br/
Dep. Ana Lúcia – Site Oficial: http://www.analucia-se.com.br/
Dep Tânia Soares – Site Oficial: http://www.taniasoares.com.br
Dep Conceição Vieira – Site Oficial: http://www.conceicao.vieira.nom.br/
Dep. Prof. Wanderlê – Site oficial: http://www.professorwanderle.com/
Dep. Mardoqueu Bodano – Site Oficial: http://www.pastormardoqueu.com.br/
Dep. Gilmar Carvalho – Blog: http://gilmarcarvalho.blogspot.com/
Dep. Venâncio Fonseca – Site Oficial: http://www.venanciofonseca.com.br/
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