SistemasAquosos
-
Upload
luciana-cassia -
Category
Documents
-
view
214 -
download
0
description
Transcript of SistemasAquosos
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal Área de Biofísica
BIOFÍSICA DA ÁGUA
Prof. Romildo Nogueira
A água constitui cerca de 70 a 90 % do peso da maior parte dos seres vivos e representa a
fase contínua da matéria viva. A água, apesar de ser considerada um líquido inerte e inócuo, é
na realidade uma substância altamente reativa e com propriedades que a distingue da maioria
dos outros líquidos. Nos dias de hoje, cada vez mais se reconhece que a água e seus produtos
de ionização (íons de hidrogênio e de hidroxila) são fatores importantes na determinação da
estrutura e das propriedades biológicas das proteínas, ácidos nucléicos, lipídios, membranas e
muitos outros componentes celulares.
Propriedades físico-químicas da água
A água tem valores elevados para o calor de vaporização, o calor específico e tensão
superficial quando comparada à maioria dos líquidos comuns. Essas propriedades indicam
que as forças de atração entre as moléculas na água líquida (sua coesão interna) são elevadas.
Um exemplo prático disso, é o calor de vaporização da água ser muito mais elevado do que
noutros líquidos, como metanol, etanol, benzeno, clorofórmio etc. O calor de vaporização é
uma medida da quantidade de energia requerida, pelo líquido, para que sejam superadas as
forças de atração entre moléculas adjacentes e elas possam escapar umas das outras e passar
para o estado gasoso. O calor específico da água é 1 Kcal (4,2 KJ), ou seja é necessário
adicionar 1 Kcal para elevar de 1 oC a temperatura de 1 litro de água. O calor específico de
lipídios e proteínas é em torno de 1,3 KJ.
As forças intermoleculares intensas na água (líquida) decorrem da distribuição
assimétrica de cargas na sua molécula, que permite a formação de um dipolo elétrico. Essa
assimetria elétrica decorre do fato que o ângulo médio da ligação H-O-H na água é de 104,5o,
e a distância interatômica média hidrogênio-oxigênio é 0,0965 nm. Essa configuração permite
que o átomo de oxigênio altamente eletronegativo tenda a atrair os únicos elétrons dos átomos
de hidrogênio, deslocando-os na direção do oxigênio. Como resultado, cada um dos átomos
de hidrogênio adquire uma carga positiva parcial (+) e o átomo de oxigênio, por sua vez, uma
carga negativa parcial local (-).
Quando duas moléculas de água se aproximam muito, ocorre atração eletrostática entre as
cargas dos dipolos adjacentes, formando as pontes de hidrogênio. Isso é acompanhado por
uma redistribuição de cargas eletrônicas em ambas as moléculas, o que acentua sua interação.
Em virtude de seu arranjo tetraédrico, cada molécula de água é, potencialmente, capaz de
formar pontes de hidrogênio com quatro moléculas de água vizinhas. Essa é a propriedade
responsável pela grande coesão interna da água líquida.
As pontes de hidrogênio entre as moléculas de água ocorrem não somente na água líquida,
mas também no gelo e no vapor . Na forma cristalina mais comum do gelo (tipo I), cada
molécula de água forma pontes de hidrogênio com quatro moléculas mais próximas de uma
rede regular, tendo uma distância média oxigênio-oxigênio de 0,276 nm. Na água líquida, a 0
oC, em determinado instante, cada molécula de água está ligada, em média, a 3,6 outras
moléculas de água através de pontes de hidrogênio. Nesse caso, a distância média, oxigênio-
oxigênio é apenas um pouco maior do que no gelo, cerca de 0,29 nm a 15 oC e 0,305 nm a 83
oC. Somente 10 % das pontes de hidrogênio no gelo são quebradas quando ele se liquefaz a 0
oC . Mesmo na água líquida a 100
oC ainda existem muitas pontes de hidrogênio, como é
evidenciado pelo alto calor de vaporização e constante dielétrica.
A pequena diferença na quantidade de pontes de hidrogênio entre a água e o gelo pode
parecer surpreendente em vista da rigidez do gelo e da fluidez da água líquida. Em parte, isso
pode ser explicado pela velocidade de formação e de quebra das pontes de hidrogênio, que na
água líquida tem a vida média de cerca de 10-11
s, enquanto no gelo são mais estáveis.
Um modelo interessante para explicar os resultados observados no gelo e na água líquida, é
o modelo contínuo. Nesse modelo é sugerido que, embora a grande maioria das pontes de
hidrogênio entre as moléculas de água, no gelo a 0 oC, permaneça sem se romper quando o
gelo se funde, elas se tornam distorcidas (dobradas segundo ângulos diferentes daqueles
indicados na forma mais estável da configuração linear). Quanto mais elevada à temperatura
da água líquida, maior a distorção e maior a instabilidade.
Propriedades solventes da água
Vários sais cristalinos e outros compostos iônicos rapidamente se dissolvem na água. Uma
vez que a rede cristalina dos sais, como cloreto de sódio, está firmemente presa por atrações
eletrostáticas muito fortes entre os íons positivos e negativos alternados, uma energia
considerável é necessária para separar esses íons uns dos outros. No entanto, a água dissolve
facilmente o cloreto de sódio, pois a forte atração eletrostática entre os dipolos da água e os
íons sódio e cloreto, para formar os íons sódio e cloreto hidratados, muito estáveis, excede
bastante a tendência de atração entre os íons sódio e cloreto. O meio aquoso também tende a
reduzir a atração eletrostática entre os íons devido a sua alta constante dielétrica da água.
A água também dissolve compostos não-iônicos, porém polares, como açúcares, álcoois,
aldeídos e cetonas. Sua solubilidade é resultante da propensão das moléculas de água à
formação de pontes de hidrogênio com grupos funcionais polares, como os grupos hidroxílicos
dos açúcares e álcoois e o oxigênio da carbonila dos aldeídos e cetonas.
Interações hidrofóbicas: como agem os sabões?
A água também dispersa ou solubiliza, em forma de micelas, compostos anfipáticos. Os
compostos anfipáticos são aqueles que contém grupos altamente polares e outros fortemente
hidrofóbicos na sua estrutura.
Exemplo de interações hidrofóbicas são os sabões, como o oleato de sódio, que tem um
grupamento carboxílico polar que se hidrata facilmente, e uma cadeia carbonada, não-polar
insolúvel em água. Devido a sua longa cadeia hidrocarbonada, há uma tendência muito
pequena do oleato de sódio dissolver-se em água de maneira semelhante a uma solução iônica.
Entretanto, ele facilmente se dispersa na água para formar micelas nas quais os grupos de
carboxilato carregados negativamente são expostos formando ligações de hidrogênio com a
fase aquosa e os grupos não-polares ficam ocultos dentro da estrutura micelar. Esta é a razão
pela qual os sabões podem lavar gorduras.
Efeito dos solutos nas propriedades da água: propriedades coligativas
A presença de solutos dissolvidos causa mudanças na estrutura e nas propriedades da água
líquida. Quando sais são dissolvidos eles tendem a quebrar a estrutura normal da água
líquida. Num sal como NaCl dissolvido em água, os íons Na+ e Cl
- ficam circundados por uma
camada de dipolos de água. A geometria dessa água ligada difere daquela encontrada na água
pura (conglomerado tetraédrico de cinco moléculas de água).
O efeito de um soluto sobre o solvente manifesta-se sobre as propriedades coligativas das
soluções, como por exemplo, diminuição do ponto de congelamento, elevação do ponto de
ebulição e diminuição da pressão de vapor. Essas propriedades dependem do número de
partículas do soluto por unidade de volume do solvente. Uma outra propriedade que o
soluto confere a solução é a pressão osmótica. Uma molécula- grama de um soluto ideal
dissolvida em 1000 g de água, a uma pressão de 760 mm de Hg, diminui o ponto de
congelamento de 1,86 oC, e eleva o ponto de ebulição 0,543
oC. Nessa condição, a solução
apresenta uma pressão osmótica igual 22,4 atm.
Ionização da água
Na molécula de água, o átomo de hidrogênio pode dissociar-se do átomo de oxigênio,
com o qual está ligado covalentemente, e pular para o átomo de oxigênio da molécula de
água adjacente, formando o íon hidrônio ( H3O +) e o íon hidroxila ( OH
-). Este fenômeno
é denominado ionização da água. Sua ocorrência é possível porque o elétron
compartilhado na ligação covalente oxigênio-hidrogênio, está deslocado para o átomo de
oxigênio, tornando possível o átomo de hidrogênio dissociar-se desse átomo de oxigênio e
formar com a molécula de água adjacente o íon hidrônio. Num litro de água pura a 25 oC
há 1,0 x 10 –7
moles de íons H3O + e OH
-.
É uma convenção usar o símbolo para H+ para designar o íon hidrônio, porém deve-se
salientar que energeticamente não existem prótons livres na água em quantidades
significantes. Eles ocorrem sempre na forma hidratada. O próprio íon H3O + também se
encontra na forma hidratada através de pontes de hidrogênio adicionais, para formar o
íon H9O4+ . O íon hidroxila também está hidratado na água líquida.
Uma decorrência desse processo de ionização é a alta velocidade de migração dos íons H+
quando sujeitos a um campo elétrico. Essa velocidade migração várias vezes maior que a de
outros cátions monovalentes, deve-se ao fato do próton poder pular de um íon hidrônio para
uma molécula de água vizinha à qual está ligado por pontes de hidrogênio. Dessa maneira, a
carga positiva pode se deslocar uma dada distância, de uma molécula de água para outra, com
um pequeno movimento das moléculas de água. Esses saltos de prótons têm o efeito de
deslocá-los numa velocidade muito superior aquela esperada para o movimento difusional dos
íons H3O +. Esse tipo de condução recebe o nome de tunelamento. O tunelamento permite que
o gelo, apesar da sua estrutura rígida, tenha aproximadamente a mesma condutividade
elétrica que a água líquida.
Potencial hidrogeniônico
A dissociação da água é um processo de equilíbrio,
2 H2O H3O + + OH
- ,
para o qual pode-se escrever a constante de equilíbrio,
Keq = [H3O +] [OH
-] / [H2O]
2 ,
onde [ ] indicam concentrações em moles / litro.
A expressão acima pode ser escrita com segue:
Keq[H2O]2 = [H3O
+] [OH
-],
A constante Keq[H2O]2 pode ser substituída por uma constante simplificada Kw,
denominada de produto iônico da água,
Kw = [H3O +] [OH
-].
O valor de Kw a 25 oC é 1,0 x 10
-14 . Numa solução ácida a concentração de H3O
+
é alta e a concentração de OH – é baixa e numa solução alcalina ocorre o inverso, no
entanto o produto se mantém constante e igual a Kw .
Uma escala para medir a concentração hidrogeniônica foi idealizada pelo
bioquímico dinamarquês Sorensen. A escala de medida de pH (termo definido por
Sorensen) foi definida da seguinte forma:
pH = - log10 [H3O +] = log10 ( 1 / [H3O
+] ) .
Numa solução neutra a 25 oC , [H3O
+] = [OH
-] = 1,0 x 10
–7.
O pH de tal solução é 7,0.
Os valores de pH podem variar de 0 a 14.
Se pH = 7 a solução é neutra, se o pH<7 a solução é ácida e se o pH > 7 a solução é
alcalina.
Como medir o pH de uma solução?
Atualmente, o método usado para medida do pH é o potenciométrico. Nesse método o pH
de uma solução é medido através da diferença de potencial gerada pelo potencial de equilíbrio
de Nernst entre a concentração hidrogeniônica no interior do eletrodo de pH e a concentração
de íons hidrogênio na solução. Aplicando-se a equação de Nernst obtem-se:
E= (RT/ZF) ln (Ce / Cs), onde Ce é a concentração hidrogeniônica no eletrodo e Cs é a
concentração do íon hidrogênio na solução. Convertendo-se o logaritmo natural em decimal,
substituindo as constantes R( constante dos gases), T( temperatura em K) ,Z( valência do íon
hidrogênio) e F(constante de Faraday) e expressando em termos de pH, tem-se:
E = 59. pH,
Portanto, o aparelho de pH (pHmetro ou potenciômetro) pode medir o pH através de uma
medida da medida da diferença do potencial elétrico.
Fenômenos de oxiredução
A energia utilizada nos processos metabólicos tanto aeróbicos como anaeróbicos vem das
reações redox dos alimentos.
As reações de oxidação e redução estão sempre acopladas, ou seja não há oxidação sem
redução equivalente, nem redução sem oxidação equivalente. Essas reações acopladas são
designadas de reações redox. As reações redox sempre ocorrem com um par redutor que
fornece elétrons e um outro par oxidante que recebe os elétrons.
Como há troca de elétrons é gerada uma ddp elétrica no processo, que é denominada de
potencial redox. O potencial redox determina o sentido da reação. Através do potencial redox
pode-se saber quem será o par redutor e o par oxidante na reação de oxiredução.
Um exemplo de reação de oxiredução é observado quando uma lâmina de zinco (Zn) é
colocada numa solução de sulfato de cobre. As seguintes reações ocorrem:
Zn2+
+ 2e- Zn
0 -0,76 V (potencial)
Cu2+
+ 2e- Cu
0 +0,34 V
O baixo potencial redox na primeira reação indica que o Zn2+
é o redutor (doador de
elétrons) e o Cu2+
é o oxidante (aceptor de elétrons) .
A questão agora é saber se esta reação ocorre espontaneamente ou não?
Para responder a questão, aplicamos o seguinte método:
Coloca-se o par redutor na ordem inversa da reação e o par oxidante é mantido na ordem
direta e depois se soma as duas reações e os respectivos valores dos potenciais redox. Se o
valor da soma algébrica dos potenciais redox for positiva a reação é espontânea e no caso
contrário é não-espontânea e precisa de energia externa para ocorrer.
Zn0 Zn
2+ + 2e
- +0,76 V
Cu2+
+ 2e- Cu
0 +0,34 V
A soma algébrica produz:
Zn0+ Cu
2+ Zn
2+ + Cu
0 +1,10 V
A reação será espontânea e o Zn0 irá se dissolver como Zn
2+ e o Cu
2+ se precipitar como Cu
0 .
Este método é usado na metalurgia para medir a eficiência da zincagem de peças metálicas.
Além da troca de elétrons, pode haver reações redox onde há troca de hidrogênio (como
prótons). Esse é o caso mais freqüente nas reações biológicas. Nestes casos, a voltagem da
reação é dependente do pH do meio. Aqui é necessário haver um doador e aceptor para os
prótons liberados, que se somam aos elétrons, e se ligam covalentemente as moléculas.
Algumas moléculas são bastante freqüentes nas reações redox dos sistemas biológicos, como
por exemplo, o NAD+ (Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo) e seu fosfato (NADP), o FAD (
Flavina Adenina Dinucleotídeo), citocromos, ubiquinonas e outras. Nas reações biológicas,
normalmente o par NAD+ / NADH. H é o componente redutor e fornece os elétrons e os
prótons para o par oxidante da reação acoplada.