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A presente edição dá cumprimento aos objetivos do projeto “Manuscritos iné-ditos de A Ilustre Casa de Ramires – edição genética”, do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa (CLEPUL), uni-dade de investigação sedeada na Faculdade de Letras e subsidiada pela Funda-ção para a Ciência e a Tecnologia (FCT). No âmbito deste projeto, coordenado por Maria Isabel Rocheta no Grupo de Literatura e Cultura Portuguesas do CLEPUL, foi constituída a equipa de Investigadoras que o desenvolveu e foram recrutados os Colaboradores, estudantes da Faculdade de Letras. Foram con-sultores científicos do projeto Carlos Reis e João Dionísio.

Setembro de 2016

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A Ilustre Casa de RamiresManuscrito autógrafo

Eça de Queirós

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Esta publicação foi financiada por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do Projeto «UID/ELT/00077/2013»

Título A Ilustre Casa de Ramires

Manuscrito autógrafo

Autor Eça de Queirós

Edição genética Cristina Sobral, Maria Isabel Rocheta e Irene Fialho

com a colaboração de Ana Paula Fernandes, António Seabra e J. Filipe Ressurreição

Coordenação Maria Isabel Rocheta

Direitos Reservados

� Esfera do Caos Editores e autoras da edição genética

Design da capa Design Glow

Impressão e Acabamento Europress - Indústria Gráfica

Depósito Legal XXXXXX/16

ISBN 978-989-680-190-8

1ª Edição Novembro de 2016

ESFERA DO CAOS EDITORES Campo Grande Apartado 52199 1721-501 Lisboa

[email protected]

www.esferadocaos.pt

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A Ilustre Casa de RamiresManuscrito autógrafo

Eça de Queirós

E D I Ç Ã O G E N É T I C A C R I S T I N A S O B R A L , M A R I A I S A B E L R O C H E T A

E I R E N E F I A L H O

C O M A C O L A B O R A Ç Ã O D E

A N A P A U L A F E R N A N D E S , A N T Ó N I O S E A B R A E J . F I L I P E R E S S U R R E I Ç Ã O

C O O R D E N A Ç Ã O

M A R I A I S A B E L R O C H E T A

P R E F Á C I O

C A R L O S R E I S

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Índice

Prefácio 9

INTRODUÇÃO 13

1 A génese d’A Ilustre Casa de Ramires 16

2 Descrição material do manuscrito 27

3 Identificação de estados genéticos 43

4 Edição genética 52

Bibliografia 55

A Ilustre Casa de Ramires 57

Bloco A 59

Bloco B 105

Bloco C 217

Alguns fólios do autógrafo 249

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Prefácio Há um facto nem sempre devidamente sublinhado, quando olhamos para

o decurso da história literária de Eça de Queirós: este é um escritor em grande parte de publicação póstuma e, designação que pode até parecer um tanto bizarra, semipóstuma, em certos casos específicos. Outro ângulo de observação que permite chegar à mesma conclusão: quando morreu, a 16 de agosto de 1900, Eça tinha dado à estampa, de sua exclusiva autoria (ou seja, com exceção de dois títulos em coautoria com Ramalho Ortigão), apenas cinco obras de ficção: O Primo Basílio (1878), O Crime do Padre Amaro (1880, terceira versão), O Manda-rim (1880), A Relíquia (1887) e Os Maias (1888). Depois disso, sucederam-se, entre dispersos e inéditos, muitos outros títulos do que hoje é a bibliografia queirosiana, não raro dados à publicidade em termos, pelo menos, discutíveis.

Compare-se aquela lista breve com os nutridos elencos bibliográficos de romancistas como Charles Dickens, Balzac, José de Alencar, Camilo Castelo Branco, Pérez Galdós ou Émile Zola (para nos limitarmos apenas a nomes do século XIX) e a diferença é abissal. Ou então, numa espécie de procedimento de compensação, em todo o caso desnecessário, junte-se Eça a Flaubert e a Clarín e teremos formado um trio ilustre de romancistas que nos legaram, em poucos mas magistrais romances, alguns dos relatos e personagens mais fulgu-rantes da literatura oitocentista.

Olhando à distância e de forma apressada, dir-se-ia que, depois d’Os Maias, Eça de Queirós parece ter mergulhado num tempo de pousio literário de que não teria conseguido emergir, até ao fim da sua vida. Pura e perversa ilusão. Os últimos dez anos, grosso modo, da vida de Eça de Queirós, como escritor, foram extremamente fecundos e prolíficos. Em crónicas de imprensa, em reedições de romances (muito retrabalhadas, sempre que isso lhe era permitido), em contos, em projetos editoriais como o da Revista de Portugal ou em textos refun-didos e reeditados, depois de aparecidos em jornais e em revistas, Eça exibiu muito do talento multiforme que lhe reconhecemos e foi lançando os alicerces de uma posteridade que não cessou de confirmar os méritos de quem só apa-rentemente foi, em vida, um escritor de produção limitada.

O romance A Ilustre Casa de Ramires faz parte da tal posteridade, de certa forma tendo padecido (ou, se se preferir, beneficiado) daquela espécie de sín-drome do perfecionismo que toda a vida atormentou o seu autor. Juntamente com A Correspondência de Fradique Mendes (1900) e com A Cidade e as Serras (1901), A Ilustre Casa de Ramires pertence ao lote dos semipóstumos queirosia-

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nos. Trata-se, então, de um texto que, quando o escritor deixou o número dos vivos, fora já objeto de longo e extenso labor de escrita e de reescrita, bem como de inserções parciais na imprensa. Tratava-se, afinal, de um trajeto que outros relatos queirosianos haviam conhecido, antes de tomarem a forma de livro. E sempre, como é sabido, depois de movimentos de ampliação de consi-derável dimensão e implicando profunda reelaboração literária.

Tudo isto conduz-nos a uma questão melindrosa, muitas vezes formulada relativamente a situações como a que foi descrita: que fazer a materiais que o escritor deixou por revelar? E uma segunda questão: como agir, quando esses materiais revelam o propósito claro de virem a ser uma edição em livro, como aconteceu com A Ilustre Casa de Ramires? Entrar na oficina do escritor, escolher, decifrar, ordenar, transcrever e anotar papéis às vezes em estádios incipientes de tratamento não é tarefa fácil nem isenta de riscos operatórios. Em certas circunstâncias, como no caso d’A Tragédia da Rua das Flores e numa situação em todo o caso bem diferente da do título de que venho falando, as soluções encon-tradas chegaram a ser desastrosas; foi isso que se passou quando da publicação, em várias e mal sucedidas edições, daquele manuscrito, num episódio em que a cupidez falou mais alto do que o respeito pela memória do escritor.

Na sua condição de semipóstumo, A Ilustre Casa de Ramires é um texto que Eça de Queirós quis que fosse lido em livro e como romance de corpo inteiro. Não há qualquer dúvida a esse propósito, conforme bem atesta a correspon-dência queirosiana, abundantemente citada na introdução que a seguir pode ler-�se. Mais: conforme se sabe e já dei a entender, A Ilustre Casa de Ramires conhe-ceu uma primeira versão incompleta, nas vistosas páginas da Revista Moderna, entre 1897 e 1899. Na edição crítica do romance que preparou, Elena Losada Soler procedeu ao confronto das duas versões, até onde isso é possível, con-fronto que foi devidamente enquadrado pela circunstanciada história textual e editorial que se encontra no estudo introdutório da referida edição crítica.*

Nessa altura, os materiais que aqui são publicados em edição genética não eram conhecidos. As poucas notícias, em grande parte provindas da preciosa Bibliografía Queirociana de Ernesto Guerra da Cal, relativas à existência dos papéis que integram este volume, eram insuficientes para a sua localização. As voltas que algumas vidas deram e certos acasos felizes entretanto ocorridos acabaram por resultar na entrada deste manuscrito no espólio queirosiano que se encontra no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea da Biblioteca Nacional de Portugal. E assim, mantendo a edição crítica de 1999 a sua perti-nência, a presente edição genética lança uma nova luz, a partir de um outro ������������������������������������������������������������� Veja-se: Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires. Edição por Elena Losada Soler. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999.

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prisma de observação metodológica, sobre a história daquele que é um dos mais representativos textos de Eça de Queirós.

O volume que agora aparece resulta do trabalho sério e competente de três investigadoras: Cristina Sobral, Maria Isabel Rocheta e Irene Fialho. Desenvolvendo uma estreita colaboração e recorrendo a um conhecimento profundo do espólio, dos procedimentos de escrita e dos projetos editoriais de Eça de Queirós, aquelas três investigadoras oferecem ao leitor interessado uma edição genética dos manuscritos que formam o conjunto que aqui é tornado público. Não se trata, evidentemente, de uma edição destinada ao grande público, mas sim a quem desejar conhecer mais (e melhor) daquilo que um grande escritor fez, na intimidade do seu gabinete. Para esse conhecimento contribui decisivamente a bem documentada introdução, assinada por Cristina Sobral, que antecede a transcrição do manuscrito.

O rigor e o sentido de exigência que enformam este trabalho são apoiados pelo recurso metódico aos instrumentos operatórios que a crítica genética faculta. Como resultado dessa opção metodológica, podemos afirmar, com segurança, que foi assim que Eça escreveu; e que desse modo um grande romance foi tomando forma, ao longo dos laboriosos anos que o escritor lhe dedicou. Por tudo isto e pelo mais que ficou dito, Cristina Sobral, Maria Isabel Rocheta e Irene Fialho prestaram um excelente serviço aos estudos queirosianos.

Carlos Reis

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INTRODUÇÃO

Cristina Sobral

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A Ilustre Casa de Ramires, publicada em 1900, pouco depois da morte do seu autor, é um dos romances semi-póstumos de Eça de Queirós, o que significa que a derradeira revisão de provas ficou interrompida quando estava quase termi-nada. As últimas 137 páginas da edição publicada pela empresa Lello e Irmão em 1900 foram revistas por Júlio Brandão, tendo Eça revisto 417. A história das aspirações de Gonçalo Mendes Ramires foi publicada em 1999, por Elena Losada Soler1, numa edição crítica que inclui também as variantes dos dois teste-munhos impressos em vida do autor, o fragmento publicado n’A Arte em 1895 (1.º ano, n.º1, 1 de Novembro, p. 9-10) e os folhetins publicados na Revista Moderna (de Novembro de 1897, n.º 10, a Março de 1899, n.º 29) e interrompi-dos antes da conclusão da narrativa. Com a edição da Imprensa Nacional foi, assim, facultado acesso simultâneo à lição de testemunhos anteriores, ofere-cendo-se condições para a comparação de versões e a análise da génese do romance. À data desta edição já era, porém, conhecida a existência de um manuscrito autógrafo, que E. Guerra da Cal vira não sabemos exatamente em que data mas que noticia no seu estudo publicado em 19752. Baseada a descrição numa fotocópia da primeira página, que lhe foi mostrada por um amigo, o crítico galego desconhecia o número total de folhas e, provavelmente por informação incorreta desse amigo, afirma que o autógrafo se compõe de sete capítulos.

Estava então o manuscrito na posse de Maria Angélica de Magalhães Vaz Pinto, do Porto, mas perdeu-se-lhe o rasto com a morte da proprietária. Reen-contramo-lo em 2007, quando fez notícia nos jornais: Maria Angélica Vaz Pinto tê-lo-á vendido em 1973 ao Banco Pinto de Magalhães e, daí, o autógrafo acom-panhou as vicissitudes da banca depois de 25 de Abril de 1974: com as nacionali-zações foi transferido para a União de Bancos Portugueses e, em 1996, estava à guarda do Banco Mello, vindo, com ele, a ser integrado no Banco Comercial Português, em cujos cofres foi encontrado, em 2006, por Manuel M. C. Vieira da Cruz3.

Doado à Biblioteca Nacional de Portugal em 20074, encontra-se hoje no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea. ������������������������������������������������������������1 E. Queirós, A Ilustre Casa de Ramires, ed. E. Losada Soler. 2 E. Guerra Da Cal, Lengua y Estilo, Tomo 1º., pp. 118, 433-4. 3 M. José Oliveira, «Manuscritos de Eça permitirão estudar genética textual de dois romances», Público, edição em linha, 24 de Março de 2007: https://www.publico.pt/portugal/jornal/manuscritos-de-eca-�permitirao-estudar-genetica-textual-de-dois-romances-181261 (acesso em 28 de Março de 2016). 4 V. A. B. de Oliveira e I. Fialho (Coord.), Aquisições Queirosianas. O manuscrito foi já objeto de alguns estudos: E. Losada Soler, «O manuscrito Millenium BCP»; M. I. Rocheta, «A génese de um romance queirosiano»; idem, «O segredo d’ A Ilustre Casa de Ramires.»; C. Sobral e I. Rocheta, «A ‘machina creadora’ de Eça de Queirós».

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A génese d’A Ilustre Casa de Ramires

Eu já não reemendo tão atormentadamente.5

Em 1891, escrevendo a Luís de Magalhães sobre o conto que preparava

para a Revista de Portugal, e dando-o como quase pronto, Eça descansava o amigo com a declaração em epígrafe, para que não receasse o seu trabalho de revisão de provas. Bem sabia ele – e sabiam os amigos – que havia muito que recear quando se entregava a Eça um jogo de provas. Afinal, só nove anos e muitas revisões depois veio a empreender a derradeira e laboriosa re-emenda d’A Ilustre Casa de Ramires, deixada incompleta pela sua morte.

Nem sempre a perceção que o autor tem acerca do seu próprio processo de escrita coincide com o que dela nos dizem a análise dos seus testemunhos de génese e os elementos de génese externa. É por isso que, se o geneticista textual, desejoso de documentar o momento fundador de uma obra, o hic et nunc da primeira vez que o projeto aflorou a mente do seu autor, o interrogasse, o próprio escritor titubearia, antes de ensaiar alguma narrativa fundacional, que mais não dataria que o momento da sua própria enunciação. O que nos diria Eça acerca da relação entre A Ilustre Casa de Ramires e A Ilustre Família de Estar-reja, oitava novela na série de 12 propostas em 1875 a Chardron6? João Gaspar Simões não pôs fé nesta relação mas não nos apresenta nenhum argumento7 e Elena Losada Soler tão pouco acredita nela, por julgar que o romance do final do século não corresponde ao espírito «à Balzac» com que Eça o perfilhava em 1878: se «a Ilustre Família de Estarreja chegou a ter alguma vez mais que o título, o seu conteúdo seria muito distinto do romance finissecular que conhecemos»8.

������������������������������������������������������������5 E. Queirós, Correspondência, carta a L. Magalhães, 18/9/1891, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 144. 6 Sobre esta proposta e o projeto de Eça das Cenas da Vida Portuguesa, v. J. G. Simões, Vida e Obra; E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 1, p. 149; E. Queirós, A Capital!, ed. L. F. Duarte, pp. 19, 36, 38. 7 «Será a ‘Ilustre Família de Estarreja’ o germe da futura ‘Ilustre Casa de Ramires’? Duvido» (J.G. Simões, Vida e Obra, p. 415). 8 E. Queirós, A Ilustre Casa de Ramires, ed. E. Losada Soler, p. 15.

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Não parecem ser estas razões suficientes, pois que o projeto para A Capital! e para Os Maias (primeiro e último títulos dos 12 propostos em 1878), pequenas novelas de 180-200 páginas a serem publicadas mensalmente, foi evidente-mente muito diferente daquilo em que esses romances se tornaram9. É credível que uma ideia embrionária do que viria a ser A Ilustre Casa de Ramires estivesse já na mente de Eça, mas tudo o que podemos dizer a esse respeito é que já em 1877 Eça planeava escrever sobre uma família de ilustres pergaminhos e ins-crevê-la numa série de tipos portugueses «que fosse a pintura da vida contem-porânea em Portugal: Lisboa, Porto, províncias, políticos, negociantes, fidalgos, jogadores, advogados, médicos, todas as classes, todos os costumes, estariam nesta galeria»10. De texto escrito por essa altura, todavia, não há qualquer sinal. Só doze anos depois temos notícia dos primeiros testemunhos.

Na génese do romance podemos hoje distinguir três fases, que correspon-deram a três projetos. A primeira fase abrange o período de Novembro de 1890 ao final de 1891 e tem como objetivo a publicação de um conto na Revista de Portugal. É no seu número de 14 de Novembro de 1890 que se anuncia: «bre-vemente um conto de Eça de Queiroz, A Ilustre Casa de Ramires». No ano seguinte, na sua correspondência com Luís de Magalhães, que se encarregara das tarefas de edição da nova série da Revista, podemos acompanhar o andamento deste “conto”:

12-8-1891 Tratando com L. Magalhães dos textos que deveriam entrar no número da «vida nova» da Revista: «Estou tratando do Conto.»11

20-8-1891 Tratando do mesmo e desejando a saída do número da Revista em Setem-bro: «O conto, em fabricação.»12

18-9-1891 Duvidando se Luís de Magalhães conseguiria cumprir o sumário que propusera para a Revista, que só podia ter 150 páginas: «Ora o meu conto dá pelo menos trinta. Não o pude nem soube fazer mais curto. Cada vez possuo menos aquela arte de concisão que caracteriza o verda-deiro escritor. Para dizer bom-dia preciso volumes (...) O meu conto não pode ser cortado em dois números. Pelo menos assim penso; mas

������������������������������������������������������������9 Mesmo no caso d’A Capital!, que não chegou a ter forma definitiva mas cujo dossier genético revela um trabalho de amplificação que ultrapassaria largamente o limite de páginas da novela (o testemunho A é constituído por 207 folhas escritas em ambos os lados e o testemunho B por 266 folhas igualmente escritas em ambos os lados (v. E. Queirós, A Capital!, ed. L. F. Duarte, pp. 25, 26.). 10 Carta a Chardron, enviada de Newcastle em 5 de Outubro de 1877, em E. Queirós, Correspon-dência, ed. A. C. Matos vol.1, p. 149. 11 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 141. 12 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 142.

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talvez V. vendo-o em provas ache que ele pode sem prejuízo da arte, ser dividido. Nesse caso dou-lhe toda a autorização para o cortar. Diga-�me pela volta do correio, até que data, o mais tardar, ele deve ser reme-tido. Não receie as provas. Eu já não reemendo tão atormentada-mente.» «... o meu conto quer 30 páginas.» «O meu conto está pronto, necessita só uma revisão geral: diga por-tanto quando o precisa, data certa. � Não o tenho mandado já, porque tenho tido outros trabalhos em mão.»13

21-10-1891 «... tenho estado a rever o Conto � operação que é sempre para mim longa e laboriosa. É quase uma recomposição. Espero poder remeter amanhã, se Deus quiser, a primeira parte.»14 «... avento a ideia de publicar este 1º número sem o meu conto. É evi-dente que dada a matéria cujo sumário V. me mandou não é possível dispor de 30 a 35 páginas para a minha novelazinha. Mas eu agora reconheço que ela perderia totalmente o seu efeito se tivesse de ser cortada. Não tem enredo. É um simples lance, todo de ironia, reve-lando um carácter. Isto não se pode partir em dois. Eu por mim, no seu caso, dava o número sem Conto – e anunciava o Conto na capa. (...) Em todo o caso eu mando o original.»15

Após um Agosto de «fabricação», em Setembro, o conto, com 30 páginas, é considerado praticamente terminado, necessitando apenas de uma revisão geral, com a qual há que relacionar a disponibilidade do autor para enviar quanto antes o original. Para a mencionada revisão, Eça contava certamente com as provas que lhe seriam enviadas e que tinha por hábito usar como uma cópia limpa sobre a qual continuava a trabalhar o texto16. Acreditava ele, em Setembro de 1891, que as variantes a introduzir seriam de pouca monta e estava disposto a dar o texto por terminado na forma de conto. Porém, só no mês seguinte terá enviado o original e já então cedera à tentação de uma «longa e laboriosa» revisão, que equivalia a uma «recomposição», que podia ir até às 35 páginas e que se tornara uma «novelazinha», de ação pouco elaborada (um lance irónico, revelador de um caráter).

O original seguiu e deu origem a provas, embora nunca tenha chegado a sair na Revista. O que sabemos sobre essas provas é o próprio Eça que o diz muito mais tarde, quando em Outubro de 1897 envia o primeiro capítulo a Henrique Casanova, projetado ilustrador da Revista Moderna: ������������������������������������������������������������13 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, pp. 144-6. 14 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 152. 15 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 153. 16 Sobre este processo, amplamente documentado no seu espólio, v. E. Queirós, A Capital!, ed. L. F. Duarte: «Introdução», pp. 19-74.

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8-10-1897 «Deve ter recebido o primeiro capítulo da Casa de Ramires. Como este romance esteve para aparecer na minha antiga Revista de Portugal eu con-servei desse tempo uma prova, que agora aproveito para a impressão na Revista Moderna e que dão [sic] ao meu amigo a vantagem de ler o conto em letra redonda, e não na minha má caligrafia. Não lhe posso porém remeter todo o romance, � porque eu mesmo, neste momento, preciso dessas provas, que são hoje o meu original. Irei, pois, mandando capítulo por capítulo, se Deus quiser, para que o meu amigo vá fazendo as ilustra-ções. (...) É uma anedota passada na província, entre Minho e Douro. Tudo é caracteristicamente provinciano. A casa do meu herói é um velho palacete, já empobrecido, e meio desmobilado. Ele próprio, o herói, é um moço de vinte e cinco anos, alto, espigado, louro, com uma barba rala, o ar esperto e bondoso (...) essa parte que lhe mandei forma um capítulo»17

É portanto seguro que houve provas da Revista de Portugal, certamente provas de granel e não de página, uma vez que nem sequer estaria ainda clara a identificação de capítulos, obrigando Eça a explicitar o estatuto que o frag-mento enviado detinha na estrutura do «conto». Termina aqui o primeiro pro-jeto de texto, que incluiu pelo menos duas etapas de génese: o conto antes da «recomposição» de Outubro de 1891 e a «novelazinha» que dela resultou e de que se imprimiram provas.

O segundo projeto é a publicação em petit livre18 pelos habituais editores de Eça, Lugan e Genelioux, responsáveis pela casa Chardron, e podemos segui-lo através da correspondência com eles mantida:

29-07-1893 A Genelioux: «Quant à mes travaux, j’ai deux petites nouvelles à publier (avant même la Casa de Ramires).» «La Casa de Ramires est presque finie»19

A Lugan, após a morte de Genelioux: 17-11-1893 «J’espère que vous avez reçu l’original de la Famille Ramires.»20 18-11-1893 Retomando o plano antigo de publicação de uma série de petits livres,

propõe que comecem a experiência com a novela A Cidade e as Serras: «pendant même le travail d’épreuves de Fradique et Ramires.»21

14-2-1894 «Je vous envoie aujourd’hui le 1er chapitre du petit livre A Cidade e as Serras. L’ouvrage n’a que 4 chapitres. Dans le type da Relíquia ça nous fera peut-être 130 pages.»

������������������������������������������������������������17 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 372. 18 Trata-se do projeto de doze pequenos romances que Eça propusera a Chardron em 1877, v. E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 1, p. 149-150. 19 E. Queirós, Correspondência, A. C. Matos, vol. 2, p. 238. 20 E. Queirós, Correspondência, A. C. Matos, vol. 2, p. 253. 21 E. Queirós, Correspondência, A. C. Matos, vol. 2, p. 254.

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«J’ai l’intention de faire de la Casa de Ramires aussi un petit livre. Il n’y manque que le dernier chapitre. Je n’y ajouterai pas les développements que j’avais imaginé et on le publiera tel qu’il est aprés retouches faites. Ça doit donner aussi un petit volume de 130 pages.»22

17-5-1894 «Je vous ai expedié il y a deux jours un télégramme demandant à voir des provas de página avant le bon a tirer. Il y a en effet assez de retouches pour qu’on puisse imprimer sans une révision d’auteur». Esta era a combinação que fora feita com Genelioux : «une première composition dans un type quelconque. C’est ce que notre pauvre ami Genelioux avait décidé pour la Maison de Ramires.»23

23-6-1894 Sobre a renegociação dos contratos editoriais com Lello & Irmão: «Relativamente às obras em publicação, a Cidade e as Serras e o Fradique, e mesmo a Casa de Ramires (pois que já existe um começo de execução), eu estou inteiramente disposto a negociar com os Srs. Lello & Irmão nas condições que tinham sido estabelecidas entre nós»24 «Se porém os Srs. Lello & Irmão não chegarem a vir a um acordo neste negócio, creio que deveremos liquidar a nossa situação relativamente a Fradique, Ramires e Cidade e Serras � porque, readquirindo eu a liberdade para negociar sobre estes livros, devo naturalmente reembolsar o Sr. Lugan das despesas que fez com composição, folhas tiradas, etc., ficando eu de posse dessas folhas, etc.»25

Se não tivéssemos conhecimento da primeira fase, julgaríamos, pelos ter-mos em que Eça se refere à Casa de Ramires em 1893-94, que se tratava de uma história escrita pela primeira vez. De facto, nada faz supor que trabalha sobre provas anteriores: está quase terminada, diz ele em 29 Julho, e não revista ou terminada a revisão. O que é enviado em Novembro é um novo manuscrito e não umas antigas provas revistas. De resto, tal não seria praticável, visto que as antigas provas correspondiam a 35 páginas impressas e o projeto de petit livre significa 130 páginas, que compreendem quatro capítulos, padrão também apli-cado a A Cidade e as Serras. Em Fevereiro de 1894, A Ilustre Casa tinha ainda apenas três capítulos (visto que lhe faltava o último de um total de quatro) e era, provavelmente, um novo manuscrito, feito mantendo o autor como guia o anterior manuscrito ou as provas da antiga versão.

Em Maio de 94, da nova versão já havia provas de granel muito emenda-das, a ponto de Eça exigir provas de página para ter a certeza de que tudo fora devidamente integrado. Tratava-se, porém, ainda de provas parciais. Quando ������������������������������������������������������������22 E. Queirós, Correspondência, A. C. Matos, vol. 2, pp. 256-7. 23 E. Queirós, Correspondência, A. C. Matos, vol. 2, p. 263. 24 E. Queirós, Correspondência, A. C. Matos, vol. 2, p. 266. 25 E. Queirós, Correspondência, A. C. Matos, vol. 2, p. 267.

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em Junho escreve a Lugan sobre a transferência dos seus contratos editoriais para Lello & Irmão, considera a execução da edição apenas no seu começo, dispondo-se a pagar, caso os novos editores não aceitem as suas condições, pela composição e provas já tiradas. É de sublinhar o interesse de Eça em pagar por estas «folhas tiradas», que se destinavam a uma edição que não che-garia a fazer-se: trata-se de mais uma cópia limpa, de enorme valor para a con-tinuação do trabalho numa época sem processadores de texto e em condições financeiras que não permitiam contratar os serviços de um secretário particular.

Durante mais de um ano não temos notícia d’A Ilustre Casa de Ramires, até que um fragmento dela é publicado nas páginas 9-10 do nº 1 d’A Arte, em Novembro de 1895. Planeava-se, como veremos mais adiante, a continuação da publicação, o que acabou por não se verificar. Significa que o projeto do petit livre não encontrara acolhimento junto dos novos editores da casa Char-dron? Procurava Eça outras saídas para o seu romance? Pensou, pelo menos, na possibilidade de publicação no Brasil: em carta de 23 de Janeiro de 1896 a Alberto de Oliveira, editor de O Serão, relatava a sua ocupação com prosa devida à Gazeta de Notícias, de que recebia um salário e a quem (para poder recebê-lo) devia primazia, como justificação para o facto de ainda lhe não ter enviado Ramires: «Se o bilhete da lotaria do Natal que o Bebert, por sua mão, comprou em Madrid, tivesse sido premiado, já eu teria remetido para o Serão Ramires e Ulisses»26. Mas isto não significava que tivesse abandonado o projeto de publicação em livro. Em 1897, já havia acordo com Lello & Irmão, a quem Eça escreve:

12-02-1897 «Em quanto às Crónicas e Casa de Ramires, estou de acordo com os seus desejos. Mas por enquanto todo o meu esforço é para me desembaraçar da Cidade e Serras.» 27

Em que consistia o acordo não fica dito mas podemos adivinhá-lo: este é certamente o momento em que morre o projeto do petit livre e se entra na ter-ceira fase da génese. O projeto será agora a publicação definitiva em livro (nas dimensões habituais de um romance), na velha casa Chardron. Isto não exclui, porém, uma publicação prévia em folhetins, na Revista Moderna, que se iniciará em Novembro de 1897 (nº 10) e terminará em Março de 1899 (nº 29).

Para a ilustração desta revista, enviou Eça a Henrique Casanova28, em Outubro de 1897, como vimos, o primeiro capítulo das provas da Revista de Por-������������������������������������������������������������26 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 320. 27 A carta, publicada em E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 341, é, por lapso, datada de 1887.

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tugal. Serviam-lhe agora de «original». Estranha declaração. Postulámos há pouco que estas provas terão servido apenas de guia e não de suporte para a recompo-sição do texto para o projeto do petit livre, pelo que o estatuto de «original» não deve ser aqui considerado senão da mesma forma, isto é como guião para um novo manuscrito. Ainda assim, cabe perguntar porque não usava Eça, para este efeito, as provas ou o manuscrito do petit livre, que continham uma versão poste-rior? Uma explicação pode estar no facto de o petit livre não ter chegado a adqui-rir o seu quarto capítulo, cujo conteúdo estaria esboçado na versão para a Revista de Portugal. Outra explicação seria o desejo de Eça de manter sob controlo todas as versões, a fim de dispor de variantes alternativas. Uma vez que a maior parte destes testemunhos se perdeu, dificilmente poderemos solucionar o problema.

De Novembro de 1897 até 1900, com o falecimento do autor, decorre a terceira e última fase da génese. De uma peculiar fase genética, diríamos, uma vez que Eça vai produzindo texto para duas finalidades e, provavelmente, revendo provas em duplicado, se é que a Revista as fornecia, facto que não temos documentado mas deve aceitar-se como provável. Oiçamos Eça na sua correspondência:

24-5-1898 a Emília

«Mas foi necessário trabalhar e mandar original para a Revista, que depois de me ter dado tempo largo para enviar Ramires, agora o exige à pressa e à lufa-lufa.»29

5-8-1898 a J. Lello

«Recebeu aí o começo da Ilustre Casa de Ramires sem ser acompanhado por algumas indicações (...) sobre o tipo em que o romance deve ser impresso (...) Eu estou apressando as remessas deste original sem saber ainda se há realmente urgência. A Revista está talvez em vésperas de suspender a sua publicação. (...) Ora se a Revista findar, o Ramires fica por acabar e não há então necessidade de o imprimir em livro, à lufa-�lufa. Antes convém então essa pressa toda dedicá-la à Cidade e Serras. E o Ramires pode ser continuado sem urgência, e de modo a deixar que a Cidade e Serras apareçam primeiro (...)»30 «Em quanto às provas do Ramires, basta que me mandem provas de página. Esse original que vou remetendo, corrigido serve de provas de granel. E como as correcções agora são definitivas, não há necessidade de outras provas além das de página.»31

15-8-1898 a E. Prado

«… o negócio do Ramires, que os meus editores, muito prejudicados com as pavorosas demoras da Cidade e as Serras e Fradique, me suplicam

�������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������28 O ilustrador foi, afinal, Dillon, e não Casanova. Terá este devolvido a Eça as provas recebi-das? 29 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 409. 30 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 430. 31 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 431.

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de findar, e rever, e ter preparado para livro, antes de ele passar todo na Revista.»32

23-9-1898 a J. Lello

«Recebi as primeiras provas do Ramires, que devolvi. Eu tinha falado na minha última carta em compor o romance no tipo da Cidade e Serras. Mas o tipo em que vieram as provas também me agradou muito (...) Eu pedi umas segundas provas desta primeira folha para me fixar bem sobre o aspecto geral, depois de substituído o tipo do título, e feitas outras modificações que vão indicadas. Mas em regra não haverão [sic] segundas provas. O que eu desejo é que me mandem sempre a maior porção de composição possível � e que as provas venham já em página e faiadas. Suponho que o volume dará umas 360 a 380 páginas. Fica bem proporcionado. A Revista creio que continua. Mas temos todo o tempo para a impressão completa do Romance � porque a Revista não pode sair com regularidade, e eu dou trechos curtos.»33

27-2-1899 a Emília

«Por estes dois dias estou sobrecarregado com Ramires.»34

2-3-1899 a Emília

«Tenho estado muito sobrecarregado de Ramires.»35

8-3-1899 a Maria

está ocupado com «un certain M. Ramires»36

8-8-1899 a Emília

«Faço muito Ramires»37

16-8-1899 a Emília

preocupado com as viagens para alugar casa no campo: «E o tempo passa e nada de campo e nada de Ramires.»38

4-1-1900 ao Diretor da Revista Brasil-Portugal

«Eu tenho andado, ando ainda, muito absorvido na tarefa de acabar e repolir o meu novo romance � A Ilustre Casa de Ramires.» «depois de desembaraçado do Ramires, querendo Deus...»39

Até Março de 1899, parece claro que Eça enviava originais para dois des-tinatários, à Revista trechos propositadamente curtos, que iam alimentando os folhetins sem comprometer o interesse pela compra do livro final. Tudo indica ������������������������������������������������������������32 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 437. 33 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 449. 34 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 456. 35 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 456. 36 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 457. 37 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 485. 38 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 487. 39 E. Queirós, Correspondência, ed. A. C. Matos, vol. 2, p. 497.

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que se tratou de uma estratégia de marketing previamente acordada com o edi-tor Lello, com o qual Eça se acertara a 12 de Fevereiro de 1897, antes do início da saída dos folhetins. A conveniência na interrupção dos folhetins, manifestada em Agosto e Setembro de 1898, supõe que era este o projeto desde o início: despertar o interesse do público com os folhetins e reservar o final da história apenas para quem comprasse o livro. A partir de Março de 1899, a presença constante «do Ramires» na correspondência de Eça para a família mostra o enorme cuidado que a preparação do livro, interrompidos já os folhetins, conti-nuava a merecer-lhe, servindo mesmo o Sr. Ramires de justificação para a demora na correspondência com a pequena Maria, então com 12 anos.

Quanto a testemunhos, nada nos é dito de concreto. O que era o «origi-nal» a que Eça se refere nas cartas a Lello? Um novo manuscrito, diferente do que enviara para a Revista Moderna, ou o mesmo emendado? Ou as provas da Revista Moderna, emendadas? Não temos elementos para poder dizê-lo.

Qual o lugar que, neste longo processo de génese, ocupa o manuscrito que aqui analisamos? Existem provas, já apresentadas, de que foi ele que serviu de original de imprensa para a publicação n’A Arte40. Recordemos os argumen-tos:

1.� O texto d’A Arte corresponde aos fls. 36-39 e a maior parte do fl.40 do Bloco C do manuscrito, no início do qual o autor inscrevera obliquamente uma forma reduzida do título (v. adiante a descrição material). Mão aló-grafa, a lápis, restitui o título na íntegra e recorta o fragmento que foi publi-cado, separando-o do restante texto por linhas pontilhadas, fazendo-o ante-ceder pela inscrição excerpto inédito, como no texto impresso, e fazendo-o seguir pelas inscrições (Continua), à esquerda e Eça de Queiroz, à direita. 2. O texto é uma versão limpa do manuscrito, fixando sempre o texto que resulta das emendas do autor e nunca uma variante cancelada. Existem apenas variantes gráficas, reposição de acentos ou de marcas gráficas de que Eça habitualmente prescinde, abertura de um parágrafo e pequenas correções de pontuação. Uma única vez introduziu uma variante linguís-tica: dois/dous. 3. N’A Arte reproduzem-se dois erros do autor, o que sugere que Eça não reviu provas desta publicação, pois se as tivesse revisto, com a atenção que Eça normalmente dedicava a esta tarefa, é de presumir que não teriam sobrevivido tais erros, tanto mais que um deles era lapso politicamente comprometedor: João Franco por João Vasco. O outro consiste no esqueci-

������������������������������������������������������������40 C. Sobral e M. I. Rocheta, «A ‘machina creadora’», pp. 181-97, especialmente pp. 182-3. Sobre este testemunho v. também A.O. Santos, «De Carnide a Corinde».

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mento de para numa frase em que esta ausência produz agramaticalidade: Mas ter veia, precisava saber que a eleição está segura. 4. O tipógrafo comete um erro paleográfico em lugar onde a difícil letra de Eça sugere que em se lê eu (acrescentando em seguida em, necessário à frase) e que Corinde se lê Carnide: (autógrafo: No domingo cedo estava em Corinde, no “solar” dos Cavalleiros; A Arte: No domingo cedo estava eu em Carnide no “solar” dos Cavalleiros).

Duas conclusões tinham já sido tiradas destes dados. Em primeiro lugar, o projeto de publicação era para ter continuidade mas perdeu-se no período algo obscuro da transição da empresa Chardron das mãos de Lugan para as dos portugueses Lello & Irmão. Não seria, em todo o caso, um projeto de publica-ção integral, já que começara num ponto bastante avançado da narrativa e não no seu início. Em segundo lugar, o manuscrito que agora estudamos é anterior a Novembro de 1895 e estava já, nesta altura, na forma que hoje lhe conhece-mos, o que podemos deduzir precisamente do facto de o segmento publicado pertencer a um ponto adiantado da narrativa.

Para a definição exata do lugar que o autógrafo ocupa na seriação dos testemunhos que teriam constituído o dossier genético d’A Ilustre Casa de Rami-res, seria preciso que tivesse sobrevivido mais do que este manuscrito. Ficamos, assim, confinados a conjeturas. Vejamos, em resumo, os estados genéticos que é possível enumerar:

MANUSCRITOS IMPRESSOS

1ª FASE

Agosto de 1891 conto, 30 páginasOutubro de 1891 novelazinha, 35 páginas Provas da Revista de Portugal

FASE

Junho de 1894 3 capítulos de um petit livre que viria a ter 130 páginas (com 4 capítulos)

Provas parciais da casa Chardron

Novembro de 1895 A Arte

As 184 folhas do manuscrito eliminam, à partida, a hipótese de corres-ponderem, sem outras considerações, a algum dos estados genéticos da pri-meira fase. Aproximam-se de umas possíveis 130 páginas e incluem texto que pode corresponder a três capítulos, respeitantes aos três blocos que adiante se descreverão (v. «A estrutura em blocos», na descrição material do manuscrito), o segundo dos quais iniciado com a numeração romana II, de início de capí-tulo. Tudo indica que o manuscrito é o testemunho de Junho de 1894, inter-rompido com o abandono por Lugan do negócio editorial e com o subse-quente abandono do projeto do petit livre.

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Isto impõe uma pergunta: porque não enviou Eça à revista A Arte as pro-vas que tinha em sua mão mas antes o manuscrito? Porque queria conservá-las consigo para servirem para posteriores versões? Já vimos acima que o enca-deamento dos testemunhos não é necessariamente linear e que talvez Eça mantivesse sob controlo mais do que uma versão do texto, quando reescrevia. Elementos já aduzidos em 2012 mostram que esta é uma hipótese sustentável. Sugeria-se então a possibilidade de, no momento da revisão para a edição final de 1900, haver recurso esporádico ao manuscrito, patente em dois lugares de recuperação de variantes abandonadas já na Revista Moderna:

Manuscrito O Fidalgo da Torre, torcia a <pelle> pêra, desconsolado.

A Arte O Fidalgo da Torre, torcia a pêra, desconsolado. Revista Moderna Gonçalo torcia o bigode, desconsoladamente:

ed. Chardron Gonçalo torcia o bigode, desconsolado:

Manuscrito E o Governador, [�Civil] <appareceu a uma porta, em mangas de camisa, gritando [�alegremente] a Gonçalo Mendes Ramires, que entrava, que elles não>, do fundo do Corredor, gritou alegremente a Gonçalo Mendes Ramires

A Arte E o Governador Civil, do fundo do corredor, gritou alegremente a Gonçalo Mendes Ramires

Revista Moderna André, avisado pelo criado, o seu fiel Mateus (que se deleitara de rever em Corinde o Senhor D. Gonçalo!) chamou alvoroçadamente, dentre o reposteiro corrido

ed. Chardron André, avisado pelo criado, o fiel Mateus, gritou alegremente

Não servem, portanto, raciocínios que procurem apurar uma linearidade que pode nunca ter existido. A decisão de reescrever um texto, se essa reescrita resultaria previsivelmente numa versão bastante ampliada, determinava certa-mente a partida de um novo suporte em branco, escrito à vista de versões ante-riores. Mas se a ampliação do texto não era um projeto demasiado ambicioso e se se acreditava que seria moderada, é natural que se utilizasse o suporte de uma versão anterior, emendando sobre ele. Tudo indica que foi isto que acon-teceu com o manuscrito da Ilustre Casa de Ramires, única peça sobrevivente de um ante-texto de que tudo o resto se perdeu.

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Descrição material do manuscrito Localização

O testemunho autógrafo d’A Ilustre Casa de Ramires deu entrada, na Biblioteca Nacional de Portugal, no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea, sob a cota E1/313.

Em 2007, quando o manuscrito integrou o espólio de Eça de Queirós da Biblioteca Nacional, foi brevemente descrito por Irene Fialho e António Braz de Oliveira41, que registaram o facto de a foliação autógrafa ser não contínua ao longo do manuscrito mas recomeçar quatro vezes. Era ainda notória uma divi-são do manuscrito em unidades, sugerida pela intitulação autógrafa. Foi então estabelecida por Fialho e Oliveira uma divisão do manuscrito em blocos, de acordo com a numeração e a intitulação autógrafas, tal como se apresenta no ponto seguinte (v. adiante «A estrutura em blocos»). Nesta descrição serão refe-ridos os fólios utilizando o sistema de referência em blocos.

Suporte

É constituído por 184 folhas de papel soltas, não pautadas, escritas apenas no reto e com as medidas médias de 311 x 229 mm, que resultam do corte de uma folha maior. As marcas de corte, feito, por vezes de forma imperfeita, provavelmente com uma faca, são claramente visíveis, sempre no lado esquerdo e de cabeça da folha e, nalgumas folhas, também no lado direito. Isto significa que, depois de cortadas as folhas, Eça dispôs-se a escrever sempre depois de previamente ter orientado o suporte de modo a que o lado de pé tivesse um corte regular e, quando foi possível obter dois lados de corte regular, o lateral seria sempre à direita da escrita. Por outro lado, os cortes permitem reconsti-tuir aproximadamente a dimensão mínima da folha original: 622 x 687 mm.

������������������������������������������������������������41 A. B. Oliveira e I. Fialho, Aquisições Queirosianas.

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Trata-se de papel pouco espesso, de gramagem regular, de muito boa qua-lidade, que não apresenta vergaturas nem pontusais, como sucede com o papel de fabrico mecânico, em que a secagem da pasta é feita por aspiração em cilindro e não em formas como no processo manual, e em que a filigrana é colocada em relevo na trama.

As folhas provêm de dois fabricantes diferentes, ambos franceses, como atestam as filigranas. Encontramos, em primeiro lugar, a filigrana LATUNE ET CIE BLACONS, localizada sempre verticalmente no lado direito das folhas. No Bloco B aparece uma outra filigrana: J.DAGUERRE, visível, no Bloco B1, tam-bém verticalmente no lado direito da folha e, no Bloco B3, horizontalmente no lado de pé da folha. No Bloco B3 reaparece o papel LATUNE em duas folhas mas agora a filigrana apresenta uma linha sob as palavras e a posição vertical é ligeiramente defeituosa, fugindo ao rigoroso paralelo com o lado da folha. Pare-cem provir, estas folhas, de um lote diferente do mesmo fabricante. No mesmo bloco ainda, regressa o papel DAGUERRE na posição vertical. Em todo o Bloco C onde são visíveis filigranas foi usado papel DAGUERRE, com a fili-grana horizontal, exceto na folha 63, cujo papel é do mesmo lote LATUNE com a linha subposta. O quadro que se mostra em extratexto permite uma melhor visualização da distribuição das filigranas (Figura16, em extratexto)42.

O papel Latune, de Blacons, é um papel de grande qualidade43, utilizado no final do século por pintores e compositores44, de fabrico em cilindro mecânico já em 1834. ������������������������������������������������������������42 Nos fólios que não constam no quadro não é visível nenhuma filigrana. 43 Os moinhos papeleiros da comuna de Blacons foram comprados em 1806 pelos irmãos Paul René e Barthélemy Lombard-Latune que, em 1818, produziram as primeiras folhas de papel Latune et Compagnie. Menos de vinte anos depois tinham alcançado grande qualidade, sendo recompensados, na exposição industrial de 1834, com uma medalha de prata: «Ils ont exposé des papiers dont les qualités ne laissent presque rien à désirer. Ils ont un moteur hydraulique, trois cuves toujours alimentées par trois cylindres, et douze piles de maillets; ils emploient 80 ouvriers logés dans l’établissement, et 10 manoeuvres non logés. Ils ont établi récemment un atelier de réglure pour les registres et la musique.» (C. Dupin, Rapport du jury central sur les produits de l’industrie française em 1834, tome 2º, p. 286). 44 Vincent Van Gogh utiliza-o, por exemplo, no desenho Campo de trigo, feito em Julho de 1889 (Museu Van Gogh, Amsterdão; cf. Ronald Pickvanc, Van Gogh in Saint-Rémy and Auvers, New

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Quanto à segunda filigrana, pertence a um dos moinhos de Jacques Daguerre, papeleiro na comuna de Saint-Séverin en Charente (Sudoeste da França), onde dirigiu as papeleiras Labarde, La Pallurie e L’Épine. No moinho l’Épine, que em 1875 a família Daguerre adquiriu, fora instalado já em 1840 um cilindro mecânico, o qual media de largura cerca de 2m45. No entanto, as folhas eram cortadas a partir do rolo de papel à medida do comprador, pelo que a largura do cilindro não determina as dimensões da folha que Eça de Queirós cortou para a escrita.

O sexto e o sétimo fólios do manuscrito apresentam cada um seu qua-drado de papel colado sobre a folha. O primeiro quadrado mede 130 x 162 mm e o segundo 100 x 162 mm. Em contra-luz é percetível texto cancelado que foi substituído por novo texto escrito sobre o quadrado colado.

A estrutura em blocos

O autor identificou claramente os cinco blocos de folhas, quer recome-çando a numeração dos fólios (Blocos A, B1, B2, B3), quer inscrevendo títulos no seu início (Blocos A, B1, B3 e C).

A 1-44 fl.1 A Illustre Casa de Ramires

O título foi inscrito em linha horizontal, com empaginação própria de cabeçalho (espaçamento). (v. Figura 1)

B 1 1-18-18A-49

fl.1 A Illustre Casa de Ramires (Fragmento)

O cabeçalho da folha foi ocupado com o número de capítulo: II. O título foi inscrito obliquamente no canto superior esquerdo (v. Figura 2)

2 1-24 fl.1 sem título (v. Figura 3)3 1-36 fl. 1 Casa de Ramires O título foi inscrito obliquamente no

canto superior esquerdo (Figura 4) C 36-65 fl.

36 Casa Ramires O título foi inscrito obliquamente no

canto superior esquerdo (Figura 5)

�������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������York, The Metropolitan Museum of Art, 1986, p. 112, nº 17), assim como Claude Debussy na ópera Pelléas et Melisande (1893-1902) e na composição para orquestra Nocturnes (1899; M. Allis, Parry’s Creative Process, p. 42, n. 29). 45 Devo as informações sobre a papeleira de l’Épine ao sr. Jean-Jacques Beauvais, especialista na história deste moinho, que prontamente respondeu à minha solicitação, e a quem agradeço.

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A numeração dos fólios 15 e 17 do Bloco B1 foi corrigida pelo autor. As folhas estariam na ordem inversa à correta quando foram numeradas, erro cor-rigido com a emenda da numeração. Logo depois ocorreu um erro de repe-tição: a folha seguinte à 18 apresenta sobrepostos os números 18 e 19, sem que se entenda claramente qual dos dois números foi emendado. O resultado prá-tico é o mesmo, visto que, de qualquer modo, resultaria uma repetição, a qual só vem a ser sanada com a adição de um A, a tinta, validando o número 18.

Figura 1

Bloco A, fl.1 Figura 2

Bloco B1, fl.1 Figura 3

Bloco B2, fl.1

Figura 4

Bloco B3, fl. 1 Figura 5

Bloco C, fl. 36 Figura 6

Bloco C, fl. 40

Em todas estas páginas houve intervenção de mão alógrafa, escrevendo a lápis. No Bloco C é notória a função das inscrições a lápis: pertencem ao editor d’A Arte, que preparou as cinco primeiras folhas deste bloco para publicação. Reconstituiu o título oblíquo do autor (A Illustre Casa de Ramires) e inscreveu

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na margem de cabeça a didascália excerpto inédito, sobre pontilhado. No fl. 40, entre a 20ª e a 21ª linhas, escreveu, à esquerda, (continua), e, à direita, a seguir a uma cruz aspada, Eça de Queiroz (v. Figura 6). É este exatamente o recorte do excerto publicado pela revista em 1895. Isto explica também a dobra ainda notória, feita a meio de todas as folhas, no sentido paralelo à largura: as folhas foram dobradas a meio para serem enviadas pelo correio.

Partindo destes dados, podemos colocar a hipótese de cada um dos cinco blocos ter igualmente sido enviado pelo correio. Há vários indícios desse facto. Todas as folhas apresentam a mesma dobra a meio, sendo ela mais vincada nas primeiras folhas de cada bloco, isto é no interior do conjunto de folhas depois de dobradas. Todas as últimas folhas dos blocos apresentam o verso particu-larmente sujo, podendo ter funcionado como capa do conjunto. Em todas as primeiras folhas de cada um dos outros blocos, exceto na do Bloco A, houve intervenção de mão alógrafa, a lápis, para escrever números: 45 e 44 A no Bloco B1, Pag. 8 no Bloco B2, 50 e 49 A no Bloco B3. A primeira e a última podem ser cotas de localização (prateleira e caixa?) e o desenho da letra, bem como a linha curva que circunda os números, denuncia a mesma mão. Quanto ao fólio do Bloco B2, a anotação anuncia um número incompatível com o ponto de desenvolvimento da narrativa (demasiado adiantada para correspon-der a uma p. 8), o qual pode explicar-se como o número da página da publica-ção onde seria composto um fragmento (ou planeado folhetim?).

Outro indício de manuseamento do manuscrito por tipógrafos está na presença de muitas impressões digitais que, ao contrário de outras acastanhadas (em resultado de oxidação), se conservam ainda hoje negras, denunciando pro-vável tinta de tipografia nos dedos.

O envio separadamente de cada um dos blocos46 justifica plenamente o recomeço da numeração e a sua identificação com títulos oblíquos e abreviados, que se destinavam apenas ao editor para identificação do manuscrito, restando por explicar a sequência da numeração (ainda que com uma repetição) no Bloco C e a ausência de título no B2. O subtítulo (Fragmento) do Bloco B1 parece não deixar dúvidas de que um conjunto de folhas aqui começado teve receção indivi-dualizada nalgum momento da sua história. Mais ainda: há evidências de o título, nesta folha, ter sido escrito depois do texto e apenas instantes antes da dobragem da folha a meio: observe-se no canto inferior esquerdo, na margem branca, o efeito de espelho deixado pela tinta do título, ainda não totalmente seca quando a folha foi dobrada (Figura 2). ������������������������������������������������������������46 Prática que vimos repetidamente documentada na correspondência de Eça e que era habitual no seu relacionamento com os editores. Veja-se ainda a descrição dos testemunhos impressos que fazem parte do dossier genético d’A Capital! (ed. L. F. Duarte, pp. 38-41).

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Algumas folhas, incluindo a do Bloco B1, apresentam também duas outras dobras paralelas a esta, dividindo a folha em quatro partes iguais:

É o caso das folhas 2, 7, 9, 11, 13 do Bloco B1. São, no entanto, ao con-trário da dobra a meio, menos nítidas. Podem resultar de uma segunda dobra-gem da folha, depois da dobragem ao meio, ou então estarão relacionadas com a arrumação do papel em branco ou do manuscrito depois de recebido.

Instrumentos de escrita e tintas

Além da escrita a lápis, e devido à similitute da letra, distinta da do autor, parece dever atribuir-se à mesma mão alógrafa que inscreveu os números 44A e 49A o A adicionado na foliação do fólio 18 (Figura 7).

A alógrafo

A de Eça de Queirós

Figura 7

Quanto à mão autógrafa, a identificação de diferentes instrumentos de escrita e de tintas é menos fácil do que gostaríamos. Julgamos poder distinguir algumas tintas, umas com maior certeza do que outras, contudo a distinção feita sem análi-ses químicas deve manter prudentemente os seus contornos conjeturais.

A tinta usada por Eça de Queirós é a comum do seu tempo, a ferrogálica, feita à base de noz de galha e óxido de ferro. Como é bem sabido, este último componente é por vezes responsável pela degradação do papel, em consequên-cia do processo de fluorescência, isto é do “alastramento” da tinta no suporte, que pode chegar ao verso da folha. Além disso, devido a oxidação, a tinta pri-mitivamente preta torna-se, com o tempo, castanha ou sépia.

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As tintas visíveis no manuscrito d’A Ilustre Casa de Ramires são em geral de boa qualidade e apenas uma apresenta alguns aspetos do processo de degrada-ção descrito, embora de forma não acentuada. Não chegando nunca a pôr em causa a integridade do suporte, estas características são, no entanto, suficientes para que esta tinta se distinga das restantes, sobretudo em fólios em que ela foi usada apenas na reescrita de folhas já escritas com outra tinta.

Bloco A

No início são pouco sensíveis as diferenças entre tintas. Nos fólios 1 a 7, o texto é escrito com uma tinta hoje escura, apenas levemente acastanhada, usada com um aparo bastante fino que produz traços com pontos de desconti-nuidade, num efeito “arranhado”. Chamemos-lhe Tinta 1. Nestas páginas, as emendas, nas margens e em sobrelinha, são escritas numa tinta que se conserva um pouco mais escura, muito próxima do preto, usada com um aparo igual-mente fino mas menos “arranhado”. Chamemos-lhe Tinta 2. No fólio 8 apa-rece, sem que seja possível precisar exatamente o lugar, a tinta que sofreu um ligeiro processo de fluorescência e que, sobretudo nos traços mais grossos, apresenta um efeito de ligeiro alastramento, percetível apenas na visão direta do manuscrito. Esta Tinta (Tinta 3) é usada apenas na reescrita do texto, isto é no texto escrito nas entrelinhas e na margem.

A diferença entre a Tinta 1, usada na primeira escrita do texto da página, e a Tinta 3, usada nas emendas, torna-se notória nos fólios 9 a 21 do Bloco A. Do fólio 22 até ao 32 as emendas parecem voltar a ser feitas com a Tinta 2. No fl. 33 é possível detetar o ponto em que reaparece a Tinta 3, de novo nas emendas:

Tinta 2

Tinta 3

Figura 8

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Impercetível no facsimile, na visão direta do manuscrito aparece claramente depois do primeiro terço da coluna de texto da margem e mantém-se nos fls. 34 e 35. No fl. 36, a Tinta 3 volta a ser substituída pela Tinta 2 pouco depois do meio da coluna da margem (Figura 9).

Tinta 3

Tinta 1

Tinta 2

Figura 9

No que se refere ao Bloco A parece poder afirmar-se que um texto de escrita de primeiro jato47 foi reescrito em diferentes campanhas de revisão48, se a alternância de tintas usadas nas margens e sobrelinhas assim pode ser inter-pretada.

Bloco B1

A maior parte das páginas iniciais deste bloco apresenta raras emendas marginais e em sobrelinha, cuja tinta não se distingue da tinta da escrita da página, que poderia ser a Tinta 2. Aqui encontram-se pequenos retoques feitos numa tinta de um castanho que se distingue dos restantes e que parece con-temporâneo de um momento de transferência do texto. Observam-se, ao longo do manuscrito, várias cruzes em aspa ou traços de transporte49. Estes retoques ������������������������������������������������������������47 Uso o termo no que sentido que lhe dá Grésillon (Éléments, pp. 66, 118): «premier jet», isto é toda a operação escritural feita em condições que não são de reescrita, definida esta como «toute opération scripturale qui revient sur du déjà-écrit, qu’il s’agisse de mots, de phrases, de para-graphes, de chapitres ou de textes entiers» (idem, p. 245). Para a utilização do termo aplicado ao processo de escrita flaubertiano, muito semelhante ao de Eça, v. J.-L. Lebrave, A. Grésillon et C. Fuchs, «Flaubert: Ruminer Hérodias». 48 Sobre o termo campanha de revisão, v. adiante o ponto 3, Identificação de estados genéticos. 49 Quando transfere texto de um suporte para outro, copiando-o ou reescrevendo-o, o autor faz no suporte de partida marcas (cruzes, traços ou cancelamentos) que indicam o ponto a que chegou o processo de transferência e que lhe servem de orientação para prosseguir o trabalho. São marcas que anunciam um «vou aqui».

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são da mesma tinta de uma cruz de transporte que se vê no fl. 6 e de um traço no fl.11 e limitam-se a redesenhar letras ou acrescentar uma palavra em falta (Figura 10).

B1, fl.6: cruz de transporte

B1, fl.11: traço de transporte

B1, fl. 5: retoque do z em capaz

B1, fl. 5:

retoque das letras finais

B1, fl. 11: retoque das letras finais

de serias.

B1, fl. 11: adição de anno

Figura 10

Voltamos a ter na página texto cancelado e substituído por texto entreli-nhado e marginal, nos fls. 11, 14 e 36 a 49. Não há, no entanto, entre a escrita destes espaços, diferença significativa de tintas.

Bloco B2

O mesmo se pode dizer do início do B2, cujas tintas (de página e de mar-gem) parecem vir (fl. 1) em perfeita sequência do bloco anterior. Mas logo no fl.2 reaparece a Tinta 3, que escreve nas entrelinhas e nas margens. No fl. 3, a esta tinta acrescenta-se uma outra, distinta da Tinta 3, que não “alastra” e de que não é possível dizer se é a Tinta 2 ou uma nova tinta (Figura 11).

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Tinta 3

Bloco B2, fl.3

Tinta 1

Substituições nas entrelinhas em Tinta 3

nova tinta (Tinta 4) Figura 11

Chamemos a esta nova tinta, apenas por razões operativas, Tinta 4. Nos fls. 4 e 5 as emendas continuam a ser feitas em Tinta 3 e nos fls. 6 a 9, pouco emendados e sem margens ocupadas, toda a escrita pertence à Tinta 3, como se ela fosse a continuação das emendas dos fólios anteriores. A sequência textual mostrará, como veremos adiante, que assim é de facto. No fl. 10 termina uma campanha de escrita e começa outra, sendo a Tinta 3 substituída pela Tinta 4 (Bloco B2, fl. 4).

Isto significa que antes do início desta campanha de escrita, o autor pro-cedeu a uma releitura que levou à adição no final da margem do fl.3. A Tinta 4 continua a ser usada nos fólios seguintes mas há emendas ainda noutra tinta e vários retoques com Tinta 3 (Figura 12).

A Tinta 4 do fl.12 continua na margem do fólio seguinte, enquanto na página desse fólio regressa a Tinta 1. A sequência textual mostrará, como vere-mos adiante, coerência com a sequência da tinta da página 12 para a margem da 13. Num momento não percetível do fl. 14 regressa a Tinta 3 nas emendas e, até ao final deste bloco, é notória a diferença entre escrita da página (Tinta 1) e emendas (Tinta 3), cuja tinta continua no Bloco B3 mas agora na página.

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Bloco B2, fl. 4 Tinta 3 Tinta 4

Figura 12

fl. 11, outra tinta: bisavô fl.12, Tinta 3: censura fl. 12: retoques de letras em Tinta 3

Figura 13

Bloco B3

Entre os fl. 1 e 2 do Bloco B3, há uma diferença que sugere que o segundo foi escrito, desde o seu início, com outra tinta, do tipo das Tintas 2 e 4, isto é menos ténues do que a Tinta 1 e mais ténue do que a Tinta 3. Cha-memos-lhe Tinta 5, embora não possa afirmar-se que estas três tintas (2, 4 e 5) não sejam a mesma. Esta mudança é consistente com o aparecimento de uma nova filigrana (J.DAGUERRE, horizontal, no lado de pé da folha, a verde no

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quadro acima). Ambas, a Tinta 5 e a nova filigrana, mantêm-se até ao fl. 35, com apenas uma interrupção nos fls. 12, 13 e 14, que apresentam pela primeira vez a segunda filigrana Latune com a linha subposta. Com exceção destas três folhas, as restantes apresentam páginas muito pouco emendadas, sem margens ocupadas e com raras emendas mediatas. Do ponto de vista material, tudo indica que estes fólios pertencem a um mesmo momento de escrita. Quanto às três folhas acima mencionadas, apresentam emendas mediatas e algumas adições na margem. Não parecem, no entanto, pela identidade de tinta e pelo apareci-mento de uma filigrana, pertencer a um momento de escrita muito distante e não pertencem decerto ao mesmo momento de escrita do fl. 36 deste bloco, onde reaparece pontualmente uma filigrana anterior (a J. Daguerre vertical), a Tinta 1 na escrita da página, com a tinta 4 nas emendas entrelinhadas. Os dados materiais sugerem que os fls. 12, 13 e 14 do Bloco B3 sobreviveram de um conjunto recente quase todo eliminado e substituído pelas folhas 2-11 e 15-35. Já o fl. 36 do Bloco B3 pertence a um conjunto bastante anterior a estes.

Bloco C

Todo o Bloco C pertence à campanha de escrita 2-11 e 15-35 do B3: em folhas pouco emendadas e com raras emendas mediatas, em que apenas se encontram as duas novas filigranas, foi utilizada apenas a Tinta 5. Teríamos, assim, uma longa sessão de escrita que ocupou desde o fl. 2 do B3 até final do manuscrito, com o aproveitamento apenas de um conjunto de três folhas de uma sessão anterior mas recente (fls.12, 13, 14 do B3) e de um fólio (36 do B3) mais antigo, de uma sessão de escrita a que pertencem vários fólios dos Blocos anteriores. Esta interpretação implica evidentemente, também neste bloco, a eliminação de fólios substituídos por estes novos.

Em conclusão, e perante a incerteza na clara identificação e distinção de todas as tintas, emergem alguns elementos de significado cronológico. Houve uma campanha de revisão (feita com a Tinta 3) que afetou os três primeiros blocos, sobrepondo a uma primitiva versão do texto uma versão substituta, escrita nas margens, nas sobrelinhas e em novos fólios acrescentados, e que resultou por vezes na eliminação de fólios da primitiva versão.

Este processo de reescrita, de sobreposição de uma segunda versão à pri-meira, torna-se materialmente notório quando a diferença de tintas o põe em evidência mas não se circunscreve aos fólios em que foi usada a Tinta 3. Foi também praticado noutros fólios, que apresentam texto cancelado e substituído na margem e nas entrelinhas e em fólios pouco emendados, que foram acres-centados neste processo de reescrita. No Bloco B3 este processo de substituição

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de folhas pode ter ocorrido duas vezes: talvez a versão mais antiga, a que per-tence o fl. 36, tenha sido substituída por outra, a que pertencem os fls. 12, 13 e 14, por sua vez substituída por uma outra que se estende a todo o Bloco C.

Escrita

O que acaba de ser dito aponta para um texto escrito e emendado em diferentes ocasiões, com sobreposição de outro texto, que se constrói coeren-temente sobre anteriores etapas de génese, das quais a última escrita vai apro-veitando segmentos. Mais adiante voltaremos ao modo como se desenvolve este processo. Por agora, registe-se que ele foi planeado por Eça, que preparou todas as folhas para poderem a ele ser sujeitas. Assim, em todas as folhas foi previamente feita na margem esquerda uma dobra medindo, em média, 67 mm, destinada às previsíveis emendas de grande dimensão50.

Não foi deixado espaço para margem direita. Medidas as margens de cabeça e de pé deixadas pelo primeiro jato de escrita na página (antes de ser sujeita ao processo de reescrita), obtemos as medidas médias de 13,34 mm para a margem de cabeça e 13,5 mm para a margem de pé. Este é o espaço que, acima da primeira linha da página ou abaixo da última, pode ainda ser – e é – ocupado na reescrita.

A relativa regularidade destes dados aponta para uma escrita disciplinada e para hábitos de escrita regulares, sobretudo se considerarmos que não foi usado um suporte regrado.

O número de linhas por página é, em média, também sensivelmente regular nos cinco blocos. Para avaliar eventuais diferenças em função da cro-nologia, distinguimos o número de linhas em folhas que apresentam reescrita (longos cancelamentos com substituição nas entrelinhas e nas margens), consi-derando apenas as linhas inscritas quando a página estava em branco, e o número de linhas em páginas sem reescrita, que apresentam indícios de terem sido interpoladas ou de serem substitutas de folhas eliminadas. Chamemos a estas últimas folhas adventícias. Do mesmo modo apurámos o número médio de palavras por linha, selecionando por amostra 7 páginas em cada bloco e uma linha sensivelmente a meio de cada página. Os resultados são os que seguem51. ������������������������������������������������������������50 Esta prática era comum no autor (veja-se, por exemplo, a descrição dos manuscritos A e B d’A Capital! na ed. L. F. Duarte, pp. 25-6) e conhecida também noutros autores, como Victor Hugo e Flaubert (A. Grésillon, Éléments, p. 60; J.-L. Lebrave, A. Grésillon et C. Fuchs, «Flau-bert: Ruminer Hérodias»). 51 No Bloco B3 há apenas uma folha reescrita, por isso os valores apresentados são absolutos e não médios.

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NÚMERO DE LINHAS POR PÁGINA

NÚMERO DE PALAVRAS

POR LINHA

folhas reescritas

folhas adventícias

folhas reescritas

folhas adventícias

Bloco A 22,60 23,71 3,71 5,57 Bloco B

1 22, 06 24,06 5 5,71 2 23, 00 24,40 4,42 6 3 23, 00 22,80C 4 5,28

Bloco C ______ 23,9 _______ 5,28 Total 22,65 23,77 4,28 5,56

Embora predomine uma relativa regularidade, parece poder falar-se de uma tendência para as folhas mais recentes conterem mais texto do que as mais antigas, apresentando um ligeiro aumento do número de linhas e diminuindo o módulo da letra. Este dado aponta materialmente para uma tendência de expan-são da ocupação pela reescrita do espaço da página. Constitui exceção o número de linhas por página do Bloco B3, em cujas folhas adventícias se veri-fica, pelo contrário, uma redução para 99,13% do número de linhas. Exclui-se o Bloco C, onde não existe termo de comparação.

Letra e sinais de escrita

Pelos valores apresentados facilmente se conclui que a letra de Eça de Queirós é bastante espaçada na linha. De acentuada inclinação e de desenho muitas vezes truncado, coloca frequentes dificuldades de leitura: t não traçados podem ler-se como l, em sílabas finais confundem-se a e o, muitas vezes repre-sentados por simples pontos, omitem-se cedilhas, til e acentos, a distinção entre ra e va no final das formas verbais nem sempre é clara, o que tem evi-dentes consequências no tempo verbal.

Para rejeitar texto, o autor cancela, por vezes, com uma única linha reta e, outras vezes, com várias linhas. Num gesto de confirmação do cancelamento, quando ele atinge várias linhas de texto, enquadra o texto cancelado e cruza-o obliquamente.

As adições e substituições na margem são também sempre enquadradas em balões que indicam com exatidão o seu lugar de inserção no texto (v. Figura 14).

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Bloco A, fl. 18 Bloco B2, fl. 24

Figura 14

Encontram-se no manuscrito cinco cruzes em aspa e um traço (Blocos A fl.7, B1 fls. 6 e 11, B2 fl.15, B3 fls. 3 e 19) autógrafos e que são, muito prova-velmente, as já mencionadas marcas de transporte, isto é, destinadas a guiar o autor na transferência de texto para outro suporte ou a manter o autor situado, no acompanhamento do texto deste manuscrito.

Estado de conservação

O manuscrito apresenta-se em geral íntegro, embora pontualmente com pequenas ruturas e excisões, sobretudo nas margens e nos primeiros e últimos fólios dos blocos. A legibilidade do texto não é afetada. Vêem-se muitas impres-sões digitais, já mencionadas acima.

Datação do manuscrito

Como já vimos, a utilização dos primeiros fólios do Bloco C como origi-nal de imprensa para a publicação n’A Arte52 obriga à datação do manuscrito antes de 1895 e o número de folhas e a estrutura dos três principais blocos (A, ������������������������������������������������������������52 V. C. Sobral e I. Rocheta, «A ‘machina creadora’».

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B e C), onde o texto se inicia depois de uma pausa consentânea com final de capítulo, coincide com os três capítulos e com a dimensão que o texto teria em 1894, quando estava a ser reescrito para a publicação em petit livre. A receção individualizada dos cinco blocos pode corresponder a este projeto, pois sabe-mos que dele chegou a haver provas.

Porém, ficou evidente na descrição material que no manuscrito se con-serva mais do que um estado genético.

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Identificação de estados genéticos A identificação, que até agora foi feita, de, pelo menos, duas épocas dife-

rentes de escrita resulta da observação das características materiais do manus-crito. Ela deve, no entanto, ser confirmada e precisada pela análise do discurso (ou dos discursos) narrativo(s), da sua génese e da sua coerência. É esta análise que dá solidez ao conceito de versão, que até aqui tem sido usado operativa-mente mas que importa explicitar.

Consideremos em primeiro lugar os conceitos de campanha de escrita e de campanha de revisão53. A campanha de escrita supõe um texto escrito em diferentes sessões de trabalho, em que o autor retoma o texto no ponto em que o deixou para o continuar a partir daí e assim sucessivamente até chegar ao fim. A campanha de revisão supõe um texto que alcançou o ponto final e que o autor relê de uma ponta à outra fazendo emendas pontuais54. No entanto, e como se admite na definição de campanha de escrita, a revisão pode acompa-nhar uma campanha de escrita se o autor revê desde o início (ou desde um determinado ponto) um texto inacabado e continua-o em seguida55. Teremos, assim, uma campanha de escrita e uma de revisão, associadas (v. Figura 14)56.

������������������������������������������������������������53 «Campagne d’écriture: opération d’écriture correspondant à une certaine unité de temps et de cohérence scripturale; après une plus ou moins longue interruption peut commencer une nouvelle campagne d’écriture» (A. Grésillon, Eléments, p. 241; v. também I. Castro, Editar Pessoa, p. 200). Campanha de revisão: «conjunto de emendas que, ao longo do testemunho, foram introduzidas com o mesmo material de escrita e a mesma letra, num mesmo momento ou em momentos próxi-mos e unidos pela mesma intenção modificadora do texto» (I. Castro, Editar Pessoa, p. 101). Em crítica genética, cuja terminologia ainda não pode ser considerada estável, usam-se alternativamente os termos campanha de correção, campanha de revisão e campanha de reescrita. V., por exemplo, L. Fagundes Duarte, «Introdução» in Eça de Queirós, A Capital!, pp. 15, 24; L. Fagundes Duarte, A fábrica dos textos, p. 87-8; M. J. Reynaud, Metamorfoses da escrita, pp. 92, 95, 104, 106, I. Castro, «Intro-dução» in Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, pp. 68, 73-4, 86. 54 A presidência de uma campanha de revisão por um mesmo princípio deve ser entendida de forma flexível e ampla, por exemplo, melhorar estilisticamente o texto ou melhorar a coerência narrativa são princípios que podem motivar emendas de natureza e dimensão muito diferentes. 55 «peut commencer une nouvelle campagne d’écriture, qui implique souvent réécriture» (A. Grésil-lon, Eléments, p. 241). 56 Este processo é particularmente notório em autores que utilizam diferentes instrumentos de escrita em diferentes campanhas de escrita. Sucede, por exemplo, em manuscritos de M.S. Lou-

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. Figura 14

Em todos os casos, estamos a falar de processos que nunca descartam a escrita de primeiro jato e que, portanto, nos permitem ver o processo. O caso d’A Ilustre Casa de Ramires é diferente deste porque as campanhas de revisão adquirem frequentemente uma dimensão tal que afetam a maior parte do pri-meiro texto, chegando ao ponto de o substituir em segmentos iguais aos que ocupam uma página, determinando a sua eliminação e evoluindo para verda-deiras campanhas de escrita, que se prolongam até muito longe na narrativa. Mesmo o conceito de macro-variante seria aqui inadequado. Trata-se, na ver-dade, não de campanhas de revisão mas de um processo de reescrita, no sen-tido que lhe dá Grésillon57. Não se articula simplesmente um primeiro estado genético com um segundo que reescreve a primeiro mas pode articular uma cadeia de estados genéticos que se vão acumulando. Os segmentos preteridos em favor de um substituto só são visíveis nos pontos em que, por se encontra-rem próximos de segmentos acolhidos em todas as etapas, não foram vítimas da eliminação de folhas. Assim, temos, legível, uma versão da narrativa sequen-cial e coerente (na Figura 15 representada com traço a cheio) que acolhe seg-mentos de versões anteriores, cujo número não podemos precisar e cujo texto �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������renço, que usava uma caneta de cor diferente em cada nova sessão de escrita, antes da qual revia o texto desde um certo ponto até àquele em que devia continuar. Assim, a campanha de revisão que antecede imediatamente cada nova sessão de escrita é notória pela diferença da cor da tinta (v. Camps, Dois ensaios de M. S. Lourenço, p. 24). 57 “«variante» tout comme «rature» évoquent, du moins dans le domaine de l’édition de textes modernes, des interventions ponctuelles, locales, effectuées en ordre dispersé, et suggèrent des gestes complètement atomisés. Or, intervenir sur du déjà-écrit provient souvent d’un change-ment d’optique général, d’un déplacement ou réajustement de tonalité, ce qui concerne alors des campagnes de révision de plus grande envergure. C’est pourquoi nous proposons le terme de «réecriture»...” (A. Grésillon, Eléments, p. 76).

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só conhecemos descontinuamente. É devido a essa descontinuidade do texto substituído que não podemos dizer com exatidão quantos estados (quantas versões) houve antes daquele que podemos ler na íntegra e que constitui o nível terminal do manuscrito58.

Figura 15

Nem sempre podemos assegurar que o texto acolhido e proveniente de uma versão anterior fazia parte do primeiro estado genético ou de um segundo, que eliminou o primeiro e foi, por sua vez, eliminado. Nestes casos, elementos materiais podem fornecer dados pertinentes.

O que conhecemos do texto publicado na Revista Moderna e do de 1900 deixa entrever a repetição deste processo de sobreposição de estados. Os sinais de transporte acima descritos e a recuperação de variantes do manuscrito no último impresso indicam que, além de o texto do autógrafo ter sido acompa-nhado até à última etapa da génese, foi transferido para um novo suporte, não de forma literal, isto é não numa simples passagem a limpo, mas num novo processo de reescrita que acolheu vários segmentos do manuscrito e que veio a ser publicado na Revista Moderna59. O processo é reconhecido noutros dossiers genéticos queirosianos60, bem como a tendência para a amplificação entre duas versões do mesmo romance61.

Perante as folhas de manuscrito que chegaram até nós, há apenas três lugares onde podemos objetivamente avaliar o princípio de reescrita praticado por Eça. Existe sequência perfeita no texto de uma primitiva versão entre as folhas 11 e 14 do Bloco B1. Entre elas foram introduzidas duas novas folhas para receber texto de uma segunda versão, que amplifica o da primeira. Temos, portanto, uma ratio de amplificação de 1 para 3, como se pode ver na sinopse: ������������������������������������������������������������58 Consideramos aqui um nível terminal apenas no universo do manuscrito e não em termos absolutos no universo da génese do romance (veja-se a expressão usada em termos absolutos em E. Queirós, A Capital!, ed. Duarte, pp. 34, 74). 59 De facto, a comparação entre o autógrafo e a Revista Moderna mostra a contínua proximidade das duas versões (v. C. Sobral e I. Rocheta, «A ‘machina creadora’», pp. 184-6). 60 «esta versão não foi globalmente revista pelo autor, que terá optado por uma reescrita completa do texto, com características amplificadoras, o que de facto viria a acontecer, ainda que seguindo de perto o mesmo plano.» (E. Queirós, A Capital!, ed. Duarte, p. 26). 61 Os anúncios aos editores acerca do crescimento da obra em que trabalhava não são exclusi-vos d’A Ilustre Casa de Ramires; veja-se, por exemplo, a duplicação do texto d’A Capital! na pas-sagem do Ms. A para o Ms. B (E. Queirós, A Capital!, ed. Duarte, p. 38).

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ver são

Bloco B1

11 12 13 14

1

Satisfação dos Ramires com o noivado de Gracinha, a flor da Torre, e Luís, apesar de ele não ser de sangue Godo. Era, porém, um partidario bem disciplinado, cheio

d’artimanhas eleitorais. O bigode de Luís e a paixão de Gracinha. Descrição de Gracinha. Expectativa do pedido de casamento.

2

A amizade de juventude entre Gonçalo e Luís, admirado por todos. Gracinha tinha 15 anos e chamavam-lhe a flor da Torre.

Luís, de feitio romântico, encanta Gracinha e estabelece-se o namoro. Expectativa do pedido de casamento, aprovado por todos.

A família de Luís, que não era de sangue Godo, mas tinha brasão; o seu futuro na política e a paixão despertada em Gracinha.

Descrição de Gracinha e opinião de Miss Rodhes, a preceptora inglesa, acerca do namoro.

O mesmo acontece entre os fólios 19 e 22 do Bloco B2:

versão

Bloco B219 20 21 22

1

Exortação do Administrador a Gonçalo para que aceite candidatar-se a deputado. Para o convencer contou parcamente ao Ramires, que o

Cavalleiro, mais d’uma vez, lamentara as discussões, queria reatar com Gonçalo e metê-lo na política. Gonçalo anui mas receia, por ter escrito contra o Cavaleiro algumas Correspondências.

2

Exortação do Administrador a Gonçalo para que aceite candidatar-se a deputado.

Exortação do Administrador a Gonçalo para que aceite candidatar-se a deputado.

Exortação do Administrador a Gonçalo para que aceite candidatar-se a deputado.

Para o convencer confidencia que o Cavaleiro lhe confessou que queria reatar com Gonçalo e metê-lo na política. Gonçalo anui.

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Já no terceiro caso, a ratio de amplificação é de 1 para 8:

versão

Bloco B2

5 6 7 8

1

O Casco ameaça partir os queixos a Gonçalo, que foge ao punho erguido. Na corrida julga ver o Casco a persegui-lo e corre até roçar o muro da quinta, onde se ergue

2

O Casco ameaça partir os ossos a Gonçalo, que foge ao cajado erguido. Salta para a quinta e refugia-se num pombal.

Sai a medo e chama em vão os jornaleiros para o ajudarem. Arromba a porta do pomar.

Julga que escapou por pouco da foice do Casco. Indigna-se por os jornaleiros não terem acudido.

Cogita que o Casco merece uma sova. Chega à Torre e ralha aos criados.

\ versão

Bloco B2

9 10 11 12 13

1

do céu a torre do Solar dos Ramires. Pensa castigar o Casco e parte para a Vila com dois criados para pedir ao Gouveia que o prenda.

2

Submissão dos jornaleiros e condescendên-cia de Gonçalo.

Manda dar-lhes vinho, paternal. Ao jantar pensa na monstruosi-dade do Casco.

Medita na inadmissibilida-de da atitude do Casco e acha que ele merece castigo.

Imagina o Casco levado preso ao Gouveia e a ser ameaçado com prisão.

Parte para a Vila com um criado em busca do Gouveia.

Noutros lugares, devido à eliminação de folhas de uma ou de mais do que uma versão, não é possível obter esta ratio. Assim, na impossibilidade de determi-

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nar o número de vezes que Eça substituiu uma versão por outra, uma vez que, como já foi dito, a eliminação de folhas não o permite, chamaremos, por comodi-dade, segunda versão ao texto de nível terminal, legível coerente e sequencial-mente, e primeira versão ao texto nem sempre sequencial que sobreviveu e sobre o qual foi feita a última reescrita documentável neste manuscrito, dela aproveitando segmentos. A maior parte das folhas sobreviventes desta primeira versão pertence, provavelmente, ao período a que atrás chamámos primeira fase da génese, mas não poderemos dizer se ao conto que em Agosto de 1891 tinha 30 páginas, se à novelazinha que dois meses depois tinha 35, se a ambos.

O ante-texto d’A Ilustre Casa de Ramires

Do total de 184 folhas do manuscrito, há 49 folhas que foram reescritas com aproveitamento de algum segmento, ainda que muito pequeno, do texto de versão anterior. Chamemos a estas folhas de conjunção. Nelas, o texto que não foi aproveitado foi, no entanto, mantido sob o olhar e serviu de guia à reescrita, permanecendo o autor na expectativa de a ele regressar, como de facto sucede em cada uma dessas 49 folhas. Se considerarmos a distinção feita pelos geneticistas entre escrita de programa e escrita de processo62, a génese d’ A Ilustre Casa de Ramires documentada no autógrafo corresponde a uma escrita de programa, em que o autor trabalha sobre um plano narrativo inicialmente delineado e de que não espera afastar-se radicalmente mas antes vai seguindo, guiado por planos e versões sucessivamente substituídas. Este método de tra-balho explica a existência de mais 22 folhas que conservam texto da 1ª versão mas que dela não aproveitam qualquer segmento (chamemos-lhes folhas de disjunção) e que devem a sua sobrevivência ao facto de terem, inscrito nas entrelinhas e na margem esquerda, texto de nível terminal. Que este texto não tenha sido escrito em novas folhas em branco resulta, certamente, do facto de o autor esperar a qualquer momento poder acolher algum segmento da 1ª ver-são, o que acaba por não suceder. Finalmente, há 113 folhas novas, acima deno-minadas adventícias, escritas em horizonte relativamente menos programado, isto é cujo texto resulta de uma previsão de reescrita menos colada à versão-guia. De facto, não só a expansão da escrita na página, atestada entre diferentes épocas de escrita, como a ratio de amplificação objetivamente documentada (1/3, 1/8) ������������������������������������������������������������62 A distinção, proposta por L. Hay (“écriture à programe”/ “écriture à processus”, L. Hay, «La troisième dimension», pp. 313-28), é geralmente acolhida (Grésillon, Eléments, p. 102), ainda que Biasi defenda, para os mesmos conceitos, expressões que julga mais adequadas: “écriture à programmation scénarique”/ “écriture à structuration rédactionelle” (P.-M. de Biasi, Génétique, pp. 74-5).

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sugerem que a descolagem da versão-guia era motivada pela necessidade de amplificação, mais do que por alterações radicais. A folha 36 do Bloco B3, que é uma folha de conjunção isolada numa área extensa de folhas adventícias, mostra bem que a primeira versão continuou certamente, até final, a desempenhar a sua função de guia, mantendo-se sob o olhar do autor.

A evolução deste processo pode ser facilmente percebida no quadro da Figura 17, em extratexto. Neste quadro os números representam número de página e utilizam-se as seguintes convenções:

1|2 – (verde) Folhas de conjunção: a 2ª versão é escrita, na mesma folha que a 1ª, acolhendo parcialmente o seu texto e inscrevendo o texto substituto na mar-gem esquerda e/ou nas sobrelinhas, depois de cancelado o texto substituído.

⊥1- (azul) Folhas de disjunção: a 2ª versão é escrita, na mesma folha que a 1ª, rejeitando totalmente o texto da 1ª, que é cancelado, e inscrevendo o texto subs-tituto na margem esquerda e/ou nas sobrelinhas.

�2 – (rosa) Folhas adventícias: Folhas que contêm apenas a 2ª versão, cujo texto foi inscrito na página-linha de novas folhas, que foram intercaladas entre folhas da 1ª versão ou que substituíram folhas da 1ª versão eliminadas. Exemplo do primeiro caso são as folhas B1 12 e 13, B2 6-12 e B2 20 e 21. Isto significa que, entre as folhas 11 e 14, do B1, 5 e 13 e 19 e 22 do B2, não existe qualquer quebra de sequência textual e, portanto, não existe lacuna na 1ª versão. Neste caso a célula correspondente no esquema é cinzenta. No segundo caso estão todas as folhas que, no esquema, estão subpostas a indi-cação de lacuna.

� – Lacuna: folhas da 1ª versão eliminadas. Nem sempre é possível determinar quantas folhas foram eliminadas, pelo que não existe sempre relação diretamente proporcional entre o número de vezes que o sinal ocorre e o número de folhas eliminadas. É assim quando existe uma sequência de numerosas folhas adventícias, como ocorre no final do Bloco A, em grande parte do B1, em praticamente todo o B3 e em todo o C. Na edição, discutir-se-ão, em cada caso, as possibilidades quanto ao número de folhas em falta da 1ª versão.

Nº� - folha de conjunção onde parte do texto da 1ª versão foi rejeitado por colagem de retângulo de papel, sobre o qual se inscreve a 2ª versão.

{nº} - Indica o deslocamento de uma folha (25) da 1ª versão, cujo texto aparece fora da sequência correta por ter a folha sido reaproveitada mais tarde, apresen-tando o texto da 2ª versão na sequência correta.

De forma a facilitar o cruzamento da informação sobre a sequência textual com a das filigranas, assinalou-se no quadro a presença das quatro filigranas, com a mesma associação cor/filigrana usada no quadro da Figura 16 e neste atribuída ao número da página.

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A interpretação do quadro, além de oferecer informação sobre o processo de escrita queirosiano, assente na amplificação, oferece igualmente informação sobre os pontos nucleares da criação do romance, correspondentes a zonas de estabilidade do texto, isto é os pontos de conjunção entre as duas versões, aqueles que Eça começou por engendrar no primeiro estado genético e de que nunca desistiu ao longo do processo de escrita do autógrafo, nem quanto ao conteúdo nem, em parte, quanto à forma. É notório que a definição do caráter e da situação pessoal da personagem principal, tal como ela é apresentada no início da história, é um dos elementos mais estáveis. Todo o processo criativo terá partido daí, mantendo-se fiel a um tipo de personalidade e de conflito existencial, entre a glória dos antepassados e a decadência presente que se pro-cura ultrapassar pela literatura e pela política. É este o conteúdo das folhas de conjunção 1-20 do Bloco A e deveria ser esse o «simples lance, todo de ironia, revelando um carácter» que Eça anunciava a 21 de Outubro de 1891 a Luís de Magalhães.

Se aqui estendêssemos a análise aos dois textos impressos, reforçaríamos esta conclusão, pois é por aí também que começam as versões da Revista Moderna e de 1900.

Se tivermos em conta o conteúdo das restantes folhas de conjunção, encontramos outros elementos estáveis: a questão com o caseiro e com o novo arrendatário da quinta (fls. 26-38, 30 do Bloco A), a novela histórica (nas mes-mas folhas e nas fls. 36-43 do B1), o noivado de Gracinha com o Cavaleiro (fl. 14 do B1, esta isolada entre folhas adventícias, o que evidencia o peso da esta-bilidade desde elemento), o desastrado encontro de Gonçalo com o Casco na estrada (fls. 2-5 do B2), a proposta de candidatura política (fls. 15-19 e 22-23 do B2) e a decisão de vender a honra da irmã em paga da sua carreira política, que justifica a presença de uma folha de conjunção (36 do B3) isolada numa longa sequência de adventícias, apenas interrompida pelas folhas 12, 13 e 14 desse bloco, que introduzem a reconciliação de Gonçalo e Luís. São estas as traves mestras do programa de escrita para este romance: Gonçalo como metoní-mia da nação, com o seu glorioso passado medieval e em paulatina decadência, o contraste entre a honra invocada e a falta de vigor moral, a indignidade dos políticos e a procura do benefício a qualquer preço. Uma análise pormenori-zada do conteúdo das folhas de disjunção mostraria ainda elementos que são também comuns entre as versões mas que foram amplificados, afastando-se mais na forma como a ideia é apresentada do que propriamente na substituição radical de elementos. Veja-se, por exemplo, o episódio do arrendamento da quinta ao Pereira (fls. 31-36 do Bloco A), onde a ação sofre uma espécie de deslizamento de uma versão para a outra, em resultado da amplificação: o que

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acontece na primeira versão vem a acontecer na segunda uma ou duas ou três folhas mais à frente, até o deslizamento exigir a introdução de folhas adventí-cias para terminar o episódio (fls. 37-44):

fl. v.

33 34 35

1

Proposta do Pereira para arrendar a quinta. Declaração de Gonçalo de que já a arrendou ao Casco.

O preço do arrendamento. A oferta do Pereira. Recuo de Gonçalo.

Hesitação do Pereira. Confirmação de Gonçalo

2

Chegada do Pereira. Descrição da sala.

Descrição do Pereira. Conversa sobre a Eleição.

Convite ao Pereira para almoçar e almoço de Gonçalo. Proposta do Pereira para arrendar a quinta. Declaração de Gonçalo de que já a arrendou ao Casco. O preço do arrendamento.

\ fl. v.

36 37 38 39

1

Proposta do Pereira. Contrato. Satisfação de Gonçalo.

� � �

2

A oferta do Pereira. Recuo de Gonçalo.

Recuo de Gonçalo. Hesitação do Pereira. Confirmação de Gonçalo. Proposta do Pereira.

Contrato. Agendamento da escritura.

Algumas micro-sequências são acrescentadas, como a troca de impressões sobre a eleição do Sanches Lucena, que revela ao leitor as secretas ambições de Gonçalo, mas sobretudo a pormenorizada descrição da sala e o jantar de Gon-çalo, que decorre com enorme à-vontade na presença do lavrador e que revela todo um caráter, como diria o próprio Eça. Não fogem, portanto, estas inova-ções ao programa inicial, antes o servem através da amplificação.

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Edição genética A edição genética que aqui se apresenta é uma edição horizontal63, isto é,

apenas representa a génese documentada neste testemunho e não a que ates-tam as variantes de testemunhos posteriores (a Revista Moderna e a edição de 1900), já publicados na edição crítica. A representação faz-se em modelo linea-rizado, que se baseia no modelo editorial do Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco por Ivo Castro64.

São editadas as duas versões numa mesma página, mantendo-se a simulta-neidade do manuscrito e recorrendo-se a um separador. O texto comum a ambas as versões, ou seja aquele da 1ª versão que o autor acolheu na 2ª, será grafado em itálico, permitindo uma visualização rápida e fácil da coincidência entre as duas versões e da sua evolução.

Como sabemos, Eça pouco se preocupava com a perfeita legibilidade dos seus manuscritos. Contava sempre com a primeira tiragem de provas tipográfi-cas para fazer correções ao que não tivesse sido bem lido pelos tipógrafos. Como eles mas já sem o contributo do autor, também as presentes editoras se defrontaram com alguns problemas de decifração decorrentes da letra descui-dada e da escrita veloz, que deixa inacabadas algumas letras. Como acima foi descrito, faltam frequentemente a cedilha, o til em sílabas evidentemente nasais, o traço que corta a haste do t (podendo gerar ambiguidade entre t e l) e a perna do a em final de palavra (podendo gerar ambiguidade entre a e o). Os acentos faltam frequentemente em palavras que apresentam outras ocorrências acen-tuadas. Não há sistematicidade no uso dos acentos agudo e grave e frequente-mente a decisão de acentuar uma palavra traduz-se na sobreposição de um ambíguo traço horizontal.

Na transcrição diplomática são transcritas como t e ç e como nasais (com til) todas as letras cujo contexto não permite outra leitura. Em caso de ambi-guidade, será discutida em nota.

São em geral conservados os acentos ou a sua ausência, com exceção de formas de que pode resultar ambiguidade semântica e que noutras ocorrências Eça acentua: é o caso de É (presente do indicativo de ser) e E (conjunção) e de ������������������������������������������������������������63 Sobre o conceito de edição horizontal e edição vertical, v. De Biasi, Génétique, pp. 156-75. 64 C. C. Branco, Amor de Perdição, ed. Castro.

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à (contração de preposição com artigo) e a (artigo). No caso de acentuação ambígua, será transcrita segundo a acentuação atual.

Outra consequência da despreocupação de Eça com a legibilidade é a não reparação de várias falhas: palavras que estiveram no seu discurso interior mas que não chegou a terminar de escrever, adequações gramaticais que certas emen-das impunham mas que deixou de fazer65, cancelamentos feitos imprecisamente, por defeito ou por excesso, que resultam em lições incoerentes, nomeadamente nos casos propiciados pela translineação. Todos estes elementos serão conser-vados na edição, com esclarecimento em nota apenas em casos em que a leitura possa oferecer maior dificuldade.

A simbologia de representação é, basicamente, a da mencionada edição do Amor de Perdição66. No entanto, a especificidade do manuscrito d’A Ilustre Casa de Ramires, que documenta um processo de escrita mais complexo, obriga a adaptações e utilização de outros símbolos que a representem adequadamente. São os seguintes os símbolos usados.

� Texto eliminado por sobreposição de retângulos de papel colado na folha onde foi escrita a 1ª versão; folhas eliminadas e cuja falta se atesta na falta de sequência semântica entre folhas e que não encon-tra outra explicação (ocorre apenas na 1ª versão). Quando a folha foi substituída por uma folha adventícia, o sinal encontra-se abaixo do número da folha; anteposto a este número, representa folhas elimi-nadas que não foram substituídas por folhas adventícias.

*... Leitura conjeturada, que as editoras propõem sem segurança.

† Palavra ilegível (crux desperationis); assinala segmento de texto válido, que as editoras não conseguem ler.

<...> Segmento cancelado pelo autor; o cancelamento de pequenos seg-mentos é feito por risco sobre o texto paralelamente à linha; gran-des segmentos de texto podem também ser cancelados por cruza-mento, simples ou duplo; em ambos os casos, o cancelamento é por vezes delimitado por enquadramento.

<†> Segmento cancelado e ilegível.

<...>/...\ Substituição por sobreposição, na relação <substituído>/substituto\; aplica-se aos casos em que a nova escrita recobre a anterior, que

������������������������������������������������������������65 Mais uma vez, hábitos que Eça mantinha há muito tempo: cf. E. Queirós, A Capital!, ed. Duarte, p. 26. 66 V. C. C. Branco, Amor de Perdição, ed. Castro, 2007, pp. 119-20.

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em parte aproveita e em parte oculta. Será usado para representar este tipo de substituições quando praticadas numa mesma versão.

[...] Adição de novo segmento, na linha; representa no manuscrito uma emenda mediata, sem cancelamento anterior. Será usado para repre-sentar este tipo de adições quando praticadas numa mesma versão.

[�...] Adição de novo segmento na sobrelinha; representa no manuscrito uma emenda mediata, sem cancelamento anterior. Será usado para representar este tipo de adições quando praticadas numa mesma versão.

[�...]

Adição de novo segmento na sublinha; representa no manuscrito uma emenda mediata, sem cancelamento anterior. Será usado para representar este tipo de adições quando praticadas numa mesma versão.

[�... �....]

Prolongamento para a margem de uma adição iniciada na sobreli-nha e numa mesma versão.

<...>[�...] Substituição por cancelamento e adição na sobrelinha; representa no manuscrito uma emenda mediata. Será usado para representar este tipo de substituições quando praticadas numa mesma versão.

<...>[�...] Substituição por cancelamento e adição na sublinha; representa no manuscrito uma emenda mediata. Será usado para representar este tipo de substituições quando praticadas numa mesma versão.

�... Início de texto na margem esquerda; representa texto da 2ª versão, em páginas que suportam duas versões.

...� Representa o regresso do texto da 2ª versão à página; seguido de texto em redondo representa a passagem do texto da 2ª versão para a página-sobrelinha; seguido de texto em itálico representa o acolhimento na 2ª versão do texto da 1ª.

� Texto da 2ª versão inscrito na página-linha; ocorre na escrita sobre retângulos de papel colados na página, ocultando o texto da 1ª versão, ou por introdução de novas folhas (adventícias), que não foram usadas para a 1ª versão.

{...} Segmento de texto deslocado; ocorre apenas uma vez na 1ª versão.

§ Abertura de parágrafo.

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A Ilustre Casa de Ramires

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Bloco A

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[1] Bloco A

A Illustre Casa de Ramires

Desde as sete horas d’aquella manhã d’Agosto enevoada, o fidalgo da Torre <traba-lhava � trabalhava> em chinellos, com uma quinzena de linho <p> por cima da camisa de dormir, trabalhava; � trabalhava, na sua Novella Historica, a “Torre de D. Ramires,” que devia <ser> apparecer em Outubro na Revista de Litteratura e Historia.

Mesmo de verão, Gonçalo Mendes Ramires, a quem os amigos intimos chamavam cari-nhosamente <Gonçalinho, e os vizinhos, dos arredores da quinta>

______________________ Desde as sete horas, no quente silencio do Domingo d’Agosto o fidalgo da Torre em

chinellos, com uma quinzena de linho envergada à pressa por sobre a camisa de dormir, traba-lhava; – trabalhava, com a penna, na sua Novella Historica, a “Torre de Dom Ramires,” que devia apparecer por começos d’Outubro, no numero 1 <da> dos Annaes de Litteratura e Historia <creado pelo Pinheirinho – o mais novo, o Joze, o d’Oculos.>

Mesmo de verão, e <elle> e na quinta da Torre, Gonçalo Mendes Ramires, que na aldea, na Villa, e <mesmo> na cidade (onde, ainda em 1850, os Ramires possuiam a casa nobre, de brazão

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[2] Bloco A

«Gonçalinho» e os cavalheiros da Villa, e os lavradores dos arredores chamavam «o fidalgo da Torre», costumava preguiçar na cama ate tarde, com um maço de cigarros, no traves-seiro, <a> o copo de chasàda ao lado, <e os> e os jornaes. Na vespera, porem, ao sahir da assemblea da <v>/V\illa, onde o voltarete se enremissara, tinha encontrado ao Chafariz, o Administrador do Concelho e o Padre Leitão que iam à hospedaria do Gago comer uma tainha assada, (d’encomenda,) e provar um vinho novo d’Alvarilhão, muito gabado: – <e com a promessa de que estaria la, o Pimentinha> tentado pela promessa que estaria la o Pimentinha com a viola, e o Campos, <d> da ______________________ e mirante, que se ergue à entrada do Largo-d’El-Rei) todos conheciam pelo «fidalgo da Torre», costumava preguiçar na cama ate ao meio-dia com os jornaes um maço de cigarros, um bule de cha verde. Na vespera, porem, à noite ao sahir da assemblea da Villa, d’um voltarete enremissado, encontrara ao Chafariz, o Padre Leitão, e o Gouveia Administrador do Concelho que iam à hospedaria do Gago <cear>[�attacar] uma tainha assada, (d’encomenda,) e provar um vinho novo de Corinde, das terras do Abbade Esgueira: – tentado pela promessa de que encontraria o Pimentinha com a viola, e o Campos, o Jose Campos da

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[3] Bloco A

quinta das Dornas, seu condiscipulo o fidalgo da Torre, apesar de prohibido, pelo Dr Tavares, (por causa da sua dyspepsia flatulenta) de <ce> noitar e cear, accompanhou <ao>/à\ <Tainh> tainha – «Esse peixinho do Senhor estava supino», como <de> declarou, com a sua costumada <ale> veia, o alegre padre Leitão: do Alvarilhão subiram da adega quatro canecas, chupadas sequiosamente atravez d’uma questão, toda em berros, que rolou sobre o emprestimo da Camara, sobre o escandalo da Baroneza de Sta. Thereza com o Pagador das Obras Publicas, sobre Pelletan e o seu livro Le Monde Marche, sobre os republicanos e <a> o Seculo, e sobre o Sa Nunes, o Ministro, considerado pelo Fi-

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quinta das Dornas, seu �companheiro <da> na casa das Garraias em Coimbra � o fidalgo da Torre, apesar de prohibido, pelo Dr Tavares, (por causa da uma dyspepsia flatulenta) de noitar e cear, accompanhou à do Gago � Ahi, devorou metade da tainha, <at> esvasiou um uma caneca vidrada de Alvarilhão (não approvara o vinho do Abbade) e às duas <co> horas, quando o petroleo ja findava no candeeiro, e fora na calçada começavam a rolar os carros de bois, para o mercado da Herva, obrigou o Gago a servir caffe, <no> todo no fragor d’uma questão com o Campos, sobre o Luiz Cavalleiro, <g>/G\overnador Civil e seu inimigo – e sobre o Sa <n>Neves, Ministro do Reino, que o Campos

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[4] Bloco A

dalgo da Torre «um genio» e pelo Campos «um ladrão»: <no café, que o> depois o Administrador, excitado, obrigou o Gago a fazer café: – de sorte que apesar de terem ido todos, pela estrada que <e> costeava o <pr> muro da torre, esmoer ate aos Bravaes, com a viola do Pimentinha chorando <os fados mais tristes, e uma grande lua cheia no ceu> à lua todos os ais dos fados – Gonçalo Mendes Ramires teve uma noite pavorosa com pesadellos em que <via> o Sa-Nunes, de farda de Concelheiro, e elmo feudal, montado n’uma mons-truosa tainha corria sobre elle, lhe jogava contra <as ilhargas, contra> o estomago, <lança-das d’uma grande> lança[das] de monte, que lhe faziam dar pulos an-

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considerava um «genio» e e elle «um ladrão»: De sorte que apesar de terem ido depois, pela estrada nova, que costeava o muro da Torre, esmoer ate aos Bravaes, com a viola do Pimenti-nha chorando à lua cheia os ais mais tristes dos fados de Portugal – Gonçalo Mendes Ramires teve uma noite revolta e trabalhosa, atraves de bruscos pesadellos em que o Sa-Nunes, e o Luiz Cavalleiro <vestid> cobertos de cotas de malha, montados em uma fabulosas tainhas lhe arremessavam contra o estomago, <cheio> duras pontoadas de montante que o faziam

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[5] Bloco A

gustiosos e gemidos no alto leito de pau preto. Por fim <de m> madrugada, ja com luz nas frestas, e as andorinhas a piar no beiral dos telhados, o fidalgo deu o derradeiro coice ao lençol, saltou ao soalho, envergou uma quinzena de linho, e foi à sala-de-jantar, tomar uma grande colher de fruit-salt. Mesmo em chinellos, desceu à quinta, com um jornal velho na mão, ate à ramada, ao pé da Mãe-d-agoa. E quando voltou, pela rua dos loureiros <senti> sen-tindo subitamente a cabeça desanuviada, lucida, com ideas que surgiam como as bolhas claras d’uma agoa <que <rep> rebenta, decidio> represa que rebenta e vae correr – decidio abancar e acabar o Capitulo I da Torre de D. Ramires, que

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torcer e gemer, no alto leito de pau preto. Por fim madrugada, <com> quando as <fenda> <fen> frestas da janella ja clareavam, e as andorinhas <gritavam> corriam <no>[�no] beiral dos telhados o fidalgo deu o derradeiro repellão aos lençoes, saltou ao soalho, envergou furiosamente uma quinzena de linho, e correu à sala-de-jantar, a tomar uma grande colher de fruit salt. �Por uma <f> varanda que ficara a<r>/b\er<te>ta tão fresca <e serena, e verd> <lhe> e repousada lhe pareceu a quinta, sob o ceu d’alvorada, que mesmo �em chinellos desceu ao terraço, e pel<o>/a\ <laran> ramada – <per> coberta de parra e d’uva foi ate ao tanque <q> grande, onde um fio d’agoa cantava, docemente, no silen-cio e na frescura, sob a <ramagem>[�folhagem] d’um cedro. �<Sentindo> Inquieto, <subitamente>[�porem], com a humidade <do>[�d’aquelle] chão que lhe <trespassava>[�resfreava] a sola gasta dos chinellos – recolheu <logo>, dando um<a volta> rodeio longo pel<a>/o\[s] <eira>[�regos do Morangal], para não encontrar o seu caseiro <o Jose Homem, que sachava no rego do <morangal> morangal e <com quem> que se desaviera com elle asperamente, <pelo S. João,> havia semanas, pelo S. João, por causa d’um �corte de pinheiros, na tapada d’a Côma.>[�o Manoel Relho que elle despedira com violencia, e que viera de certo à abegoaria recolher ferra-menta.] �E quando <vo> subia, pela <ru> rua dos Alamos, sentio subitamente a cabeça tão desanuviada pelo fruit-salt, <e> as ideas surgindo tão claras e <f> vivas, como bolhas d’uma agoa represa, <qu> prompta a rebentar – que decidio abancar ate ao almoço e acabar o Capitulo I da Torre de D. Ramires,

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[6] Bloco A

elle deixara, havia dous dias, n’aquelle lance em que Tructesindo Mendes Ramires, passara a noite, preparando a defesa da torre, cercada pelas hostes de Affonso II.

Da banca de pinho onde trabalhava, entre tomos da 67

Gonçalo Mendes Ramires, podia <ver>[�via], avançando [�pelo pomar] em angulo com a frontaria <da casa, e se não>[�mais nova e burguesa]

______________________ onde elle deixara, desde sexta-feira, o velho Tructesindo Mendes Ramires, e seu filho Lou-renço, trilhando com os duros sapatos de ferro, as lages largas da Salla-d’Armas do solar de Santa-Oralia, <e conversando de aprestos de guerra, à luz de quatro tochas de cera, chumbadas nos muros <negros> <rudes> altos> �Ao passar pela janella da cozinha gritou à Rosa, a cozinheira e governante que lhe fizesse o cha – subio, atirou sobre o lavatorio<,> duas chapadas d’agoa à cara e abancou para o bom trabalho. A livraria, uma sala clara e larga, <com> <de estantes de pinho> rebocada d’escaiola <branca,> <azul clara> cor de rosa, com estantes de pinho <ver> <que vergavam sob os renques> onde repousavam, no esquecimento e no pó, grossos tomos de con-vento [�e de fôro], com lombadas de couro, abria <por duas> sobre o pomar por duas janellas, uma de peitoril, outra, mais larga de varanda<.>/,\ <Deante da varanda, que roçavam as folhagens lustrosas dos limoeiros,>[�que tinha enlaçada nas grades uma fresca madresilva. Deante da varanda na larga luz] estava a mesa – uma �<velha> mesa de pés torneados, coberta com � uma colxa de damasco vermelho, desbotada <e remendada, e> salpicada de tinta, e onde pousavam n’uma ordem secca de Amanuense cuidadoso, o papel almaço pautado, os dous <tom> volumes do Dic-cionario do Vieira, o tinteiro de vidro, a raspadeira; numeros do Diario das Camaras, e uma traducção de Nana. E d’ahi, da sua <velha> cadeira de couro lavrado, <sempre que trabalhava podia contemplar,> nas horas de creação, <el> Gonçalo Mendes Ramires, via defronte, avançando pelo <pomar, em> entre os limoeiros do pomar, em angulo com o casarão

������������������������������������������������������������67 Dez linhas de texto da 1ª versão foram ocultadas por colagem de rectângulo de papel. Em contra-luz pode ver-se que se trata de linhas que começaram por ser canceladas. É possível ler algumas palavras: colxa e damasco. Tratava-se, portanto de uma primeira versão da descrição da colcha que aparece sobre o papel colado.

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[7] Bloco A �68

Olaia Sta Comba, solar dos Mendes Ramires, desde os fins do seculo XI. Gonçalo Mendes-Ramires era com effeito (segundo affirma<r>/v\a esse estremado Genealo-

gista, o Barão de S. Domingos) o mais genuino e authentico fidalgo portuguez: – e só elle talvez poderia com exactidão, e em linha varonil, traçar a sua linhagem ate aos barões francos que vieram com o Bolonhez. Desde que <h> existia Portugal, houvera sempre montes

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� liso do <começo do> Reinado da Snr D. Maria I, a inspiradora da sua <o>/O\bra, a Torre, a velha torre de D. Ramires, negra, quadrada, com as fundas frestas gradeadas de ferro,<feru,> as duras ameias <re> dentadas no azul, uma pouca d’hera nas fendas grossas, <ex> sobrevivencia heroica do velho Paço Acastellado, da <forte> vasta «Honra» de Santa-Oralia, solar dos Mendes Ramires, desde os fins do seculo XI.

Gonçalo Mendes-Ramires era com effeito (segundo affirmava esse estremado e severo Genea-logista, o Barão de S. Domingos) um dos mais genuinos fidalgos de Portugal: – e poucas familias coevas poderiam, como a d’elle, traçar, pela linha varonil, a sua ascendencia ate aos <secul>[�vagos] barões francos que desceram com pendão e Caldeira na Hoste do Bor-guinhão. Desde que surgira, na Espanha, o Condado Portugalense, sempre pelos

������������������������������������������������������������68 As cerca de sete primeiras linhas de texto da primeira versão foram ocultadas por colagem de rectângulo de papel sobreposto.

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[8] Bloco A

e valles entre Douro e Minho, – e por esses valles e montes fora sempre honrado e famoso o nome de Mendes Ramires. Resistente como elles, às fortunas e aos tempos, fora sempre fal-lado, sempre honrado fora, o Solar de Santa-Comba. Em todas as grandes paginas da Histo-ria de Portugal, se encontrava um Mendes Ramires. O mais <pro> illustre, dos mais esforçados, era Lourenço, por alcunha o Cortador, collaço de Affonso Henriques, com quem na mesma noite, e para receber a mesma pranchada de <c>/C\avalleiro, vellara as armas na Sé de Zamora. Na tomada de Silves, outro Ramires, Martim, Alferes-Mor de Sancho I, é o primeiro a subir as muralhas, com a adaga nos dentes, tendo já uma mão <a> esquerda decepada.

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montes e valles entre Douro e Minho, resistente como elles, às fortunas e aos tempos, fora fallado e honrado, o Solar de Santa-Oralia. Em todas as paginas fortes da Historia de Portugal, se encontra um Mendes Ramires. O mais velho <popular> e na linhagem e dos mais esforçados, Lourenço, por alcunha o Cortador, collaço de Affonso Henriques, com quem na mesma noite, e para receber a pranchada de Cavalleiro, vellara as armas na Sé de Zamora, � apparece logo na Batalha d’Ourique, onde priveligiadamente vê <tambem>[�tambem] Jesus Christo <passar> <[�passar]> entre nuvens d’ouro, sobre <a tenda do Rei> uma Cruz de dez covados. �Na tomada de Silves, outro Ramires, Martim, com a mão direita decepada, entala a adaga nos dentes, e é o primeiro a trepar à muralha, <onde> a gritar escoado em sangue – «Real, Real, por

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[9] Bloco A

<O velho Mar> Lourenço Ramires, <cr> fechado, na sua Torre de Santa Comba, com os muros cheios de besteiros, e o breu andando já nas caldeiras, recusa-se a agasalhar D. Fernando e Leonor Telles em cavalgada de noivado por aquellas terras, para que a pre-sença da adultera não macule a pureza do seu solar. Em Aljubarrota, <o> outro Ramires, <ten> mata o Mestre de Calatrava, toma um <pendão>[�<castel> balsão] Castelhano e quasi ao fim da batalha de pé sobre um montão de cadaveres, <com o elmo> sem elmo, coberto de sangue, grita galhofeiramente que lhe tragam agoa a beber que inda tem muito <que> alli que lidar. Sob os muros d’Arzilla, morrem dous Ramires. Na primeira

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Sancho de Portugal!» O velho Lourenço Ramires, na sua Torre de Santa Oralia, com a leva-diça erguida, os muros cheios de fundeiros nega acolhimento a D. Fernando e Leonor Telles <que iam <em> em larga hoste a caminho do Porto> �que depois do noivado d’Eixo corriam o Norte em folgares e caçadas, �para que a presença da adultera não macule a estreme puresa do seu solar. § Em Aljubarrota, <Vasco>[�Diogo] Ramires, o Trovador, desbarata, um troço de besteiros, mata o Adiantado-Mór de Galiza, e por elle, não por outro é derribada a Bandeira Real de Castella, em que ao fim da lide, o seu irmão-d-armas, Antão d’Almada se embrulhou, para o levar dançando e cantando, ao Mestre d’Aviz. Sob os muros d’Arzilla combattem magnificamente dous Ramires, o velho Fernão �<pae> e [�seu] filho, e junto do cadaver do do pae, <retalhado de gol> trespassado por quatro virotes, e <estendido>[�estirado] no pateo da Alcaçova – o filho é armado cavalleiro pelas <reaes> mãos de Affonso V que chora e diz – «Em ti ganho o que n’elle perdi».

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[10] Bloco A

viagem à India ha um Ramires na nau de Paulo da Gama, um homem agigantado, que durante tres dias e tres noites, na grande tormenta deante de Melinde, está amarrado ao cabo do leme, sem querer largar a sua espada de cavalleiro. Em todo o Oriente então ressoa o nome dos Ramires. Poucas são então as armadas, raros os grandes combates do Oriente, em que se não encontre um Ramires, – tendo ficado, na grande historia tragico-�maritima, o nome de Rodrig<u>o Ramires, <que> Capitão da Santa-Barbara. Em Alcacer-Kebir Paulo Ramires sae da batalha sem uma ferida, mas vendo o Rei <per> não quer voltar ao Reino sem o seu Rei, e de noite sem armas corre louco a cavallo contra

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Depois Portugal faz-se aos <mares> mares e poucas são então as armadas, raros os com-bates do Oriente, em que se não esforce um Ramires, – ficando na Lenda tragico-maritima, o nome de Rodrig<u>o Ramires �que no <Nauf> naufragio da Santa-Barbara, reveste a sua armadura, e de pé no Castello de proa, encostado à sua grande espada, se afunda, em silencio, direito, e sem se mover, com a <nau> a nau, que a agua <sor> sorvia. �Em Alcacer-Kebir Paulo Ramires sae illeso da batalha, mas não quer voltar ao Reino sem o seu Rei, e de noite <mon> <montando o seu ginete, arroja o elmo, <ali> despe as as armas, e arremete, em <rija> dura

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[11] Bloco A

o acampamento dos mouros, onde para sempre desapparece. N<o>/a\ <tempo> Corte de D. João IV, Vasco Ramires é um dos brigões façanhudos de Lisboa. <Favorito> Grande valido de D. Pedro II, Alvaro Ramires foge para Sevilha, com a mulher d’um mer-cador da Rua-Nova, que mandara mattar à <Paulada> paulada por pretos. No Reino do Sr. D. João V, Nuno Ramires, brilha na Corte, <arruina> ferra as suas mulas de prata, faz prodigio-sas festas d’Egreja, e arruina a sua grande casa. É um Ramires quem alcateia, os amores de El-Rei D. Joze I com a filha bastarda do Prior dos Olivaes. Pedro Ramires é Desembargador, celebre pela sua gulodice e pelo seu beaterio, e vive attrelado à fortuna do

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carreira contra> �sosinho, monta o seu ginete, toma em cada mão uma acha d’armas, e gritando, «Vae-te corpo, que ja tardas!» arremette furiosamente contra �o acampa-mento mourisco, onde para sempre desapparece. Sob os Phillippes, os Ramires, amuados, [bebem e] caçam nas suas terras. Reapparecendo com os Braganças, um <*belo> Ramires Alvaro grande valido de D. Pedro II é um dos brigões façanhudos de Lisboa, foge para Sevilha, com a mulher d’um mercador da Rua-Nova, que mandara mattar à paulada por pretos �e termina por <companh> commandar uma tartana pirata, <da frot> na frota de Murad o Maltrapilho. �No Reino do Sr. D. João V, Nuno Ramires, brilha sumptuosa-mente na Corte, ferra as suas mulas de prata, e <celebra> arruina a <sua> casa celebrando luxuosas festas d’Egreja, em que canta no coro <d’op> <coberto d’opas de damasco, e <arrasa a> arruina a sua forte Casa.> �vestido com o habito de Irmão Terceiro de S. Francisco. Outro �Outro Ramires alcateia, os amores de El-Rei D. Joze I com a filha do Prior de Sacavem. Pedro Ramires o Desembargador, famoso em todo o Reino, pela sua <obse> obesidade, a sua <gula> chalaça, <as suas formidaveis proezas de <ventre> <gula>, glutão> �as suas proezas de glutão no Paço da Bemposta, com o Arcebispo de Thessalonica, foi Feitor-mor das Alfandegas.

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[12] Bloco A

Bispo de Thessalonica. Outro Ramires, vae com D. João VI para o Brasil, negoceia em negros, é roubado por um Administrador, morre, no seu solar, do couce d’uma mula. O avô de Gonçalo, vive em Santa Comba, soffrendo de reumathismos, e trasudindo69 para vernaculo em prosa <a †70> as fabulas de Phedro. O pae de Gonçalo, depois de longas intrigas arranja a ser Governador Civil de Bragança. Gonçalo,<esse>, <é bacharel elle proprio> era bacharel formado, com um R no <q>/Q\uarto Anno.

Fora justamente, n’esse anno que elle se estreara nas Lettras. Um seu companheiro de Casa, Nogueira Lima, fundara um semanario, <a Idêa;>

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Ignacio Ramires, vae com D. João VI para o Brasil, negoceia em negros, traz um bahu carre-gado de peças d’ouro é roubado por um Administrador, antigo frade capuchinho, morre, no seu solar, do couce d’uma mula. O avô de Gonçalo, atraves das guerras civis, <permanece> �arrasta uma existencia [�reumathica] �em Santa Oralia, embrulhado no seu capo-tão de briche e trasudindo para vernaculo com um lexicon, e um pacote de simonte, as obras de Cornelius Nepos. O pae de Gonçalo, regenerador, depois historico, vivia em Lisboa no Hotel Pelicano, gastando as solas pelas escadarias do Banco Hypothecario, e pelo lagedo da Arcada <ate qu> �ate que um <M> Ministro do Reino, cuja con-cubina elle acompanha a S. Carlos, o nomeou Governador Civil de Bragança. Gonçalo esse �era bacharel formado, com um R no Quarto Anno.

Fora justamente, n’esse anno que elle se estreara nas Lettras. Um seu companheiro de Casa, Jose Pinheiro, um algarvio <miudinho><[�corcovado]>[�nervoso] e macilento, de grandes lunetas azues, a quem o Simão Craveiro chamava <cruelmente> – o Pinheiro Patriotinheiro – fun-

������������������������������������������������������������69 Erro do autor, por traduzindo. 70 O título de obra clássica que estaria a ser traduzido pelo avô de Gonçalo inclui as letras He...r..a, resul-tando, no conjunto, ilegível.

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[13] Bloco A

a Patria, que na idea d’aquelle magro, mas patriotico <tr> beirão devia despertar na mocidade, o amor tão arrefecido, tão esquecido das grandezas e das bellezas de Portugal!» Como elle tantas vezes berrara, no Café do *Cigano, e à noite, pelos quartos amigos, enfu-marados de cigarro, � «era necessario, caramba, reatar a tradicção». E para isso elle so per-mittia no seu semanario que tinha quatro paginas, e apparecia, de vez em quando aos Sabba-dos, artigos em que o assumpto fosse como elle diz «portuguez dos quatro costados» – chegando mesmo a repellir uma poesia do Craveiro, do proprio Craveiro! por que se cantavam n’ella os amores satanicos do Boulevard! as

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dara n’esse outomno, um semanario a Patria – «com o alevantado intento (affirmava o Prospecto) de não só despertar na mocidade, mas em todo o Paiz, de Norte a sul, o amor tão arrefecido das bellezas, das das grandezas das glorias de Portugal!» �<Activo><Activo, incansavel apesar de deitar sangue pela bôca> Devorado por esta idea, «a sua idea», sentindo n’ella uma carreira, quasi uma missão, o Ze Pinheiro, tantas vezes com um ardor teimoso d’Apostolo, <pro> clamara �pelos Cafés pelos Claustros da Universi-dade, e pelos quartos amigos enfumarados de cigarro, «a <que> necessidade, caramba, reatar a tradicção» e desatulhar Portugal do alluvião do estrangeirismo» – que o Semanario que tinha quatro paginas, de formato d’um livro, apparecia, de vez em quando aos Sabbados,

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�71 Bloco A [14]

se occupavam das cousas do espirito, (por que dos outros tres um era gimnasta, o outro bebedo, e o outro premiado) começaram a ir à Bibliotheca procurar nas Chronicas, nos Classicos, no Panorama, <artigos> motivos d’artigos, lendas, xacaras, feitos ou monumentos a des-crever. Foi então que Gonçalo Mendes Ramires appareceu uma noite, ao chá com onze tiras de papel que se intitulavam <D. Virr> <Vi> D. Urraca, e em que vinham contadas com eloquência, e emoção os amores de uma dama, <esposa> com o pagem Ordonho Viegas, <e> e a punhalada que por causa d’elles, <receb> recebera de seu marido <de> D. Froylas n’uma noite de sarau e <ate> tormenta. Não havia aqui, <pro> como observou o Pinheiro

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�e publicara artigos sobre a “Batalha”, o “Prior do Crato”, e <“Sa de> a “Inquisi-ção” – começou a ser considerado como a aurora, ainda pallida, mas segura d’um <grand> forte renascimento nacional: – e os companheiros de casa do <direc-tor>[�iniciador] da Patria, os tres que �se occupavam das cousas do espirito, (por que dos tres restantes um era gimnasta, o outro bebedo, e o outro premiado) passaram, <empurrados por elle, a esquadrinhar na Bibliotheca> aquecidos por elle, pela sua chamma patriotica, a esquadrinhar na Bibliotheca, nos <velhos> grossos tomos de Fernão Lopes e d’Azurara, das Decadas, feitos e lendas “so portugueses, so nossos” (como pedia o Pinheiro) que refizessem à Nação abatida uma consciencia da [�sua] grandeza. Foi então que Gonçalo Mendes Ramires �que tinha vinte e dous annos, uns olhos espertos n’uma face morena, e os modos de quem espreita que se <lhe> abra uma porta na Vida para romper e subir – �appareceu uma noite ao chá com <uma Novella na> onze tiras de papel, que se intitulavam D. Guiomar. Nellas se contava, com soluços, a historia [�veneranda] da Castellã, que em quanto nas guerras de Ultramar, o Castellão barbudo e coberto de ferro atira a acha d’armas às portas de Jerusalem, ama ella, por noites de tristesa e de lua, o pagem de <longos> cabellos louros… Depois o Castellão, <mais> volta, mais barbudo, com um bordão de romeiro! E ai do Pagem! ai da Dama! Sobre

������������������������������������������������������������71 Falta uma folha entre as actuais 13 e 14, que continha apenas a primeira versão.

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[15] Bloco A

coçando pensativamente o queixo, nada <p> que fosse “só portuguez, só nosso”. Mas esses amores lamentosos passavam n’um Solar de Riba-Coa: os nomes dos homens Tructesindo, Ordonho, Froylas, Gutierre, tinham um delicioso sabor godo: a cada pagina ressoava um genuino – Bofe! Mentes pela gorja! Pagem o meu murzello! e outras exclamações heroicas do começo da Monarchia: todos vestião saios, capuzões, e cotas � e em redor d’<estes> estas cousas vernaculas <perfila> erguiam-se torres de menagem, estendiam-se barbacans, rondavam besteiros, e relinchavam mulas de corpo… De sorte que, <havia> affirmava-se ahi, um salutar retrocesso ao sentimento nacional. Alem d’isso aquelle velhaco do Mendes Ramires

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�duas sepulturas <tristes>[�juntas] rebentam duas roseiras brancas. E era assim em D. Guiomar. De sorte que, como notou Ze Pinheiro, �coçando pensativamente o queixo, não havia aqui nada que fosse “só portuguez, só nosso”. Mas esses amores lamentosos passavam n’um Solar de Riba-Coa: os nomes dos cavalleiros Tructesindo, Ordonho, Froylas, Gutierre, tinham um delicioso sabor godo: em cada tira ressoavam como nos começos da Monarchia os genuínos – Bofe! Mentes pela gorja! Pagem o meu murzello! e atraves de todos estes vernaculos circulavam, com <s>[�os seus] saios, [�os seus] zorames, [�as suas] cogulas, os <xai-rei>[�seus] xaireis de velludo – <os> cavallariços, <os> ovençaes, <os> beguinos, e <as> nedias mula de corpo. A novella portanto marcava um salutar retrocesso ao senti-mento nacional. Alem d’isso Gonçalo Mendes Ramires,

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[16] Bloco A

surgia com um estylo claro, facil, limpo de francesismos, de louvavel solidez e brilho! D. Urraca <foi app> encheu <um> a primeira pagina do Pensamento, foi admirada pela D. Amalia Pery72, a «poetisa do Mondego» e Gonçalo Mendes Ramires tomou lugar na Litteratura Nacional – annunciou logo um largo romance, à Walter Scott, sobre o tempo de D. Fernando e <Leonor T> D. João I, e passeava pela Calçada, muito embu-çado na capa, com o olhar pensativo como quem anda reconstruindo um mundo. N’esse anno levou o R.

No quinto anno, ja Pinheiro deixara Coimbra e <o Pens> ja não existia o Pensamento para reatar a tradicção. <Com> Gonçalo preguiçou, entrou consideravel-

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o velhaco, surgia <inesperadamente> �inesperadamente, (como <uma forma robu> affirmou Ze Pinheiro espantado) com uma <[�nobre]> forma robusta que lembrava o Eurico. �com uma forma <que> robusta! D. Guiomar encheu tres paginas da Patria. Nesse Sabbado, para celebrar a sua entrada na Litteratura Nacional Gonçalo Mendes Ramires <deu> �pagou, a alguns finos espiritos da Academia �uma ceia – em que foi acclamado [�entre a pescada e o <bife> frango com ervilhas] como “o nosso Walter-Scott”. Elle de resto, annunciava, ja um Romance, �<tirado dos>[�fundado n’os] proprios Annaes da sua casa, n’um [�rude] feito <heroico>[�de sublime orgu-lho] de seu avô Lourenço<, o duro, sendo D. Affonso II rei: e d’esde então>[�Ramires,] o amigo <de>, e Alferes-Mor de D. Sancho I. Por temperamento, pelo <mesmo>[�saber especial, ate pela] antiguidade da sua <raç> raça, Gonçalo parecia <dest>[�gloriosamente] votado a restaurar em Portugal o Romance Historico. Tinha uma missão: – e começou desde então �passeava pela Calçada com o gorro sobre os olhos <[�lento]> pensativo como quem anda reconstruindo um mundo. No acto d’esse anno levou o R.

Quando voltou de ferias, para o quinto anno, ja Pinheiro deixara Coimbra, e ja não existia a Patria. Gonçalo vinha tambem muito mudado

������������������������������������������������������������72 O autor escreveu, de facto, Amalia Pery, embora se evoque, provavelmente, Amélia Jenny.

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[17] Bloco A

mente pela pescada frita e pelo carrascão das tascas da Baixa, e começou simultanea-mente a ler os jornaes de Lisboa, e occupar-se de Politica, – por que como seu pae, era muito Regenerador. Depois de formado porem, indo a Lisboa, <encontrou Jose Pinheiro> para hypothecar uma <P> propriedade, encontrou Jose Pinheiro que era empre-gado no Ministerio da Fazenda, na Repartição dos <p> Proprios Nacionaes, e que tratava de lançar <uma> a sua famosa Revista de Litteratura e de Historia – cuja tendencia como a do velho Pensamento era despertar a fibra nacional, reatar a tradicção. E <uma><noite> tomando ambos sorvetes no Martinho, Ze Pinheiro persuadio Gon-çalo Ramires a <b> reto-

______________________ �com a barba <toda>[�crescida], de luto por seu pae que morrera em Agosto, <todo elle>[�mais reservado] mais grave – e dando toda <o>/a\ s<eu>/ua\ <inte-resse>[�<attenção> attenção, superiormente] <à Politica,> <a[o] <Situação> <estado economico do paiz,> <[�desorganisação]> <às questões coloniaes>[�à Politica]. Tomou um quarto no Hotel Mondego – e recebia o Diario das Camaras. Os seus companheiros foram então tres ou quatro rapazes, <serios>, que se preparavam já para o Parlamento, e <mesmo para o Governo> lendo a Revista dos Dois-Mundos. Regenerador, por <sentir n’es> que esse partido <lhe> lhe representava vagamente ideas de Conservantismo, de elegancia culta e de generosidade, frequentava o Centro Regenerador da Sophia, onde <estava Augusto Comte, Hob e a Constituição Ingleza.> lançava por vezes o nome d’Augusto Comte, e louvava <a> as “fortes Ins-tituições Inglezas.” E n’esse anno só tomou a penna – para �publicar no Jornal do Porto, duas correspondencias [�d’opposição], amargas, contra o Governador Civil do seu Districto, o Luiz Cavalleiro. Logo <pou> depois do <a>/A\cto de Formatura, porem, indo a Lisboa, por causa da hypothecar da <h> sua quinta de Praga, junto a Lamego encontrou Jose Pinheiro que era então empregado no Ministerio da Fazenda, na Repartição dos <p> Proprios Nacionaes. Mais defecado, mais macilento, com umas lunetas [�mais] negras <maiores>, o Ze Pinheiro, ardia todo, como em Coimbra, na chamma da sua idea – “a ressurreição do sentimento nacional”. E para isso alargando, a pro-porções <da> condignas da Capital, o plano da Patria <tra> <lidav> trabalhava, <esbaforidamente>, devoradoramente (a ponto de deitar sangue pela bôca) na crea-ção d’uma Revista, uma Revista quinzenal, de trinta paginas,

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[18] Bloco A

mar a sua penna historica, e collaborar na Revista, ou dando o famozo romance do <T> tempo de D. João I, ou lendas, narrativas, genuinamente portuguesas, como a D. <Ur> Urraca.

Isto mesmo dizia-lhe elle, com <ambos> os cotovellos sobre a meza, o que perde Portugal, é todo este estrangeirismo. Não ha ninguem entre nós que tenha o sentimento nacional! Ninguem é portuguez... Por isso estamos n’este gachis. De resto o pais é o mesmo, a a raça é a mesma, os homens são os mesmos, ate os <homens são os mesmos> nomes são o mesmos. Voce proprio... Gonçalo Mendes Ramires! Ha dous ou tres na Historia. Então por que não havemos de fazer o que fazião os nossos antepassados? Por que não havemos de ter

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�e capa <m> amarella, os Annaes de Litteratura e de Historia. E <m>/n\’uma aba-fada noite de Julho, [�passeando ambos na Avenida] Zé Pinheiro que tossia [�caver-nosamente] dentro do seu paletot alvadio, a que os massos de Prospectos <de> esga-çavam os bolsos �<a conversar> pedio a Gonçalo Mendes Ramires <que já arranjara quatro assignaturas>, que desse para os Annaes o seu Romance, o romance que elle <preparava,> annunciara em Coimbra, sobre seu avoengo Lourenço Ramires, Alferes-�Mor de Sancho I.�Era com effeito um dever civico, [�sobre tudo para os novos] exclamava <elle,> o Ze Pinheiro, collaborar nos Annaes. Portugal, morria por falta de sentimento nacional! Ninguem era ja realmente portuguez. <Estes> Os

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[19] Bloco A

a mesma energia, o mesmo enthusiasmo, a mesma caracter <que tin> que elles tinham, e que tornava a nação grande? E por que não temos o sentimento da patria, ignoramos a patria, desprezamos a patria... Aqui é que esta o segredo <da nossa borra-cheira> d esta borracheira Qual é o remedio. Popularisar Portugal, fazer a reclame a Portugal, – torna-lo amado, nas suas lendas, nos seus costumes, nos seus monumentos, nas suas paisagens! Tornarmo-nos todos bem portugueses! É para isso que eu fundo a Revista. E é necessario que Voce escreva. Por que é que Voce não ha de <escrev> escrever uma cousa sobre a sua familia? Ate é chic. Que diabo ahi por essa historia fora, se bem me lembro, <u> ha um

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peores despresavam a Patria, os melhores ignoravam a Patria. Eis o o segredo d’esta borracheira incomparavel. Qual remedio. Popularisar Portugal, montar em Portugal a grande estrondo a reclame de Portugal, – tornar amada esta <terra que> reino que edificamos, intelligentemente amado na sua historia, nos seus heroes, na suas creações nas mesmas pedras das suas serras.

Era para isso que elle fundava os Annaes. E aos descendentes d’aquelles que outrora fizeram Portugal – competia [�mais que aos outros] o cuidado piedoso de o concertar, de o refazer. Como? Reatando a tradicção, <Tudo estava ahi, caramba <em>[�em] reatar> caramba!

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[20] Bloco A

par de Ramires de primeira ordem. Agarre-me n’um, faça com elle uma lenda, um conto, <com> Até é bonito! É um homem de grande <linh> familia que vem dizer: «aqui está como era a minha familia!» É reatar a tradicção!... Faça Voce isso, umas vinte ou trinta paginas! Está claro a Revista por ora não pode pagar. Mas que diabo! é necessario pensar no paiz. E depois, menino, a Litteratura leva a tudo, em Portugal. De folhetim em folhetim, chega-se a S. Bento, <ao Con> Ministerio, ao Concelho d’Estado, a tudo. Pense Voce n’isto!

E Gonçalo Mendes Ramires pensou. Tudo o seduzia n’aquella idea: o seu nome apparecendo n’uma Revista seria, bem impressa, de cincoenta paginas: a sua

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� – Assim, Voces! Por essa Historia de Portugal fora, vocês são uma enfiada Rami-res, de toda a belleza. Mesmo o Desembargador, o que comeu, n’<a>uma ceia de Natal, tres leitões!... É apenas uma barriga. Mas que barriga! Ha n’ella uma pujança heroica, que revela raça, a raça <que> mais forte do que promettia a força humana, como diz Camões. Tres leitões, caramba. Até enternece!... E os outros Ramires, <os>/o\ de <A> <A> Aljubarrota, os d’Arzilla, os da < Id> India!... Pois bem, res-suscitar estes varões mostrar-lhes o caracter, a alma <safa> façanhuda, o querer rigido que nada verga, é uma <grande, so> soberba licção aos novos,... <É uma tonificação Sobretudo> Tonifica. Caramba! Pela consciencia que renova de termos sido [�tão] grandes, sacode d’esta <o vil> chocho consentimento nosso em permanecermos pequenos.

�É o que eu chamo reatar a tradicção. E depois feito por você proprio, Ramires, que chic! Caramba que chic. É um fidalgo, que querendo mostrar, para um fim d’educação civica, a grandeza passada da Patria, abre simplesmente, sem sahir do seu os Archivos da sua casa. É de rachar! E Voce nem precisa fazer um grosso romance. Basta um conto, de vinte ou trinta paginas. Está claro a Revista por ora não pode pagar. Mas que diabo! Trata-se d’uma grande renovação social. E depois, menino, a Litteratura leva a tudo, em Portugal. De folhetim em folhetim, se chega a S. Bento. Com tres artigos, está-se no Ministerio. A penna hoje, como a espada outrora, edifica <fort><fortunas> Reinos Pense Voce n’isto!

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�73 Bloco A [21] Mendes Ramires – Gonçalo como elle. O conto vinha assignado por uma inicial P. G... Quem conheceria hoje esse conto, e essa Arcadia, de que so <t> se tinham publi-cado cinco numeros havia quasi cincoenta annos, no fundo da Provincia? De certo não iria copiar a obra da Arcadia! Mas aproveitava a Acção � que de resto era da sua familia, os Personagens que de resto pertenciam a sua familia, os detalhes archeologi-cos, que de resto estavam em todos os livros e sem <fazer um pl> plagiar, sem <con> copiar facilitaria o seu trabalho, tomaria aquelle estudo como um modelo sug-gestivo, de que para maior repouso da sua imaginação, que <por> ______________________ �Um acesso de tosse funda e rouca, sacudio bruscamente o patriota: – e como se erguera uma aragem, sussurrando nas folhas [�ralas], cruzou mais o paletot, abalou, a continuar, no seu <quarto ter> quarto andar da <Tr> rua de S. José, [�encolhido no catre] com o peito coberto d’emplastros, <e> sob os cobertores e o gabão <esten-dido>, o seu sonho de uma Patria forte, feita de <v>/V\arões fortes, que elle creava lançando os Annaes, reatando a tradicção, e ficando immortal.

Gonçalo Mendes Ramires, recolheu ao Hotel [�Universal], impressionado. Tudo, na idea do Zé Pinheiro o se<duzia, deliciosamente>duzia [�e lhe convinha]: � a sua collaboração n’uma Revista<,> grave, de cincoenta paginas, cortadas pela <velha> casa [�veneranda] dos *Gontrans; a antiguidade da sua raça, assim affirmada como mais antiga que o Reino, e popularisada, <em Lis> por uma <Hist> Historia heroica, �e d’uma belleza de Lenda, em que ressaltavam com comovente brilho, a bravura, a fortaleza d alma d’os Ramires; e <ainda, o seu> emfim a natureza academica do seu espirito, [�nobremente] votado ao Romance Historico, as investigações eruditas, <re> reveladas, no momento em que elle<,> <bacharel e> ia tentar a carreira do Parla-mento e da Politica!... Era, como elle pensava atirando pontoadas com a a bengala à porta adormecida do Hotel – “matar d’uma cachazada tres <col> coelhos. E o traba-lho, a <composição> estructura fundamental <da novella>, a composição moral dos <Tippos,> caracteres, a ressurreição archeoliga74 da Vida medieval, <nas> as cem tiras tiras de papel <a atulhar de prosa> <a atulhar> <não o assustavam. Elle tinha ja “o fundo da sua obra”. Seu tio Duarte irmão de sua mãe (<que era>[�uma senhora] de Guimarães da casa das Balsas) fora> ������������������������������������������������������������73 Faltam duas folhas entre as actuais 20 e 21. A primeira das duas em falta foi eliminada e a segunda reaproveitada adiante e numerada 25. Leia-se, portanto, na primeira versão, o texto da fl. 25 como imediata-mente anterior a este. 74 archeoliga: erro do autor, propiciado pela translineação (archeoli/ga).

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[22] Bloco A

andava um pouco preguiçosa por aquelles calores <d’outomno.> d’Agosto.

Logo n’essa noite accendeu o candieiro d’estudo, e com o velho tomo em que vinham os numeros da Arcadia aberto deante de si, <com> bem provido de papel almasso <cm> começou o primeiro capitulo – <passando para> transpondo pru-dentemente, para uma formosa tarde de outomno a scena inicial d’abertura que no conto da Arcadia se passava n’uma radiante manhã de Maio. Era uma cavalgada que descia uma aspera collina. No cerro fronteiro, recortava-se, na amarellidão da poente a negra torre, as ameias d’um paço acastellado. O cavalleiro que vinha a frente, soffreava o ginete, exclamava para o escudeiro – cujas barbas

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�d’essa “prosa robusta” que louvava o Pinheiro, <não> – não o assustavam. Elle possuia ja a sua obra, cortada em bom panno, e fortemente alinhavada. Seu tio Duarte, irmão de sua mãe (uma Senhora de Guimarães, da casa das Balsas) <fora,> nos seus annos de ociosidade e imaginação, de 46 a 48, entre o seu acto de formatura e o seu alvarà de Delegado fora poeta: – e publicara, <n’um Semanario de Guimarães, o>[�no] Bardo, um Semanario poetico de Guimarães, <alem de> um poemeto em verso solto, o Castello de Santa Oralia, que assignara, com duas iniciaes D.B. Esse castello era o dos Ramires; e ahi se cantava �com pompa, uma sombria historia <historia> d’altivez feudal, passada com o velho <Lourenço> Gonçalo Ramires, Alferes Mor de Sancho I. Este poema ficara na familia como um documento de nobreza e d’heroismo: e desde pequeno <R> Gonçalo <r>/R\amires <lhe> <o conhecia> recitava os primeiros versos, de tão suave melancolia:

Na pallidez da <da> tarde, entre a folhagem Que o outomno amarellece,...

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[23] Bloco A

brancas cahiam sobre a loriga de couro negro: – Gutierres, de quem é aquella torre? <No pendão branco em> E assim apparecia o solar dos Ramires: como o açor negro... � É *o açor dos Ramires.

E era: � e assim apparecia, logo, nas primeiras linhas, <neg> <f> negro e formi-davel, na pallidez da tarde o Castello dos Ramires.

Toda esta parte lhe sahira facil, e repassada de nobreza. A noite estava quente, a janella aberta sobre o pomar: � e Gonçalo vindo refrescar, fumar um cigarro debru-çado ao peitoril via já a Revista de Litteratura e de Historia com a sua capa amarella, na vitrine dos livreiros; o seu conto lido em Lisboa, pelos Litteratos, pelas mulheres, por El-Rei de certo; e uma admira-

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�Era [�com] esse <f> rude e sublime feito de seu avo, tão commovida<d>/m\ente <celeb> celebrado no Bardo, e em Verso, pelo tio Duarte, que Gonçalo Mendes Ramires<,> queria ja, em Coimbra, quando os camaradas da Patria, e das ceias, o acclamavam <j> o nosso Walter Scott, compor um Romance moderno, todavia epico, d’uma forte verdade historica, brilhante em côr e forma. E agora, ahi tinha n’essa lenda de <fam> Familia, o seu conto para os Annaes! T<u>/o\do <de resto estava> o trabalho de composição, de reconstrucção estava feito, e [�preciosamente] no poe-meto do tio Duarte. O <castello> Paço Acastellado de Santa Oralia, com as suas bar-bancas75, os seus cubellos, a torre formidavel, o pharol e o <seu> açôr do seu pendão: o velho �Gonçalo com a sua barba branca, cahindo em f<r>/l\ocos, sobre a <ml> negra <cota> malha de ferro; os monges pallidos sob a sua cogula, os rudes cavallari-ços de saio branco; todo o scenario, todo o pessoal da Meia-Edade <portuguesa> Affonsina la estavam n’esses largos, fluidos versos! Como elle se lembrava!

Junto à fonte mourisca, entre os <all> ulmeiros A cavalgada pára... <A <<a>/P\axão>[�Paixão], o <rude>[�forte] sentir <da> <alma> <[�cora-

ção]> gôd<a>/o\, o rigido orgulho <do po> feudal, la estavam! A Acção, as heroicas palavras arremessadas como por labios de ferro, o restrugir <dos>[�de] montantes <sobre> contra elmo. O drama todo, <[�de grandeza barbara]> com a sua paixão e a sua Acção, de grandeza barbara, desde as fortes palavras que parecem arremessada por labios de ferro, ate aos recontros maravilhosos em que o restrugir das armas atroa os valles>

������������������������������������������������������������75 barbancas: erro do autor, por barbacãs.

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[24] Bloco A

ção, um grande calor de sympathia subindo para elle, filho ultimo d’uma grande linha-gem, que juntava ao seu <brac> ao açor do seu brazão uma penna d’artista, e vinha ressuscitar o velho Portugal heroico… E no silencio da noite, onde cantava o repuxo, e subia o aroma dos feijoaes, elle repetia a si mesmo, os dous versos de Vigny que o Andre de Salzeda, o poeta, costumava com o seu grande gesto, bradar, em Coimbra, na tasca do Roxo:

J’ai mis sur le cimier dore du Gentilhomme Une plume de fer qui n’est pas sans beauté… No dia seguinte porem Gonçalo teve uma contrariedade, que lhe estragou o tra-

balho. O Manoel Relho, o caseiro, que lhe trasia a quinta arrendada por <noce> novecentos mil reis e cin-

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�O Drama todo, com a sua paixão, e a sua acção, de grandeza barbara, la estava! <A> O heroico fallar que parece despedido de labios ferro, os recontros sombrios, em que se sacia, a punhal, o rancor dos feudos – la estavam, no poemeto do titi! Como se lembrava! <“Monge!>

�“Monge<!> <Este velho> Escuta! O Solar de D. Ramires Por si, e pedra a pedra se alluira, Se jamais um bastardo lhe pisasse, Com o sapato de ferro as lages puras”. Tudo la estava, na obra do tio Duarte. So <t> tinha a <passar> transportar o

verso fluido e <facil> flaccido de 1846 para a sua prosa robusta e musculosa. E era um plagio? Não. A quem, com <mais>[�melhor e mais seguro] direito do que a elle, pertenciam os feitos, a memoria dos Ramires <d> historicos? A reconstrucção da velha Meia-Edade portuguesa tão bella no Castello de Sta Oralia não era obra <origi-nal>[�individual] do tio Duarte mas das Academias e d<a>/o\ <Sa> <erudição> saber esparso. <Debaixo do sol, tudo> E de resto quem conhecia hoje esse poemeto, e o Bardo, publicado, durante cinco meses, ha cincoenta annos, n’uma villa remota de Provincia. E não

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[25] Bloco A

{conjunctamente encadernados numeros de velhos <litt> semanarios litterarios de Vida curta, a <Ly> Lyra, a Semana Litteraria, A Narrativa, A Grinalda, <encontrou> deu com o nome de Gonçalo Mendes Ramires, n’uma pagina, contada em dialogo. E era um conto com o titulo de o Segredo da Torre. O Semanario esquecido onde fora publicado, <era onde vinha essa> era de 1842, publicado <em> em Guimarães, e chamava-se A Arcadia. Com que alvoroço <devor> devorou, as paginas mal impres-sas, e que a traça attacara. A Torre que tinha um segredo � era a sua, a sua torre, a que elle via, negra, com pedaços d’hera, entre os limoeiros do jardim. E o heroe da <t> historia um Gonça}76

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�hesitou mais – logo no outro dia procurou o Ze Pinheiro na repartição, lhe pro-metteu, para o numero I dos Annaes, o conto, a que elle decidira ja o titulo, a Torre de D. Ramires. � Que lhe parece? <–>/O\ Pinheiro fez estalar os dedos: � Soberbo! A Torre de D. Ramires, <u> o grande feito de Gonçalo Mendes Ramires – por Gonçalo Mendes Ramires… Caramba! <Isto é que eu chamo> Isso é que é reatar a tradicção!

Ao fim d’essa semana, Gonçalo Mendes Ramires estava na quinta da Torre, à banca, com o velho volume do Bardo aberto deante das tiras de papel almaço, – transportando para <uma radiante>[�a alegria d d’uma] manhã de Maio aquella suave <tarde em>[�tristeza <da tarde>[�outomnal]] com que abria o poemeto �do tio Duarte:

Na pallidez da tarde entre a folhagem Que o outonno amarellece Todo esse começo do Capitulo se ia desenrolando abundante e facil – quando

<um<a> cuidado d’administração> uma desavença com o caseiro, o <Jose> Manoel Relho, que lhe trazia a quinta arrendada por novecentos mil reis, veio <perturb> per-turbar, no seu bom trabalho, o fidalgo da Torre. <Ja desde as feri> Havia quasi um anno, desde o Natal, o Relho, que <se>, nos seus tempos de seriedade e ordem, se emborrachava aos Domingos, com alegria, com pachorra, começara a tomar, duas e tres vezes por semana bebedeiras violentas, escandalosas, em que espancava a mulher, atroava a quinta com gritos, saltava à estrada, de varapau, a desafiar a [�quieta] aldea <toda. Tinha todavia a man>. [�Por fim uma] ������������������������������������������������������������76 Segunda das duas folhas rejeitadas entre a 20 e a 21; este texto da primeira versão antecede imediatamente o da folha 21.

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�77 Bloco A [26]

porem queria agora, novecentos e cincoenta mil reis: o lavrador que se chamava Jose Casco, sahio atterrado com a exigência: mas voltou, offereceu novecentos e vinte, hesitou ainda, repercorreu a quinta, esfarellou a terra entre os dedos, esperimentou as tor-neiras, esquadrinhou o curral, terminou por chegar a novecentos e trinta! Gonçalo não cedia. O Joze Casco voltou <a quinta> com a mulher; depois com um compadre: – e era um coçar de cabeça, um remoer das mesmas duvidas, que enervava o fidalgo. <O> Quando o Jose Casco lhe offereceu novecentos e trinta e cinco, batteu o pé, jurou que amanharia elle a propriedade. Ao outro dia, o Jose Casco, veio, e com um grande suspiro, cedeu aos novecentos e cincoenta.

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�noite [�n’um sabbado], em que o fidalgo [�<na> à banca, <ante>[�depois] do chá] laboriosamente reconstruia os fossos e <torres> torres do Paço acastellado de Santa-Oralia – <m>[�de repente no pateo] a Rosa Governante <no pateo>, <corr> rompeu a gritar “Aqui d-Elrei” contra o Relho! Uma pedra, depois outra, batteram nas vidraça veneraveis da livraria! Enfiado, Gonçalo Mendes Ramires, recolheu ao quarto, que fechou a chave, <†> <e> empurrando contra a porta um velho bahú de couro. Cedo, no Domingo, reclamou o Regedor: a Rosa, ainda tremula, mostrou no braço as marcas roxas dos dos dedos brutaes do caseiro – e o homem, cujo arrendamento fin-dava em Outubro, foi despedido da quinta, com [�a mulher,] a arca e o catre <n’uma carroça. § Logo>. [�Logo,] ao outro dia, um lavrador dos Bravaes, <serio, e seguro,> <[�abastado]> <veio,><veio> �propor ao Fidalgo arrendar a propriedade. Gonçalo Mendes Ramires porem decidira elevar a renda a novecentos e cincoenta mil reis – e o homem que se chamava Jose Casco, e era respeitado pelo uso reservado e a sua força, desceu as escadas, de cabeca cahida. Mas voltou, repercorreu toda a a quinta, esfarellou a terra <[�dos talhões]> entre os dedos, <coçou longamente o queixo parado deante dos talhões,> esquadrinhou o curral, <mediu os talhões,> e com um esforço [�em que lhe arfavam todas as costellas] offereceu novecentos e trinta! Gonçalo não cedia <nem um tostão> certo da sua equidade. O Jose Casco voltou ainda com a mulher; depois com a mulher um compadre: – e, era um coçar lento do queixo, umas voltas desconfiadas em torno dos talhões da horta, umas demoras dentro da tulha, que tornavam aquella tarde d’Agosto intoleravelmente longa ao fidalgo, sentado n’um banco de pedra do jardim, à espera, com o Primeiro de Janeiro. Quando o Casco, pallido, lhe veio offerecer novecentos e quarenta mil reis – Gonçalo <arre>/Me\ndes Ramires <decla> arremessou o jornal, declarou que que ia elle, por sua conta, amanhar a propriedade. ������������������������������������������������������������77 Falta uma folha entre as actuais 24 e 26, que continha texto da 1ª versão.

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[27] Bloco A

À maneira antiga, da casa, o fidalgo apertou a mão ao lavrador, que foi beber um largo copo de vinho à cosinha, esponjando a testa do suor afflicto que lh’a cobria. Estava o contracto findo; – mas ao contacto d’estes cuidados matereais, aquella delicada inspiração do Ramires, que era uma ave assustadiça, tinha battido o vôo leve: E quando elle quis retomar o trabalho – a penna rebelde, so sabia copiar, servilmente, as linhas do Conto da Arcadia.

E todavia, era aquelle um ponto interessante do conto – a notação do caracter do <Gon> velho Gonçalo Ramires – elle chegara aquelle ponto interessante, em que tomava relevo, se fixava o caracter do Velho

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�mostrar o que era um torrão rico, tratado pelo sa<s>/b\er moderno. O de Bravaes, <sahio> então, com um grande suspiro, cedeu, <acceitou o novo> submetteu-se aos novecentos mil reis. �À maneira antiga, o fidalgo apertou a mão ao lavrador, que foi enchu-gar um largo copo de vinho à cosinha, esponjando a testa do suor afflicto que lh’a alagava. Assim se fechara aquelle contracto excellente: – mas ao rumor d’estes cuidados <do dinheiro e do pão,> cazeiros a inspiração do Ramires, como ave que só supporta o Azul e a sua [�harmonia] battera o vôo assustado: E quando elle tentou retomar o trabalho �repenetrar na salla d’armas do Paço de Santa Oralia �– a penna perra, so sabia transladar, servil-mente, os versos <fluidos>[�lisos] do tio �Diogo, sem relevo novo que os moderni-sasse. Depois viera a ceia no Gago, a tainha, o fruit-salt. E, de repente, n’ess<a>/e\ quieto <Domingo d’Agosto> manhã de Domingo, a veia, desva <brot> <brd> brtrando78, de novo brotara, fun<†>/da\ e limpida, inundando longas tiras de papel Tojal. Desde as � sete horas, no quente silencio da livraria o fidalgo da Torre, traba-lhava <tão> tão <delio> diligente e utilmente, como as abelhas <que fazend>[�que faziam o seu mel] rente aos vidros da varanda, nas flores da madresilva.

������������������������������������������������������������78 Toda a sequência desva <brot> <brd> brtrando é, provavelmente, uma série de lapsus calami, com a projecção de um primeiro intentado brotando para o seguinte brotara, série que Eça deixou de cancelar devi-damente.

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[28] Bloco A

Gonçalo Ramires. O heroico episodio era do tempo de Affonso II e das suas luctas, com as Irmãs, encerradas no castello de Montemor, e recusando entregar ao Rei os privi-legios reaes sobre as terras, e Honras que lhes tinham sido doad<o>/a\s a ellas por El-Rei D. Sancho. O velho Gonçalo Ramires fora um grande amigo de D. Sancho, que, <do> pouco antes de <Morr> morrer, na Alcaçova de Coimbra lhe pedira para velar e servir especialmente a sua filha mais bem amada D. Sancha. Assim o promettera o velho e leal Rico homem. Mas a lucta surge entre <D. Sanch> o Rei e as irmãs; D. Sancha, bem como as outras appellam para o Rei de Leão que entra em Portugal, com

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� <A historia, que elle assim trabalhava para os Annaes era do tempo de Affonso II e das suas guerras com as irmãs, encerradas no Castello de Montemor.>

Estava então em fins do Capitulo I – e o velho Tructesindo [�Mendes] Ramires, <com o> conversava com seu filho Lourenço de aprestos de guerra, passeando, na longa salla d’armas do Paço de Santa Oralia. <–>/“\Não, (como explicava o fidalgo da Torre, na sua prosa robusta) [�por]que tivessem apparecido, ligeiros, <por> entre o basto arvoredo [�que cercava a honra], almogavares mouros, – <mas por que> mas por que desgraçadamente, n’aquella terra ja <christan e> remida e <christ> christã, se iam crusar, umas contras as outras, nobres lanças portuguesas!” A Novella com effeito, abria entre �as discordias lamentaveis de <Af> Affonso II e de suas irmãs, que encerradas então no Castello de Montemor, negavam a El-Rei os Direitos reaes sobre as terras, e Honras que a <ellas tão> largamente lhes doara seu pae D. Sancho. Ora <o velho Sancho,> <dias>[�horas] antes de morrer, na Alcaçova de Coimbra Elrei-D. Sancho pedira a Tructesindo Mendes Ramires, seu collaço e Alferes-Mor, [�por elle armado cavalleiro em <lhe> Lorvão] para sempre [lhe] servir, e defender <sua filha, bem amada entre todas>[�a filha que elle amava entre todas, a Infanta D. Sancha, senhora d’Aveyras.] Assim o jurara o leal Rico homem, junto do leito onde agonisava, vestido de burel, como um penitente, o vencedor de Silves. Mas a <lucta>[�fera contenda] surge [�entre] Affonso II, asperosamente zeloso da <su> Authoridade de Senhor e Rei, e as <irmãs>[�Infantas] orgulhosas, <ari> <arrimadas>[�impellidas] a resistencia, pelos Prelados, com quem no seu

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[29] Bloco A muitas lanças: – e uma grande duvida afflige então a nobre alma do velho Gonçalo Ramires. <Sera elle leal à promessa que fez ao> Se <combat> for leal à promessa que fez ao Rei morto combattera por Dona Sancha ao lado dos Leonezes; mas se erguer o seu pendão ao lado dos barões estrangeiros, <falta a vass>, é traidor ao Rei Vivo a quem deve vassalagem. É esta duvida que tortura o esforçado cavalleiro, durante uma noite de vigilia, em que trilha as largas lageas, da sua salla d’armas: – segundo o Conto da Arcadia. E era esta angustia do seu antepassado que Gonçalo Ramires, <s> perdida a inspiração por causa da questão do cazeiro, não conseguia por n’uma prosa pitto-resca e ______________________ �testamento, D. Sancho legara [�tão] vastos pedaços do Reino. D. Sancha e as outras <appellam> fechadas<,> no Castello de Monte-Mor, appellam <em an> para El-Rei de Leão, que <entra em>[�lança seu filho D. Fernando sobre] terras de Portugal com uma hoste e balsão tendido, a deffender as [“]Donas <Reaes.>[�opprimidas”] <E eram>[�E] aqui sobresahiam <os valor>[�duros, mas eloquentes estes] versos do tio Duarte no Bardo:

Que fazes tu Senhor de <Santa> Santa Oralia?

<Se a jura prestada cumpres ao Rei morto

Trahes o preito que deves ao Rei vivo!>

Se ao pendão leonez juntas o teu

Trahes o preito que deves ao Rei vivo

Mas se as Infantas dei- xas indefesas

Trahes a jura que deste ao <r>/R\ei <M> morto.

Estas duvidas porem [�poeticamente interessantes] não angustiavão, <o>[�na

realidade] o forte barão do seculo XII, para quem a idea de Patria era incerta e tenue, e a idea de Honra <exigente> certa e suprema. <Muito simplesmente,> Apenas rece-bera recado das

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[30] Bloco A

commovente. Felizmente porem n’essa manhã, depois do fruit-salt, a veia represa brotava de

novo, e desde as sete horas, com o tomo d’Arcadia defronte, elle findava essa bella scena do I Capitulo, em que Gonçalo <r>/R\amires, depois d’uma conversa com seu genro <Mm> Mendo Paes, alferes-mor de Affonso II que o viera persuadir a abandonnar a causa rebelde das Infantas, decide ser fiel à promessa feita ao Rei morto D. Sancho, seu amigo, de quem recebera em Lorvão, a pranchada de cavalleiro. De balde <Mendo,> sua filha Theresa, o orgulho da sua velhice, e o genro, espelho de <ca> bons fidalgos, o imploram<.>[–] <Elle não ce> lhe mostram o Reino *diante os estrangeiros talando

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�Infantas por <um> o villico do Castelo de Aveyras disfarçado no habito de Beguino, Tructesindo Mendes Ramires – <cumpre a promessa <feita> dada a D. S> (n’essa tarde, em que o fidalgo da Torre, o mostrava [�na sala d’armas de Santa-Oralia] alto e membrudo, com a barba branca ondeando em frocos, sobre o peitoral de malha negra) <qu> ordena a seu filho Lourenço que logo a[o] primeira <alvo-rada>[�arrebol] corra <sobre> sobre Montemor com <vinte la> quinze lanças, cin-coenta homens-d’-armas e besteiros <:>/.\ <– o>[�Elle] no entanto reuniria <sob o [�Açor Branco que era o] velho pendão dos Ramires, o <o Açor branco, d’azas aber-tas,>> outro troço [�mais largo] de cavalleiros, homens de pé, e fundibularios, e em dous dias, correria campo, sob o Açor Branco – que era o pendão <godo> dos Rami-res... Mas n’essa noite, quando se accendia o pharol na torre d’Almenara, <chegava a Santa>[�em grande pressa] chegara a Santa Oralia �Mendo Paes, alferes-mor de Affonso II e casado com a filha mais velha de Tructesindo, D. Theresa – aquella a quem, pelo seu pescoço alto e tão alvo, e o seu <*tod> andar ligeiro que parecia um voo, os Ramires chamavam a Garça Real. Mendo Paes (que o Fidalgo da Torre, no seu escrever castiço denominava “purissima nata de Cavalleiros) vinha assim açodado e coberto de pó, a Santa Oralia, a supplicar ao sogro [�em nome do Rei e dos preitos jurados] que se não bandeasse com os <de Leão><Leonezes>, e com as Senhoras Infantas! Que injuria [�viva] lhes fora feita a ellas, <pelo> por

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[31] Bloco A

os campos de Coimbra, o pobre D. Affonso tendo de reconquistar o seu Reino, que o testamento do pae repartira por validos e frades, � o velho não cede. E Gonçalo Ramires esguedelhado, todo no fogo d’uma inspiração verdadeiramente portuguesa, achava para elle esta bella palavra e grito, em que se resumia a religião heroica da pala-vra dada: – Antes eu fique mal com o Rei que mal com a honra!

E arrojara a penna, radiante, clamando a phrase, dizendo ainda tremulo do esforço: – Irra! que aqui ha talento.

Estava exhausto de resto – e no corredor o relogio, dando as <ho> <meio> <as hora> onze ronceiramente annunciava o almoço. O feliz Gonçalo numerara ______________________ �Seu Real <I> Irmão para que assim chamassem <a> <os cavalleiros>[�as hostes] de Leão <as> às terras de Portugal? Nenhuma. <Nem> Nem posse certa, nem rege-doria nos Castellos e <Prestamos>. Villas <que lhes doara>[�da doação] D. Sancho lhes <re> negava o Senhor D. Affonso Rei de Portugal elle só queria, e justamente que nem um palmo mal-medido de chão Portugues, baldio ou murado jazesse fora do seu Direito Real. E o <Senh> honrado Senhor de Santa Oralia que <ap> <a> para o Rei ajudara a fazer o Reino não o deveria de certo desfazer <p> arrancando d’elle <pe> os pedaços melhores para monges e para Donas rebeldes! <Que fosse em boa hora>[�� Ide por certo a] Montemor, <mas sem hoste e>[�Senhor D. Tructesindo mas] em recado de paz e boa avença persuadir a <voss> vossa Senhora D. Sancha, e as Infantas a que voltem honradamente a obedecer a quem <é seu Irmão>[�hoje conta por seu Pae] e seu Rei.

�<T> Assim, com um bello sabor medieval, argumentava Mendo Paes na Salla d’Armas de Santa-Oralia. Mas o velho e <rígido>[�duro] <Th> Tructesindo volvia, com simplicidade: – Irei a Montemor, mas levar o meu sangue e o dos meus para que justiça logre quem justiça tem.

Então Mendo Paes, correndo os dedos na barba ruiva, murmurava lentamente [�e com um esforço]: – Em Valle-d’-Aguiar estará amanhã, d’esde alva, Lopo de Gundir, o Bastardo, para vos tolher a passagem com cem lanças.

Tructesindo ergueu a vasta <cheio> face <de alvas barbas>, com um riso que lhe allumiava os olhos claros: – Boa nova, de boa esperança… E dizei Senhor Alferes-Mor d’El-Rei, tão de de feição e certa assim a trazeis para me intimidar? – Para vos intimidar? Nem o Senhor Archanjo S. Miguel vos intimidaria descendo do Ceu, com toda a sua hoste, e a sua espada

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[32] Bloco A

as tiras – tinha escripto quatorze, guardou a Arcadia na gaveta, longe d’olhares malig-nos, mesmo dos olhares da creada, e sahia a pressa, para se vestir almoçar quando no corredor, defronte da sala d’espera deu com a Rosa, que trazia atrás um homem de jaqueta ao hombro –: e elle reconheceu logo o tio Pereira, um lavrador abastado <d’um> do logar vizinho de Corinde, <a quem elle> <com quem> que dispunha d’alguns votos na freguesia. – Ola por ca, Pereira! Seja bem apparecido! Então que temos? Entre para aqui homem.

Abrira a porta d’uma saleta onde havia um velho presepio sobre uma cadeira commoda, e velhas cadeiras de couro. E amavelmente, levando o Pereira para <j> o vão da janella que dava

______________________ �d’ouro!... De sobra o sei, D. Tructesindo. Mas casei na vossa casa… E ja que por mim não <podeis> sereis [�bem] ajudado <na>[�n’esta] lide <que vos lesa> quero ao menos que sejaes [�bem] avisado. � Deixae receios… � Se deixo! Não vos pode vir damno que me anceie, de cem lanças, de duzentas, que vos <r>/s\urjam a caminho. Se <algum> um cuidado me pesa é que n’esta jornada, senhor meu sogro ides ficar de mal com o Reino e com o Rei. � Filho amigo. De mal ficarei com o Reino e com o Rei – mas de bem <ficarei> com a honra e comigo.

Este <bello> grito de lealdade <heroica> <[�suprema]> não vinha no Bardo. E quando o achou, com genuina inspiração, o Fidalgo da Torre atirou a penna, murmu-rou esfregando vivamente as mãos, enlevado: � Caramba, aqui ha talento.

Rematou alli o Capitulo I. Estava �<enf> esfalfado, assim à banca do bom tra-balho, desde as nove horas, a reviver intensamente, e quasi em jejum, as emoções heroicas das <edades> dos seus fortes avos! De resto ja o Bento repicara, duas vezes, no corredor, a campainha do almoço. Numerou as tiras, fechou na gaveta, à chave, o volume do Bardo<,> /.\ <e>[�Depois] no quarto, <espetando> deante do espelho, espetando o alfinete de coral na gravata de foulard branco, <re> murmurava ainda a linha <explendida> genial – “de bem com a honra e comigo” �, e <achava>[�sentia] n’elle [�realmente] toda a alma d’um Ramires, como elles <foram> eram no seculo XI, como deviam ser <em todos os tempos, para todo o sempre, magnificamente fieis à Palavra Dada, e leaes e mantendo a> sempre, cavalleiros de excellente Lealdade, <revestindo <ao> a sua Palavra de força religiosa, e> mais presos à sua Palavra que um santo ao seu Voto, e postergando para a manter, <mundo j>[�alegremente] gos-tos, fortuna e vida.

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[33] Bloco A

sobre o pateo, quiz saber rindo a “que devia a honra”… O outro um velho rijo e <se> magro, com um largo carão adunco cor de tijolo escuro, entre os grandes colla-rinhos muito lavados declarou logo, sem rodeios, <sem> (accustumado como estava a negócios, a tratar com auctoridades) que vinha por causa da quinta. Tinha sabido que Sua Excellencia se ia desembaraçar do Relho, e então estivera a pensar, e não se lhe dava entrar em ajustes para o arrendamento da terra. � Tarde piaste!... exclamou o fidalgo, familiar e galhofeiro. E então contou que o arrendamento estava feito havia dous dias, e a palavra dada, com o Casco de Bra-vaes!... O Pereira coçou o queixo, devagar. <E, não sendo segredo, por quando fora remat>. Era pena, grande pena.

______________________ �“É chic (pensava) é chic ser assim, por sangue, por tradicção”... E, n’esse momento, com um pé na borda da cama, laçando os cordões das botas, o Fidalgo da Torre, sen-tia passar n’alma, como um sopro puro que vem de longe <[�dos cumes]> <a velha nobreza da sua raça> e <que> recomposta, a antiga nobreza moral da sua raça.

O Bento que lançara outro repique pelo corredor veio batter à porta, timidamente. � La vae! � É o Pereira. Está em baixo, no pateo, que quer fallar a V. Exª.

Gonçalo Mendes Ramires abriu, bruscamente. � Que Pereira? � O Pereira, o Manel Pereira de Corinde, o Pereira Brasileiro.

Era um lavrador, com casal <e lavoura> em Corinde, a quem chamavam Brasi-leiro por ter herdado <d’um <p> irmão> quatorze contos d’um <irmão>[�tio], ten-deiro no Maranhão. D’esde então comprara terras, trazia arrendada a �Cortiga, a propriedade dos Condes de Morte’-agoa, <vestia> envergava aos Domingos uma longa sobrecasaca de panno, e despunha de <cento> sessenta votos na Freguesia. <O Fidalgo recommendou ao Bento que o levasse para a sala-de-jantar, e subisse uma garrafa de vinho da Vilhalva.> � Dize ao Pereira que suba, que me venha fallar <em qu> emquanto almoço. Põe uma garrafa de vinho... Do da Vilhalva.

A sala de jantar, que abria sobre a quinta por uma vasta vasta varanda em terrasso de pilares de pedra, fora arranjada ultimamente, com uma esteira nova, e um papel ver-melho nas paredes <an> guarnecidas de pratos da India, e d’um velho painel escuro de flores e fructos. Mas, como moveis, conservava, um antigo <aparador> armario de mogno envidraçado, cheio de louças, e um<a> <arca de carvalho lavrado> aparador de topo de marmore onde pousavam, os restos das pratas famosas dos Ramires, um bule, um assucareiro, duas salvas, e uma espevitadeira. <E> Gonçalo

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[34] Bloco A

E se Sua Excellencia não fazia segredo, por quanto se remattara o arrendamento? � Novecentos e cincoenta.

O Pereira tornou a coçar o queixo. Pois maior pena era sobretudo para o fidalgo. <Mas> Era cumprir a palavra pois a palavra estava dada, e elle sempre tivera amizade com o Casco, que era homem serio. Mas era pena, por que elle gostava da proprie-dade, tinha la sua ideas, estivera ja ha tempos para lhe vir fallar � e não iria longe d’offerecer ate a um conto e cem, talvez mesmo um conto cento e cincoenta.

Gonçalo Mendes Ramires teve um movimento, comecou a torcer <ner> nervosa-mente o bigode: � Homem, se isso é serio… Eu quando digo que o arrendamento esta feito quero dizer... ______________________

�Mendes Ramires, de verão, almoçava sempre na varanda, que elle adornara com um velho <soph> sopha de marroquim verde e cadeiras de verga da Madeira.

Quando la entrou, levando os jornaes d’essa manhã que ainda não abrira, ja o Pereira esperava, olhando a quinta, que d’alli se abrangia toda ate ao Mirante, e aos altos álamos, <onde> do pequeno riacho de Ferrão. Era um velho <esgrou-viado>[�esgalgado] e rijo, [�e todo ossos] com um carão <es> moreno, de olhos azula-dos, e uma barbicha rala <e>[�ja] branca, entre dous enormes collarinhos presos por botões de ouro. Homem de propriedade, accostumado [�à Cidade] a tratar com as <auth> Auctoridades, estendeu largamente a mão ao Fidalgo da Torre, e accei-tou<,>[�sem cortesias] a a cadeira, que elle <em> lhe empurrara para o pé da mesa, onde havia junto do talher, uma caixa de pillulas, e uma garrafa �d’agoa de Vidago � Então que bom vento o traz pela Torre, Pereira amigo?... Como vae la pela freguesia a Eleição

A eleição – segura como rocha. Pois o circulo era [�como uma] propriedade do Sanches Lucena, homem de fortuna, homem de bem, conhecedor, serviçal… E quando, alem da sua popularidade, o <G> elle tinha como agora o appoio do Governo, nem <que> Nosso Senhor Jesus Christo que voltasse à Terra, e se propo-sesse pela Opposição, desalojava o Sanches Lucena. � Está claro, está claro!.. murmurou Gonçalo Mendes Ramires, que atirara uma pillula às goellas. <Mas> Francamente, [�porem] Pereira, entre nós, o Sanches Lucena é um deputado que não faz honra ao Circulo. Homem excellente, de certo, respeitável, obsequiador… Mas mudo! Inteiramente mudo!

O lavrador passou vagarosamente, pelo nariz o lenço vermelho enrollado. � Sabe as cousas, pensa com acerto… � Pois sim! Mas o pensar e o saber

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[35] Bloco A

Voce comprehende… Não ha escriptura! O Casco veio, fallou n’isso, combinamos… Elle disse que sim, depois que não… Enfim a cousa ficou um bocado no ar. E eu de cousas no ar não gosto. Enfim, <n> eu não tenho compromisso <com o Casco> definitivo com o Casco.

Mas o Pereira recomeçava a coçar o queixo. Elle em negocios era todo liso, sempre fora amigo do Casco não se queria metter de travez nos negocios d’elle. De sorte que queria as cousas claras. Havia ou não palavra dada entre o fidalgo e o <c> Casco? – Qual palavra, homem! � gritou Gonçalo Mendes Ramires, quasi offendido. Se eu tivesse dado a palavra ao outro não estava agora aqui em conversa com Você, homem.

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�ficam-lhe la dentro escondidos. Eu concordo, o Circulo deve mandar às <c>/C\camaras um homem seu, [�como o Lucena] que tenha n’elle terra, raizes, <e> nome. Mas <ao> conjunctamente <procura> é preciso que seja um homem de [�com] inteligencia, <de> com eloquencia, <com brilho>[�com inspiração]! Um homem, que nas grandes questões Politicas, <se erga>, nas questões de Partido, se <ergua> erga, lanç<a>/e\ a sua idea! <co> <com brilho>, arrebate a Camara!..

E o Fidalgo, <por da> Torre, <que sobre a mes> lançava os braços, por sobre a mesa, n’ <um>o movimento largo d’um derramador d’ideas. O Bento entrou com um prato d’ovos estrellados. – Ó Pereira, por que é que V. não almoça? Põe um talher ao Senhor Pereira. – Não, não! Agradecia muito ao Fidalgo, – mas tinha la a sua gente, no casal, à espera para as sopas. E, immediatamente, chegando mais a cadeira para a mesa, �onde cru-zou as mãos que quarenta annos de trabalho na terra tornara negras e duras como raizes, declarou que viera assim [�incommodar] o fidalgo ao Domingo, por que n’essa semana <tinha>[�toda estaria longe, n]um corte de madeiras <que o que> – e dese-java, antes que sobreviessem outros arranjos, conversar com [�o Fidalgo] sobre o arrendamento da <quinta> Torre… <–> <O F> Gonçalo Mendes Ramires, suspendeu vivamente, <uma larga garfada> o garfo carregado d’ovo: – Voce queria arrendar a Torre, Pereira? – Queria conversar com Vossa Excellencia… Como o Relho está despedido. – Mas ja tratei com o Casco, o Jose Casco de Bravaes! Ficamos apalavrados, ha dous dias… Não, ha tres, quinta-feira.

O Pereira coçou lentamente a barba. Pois era penna, grande penna… Elle so na vespera soubera da desavença com o Relho. E se o Fidalgo não mantinha segredo por quanto fora o arrendamento? – Não! homem, não faço segredo! Novecentos e cincoenta mil reis.

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[36] Bloco A

Tambem era verdade… Pois n’esse caso, elle punha as cousas claramente, e offerecia ao Fidalgo, um conto <cento> e duzentos pela quinta. Mas não dava para a casa, nem leite, nem hortaliça, nem fructa – o que fazia era vender pelo preço d’horta. Em quanto às outras condições, <ficava> ficavam as do antigo arrendamento. E o papel havia de se assignar na quinta-feira. – Toque lá, exclamou o fidalgo, estendendo a mão, apertando a larga mão do lavrador. Agora é que fica palavra dada. – E nosso <lh> Senhor lhe ponha a virtude, concluio o Pereira, indo ao canto da sala retomar o cajado.

Aquella <manhã> manhã fora excellente. Fizera uma bella pagina de Litteratura e

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�<O outro coçou de novo a barba<, com os olhos na toalha pensa->. Man>[�O Pereira, tirou da algibeira do colete uma caixa de tartaruga, sorveu com lentidão uma pitada. Pois maior] penna era, para o Fidalgo. Enfim <a h> havia palavra dada, elle sempre conservara amizade com o Casco, homem serio,… Mas <tinha> era pena, por que elle gostava da <te> propriedade, ja <em> pelo S. João pensara em conversar com o Fidalgo, e, ap<a>/e\sar dos tempos andarem escassos não iria longe, <se> de offerecer um conto e cincoenta – mesmo um conto cento e cincoenta.

<Uma onda> O Fidalgo ficou com <o>/a\ <copo>[�garrafa de Vidago] sus-pensa no ar, n’uma surpresa que encheu a face de <côr, e de> calor, e de côr – Isso é serio?

O Velho sacudio a cabeça: – Pois eu vinha mesmo, de <c> /C\orinde aqui, por este calor para caçoar, com o Fidalgo?... Era proposta a valer – e escriptura logo a fazer...

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[37] Bloco A �79

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� Mas enfim se o arrendamento esta tratado... <Appoiava>[�Recolheu a caixa, appoiava ja] a mão larga, sobre a borda da mesa

para se erguer; – o Fidalgo da Torre, accudio, nervoso: – Escute homem!... Eu quando digo que <o arrendamento estava> ficava apalavrado com o Casco, queria dizer… Voce comprehende, sabe como são estas cousas… O Casco veio, fallou, combinamos. Elle declarou que sim, depois que não. Esteve com o compadre, <com> depois <sò> com a mulher, depois sò,. Andou ahi a medir, a chei-rar a terra, acho que ate a provou. Aquellas rabulices do Casco. <†> A folhas tantas <queria>, ja não queria… Depois <de> ja queria. <Enfim> De sorte que a cousa ficou no ar, mal decidida. E eu detesto cousas no ar. Detesto cousas no ar! Enfim, escriptura, não ha. [Vê se vem esse bife!]

Mas o Pereira coçava o queixo, desconfiado. Elle em negócios era liso, sempre se dera bem com o

������������������������������������������������������������79 Não é possível saber quantas folhas da 1ª versão foram eliminadas a partir daqui. Deve supor-se que seriam menos do que as ocupadas pela 2ª versão, cuja composição é amplificadora. O sinal indicador de lacuna não pretende representar, em cada uma das suas ocorrências, uma folha eliminada mas apenas a eliminação de um número indeterminado de folhas, cujo texto foi substituído pelo das folhas adventícias. O mesmo será válido para o início do próximo bloco e noutras lacunas da 1ª versão adiante detectadas.

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[38] Bloco A �

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� Casco, não se queria atravessar nos seus arranjos. De modo que queria as cousas claras, para não surdir desgosto. Não haveria escriptura, bem. Mas <havia> ficara, ou não, palavra dada, entre o Fidalgo e o Casco?

Gonçalo Mendes Ramires, <ergueu a face, com o olhar, franzido, quase offen-dido>[�que se ia servir dos bifes, pousou no Pereira, devagar, um olhar] offendido: – Homem, essa pergunta!... Pois se eu tivesse dado a palavra, ao Casco, a palavra de Gonçalo Ramires, estava agora aqui, a tratar, a conversar consigo, homem?

O Pereira baixou a cabeça. Tambem era verdade… Pois n’esse caso elle punha as cousas claramente, e como conhecia a propriedade, e sabia bem <o que queria>, e que esperava, <não se demorava com mais duvidas declara> offerecia ja alli ao fidalgo um conto cento e cincoenta mil reis. Mas não dava para a casa nem leite, nem hortaliça, nem fructa. Bem sa-

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[39] Bloco A �

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� bia que o Fidalgo, era só, pouco <estava> habitava a Torre, <mas> não [�se] aproveitava. Aquelle era o seu principio. <em> Em quanto às outras condições, fica-vam as do antigo arrendamento. E a escriptura havia de ser <lavrada>, assignada, na quinta feira. – Toque lá! exclamou Gonçalo Mendes Ramires, <alegremente>, radiante e risonho, estendendo a mão aberta ao rendeiro. Agora sim! Agora é que fica palavra dada. – E Nosso Senhor lhe <ponha> ponha a virtude, concluio o Pereira, <logo de pé> tomando [�logo] o guarda chuva, que pousara [�ao lado] no divan. Então quinta-feira.

Mas o Fidalgo calculava, <torcendo o bigode> <[�quebrando a cinza do cigarro <p> /n\a borda do pires]>[�accendendo devagar o cigarro]. Quinta-feira… Que dia era quinta-feira? Dez? Não podia. Estava na cidade, que fazia annos, sua irmã <Graça.> Maria da <As> Graça. <–Pois perfeitamente! accudio o Pereira. <Tudo> <[�Ate]> calha. Que eu na quinta-feira tenho de estar na cidade… La passo>[�O Pereira <teve, um sorriso>[�ergueu] a face com um sorriso d’estima, que lhe mostrava os maus dentes:]

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[40] Bloco A �

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� – E <é verdade>, como vae <a fidalguinha>, a senhora sua mana? <accu> <per-guntou [�o Pereira], <parando> parando <*frente> com interesse. Ja não a vejo <ha mais d’um> desde>[�Ha que edades que a não vejo! Desde] o anno passado, <da>[�desde] na procissão de Passos. E o Snr Jose Barrôlo? Bom. Ora ainda bem… <Boa> Pessoa <muito appreciavel, o>[�excellente, a valer] Sr. Jose Barrôlo. E que terra! que terra <d a que> a d’elle, <la em> a Portella, <la> em Corinde! É a melhor propriedade d’estas vinte legoas em <redondeza> redor. Linda propriedade! A do <Jose C> Luiz Cavalleiro, que lhe está pegada, à Portella, não se compara – é como pedra ao pé de pão.

O fidalgo <†> da Torre, <arremessou o guardanapo, arredou a cadeira,> arre-messou o guardanapo, rindo: – Do Luiz Cavalleiro nada presta, homem! Nem terra nem alma!

O <†> lavrador, pareceu surprehen-

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[41] Bloco A �

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� dido. Pois elle imaginava, que o Fidalgo e o Cavalleiro estavam amigos... Não em Politica! Mas particularmente como cavalheiros…

O fidalgo franzio o sobrolho: <n’um> <O que elle e o Cavalleiro.> <Depois encolhendo os hombros>: – O que eu e o Cavalleiro? <Ora>[�Ora essa!] Não o <supporto>[�tolero]. Não é como Cavalheiro nem como Politico. Elle nem é politico, nem é cavalheiro. Mas é idiota… E é como idiota que <eu> o detesto.

O Pereira ficou silencioso, <passando a manga pelo chapeo sem se>[�com os olhos na toalha.] [Depois,] resumindo: – Então, està entendido, na quinta feira, na cidade. <Que eu tenho de>[�Eu contava] la ir na sexta… [�Bem] Vou na quinta e, se <o fidalgo> não for transtorno ao fidalgo, passamos pelo tabellião Bento, e fica<va> o papel <assignado>[�concluído]. O fidalgo naturalmente vae para casa da [�senhora sua] Mana.

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[42] Bloco A �

______________________ � – Vou. Appareça às tres horas.

<E o fidalgo e o Pereira tornaram a apertar a mão.>[�– Às tres, na quinta feira; Palavra dada. E tenha o fidalgo, muitas boas tardes.

Gonçalo Mendes Ramires ficou <ainda> acabando o cigarro na varanda. Fizera um negocio soberbo, – um augmento de duzentos mil reis na sua renda… E depois a vantagem d’um rendeiro serio, abastado, [�com metal no banco] capaz, d’um adianta-mento… Ahi estava uma evidencia inesperada do valor da Torre. – aquelle desejo <do> do Pereira em a arrendar, elle, tão cauteloso, tão experiente. Quasi se arrependia de <ter> não ter exigido um conto e duzentos. Enfim a manhã fora excellente. – <bom traba>lho [�boa litteratura], e boa administracção!...

Cantarolando alegremente <pelo corredor>, voltou à livraria. E releu as tiras, o final <heroico> emovente – “Antes de mal com o Rei e com o Reino, – e de bem com a honra e comigo!”

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[43] Bloco A �

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� Magnifico, caramba. Estava alli a <alma toda do Portugal heroico>[�a alma inteira do velho Portuguez] com o seu [�alto] desdem dos proveitos, o seu amor <devoto d> religioso, da Palavra, e da Honra. Era chic descender de taes homens! – E com a tira de papel na mão, junto da varanda, olhou um momento a Torre, <como pensando que cumpriria talvez, dar cor ne> as negras fendas gradeadas, a hera lustrosa, os restos d’ameias onde, duas pombas, arrulhavam. Quantas vezes [�às horas d’alva] de certo o velho Tructesindo se encostara àquellas <ameias, então>[�ameias] novas, e brancas. Naturalmente, toda a terra em redor, <bosques> relva e semeadura lhe pertenciam. E o Pereira seria n’esse tempo, um colono, um <servo>, servo que fallava ao seu Senhor de joelhos [�e tremendo]. Mas tambem não lhe pagava um conto cento e cincoenta mil reis... Positivamente fora um <bom> negocio [�re<g>/a\l]. E era absurdo <ter sido>[�permanecer]

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[44] Bloco A �

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� <leal>[�collado] ao Casco. Não havia escriptura, – [�elle] estava no seu pleno direito de proprietario, e no seu dever de administrador <prudente...> prudente.

Recollocou a tira, no manuscripto – e accendeu outro cigarro.

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Bloco B

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[1] Bloco B1 �

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� [A Illustre Casa de Ramires (Fragmento)80

II]

A casa de Jose Barrôlo, o marido de Gracinha Ramires, era à entrada da Cidade, (pelo lado da estrada de Ramilde) <no largo velho d’l>, à esquina do velho largo d’El-Rei, e a rua das Tecedeiras, uma rua <estreita> rudemente calçada, <l> <e>/a\pertada entre o muro do jardim e pomar da casa e o muro da cerca <das>[�do antigo] con-vento de Santa Monica. E por essa rua justamente, no momento em que <a>[�uma] velha caleche do Torto, <que trazia de Ramilde>[�com] o fidalgo da Torre, desem-bocava, no largo, – <sahia,> <sahia,> <vinha> sahi<u>/a\, <com> n’um cavallo negro, de longas <clinas> clinas, que feria as lages <em> com um barulho rico, o Governador civil o Luis Cavalleiro, <de>[�de chapeu de palha] collete

������������������������������������������������������������80 Sobre este título, em letra autógrafa, v. Introdução.

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[2] Bloco B1 �

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� <br>branco e fresca rosa na lapella. N’um relance o fidalgo da Torre ainda o sur-prehendeu levantando um olhar languido e lento, para as varandas [�de ferro] do pala-cete; – e <deante>[�quando saltou da caleche deante do grande] do portão, encimado pelo escudo de armas dos Barrôlos, <que> estava tão furioso que esquecia <na>[�sobre a] almofada os presentes que trazia a gracinha, uma caixa com um leque, e um cesto de flores, coberto de papel de seda. Depois em cima, na sala d’espera, onde a <Ga> Gracinha, e o Jose Barrolo [�tinham corrido], ao sentir a caleche, <tinh> <a sua> desabafou logo, batendo os pes no <cach> capacho: – Caramba! Não posso vir à cidade sem encontrar logo, à entrada, <aquelle>[�esse] animal do Cavalleiro, a rondar aqui o largo. Irra. É sorte! Ja foi assim, <na> da ultima vez, pelo Corpo de Deus! <Aque> <O bigo> Aquelle <bo> bigodeira não tera, outro logar para onde <vai> va caracollar com <o j> <cavalgadura?> <pileca> pileca!

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[3] Bloco B1 �

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� O Jose Barrolo, um môço baixo e roliço, com uma [�face <de criança menineira>] mais lisa e <redonda> e corada que uma maçã, balbuciou, <emb> rindo, e gingando, embaraçado: – Não! Olha que tem agora um cavallo bem bonito. – Pois bem! É um burro feio em cima d’um cavallo bonito! Que fiquem ambos na cavalhariça… Ou que <amb> vão ambos pastar para as Devesas.

O Barrolo, abrira uma bôcca larga, <[�e e]> de dentes <p>/b\onitos, n’um pasmo: e de repente, com <mão> uma patada no soalho, dobraçado pela cinta rom-peu n’ uma risada <brusca>, tumultuosa que o suffocava, lhe inchava as veias. – Essa é d’arromba! Não, essa é <de> para contar na Assemblea! Um burro feio em cima d’um cavallo bonito… E ambos a pastarem! Tu vens hoje rico, menino! Olha que essa. Parece que se está a ver… Ambos a pastarem. É d’arromba!

Todo elle se rebolava, com palmadas radiantes, sobre a coxa obesa

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[4] Bloco B1 �

______________________ � E então, adoçado por aquella alegria que celebrava o seu “dito” – Gonçalo Mendes Ramires, atirou para uma cadeira o guarda pó, deu <dou> dous beijos estalados na Gracinha, abraçou o Barrolo, roçando-lhe tambem os beiços pela orelha. E immedia-tamente retomou o seu <tom alegre>, tom carinhoso, com a irmã – que achava bonita, mais gorda, janota. – E de sobrinho, nada, por ora?

A Gracinha tornou a corar, com o seu bonito sorriso, que lhe humedecia lhe ameigava os olhos, muito escuros. – Ella não quer, ella não quer! gritava o Jose Barrolo, gigando pela sala, com as mãos enterradas nos <bolsos>[�bolsos] do jaquetão curto que lhe <alarg> desenhava as ancas gordas. A culpa não é ca do patrão. Ella não se decide!

O fidalgo da Torre, accendeu o cigarro, declarou n’uma fumaraça, muito serio:

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[5] Bloco B1 �

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� – É necessario um menino. Eu por mim não caso, não tenho geito, nem saude. E la se vão d’esta feita Barrolos e Ramires.

Então Gracinha perguntou pela Torre, pela Rosa Governanta, pelos pavões – <e fallaram do Relho, da>[�se estava bonita a rua das <as> dallias �Tinham passado para outra sala, a de visitas – <que se> de velhos moveis de damasco azul; – <e> e fallaram do Relho, da] grande desordem. O Barrolo tivera tambem uma “pega” com o rendeiro da <a>/A\moreira, por causa d’um corte de pinhal. <Estava> <c>/C\ada [�vez] mais velhaca a gente do Campo! E Gonçalo Mendes Ramires, [�estirado no sophá], contou o <ne> seu negocio com o Pereira – um augmento de renda de duzentos mil reis, e seguros,. – Esse é homem <serio>[�capaz]! declarou o Barrolo, que tratando de cousas serias, gaguejava ligeiramente,<e>. – E a <Maria Pe> Maria Pereira casa? <pergun> perguntava a Gracinha.

O Fidalgo encolheu os hombros. – Houve o quer que fosse com o filho do abbade da Murtosa… Parece que o rapaz <fugiu s> se safou de Coimbra com as aulas abertas, appareceu de noite em Corinde. O Jose Gouvêa

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[6] Bloco B1 �

______________________ � é que me contou ha dias, na hospedaria do Gago. Fomos cear, apanhei uma indi-gestão!... E estou hoje esquisito outra vez. Tu tens cá agoa de Vidago, <m>/G\racinha. Bem. Agora o que preciso é <m> lavar, mudar de roupa. Estava uma poeirada por esse caminho. Oh Diabo! pergunta ahi se trouxeram para cima um<a> açafate, e uma caixa que eu deixei na caleche? Que m’a ponham no quarto… <Mas não desembru-lhes> Vae tu Barrolo… E não desembrulhes nada que é surpresa. Caramba, estou cheio de comichões com a poeira! Bem ate ja Gracinha. <Vehh> Venha de lá outra beijoca. [�Tu] Estas bonita! É novo o vestido?.. Sabes que tenho trabalhado, traba-lhado. – Ah! Escreves.

<E> Gonçalo Mendes Ramires<, muito serio:>[�falou muito d’alto, com as mãos enterradas nas algibeiras, <com> sem tirar o charuto da boca:] – Sim, um romance, um romance pequeno, para a <Rev> Annaes de Litteratura e d Historia, uma grande Revista, que fundou o Zé Pinheiro, o Pinheiro Gordo… É <um trabalho chic. Hei de contar logo. Irra que comichões.>[�sobre um facto historico da nossa gente… Um trabalho chic.]

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[7] Bloco B1 �

______________________ � <O>[�Mas] Barrolo <entrava>[�voltou,] – annunciando que caixa e açafate esta-vam [�salvos], em cima. E os dois, <for> seguiram pelo corredor para o costumado quarto de Gonçalo – que era <a esquina, com janellas sobre o pomar e sobre a rua das Tecedeiras, e> o melhor do palacete, à esquina, <com ja>[�sobre a rua das Tecedei-ras, com duas ja]nellas sobre as laranjal, e [�outras] sobre os os velhos arvoredos do convento das <Moni> de Sta Monica. O fidalgo da Torre, <a>tirou logo o casaco, torturado ainda pelas comichões da poeira; e desafileva a maleta, – quando em baixo na rua, as patas lentas, e bem lançadas d’um cavallo de luxo feriram de novo as lage[s]… <O> <†> Bruscamente com uma desconfiança correu à <j> vidraça, ergueu a cortina – e avistou o Luiz Cavalleiro, que de novo descia a rua, <de vagar,> n’um vagar de passeio <ladeando>, e de garbo, ladeando. Gonçalo Mendes Ramires voltou, bruscamente para o Barro, uma face, livida de colera: – Isto é um desaforo! Isto é uma

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[8] Bloco B1 �

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� provocação. Se esse <homem car> descarado [�me] passa ahi outra vez, debaixo das janellas eu atiro-lhe, com um balde d’agoa suja.

Embaraçado, <assustado com aquelles odios <que des> ruidosos, que desmanchavam o socego,> o Barrôlo, balbuciou: – Naturalmente, vae para <p> casa das Teixeiras… – Que vá para casa das Teixeiras, pelas ruas do Inferno! Então ha só esta rua <para ir> em toda a cidade para ir para casa das Teixeiras? Nem faz caminho!... <Tem uma>[�Duas vezes em meia hora. O grande canalha! Tem uma] chapada d’agoa de sabão, pela grenha e pela bigodeira, tão certo como eu ser Ramires, filho de meu pae Ramires! Irra.

O Barrolo puxava a pelle do pescoço, constrangido, deante d’aquell<as>/es\ <violencias, que desmanchavam o seu socego, o doce repouso <q> <em que a casa dormia.> da casa. E não as comprehendia.> rancores ruidosos, – <*Era> <O> que sempre que Gonçalo vinha à

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[9] Bloco B1 �

______________________ � cidade <desmanchavam> desmanchavam o seu socego. E não os comprehendia. Ja por imposição de Gonçalo, rompera com o Cavalleiro, que estimava, admirava ate, pela sua elegancia, o seu talento. E agora, via a ameaça d’um conflicto, um escandalo na <c>/C\idade, que seria, para muito tempo a destruição da sua paz. Não se con-teve, <tev> fez um timido reparo, muito vermelho: – Mas ó Gonçalo, olha que tambem, tudo isso, [�só] por causa da Politica…

Gonçalo Mendes Ramires, teve um repellão, cravou no Barrolo, olhos que cha-mavam: – Politica? Politica?

E terminou por encolher os hombros deante d’<aquella> aquelle pobre menino de côro, com as suas bochechas floridas, <que nada comprehendia:> e pasmadas que nada comprehendia, e <dos> <nos> dos <pas> cavalgatas do Cavalleiro por deante do seu palacete, so notava o “bonito cavallo”, e a “frequencia às Teixeiras”.

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[10] Bloco B1 �

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� – Bem, <resumiu el> resumiu, deixa-me tu agora vestir… Que do <bo> bigodeira me encarrego eu.

E quasi batteu com a porta, nas costas <vergadas e redon> resignadas do bom Zé Barrolo, que pelo corredor, <m> todo desconsolado, lamentava aquelle genio do Gonçali<l>/n\nho, e as coleras desprorpocionadas, em que o lançava “a Politica”. “A <P> Politica!” murmurava ainda, o fidalgo da Torre, desapertando, <ainda> com os dedos ainda colericos<, as> os suspensorios. Como se, elle <deixa> pensasse, <que> quando ameaçava esmagar o Cavalleiro – na Authoridade, no Snr Governador Civil. Não era o homem, o homem da grande bigodeira<,> romantica, e dos <olhos> olhadela languida, que elle <det> detestava,.. Havia entre elles um feudo – como esses que outrora, no tempo dos Tructesindos, e dos Solares feudaes, armavam, <um> <uns contra outros> <todos> uma contra [�a] outra, duas familias senhoriaes. Rami-res e Cavalleiros eram familias vizinhas,

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[11] Bloco B1

Vicente Mendes Ramires, este bello Luis Cavalleiro cortejara a Gracinha Ramires, então me<nina e> nina e môça, [�a] flor da Torre, – e com tanta persistencia e tanta seriedade, que em toda a Villa, na Cidade, se dava como feito o Casamento, e mesmo encommendado o enxoval. Os Ramires, (o pae, que Gonçalo estava então em Coim-bra) approvavam esta <uin> união. Sem <pe> pertencer como elles, a uma familia historica, do melhor sangue gôdo, e coeva do Reino, Luiz Cavalleiro era um cava-lheiro<te> <de> <com um pequeno> bem nascido – que tinha na estrada de Corinde uma casa com brazão: Alem d’isso, deputado aos vinte e oito annos, <o seu futu> partidario bem disciplinado, cheio

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� uma <com sol> <em>[�com solar] Ramilde, outra [com quinta] em Corinde – e <quando> quando elle era <um rapazote>, ja um rapaz de <16> dezesseis annos, no ultimo “preparatorio de Lyceu,”, o Luiz Cavalleiro, então estudante do quinto <anno,>[[�anno], ja] o tratava como um amigo, vinha todas as tardes <a>/à\ Torre, e <p> muitas vezes, passeando na quinta, ou pelas estradas, lhe fallava, como a um espirito que o podia comprehender, de <pl> futuros, de carreiras politicas, das ideas seri<es>/as\ da vida. Gracinha Ramires tinha então quinze annos, e, em todo o con-celho, lhe chamavam a “flor da Torre”. Ainda então vivia a <pobre miss Rhodes>, a governante <inglesa> inglesa de Gracinha, a boa miss Rhodes – que, como todos na casa, admirava, com enthusiasmo o Luis Cavalleiro, <a> pela sua amabilidade, � <os seus magnificos bigodes negros, os seus bellos olhos quebrados e húmidos, e linda maneira de recitar Victor Hugo, as suas luvas amarellas, o seu fallar sonoro e e rico.>

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[12] Bloco B1

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� o seu bigode d’um[a] <neg> <negro e> negrura e d’uma espessura romantica, a doçura quebrada dos seus olhos largos, e a sua maneira ardente de recitar <Victor (> <(> Victor Hugo (Oh laisse-toi donc aimer, oh l’amour c’est la vie!...): – e fora ella que, com essa fraqueza que lhe amollecia a alma e os principios<,> perante a idea d’Amôr, <favore> favorecera, [�longas] conversas <longas e sensuais>[�d’elle] com <Gracia> Maria da Graça, sob as olaias, junto do mirante da <quinta>, e mesmo <curtos> cartas<,> trocadas [�ao escurecer], por sobre o muro baixo da Mãe d’Agoa. Todos os domingos Luiz Cavalleiro jantava na Torre – e em Ramilde, na villa e na cidade, ja se contava, ao cha, nas boas familias, que o enxoval de Gracinha fora enco-mendado em Lisboa, e custava oitocentos mil reis. O pae de Gonçalo Mendes Rami-res, (que era então o Governador Civil do Districto, e só vinha à quinta, nos Domin-gos) approvava <estes> <largamente estes> <esta enlace> ferven-

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[13] Bloco B1

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� temente esta collocação da Gracinha, que fraca, e romanesca, <educada sem mãe> sem mãe que a velasse, <punha na sua vida> <juntava, a tantos embaraços da sua vida, um embaraço> creava na sua vida, ja difficil, um embaraço e um cuidado. <Demais> Sem representar como elle uma familia de grande Chronica, coeva do Reino, e do mais puro sangue Gôdo, Luiz Cavalleiro era um môço bem nascido (<de linhagem de M> <filho e neto de <g>/G\eneraes,> filho de General, neto de Desembargador) com um brazão do seculo passado, na sua casa apalaçada de Corinde, e terra <e> larga em redor, de boa semeadura, limpa d’hipothecas. [�Depois, sobri-nho do Reis Gomes, chefe do <Progressista> partido Progressista, ja filiado tambem (desde o Terceiro anno de Direito) no Progressismo<)>, a [�sua] carreira <do> car-reira estava marcada, e com brilho, na Politica e na Administracção.] <Desse> <Depois>[�E emfim] Maria da Graça, <evidentemente> amava, e ardentemente aquelles [�hombros largos d’Hercules gentil] bigodes <reluzentes, e> d’um negro reluzente e possante, <que m> que mesmo de longe <eram>

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[14] Bloco B1

d’artimanhas eleitoraes, o seu futuro era <ri> excellente, na Politica e na Administra-ção. E finalmente, era evidente que Gracinha Ramires, gostava, e ardentemente, d’aquelles olhos pestanudos e moribundos, da bella bigodeira negra. Ella <tinh> em contraste tinha um corpinho fino e fragil de boneca de porcelana, com uma <cor> boquinha em botão de rosa e cabellos magnificos, duros e negros, como <os>/a\ <d’um> a cauda d’um corcel de guerra, que lhe cahiam ate aos pés, <a podiam <vestir> cobrir toda como um manto tenebroso e> em que se podia esconder toda.

Cada dia Vicente Ramires esperava que a mãe de Luis, a gorda e devota D. Maria Cavalleiro, <fizes> lhe viesse fazer o pedido – quando, n’uma fresca primavera <o hom> o moço

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<impressionavam, e os olhos pestanudos <e> langorosos <d’onde> e liquidos sem-pre a escurer d’amor. Ella> impressionavam. Ella, em contraste, era pequenina e fra-gil, com uns olhos luzidios que o sorriso humedecia e enlanguecia, uma cor de porle-cana fina, cabellos magnificos, duros e negros, como a a cauda d’um corcel de guerra, que lhe cahiam ate aos pés, em que se podia embrulhar toda. Quando <elles> passeavam ambos <na> na quinta, <na longa rua> <a> Miss Rhodes, a quem o pae, professor de Litteratura <gre> grega em Manchester ensinara muita Mithologia – pensava

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[15] Bloco B1 �

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� em Marte, cheio de força, amando Psiché cheia de graça. E mesmo em Paço d’Aguiar se dizia – “É um lindo par”.

<Só> Só a <m> D. Joaquina Cavalleiro, a mãe de Luiz, uma senhora muito gorda, muito solemne, detestava aquelle casamento, dando apenas como motivo, <sentenças> “não gostar da pinta da menina”. Mas, felizmente, quando Luiz Caval-leiro, <se matri> <começara> <cursava o seu quin>[�se ia matricular] Quinto-Anno, esta austera matrona, morreu d’uma indigestão de lampreia, <em vesperas de <Pasco> Paschoa>. Gracinha tomou lucto e mesmo Gonçalo, que então <era> <estava> no primeiro Anno de Direito, vivia em casa de Luiz Cavalleiro, fraternalmente, poz um fumo na manga da batina. O Casamento, devia ser, ao fim do lucto – pelo Natal. E <logo depois do>[�feito o] Acto de formatura Luiz Cavalleiro, depois de passar uma semana em Corinde e em Ramilde, partira para Lisboa, por que havia Eleições em Outubro,

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[16] Bloco B1 �

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� e elle recebera do tio José, então Presidente do Concelho, a promessa de “vir deputado” pela Guarda. <Todo> Todo esse verão, foi passado na Capital, em Cintra (onde o tio José alugara, <p> a quinta do Marquez de Darvos) e n’uma <v> jornada à Guarda <festejada com>[�quasi triunfal, entre] foguetes, e “vivas”, ao sobrinho do Snr Conselheiro Vasques. Em Novembro emfim, uma maioria de 1800 <votos livres, deu ao ao Dr Luiz Cavalleiro, um logar em> cidadãos da Guarda, <que tinham entre-visto o Dr Luiz Cavalleiro,> confiou ao Dr Luiz Cavalleiro, como disse o Echo de Tras-os-Montes o direito de os representar, <pela> com <a sua eloquencia vibrante e>81 os seus conhecimentos litterarios e a sua bella presença d’orador, no seio do Parlamento”. <Deve> <Poude então<,> socegar, durante o Natal, na sua casa de Corinde –. Mas> Recolheu então a Corinde: � mas, <a> nas suas visitas à Torre, onde o pae de Gracinha estava convales-

������������������������������������������������������������81 Quando fez a supressão imediata, como muitas vezes acontece, Eça cancelou apenas eloquencia vibran, onde terminava a linha, ficando no texto uma sequência incoerente: com a sua eloquencia vibran- /te, e os seus conhecimentos. Estes elementos da frase foram eliminados apenas na campanha de revisão, em que foi também feito um laço a unir os dois segmentos de texto coerente.

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[1<6>/7\] Bloco B1 �

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�cendo d’uma febre gastrica, que aggravara a sua antiga diabetes, Luiz Cavalleiro, parecia menos soffrego de se perder com a sua noiva, como outrora, nas ruas do jar-dim, e no laranjal, permanecendo, <antes> de preferencia na sala, junto de Vicente Ramires, que se não movia da sua poltrona com as pernas embrulhadas n’uma manta, a conversar de <Lisboa, das Sessões>[�Politica, do] Parlamentares, de jornaes, de Lisboa, de Cintra, e da relações que la creara, durante esse verão na Sociedade: – e Gracinha, nas suas82 para Coimbra, a Gonçalo, <que> queixava-se, de não serem tão longas, nem tão intensas as visitas do Luiz à Torre “occupado, como elle andava sem-pre agora, a estudar para Deputado”. Em Janeiro, o Cavalleiro para Lisboa83, onde se installou no Hotel Central: – e quando Gonçalo, nas ferias da Paschoa, veio à Torre, encontrou Gracinha, <pallid>

������������������������������������������������������������82 Faltou a palavra cartas: nas suas cartas para Coimbra. 83 Outra falta: o Cavalleiro foi para Lisboa.

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[18] Bloco B1 �

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� inquieta, <pallida, desbotada, com olhos que as vezes>, e descorada. As cartas do “seu Luiz” eram cada vez mais curtas, mais <raras> calmas, mais raras. E <n> a ultima, que ella lhe mostrou, datada das Camaras dos Deputados, <continha>[�<em> em] tres linhas, lançadas à presa, <em que>, dizia que tivera muito que trabalhar em Comissões, que o tempo estava lindo, <e> que n’essa noite era o baile dos Condes de Villaverde, <onde se esperava>, “e que elle, com muitas saudades, o seu fiel, Luiz.”. Gonçalo Mendes Ramires disse, dias depois, ao pae, que definhava, na sua poltrona: – Parece-me que o Cavalleiro se está furtando com a <M> Gracinha. <<O velho encolheu os hombros, *desarmado>[� – Tenho medo, tenho muito medo d’uma desillusão]

E um mes depois, <foi para Gracinha,> a desilusão, <de grande amargura.>[�veio, brusca e amarga]. As camaras estavam por *ora fechadas – e Luiz Cavalleiro, sem uma carta a Gracinha, sua noiva,>

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[1<8>/9\A] Bloco B1 �

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� <A>[�Porfim a] Sessão das Camaras findara – essa sessão que tanto interessara Gracinha, anciosa “que elles acabassem de discutir, e tivessem ferias”. E quasi imme-diatamente ella, soube, por duas linhas, no Jornal das Novidades, que Luiz Cavalleiro partira, para Italia e França n’uma longa viagem d’estudo.” E nem uma carta à sua noiva!.. Era <o fim d’um lindo sonho, que todos tinham sonhado na Torre.> um ultrage, um bruto utrage, que outrora no seculo XII faria correr, [�todos] os Ramires, com lanças e homens de pé, sobre o paço solar dos Cavalleiros. <Agora> <Agora, apenas tudo findou com algumas lagrimas que Gracinha escondeu, por sobre os arvo-redos da <Quin> quinta>. <O pae>[�Agora Vicente Ramires], muito doente, quasi indifferente murmurara apenas – “Que traste” E em Coimbra Gonçalo <Mendes Ramires> so podera prometter à honra offendida, “esbofetear um dia o Cavalleiro”. E tudo findou em la

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[19] Bloco B1 �

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� grimas que Gracinha, durante semanas, tão triste, e desconsolada da vida que nem se penteava, escondeu <pel> sob os arvoredos da <Torre> quinta

Mas mais graves tristesas cahiram sobre a Torre. Vicente Ramires, <enfraque-cido ja pela sua diabetes, pela longa convalescença da <go> febre gastrica, succumbiu a uma anemia> morreu, quasi subitamente, <d’um leve corrente d’ar, como <uma luz> a luz d’uma vela, no começo d’Agosto,><[�d’uma grippe e]> n’uma tarde d’Agosto, sem soffrimento, [�estendido na sua poltrona] tão docemente como o dia <que> sereno que findava. Todas essas ferias foram passadas <pelo> por Gonçalo, no <C> escuro Cartorio <da casa>, revolvendo papeis, verificando o estado da <fortuna> da casa, – que, apesar da herança recente, – do tio Francisco Ramires d’Amarante, estava reduzida a

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[20] Bloco B1 �

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� dous *coutos de seiscentos mil reis de renda, de terras, e foros difficeis<,> de cobrar, nas Ilhas. <“Era o pão,” como elle disse à irmã, e mesmo uma pouca de manteiga para lhe barrar em cima.> E quando voltou para Coimbra, em Outubro, <levou> deixou <em> Gracinha, na cidade, em casa de <uma> uma prima <de seu pai velha>[�velha, D. Armanda Villegas], senhora abastada, <bondosa e um pouco excentrica>[�e bondosa], que <vivia>[�habitava, ao pe do Governo Civil] <n’>um antigo casarão, cheio de retratos d’avoengos, e de arvores genealogicas, onde ella, sempre vestida de velludo preto, vivia lendo romances, sentaada, n’um grande canape de damasco, entre <as creadas>[�d’aias] que fiavam;

<Depois os annos passaram, Gonçalo Mendes Ramires levou o seu R, <foi> recebeu a borla de Doutor>, <Goncalo Mendes levou o seu R, e Gracinha casou.>

<Foi ahi que <Gracinha conheceu> o Jose Barrolo (parente dos Villegas pela mae) conheceu Gracinha,>

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[21] Bloco B1 �

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� <a amou, com respeito, com vener> Foi ahi que Joze Barrôlo (parente das Villegas pela mãe) conheceu Gracinha, e a amou, com uma paixão <ar> profunda, quasi reli-giosa, – estranha n’aquelle <paquete> pacato môço, de bochechas <gor> coradas como uma <rosa, <a que a> e tão de inteligen> rosa, tão simples e razo d’espirito que os amigos lhe chamavam o Joze Bacôco. E o casamento foi feito rapidamente, em tres meses, depois d’uma carta <exp> <exemplar para Coimbra>[�da carta do Barrolo] a Gonçalo Mendes Ramires, em que lhe declarava: – “<que> que a affeição pura, que tinha pela prima Graça <era>, pelas virtudes e outras qualidades respeitaveis, era tão grande que nem achava no <Di> diccionario <par> termos para a explicar.”. Houve uma luxuosa boda, de <fal> que fallou o <P> Portuense n’uma correspondencia – e os noivos fica-

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[22] Bloco B1 �

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� <v>ram vivendo <na cidade, n’um palacete, a *es> <n’esse> na cidade, n’<et> esse palacete, a esquina do largo d’El-Rei e da rua das Tecedeiras, que o bacôco her-dara de seu tio Melchior. Depois os annos passaram, e Gonçalo Mendes Ramires <soffreu o seu R na Universidade,> <deixou a U> estava pacatamente <em ferias do quarto anno> na cidade em ferias de Paschoa, quando Luis Cavalleiro<,> foi nomeado Governador Civil do Districto, e tomou posse, <com grandes festas, entre foguetes>[�com apparato,] muito festivamente, entre foguetes e “vivas” Luis Barrôlo, era por umas antigas <relações>[�visinhança e relações] da familia amigo do Caval-leiro, que elle admirava, <pela sua elegancia, talento, pelas bo> <como politico, como “janota”, como homem de talento> pelo talento, pela <soberba carreira, pela elegan-cia,> elegancia, pela sua

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[23] Bloco B1 �

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� sua soberba carreira Politica. E logo ahi, Gonçalo Mendes Ramires que dominava soberanamente o <pobre> bom bacôco de cima da sua litteratura, da <sua v> sua Torre gôda, o intimou a não visitar o Cavalleiro, a não o saudar sequer na rua, <que-bran>[�a], partilhando, por dever d’alliança, as paixões d’aquella ferida, que <sepa-rava> <exist> <[�sempre]> existi<a>/ria\ <implacavelmente> entre Cavalleiros e Ramires. Jose Barrôlo cedeu <submissamente> com resignação. – E quando <volt> recolheu a Coimbra, Gonçalo Mendes Ramires, então no quinto anno, occupado de Politica, alliado aos Regeneradores, (sobretudo por <ser> o Cavalleiro ser Progres-sista) escreveu <uma *prosa> logo uma Correspondencia para o <Portug> Por-tuense, datada da cidade, assignada “Sa-de-Miranda”, em que comparava, <Luis>

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[24] Bloco B1 �

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�<N> <no> o novo Governador-Civil a um <v>/C\orregedor-Mor dos <teppos> velhos tempos, mandão e libertino, “que deixaria de certo no Districto um sulco fundo d’excessos e iniquidades!”. – Hei de derrubar, (affirmava elle no seu quarto do Hotel Mondego aos Politicos, seus condiscipulos) heide de <derr> derrubar aquelle cavalleiro de cima do seu Cavallo Administrativo.

<N> Depois do acto de <fort> Formatura, veio estar com a <irmã> Gracinha, umas semanas – e a sua colera foi immensa, <*em> fundamente sentida quando, <soube que> percebeu, e soube por um seu companheiro de Coimbra, advogado na cidade, que o homem da bella bigodeira negra, o Lu Luis Cavalleiro recomeçara com tranquilla impudencia a cortejar Gracinha

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[25] Bloco B1 �

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�Ramires, velhacamente prompto a receber como amante aquella illustre fidalga que não quizera como esposa! Espreitou, surprehendeu <aquellas <p> passagens a cavallo por sob as janellas do palacete na Alameda> aos Domingos, de manhã na missa, e à tarde na Alameda, <as> olhadellas negras, pesadas de *fluido [�e langor], que “o miseravel” dardejava a Gracinha, <perturbada e inquieta. Surprehendeu, as passeatas, a cavallo, sob rondas amorosas, a cavallo, sob as janellas do palacete! E jurou “matar aquella besta!”>[�meneando a badine]. E agora cada vez que vinha à cidade la encon-trava o homem da <gran> grande bigodeira, caracolando <pen> sob as janellas do palacete, na <pile> pileca de grandes clinas!

O que o <inque> inquietava sobretudo era o <perbe> perceber bem,

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[26] Bloco B1 �

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� que no <[�pobre]> coração de Gracinha, <permanecia> um pobre coraçãozinho fragil e sem altivez, permanecia<[m]>, <viva e activa a velha><[�as raizes manças do]>[�uma raiz de <uma>] ternura pelo Cavalleiro, <sem que a podesse> – ainda <fortes>[�vivas], capazes de reflorir. E <não tinha para> nenhum outro sentimento forte que a defendesse nem superioridade do marido, nem o encanto d’um filho. So a defendia na realidade a pequenez da terra, olheira e mexeriqueira. Quasi detestava então o <B> bacôco, pelas suas bochechas coradas, e pela sua bacoquice. Porque não emagreceria, [�ao menos] não empallideceria aquelle <animal?> chouriço <es> tão bondoso, mas ta �o escarlate?

<A salvação>[�E acabando de se vestir, com olhadellas à janella a ver se avistava de novo, o Cavalleiro a rondar, pensava que a unica salvação, –] seria que Gracinha abandonnasse a Cidade, se refugiasse n’uma <duas> das suas quintas d’altos muros, em Corinde ou Murtosa…

<E> Logo n’<essa tarde>a manhã seguinte, ao almoço lançou essa idea – <condemnando o> censurando ao Barrolo, aquella teima burguesa de <pass> aturar, as calmas e as

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[27] Bloco B1 �

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� poeiradas de verão alli na cidade, quando tinha os arvoredos, e os pomares, <du> de duas <bellas> quintas, tão confortaveis! <Mas o Barrolo> Gracinha [�ainda] mur-mura um sim vago e molle – mas o Barrolo protestou, <indignado, com calor, no medo>[�com desespero, todo no terror] de perder o seu voltarete na Assembleia, <as tardes na Praça,> as cavaqueiras da tabacaria do Lopes… <Quintas?> <e>/E\não não <era aquella>[�vivião elles n’uma] uma quinta,? <Não era> <e>/E\nterrarem-se os dous, como dous mochos, nas tristezas de Corinde ou de Murtosa? <não> – <n>/N\unca <teria o consentimento do filho do senhor seu pae. Irem <no> mais depressa>. [�Mais depressa iria] para banhos, para Foz ou para a Granja, <sim>! Mas <no> Campo – Campo <era>[�era] para bois. Gonçalo <*me> Mendes Ramires declarou o cunhado um burguez – e a contenda terminou com o gracejo habitual do Barrolo, convidando o Ramires

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[28] Bloco B1 �

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� a cotejar com os d’elle os seus pergaminhos para verificarem <onde> que <pes> veias corria melhor sangue gôdo.

Não podendo affastar Gracinha da Cidade – <vol> <Gon> o fidalgo da Torre voltou à idea [�vaga, e remota] de expulsar o Cavalleiro do seu Governo Civil. E durante dous dias, farejou, procurando [�surprehender] um “bom escandalo, uma boa prepotencia”, <(como elle dizia).> <com que><em que podesse> sobre que podesse encetar uma Campanha, no Portuense, contra o homem da bella bigodeira. “Se <ao menos> aquelle animal, (dissera elle ao Correia Gonçalves) se lembrasse de offender os padres,”. – O <c>/C\avalleiro é correcto, respondera o Gonçalves, <com <resp> †> con-vencido.

<No dia> <Justamente porem no dia em que elle fora> Ao fim da semana o Pereira

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[29] Bloco B1 �

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� de Corinde veio à Cidade, –, e como tinham combinado, Gonçalo Mendes Rami-res, e elle foram ao Cartorio do Tabellião Nunes, assignar a escriptura do arrenda-mento da Torre. E ahi justamente encontrou o velho Nunes indignado com <a brusca e affrontosa transferencia <do> do Pagador das Obras Publicas, o pobre Ricardo Viegas; <homem excellente, que organizava na cidade> para <o> <a> <Serpa, para o Alentejo, para os confins do Reino! Para Cascos de Rolhas!> para <Serpa> Serpa, para os confins do> o Governador que <prom> promovera a transferencia do Paga-dor das Obras Publicas, o amigo Ricardo <Veg> Viegas, para Serpa, para os confins do Alentejo... E por que? O Viegas, empregado probo, trabalhador, nunca <fizera> fora dos Historicos nem

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[30] Bloco B1 �

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� dos Regeneradores! Era <so do seu paiz so da familia! Homem excellente, que tocava admiravelmente flauta, estimado de todos na cidade, onde, elle, repetida-mente>[�so da familia, das tres irmãs que sustentava, tres flores! �Homem excel-lente, com um talento immenso para a <Muzica,> a Muzica, magnifico na flauta, que] organizara [�ja] representações de curiosos, <com um talento immenso.>[�todas ellas d’appetite.] Era um ensaiador, digno da Capital! E de repente, zas, para Serpa, com as <m> irmãs e os tarecos.

Gonçalo Mendes Ramires resplandecia: – É um escandalo! É um grande escandalo... Mas <por que foi?> não se sabe por quê?

O Nunes encolheu os hombros.,. <O que> profundamente. O que se rosnava é que o Cavalleiro se encantara com a <irmã> mais velha das Viegas, uma bella rapa-riga, alta e morena, uma estatua, e que, repellido, despeitado, se vingara, no <ir> Pagador. Era o Pagador quem pagava. – E note V. Ea, exclamava

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[31] Bloco B1 �

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� O Nunes, escarlate, em bicos dos pes, que o pobre <Vig> Viegas, na sua innocen-cia, tão bom homem, ainda ha dias dedicara ao Cavalleiro, uma valsa linda! A Mari-posa, uma valsa linda!

Gonçalo Mendes Ramires correu do Cartorio do Nunes para <casa,> <o seu qua> <casa> o palatecete – e <qua> pela tarde, quando tocou a campainha para o jantar elle tinha composto, <com> <n’uma veia abundante, uma>[�n’um desses grandes fluxos verbosos que brotam do amor ou do odio, uma] Correspondencia <para> para o Por<tuense><tuense, contra o Cavalleiro, <esmagadora> pavo-rosa<;>. Não <menci> <revelava o nome> publicava o nome do Viegas, disia ape-nas>tuense pavorosa, contra o Snr Governador Civil. Sem mencionar o <No> nome do Viegas, dizendo apenas vagamente, um empregado importante e zelosissimo, con-tava

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[32] Bloco B1 �

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� como um acto <cl>[�certo] patente, por elle testemunhado, <a> a “tentativa villôa e baixa <contra a>, [�feita pela primeira Auctoridade do Districto contra] *pudor<t>/d\ia84, a par de coração, a <honra,> a honra <†> d’uma doce rapariga, de dezesseis <primaveras> primaveras,”; a <defesa> resistencia <com> desdenhosa “<com> que a nobre creança opposera ao D. Juan administrativo, cujos belos bigodes são o espanto dos povos”; e a desforra, “torpe e sem nome que <elle> S. Exa tomara sobre o <pob> desditoso e zeloso empregado, [�que é um habil <tra> artita] arro-jando-o, com a familia de tres delicadas senhoras, para os confins do Reino, para a mais arida <es> e escassa provincia, <como> <p> <para um exílio entre os Sarma-tas> por o não poder exilar para a Africa!”. <Clam> Lançava ainda alguns clamores sobre a Corrupção politica de Portugal “paiz

������������������������������������������������������������84 *pudor<t>/d\ia: a lição incoerente parece resultar de uma primeira inscrição pudor, que se quis emen-dar, quiçá para pudicicia, resultando porém incongruente.

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[33] Bloco B1 �

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� perdido – e terminava perguntando ao Governo <o que faria> se cobriria este seu agente, < – > “este [�pequeno] N/<o>/e\ro de Provincia, que como outrora o outro o grande em Roma, tentava levar a seducção ao seio das familias melhores, e comettia esses abusos de poder motivado por lascivias de temperamento, que foram sempre em todos os seculos, e todas as civilizações, a execração do justo.”

E assignava, como sempre, Juvenal. Quando se veio sentar à mesa, exhausto, limpando o suor do pescoço, disse sim-

plesmente, ao remexer a sopa de grão: – D’esta vez, creio que o Snr Luiz Cavalleiro, vae abaixo do seu cavallo.

E contou a <historia lamentavel>, sua Correspondencia, a historia lamentavel, – insistindo, todo para o Barrolo, sem se voltar para

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[34] Bloco B1 �

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� a irmã, na <grande> paixão, na grande paixão, que o Luis Cavalleiro tinha pela Viegas, “uma rapariga soberba, que tu deves conhecer Barrôlo!... Loucuras, tinha feito loucuras, o <Luis> amigo Cavalleiro – ramos, cartas, versos. Um escandalo. E ella, a rapariga, impassivel, como um marmore. Podera! Quem se se ia encantar com aquelle grotesco, de <bi> bigodeira tingida! <Uma> Emfim uma besta – mas elle, desta feita, cravara na ilharga da besta, a sua boa penna de Tole<go>do, até à rama!” – O <baco> bacoco, impressionado, murmurava apenas que a Viegas mais velha caramba, éra uma bella moça!” E Gracinha parecia não attender – tendo <subitamente> rom-pido <a ralhar><[�toda]> zangada e <toda> vermelha a ralhar com o escudeiro por causa d’uma troca de guardanapos.

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[35] Bloco B1 �

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� A Correspondencia <de Juvenal> appareceu no Portuense; <chegou à cidade.> mas, no dia em que devia chegar à <cidade> cidade, Gonçalo Mendes Ramires, apesar de encoberto pelo nome de Juvenal, <recolheu a Torre.> e certo de que entre elle e o Cavalleiro, <que tinha a> cheio da prudencia e do decoro, d’ Authoridade, não surgi-ria um conflicto, nas ruas – recolheu à Torre. E ahi vibrante ainda d’aquella colera de pamphletario, com os nervos despertos para emoções de guerra, <decidio, <começar, attacar, no Capitulo> <retom<ar>/ou\ [�logo] a Torre de D. Ramires>[�retomou logo] n’essa <noite>[�tarde], o manuscripto da Torre de D. Ramires, e attacou, no Capitulo II o lance que d’esde o começo do trabalho o vinha tentando e assustando – o Combatte, um

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[36] Bloco B1

A composição d’esta pagina violenta posera em vibração a intelligencia de Gonçalo Mendes Ramires: – e depois de a passar a limpo cintar, e remetter para o Correio, sentindo que tinha ainda em actividade toda a “machina creadora” como <elle> dizia o Pinheiro, decidiu aproveitar esse impulso, para attacar <o> no capitulo II da Novella, o lance, que desde o começo o vinha tentando e assustando, o Combatte – um combatte de cavalleiros portugueses, cujo fragor, de lanças partidas, e montantes recahindo sobre elmos, ainda, echoa, <vaga> soberbamente nas Chronicas. O lance vinha no fim do Capitulo – e era <so> heroico,

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um d’esses combatte de antigos cavalleiros portugueses, que com o seu fragor de armaduras e montantes estalados nas lorigas, echoa, soberbamente atraves das Chronicas.

O lance surgia logo na entrada Capitulo – e era realmente heroico, <Corren> tal como o esboçara o tio Duarte, no Bardo.

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�85 Bloco B1 [37]

do em socorro das Infantas cercadas em Monte-Mor Lourenço Mendes Ramires, encontrava junto a Rio frio (um rio que se sumira) para lhe embargar a passagem, um seu inimigo: e inimigo com quem tinha feudo de sangue, o famoso Lopo de Gundir. E aqui n’esta sombria Novella de sangue e armas, surgia, como uma flor na fenda d’um d’um torreão negro um vago e esbo-çado romance de paixão e ciume e amores. Lopo de Gundir cuja belleza era famosa entre Minho e <do> Douro, amava <e qu> a filha mais nova do velho Lourenço Ramires, D. Theresa. Mas Lopo era bastardo, – e d’uma raça que fora sempre inimiga dos Ramires, por velhas questões de terras e de doações

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Correndo em socorro das senhoras Infantas cercadas em Monte-Mor Lourenço Mendes Ramires, filho de Tructesindo encontrava junto a <Valverde>[�Canta Pedra] para lhe embargar a passagem, (como lh’o annunciara <o cunhado> Mendo Paes), o famoso Lopo de Gundir. E aqui n’esta rude Novella de sangue e armas, surgia, inesperadamente como uma flor na fenda d’um d’um baluarte um um suave <e triste> lance d’amor e saudades. Lopo de Gundir, cuja belleza viril e loura de fidalgo godo era tão celebrada entre Minho e <dou> Douro que lhe chamão o Claro-Sol �amára <com um d’esses ardores> violentamente D. Menda, a filha mais moça de Tructesindo Ramires, que elle vira <n’uma grande festa de>[�em grandes jogos de tavolagem pelo] S. João, no solar de Lanhoso. �Mas Lopo era bastardo, d’essa raça de Gundir que fora sempre inimiga dos Ramires, por muito velhas questões de terras e precedencias

������������������������������������������������������������85 Entre as folhas 36 e 37, foi eliminada certamente não mais do que uma folha que continha a primeira versão.

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[38] Bloco B1

desde o Conde D. Henrique, <o> e Lourenço Ramires recusou-lhe a mão de Theresa, que desgraçadamente amava o bastardo gentil. <Lopo> Este ultrage ferira o de <Gun> Gundir – no seu coração e no seu orgulho. Apaixonado, e desesperado tentara raptar Theresa, indo ella, com alguns cavalleiros, de visita a Lorvão, onde sua tia, D. <Vi> Branca era Abbadessa. <F> <Fora> Fora repellido, com os poucos <†> solarengos que o tinham acompanhado n’aquella affouta aventura. – E desde então, mais vivo era o odio, entre os de Gundir e os Rami-res.

Eis pois, frente a frente, n’aquelle começo de guerra entre o Rei e as Senhoras Infantas, – os dous inimigos frente [�a frente] no valle estreito

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desde o Conde D. Henrique, e Tructesindo Ramires recusou �com dura <arro> arrogan-cia <†>/a\ mão de D. Menda, ao mais velho dos de Gundir <um antigo call> um dos valentes de Silves, – que <lh’a pedira para seu sob>[�lha] viera pedir, <cheio> com promessas d’alliança e paz, para <o seu> <seu sobrinho Lopo> Lopo seu sobri-nho, o Claro-Sol da casa de Gundir � mão de Theresa, que desgraçadamente amava o bas-tardo gentil.86 Este ultrage ferira Lopo – menos no seu coração e que no seu orgulho <†>. Para saciar o desejo e para castigar Tructesindo, tentou raptar D. Menda, indo ella, com alguns cavalleiros, de jornada a Lorvão, onde sua tia, D. Branca era Abbadessa. Fora repellido, na briga com os poucos solarengos que o acompanhavam n’essa affouta aventura. – E desde então, mais fero e cru ardia o feudo, entre os de Gundir e os Ramires.

Eis pois, n’aquelle começo de guerra Real – os dous inimigos, rosto a rosto, no valle estreito

������������������������������������������������������������86 mão de Theresa, que desgraçadamente amava o bastardo gentil.: segmento de texto da primeira versão, que o autor se esqueceu de cancelar.

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[39] Bloco B1

de Rio-frio, Lopo com uma hoste de cem lanças, <e be> besteiros, e fundibularios, e Lourenço Mendes Ramires, com trinta cavalleiros e cincoenta homens de pé.

Era n’uma tarde de Maio de grande suavidade e beleza. E não esqueceu a Gonçalo Men-des Ramires, notar, com <ele> eloquencia o contraste entre a paz silvestre, e <furor> furor humano, as flores brilhando nas relvas, os elmos negrejando nas fileiras, sobre os ramos das arvores gorgeios d’aves innocentes, <*e> rente aos troncos, vozes sur-das de odio e lucta.

A lucta era desigual, setenta dos Ramires, contra duzentos dos de Gundir. Mas, nem por um instante o heroico Lourenço Ramires hesitou em <acceitar>[�acceitar] com-bate. So[zinho] que viesse, com uma

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de Canta-Pedra, Lopo com um te87 bando de cincoenta lanças mais de cem besteiros da Hoste Real, e Lourenço Mendes Ramires, com vinte e dous cavalleiros e cincoenta homens de pé do do seu pendão.

Era n’uma tarde de Maio, com <u> o sol ainda quente, e uma <suave> � e uma suave mudez nas ramarias de carvalhos e faias que assombreavam os outeiros. Pela esquerda do valle <passava um riacho> ia fugindo, e cantando <[�as]> <pedras> entre as pedras um fresco riacho – e �não esqueceu a Gonçalo Mendes Ramires notar n’uma prosa nobre, paz silvana do bosque e prados em contraste com a sombria ira d’aquelles homens cobertos de ferro.

A lucta era desigual, setenta e dous dos Ramires contra cento e cincoenta dos de Gun-dir. Mas, nem por um instante o heroico Lourenço duvidou em avançar, acceitar <com-bate>[�peleja]. Sozinho que tivesse entrado

������������������������������������������������������������87 te: a lição agramatical resulta de um cancelamento imperfeito na 2ª versão, propiciado por translineação na 1ª versão (com uma hos/te).

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[40] Bloco B1

simples lança de monte, e um escudeiro, arremeteria contra os do Bastardo. De pé nos largos estribos, à frente dos seus, e sob as pregas ondeantes do seu balsão erguendo a viseira para que o de Gundir lhe visse bem a face [�serena] <– gritou-lhe as injurias supremas, de “bastardia e covardia”> lançou-lhe um desafio, de grande orgulho, por entre as injurias de “bastardia, e covardia”: � Chama outros tantos, dos villães que te seguem, que por sobre elles, e [�por] sobre ti, chegarei esta noite a Monte Mor.

O outro gritou, com a mão calçada de ferro a tremer no ar, de furia: – Para traz é que voltaras, d’onde vieste, se eu por misericordia mandar a teu pae, o

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n’aquelle vale, com uma simples lança de monte, arremeteria contra os homens do Bastardo. Erguido sobre os estribos, de ferro, debaixo do pano tendido do seu balsão que <um>[�o] villico por tras <sustentava>[�alçava], levantando a viseira do Casco para que os de o de Gundir lhe visse bem a face destemida – lançou lhe um desafio, de duro orgulho, por entre as injurias “bastardia, e covardia”: – Chama outros tantos, dos villães que te seguem, que por sobre elles, e por sobre ti, chegarei esta noite a Monte Mor.

O Bastardo torcido na alta sella, gritava, com a mão calçada de ferro battendo o ar: – Para traz é que voltaras, d’onde vieste bulrão, se eu por mercê mandar a teu pae, o

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[41] Bloco B1

teu corpo n’umas andas. Estes soberbos desafios, vinham na Arcadia – e lançados elles, Gonçalo Mendes Ramires,

com a penna fremente, sentiu encher-lhe o peito o velho heroismo da sua raça, arremeçou uns contra os outros, na pagina branca, os dous valerosos troços d’homens. O embate foi medonho – e todo o valle tremeu ate aos mais altos carvalhos.

Grande briga, grande grita! Os paus das ascumas estalaram nas lorigas de couro: por cima dos cascos <negros>[�*polidos] faiscavam as largas pranchas dos montantes: os fundibularios, volcados às mãos ambas: o ferro retine contra o ferro: – e ja de cima dos ginetes começam a tombar por terra, os grandes corpos, com ruido lento

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teu corpo n’umas andas. Estes soberbos desafios, vinham <no bardo> no Bardo – e trocados elles, Gonçalo Men-

des Ramires, com sentindo o velho heroismo da sua raça � como um vento que vem de longe encher-lhe <a> e alargar-lhe a alma, � arremeçou uns contra os outros, na pagina de almaço, os dous valerosos troços d’homens. O embate foi fero – e todo o doce valle de Canta-Pedra, tremeu, n’uma poeirada, brusca e <densa> densa.

Grande briga, grande grita! � “Rompe! <Cerra>[�Rompe]! Mata, marrão! <*D> Avante! besteiros Casca pelos Ramires; Fù fù a Gundir! <...> Cerra Cerra!... � paus das ascumas estalam nas lorigas: por sobre cascos silvam as bestas: as <prancas> as pran-chas dos montantes retinem <as bestas silvam <sem> <†> dierctas88 contra as lami-nas das espadas: – e ja de cima aqui e alem começa a tombar algum forte corpos, com ruído lento

������������������������������������������������������������88 dierctas: erro do autor, por directas.

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[42] Bloco B1

de ferragens battendo em pedra. Mas os grandes estremos d’armas foram feitos, n’esse dia, por Lourenço Ramires. A sua espada entrava atraves das cotas de malha, como <foc> fouce afiada em erva tenra <– e por onde passava, deixava> o peitoril do seu cavallo deixava aos lados um sulco de corpos derrubados, entre sangue e gritos.

O s<eu>/ua\ ancia toda, era <em terçar um> terçar armas com Lopo de Gundir – mas, com <a>[�prudencia] estranha, o Bastardo, <d> sempre tão arremessado, e affrontador, em combate, tinha n’essa tarde, sempre deante, como um[a] <muro de> linha de cavalleiros que o defendiam como uma muralha: – e era mais com brados, que com golpes, que elle concor-ria para a lide. No deses-

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de ferragens battendo em terra molle os bellos estremos89 d’armas são feitos, n’esse dia, por Lourenço Ramires. A sua espada vae como fouce afiada em erva tenra < � e sempre ante o o peitoril do seu cavallo �se erguiam <braços ao <ao> <p> para o ceo> punhos *crispados, <e ressoavam alguns> �ha braços que se alargam n’um grito d’alma de que foge...> �e deante d’elle a cada arranque havia <braços arremessados [�ao ar], [�entre urros em agonia] pragas, ou <urros>> <urros arremeçados ao ar em agonia entre <pragas> pragas <ou [�longos] ais gemidos e urros> ou um longo ai que gemia.> sempre algum corpo que tombava, com um urro, <c>/u\m ai dolente, os braços retesados em agonia. �Todo o seu afam era terçar armas com Lopo de Gundir – mas, n’essa tarde, o Bastardo sempre tão arremessado, e affrontador, em combate, não <emer-gia> <n> <não sahia> se affoutava para fora d’uma linha cerrada de cavalleiros que o guardavam como uma estacada de ferro: – e era mais com brados, que com golpes, que <a> elle aguentava a lide. No deses-

������������������������������������������������������������89 em terra molle os bellos estremos: O enunciado agramatical resulta de um cancelamento excessivo na 2ª versão, abrangendo indevidamente o ponto final e a conjunção adversativa da 1ª versão. Assim, na 2ª, Eça teria querido validar o texto em terra molle. Mas os bellos estremos

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[43] Bloco B1

perado affan de romper essa linha que o separava de Lopo, o heroico <se> Lourenço, <perdera> ia gastando as forças. Ja <a> por sobre a <cot> armadura rota, lhe rompião <de san-gue> fios de sangue. Ja cada erguer do montante lento e frouxo, lhe custava um gemido. Ferido tambem por uma hasta na anca, arquejando entre as duras fivelleiras de ferro, que <o> o seu cavallo <ab> abatteu e Lourenço, de pé n’um salto, encontrou em roda um circulo de espadas e por traz d’elle, o Bastardo, que de pé nos estribos, e com a mão erguida gritava uma ordem aos fundibularios, apinhados n’uma elevação de ter-reno. <Na queda> Então, n’um derradeiro esforço, rangendo os dentes, <só contra uma>

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perado affan de romper essa linha que o separava de Lopo, o heroico Lourenço, ia gastando as forças. �Rouco, com a face <esbrazeada de calor do><avermelhada>[�esgaseada e man-chada] do calor, da poeira, <e de pingos de sangue, elle atirava ao bastardo,> clamava pelo bastardo, com os duros ultrages de <vill> marrão! e de zorro! �Ja <por> por sobre a malha da loriga lhe descia do hombro, um fio de sangue: – e cada lento erguer do montante lhe custava um gemido. Subitamente <ferido> varado por uma hasta na anca, o seu grande ginete negro abatteu quebrando no escoucear <os loros e> as cilhas largas: <De pé, l> <L>/D\esembrulhado dos loros, com um salto <Ram> Lourenço Ramires, encontrou em roda uma sebe d’espadas, e de lanças que o cerravam, em quando, que do outeiro, debruçado todo na sella o bastardo bradava – “Colhei-m’o às mãos! Colhei-<m’o a> às mãos!” – Com os dentes cerrados, trepando por sobre cor-pos que ainda se

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[44] Bloco B1

o moço heroico, flor da brava hoste, o moço Ramires, erguendo o montante às mãos ambas, rompeu contra as espadas que o cercavam, como uma sebe de piteiras. Mas as espadas recuavam… – e grossas pedras de fundas começaram a cahir sobre elle, res-soando sobre o ferro que o cobria. De novo avançou, outra vez as pontas agudas se retrahião. “Colhei-o às mãos”, gritava o Bastardo. “Não, <vivo> com vida, villão”, bradava Lourenço Ramires. <Mas> E <arremessava> todo se arremessava, trope-çando ja, com um gemer rouco – quando uma trave que lhe lançaram entre as pernas, o fes cahir, de bruços coberto logo de fortes braços que o amarraram

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< torcião <em poças sangre> em poças sangrentas só contra a hoste, o> �torciam [�sob os sapatos de ferro], o valente moço, rompe a golpes arquejados, contra as pontas aguadas90, que recuavam, se furtavam, a custo, sob os brados do <Bastardo> Bastardo – “Tomae-o vivo tomae-o vivo! – Não, <que> se me restar alma villão! <bradav> rugia Lourenço Ramires.

E carregava – quando um pedregulho <lhe batteu> o alcançou lhe partio [�o braço] que cahio pendente, [�e <part>] com a espada ainda presa ao punho por uma corrente de ferro. <Lo> <B> Bruscamente foi agarrado, por fortes guantes, que lhe filaram a gorja – em quanto, outros lhe

������������������������������������������������������������90 aguadas: erro do autor, por aguçadas.

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[45] Bloco B1

com cordas. <E deante, immovel, deitado> Assim ficou <prisioneiro> captivo dos de Gundir, o valente moço Ramires. Deante das andas em que o tinham estendido, o Bastardo, desafillado o elmo, e limpando o grande suor que lhe <p> pingava da face e barbas, reconhe-cia a bravura, <dizendo ja sem colera: > – e dizia: – Bem poderiamos ser antes ami-gos, Ramires.

Com esta palavra, (em que transparecia o forte amor que ainda occupava o cora-ção do Bastardo) terminou n’essa tarde Gonçalo Mendes Ramires o seu Capitulo III. <E> Como havia ainda duas horas de luz, e a linda tarde de Septembro tinha uma grande doçura, o fidalgo <agarrou no cha-

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� puchavam a orla do saião de malha, ou, com <†> varadas d’ascuma lhe vergavam as pernas retesadas<,>[...] <hirtas <entre> entre> Tombou por fim, – e jazia immo-vel, hirto nas cordas que o amarravam; [�sem casco] com os olhos duramente cerra-dos, <um fio de sangue rolando, e os>[�e os longos] cabellos <empastados> <sol> humidos, [�soltos] empastando no po.

�Assim ficou captivo Lourenço Ramires E deante das andas feitas de ramos e fran-ças de faias em que o tinham estendido, o Bastardo, desafillado o casco, e limpando com as costas da mão o grosso suor que lhe pingava <pelas> entre as barbas, murmurava, com-movido, por tanta bravura: – Ah Lourenço, <que teimosia e dor> grande dor, que poderamos ser irmãos e ami-gos!

Com esta generoso grito do Bastardo, – que era d’elle, e não do Bardo – fechou n’essa tarde Gonçalo Mendes Ramires o seu Capitulo III. E respirou largamente, contente e cançado. “É uma linda batalha – e tem nervo,” murmurava elle, com o charuto entre os dentes, nu-

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[46] Bloco B1

peo,> <peo,> e foi, pela estrada dos Bravaes, descançar d’aquella grande esforço da machina creadora, que o retivera tres horas à banca. Mas da imaginação não lhe podiam <sahir aqu> apartar da idea, aquelles heroismos da sua familia, que elle tão grandemente andava evocando. Gonçalo Mendes Ramires nunca se orgulhara muito com a sua linhagem, escassamente lhe conhecia a historia, confundia os varios Rami-res – e nem de resto na familia, so um d’elles ficara sempre lembrado citado, o Rami-res do tempo de D. Joao V que ferrava as mulas do Coche com ferraduras de prata. Elle propriamente sempre tendera a ideas

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�merando as tiras. Deu ainda, aqui alem, ao passar, alguns retoques <de traço e cor> <de côr ma> mais vivo de cor [�archaica] – pondo casco onde havia capacete, – e fazendo escarvar um corcel agigantado onde apenas se empinava um cavallo… Depois, à varanda, com as mãos nas ilhargas, olhou a Torre, por onde esvoação os melros que tinham [�feito] ninho, nas ameias cheias d’hera, e pensou que <era> real-mente era uma bella cousa ter assim, <mergulhando nos seculos,> uma tal linha d’avoengos, <mergulhando,> d’esde os começos do Reino, e todos <heroicos> heroicos, dando, [�facilmente] motivos a <romances> e poemas, a novellas como a Torre. Quando

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[47] Bloco B1

democraticas, admirava a Revolução francesa, e em Coimbra, em reuniões de Assem-blea Geral, no meeting por causa da riscadella dos manos Cunhas – sempre fallara em liberdade, progresso, e século XIX. Mas, agora, com todos aquelles seus antepassados, revivendo, e recebendo da sua penna, a vida heroica que outrora os animara, não podia deixar de pensar para si, que era uma bella cousa, apesar de tudo, ter uma tal linha d’avoengos e estar tão soberbamente ligado à historia de Portugal: – e talvez, pela primeira vez n’essa tarde, elle olhou para a Torre, a velha torre negra, que se <erguia a es> <e> via da estrada, com o seu grande ar historico, cheio d’orgulho pelo

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�aquellas paginas apparecessem em Outubro nos Annaes de Litteratura e d’Historia, a sua raça, ficaria <popular>, conhecida, popular em todo o Portugal, – e quantos, murmuriam, quando elle passasse no Chiado, ou pelas ruas da Baixa “É <um> Rami-res, é <dos> dos Ramires de Santa Oralia, dos maiores fidalgos de Portugal!”. Era <mesmo> uma responsabilidade – e deveria, <nos> elle nas maneiras, no porte, na linha, <não desmerecer> prova<r->/†\se <a> como a raça se mantinha, pura, e fina. Talvez <ate deixasse> <deve> devesse [�mesmo], usar a barba toda, em bico, à moda do seculo XVI. E de certo convinha que soubesse jogar o florete!.. De certo outras e differentes são as formas do heroismo, neste seculo! <Mas ha>[� – e não]

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[48] Bloco B1

seu nome e pela sua raça. E passavam-lhe mesmo vagamente n’a alma, como vagas resoluções de não desmerecer d’aquella gloria. De certo os tempos eram outros, outras as formas da virtude e do heroismo: – mas <os> nobres desejos os motivos a nobreza especial da alma que levava aos actos fortes e grandes, era da mesma natureza, e era essa que elle deveria adaptar aos feitos do século XIX mas, que diabo, mesmo jogando o voltarete se revelava o bom <sangue> sangue,. E bem lhe iria, havia de certo um grande chic, <em> que <em> todas as suas acções lembrassem a raça pura e valente d’onde descendia. Ja <n’> em pintar tão bem, † ao comprehender

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�<certos <traços> <habitos> traços, que> se podia bater ja com os de Gundir, que ja não existiam, nem retomar Ceuta. Mas <h> certos <ha> habitos, inherentes a todo o grande sangue, convinha que os mantivesse, – o <h> saber das armas, <a><um requinte>, um gosto puro, luvas claras, um gesto leve e fino… E precisava, que diabo, estudar bem a sua Genealogia. Sempre confundia os Ramires – e <na> realmente na Familia so ficára conhecido, o avo Nuno, do tempo de D. Joao V que ferrava com ferraduras de prata as mulas do Côche. Não valia que as mulas – mas que chic… O peor, para tudo isso, era o bago – a falta de bago. E para elle, para um Ramires, que não podia fundar uma fabrica de tecidos ou ferragens, <do> para dar o bago so havia a Politica…

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[49] Bloco B1

as almas heroicas dos seus antepassados, n’aquella Novella, era mostrar que a sua estava em communhão com ellas, por ser do mesmo quilate rico e puro. E gostaria bem que quando nos jornaes, se fallasse d’<que> d’aquelle trabalho (e o Telles a que tantas vezes dera de cear, o Vasques, seu companheiro de Coimbra, não <deixariam> deixariam de cantar a sua obra na Paz, e na Opinião) se <fallasse como sendo,> posesse bem em relevo que aquelles Ricos-Homens de tanta lealdade, de tanta valentia eram os seus avoz, e n’elle revivião, senão pelas mesmas <a> feitos de guerra, pela mesma comprehensão da honra e do brio… De resto elle havia de fallar n’isso ao Vasques

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� Um foguete que estalou, ao longe, para ao lado dos Bravaes, onde havia ao Domingo, Romaria, á Senhora das <Candel> Candeias – <lev> chamou-lhe os olhos para o lindo ceu de verão, <macio, e fresco>, repousado de toda a refulgencia, alto, azul e fresco <–:>; e como tinha ainda <t> uma larga hora, antes de jantar, <foi> agarrou o chapeu, e mesmo na sua quinzena de trabalho, desceu, foi pela estrada dos Bravaes, <que o>[que seguia, estreita e branca, entre o] muro da Torre <enleava d’erva, e> um renque d’alamos; <delimitando o> que delimitava os trigaes e os cam-pos> <E>

E ia ainda pensando n’aquelles seus formidaveis avos, que <na> revivião, tão grandes, sob a sua penna d’artista. Por fim ja

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[1] Bloco B2

e ao Telles…

Um carro de bois chiando estridentemente despertou-o d’estes bellos pensa-mentos, em que o ião levando, n’um passo largo, para o lado dos Bravaes: – e quasi immediatamente, viu deante de si um homem, que <des> d’uma azinhaga desembo-cara na estrada, e que parara, com <um> a enchada ao hombro. Reconheceu logo o Casco de Bravaes – e para não ter com elle, alli na estrada, explicações sobre o caso do arrendamento, parou, como <dest> desattento, assobiando baixo. O outro porem, que se ficara muito vermelho, deu um passo atras do fidalgo com os olhos nos gran-des choupo que bordavam a estrada.

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� o comprehender tão bem aquellas almas heroicas, <pur> mostrava que a sua <estava plenamente em cummunhão com ellas? E por que? P por ser do mesmo qui-late rico e puro> era do mesmo quilate rico e puro –: por que um coração baixo não <pode ressuscitar>[�sabe narrar] um coração nobre, e nunca <um> o [�Jose] Gouvea poderia entender Martim de Freitas, ou Egas Moniz… Era n’isto que elle gostava que os Criticos insistissem <no app> ao estudarem depois a Torre de D. Ramires: � e havia de o lembrar ao Pinheiro, que lhe assegurara um artigo nas Novidades. Caramba era isto que se devia por em relevo – que aquelles Ricos-Homens de entre Minho e Douro revivião, no seu neto que os sabia tão bem contar, senão pelos mesmos feitos de guerra, � pela mesma comprehensão de heroismo.

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[2] Bloco B2 O outro porem que se fizera muito vermelho estugou o passo, lançou o nome do

Fidalgo. Então Gonçalo Ramires, parou, risonho, e familiar. – Olá! é Voce José! Que temos?

O outro parecia engasgado, com duas manchas vermelhas na face. Por fim <com> atirando o molho de cordas para o hombro – Temos que eu fallei sempre claro com V. S.ª e não era para que o fidalgo me faltasse assim à pala-vra!

Gonçalo Ramires, ergueu a cabeça com dignidade: – Que está Voce a dizer, creatura? Faltar à palavra! Em que lhe faltei eu à palavra? Havia alguma cousa <assignada, escripta> assignada entre nós?

O Casco emmudeceu um instante assombrado. Depois

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�Levado por estes pensamentos, que o impellião pela estrada branca, a grandes pas-sadas d esperança o <fid> fidalgo da Torre chegara ao fim do muro da quinta, cortada ahi por uma azinhaga, que a dividia <do grande> do pinheiral, e da matta<.>/.\ <Uma> D’um portão nobre, que outrora se erguera n’esse canto de muro com o seu brazão d armas, restava[m] apenas os dous humbraes de granito, *amarello de musgo, que uma <sebe> cancella fechava, entremeada de silvas. E justamente n esse momento, da azinhaga funda <vinha sahin>[�sahia] chiando, e carregado de matto, um carro de bois que uma boeirinha guiava… – Nosso Senhor lhe dê muit<as>/o\ [�boas] tardes! – Boas tardes, rapariguinha.

O carr<†>/o\ passou. E logo atras, surdio um homem, magro e alto <com> trazendo ao hombro o cajado e [�d’onde pendia] um molho de cordas <na mão>. �O Fidalgo da Torre reconheceu logo o Casco de Bravaes – e seguio como distra-hido, <com> assobiando com <as>/a\ bengala atras das costas. O outro porem, que <parara>[�estacara,] – <o> estugou o passo, lançou o nome do Fidalgo Entao Gon-çalo Mendes Ramires, parou, risonho, e familiar. – Olá! é Voce José! Que temos?

O outro parecia engasgado, com duas fortes manchas vermelhas na face. Por fim desen-fiando das cordas o o cajado, que cravou no chão com força: –Temos que eu fallei sempre claro com V. S.ª e não era para que o fidalgo me faltasse assim à pala-vra!

Gonçalo Ramires, ergueu a cabeça ja enfiado; <mas> – Que está Voce a dizer, Casco? Faltar à palavra! Em que lhe faltei eu à palavra? Por causa do arrendamento da Torre? Essa é nova! Então havia alguma cousa assignada entre nós?

O Casco emmudeceu assombrado. Depois

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[3] Bloco B2

com uma colera que fazia tre<mer> mer os beiços: – Se <o> houvesse papel assignado o fidalgo não podia recuar. Mas era como se houvesse, para gente de bem. V. Sª disse que estava o arrendamento feito, e estendeu a mão, e deu a sua palavra…

O fidalgo da Torre, encolheu os hombros enfastiado, ia seguir, – quando o outro muito decidido se lhe atrevessou deante, furioso com aquelle desdem, pallido, balançando os dous punhos fechados: – O fidalgo tinha dado a sua palavra e a mim não se me fazem d’essas maroteiras. O fidalgo tinha dado a sua palavra! A mim não se me fazem d’essas maroteiras…

Gonçalo empalidecera deante

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com uma colera que lhe fazia tremer os beiços, a mão, o cajado: – Se houvesse papel assignado o fidalgo não podia recuar! Mas era como se houvesse, para gente de bem. V. Sª disse que estava o arrendamento feito! E estendeu a mão! E deu a sua palavra…

O fidalgo da Torre, encolheu os hombros: [mostrando a paciencia d’um Senhor bene-volo:] � – <Olhe>[�Escute], Jose, aqui não é logar… Se V. quer conversar comigo, vá à Torre, <haí>/Eu\ la estou sempre, como V. sabe, de manhã. Va amanhã…

E ia seguir, com o coração em grandes pancadas – quando o outro, <se lhe> muito decidido, se lhe plantou deante, com o cajado atravessado: – O fidalgo ha de dizer aqui! O fidalgo tinha dado a sua palavra! A mim não se fazem d’essas traições… [O fidalgo tinha dado a sua palavra]

�Gonçalo ficara livido deante

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[4] Bloco B2

d’aquell<a>/e\ <colera de aled> aldeão teimoso, n’aquella estrada deserta. E a estrada estava deserta, no começo do crepusculo. Só o carro chiava ainda longe, para onde onde branquejava, a casa do Brasileiro <Pinheiro> Pinho. Então quis ser conciliador, fallando, com magnanimidade: – Escute la, José. As cousas não se levam assim a gritar na estrada. Pode-se ir malhar com os ossos à cadea... E Voce tem mulher e filhos. Se tem a queixar-se, va la a casa, e conversaremos, tudo se esclarece...

Dera outro passo, ia seguir, apertando o seu grande cajado, com a mão que lhe tremia. Mas o outro, estava perdido, <n’um furor,> teve um arranque de furor.

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d’aquell<a>/e\ homem desesperado, n’aquella <estrada deserta. O> � <*lar> <cre-pusculo> <*la> <caminho> <A estrada>[�estrada] deserta. <Só> <o>/O\ carro ao longe, ainda chiava melancolicamente: �/.\ <e o pinheiral ao lado, escuro, <sus-surra> <[�com] o seu sussurro> <sussurrando91>[� sussurrando] <dolente>[�lento e dolente] sob o vento que se erguia, <tornava> dava <à solidão um> aquella solidão d’aldea um> A azinhaga escur<a>/e\[cera] O pinheiral sussurrava, lento e dolente, sob o vento que se erguia… Estarrecido <pela somb> <pela solidão>, o pobre Fidalgo procurou um refugio, na idea de Lei, de Governo que tanto aterra os homens do campo... E com <como> brandura, <como que>, como um amigo que aconcelha um amigo: � � – Escute la, José, escute homem. As cousas não se levam assim a gritar. Pode haver des-gosto, apparecer um cabo, ir-se com os ossos a cadea... E Voce tem mulher e filhos. Se sente rasão de queixar, va la a casa, e conversaremos, tudo se esclarece...

Dera outro passo, ia seguir, apertando, apertando a bengala na mão que lhe tremia toda. Então o Casco teve um arremesso de furor

������������������������������������������������������������91 A forma sussurrando resulta de emenda da forma anterior: sussurr<o>/ando\, feita depois do cancela-mento.

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[5] Bloco B2

– Então V. Sa. ainda me ameaça com a cadea... Ainda por cima de me fazer a maroteira. Pois se tiver de ir para a cadeia, vou com gosto Mas depois de lhe ter partido esses queixos.

<P> Ergueu o punho, d’arremesso. Mas de repente Gonçalo Mendes Ramires, atirou um salto, e largou a fugir a fugir no po da estrada, n’uma carreira de lebre aco-çada. Junto à casa do Brasileiro parou, a arquejar. Mas no seu terror, pensou ver, <ain> o Casco, correndo tambem, com o cajado que elle arremessara, e recomeçou a fugir, rente com as sebes, tremendo todo, ate que, <re> roçou com o muro da quinta, onde se erguia, � negra e vetusta, na pallidez

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– Pois V. Sa. ainda me ameaça com a Justiça... Ainda por cima de me fazer a maroteira me fala em cadeia. Pois se tiver de ir para a cadeia, ha-de depois de lhe partir do esses ossos.

� <E arre> Arremessara o molho de cordas, erguera o cajado... Então Gonçalo Mendes Ramires, atirou as mãos à cancella saltou <por cima,> para dentro da quinta, e largou, fugindo, por sob a latada, que orlava o muro, n’uma carreira <p> de lebre acoçada. Ao fim da vinha, junto aos milheiraes, havia as ruinas d’um pombal senhorial, de granito, onde crescera, <al> se alastrava em folhagem uma figueira. Ahi se alapou o Fidalgo da

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[6] Bloco B2

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� Torre, arquejando, com a orelha afiada para o <escuro> escuro. O silencio <grave> do anoitecer envolvia os campos semeados. Então <arr> arriscou um passo fora do pombal, depois outro, cautelloso e leve – e recomeçou a correr, n’um correr manso, em pontas de botas, [�sobre o chão molle,] ate ao muro da mãe-d-Agua. De novo estacou, esfalfado – e julgando entrever, ao longe <d>/n\as arvores, uma man-cha branca, a[lgum] <camisa d’al> jornaleiro em mangas de camisa, atirou um alto brado: - “Oh João! Oh Manoel! Eh lá, alguem! Vae ahi alguem”. A mancha fundira na penumbra, . <O silencio> So um pouco d’arvoredo ramalhou, docemente. Gonçalo Mendes Ramires, retomou a sua carreira <leve, e <mund> muda>, ate ao canto do pomar, onde havia uma porta velha, pouco usada, com taboas que se despregavam. Mas estava fechada. Furioso o fidalgo cahiu [�d’hombro] sobre ella, com empurrões desesperados.

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[7] Bloco B2

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� <†>/D\uas taboas cederam, elle <furou> furou atravez, e <penetrou> penetrou enfim na segurança do pomar<,> murado, d’onde via a casa, as varandas abertas à frescura da noite, e a Torre, a Torre Secular dos Ramires, toda negra, <en> com gran-des voos de morcegos, no alto, <sob> entre as ameias.

Respirou, esfalfado, limpou o suor que o alagava. E <sopar> <soprando>, bufando, com o chapeo na mão, murmurava atravez do feijoal: � Se não é ficar alli a cancella ao pé, o homem dava cabo de mim com a foice!

Era <f> uma foice. Estava<,> certo que era uma grande foice, que reluzia. E começava a sentir uma <gr> grande indignação contra <aquelle ermo, onde vivia, contra> aquelle desamparo, em que se encontrara, sem que um moço, um jornaleiro da quinta apparecesse, quando elle era assim assaltado n’um pinheiral. E gritára!... De cinco <c> jornaleiros, <de duas moças, <ninguém <o> viera,> <ninguem viera, nenhum>[�nenhum]

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[8] Bloco B2

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� apparecera, <n’>, alli a duas passadas da eira e dos campos. Assim se fazia o ser-viço da Torre. E com dous homens que viessem, de varapaus ou d’enchadas, <e elle de bengala>, o Casco <apanhava, logo, uma sova ficava estirado na estrada, n’uma poça de sangue>[�ficava] malhado como uma espiga. E ricamente o merecia, o infame!

Estugara o passo, chegara, em frente da porta toda allumiada da cozinha. E ahi, <ao fresco, em dous bancos><[�sob a ramada]>, em quanto dentro chiava a frigi-deira, <tres> dous jornaleiros, uma moça, e a <r>/R\osa, tagarellavam, sentados, sob o fresco da latada. <Ent> Toda a sua colera rompeu. – Então que sarau é este aqui? Voces não me ouviram chamar? Qual! Ninguem appa-receu... Encontro la em baixo, ao pé do <pinh> pinheiral, um <bebabo> bebado, que me não conheceu, vem para mim com uma foice... Felizmente levava a ben-

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[9] Bloco B2

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� gala. E chamo, grito. Qual. Está tudo aqui, de palestra, e a ceia a cozer! Pouca ver-gonha! Para outra <vez> vez, ponho tudo na rua! E quem resmungar é a cacete! <Estou farto!> Irra!

Os seus olhos chamejavam, altos e valentes. A <moça>[�rapariga] desappare-cera, encolhida, para o fundo da cozinha. E os dos <rapagões, enormes, eram de>[�moços] de pé, eram como espigas que um grande vento <curva>[�verga]. Agra-dado, com aquella submissão dos dous <ra> homens, fortes, que tinham os varapaus encostados à parede, Gonçalo Mendes Ramires serenava. – E alem d’isso a porta do pomar fechada. Tive de lhe dar um empurrão. Ficou em pedaços. É necessario chamar amanhã o carpinteiro. <Esta> Ficou em estilhas.

A certeza da sua força, da <sua> seu dominio n’aquelles homens, reconfortava o Fidalgo da Torre. E, ja brando, quasi paternal: – Está bom. Sentem-se! <E a tia Rosa,>

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[10] Bloco B2

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� Eh tia Rosa. Dê a estes rapazes mais uma caneca de vinho... A ver se para outra vez, teem mais alma em apparecer onde ha perigo...

Era [�agora] como um Senhor, justo e bom, que reprehende paternalmente [�uma fraqueza] dos seus solarengos. E subio, pos ao canto do corredor a bengala, como uma lança, <n’um fim de combate> finda a batalha.

<Ao> Durante o jantar porem, <sobretudo> depois de dous largos copos de vinho que bebeu, soffregamente, com a sede da corrida e da excitação, aquelle atten-tado do Casco<,> comecou a <pare> parecer-lhe monstruoso. <Nao era por elle ser um senhor e o outro um lavrador – mas por elle ser o fidalgo da Torre, e> Era por certo a primeira vez d’esde seculos que um lavrador d’aquellas aldeas, crescidas à som-bra da velha Torre dos Ramires, educadas na veneração d’aquella familia historica, <senhora> senhora em montes e valles, ousava assim

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[11] Bloco B2

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� affrontar, ultrajar um Ramires! E <c>/b\rutalmente, erguendo a foice, junto aos muros <mesmos da <q> velha quinta!> da quinta secular! A <seu> seu pae muitas vezes ouvira, que em tempos de seu bisavô, o Desembargador, os homens de Ramilde dobravam o joelho, nos caminhos quando passava o Senhor da Torre. E agora, erguiam a foice! E por que? Não havia, n’aquelle districto, homem mais affavel, mais familiar do que elle Gonçalo! <Em> Nos dias de seu <tris><bisavô>[�bisavô], um tal attentado, seria castigado com uma masmorra, <para sempre.> eterna. E o Casco não podia, sem castigo92. Tanto mais que a impunidade lhe daria a audacia, e armado e bebado como era, <outro dia po> n’outro encontro, poderia <pode> ser ainda mais bruto... Não lhe queria fazer um mal duravel. Coitado, <p> tinha dous filhos peque-ninos – um que mamava! Mas

������������������������������������������������������������92 não podia, sem castigo: um verbo ficou retido no ditado interior e não chegou à escrita, talvez ficar (não podia ficar sem castigo).

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[12] Bloco B2

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� precisava pelos menos uma <reprehen>são [�censura] do Administrador – ser chamado à <A>/a\dministracção, entre dois cabos de policia, e ahi, d<e>/i\ante dos <am>/a\manuenses, <saber, pelo Goveia, <p> que para outra vez o esperava a cadeia, a enxovia>, na saleta triste d’onde se avistavam as grades da <C>/C\adeia, <ou> <escut> receber uma reprehensão grave do amigo Gouveia <: “E se torno a saber, que V.>, uma boa ameaça de prisão, por seis mezes, em baixo nas abobadas.” E o Gouveia podia muito bem ajuntar – “Se <se lhe> vae perdoado d’esta vez, é que o Sr. Gonçalo Mendes Ramires, <me pedio> bom como é, me pedio por Você.” !

E pedia, que diabo! O <desavergonhado do> homem, estava desesperado por perder o arrendamento… Fora um assomo de bruto! Mas não [�ele] lhe queria fazer mal, que recahiria sobre os pequenitos! A reprehensão porem

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[13] Bloco B2

do ceu, a torre, a velha torre do Solar dos Ramires. Ahi parou, <pens> a arquejar, derreado. E limpava o suor, na face, no pescoço, murmurando: – Ora deixa estar desavergonhado, que eu te arranjarei!

E d’ahi a pouco, com dous creados [�a] quem mandara que levassem as velhas <cla> clavinas, partio para a Villa, a procurar o administrador do Concelho –

O fidalgo da Torre ia simplesmente exigir do <An> Administrador do Conce-

lho, seu amigo, seu condiscipulo, que mettesse o Casco na enxovia. Fora ameaçado pelo

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� era ricamente merecida!

E mal findou o jantar, mandou armar um <creado> dos jornaleiros o João, com uma clavina, por causa da escuridão da noite, elle mesmo metteu o revolver na algi-beira � e partio para a Villa, com o resto do charuto, o moço armado, a procurar o Gouvea. O ceu <esta> tinha grandes nuvens negras – e soprava um vento morno.�

� <Na villa, rec> Ao começo da Villa, deixou o João n’uma taverna, esperando: – e elle cortou pelo <m>/M\ercado da Herva, para

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[14] Bloco B2

Casco, tinha <re> a recear<,> que elle lhe fizesse <de uma> qualquer escura noite uma espera – e por medida preventiva “a auctoridade devia prudentemente, afferro-lhar o Casco, ate que elle, Ramires, partisse <da quinta para Lisboa.> alli veraneasse na quinta.

Mas não encontrou o Administrador em casa. A creada suppunha que elle estaria ja na Assembleia. Não! O Snr Admnistrador, havia dous dias não apparecia na Assembleia. E o fidalgo, com os seus dous creados armados dirigia os passos ja impa-ciente, para a loja do André, onde ao começo da noite, se reunião “as pessoas conhe-cidas”, � quando <topou> encontrou o

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� a loja do André onde o Gouveia, àquella hora, costumava entrar, conversar, antes de ir à partida na <Al> Assembleia. Mas n’essa noite o Snr Administrador não appa-recera, no André. Foi então a <A> <A> <a>/A\ssembleia – e pelo marcador do bilhar, em baixo soube que o Snr Administrador, havia <dous>[�tres] dias não vinha, nem [�pela manhã] ler os jornaes. Um sujeito gordo espapado <no> n’um banco, com o collete todo desabotoado, mascando um palito, e que contemplava soturna-mente as carambolas solitarias do marcador, <*informou o fid> accudio do canto: – O Gouvea, parece que tem estado em casa com uma angina.

Outro [�sujeito] porem, de guarda-po alvadio,

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[15] Bloco B2

administrador, que descia a <rua> rua, conversando com o Pimenta. E foi o Admi-nistrador, que <v> correu para elle, alvoroçado, excitado: – Então Você ja sabe? – O quê? – <Morreu> O Sanches Lucena!.. Morreu.

O fidalgo olhou o Administrador depois o Pimenta assombrado: – Ora essa!... Quando? – Esta madrugada... De repente, com o aneurisma.

E todos tres ficaram um momento callados, no espanto renovado d’aquella morte, <que era o grande> apaixonava toda a villa. – Que idade tinha elle? <Segundo>[�–] Pelos calculos do Pimenta, devia ter os seus sessenta e oito feitos. E ahi

______________________ � imaginava que o Snr Administrador ja sahira, n’essa tarde.

Então o Fidalgo, ja impaciente abalou <par> para casa do Gouvea, que era no alto, ao pé da capella de S. Bento. Ahi, uma creadita, esperta e loura, declarou que o Snr Administrador, estava melhor, o Doutor ja o deixara passear, e naturalmente fora para a Assembleia.

<Furioso,> <o>/O\ Fidalgo desceu a calçada furioso – e <ata> entrava na Praça d’Elrei – quando avistou, <a p> do outro lado à porta [�allumiada] da tabacaria do Brito, o Gouveia, de cache-nez, e outro sujeito, que olhavam para o ceu <carre-gado> todo turvado de grandes nuvens negras.

E quando se acercou – foi o Gouveia, que ergueu os braços, <como se o tivesse> com alvoroço, <exclamou> <correu para elle:> lançou para elle um passo vivo: � – Então Você ja sabe? – O quê? – Então não sabe, homem? O Sanches Lucena!... Morreu.

O fidalgo olhou para o Administrador depois para o outro sujeito <que era <um> o Pimenta>[�que enrolava o cigarro e era o Pimenta.] – Ora essa!... Quando? – Esta madrugada... De repente, com o aneurisma.

E tres ficaram um momento callados, no espanto agora renovado d’aquella morte, do San-ches Lucena, que impressionava toda a villa. – Ora essa! Que idade tinha elle? – Pelos calculos aqui do Pimenta, <co>/d\isse o Administrador devia ter os seus sessenta e <seis> cinco. Eu imaginava mais... Estava <ab> acabado

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[16] Bloco B2

estava a <†> D. Joanna <vi> viuva com vinte e oito annos, sem <v> filhos, e as melhores propriedades do Concelho, e com os seus cincoenta contos em cada mão. – Ahi esta o que me servia meninos!

Mas Gonçalo Ramires, torcia o bigode pensativo: – E o Circulo, agora? Está o circulo <sem deputado,> então sem deputado... Quando são as eleições? A 3 d’outubro. D’aqui a quatro semanas. Quem manda agora o governo para cá?

Segundo o Administrador, agora, com o Vaz Netto, no <mi> Reino, havia de ser deputado pelo circulo quem o Luiz Cavalleiro quisesse. <P> O Sanches Lucena <era> sahia por uma indicação natural do partido. Agora, <†> o que determinaria a escolha

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E ahi temos agora a D. Joanna viuvinha com vinte e oito annos, sem filhos, e um mea-lheiro dos seus oitenta contos! Mais talvez.

� O Pimenta, tirando os phosphoros da algibeira, murmurou, <com mel> – Ahi estava o que me servia, meninos<,>/!\<era essa>.

� Mas Gonçalo Ramires, torcia o pera, pensativo: – E então, agora? Estamos sem deputado!... <Quem vae pelo circulo?...> Quando são as eleições? A 3 d’outubro não? D’aqui <a>[�<quatro> <a cinco ou seis> a quatro] semanas. Quem vae agora pelo circulo?

� Cruzara os braços, preoccupado. O Gouvea, <agaza> aconchegou mais o cache-nez. E [�deduzio] lentamente, os factos: – Agora, meu caro amigo, � com o Vaz Netto, ministro do Reino, havia de ser deputado pelo circulo quem o Luiz Cavalleiro quiser! [�É claro] O Sanches Lucena ia por uma indicação natural do partido. Era aqui o grande [�primeiro] homem do partido<.>/,\ o <t> unico

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[17] Bloco B2

era o desejo pessoal de Cavalleiro. O deputado tinha de ser um Cavalleirista. E o proprio Cavalleiro <o> havia de estar embaraçado. – <Ah> Ora ahi esta tambem o que me servia meninos! suspirou o Pimenta.

Mas o <a>/A\dministrador, que parecera, subitamente invadido por uma idea, tomou o braço do <fial> fidalgo em confidencia, levou-o para o outro lado da rua, lentamente, ate à porta do telegrapho, d’onde sahia a claridade mortiça do candeeiro de Petroleo. E dizia, baixo: – Você agora é que tinha uma chance, Gonçalo! Voce agora se quisesse é que ia deputado pelo circulo! Você, agora, tem uma porta aberta, e era so entrar para dentro.

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� homem. Bem! Agora, o <o que ha de deter> para decidir o Ministro, como não ha ja uma indicação natural do partido, o que resta? O desejo pessoal do Cavalleiro. Pelo circulo, logicamente, ha de sahir quem o Cavalleiro apresentar, como o homem, que pela fortuna, pela influencia, pela popularidade na terra, seja o continuador do Lucena. Noutro circulo ainda se podia encaixar à pressa, um deputado feito em Lisboa, alheio à terra. Aqui não. Voce sabe as circunstancias… O deputado hade ser <Cavallei-rista.>� Cavalleirista. E o proprio Cavalleiro acredite Voce, está a esta hora, embaraçado. Muito embaraçado.

O Pimenta tornou a suspirar: – Tambem me servia, meninos… Três mil reizinhos por dia, viagens pagas, esta-

dazinha em Lisboa. Tambem me servia. Mas o <a>/A\dministrador, cujos olhos espertos, <se tinham> não deixavam o

Fidalgo, e que parecia invadido por uma idea inesperada, tomou de repente o braço de Gon-çalo em confidencia, deu com elle tres passos, para o lado do chafariz. E ahi, muito baixo, e vivamente: – Você agora, Gonçalo, é que tinha uma occasião soberba! Voce se quisesse, é que estava d’aqui a quatro semanas deputado pelo circulo!

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[18] Bloco B2

E como o outro parecia, espantado, prompto a protestar, o Administrador encolheu os hombros: – Escute, homem! Você não tem compromissores serios com os regeneradores. Você formou-se, entra agora na vida publica, ainda não fez acto serio de partidario... La uma ou outra Correspondencia para os jornaes, <ist> <*são> historias... – Mas... – Escute, homem! Você <tem futuro...> quer entrar na Politica. La que seja pelos Historicos ou pelos regeneradores, isso é indifferente! Todos são parlamentares, liberaes, etc. Isso não conta. A questão é entrar, é furar. Ora voce tem agora uma porta aberta. O que o pode embaraçar? As suas inimizades particulares com o Cavalleiro?

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E como o outro erguera para elle <uma face <que> que protestava> a face espantada: – Escute, homem! Você não tem compromissores serios com os regeneradores. Você formou-se, entra agora na vida publica, não fez ainda acto serio de partidario... La uma ou outra Correspondencia para os jornaes, historias... – Mas... – Escute, homem! Você quer entrar na Politica. Seja pelos Historicos ou pelos regeneradores, isso é indiferente! Todos são constitucionaes, � e todos são � liberaes. A questao é entrar, é furar. Ora voce tem agora uma porta aberta. O que o pode embaraçar, hem? As suas inimizades particu-lares com o Cavalleiro?

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[19] Bloco B2

Isso são <toli> tolices. Entre Voces não ha morte d’homem. O Cavalleiro é um bom rapaz, rapaz de talento, rapaz sympathico. Voce mais dia, menos dia, tinha de se por de bem com elle. Então é aproveitar o momento em que essa reconciliação o pode levar às camaras. Olhe que era uma cartada de mestre. Agora, com esta morte repentina do <Sanc> Sanches, na vespera da <eleição,> eleição, vae deputado pelo circulo, unica e absolutamente quem o Cavalleiro quizer. Ora o <Ca> Cavalleiro, se Voce quizesse, queria-o a Você. – Isso é que eu não sei. – Sei eu.

E mais baixo, contou francamente ao Ramires, que o

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Isso são tolices!

� Lançou um immenso gesto, como se <p> varresse essas puerilidades. – São tolices!.. Entre Voces não ha morte d’homem! Nem Voces no fundo são inimi-gos! � O Cavalleiro é rapaz de talento, é um rapaz sympathico. Mais dia, menos dia tinha de haver reconciliação. Então é agora, quando a conciliação o pode levar às camaras. Olhe que era uma cartada de mestre. Caramba! E repito � vae deputado pelo circulo, unica e absolutamente quem o Cavalleiro quizer. � O Fidalgo da Torre <rep> respirou fortemente. Deu <dous> uns passos <vagos>, vagos, aqui alem, junto do Administrador, que o consi-derava – apertando mais o cache-nez. Porfim, com uma hesitação, em que ja havia anciedade: – <E depois> Mas ainda assim o Cavalleiro, [�n’este circulo,] não pode impor <qual-quer,> senão um homem, que tenha como o Lucena, fortuna influencia...

O outro alargou os braços:

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[20] Bloco B2

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� – E então, Você?… Que diabo. Você tem aqui propriedade, tem a Torre… Sua irmã<...> hoje, é rica, mais rica que o Lucena. E depois o nome, a familia… Voces, os Ramires, estão aqui establecidos, tem aqui <solar> solar, ha mais de duzentos annos.

O Fidalgo da Torre teve um gesto vivo: – Duzentos? Ha mil, <q> ha quasi mil! – Bem. Ora ahi tem!… Ha mil annos. Anterior à Monarchia. Pelo menos coeva! Veja lá. Uma casa coeva.. <Ou>[�Então] isso [�não] é uma situação pelo menos egual à do Lucena<,>/?\ <ou então, eu não sei ja o que são situações.> Sem contar a intelligen-cia,… Oh Diabo!

Atirara a face para o <ar,> ceu escuro, d’onde cahia, aqui [e] alem, uma gota grossa que se esborrachava na <poeira> lage. E quis immediatamente recolher a casa – que o João Ma-

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[21] Bloco B2

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� ximo <o> prohibira<-o de apan> <a> humidade. <Então Gonc> <Mas> Gon-çalo Mendes Ramires<,> declarou logo que acompanhava ate à porta, o amigo Gou-vêa,. O Pimentinha ficara na tabacaria, de pé, arrimado ao balcão, a consummir a <no> noite, ate <se *pra> à “hora doce do decilitro”, no Gago. E, sob o guarda-chuva, <ababaf> atabado no cache-nez, subindo, a Calçadinha, o Administrador, resumia a sua idea: – O circulo esta vago. Ha de vir por elle quem Cavalleiro quiser. Se <Voce se> Voce se apresentar, <fallar>, estender a mão ao Cavalleiro, o circulo é seu. O Cavalleiro <tinha> creia Voce, tinha fito em o fazer deputado. – Isso é que eu não sei, Jose Gouveia. – Sei eu.

E, mais em confidencia, na solidão

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[22] Bloco B2

Cavalleiro, mais d’uma vez, conversando com elle, tinha lamentado aquellas dissensões absurdas, e affirmara que o seu maior desejo era reatar <a> relações com o Ramires, e com Barrolo, com a familia. E a elle proprio, lhe dissera (palavras textuaes): – “O Gonçalo é rapaz de talento, falla bem, tem futuro na Politica, e eu é que queria <fal> fazel-o entrar na Camera!”.

O Gonçalo respirou com força, na emoção que o ia tomando. – Eu tambem, no fundo, sympathizo com o Cavalleiro. E essas questões intimas la que

houve <eu> com a familia, que diabo, isso passou, está esquecido. O peor são as correspon-dencias politicas, em que o

______________________ �<Jose> da Calçadinha Jose Gouveia, confessou ao Fidalgo <da> que o � Caval-leiro, por vezes, conversando com amigos lamentara aquellas dissensões absurdas, affirmara que o seu maior desejo era reatar relações com Ramires, e com o Barrolo. E a elle proprio, lhe dissera (palavras textuaes): – “O Gonçalo é rapaz de talento, falla bem, tem futuro na Politica, e eu é que queria fazel-o entrar na Camera!”.

O Gonçalo respirou com força, na emoção <crescente> que o tomara. <E depois> � Depois, lentamente, como <se fossem>[�revelando] pensamentos muitos <fun-dos> secretos, que do fundo d’alma ia tirando, um por um e a custo: � � Eu tambem, na realidade, simpathizo com o Cavalleiro. E essas questões intimas la que houve com a familia, que diabo, isso passou, está esquecido. Como Voce disse ha pouco não houve entre nós morte d’homem.

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[23] Bloco B2

tenho zurzido... O Administrador encolheu os hombros:

� Que diabo lhe tem Você dito nas Correspondencias? Tem-lhe dito que é um despota, e dado a entender que é um D. Juan. Não ha homem nenhum que não goste que chamem, por opposição poli-tica, despota e D. Juan. Você imagina que elle se tem affligido? Tem-se babado. <No>

E pondo-lhe a mão no hombro: � Olhe, sabe o que eu faria no seu caso, Gonçalo Ramires. Mettia-me amanhã n’uma carruagem, ia a cidade, ao Governo civil, entrava por alli dentro, de mão estendida e dizia � “Luiz, o que la vae la vae, venho oferecer-me

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� Eu não sei se Voce sabe o que se passou... Naturalmente sabe... Bem... Isso hoje esta obsoleto, esquecido, é como uma historietta de mocidade. Que diabo eu fui edu-cado com o Cavalleiro. Eramos como irmãos. <a>/A\inda somos... Acredite Voce! Sempre que <eu> vejo o Cavalleiro tenho um appetite doido, mais doido, de ir para elle, e de lhe dizer: Oh Luiz, o que la vae não volta, e <venham> atira para ca esses ossos!” Acredite Você não o faço, por ti<mde>midez. É timidez... <Lá> Não, la por mim estou prompto, é o coração que m’o pede... A difficuldade esta n’elle. Por que emfim nas minhas correspondencias para o Portuense, eu tenho sido feroz com o Cavalleiro!

<Os borrifos> O borrifo passara, um pedaço � de ceu claro, alvejava entre as nuvens. O <o>

Jose Gouveia, parando, e fechando lentamente o guarda-chuva, considerou <r>[�o] Fidalgo, com um sorriso: – Nas Correspondencias? Que lhe tem Voce dito nas Correspondencias? Tem dito que elle é um despota, e dado a entender que é um D. Juan. Ora, meu caro amigo não ha homem nenhum que não goste que lhe chamem, por opposição politica, despota e D. Juan. Você imagina que elle se tem affligido? Tem-se babado.

Floreou o guarda chuva, quasi gritou no silencio da calçadinha: – Tem-se babado!

Deram alguns passos, lentos, e callados. O Fidalgo murmurou, pensativamente: – Bem, talvez... Voce tem talvez razão.

Estavam em frente a casa de Joze <Gou> Gouveia – <e>/E\ elle, então, <com> lentamente, com o dedo estendido: – Gonçalo Mendes Ramires, <Voce>

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[24] Bloco B2

aqui ao Governo, e prometto fallar e votar como um homem.” E Voce, no dia 3 de Outubro, esta o Snr. Deputado do Circulo.

O Pimenta esperara do outro lado da rua, immovel na sombra. E o Admnistra-dor, voltou a ter com elle, battendo ainda no hombro do fidalgo da Torre: � Faça isto, e Voce me agradecerá o Concelho. E havemos de arranjar ahi uma vota-ção d’escachar, e foguetorio, e ceia magna no Gago. Tipoia amanhã, e *consigo no Governo Civil. Adeus.

O fidalgo ficou immovel, como esquecido, accendendo lentamente o charuto. Depois bruscamente, entrou no telegrapho, e escreveu um telegramma para a redac-ção do <Por> Jornal ______________________ � Voce amanhã, mette-se n’uma carruagem, vae a cidade, entra pelo Governo Civil, de braços abertos, e diz, sem prologos: – “Luiz o que la vae, la vae! venho aqui offere-cer-me <offere> ao Governo, e prometto votar e servir como um homem!”. E Voce no dia 3 de Outubro esta deputado pelo Circulo, e repicam os sinos... Quer tomar chá? – Não, obrigado. – Bem, então viva! Tipoia amanhã e <Governo Civil! E havemos d’arranjar ahi uma votação d’estrondo e foguetorio, e illuminação, e ceia magna no Gago... Arrufos são arrufos. E uma cadeira em S. Bento, menino, é ainda por ora o que se tem inventado, ca em Portugal, de mais commodo e de mais rendoso para passar a existencia. Não quero apanhar mais frio, e adeuzi>

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[1] Bloco B3 �93

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� [Casa de Ramires]94 Governo civil... <A>/É\ necessario arranjar um pretexto...

O fidalgo accudio: � Eu tenho um pretexto! Isto é, tenho necessidade real de ir ao Governo Civil, fallar com elle ou com o Secretario,... É uma questão com um cazeiro. Ha todo o motivo... � Perfeitamente, concluio o Joze Gouvea, puchando o cordão da campainha, então eu lhe digo que havemos d’arranjar ahi uma votação temerosa, e foguetório, e vivas, e ceia magna no Gago. Não quero apanhar mais humidade – e buena sera.

Gonçalo Mendes Ramires, <des> em vez de descer a Calçadinha, seguio distra-hidamente, em torno da Egreja de S. Bento, ate a estra<da que vai ao <Cem> Cemite-rio. E <a sua> tão profundamente mergu<lho>lhara, <n> <na> no seu pensamento � que nem sentia um novo borrifo, d’uma nuvem que to<d>/l\dava>

������������������������������������������������������������93 Falta um número indeterminado de folhas. Serão pelo menos duas: uma em que termina a ida de Gonçalo ao telégrafo e onde certamente se esclarecia o destinatário e o conteúdo do telegrama, e outra que iniciava a narrativa do dia seguinte, em que Gonçalo vai ao Governo Civil, e que antecedia imediatamente o fl. 12 do Bloco B3. Considerando que as folhas adventícias se justificam pela necessidade de amplificar o texto e pela ausência de paralelo na 1ª versão, o número de folhas eliminadas era certamente menor do que o das 11 adventícias do início do B3. 94 Sobre este título, em letra autógrafa, v. Introdução.

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[2] Bloco B3 �

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� da, plantada d’acacias, que leva ao Cemiterio. E tão perturbado, e <abs> absorto ia – que nem sentia nas faces, <a chuva miuda, que recomeçara, na neblin> o chuveiro brando e ralo, que <cahira g> cahia d’uma nuvem grossa. Era como uma abertura que de repente se rachava n’um muro: – para alem, <dentro d> estava tudo o que <elle> elle appetecia, <mesmo a fortuna> mas para passar, atraves da fenda estreita e <aspera> fragosa, de certo <se <r> ras> se rasgasse a sua dignidade e [� se rasgasse] o seu orgulho... Que fazer? Se elle abrisse os braços ao animal do Cavalle<ri>/ir\o –estava certa a Eleição. Mas isso logo importava, a reconciliação com o Barrolo, a entrada triumphal do Cavalleiro, e da sua bigodeira, e dos

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[3] Bloco B3 �

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�seus olhos langorosos, na boa casa dos “Cunhaes”. E elle, de facto, vendia o socego, e o [�bom] nome, da irmã � por uma cadeira em S. Bento. Não, não podia ser<!>, dignamente! E Gonçalo Mendes Ramires, suspirava, alto, no silencio da <Est> estrada.

De certo, em tres, quatro annos, não haveria Eleições. E elle alli ficaria, mettido no buraco da Torre, <escuro, inutil>, vindo ao voltarete atras da Assemblea, trotando na Caleche velha do Pinto, aos domingos para a Cidade, � <o>/e\scuro, inutil, <se>/co\m <deixar> o seu talento a definhar por inactivo, a sua carreira, na vida immovel, como uma pedra, a ganhar musgo. Era faltar torpemente, aos <seus>[�melhores] deveres, para consigo, para com os seus. E por que? Por uma <susceptibilidade> exaggeração de pundonor domestico. Dentro em

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[4] Bloco B3 �

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�breve, em dous, tres annos, <os seus Condiscipulos, estar> os Camaradas de Coim-bra estarião nas <Camaras> bons Empregos, nas grandes Companhias, um ou outro, mais audaz, mais voluntario, no Ministerio. E elle, com <um> talentos superiores, alli, de sapatos brancos, a trilhar [�enfastiadamente] a estrada de Villa-Clara. E por quê? Pelo receio pueril, <quasi> de por os grandes bigodeira do Cavalleiro muito perto dos olhos de Gracinha! E por fim o que havia n’este receio era uma injuria, uma infame injuria à <virtude> a seriedade da Irmã. Por que não havia mulher, mais seria, mais rigida. Aquelle corpinho ligeiro, que o vento levava, *continnha <a>[�sua] alma heroica! O Cavalleiro?... Podia S. Ex ª torcer, com todas as graças, a bigodeira, e deixar cahir dos olhos pestanudos, a languidez às ondas – que a Graci-

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[5] Bloco B3 �

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�nha permanesia tão <indifferente e fria> inacessivel, <e inconquistavel, como> e firme, na sua virtude, como se fosse <inxe> insexual, e de <pedra.> frio marmore. <Po> Oh, realmente por causa de Gracinha, podia levar bem [�abrir] o Cavalleiro <aos Cunh> todas as portas dos Cunhaes, mesmo a do quarto d’ella. E por, como objecção à sua fortuna, à fragilidade possível da Irmã � era fazer a mais vil das injurias aquella Santa. Porque era uma Santa. Alem d’isso gostava do <marido � rapaz fresco e forte>[�Bacoco]. E de resto <não era ella casada>, não tinha ella um marido, e forte, e brioso. <E> A esse pertencia, não a elle irmão, que vivia longe, na Torre, [�cumpria] velar pela pureza do seu lar. <Essa> <Uma tal consideração,> Não! essa consideração devia elle affastal-a, � e <já,> logo, e ja, para bem longe, definitivamente. � E <o gest> <na silen->

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[6] Bloco B3 �

______________________ � [�na] escuridão da Estrada, Gonçalo Mendes Ramires, <affi> lançava para <l> <um> o lado, um gesto vivo, <ene> vehemente, que repellia,

Mas restava ainda outra difficuldade � a sua propria humilhação. Ha annos, por toda a parte, conversando, escrevendo, na Assemblea, <na As> na Cidade, na Corres-pondencia do Portuense elle demolia o Cavalleiro. E iria agora, d’hombros vergados, ao Governo Civil, murmurar o seu peccavi, mea maxima culpa? Que escandalo, na Cidade! «<F>/O\ Fidalgo da Torre la <precisou> precisou e la veio». Era o trium-pho definitivo do Cavalleiro. O unico homem, que no Districto, se conservava de pe, firme, attirando-lhe as verdades crueis � desarmava, vinha encorporar-se, no sequito de S. Exª. Era duro. Era ahi que

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[7] Bloco B3 �

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� que appareciam, mais vivas as asperezas d’aquella fenda unica por onde elle podia furar... Mas que diabo, havia tambem o interesse do Pais! E tão admiravel lhe pareceu esta razão que quasi a bradou alto, na mudez da estrada <ou junto ao> ja rente ao muro do Cemiterio, que <al> uma lua entre <en> nuvens, agora branqueava triste-mente. �«<C> Caramba, ha o Pais!»

<Elle tinha ideas> Quantas reformas <a propor, a impor>, a defender, a realizar � por exemplo a da Instrucção Publica. Em Coimbra, no quinto anno, elle ja se occu-pava da Instrução Publica, [�d’]uma grande remodelaçao do Ensino, em que se extin-guia o Latim. E, os camaradas, nos sonhos que então faziam, de Futuro, e de Influen-cias, e de Ministerios a repartir, diziam sempre – «O Gonçalo para a Instrucção Publica!». Pelo

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[8] Bloco B3 �

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� seu talento, pelo seu nome de Ramires, [�todo] elle [�se] devia <ser o> <[�o seu] trabalho> à Nação. <E não podia sacrificar o Bem-Publico, um> E por ella lhe cum-pria fazer o sacrificio da sua orgulho d’homem. De resto que diabo, se elle não tinha outro caminho senão o Cavalleiro! Se elle não tinha outro caminho!

De certo, <era>[�seria] pennoso aquelle momento, <d’entrar> no Governo Civil, ao abrir a porta do gabinete do “Animal” E quem sabe? Havia entre elles todo um passado de <fraternidade,> camaradagem, de fraternidade, que talvez, surgisse, revivesse ao primeiro encontro, insensivelmente <os recuasse, pelo me> os lançasse, n’um abraço, onde tudo se esquecesse, com emoção... Em todo o caso elle tinha de ir ao Governo Civil, por causa do Casco. Oh isso, era inevitável, como

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[9] Bloco B3 �

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� condição do seu socego. O Casco era um violento � e elle não podia viver na Torre, trabalhar, com tranquillidade, <sabendo que, fora> <n> <vir>[�vir] à Assembleia, <para> arejar no campo, sabendo, que em torno o outro, rondava, com <uma> a espingarda. Necessitava absolutamente que a Authoridade, lhe garantisse a aquietação do Casco. Necessitava o Casco ameaçado, aterrado, immobilizado. Era inadiavel, urgente, logo de manhã <ir ao> <al> correr ao Governo Civil. E depois la veria. � «Depois la veremos».

E tranquilisado por esta resolução o Fidalgo parou, <oul> olhou. Estava junto da grade do Cemiterio. Ao fundo, junto d’uma grande crus, uma lampada <fraca brux> lugubre, esmorecia na sombra: � e em roda, era[m] <uma alta> altos cipestres, alvuras de pedras, um <paz lenta establ> pesada, <que pesava> silencio, uma paz densa

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[10] Bloco B3 �

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� pesando sobre os mortos. As nuvens rollavam largas e negras: � e entre ellas a lua <lu> <dava>, uma lua de chuva<,> e de tormenta, <dava> corria <com uma ame-rellidão> toda amarella e triste. � Então bruscamente o Fidalgo teve um terror immenso das lapides, da lua, dos mortos, da solidão, do Casco com a espingarda, e virou, largou a correr, depois em grandes passadas, ate que <reentrou> avistou, as casas da Calçadinha. D’ahi a um estante estava no Chafariz, � deante do estanco, a que o estanqueiro fechava a porta. Toda a Villa <dormia:� adormecia. Um cão <ladrava> <uiv> uivava, na rua da Assembleia<,>/.\ <es> <toda es> E, n’aquella impressão de mudez, e solidão, o Fidalgo, ainda inquieto, foi à taberna do Bras, buscar o creado que la deixara com a carabina � para voltar, ao fim da Villa, à cocheira

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[11] Bloco B3 �

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� do Pinto, batter, encommendar, atraves d’um postigo que se abria, uma caleche para o outro dia, às <dez> nove horas. Uma mulher de dentro resmungou: � Eu não sei se <elle> poderá[.] <ir>[�Elle] às <des>[�nove], que tem um serviço.. Não faria conta às des? � Às nove! bradou o Fidalgo impaciente.

Queria ir cedo para evitar a curiosidade d’aqueles cavalheiros da Cidade, � que depois d’almoço, se reunião na praça, <por deante das lojas, por baixo dos toldos> a porta das lojas, debaixo da Arcada.

Mas as <dez> nove meia, ainda Gonçalo Mendes Ramires, que levara até alta

noite, pelo quarto, fumando, e construido “futuros”, � se barbeava, <à pressa>, em camisa. Depois

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[12] Bloco B3

Na cidade não parou nos Cunhaes, foi, <n> directamente ao velho Convento, onde

estavam as repartições do Governo Civil. � e saltava da caleche, à porta onde os soldados da guarda preguiçavam n’um banco, quando de dentro, do pateo lageado, sahia o <Hec-tor>[� Achilles], com um rôlo de jornaes debaixo do braço. E foi <um> para elle um espanto. � Tu por aqui, Gonçalo! Caramba, deve ser causa gorda! � O Cavalleiro esta ca? perguntava o fidalgo da Torre, mentindo um pouco <que> para que vinha

______________________ �ainda <que> deu com a caleche, uma [�demorada] volta na estrada [�de Corinde] para ir deixar bilhetes de pesames à Luzena, a quinta do Sanches Lucena. E battia meio dia quando enfim se appeou ao portão do � velho Convento, onde estavam as reparti-ções do Governo Civil.

Aquella hora, ja <debaixo> sob a sombra e a frescura da Arcada havia cavalhei-ros perguiçando. <E> �E ao <at> entrar <no>[�o velho] pateo lageado, Gonçalves Mendes Ramires, com <o> um dos amigos dos “Cunhaes” o primo do Barrolo o Joze de Mendonça, que descia a escadaria, fardado: <O alegre Capitão> Foi para o alegre capitão um assombro: � � Tu por aqui, Gonçalo! Caramba, deve ser causa gorda! O fidalgo da Torre, confessou logo a verdade, corajosamente. Vinha

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[13] Bloco B3

commovido.

<�> O outro <arregou> arregalava os olhos, medonhamente: � O Cavalleiro? É ao Cavalleiro que tu queres fallar? Então desabou Troia.

<O> Gonçalo Ramires, vermelho, mais vermelho, que a gravata vermelha que trazia, com um fato de cheviote claro, encolheu os hombros, impaciente. � Que tolice. Então elle não podia vir, <off> por uma motivo d’ordem publica, vir fallar com a auctoridade Publica? Não tinha nada com o <Lu> Luiz Cavalleiro. Queria ver o Snr Governador Civil. Estava ou não. De resto elle podia <dizer> bem dizer ao amigo Hector o caso que o trazia… E con-tou que um <homem um> visinho d’elle, um homem dos Bravaes, um valentão, um †, des-contente por elle não lhe

______________________ � fallar ao Cavalleiro. � Está elle cá, esse illustre senhor?

� O outro arregalava os olhos. � O Cavalleiro? É ao Cavalleiro que tu queres fallar? Então desabou Troia.

Gonçalo Ramires, muito vermelho, gracejou. Ora essa! Então, um cidadão, ja não podia vir, por uma motivo d’Ordem Publica, procurar com a auctoridade Publica? Não! Não pretendia nada de S. Ex.ª, o Snr. Luiz Cavalleiro. Queria simplesmente conversar com o Snr. Governador Civil. De resto elle podia bem dizer ao amigo Mendonça o caso que o trazia alli à presença augusta de S. Ex.ª. Era por causa d’um visinho, um homem dos Bravaes, um valentão, que furioso de não

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[14] Bloco B3

querer arrendar a quinta, o ameaçara, andava alli pelos campos, à espera d’elle, com uma espingarda... Elle não queria fazer boa justiça, por suas mãos como os Ramires d’outrora � e vinha pedir protecção à autoridade, uma ordem para que o Administrador, segurasse o homem dos Bravaes, dentro de quatro <qua> grades. � É só isto. Será questão d’ordem publica. Está <em> la em cima, o homem, hein? Bem então ate logo. Eu naturalmente não volto para a Torre, hoje, apparece à noute nos Cunhaes. Vae la jantar.

O <Heitor>[�Achiles] não acreditou na historia do Homem dos Bravaes. “Baco-rejo eleição Como elle “Alli andava cousa d’eleição” � e farejou “manobra eleitoral. Alli evidentemente havia outra ______________________ ter obtido o arrendamento da Torre o ameaçara, andava agora pela Estrada de Ramilde, de noite, à espera, com uma espingarda... Elle não queria fazer alta e boa justiça, pelas mãos, dos seus creados, como os Ramires d’outrora �e vinha reclamar protecção à autoridade, uma ordem para que o Administrador de Villa-Clara, mantivesse dentro da Legalidade o faça-nhudo dos Bravaes. �É só isto. Uma mera questão de paz publica. � Senão eu desanco o façanhudo!.. Bem então elle está em cima? Ate logo pois, Zezinho. Eu naturalmente janto nos Cunhaes.

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[15] Bloco B3 �95

______________________ � Mas o Capitão, <não largava, acendendo devagar um cigarro<,>: § � E,>96 retar-dava plantado deante de Gonçalo, accendendo, vagarosamente o cigarro: � E então <sabes> que me dizes, à Novidade?.. O pobre Sanches Lucena?

O Fidalgo teve uma surpresa, muito estranha<ç>/d\a, muito sincera: � O Sanches? que lhe sucedeu.

<Morrer> Morrera! Realmente o Gonçalinho não sabia?... Na vespera, com um aneurisma, a ler o Noticias. Ainda dias antes elle Mendonça, la jantara, na *Lucêna, e ate tocara, a duas mãos, com a Maria Emilia, o quarteto do Rigoletto!.

<O>[�O] Fidalgo, parecia, <imp> sentido: � Coitado... Então temos ahi <uma viuvinha> Maria Emilia vaga. � E o circulo!.

O Fidalgo da Torre, encolheu os hombros. � O circulo... A mim o que me convinha era a viuva. <Ven> É Venus, com oitenta contos.. <Bem, adeus, Jozé. Appa>

������������������������������������������������������������95 Falta um número indeterminado de folhas da 1ª versão: pelo menos as que continham a narrativa da reconcilia-ção com o Cavaleiro, onde se fazia a combinação do envio do telegrama de Lisboa, telegrama que é lido por Gonçalo na 1ª versão, fl. 36. Admitimos que os pormenores da entrevista entre Gonçalo e Luís e as páginas de monólogo interior de Gonçalo, desde o momento em que se separa do Cavaleiro até à chegada do telegrama, não tivessem, à imagem de outras amplificações que aumentam a densidade psicológica do Gonçalo da 2ª versão, correspondência na 1ª. 96 Topograficamente, retardava inscreve-se no espaço deixado em branco pela abertura de parágrafo antes da fala da personagem, agora cancelada.

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[16] Bloco B3 �

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� E sacudiu [�rindo] a mão ao Mendonça, galgou a escadaria de pedra.

Mas o capitão, <seguindo>[�foi] pela ruazinha de S. Domingos, <começava a> desconfiar[do] d’aquella historia do valentão e da espingarda. «Aqui <ha eleição»>, pensava elle, ha <elle> Eleição». E quando <d’ahi a pouco>, perto da uma hora, ao atravessar <de novo> o largo, voltando da ruazinha de S. Domingos, avistou ainda, a porta do Governo Civil, a caleche do Pedro, � não se conteve, <foi> entrou na Arcada, a desabafar com “os rapazes” que costumam preguiçar, alli, pelo calor, à porta da Tabacaria Lopes. Todos eram amigos � e elle<,> contou logo, <excitado,> em redor, excitado, que desde o meio dia, Gonçalo Mendes Ramires “em carne e osso”, estava fechado<,> com Luiz Cavalleiro, em conferencia magna, no Governo Civil. O espanto

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[17] Bloco B3 �

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� foi tão <grande> vivo, que todos <correram, à beira do> se ergueram, sahiram <a beira> <aos> os arcos, a olhar a grande <varanda>[�janella] do Convento, sobre o portão, que era a do gabinete de S. Exª.

Justamente n’esse momento, [�appareceu] o Joze Barrolo, <sahi> a cavallo, de calça branca<,> e chapeo de palha, <appareceu, à entrada> descendo da rua das Vendas. E foi logo um Pst! P<a>/s\t! violento e, “Oh Barrolo anda ca!” O Barrolo abeirou <a egua> da Arcada � e soube logo, a immensa nova, que os amigos lhe atira-vam, tumultuosamente, apinhados<,> em volta da <E> egua. O Gonçalo, toda a manhã, com o Cavalleiro! Fechados em cima no Gabinete. A caleche do Pedro em baixo à espera! Iam repicar os sinos da Sé!» <O> Immediatamente o Barrolo des-montou, assombrado. E em quanto um <rap> pequeno, lhe passeava a egua � ficou entre os amigos

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[18] Bloco B3 �

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� com os olhos arregalados tambem para a varanda do Governo Civil. � A mim não me disse elle nada! affirmava o Bacoco [�commovido]. Tambem ja ha dias não vem a Cidade... Mas não me <diss> disse nada!

Os outros achavam “estupendo!”. E subitamente havia uma emoção. A <ja> larga janella envidraçada, <foi ab> <foi bru> abriu-se, de vagar, e o Cavalleiro <e o Fidalgo da Torre, surgiram, deram um passo sobre a varanda, ambos,> surgio, riso-nho, deu um passo sobre a varanda, <cheia de sol,> com o <f>/F\idalgo da Torre, logo atras, ambos, <fuman> fumando os charutos. Os olhos do Cavalleiro, tinham cahido logo, sobre “os <ra> rapazes” agrupados, fora do Arco. E immediatamente desappareceu, o Fidalgo tambem, a <f> varanda ficou deserta, faiscando ao sol. Entre os amigos foi um clamor! � “Recon<cli>ciliação! Acabou a guerra das Rosas!

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[19] Bloco B3 �

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� E o Portuense? Temos o Gonçalo administrador de Villa Clara... Upa, upa Exmo!” Mas de novo emmudeceram. O Cavalleiro e o Fidalgo da Torre reappareciam, n’uma conversa viva, que os deteve um momento, na plena luz da varanda; <face a face, misturando as fumaças dos charutos.> � e mesmo o Cavalleiro, rindo, animado, batteu no hombro<,> do Fidalgo da Torre, como <pateando> exhibindo, <o> a sua reconciliação deante da Praça maravilhada. �E outra vez se sumiram, n’aquelle pas-sear, <vago> lento e vago, que os trazia do escuro do gabinete, para <o sol>[�a clari-dade] da janella com os hombros juntos, <n’uma intimidade evidente reatada, e ja forte. Em baixo>[�misturando a fumaça dos charutos. Em baixo] o <gr> bando crescera. Passara o João Guedes, o Barão das Marges, <�> o Recebedor, – e [�todos] tinham <sido chamados,>[�corrido, chamados] de longe, <†> atraves da praça, <com <vivos>[�grandes] gestos<,> que os apressavam> que escaldava ao sol. Eram quasi duas horas. Alguns dos amigos, cançados, tinham voltado, para os bancos de palhina da Tabacaria: � e João <Corre> Guedes, esse <largara> aba-

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[20] Bloco B3 �

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� lara para casa, que era defronte do Governo, na esquina da praça, e agora da janella, disfarçado por tras da mulher e da cunhada, ambas de chambres brancos, com pape-lotes, <espre> sondava o Gabinete de S. Ex.ª, com um binoculo. Por fim as duas horas batteram em S. Domingos. O Barão das Marges fallava em se telegraphar para o Portuense, annunciando a <t> <nova tremenda> tremenda nova � que elle <conside-rat> considerava “eleitoral”. N’esse momento o Luiz Cavalleiro reappareceu à varanda, mas só, com as mãos enterradas no seu jaquetão de flanella azul: � e quasi immedia-tamente, a Caleche do P<†>edro despegou da Porta do Governo Civil, atravessou a praça, com os estores verdes <corre> <meio> <co> <corridos> meio corridos por dentro das vidraças, deixando entrever apenas, aquelles cavalheiros que tinham avan-çado em massa, para fora da Arcada, as

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[21] Bloco B3 �

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� calças claras do Fidalgo.

“Vae para os Cunhaes!” foi a <id> a conclusão. E todos apressaram o Barrolo, a que montasse, abalasse para casa, para <ter> <ver o> <encontrar o Cunhado, <saber a expli> aclarar> ouvir do Cunhado, <a historia> <os>[� motivos, os] detalhes d’a-quella <reconciali> reconciliação historica. O Barão das Marges ate lhe segurou o estribo. E o Bacoco excitado, trotou para os “Cunhaes.”

<M> Mas Gonçalo Mendes Ramires seguira para a Torre, sem parar nos

“Cunhaes”. <Assim lh’o aconselhara o Luiz Cavalleiro. A reconciliação fora facil, quasi <insensivel �> insensivel � e não se fundem mais facilmente dous fios d’agoa que um para correm e se encontram.>

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[22] Bloco B3 �

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� E ia radiante <� n’uma alegria, que o fazia mudar d’assento na caleche, como um passaro que> Passara enfim para alem do muro, para onde estava tudo o que appete-cia � e nem a sua dignidade, nem o seu orgulho se tinham ferido nas asperesas da fenda. Abençoado Gouveia! De certo, fora <custoso> custoso aquelle momento, em que se sentara, junto da vasta mesa official do Cavalleiro. Mas fora muito secco, muito digno... “Sou forçado [� a dirigir-me] ao Governador Civil, a Authorida, por um motivo d’Ordem Publica...”. E logo a primeira avença viera do outro, que torcia a bigodeira, muito vermelho. � “Sinto profundamente que não seja ao homem, ao velho Amigo que Gonçalo Mendes Ramires se dirija...”. Elle ainda se conservara retrahido, difficil: � “As culpas não são de de certo minhas...”

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[23] Bloco B3 �

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� E o Cavalleiro então, commovido e sincero, accudira � “que depois de tantos annos, era mais misercodiozo não <fallar> alludir a culpas, lembrar logo a antiga ami-sade, que n’elle atraves de tudo ficara intacta, etc.” De modo que, insensivelmente d’ahi a momentos, ja se tratavam por tu. O <C> Cavalleiro mostrára uma grande indignação com a audacia do Casco, telegraphara logo instrucções ao Gouveia. E depois viera o <q> grande caso, a morte do <Gouveia. Ja então> Lucena. Ja então se ia establecendo entre elles a velha familiaridade. � Era “tu Gonçalo” e <tu> “tu Luiz”. � Ambos tinham louvado a bellesa da viuvinha, o seu peito de Venus, os seus oitenta contos. O Luiz contara que, uma manhã, indo a Luzena, <a> e entrando pela porta <do> pequena do jardim, a surprehendera, detras d’um caramanchão de rosas, a apertar a <liga> liga � <e, me-

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[24] Bloco B3 �

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� nino, uma maravilha> Ambos, declaravam rindo �<<e>/É\ o que> Essa <viuva> é o que me convinha a mim.

Fora o Luis o primeiro que alludira à Eleição, ao circulo vago. E elle então, <nat> naturalmente, � mas com indiferença, d’alto, de charuto nos dentes, murmu-rara: � Voces agora devem estar embaraçados, assim de repente.

Mais nada � estas meias palavras, murmuradas atraves do charuto! E o Caval-leiro, immediatamente, <com uma espontaneadade,> lhe fizera a offerta. Sorrira, <ol> pozera um momento os olhos n’elle, como para o sondar, e <muito> com muita intenção, com muita decisão: � Se tu quizeres, não estamos nada embaraçados.

Se tu quizeres... Fora um pedido, e lançado com timidez, com <respeito>[� inte-resse]. Que podia elle fazer, peran-

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[25] Bloco B3 �

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� uma offerta tão franca, tão leal? Encolhera os hombros, resignado, dissera: � Estou às vossas ordens!

E ficara transposta a fenda, a aspera fenda, sem um rasgão no seu orgulho! Depois tinham conversado largamente � passeando da estante, carregada de papeis, ao fundo, para <a> <†> a varanda, que o Luiz abrira, por causa de [�cheiro] petroleo d’um candeeiro entornado n’essa manhã. E o “plano” ficara todo <com> tramado. O Luiz<,> ja tencionava partir n’essa noite, pelo comboio das <oi> nove, para Lisboa � por motivos particulares, e tambem para conversar com o <M> Ministro, depois d’aquella brusca morte do Lucena. E em Lisboa, <logo>[�agora], indicaria [�o amigo] <o>/G\onçalo Ramires, como o <homem> unico homem possivel para substituir o <Lu> velho Lucena, <pe> pelo

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[26] Bloco B3 �

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� <nome>, <ja pelo> nome, pelo talento, pela influencia territorial, pela sua popula-ridade em Villa-Clara. E era uma Eleição consummada. De resto, que diabo, aquelle Circulo de Villa-Clara, era d’elle Cavalleiro, <so d’elle,> tão d’elle como a sua casa em Corinde. Podia la por o <varredor> servente da Repartição, que era gago e bebado. Faria um serviço ao Governo e ao Paiz, pondo lá um <ho> cavalheiro, de nasci-mento, de intelligencia, e de propriedade. Depois acrescentara: � Não tens <em> a pensar mais na Eleição. Vaes para a Torre; <esperas la, muito> não dizes nada, a ninguem, <ao> a não ser ao Gouveia; espera la muito quieto, <o meu> telegramma meu de Lisboa: e, recebido<,> elle, estás nomeado, <conta> con-tas aos teus, e, no Domingo vens jantar comigo, às seis!

Então, <pela primeira vez,> ambos

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[27] Bloco B3 �

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�tinham trocado um abraço faternalmente. O Luiz, nem remotamente alludira às Correspondencias do Portuense. Não murmurara sequer o nome do Barrolo � <nem> nem o de Gracinha. Só lhe perguntára o que “elle fazia na Torre”. E quando soube do grande <l>/o\bra, a Novella para a Revista, suspirara, com saudades d’aquelles tempos de enthusiasmo e litteratura, em Coimbra, em que ele concebera, composera mesmo os primeiro canto, d’um poema historico, <genero D. Jayme,> � o Fronteiro de Ceuta. Agora que! amarrado alli à Repartição.... Em todo o caso de vez em quando ainda <fazia o>[�martellava] o seu verso!

Depois outro abraço � e elle alli <v> <recolhia à Torre, [�na caleche do Pedro]>[� vinha] deputado por Villa Clara. Todos esses campos, esses povoados, que elle avistava da portinhola<,> <sob o sol d’Agosto,> da caleche,

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[28] Bloco B3 �

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� era elle que os representava em Côrtes. E dignamente os representaria � come-çando logo talvez, na Reposta ao Discurso da Corôa, por fazer, <nas> (o que nunca se tinha feito nas Camaras, e seria <chc> chic) um quadro do Movimento do Espirito humano no seculo XIX. Eram quatro horas, quando se appeou no pateo da Torre.

A D. Rosa tinha um telegramma para elle, que chegara ao meio dia. Gonçalves Mendes Ramires pensou n’um relance � “É do Governo”. Era do Pinheiro, e pergun-tava se a Novella, poderia estar prompta para o numero d’Outubro da Revista. O Fidalgo encolheu os hombros. <N> A <n> Novella! Podia elle pensar na Novella, agora, todo na impaciencia, e no interesse da sua Eleição... Tão nervoso estava que nem conseguio jantar. Sorvido

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[29] Bloco B3 �

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� o caffe à pressa, abalou para Villa desabafar com o Gouveia. O <a> Administra-dor<,> estava em casa, outra vez mais encommodado, com papas na garganta. E toda a noite, n<o>/a\ <estreito quarto d’elle, onde cheirava a linhaça,> pequena sala, for-rada de papel verde, discutio a Eleição, <celebrou os talentos do <Cava> Luiz, e> gabou os talentos do Luiz, <cl> celebrou o Ministerio Progressista “como o unico capas de reformar esta choldra”, annunciou Projectos de Lei que meditava, esboçou discursos � em quanto o Gouveia, <silencioso por causa da garganta, que a cada ins-tante apalpava, com inquietação,> estirado no canapé, so rompia o silencio, a que o condemnava a garganta, para murmurar, olhando o relogio, e apalpando o calor das papas � : � E a quem deve Voce tudo isso? Ca ao Méco.

O Fidalgo recolheu tarde à Torre <o> sempre acompanhado do creado, com

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[30] Bloco B3 �

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� a carabina por causa do Casco.

A outro dia quarta feira, ao acordar [�tarde], o seu primeiro pensamento foi para o Luiz Cavalleiro, que a essa hora estava de certo em Lisboa, a almoçar, no Hotel Central. (o Luiz ia sempre, desde rapaz, para o Central...) E todo o dia, fumando cigar-ros pela casa, o seguio, nos seus passos, pela Baixa, pela Arcada, pelo Ministerio do Reino... Naturalmente jantaria com o João Vasco, o Ministro do Reino.. N’essa noite, tudo ficava decidido... � Amanhã, ahi pelo meio dia tenho ca o telegramma.

Mas <nada> nenhuma noticia chegou: � e <elle> o Fidalgo passou toda a quinta feira, um dia

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[31] Bloco B3 �

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� desconsolador e cinzento de chuva, à <janell> abrir a janella, a vigiar a estrada, por onde devia apparecer o môço do telegrapho que elle conhecia e que usava um chapeo de palha. À noitinha, ja inquieto, mandou um moço a Villa Clara, <ao telegrapho,> a ver se o telegramma não estaria por lá retardado, esquecido, na mesa d’aquella “besta do Nunes do telegrapho”!

Não estava! Então o fidalgo ficou logo certo que tinham surgido difficuldades! E toda, a noite sem quietação, do escriptorio para o quarto, fez ranger os soalhos, indig-nado ja contra o Cavalleiro que de certo cedera <a> logo mollemen-

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[32] Bloco B3 �

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� a outras exigencias do ministro, acceitára, com servilismo de burocrata, a candida-tura d’algum imbecil da Arcada.

Pela manhã, injuriou o creado por lhe <ver> ter vindo ao quarto tão tarde, com os jornaes e com o chá. � E não ha um telegramma, nem carta?

Não havia. � Bem, <est> fôra trahido! Pois nunca, nunca aquelle infame <c> Cavalleiro transporia a porta dos Cunháes! De resto que lhe importava? <Tinha outros> Louvado Deus, tinha outros meios, e bem superiores a uma encebada cadeira em S. Bento, de mostrar o seu <f> valor! E era mesmo absurdo ir por as suas facul-dades, a sua veia, “a sua palavra” ao serviço d’um João

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[33] Bloco B3 �

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� Vasco! E decidio logo occupar todo seu dia, n’um bom trabalho, na Novella.

Depois d’almoço ainda abancou, dispoz nervosamente as tiras de papel... E de repente agarrou o chapeo, abalou para a Villa para o telegrapho! O Nunes não tinha nada para S. Ex.ª Correu a admnistração do Concelho � o Snr Gouvea fora para a Cidade... Decerto havia outra combinação estava burlado. <Recolheu a> E recolheu à Torre, decidido a tomar um tremendo desforço do Luiz Cavalleiro por tanta injuria accumulada, sobre elle sobre a sua familia. E todo o outro dia foi occupado em medi-tar esta vingança que elle <b> queria publica e

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[34] Bloco B3 �

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� sangrenta. <E ja> � era, rasgar-lhe a bigodeira, com chicotadas, em plena escadaria de S. Domingos, uma manhã, depois da missa. Ao <escuc> escurecer, depois do jan-tar em que mal tocara, n’aquella <am> despeito e humilhação que o ralavam, enver-gou o casaco para ir a Villa Clara. N<em>/ão\ <pensava em entrar>[� entraria] no <teleg>grapho, � ja com vergonha do Nunes. Mas iria à Assembleia <jol> jogar o bilhar ou o voltarete, gracejar, tomar chá, para que todos podessem recordar a sua soberba indifferença, � se por accaso <viesse a ser publica> viessem a conhecer a sua ingenua <hu> humilhação.

<A noute estava escura, ameaçando outra vez chuva. E o fi> Desceu ao pateo, <a que> onde as arvores augmentavam a sombra

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[35] Bloco B3 �

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� d’um crepusculo, <de> escuro, <an> e quente, annunciando chuva. E abria o portão, quando esbarrou com um homem açodado que gritou: � “<é>/É\ um tele-gramma!”

Que surpresa! Arrancou-lhe das mãos: correu à cozinha, injuriou furiosamente a D. Rosa por ainda não haver luz: � e foi com um phosphoro a arder nos dedos, que elle devorou, n’um relance, as primeiras linhas: “Ministro acceita, tudo arranjado...”. O resto era o Cavalleiro annnunciando que Domingo de manhã estaria em Corinde onde o esperava, para almoçarem, e conversarem.”

Gonçalo Mendes Ramires, deu cinco tostões ao moço do telegrapho. E galgou de novo as

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[36] Bloco B3

o esperava.

Gonçalo Ramires galgou de novo as escadas. E em cima, na livraria, à luz mais segura do candieiro, releu o <teel> telegrama. O Ministro concordava, estava tudo arranjado. E na sua immensa gratidão, pelo Cavalleiro, imaginava ja um grande jantar <do> offerecido a elle, nos Cunhaes, pelo Barrolo, cimentando para sempre aquella reconciliação. E havia de recomendar a Gracinha, que n’essa noite, pusesse todas as suas joias, o seu famoso collar de quatro contos, que fora o presente de noivado do Bacoco!

Na sua <felicida> alegria, pensou em partir para a Cidade, contar a Gracinha o seu triumpho, desabafar. Mas, talves fosse preferivel, conservar-se callado97

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as escadas. Em cima, na livraria, à luz mais segura do candieiro, releu o telegrama. O Ministro concordava, estava tudo arranjado! E na sua transbordante gratidão, pelo Cavalleiro, imaginava ja um grande jantar offerecido, nos Cunhaes, pelo Barrolo, cimentando para sempre aquella reconciliação historica. E havia de recomendar a Gracinha, que se decotasse, e posesse o seu collar de brilhantes... Oh aquelle Luiz! grande rapaz!

������������������������������������������������������������97 O texto da 1ª versão não terminava nesta página. A escrita das últimas palavras, lançadas até ao fim da linha, com inclinação e cursus que sugere a velocidade da escrita em continuum e não a pausa de um final, é isso que indica. Junta-se, embora não decisivamente, a ausência de pontuação final. Faltam, sobretudo, as razões para a conveniência de Gonçalo se calar, nem que fossem apenas apresentadas como evocação dos anterio-res conselhos do Cavaleiro. Foi, portanto, eliminada, pelo menos uma folha.

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Bloco C

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[36] Bloco C �98

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� [Casa Ramires]99

<D>No domingo cedo estava em Corinde, no «solar» dos Cavalleiros – que era um velho casarão, pintado d’amarello, no meio de campos arrendados, onde as sementei-ras tinham <dev> <comido os> invadido, os antigos jardins, tão cheirosos d’alfazema e <rosa>[�rosa] no tempo de D. Theresa. Mas havia ainda algumas bellas arcas entalhadas, umas alabardas ferrugentas nas paredes, – e <aqui e alem um reposteiro de <Damas> damasco vermelho.> o quarto do Luiz tinha reposteiros de damasco vermelho.

Acabava [�elle] de sahir do banho quando o Fidalgo da Torre <se apeou ao portão> que viera n<o>/a\ <seu cavalicoque, o Tormenta,> sua velha egoa, a Tor-menta, se apeou ao portão. Na antecamara ja estava esperando, um amanuense do Governo Civil com uma pasta vermelha nos

������������������������������������������������������������98 Todas as folhas do Bloco C são adventícias. Não pode afirmar-se com segurança que existiram folhas da 1ª versão posteriores à 36 do Bloco B3. Cremos, porém, que algumas poderão ter existido, uma vez que, na refe-rida folha, Gonçalo planeia o jantar de regresso do Cavaleiro ao convívio de Gracinha. A indicação de lacuna nas folhas do Bloco C parte, portanto, desta forte probabilidade. 99 Sobre a inscrição deste título e a posterior intervenção alógrafa, atribuível ao tipógrafo ou ao editor d’A Arte, que prepararam o manuscrito para servir como original de imprensa para publicação do excerto nesta revista, v. a Introdução.

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[37] Bloco C �

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� joelhos. E o Governador, [�Civil] <appareceu a uma porta, em mangas de camisa, gritando [�alegremente] a Gonçalo Mendes Ramires, que entrasse, que elles não>, do fundo do Corredor, gritou alegremente a Gonçalo Mendes Ramires: – Entra para ca, que estou em ceroulas.

Em ceroulas <o abraçou> lhe deu o grande abraço de parabens. E <acrescentou logo, mais reser>[�foi procurando o fato, na mala aberta, <em>] que lhe contou «que não se arranjara o negocio sem dificuldades!» O João Vasco d’esde que o circulo

vagara, pensara logo «em metter por lá» o Bento Homem, redactor do Paiz. De sorte que fora necessario que elle se encrespasse com o João Franco, <e que> lhe decla-rasse muito seccamente: � «Ou trago o Gonçalo por Villa-Clara, ou me demito». Em todo o caso era necessario conservar os olhos bem abertos, e bem espertos.

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[38] Bloco C �

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�<T> – Tu sabes. O João Vasco é bom rapaz, muito meu amigo, e leal… Mas ha os compromissos, [são] as pressões. Aquela canalha de Lisboa!

O Fidalgo da Torre, torcia a <pelle> pêra, desconsolado. <De> Então a cousa não estava segura?...

O outro <encolheu os hombros>[�escovando o casaco, devagar:] – Está! <Esta claro>[�Pode-se dizer] que está! Mas <eu> é necessario que eu não adormeça<…>/,\ menino! É necessario que eu não adormeça!

Enfiara o casaco<.>/,\ corr<ia>/eu\ a escova molhada em brilhantina, sobre a bigodeira explendida; E depois de se remirar um momento ao espelho <:>/–\ vol-tando para o Fidalgo: – Tudo esta na minha mão, não é verdade? Nos estamos plenamente alliados, não é verdade? Então socega, e dorme.

<E depois>[�A creada, uma bella <raparg> rapariga, de grandes formas, loura e pesada, veio annunciar o almoço. E na sala, coberta pela paredes, com retratos, de avós, feissimos – o Cavalleiro] durante o almoço deu as novidades de Lisboa. Um calor pavoroso. Estivera em Cintra, um dia; Muita poeira, femeaço mediocre, e todos aquelles logares

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[39] Bloco C �

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� edyllicos horrivelmente encaixeirados. Encontrára la [�à porta da botica] o Pinheiro, <na Praça> que erguera <ao> os braços ao ceu <exclamando>, desolado: � «Então aquelle Ramires não me manda o romance?» <Nem responde as minhas car-tas!> – Dis que o primeiro numero da Revista sae a quinze d’Outubro, e elle precisa o original, pelo menos, a um <de> ou dois. Pedio-me muito que te sacudisse. E tu devias acabar isso… Ate fica bem, logo depois da eleição, apparecer um trabalho serio, historico. – Esta quasi prompto, disse o Fidalgo da Torre que <remexia o caffé>[�se servia outra vez d’arroz]: Falta o <Capitu> Capitulo IV, que é o ultimo. Uma questão de dias, <com> <[�hav]><veia> estando com veia. Mas ter veia, precisava saber que a eleição esta segura, perfeitamente segura.

O Cavalleiro enchia de vagar o copo, teve um silencio. Por fim: – O João Vasco estava teimoso.

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[40] Bloco C �

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� E, acredita, tive de me encrespar com elle! Naturalmente o Bento vae ficar furioso comigo: o que me é indifferente! <N> Algumas picuinhas no Paiz, em estylo lorpa, não me tiram o appetite... Mas estava teimoso, o Vasco. Ainda no ultimo dia, na Secretaria, me disse, ate lhe achei <ag> graça: � «Eu vejo que <la> os candidatos por Villa Clara morrem; ora se <esse> por esse bom custume, o teu Ramires morrer, então, é o Bento, e não outro»… <†>

O Fidalgo da Torre, recuara a cadeira! � Se eu morrer!... Que animal! � Oh se morreres para o Circulo! acudio o Cavalleiro rindo. Por exemplo se nos zan-gassemos, se rompessemos… Se amanhã tivessemos uma birra… N’esse caso era o Bento.

Houve um silencio em quanto a creada servia o caffé. Depois accendendo o charuto, o Luiz Cavalleiro traçou ao Fidalgo a «sua conducta eleitoral». Ella devia consistir sobre tudo

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[41] Bloco C �

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� em estar quieto. Perfeitamente inutil que se <installasse> apparecesse na <c>/C\idade. Todas essas semanas antes das eleições, o seu <logar> logar era na «Torre», entre o seu bom povo de Ramilde, com quem convinha que fosse affavel, … <*com>. Shake-hands aos lavradores, rebuçados as creanças, paragens risonhas às portas dos casaes com cavaqueiras cheias d’interesse sobre as sementeiras e o gado: � e <qua> na Torre sempre uns quartilhos de vinho, para os Comprades. De resto <por> ir muito por <vill> Villa-Clara, <ao voltarete da>[�à] Assemblea, a Missa, e à loja do Pimenta… <De resto ele conhecia os influentes do Circulo> E, na Torre, <para entreter> trabalhar na Novella, com *amor. � Fica-te bem, fica-te muito bem, publicar um trabalho de litteratura historica… <É necessario esta claro visitar os influentes.> E na Cidade não tens que fazer. Na

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[42] Bloco C �

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� cidade estou eu, <al> bem acordado. O teu logar é na Torre, em Ramilde, em Villa Clara.

O Fidalgo, <então, que elle tencionava> todavia tencionava <n’> ir n’essa tarde à <c>/C\idade… � Ah sim, esta claro! accudio o Cavalleiro. É necessario <ir dar a grande nova a tu> fallar com o Barrolo, por causa dos votos que elle <en> tem em Gramilde. Eu mesmo me preciso <fallar> <m> <entre> <ender> entender com o Barrolo… Vaes comigo logo, eu tenho ahi uma caleche. E tens que annunciar a grande nova a tua irmã… Como está ella a Snrª D. Graça?

Era a primeira vez que elle pronunciava o nome de Gracinha. Atirara o guarda-napo, estava de pé, com o charuto entre os dentes, enchendo quasi a salla estreita e baixa com os seus <grandes> largo peito, <a> florido por uma rosa, a

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[43] Bloco C �

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� sua face alta, onde resplandecia a bigodeira. O Fidalgo da Torre, de pé tambem murmurara:

� Deve estar bem… Há <quasi> quasi duas <semana> semanas que a não vejo. O Cavalleiro accrescentou, dando <um> passos vagos pela sala:

� Há muito tambem que a não vejo… A ultima vez foi nas <aca> Acacias, e pareceu-�me magra.

E ambos ficaram callados, rente da janella aberta, que dava para um talhão de feijoal. O Fidalgo da Torre notou aquella invasão das culturas uteis, <que tinham com> sobre o antigo jardim. E lamentava que as favas tivessem expulso as rosas. � É o contrário da quinta de D. João de Castro, em Cintra, disse o Cavalleiro rindo. Aqui tudo rende. Que diabo, eu pouco aqui venho, e sempre ha por ahi, alguma roseira perdida, para florir o casaco. E depois

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[44] Bloco C �

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� são mais cincoenta mil reis na renda, do caseiro. E conversando de caseiros e de terras, voltaram ao escriptorio do Cavalleiro, um quarto pequeno <[�ao pe do da cama]> onde havia alguns livros, e folhetos <espa-lhados por uma grande estante.> <che> poeirentos, soltos, pelas prateleiras quasi vazias, d’uma <gran> vasta estante de pau preto. Gonçalo Mendes Ramires deu um olhar lento e vago aos livros. O Cavalleiro, estendido n’uma velha <poltorna> pol-trona de couro, ao pe da <mes> mesa, abria, por entre o bocejo, jornaes ja lidos, que elle trouxera de Lisboa. <E, finda a conversa>[�Depois da conversa] sobre a eleição, <havia entre> os dois velhos <amigos,> amigos, <estavam,> <estavam sem> <tinh> tinham ficado sem outro assumpto comum que os interessasse, <Foi> O Fidalgo por fim olhou o relógio. Eram duas horas. E então, como dia estava um pouco nublado e fresco, o Cavalleiro, <a quem> propos

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[45] Bloco C �

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� que partissem para a Cidade. � Queres tu ir a cavallo?

Elle tinha <a egoa;> na quinta uma egoa: o Fidalgo viera na Tormenta: mandavam abalar a caleche – e era um passeio <pel> agradavel pelos <f>/F\reixos…

E como Gonçalo acceitou <logo, ancioso por findar> � o Luiz <por> foi por outras calças, de montar. <D’ahi a pouco <estavam na estrada,> iam pela estrada, a passo,> E foi a cavallo, que elles entraram juntos na cidade, pelas «Acacias», um largo immenso em terrasso, sobre a velha cerca do Convento dos Cruzios. <De tarde> Nos domingos de Verão de tarde, <tocahi> <ahi, n’um coreto, (mandado erguer por influencia do Cavalleiro) tocab> tocava a musica do 14, n’um coreto. Pelos bancos <cheios de>[�onde algumas] senhoras [�raras, escutavam um <pouri> pot-Pourri da *Norma] entre os cavalheiros, que passeavam, <devagar, com os chapeos altos dos dias de festa, houve, aos tres,>

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[46] Bloco C �

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�aos quatro, em linha, com lentidão, houve<,> uma surpresa, quando os dous ami-gos, desembocaram a passo da rua das *Gavatas, atravessaram o largo, <publicando a sua> rente da linha de casas, onde <era><estava> se elevava com o seu grande bra-zão, o palacete de D. Arminda Villegas. Justamente ahi n’esse momento <a varanda,> estava o Barrolo com um padre, fumando, debruçado da varanda. N’um espanto, radiante, sacudio os braços: � Vaes para o Cunhaes?

E nem esperou a resposta, gritou logo, vermelho como um tomate, quasi a cahir da varanda: � Nos jantamos cá com a tia. Ja la vamos!

O Cavalleiro erguera o chapeo, com um sorriso largo – o Bacoco sacudia a mão, com enthusiasmo. E os dous amigos seguiram, atravessando a Praça, <ate aos Cunhaes, onde o Cavalleiro, ao separarem-se>

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[47] Bloco C �

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� onde dous policias, <se perfi> ao <avit> avistar S. Exª se perfilaram, com a mão no <*seu> bonet � o que foi agradável ao Fidalgo. <Junto> A porta dos Cunhaes, ao separarem-se, o Cavalleiro, depois de dar um olhar risonho ao Palacete, que tinha todas as janellas abertas – recommendou ao seu amigo, que ao outro dia, apparecesse no Governo Civil às duas.

Nos Cunhaes o Fidalgo, <estava> <havia instantes> acabava de lavar as mãos no seu quarto, que estava sempre preparado, com a cama feita, e onde, para evitar transportes de malas, elle tinha sempre roupa – quando [�appareceu] Gracinha, e [�atrás d’ella] o Barrolo, <com um ar> affogueado, [�soffrego] de curiosidade. <de surpresa.> <Sabiam (como toda a cidade[ )] a reconciliação <)> <mas,> e n’aquell> Desde a manhã, em que da Praça, o Bacoco, vira, «com os seus olhos», o Fidalgo <na va> e o Cavalleiro, na varanda do

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[48] Bloco C �

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� Governo Civil – fora n’elle, e em Gracinha, uma impaciencia desesperada, por saber os motivos, os detalhes da grande reconciliação. Depois o desapparecimento de Gonçalo, que sem <entr> parar nos Cunhaes, abalara para a Torre, <o seu silencio,> a partida brusca do <Gov> Cavalleiro para Lisboa; o silencio que se establecera sobre aquelle caso tão inesperado – quasi os tinha aterrado. Que seria? O Bacôco, apesar das instancias de Gracinha não ousara ir à Torre. E agora eis os dous reconciliados, que apparecem na cidade, a cavallo!

Logo da porta do quarto, o Barrolo com os braços no ar, teve um brado: � Então que tem sido tudo isto? Não se falla n’outra cousa! Tu com o Luiz…

Gracinha, atras, muito corada, arfando toda, de certo de <ser> se ter apressado desde a casa da tia Arminda – so balbuciava:

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� � E <*vaes> vens, nem appareces, … Nem carta. E foi logo alli, junto da porta do quarto, todos [�de pé], que o Fidalgo, contou o

caso, com <uma> a toalha ainda nas mãos: � A cousa mais natural, … O Sanches Lucena <mor> morreu, como Voces sabem. Ficou o circulo <de Villa> vago por Villa Clara. É um circulo, por onde <s> só pode sahir, um homem da terra, com nome, com influencia. O Governo portanto, mandou-�me <sondar,> perguntar, [�e por telegrapho], se eu [�me] queria propor. Eu estou de bem com os progressistas, sempre estive, sou amigo do João Vasco… <Eu> Esti-mava entrar na Camara. Acceitei! <Com condições,>

[� O Barrolo <deu> atirou uma palmada à côxa: � Então era certo, caramba!

O Fidalgo continuou, enxugando sempre as mãos � Acceitei, com condições] e fortes – mas acceitei. <Desde logo, evidentemente era necessario que me>[�N’este caso convem [�está claro] que o candidato] se enten-desse, com o Governador Civil. Eu [�ao principio] não <queria> queria renovar rela-ções; mas, instado, por considerações superiores de Politica, fiz esse

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� sacrificio. Nas difficuldades em que encontra o paiz, <quando é necessário um esforço, <de todas as>[�das] intelligencias para endireitar esta choldra, as cousas,> todos tem de fazer sacrificios. Fiz esse… O Luiz [�de resto] foi muito amavel, muito affectuoso. De sorte que estamos outra vez amigos. Amigos politicos – mas muito bem! Almocei hoje com elle em Carnide100, viemos juntos. Emfim estamos perfeita-mente d’harmonia… E a eleição está segura! � <Então> <v>/V\enham de lá esses ossos! exclamou o Bacoco, enthusiasmado.

<Gra>Gracinha, que terminara por se <encostar>[�sentar] à borda do leito, baixo, sorria <apenas>; em silencio, sempre muito vermelha, como enlevada para o irmão. E o Fidalgo, desprendendo-se do abraço do Bacoco: � Tu tens de fallar tambem com o Cavalleiro. É necessario que Voces se entendam <com> por causa dos votos de Carnide101.

������������������������������������������������������������100 Erro do autor, por Corinde (cf. fl. 36). 101 Erro do autor, por Gramilde (cf. fl. 42).

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� � Prompto! � D’esde o momento, em que me reconciliei com elle, <Voces naturalmente,> tudo acabou…

E bruscamente, voltou-se para a Gracinha, a quem agarrou alegremente pelos hombros, com um grande beijo <na> em cada face, perguntando pela tia Arminda… Oh a tia Arminda estava bem. Tinham la jantado. � E tu não queres tomar nada <?> Gonçalo? <�> Não; Almoça<mos>/ra\ [�muito] tarde, em Carnide. <Voces>[�Elles] natu-ralmente, como [�tinham] jantaram102 com a tia Arminda, e à hora d’ella, às tres, <hão>[�havião] de cear? Bem, cear<ei>/ia\ depois. O que queria agora era uma chavena de chá.

E pelo corredor, com o Barrolo ao lado que o contemplava com admiração, <lamentava> o Fidalgo da Torre ia lamentando os seus sacrificios: � É verdade, é uma massada… Mas que diabo! Todos devem <conco>

������������������������������������������������������������102 Tal como na frase anterior, Eça corrige o tempo verbal, mas esquece-se de o colocar em concordância com o segundo verbo.

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� concorrer para tirar o paiz do atoleiro!

O Bacoco, com <a face>[�um ar] maravilhad<a>/o\ só murmurava: � E sem dizeres nada. Assim à capucha! Assim à capucha!

Ao outro dia, às duas horas, no Governo Civil, foi o <es> a outra reconciliação, do Barrolo e do Cavalleiro, feita, muito naturalmente, com um simples aperto de mão – como se ambos [�ainda] na vespera, <tivessem, segundo> tivessem jogado a <manilh> maninlha do Club. De resto conversaram muito summariamente sobre a Eleição. Estava tão segura! <E ate o <De> Cavalleiro pois> E como S. Exª tinha massos accumulados de papeis sobre a mesa, <os abri> <O> <o Fidalgo e os> o Fidalgo <e o Barrolo> não quisera<m> «roubar as horas administrativas», <excla-mand> tomou logo o chapeo exclamando alegremente:

Trabalhar, meu irmão, que o trabalho É fortuna é riqueza é valor.

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� O Barrolo, ja à porta, lembrou então os seus sessenta votos na Murtosa. Mas o Luiz Cavalleiro, <enco> encolheu os hombros, rindo. Votos! Tinham votos de sobra! Esses sessenta da Murtosa, podiam dar-se ao Manoel Peres, para lhe servirem na «acumulação». Depois o Barrolo, (a quem o Fidalgo, de manhã, lembrara esse dever) convidou o Luiz Cavalleiro para jantar nos Cunhaes na quarta-feira, às 6. O Governa-dor Civil, curvou-se com uma cor viva na face. E acompanhou os dous amigos ao patamar, abraçando duas vezes, pela cinta, no corredor escuro, o Barrolo, o seu Bar-rolo – emfim recuperado. O jantar, <na a> nos Cunhaes, foi muito intimo � assistindo apenas o Mendonça, fardado. Gracinha, naturalmente, não <pro> posera os seus brilhantes – mas tinha um vestido branco, de crepe, <muito> leve, que dava uma graça alada, <e quasi,> e quasi

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�virginal à sua belleza <*fracil> fragil, de «Venus pequenina». Os seus olhos escuros, tinham n’essa tarde uma inquietação viva, que refulgia. E <esse brilho>[�com esse refulgir] com os magnificos dentes que sorriam<, sempre,>[�sempre] toda ella pare-cia, cheia de vivacidade, de <animação – apesar do seu silencio,>[�brilho] � apesar de murmurar apenas um bonito sim ou bonito não, através do <grande>[�seu] silen-cio… Ao seu lado, a direita, <o> o Luiz, <magnifico, de peitilho resplan> <com o immenso> <resplandecente, uma rosa branca na casaca, dominava a mesa> pare-cendo mais grosso, mais masculo, com o seu immenso peitilho que resplandecia, como uma couraça, cofiava os <grossos> bigodes, <domi> sober<baba>bamente, dominava a mesa, pelo <seu> prestígio de Authoridade, da suas amizades em Lisboa, dos seus habitos de luxo. Fallou de Cintra, contou <discrtt> discretamente alguns escandalos da Capital, alludio ao livro novo do Simões Craveiro, la-

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� mentou os deveres politicos que o prendiam àquelle horrivel convento do Governo Civil. A sua esperança era um <um> recomposição do Ministerio, em que sahisse o João Vasco, e elle, libertado, podesse ir passar uns mezes em Paris, talvez em Napoles. Depois, <com> gabou uma cabidella de frango, que se servira, � e que era «uma delí-cia». O <Bacoco,> Barrolo, o Gonçalo, gritaram vivamente pelo <criado, para que ser> escudeiro, com a cabidella. <Elle> Cavalleiro, confessou, risonhamente a sua gula. E a Sra D. Graça, não lhe permitira que a servisse, d’um pouco de vinho branco? O vinho era d’uma quinta do Barrolo, do Corvêllo. S Exª <repe>tornou a provar, <gravemente,> com um ar profundo <� É uma delicia, é uma verdadeira delicia> – e poz toda a sua admiração103, n’uma cortezia silenciosa, ao Bacoco, que sorria embevecido. � É uma delicia – é uma verdadei-

������������������������������������������������������������103 A ar profundo seguiu-se parágrafo e a fala em discurso directo. Porém o cancelamento desta fala levou o autor a voltar atrás para ocupar o espaço disponível na linha anterior, de modo que a representação topográfica seria a seguinte:

tomou a provar, gravemente, com um ar profundo � e poz toda a sua � É uma delicia, é uma verdadei- ra delicia admiração, n’uma corte-

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� ra delicia. Fallaram então de vinhos. E como o Mendonça, com o olho brilhante, cantava

os louvores d’um vinho palhete do Manoel Alcoforado – vieram a <dis> <d’is> dis-cutir o casamento da D. Maria Alcoforado, que então era a grande murmuração da <c>/C\idade<.>/;\ <Isto trouxe naturalmente, à> e depois a familia do noivo, do velho noivo de 60 anos, os Teixeiras de Carrêdes. Então <subitamente> a conversa que ate <se movera, com lentidão, e> se arrastara, lenta e desprendida, rebrilhou subitamente de vivacidade e de interesse. Em todos, a voz mais aguda, retinio, e vibrou: e ate Gracinha, <se sahio> <se lançou,>[�emergio,] do seu silencio <cheio de> indolente e rizonho, para condemnar a escolha de D. Maria. O Mendoça defendia <os>[�o] Teixeira, [�ate] negava o chinó. E em breve não <foi> foram so os Teixei-ras de <c>/C\arredes – mas as Salemas,

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�O Vicente de Targes, as Pintos, a pequena dos *Resinas, o D. Paulo de Lemos, toda a cidade, todos os arredores, que passaram, n’aquella <ventania> redemoinho de “mexeriquice” <em que se sopezavam as fortunas, se exhibiam a luz das velas os «pôdres», se escarnecia[m] a cinta e as maneiras de *falarem, os vestidos d’uma, as toilettes,> <ne> sacudindo, <ao> a luz das vellas, <todo o interior>[�d’esde a alcova ao coffre»] das casas, <d> do Districto. Foi uma leva deliciosa de maledicencia e de «vidas alheias». Gracinha resplandecia – e na sua animação e e alegria, duas vezes, esvasiara o calice de vinho do porto. Com a sua superioridade d’«Europeu», como elle se intitulava, Luiz Cavalleiro, demolia, a Provincia � sobre tudo as mulheres, picando-�as de sarcasmos, sobre a figura, [�e] a toilette, e as maneiras, arremessando-as, n’ <n’> n’um montão humilhado e amarfanhado, aos pé <su> pés superiores da Fidalg<a>/u\inha da Torre. Mas ninguem

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� sabia mais podres que o Barrolo. Só Gonçalo Mendes Ramires, que conhecia pouco a gente dos arredores, e <que, sem interesse por «vidas alheias»,>[�que] sempre se desinteressara de <alhe> «vidas alheias», <perm> se conservava retrahido, �<o> todo voltado para o Champagne, que se servira, e que elle bebia, pelo copo d’ágoa, murmurando para o Mendonça, sobre tudo para si mesmo, que «sentira grandes sedes, mas nunca uma sêde como n’aquella tarde». E foi elle proprio, que, a proposito do Arthur Pinto, que se dava por Republicano, apparecia na Arcada, com o <se> Seculo na mão, affastou a conversa para os Republicanos,… Quantos deputados trazião elles? De todas as difficuldades do Paiz, so <ella> essa lhe parecia grave, o Republicanismo. Sobretudo se morresse o Reizinho d’Hespanha… � Oh coitadinho… Pobre mãe. – foi a

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� piedosa exclamação de Gracinha.

Mas immediatamente o Cavalleiro a tranquillizou. Por que havia de morrer o Reizinho? Eram os <Rep> Republicanos que espalhavam esses <b> boatos, absur-dos, sobre os males da pobre creança, a agoa na cabeça, a tuberculose… <Era> Elle <delicado sim – mas vivedouro!> Cavalleiro, sabia a verdade, sobre o Reizinho. E podia <affai> affiançar à Sra D. Graça, que era delicado – mas vivedouro. Havia de haver felizmente para a Hespanha, um Affonso XIII – e mesmo um Affonso XIV. Em <quanto> quanto aos *sucias republicanos, era somente uma questão <de tolerancia.> de Guarda Municipal. O paiz nas suas massas profundas profundas era <republican> monarchico, de raiz. Havia apenas ao de cima, na burguesia, uma escuma ligeira, e mesmo um pouco suja, que se se limpava, facilmente, com um sabre. � V. Exª Sra. D. Graça, que é uma

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� dona de casa perfeita, conhece esta operação que se faz ao caldo… Escumar o caldo. É com uma colher. Aqui <es> é com um sabre. Pois <justamente> assim, se [�pode] clarificar Portugal. E foi isto que <me> <eu> ainda ultimamente eu declarei a El-Rei.

Lançara a cabeça para traz – o seu peitilho, parecia mais forte, mais resplande-cente.

Houve um silencio<,> respeitoso. E <ent> então o <C> Fidalgo da Torre, que <approvar> approvara o Cavalleiro, com gestos vivos – ergueu o copo, serio<,> e quasi official: � Luiz Cavalleiro, à tua saude. Não é ao Governador Civil, é ao velho amigo!

Todos os copos se ergueram, n’um rumor de sympathias � e S. Ex.ª apenas tocou, de leve, no calice de Gracinha, cujos olhos se humedeciam. O Bacôco posera o [�seu] guardanapo sobre a mesa: � Cafe <aq> aqui, ou na sala?.. <Na>

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� Na sala, está mais fresco!

Tinha com effeito as janellas abertas: � e em baixo havia gruppos, que paravam, olhando a claridade de festa, que sahia dos Cunhaes, e o reluzir rico dos crystaes do lustre. O Cavalleiro, Gonçalo que sentia todo o champagne a fervilhar-lhe no sangue, vieram, <atirar pa> respirar, atirar para a noite, as <derr> derradeiras fumaradas do charuto. E o Cavalleiro, <dizia> murmurava com beatitude: � Janta-se sublimemente em casa de teu cunhado.

Gonçalo desejou então que elle viesse, no Domingo, jantar à Torre. <Havia> Ahi era a ecloga. E ainda lhe restavam umas garrafas de Madeira do tempo

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� do avô, a que <se> n’essa tarde se faria <h> justiça.

O Cavalleiro prometteu, com prazer, [�tomando da bandeja, que o escudeiro apresentava a uma chavena de caffé.]

� E tu <não>, com effeito, <n> agora, não deves arredar pé da Torre. O teu papel, na Comedia é de presença, estar alli, localizar-te, como Candidato. Es o Fidalgo da Torre, que <que> estás na Torre, no meio das tuas terras, <que do> por onde vaes ser eleito para as Cortes. É teu papel.

O Barrolo <deslisara, sem rumor, para junto d’elles, e abraçando-os> surdio entre elles, alegremente abraçando-os ambos, pela cinta;

� E nos ca ficamos a trabalhar<.>/,\ <O Ca>[�o] Cavalleiro e eu! <Não é <verdadeiro> verdade?>

Mas <dentro> o Mendonça, que

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� <que <ch> cochichava> se chegara tambem à varanda – foi chamado por Graci-nha: � e ambos <re> elles remechião as musicas espalhadas sobre o grande piano de cauda. O Mendonça tocava como um mestre: composera mesmo valsas, o primeiro acto d’uma opera Manfredo: � e foi justamente uma das suas valsas, a Perola, d’uma cadencia amorosa e cançada, que lembrava a valsa do Fausto, que elle attacou, d’olhos errantes no tecto, sem mesmo largar o charuto.

Então o Cavalleiro reentrando lentamente na <sall> sala, deu um puchão breve ao collete, passou os dedos na bigodeira, e avançando para Gracinha, com um ar <que> entre grave

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� brincalhão: � V. Srª, quer-me dar a grande honra?...

Estendia abria os braços. <Ga> Gracinha fizera-se toda vermelha; <� e> e com os olhos baixos, cedeu, levada logo, nos <dous> largos passos <deli> <deslizados e lentos,> que o Cavalleiro deslizou sobre o tapete. Então, Gonçalo Ramires, o Barrolo, correram a arredar as poltronas, <as mesas,> a arrastar as mesas, clareando um espaço, onde o vestido de Gracinha deixava um sulco <leve> branco. Pequenina e leve toda ella se perdia, como se fundia na força mascula do Cavalleiro, que a arreba-tava em longos giros serenos, com os olhos languidos pousados nos seus cabellos ma-

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� gnificos.

E foi Gonçalo Mendes Ramires quem primeiro batteu as palmas, gritou, alegremente: � Bravo! <É um par> < e >/E\xplendi104 par!

Elles torneavam, enlaçados<. A> <o p> <a mão pallida de Gr>[�e] serios. Os labios do Cavalleiro tinham tido um murmúrio<,>/.\ <Ella <tre> pareceu <treme> tropeçar – e redemoinharam mais vivamente,> Ella arfava, � os <<seus>/sua\ cauda branca <r> enrolava-se n> seus pezinhos calçados de verniz brilhavam, sobre o ves-tido que se enfunava, battia as calças largas do <a>/C\avalleiro. E o Barrolo, em extasi, quando elles o roçavam, battia palmas discretas com o olho a reluzir.

������������������������������������������������������������104 Explendi termina uma linha e apresenta sinal de translineação. Na linha seguinte, porém, falta a última sílaba da palavra, que o autor esqueceu.

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ALGUNS FÓLIOS DO AUTÓGRAFO

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