Serviço Educativo | Lura nº 26 | 2014

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EDITORIAL Aventura. Morte. Pensamento. Coração. Poesia. Medo. Esquecimento. Viagem. Cidade. Diferença. Causas comuns. Corpos comuns. Nascendo, crescendo, envelhecendo, morrendo. Horrendo é não ter coração. Não se aventurar com medo de ser esquecido numa viagem falhada. Horrendo é não ter poesia para o dia de morrer, que é o mesmo que dizer para hoje. Todos os dias se morre, seja nas cidades ou nos campos. Falheiro é pensar que não se é diferente. Todos os dias morrem ao mesmo tempo pessoas excecionais e pes- soas comuns, todos os dias mor- rem pessoas ao mesmo tempo co- muns e excecionais. Todos os dias temos medo e coragem. Falheiro é esquecermo-nos de pensar pela própria cabeça medida própria do corpo crescente e pensante. Aven- tureiro é não esquecer que é: > preciso tempo, mais tempo. > possível crescer com causas comuns. Há mais pessoas do que se pensa nas cidades e nos campos dis- postas a aventurar-se em causas comuns pela diferença que cada um é. Os projetos que temos podi- do partilhar através deste jornal testemunham causas, pensamen- tos, desejos e viagens possíveis. Sem aqueles que graciosamente o escrevem e aqueles que desejosa- mente o leem haveria menos es- paço para projetarmos um tempo melhor. Bem-hajam. Elisabete Paiva Design Atelier Martino&Jaña Textos de António Matos Carla Veloso e Igor Gandra Fernando Giestas e Rafaela Santos Inês Barahona e Miguel Fragata Madalena Wallenstein Samuel J. M. Silva Sandra Barros Susana Menezes JORNAL DO SERVIÇO EDUCATIVO JANEIRO A JUNHO 2014 | NÚMERO 26 Coordenação Elisabete Paiva Edição Elisabete Paiva e Sandra Barros Produção Gráfica Susana Sousa Comunicação Bruno Barreto Marta Ferreira Laboratório LURA Inês Barahona e Miguel Fragata Teatro de Ferro Distribuição Andreia Abreu Andreia Novais Carlos Rego Hugo Dias Paulo Covas Pedro Silva Sofia Leite Susana Pinheiro servicoeducativo@ aoficina.pt ISSN 1646-5652 Tiragem 3000 exemplares PISTAS A Caminhada dos Elefantes Inês Barahona e Miguel Fragata pág. 4 A MONTANTE Um elogio ao saber de cor Samuel J. M. Silva pág. 8 JORNAL DE ARTES E EDUCAÇÃO A MONTANTE O meu território é o meu pensamento Madalena Wallenstein pág. 6 “ A CULTURA NÃO É O LUGAR DE REVELAÇÃO ALGUMA, É APENAS O LUGAR ONDE TODAS AS REVELAÇÕES SÃO EXAMINADAS E DISCUTIDAS SEM FIM. PARA QUE CADA UM DE NÓS POSSA VIVER DESSA DISCUSSÃO INFINITA DO MUNDO E DE SI MESMO. ” EDUARDO LOURENÇO * O LURA PASSARÁ, A PARTIR DO SEU NÚMERO 26, A SER SEMESTRAL, NA EXPECTATIVA DE QUE HAVERÁ MAIS TEMPO PARA O PREPARAR E MAIS TEMPO PARA O LER.

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EDITORIALAventura. Morte. Pensamento. Coração. Poesia. Medo. Esquecimento. Viagem. Cidade. Diferença. Causas comuns. Corpos comuns. Nascendo, crescendo, envelhecendo, morrendo.Horrendo é não ter coração. Não

se aventurar com medo de ser

esquecido numa viagem falhada.

Horrendo é não ter poesia para o

dia de morrer, que é o mesmo que

dizer para hoje. Todos os dias se

morre, seja nas cidades ou nos

campos. Falheiro é pensar que não

se é diferente.

Todos os dias morrem ao mesmo

tempo pessoas excecionais e pes-

soas comuns, todos os dias mor-

rem pessoas ao mesmo tempo co-

muns e excecionais. Todos os dias

temos medo e coragem. Falheiro

é esquecermo-nos de pensar pela

própria cabeça medida própria do

corpo crescente e pensante. Aven-

tureiro é não esquecer que é:

> preciso tempo, mais tempo.

> possível crescer com causas

comuns.

Há mais pessoas do que se pensa

nas cidades e nos campos dis-

postas a aventurar-se em causas

comuns pela diferença que cada

um é. Os projetos que temos podi-

do partilhar através deste jornal

testemunham causas, pensamen-

tos, desejos e viagens possíveis.

Sem aqueles que graciosamente o

escrevem e aqueles que desejosa-

mente o leem haveria menos es-

paço para projetarmos um tempo

melhor. Bem-hajam.

Elisabete Paiva

Design

Atelier Martino&Jaña

Textos de

António Matos

Carla Veloso e Igor Gandra

Fernando Giestas e

Rafaela Santos

Inês Barahona e

Miguel Fragata

Madalena Wallenstein

Samuel J. M. Silva

Sandra Barros

Susana Menezes

JORNAL DO SERVIÇO EDUCATIVO JANEIRO A JUNHO 2014 | NÚMERO 26

Coordenação

Elisabete Paiva

Edição

Elisabete Paiva e

Sandra Barros

Produção Gráfica

Susana Sousa

Comunicação

Bruno Barreto

Marta Ferreira

Laboratório LURA

Inês Barahona e

Miguel Fragata

Teatro de Ferro

Distribuição

Andreia Abreu

Andreia Novais

Carlos Rego

Hugo Dias

Paulo Covas

Pedro Silva

Sofia Leite

Susana Pinheiro

servicoeducativo@

aoficina.pt

ISSN 1646-5652

Tiragem 3000 exemplares

PISTAS

A Caminhada dos ElefantesInês Barahona e Miguel Fragata pág. 4

A MONTANTE

Um elogio ao saber de corSamuel J. M. Silva pág. 8

JORNAL DE ARTES E EDUCAÇÃO

A MONTANTE

O meu território é o meu pensamento Madalena Wallenstein pág. 6

“ A CULTURA NÃO É O LUGAR DE REVELAÇÃO ALGUMA, É APENAS O LUGAR ONDE TODAS AS REVELAÇÕES SÃO EXAMINADAS E DISCUTIDAS SEM FIM. PARA QUE CADA UM DE NÓS POSSA VIVER DESSA DISCUSSÃO INFINITA DO MUNDO E DE SI MESMO. ”EDUARDO LOURENÇO

* O LURA PASSARÁ, A PARTIR DO SEU NÚMERO 26, A SER SEMESTRAL, NA EXPECTATIVA DE QUE HAVERÁ MAIS TEMPO PARA O PREPARAR E MAIS TEMPO PARA O LER.

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Carla Veloso e Igor Gandra*

*Elisabete Paiva

Quando éramos miúdos a questão da

conquista do espaço estava ainda na

ordem do dia. A corrida entre soviéticos

e americanos animava, a nível mundial,

os sonhos e os anseios nesta matéria

- que para nós era muito mais feita de

ficção do que ciência. A ficção científica

(norte americana) que nos chegava

em doses semanais pela televisão foi o

pretexto para muitas brincadeiras em

que a viagem e a descoberta de planetas

distantes eram os motes principais.

Quando começámos a trabalhar neste

projecto tínhamos em mente a ideia de

retomar esta figura de uma viajante do

espaço, uma menina cosmonauta, para

nos colocarmos na condição de fazer

algumas investigações sobre as múlti-

plas acepções da palavra espaço. Como

já tínhamos feito um espectáculo sobre

as aventuras de outra criança explora-

dora do espaço noutros planetas (Blurp,

em 2001), decidimos que nos iríamos

dedicar um pouco mais ao planeta Terra.

Esta peça começa com o regresso à Terra

e a aventura não termina aqui.

Iniciámos este processo com uma

residência de criação no CCC [Centro de

Criação de Candoso]. Durante cinco dias

e cinco noites a equipa do TdF [Teatro de

Ferro] habitou o espaço da antiga escola

de Candoso. Dormimos, cozinhámos e

trabalhámos como se estivéssemos num

navio ou numa nave. Se por um lado nos

parecia que o nosso veículo se movia

autonomamente, ora lentamente no

oceano, ora a velocidades inimagináveis

pelo cosmos, por outro tínhamos a

certeza que era o que acontecia no seu

interior que nos punha em movimento.

Na caixa negra do porão, na casa das

máquinas, no dormitório ou no refeitó-

rio fomos descobrindo e construindo os

espaços com que se fez esta aventura.

A leitura e o estudo, ou não estivéssemos

numa escola, foram uma constante ao

longo dessa jornada e foi essencialmente

através desta prática que chegámos às

propostas que apresentámos no último

dia da residência.

No último dia, o navio-escola foi visitado

por um grupo de meninos. Organizámos

uma visita guiada às nossas aventuras

e ao próprio espaço do edifício. Para

além dos meninos que se tinham feito

deslocar num autocarro, fomos também

acompanhados pela equipa de um outro

espectáculo com quem partilhávamos

o espaço-veículo, mas que viajava para

outras paragens.

Foi muito interessante, mas não conse-

guimos mostrar tudo o que tínhamos

feito, tinham que se ir embora, não havia

tempo.

Ficámos a pensar sobre isso também

- quem é que manda no nosso tempo

de vida? Como se organiza o tempo?

Que relações podemos ter com este

elemento? E intimidade entre o Espaço e

o Tempo?

Ainda estávamos no início de Uma

Aventura no Espaço mas assumimos logo

ali, entre nós, o compromisso de vir um

dia a fazer Uma Aventura no Tempo.

Nota: por vontade dos autores, este texto apresenta-se na antiga ortografia.

*

Teatro de Ferro

Em 2012, o DESCOBRIR Programa

Gulbenkian Educação para a Cultura

e Ciência iniciou o 10 X 10: projeto

que “promove a colaboração entre

professores do ensino secundário e

artistas de várias disciplinas para

desenvolver estratégias de comunicação

e de construção do conhecimento

eficazes na captação da atenção,

motivação e envolvimento dos alunos

em contexto de sala de aula, a partir da

matéria curricular.”

DEZ VEZES DEZ, ou DEZ POR

DEZ, é uma experiência original de

investigação e trabalho cooperativo na

procura de uma melhor escola, onde

o centro da atenção e da atividade

sejam as aprendizagens e as pessoas

(as pessoas são FUNDAMENTAIS! sim

M., obrigada), uma escola que seja de

facto para TODOS, 10 x 10 x 10 x … É

portanto um projeto para os alunos,

para os professores, para os artistas,

para a escola, para a sociedade.

O projeto desenvolve-se em três passos

fundamentais:

1. Residência – por um período intensivo

de 6 dias, tempo e espaço para que

artistas e professores desenvolvam uma

relação forte de partilha de saberes e

experiências em ambiente informal;

2. Trabalho ao longo do primeiro pe-

ríodo letivo – conceção de um projeto

pedagógico singular, por uma dupla

professor/artista, para desenvolver em

sala de aula e no contexto da disciplina;

3. Cada artista ajuda o seu parceiro

professor a idealizar uma forma de

partilhar a experiência com a comuni-

dade educativa – professores, artistas,

alunos, educadores, investigadores, pais

– através de uma ‘aula pública’.

Na 1a edição do projeto, 2012/13, dez

professores do ensino secundário

inscreveram-se voluntariamente e

formaram dupla com dez artistas

selecionados pela equipa do Descobrir.

Na 2a edição, 2013/14, que agora ter-

mina, fruto da avaliação que o projeto

contempla, foram introduzidas altera-

ções: convidaram-se duas escolas como

parceiras, mobilizando os seus pro-

fessores para participar e dando-lhes

retaguarda; as turmas foram apenas de

10° ano e as disciplinas circunscritas a

Português, Matemática, Biologia e Filo-

sofia; as aulas públicas foram objeto de

debates moderados por personalidades

tão diversas como Eduardo Marçal Grilo

(FCG), Stella Barbieri (Bienal de São

Paulo), Elisabete Xavier Gomes (Univ.

Nova de Lisboa) e Fernando Hernandéz

(Univ. de Barcelona).

É uma seleção destas aulas que

apresentaremos no próximo dia 22 de

fevereiro, na Black Box da Plataforma

das Artes da Criatividade, seguidas

de um debate moderado por Magda

Henriques. A atividade é informal

e incluirá aulas muito distintas,

representando as disciplinas de

português e de filosofia, integrando em

dois dos casos a participação dos alunos.

Após um ano experimental, com um

envolvimento apenas parcial no projeto,

A Oficina inicia agora o caminho para

a concretização do 10 X 10 em Guima-

rães. Porque 10 X 10 é Dez Por Dez e

aprofunda e multiplica valores simples

mas essenciais para a escola e para a

educação: estar juntos e aprender.

*

Coordenadora do Serviço Educativo

UMA AVENTURA NO ESPAÇO

SOBRE O PROCESSO DE PESQUISA E CRIAÇÃO

10X10UM PROJETO DE COOPERAÇÃO

E INVESTIGAÇÃO ©

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PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS2 | LURA

Page 3: Serviço Educativo | Lura nº 26 | 2014

LABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA

NESTA FOLHA EM BRANCO PROPOMOS QUE TE AVENTURES NO ESPAÇO.1• Imagina a tua mão como se fosse um corpo – os dedos indicador e médio, bem alongados, são a parte mais evi-dente desse corpo e fazem-no deslocar-se, como se fossem umas perninhas.Os restantes dedos estão, para já, reco-lhidos na palma da mão.Passeia a tua mão-corpo no espaço vazio da folha e experimenta trajetos dife-rentes – percursos circulares, lineares, contínuos, interrompidos, passadas grandes, passinhos curtos e por aí fora…Depois podes acrescentar a outra mão e fazer uma passeata a dois, uma perse-guição, um encontro, uma dança, etc. Se dobrares a folha uma vez ficas com dois planos, um horizontal e outro ver-tical.

2• Agora que já exploraste o espaço em branco pinta a ponta dos dedos cami-nhantes com tinta guache um bocadinho diluída, ou outra tinta de água e ins-creve, agora de forma permanente, na folha em branco a presença, o trajeto no espaço da tua mão-corpo. Podes usar os outros dedos também, claro.

3• Podes convidar mais alguém para experimentar. A dois (ou a quatro mãos) é diferente, vais ver.No final ficam com o registo da vossa aventura!Podes também experimentar reproduzir com o teu corpo todo o trajeto inscrito na folha. Precisas talvez de uma superfí-cie maior!

*Sabias que as primeiras tentativas de notação da dança

aconteceram mais ou menos no séc. XV com os ballets de

corte e consistiam, essencialmente, no registo do trajeto

dos apoios, pés, no espaço – uma espécie de pegadas de

bailarino que se deslocavam no espaço num determinado

tempo/ritmo? Por outro lado, no século XX desenvolveram-

se correntes na pintura que funcionavam como uma espécie

de 'dança com tinta', houve até pintores que pintavam com o

corpo, o seu e o de outros.

*

Conceção Carla Veloso e Igor Gandra

Teatro de Ferro

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Inês Barahona e Miguel Fragata*

Quisemos criar um espetáculo sobre

a morte para crianças e famílias.

Não porque tenhamos uma qualquer

obsessão mórbida pelo tema, mas antes

porque sentimos que era um assunto

sobre o qual ninguém queria falar,

muito menos com as crianças. A morte é

talvez o último grande tabu dos nossos

tempos. A ignorância perante a morte é

universal. É uma questão que nos deixa

a nós, adultos, muito desconfortáveis

e inseguros. E essa insegurança é

pressentida à distância pelas crianças.

Elas também têm questões. Mas têm

poucos ou nenhuns interlocutores

para conversar sobre o assunto e

normalmente compreendem que é um

tema proibido.

Depois de um longo trabalho de criação,

que passou por ouvir as crianças,

receber as suas ideias, perceber quais

eram as suas questões, dúvidas,

medos, etc., em oficinas realizadas nos

diferentes territórios dos coprodutores,

chegámos ao espetáculo. Também

ouvimos os adultos, a quem pedimos

que dessem resposta a apenas uma

pergunta: “Como explicaria a morte a

uma criança de 8 anos?” Interessava-nos

compreender o que os adultos pensam

que as crianças pensam acerca do tema e

trabalhar sobre o hiato que existe entre

as duas realidades: a das crianças e a

dos adultos.

Este trabalho foi acompanhado de perto

pela psicóloga Madalena Paiva Gomes,

que ajudou a balizar a intervenção de

um trabalho artístico num campo que é

sensível, sem no entanto haver qualquer

pretensão terapêutica.

Gostamos de projetos transversais.

Acreditamos que uma boa proposta

artística pode criar o espaço que

por vezes não existe para o diálogo.

Acreditamos que um bom espetáculo

pode ser visto por todos, apesar de

construído para um público específico,

neste caso crianças dos 7 aos 12 anos.

Procuramos com o nosso trabalho

chegar a todo o público, com diferentes

camadas de leitura que vão ao encontro

de interesses e compreensões diversas.

Neste espetáculo criámos um jogo de

proibição de utilização da palavra

“morte” que devolve em espelho aos

adultos o que as crianças leem do

seu comportamento. É uma pequena

provocação para os adultos, um jogo

eficaz para as crianças.

O resultado a que chegámos é um

espetáculo que, seguindo uma história

verídica – a história do conservacionista

sul-africano Lawrence Anthony e da sua

relação de amizade com uma manada

de elefantes –, abre de vez em quando

espaço para refletir sobre as grandes

questões em torno da morte: para onde

se vai, o que acontece, que rituais fazem

os vivos, que crenças acerca da vida

depois da morte, ou porque é que a

morte existe. Estas reflexões são feitas

com recurso a imagens e a objetos que

pertencem ao imaginário das crianças

e que são manipulados por vezes com

humor, mas sempre com a naturalidade

que é própria do tema. Porque afinal,

como as crianças nos disseram muitas

vezes, “a morte faz parte da vida”,

mesmo que não se fale sobre isso.

*

criadores de

A Caminhada dos Elefantes

PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS

A Caminhada dos Elefantes

4 | LURA

Gostamos de projetos transversais. Acreditamos que uma boa proposta artística pode criar o espaço que por vezes não existe para o diálogo.

É uma questão [a morte] que nos deixa a nós, adultos, muito desconfortáveis e inseguros. E essa insegurança é pressentida à distância pelas crianças.

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Page 5: Serviço Educativo | Lura nº 26 | 2014

*

Conceção

Inês Barahona e Miguel Fragata

5 | LURALABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA

A TUA VIDA É COMO UMA CAMINHADA COM PARAGENS. LIGA

OS PONTOS NA IMAGEM.

Cada ponto é uma estação na caminhada da vida. Se esta fosse a caminhada da tua vida, quais seriam as estações? O pri-meiro ponto é o teu nascimento, o ponto 12 é o dia de hoje. O que aconteceu entretanto? O que acontecerá depois? Imagina quais serão os acontecimentos mais especiais da tua vida. E quais as estações mais importantes da tua caminhada.

1

10

9

4

3

24

21

22

20

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15

14

1312

2

17 18 23

8

5

6

7

11

8•

16• O DIA EM QUE TE APAIXONASTE

24•20•O DIA EM QUE FIZESTE OU FARÁS UMA DESCOBERTA IMPORTANTE

4• O MOMENTO EM QUE FOSTE À ESCOLA PELA PRIMEIRA VEZ.

13•

15•

18•

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A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS6 | LURA

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irei

tos

Res

erva

dos

*

Programadora e coordenadora do

CCB [Fábrica das Artes – projecto

Educativo]

Madalena Wallenstein*

À programadora de um projecto educa-

tivo como a Fábrica das Artes importa

criar circunstâncias multidimensionais

que se desdobrem tanto para a pesquisa

dos criadores, como para a diversida-

de dos públicos. Circunstâncias que

potenciem a procura de novos modos

de experimentação artística e novos

processos de trabalho na qual a própria

programação é parte integrante e inte-

ressada, na medida em que aí busca a

afi rmação da sua identidade e encontra

pistas para continuar um caminho reno-

vado, próspero e criativo. Entendendo

a construção da programação como um

“voo” sobre um território no qual se

estabelecem relações entre a Arte, as

Instituições Culturais, a Sociedade e as

suas urgências, podemos encontrar nos

espaços vazios um potencial único de

zonas a ocupar: O que é que falta?

Em Março de 2014 o CCB [Fábrica das

Artes – Projecto Educativo] irá lançar

a publicação de um Caderno de traba-

lho e refl exão. Propusemo-nos registar

o processo de trabalho que teve lugar

no âmbito do laboratório de pesquisa

“Pensamento, Filosofi a e Contempla-

ção Artística” que resultou do encontro

entre programadora, equipa, artistas,

fi lósofos e públicos, que se desenvolveu

entre Junho de 2012, com o lançamento

da primeira reunião de trabalho e refl e-

xão, e Novembro de 2013, momento da

produção escrita e gráfi ca deste cader-

no, e cuja programação habitou a Fá-

brica das Artes do CCB no trimestre de

Janeiro a Março de 2013. A programação

debruçou-se sobre o espanto, o impulso,

a pergunta, como chaves da interpre-

tação e refl exão artística. Ofereceu um

espectáculo, uma instalação/performan-

ce e ofi cinas dirigidas a escolas, famí-

lias e graúdos, assim como espaços de

formação para educadores e artistas e

um Encontro – debate em que os artistas

partilharam esta experiência.

Este laboratório de pesquisa reúne

três projectos distintos. Do Teatro do

Silêncio, que se propôs criar uma insta-

lação/ofi cina concebida por uma equipa

transdisciplinar ( Maria Gil, encena-

dora e actriz; Pedro Silva, cenógrafo;

Gil Dionísio, músico ) que, partindo da

premissa autobiográfi ca em que a com-

panhia fundamenta o seu trabalho, ex-

plorasse temas transversais à condição

humana e conduzisse crianças, jovens

e adultos num percurso do pensamen-

O meu território é o meu pensamentoSe a filosofia não espera pela escola para nascer nas crianças onde ir vê-la nascer então? Nos territórios dos seus pensamentos?

A consciência de que é necessário contribuir para ultrapassar a dimensão redutora do “fazer“, a que uma determinada pedagogia tem remetido a educação estética e artística, levam-nos também a querer aprofundar contextos favoráveis à reflexão.

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7 | LURAA MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS

a

to que levasse ao reconhecimento da

importância do questionamento. Este

percurso começa num espaço branco no

qual “se acorda o espanto e se aguça a

curiosidade pelo mundo e pelas coisas”,

o sítio onde o pensamento se inicia e

a pergunta se fabrica e que leva a um

outro espaço, preto, preenchido de

objectos signifi cantes, pertença desta

instalação, a materialização de enigmas

fi losófi cos com os quais os participantes

se confrontam e exploram.

O segundo projecto, é a reposição da

“Biblioteca Mínima” de Ana Silvestre,

uma estrutura de madeira com diversos

compartimentos, um objecto que guar-

da “preciosidades da vida e a imensidão

do desconhecido” e que, na sua explora-

ção performativa e interactiva, recorre

a uma linguagem e olhar poéticos, a

coisas pequenas e invisíveis, apelando

a uma “micro-escuta”, a uma dimensão

sensível e delicada, à vivência estética, a

uma leitura do mundo.

A certeza de que estamos perante um

campo que liga os domínios da arte,

da fi losofi a e da infância, levam-me a

propor aos artistas Maria Gil, Pedro

Silva, Gil Dionísio e Ana Silvestre a

participação neste Laboratório de pes-

quisa e a convidar a fi lósofa Rita Pedro,

que desenvolve o seu trabalho na área

da fi losofi a com crianças, a juntar-se a

este grupo de trabalho. Interessava-me

trazer a Filosofi a com Crianças para o

campo da criação artística. A consciên-

cia de que é necessário contribuir para

ultrapassar a dimensão redutora do

“fazer“, a que uma determinada peda-

gogia tem remetido a educação estética

e artística, levam-nos também a querer

aprofundar contextos favoráveis à

refl exão. É justamente neste âmbito que

penso que a fi losofi a com crianças pode

oferecer, tanto à educação artística,

como à educação em geral, uma poten-

cialidade que se mostra ainda tímida

e que falta explorar. Convidei a actriz

Tânia Guerreiro, que integra a equipa

da Fábrica das Artes do CCB, para

fazer parte, em conjunto comigo e com

a Rita, do grupo de trabalho que iria

conceber uma Ofi cina e para a realizar

com a Rita Pedro. Interessava-me tam-

bém experimentar a hipótese de aceder,

num tempo fulminante, ao pensamento

fi losófi co, recorrendo a elementos artís-

ticos para realizar este transporte.

Interessa-me trazer para a Filosofi a

com Crianças a exploração de um outro

espaço físico (um espaço cénico), da

comunicação não-verbal e do movimen-

to, a partir de jogos de aproximação ou

distanciamento, como forma de estabe-

lecer nuances relacionais. Numa outra

perspectiva, tinha quase a certeza que

o recurso aos elementos artísticos iriam

permitir testar estas hipóteses.

Propusemo-nos criar um campo comum

de pesquisa e experimentação, refl exão

e contaminação que, convocando estas

identidades artísticas e experiências

prévias, pudesse permitir uma transver-

salidade lançada a partir de corpus de

conhecimento específi cos para poderem

ser cruzados. Pretendeu-se, a partir de

semelhanças e dissemelhanças entre

estes campos, clarifi car e aprofundar

conceitos implícitos, confrontar proces-

sos e metodologias usadas e a natureza

dos processos mentais e criativos.

Nos seis meses que antecederam a

chegada do público, fomos defi nindo o

nosso campo e metodologia de trabalho,

encontrando dinâmicas de relação e

aproximação para os espaços de troca,

e antevimos a estrutura do processo

e as dimensões espaciais e temporais.

Discutimos e clarifi cámos pressupos-

tos, intencionalidades e pertinência.

Problematizou-se e foram lançadas

provocações e desafi os. Surgiram con-

fl itos criativos e encontraram-se solu-

ções. Estabeleceu-se uma metodologia

assente na acção/refl exão que convocou

espaços de investigação e experimenta-

ção, de percepção, de eco e de encaixe.

Comecei por imprimir uma regularidade

nas sessões de trabalho e quis garantir

um espaço que estivesse preenchido

por um tempo longo, por tranquilidade,

segurança, efervescência e liberdade.

Para os artistas e para a fi lósofa a

aproximação levou a uma tradução

de uma linguagem para outra. Neste

espaço de convergência disciplinar

a tradução catalisou facilitadores

de olhares e reforçou elementos

mediadores.

Desafi ámos o fi losofo José Gil a visitar a

nossa programação e a pensar connosco

esta ideia. Inspirou-nos e ofereceu-nos

os textos do seu livro “Ao meio dia, os

pássaros”, no qual a infância é prota-

gonista. Os seus textos foram interpre-

tados pelos artistas no contexto deste

programa e editados no âmbito deste

caderno. O José Gil ofereceu-nos ainda o

prefácio desta edição.

Desafi ámos todos a refl ectir sobre a ex-

periência a partir de duas perguntas: “O

que me contaminou? O que contaminei?”

Estes testemunhos são resultado de um

exercício proposto por mim à equipa,

já na fase de preparação do caderno de

trabalho:

“A fi losofi a entrou na arte como ar, como

uma nuvem, silenciosamente; um ne-

voeiro, que insufl a zonas, que valoriza

interstícios, que suspende acção e con-

quista espaço para refl ectir e dialogar”.

(Ana Silvestre)

“Contaminei os artistas de forma a

poderem reconhecer a existência dum

território fi losófi co intrínseco ao pensa-

mento das crianças e identifi car a per-

tinência de algumas questões e teorias

por parte das crianças”. (Rita Pedro)

... “A alegria do encontro com o que nos é

diferente e o que nos identifi ca. De criar

e pensar em conjunto com experiências

diferentes, formas de pensar diferen-

tes... e encontros semelhantes.” (Ana

Silvestre)

... “As conversas – sessões de trabalho e

refl exão contaminaram-me. Ter um pe-

ríodo para conversarmos. Tão simples e

tão difícil de conseguir nos tempos que

correm em que temos de estar sempre

a “fazer”, a “dar”, a “responder”. Estas

conversas ao longo do tempo foram coe-

rentes, ou seja, não foram apenas para

começar, mas foram acontecendo ao

longo do processo, no fi m e agora para

a construção do caderno de trabalho.”

(Maria Gil)

A Ofi cina é o sítio em que se trabalha.

A Filosofi a é um trabalho. Fez-se na

sequência do jogo e do lúdico. Fez-se a

partir do impulso dado pela performan-

ce dos artistas, pela instalação artís-

tica, pelo espaço cénico, por um trans-

porte do papel de público para o papel

de protagonista. É facilitado o impulso

para a dimensão artística e explorada a

dimensão do pensamento, da fi losofi a,

no plano metafísico e sobretudo ontoló-

gico do ser, do “eu”, do outro, das coisas

e do mundo.

Este é um terreno fértil para emergên-

cia da criatividade. Está aqui assumido

o esforço que exige a formulação da

pergunta e a procura da resposta. O

esforço da clarifi cação, que surge na sua

inevitável urgência logo que o sujeito se

reconhece no deslumbramento perante

ela. O esforço é esclarecedor e admira-

velmente artístico.

Este projecto, ao mesmo tempo que

assume o que há de misterioso na cria-

ção artística, abre a oportunidade de

desencadear a refl exão fi losófi ca. É a

dimensão artística e a dimensão fi losófi -

ca que vivem em ciclo nas crianças e que

se alimentam uma à outra. Isto não quer

dizer que qualquer uma delas possa

existir sem um esforço de procura, e

quem diz um esforço diz um trabalho.

Nem uma nem outra podem existir sem

a ofi cina.

Nota: por vontade da autora, este texto apresenta-

-se na antiga ortografi a.

Comecei por imprimir uma regularidade nas sessões de trabalho e quis garantir um espaço que estivesse preenchido por um tempo longo, por tranquilidade, segurança, efervescência e liberdade.

Page 8: Serviço Educativo | Lura nº 26 | 2014

8 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS

Um elogio ao saber

de cor

sem nenhuma problematização

associada. Os estereótipos são nocivos

(qual erva daninha?) e nada se faz

para compreender esse repertório

gráfi co (resultado de todo um lento

processo histórico de sedimentação

e assimilação cultural) nem para

pensar qual a sua origem e o seu papel

na construção da nossa identidade e

memória coletiva.

No dia em que desenhei uma gaivota

igual à que a minha avó alguma

vez desenhou tornou-se claro, na

minha consciência, de que aquele

símbolo repetente (comum) mais

que um estereótipo era uma marca

transgeracional cristalizada

que sofreu um efeito migratório

espaço-temporal e que garante a

consolidação de todo um espectro

de representações perfeitamente

identifi cadas e compreendidas por uma

comunidade permitindo a sua própria

sobrevivência.

O mesmo acontece com os provérbios

que mais não serão que pequenos

ideogramas de narrativas mais

extensas e que condensam em si, de

forma sintética, toda uma sabedoria

ancestral. “Poderíamos dizer que os

provérbios são ruínas que fi cam no

lugar das velhas histórias, e que neles a

moral abraça um gesto tal como a hera

trepa e abraça um muro”5 tornando-o

mais robusto.

A apologia do estereótipo que arrisco

defender alicerça-se na ideia de que

ao invés da sua irradiação será de

vital importância um movimento de

interiorização através de processos

que escapam à consciência —o saber de cor, pois serão estas formas simples,

invariáveis e estagnadas que animam

e sustentam todo o espírito livre e

criativo que deseja a reinvenção do

mundo.

Samuel J. M. Silva*

*

Artista visual

Recentemente enrodilhou-se um

assunto na minha cabeça, o qual se pode

desfi ar nas seguintes palavras-chave:

saber de cor, provérbios, estereótipos

e gaivotas. Gostaria de fazer um elogio

ao saber de cor1 ou pelo menos esvaziar

toda a negatividade entranhada nesta

palavra quase desde que me conheço

(deve ser mais ou menos coincidente

com o meu primeiro dia de aulas).

Sobre este assunto vale a pena trazer à

tona duas passagens:

1• George Steiner: “As práticas da

comunicação cultural e do ensino

assentavam (no passado), de forma

muito direta, na mobilização da

memória. Aprendia-se em grande

medida de cor (do coração) – termo que

se adequa magnifi camente à presença

íntima, orgânica, da palavra e do seu

sentido no espírito individual.”2

2• W. Benjamin: “Narrar histórias é

sempre a arte de as voltar a contar

e essa arte perder-se-á se não se

conservarem as histórias. Perder-se-á

porque já ninguém tece ou fi a enquanto

as escuta. Quanto mais o ouvinte se

esquece de si próprio, tanto mais

profundamente se grava nele aquilo que

ouve.”3

Existe indubitavelmente uma

insurreição contemporânea contra

uma certa ideia de memorização,

aquela coisa de saber a tabuada de cor e salteado, a ladainha ou se quisermos

alargar o assunto, o estereótipo4.

Amiúde assistimos a perseguições

impiedosas aos estereótipos no

desenho, em particular o infantil. Eis

uma frase ilustrativa do que acabo de

afi rmar: Os desenhos estereotipados

empobrecem a perceção e a imaginação

da criança, inibem a sua necessidade

expressiva; bloqueiam os seus

processos mentais, não permitem que

desenvolvam naturalmente as suas

potencialidades.

Preconizar a abolição do estereótipo

em nome da inventividade será

manifestamente uma injúria à tra

dição, ao reconhecimento identitário

de uma comunidade e aos seus sistemas

de comunicação. Nenhuma centelha

de criação acontece a partir do nada.

A tabula rasa será sempre uma utopia

e nem mesmo os espíritos mais

libertários e progressistas do passado

conseguiram romper de forma absoluta

com a milenar herança vérbico-visual.

Deseja-se a destruição das formas fi xas,

repetitivas e de aparência absurda

1 Talvez importe no presente preocuparmo-nos com a afi nação das palavras, cada vez mais de-sapossadas do seu signifi cado original. Eti-mologicamente Cor — deriva

do Latim Cor (cordis) que signifi ca do coração, lugar do sentimento e espírito; do grego: καρδιά; do francês: cœur; tendo como família etimológica exemplos como: concordar [com

o coração], cordial [grato ao coração]; recordar [voltar ao coração], etc. Esta investigação surge de uma recolha livre a partir de vários dicionários etimológicos mas tomando

“(…) Quanto mais o ouvinte se esquece de si próprio, tanto mais profundamente se grava nele aquilo que ouve.”

Escreve ou desenha alguma forma que saibas de cor.

como referência o Dicionário Hou-aiss da Língua Portuguesa.2 Steiner, George — No Castelo do Barba Azul. Relógio D´água, Lisboa, 1992. P.1113 Benjamin, Walter — Sobre arte, técnica, linguagem e política. Relógio D´água, Lisboa, 1992. P. 364 Estereótipo — chapa de metal sólida e inteiriça

gravada fotome-canicamente em relevo destinada à impressão de imagens e textos em prensa tipográfi ca. Es-téreo — do grego stereós,á,ón; sólido, pode dizer-se tridimensional, em compostos da terminologia técnica e científi ca do século XIX em diante. Tipo — do grego túpos, marca feita a

golpe, marca impressa, fi gura, símbolo etc., do latim typus, fi gura, imagem, estátua; representação; objecto ou coisa que serve ou se usa para produ-zir outro igual ou semelhante; modelo.5 Idem, p.56

Page 9: Serviço Educativo | Lura nº 26 | 2014

PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS 9 | LURA

Entre 30 de maio e 1 de junho, o Servi-

ço Educativo d’A Ofi cina apresenta um

espetáculo de poesia para crianças entre

os 3 e os 5 anos, de seu nome Poemas

Para Bocas Pequenas, de Margarida

Mestre e António-Pedro. Tendo estreado

no dia 14 de janeiro deste ano no Teatro

Maria Matos, apresentamos aqui uma

pequena entrevista, pertencente à folha

de sala do espetáculo.

A entrevista é conduzida por Susana Me-

nezes, programadora do Serviço Educa-

tivo daquele teatro.

Susana Menezes: Para que achas que

serve a poesia?

Margarida Mestre: A poesia é um local

em que se cruza a beleza das coisas com

a linguagem que as diz.

Susana: Achas que há poemas do tama-

nho da boca e poemas do tamanho do

corpo inteiro?

Margarida: Sim, há poemas que preci-

sam de poucas palavras para nos dei-

xarem uma enorme paisagem de pensa-

mento, outros que precisam de muitas

palavras para chegarmos a senti-los no

corpo todo. Além disso, precisam de

tempo para as palavras se instalarem no

nosso corpo e começarem a produzir a

sua música.

Susana: Qual foi o critério que utilizaste

para a escolha dos poemas que entram

no espetáculo?

Margarida: Escolher poemas que me

encantassem, que com eles vibrasse ou

me emocionasse e encontrar um leque

de temas que verdadeiramente tocasse

no pensamento e no corpo das crian-

ças desta faixa etária. Ou, pelo menos,

naquilo que eu acho que é o pensamento

e sensibilidade delas. Depois, lancei-me

também eu na escrita de poemas a partir

das conversas que fi zemos com a Dina

Mendonça (especialista em Filosofi a

para crianças) e um grupo de crianças do

jardim de Infância da Voz do Operário.

Susana: Quais são as tuas principais

preocupações quando fazes um espetá-

culo para crianças?

Margarida: Quero sempre fazer um

espetáculo que interesse a todos. Exijo

a qualidade de conteúdos e de interpre-

tação igual a qualquer outro e privilegio

a experiência musical e sensorial da

linguagem e dos temas. A experiência do

corpo, dos sentidos. Procuro também

encontrar momentos de encantamento

com recursos simples, ao nível da capa-

cidade de descodifi cação, promovendo a

surpresa e tentando ir para além daquilo

que esperam. Preocupo-me em escolher

temas que lhes interessem e (espero)

alargar esse horizonte!

Susana: Dizes poesia ao teu fi lho?

Margarida: Muito. Ensaio com ele!

Susana: Dizes poesia no banho?

Margarida: Não. Não sei se conseguiria

depois secar as palavras todas para que

voassem à sua vontade.

Poemas para Bocas Pequenas

Page 10: Serviço Educativo | Lura nº 26 | 2014

© Paulo Pacheco

TRILHOS MARCAS QUE FICARAM E QUEREMOS PARTILHAR10 | LURA

Quando passar por mim na rua, diga-

-me qualquer coisa

e não como auxílio de locomoção. E o

“adereço” não entrará no espetáculo. Só tenho pena é que isto…acaba hoje. Mas é mesmo assim, não é? Tem de acabar... (É, Miguel, é mesmo assim, tem de ter um

fim como tem um início. Desculpe…)

O jantar segue animado. Cantam,

dançam. Brincam como devíamos todos

até ao fim da vida. Mas alguém dá as

horas e um brinde dita o fim do jantar.

Responsabilidade maior: preparar para

entrar em palco. Rumam aos respetivos

camarins. E eu…fico a sorrir.

O espetáculo. Os que o perderam,

perderam também uma magistral aula

de saber estar – simples, e contudo

complexo. Gestos que vão até onde

os músculos permitem, corpos que

denunciam o tempo mas também a

dignidade de quem não se esconde, de

quem não pede desculpa por décadas

vividas. Corpos que contrariam o

preconceito e que por isso também

correm, se entregam ao chão e ousam a

procura do desequilíbrio. Movimentos

que refletem as vidas, com uma grande

parte passada em fábricas ou debaixo

do sol que queima o rosto mas não cega

a alma. E a Margarida! Que faz, quanto

a mim, uma das coisas mais difíceis em

cena – simplesmente ESTÁ, à boca de

cena, imóvel porém viva, encarando

o público com a mesma serenidade

com que diz bom dia quando chega

a qualquer lado. No seu tempo, sem

pressa, sem ansiedade e um sorriso que,

não estando lá, podemos todos senti-lo

na plateia.

E o tempo voa e o espetáculo termina.

Cá fora, mais um brinde, desta vez

com toda a equipa. Fica-se assim um

bocadinho. Trocam-se sorrisos e alguém

diz e pronto! Já está! Trocam-se abraços

e dão-se as despedidas. Até à próxima! E que não demore… Quem acompanha um grupo de

participantes como este fica com um

misto de sensações no final. Por um

lado, a satisfação de ver concluído

um projeto que, paralelamente à

dimensão artística tem uma importante

dimensão social. Permite a integração

das ditas comunidades na criação

artística, dando-lhes não o lugar dos

artistas mas o seu próprio lugar na

manifestação artística, respeitando

e, diria, honrando, quem são e quanto

podem contribuir. Por outro lado, e há

que admiti-lo, uma certa tristeza porque

sabemos que aquelas pessoas, amanhã,

sentirão um certo vazio. Mas passará…

(sim… e as experiências valem por si só e

pelo tempo que duram).

Sandra Barros*

*

integra a equipa do

Serviço Educativo

Quando passar por mim na rua, diga-me qualquer coisa. Mesmo que não a reconheça. O receio da Joaquina

prende-se com a memória. O corpo

que sabe de cor o que tem de fazer em

palco dali a duas horas e a cabeça que

tantas pistas deu aos mais “novos”

durante os ensaios, receiam perder-se

nos meandros do quotidiano. O aspeto

cuidado e o batom nos lábios não

denunciam os seus 89 anos. Mas eles

estão lá e ela sabe-o.

Encontro a Joaquina junto do restante

elenco d’O Tempo do Corpo – espetáculo

no qual participam. São 17 pessoas,

entre os 63 e os 89 anos. Estão neste

momento no jantar volante que

antecede o espetáculo. Entusiasmados,

relembram histórias enquanto comem.

Umas, a maioria, memórias alegres.

Outras tristes, das que geram o silêncio

de quem procura na memória mais do

que a sucessão dos factos, a emoção do

momento rememorado.

Mas logo alguém interrompe – E lembram-se quando…? E o som estala de

novo em risos.

São mestres de cerimónia e convidados

da sua própria festa. Pergunto,

brincando, se não vão gastar as energias

todas no jantar. Riem. Oh menina, eu sinto-me melhor do que nunca, diz um. E logo outro – por mim, depois [do espetáculo] ainda podemos ir bailar à antiga.(façamos uma pausa no jantar e

falemos um pouco sobre O TEMPO

DO CORPO. Este é um projeto de

dança contemporânea com direção

de Sofia Silva. Destina-se a ser

interpretado por pessoas com mais

de 60 anos e desenvolve-se a partir

das características do corpo de cada

participante, revelando a maturidade

de cada movimento e assumindo o

corpo como um documento que regista

a passagem do tempo. Com apenas

duas semanas de trabalho, se bem que

intensivas, o espetáculo apresentou-se

no Pequeno Auditório do CCVF, a 12 de

outubro de 2013)

De volta ao jantar…divirto-me muito

na companhia destas pessoas. É

contagiante a sua alegria. A alegria

de estarem ali, de fazerem parte

do projeto, de terem quebrada a

sua rotina. Quando o Miguel me

confessa que na noite anterior dormiu

maravilhosamente, como há muito não

lhe acontecia, retorqui que os ensaios e

o cansaço tinham esse efeito. Emociono-

me quando ele diz nada disso!, sinto-me é muito bem!. É por isso que lhe é mais

fácil adormecer; por isso a canadiana

que usa habitualmente há já uns dias

que funciona como simples adereço

Page 11: Serviço Educativo | Lura nº 26 | 2014

António Matos*TODOS POR UMA CAUSA

Todos pela Deficiência O “Todos por uma causa – Todos pela deficiência” é um evento cuja primeira

ação datou 19 de julho de 2013, na Pis-

ta Gémeos Castro, em Guimarães.

Surgiu da necessidade da Santa Casa

da Misericórdia de Guimarães levar à

comunidade, com o auxílio de variadís-

simos parceiros, a realidade que pode-

mos encontrar na valência ALECRIM –

Lar Residencial e Centro de Atividades

Ocupacionais para a Deficiência.

Contámos com mais de 100 participan-

tes portadores de deficiência que pude-

ram participar em dois dos seis ateliês

preparados (dança, pintura, boot camp,

sentidos, relaxamento ativo e ioga) e

mais de 20 voluntários distribuídos por

elementos da Santa Casa da Misericór-

dia de Guimarães, elementos indepen-

dentes e da Cruz Vermelha Portuguesa.

Terminámos a manhã com uma atuação

verdadeiramente surpreendente

das “Rodas Dançantes” e seguimos

para um almoço piquenique de

confraternização.

Durante a parte da tarde, os técnicos,

os utentes, os familiares e o pessoal au-

xiliar teve o privilégio de participar na

conferência “Diferença Feliz” ministra-

da pelo Professor Álvaro Cidrais, se-

guida de uma tertúlia que abriu espaço

a partilhas entre os presentes.

Este grande dia, o primeiro de muitos

que contamos organizar, terminou com

uma largada de balões e o agradecimen-

to a todas as pessoas, instituições e par-

ceiros que tornaram este dia possível.

Tendo em conta as repercussões positi-

vas deste evento, tencionamos repeti-

lo e alargá-lo a outras populações, às

escolas, a toda a população, massifi-

cando a participação neste evento e,

por isso, chegou a hora de qualquer

cidadão participar de forma ativa e

ajudar à repetição deste evento.

Nos dias 7 e 8 de Dezembro, entre as

10h e as 19h, realizou-se nas instala-

ções do nosso parceiro “Arrecadações

da Quintã” uma ação de angariação de

ajudas para a realização da 2a edição

do “Todos por uma causa – Todos pela deficiência”. Trocámos lindíssimos

objetos de decoração por generosidade

e o montante recolhido reverteu para

toda a organização da 2a edição do

“Todos por uma causa – Todos pela deficiência”.

Toda a ajuda é um degrau que

ultrapassamos e que nos aproxima

do grande objetivo que passa por

organizarmos um dia que visa a

partilha de emoções, aprendizagens,

saberes e vivências ricas, alargado a

todos os que queiram fazer parte, sem

rótulos, diferenças ou limitações.

Contamos consigo! Contamos com a sua

luta por esta causa!

[email protected]

Aceitam-se Colaborações, Sugestões, Ideias e Outras Coisas… para publicação neste Jornal

Dir

eito

s R

eser

vado

s

* Animador Sociocultural da

valência CAO/Alecrim da Santa Casa

da Misericórdia de Guimarães

MIGRARDo cais 33 à casa da Helena, passando por GuimarãesA performance comunitária Migrar foi

construída a partir de um desafio da

associação cultural La Fin Terrible, de

Ovar, dirigida, entre outros, por Fátima

Alçada e Rafael Polónia. Ambos, nós e

eles, Amarelo Silvestre e La Fin Terri-

ble, queríamos muito pensar a cidade,

pensar as pessoas na cidade. Imaginámo-

-nos, então, a partir para chegar como se

fosse pela primeira vez. A fazer um per-

curso. Pensámos fazer isso em silêncio,

para que a cidade se fizesse ouvir.

Fascina-nos o que diz Merleau-Ponty: “Só

vemos aquilo para que olhamos”. Então,

partimos e chegamos à mesma cidade e

olhamos muito. Para ver. Para nos ver. E

depois há perguntas: Que cidades somos

nós? As cidades também morrem? Mais,

mais perguntas. Quando olhamos muito,

ficamos com fome de perguntas.

A 7 de Setembro deste ano 13 aconteceu

partir e chegar à mesma cidade de

Guimarães.

Chegámos ao Cais 33. Central de camio-

nagem. À nossa frente, toda a cidade que

conhecíamos e desconhecíamos como

a palma da nossa mão. E logo naquele

instante da chegada, partimos. A mala

na mão, claro. Tudo o que eu tenho trago comigo1.

Partimos do Cais 33. Os pés no chão, a

pele debaixo do sol. A mala na mão, claro.

Migrantes a caminho. Enquanto viajas ainda não chegaste1. Quanto mais cida-

des deixávamos para trás, mais cidades

tínhamos pela frente. A cidade betão, a

cidade campo, a cidade ruína, a cidade

rio, a cidade pessoas, a cidade tanque, a

cidade comunidade, a cidade labirinto, a

cidade ruína humana, a cidade postal, a

cidade Património, a cidade pulmão, a ci-

dade trabalho, a cidade fábrica, a cidade

couros, a cidade papão, a cidade casa.

Olhámos para o relógio: a solidão nos

passos contados. 2 horas a pé. Da nossa

boca, silêncio. A cidade a entrar-nos

pelos olhos, pelo nariz, pelos ouvidos,

a colar-se-nos à pele. Que cidade quere-

mos para nós? Quem é que a cidade quer

para ela?

Chegámos a casa da Helena. Rua da

Rainha. Sejam bem-vindos. A casa era,

afinal, nossa. Fazes falta aqui. E fize-

mos chá e pusemos bolachas na mesa e

olhámo-nos nos olhos. Chegámos. E só

não descalçámos os sapatos para calçar

os chinelos porque estávamos prestes

a partir para chegar, novamente. Eu sei que voltas. Uma frase destas mantém uma pessoa viva1. E voltámos. Cada qual

à sua cidade casa. E, quando nos olhá-

mos ao espelho, éramos outra cidade,

porque partimos para chegar ali.

*

Criadores e intérpretes

de Migrar – Performance

Comunitária; fundadores da

Associação Amarelo Silvestre

Fernando Giestas e

Rafaela Santos*

© D

irei

tos

Res

erva

dos

1 frases do livro Tudo o que eu

tenho trago comigo, de Herta

Müller, inscritas ao longo do

percurso de Migrar.

11 | LURANA LURA ESPAÇO DE TODOS PARA TODOS

Page 12: Serviço Educativo | Lura nº 26 | 2014

Visita Exposição

02 JANEIRO A 02 FEVEREIRO

Flor na Pele

Visitas/ Oficinas

11 JAN., 08 FEV., 01 MAR, 08 MAR

Sábados em Família

Visita Exposição

25 JANEIRO A 13 ABRIL

A composição do ArProvas de Contacto José de GuimarãesEstrela negra Jarosław FliciňskiPreto no branco Oficina ARARA

Visita Exposição

25 JANEIRO A 06 ABRIL

Coração e Cinzas Arlindo Silva

Oficinas Artes

JANEIRO A MARÇO

Vai e Vem

Visita CCVF

JANEIRO A MARÇO

Um teatro por dentro e por fora

Oficinas

JANEIRO A JULHO

Oficinas de artes tradi-cionais

Teatro

31 JANEIRO E 01 FEVEREIRO

Uma aventura no espaço

Teatro

09 A 11 MARÇO

A Caminhada dos Elefantes

Visita PAC

JANEIRO A MARÇO

Do Mercado à Plataforma

M/ 12 ANOS

Teatro

28 E 29 MARÇO

MIMA- -FATÁXA

Audiowalk

TODO O ANO

Atabicar o caminho

M/ 4 ANOS M/ 6 ANOS JOVENS E ADULTOS

Preços_Consultar condições específicas em www.ccvf.pt

Reservas para espetáculos

Tlf 253 424 700 / Fax 253 424 [email protected]

Informações e reservas para outras atividades

Tlf 253 424 [email protected]

Centro Cultural Vila FlorAv. D. Afonso Henriques, 7014810 431 Guimarães Tel 253 424 [email protected]

Organização Apoios

MAPA DE BOLSOA nossa agenda do trimestre

Oficinas Artes

JANEIRO A MARÇO

Atelier Aberto CIAJG

Oficinas Arte Pedagogia

29 E 30 JAN | 19 E 20 FEV

19 E 20 MAR

Corpo comum

Aulas Públicas

22 FEVEREIRO

10 X 10

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