SANTOS_F.

20
41 ARTIGOS Fabiane Vinente dos Santos (UNICAMP) Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnográfica no Alto Rio Negro Frente a um contexto de profundas transformações na região do Alto Rio Negro, Noroeste Amazônico, especialmente aquelas relacionadas ao papel do antropólogo e de suas práticas, pretendo discutir as perspectivas relacionais de antropólogos, acadêmicos indígenas e especialistas xamânicos sobre a gestão dos conhecimentos endógenos e exógenos no Alto Rio Negro. A etnografia realizada oscila entre o contexto específico de um povoado no rio Tiquié – para demonstrar como as questões abordadas se dão em um âmbito mais inclusivo – e o pano de fundo mais amplo da cidade de São Gabriel da Cachoeira, centro urbano regional e palco de boa parte das discussões públicas dos indígenas relacionadas a temas como o da educação formal. A principal linha de pensamento defendida é a de que o papel da antropologia e do antropólogo é dimensionado de acordo com as relações estabelecidas destes diferentes sujeitos entre si, de uma perspectiva que privilegia as relações dentro do campo, tomando uma direção diferente daquela que Clifford (2008) explora em relação à chamada autoridade etnográfica, que foca em como os antropólogos construíram a legitimidade científica para “falar sobre o Outro” nas primeiras décadas do século XX. Nosso alvo aqui são as relações entre o antropólogo e os demais sujeitos da pesquisa, que são ainda mais complexas atualmente em função dos indígenas que se tornam antropólogos. A MALOCA DE TELHAS, ANACRONISMO, MODERNIDADE E AS TRAJETÓRIAS DO CONHECIMENTO A PARTIR DE PARI-CACHOEIRA Siripa, no alto curso do rio Tiquié, como muitas aldeias indígenas do Alto Rio Negro, abrigava até as primeiras décadas do século XX uma grande Casa Comunal, chamada em tukano de Wi’i . As Wi’i são construções cujas dimensões geralmente variam entre 20–30 metros de comprimento e até 10 metros de altura, com espaços Campos 13(1):41-60, 2012

description

_Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnográfica no Alto Rio Negro

Transcript of SANTOS_F.

  • 41ARTIGOS

    Fabiane Vinente dos Santos (UNICAMP)

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    Frente a um contexto de profundas transformaes na regio do Alto Rio Negro, Noroeste Amaznico, especialmente aquelas relacionadas ao papel do antroplogo e de suas prticas, pretendo discutir as perspectivas relacionais de antroplogos, acadmicos indgenas e especialistas xamnicos sobre a gesto dos conhecimentos endgenos e exgenos no Alto Rio Negro. A etnografia realizada oscila entre o contexto especfico de um povoado no rio Tiqui para demonstrar como as questes abordadas se do em um mbito mais inclusivo e o pano de fundo mais amplo da cidade de So Gabriel da Cachoeira, centro urbano regional e palco de boa parte das discusses pblicas dos indgenas relacionadas a temas como o da educao formal.

    A principal linha de pensamento defendida a de que o papel da antropologia e do antroplogo dimensionado de acordo com as relaes estabelecidas destes diferentes sujeitos entre si, de uma perspectiva que privilegia as relaes dentro do campo, tomando uma direo diferente daquela que Clifford (2008) explora em relao chamada autoridade etnogrfica, que foca em como os antroplogos construram a legitimidade cientfica para falar sobre o Outro nas primeiras dcadas do sculo XX. Nosso alvo aqui so as relaes entre o antroplogo e os demais sujeitos da pesquisa, que so ainda mais complexas atualmente em funo dos indgenas que se tornam antroplogos.

    A M A L O C A D E T E L H A S , A N A C R O N I S M O , M O D E R N I D A D E E A S T R A J E T R I A S D O C O N H E C I M E N T O A PA R T I R D E PA R I - C A C H O E I R A

    Siripa, no alto curso do rio Tiqui, como muitas aldeias indgenas do Alto Rio Negro, abrigava at as primeiras dcadas do sculo XX uma grande Casa Comunal, chamada em tukano de Wii. As Wii so construes cujas dimenses geralmente variam entre 2030 metros de comprimento e at 10 metros de altura, com espaos

    Campos 13(1):41-60, 2012

  • 42

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    diferenciados para ritos e para a vida domstica, e habitadas por um grupo de agnatos e suas esposas, oriundas de outros grupos exogmicos. Sua arquitetura expressa a concepo cosmolgica do grupo, constituindo-se no espao de reproduo social por excelncia. A Casa de Siripa, comunidade conhecida em portugus como Pari-Cachoeira, pertencia ao cl tukano oriental Yepar-Panicu, apelidados de Battitoror (sorvedores de japur).

    As Casas Comunais contavam com uma eficaz diviso de tarefas entre homens e mulheres a fim de garantir alimento, proteo e equilbrio espiritual para todos os seus habitantes. Em sua etnografia sobre os Barasana outro grupo tukano oriental, na Colmbia , Christine Hugh-Jones (1979: 19) descreve a existncia de cinco papis na manuteno da Casa: o chefe (coordenao dos trabalhos comunitrios), o guerreiro (chefe de guerra, responsvel pela defesa contra inimigos e assaltos a grupos hostis), o servo (auxiliar do chefe), o bay (plural bayaro, mestres de cantos e danas) e o kumu (plural kumua, mestre de benzimentos), cada um com prerrogativas especficas. Os kumua conheciam o nome de cada criana nascida na Casa, pois eram eles quem as batizavam, de acordo com os ritos onomsticos dos Tukano. Outra figura o yai, cujas prerrogativas na intermediao com o mundo espiritual avanam as do kumu, envolvendo o que Stephen Hugh-Jones denominou de xamanismo vertical, que implicaria em conhecimentos esotricos compartilhados por uma pequena elite de homens (Hugh-Jones 1996: 71).

    A implantao de uma Misso Salesiana na dcada de 1940, com pista de pouso, hospital, igreja, escolas e internatos masculino e feminino, modificou profundamente o quadro social de Pari-Cachoeira, que passou a receber, durante as dcadas seguintes, crianas e jovens de vrias regies do Tiqui que vinham em busca da escolaridade propagada pelos missionrios. Com o fechamento dos internatos na dcada de 1980, as famlias de estudantes foram obrigadas a se mudar para o povoado durante o ano letivo a fim de acompanhar os filhos e netos durante as aulas, modificando assim a paisagem local, que se tornou cada vez mais multitnica. Hoje, Pari-Cachoeira conta com uma populao de cerca de 800 pessoas, de vrias etnias Tukano, Desana, Tuyuka, Bar, Barasana, Hupda.

    Alm da interveno missionria, que introduziu novas modalidades de distribuio espacial no territrio do povoado, nas dcadas de 1980 e 1990 Pari-Cachoeira foi alvo de uma srie de intervenes por parte do projeto Calha Norte, um programa militar que acrescentou localidade alguns elementos que convergiam com os anseios dos Tukano sobre progresso e desenvolvimento, como um mini-hospital (que nunca funcionou) e uma mini-usina hidreltrica (que s atende ao Peloto). Ao mesmo tempo, subtraa parte do territrio tradicional em uma proposta de demarcao em ilhas que recortava o territrio indgena, engendrada pelo Conselho Nacional de Segurana em Braslia com o propsito de reservar grande parte da terra para projetos de explorao mineral e madeireira. Esta proposta acabou descartada anos depois (Buchillet 1991) e substituda pela vigente, de carter contnuo, concluda em 1997. Essa experincia, contudo, no vista como completamente negativa por algumas lideranas Battitoror, que comentam que a ateno dada a Pari-Cachoeira por parte do governo brasileiro na poca no encontrou ainda paralelos atuais.

  • 43ARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    Em meio a tantas transformaes, a presena de etnlogos no Tiqui foi uma constante, desde a passagem do etnlogo alemo Theodor Koch-Grnberg, no incio do sculo XX. Durante meu trabalho de campo, muitas foram as ocasies em que fui confrontada com a ideia que os indgenas faziam da antropologia. Acostumados a conviver com pesquisadores interessados em determinados aspectos de suas vidas, como os rituais das flautas Miri (S. Hugh-Jones 1979) ou suas prticas teraputicas, os Battitoror eventualmente demonstravam certa irritao com o que consideravam uma inconveniente insistncia por parte dos antroplogos em resumi-los a esses traos.

    Lutando h muitas dcadas para serem vistos pelos pekas (como chamam aos no indgenas) como aptos a usufrurem de sua tecnologia e do prestgio proporcionado por novas formas de diferenciao social trazidas pelo contato como a escolaridade e o assalariamento , os Tukano de Pari-Cachoeira receiam serem descritos por seus etngrafos como pessoas que vivem no passado. O visitante ser apresentado a smbolos importantes desse esforo, como documentos, projetos e obras urbansticas no povoado, na tentativa de mostrar o quanto eles so afeitos ao progresso e modernidade, cuja concepo foi construda em torno do urbanismo.

    Ao longo de sua histria de contato, a convivncia com os pekas tambm proporcionou a elaborao de conhecimento a respeito de como pensam e agem os diversos tipos de pekas com os quais se relacionaram: missionrios, militares, comerciantes e antroplogos, estes ltimos caracterizados por seu especial interesse na cultura indgena e, por isso, grandes conhecedores dela. Alguns dos antroplogos que circulam pelo Tiqui so apontados pelos indgenas, no sem alarme, como gente que conhece a tradio mais do que ns mesmos.

    Um fato curioso mostrou em tintas fortes a divergncia entre a forma como os Battitoror se veem e a forma como representam a viso dos antroplogos sobre eles. Certa vez, durante uma reunio com vrias lideranas locais na qual alguns problemas frequentes eram levantados, um dos presentes tomou a palavra e em seu discurso atribuiu tais problemas ao descontrole sobre os jovens e ao enfraquecimento dos rituais, ressaltando a necessidade de valorizar a cultura. Logo um dos filhos do falecido kumu, que lutava internamente para ser reconhecido como sucessor do pai, sugeriu a reconstruo da Casa Comunal de Pari. Sua sugesto, apoiada por todos os presentes, tambm corroborava suas aspiraes pessoais, pois a reconstruo da Casa Comunal, que teria a ele prprio como o mais apto para ocupar o posto de mestre da maloca, fornecer-lhe-ia a legitimidade poltica para exercer o papel de kumu. A construo da Casa Comunal seria, ainda, um grande passo no sentido de reafirmar as tradies, ou seja, os elementos tidos como mais autnticos das culturas indgenas locais as danas, o xamanismo, a cosmologia etc., tidos como cultura.

    Uma explicao mais aprofundada do que vem a ser cultura neste contexto necessria neste momento. Tomo aqui as reflexes de Andrello (2006), que discutiu a questo entre os indgenas tariano e tukano da localidade de Iauaret, no rio Uaups. A cultura serviria como referncia para a diferenciao no apenas entre indgenas e no indgenas, mas tambm dos ndios entre si.

  • 44

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    A cultura (...) aparece como algo exclusivo dos ndios, e que os distingue entre si. J os brancos, com suas outras comidas, seriam outro tipo de gente. No possuem cultura, pois no possuem benzimentos ou nomes cerimoniais, e suas coisas, isto , as mercadorias, o dinheiro, a escrita e seus conhecimentos, foram historicamente classificados como civilizao (Andrello 2006: 277).

    A reconstruo da Casa Comunal insere-se, assim, em uma discusso mais ampla, que remete afirmao de uma especificidade enquanto unidade discreta a partir do que seriam os traos concretos da cultura: as comidas tradicionais, os cantos, a Casa Comunal, entre muitos outros elementos.

    De volta assembleia de Pari-Cachoeira, a proposta suscitou muitas conversas, todos discutindo sobre onde seria a construo, de que tamanho e como ela funcionaria. O grande problema dessas coisas, disse um dos professores tukano em portugus, para que ns entendssemos, que a maloca coberta com caran1, e quase j no temos mais caran aqui. Se ningum mora na maloca e no faz fogo, o teto no fica bom, logo a umidade toma conta e tem que trocar a palha. Como vamos fazer isso sem caran?.

    Novo rebulio e alguns minutos de dilogos na lngua tukano ocorreram at que o lder da comunidade dirigiu-se em portugus aos pekas presentes e explicou, com visvel cuidado, que, devido ao problema para conseguir caran na regio, eles estavam cogitando substituir o telhado por um material industrializado talvez telhas de barro. Fez-se um silncio profundo no recinto.

    No posso negar que fiquei surpresa com o carter inusitado da ideia, mas por fim ponderamos que seria uma tima soluo, pois um telhado permanente evitaria as constantes trocas de palha embora a questo logstica do transporte de tantas telhas pelo rio, alm de seu custo elevado, ainda tivesse que ser solucionada. Uma das professoras que estava sentada ao meu lado exclamou, sem esconder o contentamento: Puxa, vocs so mesmo antroplogos modernos!. Como nos explicaram depois, a ideia de uma maloca de telhas j havia surgido outras vezes, mas eles jamais imaginariam que algum antroplogo pudesse concordar, pois, para eles, antroplogos sempre querem ver tudo como era antigamente, o que demonstra a permanncia em Pari-Cachoeira de uma imagem essencializada do antroplogo e de seu ofcio.

    Em primeiro lugar, parece que a oposio entre obsoleto e moderno uma marca dessa relao. Em linhas gerais, pode-se dizer que, pelo menos em Pari-Cachoeira, os antroplogos frequentemente so vistos pelos indgenas como amantes do anacronismo, ou seja, de um passado idealizado dominado por tradies indgenas congeladas no tempo que, insistem os Battitoror, no correspondem mais s transformaes vivenciadas por eles nas ltimas dcadas. Essa interpretao, bom lembrar, no necessariamente consensual em todo o Alto Rio Negro, onde diversos projetos envolvendo profissionais como antroplogos tm contribudo para romper com dicotomias desta natureza.

    Por outro lado, no deixa de ser irnico que essas interpretaes guardem semelhanas com a imagem to combatida pela antropologia contempornea das culturas indgenas como congeladas no passado. Aparentemente temos uma projeo dessas representaes, mas desta vez em relao ao prprio antroplogo.

  • 45ARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    Por outro lado, essa constatao um tanto dura no deve obscurecer o fato de que antroplogos so frequentemente requisitados pelos indgenas tanto como fonte de prestgio como quando os Battitoror reconhecem o valor poltico da presena de antroplogos quanto como auxlio valioso para escrita de livros como os que tm sido editados na Coleo Narradores do Rio Negro (Andrello 2010: 2812) ou na escrita de projetos de valorizao cultural. Minha inteno aqui abordar alguns aspectos dessa relao complexa entre indgenas e antroplogos, buscando na forma da construo dos conhecimentos que circulam hoje no Alto Rio Negro a maneira como essa relao desenvolvida.

    Nesse campo no sentido empregado por Bourdieu (1990) entram em embate vrios projetos tidos como tradicionais, uma categoria nativa que envolve especialmente os conhecimentos xamnicos, tidos como cultura na acepo de Andrello (2006). Os principais representantes desta tradio so os especialistas xamnicos (kumu, yai, bay), mas ela pode ser remanejada para outras esferas, de acordo com a convenincia dos sujeitos, incluindo os cientficos representados pelos antroplogos e tambm pelos demais pesquisadores que atuam junto aos indgenas (bilogos, linguistas, mdicos, alm de alguns indgenas que tiveram acesso a cursos de ps-graduao). Veremos como esses sujeitos constroem a figura do antroplogo e como este se relaciona com cada um deles. Tomei como ponto de partida a localidade de Pari-Cachoeira, mas os relatos referem-se ao Alto Rio Negro em geral, especialmente a sede urbana do municpio de So Gabriel da Cachoeira.

    C O N S T I T U I O D E S A B E R E S

    A histria de contato no Alto Rio Negro pode ser resumida em linhas gerais a partir de alguns marcos: a chegada das misses e o comrcio escravagista de indgenas (17301760), os descimentos e aldeamentos (de 1761 at o incio do sculo XIX), o comrcio mercantil e os programas de civilizao e catequese (1830 e 1860), o primeiro ciclo da borracha (18701920), o perodo das misses salesianas (a partir de 1914) e a era do associativismo indgena (a partir de 1990) (Cabalzar 2009: 301).

    O intenso investimento da Igreja Catlica na colonizao da rea do Alto Rio Negro, com seus 22 povos indgenas, iniciado por volta de 1914, teve como principais diretrizes a condenao das prticas xamansticas, a dissoluo das Casas Comunais (substitudas por casas nucleares) e a consolidao de um projeto nacional-integracionista por meio da articulao de um sistema educacional pautado no dito mtodo preventivo de Dom Bosco, fundador da ordem Salesiana (Camargo & Gonalves 2006:448). Uma rede de escolas e de internatos nas cinco sedes das Misses implantadas garantiu a escolarizao em massa, ao preo alto da desestruturao da organizao social das aldeias e da retirada de muitas crianas do seio familiar.

    Por esse motivo, ao contrrio de grande parte das reas indgenas brasileiras, o Alto Rio Negro possui, alm da rede articulada de escolas rurais com projetos de educao culturalmente diferenciada implantados pela Prefeitura Municipal, escolas criadas e autogeridas pelos indgenas, fruto de um intenso processo de articulao entre setores pblicos e organizaes no governamentais (ONGs) parceiras.

  • 46

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    importante lembrar ainda o papel da Igreja na formao da primeira gerao de indgenas com nvel superior nas redes municipal e estadual de ensino. Na dcada de 1980, com carncia de pessoal qualificado para suas escolas, a Misso Salesiana enviou vrios alunos indgenas formados em seus internatos para cursos de Licenciatura em faculdades catlicas existentes em outros estados brasileiros.

    Alm disso, a oportunidade de ingressar em um curso superior ainda hoje franqueada aos que acenam com interesse em abraar a vida religiosa. Em Pari-Cachoeira, um nmero expressivo de jovens, moas e rapazes ingressa na Misso na condio de vocacionados. Este um primeiro estgio para os que pretendem seguir o sacerdcio, a partir do qual podem ou no optar por continuar no processo de formao, at fazerem os votos como padres ou freiras. Vrios acadmicos indgenas passaram por esse processo e, embora a maioria no tenha chegado a tornar-se religioso, optando por retornar para casa como leigo, no foram poucos os que retornaram com um curso superior concludo e que hoje atuam como professores e diretores de escolas.

    Em Pari-Cachoeira, a implantao de uma escola com internato para crianas na dcada de 1940 proporcionou, como vimos, o recebimento de alunos oriundos de vrias partes do Tiqui que vinham estudar na Misso. Com a extino dos internatos na dcada de 1980, vrias dessas famlias migraram para Pari-Cachoeira a fim de acompanhar os filhos durante o perodo letivo. Essa adeso ao projeto de escolarizao foi comum a vrias reas do Alto Rio Negro. Lasmar (2009), analisando a relao dos indgenas do rio Uaups com a escolarizao, afirma que o movimento coletivo em direo escola, refletido no alto investimento dos pais em possibilitar aos filhos o acesso educao formal, tem seu fundamento na busca pelas capacidades atribudas aos brancos e seus saberes, conforme explicado nos mitos tukano e de outros povos da regio. A seguir temos um resumo da narrativa conforme a verso dos Yepar-Panicu, registrada na Coordenao Indgena de Pari-Cachoeira (CIPAC 2006):

    Uma grande canoa em forma de cobra [Pir Yuksi] foi criada pelos irmos Suria-Yeki, Suri-Parmi e sua irm Yep-Biki (os criadores) para ser conduzida pelo primognito dos Tukano, Dothiro. O que se chama hoje humanidade no existia, mas apenas um coletivo indiferenciado sob a forma de peixes. medida que a Canoa derrubada do cu e colocada na gua para dar incio sua viagem, assume a denominao de P'miri-Yuksi [Canoa da Transformao], pois ser no seu ventre que as gentes iro se transformar enquanto navega por baixo dgua. Ao longo da viagem, cujo destino final ser um buraco na Cachoeira de Ipanor (no rio Uaups) de onde as pessoas emergem, os ocupantes da Canoa da Transformao passaro por vrias paradas em casas [Wii] ao longo do caminho. Cada casa representa uma nova capacidade ganha; eventualmente, as casas contm aspectos negativos, como doenas e catstrofes naturais. Alguns obstculos tambm aparecero ao longo do caminho, como os ataques da serpente Seepir, que pode ser considerado o primeiro inimigo da criao. Ao fim da viagem, alguns dos passageiros, por diferentes motivos, no conseguem terminar as transformaes necessrias para emergir em Ipanor: o ancestral dos Pekas [Gente da lenha de fogo, espingarda] abreviou sua prpria transformao quando numa das paradas

  • 47ARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    escolhe as armas de fogo ao invs dos adornos e aps algumas peripcias ruma sozinho em direo ao sul. Os Wa Mas no foram considerados prontos e no lhes foi permitido emergir. Continuaram na condio de peixes e, invejosos dos antigos companheiros que saram, buscam sempre que podem atacar-lhes e trocar sua alma pela deles.

    Vrios outros episdios na mesma narrativa ressaltam a impetuosidade e intrepidez dos pekas. Se por um lado tais qualidades do a estes um carter por natureza antissocial e at perigoso, por outro as capacidades ganhas no processo, como a de inventar e manejar mquinas e armas e de usufruir riquezas, torna os brancos aliados desejveis. Para Lasmar, a escola seria um canal privilegiado de compartilhamento dessas capacidades. Os indgenas do Alto Rio Negro veriam a escola como uma oportunidade de apropriao desses saberes, o que lhes garantiria novas formas de reproduo social frente a um mundo em constante transformao.

    Outro canal importante para efetuar essas mediaes com o mundo dos brancos so as organizaes indgenas, tambm fruto de um processo de busca de autonomia. Na dcada de 1970, missionrios salesianos fomentaram as primeiras associaes, visando a proporcionar aos indgenas o acesso a produtos que se tornaram ento essenciais (como querosene, roupas, calados, sabo, sal, munio, anzis etc.) para integr-los atravs do trabalho e da economia de mercado. Essas primeiras experincias associativas, que estabeleciam as chamadas cantinas entrepostos de trocas de produtos rurais por produtos industrializados proporcionaram aos indgenas a oportunidade de experimentar novas formas de intermediao, que reverberaram mais tarde na constituio de organizaes prprias com bandeiras de luta poltica mais abrangentes, relacionadas principalmente questo da terra.

    A partir dessas primeiras experincias desencadeou-se o processo poltico que mais tarde deu origem Federao das Organizaes Indgenas do Rio Negro (FOIRN), fundada em 1987, organizao que congrega hoje mais de 80 organizaes indgenas de base do Mdio e Alto Rio Negro. A demarcao das quatro principais terras pleiteadas (Mdio Rio Negro I e II, Rio Apapris e Rio Ta) teve os processos concludos com a participao dos indgenas em 1998. No perodo subsequente, a FOIRN voltou-se, junto com seus parceiros, para questes ligadas sustentabilidade dos povos indgenas de sua rea de abrangncia, como preservao ambiental, educao, polticas de sade e gerao de renda.

    Uma das grandes conquistas da FOIRN e de seus parceiros foi a articulao de uma rede de escolas indgenas com currculos que articulam contedos culturalmente diferenciados como o ensino das lnguas maternas, mitologia com conhecimentos tcnicos de piscicultura e agroecologia com as matrias clssicas do currculo escolar formal (Matemtica, Cincias, Histria etc.). Tais escolas constituram-se em uma das estratgias dos indgenas, preocupados com a crescente evaso dos jovens das comunidades que rumavam para os centros urbanos e para as sedes das Misses em busca de concluir os estudos pois as escolas rurais geralmente s oferecem o ensino fundamental e no mais retornavam, alm de constiturem-se em um modelo de escolarizao que privilegia o

  • 48

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    componente da cultura e dos valores ticos e sociais de cada povo, apresentando-se com alternativa crtica ao modelo de escola formal implantado pelos missionrios.

    No que diz respeito ao ensino superior, nos ltimos anos, devido s exigncias da legislao educacional que estabelece a obrigatoriedade do nvel superior para quem exerce o magistrio, foram criados pelo poder pblico cursos na modalidade de Licenciatura2, tanto a convencional, direcionada s disciplinas escolares como Matemtica, Cincias, Geografia etc., quanto as chamadas Licenciaturas interculturais, voltadas para professores indgenas dos interiores dos municpios, como a Licenciatura em Polticas Indgenas e Desenvolvimento, da Universidade Federal do Amazonas.

    O acmulo de experincias na rea da educao garantiu, alm da escolarizao de grande parte da populao indgena do municpio de So Gabriel da Cachoeira, a insero de professores indgenas em programas de ps-graduao na capital do Estado e em outros pontos do pas. Ao lado dos cursos da rea de Educao, a Antropologia tem sido um campo propenso como opo de ingresso dos estudantes indgenas. Em So Gabriel da Cachoeira, um grupo de professores indgenas ps-graduados autodenominado Mestres Indgenas tem promovido, desde 2010, eventos voltados para a questo educacional e a pesquisa acadmica.

    O surgimento dos indgenas antroplogos no cenrio poltico do Alto Rio Negro tambm tem tido outro efeito: um interessante movimento de contestao das pesquisas e mesmo da presena de pesquisadores no indgenas. Essa questo ser abordada adiante. Por enquanto importante situar os diferentes posicionamentos frente a uma questo que tem ganhado muita importncia no Alto Rio Negro: a do projeto de ensino superior voltado especificamente para os povos indgenas.

    Uma das ONGs com intensa atuao na regio h vrios anos e que contribuiu decisivamente para o projeto de educao diferenciada desenvolvido com as organizaes indgenas e com a FOIRN lanou-se em uma nova empreitada: a construo de uma universidade indgena, com contedos diferenciados que incorporem os chamados conhecimentos tradicionais, inclusive com a participao direta dos kumua e bayaro.

    A proposta tem sido debatida em seminrios na cidade de So Gabriel da Cachoeira, para os quais so convidados a participar principalmente conhecedores tradicionais, lideranas polticas, antroplogos e outros sujeitos que atuam por meio de pesquisas na rea e outros interessados no projeto. A proposta busca a captao de recursos externos e obedece a um modelo semelhante ao das escolas diferenciadas, implantadas em vrias reas indgenas pelas prprias organizaes indgenas em parcerias com essa mesma ONG ao longo da primeira dcada de 2000. Embora nesses encontros seja destacado sempre o fato de que o projeto ainda est em construo, fica claro o desejo de estabelecer novos paradigmas, com contedos e metodologias diversos daqueles das universidades convencionais, definindo o que seria uma proposta inovadora para o ensino superior indgena (Instituto Sociambiental 2009:11), partindo da experincia das escolas indgenas j instaladas.

    A ideia de uma universidade indgena conquistou outros atores no Alto Rio Negro. Um processo similar foi desencadeado pelo grupo dos Mestres Indgenas, que se constitui como um coletivo poltico justamente a partir do objetivo em comum da construo de uma proposta prpria de universidade indgena no Alto Rio Negro. Os

  • 49ARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    caminhos escolhidos, contudo, diferem dos da ONG: por meio de parcerias com professores da Universidade Federal do Amazonas, pleiteiam a implantao da Universidade Indgena do Rio Negro (UIRN) nos cnones acadmicos. A proposta envolveria a extenso de cursos formais aos quais os indgenas no tm tido acesso, mas com a participao dos indgenas no planejamento, na execuo e na avaliao das aes da nova instituio. Tal proposta conta com a ampla participao de professores e gestores indgenas das redes municipal e estadual de ensino nos eventos promovidos pelo grupo. Os Mestres concebem a insero dos indgenas no sistema de ensino superior j estabelecido e com financiamento pblico, porm com especificidades advindas de seu dilogo com a Academia, enquanto o projeto capitaneado pela ONG busca um modelo alternativo, inspirado na experincia das escolas indgenas e visto como uma continuidade destas. Nisso talvez resida a principal diferena entre as duas iniciativas.

    Assim, podemos visualizar dois projetos para a chamada universidade indgena, ambos construindo estratgias prprias de relao com os saberes do mundo dos brancos. Essa polarizao reflete tambm na forma como cada um dimensiona a figura do antroplogo: o primeiro projeto configura-se como fruto de uma parceria entre antroplogos e demais membros de ONGs e especialistas xamnicos; o segundo estabelece-se a partir da ao de jovens acadmicos indgenas e canais governamentais como a Universidade Federal do Amazonas. importante lembrar que ambos os projetos so apoiados pelo movimento indgena organizado, na figura da FOIRN.

    R E G I M E S D E S A B E R E S : E S P E C I A L I S TA S X A M N I C O S X A C A D M I C O S I N D G E N A S

    Cabe agora explorar mais a fundo os dois protagonistas da questo do conhecimento no mbito indgena e de que

    forma cada um deles estabelece relaes prprias com as prticas antropolgicas: os especialistas xamnicos e os

    acadmicos indgenas. O xamanismo no Alto Rio Negro reveste-se de um carter peculiar: a origem cosmolgica

    continuamente revivida durante os ritos de cura e nomeao. A viagem da Cobra-Canoa constantemente realizada

    em pensamento pelos kumua na ocasio dos benzimentos. Benzimento (bahsese) como os tukano traduzem

    para o portugus os ritos de cura realizados pelo kumu ou yai, no apenas cumprindo o percurso da narrativa,

    mas tambm modificando o rumo dos eventos de acordo com sua finalidade. Determinadas paradas, conhecidas

    como Casas de Transformao, conforme explicado anteriormente, sero visitadas, de acordo com o objetivo do

    benzimento, enquanto outras sero evitadas, fornecendo um carter interativo que em nada lembra a imagem de

    um contador de mitos passivo que simplesmente repete frmulas decoradas. Por conta disso, a aprendizagem de

    um kumu requer grande responsabilidade, pois benzimentos malfeitos tero consequncias graves para quem

    tratado por ele.

    Os especialistas xamnicos queixam-se do desinteresse dos mais novos a respeito das tradies, enquanto

    os mais jovens alegam que no fcil submeter-se rgida disciplina de aprendizado para tornar-se kumu. Embora

    a formao do xam no noroeste amaznico no envolva eventos de violncia, como ocorre dentre alguns povos

    da frica ou de outros lugares (Buchillet 1996), o aprendizado rgido e o aspirante a kumu sofre uma srie de

  • 50

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    interdies. O jejum constante no exclui somente a determinados tipos de alimentos, mas tambm atividade sexual,

    sons em alto volume, fumaa O kumu algum que raramente chama a ateno para si. Tranquilidade, recato e

    circunspeco caracterizam sua personalidade. Sua disciplina pessoal constitui-se em uma contnua abstinncia de tudo que excessivo aos sentidos.

    O prestgio dos xams tambm sofreu duros golpes no ltimo sculo. Com o fim das Casas Comunais, a influncia da presso exercida pelas frentes de contato na dissoluo dos papis rituais ganhou fora. Em Pari-Cachoeira as pessoas costumam comentar que agora tudo misturado, referindo-se mistura reinante no povoado onde, alm dos Battitotor, habitam vrios cls desana e tuyuka, considerados cunhados por serem parceiros estabelecidos nas trocas de esposas, alm de membros de outros cls tukano cujos territrios tradicionais localizavam-se em outros lugares. A unidade representada pelo grupo de agnatos residente na mesma Casa Comunal, que possibilitava ao kumu conhecimento profundo sobre a vida social e espiritual da casa, no existe mais da mesma maneira. Com a substituio da maloca pelas habitaes nucleares dispostas isoladamente na rea das comunidades, os saberes passaram a ser diludos em vrios nveis de profundidade, e cada homem que constitui uma famlia deve conhecer alguns benzimentos que lhe possibilite proteger minimamente seus filhos e sua casa. Entretanto, reconhecem que isso no to eficaz quanto contar com o auxlio de um kumu de verdade.

    A negligncia com o saber xamnico tambm pode ter causas polticas. Como o conhecimento passado de pai para filho, apenas algumas pessoas tero acesso a ele. Isto inevitavelmente far com que esses saberes sejam inacessveis a algumas pessoas, que jamais tero a oportunidade de dominar as narrativas e os cantos e os conhecimentos que fazem um yai, um kumu ou um bay pois no tero com quem ouvir, j que as frmulas mgicas so passadas oralmente e memorizadas pelos aprendizes (Buchillet 1996).

    H ainda outro aspecto relacionado aos riscos desse conhecimento. Como esses saberes tambm podem ser utilizados para agresso, e as acusaes de feitiaria por motivo de inveja so algo muito presente na vida de algumas comunidades, arriscado para um jovem aprender alguns ritos tradicionais com algum que no seja do mesmo grupo de agnatos, pois sempre h o risco de a relao entre mestre e aprendiz deteriorar-se e acabar em uma disputa com consequncias nefastas. O sistema de transmisso de prerrogativas baseado na patrilinearidade, hierarquia e prestgio o principal operador na gesto dos conhecimentos.

    Outro exemplo de que a transmisso do conhecimento xamnico regulada pelo parentesco pode ser encontrado em Martini (2008: 1046), em seu relato sobre o conflito de saberes na implantao de um projeto de piscicultura em Iauaret, no rio Uaups, entre os tariana. Enquanto os kumua afirmam que a dificuldade em reproduzir os peixes nos viveiros tem origem na no incorporao das prticas xamnicas na rotina do projeto, os tcnicos indgenas insistem em tentar resolver o problema dentro da tcnica, com os conhecimentos e apetrechos que haviam adquirido nos cursos de piscicultura. A aparente desateno em relao ao poder dos benzedores escondia, na verdade, a tentativa de busca de reconhecimento por meio do saber tcnico: como o grupo de profissionais indgenas treinados no pertencia s famlias de xams, tendo optado pelo envolvimento com projetos como forma de obteno de prestgio fora da esfera das hierarquias tradicionais, ele tentava

  • 51ARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    tornar o projeto um campo independente das capacidades mgicas. Esse episdio demonstra que as lgicas de gerenciamento dos saberes so estabelecidas de acordo com o sujeito que gerencia a relao. O saber xamnico pode, eventualmente, ser colocado de lado para dar lugar a outros estatutos de conhecimento o que no significa que o primeiro esteja desacreditado, mas apenas que uma fonte de prestgio to grande que quem no tem como possu-la pode articular alternativas.

    Enquanto o minimalismo e o comedimento esto entre as principais disciplinas na formao de um especialista xamnico, a figura do acadmico indgena no partilha do mesmo ideal de discrio. Ele sempre colocado em evidncia, chamado a assumir papis importantes nas instncias de intermediao das comunidades, seja como professor ou mesmo dirigindo as escolas. Destaca-se o fato de que na ltima dcada vrias escolas, at ento dirigidas por missionrias salesianas, foram entregues aos professores indgenas, que assumiram o papel de gestores, contexto no qual os cursos de ps-graduao adquiridos tm grande significado.

    Embora socialmente valorizado, o saber acadmico obtido pelos indgenas pode ser alvo de crticas pelos especialistas xamnicos. Um indgena que obtm um ttulo acadmico corre o risco de ser visto como algum que est tentando burlar as regras de distribuio de prestgio a partir de uma fonte exgena ao estatuto do conhecimento dito tradicional, como uma espcie de alpinista social, especialmente se o indivduo pertencer a um cl de menor prestgio.

    Em um dos eventos que discutiu a Universidade Indgena, ocorrido na cidade de So Gabriel, foi possvel perceber o embate velado entre os acadmicos e os especialistas xamnicos. Um indgena do Tiqui, mestre em educao e militante da rea, involuntariamente irritava um bay enquanto discorria sobre a questo educacional. O bay, ele prprio grande articulador da escola indgena de sua rea, parecia bastante revoltado, mas, como de praxe no Alto Rio Negro, os embates dificilmente so diretos. A elegncia dos indgenas e seu apego etiqueta de convivncia impedem arroubos agressivos, mas no o debate apaixonado. Logo a divergncia entre os dois ganhava ares de debate filosfico, cada um tomando a palavra para responder s provocaes do outro, at que o bay, perdendo a pacincia, finalmente interpelou o acadmico da seguinte forma:

    Eu fico triste quando vejo um indgena que vai para a universidade estudar e fica colecionando mitos como se fosse um antroplogo branco. Os mitos so vivos, no so para serem colecionados. Eu uso o mito para tirar de l um benzimento, um benefcio. No uma coisa. Quero ver voc cantar alguma coisa. Canta a pra mim um canto do ritual de passagem [cita o nome do canto]. Canta a. Voc no sabe. No aprendeu.

    Por se ausentarem durante anos de sua casa e do bero familiar, os acadmicos indgenas retornam detentores de um saber socialmente valorizado, mas carentes dos ensinamentos que lhe possibilitem aspirar ao status de conhecedor tradicional. Porque seu prestgio oriundo de fontes externas, suas intervenes a respeito dos assuntos da cultura podem ser alvo de desagrado por parte dos especialistas xamnicos.

    Contudo, seria ilusrio pensar que tal oposio de sujeitos se estabelece apenas em termos de saberes tradicionais e saberes cientficos: conflitos geracionais tambm esto envolvidos. Atentar para a forma como os acadmicos indgenas dimensionam os conhecimentos adquiridos nas instituies de ensino com os conhecimentos

  • 52

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    tradicionais, ou como confrontam os primeiros, seria muito enriquecedor para esta discusso. Entretanto, dados os limites deste artigo, ser uma tarefa a ser realizada em outra ocasio, com o cuidado que o tema demanda.

    No que diz respeito crtica sobre as prticas etnogrficas explicitadas na imagem do antroplogo como colecionador de mitos, uma das colocaes mais reiteradas tanto por acadmicos quanto por alguns especialistas xamnicos que os mitos so registrados pelos antroplogos pekas de forma fragmentada e descontextualizada, o que poderia esvaziar seus sentidos ou simplesmente produzir confuso quando da tentativa de traduo de conceitos tradicionais (Dutra 2010: 27).

    Outra ordem de crticas est relacionada a um suposto excesso de subjetividade que estaria impregnado nas etnografias dos antroplogos, por seu apreo a conceitos e categorias nas quais as pessoas reais teriam dificuldade de se reconhecer. Comentando a diferena entre o seu trabalho e o de outros antroplogos que j haviam trabalhado no Alto Rio Negro, o tukano do cl Sarar Yupuri Bubera Por, Rivelino Barreto, que obteve ttulo de mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas, coloca a questo nos seguintes termos:

    O Alto Rio Negro um palco muito bem-estudado. Mas a gente v que muitos textos so dos gringos. uma antropologia feita da forma deles. No meu caso, mais concreta, prtica, do que so as unidades sociais. Eles (os outros antroplogos) usam termos como tribo, grupos exogmicos. Mas eu usei o termo coletivo no lugar de tribo. Quando se trata de grupo, se limita a um determinado local. Pode ser grupo na Colmbia, em So Domingos, em Manaus... Mas todos eles se identificam como pertencentes ao Sarar Yupuri Bubera Pra. A ideia de coletivo ultrapassa as fronteiras (Barreto & Farias 2012).

    Alm da nfase no carter formal das narrativas, os pekas, como atesta a cosmologia, demonstram facilidade de aprendizado e tendncia a apropriar-se de coisas que no so suas. O envolvimento dos antroplogos com os especialistas xamnicos, por isso, apresenta sempre alguns riscos: no caso dos Yepar-Panicu de Pari-Cachoeira, o interesse dos antroplogos nos benzimentos e na cosmologia sofre srias restries, que tendem a afrouxar-se mediante um processo de domesticao paulatino. Este processo passa pelo aprendizado da lngua tukano, pelo ensinamento das regras de convivncia e, principalmente, pelo aguamento da sociabilidade por meio da participao nas festas e nos trabalhos coletivos, socializando-o como a uma criana. Essa domesticao do antroplogo no indgena, como lembra McCallum no caso dos Cashinaua, nunca se realiza totalmente (McCallum 2009: 612), pois isso implicaria na perda das capacidades de afim potencial3.

    As clebres acusaes de enriquecimento dos antroplogos custa dos indgenas tambm esto sempre presentes: Ao saber que meu marido estava aprendendo os princpios dos benzimentos, a esposa de um kumu preocupou-se: Mas ele vai ficar rico benzendo l em So Paulo!. Um artigo cido produzido por um antroplogo indgena tuyuka (Dutra 2006) tambm questiona o fato de que os conhecimentos tradicionais se situarem cada vez mais dentro da lgica de mercado, transformados em recursos intelectuais e explorados da mesma forma que o so a terra, os minrios e os rios.

    Essa desconfiana sempre presente, contudo, no impede que o antroplogo seja visto como fonte de reconhecimento para os velhos conhecedores. A parceria com um antroplogo a garantia de que seu saber

  • 53ARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    valorizado: os filhos mais jovens do kumu passaram a se interessar pelos benzimentos ao ver que brancos de fora se interessavam por isso.

    Sempre subsiste o risco da usurpao dos conhecimentos sagrados por parte do antroplogo, mas as limitaes impostas por sua condio de estrangeiro, o conhecimento irrisrio ou parcial da lngua e sua dificuldade de concentrao essencial aos especialistas xamnicos tornam pouco provvel uma apropriao completa. Como nos explicou um bay:

    Algumas pessoas tm medo de os antroplogos roubarem nossos conhecimentos. Eu no tenho medo. Sabe por qu? Porque os antroplogos nunca vo entender direito as coisas. S conseguem entender uma pequena parte, ento eu nem me preocupo.

    A questo do gnero tem um peso importante na mediao dessas relaes. Tendo realizado meu trabalho de campo junto com meu marido, foi possvel perceber as diferenas de acesso que ambos tnhamos s pessoas. Ao pedir para que um dos velhos nos ensinasse as narrativas de surgimento da humanidade, foi visvel seu desconforto em relao a mim em nossa primeira sesso de trabalho. No dia seguinte, aparentemente depois de ter refletido sobre como ensinar a uma mulher as coisas dos antigos, tidas como prerrogativas masculinas, ele nos falou que seu falecido pai, um grande kumu, teria dito que no havia necessidade de esconder nada s mulheres, pois elas um dia j foram donas desses saberes tambm, referindo-se ao clssico episdio mtico do roubo das flautas de Jurupari pelas mulheres (Lana 2009: 69). A explicao engendrada pelo kumu, o mesmo que busca afirmar-se como substituto do pai, aparentemente contribuiu para tranquiliz-lo e para justificar suas atitudes perante a comunidade, mas constatamos que nas ocasies nas quais eu estava ausente as informaes eram mais ricas e aprofundadas.

    Um belo trabalho recente sobre benzimentos, elaborado por uma jovem antroploga e um grupo de especialistas em uma rea tukano vizinha a Pari-Cachoeira, s foi possvel porque houve um acordo prvio entre os especialistas de que as informaes veiculadas s fariam referncia a determinados tipos de benzimento: os relacionados aos cuidados com o parto e com os recm-nascidos, temas considerados apropriados para uma mulher branca. Mais uma ressalva faz-se necessria aqui: algumas pesquisadoras conseguem romper as barreiras das interdies de gnero e pesquisar o xamanismo, como o exemplo de Dominique Buchillet, cuja produo referncia nesse campo de estudo e cujas pesquisas foram realizadas no Tiqui na dcada de 1990.

    Pode causar surpresa o fato de que os pesquisadores indgenas tambm compartilham algumas das limitaes prprias de um estrangeiro. Mesmo um acadmico indgena que tenha a seu lado um parente pai, tio ou av que se disponha a ensinar-lhe o necessrio sobre as coisas da cultura, a fim de ajud-lo a desenvolver seu projeto de pesquisa de mestrado ou doutorado, tem que desenvolver habilidades que ampliem sua capacidade de compreenso, como informa Dutra em sua dissertao de Mestrado em Cincias Sociais sobre o xamanismo tuyuka:

    Apesar de ser um genuno tuyuka, reconheo que aqui no apresento um trabalho constitudo de informaes completas, que, segundo meu pai, ainda estou na primeira etapa de aprendizagem dos rituais, na qual no se pode detalhar, porque no compreenderia a linguagem clssica dos pajs (Dutra 2010: 27).

  • 54

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    Para um antroplogo estrangeiro, o acesso aos conhecimentos tradicionais tem sido cada vez mais pontuado por trocas: ao antroplogo pekas mais fcil obter informaes sobre cosmologia, histria ou prticas xamnicas medida que coloque suas habilidades a servio dos povos com quem se prope a trabalhar como j foi dito em relao escrita de livros e projetos. Embora isso no seja uma imposio nem uma obrigatoriedade, o entendimento de uma equivalncia de valores entre os saberes tradicionais e os saberes acadmicos enseja o estabelecimento de reciprocidade entre os detentores desses saberes.

    A entrada de um pesquisador em campo no Alto Rio Negro representa um evento notrio cujo impacto pode ser avaliado a partir das vrias formas de retorno que seu trabalho pode gerar para o grupo estudado ou seja, de quais projetos executados, tecnologias ou benefcios o grupo ir auferir resultados a partir do trabalho do pesquisador. Esta no uma reflexo s minha, mas tambm de outros antroplogos que atuam na regio, como Andrello, que credita seu conhecimento sobre cosmologia a esta interao em Iauaret:

    O que pude conhecer sobre a cosmologia indgena do Uaups resulta de meu envolvimento nesse tipo de discusso, e pelo fato de ter me colocado disposio para auxiliar na redao de manuscritos sobre as histrias dos antigos. A meu ver no h outra maneira de se fazer pesquisa antropolgica no Uaups hoje, pois ali a antropologia estigmatizada geralmente como uma atividade interessada dos brancos, e que poucas vezes trouxe algum benefcio para os ndios (Andrello 2006: 432).

    A questo da reciprocidade, to prpria dos povos do Alto Rio Negro, conhece desta forma outras modalidades, nas quais os indgenas parecem buscar formas de socializar e repartir o prestgio aferido pelos pekas com a elaborao das teses e dissertaes elaboradas sobre eles e cujas benesses estiveram, at ento, fora de seu alcance.

    As tentativas de controle sobre a ao do antroplogo tambm existem em vrios mbitos. Determinada proposta de pesquisa pode ser negada em instncias do movimento indgena, como a FOIRN ou as associaes indgenas representativas das calhas dos rios, se for considerado que isso poderia ser prejudicial aos indgenas de alguma forma ou por no ser considerada interessante. Para citar um exemplo, uma proposta de pesquisa antropolgica que tinha como tema a religio no Iana, apreciada em reunio da diretoria da FOIRN que assisti no final da dcada de 1990, foi descartada com a justificativa de que no interessava naquele momento. Poucos anos depois, o antroplogo Carlos Xavier (2008: 154) relata que durante sua pesquisa de mestrado sobre petroglifos no mesmo rio, algumas lideranas sugeriram uma proposta de pesquisa sobre a questo religiosa entre os Koripako.

    De acordo com os elementos que reunimos at agora, podemos afirmar que h vrias relaes estabelecidas entre esses dois sujeitos chamados aqui de especialistas xamnicos e acadmicos indgenas e uma segunda ordem de relao desses sujeitos com o antroplogo no indgena, que pode ser visualizada na Tabela 1.

    Essa simplificao para efeitos didticos no deve, contudo, impor-se sobre uma realidade bem mais complexa, na qual acadmicos indgenas colaboram com antroplogos brancos de vrias formas, seja como intrpretes-tradutores ou mesmo como informantes privilegiados, alm do papel fundamental que pais, tios e avs tm para os acadmicos indgenas, que contam com a colaborao de seus parentes da realizao de suas pesquisas.

  • 55ARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    Podemos ento ler uma nova inverso das relaes entre kumu e aprendiz, em uma nova roupagem: se antes aprender o ofcio de kumu, bay ou yai s seria completamente seguro se fosse com um parente direto, hoje um acadmico indgena que deseja realizar sua pesquisa dever contar com o respaldo da relao de parentesco com um especialista, o que lhe garantir a boa vontade para ter acesso a informaes relacionadas aos saberes tradicionais que, de outra forma, lhes seriam interditados. Nessa relao, a legitimidade fornecida pelo conhecedor, cujos ttulos e reconhecimento social sero revertidos em benefcio do trabalho de pesquisa de seu parente acadmico.

    A Tabela 1 tambm deixa de fora as relaes de competio ou cooperao entre os pares antroplogos/antroplogos, especialistas xamnicos/especialistas xamnicos, e entre os acadmicos entre si, que embora sejam profcuas e com potencial de anlise, no entraram nesta discusso, carecendo de uma abordagem mais aprofundada. Alguns aspectos interessantes destas relaes foram explorados por Flora Dias-Cabalzar (2010) em uma tese recente.

    Antroplogos Especialistas xamnicos

    Acadmicos Indgenas

    Antroplogos - Busca de tutoriamento junto aos especialistas

    Limitaes de entendimento

    Colaboraes mtuas

    Apoio ao acesso a cursos de ps-graduao

    Dificuldades para reconhecer o acadmico indgena como igual e no apenas como fonte

    Especialistas xamnicos

    Receio de apropriao dos saberes para benefcio econmico

    Busca de legitimidade como especialista por meio da parceria com antroplogo

    Busca por auxlio na elaborao de projetos sobre a questo cultural

    - Auxlio nas pesquisas dos acadmicos indgenas

    Relaes de parentesco como base (reinveno do aprendiz)

    Acadmicos indgenas Tentativa de controle dos antroplogos e demais pesquisadores pekas

    Busca de reconhecimento por parte dos pesquisadores no indgenas e dos especialistas xamnicos

    Busca de acesso aos saberes tradicionais para suas pesquisas

    -

  • 56

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    C O N C L U S O

    Ao longo de sua histria de contato, os povos do Alto Rio Negro experimentaram vrias formas de relao com o mundo dos brancos, dentre as quais a pesquisa acadmica. A autodeterminao preconizada pelo movimento indgena reflete-se tambm na forma como essas pessoas lidam atualmente com a pesquisa antropolgica.

    Embora a legislao brasileira de tica em pesquisa estabelea a necessidade de consentimento esclarecido por parte de quem sofreu algum impacto com ela, no h um controle rgido sobre a entrada de pesquisadores em reas indgenas, sejam eles antroplogos ou pesquisadores de outras reas4, como bilogos. Por conta disso, os Mestres Indgenas constituram uma instncia de regulao, no formato de Conselho Deliberativo de tica em Pesquisa Indgena, institudo durante o I Simpsio Dilogos Interculturais na Fronteira Amaznica, ocorrido na Maloca da FOIRN em setembro de 2011, que teria como papel a anlise das propostas de pesquisa com mais rigor do que vem ocorrendo, com a possibilidade de vet-las como preconiza o deliberativo do ttulo da instncia.

    A criao de um conselho desse tipo demonstra a tentativa de articulao de um projeto indgena para lidar com a realidade das pesquisas e com o assdio dos pesquisadores embora seja perceptvel que a proposta carece de mais respaldo por parte das lideranas e das comunidades a quem querem representar, j que nega a cada localidade seus prprios mecanismos de negociao com as pesquisas. notrio, contudo, que a criao desse Conselho expressa a insatisfao de boa parte dos indgenas com relao ao que consideram uma nova forma de abuso dos brancos: a apropriao de seus conhecimentos tradicionais por meio de uma mirade de projetos de pesquisa estabelecidos fora dos circuitos de reciprocidade locais. Nesse sentido, os questionamentos dos indgenas sobre a competncia dos antroplogos para desenvolver pesquisas interessantes aos prprios indgenas, e sobre a necessidade de formar seus prprios antroplogos, revestem-se no apenas de um carter poltico, mas tambm tentam enquadrar o conhecimento antropolgico nas redes de compartilhamento de bens.

    De um conhecimento egosta, cujos benefcios materiais e subjetivos (como o prestgio acadmico) sempre ficaram fora de seu alcance, os indgenas tentam construir novas bases de relao que socializem a antropologia, enquadrando-a por intermdio dos acadmicos indgenas nas redes de parentesco e por meio do recrutamento de antroplogos no indgenas aos circuitos de trocas existentes.

    Fabiane Vinente dos Santos Doutoranda no Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Etnologia

    Indgena da Unicamp e do Instituto Lenidas e Maria Deane, Fundao Oswaldo Cruz.

  • 57ARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    N O TA S

    1 Denominao da Bactris Cuspidata, palmeira da famlia das Arecceas utilizada para a forragem do telhado da Casa Comunal tradicional. Em funo de seu uso nas casas nucleares, a palmeira tem se tornado cada vez mais rara no Tiqui, obrigando quem queira obt-la a empreender longas viagens a trechos mais inspitos da regio. Isto torna sua obteno extremamente dispendiosa em funo do combustvel necessrio para as embarcaes e dinheiro para ressarcimento dos auxiliares.

    2 A modalidade de graduao denominada Licenciatura caracteriza-se principalmente por ser uma formao voltada para o magistrio, ao contrrio do Bacharelado, que teria um perfil mais voltado para a pesquisa ou para a aplicao dos conhecimentos, dependendo da rea do conhecimento. A primeira licenciatura em So Gabriel da Cachoeira foi realizada em 1992, sob a forma de um curso em mdulos.

    3 Andrello (2004: 409), a partir da clebre distino entre afim potencial e afim efetivo de Eduardo Viveiros de Castro, discute como no Alto Rio Negro o branco ocupa esse papel de afim potencial: Neste sentido o branco ocuparia, tanto quanto o inimigo, a posio de um afim potencial, que aqui fonte no de cnjuges, mas de outros itens simblicos e materiais.

    4 Um grande debate nacional tem tomado a ateno dos antroplogos. Eles julgam que a atual legislao de tica em pesquisa (Resoluo n. 196 do Conselho Nacional de Sade), como referncia principal, foi criada com base nos critrios das pesquisas Biomdicas, e problemtica quando aplicada pesquisa em Cincias Humanas. Para um panorama do debate na Associao Brasileira de Antropologia, ver Victora et al. (2004). Sobre a dificuldade de enquadramento das pesquisas das reas de humanas nos critrios da Resoluo 196, ver MacRae & Vidal (2006).

  • 58

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    R E F E R N C I A S B I B L I O G R F I C A S

    ANDRELLO, Geraldo. 2006. Cidade do ndio. So Paulo: Editora UNESP: ISA; Rio de Janeiro: NUTI.

    .2010. Falas, objetos e corpos. Autores Indgenas no Alto Rio Negro. Revista Brasileira de Cincias Sociais 25 (73): 5-26

    BARRETO, Rivelino & FARIAS, Elaze. 2012. Palavra de Mestre: Entrevista de Rivelino Barreto. A Crtica. Disponvel em: http://acritica.uol.com.br/amazonia/Manaus-Amazonas-Amazonia-antropologia-incentiva-abandonar-conhecimento-tradicionais_0_686931312.html

    BOURDIEU, Pierre. 1990. Coisas Ditas. So Paulo: Brasiliense.

    BUCHILLET, Dominique. 1991. Pari-Cachoeira, o laboratrio Tukano do Calha Norte. In B. Ricardo (org.). Povos Indgenas no Brasil 1987/88/89/90. So Paulo: CEDI.

    .1996. Nobody is there to hear: Desana Therapeutics incantations. In J. Langdon & G. Baer (eds.). Portals of Power: shamanism in South America. Albuquerque: University of New Mexico Press.

    CABALZAR, Aloisio. 2009. Filhos da Cobra de Pedra: Organizao social e trajetrias tuyuka no rio Tiqui (Noroeste Amaznico). So Paulo: NUTI; ISA.

    CAMARGO, Dulce Maria Pompeo & GONALVES, Judite Albuquerque. 2006. O eu e o Outro no ensino mdio indgena: Alto Rio Negro (AM). Educao e Sociedade 27 (95): 445-469.

    CLIFFORD, James. 2008. A autoridade etnogrfica. In A experincia etnogrfica. Antropologia e literatura no sculo XX. Rio de Janeiro: EdUFRJ.

    COORDENAO INDGENA DE PARI-CACHOEIRA (CIPAC). 2006. Kumu Na Ukuse-Bases. Origem do Mundo e da Humanidade. A sabedoria dos ancestrais Tukano do Rio Tiqui. Recife: SSL; CIPAC.

    DIAS-CABALZAR, Flora. 2010. At Manaus, at Bogot. Os Tuyuka vestem seus nomes como ornamentos: gerao e transformao de conhecimentos a partir do alto rio Tiqui (Noroeste Amaznico). Tese de Doutorado. So Paulo: Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social, Universidade de So Paulo.

    DUTRA, Israel Fontes. 2006. Risco e importncia da pesquisa cientfica no contexto da Amaznia e dos Povos Indgenas. Revista PUCVIVA 27.

    . 2010. Xamanismo Uhtapinpona. Princpios rituais de pajelana e do ser paj tuyuka. Dissertao de Mestrado. So Paulo: Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.

    HUGH-JONES, Christine. 1979. From the Milk River: spatial and temporal processes in Northwest Amazonia. Cambridge: Cambridge University Press.

    HUGH-JONES, Stephen. 1979. The palm and the pleiades: initiation and cosmology in Northwest Amazonian. Cambridge: Cambridge University Press.

    _____. 1996. Shamans, prophets, priests and pastors. In N. Thomas, Nicholas & C. Humphrey (orgs.). Shamanism, History and The State. Michigan: The University of Michigan Press.

  • 59ARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. 2009. Projeto de formao superior indgena, interdisciplinar e multicultural no rio Negro. So Gabriel da Cachoeira: Federao das Organizaes Indgenas do Rio Negro; Instituto Socioambiental.

    LANA, Feliciano. 2009. A origem da noite e Como as mulheres roubaram as flautas sagradas. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas.

    LASMAR, Cristiane. 2009. Conhecer para transformar: os ndios do rio Uaups (Alto Rio Negro) e a educao escolar. Tellus 9 (16): 11-33.

    MACRAE, Edward & VIDAL, Sergio Souza. 2006. A Resoluo 196/96 e a imposio do modelo biomdico na pesquisa social. Dilemas ticos e metodolgicos do antroplogo pesquisando o uso de substncias psicoativas. Revista de Antropologia 49 (2): 645-666

    MARTINI, Andr Luiz. 2008. Filhos do Homem: A introduo da Piscicultura entre Populaes indgenas no povoado de Iauaret, rio Uaups. Dissertao de Mestrado. Campinas: Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social, Universidade Estadual de Campinas.

    MCCALLUM, Cecilia. 2009. Becoming a real woman: alterity and the embodiment of Cashinaua gendered identity. Tipit: Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America 7 (1): 4366.

    VICTORA, C. et al (orgs.). 2004. Antropologia e tica: o debate atual no Brasil. Niteri: EDUFF.

    XAVIER, Carlos Cesar Leal. 2008. A cidade grande de aperikoli e os petroglifos do Iana uma etnografia de signos baniwa. Dissertao de Mestrado. Rio de Janeiro: Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

  • 60

    Fabiane Vinente dos SantosARTIGOS

    Perspectivas relacionais sobre o conhecimento e a autoridade etnogrfica no Alto Rio Negro

    R E S U M O

    O artigo aborda as perspectivas relacionais de antroplogos, acadmicos indgenas e especialistas xamnicos sobre a gesto dos conhecimentos endgenos e exgenos no Alto Rio Negro. As relaes de colaborao e/ou antagonismo estabelecidas, a figura do etngrafo e o papel da antropologia como instncia de legitimao/deslegitimao dos sujeitos envolvidos neste processo so os objetos da discusso.

    PALAVRAS-CHAVE: Alto Rio Negro; autoridade etnogrfica; conhecimento

    Relational Perspectives on knowledge and ethnographic authority in the Upper Rio Negro

    A B S T R A C T

    The article approaches the relational perspectives of anthropologists, indigenous academics, and shamanic specialists on the management of endogenous and exogenous knowledge in the Upper Rio Negro region. The established relationships of collaboration and/or antagonism, the role and figure of the ethnographer, and the role of anthropology as a means of legitimation/delegitimation of the subjects involved in this process are the topics of discussion.

    KEY WORDS: Upper Rio Negro; ethnographic authority; knowledge

    Recebido em 11/06/2012Aprovado em 8/10/2012