Revista Amazônia Judaica #4 - Julho de 2011

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EditoresDavid SalgadoElias Salgado Assessoria Jornalística Márcia Cherman Sasson

Projeto Gráfico, Arte e Diagramação Thiago Zeitune

ColaboradoresRabino Eliahu BirnbaumJoëlle RouchouNelson MendaRegina Igel

Portal Amazônia Judaica eArquivo Amazônia Judaicawww.amazoniajudaica.org

Blog do Amazônia Judaica: www.aj200.blogspot.com

Blog Universo Sefaradiwww.universosefaradi.blogspot.com

e-mail: [email protected]@amazoniajudaica.org

Ousadia pouca é bobagem

Esta é uma edição festiva e super especial para a nossa revista

e seu público. Amazônia Judaica, em curtíssimo tempo, evoluíu

de um periódico impresso regional, para uma revista internacional

de alto padrão editorial e gráfico. Além de tudo isso, AJ acaba de

entrar também na era digital!

Nosso projeto editorial prevê, seguir editando a revista nos dois

formatos – digital e impresso. As chamadas Edições Especiais das

Grandes Festas serão publicadas no formato digital, e impresso e as

demais em digital.

Nossos leitores poderão, agora, receber e ler nossa revista através

dos mais modernos meios de acesso: impresso, em casa; através de

seu e-mail, em nosso site (www.amazoniajudaica.org) ou no seu

tablet ou celular!

Especial também, como já é de costume, está nosso conteúdo:

artigos interessantíssimos de articulistas sérios e de padrão

internacional.

E o destaque maior é nossa justa homenagem ao escritor Moacyr

Scliar z´l, que nos deixou saudosos, em fevereiro deste ano, mas

que nos legou a maior de todas as obras literárias judaico brasilei-

ras até hoje produzidas.

E vocês acham que pretendemos parar por aí? Apesar das

inúmeras dificuldades - quase sempre de ordem financeira- que

acompanham o dia-a-dia de um projeto como o nosso, estamos

longe de tal pretensão. Ousadia pouca é bobagem!

David e Elias Salgado

EDITORIAL

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4 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

A IMAGEM DA CAPA

SHAAR HASHAMAIM A PORTA DA FÉ

Quem ouve falar em Amazônia, automatica-mente, coloca a imaginação em funcionamento. Imagens de um outro mundo surgem em sua mente: selva, rios sem fim, igarapés, riqueza e di-versidade de fauna e flora; e claro, cobras, onças pintadas, jacarés, macacos e índios.

Já seria muito, encontrar uma resposta para a pergunta: “mas o que vieram fazer judeus na Amazônia?”

Bem, há tempos que vários de nós se debruçam a estudar para tentar responder a esta pergunta.

Razões não faltaram, porém, o mais importante, interessan-te e muitas vezes surpreendente, é conhecer e lembrar o que fizeram aqueles abnegados pioneiros que por aqui aportaram, trazendo consigo um imenso legado de memórias, tradi-ções e fé, para por aqui perpetuar sua herança milenar.

Entre lendas, mitos, realida-de e testemunho, caminha a nossa trajetória.

Longa no tempo, longuíssima, diríamos. Porém, mais que pelo tempo, ela é marcada por feitos. E os que marcaram tal caminhada histórica foram, inúmeras vezes, impulsionados pela abnegação e pela fé inquebrantável de nossos an-tepassados. Não fossem eles e seus atos, talvez não estivéssemos aqui para contá-los.

A luta pela construção de um templo para a esnoga Shaar Hashamaim, é um destes momentos gloriosos da abnegação e da fé inabalável destes homens,

heróis de um tempo que hoje nos soa quase mítico. Está certamente entre os mais emo-cionantes e marcantes.

Por todas estas razões, Amazônia Judaica, traz em sua matéria de capa, um pouco da história da construção desta verdadeira “Porta da Fé” no coração da Amazônia.

Não estivesse lá este tesouro, de pé a testemu-nhar o ato de seus fundadores, talvez sua existência fosse tratada como mais uma das inúmeras lendas dos seres da floresta...

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IDENTIDADEJudeus do Egito no

Rio de Janeiro

COMUNIDADESO Mundo Sagrado

do Novo Mundo

CRÔNICA ESPECIALEle o Guru, e Eu o Guri

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EDITORIAL 3

A IMAGEM DA CAPA 4 Shaar Hashamaim - a Porta da Fé

LITERATURA 6Moacyr Scliar e Milton Hatoum - Semelhanças e Diferenças

CAPA 14Shaar Hashamaim - o Tesouro da Kehilá de Belém

RESGATE HISTÓRICO 20Os Irmãos Sequerra

CARTAS DOS LEITORES 30

PÁGINA VERDE 29

ANO 3 • Nº4 • JULHO / 2011

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6 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

&L ITERATURA

MOACYR SCLIARSEMELHANÇAS DIFERENÇAS

MILTON HATOUM

Estes dois escritores brasileiros – Moacyr

Scliar (1937-2011) e Milton Hatoum

(1952) – são vistos por estudiosos, em

geral, como ‘escritores étnicos’, pois

cada um deles fez, de seu legado étnico-

cultural, o fulcro de suas obras literárias.

por Regina Igel* / Especial para a AJ

S cliar desvendou os judeus no Brasil, começando pela comunidade judaica no sul

do país, enquanto Hatoum destaca a comunidade de imigrantes de origem libanesa no Norte. Dos polos norte e sul, dois romancistas que, entre tantos brasileiros dedica-dos à arte de escrever bem, revelam seus talentos como narradores, ao mergulharem na atmosfera física, cultural, psicológica e moral em que cresceram. Estes são alguns dos pontos coincidentes expres-sados por eles em relação ao meio ambiente que transpuseram à vida literária. E, ao mesmo tempo, há vários outros que, ao contrário, mantêm uma perceptível distinção entre os dois, seja pelo encaixe de suas experiências no labor literá-rio, pela atmosfera que distribuem

entre as narrativas, ou pela diferen-ça de intensidade da cor local que impregna suas narrativas.

A intenção deste estudo é refletir sobre as semelhanças e as diferen-ças entre os dois escritores no que concerne a inclusão de elementos globais e regionais na sua obra lite-rária. Para isto, impõe-se um exame, ainda que breve e seletivo, de certas obras que melhor ilustrem seu respec-tivo acervo em termos de espacialidade ou localidade nas respectivas tramas.

Nas obras do glorioso e pranteado Moacyr Scliar, destaca-se a imensi-dão espacial na contextura das narra-tivas ao projetar a figura do judeu no panorama brasileiro. Ele começou com o judeu gaúcho, assim identificado por sua integração ao Rio Grande do Sul, pela imensidão dos pampas e nos la-birintos urbanos, principalmente de

Porto Alegre. Fica óbvio, na leitura das obras de Scliar, que uma de suas características maiores é o deslo-camento dos seus personagens. Eles podem ser encontrados em Porto Alegre, percorrendo ruas, avenidas, o porto, as margens do Guaíba, ou nas praias e nas fazendas inseridas nos pampas. Na selva amazônica, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Jerusalém ou no Marrocos, as criaturas de Scliar são multifacéticas e multiformes. Neste ponto, pode-se perceber o persona-gem globalizante de Moacyr, pois eles penetram por quaisquer ambientes, sejam brasileiros ou estrangeiros, fami-liares ou desconhecidos. Tanto pode ser uma moça que, ao contrário de todas as apostas, se fez protegida e amada pelo rei Salomão (A mulher que escreveu a Bíblia), quanto um judeu diferenciado que realizou todos os seus sonhos de

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integração na burguesia brasileira (O centauro no jardim), é o espaço onde se locomovem os personagens que mostra o impacto da presença judaica no meio ambiente.

Em quaisquer dos seus romances ou contos, e mesmo entre as crônicas, deparamos por espaços que se espraiam por emaranhados urbanos, que penetram pelo mundo todo... Qual seria o significado desta ansiedade de movimentação que se observa nos seus personagens? Seria o caso, por exemplo, de se pensar que a natureza do ‘judeu errante’ está presente em suas obras, mas com um ‘desvio’. Ao contrário da famigerada lenda, pela qual os judeus teriam sido condenados a vagar pelo mundo até o final dos tempos, o judeu de Scliar se desloca pelo mundo mas, desa-fiando a praga do nômade legen-dário, ele tem para onde regressar. Não é mais um Ahasverus, aquele que foi condenado a perambular pelo mundo. Na sua obra, o desen-raizamento dos judeus é destruído, fazendo com que seja possível voltar ao ponto de partida. Acabou a pe-rambulação. O judeu agora tem um destino, pode ir, pode vagar, mas tem para onde voltar – que pode ser tanto o monte Sião quanto os

pampas sulinos, ou o Rio de Janeiro.

A vastidão do mundo é percor-rida no espaço e também no tempo. Um bom exemplo desta habilida-de em gerenciar saltos espetaculares entre terras e eras, está no romance Na noite do ventre: o diamante. Nele, o escritor faz com que o percurso mundial de um diamante comece do Arraial de Cabra Branca, um lugarejo localizado no âmago de Minas Gerais. Descoberto no século 17, no auge da exploração diamanti-na e aurífera, percorre meio mundo, metido num saquitel repleto de bri-

lhantes arrancados do solo brasileiro pelos portugueses. Do Arraial, depois de mil e uma peripécias de seus trans-portadores, a pedra preciosa chega a uma humilde cabana de judeus, no interior da Rússia, engastada num anel. A dona da casa o enfiava pelo dedo anular somente nas noites de

sexta-feira, para homenagear a chegada do sábado. Mas dali em

diante, por causa dos pogroms ou ataques de bandos de russos

armados contra os judeus, já não poderia ser exposto. Os habitantes da

cabana tiveram que fugir da sanha dos russos e o diamante

teria de viajar com eles, mas escondido.

A forma ideal para isto seria ser deglutido. E o foi.

O escolhido para escondê--lo foi o filho mais novo do

casal. O diamante entra no escuro do seu ventre. Incrustrado nas man-gueiras intestinais do rapaz, acabou voltando ao Brasil, pois a família imigrou para a América do Sul. O brilhante se tornou passageiro vita-lício nas argolas intestinais do rapaz, que se fez homem, enquanto a pedra se recusava a sair do seu espaço. E assim foi dar de volta, por um desses caprichos do destino e do comando do escritor, naquele mesmo Arraial de Cabra Branca, de onde havia sido extraída.

O diamante escondido é, obvia-mente, uma alegoria. Transfigurado nesta pedra, cuja preciosidade foi am-bicionada e ainda é por muitos, o judeu foi arrancado do seu terreno e levado a percorrer o mundo, escondendo-se e desviando-se de seus perseguidores. No romance de Scliar, o brilhan-te é uma irônica constatação, em termos literários e metafóricos, de como os judeus atravessa-ram séculos e países, sem encon-trar apoio em nenhum lugar. Até que voltaram – como o diamante aninhado no interior do imigrante – à sua terra natal.

Este não é a única narrativa de Scliar onde seus personagens são levados a percorrer o mundo, transfor-mados e remoldados de uma a outra etapa etária. Os romances A estranha nação de Rafael Mendes (1983) e Os vendilhões do templo (2006) são dois exemplos de re-encenação da história judaica, como inserida nos anais da história universal. Nestas narrati-vas, como em Na noite do ventre: o diamante, histórias e personagens abarcam vários séculos e paisagens ge-ográficas, saltando de um quadro para outro, no espaço e no tempo, usu-fruindo da universal “licença poética”, que o autor soube utilizar com presteza, animação e coerência. Scliar outorgou uma tal mobilidade espacial a seus personagens, que eles chegaram a transpor os limites do real para

Nas obras do glorioso e

pranteado Moacyr Scliar,

destaca-se a imensidão

espacial na contextura

das narrativas ao projetar

a figura do judeu no

panorama brasileiro.

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8 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

invadir o surreal. É no surrealis-mo literário que Scliar compõe uma história judaica que se complementa àquela contada nos anais públicos e ‘legais’. Suas narrativas se apoiam na história e a mistificam.

Milton Hatoum é o segundo escritor que, depois da Segunda Guerra Mundial, avançou nossa percepção sobre uma comunidade de imigrantes. Levando ao conhe-cimento do mundo o conteúdo e o contorno da comunidade de origem libanesa no Amazonas, Hatoum tende a intensificar os enredos dos seus romances aos limites, ainda que quase infinitos, da floresta amazôni-ca. É no seu emaranhado e nos seus redutos urbanos que se abre, como uma clareira mágica, a arte literária de Hatoum, ao soprar vida a perso-nagens que entram nas suas histó-rias pelos moldes vistos e vividos no ambiente dos imigrantes e seus descendentes, entre eles o próprio autor. Considerado escritor ‘regio-nalista’ por alguns estudiosos, ele faz reviver o cosmos amazônico nas suas histórias, fazendo com que inúmeras narrativas penetrem por seu universo esfusiante de cores, aromas, volumes e diversas atmosferas. O ‘regionalis-mo’ de sua obra se coaduna à idéia de um trabalho literário específico a uma região física, no caso, a cidade de Manaus e seus arredores. (O autor

não aceita esta qualificação, o que não impede que críticos assim o considerem. Ver: “Milton Hatoum contesta conceito de li-teratura regionalista”, entrevista a Sylvia Colombo, in Folha de S.Paulo, 14 de fevereiro, 2009).

Ao contrário de Scliar, que transportou seus personagens e tramas aos confins do mundo, fazendo-os ir e vir em constante vaivém, a direção dos habitan-tes das narrativas de Hatoum é em mão única. Ele focaliza de preferência imigrantes do Oriente Médio, muçulmanos e cristãos, que se estabeleceram principalmente em Manaus. Cidade híbrida, é tão urbana quanto rural. O escritor revela, em seus romances Relato de um certo Oriente, Dois Irmãos e Cinzas do Norte e em muitos dos seus contos, como a cidade é lenta-mente tragada pelo processo de indus-trialização, investimentos e outras aspi-rações de índole financeira. Além das interações entre imigrantes, revelam também o mesmo com indígenas e descendentes dos primeiros europeus na cidade. Entre estes e aqueles, o nascido na terra, o manauara, não--índio, não-europeu, não-semita, é fruto da mescla de todos os que apor-taram àquela “cidade ilhada” (título de um de seus livros de contos). Hatoum revela tanto a cegueira quanto o sofrimento do povo manauara, seja como ávidos investidores e desme-didos às consequências ao meio ambiente, seja como defensores do território natural contra a ganância humana. O quanto tem isto de ‘regio-nalismo’, tem também de universal. Como os escritores que são rotulados como ‘regionalistas’, e assim passaram para a posteridade (Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Paulo Jacob), o manauara Hatoum ancorou sentimentos e obsessões humanas de caráter universal em

pessoas e conflitos ine-rentes à região onde nasceu e cresceu.

Re-erguendo a proposta lançada no início deste artigo: O quanto Scliar e Hatoum têm em comum e em diferenças, como notáveis em seus trabalhos literários? Para comple-mentar esta pergunta, aqui vai outra: Qual é a importância destes dados di-ferenciais ou coincidentes no exame destes escritores?

Tudo indica que a primeira das coincidências entre eles é que ambos se inclinaram para suas respectivas comunidades imigrató-rias e as transpuseram a suas nar-rativas. Scliar precedeu a Hatoum por alguns anos, daí que terá sido a inspiração deste último. Ambos são escritores cosmopolitas e, ao flagra-rem e forjarem vidas de imigrantes e de outros, estenderam suas tramas a perspectivas filosóficas, éticas, estéticas e também humorísticas. Mas além dos limites urbanos, ambos cooperam para um melhor conhecimento da história da imigração no Brasil, por narrativas que destacam expatriados e seus des-cendentes sob uma variedade de fortes emoções: melancolia incitada por saudades, atrevimento encorajado por novos horizontes, audácia estimulada

L ITERATURA

Ao contrário de Scliar,

que transportou seus

personagens e tramas

aos confins do mundo, a

direção dos habitantes

das narrativas de Hatoum

é em mão única.

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Amazonas, como ela a viveu, absorveu e dela teve de afastar-se para vê-la melhor, nisto reside a qualificação ‘regionalista’. Mas ele vai além dos hábitos e costumes arraigados na região, expandindo-se por sentimentos humanos que são reconhe-cíveis em qualquer canto do mundo. Não são dependentes de um único lugar, de uma única época ou paisagem – ainda que os rios, os igarapés, as palafitas, as mansões e a exuberância amazônica sejam imprescindíveis para que se possa acompanhar a transfor-mação das lendas em fatos.

Em suma, as diferenças entre Scliar e Hatoum podem ser suma-rizadas assim: Moacyr transformou a história (esta que conhecemos em manuais e outras obras) em relatos fantásticos, desconstruindo fatos e os re-apresentando como mitos. Milton fez o contrário: dos mitos

trazidos pelos libaneses, das lendas que pululam pela Amazônia dos brancos, indígenas e caboclos, ele re-construiu a história dos amazonenses, expatriados e manauaras.

Qual é a importância em com-pará-los? Porque eles são os dois pilares que ergueram o que se poderia classificar como “litera-tura étnica” no Brasil, depois da Segunda Guerra Mundial. Antes deles, alguns escritores puseram certo grau de atenção a imigrantes e estran-geiros em geral, lembrando Canaã, de Graça Aranha (1902), que incluiu dois imigrantes portugueses na ficção brasileira; também Mario de Andrade, em Amar, Verbo Intransitivo (1927), conjugado pela astuta frau no convívio paulistano, assim como Antonio de Alcântara Machado, que penetrou pelos cortiços italianos em Brás, Bexiga e Barra Funda (1927). São obras que marcaram nossa literatura, mas são vasos isolados. Como pioneiros no terreno, pode ser que tivessem inspirado tanto Scliar quanto Hatoum. Esses, não só deram continuidade ao tema, como nele se aprofundaram, ampliando e res-gatando áreas que somente poderiam ser iluminadas pela convivência com os grupos descritos e revividos nas suas obras. A contribuição desses dois escri-tores para o conhecimento das comu-nidades de expatriados, principalmente os que chegaram depois da Segunda Guerra ao país, é inestimável. Por eles, aprendemos mais do que qualquer livro de história poderia ensinar, pois narrativas ficcionais tendem a mostrar as dobras de civilizações transportadas para o Brasil em áreas que a história oficial não penetra. Uma vez a trilha aberta, escritores mais jovens e alta-mente produtivos têm contribuído para o tema do imigrante no Brasil, seja de qual nacionalidade for. No entanto, é inescapável a influência tanto de Scliar quanto de Hatoum na preferência e dedicação pelo tema.

* Regina Igel é PhD em Literatura Portuguesa, Consultora e Coordenadora do Programa de Português da Escola de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Maryland, USA

por ambição, recolhimento provoca-do por frustrações, entre tantos outros sentimentos. Este acervo espiritual, mental e físico faz parte do material re-colhido pela convivência dos escritores com brasileiros e estrangeiros, numa variedade de circunstâncias, episódios, e passagens que foram transmudadas na superfície dos seus racontos.

Em que Scliar e Hatoum diferem quanto a seu repertório literário? Scliar já não se encontra entre nós, daí que se pode inferir sobre sua obra (como publicada até hoje): ele de-senraizou seus personagens do ‘locus’ brasileiros e os levou a se desenvol-ver em outras paragens, outras terras, outros tempos – entrando e saindo do mundo real e do mundo supra-real. A diversidade de lugar e tempo da sua ficção se coaduna com a variedade de seus personagens: brasileiros, portu-gueses, estrangeiros em geral, judeus, cristãos, ateus e agnósticos, pobres e ricos, jovens e idosos.

Hatoum, que ainda poderá publicar muito em sua vida, pode ser visto como um escritor mais centrado na sua terra natal, no seu rincão amazônico, para onde ele faz convergir vários tipos de personagens. Também diferem dos habitantes das obras Scliar quanto às ‘roupagens’: são índios, imigrantes li-baneses, seus filhos e netos, explorado-res de diversas nacionalidades, atraídos pela magnificência da floresta e pelas possibilidades de enriquecimento, nem sempre menos do que espúrias. Refletindo uma Manaus ‘in transit’, sempre em mudanças e nas mãos de espertalhões, os personagens de Hatoum, em geral, apresentam-se de duas formas: permitem-se toda sorte de atividades, desde que satisfaçam suas ambições íntimas ou explícitas, desde que cheguem a concretizar seus planos, visíveis ou invisíveis e, de outro lado, são raptados por suas frustrações, desejos insatisfeitos, súbitas mudanças nas suas vidas. Como a âncora do escritor é sua

Hatoum pode ser visto

como um escritor mais

centrado na sua terra

natal, no seu rincão

amazônico, para onde ele

faz convergir vários tipos

de personagens.

Moacyr transformou

a história (esta que

conhecemos em

manuais e outras obras)

em relatos fantásticos,

desconstruindo fatos

e os re-apresentando

como mitos.

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IDENT IDADE

C onstruíram-se como cidadãos alexandrinos ou cairotas com todo o cosmopolitismo em

voga desde o início do século XX. Após a guerra do Canal de Suez no final de 1956, Nasser quis na-cionalizar não somente o Canal, mas a população, exigindo que todos os estrangeiros voltassem para seus países de origem. Na categoria “estrangeiro” entraram também os judeus, mesmo aqueles com passaporte egípcio, o que coloca um problema étnico: etnia e cidadania são uma mesma classificação? Para resolver esse truísmo, Nasser decreta que os cidadãos egípcios de fé judaica que “quisessem” sair do Egito - na verdade por serem judeus

- teriam de abrir mão de sua na-cionalidade egípcia.

Ser obrigado a deixar de ser aquilo que uma pessoa foi durante anos me parecia uma questão que merecia um olhar investigativo. Com uma assinatura forçada, um cidadão transformava-se num ser sem pátria, sem documentos, apenas um laisser-passer que lhe permitia sair do país e ir para outro, e nesse novo local trava uma batalha para poder existir. Vários judeus do Egito passaram por essa situação de pária, e costumam contar a seus filhos esta saga, e como foram os primeiros anos de adaptação num novo país.

O fato de ter de se repensar de outra forma é muito traumático.

E os membros do grupo manifes-tam de diferentes maneiras esse trauma: silêncios, choros, e até piadas. São memórias de sujeitos hifenados, de sujeitos que tiveram de se reciclar, de se traduzir em

JUDEUS DO EGITO NO RI DE JANEIRO

Por Joëlle Rouchou**

*

O grupo de judeus do Egito que estudei foi expulso do local que considerava

sua terra. Muitos que lá estavam há mais de três gerações até obtiveram um

passaporte egípcio. Tinham, sim, uma cidadania oficial, da qual se orgulhavam.

Nasser decreta que os cidadãos egípcios de fé judaica que “quisessem” sair do Egito - na verdade por serem judeus - teriam de abrir mão de sua nacionalidade egípcia.

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Ouvi histórias que sempre pareciam fantasiosas, com

ingredientes orientais que iam desde

dança do ventre, amêndoas e tâmaras até pôr-do-sol colorido.

Grande Sinagoga do Cairo, centro da vida

religiosa na cidade

Gamal Abdel Nasser. Decretou a nacio-nalização do Suez e a expulsão dos estrangeiros.

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toda sua cultura para poderem viver num outro lugar.

Aqui tratamos de expulsão. De uma mudança traumática, princi-palmente para os filhos, que não sabem por que os pais decidiram sair. Uma memória de expulsão. De pessoas que em 15 dias se viram obrigadas não só a deixar sua terra, seu chão, suas raízes, mas também suas vidas, seus bens, seu modo de ser, seu modo de se relacionar. E entram num navio, desembarcam algum tempo depois num espaço em que, provavelmente, nunca tinham pensado. Mesmo porque eles enviaram pedidos de vistos para vários países. É bastante forte imaginar que muitos deles estavam fazendo as malas apressa-damente sem saber para onde. O resultado é um alto e intenso nível de trauma social. É essa a questão fundamental para pensar a subje-tividade e a identidade que eles construíram no Rio de Janeiro.

A primeira memória a ser rea-tivada era a minha. Meu interes-se pelo tema justifica-se também pelo fato de pertencer a esse grupo: nasci em Alexandria, e com três meses, em 1957, fui trazida para o Rio de Janeiro a bordo do navio Giulio Cesare com mais de trinta pessoas que também fariam o mesmo trajeto apenas com passagem de ida: Alexandria/Gênova/Rio de Janeiro. Cresci ouvindo as histórias do Egito, dos escoteiros, bandeirantes, o francês como primeira língua. Ouvi his-tórias que sempre pareciam fanta-siosas, com ingredientes orientais que iam desde dança do ventre, amêndoas e tâmaras até pôr-do--sol colorido, areias do deserto, partidas de basquete, mais comidas e muitos perfumes. Percebi que muito pouco me foi transmitido. Até mesmo a história dos judeus

do Egito, a trajetória dos ascen-dentes até chegarem ao Egito, era um mistério.

Meu paladar foi apurado na culinária árabe, todas as festas judaicas sempre foram comemo-radas com pratos árabes, música de odaliscas, sons das mil e uma noites. A condição árabe-judia nunca me pareceu uma contra-dição. Tudo indica que o é. O Egito tolerante e cosmopolita, assim como um mundo árabe que aceite outra vez os judeus e o Estado de Israel recebendo dig-namente palestinos, parece uma utopia. Serão etnias tão diversas?

Me interessou saber como se deu e se dá essa construção que

vai incorporar o Brasil, o Rio de Janeiro, uma nova língua, e os efeitos dessa identidade transmi-tida aos filhos. Como essa iden-tidade se reconstrói? Como ela ganha esses contornos?

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Por fazer parte do grupo, conhecia a maior parte dos entre-vistados, amigos dos meus pais, o que facilitou a anuência deles em contar suas vidas. Foi instigan-te entrevistar os desconhecidos e perceber como se dava o processo de pessoas das quais não tinha re-ferências pessoais.

A primeira pergunta referia-se ao passado no Egito, o momento da partida e a chegada no Rio de Janeiro, sempre em português. Vários responderam em francês. Os que preferiram falar em português, costumavam dizer palavras ou epi-sódios completos em francês.

Quanto à segunda geração, apesar de falarem francês, as falas foram em português bem carioca. Me parecia ter sido a primeira vez que eles se perguntavam o que era ser filho de judeu do Egito, se isso teria alguma influência em seu cotidiano de cidadãos brasileiros. A constru-ção de suas identidades, memória e transmissão ia sendo feita enquanto relatavam suas histórias, muitas vezes contraditórias, lágrimas, risos, sorrisos e uma certa cumplicidade comigo, desde minha apresenta-ção ao marcar a entrevista sempre os informava que havia nascido no Egito, saído em 57 e vindo ao Rio de Janeiro. Como eles.

IdentidadeOs judeus do Egito já vêm de

um processo de hifenização, de falar mais de uma língua, de viver entre duas línguas, ter como

capital Paris, para os francófonos e Londres paras o anglófonos. No Egito eles tinham de conviver com as identidades européia e a árabe, além de manterem as tra-dições judaicas semanais, nas festividades israelitas e muitas vezes no esporte, ao defende-rem as cores da Macabi tanto na natação quanto no waterpolo e o basquete. Eram franco-egípcios--judeus, ou ainda greco-egípcios--judeus, apátridas-egípcios-ju-deus, sujeitos hifenizados.

A experiência com os entrevis-tados me permitiu fazer algumas

reflexões sobre memória e sobre a entrega dos sujeitos a suas histórias. Como se esperassem o momento em que, finalmente, poderiam visitar suas biografias.

Análise de entrevistasDe que Egito falamos? Esse

Egito fica na África? A qual Egito eles se referem? Me parece que esse Egito atende à definição da palavra Utopia. Segundo o Aurélio e o Larousse vem do grego ou que significa não, negação e topos = lugar. Local. É, então, um não--lugar. Os dicionários atribuem ao escritor inglês Thomas Morus (1480-1535) a criação de utopia como um País imaginário. Esse Egito de que tratam hoje não existe mais. Porém já existiu e somente eles têm acesso a ele, e talvez ouvintes mais sensíveis que permitem-se acompanhá-los nessa viagem.

A exposição de suas fragilidades num momento delicado, sensível, me parece um campo fértil para esse tipo de análise de narrativas. Minha curiosidade também vai ficando saciada e tem material para montar um pequeno cenário da situação que eles vivenciaram. C relata que a chegada foi “tudo bem” mas “o quarto do hotel” era apertado. E ter sido cantada pelos motoristas achando que eles estavam sendo

IDENT IDADE

Navio GiulioCesare, no qual os exilados egípcios chegaram ao Rio

No Egito, eles

tinham de conviver

com as identidades

européia e a árabe,

além de manterem

as tradições judaicas.

Guerra do Suez, 1956. Conflito contra

o fechamento do canal aos navios

israelenses.

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13** Joëlle Rouchou é jornalista, PhD em Comunicação e Cultura pela ECA/USP. É pesquisadora da Casa de Rui Barbosa

educados com ela mereceram uma reflexão, ou melhor, ocuparam mais espaço na sua ordem de prio-ridade mnemônica.

A partir dessas escolhas pode-se compreender as estratégias de defesa que os entrevistados criam – o mais provável que sejam inconsciente – para minimizar momentos deci-sivos e traumáticos em suas vidas. Ao ouvir as histórias foi possível observar as estratégias elaboradas pelos grupos familiares para con-seguir migrar e para reconstruir a vida na nova terra, muito diferen-te nos hábitos e costumes do país de origem. As imagens nas falas remetem às de um caleidoscópio, uma comparação que não é original, mas pertinente nesse caso. As pre-ocupações com pequenos causos, contar a chegada usando anedotas que são repetidas em família, como uma ópera-bufa, ou ainda um filme de Chaplin, são espelhos umas das outras. Por isso o jogo de espelho que esconde – em algum canto da luneta – uma mágica, o espelho que ao repetir caleidoscópio, não somente pela possibilidade de juntar fragmentos visuais, mas da mesma imagem em outra posição, fornece essa sensação de infinito.

As side-stories de suas vidas servem para silenciar um dado inaceitável por eles: a condição de exilados. Refugiado político não parece ser um atributo adequado para esse grupo. A única entrevis-tada que fala – duas vezes apenas

– a palavra exílio, é T, que tem formação acadêmica na área de Ciências Sociais e não sente-se constrangida em usar a palavra.

Os filhos, esses representantes da segunda geração, não parecem perceber o trauma vivenciado pelos pais. Eles sentem falta de mais infor-mações sobre o passado de seus pais.

Exílio, então, é uma condição e também um espaço. O exilado, ainda segundo o dicionário é aquele que foi expatriado, dester-rado, banido, degredado. As co-notações apresentam-se como ne-gativas, inferiorizantes. Uma das possibilidades para o silêncio sobre

a aceitação da condição de exilados do grupo entrevistado pode ser essa, a de não macular suas imagens para os filhos e para eles próprios.

O tom de país cosmopolita foi uma tônica em todos os depoi-mentos e na bibliografia sobre o Egito. Eles já eram estrangeiros no Egito. As circunstâncias fizeram com que se sentissem em níveis diferentes, como classes de cida-dania. A decepção, no momento da expulsão acabou sendo maior. Estavam fora do lugar.

Encontraram um nicho no Rio de Janeiro. Mas continuam falando português com sotaque.

Esse Egito de que

tratam hoje não

existe mais. Porém

já existiu e somente

eles têm acesso a ele.

* Este artigo é um extrato do livro da

autora, Noites de verão com cheiro

de jasmim, Editora FGV – 1ª edição,

2008. Rio de Janeiro.

O livro poderá ser adquirido

através de nosso site:

www.amazoniajudaica.org

Por do sol em Alexandria, cidade

natal da autora

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14 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

CAPACAPACAPA

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15

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16 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

C omo conta nosso ilustre Profº. Samuel Benchimol em sua valiosa obra

Eretz Amazônia – Os Judeus na Amazônia, após a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, declarada por Dom Pedro I, e posterior Constituição Imperial de 1824, o Catolicismo foi reconhecido como a religião oficial do Brasil.

Para muitos não católicos, isto poderia ser um mal sinal, no entanto, esta mesma constitui-ção, permitiu a outras religiões que mantivessem o seu culto doméstico em casas particulares que não tinham forma alguma de templo. Benchimol cita que era “uma espécie de semi clandesti-nidade legal para salvar as apa-rências”. Resumidamente, desta maneira, as sinagogas poderiam funcionar em casas particulares, como realmente aconteceu, logo no início da imigração sefaradi marroquina para Belém. Foi nesta época que surgiram as primeiras sinagogas do Brasil Independente – Essel (Eshel) Abraham, em 1823

ou 1824 e Shaar Hashamaim, em 1826 ou 1828.

Em 1890, com a Proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil, e pelo Decreto 119, baixado pelo governo provisó-rio, que aboliu a união legal da Igreja com o Estado, e instituiu o princípio da liberdade de culto, a Sinagoga Shaar Hashamaim, que bem provavelmente funcionava, como vimos, desde 1826 ou 1828, na residência da família do Sr. Leão Israel, seu fundador, na antiga Rua da Indústria, hoje Gaspar Viana, foi talvez a primeira a se beneficiar do novo estatuto legal.

Devemos entender que, apesar das contradições existentes, sobre a data de fundação, pelo menos, no que diz respeito ao seu fundador, o Sr. Leão Israel, não existem dúvidas.

Pioneiro entre os imigrantes marroquinos, sabe-se que muito fez em prol da preservação e continui-dade da cultura e tradição judaica que trouxe consigo do Marrocos.

Nosso objetivo, no entanto, é contar-lhes ou mesmo mostrar-lhes através de fotos, documentos e de-poimentos, sobre o grande tesouro que os judeus amazônidas, guardam em seus corações.

Conforme nos contam Márcia Barcessat e Deborah Aben-Athar, em seu trabalho de pesquisa sobre a História da Sinagoga Shaar ha--Shamaim, e também, como enfatiza Débora Serruya em sua

CAPA

Desta maneira, as sinagogas poderiam funcionar em casas

particulares.“Uma espécie de

semi clandestinidade legal para salvar as

aparências”.

Jacob Messod Benzecry em depoimento sobre a

construção da sinagoga

Sinagoga Shaar ha-Shamaim, a primeira do Brasil

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monografia apresentada ao Curso de Especialização Memória e História da Arte, desde 1927, já existia no seio da comunidade, a intenção de construir um Templo mais apropria-do para abrigar a sinagoga.

A comunidade crescera e a casa da Rua Frutuoso Guimarães, onde à época funcionava a sinagoga, ficara pequena frente ao elevado número de freqüen-tadores assíduos. Logicamente, pro-porcionaria também, grande orgulho aos seus fundadores e descendentes, ver um Templo próprio ser construí-do, especialmente, para abrigar a então centenária Shaar ha-Shamaim.

Em janeiro de 1928, o primeiro passo parece ter sido dado pela Diretoria da Sinagoga, através do então presidente, Sr. Jacob Messod Benzecry, que re-gistrou no Cartório de Registro especial de Títulos e Documentos, a nossa querida Sinagoga Shaar Hashamaim, no dia 27 de janeiro daquele ano . (Ver quadro ao lado)

A partir daí, o terreno esco-lhido, situado a Rua Arcipreste Manoel Teodoro, deveria ser ad-quirido. Muitas famílias contri-buíram para a compra do mesmo, porém, em especial a família Pinto, fez uma valiosa contribuição.

O início da construção do TemploPassaram-se alguns anos,

quando, em 1932, o sr. Messod Jacob Benzecry, retornando da Itália, trouxe em sua bagagem o projeto arquitetônico de Hugo Furine, arquiteto italiano. Não somente a planta, mas também o próprio arquiteto foi trazido pela família Benzecry, para dar início a construção deste “tesouro”.

Com seu estilo mourisco ela seria uma réplica da Sinagoga de Florença na Itália, situada à Rua Farine, 4.

Como administrador da obra e um de seus empenhados ba-talhadores, estava o Sr. Isaac Tobelem, que desempenhou seu trabalho arduamente, sendo o verdadeiro responsável pela execução do projeto.

Mas os problemas começa-ram a surgir: primeiramente o financiamento. A obra tornou--se imensa e consequentemente o seu custo também, tanto que, por volta de 1935/36, a cons-trução foi interrompida. Neste meio tempo, um outro problema tornava o sonho ainda mais difícil de se concretizar: o arquiteto

Não somente a

planta, mas também o

próprio arquiteto foi

trazido pela família

Benzecry, para dar

início a construção

deste “tesouro”.

Documentos históricos

Carta de fundação da Sinagoga

Convite para a inauguração

Nota promissória usada para pagar a construção da sinagoga

A Sinagoga de Florença, Itália

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18 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

Hugo Farine é chamado de volta à Itália, pelo então cônsul italiano, em virtude do Fascismo de Mussolini ter entrado em guerra com a Abissínia.

A conclusão e sua inauguraçãoCom poucas esperanças, o

capim tomando conta do esque-leto arquitetônico da obra, que ainda nem possuía a sua cúpula, surge o jovem engenheiro Judah Eliezer Levy.

Convidado a participar da luta dos abnegados que ainda sonhavam em concluir os trabalhos de cons-trução do Templo, Dr. Judah bri-lhantemente, deu continuidade ao trabalho de Furine, preservan-do o estilo europeu e mourisco do projeto original.

Sanado o problema de enge-nharia, faltava, agora , resolver o déficit financeiro. Este também, foi solucionado através de com-promissos pessoais assumidos por alguns integrantes da Comissão de Construção.

O Sr. Jacob Benzecry, juntamen-te com seu filho Messod, coordena-vam e controlavam os empréstimos

contraídos da Comissão. Os mesmos ficavam documentados através de notas promissórias que seriam resgatadas posterior-mente. Assim foram reiniciados os trabalhos e o empenho era tanto, que em pouco mais de dois anos, o esforço de todos foi recompensado.

No dia 8 de outubro de 1940 a primeira sinagoga do Norte do Brasil, teve seu Templo inaugurado.

Este tesouro, é até hoje, e será por muitos anos, ainda, motivo de orgulho para todos os judeus da região.

Fundadores

CAPA

Em pouco mais

de dois anos, o

esforço de todos foi

recompensado.

No dia 8 de outubro

de 1940 a primeira

sinagoga do Norte do

Brasil, teve seu

Templo inaugurado.

Fachada da Sinagoga, esforço

recompensado

MESSOD JACOB BENZECRYo grande idealizador

e empreendedor

JUDAH ELIEZER LEVY o engenheiro que

concluiu a obra

ISAAC TOBELEM o verdadeiro construtor,

o mestre-de-obra

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Foi Yaacov Avinu quem pela primeira vez, pro-nunciou as palavras Shaar ha-Shamaim. Isso acon-teceu na Parashá Vaietzé, versículo 17, capítulo 18.

Essa referência deve ter servido de inspira-ção para os fundadores dos templos de Shaar Hashamaim em diversas comunidades do mundo. O daqui, entretanto, acha-se cercado de certas pe-culiaridades que passamos a relatar.

O seu fundador chamava-se Leon Israel. Ora, Leon em hebraico vem a ser Yehudá que na Torá foi o quarto filho de Yaacov. Quando da construção do templo que se acha erguido na rua Arcipreste Manoel Teodoro, recordaremos que os principais envolvidos em sua edificação foram: Messod Jacob Benzecry, Jacob Messod Benzecry, Isaac Tobelem e José Azulay, Aleihem ha-Shalom, não obstante ter havido um certo número de pessoas que muito co-laboraram naquela majestosa obra.

Messod, o primeiro deles, foi o principal respon-sável pela vinda do arquiteto italiano Hugo Furline. Foi ele quem viajou à Itália e trouxe Furline e a planta da tão sonhada sinagoga.

Vamos, pois, verificar que os nomes de três dos quatro personagens citados, tal como o fundado-res, o Sr.Judá Israel e ainda o Sr. Judá Eliezer Levy - o engenheiro que concluiu a obra – todos fazem parte integral da família de Yaacov Avinu.

Há uma outra particularidade que cerca os nomes daqueles personagens. É que quase todos eles principiam com a letra “yod”: Yehudá o fundador, Yaacov Benzecry, Ytzchak Tobelem, Yosef Azulay”e finalmente Yehudá, o último “yod”, nem por isso menos importante, a comple-tar a divina sequência de um quinteto que ajudou a dar a Kehilá de Belém do Pará, um dos mais lindos templos existentes no Brasil.

Materialmente falando, a construção do templo era praticamente impossível. O número de famílias existentes em Belém naquela ocasião, não auto-rizava sequer a execução de tal projeto, quanto mais a sua edificação. Mas a fé inquebrantável em D´us, fez com que a união daqueles cinco “yodim”, encontrasse força e inspiração para levar a cabo a nobre mitzvá que lhes foi confiada, por quem

também ostenta em seu nome a minúscula letra “yod” – HAKADOSH BARUCH HU!

Eis aí um dos milagres de que é pródigo o povo judeu. À construção do templo Shaar Hashamaim soma-se a muitos outros, como: o sacrifício de Isaac, a passagem do Mar Vermelho, Chanuká, a Guerra dos Seis Dias e tantos outros que fogem à nossa imaginação, mas que estarão sempre acontecendo em conseqüência única de nossa fé inabalável no D´us de Abraham , Isaac e Jacob.

Reubem Tobelem z´l – ex diretor de Culto da Sinagoga Shel Guemilut Hassadim

do Rio de janeiro. Advogado.

Quis o Criador, que enquanto editávamos esta matéria que inclui este belíssimo texto de Reubem Tobelem z´l , pessoa tão amada por todos os que o conheceram e a referência à participação de seu amado pai, Itzhak Tobelém na construção do templo Shaar ha-Shamaim, ele nos deixasse, partindo para sua morada eterna.

A Revista Amazônia Judaica aproveita para pedir ao Eterno que conceda a sua alma, o repouso e a paz eternos e possa Ele confortar sua esposa Miryam, suas filhas e todos os seus parentes e amigos.

Shaar Hashamaim e seus fundadores

Nota dos editores

Reubem e Myriam Tobelem, casal símbolo dos olim da Amazônia, recebe homenagem em cerimônia dos 200 anos - Jerusalém 28/07/2010

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20 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

RESGATE H ISTÓR ICO

C om a morte do patriarca, e tendo de enfrentar a crise mundial de 1929, a empresa

dos Sequerra foi à falência. Em 1933, a viúva mudou-se para Lisboa com seus cinco filhos, e, entre eles, os gêmeos Samuel e Joel, então com 20 anos.

Quem me relatou esses fatos foi Salomão Sequerra, no seu aparta-mento do Leme, Rio de Janeiro, em março deste ano. Salomão nasceu em Lisboa, em 1943, e mudou-se com os pais e os irmãos para o Brasil em 1958, aos 15 anos de idade. Ele

é filho de Joel e sobrinho de Samuel, dois heróis anônimos do século XX.

Tudo começou em Barcelona, capital da Catalunha, Espanha, em 1942. Era a época conturbada da expansão militar da Alemanha nazista, incluída a França, país limí-trofe à Espanha. Legiões de refugia-dos vagavam de um país ocupado para o outro, em busca desespera-da da única rota possível de fuga: a fronteira franco-espanhola. A traves-sia dos Pirineus, a pé, levava alguns dias e era realizada sob as piores con-dições climáticas possíveis.

Os refugiados, além disso, preci-savam driblar a vigilância da polícia francesa de fronteiras, que colaborava abertamente com a Gestapo, sem falar nos ladrões e contrabandistas que pe-rambulavam pela região. A Espanha era considerada uma aliada de Hitler, com Franco, vitorioso na guerra civil, apoiado financeira, militar e ideolo-gicamente pela Alemanha.

Barcelona, reduto republicano e antifascista, foi uma das cidades mais castigadas pelas falanges fran-quistas. O dialeto catalão estava proibido e até mesmo a sardana,

OS IRMÃOS SEQUERRA HERÓIS ANÔNIMOS DO SÉC. 20 *

Por Nelson Menda**

No dia 24 de agosto de 1913, nasciam na cidade do Faro, sul de Portugal, os irmãos

gêmeos Samuel e Joel Sequerra, filhos de um próspero empresário do ramo pesqueiro.

Os Sequerra tinham retornado no século XIX, provenientes da Inglaterra, e

se orgulhavam do seu passado judaico-português. Duzentos anos antes, um

Sequeira havia sido queimado pela Inquisição em Portugal e seus três filhos

tiveram de se refugiar na Inglaterra, passando a utilizar o sobrenome Sequerra.

CIdade do Faro, por dentro de suas

antigas muralhas.

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Inverno nos Pirineus, fronteira de Espanha com a França

dança folclórica tradicional, era con-siderada subversiva e punida com prisão. Apesar de toda a simpatia e gratidão de Franco por Hitler, a Espanha representou, durante a II Grande Guerra, a salvação para os fugitivos do ódio nazista. O governo espanhol fazia vista grossa para os refugiados judeus que entravam no país, recusando-se a devolvê-los à polícia francesa ou à Gestapo.

Samuel e Joel tinham credenciais da Cruz Vermelha Portuguesa e eram também funcionários da JOINT, uma entidade de assistência aos refu-giados, fundada pelo filantropo nor-te-americano Jacob Schiff. Assim que desembarcaram em Barcelona, vindos de Lisboa, os dois irmãos se hospeda-ram no Hotel Bristol, em plena Plaza de la Cataluña, que se transformou no ponto de encontro dos refugiados que conseguiam chegar à cidade.

Samuel tinha se graduado em Economia e era um diplomata nato, com enorme capacidade de relacio-namento. Sua missão era contatar e fazer amizade com ministros, embai-xadores, cônsules, chefes de polícia, superintendentes penitenciários e até mesmo diretores de hospitais. Joel, um assistente social na completa acepção da palavra, executava o trabalho de bastidores, percorrendo

com seu carro os postos de fronteira, as prisões, as delegacias de polícia e os diversos campos de prisioneiros onde pudesse encontrar e socorrer fugitivos da barbárie nazista.

Os dois contavam com o apoio de um eficiente grupo de voluntá-rios que tinham ajudado a organizar. Uma vez localizado um refugiado, era preciso retirá-lo da prisão e encontrar uma residência digna, roupas, ali-mentos, um emprego e, mais impor-tante, documentos e vistos para que pudesse sair do país em segurança. De 1942 a 1945 Samuel e Joel con-seguiram salvar aproximadamente 1.000 pessoas, entre as quais o Barão de Rothschild, que, no impressionan-te relato da escritora Trudy Alexi no livro A Mezuzá nos Pés da Madona (Editora Imago), “chegou com as roupas esfarrapadas, depois de cruzar os Pirineus andando junto com a família”. Trudy, na época uma adoles-cente, conseguiu fugir pela escarpada fronteira franco-espanhola, tendo se radicado, posteriormente, nos EUA.

A escritora dedicou-se a entrevis-tar sobreviventes do Holocausto que, como sua própria família, haviam utilizado a rota Pirineus-Barcelona

para alcançar a liberdade. É ela quem menciona, pela primeira vez, o nome Seguerra, com g, citado 14 vezes em sua obra. Outro livro, do escritor Haim Avni, publicado em hebraico e inglês, Spain, the Jews and Franco, também se refere ao trabalho heróico dos dois irmãos. Para os homens sol-teiros, a salvação estava, muitas vezes, nas “noivas” portuguesas e espanholas que os irmãos Sequerra, com ajuda da coletividade, tratavam de arranjar.

Como “maridos”, tinham o direito de conseguir os documentos necessários para a sonhada viagem do casal à América, destino prefe-rido da maioria dos perseguidos. Muitos desses casamentos fictícios, redundaram em uniões reais e du-radouras. Para outros, bastava ir à respectiva legação diplomática e conseguir passaportes e vistos para um país que os aceitasse. Com a pro-gressão da guerra, contudo, estava ficando cada dia mais difícil obter esses documentos, especialmente para os judeus poloneses, que não eram reconhecidos como cidadãos pelo consulado do seu país.

Em alguns casos, quando havia risco iminente de deportação, o

Uma vez localizado um

refugiado, era preciso

retirá-lo da prisão e

encontrar uma residência

digna, roupas, alimentos,

um emprego e, mais

importante, documentos

e vistos para que pudesse

sair do país em segurança.

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22 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

refugiado era internado às pressas em um hospital, onde um cirur-

gião amigo constatava a necessidade urgente de uma cirurgia para retirada do apêndice. Extirpava-se, na maioria das vezes, um órgão saudável, mas em contrapartida, salvava-se uma vida. Quando se esgotavam as possibilida-des de conseguir passaportes e salvo--condutos, os Sequerra encaminha-vam os refugiados para Portugal.

Em Lisboa, a comunidade judaica havia montado uma estrutura para prestar-lhes auxílio médico e fi-nanceiro, além de assistência para a obtenção de passaporte português e um providencial visto para uma terra que os acolhesse. Além dos Estados Unidos, Marrocos, no norte da África, Cuba, México e Bolívia foram alguns dos poucos países que aceitaram receber refugiados, em um período em que as portas se fechavam para os judeus. Essa intensa atividade dos irmãos Sequerra em Barcelona não passou despercebida da Gestapo.

O escritório da JOINT já havia sido transferido do Hotel Bristol para uma sede maior, no Paseo de Gracia. Uma noite, Samuel e Joel foram salvos pela própria dedicação ao trabalho. Com excesso de tarefas, tiveram de fazer serão, tendo sido surpreendidos pelo ruído de uma violenta explosão, que destruiu completamente seu carro. Tivessem saído na hora habitual, teriam sido mortos pela bomba-relógio que os nazis colocaram sob o veículo. A esse atentado e outros dois, Samuel e Joel não esmoreceram e levaram a cabo sua meritória atividade.

Com o fim da guerra, Samuel e Joel continuaram suas atividades co-munitárias em Portugal, mudando--se para o Brasil no final dos anos 50. Samuel, solteiro, foi para a iniciativa privada, sendo eleito Presidente do Cemitério Comunal Israelita, no Rio de Janeiro, cargo que exerceu com enorme competência e dedicação até

sua morte, em 1992. Bem à entrada dessa necrópole, no bairro do Caju, uma placa em bronze presta uma merecida homenagem ao herói anônimo que nunca aceitou, em vida, qualquer tipo de honraria e que se encontra sepultado na própria entidade que dirigiu com extremo zelo. Seu irmão Joel, que veio com a esposa e os quatro filhos para o Rio de Janeiro em 1958, continuou desen-volvendo seu trabalho em entidades de auxílio aos refugiados, participan-do de projetos em prol dos judeus da

Hungria, Egito, Romênia e Bulgária.Em 1979, aos 66 anos, Joel

Sequerra se aposentou, transfe-rindo-se para Haifa com a esposa Simy. Naquela aprazível cidade is-raelense já vivia seu filho Arão, um brilhante arquiteto com Mestrado e Doutorado no Technion. Joel Sequerra curtiu seus últimos anos em Haifa, vindo a falecer aos 74 anos, em 1988. Além do internauta Salomão, que me relatou, emocio-nado, a maior parte dessa como-vente história, os irmãos Sequerra nunca gostaram de conversar com a família e os amigos sobre o que presenciaram durante os anos de chumbo da II Guerra e sempre re-cusaram receber qualquer tipo de homenagem, alegando, modesta-mente, que não haviam feito mais do que sua obrigação.

Uma frase de Joel, todavia, resume em poucas palavras o misto de esperança e amargura que o acompanhou por toda a vida: “eu gostaria de acreditar que esse tenha sido o último Holocausto”.

Em Lisboa, a comunidade

judaica havia montado

uma estrutura para

prestar-lhes auxílio

médico e financeiro,

além de assistência

para a obtenção de

passaporte português.

Lisboa Antiga

RESGATE H ISTÓR ICO

* Fonte: www.esefarad.com ** Nelson Menda é médico ortopedista, empresário e co-fundador do CONFARAD

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S ão elas: a odisséia do Sefer Torá de 400 anos desde Portugal para o Marrocos e do Marrocos

para o Brasil, para o rio Amazonas; a história de Rebi Muyal, rabino enviado do Marrocos e que faleceu e foi enterrado em Manaus e tornou--se “rabino milagreiro” para judeus e não judeus. E por fim, a história das “mulheres polacas”, mulheres judias que foram trazidas da Polônia para o Brasil e América do Sul para trabalhar como prostitutas.

Os Expulsos e o Sefer Torá A primeira Sinagoga de Manaus,

“Beit Yaakov”, foi fundada em 1928. De acordo com alguns membros da comunidade, esta era a Sinagoga dos “megurashim” (expulsos), pois nela rezavam os descendentes dos judeus que foram expulsos da Espanha e de Portugal e chegaram ao Marrocos. Eles falavam o Ladino e tinham o costume dos “sefaradim tehorim”, dos sefaraditas puros. Neste mesmo ano, foi inaugurado o primeiro cemitério israelita que está localizado bem ao lado do cemi-tério católico, e separado deste, por um muro de 10 tefachim (mais ou menos um metro e meio).

Mais tarde foi fundada a Sinagoga “Rebby Meyr”, na qual rezavam os “toshavim”, os judeus que já viviam

no Marrocos quando da chegada dos judeus expulsos da Península Ibérica. Em Manaus os judeus mais antigos de hoje afirmam que as divergências que culminaram com a divisão em duas si-nagogas eram por pequenas diferenças no “nussach hatefilá” (rito da oração) entre os originários de Tetuan e de Tanger no Marrocos. Interessante notar como essa divisão históri-ca entre os “megurashim” e os “toshavim” começou rolando no Marrocos e foi parar no Brasil e ainda perdurou muitos anos. Em 1962, os freqüentadores das duas sinagogas de-cidiram se juntar e fundaram um único Beit haKenesset (Sinagoga),Sinagoga

Beit Yaakov-Rebby Meyr, e assim teve fim esse discussão histórica.

O Sefer Torá de 400 anos que descansa no Aron haKodesh (Arca Sagrada) da sinagoga de Manaus é para os judeus locais não apenas um tesouro histórico, mas também um tesouro sentimental. A tradição comu-nitária conta que o Sefer Torá antigo tem sua origem em Portugal, depois ele acompanhou os judeus que deci-diram abandonar o país, pelos maus tratos impostos pela Inquisição e por suas leis intransigentes, e decidiram viver no Marrocos no século XVII.

O Sefer então passou de Portugal para o Marrocos, do Marrocos

O MUNDO SAGRADO DO NOVO MUNDO Por Rabino Eliahu Birnbaum*

Três histórias diferentes e intrigantes que se entrelaçam entre o sagrado e

o profano, entre a luz e a escuridão, entre Israel e os povos, ensinam sobre

os traços da comunidade judaica em Manaus, no Amazonas, e abrem uma

janela para a história judaica que deixou sua marca até os dias de hoje.

Sefer Torá da comunidade de Manaus.

COMUNIDADES

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24 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

continuou sua viagem com os judeus que buscavam uma vida nova nos rios da Amazônia brasileira, sem esquecer sua religião e cultura judaica. O Sefer Torá honrou durante muitos anos a pequena comunidade israe-lita de Itacoatiara, e somente depois que essa kehilá (comunidade) se ex-tinguiu completamente, em meados do século XX, foi levado o Sefer Torá para o Aron haKodesh de Manaus onde descansa até hoje.

Quando visitei a sinagoga da co-munidade, pedi para ver o Sefer Torá com os meus olhos e impressionou--me a klaf (pergaminho) e o formato das letras que comprovam a proce-dência e a odisséia desse Sefer Torá. Após verificação com especialistas confiáveis em Israel, pode-se afirmar que o Sefer Torá de Manaus tem a letra em formato Sefaradi (não do norte da África, mas Espanha), e foi escrito no fim do século XVI.

Há alguns anos atrás, o Museu da Diáspora (Beit Hatfutzot) em Tel Aviv – Israel, pediu que a comuni-dade doasse o Sefer para que fosse exposto ao grande público de visita-dores deste museu. Após diversos diálogos dentro da comunidade, ficou decidido manter o Sefer Torá em seu lugar, no Aron haKodesh, e não doá-lo. Quando perguntei o porque desta decisão ao presidente da comunidade, Sr. Jaime Benchimol, ele respondeu: “No Beit Hatfutzot este Sefer Torá será mais um objeto sagrado entre os muitos que se encontram no museu, mas aqui conosco, este Sefer, é o coração de comunidade judaica, ele é testemunho da longa e tortuosa história que trouxe os judeus para a Amazônia e é a origem da inspiração e do orgulho dos judeus de Manaus”.

A Sepultura do Rabino Muyal Fiquei para minha última visita à

Manaus no Rosh Chodesh Shevat, dia da Hilulá (aniversário do falecimento)

do Rabino Muyal z”l, conhecido como o Tzadik (Sábio) de Manaus. Quis visitar sua tumba, e comecei a andar pelo cemitério católico onde ele está enterrado, na esperança de encontrar sua sepultura. Não precisei me esforçar muito: quando perguntei a pessoas que trabalham no cemitério se elas sabiam, por acaso, onde estava sepultado o Rabino Muyal, responderam educa-damente: “certamente, a sepultura do nosso rabino santo milagreiro...”, e apontavam o caminho a seguir.

O Rabino Muyal morreu em 1910, provavelmente de febre amarela, e foi enterrado no cemitério municipal porque não havia, cemi-tério israelita até 1928.

Ninguém pode afirmar com toda certeza qual o motivo que fez com que o Rabino Muyal abandonasse o Marrocos e fosse para a Amazônia brasileira em 1908. A versão mais aceitável parece ser a que alega que o Rabino Muyal foi enviado pelo Rabino Chefe de então no Marrocos, Rabino Rafael Encáua, para tentar aproximar mais ao judaísmo, os judeus que viviam nas florestas tropicais e estavam pouco a pouco, se afastando de sua herança israelita ancestral e de sua fé no judaísmo. Muyal iniciou sua caminhada pela Amazônia, como todos que aí chegavam, pela cidade de Belém e depois seguiu viagem pelo rio acima. Em 1910 ele já

estava em Manaus e havia percorrido cerca de 2000 quilômetros. Após ter iniciado o seu trabalho na comuni-dade judaica de Manaus, ele faleceu vitimado por uma doença.

Os que contam essa história relatam, que ninguém queria estar ao lado do rabino quando ele estava morrendo, com exceção de uma senhora de nome Cota Israel, que cuidou dele com toda dedica-ção até sua morte.

Após sua morte, D. Cota passou a perceber que havia adquirido uma capa-cidade para curar doenças como contu-sões, problemas de joelho, fissuras e pro-blemas de coluna. “Ela era uma senhora simples e começou a cuidar de pessoas assim como os fisioterapeutas fazem

COMUNIDADES

Apesar do Rabino

Muyal ter sido enviado

a princípio para a

comunidade judaica, ele

se transformou após a

sua morte, num “santo”

fazedor de milagres,

principalmente, para os

católicos da cidade.

Túmulo de Rabi Muyal, o “rabino santo milagreiro”

Page 25: Revista Amazônia Judaica #4 - Julho de 2011

25

resposta do Rabino Encáua a pergunta dos judeus de Manaus no capítulo 25:

“Resposta para a comunidade do Pará no Brasil, sobre o que pediram para eu avaliar e dar minha deliberação sobre o assunto do “parochet” (cortina que fica na frente do Aron Hakodesh), que foi feito por mulheres prostitutas para a sinagoga e também sobre suas doações para a sinagoga, se é permiti-do receber delas ou não...”

É sabido que os livros de “shut” servem como fonte abundante para o estudo da história judaica em todas as épocas. Esta pergunta e sua resposta, mostram uma realidade vergonhosa que existia naqueles dias: mulheres judias que foram trazidas da Europa para tra-balharem como prostitutas na cidade.

Quando perguntei para alguns membros da comunidade a origem dessa questão, eles souberam dizer que, entre as mulheres judias que se pros-tituíam em Manaus, algumas vinham, freqüentemente, ao presidente da comunidade na época dos Dias Temíveis (Iamim Noraim) e outros Chaguim (Festas), fazer suas doações para ajudar a preservar os serviços reli-giosos e de caridade na comunidade de Manaus. É possível, que deste modo, pensavam estar se redimindo da profis-são que exerciam e que lhes foi imposta por um triste destino.

Assim, por exemplo, é conhecida a senhora de nome Lola, que durante quase toda sua vida foi prostituta, porém, quando se aproximou o dia de sua morte, pediu para retornar e se juntar novamente ao povo de Israel, e deixou sua herança para a comunidade judaica de Manaus. Ela, porém, condi-cionou a herança, ao pré-requisito de puder ser enterrada como judia em ce-mitério israelita. Se não conseguiu viver sua vida como judia, pelo menos queria ser enterrada como tal, assim como seus pais e antepassados o foram. Essa situação, assim como muitas outras, são o pano de fundo para essas perguntas.

hoje em dia”, diz Isaac Dahan, médico e chazan da comunidade israelita de Manaus. Quando perguntavam como ela fazia aquilo, Cota Israel dizia que era uma bênção do Rabino Muyal.

Apesar do Rabino Muyal ter sido enviado a princípio para a comuni-dade judaica, ele se transformou após a sua morte, num “santo” fazedor de milagres, principalmente, para os ca-tólicos da cidade. Os membros da co-munidade israelita costumam visitar sua sepultura na véspera de Rosh Hashaná, mas os cristãos fazem isso durante todo o ano. O Rabino Muyal se transformou numa figura muito importante para os residentes locais, a ponto de há alguns anos atrás o ex--parlamentar Eli Muyal z”l, sobrinho

do rabino Muyal, ter solicitado a transladação dos restos mortais para uma nova cova em Israel, e os dirigentes da comunidade judaica terem recusado tal solicitação, pelo receio dos moradores locais dizerem que os judeus estavam levando um de seus “santos”.

Entre o sagrado e o profanoOs judeus que imigraram para

Manaus, preservaram o contato per-manente com suas comunidades no Marrocos. Dentre muitos pretextos, este contato serviu para encontrar noivas para os jovens aventureiros que já não eram mais tão jovens assim, e haviam se tornados homens na Amazônia. Eles escreviam para suas mães pedindo que buscassem, para si mesmos, uma esposa entre primas e vizinhas conhecidas, objetivando constituir uma família judia. Até hoje, existem em Manaus, algumas pessoas idosas que sabem contar, que seus pais ou avôs se casaram após a noiva ter sido “encomendada” do Marrocos.

Inúmeras perguntas foram enviadas a grandes rabinos e daianim (juizes) no Marrocos de todos os cantos, onde os Marroquinos viviam espalhados pela Diáspora. Em livros “shut” – pergun-tas e respostas – do Rabino Rafael Encáua e também no livro do Rabino Itzchak ben Ualid, “Vaiomer Itschak”, aparecem muitas questões que foram enviadas a esses sábios, especialistas na lei, por judeus das comunida-des da Amazônia – Belém, Manaus, Itacoatiara e outras. Os judeus que es-colheram ficar no Brasil continuaram ligados espiritualmente ao Marrocos.

O Rabino Rafael Encáua era conhe-cido em todo o Marrocos como “o Anjo Rafael”. Ele nasceu em 1848 e faleceu em 1935, quando tinha 87 anos. Em seu livro “Karnei Reem”, consta uma pergunta, da qual aprendemos sobre um fenômeno vergonhoso e difícil que acon-tecia em Manaus. E assim foi enviada a

Esta pergunta e sua

resposta, mostram uma

realidade vergonhosa

que existia naqueles

dias: mulheres judias que

foram trazidas da Europa

para trabalharem como

prostitutas na cidade.

* O Rabino Eliahu Birbaum é Diretor Fundador do Straus Amiel Programas e Rabino da Organização Shavei Israel

Detalhe da lápide no túmulo de Rabi Muyal.

Page 26: Revista Amazônia Judaica #4 - Julho de 2011

26 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

CRÔNICA ESPEC IAL

ELE O GURU, E EU O GURI MINHA HISTÓRIA COM MOACYR SCLIAR Z´L

Esta coluna CRONICA é especial. Para nós ela é triste, mas ao mesmo tempo prenhe de orgulho – poucas comunidades judaicas do mundo tiveram o zehut - a honra - de ter entre suas fileiras, o maior escritor judeu de seu tempo, entre os melhores do país.

Moacyr Scliar nos brindou com sua escrita magistral e nos engran-deceu como seres humanos, judeus e brasileiros.

Os meus amigos mais próximos, já estão cansados de saber de meus “pecados proto literários”, que é como denomino, tomado pelo temor, minhas pretensões de escritor, meus pequenos vôos pelos céus sem limites da fantasia literária.

Todo pretenso escritor tem seu guru, o meu mais próximo, desde longa data, foi Moacyr Scliar z´l.

Começou esta relação, como começam todas entre o leitor e o seu autor. Não que Moacyr tenha sido o único – confesso minha infidelidade humana - acontece que mesmo não sendo tricolor doente, sou levado a concordar com o velho bruxo, Nelson Rodrigues, que afirmava algo mais ou menos assim: há apenas 3 ou 4 livros (autores) importantes para cada um de nós, cabe apenas relê-los sempre.

Com Moacyr foi assim. Na fase de leitor, como muitos, comecei pela “Guerra do Bom Fim” e “O Exército de um homem só”, segui pelo “Ciclo das águas” passei pelo “O centauro no jardim” e daí não parei mais, chegando por último ao “Manual da paixão Solitária”.

Neste último, ele “pegou pesado” comigo, pois sem saber, escolheu como tema a vida de Tamar de Judá, o mesmo personagem bíblico que sempre me encantou - encanto que me fez dar nome a uma de minhas filhas.

por Elias Salgado *

Page 27: Revista Amazônia Judaica #4 - Julho de 2011

Personagem, passível de contro-vérsia nos meios mais conservadores e tão bem compreendido por ele e por Thomas Mann, em sua tetralo-gia “José e seus irmãos”, onde Mann apresenta uma Tamar esplendorosa, dona de si e de suas escolhas e a de Scliar é exatamente assim, só que com um delicioso e magistral tom satírico, uma das fortes marcas de sua obra.

Como o conheci pessoalmente, sim porque eu o conheci e muito

bem, é um outro longo pedaço desta mesma história.

Tudo começou nos anos 90, ao pesquisar e escrever um trabalho sobre judeus no Brasil, para a Universidade Hebraica de Jerusalém que se propunha ser um programa de estudos do tema nas escolas – o primeiro de seu gênero- optei por utilizar como uma das ferramentas di-dáticas e pedagógicas de apoio, a lite-ratura de autores judeus brasileiros.

“Acredito, sim, em inspiração, não como uma coisa que vem de fora, que “baixa” no escritor, mas simples-mente como o resultado de uma peculiar introspec-ção que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas — o sonho, por exemplo. Mas só inspiração não é suficiente”.

Moacyr Jaime Scliar nasceu em Porto Alegre (RS), no Bom Fim, bairro que até hoje reúne a co-munidade judaica, a 23 de março de 1937, filho de José e Sara Scliar. Sua mãe, professora primária, foi quem o alfabetizou. Cursou, a partir de 1943, a Escola de Educação e Cultura, daquela cidade, conhecida como Colégio Iídiche. Transferiu-se, em 1948, para o Colégio Rosário, uma escola católica.

Em 1955, passou a cursar a faculdade de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS), onde se formou em 1962. Em 1963, inicia sua vida como médico, fazendo residên-cia em clínica médica. Trabalhou junto ao Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU), daquela capital.

Publica seu primeiro livro, “Histórias de um Médico em Formação”, em 1962. A partir daí, não parou mais. São mais de 67 livros abrangendo o romance, a crônica, o conto, a literatura infantil, o ensaio, pelos quais recebeu inúmeros prêmios literá-rios. Sua obra é marcada pelo flerte com o imaginário fantástico e pela investigação da tradição judaico--cristã. Algumas delas foram publicadas na Inglaterra, Rússia, República Tcheca, Eslováquia, Suécia, Noruega, França, Alemanha, Israel, Estados Unidos, Holanda e

Espanha e em Portugal, entre outros países.Em 1965, casa-se com Judith Vivien Oliven.Em 1968, publica o livro de contos “O Carnaval

dos Animais”, que o autor considera de fato sua primeira obra.

Especializa-se no campo da saúde pública como médico sanitarista. Inicia os trabalhos nessa área em 1969.

Em 1970, freqüenta curso de pós-gradua-ção em medicina em Israel, sendo aprovado. Posteriormente, torna-se doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública.

Seu filho, Roberto, nasce em 1979.A convite, torna-se professor visitante na

Brown University (Departament of Portuguese and Brazilian Studies), em 1993, e na Universidade do Texas, em Austin.

Colabora com diversos dos principais meios de co-municação da mídia impressa (Folha de São Paulo e Zero Hora). Alguns de seus textos foram adaptados para o cinema, teatro e tevê.

Nos anos de 1993 e 1997, vai aos EUA como professor visitante no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University.

Em 31 de julho de 2003 foi eleito, por 35 dos 36 acadêmicos com direito a voto, para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº 31, ocupada até março de 2003 por Geraldo França de Lima. Tomou posse em 22 de outubro daquele ano, sendo recebido pelo poeta gaúcho Carlos Nejar.

O escritor faleceu no dia 27/02/2011, em Porto Alegre (RS), vítima de falência múltipla de órgãos.

Moacyr Scliar z”L 23.03.1937 – 27.02.2011

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28 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

CRÔNICA ESPEC IAL

Meu cânone e orientação, veio da grande amiga Regina Igel, da Universidade de Maryland, espe-cialista em literatura judaica brasi-leira, autora do clássico “Imigrantes Judeus, escritores brasileiros”.

Este meu trabalho leva o título de “História e Identidade, a experiência dos judeus no Brasil”, inédito até hoje como livro, mas que possui um prefácio elogioso e generoso, escrito por meu guru – a primeira de várias lembranças carinhosas e encorajado-ras que ele me deixou.

O primeiro de inúmeros encon-tros pessoais aconteceu em 1998, quando atendeu ao meu convite, para uma palestra aos alunos do colégio A. Liessin Scholem Aleichem e daí não paramos mais - eu de convidá-lo e ele de aceitar os convites, aliás, justiça seja feita: nunca soube que ele tenha negado algum a alguém...

Em 2003, numa palestra no colégio TTH-Barilan, nos reen-contramos e ao final do evento, levei-o, caminhando, até o hotel onde estava hospedado, e aproveita-mos para colocar nossa conversa em dia. A certa altura ele me revelou o

que pouquíssimos sabiam no país naquele momento:

“ Tu sabes, guri, que me con-vidaram para fazer parte da Academia? Na verdade eles estão querendo se retratar com o Rio Grande, já que não colocaram lá o Mário Quintana...”

Se isso não é humildade, o que seria então, esta tal coisa?

Alguns poderiam pensar que talvez duas coisas me passaram pela cabeça: a primeira, que eu estava feliz por ele e muito por mim, pois acabava de ganhar um amigo imortal. A segunda, que me apossou um sentimento pouco nobre, e pensei: “acabo de perder um amigo...”

Mas minha história com Moacyr ainda continuou, e para mim é tão imortal quanto ele.

Em 2006, assumi a direto-ria cultural do CCMA - Centro Cultural Mordechai Anilevitch. Em 23 de março de 2007, dia de seu aniversário, na Festa de Pessach, Moacyr e Judith, sua esposa, festeja-ram conosco, em nossa sede seus 70 anos. (veja em :http://www.youtube.com/watch?v=tXR7F9rRvBg)

Nesta noite, como em inúmeras

outras, foi lido um texto inédito, mas já conhecido de certos setores, “Um Seder para nossos dias” – entre os mais próximos chamado de “A Hagadá do Moacyr”. Considero este texto, um dos grandes momentos literários e humanistas do meu grande guru.

No ano seguinte, Moacyr aceitou mais um de meus diversos convites – em minha opinião, o maior de todos – dar seu apoio como patrono ao Concurso de Literatura do CCMA, cujo prêmio leva seu nome – Prêmio Moacyr Scliar.

Encontramo-nos pela última vez em 2009, durante as gravações de uma entrevista televisiva na sede da Academia Brasileira de Letras, que or-ganizamos para divulgar o III Prêmio Moacyr Scliar. Participando das grava-ções estava também um dos grandes ícones da crítica literária, e uma das maiores conhecedoras da obra de Moacyr, Bella Jozef z´l, PhD em litera-tura e presidente do júri do concurso.

Tenho em meus arquivos as imagens, ainda não tive coragem de assisti-las novamente. No momento me bastam as memórias vivas como elas estão e sempre estarão.

28 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011 *Elias Salgado é Diretor do Amazônia Judaica.

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Atenção, mulheres, está demonstra-do pela ciência: chorar é golpe baixo. As lágrimas femininas liberam substâncias, descobriram os cientistas, que abaixam na hora o nível de testosterona do homem que estiverem por perto, deixando o sujeito menos agressivos. Os cientistas queriam ter certeza de que isso acontece em função de alguma molécula liberada — e não, digamos, pela cara de sofrimento feminina, com sua reputação de derrubar até o mais insensível dos durões. Por isso, evitaram que os homens pudessem ver as mulheres chorando. Os cientistas molharam pequenos pedaços de papel em lágrimas de mulher e deixaram que fossem cheirados pelos homens. O contato com as lágrimas fez a concentração da testostero-na deles cair quase 15%, em certo sentido deixando-os menos machões.

(Publicado no caderno Ciência, 7 de Janeiro de 2011)

Ele vivia furioso com a mulher. Por, achava ele, boas razões. Ela era relaxada com a casa, deixava faltar comida na gela-deira, não cuidava bem das crianças, gastava de mais. Cada vez porém, que queria repre-endê-la por urna dessas coisas, ela começava a chorar. E aí, pronto: ele simplesmente perdia o ânimo, derretia. Acabava desistin-do da briga, o que o deixava furioso: afinal, se ele não chamasse a mulher à razão, quem o faria? Mais que isso, não entendia o seu próprio comportamento. Considerava-se um cara durão, detestava gente chorona.

Por que o pranto da mulher o comovia tanto? E comovia-o à distância, inclusive. Muitas vezes ela se trancava no quarto para chorar sozinha, longe dele. E mesmo assim ele se comovia de uma maneira absurda.

Foi então que leu sobre a relação entre lágrimas de mulher e a testoste-rona, o hormônio masculino. Foi urna

verdadeira revelação. Finalmente tinha uma explicação lógica, científica, sobre o que estava acontecendo. As lágrimas diminuíram a testosterona em seu orga-nismo, privando-o da natural agressivi-dade do sexo masculino, transformando o num cordeirinho.

Uma idéia lhe ocorreu: e se tomasse injeções de testosterona? Era o que o seu irmão mais velho fazia, mas por carência do hormônio.

Com ele conseguiu duas ampolas do hormônio. Seu plano era muito simples: fazer a injeção, esperar alguns dias para que o nível da substância aumentas-se em seu organismo e então chamar a esposa à razão.

Decidido, foi à farmácia e pediu ao en-carregado que lhe aplicasse a testostero-na, mentindo que depois traria a receita. Enquanto isso era feito, ele de repente caiu no choro,um choro tão convulso que o homem se assustou: alguma coisa estava acontecendo?

É que eu tenho medo de injeção, ele disse, entre soluços. Pediu desculpas e saiu precipitadamente. Estava voltando para casa. Para a esposa e suas lágrimas.

Moacyr Scliar, que morreu no último dia 27/02/2011, à 1h. aos 73 anos, escrevia na coluna “Cotidiano” do jornal “Folha de São Paulo”, às segundas-feiras um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal. Esta é a última coluna do médico e escritor publicada naquele espaço.

Este texto, inédito, foi enviado pelo escritor ao jornal no dia 11/01/2011 , antes de sofrer um AVC (acidente vascular cerebral), no dia 17/02/2011.

Fonte: Releituras http://www.releituras.com/mscliar_bio.asp

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ÚLTIMO TEXTO DO AUTOR

Lágrimas e testosterona

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30 AMAZÔNIA JUDAICA No4 - JUL/2011

Oi Elias.Dei uma olhada no teu site ou blog, não sei a

diferença no caso, e fiquei impressionado com o nível do trabalho.

Paulo Blank – Psicanalista e Phd em Comunicação – Rio de Janeiro- RJ

Prezado David. Sinceros parabéns pela edição da Amazônia

Judaica. O Criador esteja sempre te ofertando muita saúde e disposição para continuar essa gloriosa caminhada. Um abraço.

Meyr D.Israel – Manaus - AM

Elias,É um prazer receber notícias suas. Os 200

anos da recente Amazônia Judaica merecem maior conhecimento de todos do lado de baixo do equador, bem mais embaixo. Estou me de-dicando a fazer conhecer a presença judaica na formação do Brasil, desde Cabral, se não mais antes ainda, como no conto de I.L. Peretz.

Um abraço,

Herman Glanz – Organização Sionista do Brasil

Queridos amigos.Acabo de receber a revista e as Hagadot,

pena que nós moramos longe, pois a minha vontade é abraçar vocês pela beleza das duas coisas. Lindo, lindo! Parabéns!

Esther Dimenstein - São Paulo - SP

CARTAS DOS LEITORES

CONTATO

B”HCaro Sr. David Salgado.Venho comunicar que já recebi a Hagadá de

Pessach e os demais itens encomendado. Gostaria de agradecer pela atenção e ao mesmo tempo prestar minhas congratulações pela qualidade do material elaborado, com toda certeza este trabalho vem colaborar para o resgate das raízes sefaradi marroquina e ao mesmo tempo disponi-biliza uma direção de minhag aos Bnei Anussim do Brasil, pois, a maioria acabam usando mate-riais ashkenazis.

Por isso desejo Mazal Tov pelas recentemente obras editadas.

Macedo (Y. Meir Elbaz) Campinas –São Paulo

Querido Elias.Acabo de receber e ler com enorme prazer a

Revista Amazônia Judaica. Fiquei maravilhada! A revista está linda e as matérias super interes-santes. Vou levar para meus amigos do grupo de estudo de Torá para que conheçam.

Beijos,

Suely Tabacow Jurberg – Rio de Janeiro - RJ

Fui ao Comitê me encontrar com Anne e ela me deu os exemplares da revista, está linda, muito bem produzida, fiquei muito orgulhosa do trabalho caprichado de vocês, Parabéns!

Obs: Obrigada por divulgar a defesa da minha monografia, vocês são muito queridos!

Dina Paula – Assistente Social e pesquisadora – Manaus – AM

Caríssimos,Antes de mais nada, agradeço ao Sr. David

Salgado e toda a equipe por mais uma brilhante e importante iniciativa de se publicar a Hagadá Shel Pêssach no Rito Sefaradi.

Assim sendo, quero fazer o pedido.

Sindevaldo Alves de Macedo – Campinas - SP

Page 31: Revista Amazônia Judaica #4 - Julho de 2011

PÁGI

NA V

ERD

EAMIGOS DO

PATROCÍNIOS / APOIOS / PARCERIAS

CIAM

CIP

CIAP

SHEL GUEMILUT HASSADIM

BEMOL/FOGÁS

CIEX

I.B. SABBÁ

CLÍNICA DE OLHOS BENCHIMOL

MUNDIAL EXP. E IMP. LTDA.

MACAPÁ HOTEL

ARITANA AMAZON TUR. LTDA.

ARQUIVO HISTÓRICO JUDAICO DE PERNAMBUCO

A.H.J.B. - ARQUIVO HISTÓRICO JUDAICO BRASILEIRO

Page 32: Revista Amazônia Judaica #4 - Julho de 2011

PÁGI

NA V

ERD

EAMIGOS DO

ASSINANTES

Esther Dimenstein

Luiz Benyosef

Sergio Benchimol

Moises Sabbá

Denis Minev

Alberto Alcolumbre

Yehuda Benguigui

Ruth Lea Bemergui

Rosa Borrás

Iria Ferreira Mojluf Chocron

Fortunato Chocron

Meyr David Israel

Ricardo Trigueiro

Isaac José Obadia

Juarez Frazão Rodrigues Junior

Salomão Cohen

Raquelita Athias

Esther Mimon Benchimol

Jaime Salgado

Page 33: Revista Amazônia Judaica #4 - Julho de 2011

PÁGI

NA V

ERD

E

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